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VIII EPEA - Encontro Pesquisa em Educação Ambiental Rio de Janeiro, 19 a 22 de Julho de 2015
Realização: Unirio, UFRRJ e UFRJ
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A INSERÇÃO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DO AGRONEGÓCIO NAS
ESCOLAS PÚBLICAS ATRAVÉS DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL: O
POSICIONAMENTO DAS SECRETARIAS MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO
Carolina B. Mendes – UNESP campus Bauru
Rodrigo de Azevedo Cruz Lamosa - UFRRJ
Resumo: Nosso objetivo de investigação foi analisar como se dá a inserção da
Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), por meio do seu Programa
“Agronegócio na Escola”, nas escolas públicas dos municípios de Dumont e
Jaboticabal, através das Secretarias Municipais de Educação (SMEs). Em contrapartida,
o trabalho analisou o município de Matão que vem resistindo a assinar o convênio com
a associação. Constatamos, através de entrevistas realizadas com secretários municipais
de educação e/ou representantes, que a inserção da ABAG nas escolas públicas, via
SMEs, ocorre quando há concepção favorável destas ao modelo do agronegócio, bem
como à compreensão da Educação Ambiental (EA) para o Desenvolvimento
Sustentável. Defendemos a necessidade de um posicionamento político comprometido
assumido pelos responsáveis das SMEs, priorizando a formação inicial e continuada
pública em EA aos professores, isentando as escolas públicas da inserção das
instituições externas e contribuindo ao trabalho docente que busque a transformação
social.
Palavras-chave: Educação Ambiental Crítica. Secretarias Municipais de Educação.
Associação Brasileira do Agronegócio.
Abstract: Our research goal was to analyse how is the insertion of the Associação
Brasileira do Agronegócio – ABAG (Brazilian Association of Agribusiness) through its
program “Agronegócio na Escola (Agrobusiness at school)” in public schools from the
cities of Dumont and Jaboticabal, through the City Boards of Education (Secretarias
Municipais de Educação – SMEs). In contrast, the research analyzed the city of Matão
which has been resisting to sign the agreement with the association. We found, through
interviews with local secretaries of education and/or representatives, that the insertion of
ABAG in public schools, through the SMEs, occurs when they have a positive
conception to the model of the agribusiness, as well as the compreention of the
Environmental Education (Educação Ambiental – EA) to the Sustainable Development.
We defend the need of a committed political stand made by those responsable for the
SMEs, prioritizing the inicial and continuing public training in EA to the teachers,
exempting the public schools from the insertion of the external institutions and
contributing to the teaching work to find the social transformation.
Key-words: Critical Environmental Education. Public School. Brazilian Association of
Agribusiness.
Introdução
A Educação Ambiental (EA), como campo de estudo no Brasil, se apresenta
envolvida em grande diversidade de correntes políticos-pedagógica e instâncias da
sociedade que apresentam propostas para o desenvolvimento desta, acarretando uma
diferenciação teórica e metodológica importante e, ao mesmo tempo, problemática
quando não identificada e compreendida.
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Um dos contextos que recebe grande influência dessa variação de concepções é
escola pública. É possível observarmos a diversidade de ações carregadas de diferentes
ideologias que vêm sendo desenvolvidas como EA neste espaço, por haver nesta, em
muitos casos, o estabelecimento de parcerias entre as Secretarias Municipais de
Educação e as instituições externas que fornecem tais ações.
Uma das ações que vem sendo desenvolvida é o Programa “Agronegócio na
Escola” oferecido pela Associação Brasileira do Agronegócio, pela regional desta
associação em Ribeirão Preto (ABAG/RP). Segundo informações colhidas no site
oficial, a ABAG - Associação Brasileira do Agronegócio - foi fundada em março de
1993, com apresentação oficial ao Congresso Nacional, em Brasília, pelo seu
presidente, Ney Bittencourt de Araújo. O momento em que ocorreu a fundação da
ABAG nos chama a atenção, inicialmente, por ter sido justamente um ano após a Rio-
92, evento tão emblemático na introdução de questionamentos sobre o modo de
produção vigente, e das diretrizes mais críticas para a Educação Ambiental.
Propusemo-nos, assim, a investigar e analisar como ocorre esse processo de
inserção da ABAG nas escolas públicas, através de entrevistas realizadas com os
secretários municipais de educação e/ou representantes das Secretarias Municipais de
Educação (SMEs) em Dumont e Jaboticabal todos localizados no interior do estado de
São Paulo, na região de Ribeirão Preto. A investigação foi conduzida, ainda, ao
município de Matão, no qual há resistência à parceria com a ABAG, o que impede a
entrada do Programa “Agronegócio na Escola” nas escolas da rede, devido à recusa do
secretário municipal de educação.
Entrando em contato com a realidade presente na região envolvida neste estudo,
percebemos que a adesão das escolas públicas às atividades oferecidas pelas instituições
de caráter privado, externas a elas, está relacionada à grande dependência econômica e
cultural do agronegócio naqueles municípios, nos incitando a investigar quais eram os
objetivos e as reais intenções daquelas ao adentrarem as escolas, bem como os motivos
que levavam as SMEs estabelecerem tais parcerias.
Para melhor compreender como se dá o desenvolvimento do Programa e os
objetivos da associação, conduzimos investigações junto à ABAG/RP. Assim, buscamos
entender como a relação entre a ABAG e as SMEs é estabelecida; quais são os objetivos
dos envolvidos - tanto os do meio empresarial, quanto os do meio educacional - e quais
os resultados alcançados pelos mesmos, por meio das ações desenvolvidas.
Não consideramos que uma instância (como a SME) determine completamente a
outra (neste caso, a escola), mas sua ação ou posicionamento pode caracterizar e
justificar alguns elementos, tais como as práticas em Educação Ambiental, a formação
continuada em Educação Ambiental e, também, as parcerias com as instituições do
cenário privado aqui consideradas.
