a s a n t a b Í b l i a o p e n t a t e u c omundocatolico.com.br/biblia/capitulo02.pdf · de...
TRANSCRIPT
A S A N T A B Í B L I A O P E N T A T E U C O
OS CINCO PRIMEIROS LIVROS DA BÍBLIA (O TESTAMENTO DA ETERNA ALIANÇA)
José Haical Haddad
CAPÍTULO II
O LIVRO DO ÊXODO
A ALIANÇA E O POVO DE DEUS
2.1. - OS FILHOS DE ISRAEL TORNAM-SE “POVO”
O Livro do Êxodo tem esse nome em vi r tude de narrar a saída do
Egi to, ou seja, o êxodo, do então aí formado Povo dos Fi lhos de Israel ,
em busca da Terra Prometida. Não só. Integram -no também inst i tu i -
ções que serviram de fundamento para es t ruturar tanto a nação israel i -
ta como a fé cr is tã . Quando foi composta a Escri tura os cinco prime i-
ros l ivros que a compõem (a Torah, ou - os Cinco Quintos da Lei , ou -
os Livros de Moisés ) , eles não t inham a forma atual , nem t í tulos que
os dis t inguissem e formavam uma unidade. O c onjunto t inha a forma
de rolo , pois eram enrolados os papiros ou peles de an imais em que se
escrevia . Dele se ex traíam par tes para o uso l i túrgico e formou-se o
cânon, palavra hebraica que s ignif ica lei . Com a divisão dele para o
uso, eram dispostos em vasos dis t intos , ou foram se div idindo em cin-
co rolos que receberam cada um, os nomes da primeira palavra hebra i-
ca com que se iniciavam. Atualmente , os nomes dos l ivros, que não os
dessa Bíbl ia Hebraica, derivam dos que lhes at r ibuiu a Versão dos S e-
tenta ou Septuaginta , a versão grega.
Não há neles uma narração específ ica, que corresponda somente
ao t í tulo que t razem, mas se harmonizam no conjunto , e o que se narra
num l ivro quase sempre se iniciou em outro, tem referências com o u-
tros adiante ou anteriormente dispostos , obedecendo a uma ordem nem
sempre cronológica e nem mesmo lógica. A esse conjunto inicial dos
Cinco Quintos da Lei ou a Torah, como são conhecidos na Bíbl ia H e-
braica, e que se tornaram cinco l ivros , deu-se o nome de Pentateuco na
versão grega denominada Septuaginta.
Já fo i vis to como José se revelou verdadeiro sábio, tanto como
adminis t rador, como no t rato pol í t ico . Também com sua parentela,
com as pessoas e no modo como se conduzia em todas as dif iculdades
que lhe surgiam. Conhecendo a rel igião de seus famil iares e ta mbém a
do Egi to procurou s i tuá -los em região f ronteir iça e afastada onde não
sofressem a influência idólatra e também evi tando desencontros , ch o-
2
ques entre seus antagonis tas , buscando sempre a possibi l idade de paz ,
harmonia e conc i l iação:
" D e p o i s d i s s e J o s é a s e u s i r m ã o s , e à c a s a d e s e u p a i : E u s u b i r e i e i n f o r m a r e i a F a r a ó , e l h e d i r e i : M e u s i r m ã o s e a c a s a d e m e u p a i , q u e e s t a v a m n a t e r r a d e
C a n a ã , v i e r a m p a r a m i m . O s h o m e n s s ã o p a s t o r e s , q u e s e o c u p a m e m a p a s c e n t a r
g a d o ; e t r o u x e r a m o s s e u s r e b a n h o s , o s e u g a d o e t u d o o q u e t ê m . Q u a n d o , p o i s , F a r a ó v o s c h a m a r e v o s p e r g u n t a r : Q u e o c u p a ç ã o é a v o s s a ? R e s p o n d e r e i s : N ó s ,
t e u s s e r v o s , t e m o s s i d o p a s t o r e s d e g a d o d e s d e a n o s s a m o c i d a d e a t é a g o r a , t a n -
t o n ó s c o m o n o s s o s p a i s . I s s o d i r e i s p a r a q u e h a b i t e i s n a t e r r a d e G e s s e n ; p o r -q u e t o d o p a s t o r d e o v e l h a s é a b o m i n a ç ã o p a r a o s e g í p c i o s " ( G n 4 6 , 3 1 - 3 4 ) .
Com essa astuta argumentação soube se impor ao Faraó e conse-
guir neutral izar qualquer reação negat iva à acei tação deles , pois tendo
s ido pastores e nômades em Canaã, er am até certo ponto , indesejáveis .
Porém, indo habi tar em lugar afastado e fronteir iço, viu-se que não
pretendiam fixar morada nem perturbar a vida pastori l dos egípcios .
Convencido, o Faraó até recomendou que se entregasse o seu r ebanho
à adminis t ração de um deles que fosse capaz (Gn 47,5 -6) . A Tribo de
Is rael se deslocava para o Egi to em si tua ção perigosa e opressora e t i -
nha pleno conhecimento do regime econômico e pol í t ico escravocra ta ,
e f icaria cercada de antagon ismos principalmente no r el igioso:
" . . . R e s p o n d e u M o i s é s : N ã o c o n v é m q u e a s s i m s e f a ç a , p o r q u e é a b o m i n a ç ã o a o s
e g í p c i o s o q u e h a v e m o s d e o f e r e c e r a I a h w e h n o s s o D e u s . S a c r i f i c a n d o a a b o m i -n a ç ã o d o s e g í p c i o s p e r a n t e o s s e u s o l h o s , n ã o n o s a p e d r e j a r ã o e l e s ? . . . " ( E x
8 , 2 1 - 2 3 ) .
O antagonismo entre o s cul tos seria capaz de impedir a conv i-
vência pacíf ica e, pior que tudo, comprometer a sat isfação das ex igê n-
cias monolátr icas da Aliança. Os Hebreus , desde os Patr iarcas , e t radi-
cionalmente se dis t inguiam da cul tura idólatra da época , tanto no cul to
como na conduta e comportamento de cada um. Não a doravam ídolos
ou imagens, mas o Deus Vivo, uma Pessoa.
O problema social que se originara da organização econômica do
Egi to foi ideal izado e ut i l izado pelo próprio José para superar a cr ise
de al imentos de carát er universal . A fome foi tamanha que os egípcios
acabaram por t rocar pelo al imento o próprio rebanho e até mesmo as
propriedades, t ransferindo tudo ao Faraó e chegando o povo a ser re-
duzido à servidão (cfr . Gn 47,13 -27). José cr iou então um sis tema e-
conômico a que todos se sujei taram com uma única exceção : os sacer-
dotes . Por tal s is tema todo o solo egípcio passou à propriedade sob e-
rana do Faraó, num sis tema que não impedia a p ropriedade part icular
(Gn 47,27) , e de toda a produção entregava um quinto ( vinte por cen-
to ) ao Faraó. Era uma espécie de servidão muito próxima da co rvéia da
Idade Média. Regime este que passou a vigorar até mesmo após a cr ise
quando foi composta a narrat iva, muito tempo depois (cfr . " . . . a té o
dia de hoje . . . " – Gn 47,26). Mas, os Fi lhos de Is rael f ica ram isentos
desse regime enquanto foi possível manter a tutela de J osé:
" J o s é , p o i s , e s t a b e l e c e u i s t o p o r e s t a t u t o q u a n t o a o s o l o d o E g i t o , a t é o d i a d e
h o j e , q u e a o F a r a ó c o u b e s s e o q u i n t o d a p r o d u ç ã o ; s o m e n t e a t e r r a d o s s a c e r d o -
t e s n ã o f i c o u s e n d o d e F a r a ó . A s s i m h a b i t o u I s r a e l n a t e r r a d o E g i t o , n a t e r r a d e G e s s e n ; e n e l a a d q u i r i r a m p r o p r i e d a d e s , e f o r a m f e c u n d o s e m u l t i p l i c a r a m - s e
m u i t o " ( G n 4 7 , 2 6 - 2 7 ) .
3
Já se viu que naquele tempo cada povo t inha um deus ou cada
deus t inha o seu povo e seu terr i tório. Dist inguia -se um povo pelo
deus que adorava e servia. Enquanto vivo , José cuidou dos i rmãos e
suas famíl ias (Gn 47,11 -12):
" M o r r e u , p o i s , J o s é , e t o d o s o s s e u s i r m ã o s , e t o d a a q u e l a g e r a ç ã o . O s f i l h o s d e I s r a e l f r u t i f i c a r a m e a u m en t a r a m m u i t o , m u l t i p l i c a r a m - s e e t o r n a r a m - s e s o b r e -
m a n e i r a f o r t e s , d e m o d o q u e a t e r r a s e e n c h e u d e l e s . L e v a n t o u - s e s o b r e o E g i t o
u m n o v o r e i , q u e n ã o c o n h e c e r a a J o s é . D i s s e e l e a o s e u p o v o : E i s q u e o P o v o d o s F i l h o s d e I s r a e l é m a i s n u m e r o s o e m a i s f o r t e d o q u e n ó s " ( E x 1 , 6 - 9 ) .
Vale a pena repet i r : "Eis o Povo dos Fi lhos de Israel . . . " - apesar
do regime econômico servi l em que todos viviam no Egi to, os Fi lhos
de Israel foram reconhecidos pelo Faraó como povo , pois fecundos que
eram tornaram-se numerosos, permaneceram fiéis ao seu Deus e não se
submeteram aos deuses do Egi to. Formaram então o Povo dos Fi lhos
de Israel que se es t ruturou de manei ra ind ependente, tendo até mesmo
o seu próprio Conselho de Anciãos (Ex 3,16/ Ex 4,29) e já se inaug u-
rando o "cumprimento" da Promessa a Abrão:
" E u f a r e i d e t i g r a n d e p o v o . . . " ( G n 1 2 , 2 ) / “ T o r n a r - t e - e i s o b r e m a n e i r a f e c u n d o e
d e t i f a r e i n a ç õ e s , e r e i s s a i r ã o d e t i " ( G n 1 7 , 6 ) .
" . . . mais numeroso e mais forte do que nós ", pela fecundidade já
anunciada a Abrão e impressa por Deus com vis tas à Aliança é agora
concentrada na formação do Povo dos Fi lhos de Israel . Não se tem r e-
gis t ro oficial da população , nem foi prat icado nenhum recenseame nto.
Então, o "mais numeroso do que nós " poderia ter s ido uma força de
expressão usada pelo Faraó para seduzir os egípcios à perseguição que
se anunciava. Mesmo assim , ter ia de se apoiar e se apoiou no fato i n-
contestável de que realmente foi " mais forte que nós" e não aband onou
a sua fé para servir aos deuses egípcios , nem se deixou submeter . Ape-
sar da servidão imposta pelo regime criado por José até mesmo adqu i-
rem propriedades, o que evidencia o seu progresso e desenvolv imento
(Gn 47,27b). Além disso, aumenta a opressão deles (Ex 1,11-14) e in i -
cia uma s is temát ica perseguição para tentar inut i lme nte impedir sua
prol i feração e d esenvolvimento econômico:
" E i a , u s e m o s d e a s t ú c i a p a r a c o m e l e , p a r a q u e n ã o s e m u l t i p l i q u e , e a c o n t e ç a
q u e , v i n d o g u e r r a , e l e t a m b é m s e a j u n t e c o m o s n o s s o s i n i m i g o s , e p e l e j e c o n t r a n ó s e s e r e t i r e d a t e r r a . P o r t a n t o , p u s e r a m s o b r e e l e s f e i t o r e s , p a r a o s a f l i g i r e m
c o m s u a s c a r g a s . A s s i m , o s i s r a e l i t a s e d i f i c a r a m p a r a F a r a ó c i d a d e s a r m a z é n s ,
P i t o m e R a m s é s . M a s q u a n t o m a i s o s e g í p c i o s a f l i g i a m o p o v o d e I s r a e l , t a n t o m a i s e s t e s e m u l t i p l i c a v a e s e e s p a l h a v a ; d e m a n e i r a q u e o s e g í p c i o s s e p r e o c u -
p a v a m p o r c a u s a d o s f i l h o s d e I s r a e l . P o r i s s o , o s e g í p c i o s f a z i a m o s f i l h o s d e
I s r a e l s e r v i r c o m d u r e z a ; a s s i m l h e s a m a r g u r a v a m a v i d a c o m p e s a d o s s e r v i ç o s e m b a r r o e e m t i j o l o s , e c o m t o d a s o r t e d e t r a b a l h o n o c a m p o , e n f i m c o m t o d o o
s e u s e r v i ç o , e m q u e o s f a z i a m s e r v i r c o m d u r e z a " ( E x 1 , 1 0 - 1 4 ) .
" . . . os egípcios faz iam os f i lhos de Israel servir com dureza; a s-
s im lhes amarguravam a vida com pesados serviços em barro e em t i j o-
los , e com toda sorte de t rabalho no campo, enfim com todo o seu ser-
viço, em que os faz iam servir com dureza ", repet indo proposi tadame n-
te o f inal da t ranscr ição, para se veri f icar que o regime de servidão a
que foram submetidos at ingia toda a ex tensa gama profiss ional de t r a-
balho, não só nos t i jolos do exemplo es colhido pelo narrador (Ex 5,6 -
4
14). Mas, mesmo assim, temia o Faraó que o povo se al iasse a alguma
nação est rangeira e, em vir tude da local ização fronteir iça, i sso faci l i -
tasse a saída do país (Ex 1,10). Provocar -se-ia, então, a evasão de mão
de obra barata e servi l , e daquele imposto de um quinto da prod ução e
do t rabalho, com grande perda econômica. Não pode ser outro o mot i -
vo de tanta preocupação e de tanta providência es t remada , pois a eva-
são deles do país causaria sério t ranstorno ao Egi to, po is a despei to da
opressão , os israel i tas eram bastante produt ivos:
" P o r t a n t o , p u s e r a m s o b r e e l e s f e i t o r e s , p a r a o s a f l i g i r e m c o m s u a s c a r g a s . A s -s i m o s i s r a e l i t a s ed i f i c a r a m p a r a F a r a ó c i d a d e s a r m a z é n s , P i t o m e R a m s é s " ( E x
1 , 1 1 ) .
