a publicidade de bebidas alcoóligcas

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São Paulo, quinta-feira, 02 de junho de 2011 TENDÊNCIAS/DEBATES A publicidade de bebidas alcoólicas JOÃO LOPES GUIMARÃES JÚNIOR e ILANA PINSKY Parece legítimo questionar se cervejarias devem ter direito irrestrito de bombardear crianças e adolescentes com um forte assédio publicitário Entre as cinco intervenções propostas em artigo recente da publicação "The Lancet" para lidar com a crise mundial de doenças não transmissíveis está a redução do consumo abusivo de bebidas alcoólicas. No Brasil, dados divulgados pelo Ministério da Saúde em abril mostram o aumento do percentual dos que bebem em excesso. Diversos especialistas em saúde pública alegam ser impossível conceber uma política pública para reverter essa alarmante situação sem combater o estímulo exercido pela publicidade, especialmente a de cerveja, que associa seu consumo a imagens e situações atraentes, divertidas, bonitas ou eróticas. Veiculada com impressionante frequência, especialmente na TV, a publicidade é capaz de interferir na liberdade de decisão de adolescentes e jovens adultos, por serem eles mais vulneráveis. No entanto, a proposta de proibir a publicidade de cerveja como medida útil para reduzir o alcoolismo vem provocando reação de setores publicitários e de mídia, que alegam tratar-se de cerceamento de sua liberdade de expressão ou censura. Será que esses setores corporativos têm razão? A interferência do Estado na economia não é novidade nem arbitrária; é bem-vinda como resultado da evolução do direito para conciliar o capitalismo com a promoção do bem-estar social. Ora, como promover a saúde e o meio ambiente, por exemplo, sem

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João Lopes Guimarães JuniorIlana PinskyQuestiona-se o bombardeio publicitário a que estão submetidos adolescentes e crianças, por parte de comerciais de cerveja.

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So Paulo, quinta-feira, 02 de junho de 2011

TENDNCIAS/DEBATES

A publicidade de bebidas alcolicas

JOO LOPES GUIMARES JNIOR e ILANA PINSKY

Parece legtimo questionar se cervejarias devem ter direito irrestrito de bombardear crianas e adolescentes com um forte assdio publicitrio

Entre as cinco intervenes propostas em artigo recente da publicao "The Lancet" para lidar com a crise mundial de doenas no transmissveis est a reduo do consumo abusivo de bebidas alcolicas. No Brasil, dados divulgados pelo Ministrio da Sade em abril mostram o aumento do percentual dos que bebem em excesso.Diversos especialistas em sade pblica alegam ser impossvel conceber uma poltica pblica para reverter essa alarmante situao sem combater o estmulo exercido pela publicidade, especialmente a de cerveja, que associa seu consumo a imagens e situaes atraentes, divertidas, bonitas ou erticas.Veiculada com impressionante frequncia, especialmente na TV, a publicidade capaz de interferir na liberdade de deciso de adolescentes e jovens adultos, por serem eles mais vulnerveis. No entanto, a proposta de proibir a publicidade de cerveja como medida til para reduzir o alcoolismo vem provocando reao de setores publicitrios e de mdia, que alegam tratar-se de cerceamento de sua liberdade de expresso ou censura.Ser que esses setores corporativos tm razo? A interferncia do Estado na economia no novidade nem arbitrria; bem-vinda como resultado da evoluo do direito para conciliar o capitalismo com a promoo do bem-estar social.Ora, como promover a sade e o meio ambiente, por exemplo, sem controlar (quando possvel) certas atividades que comprovadamente causam doenas ou poluem?A imposio de algumas restries s empresas se justifica, portanto, quando orientadas a proteger eficientemente e na justa medida interesses sociais valiosos. A lgica simples: o sacrifcio de um direito passa a ser aceitvel quando resultar na proteo de outro considerado mais relevante.Parece-nos legtimo questionar se as cervejarias devem ter direito irrestrito a bombardear crianas e adolescentes com todo tipo de assdio publicitrio -altamente sofisticado e persuasivo-, quando argumentos consistentes demonstram a gravidade dos problemas de sade pblica causados pelo lcool e a influncia da publicidade sobre esses consumidores. Ser que interesses empresariais devem, nesse caso, se sobrepor a interesses sanitrios?Ainda que se reconhea sua importncia, a publicidade no pode gozar da mesma proteo legal que merecem as manifestaes artsticas, literrias, polticas ou jornalsticas, pois os valores que justificam a defesa intransigente destas absolutamente no esto presentes na mensagem de fim comercial.Cabe lembrar que, desde 1996, restringiu-se a propaganda de bebidas de alto teor alcolico, sem que fosse abalado o prestgio de nossa democracia (quem no se lembra do famoso slogan que espalhava pelos meios de comunicao de massa o conceito de que beber cachaa era "uma boa ideia"?).O que inadmissvel, em uma sociedade verdadeiramente democrtica, a prevalncia de interesses econmicos quando est em jogo a sade de jovens que so persuadidos diariamente a consumir bebidas alcolicas.

JOO LOPES GUIMARES JNIOR procurador de Justia; foi promotor de Justia do Consumidor.ILANA PINSKY,psicloga, vice-presidente da Abead (Associao Brasileira de Estudos do lcool e outras Drogas).