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A METODOLOGIA DA MODERNA TEORIA ECONÔMICA: A HERANÇA DE JOHN STUART MILL
Waldemar Sobral Sampaio*
RESUMO
Este artigo trata da metodologia da moderna teoria econômica em John Stuart Mill.
Seu desenvolvimento consiste em três partes. A primeira faz uma abordagem sobre a visão
de Senior em uma de suas quatro leituras introdutórias sobre economia política, enfocando
especialmente aqueola em que define e relaciona ciência, arte e economia política. A
segunda trata da definição e da metodologia econômica em John Stuart Mill, destacando a
adoção do método dedutivo, ou a priori, e encerrando com uma contextualização no estudo
atual da metodologia econômica dando ênfase aos trabalhos de Blaug e Hausman que
possuem visões singulares sobre a metodologia de Mill, embora reconheçam a importância
deste para compreensão da moderna teoria econômica.
ABSTRACT
This article works on John Stuart Mill economic methodology. Its development is
divided in three parts. The first one focuses on the Senior's mind in his four introductory
lectures of political economy about science, art and political economy. The second one
focuses the definition and economic methodology of John Stuart Mill and the adoption of
deductive method. It ends integrating him to the present study of economic methodology
approaching the contributions of Blaug and Hausman which have special ming about the
methodology of Mill and its importance to the study of medern economic theory.
PALAVRAS CHAVES: Metodologia Econômica CLASSIFICAÇÃO JEL: B31; B41
* Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Pará. Atualmente trabalha no Departamento de Economia da Universidade de Brasília como Pesquisador Associado Júnior. As opiniões contidas neste trabalho são as do autor. Erros que, por ventura, possam existir são de sua inteira responsabilidade
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1. INTRODUÇÃO
Um leigo ou um estudante que esteja iniciando seus estudos no campo da
economia, ao consultar um manual sobre o assunto, vai logo observar que trata-se de uma
área do conhecimento de difícil compreensão. Afinal de contas, na maioria das vezes, o
aprendiz de investigador não entende o significado, e nem a razão de ser, de tantos gráficos,
equações, enfim, um conjunto de proposições abstratas que, na ausência de uma vigilância,
o conduzirão a um afastamento da realidade que o motivou a investigar aquele campo de
estudo.
Simultaneamente, o iniciando encontrará um conjunto de temas que integra
sua vida quotidiana como inflação, desemprego, importação, exportação, balança comercial
e outros que, conforme já colocado, o trouxeram para o campo da economia. Assim, como
entender esse conjunto de temas através das proposições abstratas de um manual de
economia ?
Desta forma, o postulante a pássaro raro1 buscará os instrumentos
necessários para uma longa, e talvez sem volta, viagem a um mundo que os economistas
aprenderam a chamar de seu e, neste sentido, a matemática, a lógica formal e a história
possuem um papel fundamental na formação e fortalecimento de suas asas, se constituindo
nas condições necessárias para adentrar em um lugar, provavelmente, tão distante.
Em tempos recentes, um grupo de pássaros2, não se sabe se raros, em meio a
uma crise desencadeada em meados dos anos setenta, passou a investigar, com maior
profundidade, a concepção de ciência e a metodologia daquela que é considerada a mais
madura das ciências sociais. Este trabalho segue esta linha de raciocínio, ou seja, recuperar
os "tijolos" que integram a "parede" da história da metodologia econômica legados por
John Stuart Mill, mostrando, em especial, que os elementos metodológicos delineados por
esse autor constituem a base sobre a qual o modernos manuais de economia estão
acomodados.
1 Analogia feita por Keynes para caracterizar os bons economistas 2 Foram fundamentais os trabalhos de Blaug (1993), Caldwell, Hausman (1992, 1994) e outros que levaram os economistas a tomarem uma atitude filosófica diante da ciência em que militam.
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Antecedido por Senior e procedido por Cairnes, as reflexões de Mill sobre a
metodologia econômica, em conjunto com a dos pensadores citados, constituem as
primeiras investigações neste campo de estudo3 que, recentemente, ganhou corpo na
pesquisa econômica, embora, como em muitas áreas da ciência em tela, um consenso sobre
essa questão ainda esteja muito distante.
Este trabalho divide-se em cinco partes. Alem desta introdução, as demais
examinam:
* a visão de Senior sobre ciência, arte e economia política;
* a definição e o método da economia política em Jonh Stuart Mill;
* a contribuição de Mill no estudo da moderna teoria econômica, fazendo alusão aos
trabalhos de Blaug (1993) e Hausman (1992; 1994);
* a última trata da conclusão, procurando resgatar os principais aspectos das obras de
Mill tratados ao longo do trabalho.
2. CIÊNCIA, ARTE E ECONOMIA POLÍTICA: A VISÃO DE SE NIOR
Esta primeira seção tem por objetivo delinear alguns elementos sobre a
concepção de ciência, arte e suas relações com a economia política, que serão retomados na
segunda parte deste texto.
Em sua segunda das quatro leituras introdutórias sobre economia política,
Senior (1825 p.18) faz uma investigação sobre o status da mesma, enquanto ciência ou arte,
e se suas premissas são formuladas a partir da observação ou são arbitrariamente tomadas.
Na tentativa de definições precisas, o autor define a história como sendo um relato sobre
eventos pretéritos, enquanto que a ciência é concebida como um tratado sobre os fatos que
existem em um determinada época, portanto, difere da história por se tratar, eminentemente,
do presente, ao passo que a arte trata dos meios pelos quais os eventos futuros podem ser
trabalhados. Relativamente às duas primeiras, pode-se observar que estas estão
relacionadas, meramente, à aquisição de conhecimento, diferindo da última que faz alusão
às diferentes maneiras sobre a aplicação do mesmo.
3 Hausman (1994) em sua antologia sobre a filosofia econômica, em sua parte primeira faz alusão somente a
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Neste contexto, qualquer conjunto de fatos ligados a uma ciência específica
é, de uma maneira geral, menos complexo quando comparados àqueles que constituem uma
arte. A ciência é algo fechado em si mesma, e multiplicada em diversas áreas do
conhecimento como a química, a zoologia ou a botânica. Um determinado cientista pode
enveredar por qualquer um desses ramos, chegar até à fronteira do conhecimento de um
determinado ramo do saber, mas ser um completo ignorante quanto aos demais.