Assumindo o materialismo histórico-dialético como fundamento teórico deste
trabalho e, portanto, posicionando-nos a favor da Educação Ambiental Crítica,
compreendendo o caráter político da educação para a humanização e emancipação dos
sujeitos. Apontamos a necessidade de adentrarmos em discussões que vão além da
Educação Ambiental apenas como possibilidade e atividades pontuais na escola pública,
necessitando do desenvolvimento de um trabalho docente comprometido e coerente com
a busca da transformação social.
A ABAG e o Programa “Agronegócio na Escola”.
A representatividade da ABAG no cenário nacional e internacional é de grande
abrangência e relevância, especialmente para a difusão da importância do agronegócio
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para a vida das pessoas e de sua responsabilidade ambiental, segundo a perspectiva
desta associação. A ABAG é composta por representantes de todos os segmentos do
agronegócio brasileiro - relacionados no site da empresa - e se integra a vários
conselhos, comissões, câmaras setoriais e fundos administrativos, consultivos e
superiores no país, dentre eles: CONSAGRO - Conselho do Agronegócio (Ministério da
Agricultura), com representação em diversas Câmaras Setoriais; CODEAGRO -
Coordenadoria de Desenvolvimento dos Agronegócios, nas Câmaras Setoriais;
Conselho Superior do Agronegócio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
(Fiesp/Cosag); Conselho Nacional de Política Agrícola (MAPA/CNPA); Conselho
Assessor Nacional da Empresa Brasileira de Agropecuária (Embrapa); Conselho
Superior de Estudos Avançados (Fiesp/Consea); Conselho Nacional de Segurança
Alimentar (Planalto/Consea); Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional
Sustentável (Consea); Conselho Diretor do InpEV; Conselho Nacional da Pecuária de
Corte; Conselho Curador da Fealq; Conselho Consultivo da Agrishow; Conselho
Superior de Estudos Avançados; Comissões como Mista Brasil-Alemanha para o
Agronegócio; Nacional Pública-Privada Assessora - COPAS (Política Governamental
para Alimentos Seguros) - Secretaria de Desenvolvimento Agropecuária e
Cooperativismo (MAPA/SDA); De Agroindústria – CNI; Comitê do Agronegócio da
BM&F Bovespa e Comitê Gestor do Fundo Setorial do CMT Nacional de Integração
Lavoura-Pecuária - Secretaria de Desenvolvimento Agropecuária e Cooperativismo
(MAPA/SDA).
De acordo com Lamosa (2013), a ABAG teve suas origens atreladas ao
momento em que a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) ganhou
visibilidade no cenário nacional, a qual foi presidida - até o momento de fundação da
Associação - por Roberto Rodrigues. Este, juntamente com Ney Bittencourt, foi quem
encabeçou a criação da ABAG.
Esse momento de “união de forças”, portanto, foi permeado por importantes
disputas político-econômicas, com grande representatividade histórica no que diz
respeito ao entendimento do momento de nossa sociedade em relação ao setor agrário e
à perpetuação do patronato rural nacional1. Ainda sem nos aprofundarmos, ressaltamos
que essa aliança entre a ABAG e a OCB representa, até os dias de hoje, a força
hegemônica do patronato rural, segundo Mendonça (2008), ainda que atualmente atuem
de formas diferentes, condizentes com o momento da sociedade contemporânea.
A OCB foi uma das entidades que, no Brasil, encabeçou o processo de
modernização no campo e o fim da separação entre a agricultura e a indústria. Este foi
um processo de significativa importância para o país, pois associa o crescimento
econômico e o aperfeiçoamento de técnicas para o cultivo, colheita e comercialização.
No entanto, o caráter dessa organização pautava-se no discurso democrático até então
inerente às cooperativas, no qual se pregava “sua autorepresentação como projeto não-
capitalista e anti-lucro e a possibilidade de distribuição dos ganhos entre cooperados,
segundo o seu trabalho e não o capital investido” (MENDONÇA, 2008, p. 152). Neste
sentido, Lamosa (2014) evidencia:
A concorrência entre as representações patronais agrárias
aumentou na medida em que a segmentação da agricultura foi
responsável por uma ampla diferenciação de interesses entre as
frações da classe dominante no campo (...). As frações agrárias
da classe dominante, divididas em inúmeras associações, com o
acirramento das disputas pelo fundo público aumentavam ainda
1 Discussão embasada em Mendonça (2008): “O Patronato Rural Brasileiro na atualidade: dois casos de
estudo”
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mais o acirramento político. Foi neste contexto em que se
desenvolveu a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB)
(Ibidem, p. 96).
A ABAG também firmou aliança com a Sociedade Nacional da Agricultura
(SNA), oriunda do Rio de Janeiro, e com a Sociedade Rural Brasileira (SRB),
originalmente paulista. Durante décadas estas duas entidades apresentaram divergências
políticas e disputaram a hegemonia do setor. Segundo Mendonça (2008), o perfil da
SRB estava baseado na modernização da agricultura a partir da implementação de
tecnologia na produção, e pautava-se em um conservadorismo arraigado nas memórias
do campo paulistano, portanto, recusando qualquer ideário de reforma agrária que
ameaçasse a intocabilidade da propriedade privada.
As grandes organizações que disputavam o poder do campo no cenário
brasileiro, em períodos anteriores, estiveram atreladas - a partir de 1990 - a esse novo
tipo de associação, a ABAG. Como nos esclarece Lamosa (2013):
A principal diferença entre os dois tipos de representação é que a
nova organização não é um tipo tradicional de representação
patronal, ou seja, não fala apenas em nome de uma fração
agrária.