Mas, como soe acontecer com um povo geralmente perseguido,
quanto mais era opr imido mais se desenvolvia e crescia , tanto em nú-
mero como se integrava nele o sent imento de unidade, for talecendo -
lhe a res is tência. Não sat isfei to e para impedir maior prol i feração , o
Faraó determinou o ex termíni o dos meninos nasci turos . Porém não o
consegue, em vir tude de uma qual idade das "mulheres hebréias que
davam à luz antes que cheguem as parte i ras" (Ex 1,19). Mesmo assim,
aumentava e se tornava mais res is tente , obrigando o Faraó a medidas
ex tremas (Ex 1,20-22). Contorcendo -se no mundo de pecado , o Povo
dos Fi lhos de Israel amadurecia no sofr imento e cada vez mais tomava
consciência de sua unidade na fé, e mais se fortal ecia. Essa opressão
durou, o que se comprova pelo tempo decorrido em se modificarem
providências diversas , em constatar - lhes a ineficácia (Ex 1,11s / 1 ,15 /
1 ,22) e até mesmo suficiente s para se puder reconhecer a Bênção de
Deus às partei ras que protegeram a mulher hebréia, "dando -lhes uma
posteridade" (Ex 1,15 -21).
2.2. - O POVO DOS FILHOS DE ISRAEL E MOISÉS
Nesse cl ima nasce um menino da Tribo de Levi mant ido ocul to
enquanto pôde, até que foi colocado num cesto calafetado e deixado
quase à deriva no Nilo , no local “onde a f i lha do Faraó se banhava ” .
Encontrando-o, ela adotou-o e o entregou , sem saber , à própria mãe,
chamada pela i rmã dele que a tudo presenciava , para amamentá-lo e o
devolver quando desmamasse (Ex 2,1 -10). Recebe o nome de Moisés
(= saído das águas) e foi cr iado na cor te faraônica depois de desm a-
mado, fato comprovado pela t r adição israel i ta (Ex 11,3 / At 7 ,21). P o-
rém, junto com o le i te materno a mãe o "amamentou" com a sua or i -
gem, his tória, raça, nacional idade e, p rincipalmente, com a fé em Ia h-
weh, o Deus de Abraão, Isaac e Jacó, o Deus da Promessa e da Al iança
que os dis t inguia como Povo de Iahweh:
" P e l a f é M o i s é s , l o g o a o n a s c e r , f o i e s c o n d i d o p o r s e u s p a i s d u r a n t e t r ê s m e s e s ,
p o r q u e v i r a m q u e o m e n i n o e r a f o r m o s o ; e n ã o t e m e r a m o d e c r e t o d o r e i " ( H b
1 1 , 2 3 ) .
Moisés , da Tribo de Levi embora mal vis ta pelo pai Jacó com a
dest i tezerro uição da primogeni tura (Gn 49,5 -7) , é quem vai comandar
a l ibertação de Is rael das garras dos egípcios , conduzi - los até a Terra
5
Prometida e cumprir ass im a Promessa fei ta a Abraão (Gn 12,7; 13,15;
15,18; 17,8) . Outra t radição israel i ta viu esse tempo de Moisés com
mais profundidade que a narrat iva em tela, e oferecendo mais detalhes:
" E n q u a n t o s e a p r o x i m a v a o t e m p o d a p r o m e s s a q u e D e u s t i n h a f e i t o a A b r a ã o , o p o v o c r e s c i a e s e m u l t i p l i c a v a n o E g i t o ; a t é q u e s e l e v a n t o u a l i o u t r o r e i , q u e
n ã o t i n h a c o n h e c i d o J o s é . U s a n d o e s s e d e a s t ú c i a c o n t r a a n o s s a r a ç a , m a l t r a t o u
a n o s s o s p a i s , a p o n t o d e f a z ê - l o s e n j e i t a r s e u s f i l h o s , p a r a q u e n ã o v i v e s s e m . N e s s e t e m p o n a s c e u M o i s é s , e e r a m u i f o r m o s o , e f o i c r i a d o t r ê s m e s e s e m c a s a
d e s e u p a i . S e n d o e l e e n j e i t a d o , a f i l h a d e F a r a ó o r e c o l h e u e o c r i o u c o m o s e u
p r ó p r i o f i l h o . A s s i m M o i s é s f o i i n s t r u í d o e m t o d a a s a b e d o r i a d o s e g í p c i o s , e e r a p o d e r o s o e m p a l a v r a s e o b r a s " ( A t 7 , 1 7 - 2 2 ) .
Deus não se sujei ta às convenções dos homens e mesmo que às
vezes se integrem em Seus Desígnios fará sempre o que for preciso p a-
ra at ingi - los . É o que dirá a Moisés: " . . . terei misericórdia de quem eu
t iver misericórdia, e me compadecerei de quem me compadecer" (Ex
33,19), e o escolhe apesar de todas as oposições cul turais . Moi sés sa-
cri f ica todo o seu conforto na corte faraônica e se esforça para se i m-
por como l íder israe l i ta:
" P e l a f é M o i s é s , s e n d o j á h o m e m , r e c u s o u s e r c h a m a d o f i l h o d a f i l h a d e F a r a ó ,
e s c o l h e n d o a n t e s s e r m a l t r a t a d o c o m o p o v o d e D e u s d o q u e t e r p o r a l g u m t e m p o o g o z o d o p e c a d o , t e n d o p o r m a i o r e s r i q u e z a s o o p r ó b r i o d e C r i s t o d o q u e o s t e -
s o u r o s d o E g i t o ; p o r q u e t i n h a e m v i s t a a r e c o m p e n s a . P e l a f é d e i x o u o E g i t o ,
n ã o t e m e n d o a i r a d o r e i ; p o r q u e f i c o u f i r m e , c o m o q u e m v ê a q u e l e q u e é i n v i -s í v e l ( H b 1 1 , 2 4 - 2 7 ) .
A formação na corte faraônica facul tou -lhe um conhecimento à
al tura de sua missão , bem como a famil iar idade com os inimigos de
seu povo, propiciando-lhe a visão necessária para a sua l ibertação, e
para a sat isfação e cumprimento da Aliança de Abraão. Assi m como os
homens sempre se opõem aos Desígnios de Deus por causa do dese n-
contro causado pelo pecado, seus i rmãos Is rael i tas se opuseram à l id e-
rança de Moisés . Isso porque, cul tura lmente, não se encaixava nas
normas da primogeni tura outorgada por Jacó a out ra t r ibo que a de Le-
vi . Não foi acei to como l íder pelos israel i tas apesar de sua demonstr a-
ção de lealdade, arr iscando a sua sorte por causa de um irmão de raça
que sofr ia nas mãos do capataz opressor. Essa mesma prova foi - lhes
dada também por ter abandonad o a sua posição de príncipe, adotado
que foi pela f i lha do Faraó, possível candidato à sucessão do t rono.
Envolve-se tanto que, tendo matado o capataz egípcio que mal t ratava
um hebreu, acaba por fugir para a Terra de Madiã (Ex 2,11 -15 ) , j unto
de sua parente la (Gn 25,2) , perseguido pe lo Faraó que r esolveu matá-lo:
" A s s i m M o i s é s f o i i n s t r u í d o e m t o d a a s a b e d o r i a d o s e g í p c i o s , e e r a p o d e r o s o e m p a l a v r a s e o b r a s . O r a , q u a n d o e l e c o m p l e t o u q u a r e n t a a n o s , v e i o - l h e a o c o -
r a ç ã o v i s i t a r s e u s i r m ã o s , o s f i l h o s d e I s r a e l . E v e n d o u m d e l e s s o f r e r i n j u s t a -
m e n t e , d e f e n d e u - o , e v i n g o u o o p r i m i d o , m a t a n d o o e g í p c i o . C u i d a v a q u e s e u s i r m ã o s e n t e n d e r i a m q u e , p o r m ã o d e l e , D e u s l h e s h a v i a d e d a r a l i b e r d a d e ; m a s
e l e s n ã o e n t e n d e r a m . N o d i a s e g u i n t e , a p a r e c e u - l h e s q u a n d o b r i g a v a m , e q u i s
l e v á - l o s à p a z , d i z e n d o : ' H o m e n s , s o i s i r m ã o s ; p o r q u e v o s m a l t r a t a i s u m a o o u -t r o ? ' M a s o q u e f a z i a i n j u s t i ç a a o s e u p r ó x i m o o r e p e l i u , d i z e n d o : ' Q u e m t e
c o n s t i t u i u s e n h o r e j u i z s o b r e n ó s ? A c a s o q u e r e s t u m a t a r - m e , c o m o o n t e m m a -
t a s t e o e g í p c i o ? ' A e s t a p a l a v r a f u g i u M o i s é s , e t o r n o u - s e p e r e g r i n o n a t e r r a d e M a d i ã , o n d e g e r o u d o i s f i l h o s " ( A t 7 , 2 2 - 2 9 ) .
Aí , junto a um poço encontra, tal como aconteceu com Isaac e
Jacó, as f i lhas de um sacerdote, defende -as de um bando que as imp e-
6
dia, e deu de beb er ao rebanho. Por causa desse gesto, é acolhido pelo
pai , e futuramente se casa com uma delas que lhe deu o f i lho Gerson
(Ex 16,22) e outro El iezer (Ex 18,4) . Moisés , em vir tude da sua opção,
também passa pelas mesmas viciss i tudes por que passaram os Patr iar-
cas para aquele amadurecer que lhes viera pelo sofr i mento, até que
Deus se lembre de sua Promessa e da Al iança:
" D e c o r r i d o m u i t o t e m p o , m o r r e u o r e i d o E g i t o ; e o s f i l h o s d e I s r a e l g e m i a m d e b a i x o d a s e r v i d ã o , c l a m a r a m , e s u b i u a D e u s o s e u c l a m o r p o r c a u s a d a s e r v i -
d ã o . E n t ã o D e u s , o u v i n d o - l h e s o s g e m i d o s , l e m b r o u - s e d a s u a A l i a n ç a c o m A -
b r a ã o , c o m Is a a c e c o m J a c ó . E v i u D e u s o s f i l h o s d e I s r a e l , e D e u s o s c o n h e -c e u " ( E x 2 , 2 3 - 2 5 ) .
Ce r to d i a , Moisés apascentava o rebanho de seu sogro, e at ingindo
o Monte Sinai ( também conhecido por Monte Horeb) percebe “a moita
de sarça que ardia em chamas, mas não se consumia”, mantendo -se
com o seu verdor apesar da voracidade do fogo. Aproxima -se para ob-
servar melhor o fenômeno (Ex 3,2 -3) , quando então ouve o chamado
de Deus para l iber ta r “ . . . o meu povo, os f i lhos de Is rael ”:
" E v e n d o Ia h w e h q u e e l e s e v i r a r a p a r a v e r , c h a m o u - o d o m e i o d a s a r ç a , e d i s s e :
M o i s é s , M o i s é s ! R e s p o n d e u e l e : E i s - m e a q u i . P r o s s e g u i u D e u s : N ã o t e c h e g u e s p a r a c á ; t i r a o s s a p a t o s d o s p é s ; p o r q u e o l u g a r e m q u e t u e s t á s é t e r r a s a n t a .
D i s s e m a i s : E u s o u o D e u s d e t e u p a i , o D e u s d e A b r a ã o , o D e u s d e I s a a c , e o
D e u s d e J a c ó . E M o i s é s e s c o n d e u o r o s t o , p o r q u e t e m e u o l h a r p a r a D e u s . E n t ã o d i s s e Ia h w e h : C o m e f e i t o , t e n h o v i s t o a a f l i ç ã o d o m eu p o v o , q u e e s t á n o E g i t o ,
e t e n h o o u v i d o o s e u c l a m o r p o r c a u s a d o s s e u s o p r e s s o r e s , p o r q u e c o n h e ç o o s
s e u s s o f r i m e n t o s ; e d e s c i p a r a o l i v r a r d a m ã o d o s e g í p c i o s , e p a r a o f a z e r s u b i r d a q u e l a t e r r a p a r a u m a t e r r a b o a e e s p a ç o s a , p a r a u m a t e r r a q u e m a n a l e i t e e
m e l . . . E a g o r a , e i s q u e o c l a m o r d o s f i l h o s d e I s r a e l é v i n d o a m i m ; e t a m b é m
t e n h o v i s t o a o p r e s s ã o c o m q u e o s e g í p c i o s o s o p r i m e m . A g o r a , p o i s , v e m e e u t e e n v i a r e i a F a r a ó , p a r a q u e t i r e s d o E g i t o o m e u p o v o , o s f i l h o s d e I s r a e l " ( E x
3 , 4 - 1 0 ) .
Mas, tal como acontece geralmente com o elei to , a primeira rea-
ção de Moisés foi de temor ante a missão à qual Deus o dest inava. A s-
sim é. Já era perseguido pela idéia de l ibertar o seu povo e agora o
próprio Deus a determina. Assusta -se mais que pelo compromisso i n-
compreensível que, em face da missão específ ica e sagrada oriunda d i-
retamente de Iahweh, e comprometido pelo sent imento de impotência
pert inente à dimensão então emergente da origem e necessária ao seu
cumprimento. Ao perceber a envergadura da Obra Divina a que é con-
vocado, o elei to t reme e teme. Há uma enorme provação numa dif íci l e
dura fase da vida, num período de dif iculdades em que sente tudo
desmoronar dentro e em torno de s i , res tando -lhe apenas Deus pela fé.