A arte, contudo, constrói seu campo de estudo a partir do material fornecido
por várias ciências, simultaneamente. Assim, em tese, ninguém poderá dedicar-se à boa
prática da agricultura sem ter um sólido conhecimento sobre química, botânica e outras
áreas afins.
No desenvolvimento do conhecimento humano a arte precedeu a ciência. Os
primeiros esforços do homem foram práticos e não teóricos. Assim, para um determinado
objeto, eram vislumbradas inúmeras formas de tratá-lo até que o acúmulo de experiências
conduziram o homem a estabelecer regras 'adequadas' no tratamento do mesmo. Por esta
razão, todo conhecimento de determinados povos ficou perdido no tempo pela ausência de
registro e, quando muito, foram passados de uma geração para outra, sendo abandonados
como resultado do desenvolvimento da própria sociedade. A grande exceção tem sido a
arquitetura e a poesia, que ainda são capazes de demonstrar a aptidão e a cultura de uma
certa comunidade.
O conhecimento científico surge a partir da inquietação com hábitos
determinados e com regras preestabelecias que são transmitidas pelo acúmulo de
experiências. Agora a preocupação do ser pensante é com os fenômenos que estão por
detrás das aparências que surgem a partir de um questionamento à própria realidade, a qual
está relacionada algum ramo específico do conhecimento.
A arte, conforme já colocado, é capaz de formular suas premissas a partir de
vários ramos do conhecimento científico, de maneira que uma única área do saber, por
exemplo a química pode fornecer premissas para diversas finalidades, desde a prática a
agricultura, passando pela produção de medicamentos, até à prática da guerra; enfim, são
inúmeras as aplicações que guardam uma relação com os princípios da referida ciência.
Mill, embora reconheça no prefácio da segunda edição que o trabalho contém limitações neste sentido.
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Assim, o aperfeiçoamento de qualquer prática é uma função do crescimento do
conhecimento das ciências, que conduzem as artes ao (re) estabelecimento de suas regras
ou normas. Por esta razão, alguns ramos da arte tornam-se mais complexos à medida em
que seus preceitos são diversificados em um maior grau de detalhes.
Assim, Senior (1825 p.21) sugere que o desenvolvimento das artes conduziu
ao conhecimento científico, e este foi capaz de aperfeiçoar os mais diversos ramos
daquelas.
As ciências, por sua vez, encontram-se divididas em dois grandes grupos
bastante distintos, de acordo com o objeto e a problemática de cada uma: as ciências físicas
e da mente. O objeto das primeiras são as propriedades da matéria, ao passo que o das
segundas são todo o conjunto de sensações e hábitos relacionados à mente. Como não se
tem experiência relativamente aos fenômenos da mente separados da matéria, e como a
mente somente pode agir no contexto de um corpo, não se pode fazer alusão às ciências da
mente sem fazer referência à matéria.
Quando o objeto de um determinado ramo da ciência trata da matéria, a
distinção entre ciência e arte é de fácil percepção, o que não ocorre quando trata-se de fazer
o mesmo procedimento para as ciências da mente. Assim, por exemplo, sempre se fala em
arte da lógica e da ciência moral, porém a lógica não é uma arte e sim uma ciência. Não tem
por objeto o como raciocinar, mas trata dos princípios dos quais a razão depende. Um
lógico não é aquele que ensina a argumentar por meio de silogismos e sim afirma que todo
uso da razão ocorre por meio de deduções. Suas afirmações são gerais, atemporais e estão
desconectados de qualquer ciência. Por outro lado, a moralidade não é uma ciência e sim
uma arte. Seu objetivo é manter uma comunidade informada sobre a natureza das
faculdades e das sensações do homem, porém advertir sobre o uso de cada uma das suas
potencialidades, com objetivo de promover a felicidade.
Entretanto, a exemplo de tudo que está relacionado à arte, os preceitos da
moralidade têm sua gênese a partir de diferentes tipos de ciência, que são capazes de ser
alterados em função das condições sociais onde estão contextualizados.
As ciências da mente estão direta e, obviamente, ligadas às artes para as
quais fornecem seus princípios, sendo estes praticados por aqueles que integram uma
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determinada sociedade. Ninguém é capaz de estudar a ciência do raciocínio, por exemplo,
sem aplicá-la em algum caso real. Da mesma forma, nenhum cientista investiga as leis que
regulam o intelecto humano ou suas paixões, sem construir um conjunto de regras que
normatizem seu emprego.
A distinção entre as ciências físicas e as da mente torna-se importante, não
somente para uma definição clara e precisa dos respectivos objetos de estudo, mas também
diz respeito às principais fontes, que formam as premissas de cada um dos ramos do
conhecimento. Todas as ciências ou artes possuem três fontes principais: a observação; a
consciência; e as hipóteses.
As ciências físicas formam suas premissas quase que exclusivamente a partir
de observações e hipóteses. Tratam, de maneira especial da magnitude de determinadas
variáveis e são comumente chamadas de ciência pura.
Por outro lado, as ciências da mente formam suas premissas principalmente a
partir da consciência. Os objetos apropriados por um determinado investigador são os
esforços de um determinado intelecto humano; contudo, não se pode esquecer que a única
mente que um determinado cientista conhece bem é a sua própria. Quando alguém deseja
conhecer os desejos e sentimentos de outrem, seu primeiro impulso é se colocar no lugar
desse para avaliar suas reações. Da mesma forma, quando uma pessoa se esforça por
descobrir o que se passa na imaginação de outra, seu ponto de partida é, quase sempre,
avaliar o que está se passando sobre sua própria para, posteriormente, verificar o grau em
que as duas coincidem. Assim, o estudioso de uma ciência da mente encontra-se, via de
regra, na situação de um anatomista, que lhe permite fazer a dissecação de um objeto
singular, que o leva a conjecturar sobre sua conformação em um outro cientista.
Uma outra importante diferença entre os estudos da mente e da física está no
grau em que é possível fazer experimentos. Quando se trabalha com algum elemento
relacionado à matéria, normalmente o investigador está apto para fazer todo um conjunto de
combinações com objetivo de obter resultados. Se for levado em consideração que todos os
demais fatores permanecem inalterados, a presença ou ausência de um determinado
elemento é permitida somente através de um certo ganho, onde se pode, a partir deste teste,
descrever o elemento e o efeito.
