a religião cristã em sua expressão doutrinária - edgar young mullins

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A RELIGIÃO na sua expressão doutrinária EDGAR YOUNG MULLINS, D.D.JL. D

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  • A RELIGIOna sua e x p r e s s o d o u t r i n r i a

    EDGAR YOUNG MULLINS, D .D .JL . D

  • A religio cristna sua expresso doutrinria

    Edgar Young Mullins, D.D., LL. D.

    UIAGNOS

  • C o p y r ig h t 2 0 0 5 E d i t o r a H a g n o s L t d a P u b l i c a d o o r ig in a lm e n t e p o r : C a s a B a u t i s t a d e P u b l ic a c io n e s , USA

    T t u l o o r ig in a l :La Religin Cristiana en su Expresin Doctrinal

    T r a d u o :Cludio J. A. Rodrigues

    R e v is o :Mrcio Ribeiro Aldo Menezes

    C a p a : .Marcelo Moscheta

    D l a g r a m a o :Printmark Marketing Editorial

    C o o r d e n a d o r d e p r o d u o Mauro W . Terrengui

    Ia edio - fevereiro - 2005

    Im p r e s s o e a c a b a m e n t o Imprensa da F

    D a d o s I n t e r n a c i o n a i s d e C a t a l o g a o n a P u b l i c a o (C IP ) ( C m a r a B r a s i l e i r a d o L iv r o , SP, B r a s i l )

    Mullins, Edgar Young, 1860-1928.A religio crist : na sua expresso doutrinria / Edgar Young M ullins; [traduo Cludio J.A. Rodrigues]. -- So Paulo : Hagnos, 2005.Ttulo original: La religin cristiana en su expresin doctrinal.Bibliografia1. Batistas - Doutrinas - Histria2. Teologia doutrinai I. Ttulo.04-8656 CDD-230.046

    n d i c e s p a r a c a t l o g o s i s t e m t i c o 1.Teologia: Doutrina crist

    ISBN 85-89320-67-7

    Todos os direitos desta edio reservados E D I T O R A h a g n o s

    Rua Belarmino Cardoso de Andrade, 108 So Paulo - SP - 04809-270 Tel/Fax: (xxll) 5668-5668 e-mail: [email protected] www.hagnos.com.br

  • Em memria do presidente James Petigru Boyce [1827-1888], grande administrador e professor de teologia,

    cuja viso inspiradora da educao teolgica para os batistas do sul tornou possvel o Seminrio Teolgico Batista do Sul.

    Este volume dedicado a ele com afeio por seu agradecido aluno e sucessor na funo.

  • Sumrio

    Prefcio 13

    Captulo 1Religio e teologia 17

    A. Duplo objetivo 17B. Formas modernas de considerar a experincia religiosa 29C. Experincia crist e revelao 37D. Necessidade da auto-revelao pessoal de Deus 41E. Teologia e verdade 43F. Tpicos concluintes do exame preliminar 46

    Captulo 2O conhecimento de Deus 57

    A. Definio de conhecimento e de religio 57B. Fontes do conhecimento religioso 60C. Concluso 73

    Captulo 3Estudo preliminar da experincia crist 75

    A. Seis hipteses 75B. A anlise da experincia crist 77C. A unidade sinttica da experincia crist 81D. Aspectos psicolgicos da experincia crist 84E. A conscincia natural e a regenerada 88F. A transio do estado natural ao regenerado 92

  • G. Objees consideradas 93H. Como o conhecimento surge na experincia crist 95I. Elementos de conhecimento na experincia crist. 97J. O conhecimento cristo e a certeza crist 101L. Objees certeza crist. 104

    Captulo 4Conhecimento cristo e outras formas de conhecimento 113

    A. A cincia fsica 114B. A psicologia da religio 118C. A relao da experincia crist com a tica 123D. A experincia crist e a religio comparada 126E. A experincia crist com relao filosofia 137F. Opinies modernas sobre o mundo 142G. Personalismo e tesmo cristo 160H. As provas da existncia de Deus 163I. Concluso geral 175

    Captulo 5A revelao 179

    Declaraes introdutrias 179A. Pontos de vista opostos 180B. O contedo da revelao 183C. O registro da revelao 186D. Marcas distintivas da revelao bblica 188

    Captulo 6A revelao suprema: Jesus Cristo 199

    A. Cristo: A chave das escrituras 199B. Jesus Cristo na experincia religiosa moderna 211C. Afirmaes a respeito de Cristo na experincia 212

    Captulo 7A divindade de Cristo 215

    A. Um artigo de f fundamental 215B. Consideraes gerais 218

  • C. Os elementos divino e humano em Cristo 226D. A preexistncia do Filho Divino 230E. O despojamento divino 232F. Estgios na ascenso de Cristo 238G. Objees 242H. Teorias opostas 248

    Captulo 8O Esprito Santo e a Trindade 257

    A. O Esprito Santo 257B. A Trindade 260C. O valor prtico religioso da doutrina da Trindade 265D. Objees 267

    Captulo 9O Deus de nosso Senhor Jesus Cristo 271

    A. Definio de Deus 272B. A definio crist 273C. Os atributos de Deus. 281D. Erros que devem ser evitados 311

    Captulo 10Criao 321

    A. Definio. 321B. Opinies divergentes 323C. A criao do homem 326D. A origem das almas 334

    Captulo 11A providncia 339

    A. Definio 339B. Os anjos 352

    Captulo 12O pecado 359

    A. A origem do pecado 359

  • B. A relao natural e espiritual de Cristo coma humanidade 364

    C. O ensino bblico sobre o pecado 368D. As conseqncias do pecado 375E. Soluo do problema do pecado por meio da

    experincia crist 381F. Objees doutrina bblica do pecado 383

    Captulo 13A obra salvfica de Cristo 385

    A. O ofcio trplice de Cristo 385B. A propiciao 386C. Reviso de teorias 388D. Afirmativas gerais e preliminares quanto

    doutrina bblica 394E. A doutrina bblica da propiciao 397F. A propiciao e a imanncia divina 405H. Os elementos vitais e legais na propiciao 407I. A referncia da propiciao em relao a Deus

    e ao homem 417J. Uma discusso acerca dos atributos de Deus na

    propiciao 424L. A extenso da propiciao 425M.A intercesso de Cristo 426

    Captulo 14A eleio: a iniciativa de Deus na salvao 427

    A. A soberania de Deus 427B. O propsito de Deus com relao humanidade 429C. A salvao dos indivduos 432D. Objees 445E. Endurecendo o corao 448

    Captulo 15Os princpios da vida crist 451

    A. A obra do Esprito Santo na salvao 451

  • B. O comeo da salvao 458C. A ordem da salvao 462D. Regenerao nas suas relaes mais amplas 482E. Justificao 487F. Adoo e filiao 501G. A unio com Cristo 509

    Captulo 16A continuao da vida crist 519

    A. A santificao 519B. A perseverana 537

    Captulo 17As ltimas coisas 545

    A. Ciclo de idias na teologia completado 545B. Questes preliminares 547C. A morte do corpo 568D. O estado intermedirio 569E. A segunda vinda de Cristo 572F. A questo sobre o milnio 576G. A ressurreio 583H. O juzo 590I. Os estados finais: o cu 596J. Teorias que negam a punio eterna 605

    ndice remissivo 623

  • Prefcio

    Vrias razes levaram o escritor a preparar esta obra sobre teologia. Ele foi professor da matria durante os ltimos dezoito anos1. Seu prprio mtodo e ponto de vista em lidar com a verdade tm, como conseqncia natural, assumido uma forma definitiva. A teologia como qualquer outra cincia: se est viva, progride. Isto no significa que v alm de Cristo e do Novo Testamento. Pelo contrrio, significa que estes so a causa desse constante crescimento. O objeto da religio no cresce, mas o assunto nunca atinge o estgio final nesta vida. A verdade no muda, mas apreendemos a verdade com crescente clareza.

    Em meados do sculo 19, aps a era de Lutero, a teologia se ocupava sobretudo das questes que resultavam da Reforma. O mtodo da teologia originava-se de uma era passada. As teologias eram abrangentes, tratados mais ou menos filosficos e abstratos. Havia um desejo louvvel de sistematizar as verdades do cristianismo. Mas, com demasiada freqncia, o mtodo e o propsito bblicos eram sacrificados em prol do interesse de determinada "escola" teolgica ou de um princpio filosfico. Por exemplo, o arminianismo passava por cima de certas verdades essenciais acerca de Deus ao defender com veemncia a liberdade humana. Em contrapartida, o calvinismo exagerou algumas de suas concluses no desejo sincero de salvaguardar a verdade da

    X[NR] De 1899 a 1917, data do lanamento desta obra.

  • soberania de Deus. Estamos aprendendo a romper com essas duas posies e a nos apegar fielmente s escrituras, ao mesmo tempo em que retemos a verdade de cada um desses sistemas teolgicos.

    Durante o sculo 19 o pensamento humano do mundo inteiro passou por uma extraordinria revoluo. Nas cincias fsicas surgiram mtodos e ideais novos. Na esfera social e econmica uma nova sociologia e economia poltica tomavam forma. Na psicologia, um novo mtodo de estudo criou uma literatura inteiramente nova. Na filosofia todas as questes eram reafirmadas sob novas formas, e novas escolas de pensamento surgiram. Era inevitvel que essas mudanas no pensamento humano introduzissem novas questes e crises na teologia. Muitos olhavam essas mudanas com medo e tremor, temendo a destruio dos fundamentos. Schleiermacher, no comeo desse sculo, j havia antecipado a necessidade de mudanas no mtodo de lidar com a verdade religiosa. O notvel sistema de Ritschl foi um resultado lgico do impacto das novas formas de olhar as coisas diante dos caminhos antigos da teologia. Como sistema, tinha falhas fatais, e est agora perdendo fora. Mas um marco notvel, indicando uma crise particular na histria da teologia.

    Estamos vendo, por fim, todas as coisas sob nova perspectiva. Vrias coisas so completamente claras. Uma delas que nenhum dos fatos essenciais da vida espiritual do homem foi destrudo por qualquer desenvolvimento em tempos recentes. Os mtodos mudaram. Novas questes surgiram. Velhas questes assumiram novas formas. Novas afirmativas da verdade so necessrias. Mas Cristo permanece o mesmo "ontem, e hoje, e eternamente". O evangelho permanece. Os melhores mtodos histricos e crticos do estudo da Bblia nos deram uma viso mais clara de Cristo e da sua doutrina. Apreciamos melhor agora do que antes a grande sabedoria e o grande amor de Deus ao revelar-se a si mesmo de forma gradual humanidade. Isto se torna claro para ns nas

  • escrituras do Antigo e do Novo Testamento. Temos melhores mtodos de empregar as escrituras com o objetivo de provar as doutrinas. Aprendemos a reconhecer que a religio uma forma de conhecimento; que o universo espiritual a maior de todas as realidades; que Cristo hoje o Criador espiritual em uma civilizao em avano. Juntamente com isso, temos aprendido que nossa religio capaz de uma exposio clara e cientfica, e que provas novas e contundentes de sua verdade e finalidade so possveis. O evangelho de Cristo, no em uma forma atenuada to reduzida de difcil reconhecimento, mas com todos os seus elementos vitais intactos, est hoje no mundo moderno, e nada tem a temer de qualquer forma de estudo sensato. O autor acredita que esses fatos podem ser apresentados de forma inequvoca nas pginas seguintes.