Sent ia-se t raído, rejei tado que fora pelos seus i rmãos de raça e em f u-
ga por ter , também ele, t raído a corte do Faraó. É como um náufrago,
sozinho em al to mar e em plena t reva noturna, tão negra que nada se
percebe a não ser uma tênue luz de esperança a lhe apon tar a única d i-
reção do chamado de Deus.
É o ponto culminante e crucial da fé. Só lhe resta es sa fé num
lance de consciência a lhe manter viva a esperança em um ideal há
muito al imentado e até então recusado. Começa sua caminhada no se n-
t ido de Deus e então se equi l ibra e se l iberta de tudo. S ó quem é l ivre
pode desempenhar uma missão que nasce na int imidade de Deus. Só
quem é l ivre pode v iver em comunhão e unidade com Deus. Só quem é
7
l ivre l iberta. E, ass im, l ivre de qualquer peia torna -se presa fáci l para
Deus que só entra num coração l i vre e vazio de tudo e es tabelece com
o seu elei to um diálogo ínt imo em que se dá a conhecer por intei ro, e
até informa o próprio nome, como se dis t i ngue:
" E n t ã o M o i s é s d i s s e a D e u s : Q u e m s o u e u , p a r a q u e v á a F a r a ó e t i r e d o E g i t o o s f i l h o s d e I s r a e l ? R e s p o n d e u - l h e D e u s : C e r t a m e n t e e u e s t a r e i c o n t i g o ; e i s t o
t e s e r á p o r s i n a l d e q u e e u t e e n v i e i : Q u a n d o h o u v e r e s t i r a d o d o E g i t o o m e u
p o v o , s e r v i r e i s a D e u s n e s t e m o n t e . E n t ã o d i s s e M o i s é s a D e u s : E i s q u e q u a n d o e u f o r a o s f i l h o s d e I s r a e l , e l h e s d i s s e r : O D e u s d e v o s s o s p a i s m e e n v i o u a
v ó s ; e e l e s m e p e r g u n t a r e m : Q u a l é o s e u n o m e ? Q u e d i r e i ? R e s p o n d e u D e u s a
M o i s é s : E u - I a ( S o u - o m i t i d o ) E l e - h w e h ( E l e = “ o D e u s d e v o s s o s p a i s , o D e u s d e A b r a ã o , o D e u s d e I s a a c , e o D e u s d e J a c ó ” , e m h e b r a i c o Ia h w e h , s a -
b e n d o - s e n ã o s e u s a a p r i m e i r a p e s s o a d o v e r b o s e r ) . D i s s e m a i s : A s s i m d i r á s
a o s f i l h o s d e I s r a e l : I a h w e h m e e n v i o u a v ó s . E D e u s d i s s e m a i s a M o i s é s : A s -s i m d i r á s a o s f i l h o s d e I s r a e l : I a h w e h , o D e u s d e v o s s o s p a i s , o D e u s d e A b r a ã o ,
o D e u s d e I s a a c , e o D e u s d e J a c ó , m e e n v i o u a v ó s ; e s t e é o m e u n o m e e t e r n a -
m e n t e , e e s t e é o m e u m e m o r i a l d e g e r a ç ã o e m g e r a ç ã o " ( E x 3 , 1 1 - 1 5 ) .
" Is to te será por s inal de que eu te enviei : Quando houveres t i r a-
do do Egi to o meu povo, servireis a Deus neste monte", foi o s inal d a-
do por Deus a se real izar no futuro e acei to absurdamente por Mo isés ,
a não ser que se expl ique por um ato de profunda fé, cuja s imples a-
f i rmação de Deus, "certamente eu estarei cont igo", lhe foi suf iciente.
Com a mesma fé de Abraão, Isaac e Jacó, Moisés pro ssegue seu cami-
nho na real ização da Aliança. Por outro lado, e da mesma forma, o ". . .
mais numeroso e mais forte do que nós" (Ex 1,9) torna-se temido pelo
Faraó, não apenas em vir tude do número de pessoas, mas sobretudo pe-
lo modo part icular , especial e pec ul iar da fé, da vida em comum e da
unidade de seus membros em que muito se dis t inguia.
Realmente. É um povo já organizado, consciente de sua un idade,
tendo até mesmo chefes dis t intos daqueles do Egi to a quem obedecia.
Só lhe fal tava a independência oficia l para se l ibertar , se desmembrar
e se desenvolver . Dessa maneira tornou -se impossível mantê -lo cat ivo,
e oprimido:
" V a i , a j u n t a o s a n c i ã o s d e I s r a e l e d i z e - l h e s : I a h w e h , o D e u s d e v o s s o s p a i s , o
D e u s d e A b r a ã o , d e I s a a c e d e J a c ó , a p a r e c e u - m e , d i z e n d o : c e r t a m e n t e v o s t e n h o
v i s i t a d o e v i s t o o q u e v o s t e m s i d o f e i t o n o E g i t o ; e t e n h o d i t o : F a r - v o s - e i s u b i r d a a f l i ç ã o ( . . . ) p a r a u m a t e r r a q u e m a n a l e i t e e m e l . E o u v i r ã o a t u a v o z . . . " ( E x
3 , 1 6 - 1 8 a ) .
Os Fi lhos de Jacó t inham uma fé comum, um a única fé, a fé dos
pais , cr ia e esperava num único e mesmo Iahweh, "o Deus („v ivo‟) de
Abraão, de Isaac e de Jacó", a quem cul tuavam e eram fié is , f ruto de
uma t ransmissão oral de quatrocentos anos, mant ida viva e f iel (Gn
15,13). Os hebreus mant iveram oralmente a fé dos antepassados, v i -
vendo em ter ra es t ranha e alheia como peregrinos. Não sendo assim
não ter ia sent ido dizer - lhes , nem seria compreendido que se t ratava de
"o Deus de vossos pais , o Deus de Abraão, o Deus de Isaac, o Deus de
Jacó":
" E o u v i r ã o a t u a v o z e i r á s , t u e o s a n c i ã o s d e I s r a e l , a o r e i d o E g i t o , e d i r - l h e -
e i s : I a h w e h , o D e u s d o s h e b r e u s , e n c o n t r o u - n o s . A g o r a , p o i s , d e i x a - n o s i r a c a -
m i n h o d e t r ê s d i a s p a r a o d e s e r t o , p a r a q u e o f e r e ç a m o s s a c r i f í c i o s a Ia h w e h n o s s o D e u s " ( E x 3 , 1 8 ) .
8
Conheciam a própria his tória e com confiança em seu futuro a-
guardavam a própria independência, o único fator latente para, l ibe r -
tos , tornarem-se um povo, o Povo da Aliança de Abraão e herdeiros da
Terra Prometida:
" E n t ã o d i s s e Ia h w e h a A b r ã o : S a b e s c o m c e r t e z a q u e a t u a d e s c e n d ê n c i a s e r á p e -r e g r i n a e m t e r r a a l h e i a , e s e r á r e d u z i d a à e s c r a v i d ã o , e s e r á a f l i g i d a p o r q u a t r o -
c e n t o s a n o s ; s a b e t a m b é m q u e e u j u l g a r e i a n a ç ã o a q u a l e l a t e m d e s e r v i r ; e d e -
p o i s s a i r á s c o m m u i t o s b e n s " ( G n 1 5 , 1 3 - 1 4 ) .
Juntamente com a Promessa e a Ali ança , esse aviso estava enra i-
zado em sua própria índole e consciência, e integrou -se à sua cul tura
pela esperança que deposi tavam em Iahweh Deus, causa de sua doci l i -
dade e paciência em toda a servidão. Acredi tavam que os l ibertar ia
("i r ia fazê-los subir da af l ição do Egi to [ . . . ] para uma terra que mana
lei te e mel " - Ex 3,17). Era esse o mot ivo pelo qual apesar de perse-
guidos e oprimidos , sent iam-se totalmente l ivres , vivendo já em figura
a "gloriosa l iberdade dos Fi lhos de Deus " (Rm 8,21). Liberdade que se
t raduz mais no sent ido da vinculação do H omem ao seu Criador do que
uma expressão do direi to de prat icar soberanamente atos l íci tos .
Quando o Homem se vincula a Deus torna -se l ivre, só se submetendo a
algo enquanto essa submissão não perturbar aquela comu nhão. Quando
essa l iberdade se apresenta em grupo humano homogêneo e organizado
torna-se vir tual desassossego a ameaçar a t ranq ui l idade gera l de outros
agrupamentos. Os hebreus no Egi to chegaram a ameaçar até a pr ópria
segurança nacional pela unidade que d eles emanava, unidade de fé e
unidade de esperança, já que se temia a sua união com os inimigos (Ex
1,10). Não era a força deles , mas a coesão que emana da fé coerente
que se i rradiava em t emor. .
Os Hebreus const i tuí ram -se em povo que se tornou numeroso,
poderoso e l ivre a ponto de não se submeter aos cul tos dos egípcios
nem aos seus costumes pagãos. Naquele tempo , o povo dominado sub-
metia-se ao deus do povo dominante. Não acei tando o cu l to idólat ra
deles se tornaram incômodos, os const rangiam e cada vez mais se se-
paravam, se dis t inguindo em dois povos dis t intos . Quando a fé ou o
cul to não é comum não pode haver unidade his tórica, nem nacional , e
a consequência é o antagonismo mútuo, donde a perseguição ensej ada.
Mais do que a opressão f ís ica e psicológica a que os submetiam sofr i -
am outra os Israel i tas , bem caracterizada no pedido ao far aó :
" A g o r a , p o i s , d e i x a - n o s i r c a m i n h o d e t r ê s d i a s p a r a o d e s e r t o , p a r a q u e o f e r e -
ç a m o s s a c r i f í c i o s a Ia h w e h n o s s o D e u s " ( E x 3 , 1 8 ) .
Não podiam oferecer seus sacri f ícios , pois os animais , as ví t imas
que ofereciam a Deus , eram deuses para os egípcios , o que lhes era
abominável , ofensivo e ul t rajante , pois adoravam o boi , o carneiro e
outros animais , imoláveis pelos israel i tas :
" E n t ã o c h a m o u F a r a ó a M o i s é s e a A a r ã o , e d i s s e : I d e , e o f e r e c e i s a c r i f í c i o s a o
v o s s o D e u s n e s t a t e r r a . R e s p o n d e u M o i s é s : N ã o c o n v é m q u e a s s i m s e f a ç a , p o r -
q u e é a b o m i n a ç ã o a o s e g í p c i o s o q u e h a v e m o s d e o f e r e c e r a o S e n h o r n o s s o D e u s . S a c r i f i c a n d o n ó s a a b o m i n a ç ã o d o s e g í p c i o s p e r a n t e o s s e u s o l h o s , n ã o
n o s a p e d r e j a r ã o e l e s ? H a v e m o s d e i r a c a m i n h o d e t r ê s d i a s a o d e s e r t o , p a r a q u e
o f e r e ç a m o s s a c r i f í c i o s a o S e n h o r n o s s o D e u s , c o m o e l e n o s o r d e n a r " ( E x 8 , 2 1 -2 3 ) .
9
"Sacri f icando nós a abominação dos egípcios perante os seus o-
lhos não nos apedrejarão eles?" Aí es tá o fundamento do antagonismo
entre ambos, da perseguição encetada pelos egípcios e da opressão s o-
fr ida pelos israel i tas : a fal ta de l iberdade de cul to t raduzida na impo s-
sibi l idade de oferecimento de sacri f íc ios . O centro gravi tacional do
cul to desde os Patr iarcas torna -se uma "a abominação aos olhos dos
egípcios". Essa foi a opressão real sofr ida pelos Israel i tas , e não a
servidão f ís ica. Ocorria ainda aqui um natural ciúme do Faraó, t ido e
havido entre eles como um deus ou o f i lho de um deus, bem co mo a
necessidade cul tural de se demonstrar qual dos deuses era mais pod e-
roso. Porém isso era desnecessário para o israel i ta , pois a sua fé já f o-
ra comprovadamente demonstrada por uma esperança al icerçada na paz
e na concórdia, e pela própria submissão há ta nto tempo provada. S a-
bia que Iahweh, o seu Deus, avisa de antemão a dureza da missão in i -
ciada e da vi tória f inal , deixando claro ser Ele o principal protagonis ta
da luta a ser t ravada. Não seria fáci l a l ibertação “. . . a não ser por uma
forte mão”, a mão de Deus, pela qual ela vir ia inexoravelmente. Ia h-
weh Deus anuncia e avisa que “ estenderei a minha mão , e fer i rei o E-
gi to com todos os meus prodígios”, e “depois vos deixará i r” . E, ve n-
ceria:
" E u s e i , p o r é m , q u e o r e i d o E g i t o n ã o v o s d e i x a r á i r , a n ão s e r p o r u ma fo r t e mão. P or t an to es t en d er e i a m in h a mão , e f e r i r e i o E g i t o c o m t o d o s o s m e u s p r o d í -
g i o s q u e f a r e i n o m e i o d e l e . D e p o i s v o s d e i x a r á i r . E e u d a r e i g r a ç a a e s t e p o v o
a o s o l h o s d o s e g í p c i o s ; e a c o n t e c e r á q u e , q u a n d o s a i r d e s , n ã o s a i r e i s d e m ã o s v a z i a s . P o r q u e c a d a m u l h e r p e d i r á à s u a v i z i n h a e à s u a h ó s p e d e j ó i a s d e p r a t a e
j ó i a s d e o u r o , b e m c o m o v e s t i d o s , o s q u a i s p o r e i s s o b r e v o s s o s f i l h o s e s o b r e
v o s s a s f i l h a s ; a s s i m d e s p o j a r e i s o s e g í p c i o s " ( E x 3 , 1 9 - 2 2 ) .