A nova associação mobiliza entre seus associados um conjunto
de frações agrárias e outras que historicamente estiveram
associadas à urbanidade, no caso das frações industriais e
financeiras. O objetivo do partido do agronegócio foi formular e
mobilizar, difundindo os interesses do conjunto das frações
agrárias mais modernas do Brasil, além da unidade entre estas e
outras frações da classe dominante (Ibidem, p. 3).
A ABAG/RP foi fundada em 2001, por iniciativa de diversas lideranças do setor
do agronegócio na região, compostas por empresários das diferentes cadeias produtivas,
tendo como missão: “Integrar, fortalecer e valorizar institucionalmente o agronegócio
regional” (ABAG/RP, 2014). Diante de tantos segmentos em que atua, buscando
difundir seus interesses e valorizar a imagem do agronegócio, a ABAG/Ribeirão Preto
passou a agir, desde 2001, também por um viés pedagógico, criando o programa
educacional “Agronegócio na Escola”, cujo objetivo é apresentar o agronegócio à
sociedade, como é explicitado no excerto apresentado a seguir (ABAG/RP):
Em um país democrático onde a maioria da população é urbana,
era importante, e continua sendo, demonstrar que as grandes
bandeiras sociais da Nação são as mesmas bandeiras do
agronegócio brasileiro. Mudar a imagem do setor rural e a do
agronegócio foi a grande bandeira erguida desde a cerimônia de
abertura da Associação em 8 de dezembro de 2000. (...) O
intuito era o de atuar em várias frentes seja política,
institucional, educacional, social ou ambiental, e estar o mais
perto possível da sociedade, para ouvir seus anseios ao mesmo
tempo em que era revelado a ela o agronegócio em toda sua
abrangência.
Assim foi criado o primeiro projeto, hoje Programa Educacional
"Agronegócio na Escola” (Site oficial da ABAG/RP, acessado
em 4 de fevereiro de 2014).
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O Programa “Agronegócio na Escola”, oferecido pela ABAG/RP, inicialmente
firmava parceria com a Secretaria Estadual de Educação. Devido a resistências
encontradas nesta instância, configurando um problema para a adesão de mais
participantes (LAMOSA, 2014), a entrada nas escolas públicas começou a ser feita
através de parcerias com as Secretarias Municipais de Educação (SME). Devido a isso,
estas se apresentaram como uma importante instância de investigação, nos fornecendo
informações sobre os motivos das adesões e quais as perspectivas e concepções dos
secretários e representantes das SMEs sobre Educação Ambiental e sobre o vínculo com
o Programa.
No site oficial da ABAG é possível encontrar apontamentos relativos à
“responsabilidade social” e ao compromisso com a “sustentabilidade”, cujas ações
ficam sob os cuidados do setor Agronegócio Responsável (ARES). Também no site há
acesso às características do Programa “Agronegócio na Escola”, realizado mediante o
estabelecimento de parcerias com as Secretarias Municipais de Educação na região de
Ribeirão Preto, e que “trabalha temas relativos ao Agronegócio com professores,
coordenadores e alunos das duas últimas séries do ensino fundamental, jovens na faixa
etária de 13 a 14 anos de idade”. Nessa mesma fonte explicitam-se alguns objetivos que
merecem análise, tais como:
(...) levar conceitos fundamentais do agronegócio aos alunos e,
através de visitas às empresas associadas, possibilitar a conexão
entre teoria e prática, levando a realidade do setor e da região
para a sala de aula, e vice-versa. Revelar assim a
interdependência campo-cidade, a dimensão e a importância do
setor para a economia, valorizar as atividades agroindustriais
locais e com isso, a comunidade onde o aluno está inserido, e
resgatar o orgulho de pertencer a esta região (Site oficial da
ABAG/RP, 2014. Grifos nossos).
O Programa ainda conta com a capacitação de professores e coordenadores,
distribuição gratuita de materiais específicos destinados ao aluno e ao professor,
concurso de desenhos e de redações que relatem, através da perspectiva construída pelo
aluno sobre o agronegócio, a ideia de valor e importância do setor, ou mais, da
dependência irrefutável da população ao setor.
O Programa possui uma metodologia própria para o desenvolvimento de suas
ações, que incluem palestras e realização de visitas às empresas que são associadas à
ABAG e que, portanto, estejam vinculadas ao setor do agronegócio. Segundo exposto
no site, “Somente após essa fase é que os professores desenvolvem o tema de forma
interdisciplinar com seus alunos, ao longo do ano letivo. Os alunos também têm a
oportunidade de ver de perto o agronegócio: roteiros especiais de visitas são oferecidos
para todas as escolas”.
Apesar da segmentação em diferentes setores, responsáveis por diferentes ações,
estes são muito ligados, visando garantir os interesses da Associação, o que se pode
verificar observando os diferentes meios de divulgação da imagem positiva do
agronegócio, utilizados pela ABAG. Além do Programa “Agronegócio na Escola”, a
ABAG utiliza-se da mídia televisiva para difundir vídeos institucionais que circulam
diariamente nas TVs dos moradores da região de Ribeirão Preto. Ressaltamos um
trecho intrigante, presente no site da ABAG/RP:
(...) foi mostrado que o Agronegócio não se faz apenas com
grandes propriedades rurais. As pequenas também são relevantes
para o setor e desempenham importante papel na geração de
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emprego, renda e no abastecimento dos centros urbanos (...).
Como estratégia para contribuir para eliminar os "pré-conceitos"
ligados ao setor, nas novas peças publicitárias a palavra
Agronegócio ganhou contornos diferentes: AgroTrabalho,
AgroSaúde, AgroVida, AgroEnergia e AgroFuturo. A
substituição do termo "negócio" por outros que permeiam o dia
a dia das pessoas serviu para mostrar o quanto o agronegócio
está presente em suas vidas, sem que elas se deem conta disso.
(Site oficial da ABAG/RP, 2014).