    Com a finalidade de clareza e legibilidade, optou-se pelo uso da linguagem no-tcnica e a mais simples possvel. Algumas partes da teologia so inerentemente difceis. Na maior parte, porm, o autor acredita que o leitor no achar o livro difcil de entender.

    Primeiramente, o livro foi escrito para ser usado por estudantes de teologia. Mas o leitor em geral tambm foi levado em considerao. Foi tomado cuidado para se evitar divises e subdivises em demasia. Excesso de subdivises no torna o texto interessante nem desperta o interesse do leitor. O ndice analtico de contedo ajudar aqueles que desejarem um sumrio de uma seo particular da discusso.

    impossvel para o autor indicar, mesmo no sentido geral, sua dvida a outros escritores. Inumerveis livros sobre todas as fases do assunto foram lidos e consultados. Teologias bblicas, teologias sistemticas, teologias da experincia crist, psicologias, filosofias da religio e livros sobre religies comparadas e outros assuntos foram examinados. Ocasionalmente foram mencionados

  • em notas de rodap. Mas foi impossvel faz-lo em todos os casos. O autor deseja expressar seu agradecimento ao rev. W. T. Conner (seu ex-discpulo, doutor em teologia e professor dessa matria no Seminrio Teolgico Batista do Sudoeste, em Fort Worth, Texas), pelas valiosas sugestes baseadas em leituras cuidadosas do manuscrito.

    E.Y.M.

  • Captulo 1

    Religio e teologia

    A. Duplo objetivo

    O objetivo deste tratado duplo: primeiro, o de estabelecer o contedo da religio crist e, segundo, o de estabelecer as doutrinas da religio que surgem dela e que so necessrias para explicar seu sentido.

    O objetivo implica uma conexo necessria entre religio e teologia. A teologia tem sido muitas vezes definida como a cincia que trata de Deus. Essa definio baseada na derivao etimolgica dos termos gregos para Deus (theos) e razo (logos). Mas a teologia crist algo mais do que a cincia que trata de Deus. Tambm so includos no seu campo de investigao as relaes do homem com Deus. A razo dessa definio mais ampla da teologia crist torna-se clara quando consideramos a natureza do cristianismo. A religio crist no uma teoria ou especulao acerca de Deus. Ela mais do que dedues de fatos objetivos concernentes sua natureza e atributos. Estes no so conjuntamente excludos da teologia crist, mas no constituem o seu fundamento nem os elementos principais do seu contedo. Em primeiro lugar, religio o relacionamento do homem com o ser divino. Envolve comunho e obedincia da parte do homem, e auto-revelao da parte de Deus. uma forma de experincia e de vida. uma ordem de fatos. A teologia a explicao sistemtica e cientfica dessa ordem dos fatos. As vezes o termo teologia empregado em sentido mais estrito, significando a doutrina de

  • Deus, distinta da doutrina do homem, do pecado, da salvao ou de outras doutrinas particulares. Isto, entretanto, no est em conflito com o que acaba de ser afirmado quanto ao uso geral da palavra. Ela passou a significar toda a gama de doutrinas relativas a Deus em suas relaes com o homem.

    Esse significado aparece no uso do termo nas vrias divises da teologia. Quando falamos de teologia do Antigo Testamento queremos dizer a exposio sistemtica das verdades acerca de Deus e de suas revelaes ao homem, que se originam da vida e da experincia do povo de Deus na histria do Antigo Testamento. A teologia do Novo Testamento significa as verdades correspondentes dadas na vida e na religio dos autores e escritores do Novo Testamento. A teologia paulina ou joanina significa as verdades encontradas nos escritos de Paulo ou Joo. Em geral, a teologia bblica a exposio cientfica da teologia da Bblia, no misturadas com elementos especulativos ou outros elementos tomados da natureza fsica ou da razo humana. Mas em todos os exemplos mencionados, a teologia abrange a totalidade das relaes entre Deus e o homem. No se limita doutrina da natureza divina ou de seus atributos. A teologia sistemtica a apresentao ordenada e harmnica das verdades teolgicas a fim de alcanar a unidade e a totalidade. A razo pode suprir certos elementos nessa apresentao que seriam inadequadas em um mtodo bblico de tratamento rgido. A teologia histrica traa os estgios no desenvolvimento das doutrinas atravs dos sculos cristos, com o propsito de demonstrar suas relaes internas de sculo em sculo.

    Outro mtodo de tratar as doutrinas da religio crist o que d preeminncia experincia crist. o mtodo adotado por este livro.

    A maneira experimental de tratar as doutrinas crists tem sido empregada, essencialmente, em todo sistema vital produzido desde

  • os tempos do Novo Testamento. Mas na maioria dos casos tem sido mais implcita que explcita. A experincia crist tem sido assumida tacitamente. o princpio que anima todos os escritores bblicos tanto do Antigo quanto do Novo Testamento. a fonte de poder nos escritos de um Agostinho, de um Clemente, de um Schleiermacher. Toda teologia deve ser vitalizada pela experincia antes que possa se tornar uma fora real para a regenerao do homem.

    Mas quando falamos em tornar a experincia explcita na exposio de doutrinas do cristianismo, no estamos de forma alguma adotando isso como o nico critrio da verdade. Aquele que tentasse deduzir toda doutrina crist de sua prpria experincia subjetiva seria um homem muito desprovido de sabedoria. Como logo veremos, o cristianismo uma religio histrica. Jesus Cristo seu nico fundador e autoridade suprema como revelador de Deus. As escrituras so nossa nica fonte de informao autorizada acerca de Cristo e sua carreira terrena. Estas so fundamentais a qualquer entendimento correto de nossa religio.

    Quando, portanto, falamos em tornar a experincia crist explcita como princpio de afirmativa teolgica, estamos simplesmente procurando entender o cristianismo antes de tudo como religio. Certamente no podemos conhecer o significado de religio at que saibamos o que religio. H maneiras de lidar com a doutrina crist que se afastam da verdade. Um telogo poder adotar um princpio lgico ou filosfico abstrato e construir um sistema tendo pouca relao com o Novo Testamento. Para evitar esse erro, o melhor recurso a religio do Novo Testamento em si mesma.

    Observar-se-, ento, que o claro reconhecimento da experincia crist na discusso doutrinria no torna a teologia menos bblica, ou menos sistemtica, ou menos histrica. A Bblia o maior de todos os livros de experincia religiosa. A teologia de seus grandes escritores toda, em certo sentido, a expresso

  • de suas experincias sob direo do Esprito Santo de Deus. A converso de Paulo foi uma influncia formativa em todos os seus ensinos doutrinrios.

    Outra vez, nosso tratamento no menos sistemtico por ser experimental. Podemos ser mais cautelosos ao tirarmos inferncias lgicas e filosficas das doutrinas reveladas e conhecidas na experincia. Mas isso no impede, de modo algum, um arranjo e exposio sistemtica da doutrina.

    Assim tambm, ainda que os limites do espao e o mtodo de tratamento probam qualquer reviso geral da histria da doutrina, todo o tratamento da teologia aqui representado implica um fundo histrico e todo o curso do desenvolvimento doutrinrio atravs dos sculos do cristianismo.

    Resumiremos agora, de modo geral, os fatores que devem ser levados em conta se quisermos entender a religio crist e os ensinos doutrinrios que dela emergem.

    Em primeiro lugar, devemos reconhecer Jesus Cristo como a revelao histrica de Deus ao homem. O que ele em si mesmo e o que significa para a nossa f so verdades que devem aguardar o desdobramento em uma etapa mais adiante neste livro. Mas o cristianismo est ligado indissoluvelmente com os fatos do Jesus histrico.

    Em segundo lugar, devemos estabelecer as escrituras do Novo Testamento no seu legtimo lugar: como fonte indispensvel de nosso conhecimento do Jesus histrico e de sua obra para nossa salvao.

    Em terceiro lugar, devemos reconhecer o lugar e a obra do Esprito Santo no corao dos homens. Ele continua a obra de Cristo. E por intermdio dele que somos levados a aceitar a Cristo.

  • nele e por meio dele que o significado dos fatos cristos so trazidos at ns.

    Em quarto lugar, devemos procurar definir e entender as experincias espirituais dos cristos como sujeitas operao do Esprito de Deus revelando Cristo a eles. A histria da doutrina ajudar nisto, mas tambm devemos fazer um estudo direto da experincia em si mesma.

    Pois bem, na combinao e unio de todos esses fatores, e no em qualquer um ou dois deles tomados isoladamente, que vamos encontrar o que buscamos quando procedemos a um estudo sistemtico da religio crist e sua teologia. Podemos relacionar algumas vantagens desse mtodo de estudo nas afirmativas seguintes:

    1. Capacita-nos a evitar um falso intelectualismo na teologia. Mantm a teologia adequadamente ancorada nos fatos e no significado deles. Exige pouco discernimento para perceber que as teologias sistemticas preocupadas principalmente com as relaes lgicas ou filosficas entre as verdades em ordem unificada podem facilmente passar por cima de interesses vitais da vida espiritual. As escrituras raramente apresentam a verdade dessa maneira. Elas nunca a apresentam separada das necessidades vitais da alma. O sentido de proporo e a nfase sobre a verdade podem facilmente se perder quando admiramos a harmonia e a beleza de um arranjo sistemtico. Uma nica doutrina ou concepo, tal como a soberania de Deus, ou eleio, ou liberdade humana, poder receber uma posio dominante, e todas as outras verdades modificadas a fim de se ajustarem a ela. Controvrsias teolgicas podem levar a sistemas unilaterais. Assim, o calvinismo e ar- minianismo, algumas vezes, assumiram formas extremadas e levaram a resultados desafortunados. Outras questes mais comuns nos tempos modernos produzem as mesmas reaes s formas extremas de afirmativas.

  • Quando os interesses da vida e da experincia se tornam explcitos, muitos erros desse tipo so evitados. Percebe-se igualmente uma restrio que previne uma licena demasiada nas dedues especulativas e dedues metafsicas da verdade bblica. No podemos ter teologia sem metafsica, mas nossa metafsica deve surgir dos dados fornecidos pelas escrituras e entendidas atravs da nossa experincia viva de Deus em Cristo.

    2. O mtodo tambm fornece a necessria base factual para a apresentao cientfica das verdades da teologia crist. A coisa mais correta no esprito cientfico moderno sua exigncia por fatos, bem como a interpretao meticulosa e conscienciosa deles. O desejo de conhecer a realidade em si mesma e no como desejamos que seja, combinado com o esforo paciente para expressar exatamente o seu significado, a essncia do esprito cientfico. Esse motivo e propsito satisfazem agradavelmente aos que querem estudar a religio crist e expressar seu significado em um sistema de teologia.