Esse f inal " . . . despojarão os egípcios" , a referência ao "exérc i to"
de Israel mais adiante (Ex 6,26; 7 ,4; 12,36.51), bem como, as ". . . jóias
de prata e jóias de ouro. . ." que servirão para a confecção do "B ezerro
de Ouro" (Ex 32,2 -4) , insinuam que se t ratava de uma "guerra santa",
pois não fora ass im não seriam despojos . Moisés res is te e apesar dos
s inais que Deus lhe oferece para lhes mostrar e da vara que lhe dá (Ex
4,17) não adquire coragem (Ex 4,1 -10) . É nessa ocasião que aparece
pela primeira vez na Bíbl ia a função de um profeta cujo s ignif icado é
por demais deturpados pela errônea versão de ser aquele que é capaz
de fazer vat icínios ou previsões dos acontecimentos futuros . Não é as-
s im, porém. A língua portuguesa tem uma palavra que pode auxi l iar a
compreender et imologicamente o s ignif icado d e "pro-feta". É a palavra
"pro-nome" que s ignif ica "no lugar do nome", is to é, a palavra que se
usa em lugar do nome de uma coisa, de uma pessoa: eu, ele, nós etc. .
Dentro dessa mesma estrutura "pro-feta" s ignif ica "o que fala ( ' feta '
em hebraico ) no lugar de outro".
Moisés t inha razão de f icar temeroso sent indo-se “pesado de bo-
ca e pesado de l íngua” por ter de convencer tanto os seus conterrâneos
que o haviam " traído" (Ex 11-15 / At 7,23-25), como a corte faraônica
donde saíra e que havia “ t raído". É natural que assim se s inta e prote s-
te , veementemente , e insis ta com Deus, res is t indo, e dessa at i tude
t ransparece o s ignif icado de "profeta" ao lhe ser af i rmado que seria
10
Deus para Aarão, em cuja boca Moisés poria as palavras para ele d i -
zer :
" E n t ã o d i s s e M o i s é s a o S e n h o r : A h , Ia h w e h ! E u n ã o s o u e l o q u e n t e , n u n c a o f u i , n e m d e p o i s q u e f a l a s t e a o t e u s e r v o ; p o r q u e s o u p e s a d o d e b o c a e p e s a d o d e l í n -
g u a . ( . . . ) E n t ã o s e a c e n d e u c o n t r a M o i s é s a i r a d o S e n h o r , e d i s s e e l e : N ã o é
A a r ã o , o l e v i t a , t eu i r m ã o ? E u s e i q u e e l e p o d e f a l a r b e m . ( . . . ) T u , p o i s , l h e f a -l a r á s , e p o r á s a s p a l a v r a s n a s u a b o c a ; e e u s e r e i c o m a t u a b o c a e c o m a d e l e , e
v o s e n s i n a r e i o q u e h a v e i s d e f a z e r . E e l e f a l a r á p o r t i a o p o v o ; a s s i m e s e r á a
t u a b o c a , e t u s e r á s p a r a e l e D e u s " ( E x 4 , 1 0 - 1 6 ) .
Fica mais claro ainda em outra narrat iva do mesmo fato:
E n t ã o d i s s e o S e n h o r a M o i s é s : E i s q u e t e t e n h o p o s t o c o m o D e u s a F a r a ó , e A a -
r ã o , t e u i r m ã o , s e r á o t e u p r o f e t a . T u f a l a r á s t u d o o q u e e u t e m a n d a r ; e A a r ã o ,
t e u i r m ã o , f a " l a r á a F a r a ó , q u e d e i x e i r o s f i l h o s d e I s r a e l d a s u a t e r r a " ( E x 7 , 1 -2 ) .
"E ele falará por t i ao povo; ass im ele será a tua boca, e tu serás
para ele Deus" (Ex 4,16) e "Aarão, teu i rmão, será o teu profeta. Tu
falarás tudo o que eu te mandar; e Aarão, teu i rmão, fal ará a Faraó (Ex
7,1-2) . Basta a lei tura dos t rechos acima t ranscri tos para se perceber
que "profeta é a boca de Deus" ou "aquele que f ala o que Deus coloca
na sua boca" e não aquele que faz vat icínios ou previsões de futuro .
Porém, como para Deus não há tempo , as palavras que coloca na boca
do profeta são sempre atuais e sempre se real izam, parecendo que foi
fei to um vat icínio. Mas, antes de t udo, é profeta porque fa la aqui lo, e
só aqui lo que Deus manda falar , só por isso. Daí porque Aarão era o
profeta de Moisés , faland o só o que lhe determinava e Moisés funci o-
nara como deus para ele colocando na sua boca o que deveria dizer .
Assim convencido e municiado com a "Vara de Deus" (Ex 4,17.20)
Moisés , parte de Madiã:
" T o m a r á s , p o i s , n a t u a m ã o e s t a v a r a , c o m q u e h á s d e f a z e r o s s i n a i s . ( . . . ) D i s s e
t a m b é m Ia h w e h a M o i s é s e m M a d i ã : V a i , v o l t a p a r a o E g i t o ; p o r q u e m o r r e r a m t o d o s o s q u e p r o c u r a v a m t i r a r - t e a v i d a . T o m o u , p o i s , M o i s é s s u a m u l h e r e s e u s
f i l h o s , e o s f e z m o n t a r n u m j u m e n t o e t o r n o u à t e r r a d o E g i t o ; e M o i s é s l e v o u a
v a r a d e D e u s n a s u a m ã o " ( E x 4 , 1 7 - 2 0 ) .
" . . . vol ta ( . . . ) porque morreram todos os que procuravam t i rar- te
a vida" - essa f rase servirá de modelo a outra que será di ta milênios
depois , cumprindo o que aqui se configurava – São José no Egi to com
o Menino Jesus, fugindo de Herodes ouvirá a mesma exortação (cfr .
Mt 2,20). Mateus a usará para mostrar com seu Evangelho, Jesus como
o Moisés prometido (Dt 18,15), já que São José, parafraseando, "t o-
mou, pois , . . . sua mulher e seu f i lho, e os fez montar num jumento e re-
tornou a terra. . . " (cf r . Mt 2,21).
Moisés parte. No caminho acontece algo misterioso, daqueles
mistérios da Escri tura que dependem de um conhecimento da cul tura
do tempo, e que se perdeu. É o episódio da ci rcuncisão do f i lho de
Moisés por sua mulher Séfora cujo desate é incompreensível (Ex 4,24 -
26), parecendo que , por não ter s ido ainda ci rcuncidado Gérson, seu
f i lho, Deus ameaçou t i rar - lhe a vida. Tudo indica, porém que o casal
se separa por causa da missão de Moisés e o r i tual prat icado é suger i -
do como um compromisso de f idel idade entre ambos , selado com o
sangue do prepúcio do próprio f i lho. Só assim se just i f icam as pal a-
11
vras então di tas de que " tu és para mim um esposo de sangue ", uma
vez que seria "devolvida pelo sogro com seus dois f i lhos " , Gérson e
El iezer , tempos depois (Ex 18,2 -5) . A sua importância r i tual para a
missão de Moisés f icou destacada por sua inclusão nesse ponto da na r-
rat iva, "no caminho" (Ex 4,24) e antes de iniciá - la . É t recho de inte r-
pretação dif íci l , prevalecendo o cri tér io da ci rcuncisão do f i lho como
indispensável perante Deus e da garant ia pelo sangue de f idel idade
mútua e do reencontro, em vir tude da separação temporária de Moisés
da sua famíl ia .
2.3. - MOISÉS E A LIBERTAÇÃO DO POVO DE ISRAEL
O marco inicial da missão l iber tadora de Moisés é o de seu en-
contro com Aarão, que o procurava também a mando de Deus . Recebe-
ram a missão e então, juntos , procuraram e falaram aos anciãos e ao
povo manifestando-lhes os s inais :
" D i s s e o S e n h o r a A a r ã o : V a i a o d e s e r t o , a o e n c o n t r o d e M o i s é s . E e l e f o i e , e n -c o n t r a n d o - o n o m o n t e d e D e u s , o b e i j o u . E r e l a t o u M o i s é s a A a r ã o t o d a s a s p a -
l a v r a s c o m q u e Ia h w e h o e n v i a r a e t o d o s o s s i n a i s q u e l h e m a n d a r a . E n t ã o f o r a m
M o i s é s e A a r ã o e a j u n t a r a m t o d o s o s a n c i ã o s d o s f i l h o s d e I s r a e l ; e A a r ã o f a l o u t o d a s a s p a l a v r a s q u e Ia h w e h h a v i a d i t o a M o i s é s e f e z o s s i n a i s p e r a n t e o s o -
l h o s d o p o v o . E o p o v o c r e u ; e q u a n d o o u v i r a m q u e Ia h w e h h a v i a v i s i t a d o o s f i -
l h o s d e I s r a e l e q u e t i n h a v i s t o a s u a a f l i ç ã o , i n c l i n a r a m - s e e a d o r a r a m " ( E x 4 , 2 7 - 3 1 ) .
Em seguida , deveriam ambos i r ao Faraó em nome de Iahweh,
Deus desconhecido e não acei to por ele que era considerado um deus
no Egi to e por isso estava enciumado. Também, e por es se mesmo mo-
t ivo não deixou sair o Povo para "oferecer -Lhe sacri f ícios" ou "cel e-
brar-Lhe uma festa no deserto" pois “não conheço Iahweh, nem ta m-
pouco deixarei i r Isr ael” (Ex 5,1.3):
" D e p o i s f o r a m M o i s é s e A a r ã o e d i s s e r a m a o F a r a ó : A s s i m d i z Ia h w e h , o D e u s
d e I s r a e l : D e i x a i r o m e u p o v o , p a r a q u e m e c e l e b r e u m a f e s t a n o d e s e r t o . M a s F a r a ó r e s p o n d e u : Q u e m é I a h w e h , p a r a q u e e u o u ç a a s u a v o z p a r a d e i x a r i r I s -
r a e l ? N ã o c o n h e ç o Ia h w e h , n e m t a m p o u c o d e i x a r e i i r I s r a e l " ( E x 5 , 1 - 2 ) .
"Não conheço Iahweh, nem tampouco deixarei i r Israe l" (Ex
5,2) . O Faraó, desconhecendo o Deus denominado Iahweh , não se cur-
vou. Ao contrário, vendo Seu Nome a r ra igado no coração daquele povo
e também a predi leção general izada por Ele, enciumado, "endureceu -
se-lhe" orgulhosamente o seu "coração" (Ex 3,19; 4 ,21; 7 ,3.13.22;
8 ,11.15; 9 ,7 .12.34s; 10,1.20.27; 11,10; 14,4.8.17) . Deus não "endurece
o coração" de ninguém a não ser como efei to do próprio orgulho d a-
quele de quem é endurecido, opondo -se ou virando-se cont ra Ele (Ex
3,19), ou não O acei tando nos s inais de Sua manifestação. Por isso , a
expressão "endurecer o coração" te m por autor , ora o próprio Deus (Ex
4,21; 7 ,3; 9 ,12; 10,1.20.27; 11,10; 14,4.8.17), ora o próprio coração
(Ex 7,13.22; 8 ,15; 9,7.35), ora o Faraó (Ex 8,11.28; 9 ,34), como Mo i-
sés fora aler tado pelo próprio Iahweh (Ex 3,19). Considerado um deus
e para combater e sabotar a f inal idade do pedido, “ para sacri f icar a I-
ahweh”, o Faraó dá ordens a seus capatazes para mais ainda oprim i rem
12
os israel i tas (Ex 5,6 -19). Causou isso revol ta dos Is rael i tas contra
Moisés e Aarão , fazendo com que Iahweh fosse invocado (Ex 5,2 0-23)
e novamente se referisse ao modo como seria vencida aquela obst in a-
ção:
" E n t ã o d i s s e Ia h w e h a M o i s é s : A g o r a v e r á s o q u e h e i d e f a z e r a F a r a ó ; p o i s p o r u m a p o d e r o s a m ã o o s d e i x a r á i r , e p o r u m a p o d e r o s a m ã o o s e x p u l s a r á d e s u a
t e r r a " ( E x 6 , 1 ) .
Neste ponto , há uma segunda narrat iva da vocação de Moisés e
da sua genealogia, bem como uma expl icação do nome de Deus, que
será objeto de anál i se posterior . Anteriormente conhecido pelos Patr i -
arcas como El -Shaddai , agora recebe por intermédio de Moisés o nome
de Iahweh (Ex 6,2 -3) , e com esse nome rat i f ica a Aliança, toda a obra
decorrente e a confi rma:
" A d e m a i s , t e n h o o u v i d o o g e m e r d o s f i l h o s d e I s r a e l , q u e o s e g í p c i o s e s c r a v i -z a m ; e l e m b r e i - m e d a m i n h a A l i a n ç a . P o r t a n t o d i z e a o s f i l h o s d e I s r a e l : E u s o u
I a h w e h ; e u v o s t i r a r e i d e d e b a i x o d a s c a r g a s d o s e g í p c i o s , l i v r a r - v o s - e i d a s u a
s e r v i d ã o , e v o s r e s g a t a r e i c o m b r a ç o e s t e n d i d o e c o m g r a n d e s j u í z o s . T o m a r -v o s - e i p o r m e u p o v o e s e r e i v o s s o D e u s ; e v ó s s a b e r e i s q u e e u s o u Ia h w e h v o s s o
D e u s , q u e v o s t i r o d e d e b a i x o d a s c a r g a s d o s e g í p c i o s . In t r o d u z i r - v o s - e i n a t e r -
r a q u e j u r e i d a r a A b r a ã o , a I s a a c e a J a c ó ; e v o - l a d a r e i p o r h e r a n ç a . E u s o u I a h w e h " ( E x 6 , 5 - 8 ) .