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Entretanto, este mesmo procedimento não é permitido para as ciência da
mente. Assim, o mesmo investigador deve contentar-se com a experiência, isto, é com suas
observações sobre a ocorrência de um determinado fenômeno. Contudo, por mais estranho
que pareça, quando um certo pesquisador procura por premissas por meio da consciência,
ao invés da observação, sua capacidade de experimentação aumenta em função da
habilidade que o cientista porta de comandar suas próprias faculdades. Esta atividade pode
ser denominada de julgamento ou imaginação, porém tem o poder de fazer o cientista notar
as diferenças quanto às condições mentais para outras faculdades materiais.
Após uma exaustiva discussão sobre o significado de ciência e arte, bem
como a diferença entre ciências físicas e da mente, é chegado o momento de fazer alusão à
economia política, como um campo de estudo da física ou da mente.
Indubitavelmente, a Economia Política tem muito em comum com as leis da
matéria. O fenômeno de que trata a produção material da riqueza, ocupa uma grande parte
da atenção dos investigadores como, por exemplo, a eficácia dos métodos de produção,
produtividade e outros. Contudo, a referida ciência faz referência à todo esse conjunto de
eventos, tendo como pano de fundo o fenômeno da mental.
Afinal de contas, o fenômeno supracitado fornece elementos para explicar as
motivações humanas por acumulação de capital, desejo de riqueza, reguladores dos lucros,
pressões populacionais sobre o nível de subsistência e outros. Se o objetivo desse tipo de
estudo estivesse somente relacionado à produção de riquezas, um sistema de economia seria
um tratado que teria que englobar a navegação, a agricultura, a química e outras ciências e
artes concernentes a produção.
Contudo, esse conjunto de detalhes é evitado pela economia política, ou são
utilizados somente à guisa de ilustração. De uma maneira geral, os tratados sobre economia
fazem referência às motivações que levam uma determinada comunidade a optar por um
determinado método de produção, ao invés de outro. Este conjunto de motivações referem-
se às leis da mente, que conduzirão uma certa comunidade a produzir alimentos e
medicamentos .Assim o investigador vai deixar para os agrônomos explicar as leis da
matéria para produção de alimentos, os químicos terão que encontrar os elementos para
uma produção de medicamentos, e assim por diante.
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Por fim a mensagem de Senior (1825 p.36) pode ser sintetizada em três
pontos fundamentais:
* a arte difere da ciência à medida em que esta está centraliza seu foco
sobre o como fazer, embora guarde uma relação com aquela a partir da necessidade que
possui de lançar mão dos princípios descobertos por esta;
* a ciência é fracionada quanto ao seu objeto de estudo, podendo estar
relacionado às leis da matéria e da mente;
* a economia política, embora esteja aparentemente ligada à arte em
função da produção de riquezas é, fundamentalmente, uma ciência da mente, ou seja, é o
estudo do conjunto de motivações humanas para possuir riqueza.
Esses três pontos principais serão amadurecidos por Mill em sua definição de
economia política e seu método de investigação, os quais serão delineados na próxima
seção.
3. A DEFINIÇÃO E O MÉTODO DA ECONOMIA POLÍTICA EM J OHN STUART MILL
O pensamento de Stuart Mill pode ser sintetizado em um Sistem of Logic
(Mill, 1843) que aborda os métodos indutivo e dedutivo, os Principles of Political
Economy (Mill, 1848) que delineiam a leitura do autor sobre o funcionamento do sistema
econômico e, por fim, On Definition of Polítical Economy (Mill, 1836) quando trata da
definição e do método de investigação da economia política. O objetivo desta segunda
seção é discorrer sobre este último trabalho, fazendo as respectivas correspondências com
Senior.
Mill inicia mostrando que um tratado sobre qualquer ciência começa com
uma tentativa de lhe acomodar sobre uma definição clara e precisa, abordando seu campo
de pesquisa e objeto de estudo e, simultaneamente, no que aquela difere das outras áreas do
conhecimento. O referido texto conduz seu leitor a concluir que a definição precede o
surgimento de um determinado ramo do saber.
Esta impressão, contudo, não reflete a realidade, afinal de contas, a criação
de um determinado ramo do conhecimento não foi precedida da definição, mas esta foi uma
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decorrência do desenvolvimento do mesmo como uma área do conhecimento bem
delimitada.
Em um estágio avançado do conhecimento, a humanidade tornou-se sensível
para investigar um conjunto de fatos singulares em função das propriedades que esses
portam em relação aos outros. Todo esse conjunto de investigações produziram definições,
em grande parte imperfeitas. A que se deve esses defeitos ? Senior já chamava atenção para
a necessidade do conhecimento aplicado, ou seja, deste ter alguma finalidade prática
relacionada à alguma arte.
Comumente, não é raro encontrar um cientista versado em qualquer área do
conhecimento ter dificuldades em definir sua área de investigação e, quando o fazem, esta
provavelmente vai encontrar uma série de objeções lógicas. As definições e princípios de
todas as ciências pertenciam à mente humana, portando uma grande dose de vaguidade e
incerteza.
Normalmente, a obscuridade das definições e dos princípios contrastaram
com explicações lúcidas e a conclusividade das provas, quando o investigador penetrou no
âmago do objeto. A solução para este tipo de paradoxo, provavelmente, está no fato dos
primeiros princípios, na realidade serem os últimos, ou seja, os mesmos não se constituíram
em uma rede de provas, se constituindo em vínculos mais remotos da cadeia, na realidade
são verdades que chegaram por último. Assim Mill (1836 p.298) chama atenção para a
necessidade de eliminar o que chamou de objeções lógicas nas ciências, em especial na
economia política. Sobre estas relata:
"Como outras ciências, a economia política permaneceu destituída de uma definição constituída em princípios estritamente lógicos, ou até mesmo de uma definição exatamente co-extensiva à coisa definida, o que é mais facial de se ter. Isto não ocasionou, talvez, que os limites reais da ciência fossem, pelo menos neste pais, mal compreendidos ou ultrapassados; mas ocasionou - talvez devamos antes dizer está ligado com - concepções indefinidas e freqüentemente errôneas do modo pelo qual a ciência deveria ser estudada."