Lamosa (2013) ainda nos apresenta outros dados interessantes. Um deles, a
ligação da ABAG com outros importantes veículos pedagógicos no país: o Programa de
Estudos e Negócios do Sistema Agroindustrial (PENSA), localizado na Faculdade de
Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP) e o Centro de Estudos
do Agronegócio (GV Agro), na Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP). Segundo o autor:
A criação do Programa de Estudo e Negócios do Sistema
Agroindustrial (PENSA) foi resultado da parceria entre um
grupo de intelectuais (a maioria engenheiros agrônomos)
formados na Esalq2, o Instituto Brasileiro do Agribusiness
(IBA), presidido pelo próprio Roberto Rodrigues, a OCB e
professores da Faculdade de Economia e Administração (FEA-
USP). O PENSA possui um histórico de vinte anos de trabalhos
no auge de sua capacidade de formulação, formação e
divulgação de pesquisas científicas de interesse do agronegócio,
em relação estreita com a ABAG, possuindo diretores em
comum (LAMOSA, 2014, p. 130-131).
Não podemos desconsiderar a associação destes importantes meios de formação
intelectual do nosso país ao meio privado, nem tão pouco a relação estabelecida nessa
cadeia de ligações, com respeito à difusão da valorização do agronegócio por meios
pedagógicos. Lamosa (2014) ainda destaca que:
O programa se dedicou desde a origem tanto a programas
regulares de ensino, quanto à formação continuada, com
destaque para os cursos dirigidos às empresas associadas,
incluindo várias associações e cooperativas organizadas na
ABAG. [...] A atividade do PENSA não pode ser percebida
apenas como uma mera instrumentalização de frações agrárias
que passaram a ter assistência na inovação tecnológica. A
produção dos intelectuais associados ao PENSA ou formado por
este instituto foram responsáveis por organizar e uniformizar o
discurso do agronegócio brasileiro. Isto foi fundamental para a
conjuntura de criação da ABAG. (Ibidem, p. 131-132).
No contexto de uma sociedade baseada nos meios de produção capitalista,
devemos nos atentar: contra qual imagem a ABAG está lutando, quando ressalta os
grandes esforços para valorizar a imagem do agronegócio, inclusive através do
Programa “Agronegócio na Escola” oferecido as escola públicas? A população das
classes menos favorecidas e os estudantes das escolas públicas, entre 13 e 14 anos –
2 Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Universidade de São Paulo.
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faixa etária exigida pela ABAG para participação no programa em questão - dispõem de
outros meios educacionais incisivos que lhes permitam compreender outras
possibilidades e as contradições que permeiam as discussões sobre o agronegócio e,
também, sobre a EA?
Sobre isso, Lamosa (2014) nos elucida em sua tese, ressaltando, inclusive uma
opinião de um morador e trabalhador da região de Ribeirão Preto:
A mecanização das lavouras de Ribeirão Preto tem produzido
um duplo efeito para a melhoria da imagem do “agronegócio”
[...]. Em relação ao trabalho explorado nas lavouras de cana de
açúcar e, ocupado, majoritariamente, por migrantes, a
mecanização, segundo um taxista da região “acaba com o
trabalho escravo e com as queimadas”. O trabalho escravo e as
queimadas sempre foram os aspectos denunciados na região e
explicitados, através dos resultados da pesquisa de opinião
produzida a pedido do grupo de empresários ligados ao setor de
cana e fundadores da ABAG-RP, em 2000. [...] estes eram os
principais aspectos negativos que caracterizava a imagem do
“agronegócio” na região. A partir da criação, então, da regional
da ABAG, em 2001, todos os esforços desta organização foram
no sentido de valorizar a imagem do setor, associando-o a outros
aspectos, como a “modernização” e a “segurança alimentar”, já
difundidos pela entidade nacional, mas, sobretudo, o
“desenvolvimento sustentável” e a “responsabilidade social”.
Foi a partir daí que surgiu a proposta de desenvolver nas escolas
públicas da região de Ribeirão Preto um programa de Educação
Ambiental20 sob o título Programa Educacional Agronegócio na
Escola (Ibidem, p. 142).
Devido aos tantos contextos e vieses em que se insere o braço pedagógico desta
associação que uma investigação mais aprofundada torna-se pertinente à educação e,
portanto, à Educação Ambiental.
As SMEs: aceitação e resistência
Realizamos entrevistas com secretários municipais de educação e/ou
representantes das SMEs indicados pelos próprios secretários nos municípios de
Dumont, Jaboticabal e Rincão, todos na região de Ribeirão Preto e, nos quais a
ABAG/RP tem alcance para oferecer o Programa “Agronegócio na Escola” aos
escolares.
Em 2014, Dumont e Jaboticabal aderiram ao Programa (assim como em ano
anteriores) e, segundo os entrevistados, a parceria entre as SMEs e a ABAG era
vantajosa ao contexto escolar dos municípios. Em Dumont - um dos municípios no qual
pudemos contar com a presença de uma professora como representante da SME – a
adesão ao Programa foi justificada pela representante como importante ao contexto
municipal, tendo alcance real na concepção favorável dos alunos sobre o agronegócio
local:
“A SME resolveu aceitar porque é a realidade dos alunos, né...
Porque nós vivemos na região do agronegócio, e ele é
fundamental pra vida de todos... E a maioria dos nossos alunos,
os pais estão empregados justamente no agronegócio (...) os
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pais, né, trabalham... É, no agronegócio... Aqui na cidade a gente
tem a cadeia produtiva de amendoim, a gente tem a cadeia
produtiva de suínos, tem a linguiça de Dumont que é famosa, a
gente tem a cadeia produtiva da cana de açúcar... (eu: sim) e as
pessoas que moram aqui estão envolvidas nessas cadeias
produtivas... Então, a gente observou que eles mesmo
aprenderam muito... Porque eles mesmos iam falando da
realidade deles, que eles vivenciam... Então foi assim, é... Muito
produtivo... Eles aprenderam bastante”.