    Fica claro, sob reflexo, que todos os fatores mencionados so essenciais ao estudo cuidadoso da religio crist. Se estudarmos o Jesus histrico parte dos outros fatores mencionados, nunca passaremos para alm de um problema de histria. Se nos devotarmos ao estudo das escrituras somente por meio dos mtodos crticos e cientficos mais aprovados, nunca superaremos as questes envolvidas na crtica literria e histrica, ou o melhor das questes exegticas. Em nenhum caso alcanaremos o nvel da religio em si mesma. Por outro lado, se nos cansarmos dos estudos histricos e exegticos e nos devotarmos ao trabalho do Esprito Santo em nossos coraes, excluso de outros fatores, de fato chegamos ao estudo da religio. Mas sob essas condies a religio crist, na sua plenitude e poder, no pode estar. No podemos dispensar Cristo, e estamos indissoluvelmente ligados s escrituras em qualquer tentativa de entender essa experincia religiosa que chamamos crist.

  • Duas perguntas fundamentais surgem de incio em qualquer estudo adequado da religio crist. Uma se relaciona a Jesus Cristo. Quem Jesus, e o que ele para os homens? A outra se relaciona nossa experincia do poder redentor de Deus na alma. Qual a relao de Jesus Cristo com essa experincia? Estas questes conduzem inevitavelmente ao assunto do Novo Testamento, a fonte histrica da nossa informao acerca de Cristo. Elas tambm conduzem obra do Esprito de Deus em nosso corao. Assim conclumos que todos os quatro fatores mencionados so essenciais ao estudo cientfico da religio crist.

    luz dessas afirmativas vemos como so defeituosos certos esforos que so chamados cientficos, para expressar o significado do cristianismo. Inmeras tentativas tm sido feitas para estabelecer a "essncia do cristianismo". No nosso propsito tratar aqui exatamente deles. Usualmente, porm, so esforos para extrair dos registros dos Evangelhos algum remanescente menor daquilo que tido como a religio do Novo Testamento pelos cristos em geral, e descartar os outros elementos sem valor. claro que sempre estar em aberto a qualquer um levantar a questo quanto a se o evangelho original foi distorcido. Mas com freqncia os esforos desse tipo falham por no levar em considerao todos os elementos que h no problema. O cristianismo no pode ser reduzido a um simples problema de crtica histrica. Os fatos envolvidos possuem um alcance muito mais amplo. Outra vez, o cristianismo no pode ser interpretado sob a influncia de alguma cosmoviso ou filosofia do. universo previamente estabelecida. Temos de comear com os fatos na sua totalidade, levando-os sempre em conta. Isto simplesmente outra maneira de dizer que temos de adotar o mtodo cientfico de lidar com a questo.

    3. Esse mtodo tambm fornece o melhor fundamento apologtico para um sistema de teologia. O termo apologtico talvez no seja o mais adequado para descrever a defesa cientfica da religio crist contra ataques. Mas geralmente tem sido usado

  • com esse propsito e entendido o bastante. A apologtica , e est bastante claro, uma subdiviso distinta da teologia, e pede discusso de alguns problemas que no podem ser tratados na teologia sistemtica. Entretanto a ltima exige uma fundamentao apologtica s a fim de manter-se entre outras cincias. O mtodo adotado nesta obra permite a mais contundente fundamentao apologtica para a teologia porque ressalta os fatos da histria e da experincia. Uma comparao com algumas das defesas apologticas mais antigas demonstrar esse ponto de vista. Mencionaremos algumas delas:

    (1) A prova da existncia de Deus por meio dos fenmenos do universo tem sido h muito um mtodo favorito. Possui, sem dvida, elementos de grande fora; mas, juntamente com estes, h elementos de fraqueza. A deduo lgica dos fenmenos fsicos presta-se a muitas teorias do universo. Cada uma delas reclama estar em melhor concordncia com os fatos. Resulta sempre em um desequilbrio das teorias. Nenhuma delas satisfaz plenamente. Immanuel Kant sustentava que no podemos conhecer o que est por trs dos fenmenos. Podemos apenas conhecer a realidade nas suas manifestaes. E enquanto estamos limitados ao raciocnio dedutivo dos dados objetivos, h muita verdade na sua opinio. O que surge uma grande probabilidade em vez de conhecimento no sentido estrito, quando raciocinamos dedutivamente para provar a existncia de Deus. Mas para o cristo, que reconhece a realidade e o significado de sua experincia de Deus em Cristo, surge um novo conhecimento de Deus. As "provas" so transferidas do mundo exterior para o mundo interior. Assim surge o conhecimento direto de Deus.

    (2) A prova do cristianismo com base nos milagres sempre foi questionada por muitos dos seguidores das cincias fsicas. Os cristos tm adequadamente respondido que

  • as objees no eram bem fundadas. Mas tambm aqui a prova reside na regio remota da histria. O debate continua indefinidamente porque a preferncia ou preconceito determina o ponto de vista adotado. provvel que os prprios cristos no estejam convencidos completamente pela demonstrao lgica baseada na confiabilidade do testemunho do Novo Testamento. Inconscientemente foram influenciados pela sua prpria experincia de um poder sobrenatural operando neles e redimindo-os. fcil acreditar nos milagres do Novo Testamento se o mesmo poder conhecido como experincia pessoal e vital. Se tornarmos claro e explcito o que essa experincia, e a combinarmos com o testemunho de registros histricos confiveis, teremos um argumento muito mais poderoso favorecendo os milagres.

    (3) A deidade de Cristo tem sido empregada como meio de estabelecer a verdade do cristianismo. Um poderoso argumento construdo com base no testemunho de Jesus acerca de si mesmo, da impresso que causou em outros, de sua ressurreio, de seu lugar e poder na histria do cristianismo, entre outros exemplos que poderiam ser citados. Mas quando acrescentamos a estas consideraes os fatos do poder redentor de Cristo no homem, aumentamos grandemente a fora do apelo sua divindade.

    Os pontos acima so suficientes para mostrar a natureza da fundamentao apologtica que colocada para a teologia, quando a experincia redentora de Deus em Cristo se torna explcita e clara como um fator essencial na interpretao do cristianismo. De modo algum isso implica que, daqui para frente, a histria ou as provas lgicas sejam irrelevantes, ou que seja irrelevante qualquer um dos processos pelos quais a mente produz suas concluses. Implica apenas que do centro de uma histria fundamentada, como luz de uma experincia iluminada interpreta, podemos

  • adequadamente estimar o valor de todas as provas. A religio crist como poder na alma, redimindo-a e transformando-a, sua prpria e melhor evidncia.

    4. O mtodo adotado tem mais uma vantagem que noscapacita a mostrar a realidade, a autonomia e a liberdade da religio crist. Estas so grandes exigncias que o mundo moderno impe religio. A era cientfica deu lugar a uma demanda apaixonada pelo real no estudo de todos os assuntos. Farsas e iluses de toda espcie so submetidas ao escrutnio e criticismo mais rgido. Nada pode estar seguro por muito tempo, a menos que possa suportar o calor ardente e a luz de uma investigao implacvel. A religiode Cristo d as boas-vindas a isto. A glria de Cristo tornou o universo espiritual uma realidade para os homens. Aqueles que conhecem Deus em Cristo encontram nele a realidade suprema.

    A religio de Cristo autnoma. Isto significa que possui suas fontes em si mesma. O cristo tem a orientao do Esprito de Deus quando a busca em humildade. Ele adquire uma relao com a Bblia e um conhecimento dela que para ele a mais convincente e conclusiva. Ele tem o testemunho em si mesmo. Sua f presta-lhe um servio, assegura-lhe um poder, trazendo- lhe uma bno e paz que no encontrar de nenhuma outra maneira. O conflito entre carne e esprito, visvel e invisvel, ordem temporal e eterna tem sua reconciliao e vitria em Cristo. Ele no valoriza outras formas de atividade humana menos do que estimava anteriormente, mas ainda mais. Mas ele v que religio o valor supremo da vida, a funo suprema da alma. Nela tudo o mais arte, cincia, educao, filosofia transformado emnovas formas de desenvolvimento e de ministrio. Mas ele tambm v que todas essas coisas encontram sua consumao e plenitude na religio em si mesma.

    A religio de Cristo livre. Ela no est sujeita s regras de qualquer forma de cultura humana alheia a ela mesma. Ela

  • no est em conflito com nenhuma atividade legtima do homem. Cada grande perodo da vida tem seu mtodo especial, seu grande princpio fundamental. A cincia fsica opera com o princpio da causalidade. A filosofia emprega o da racionalidade. A religio lida com a personalidade. Deus e o homem nas relaes de amor e servio mtuos so as grandes realidades com as quais lida. No h conflito entre qualquer uma destas, como veremos. Apenas se manifesta quando uma dessas esferas procura impor-se a outra.

    Autnoma e livre, lidando com a maior de todas as realidades, a religio crist presta-se a redimir os homens em todas as pocas. Eles a aceitam sob as condies de sua poca, confrontados pelos prprios problemas e dificuldades. Por isso surge a necessidade de reafirmao de suas doutrinas em termos de experincia viva de cada gerao. Os credos humanos so valiosos como tais expresses. Mas estes no servem a todos os fins da doutrina. Sempre devemos retornar s escrituras para encontrar inspirao. Sempre temos de perguntar renovadamente as questes quanto a Cristo e suas relaes com as necessidades de cada gerao. Ele no muda. Sua religio a mesma em todas as pocas. Mas nossas dificuldades e problemas tomam novos aspectos pelo modo de vida que nos cerca. Por isto temos de revitalizar nossa f pelo aprofundamento de nossa comunho com Deus e testemunhar do seu poder em ns.

    5. O mtodo experimental de lidar com a verdade crist nosajuda a definir a natureza da autoridade da Bblia. A Bblia, contra a tradio e contra a autoridade do sistema papal, foi um dos lemas da Reforma. O protestantismo, desde o princpio, tornou a Bblia a fonte oficial do conhecimento do evangelho de Cristo. Os oponentes tm apresentado objees autoridade bblica por diferentes razes. Tm objetado que a Bblia no infalvel, portanto no pode ser autoridade. Argumentam que a existncia de erros textuais, os desvios histricos ou cientficos da verdade exata e as discrepncias de diversas naturezas provam que a Bblia no pode ser aceita como guia infalvel na religio. Os apologistas cristos costumavam

  • empregar muita energia e vigor em responder a todas essas acusaes. Chegaram a ver, por fim, que os oponentes demandavam mais do que a prpria f requeria.1 No somos obrigados a comprovar, com unnime aceitao, que a Bblia a autoridade suprema para a f crist. Tal prova no produziria f de maneira alguma. Poderia produzir apenas acorde intelectual. A aceitao crist da Bblia surge de outra maneira. Vem em "demonstrao do Esprito e de poder". E a vida presente nele, que corresponde vida que as escrituras revelam, que o convence. Desse modo, a Bblia no para ele uma autoridade em todos os assuntos, mas na religio ela definitiva e autorizada. Nesse estgio, o oponente deu um passo adiante afirmando que nenhuma autoridade externa pessoa pode ser aceita. A verdade tem de ser assimilada e entendida, e no imposta por qualquer tipo de autoridade: o papa, a igreja ou a Bblia. Os cristos ento formularam sua resposta sobre sua experincia interior. Eles declararam que a mesma essncia da redeno que conhecem em Cristo verdade assimilada interiormente e conhecimento real das grandes realidades espirituais. Continuaram a definir e a expor a verdade assim interiormente assimilada. Mas ento o oponente deu ao argumento uma direo totalmente nova. Afirmou que o conhecimento do cristo era meramente interior e subjetivo. Estava faltando a realidade objetiva, por isso no era confivel. E claro que essas objees contradizem uma outra. Elas sero vistas em outras conexes nas pginas seguintes.