"Tomar-vos-ei por meu povo e serei vosso Deus; e vós sabereis
que eu sou Iahweh vosso Deus" - Deus rat i f ica a formação de Seu P o-
vo e confi rma toda a esperança que al imentaram de serem "introduz i-
dos na terra que jurei dar a Abraão, a Isaac e a Jacó; e vo -la darei por
herança. Eu sou Iahweh", condição que i rá impregnar a Obra da R e-
denção:
" M a s F a r a ó n ã o v o s o u v i r á ; e e u p o r e i m i n h a m ã o ( “ p o d e r o s a ” ) s o b r e o E g i t o , e
t i r a r e i o s m e u s e x é r c i t o s , o m e u p o v o , o s f i l h o s d e I s r a e l d a t e r r a d o E g i t o , c o m g r a n d e s j u í z o s . E o s e g í p c i o s s a b e r ã o q u e e u s o u Ia h w e h , q u a n d o e s t e n d e r a m i -
n h a m ã o s o b r e o E g i t o , e t i r a r o s f i l h o s d e I s r a e l d o m e i o d e l e s " ( E x 7 , 4 - 5 ) .
"E os egípcios saberão que eu sou Iahweh. . ." , essa a f inal idade
de todos os ". . . grandes juízos" ou prodígios que faria: convencê -los
de que Iahweh é o verdadei ro Deus. Iahweh quer não só l ibertar e co n-
vencer os i srael i tas (Ex 4,30 -31 / Ex 10,2) , mas, também, levar os e-
gípcios a se converterem (Sb 11,15s.23) , em vir tude do poder que d e-
monstrava com os seus prodígios ". . . para que saibais que não há ni n-
guém como Iahweh . . ." (Ex 8,6; 9 ,14). Então, os Israel i tas (Ex 10 ,2) e
os Egípcios foram alvos da mesma demonstração, uma vez que ". . .
Deus não faz acepção de pessoas . . . " (Dt 10,17; At . 10,34; Rm 2,11).
Assim como adoravam vários répteis , c rocodi los , serpentes , lagartos ,
rãs , até o escaravelho, Deus lhes demonstra o seu grande poder “. . .
enviando- lhes uma mult idão de animais i rracionais . . .” com isso mo s-
t rando o domínio sobre eles , para “. . . levá - los a ver claro e reconh ecê-
LO como verdadeiro Deus . . .” (Sb 11,15; 12,23 -27). Os primeiros pro-
dígios foram repet idos pelos mago s do Egi to (Ex 7,11.22; 8 ,3) mas de
certo ponto em diante não mais o conseguem (Ex 8,14; 10,11) e até
mesmo admitem:
" . . . E n t ã o d i s s e r a m o s m a g o s a F a r a ó : I s t o é o d e d o d e ( u m ) D e u s . . . ” ( E x 8 , 1 5 ) .
13
Reconheceram assim a presença de Iahweh enquanto o Faraó
mais se obst inava. Porém , a part i r desse reconhecimento dos magos ,
ele vai se enfraquecendo principalmente quando Iahweh lhe mostra ". . .
que dis t ingue entre o meu povo e o teu povo " (Ex 8,19), excluindo dos
efei tos dos prodígios o Povo dos Fi lhos de Israe l (Ex 8,18-20). Se an-
tes até mais oprimia os israel i tas agora muda de at i tude e passa a qu e-
rer permit i r os sacri f ícios , porém mantendo -os sob controle e observa-
ção. Temia que fugissem, "deixassem de servi - los" (Ex 14,5) e , log i-
camente, não lhe agradava ver animais que adorava se tornarem ví t i -
mas em oferenda a Iahweh . Moisés insis te em se afastar por um e spaço
de t rês dias , lembrando -lhe do antagonismo entre as duas formas de
cul to sacri f ical , pelo que corr iam o r isco de serem punidos pelos egíp-
cios . Prosseguem os prodígios cada vez mais sérios e gr aves, fazendo
com que o Faraó fosse se enfraquecen do; mas, ao s inal de que os israe-
l i tas deixariam o país novamente endurec e o coração e vo l ta at rás , até
que os seus próprios servos o advert i ram, levando -o a tentar audaciosa
al ternat iva, porém sem nada conseguir :
" E n t ã o c h a m o u F a r a ó a M o i s é s e a A a r ã o , e d i s s e : I d e , e o f e r e c e i s a c r i f í c i o s a o v o s s o D e u s n e s t a t e r r a . R e s p o n d e u M o i s é s : N ã o c o n v é m q u e a s s i m s e f a ç a , p o r -
q u e é a b o m i n a ç ã o a o s e g í p c i o s o q u e h a v e m o s d e o f e r e c e r a Ia h w e h n o s s o D e u s .
S a c r i f i c a n d o n ó s a a b o m i n a ç ã o d o s e g í p c i o s p e r a n t e o s s e u s o l h o s , n ã o n o s a p e -d r e j a r ã o e l e s ? H a v e m o s d e i r a c a m i n h o d e t r ê s d i a s a o d e s e r t o , p a r a q u e o f e r e -
ç a m o s s a c r i f í c i o s a Ia h w e h n o s s o D e u s , c o m o e l e n o s o r d e n o u . E n t ã o d i s s e F a -
r a ó : E u v o s d e i x a r e i i r , p a r a q u e o f e r e ç a i s s a c r i f í c i o s a Ia h w e h v o s s o D e u s n o d e s e r t o ; s o m e n t e n ã o i r e i s m u i t o l o n g e ; e o r a i p o r m i m " ( E x 8 , 2 1 - 2 4 ) .
" . . . e orai por mim" - essa frase do Faraó, em conjunto com as
várias manei ras de se referi r ao "endurec imento de seu coração", ch a-
ma a atenção e requer um exame p ela incoerência ass im tão clara. A-
inda mais quando se percebe que não exis te uma só referência a um só
dos deuses do Egi to , tão combat idos, mesmo quando da praga das rãs ,
tendo no seu panteão uma "deusa - rã". Nesta luta de Iahweh co ntra os
deuses , o nome deles não é mencionado sabendo -se do zelo israel i ta a
esse respei to , não os mencionando nem mesmo pronunciando -lhes o
nome (Ex 23,13). Mas a presença dos magos mostra que estavam se m-
pre influenciando o Faraó mesmo quando ele começava a ceder. Trans-
parece séria dif iculdade por que passavam o Faraó, os magos, os ofic i -
ais ou servos (Ex 8,4.14.15.24; 9 ,11.20.30; 10,7.11.16.20.24.27 etc. )
debatendo-se entre a crença em seus deuses e em Iahweh, o Deus do
Povo dos Fi lhos de Israel , comprovadamente mais poderoso pelas o-
bras que real izava. E as concessões que f izeram não passaram de te n-
tat ivas para impedi r a saída do Egi to , já convencidos da sua superior i -
dade na fé. Em uma das úl t imas oportunidades, após uma manifestação
de medo e desespero (Ex 10,7) , buscaram até mesmo que oferecessem
o sacri f ício sem a imolação de animais , alguns sagrados para eles ,
quando o Faraó ten ta ainda uma forma de conseguir que não saíssem
do país , pretendendo que somente os homens f ossem ao sacri f ício (Ex
10,7-11). Finalmente, Iahweh, de uma vez por todas, põe f im à luta:
" D i s s e I a h w e h a M o i s é s : A i n d a m a i s u m a p r a g a t r a r e i s o b r e F a r a ó , e s o b r e o E -g i t o ; d e p o i s e l e v o s d e i x a r á i r d a q u i ; e , d e i x a n d o v o s i r a t o d o s , c o m e f e i t o v o s
e x p u l s a r á d a q u i . ( . . . ) À m e i a - n o i t e e u s a i r e i p e l o m e i o d o E g i t o ; e t o d o s o s
14
p r i m o g ê n i t o s n a t e r r a d o E g i t o m o r r e r ã o , d e s d e o p r i m o g ê n i t o d o F a r a ó , q u e s e a s s e n t a s o b r e o s e u t r o n o , a t é o p r i m o g ê n i t o d a s e r v a q u e e s t á d e t r á s d a m ó , e
t o d o s o s p r i m o g ê n i t o s d o s a n i m a i s . P e l o q u e h a v e r á g r a n d e c l a m o r e m t o d a a
t e r r a d o E g i t o , c o m o n u n c a h o u v e n e m h a v e r á j a m a i s . M a s c o n t r a o s f i l h o s d e I s r a e l d e s d e o s h o m e n s a t é o s a n i m a i s n e m m e s m o u m c ã o g a n i r á , p a r a q u e s a i -
b a i s q u e o S e n h o r f a z d i s t i n ç ã o e n t r e o s e g í p c i o s e o s f i l h o s d e I s r a e l " ( E x
1 1 , 1 - 7 ) .
" . . . todos os primogêni tos na terra do Egi to morrerão, desde o
primogêni to de Faraó, que se assenta sobre o seu t rono, até o primog ê-
ni to da serva que es tá detrás da mó, e todos os primogêni tos dos an i-
mais" . . . - "todos os primogêni tos dos egípcios morrerão" - Por que os
primogêni tos? O resul tado seria menos assustador se fossem mortos
outros f i lhos que não os primogêni tos? Se Deus houvera anunciado a
morte da total idade de uma determinada criatura ou de outra espécie
só e em todo o Egi to seria também ater rador o acontecimento , não im-
portando qual . E o resul tado seria o mesmo tal como previs to, até
mesmo com a mesma obst inação seguida ao reconhec imento, condição
já se tornando por demais presente , mas agora com uma esperança de
solução derradeira e defini t iva:
" D i s s e o S e n h o r a M o i s é s : A i n d a m a i s u m a p r a g a t r a r e i s o b r e F a r a ó , e s o b r e o E g i t o ; d e p o i s e l e v o s d e i x a r á i r d a q u i ; e , d e i x a n d o v o s i r a t o d o s , c o m e f e i t o
v o s e x p u l s a r á d a q u i ( . . . ) E n t ã o t o d o s e s t e s t e u s s e r v o s d e s c e r ã o a m i m , e s e i n -
c l i n a r ã o d i a n t e d e m i m , d i z e n d o : S a i t u , e t o d o o p o v o q u e t e s e g u e a s p i s a d a s . D e p o i s d i s s o e u s a i r e i . E M o i s é s s a i u d a p r e s e n ç a d e F a r a ó a r d e n d o e m i r a . P o i s
I a h w e h d i s s e r a a M o i s é s : F a r a ó n ã o v o s o u v i r á , p a r a q u e o s m e u s p r o d í g i o s s e
m u l t i p l i q u e m n a t e r r a d o E g i t o . E M o i s é s e A a r ã o f i z e r a m t o d o s e s t e s p r o d í g i o s d i a n t e d e F a r a ó ; m a s Ia h w e h e n d u r e c e u o c o r a ç ã o d e F a r a ó , q u e n ã o d e i x o u i r d a
s u a t e r r a o s f i l h o s d e I s r a e l " ( E x 1 1 , 1 . 8 - 1 0 ) .
Não se submeteu o Faraó apesar da ameaça da el iminação dos
primogêni tos , já anunciada e previs ta por Iahweh, bem antes de inici a-
da a missão de Moisés . As palavras seguintes ter iam sido d i tas no in í -
cio do ministér io de Moisés , quando ainda estava no exí l io em Madiã,
e já lhe resumira tudo o que aconteceria e at é mesmo prat icamente já
lhe anunciara a úl t ima praga: a morte dos primogêni tos :
" D i s s e a i n d a Ia h w e h a M o i s é s : Q u a n d o v o l t a r e s a o E g i t o , v ê q u e f a ç a s d i a n t e d e F a r a ó t o d o s o s p r o d í g i o s q u e t e n h o p o s t o n a t u a m ã o ; m a s e u e n d u r e c e r e i o s e u
c o r a ç ã o , e e l e n ã o d e i x a r á i r o p o v o . E n t ã o d i r á s a o F a r a ó : A s s i m d i z Ia h w e h : I s r a e l é m e u f i l h o , m e u p r i m o g ê n i t o ; e e u t e t en h o d i t o : D e i x a p a r t i r m eu f i l h o
p a r a q u e m e s i r v a ; m a s t u r e c u s a s t e a d e i x á - l o i r ; e i s q u e e u m a t a r e i o t e u f i l h o ,
o t e u p r i m o g ê n i t o " ( E x 4 , 2 1 - 2 3 ) .