Assim, quanto às principais definições de economia política, a primeira
remonta de Smith (1776 p.246) quando este afirma:
" A Economia Política, considerada como um ramo dos conhecimentos do legislador e do homem de Estado, propõe-se a dois objetivos distintos: primeiro, o de propiciar ao povo um rendimento ou uma subsistência abundante, ou, mais adequadamente, de colocá-lo em condição de adquirir por si próprio esse rendimento ou essa subsistência abundante; o
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segundo objeto consiste em fornecer ao Estado ou à comunidade um rendimento suficiente para o serviço público: ela se propõe enriquecer simultaneamente o povo e o soberano. "
Evidentemente, existem várias maneiras de se alcançar os resultados da
definição de Smith. Assim, o presente conceito faz uma confusão entre ciência e arte. Estas
duas idéias diferem entre si, como já assinalava Senior, sendo que a primeira está
relacionada como os fatos em si, e a segunda com preceitos. A ciência é um conjunto de
verdades, enquanto que a arte é um conjunto de regras de conduta. Portanto, se a economia
política constitui-se em uma ciência, não tem por base um conjunto de regras, embora seja
possível ter um conjunto de regras fundadas nelas. Uma arte é descaracterizada quando não
está fundamentada nas propriedades de alguma ciência.
Uma segunda definição afirma que a economia política consiste no estudo
acerca das leis que governam a produção, a distribuição e o consumo da riqueza,
acrescentando que a economia política está para o estado assim como a economia doméstica
está para a família.
Esta definição está isenta das objeções lógicas apontadas por Mill em relação
à definição de Smith, principalmente quando afirma que a economia política tem por
objetivo o estudo de leis e não de regras, ou seja, a economia política é uma ciência e não
uma arte.
Apesar da definição não ser objetável na concepção de Mill , o mesmo não
se pode afirmar quanto à sua ilustração, visto que esta contém aquela noção de economia
política refutada na primeira definição, a partir da adoção de um conjunto de regras
necessárias para manter uma família relativamente bem suprida.
Embora a segunda definição não esteja submetida à ilustração que a procede,
ela está muito longe de ser irrecuperável. A nenhuma delas Mill teve muito o que objetar
em função da fase inicial pela qual passava a ciência econômica; portanto, seria natural que
ambas as definições em maior ou menor grau estivessem eivadas de objeções lógicas.
Assim Mill (1836 p.300) observa que:
"A ciência das leis que governam a produção, a distribuição e o consumo da riqueza. O termo riqueza está envolto por um nevoeiro de associações flutuantes e quiméricas, que não permite que nada do que é visto através delas se mostre distintamente. Complementemos seu local por um circunlóquio. Define-se a riqueza como todos os objetos úteis ou convenientes à humanidade, com exceção daqueles que podem ser obtidos em
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quantidade indefinida sem trabalho. ao invés de todos os objetos, algumas autoridades dizem respeito todos os objetos materiais; a distinção não tem nenhuma importância para o presente propósito."
Quando se restringe a geração de riquezas é possível que, se as leis da
produção de todos os objetos que são úteis ou agradáveis à humanidade estivessem
contidas na economia política, seria muito difícil avaliar onde a ciência econômica começa
e onde ela termina. Além disso, todo o conhecimento da física estaria incluído nela.
Pelo fato da definição ultrapassar claramente sua extensão, não se pode
interpretá-las literalmente, embora as limitações com as quais ela deve ser entendida não
estejam devidamente bem formuladas.
É possível que a economia política seja versada somente nas leis que
regulam a produção de riqueza, as quais podem ser aplicadas a todas as espécies de riqueza.
Assim, existirão leis gerais e particulares, onde as últimas em nada mais consistem do que o
resultado complexo de uma pluralidade de leis gerais que estão continuamente em mutação.
Uma separação das leis gerais das leis particulares pelo fato das primeiras
serem gerais e as últimas particulares, iria contra os mais fortes motivos de convivência e as
tendências naturais da mente; afinal de contas não é possível pensar em leis gerais
desconectadas de alguma aplicação, conforme já apontava Senior. A economia política
possui um grande número de investigações particulares quanto qualquer ramo da física,
embora seus objetos de estudo sejam singulares, conforme declara Mill (1836 p.302)
"A distinção real entre a economia política e a ciência física deve ser procurada em algo mais profundo do que a natureza do objeto de estudo; que, de fato, é na maior parte comum a ambas. A economia política e as bases científicas de todas as artes úteis têm na verdade um mesmo objeto de estudo - notadamente, os objetos que conduzem a conveniência e satisfação dos homens, mas elas são, no entanto, ramos distintos do conhecimento."
Assim, Mill aceita a distinção de Senior quanto à existência de dois ramos
bem delimitados do conhecimento científico: as ciências físicas e as ciências morais. Pode-
se dizer que ambos possuem objetos de estudo bem delimitados, onde a última refere-se à
mente humana e a primeira à tudo aquilo que não esteja relacionado com a mente. Uma
outra razão fundamental que distingue a ciência física das ciências morais observada por
Mill (1836 p.302) é:
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"Em toda relação do homem com a natureza, quer o consideremos agindo sobre ela, quer recebendo impressões dela, o efeito ou fenômenos depende de causas de duas espécies: as propriedades do objeto que age, e as do objeto sobre o qual se age. Tudo aquilo que pode provavelmente acontecer ao qual dizem respeito conjuntamente o homem e as coisas exteriores, resulta da operação conjunta de uma lei da matéria com uma lei ou leis da mente."
As leis da mente e da matéria são tão distintas que seria impossível conjugá-
las em um mesmo estudo. Qualquer fenômeno composto vai depender tanto das
propriedades da matéria quanto das leis da mente.
Uma grande parcela das ciências morais pressupõe o conhecimento das
ciências físicas, mas poucas destas pressupõem aquelas. Não existem fenômenos que
dependam exclusivamente das leis da mente, sendo estes dependentes de leis da matéria,
em especial daquelas que regulam o funcionamento do corpo.
Pode-se, assim, afirmar que a economia política estabelece uma relação com
um conjunto de ciências, que são tributárias das artes de produção. A referida ciência,
portanto, a exemplo das demais ciências da mente, pressupõe todas as ciências físicas;
assume todas aquelas verdades daquelas ciências, que dizem respeito ao processo de
produção de bens exigidos pelas necessidades da humanidade.
Ainda seguindo a definição de Mill (1836 p.308/9) a economia política
pesquisa quais os fenômenos da mente que estão relacionados à produção e distribuição da
riqueza. Assim, o mesmo define a economia política como:
"A ciência que trata da produção e distribuição da riqueza na medida em que elas dependam das leis da natureza humana". Ou assim: "A ciência relacionada às leis morais ou psicológicas da produção e distribuição da riqueza". " diz respeito ao homem somente enquanto um ser que deseja possuir riqueza e que é capaz de julgar a eficácia comparativa dos meios para obter aquele fim. Prediz unicamente aqueles fenômenos do estado social que ocorrem em conseqüência da busca da riqueza. Faz total abstração de toda paixão ou motivo humano, exceto aqueles que podem ser tidos como princípios perpetuamente antagonistas ao desejo de riqueza, notadamente a aversão ao trabalho e o desejo da satisfação presente de indulgências dispendiosas." "ciência que traça as leis daqueles fenômenos da sociedade que se originam das operações combinadas da humanidade para a produção da riqueza, na medida em que aqueles fenômenos não sejam modificados pela procura de qualquer outro objeto."