Percebemos que muito mais do que considerar histórico e culturalmente a
realidade da cidade – e de toda a região que nos colocamos a pesquisar – essa
compreensão da representante de Dumont corrobora a ideia de manutenção da
hegemonia (também construída historicamente) possibilitada através da escola,
colocando a educação como um mero reforçador do adestramento (BRUGGER, 2005)
ou, nas palavras de Kemp e Wall (1990, p. 163 apud BRUGGER, 2005), “aprendemos a
nos tornar subservientes de modo a nos encaixarmos confortavelmente em nosso futuro
nicho social”.
Essa aceitação, em partes, se mostra coerente com a compreensão de Educação
Ambiental da representante. Segundo ela, as ações voltadas a EA no contexto escolar
eram pontuais, compondo “projetos” específicos, de interesse voltado para as datas
comemorativas e ou de conteúdos vinculados ao currículo. Quanto às atividades que são
realizadas na escola participante do Programa da ABAG, nos foi apresentado que o que
era desenvolvido estava mesmo restrito aos projetos vinculados às datas comemorativas
– como no caso do dia da água – e que, na realidade, eram de responsabilidade e
iniciativa da coordenação da escola, não havendo neste sentido, necessariamente,
incentivos por parte da Secretaria Municipal de Educação. Esse tipo de ação vinculada à
Educação Ambiental se apresenta como aquelas expressas por Layrargues e Lima
(2001) como exemplos da tendência conservacionista de Educação Ambiental, que
assumem um caráter pedagógico de “atividade-fim”. Ela apontou, ainda, que o
município não propicia formação continuada em EA aos professores, mas que seria
interessante, ainda que a própria representante não considere esse um ponto “urgente,
necessário”.
Ao relacionarmos a compreensão da representante sobre a EA e a inserção de
instituições externas ao contexto escolar, como no caso da ABAG com o programa
“Agronegócio na Escola”, percebemos que um dos pontos de alcance deste programa e
que é favorável para a educação, segundo a compreensão da representante, está no fato
de expor a possibilidade dos estudantes ao mercado de trabalho no setor do
agronegócio:
“Nós também trazemos [palestrantes], já aconteceu. Ano
passado mesmo a gente trouxe... Pra falar sobre isso. Tanto é
que foi... A gente já englobou o Projeto da ABAG, nós
trouxemos palestras fora do que eles estipulam lá, é só pra
enriquecer o conhecimento dos alunos e também dos
professores, né... Nós trouxemos o representante da
COPLANA... É, que é uma cooperativa que eles trabalham
também com as escolas em relação ao descarte das embalagens
de agrotóxicos... E demais produtos utilizados no campo... A
gente trouxe um especialista na área também. Nós trouxemos
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especialistas da área da UNESP de Jabuticabal... Aí eles falaram
sobre isso e sobre a geração de emprego no agronegócio”.
Como já foi anteriormente explicitado na fala da representante da SME,
realmente existe a intenção de evidenciar o fato de que o setor de agronegócio oferece
possibilidades de empregos diversos, ainda que não pudéssemos inferir sobre qual a
compreensão e relevância de tal incentivo à formação dos alunos, na perspectiva da
representante de Dumont. Compreendemos, entretanto, que esta falta de reflexão ou
questionamento possivelmente se deva ao fato de a realidade local estar diretamente
associada, econômica e culturalmente, ao agronegócio e aos empregos que este setor
oferece. Ainda assim, consideramos que uma reflexão crítica por parte da representante
da SME - que também se enquadrada como educadora – seria muito importante para um
repensar sobre as condições da sociedade local e sobre a relação desta com o meio
ambiente, principalmente ao levarmos em conta que aqueles empregos gerados não
possibilitam as mesmas condições econômicas e sociais a todos, tão pouco que este
setor esteja isento de críticas quanto às ações de degradação ambiental.
Em Jaboticabal, a parceria com a ABAG é a mais antiga dentre os municípios
participantes do Programa (32 municípios). Foi neste município que o projeto-piloto foi
desenvolvido em 2001. Segundo a representante da SME, a secretaria desenvolve a EA
na rede municipal escolar em parceria com ABAG e outras instituições:
“A Secretaria da Educação, além da ABAG, tem uma parceria
com o CEA, que é o Centro de Educação Ambiental aqui do
município, tá? Então eles já têm já uma programação, um
circuito de palestras, de atividades dentro das unidades... Então
eles trabalham resíduos sólidos e líquidos, eles trabalham a
preservação, eles trabalham a água, a economia da água, fazem
uma parceira como SAEJ que é o serviço de água e esgoto...
Então assim existe um trabalho muito grande na questão
ambiental junto com o CEA, tá... Eles fazem o programa
também de, é... Fazem pás (...) Então varias atividades que vai
pra dentro das escolas, tá... Então eles confeccionam as pás, eles
vão pra escolas, eles passam essas pás pra serem usadas dentro
das unidades, aí... O circuito de palestras... Existe um calendário
anual que a gente faz com o CEA pra que eles passem em todas
as escolas... Cada palestra tem um nível, isso mais de 1º ao 5º
que é o foca da Secretária...”.