    Agora o cristo supera e vence ambas, as formas de objees por insistir em que na unio e combinao da fonte objetiva e da

    '[NT]: E necessrio lembrar que o autor escreveu esta obra h cerca de um sculo. Hoje muitas evidncias e provas foram acrescentadas ao conhecimento bblico com o avano da arqueologia, histria e geografia, incluindo-se a lingstica, fortalecendo as posies apologticas da autoridade das escrituras. Um exemplo a descoberta de um a placa, em 1974, que contm as inscries do nome e posto de Pncio Pilatos, desfazendo assim um a acusao muito antiga, silenciando os opositores, a de que esse personagem havia sido criado, sendo um mito, para dar embasamento ao julgamento de Jesus.

  • experincia subjetiva que a certeza e a garantia so encontradas. Ele no est menos interessado na realidade objetiva do que seu oponente. Ele no est menos interessado na assimilao interior da verdade. Mas ele encontra ambas na religio de Cristo. Ele descobre que Jesus Cristo para ele a revelao suprema da graa redentora de Deus. Ele descobre que as escrituras so a fonte oficial do seu conhecimento dessa revelao. E ento ele descobre em na prpria alma que a operao da graa de Deus o habilita a conhecer a Cristo e a entender as escrituras. Assim os elementos objetivo e subjetivo encontram unidade e harmonia, e que completamente satisfatrio.

    Entretanto, se o mtodo oposto empregado e a Bblia ou a experincia considerada isoladamente, tal finalidade no possvel. Se a Bblia considerada meramente um caminho intelectual, separadamente da experincia da graa redentora de Deus em Cristo, ento temos outra vez a recorrncia do antigo debate na base da histria e do criticismo. As teorias so ento emolduradas de acordo com as preocupaes intelectuais, e a unidade de opinies impossvel. Contudo, se a experincia for considerada isolada da histria, a acusao de subjetivismo imediatamente ressurge. Por isso, no h para o cristo um ponto de vista final convincente e satisfatrio exceto na combinao desses dois elementos. Aos oponentes do ponto de vista cristo isso tambm mais convincente. H uma realidade interior que corresponde aos fatos objetivos da histria. A abordagem de Deus ao homem em e atravs de Cristo encontra sua reao na resposta do homem. A f completa a unio, e a vida de Deus flui na vida do homem, transformando-a.

    B. Formas modernas de considerar a experincia religiosa

    A fim de dispor nossa maneira de tratar a religio crist e sua teologia, consideramos algumas das formas modernas de lidar com os fatos da religio e, especialmente, os da religio crist.

  • 1. Consideramos primeiramente a opinio de Comte e a posio da filosofia positivista. Comte sustentava que a religio uma forma de superstio. Os poderes e mistrios da natureza impressionam o homem. Por conta de sua ignorncia das leis naturais, ele imagina um Deus ou deuses para justific-las. Esse o perodo da infncia da humanidade. Mas gradativamente a razo ocupa-se dos problemas da existncia. Surgem teorias metafsicas para explicar o universo, e o homem imagina que encontrou a verdade. Mas essas especulaes metafsicas so nada mais que o retorno aos velhos deuses nos quais previamente se acreditava. So as sombras de deuses projetadas medida que os deuses desaparecem. Por fim, os homens aprendem a verdade. No h deuses. Metafsica uma iluso. Nenhuma verdade vem atravs de especulao. A nica verdade a que surge dos fatos da matria, fora e movimento. As raas mais avanadas, em razo disso, abandonaro tanto a religio como a metafsica e se dedicaro ao estudo das cincias fsicas. E claro que sob esse ponto de vista todas as formas de experincia religiosa so consideradas puramente emocionais e subjetivas. No h base objetiva vlida que possa ser encontrada.

    No h necessidade aqui de responder extensivamente a essa teoria. Tudo o que se segue neste volume a resposta crist. Mas podemos dizer brevemente o seguinte: a teoria no explica a religio; meramente a descarta. A religio um fato universal. Exige uma considerao cuidadosa que a teoria no oferece. Essa teoria contrria natureza do homem como ser espiritual. Fatos fsicos e leis no satisfazem a alma. O homem anseia o infinito. Esse desejar parte de sua condio espiritual. Essa teoria tambm ignora a natureza da personalidade e seu significado. O homem to real quanto a natureza. O que significa a personalidade na interpretao do universo? Comte no nos d nenhuma resposta adequada. Essa perspectiva ignora a histria e a experincia. Os homens no dispensam a religio, nem podem faz-lo. Essa teoria ignora desse modo a metade dos fatos conhecidos por

  • ns pelo interesse na outra metade. Ela constri uma filosofia sobre um aspecto do ser, o fsico. Ela abstrata e insatisfatria no mais alto grau.

    2. Outro ponto de vista intimamente relacionado ao acima considera a religio uma inveno til, ou funcional, que os homens adotaram para auxili-los na luta pela existncia. A psicologia da religio mostra como a f, em alguma forma, fundamental para os homens em geral. Ela til. Eles inventam um Deus ou deuses para responder s suas necessidades. H um valor real na religio. Torna os homens fortes para resistirem e lutarem pela vitria. Mas os deuses nos quais crem no possuem realidade objetiva. Religio ento simplesmente um "valor" que os homens "conservam". Mas vir o tempo quando estes valores daro lugar a valores mais elevados. A razo tomar o lugar da f. O valor religioso ser ento substitudo por um valor racional. Assim a religio passar, porque os homens podero viver sem ela.

    Veremos que essa teoria apenas uma forma levemente melhorada da teoria de Comte. Todas as objees ltima se aplicam quela. Ela falsa na sua avaliao do homem, da religio e dos fatos da histria e da experincia. Ela tenta mostrar que as nicas satisfaes vlidas para a alma so aquelas da razo pura. A psicologia mostra claramente que o homem um ser com outras necessidades e satisfaes. No h tal coisa como a razo pura, ou razo parte dos sentimentos, do querer e da conscincia. A natureza do homem possui mais de uma dimenso. Deus colocou a eternidade no seu corao. Somos irrequietos at nos aquietarmos em Deus.

    3. Uma terceira opinio a do misticismo. H um objeto real para a alma na busca do infinito. Entramos em contato com ele nas nossas ansiedades e buscas espirituais. Mas isto tudo o que podemos dizer acerca do assunto, alm do fato de que os sentimentos so estimulados pelo contato com ele. No podemos

  • dizer que um ser pessoal. Personalidade implica limitao, declara-se. O pensamento no pode formar uma definio de Deus porque o infinito est muito alm do pensamento. Ser o suficiente se o encontrarmos e descansarmos nele.

    Alguns adotam essa viso para evitar um confronto com a cincia ou outra forma de pensamento humano. Por evitar assertivas, evitam-se controvrsias. Outros a adotam porque para eles a religio algo sentimental. O pensamento no faz parte disto. Essa idia teve seus defensores atravs da histria. Mas ela no pode responder a todos os fins da religio. Ela separa a religio da tica e da vida prtica do homem porque no fornece uma explicao definitiva de Deus e de suas exigncias. Ela tende inrcia porque no encontra propsito ou plano de Deus que deva ser realizado pelo homem. O estado vago e indefinido de sua concepo de Deus fora nela uma marca pantesta. Ela no consegue evitar os males do pantesmo. No final das contas, todos os sistemas pantestas anulam o significado da tica, da verdade, da personalidade, da imortalidade e do reino eterno de Deus. O misticismo dessa maneira no pode escapar queles males. O misticismo no sentido de comunho com o infinito um elemento essencial da experincia crist. Mas o cristianismo afirma muitos pontos que o misticismo nega.

    4. Um quarto ponto de vista avalia as formas da experincia crist como juzo de valores. Est embasado em uma teoria do conhecimento que nega que podemos conhecer as coisas em si mesmas. Conhecemos fenmenos. No sabemos o que est por detrs dos fenmenos. Conhecemos Cristo na salvao. Ele tem para ns o valor de Deus. Mas no sabemos o que ele em sua natureza essencial. Assim tambm outras formas de experincia religiosa so avaliaes ou juzos de valor em relao a Deus e ao universo espiritual. Essa idia assegura que ns no precisamos conhecer as coisas, mas como elas se relacionam conosco. Seu valor para ns o nico interesse que temos nelas.

  • Esse modo de ver valioso na sua nfase sobre a experincia. Na religio nosso interesse pessoal e nossa relao pessoal com Deus que concede vitalidade e poder. Religio no uma especulao ou teoria acerca de Deus. a experincia de Deus. Deus conhecido por ns atravs da comunho e da fraternidade. Ritschl, que desenvolveu a idia do juzo de valores na religio, ajudou a ressaltar a necessidade de realidade e poder na vida crist. Mas ele foi longe demais nas suas negaes.

    As negaes aqui, de igual modo, tiveram o propsito de evitar o conflito com as cincias fsicas. Foi uma tentativa de escapar das antigas controvrsias acerca da pessoa de Cristo, da personalidade de Deus e de assuntos correlatos. Mas esse esforo no teve sucesso. As velhas questes voltavam. A mente humana no descansar satisfeita nas negaes acerca das realidades ltimas. A teoria falhou na sua justia com relao concepo crist de revelao. No reconheceu o lado divino do relacionamento religioso num grau que o cristianismo exige. Na religio Deus fala, e tambm os homens. Jesus Cristo a revelao de Deus a ns em palavra e em atos. O que Cristo opera em ns a melhor evidncia do que ele em si mesmo.

    5. Um lema que se tornou comum nos tempos modernos o desdm do ensino doutrinrio, insistindo na "religio sem teologia". "Apresente-nos os fatos", ela insiste, "no se preocupe com as teorias". Assim como podemos ter flores sem a botnica, tambm podemos ter religio sem teologia. Desse modo, h em alguns o esforo de evitar declaraes teolgicas o mximo que for possvel. As vezes isto um protesto contra a mera ortodoxia esvaziada de crena e contra a paixo por controvrsias teolgicas infrutferas. Como tal ela s vezes justificada. Mas muitas vezes surge dos motivos que mencionamos: o desejo de evitar um conflito com outras formas de pensamento.