Ora, Deus não comunica nada à toa nem sem sent ido ou que não
seja compreendido pelo seu elei to , que sempre pede esclarecimentos
quando não O entende. Então Moisés compreendeu o que Deus quisera
dizer com a el iminação dos primogêni tos . O que já se viu a r espei to
dessa inst i tuição é que o primogêni to se dest inava à chefia da t r ibo ou
clã. Mas, não é só a isso que se dest ina, pois entre os egípcios i sso se
apl icaria exclusivamente ao f i lho do Faraó, sucessor do t rono. Mas f o-
ram incluídos "todos os primogêni t os na terra do Egi to. . . , desde o pr i -
mogêni to de Faraó, que se assenta sobre o seu t rono, até o primogêni to
da serva que está detrás da mó, e todos os primog êni tos dos animais",
numa ampla genera l ização. Alguma outra qual idade exis te que tanto
valorizava essa inst i tuição principalmente fazendo coincidir com a
15
Inst i tuição da Páscoa uma el iminação em massa dos primogêni tos de
todo o Egi to, tanto de homens como de animais , e ainda com essa
mesma denominação qual i f icar Is rael :
" . . . A s s i m d i z o S e n h o r : I s r a e l é m e u f i l h o , m e u p r i m o g ê n i t o . . . " ( E x 4 , 2 2 )
Mesmo que alguns se insurjam contra as pragas do Egi to julga n-
do-as mais fruto da lenda popular ou do nacional ismo extremado isra e-
l i ta , bem como, de fatos naturais que ocorrem normalmente na região,
muitos elementos comprovam a ocorrência de algo extraordinário, l e-
vando os israel i tas à l ibertação. De imediato destacam -se dois fatos
sobremaneira es t ranhos: a acei tação do nome Iahweh como o nome de
Deus pelos Is rael i tas e a acei tação de Moisés como l íder , apesar da t á-
ci ta recusa inicial de sua l iderança pela exclusão da t r ibo de Levi , da
Primogeni tura:
" A e s t e M o i s é s q u e e l e s h a v i a m r e p e l i d o , d i z e n d o : Q u e m t e c o n s t i t u i u s en h o r e
j u i z ? a e s t e e n v i o u D e u s c o m o s e n h o r e l i b e r t a d o r , p e l a m ã o d o a n j o q u e l h e a -
p a r e c e r a n a s a r ç a . F o i e s t e q u e o s c o n d u z i u p a r a f o r a , f a z e n d o p r o d í g i o s e s i -n a i s n a t e r r a d o E g i t o , e n o M a r V e r m e l h o , e n o d e s e r t o p o r q u a r e n t a a n o s " ( A t
7 , 3 5 - 3 6 ) .
"Foi es te que os conduziu para fora, fazendo prodígios e s inais
na terra do Egi to. . ." - mesmo que fossem fenômenos naturais a oco r-
rência súbi ta e o seu término , em momentos determinados por Moisés
mostram uma causa mais s ignif icat iva que a s imples coinc idência com
acontecimentos da natureza. Era Iahweh que comand ava os fenômenos ,
tornando-os seus inst rumen tos pelo que se impôs como Deus ao Faraó,
que pouco a pouco, não O reconhecendo de início (Ex 5,2) e respo n-
dendo com um agravamento da opressão (Ex 5,6 -19), vai reconhecê-lo ,
ao f inal , com um pedido de oração e de bênção (Ex 8,24 / 12,32).
Também aos própr ios israel i tas que inicialmente não acei taram Moisés
e terminaram por se lhe submeter , acatando todas as suas inst ruçõe s e
l iderança desde o cat iveiro até a l ibertação. Por isso é dis pensável
discut i r quanto à ocorrência ou não dos fenômenos, pois um só é o fato
his tórico ocorrido "milagrosamente" - a Libertação Incondicional do
Povo dos Fi lhos de Isr ael .
2.4. - A INSTITUIÇÃO DA PÁSCOA
Exis te um grande mal entendido que é preciso desde já esc lar e-
cer para se compreender bem a Páscoa em seus fundamentos, s i gnif i -
cado e objet ivo. Principalmente, para nós catól icos , por causa da E u-
caris t ia a Ela indestacavelmente unida. Pelo fato de se supor, e São J e-
rônimo t raduzir (Ex 12,11), que o s igni f icado original da p alavra seria
passagem, passou -se a se entender e definir a Páscoa exclusivamente
como "passagem". Mas, uma pequena frase de São Paulo deixa claro
que se denomina de "Páscoa" ao cordeiro que é imolado na cerim ônia:
" . . . C r i s t o , n o s s a p á s c o a , j á f o i i m o l a d o " ( 1 C o r 5 , 7 ) .
16
Também, os Apóstolos e Jesus, quando se referem à preparação
da Páscoa, usam a expressão "comer a páscoa" (Mt 26,17; Mc 14,12;
Lc 22,8) e , como ninguém come "passagem", a Páscoa é o Cordeiro.
Tudo indica que a confusão começa quando se t raduz da Vulgata de S.
Jerônimo:
" A s s i m , p o i s o c o m e r e i s : O s v o s s o s l o m b o s c i n g i d o s , o s v o s s o s s a p a t o s n o s p é s , e o v o s s o c a j a d o n a m ã o ; e o c o m e r e i s a p r e s s a d a m e n t e ; E s t a é a P á s c o a ( I s t o é
' P a s s a g e m ' ) d e Ia h w e h " ( E x 1 2 , 1 1 ) .
A inclusão do parêntesis "( is to é 'passagem')", na t radução fei ta
por S. Jerônimo, após a palavra "páscoa" e no vers ículo t ranscri to , l e-
vou a se confundir a solenidade com o s ignif icado da palavra que i n-
forma. Não fosse suficiente o que informam os Evangel is tas e a frase
de São Paulo, que acima se t ranscreveu , o próprio texto esclarece em
vários lugares:
" M a s s e a f a m í l i a f o r p e q u e n a d e m a i s p a r a u m c o r d e i r o , ( . . . ) n a p r o p o r ç ã o d o q u e c a d a u m p o s s a c o m e r . . . " ( E x 1 2 , 4 ) .
" T o m a r ã o d o s a n g u e ( . . . ) n a s c a s a s e m q u e o c o m e r e m . E n a q u e l a n o i t e c o m e -r ã o . . . N ã o c o m e r e i s d e l e c r u . . . ( . . . ) A s s i m , p o i s o c o m e r e i s : O s v o s s o s l o m b o s
c i n g i d o s , a s v o s s a s s a n d á l i a s n o s p é s , e o v o s s o c a j a d o n a m ã o ; e o c o m e r e i s a -
p r e s s a d a m e n t e ; e s t a é a p á s c o a ( . . . ) d e Ia h w e h " ( E x 1 2 , 7 - 1 1 ) .
" D i s s e m a i s Ia h w e h a M o i s é s e a A a r ã o : e s t a é a o r d e n a n ç a d a p á s c o a ; n e n h u m ,
e s t r a n g e i r o c o m e r á d e l a ; m a s t o d o e s c r a v o c o m p r a d o p o r d i n h e i r o , d e p o i s q u e o h o u v e r e s c i r c u n c i d a d o , c o m e r á d e l a . o f o r a s t e i r o e o a s s a l a r i a d o n ã o c o m e r ã o
d e l a . N u m a s ó c a s a s e c o m e r á o c o r d e i r o ( . . . ) n e n h u m i n c i r c u n c i s o c o m e r á d e l a "
( E x 1 2 , 4 3 - 4 8 ) .
Por outro lado, já se tornou clássica a expressão Cordeiro Pas-
cal , por ser "ele, a Páscoa, o cordeiro que se imola e se come", e não
se pode confundir a ví t ima com a cerimônia comemorat iva. Ela, em si
mesmo considerada, é o sacri f ício especial da comunidade de todo o
Povo de Israel , celebrado num mesmo momento, em comemoração ao
fato de que Deus o protege enquanto fere de morte os primogêni tos do
Egi to. Causa com isso, além de profundo sent imento de un idade, o de
nacional idade iniciando -se, e a l ibertação deles , em cum primento à A-
l iança de Abraão, Isaac e Jacó (Ex 6,7 -8) . Há, entre a Páscoa e a Al i -
ança es t rei ta e indissolúvel vinculação:
" E n t ã o D e u s , o u v i n d o - l h e s o s g e m i d o s , l e m b r o u - s e d e s u a A l i a n ç a c o m A b r a ã o ,
c o m Is a a c e c o m J a c ó " ( E x 2 , 2 4 ) .
" E q u a n d o v o s s o s f i l h o s v o s p e r g u n t a r e m : Q u e q u e r e i s d i z e r c o m e s t e c u l t o ?
R e s p o n d e r e i s : E s t e é o S a c r i f í c i o d a P á s c o a d e Ia h w e h , q u e p a s s o u a s c a s a s d o s f i l h o s d e I s r a e l n o E g i t o , q u a n d o f e r i u o s e g í p c i o s , e l i v r o u a s n o s s a s c a s a s "
( E x 1 2 , 2 6 - 2 7 ) .
"Este é o Sacri f ício . . ." Primeiramente, quando se fala em Sacri -
f ício se fala em ví t ima imolada . A idéia de sacri f ício escapa ao h omem
atual , cul turalmente desl igado de seu uso e de sua f inal idade. Pa ra o
Is rael i ta , porém, t inha um sent ido rel igioso muito profundo e e ssencial
à sua fé, como informa S. Paulo:
" V e d e I s r a e l s e g u n d o a c a r n e : o s q u e c o m e m d o s s a c r i f í c i o s n ã o e s t ã o e m c o m u -n h ã o c o m o a l t a r ? " ( 1 C o r 1 0 , 1 8 ) .
17
É a indispensável "Comunhão com Deus", con sumada na sant i f i -
cação da oferenda do sacri f ício ("sacri + f icar" = "f icar sa grado") . O
próprio Jesus vai se referi r a ele em várias oportunidades, rat i f icando
o seu valor e não o excluindo, nem condenando seu uso, mas reforça n-
do sua ef icácia como meio de sant i f icação:
" C e g o s ! P o i s q u a l é m a i o r : a o f e r e n d a , o u o a l t a r q u e s a n t i f i c a a o f e r e n d a ? " ( M t 2 3 , 1 9 ) / " P o r t a n t o , s e e s t i v e r e s a p r e s e n t a n d o a t u a o f e r e n d a n o a l t a r , e a í t e
l e m b r a r e s d e q u e t e u i r m ã o t e m a l g u m a c o i s a c o n t r a t i , d e i x a a l i d i a n t e d o a l t a r
a t u a o f e r e n d a , e v a i r e c o n c i l i a - t e p r i m e i r o c o m t e u i r m ã o , e d e p o i s v e m a p r e -s e n t a r a t u a o f e r e n d a " ( M t 5 , 2 3 - 2 4 ) .
A Páscoa, portanto é um sacri f ício e como tal dest inada à com u-
nhão e sant i f icação, não apenas individual , mas de toda a com unidade
nacional israel i ta , pela imolação conjunta e concomitante, em t odas as
famíl ias de todo o Povo de Israel :
" O r a , Ia h w e h f a l o u a M o i s é s e a A a r ã o n a t e r r a d o E g i t o : E s t e m ê s s e r á p a r a v ó s
o p r i n c í p i o d o s m e s e s ; s e r á o p r i m e i r o d o s m e s e s d o a n o . F a l e a t o d a c o n g r e g a -ç ã o d e I s r a e l , d i z e n d o : A o d é c i m o d i a d e s t e m ê s t o m a r á c a d a u m p a r a s i u m c o r -
d e i r o p o r f a m í l i a , u m c o r d e i r o p a r a c a d a c a s a . M a s s e a f a m í l i a f o r p e q u e n a d e -
m a i s p a r a u m c o r d e i r o , t o m a - l o - á j u n t a m e n t e c o m o v i z i n h o m a i s p r ó x i m o d e s u a c a s a , c o n f o r m e o n ú m e r o d e p e s s o a s ; n a p r o p o r ç ã o d o q u e c a d a u m p u d e r c o m e r .
O c o r d e i r o s e r á s e m d e f e i t o , m a c h o e d e u m a n o , o q u a l e s c o l h e r e i s e n t r e a s o -
v e l h a s o u e n t r e o s c a b r i t o s , e o g u a r d a r e i s a t é o d é c i m o q u a r t o d i a d e s t e m ê s ; e t o d a a a s s e m b l é i a d a c o n g r e g a ç ã o d e I s r a e l o m a t a r á à t a r d i n h a . T o m a r ã o d o
s a n g u e , e p ô - l o - ã o e m a m b o s o s u m b r a i s e n a v e r g a d a p o r t a , n a s c a s a s e m q u e o
c o m e r e m . E n a q u e l a n o i t e c o m e r ã o a c a r n e a s s a d a a o f o g o , c o m p ã e s á z i m o s ; c o m e r v a s a m a r g a s a c o m e r ã o . N ã o c o m e r e i s d e l e n a d a c r u , n e m c o z i d o e m á g u a ,
m a s a s s a d o a o f o g o ; a s u a c a b e ç a c o m a s s u a s p e r n a s e c o m a s u a f r e s s u r a . N a d a
d e l e d e i x a r e i s a t é p e l a m a n h ã ; m a s o q u e d e l e f i c a r a t é p e l a m a n h ã , q u e i m a - l o -e i s n o f o g o . A s s i m , p o i s o c o m e r e i s : O s l o m b o s c i n g i d o s , a s s a n d á l i a s n o s p é s ,
e o c a j a d o n a m ã o ; e o c o m e r e i s à s p r e s s a s : e s t a é a p á s c o a p a r a Ia h w e h . P o r q u e
n a q u e l a n o i t e p a s s a r e i p e l a t e r r a d o E g i t o , e f e r i r e i t o d o s o s p r i m o g ê n i t o s n a t e r r a d o E g i t o , t a n t o d o s h o m e n s c o m o d o s a n i m a i s ; e f a r e i j u s t i ç a s o b r e t o d o s
o s d e u s e s d o E g i t o ; e u Ia h w e h . M a s o s a n g u e v o s s e r á p o r s i n a l n a s c a s a s e m
q u e e s t i v e r d e s ; v e n d o e u o s a n g u e , p a s s a r e i a d i a n t e , e n ã o h a v e r á e n t r e v ó s p r a -g a p a r a v o s d e s t r u i r , q u a n d o e u f e r i r a t e r r a d o E g i t o . E e s t e d i a v o s s e r á u m
m e m o r i a l , e c e l e b r a - l o - e i s c o m o u m a f e s t a p a r a Ia h w e h ; a t r a v é s d a s v o s s a s g e -
r a ç õ e s o c e l e b r a r e i s p o r e s t a t u t o p e r p é t u o " ( E x 1 2 , 1 - 1 4 ) .