A representante de Jaboticabal fez menção a outro projeto desenvolvido no
município, denominado Campo Limpo, como uma parceria entre a Secretaria e a
COPLANA, uma Cooperativa Agroindustrial:
“E outro programa muito, é... Significativo que a gente tem é o
Campo Limpo... O Campo Limpo é uma parceria com a
COPLANA, né... A COPLANA, em Guariba... Eles fazem um
Programa mais ou menos parecido com o do ABAG, só que o
foco deles são de 4º e 5º ano... Então assim, eles fazem um
trabalho... Primeiro eles entregam um material, esse material é
trabalhado no primeiro semestre com... A professora trabalha
com os alunos... Em agosto eles participam de um concurso de
desenho e redação... Então esse concurso tá acontecendo agora,
nesse momento, tá... A gente já entregou as redações e os
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desenhos, e depois tem a premiação como na ABAG... E essa
semana tá acontecendo uma feira do Campo Limpo aqui em
Jabuticabal... Até se você quisesse... Dar uma olhada... Tá sendo
no Cora Coralina... As nossas crianças estão indo, a visita é
monitorada, eles fazem um circuito na exposição, tem
atividades... Aí depois eles fazem até um lanche lá com eles... É
um trabalho assim... Eles ficam a manhã toda lá... A gente ‘tá’
levando cerca de 2 mil alunos da rede para participar das
atividades...”
A COPLANA é uma cooperativa que foi fundada em 1963 com a intenção de
unir os agricultores em busca de crescimento no setor da cana-de-açúcar. A partir de
1985 estabeleceu seu Estatuto Social, o que aumentou sua abrangência, unindo agora
todos os tipos de produção agropecuária. Segundo o site oficial da COPLANA, “Os
princípios cooperativistas sempre foram levados à prática diária na COPLANA. O
exemplo que veio de Antônio José Rodrigues Filho, pai do ex-ministro da Agricultura
Pecuária e Abastecimento, Roberto Rodrigues, prevalecem até hoje. Roberto Rodrigues
também presidiu a Cooperativa, entre os anos de 1973 e 1979” (COPLANA, 2014).
No perfil dessa cooperativa está presente a “Responsabilidade Socioambiental”,
que inclui o Dia Nacional do Campo Limpo. No próprio site podemos encontrar
algumas informações sobre o projeto, caracterizado como “um programa de
conscientização ambiental (...); trata-se de uma promoção do Instituto Nacional de
Embalagens Vazias (Inpev) junto às Centrais de Recebimento de Embalagens de
Agrotóxicos” (COPLANA, 2014).
Não pretendemos adentrar demasiadamente na análise das intenções e
concepções da COPLANA, principalmente no que diz respeito à Educação Ambiental,
mas há outros pontos importantes para a nossa análise. O primeiro – diretamente
relacionado ao segundo - diz respeito a um dos fundadores e presidentes da cooperativa
que trouxe a “sua marca”. Trata-se do caso específico de Roberto Rodrigues, que nos
chamou à atenção pelo fato deste ser, também, presidente da ABAG, além de antigo
ministro, como foi comentado anteriormente. Também vale ressaltar que o mesmo foi
um dos elaboradores do Programa “Agronegócio na Escola” e continua sendo uma das
figuras importantes pela sua participação na palestra de capacitação dos professores.
Isto nos reporta ao segundo ponto que pretendemos adentrar. A representante da SME
elucidou que o projeto “Campo Limpo” é muito parecido como Programa “Agronegócio
na Escola” e isso não é aparentemente sem propósito, considerando que ambas as
instituições (COPLANA e ABAG) contaram com a presença do mesmo idealizador ou
“mentor” das ações propostas e realizadas. Percebemos, portanto, como a inserção da
ABAG no contexto escolar não é pontual, tão pouco se restringe ao programa
“Agronegócio na Escola”, desenvolvendo projetos similares que intensificam a inserção
da concepção hegemônica sobre o agronegócio na região.
No que se refere à formação continuada em EA aos professores, constatamos que
esta se restringe ao oferecimento de uma palestra/atividade de Educação Ambiental num
evento desenvolvido na cidade (Fórum de Educação) devido ao fato do município ter –
e querer manter - o selo de Município Verde-Azul3:
3 Segundo o site do Sistema Ambiental Paulista do Governo do Estado de São Paulo, “o Município Verde
Azul tem como principal proposta descentralizar a agenda ambiental paulista, considerando que a base da
sociedade está nos municípios. O objetivo do Programa é descentralizar a política ambiental, ganhando
eficiência na gestão ambiental e valorizando a base da sociedade. O certificado (...) garante à
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“Então eles [Centro de Educação Ambiental do município] já
estão atrás do palestrante, já tão fazendo toda essa parceira com
a gente pra ter, mesmo porque o município tem o selo... Verde-
Azul, então a gente cumpre todas aquelas metas que tão no
selo...”.
Percebemos que a concepção de EA e da importância da mesma ao contexto
escolar está relacionada à certificação do município e a manutenção do discurso
favorável do setor do agronegócio:
“Eu vejo mais o aspecto positivo do programa... Eu acho que
assim, o programa contempla ali, a Educação Ambiental, o
agronegócio, então eu acho que ‘pros’ alunos acrescenta muita
coisa, tá... Pelo o que a gente acompanha todos esses anos, eu
acho que a gente não tem... alguma coisa que... Uma crítica,
alguma coisa que ‘devia’ melhorar... E pelo contrario, os nossos
diretores perguntam se não poderia estender pros alunos de
sétimo, oitavo ano... Porque eles falam que eles querem
participam e eles acham que na oitava série o tempo acaba sendo
curto, porque eles trabalham só um ano ali, né... Então eles
falam que devia estender o projeto pra gente trabalhar um tempo
maior com esses alunos... E os professores também, a gente não
tem problema nenhum... Eles se empenham muito no trabalho,
quando a gente fala na adesão da ABAG, eles já se
disponibilizam... Porque eles sabem de todo o cronograma,
como que é feito... Pra nossa formação é interessante, as
palestras são interessantes... Anos atrás eu participei como
docente, né...”.