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Toda a consideração relativamente à uma ciência está ligada ao método
filosófico da mesma, ou seja, pela natureza do processo pelo qual suas investigações devem
ser conduzidas e suas verdades alcançadas.
O primeiro destes métodos é o da indução, ou método a posteriori, o segundo
conjuga a indução com a dedução ou raciocínio, ou método a priori. Quanto ao primeiro,
entende-se aquele que elabora suas conclusões a partir de uma experiência específica. O
segundo significa a elaboração de um raciocínio a partir de uma hipótese previamente
assumida.
Na definição que se tentou construir de economia política, esta foi
caracterizada como sendo uma ciência abstrata, caracterizada pela utilização do método a
priori. Portanto, ela deve construir seus raciocínios a partir de assunções e não a partir de
fatos.
Assim, dentro dessa linha de raciocínio, a economia política idealiza um ser
humano somente a partir de suas motivações econômicas, ou seja, aquele ser que é capaz de
realizar um conjunto de atos para obter a maior soma possível de riqueza necessária às suas
conveniências com a menor quantidade de trabalho possível
A economia política constrói, a exemplo de sua concepção de homem, seus
raciocínios a partir de premissas assumidas, mesmo quando estas não possuem qualquer
ligação com fatos acordados universalmente, conforme o próprio Mill (1836 p.310) ilustra:
"As conclusões da economia política, consequentemente, como as da geometria, são verdadeiras somente enquanto a expressão comum é no abstrato, isto é, elas são verdadeiras sob certas suposições nas quais nenhuma a não ser as causas gerais - causa comuns à lasse total de casos em consideração - são levadas em conta."
O método a priori é, assim, o único que pode conduzir as ciências a uma
leitura verdadeira a respeito de seu objeto de estudo. O que é verdadeiro em abstrato é
sempre verdadeiro em concreto, com concessões apropriadas. Quando uma certa causa
existe realmente, e se deixada a si própria, infalivelmente produz um certo efeito que
quando modificado por todas as outras causas concorrentes, corresponderá corretamente ao
resultado realmente produzido.
Mill (1836 p.312) afirma, a exemplo do que faz Senior, que existe nas
ciências morais uma propriedade que as distingue das ciências físicas, ou seja, é a
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incapacidade de não se poder fazer experimentos nelas a exemplo da distinção que faz
Senior. Raramente pode-se fazer isso na ética e quase nunca na ciência política. Não é
possível fazer experimentos laboratoriais sob formas de governo, e sistemas de política
nacional a partir de uma amostra reduzida, de maneira que esses possam produzir avanços
nas respectivas ciências. Sobre a economia política o autor afirma:
"A ciência da economia política tem este caráter nos escritos de seus melhores professores. Para torná-la perfeita enquanto uma ciência abstrata, as combinações de circunstâncias que ela assume de modo a investigar seus efeitos, deveriam incorporar todas as circunstâncias que são comuns a todos os casos, e de modo análogo todas as circunstâncias que são comuns a qualquer classe importante de casos. As conclusões corretamente deduzidas dessas assunções seriam tão verdadeiras no abstrato quanto as da matemática, e seriam uma aproximação quase na mesma medida em que a verdade abstrata é uma aproximação à verdade no concreto."
Sob este último aspecto, Mill vislumbra um ambiente de incerteza na
economia política; embora essa imperfeição não seja exclusividade da mesma, mas das
ciências morais como um todo. Quando existe um conjunto de causas perturbadoras, faz-se
necessário lançar mão de atenuantes necessários para reduzir seus efeitos, sem que isso
diminua a precisão científica, não se constituindo qualquer desvio do método a priori.
Ainda nesta linha de raciocínio, Mill (1836 p.314) coloca:
"Estas causas perturbadoras são algumas vezes circunstâncias que operam sobre a conduta humana através do mesmo princípio da natureza humana, no qual a economia política é versada, notadamente, o desejo de riqueza, mas não são suficientemente gerais para serem consideradas na ciência abstrata."
Apesar de em seu Sistem of Logic indicar o método a posteriori como
adequado para as ciências físicas, Mill (1836 p.316/7) não tem a mesma postura quanto as
ciências morais, em especial com a economia política, quando afirma:
"Tendo agora mostrado que o método a priori em economia política e em todos os ramos da ciência é a única certeza ou modo científico de investigação, e que o método a posteriori ou de experiência específica, como um meio de chegar à verdade, é inaplicável a esse objetos de estudo, devemos ser capazes de mostrar que o último método é, não obstante, de grande valor na ciências morais, notadamente não como um meio de descobrir a verdade, mas de verificá-la e de reduzir ao menor grau aquela incerteza anteriormente aludida que se origina na complexidade de cada caso particular e na dificuldade de estarmos certos a priori de que consideramos todas as circunstâncias morais."
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"E, se nos encontrarmos nesta dificuldade, quanto mais precisas nossas deduções e quanto mais certas nossas conclusões no abstrato, tanto menos estamos propensos a suspeitar que estamos no erro; pois ninguém pode ter examinado detidamente as fontes do pensamento falacioso sem ser profundamente consciente de que a coerência e a nítida concatenação de nosso sistemas filosóficos está mais apta do que estamos comumente conscientes para passar pela evidência de sua verdade."
Para finalizar esta seção, é de bom alvitre fazer uma comparação entre os
pontos comuns trabalhados por Senior e Mill onde é possível encontrar profundas
interseções no pensamento de ambos os autores, mesmo de fora do campo metodológico.
Suas reflexões sobre a definição e o método da economia política podem ser sintetizadas
nos cinco pontos que segue:
* a economia política formula suas premissas de maneira arbitrária sem qualquer
relação com os fatos;
* a grande dificuldade na separação entre ciência e arte está na limitação da própria
mente que não consegue pensar qualquer objeto sem lhe dar uma aplicação;
* as ciências da mente formam suas premissas a partir da consciência enquanto que as
relacionadas à matéria formam suas premissas a partir da observação e hipóteses;
* a exemplo do que ocorre nas ciências que tratam do fenômeno material, não é
possível fazer experimentos naquelas que têm por objeto o estudo da mente;
* a economia política é um campo de estudo ligado aos fenômenos da mente.