    Entretanto, h vrias razes consistentes para sustentar que impossvel dispensar a teologia e ao mesmo tempo manter nossa

  • religio. No se nega que nos primeiros estgios da experincia religiosa haja pouca reflexo sobre ela e um mnimo de crena doutrinria. Alguns cristos parecem nunca avanar alm da fase de infncia da f nos seus pensamentos reflexivos acerca da religio. Mas para toda experincia crist avanada tem de haver crena doutrinria para expressar seu significado. A necessidade da teologia surge das seguintes consideraes:

    (1) Em primeiro lugar, a teologia necessria como meio de expressar o significado da religio por causa da natureza do homem. Se o homem fosse apenas sentimento, ento poderamos dispensar o ensino doutrinrio. Mas nossa natureza inclui a razo e tambm o sentimento. E impossvel traar-se uma linha clara entre a parte emocional, ou moral, ou volitiva de um lado da nossa natureza, e a razo do outro. Somos constitudos com uma capacidade para conhecer, e essa tem de ser satisfeita do mesmo modo como os outros elementos.

    (2) A natureza de toda experincia humana mostra a mesma verdade. apenas por um processo abstrato do pensamento que podemos separar o "fato" da religio da "teoria". A palavra "teoria" simplesmente outra palavra para "significado". A assim chamada teoria da religio simplesmente o seu significado. E para um ser inteligente, pensante, nada pode se tomar um fato para o conhecimento parte de algum significado ligado com o fato. No um fato para o conhecimento, a no ser que um significado em maior ou menor grau o acompanhe. Em um estado de infncia ou inconscincia, fatos podero existir que no tenham significado para ns. Mas quanto mais estivermos distanciados destes dois estados, maior a necessidade de significado em todos os atos de nossa vida consciente. A religio em especial, que vai ao mais profundo de

  • nossa conscincia, desperta uma sede por significado. As doutrinas da teologia so as respostas para essa sede.

    (3) A teologia necessria, portanto, se quisermos definir nossa religio. No somos obrigados a exaurir o significado de nossa religio nas definies a respeito dela. Os objetos e experincias envolvidos esto alm da nossa capacidade de conhecer em alguns dos seus aspectos. Mas podemos apreender o que no podemos compreender. Podemos conhecer em parte se no podemos conhecer o todo.

    (4) A teologia necessria a fim de defender a religio contra os ataques. O cristo pode decidir por abandonar o pensar acerca da religio. Simplesmente desfrutar dela. Mas logo o pensador anticristo propor uma teoria do mundo que deixar de lado por completo a religio crist. Isto tem sido verdade atravs da histria. O esforo para conhecer o significado da religio expresso na forma de doutrina sempre foi uma preocupao elementar para evitar algum novo assalto f. Surge, de imediato, a necessidade de afirmativas doutrinrias claras para contestar as objees. Temos que definir a religio a fim de defend-la.

    (5) A teologia tambm necessria para a religio a fim de propag-la. O cristianismo uma religio missionria. Ele combativo e conquistador no seu motivo e alvo. Mas nenhum sucesso possvel poder atender a propagao de um cristianismo sem doutrina. A experincia gera verdade. Ento a verdade empregada para produzir experincia. A experincia ento concede uma nova apreciao pela verdade. Mas sempre, se quisermos propagar com sucesso a religio crist, teremos de ter uma teologia crist.

    6.0 estudo da religio e da teologia algumas vezes submerso no estudo de sua histria. Contrasta-se a teologia histrica com

  • o caminho da teologia sistemtica ou dogmtica. Sustenta-se que a histria da religio e a histria da doutrina so suficientes para as nossas necessidades.

    Com relao a esse mtodo e ponto de vista podemos admitir de uma vez o grande valor do estudo histrico de qualquer assunto maior. A tendncia de voltar-se aos primrdios e descobrir as origens e causas muito valiosa. Descrever as variaes e reaes de qualquer movimento atravs da histria necessrio para um amplo entendimento. Portanto, enquanto o estudo histrico da teologia apreciado por seu verdadeiro valor, dever ser bem elogiado. Tal estudo, entretanto, torna-se um grave erro quando substitudo por outra coisa que possua motivo e fim diferente. O estudo objetivo e desapegado da histria da religio ou a histria da teologia vlido do ponto de vista da pesquisa crtica. O acadmico e pesquisador, que isto e nada mais, encontrar um campo de interesse fascinante. Mas caso o acadmico e pesquisador tambm seja um cristo, com um profundo interesse na religio e em sua difuso sobre a face da terra, o estudo histrico da teologia invariavelmente modificado por um novo motivo e interesse. Para ele a pesquisa cientfica um meio para alcanar um fim mais elevado. Ele deseja descobrir a verdade contida na histria que possa ser empregado como meio para o avano do reino de Deus. De outra forma o estudo da histria como observar as mudanas nas combinaes de cores num caleidoscpio, ou as variaes na aparncia de uma nuvem ao pr-do-sol. Para o homem cristo srio, especialmente para o pregador do evangelho, o mero estudo objetivo da teologia como movimento histrico parte de um interesse mais profundo na verdade em si mesma poder tornar- se um impedimento em vez de auxiliar na eficincia. um fato fundamental, claro por toda a histria do cristianismo, que a eficincia na propagao do cristianismo est baseada na intensa convico das verdades que contm. O pregador e mestre do evangelho no poder manter-se neutro com relao ao contedo de verdade, e ao mesmo tempo reter poder nos seus esforos de

  • levar outros para aceit-la. Isto no significa a vontade de crer naquilo que falso. Ele deseja apaixonadamente a verdade por causa de seu valor supremo para a vida religiosa dos homens.

    C. Experincia crist e revelao

    J observamos, e haver freqente oportunidade para retomar nas pginas seguintes, que a religio crist lida com dois grandes grupos de fatos: os fatos da experincia e os fatos da revelao histrica de Deus em Cristo. O lugar das escrituras ser considerado mais adiante na discusso. Por ora, importante considerar as relaes gerais entre estes dois grupos de fatos. O que queremos dizer com experincia crist? A resposta a essa questo conduzir idia da revelao crist. As duas esto intimamente relacionadas. Nenhuma poder ser plenamente entendida sem a outra.

    Por experincia crist queremos designar toda a experincia que se torna nossa atravs da comunho com Deus em Cristo. A referncia no feita simplesmente converso, muito menos a qualquer tipo particular de converso. A experincia crist, claro, inclui o seu comeo. Mas tambm inclui tudo o que se segue. A regenerao e seus resultados so todos includos. A experincia crist tambm inclui tudo o que propriamente pertence experincia na comunidade de cristos. Ela inclui a vida de todos os cristos, tanto do passado como do presente. No a experincia de um s indivduo, ou qualquer tipo em particular. Ela inclui certos elementos essenciais de experincia, mas estes elementos aparecem diversificados entre os cristos. A experincia crist sustenta uma relao definida com os acontecimentos que esto fora da vida espiritual e pessoal crist. Em outras palavras, ela definitivamente relacionada com a providncia de Deus. Ela uma experincia que pode compreender inteligentemente seu lugar e significado em uma vida transcorrida sob condies de tempo e espao na sociedade humana. Em concluso, ela uma experincia

  • que capaz de ser definida em relao a todas as outras formas de experincia humana e de cultura humana. Enquanto a experincia de redeno atravs de Jesus Cristo nica e excepcional entre as experincias terrenas dos homens, ela no deixa de ser relacionada com as outras. Alis, em parte porque pode ser to claramente definida com relao vida natural dos homens e seus distintos ideais e lutas, que traz para o cristo uma grande confiana e poder. Em suas relaes com a cincia, a arte, a tica, a filosofia e toda a gama de interesses e ocupaes humanas, a experincia crist capaz de exposio clara e convincente. Ela o elo unificador de toda experincia humana. Todas as coisas se tornam novas sob a luz que propaga a prpria experincia crist. Tudo isto aparecer de diversas maneiras nas pginas seguintes.

    Aqui, mais uma vez, encontramos a sempre recorrente objeo que a experincia do cristo subjetiva, fantasia de seu corao e no uma grande realidade. A objeo supe que a experincia subjetiva no pode ser verdadeira; que Deus no pode se tornar conhecido ao cristo. Tal pressuposio no justificvel. uma questo de fato, no de pressuposio infundada. Como previamente afirmamos, a questo de fato no meramente a questo de uma experincia subjetiva. E tambm uma questo da revelao histrica de Deus em Cristo.

    A teologia muitas vezes considerou a questo da "probabilidade antecedente" da revelao humanidade. Vrios argumentos foram apresentados para estabelecer tal probabilidade. Mas a questo e resposta ganham clareza caso se pergunte se a religio h de se completar, ou se permanecer sempre uma ocorrncia parcial. A religio comunho entre Deus e o homem. Ela um relacionamento recproco. Ser que Deus fala? Ser ele mudo? a religio apenas um solilquio da parte do homem?

    A religio crist a resposta de Deus a estas questes. Ele falou aos homens em seu Filho. Ele ainda fala a eles. H trs fases dessa revelao que devemos reconhecer para que ela se torne eficaz

  • na nossa salvao. Estas recebero subseqentemente tratamento mais extenso. Por enquanto, precisamos somente apresentar um esboo delas.

    1. A revelao histrica em Jesus Cristo. Nesta revelao, inteiramente externa nossa conscincia, temos o grande fator central da religio crist. Ele veio ao mundo comprometido a uma vocao definida. Sua conscincia claramente refletia o senso de aprovao divina a cada etapa de seu ministrio. Ele anunciou aos homens que ele veio para revelar Deus e para conduzir os pecadores a Deus. Ele morreu e ressurgiu. Sua morte foi uma propiciao pelo pecado humano. O dom do Esprito Santo foi o meio adotado para continuar sua atividade redentora.

    2. O resultado da obra de Cristo na alma humana foi a libertao do pecado e da culpa, e transformao moral e espiritual. Um novo movimento na histria humana resultou de sua obra espiritual realizada no interior dos coraes dos homens.

    3. Houve condies espirituais definidas s quais exigiam que os homens se conformassem a fim de conhecer a graa divina redentora e poder dela. O arrependimento e a f resumem a atitude espiritual envolvida. Assim a revelao de Deus em Cristo possui todos os elementos que so necessrios para estabelecer essa verdade. E conhecida como fato objetivo. Nos seus resultados, ela conhecida como experincia subjetiva. Neste sentido, conhecida atravs de condies espirituais claramente definidas e bem entendidas. Estas condies so definitivamente relacionadas com os fatos objetivos. Est protegida contra mero subjetivismo pelo seu fundamento objetivo na histria. Est protegida contra incertezas do processo meramente crtico e literrio pelos seus resultados na nossa experincia. O professor Haering Teodoro resume a obra de Jesus na seguinte expresso:2 "Jesus a auto-

    2 Teodoro, Haering, A f crist, vol. 1, p. 208,209.

  • revelao pessoal de Deus [...] do Deus que em seu reino une os pecadores consigo mesmo e uns com os outros na comunho eterna do seu amor, julgando o pecado, perdoando a culpa, renovando a vontade, derrotando a morte. Jesus a auto-revelao pessoal de Deus, visto que evoca tal confiana como a presena real ativa do Deus invisvel no mundo atual, no qual no h outra forma de confiana real garantida neste Deus. Ele o fundamento da f, isto , da confiana. Essa a verdade da qual a f do Novo Testamento testifica nas mais variadas formas. O que mais importante, ela registra a impresso que Jesus mesmo produziu, e que ele sempre consegue produzir, medida que os sculos passam".