Consideramos importante destacar, ainda, a relação estabelecida pela
representante da SME entre o Programa “Agronegócio na Escola” e a Educação
Ambiental “Eu acho que assim, o programa contempla ali, a Educação Ambiental, o
agronegócio, então eu acho que ‘pros’ alunos acrescenta muita coisa, tá... ”. O fato da
entrevistada se reportar ao programa “Agronegócio na Escola” como sendo um
Programa que adentra a Educação Ambiental não deve passar despercebido, já que a
associação não o divulgue como um programa de Educação Ambiental, sendo esta a
compreensão da própria representante, relacionada com seu próprio entendimento sobre
a EA. Ao pensarmos tal compreensão como sendo a de um representante da SME,
percebemos que as atividades e parcerias no âmbito da Educação Ambiental que
chegam para os professores e alunos nas escolas se enquadram numa perspectiva de EA
pragmática e fragmentada, o que representa uma dificulta para a inserção de uma
compreensão diferente deste processo educativo na escola e, consequentemente, do
desenvolvimento de uma Educação Ambiental crítica.
A resistência em Matão
administração municipal a prioridade na captação de recursos junto ao Governo do Estado, por meio do
Fundo Estadual de Prevenção e Controle da Poluição (FECOP)” (AMBIENTE, 2013).
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O município de Matão se destaca na região de Ribeirão Preto por ter sido a
única prefeitura que se negou a assinar o convênio com a Associação Brasileira do
Agronegócio. Neste sentido, Matão é o único dos municípios que, apesar de ter sido
convidado pela ABAG a participar do Programa Educacional “Agronegócio na Escola”,
se recusa. O município que é governado pelo Partido dos Trabalhadores, desde a década
de 1990, com a interrupção de quatro anos, manteve durante todo o período o mesmo
secretário à frente da Secretaria de Educação e Cultura. Entre os municípios que foram
convidados pela ABAG para participar de seu programa, Matão se destaca por ser sede
de diversas empresas produtoras de máquinas e implementos agrícolas, entre as quais se
destaca a Marchesan S.A., fábrica fundada na década de 1940 e que atualmente exporta
para cinquenta países. A empresa é a maior fábrica de máquinas e implementos
agrícolas da América Latina, localizando-se numa área calculada em mais de oitocentos
mil metros quadrados, com mais de duzentos mil metros quadrados de área coberta,
produzindo desde arados, até grandes máquinas para plantio e colheita avaliadas em
milhares de reais.
No período em que o programa esteve presente na Rede Estadual de Ensino de
São Paulo (pareceria que foi modificada e estabelecida diretamente com as SMEs,
facilitando a inserção da ABAG nas escolas públicas), a associação difundia seus
interesses nas escolas de Matão, situada em uma das Diretorias de Ensino que
receberam a ação pedagógica da ABAG/RP. No entanto, desde que o programa
educacional passou a operar nas redes municipais, a Secretaria de Educação e Cultura
do município é convidada e se nega a assinar o acordo de parceria. Segundo o
secretário, a ABAG/RP já tentou quatro vezes o ingresso no município. Em cada uma
das tentativas, a associação utilizou novas estratégias. Nos dois primeiros contatos
foram encaminhadas mensagens por e-mail para a Secretaria de Educação, da qual
obtivemos:
“Nós já tivemos acho que pelo menos umas quatro tentativas da
ABAG de Ribeirão Preto de conseguir a adesão do município de
Matão ao programa deles, Agronegócio na Escola. A primeira
tentativa foi diretamente com a gente aqui da Secretaria de
Educação. Foi um convite aberto e fizeram para várias
secretarias de educação da região achando que fosse tranquilo,
que os municípios seriam facilmente cooptados em razão da
associação, do nome que a associação tem, da representação que
ela tem aqui na região de Ribeirão Preto. Enfim, acharam que
fosse muito tranquilo. E aí nós não aderimos. Na segunda
tentativa, eles quiseram que nós fossemos na finalização do
projeto da região, de vários municípios que naquele ano tinham
aderido ao programa, participado. Então, esta foi a segunda
tentativa. Eles quiseram que nós fossemos lá para participar da
finalização, então, nós ficaríamos entusiasmados com o
programa e aí nós também não fomos.”
Os dois convites enviados pela ABAG/RP para a Secretaria de Educação e
Cultura de Matão foram respondidos pelo secretário de forma negativa. Segundo o
secretário, não seria possível assinar o acordo porque eles trabalham com outra
perspectiva “junto com os movimentos sociais” e que, portanto, seria contraditório
assinar o convênio para inserir na rede de ensino do município um programa cujo
objetivo é valorização do agronegócio.
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As duas primeiras negativas foram respondidas também por mensagem enviada
por e-mail. Apesar dos dois primeiros insucessos, a ABAG não desistiu de inserir nas
escolas públicas municipais de Matão seu programa educacional. Assim, foram
realizadas mais duas tentativas. No entanto, as táticas utilizadas foram alteradas. Tendo
seu propósito negado pela Secretária de Educação e Cultura, a associação recorreu às
instâncias superiores do poder executivo do município.
Na terceira vez que a ABAG/RP tentou conseguir inserir seu programa
educacional na Rede Municipal de Matão, a tática utilizada foi recorrer ao prefeito do
município. Em 2010, o prefeito de Matão era Adauto Scardueli e a Secretária Geral da
ABAG em Ribeirão Preto era Mônika Bergamaschi, Secretária de Agricultura do
governo Geraldo Alckimin, desde 2011. Em 2012, a terceira tentativa foi realizada
diretamente por Mônika que procurou o prefeito para cobrar uma posição do poder
executivo.
A cobrança foi articulada, segundo o secretário de educação e cultura de
Matão, por um médico que é primo da Mônica Bergamashi e, na época, atendia o
prefeito da cidade. Junto com o médico particular foi convocado um dos representantes
da Marchesan para conversar com o prefeito. Nesta reunião, os três explicaram para o
prefeito a importância de inserir o programa educacional na Rede Municipal. Após a
reunião com os representantes do interesse do agronegócio o prefeito ligou para seu
secretário de educação e cultura que lhe explicou as razões da discordância entre o
projeto político pedagógico da Secretaria e o programa educacional da ABAG/RP.