4. MILL E O ESTUDO ATUAL DA METODOLOGIA ECONÔMICA
Em 1951, ao denunciar a falta de evolução da ciência econômica, Leontief
(1983 p. 15) afirmou:
"Se o grande física do século XIX, James Clerk Maxwell, assistisse hoje a uma reunião da sociedade Americana de Física, ele poderia encontrar sérias dificuldades em acompanhar o que estivesse se passando. No campo da Economia, por outro lado, seu contemporâneo John Stuart Mill captaria facilmente o fio da meada das discussões mais avançadas entre seus sucessores do século XX. A Física, que aplica o método do raciocínio indutivo a partir de eventos quantitativamente observáveis, já chegou a premissas inteiramente novas. A ciência econômica, em contraste, continua sendo um sistema principalmente dedutivo baseado num conjunto estático de premissas, a maior parte das quais conhecidas por Mill e algumas recuando à época de A Riqueza das Nações de Adam Smith."
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Evidentemente, a colocação de Leontief pode ser ampliada para um moderno
manual de economia onde, com certeza, haveria uma profunda identificação da
metodologia de Mill com aquele texto. Evidentemente, Mill não se defrontaria, na maioria
dos casos, com as objeções lógicas das definições, onde os papeis da economia positiva e
normativa, o que, preteritamente, havia sido chamado de ciência e arte, estão muito bem
definidos no campo da pesquisa da referida ciência. Além disso, a utilização do método
dedutivo, o estabelecimento de premissas generalizadoras e a utilização da cláusula ceteris
paribus constituem-se em fortes evidências quando a utilização de sua metodologia.
O objetivo desta seção é examinar alguns elementos metodológicos de Mill,
elucidando que estes encontram-se ainda presentes na metodologia da moderna teoria
econômica, ou seja, nos manuais de economia, em especial aqueles que versam sobre
microeconomia. Neste sentido é pertinente fazer alusão aos trabalhos de Blaug (1995),
Hausman (1994).
Em seu clássico trabalho sobre a metodologia econômica, Mar Blaug (1993
p.100) classifica e contextualiza Mill entre os verificacionistas4 do século XIX que, em
conjunto com Senior e Cairnes, integram os pensamentos clássicos sobre a metodologia
econômica. Em suas reflexões sobre a definição e o método da economia política em Mill,
Blaug percebe três elementos que ainda integram os compêndios de economia: o homem
econômico; o método dedutivo; e a cláusula ceteris paribus.
A presença do 'Homem Econômico' em Mill, segundo Mar Blaug (1993
p.101), é vista como aquele ser que tem um comportamento singular no mundo dos
negócios. É de bom tom observar que não se trata do homem como ele realmente é, mas
somente aquele movido por um conjunto de motivações econômicas, ou seja, o desejo de
maximizar sua riqueza sujeita a uma restrição orçamentaria.
Esta concepção de homem, em um moderno texto de microeconomia,
encontra-se presente na apresentação da conhecida teoria do consumidor. Além das
motivações de caráter puramente econômico, o referido ser possui um profundo domínio
4 Em sua definição de verificacionismo, Blaug (1993 p. 342) o conceitua como "ponto de vista metológico que considera teoria e hipótese científicas se e somente se suas previsões forem, pelo menos em princípio, empiricamente verificáveis.
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da matemática, que o torna capaz de atuar em um ponto onde sua satisfação é maximiza
elucidado por uma curva de indiferença que tangencia uma linha de restrição orçamentaria.
Um segundo elemento bem observado por Blaug (1993 p.102) é a
caracterização de economia política como uma ciência abstrata que emprega o método a
priori, sendo suas conclusões, se corretas em abstrato, também o serão no concreto.
Portanto, a economia política consiste em um corpo de análise eminentemente dedutiva,
fundamentada em um conjunto de premissas psicológicas sobre o comportamento humano.
Esta concepção de ciência ainda está presente nos moderno textos de teoria
econômica, em especial, pela presença do método dedutivo5 que constitui-se a base segundo
a qual os manuais de economia são plasmados. Os mesmos primam por conterem um
corpo coerentemente interligado por deduções corroboradas pela matemática e acomodadas
em um conjunto de premissas arbitrariamente adotadas. Considerando que todo
conhecimento é o produto da mente e não de fatos observados, o que justifica a utilização
do método dedutivo, um manual de economia prima pela ausência de conteúdo empírico,
ou seja, suas premissas não guardam qualquer relação com fatos observados, especialmente
nos compêndios de microeconomia.
Um terceiro elemento observado por Blaug (1993 p.104) é o conjunto de
causas perturbadoras que levaram os economistas modernos a adotar as cláusulas ceteris
paribus muito presentes em proposições gerais ou leis econômicas. Este argumento foi,
inicialmente, utilizado por Mill afim de evitar que os eventos que não guardassem uma
relação com a economia política pudessem contradizer suas conclusões, ou seja, excluir
todas as variáveis com exceção daquelas que estão ligadas à uma determinada teoria.
Assim, a economia política seria composta por um conjunto de Leis de
Tendências6 capazes de produzir um determinado resultado, permanecendo as demais
variáveis constantes.
5 Embora o emprego do método dedutivo não apenas para economia, mas para todas as ciências sociais em Mill, quando comparado com a metodologia da moderna teoria econômica é algo que necessita ser mais bem qualificado. O método a priori em Mill, em nenhum momento, prescinde da verificação empírica da leis econômicas. Os modernos manuais de economia, contudo, a prova das teorias é obtida dedutivamente, ou seja, os mesmos prima pela utilização do método hipotético-dedutivo que tem por base a Tese de Simetria. 6 No glossário de seu texto sobre metodologia econômica, Blaug (1993 p.341) definisse Leis de Tendência como "generalizações que estabelecem o efeito de uma variação em uma ou mais variáveis sujeitas a um conjunto de outras variáveis perturbadoras que, presume-se, permanecem constantes.
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Os modernos textos de teoria econômica estão repletos de enunciados
axiomáticos quando mostram funções de produção bem comportadas e mercados
competitivos equilibrados sem que nenhuma causa perturbadora os desqualifique, o que
somente se torna possível pela utilização da cláusula ceteris paribus.