Com a sua inst i tuição introduziu -se uma modificação no cale n-
dário, começando-se o ano no dia daquela comemoração in icial , s is t e-
ma ainda em uso entre os Is rael i tas . Devia ser imolado um cordeiro
por famíl ia , r i tual que será modificado posteriormente (Dt 16,1-8 / 2
Cro 30,1-13; 35,10-14). Se pequena, a famíl ia unia -se à viz inha, sem-
pre se computando o que iam comer, evi tando -se a sobra, já que era
uma ví t ima sagrada, e se houvesse dever ia ser queimada tota lmente p a-
ra não ser profanada. O cordeiro devia ser macho, sem defei to e de um
ano, podendo ser um cordeiro ou um cabri to , não se podendo quebrar -
lhe osso algum (Ex 12,46 / Jo 19,33-36 / Sl 34 (33),21 ). Toda a comu-
nidade israel i ta o imola ao crepúsculo e com o sangue que fora rec o-
lhido em uma bacia (Ex 12, 22) ungir -se- iam os marcos e a t ravessa da
porta onde o comiam. Desde Noé o sangue tem um sent ido vinculado à
vida e não é comido, mas derramado na terra, em torno do a l tar :
" A c a r n e , p o r é m , c o m s u a v i d a , i s t o é , c o m s e u s a n g u e , n ã o c o m e r e i s " ( G n 9 , 4 ) .
Comeriam-no numa mesma noi te com pães áz imos por causa da
saída às pressas , não dispondo de tempo para levedar a massa, com e r-
18
vas amargas para se lembrar do amargor da vida no Egi to e assado ao
fogo evi tando-se com isso a ingestão de carne crua e de sangue. Seria
comido ". . . às pressas . . . c ingidos os r ins , sandál ia nos pés e bo rdão na
mão. . ." , paramentos que sempre lhes lembrarão da l ibertação do Egi to,
preparados assim para caminhar em terreno de dif íci l locomoção . Ne-
cessi tavam para isso de se levantar a tú nica e amarrá -la à al tura dos
r ins , a f im de não se prender no chão i r regular , de calçar sandál ias p a-
ra a proteção dos pés e do cajado, para auxi l iar os passos que dariam a
caminho da l iberdade e pelo longo t rajeto bem acidentado que os esp e-
rava.
Jesus , quando enviar seus discípulos em missão (Mt 10), dar -
lhes-á inst ruções baseadas nesse episódio mostrando a repet ição da
conquis ta e ident i f icando -as com as suas diferenças, dispensando os
discípulos dos objetos do despojo que se fez dos egípcios de objetos
de ouro, prata tais como os adornos, brincos etc. , das provisões para a
viagem, túnica e al forje, cajado, sandál ias nos pés . . . Por sua vez , ta m-
bém, insinua uma ident idade com a Páscoa dos Israel i tas , pelas me s-
mas palavras que usa, ref let indo uma s i tuação a Ela vinculada, ao na r-
rar e comparando-as :
“ N ã o l e v e i s o u r o , n e m p r a t a , n e m c o b r e n o s v o s s o s c i n t o s , n e m a l f o r j e p a r a o c a m i n h o , n e m d u a s t ú n i c a s , n e m s a n d á l i a s , n e m c a j a d o . . . ” ( M t 1 0 , 9 - 1 0 ) . / “ É a s -
s i m q u e d e v e r e i s c o m ê - l o ( „ o C o r d e i r o P a s c a l ‟ ) : c o m o s l o m b o s c i n g i d o s , s a n d á -
l i a s n o s p é s e c a j a d o n a s m ã o s . . . ” ( . . . ) / “ O s f i l h o s d e I s r a e l f i z e r a m c o m o M o i -s é s h a v i a d i t o , e p e d i r a m a o s e g í p c i o s o b j e t o s d e p r a t a , o b j e t o s d e o u r o e r o u p a s
( . . . ) o s e g í p c i o s l h e s d a v a m o q u e p e d i a m ; . . . ” ( E x 1 2 , 1 1 . 3 5 - 3 6 ) .
Dispondo-as em duas colunas e remanejando -as para melhor v i-
são, vê-se a semelhança de palavras e a diferença de s i tuações, tal c o-
mo desejou Jesus:
M t 1 0 , 9 - 1 0 E x 1 2 , 1 1 . 3 5 - 3 6
N ã o l e v e i s
c o b r e n o s v o s s o s c i n t o s ,
n e m s a n d á l i a s , n e m c a j a d o .
É a s s i m q u e d e v e r e i s c o m ê - l o :
o s l o m b o s c i n g i d o s
s a n d á l i a s n o s p é s c a j a d o n a s m ã o s .
N ã o l e v e i s O s f i l h o s d e I s r a e l f i z e r a m c o m o M o i s é s h a v i a d i -
t o , e p e d i r a m a o s e g í p c i o s
o u r o , n e m p r a t a
n e m c o b r e n o s v o s s o s c i n t o s , n e m p a r a o c a m i n h o ,
n e m d u a s t ú n i c a s .
o b j e t o s d e o u r o , o b j e t o s d e p r a t a
e r o u p a s .
É que, na Páscoa Is rael i ta , o Cordeiro seria “comido às pre ssas”
pelos israel i tas em fuga, já preparados para uma longa viagem (Ex
12,11) e para a conquis ta da Terra Prometida (Ex 6,26; 7 ,4; 12,36.51 /
Nm 13-14) enquanto que, agora, n a Páscoa Cris tã, i r iam em Missão de
Paz , armados para uma conquis ta difere nte:
“ . . . p r o c l a m a i q u e o R e i n o d o s C é u s e s t á p r ó x i m o . C u r a i o s d o e n t e s , r e s s u s c i t a i o s m o r t o s , p u r i f i c a i o s l e p r o s o s , e x p u l s a i o s d e m ô n i o s . D e g r a ç a r e c e b e s t e , d e
g r a ç a d a i ” ( M t 1 0 , 7 - 8 ) .
Com a diferença do dia de início, no dia seguinte, quase conc o-
mitantemente sem se confundirem, celebrava -se a Festa dos Ázimos
em que durante sete dias só se comia pão sem fermento em comemor a-
ção à saída do Egi to (Ex 12,15 -20). A Páscoa deverá se r uma Festa
19
Nacional dos israel i tas , comemorada todos os anos e por todas as g e-
rações, sempre reco rdando aos f i lhos o seu s ignif icado:
" P o r q u e Ia h w e h p a s s a r á p a r a f e r i r a o s e g í p c i o s ; e , a o v e r o s a n g u e n a v e r g a d a p o r t a e e m a m b o s o s u m b r a i s , I a h w e h p a s s a r á a q u e l a p o r t a , e n ã o d e i x a r á o d e s -
t r u i d o r e n t r a r e m v o s s a s c a s a s p a r a v o s f e r i r . P o r t a n t o , g u a r d a r e i s i s t o p o r e s t a -
t u t o p a r a v ó s e p a r a v o s s o s f i l h o s , p a r a s e m p r e . Q u a n d o , p o i s , t i v e r d e s e n t r a d o n a t e r r a q u e Ia h w e h v o s d a r á , c o m o t e m p r o m e t i d o , g u a r d a r e i s e s t e c u l t o . E
q u a n d o v o s s o s f i l h o s v o s p e r g u n t a r e m : Q u e q u e r e i s d i z e r c o m e s t e c u l t o ? R e s -
p o n d e r e i s : E s t e é o s a c r i f í c i o d a p á s c o a d e Ia h w e h , q u e p a s s o u a s c a s a s d o s f i -l h o s d e I s r a e l n o E g i t o , q u a n d o f e r i u o s e g í p c i o s , e l i v r o u a s n o s s a s c a s a s . E n -
t ã o o p o v o i n c l i n o u - s e e a d o r o u . E f o r a m o s f i l h o s d e I s r a e l , e f i z e r a m i s s o ;
c o m o Ia h w e h o r d e n a r a a M o i s é s e a A a r ã o , a s s i m f i z e r a m " ( E x 1 2 , 2 3 - 2 8 ) . / " E s -t a é u m a n o i t e q u e s e d e v e g u a r d a r a Ia h w e h , p o r q u e o s t i r o u d a t e r r a d o E g i t o ;
e s t a é a n o i t e d e Ia h w e h , q u e d e v e s e r g u a r d a d a p o r t o d o s o s f i l h o s d e I s r a e l a -
t r a v é s d a s s u a s g e r a ç õ e s " ( E x 1 2 , 4 2 ) .
A expl icação do r i to , que o pai dá ao f i lho, parece acrescentar ao
nome da festa como é conhecida, também a l ibertação, o fa to de que
"l ivrou nossas casas", mas a Pásc oa propriamente di ta é a ví t ima im o-
lada. De acordo com a segunda t ranscrição acima vê -se que o comemo-
rado na solenidade é "esta é a noi te de Iahweh, porque t i rou os Fi lhos
de Israel da terra do Egi to, que deve ser guardada por todas as ger a-
ções" (Ex 12,42) . Comemora-se a l ibertação do Povo de Israel do Eg i-
to onde foi escravo durante quatrocentos e t r inta anos, cumprindo -se o
que anunciara quando da Aliança com Abraão:
" E n t ã o d i s s e Ia h w e h a A b r ã o : S a b e c o m c e r t e z a q u e a t u a d e s c e n d ên c i a s e r á p e -
r e g r i n a e m t e r r a a l h e i a , e s e r á r e d u z i d a à e s c r a v i d ã o , e s e r á a f l i g i d a p o r q u a t r o -
c e n t o s a n o s ; s a b e t a m b é m q u e e u j u l g a r e i a n a ç ã o a q u a l e l a t e m d e s e r v i r ; e d e -p o i s s a i r á c o m m u i t o s b e n s " ( G n 1 5 , 1 3 - 1 4 ) . / " O r a , o t e m p o q u e o s f i l h o s d e I s -
r a e l m o r a r a m n o E g i t o f o i d e q u a t r o c e n t o s e t r i n t a a n o s . E a c o n t e c e u q u e , a o
f i m d e q u a t r o c e n t o s e t r i n t a a n o s , n a q u e l e m e s m o d i a , t o d o s o s e x é r c i t o s d e I -a h w e h s a í r a m d a t e r r a d o E g i t o " ( E x 1 2 , 4 0 - 4 1 ) .
E os israel i tas celebraram então a primeira Páscoa da Histór ia da
Salvação, e aqui lo que Deus dissera aconteceu: recusaram os egípcios
l ibertar os israel i tas e Deus cumpre o que prometeu:
" E f o r a m o s f i l h o s d e I s r a e l , e f i z e r a m i s s o ; c o m o Ia h w e h o r d e n a r a a M o i s é s e a
A a r ã o , a s s i m f i z e r a m . E a c o n t e c e u q u e à m e i a - n o i t e I a h w e h f e r i u t o d o s o s p r i -m o g ê n i t o s n a t e r r a d o E g i t o , d e s d e o p r i m o g ê n i t o d e F a r a ó , q u e s e a s s e n t a v a e m
s e u t r o n o , a t é o p r i m o g ê n i t o d o c a t i v o q u e e s t a v a n o c á r c e r e , e t o d o s o s p r i m o -g ê n i t o s d o s a n i m a i s . E F a r a ó l e v a n t o u - s e d e n o i t e , e l e e t o d o s o s s e u s s e r v o s , e
t o d o s o s e g í p c i o s ; e f e z - s e g r a n d e c l a m o r n o E g i t o , p o r q u e n ã o h a v i a c a s a e m
q u e n ã o h o u v e s s e u m m o r t o " ( E x 1 2 , 2 8 - 2 9 ) .
Imediatamente o Faraó e os egípcios conheceram a qual Deus
deveriam respei tar (Ex 12,32 - " . . . abençoai a mim também") e reso l-
ve-se defini t ivamente e sem mais delongas ou condições a saída dos
israel i tas em fuga do Egi to:
" E n t ã o F a r a ó c h a m o u M o i s é s e A a r ã o d e n o i t e , e d i s s e : L e v a n t a i - v o s , s a í d o
m e i o d o m e u p o v o , t a n t o v ó s c o m o o s f i l h o s d e I s r a e l ; e i d e s e r v i r a Ia h w e h ,
c o m o t e n d e s d i t o . Le v a i t a m b é m c o n v o s c o o s v o s s o s r e b a n h o s e o v o s s o g a d o , c o m o t e n d e s d i t o ; e i d e , e a b e n ç o a i - m e t a m b é m a m i m . ( . . . ) E Ia h w e h d e u a o p o -
v o g r a ç a a o s o l h o s d o s e g í p c i o s , d e m o d o q u e e s t e s l h e d a v a m o q u e p e d i a , e
d e s p o j a r a m o s e g í p c i o s . A s s i m v i a j a r a m o s f i l h o s d e I s r a e l d e R a m s é s a S u c o t , c e r c a d e s e i s c e n t o s m i l h o m e n s a p é , s e m c o n t a r a s c r i a n ç a s . T a m b é m s u b i u c o m
e l e s u m a g r a n d e m i s t u r a d e g e n t e ; e , e m r e b a n h o s e m a n a d a s , u m a g r a n d e q u a n -
t i d a d e d e g a d o . E c o z e r a m p ã e s á z i m o s d a m a s s a q u e l e v a r a m d o E g i t o , p o r q u e e l a n ã o s e t i n h a l e v e d a d o , p o r q u a n t o f o r a m e x p u l s o s d o E g i t o ; e n ã o p u d e r a m
d e t e r - s e , n e m h a v i a m p r e p a r a d o p r o v i s õ e s p a r a o c a m i n h o " ( E x 1 2 , 3 0 - 3 9 ) .