Segundo o secretário, a inserção do programa nas escolas municipais “confundiria os
professores. Afinal de contas né, qual que é a nossa postura diante desta realidade,
diante da agricultura brasileira, do campo no Brasil?” (LAMOSA, 2014).
Em 2013, novamente a ABAG/RP fez uma tentativa de inserir seu programa
educacional na Rede Municipal de Matão. Esta foi a quarta tentativa realizada e
envolveu a tática mais radical que se resumiu a tentar levar Roberto Rodrigues para uma
reunião com o prefeito eleito nas eleições de 2012. Entretanto, a intenção da ABAG-RP
não teve êxito e, em cima da hora, o intelectual orgânico da associação não conseguiu
estar presente na reunião. O prefeito, cujo mandato teve início em Janeiro de 2013,
também é do Partido dos Trabalhadores e manteve Alexandre Freitas à frente da
secretaria de Educação e Cultura.
A ideia de realizar uma reunião com o novo prefeito, tendo a participação do
ex-ministro Roberto Rodrigues tinha o claro objetivo de impor uma enorme pressão
sobre o novo governo que acabara de assumir. Para além da ausência do ex-ministro, a
pressão exercida pela associação só não teve maiores resultados porque a Secretaria de
Educação e Cultura do município de Matão parece ter na figura do secretário - que foi
mantido no cargo apesar da mudança de prefeito - um oponente à entrada do programa
na rede municipal de educação, obrigando o novo dirigente a consultá-lo, antes de
assinar qualquer parceria.
A reunião realizada com o novo prefeito não contou com a participação de
Roberto Rodrigues, mas, assim como na conversa realizada com o prefeito anterior, não
teve a presença do secretário de educação e cultura do município. Nesta conversa,
segundo Alexandre, as representantes da ABAG/RP questionaram a posição assumida
pela Secretaria e o prefeito fez a “política da boa vizinhança”. Em 2015, o município
continua sem assinar a parceria com a ABAG/RP.
Considerações finais
No que se relaciona à manutenção da parceria por parte das SMEs que aderiram
ao convênio com a ABAG, percebemos que estas se mantêm porque não existe
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resistência nas escolas para participar do Programa “Agronegócio na Escola”, o que é
compreensível, não só por se tratar de um programa bem organizado quanto às datas e
que proporciona atividades extraclasses (através das visitas as empresas da região), mas
por oferecer premiação aos estudantes e professores (além, da certificação, para estes
últimos). Questionamos, no entanto, o fato da própria SME considerar que o Programa
da ABAG é um programa de Educação Ambiental, já que não é divulgado com essa
prioridade pela associação e, principalmente, por existirem outros projetos
desenvolvidos, explicitamente divulgados como sendo ações de Educação Ambiental
(como o já citado em parceria com a COPLANA, ainda que neste também existam
diversas contradições explicitadas por nós).
Outro ponto que achamos relevante ressaltar nessa análise, visando
compreendermos os motivos que tanto contribuem para a aceitação do programa pelos
professores, está relacionado ao fato de percebermos que os programas que chegam às
escolas e que visam contemplar a Educação Ambiental se configuram por uma vertente
pragmática, reducionista. Assim, diluem toda a problemática ambiental e social que
emerge no contexto da região estudada, reduzindo-a a atitudes pontuais e
comportamentais, diretamente relacionadas à manutenção do desenvolvimento e
crescimento do setor econômico – no caso, o agronegócio - sem que sejam questionadas
as contradições que permeiam tal desenvolvimento. Não são apresentados, por exemplo,
questionamentos como: muitos são os que trabalham no setor, desde o agricultor até os
proprietários das grandes empresas, mas será que essa diferença de papéis – e de retorno
financeiro e status - ocorre só porque o agricultor não se especializou o suficiente para
alcançar um posto mais “elevado” nessa hierarquia? Será que o agricultor agride o meio
ambiente da mesma forma que faz o grande empresário, mantendo o “seu negócio”?
Será que as responsabilidades ambientais são realmente - e de forma justa -
compartilhadas por ambos? Esta aceitação ao programa, bem como a falta de um
posicionamento crítico sobre as questões supracitadas estão diretamente relacionadas à
ausência de formação continuada em EA aos professores, sob uma perspectiva crítica,
pelas próprias SMEs. Segundo as entrevistas explicitadas, os próprios responsáveis nas
SMEs possuem uma visão favorável ao agronegócio e compreendem a EA pautada no
Desenvolvimento Sustentável, reduzindo-a a atividades pontuais e coerentes com o
modelo econômico e produtivo hegemônico em nossa sociedade, culminando na
aceitação do Programa da ABAG,
Em Matão, por outro lado, a negativa à parceria com a ABAG tem demonstrado
a possibilidade de construção da resistência às parcerias público-privadas nas escolas da
região. A opção política da SME, neste caso, tem resultado, por outro lado, no incentivo
às escolas para que formulem seus respectivos projetos político-pedagógicos
autonomamente. Isto tem sido acompanhado de uma proposta de valorização do
trabalho docente, com incentivo à formação continuada dos professores junto à
Universidade de São Paulo (USP), com ênfase na educação do campo e parceria com os
movimentos sociais rurais presentes na região, como o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST).
Concluímos, portanto, que a estratégia realizada pela ABAG para inserir seu
programa educacional nas redes públicas de ensino tem obtido êxito na maioria dos
casos. No entanto, a experiência de um município como Matão poderá servir como
impulsionador de lutas futuras em defesa de uma educação ambiental pública.
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Referências
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em:<www.abagarp.org,br>. Acesso em 4 de fevereiro de 2014.
COPLANA, Cooperativa Agroindustrial de Guariba. 2014. Disponível em:
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LAMOSA, R. O programa Agronegócio na Escola: um estudo de caso sobre a
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