Em dois importantes trabalhos que resgatam a atualidade da metodologia de
Mill, Daniel Hausman (1992, 1994) mostra que as reflexões sobre o referido autor quanto à
natureza da teoria econômica e sobre a maneira na qual esta é justificada não tem recebido a
devida atenção. Embora esta visão seja problemática, ela ainda têm muito a contribuir para
o debate atual sobre a metodologia econômica.
Segundo Hausman (1992 p.33), Mill oferece uma interpretação filosófica da
natureza e justificação da teoria econômica em três aspectos: no livro IV de seu Sistem of
Logic; em seu ensaio On Definition of Polítical Economy ; e em seus Principles of
Political Economy, embora neste último trabalho esteja bastante dispersa. A visão de Mill
nas obras citadas concebe a economia como uma ciência inexata, separada, que emprega o
método dedutivo.
Embora Mill faça uma defesa robusta sobre o emprego do método a priori
nas ciências sociais, sua principal contribuição está na idéia da economia como uma
concepção de ciência separada que, embora restrita, é extremamente útil para a
interpretação atual a teoria microeconômica e modelos de equilíbrio.
A visão de Mill sobre a economia como uma ciência separada tem como
base dois importantes fundamentos. No primeiro deles, o autor em tela acreditava que um
conjunto singular de fatores é imediatamente determinado por um classe mais ampla do
fenômeno social, o que torna a economia uma ciência unificada. Assim, pode-se firmar que
uma única teoria serve a explicar e prever todo um conjunto de fenômenos econômicos.
A segunda razão é a convicção de que esta é uma área do conhecimento é
completa em seu próprio domínio. Assim, seja na explicação ou previsão, a referida ciência
não tem necessidade de apelar para uma segunda área do conhecimento, a exemplo do que
acontece com a maioria das ciências sociais.
Assim, a idéia central de Mill é bastante simples e clara. Se um conjunto de
fatores sobre a produção distribuição e troca conseguem ser isolados, é possível materializar
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a produção do conhecimento na ciência em tela como uma ciência inexata, o que tornará
possível tanto a explicação como a previsão.
Hausman (1992 p.34) observa que Mill tinha uma perfeita noção da
dificuldade que a economia portava por não ser uma ciência exata. Para prover uma
interpretação filosófica da mesma, seria necessário ter em mente um conjunto de idéias que
levassem à descoberta de leis que mostrassem somente como as grandes causas funcionam.
De posse somente dessas, os cientistas não poderiam inferir precisamente sobre o que
efetivamente ocorre, abstraindo as várias causas perturbadoras que possam existir. Os
padrões de uma ciência como a economia são em si mesmos inexatos e incompletos.
Quando Mill faz alusão sobre uma ciência inexata, ele não trata
necessariamente de implicações imprecisas. Pode acontecer que o conhecimento das causas
relevantes seja completo e, mesmo assim alguém permaneça incapaz de fazer previsões
consistentes ou explicar em detalhe o porquê das dificuldades em especificar as condições
iniciais. Embora considere o fato de que uma área do conhecimento de tendências como a
economia seja o melhor exemplo de inexatidão relativamente às dificuldades em especificar
as condições iniciais ou calcular seus efeitos, o mesmo está concentrado nas características
dentro das próprias leis. Deve-se somente discutir as ciências que sejam inexatas porque
suas leis não são plenamente adequadas.
Segundo Hausman (1992 p.35), pode-se pensar cinco maneiras de se analisar
uma ciência inexata:
* as aproximações generalizadoras;
* as generalizações probabilísticas ou estatísticas;
* as generalizações brutas;
* os modelos ou leis contrafactuais;
* as leis implicitamente qualificadas.
A primeira interpretação de inexatidão envolvendo aproximações
generalizadoras é bastante simples. Algumas leis podem ser verdadeiras simplesmente pela
especificação de uma margem de erro em seu domínio.
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Entretanto, Mill nunca interpreta de uma ciência inexata como verdadeira
dentro de uma margem de erro. Relativamente à economia. somente uma pequena parte da
inexatidão de suas generalizações constituem um problema de aproximação.
Muitos pesquisadores têm visto as afirmações básicas da economia como leis
estatísticas ou de probabilidade. Existe, contudo, pouco suporte nos escritos de Mill para
este tipo de construção ou considerações em contrário. Ver as leis econômicas como
probabilísticas é confundir os resultados dos testes com o que as leis afirmam. As
afirmações gerais e fundamentais da economia não envolvem elementos de mudança ou
aleatoriedade. Elas não dizem nada sobre distribuições estatísticas ou de probabilidades.
Em diversas passagens de seu Sistem of Logic, Mill sugeriu que algumas
das leis de uma ciência inexata são generalizações brutas. Pela forma como Hausman
utilizou o termo, uma generalização bruta não é uma lei porque não é verdadeira. Ela é
simplesmente uma generalização que mostra algumas contraexemplos, porém nem tanto ao
ponto de levar alguém a assimilar algo. Mill acredita que muitas das leis empíricas das
ciência sociais são meramente generalizações brutas.
Desde que as generalizações brutas sejam falsas, seus poderes de explicação
são questionáveis. Interpretar as leis de uma ciência inexata meramente como verdadeiras
em parte leva alguém a questionar sua adequação. Mill reconhece essa dificuldade e deve
ser interpretado como afirmado somente as leis empíricas das ciências inexatas são
generalizações brutas. Mill acreditava, segundo Hausman (1992 p.41), que sempre nas
ciências pode-se encontrar leis causais que não sejam brutas para explicar leis empíricas.
As ciências inexatas não contém somente generalizações brutas em essência;
tendências são as genuínas regularidades que as leis inexatas expressam. As ciências de
tendência, são, via de regra, ciências inexatas.
Como muitos economistas, Mill explica a inexatidão das leis econômicas,
argumentando que estas mostram como tudo deveria ocorrer se certas condições fossem
mantidas. Isso elucida que Mill teria sugerido que as teorias econômicas são constituídas
de modelos ou leis contrafactuais.
É um hábito comum entre os economistas expressar seus pontos de vista
lançando mão de um conjunto de modelos protegidos sempre por axiomas como
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representações, por vezes, excessivamente simplificadas do mundo real com objetivo de
estudar o comportamento de uma determinada variável.