    O ponto que necessita ser enfatizado que a base na qual a doutrina crist da revelao se fundamenta a base do fato em todos os seus aspectos. A histria e a experincia se combinam estabelecendo-a em fundamentos irrefutveis. No necessrio a esta altura considerar os diversos meios adotados para menosprezar a revelao e seu significado fundamental para os homens. Falando genericamente, todos-estes esforos recorrem a mtodos insustentveis ao tratar a questo. Enquanto se permitir que os princpios estritamente crticos e cientficos controlem o assunto, o resultado o que temos indicado. Quando so adotadas pressuposies a priori ou suposies ilegtimas, possvel chegar a outro resultado qualquer. Afirmam, por exemplo, que todos os elementos do registro evanglico, exceto aqueles que apresentam apenas o Jesus humano, deveriam ser rejeitados. Mas isto no pode ser feito por motivos crticos. O criticismo no garante nenhuma concluso desse tipo. Ou pode-se afirmar que os primeiros discpulos estavam influenciados pelas religies pags a seu redor, introduzindo muitos elementos falsos no evangelho. Mas isto, como mera suposio, no convence. Outros esforos elaborados na tentativa de relacionar o Novo Testamento com tais influncias falharam at o presente. Alm disso, opositores podero insistir no "princpio Cristo" distinto do Jesus verdadeiro, que a revelao pessoal do Deus eterno. Mas isto tambm o resultado de um

  • manuseio puramente arbitrrio do material do evangelho, baseado em um tipo particular de opinio filosfica. Tambm pelo interesse da teoria geral do evolucionismo como chave do significado do mundo, poder se insistir em que nenhum homem em particular poder jamais deter o significado absoluto e final para a espcie humana. Mas isto tambm uma pressuposio filosfica que resulta na concluso, em vez de considerar os prprios fatos. Em suma, cada ponto de vista, exceto o que reconhece em Jesus a revelao de Deus aos homens para sua salvao, desconsidera algumas partes dos fatos. Eles omitem elementos essenciais da histria, tais como as afirmaes de Cristo acerca de si mesmo, ou os efeitos que produziu sobre seus discpulos, ou as obras que ele realizou em e atravs dos homens no passado e no presente. A especulao filosfica pode eliminar Cristo, mas a cincia e o criticismo deixam de faz-lo.

    D. Necessidade da auto-revelao pessoal de Deus

    Temos ento, na religio crist, uma auto-revelao de Deus no domnio da histria humana. Juntamente com isto, a revelao se faz real e vital para os homens na esfera da experincia pessoal. Se agora fizermos a pergunta por que a auto-revelao de Deus assumiu essa forma, e mantivermos em mente as necessidades e exigncias da religio em si mesma, uma resposta satisfatria no est longe de ser encontrada.

    1. Em primeiro lugar, uma personalidade humana o nico meio adequado para a auto-revelao de um Deus pessoal. Apenas a personalidade pode plenamente revelar e expressar o significado de personalidade. E claro que h muitas notificaes e sugestes de personalidade a serem encontradas no universo fsico. Mas estas no so suficientes em si mesmas para expressar toda riqueza do significado na natureza do Deus pessoal infinito. As qualidades morais de Deus exigem especialmente uma vida pessoal, moral,

  • a fim de que possam ser expressas clara e plenamente. A criao em seus diferentes nveis, como mostraremos posteriormente, d surgimento a um ser pessoal como coroa da natureza. E se Deus h de fazer-se plenamente conhecido aos homens que, no exerccio de sua liberdade, caram sob o domnio do pecado, mais que natural a expectativa de que ele se desvendaria a si mesmo a tais seres pessoais na forma de uma vida pessoal.

    2. Novamente, a revelao pessoal e histrica de Deus foi necessria para completar e estabelecer firmemente a revelao interior do homem atravs de seu Esprito. Em outras palavras, era necessrio resguardar a religio das incertezas e perigos do subjetivismo. Enquanto a religio estava sem um fundamento objetivo, estava sempre exposta ao perigo de que no alcanaria a estabilidade e a exatido exigidas pela prpria vida religiosa. Os homens tm realmente que conhecer a Deus, para que o conhecimento e o poder dele produzam os mais sublimes frutos morais na vida humana.

    3. Uma terceira razo para mostrar a necessidade da auto- revelao de Deus que o ato de amor e justia uma revelao muito mais poderosa destas qualidades que h em Deus, que uma simples declarao destas jamais pudesse fazer. As escrituras declaram que Deus amor. Elas tambm mostram que ele justia. Fica claro, portanto, que se Deus tal ser na sua natureza essencial, uma simples declarao desse fato no constituiria demonstrao real do mesmo. Tornar-se amor e justia em ao seria a nica revelao adequada do fato que h amor e justia na natureza essencial de Deus. A encarnao e a propiciao de Deus em Cristo tornam-se assim o nico meio adequado para um autodesvendamento de sua parte que satisfaria adequadamente essa pretenso.

    4. Em quarto lugar, tal revelao era exigida a fim de produzir os resultados necessrios na natureza moral e espiritual

  • do homem. Esse ponto se torna claro quando consideramos a insuficincia de qualquer outra forma de revelao para o fim proposto. Milagres e maravilhas externas apenas no satisfariam a necessidade. Estes foram empregados por algum tempo a fim de despertar nos homens um sentido da presena de Deus. Mas estes sempre foram empregados para fins morais e pessoais. Em si mesmos, entretanto, nunca foram um meio adequado para criar nos homens a absoluta disposio religiosa para responder a Deus. Um homem pode de fato estar convencido da presena e atividade de Deus de maneira intelectual pelos milagres e sinais, mas permanecer intocado nas profundezas de sua natureza moral. Este no , porm, o fim principal do evangelho. Esse fim no compreendido at que percebamos que na sua auto-revelao em Cristo, a inteno de Deus era a de produzir a "correspondncia das qualidades morais no homem s qualidades morais em Deus". Seu objetivo era o de produzir filhos dignos de Deus, em todos os aspectos, de seu Pai celestial. Para realizar isto ele deu seu prprio Filho, que revelou a natureza interior de Deus como amor justo e tornou-se o meio atravs do qual o poder de Deus pde alcanar seres pessoais e reproduzir neles estas mesmas qualidades. Assim a idia e o ideal da religio foi satisfeito; Deus falou ao homem, e os homens responderam a Deus; o amor divino despertou o amor humano. Pela primeira vez o homem entendeu clara e plenamente a natureza moral de Deus.

    E. Teologia e verdade

    Outro assunto que merece considerao neste captulo introdutrio a relao da teologia com a verdade. Na apresentao de um sistema integrado de doutrinas teolgicas, como temos visto, o objetivo o de estabelecer o significado de religio. A teologia crist simplesmente a interpretao da religio crist. Mas estamos lidando com a verdade neste af? a teologia em um sentido prprio uma cincia? O bastante foi dito nas pginas

  • precedentes, para indicar muito claramente a direo que nossa resposta seguir. Declaramos sem hesitao que, na religio crist e na teologia que expressa o seu sentido, estamos tratando com uma forma de conhecimento real. Em uma outra ligao daremos a definio de conhecimento e desenvolveremos o contedo do conhecimento na experincia crist. At aqui suficiente indicar em termos gerais as razes para sustentarmos que a teologia crist uma forma de conhecimento.

    1. As escrituras, com grande uniformidade, apresentam a religio como uma forma de conhecimento real. Jesus declarou que "E a vida eterna esta: que te conheam a ti, o nico Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, aquele que tu enviaste" (Jo 17.3). Alis, um ensino fundamental em todos os evangelhos e epstolas que na experincia que os homens tm da graa de Deus em Cristo, h um conhecimento real e uma verdade real. Isto aparecer de muitas formas medida que prosseguirmos.

    2. Ainda, na experincia crist, estamos lidando com a maior de todas as realidades, o universo espiritual. No simplesmente uma filosofia. uma experincia viva de um tipo muito definido. Neste aspecto ela semelhante a qualquer outra esfera de experincia. Pode ser reduzida expresso inteligvel e sistemtica para o intelecto. Por isto propriamente um campo no qual a expresso cientfica de significado possvel.

    3. Como cincia, a teologia est intimamente relacionada com muitos outros campos da pesquisa cientfica. Todas as cincias sociais diferem das cincias exatas em certos aspectos; mas mesmo assim no so menos cincias. Nelas no encontramos verdades que possam ser propagadas nas mesmas frmulas exatas como as que so encontradas no campo da pesquisa fsica. Mas isto se deve no ausncia de realidade e verdade acerca delas. devido natureza da realidade com a qual lidamos. A verdade na religio deve o seu carter cientfico no sua qualidade matemtica, mas

  • ao seu uso como meio de expressar sistematicamente o significado das uniformidades que prevalecem na esfera religiosa.

    4. A negao de que verdade e conhecimento so encontrados na religio baseada em um conceito de conhecimento insignificante e insustentvel. A cincia fsica tem a tendncia de reduzir a idia da verdade, com proposies que podem ser provadas em frmulas matemticas exatas. Mas essa limitao do conceito devido a uma confuso da prpria verdade com uma forma particular para express-la. H muitas maneiras de expressar o significado da realidade. A pretenso de ser verdade no se estabelece de uma nica maneira excluindo todas as outras. A prova da pretenso para ser verdade a prova da realidade com a qual lida, pelo menos essa a prova primria e fundamental. As realidades espirituais no utilizam as mesmas frmulas para expressar seu significado como as que so encontradas na esfera da fsica. Mas no so menos reais e podem encontrar interpretao em termos de verdade.

    5. A verdade da religio crist toma a forma que a religio exige, faz o apelo mais forte e amplo ao nosso amor verdade. Quanto forma, a religio no precisa nem exige demonstrao matemtica. Tal demonstrao no produz f nem pode faz-lo. No pode servir como prova da realidade do contedo da f. Realmente, se fosse substituir a f, iria destruir seu principal elemento de valor. Segue-se da, que tal demonstrao no pode destruir a f.

    O tipo de verdade que exigida e encontrada na vida de homens religiosos a que define as relaes de seres morais livres com Deus e de uns com os outros. As relaes de pessoas, no foras fsicas, esto em questo. Nesta esfera funcionam as causas livres, no as fsicas. As verdades que expressam as relaes de Deus com o homem so to abrangentes quanto a prpria vida. Crescimento, desenvolvimento, realizao progressiva do ideal

  • moral e espiritual so as condies que determinam as formas de manifestao das verdades da religio.