Por fim, quanto ao último item, Mill mostra que as leis econômicas portam,
implicitamente a cláusula ceteris paribus. Hausman (1992 p.41) vê esta observação como a
mais consistente posição filosófica que Mill escreveu sobre as ciências inexatas, embora
não esteja explícita em seu trabalho. Muitas das aparentes dificuldades em economia podem
ser entendidas pela utilização das cláusula ceteris paribus.
Este tipo de qualificação implícita mostra os limites da teoria econômica no
tratamento com a realidade, as quais conduzem afirmações aproximadas, embora permita o
tratamento de um determinado objeto aos moldes das ciências exatas. Além disso, a
utilização da cláusula ceteris paribus fornece um poderoso instrumento de defesa de
qualquer teoria a medida que só permite confirmações.
Por fim, embora fosse um elemento fundamental na metodologia de Mill,
Hausman (1992 p.51/2) mostra que o método dedutivo, conforme visto pelo pensador em
tela, não provém de elementos significativos para compreensão da moderna teoria
econômica. As teorias econômicas podem encontrar as condições para sua legitimação
através da cláusula ceteris paribus que se constitui em uma das características das ciências
inexatas.
Além dessa colocação, as concepções de Mill quando, na interpretação de
Hausman (1992), qualificam a economia como uma ciência inexata e separada, pelas
características da primeira e os fundamentos da segunda, satisfazem plenamente as
condições de justificação da teoria econômica, tornando o método dedutivo desnecessário,
porém ainda importante no contexto de uma ciência inexata como a economia.
5. CONCLUSÃO: DE VOLTA AO COMEÇO
O estudo da metodologia ou, como prefere Blaug (1993), 'como os
economistas explicam' ganhou relevância a partir da crise que a economia passou a viver
em meados da década de setenta. Ainda existe um longo caminho a percorrer nesse campo
de pesquisa, contudo é possível vislumbrar a concepção de ciência sobre a qual a teoria
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econômica repousa, a qual, a exemplo de qualquer área do conhecimento, tem uma
profunda relação com o estágio do conhecimento científico.
A visão adquirida que, até o início do século, dominava a filosofia da
ciência, passou a ser amplamente questionada, embora sem ter sido substituída por uma
concepção alternativa. A economia, por sua vez, ainda não alterou sua matriz principal por
um programa de pesquisa substituto. Se a economia é uma ciência em crise, porque não
afirmar que esta, total ou parcialmente, reside na forma como os pesquisadores a concebem.
Neste sentido, o estudo da metodologia clássica, constitui o ponto de partida para o
entendimento da maneira como a economia encontra-se elaborada nos modernos manuais
sobre o assunto.
A principal contribuição de John Stuart Mill (1836) foi ter concebido a
economia como uma ciência que descobre seus fundamentos a partir de raciocínios
abstratos, tendo por pano de fundo as motivações psicológicas que levam o homem a atuar
no mundo dos negócios.
Sendo uma ciência que trata dos fenômenos da mente, examinando um
conjunto de motivações singulares do comportamento humano, a economia formula suas
premissas em abstrato pela utilização do método dedutivo ou a priori. Afinal de contas,
tudo o que é verdadeiro no abstrato também o será no concreto.
Em função da complexidade do mundo real, é necessário abstrair de todo
raciocínio econômico um conjunto de causas perturbadoras que podem adulterar as
conclusões realizadas em abstrato.
Blaug (1993) identificou no pensamento de Mill as três contribuições
supracitadas implicitamente em On Definition of Polítical Economy. Das motivações de
caráter puramente econômico identificadas por Mill nasceu o 'Homem Econômico' que
procura otimizar seu comportamento diante do desejo de ter o máximo de riqueza por um
mínimo de trabalho, capaz de calcular o ponto ótimo de atuação diante de uma linha de
restrição orçamentária.
A utilização do método a priori, em Mill, é a única forma de se chegar a
verdade sobre as motivações da mente que determinam o comportamento humano em um
ambiente econômico e, simultaneamente, leva o investigador a fazer previsões sobre suas
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teorias. Embora Blaug (1993) tivesse identificado em Mill a utilização do método dedutivo,
quando comparado com os modernos manuais de econômica, observa-se que a concepção
de Mill foi substituída pelo método hipotético-dedutivo onde as teorias econômicas são
elaboradas e testavas dedutivamente sem qualquer relação com os fatos. Neste sentido, a
grande contribuição de Mill está na produção abstrata do conhecimento em economia, já
que a verificação empírica em seu método a priori foi abandonada dos modernos
compêndios de teoria econômica.
As causas perturbadoras observadas por Mill evoluíram para a utilização da
cláusula ceteris paribus, a partir da qual é possível isolar, em abstrato, somente as variáveis
econômicas de tudo aquilo que não integra o referido estudo. Isso mostra a dificuldade de
aplicação das leis econômicas sobre a realidade.
Hausman (1992/4) identificou os mesmos elementos de Blaug, mas teve
sobre os mesmos uma leitura singular em relação ao trabalho deste. O referido autor leu o
pensamento de Mill como aquele que concebeu a economia como uma ciência inexata,
separada que emprega no método dedutivo.
A contribuição da concepção de economia com uma ciência inexata mostra,
precisamente, os fundamentos da moderna teoria microeconômica e modelos de equilíbrio,
os quais encontram-se acomodados sobre as cinco características de uma ciência inexata,
exceto a segunda que trata de generalizações estatísticas ou probabilísticas. Afinal de
contas, não há no bojo da própria teoria econômica e seus modelos de equilíbrio qualquer
fundamento que leve à uma afirmação tão forte.
Como a produção do conhecimento em economia ocorre no plano abstrato,
tudo o que não pertence ao fenômeno econômico é afastado deste. Essa peculiaridade é
capaz de tornar a economia uma ciência fechada em seus próprios fundamentos e isolada
das demais ciências sociais.
Essa percepção de uma ciência separada justifica-se à medida em que não há
nos manuais qualquer referência ao momento histórico, ambiente político e legislação, o
quais integram, em conjunto com a economia, a totalidade orgânica e indivisível de uma
realidade. Assim, todos os fenômenos econômicos encontram seus fundamentos no âmago
de sua própria ciência.
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De todas as contribuições percebidas por Hausman (1992), a que menos
contribui para o debate acerca da metodologia econômica é a utilização do método
dedutivo, embora este constitua a base sobre a qual as premissas das ciências inexatas são
elaboradas. Isso ocorre em função do nível de generalidade das ciências inexatas que são
capazes de satisfazer as condições de justificação discutidas anteriormente.
BIBLIOGRAFIA
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