    Tambm, a influncia das verdades da religio do tipo mais forte. uma influncia intelectual no sentido mais restrito da palavra. A razo se satisfaz porque as verdades da religio crist podem ser apresentadas em um sistema coerente que possui unidade e autoconsistncia. A natureza moral se satisfaz porque o resultado o triunfo da natureza moral sobre o pecado, o ego e o mundo. Toda a vida pessoal moral se satisfaz porque na experincia crist a personalidade humana se desenvolve. A auto-realizao, uma conscincia de ter encontrado sentido da vida e do destino, est inclusa na experincia crist. Em todos estes e outros caminhos, a verdade conhecida pela natureza humana na experincia crist.

    F. Tpicos conduintes do examo preliminar

    Examinamos e discutimos preliminarmente certos princpios fundamentais que reaparecero de tempo em tempo nas pginas seguintes. Sero tratados nas conexes que surgirem no curso do desenvolvimento sistemtico das verdades da religio crist. H vrios outros tpicos que demandam uma breve considerao antes de encerrarmos nosso exame preliminar. So os seguintes: Fontes da teologia crist, Princpios materiais e formais da teologia, Ordem e arranjo das doutrinas, e Qualificaes para o estudo da teologia.

    1. Primeiramente, quanto s fontes da teologia, nossa declarao foi antecipada na exposio antecedente. A fonte da teologia crist a religio crist. Por religio crist entendemos todos os fatores que participam dessa religio: histricos, literrios e espirituais. Fundamentalmente e de maior importncia, Jesus Cristo - sua vida e ensino, morte vicria e ressurreio - a

  • fonte da religio crist. O Esprito Santo como dom de Cristo aos homens, o lder e guia no registro inspirado da vida e obra de Cristo, o guia sempre presente diante dos cristos em todas as pocas, necessrio para ns se quisermos entender a Cristo e sua religio. As escrituras do Antigo e do Novo Testamento so indispensveis teologia crist porque so um produto e ao mesmo tempo a fonte da religio crist. Apenas por meio delas podemos entender as grandes causas que operaram na realizao da religio crist, tornando-a um poder na terra. Nossa experincia da graa redentora de Deus em Cristo necessria para uma plena compreenso da teologia crist. parte dessa experincia religiosa a teologia um movimento intelectual, carecendo dos elementos vitais exigidos pela prpria natureza da religio crist. A experincia sempre se desviaria se no houvesse a presente influncia corretiva das escrituras, e a autoridade das escrituras nunca se tornaria para ns uma realidade vital e transformadora se no houvesse a operao da graa redentora de Deus em ns.

    O que acima mencionado so as fontes primrias do conhecimento da religio crist, que expressa na teologia crist. A teologia no rejeita a verdade tal como aparece atravs da natureza, da histria e da psicologia, ou de qualquer outra fonte. Mas se fundamenta firmemente nos fatos cristos e desenvolve suas perspectivas doutrinais partindo em primeira instncia desses fatos.

    2. O significado da teologia tem muitas vezes sido expresso em termos de seus princpios materiais e formais. Por princpio material queremos dizer seu contedo vital e essencial; por princpio formal queremos dizer a forma ou meio atravs do qual o significado apreendido. Podemos dizer ento, como se apresenta aqui, que o princpio material da teologia a comunho do homem com Deus, tal como mediado por Cristo. O princpio formal a interpretao espiritual das escrituras. Outros meios de expressar estes princpios foram adotados. A justificao pela f foi considerada o princpio material da Reforma. Isto diz

  • respeito essncia da vida espiritual e ao contedo fundamental do cristianismo. Mas como declarao de seu significado interior no o suficientemente distintiva. um princpio do Antigo Testamento abraado pela religio do Novo Testamento. Mas ela no reconhece especificamente Jesus Cristo como agente principal na revelao do Novo Testamento. As relaes pessoais de Cristo com nossa f so um elemento necessrio em qualquer declarao destinada a expressar o significado central do evangelho. A mesma objeo se estende ao reino de Deus como meio de expressar esse significado central. Carece da referncia especfica a Jesus Cristo. Mas quando falamos da comunho com Deus mediada por Cristo, expressamos a verdade vital contida nas outras duas declaraes. A justificao pela f uma justificao condicionada f nele. O reino de Deus um reino no qual ele Rei. Comunho com Deus mediada por Jesus Cristo uma frase bastante abrangente para denotar todos os elementos essenciais. Ela inclui a justificao pela f. Ela inclui e necessita do reinado de Deus no seu eterno reino. Contm o pensamento de uma consecuo moral progressiva, na qual o carter cristo gradualmente transformado na imagem de Cristo. Isto envolve os aspectos sociais do evangelho, de acordo com o qual as relaes dos cristos, de uns com os outros, so determinadas pela comunho comum que tm com Cristo.

    O princpio formal da teologia crist so as escrituras espiritualmente interpretadas. Isto se aplica particularmente ao Novo Testamento. Mas o Antigo Testamento no est excludo. a revelao preliminar. A expresso "espiritualmente interpretadas" empregada para distinguir o mtodo de uma teologia viva daquela de um mero estudo crtic ou exegtico das escrituras. Se a teologia no uso correto do termo uma interpretao da vida divina na alma, ento somos compelidos a expressar as relaes entre a vida e a teologia ao definir o mtodo de alcanar a verdade. A idia do tubo que conduz a gua desde o reservatrio no pode ser entendida a no ser que mantenhamos em mente sua relao com a gua que conduz. O estudo bblico e a interpretao tm

  • muitas vezes sido um tubo vazio com nenhuma relao com a verdadeira utilidade na vida da alma.

    3. Nosso prximo tpico a ordem e arranjo da doutrina. Algumas vezes as teologias se desenvolvem sobre a presuno de que a teologia natural precede propriamente a teologia revelada em um tratado doutrinrio. Usualmente os argumentos a favor da existncia de Deus tirados da natureza e do homem so apresentados na primeira diviso. Mas o plano envolve um mtodo duplo de tratar o material da teologia, o que pode ser confuso ao leitor. Estes argumentos, ainda que tenham uma grande fora, no produzem uma concepo estritamente crist de Deus. Podero at mesmo deixar a impresso de que a crena crist em Deus estabelece neles seu fundamento principal. Nosso plano adiar a considerao destas provas at que a prova da vida interior do cristo esteja estabelecida. Isto , para o prprio cristo, a mais convincente e satisfatria de todas as provas. Uma grande parte da fora das provas do homem e da natureza, mesmo quando apresentadas de princpio, derivada dos fatos da experincia crist que so tacitamente presumidos. Preferimos, por isto, unificar o sistema doutrinrio trazendo todos os elementos da doutrina relacionados com a realidade central, a graa redentora de Deus manifesta primeiramente no prprio Jesus Cristo, e em segundo nas almas dos crentes.

    Alguns tratados de teologia tm deixado a doutrina da Trindade para ser tratada no final do sistema doutrinrio. Isto feito na suposio de que a verdade concernente Trindade se situa na regio limtrofe do conhecimento. uma espcie de remanescente que sobra aps as coisas principais terem sido demonstradas. Entretanto, esse mtodo superficializa as relaes vitais da Trindade com a prpria experincia. Deus revelado como Pai, Filho e Esprito muito claramente na vida regenerada, como ser mostrado. O uso e valor prticos da doutrina da Trindade so muito grandes. bem verdade que precisamos exercer adequada

  • reserva no esforo de darmos definies metafsicas da Trindade, precisamente como o Novo Testamento o faz. Mas a doutrina em si mesma precisa ser reconhecida, se no no incio, pelo menos relativamente cedo no desenvolvimento doutrinrio. A ordem adotada por ns, ento, difere do mtodo mais antigo de colocar a considerao das provas gerais da existncia de Deus aps a exposio das verdades fundamentais da experincia crist. Difere da seqncia da doutrina encontrada em alguns dos tratados do incio do sculo 19, colocando a discusso da doutrina de Deus e da Trindade no princpio. Isto est em conformidade com a exigncia da experincia e sua relao com a doutrina.

    O ponto no qual a doutrina das escrituras explanada concorre com sua natureza, uma autoridade espiritual distinta da que meramente legal ou eclesistica. Os escritos do Novo Testamento foram produzidos para estabelecer o significado da revelao atravs de Cristo e a salvao que ele traz. Sua autoridade no se deve aos credos dos primeiros conclios eclesisticos. Seu poder e importncia fundamental para os cristos no so baseados em uma autoridade externa. Eles esto alicerados no contedo divino e auto-evidenciador. para ns o Livro da Vida a partir do momento em que desvenda a ns as fontes de nossa vida espiritual e as grandes causas histricas e divinas que produziram. A respeito disso, ela mais bem entendida por aqueles nos quais a prpria vida se tornou realidade. Veremos tambm que o mtodo adotado ao se usar as escrituras para estabelecer a verdade das doutrinas o da teologia bblica. Onde o espao no impedir, seguiremos o curso do ensino das escrituras no seu desdobramento histrico. Isto nem sempre possvel ou necessrio. porm feito normalmente no tratamento das doutrinas mais fundamentais. Possui uma vantagem sobre a seleo aleatria de textos-prova dos estgios primitivos ou posteriores da revelao do Antigo e do Novo Testamento. Serve para indicar o processo divinamente orientado, pelo qual Deus tornou conhecida a verdade ao seu povo.

  • Dedicamos uma extensa seo s relaes entre a forma crist e outras formas de conhecimento. O objetivo em vista de tornar claro e bvio para o estudante a realidade do conhecimento que acompanha nossa salvao em Cristo, sua independncia e valor para a vida religiosa do homem, e sua harmonia com todas as outras formas de conhecimento humano. Consideramos esse objetivo de vital importncia para a teologia crist. Tem havido uma confuso quase interminvel na mente dos homens nesse ponto. H uma constante tendncia de suprimir a vida religiosa do homem, ou de reduzi-la a um mero mnimo de emoo, ou de tica, no interesse de algum princpio estranho que, na sua aplicao adequada, no exige tal reduo. As divises do conhecimento do esprito humano deveriam viver lado a lado em paz. A confuso e o atrito surgem apenas quando uma das divises se revolta e procura reinar soberanamente.. Uma das vantagens principais de se considerar a doutrina expressando o significado da vida divina na alma que nos capacita a tornar claro para o intelecto o lugar da verdade religiosa no grande universo da verdade. Agindo dessa forma, evitamos qualquer conflito real com a cincia e outras formas de cultura humana. Descobrimos tambm como realmente todas as outras buscas intelectuais terminam na necessidade fundamental da vida espiritual do homem.

    Segue um breve panorama da ordem na qual o material deste tratado apresentado:

    No captulo 2 damos uma definio de conhecimento, com referncia especial religio, e indicamos as fontes de nosso conhecimento religioso. Isto leva diretamente a Jesus Cristo, a suprema revelao de Deus aos homens.

    No captulo 3 apresentamos o estudo preliminar da prpria experincia crist. Certas objees so ressaltadas, e a natureza do conhecimento cristo e a certeza crist so indicadas. Isto naturalmente leva em considerao o conhecimento cristo em

  • relao a outras formas de conhecimento. O captulo 4 se dedica a esse assunto.

    No captulo 5 apresentado o registro da revelao crist fornecida pelas escrituras; e no captulo 6 a pessoa de Jesus Cristo, que em si mesmo a revelao da qual a escritura o registro.

    No captulo 7 consideramos a questo da deidade de Jesus Cristo e consideramos vrias fases da discusso moderna de sua pessoa. Isto seguido por uma considerao no captulo 8, da doutrina do Esprito Santo que, juntamente com a doutrina da pessoa de Cristo, ocupa um lugar central no sistema cristo.

    No captulo 9 consideramos a doutrina de Deus. Essa ordem adotada porque somente depois de o cristo conhecer a Deus na experincia redentora em Cristo que ele est na posio de entender Deus, o Pai, a quem Jesus Cristo revelou.

    Nos trs captulos seguintes, 10, 11 e 12, as doutrinas da criao, providncia e do pecado so apresentadas. No captulo 13 a obra salvfica de Cristo apresentada, e no captulo 14 a doutrina da eleio, ou a iniciativa de Deus na salvao; no captulo 15 os primrdios, e no captulo 16 a continuao da vida crist, e no captulo 17 a doutrina das ltimas coisas. Notar-se- ao longo deste volume que o objetivo fundamental foi mantido, isto , apresentar a doutrina crist como resultado necessrio e expresso da religio crist. O elemento experimental tanto no conhecimento como na certeza crist certamente foi reconhecido em todos os pontos.

    4. H muitas qualidades intelectuais que podem ser mencionadas como assistentes daquele que se torna um estudante de teologia. Mas todas essas qualidades so dependentes de uma atitude fundamental da mente e do corao. A qualificao mais alta para o estudo da teologia a atitude religiosa. Na religio, o homem aborda a Deus de uma certa maneira. Atravs de sua

  • comunho com Deus certas experincias surgem. Isto verdade particularmente na religio crist. Se algum quer entender a teologia crist, essencial, portanto, que a atitude requerida pela religio crist seja mantida. A teologia a interpretao da religio, como vimos. A interpretao impossvel parte da prpria realidade. Conclumos, ento, que a religio o requisito fundamental para o estudo da teologia. luz dessa verdade geral podemos notar as qualificaes que vm da erudio e da cultura geral, da capacidade intelectual e das qualidades morais e espirituais.

    (1) Todas as formas de erudio e cultura geral ajudam no estudo teolgico quando so empregadas no interesse da vida religiosa dos homens. A teologia , como a filosofia, um estudo muito abrangente. Dificilmente haver um ramo de estudo que no lhe seja tributrio. Isto especialmente verdade de toda forma de erudio pertencente Bblia, tal como o conhecimento das lnguas originais, percia na exegese e outros departamentos da cincia bblica. Do mesmo modo, um conhecimento geral da cincia e da filosofia tambm valioso ao estudante de teologia. A dificuldade e o perigo no emprego de todos os resultados da pesquisa erudita no estudo da teologia consistem em que algum outro interesse ou ideal poder deslocar o que peculiar teologia crist, ao interesse e ao ideal religiosos. A vida religiosa tem de ser vista em toda a manifestao e em seu verdadeiro significado e valor interiores. Se o interesse principal do estudante alguma coisa parte da religio, haver o perigo de que a religio venha a ser sufocada ou crucificada. Muito do assim chamado estudo "objetivo e desinteressado" da religio e teologia desse tipo. Ao trazermos mtodos cientficos para o estudo da religio e da teologia, a primeira coisa a ser lembrada que a religio necessariamente pessoal e subjetiva ao estudante

  • que espera penetrar no seu verdadeiro significado interior. De outro modo nunca sairemos da superfcie da religio, e nunca obteremos o verdadeiro material para a construo de uma teologia.

    (2) Os dons intelectuais de todo tipo so, da mesma forma, valiosos no estudo da teologia. A habilidade de pensar clara e pacientemente, o desejo de exatido e perfeio, o desejo de unidade e coerncia de opinio so qualidades admirveis no telogo. Especialmente til nesta esfera a qualidade usualmente conhecida por intuio. A palavra simplesmente significa percepo mental e espiritual, o sentido de verdade baseado em amplas afinidades intelectuais. Assim se distingue do processo lgico de deduo de concluses a partir de premissas. Ningum poder jamais esperar alcanar grande competncia em teologia sendo indisposto ou incapaz na questo de esforo paciente e persistente. Mas as recompensas de tal esforo so muitas e de mximo valor.

    (3) As qualidades morais e espirituais so as mais fundamentais no estudo teolgico. Nomearemos algumas delas. Um sentido de dependncia para com Deus e de orientao de seu Esprito necessrio. Quanto mais o estudante penetrar nos grandes mistrios da religio, tanto mais ficar impressionado com essa necessidade de auxlio divino para compreend-los e expressar o seu significado. Docilidade ou tratabilidade, vinculada com humildade e receptividade, uma exigncia fundamental. O desejo de conhecer a verdade e uma vontade dcil acompanham o verdadeiro telogo. A obedincia de fato um "verdadeiro rgo do conhecimento" , apesar de, claro, no ser o nico. O orgulho de opinio tem de ser colocado de lado se algum quer entrar na viva comunho com Deus em Cristo.

  • Em certa ocasio, Jesus agradeceu a Deus por ter ocultado as verdades do evangelho dos "sbios e entendidos" e os revelou aos "pequeninos" (Mt 11.25). Essa grande verdade est lentamente chegando ao reconhecimento na psicologia moderna e nas teorias do conhecimento. H uma esfera imensa de realidade, grande correnteza de vida e poder que fluem de Deus para dentro do homem sob condio de docilidade e receptividade da parte do homem. Em outras palavras, a f o elo entre o homem e Deus, que no apenas traz vida nova e novo poder, mas novo conhecimento. A teologia a expresso e a coordenao sistemtica desse conhecimento.

  • Captulo 2

    0 conhecimento de Deus

    A questo que se destaca j de incio em um tratado de teologia a seguinte: "Podemos conhecer Deus?" Se respondermos na afirmativa, somos confrontados com outra questo: "Como conhecemos a Deus?" Essa ltima pergunta conduz por sua vez a mais outra questo: "Como o conhecimento est relacionado com a f?" E, finalmente, tendo sido satisfatoriamente respondidas todas essas perguntas,, precisamos definir as relaes entre o conhecimento religioso e as outras formas de conhecimento.

    A. Definio de conhecimento e de religio

    A seguinte definio fornece resumidamente os elementos essenciais de conhecimento:

    1. O que evidente por si mesmo na natureza da razo: os axiomas matemticos do tipo uma linha reta a menor distncia entre dois pontos ilustram bem isso.

    2.0 que ocorre imediatamente na experincia, como no caso de um homem que vivncia as manifestaes da natureza em uma tempestade de raios e troves.

    3. O que inferido naturalmente do que se v, como um relmpago ter atingido uma rvore, inferido da condio na qual se encontra o tronco partido.

  • Nota-se que nesta definio h um fator interno de conhecimento: a prpria razo. H tambm um fator externo, algo que poder vir de fora, e muitas vezes vem, mas que ocorre imediatamente em nossa experincia. H tambm um procedimento de deduo que inclui tanto o fator interno, a razo, quanto o fator externo, o objeto ou objetos que ocorrem em nossa experincia imediata.

    A definio de conhecimento dada acima de grande importncia para a teologia pelas seguintes razes: primeira, torna claro o ponto de que na religio e na teologia (definida como a explanao ordenada e sistemtica da religio) estamos lidando com o conhecimento verdadeiro. Em segundo lugar, mantm o conhecimento adequadamente fundado em uma psicologia sensata. A definio reconhece a natureza da prpria razo, contribuindo para nosso conhecimento, e no nos deixa meramente recipientes passivos de impresses vindas de fora. A razo do homem confere sua impresso a todo o contedo do conhecimento, como uma caneca confere forma gua que pega de uma correnteza. A definio tambm ressalta a prpria experincia, os processos da vida pelos quais entramos em contato com o mundo ao nosso redor. E, por ltimo, uma definio que reconhece a presena de todas as faculdades e potenciais humanos nos processos do conhecimento. O homem no uma razo abstrata, ou vontade abstrata, ou sentimento abstrato. Ele todas estas em combinao. Nenhum destes atua jamais por si s. Esse conceito de conhecimento de grande importncia para a teologia. um ponto de contato vital e de concordncia entre a psicologia cientfica moderna e a Bblia, como veremos.

    A seguir partiremos para a definio de religio. Isto preparar o caminho para uma declarao de como se origina o conhecimento de Deus, e como a teologia se torna necessria como uma expresso ordenada e sistemtica do significado da religio. H muitos caminhos para definir religio. Alguns

  • adotam os tipos mais inferiores de religio, tais como o fetichismo, ou animismo, e afirmam que as diversas religies so simplesmente um desenvolvimento destas. Outros iniciam no outro extremo, adotam algum princpio altamente intelectual ou filosfico, como se contivesse a essncia de todas as religies. Os defensores de certas formas de idealismo adotam o ltimo mtodo. A religio se torna assim um processo do intelecto nas suas reaes sobre o mundo ao nosso redor. H vrios outros mtodos adotados para se definir religio. O melhor mtodo, entretanto, no consiste em tomar o que inferior, nem mesmo, de maneira abstrata, o que elevado, se quisermos obter uma definio geral de religio. O melhor mtodo o de estabelecer os elementos essenciais que pertencem idia de religio em si mesma, e que so encontrados entre homens religiosos. Isto conduzir naturalmente considerao da religio crist, que o ideal e cumprimento de todas as outras diversas tentativas de se aproximar definio de religio.

    Em termos mais gerais, ento, definimos religio:

    (1) Como reconhecimento de uma potncia no nossa, e um esforo de estabelecer relaes harmoniosas com ela.

    (2) O objeto na religio pessoal, espritos supra-humanos, ou um esprito supremo pessoal.

    (3) A relao com estes poderes supra-humanos se realiza em termos pessoais e sobre a base de relacionamentos pessoais. Essa relao pessoal tem em si pelo menos os seguintes elementos: (a) Revelao da parte de Deus ou deuses adorados, e (b) confiana e adorao por parte do ser humano.

    (4) A religio tambm inclui, como essncia dessa relao pessoal, um exerccio dos sentimentos, da vontade e do

  • intelecto. Os sentimentos entram em ao porque h um senso de dependncia e de necessidade. A vontade est includa porque h um ato de submisso e conformidade vontade do objeto de culto. O intelecto est ativo porque ali surge o conhecimento do objeto de culto como resultado da relao religiosa.

    (5) Acrescentamos que o objetivo proposto da religio redeno. A redeno distintamente uma palavra crist. Mas h um sentido elementar cuja idia existe em todas as religies. Os homens tendem fazer alianas com foras blicas superiores a fim de assegurar xito na guerra, ou para evitar perigos de diversos tipos. A idia de redeno completamente modificada na religio crist.

    Perceberemos que a definio que acabamos de dar projetada para demonstrar o contedo da f religiosa encontrada em geral entre as naes. So elementos comuns mantidos de modo imperfeito e indefinido, sempre que h atividad