20
A Inst i tuição da Páscoa foi fundamental para a Nação Is rael i ta , e
sem ela é possível que a História da Salvação não t ivesse o mesmo
traçado sat isfazendo os desígnios de Deus, nem o Povo de Deus ter ia
consciência plena de sua condição de elei to , e da dimensão de Fi lho
Primogêni to. Para se entender um pouco mais o s ignif icado dessa e x-
pressão Fi lho Primogêni to pode -se recorrer ao que ensina São Paulo
quando usa o mesmo qual i f icat ivo para Jesus Cris to, guardadas as d e-
vidas proporções, comparando -se com a Bênção de Jacó:
" P o r q u e o s q u e d a n t e s c o n h e c e u , t a m b é m o s p r e d e s t i n o u p a r a s e r e m c o n f o r m e s à i m a g e m d e s e u F i l h o , a f i m d e q u e e l e s e j a o p r i m o g ê n i t o e n t r e m u i t o s i r m ã o s "
( R m 8 , 2 9 ) .
" . . . t r a n s p o r t o u - n o s p a r a o r e i n o d o s e u F i l h o A m a d o , e m q u e m t e m o s a r e d e n -
ç ã o , a s a b e r , a r e m i s s ã o d o s p e c a d o s . E l e é a Im a g e m d o D e u s i n v i s í v e l , o p r i -
m o g ê n i t o d e t o d a a c r i a ç ã o , p o r q u e n e l e f o r a m c r i a d a s t o d a s a s c o i s a s n o s c é u s e
n a t e r r a , a s v i s í v e i s e a s i n v i s í v e i s , s e j a m t r o n o s , s e j a m d o m i n a ç õ e s , s e j a m
p r i n c i p a d o s , s e j a m p o t e s t a d e s , t u d o f o i c r i a d o p o r e l e e p a r a e l e . E l e é a n t e s d e
t o d a s a s c o i s a s , e n e l e s u b s i s t e m t o d a s a s c o i s a s . E l e é a C a b e ç a d a I g r e j a , q u e é o S e u C o r p o . e l e é o p r i n c í p i o , o p r i m o g ê n i t o d e n t r e o s m o r t o s , p a r a q u e e m
t u d o t e n h a a p r i m a z i a , p o r q u e a p r o u v e a D e u s q u e n e l e h a b i t a s s e t o d a a p l e n i -
t u d e . . . " ( C l 1 , 1 3 - 1 9 ) .
" R ú b e n , t u é s m e u p r i m o g ê n i t o , m i n h a f o r ç a e a s p r i m í c i a s d o m e u v i g o r , p r e e -
m i n e n t e e m d i g n i d a d e e p r e e m i n e n t e e m p o d e r " ( G n 4 9 , 3 ) .
Uma comparação em colunas vai mostrar melhor as semelhanças
e as diferenças notáveis e que vão nos auxi l iar a compreender melhor a
História da Salvação, pelas inst i tuições l igadas cul turalmente ao seu
povo, respei tadas e usadas por Deus, e t al como a Bíbl ia e xpõe:
( G n 4 9 , 3 ) ( C l 1 , 1 3 - 1 9 )
R ú b e n , t u é s m e u p r i m o g ê n i t o n o s t r a n s p o r t o u p a r a o r e i n o d o s e u F i l h o A m a d o , e m q u e m t e m o s a
r e d e n ç ã o , a s a b e r , a r e m i s s ã o d o s p e c a d o s . E l e é a I m a g e m d o D e u s i n v i s í v e l , o p r i m o g ê n i t o d e t o d a a c r i a ç ã o
M i n h a f o r ç a
p o r q u e n e l e f o r a m c r i a d a s t o d a s a s c o i s a s n o s c é u s e n a t e r r a , a s v i -
s í v e i s e a s i n v i s í v e i s , s e j a m t r o n o s , s e j a m d o m i n a ç õ e s , s e j a m p r i n c i -
p a d o s , s e j a m p o t e s t a d e s , t u d o f o i c r i a d o p o r e l e e p a r a e l e .
E a s p r i m í c i a s d o m e u v i g o r E l e é a n t e s d e t o d a s a s c o i s a s , e n e l e s u b s i s t e m t o d a s a s c o i s a s .
P r e e m i n e n t e e m d i g n i d a d e
E P r e e m i n e n t e e m p o d e r
E l e é a C a b e ç a d a Ig r e j a , q u e é o S e u C o r p o . e l e é o p r i n c í p i o , o
p r i m o g ê n i t o d e n t r e o s m o r t o s , p a r a q u e e m t u d o t e n h a a p r i m a z i a , p o r q u e a p r o u v e a D e u s q u e n e l e h a b i t a s s e t o d a a p l e n i t u d e
P r e e m i n e n t e e m p o d e r t u d o f o i c r i a d o p o r e l e e p a r a e l e .
Assim a idéia de Fi lho Primogêni to num primeiro lance é o de
primícia, fonte e mantenedor de tu do, "anúncio de far ta colhe i ta" como
já se definiu e o começo daqui lo que já vive e que será viv ido por o u-
t ros em seguida e em pleni tude. Pode -se melhor entender a ex pressão
apl icada a Jesus de Primogêni to Dos Mortos , como aquele que abriu
aos outros que o seguirem, primícia que é, as portas da eternidade .
Imediatamente após a saída do povo do Egi to, Deus a s i mesmo cons a-
gra os primogêni tos . Com a el imin ação daqueles dos egípcios impõe -se
a sua subst i tuição pelos vi toriosos, o que se faz com essa separação ,
sant i f icando-os, e aparece mais um dado s ignif icat ivo que oferece uma
definição cul tural deles ao tempo, is to é, qual o seu s ignif icado cul t u-
ral :
" E n a q u e l e m e s m o d i a Ia h w e h t i r o u o s f i l h o s d e I s r a e l d a t e r r a d o E g i t o , s e g u n -d o o s s e u s e x é r c i t o s " ( E x 1 2 , 5 1 ) / " E n t ã o f a l o u Ia h w e h a M o i s é s , d i z e n d o : S a n -
21
t i f i c a - m e t o d o p r i m o g ê n i t o , t o d o o q u e a b r i r a m a d r e d e s u a m ã e e n t r e o s f i l h o s d e I s r a e l , a s s i m d e h o m e n s c o m o d e a n i m a i s ; p o r q u e m e u é " / " T a m b é m q u a n d o
I a h w e h t e h o u v e r i n t r o d u z i d o n a t e r r a d o s c a n a n e u s , c o m o j u r o u a t i e a t e u s
p a i s , q u a n d o t a h o u v e r d a d o , s e p a r a r á s p a r a Ia h w e h t u d o o q u e a b r i r a m a d r e , a t é m e s m o t o d o p r i m o g ê n i t o d o s t e u s a n i m a i s ; o s m a c h o s s e r ã o d e Ia h w e h . ( . . . )
E q u a n d o t e u f i l h o t e p e r g u n t a r n o f u t u r o , d i z e n d o : Q u e é i s t o ? r e s p o n d e r - l h e -
á s : I a h w e h , c o m m ã o f o r t e , n o s t i r o u d o E g i t o , d a c a s a d a s e r v i d ã o . P o r q u e s u -c e d e u q u e , e n d u r e c e n d o - s e F a r a ó , p a r a n ã o n o s d e i x a r i r , I a h w e h m a t o u t o d o s o s
p r i m o g ê n i t o s n a t e r r a d o E g i t o , t a n t o o s p r i m o g ê n i t o s d o s h o m e n s c o m o o s p r i -
m o g ê n i t o s d o s a n i m a i s ; p o r i s s o e u s a c r i f i c o a o S e n h o r t o d o s o s p r i m o g ê n i t o s , s e n d o m a c h o s ; m a s a t o d o p r i m o g ê n i t o d e m e u s f i l h o s eu r e s g a t o . ( E x 1 3 , 1 - 2 , 1 1 -
1 5 ) .
"Sant i f ica -me todo primogêni to, todo o que abri r a madre de sua
mãe entre os f i lhos de Israel , ass im de homens como d e an imais; por-
que meu é" ( . . . ) " . . . separarás para Iahweh tudo o que abri r a madre,
até mesmo todo primogêni to dos teus animais; os machos serão de I-
ahweh" (v. Ex 13) - vê-se daí que primogêni to é "todo o que abri r a
madre de sua mãe" e "tudo o que abri r a madre, até mesmo dos teus a-
nimais". Trazia então uma conotação profundamente vinculada à idéia
de mediação, vida e fecundidade, "o que abre ou inaugura a fecundid a-
de da madre", tal como Jacó disse a Rúben: "minha força e as prim í-
cias do meu vigor" e São P aulo a respei to de Jesus Cris to: "Ele é antes
de todas as coisas , e nele subsis tem todas as coisas". Por isso também
é o Primogêni to dos Mortos , fecundando de vida a morte, e abrindo as
portas da vida eterna. Essas referências aos israel i tas , a quem foi ra t i -
f icada a Promessa de Abraão, embutida na Aliança e que tomaria no
futuro o nome de Libertação Messiânica, es tá t raduzida na "ter ra que
mana lei te e mel" , p resente aqui na Inst i tuição da Pá scoa:
" Q u a n d o Ia h w e h t e h o u v e r i n t r o d u z i d o n a t e r r a ( . . . ) q u e e l e j u r o u a t e u s p a i s q u e t e d a r i a , t e r r a q u e m a n a l e i t e e m e l , g u a r d a r á s e s t e c u l t o n e s t e m ê s " ( E x
1 3 , 5 ) .
Vai o primogêni to desempenhar a função sacerdotal em vir tude
de sua mediação e pela consagração ensejada. Tanto é ass im que qua n-
do for inst i tuído o sacerdócio auxi l iar , es te subst i tui rá os primogên i-
tos no exercício dessa função junto à Casa de Aarão, também da Tr ibo
de Levi , que det inha o sacerdócio pleno (Ex 29): Além da chefia da
t r ibo ou do clã, det inha o primogêni to o exercício do sacerdócio, tal
como mostram as ci tações seguintes:
" E d i s s e Ia h w e h a M o i s é s : F a z e c h e g a r a t r i b o d e Le v i , e p õ e - n o s d i a n t e d e A a -
r ã o , o s a c e r d o t e , p a r a q u e o s i r v a m ; e l e s c u m p r i r ã o o q u e é d e v i d o a e l e e a t o d a
a c o n g r e g a ç ã o , d i a n t e d a t e n d a d a r e u n i ã o , f a z e n d o o s e r v i ç o d o t a b e r n á c u l o ; c u i d a r ã o d e t o d o s o s m ó v e i s d a t e n d a d a r e u n i ã o , e z e l a r ã o p e l o c u m p r i m e n t o
d o s d e v e r e s d o s f i l h o s d e I s r a e l , f a z e n d o o s e r v i ç o d o t a b e r n á c u l o . D a r á s , p o i s ,
o s l e v i t a s a A a r ã o e a s e u s f i l h o s ; d e t o d o l h e s s ã o d a d o s d a p a r t e d o s f i l h o s d e I s r a e l . D i s s e m a i s o S e n h o r a M o i s é s : E u , e u m e s m o t en h o t o m a d o o s l e v i t a s d o
m e i o d o s f i l h o s d e I s r a e l , e m l u g a r d e t o d o p r i m o g ê n i t o , q u e a b r e a m a d r e , e n t r e
o s f i l h o s d e I s r a e l ; e o s l e v i t a s s e r ã o m e u s , p o r q u e t o d o s o s p r i m o g ê n i t o s s ã o m e u s . N o d i a e m q u e f e r i a t o d o s o s p r i m o g ê n i t o s n a t e r r a d o E g i t o , s a n t i f i q u e i
p a r a m i m t o d o s o s p r i m o g ê n i t o s e m Is r a e l , t a n t o d o s h o m e n s c o m o d o s a n i m a i s ;
m e u s s e r ã o . E u s o u o S e n h o r " ( N m 3 , 1 1 - 1 3 ) .
" A s s i m s e p a r a r á s o s l e v i t a s d o m e i o d o s f i l h o s d e I s r a e l ; e o s l e v i t a s s e r ã o
m e u s . D e p o i s d i s s o o s l e v i t a s e n t r a r ã o p a r a f a z e r e m o s e r v i ç o d a t e n d a d a r e u n i -
ã o , d e p o i s d e o s t e r e s p u r i f i c a d o e o f e r e c i d o c o m o o f e r t a d e m o v i m e n t o . P o r -q u a n t o e l e s m e s ã o d a d o s i n t e i r a m e n t e d e n t r e o s f i l h o s d e I s r a e l ; e m l u g a r d e
t o d o a q u e l e q u e a b r e a m a d r e , i s t o é , d o p r i m o g ê n i t o d e t o d o s o s f i l h o s d e I s r a -
e l , p a r a m i m o s t e n h o t o m a d o . P o r q u e m e u é t o d o p r i m o g ê n i t o e n t r e o s f i l h o s d e I s r a e l , t a n t o e n t r e o s h o m e n s c o m o e n t r e o s a n i m a i s ; n o d i a e m q u e , n a t e r r a
22
d o E g i t o , f e r i a t o d o p r i m o g ê n i t o , o s s a n t i f i q u e i p a r a m i m . M a s t o m e i o s l e v i t a s e m l u g a r d e t o d o s o s p r i m o g ê n i t o s e n t r e o s f i l h o s d e I s r a e l . D e n t r e o s f i l h o s d e
I s r a e l t e n h o d a d o o s l e v i t a s a A a r ã o e a s e u s f i l h o s , p a r a f a z e r e m o s e r v i ç o d o s
f i l h o s d e I s r a e l n a t e n d a r e u n i ã o , e p a r a f a z e r e m e x p i a ç ã o p o r e l e s , a f i m d e q u e n ã o h a j a p r a g a e n t r e e l e s , q u a n d o s e a p r o x i m a r e m d o s a n t u á r i o " ( N m 8 , 1 4 - 1 9 ) .
Daí se vê que Iahweh Deus fulminou os deuses do Egi to , quando
fulminou de morte todos os primogêni tos , acabando com o sacerdócio
deles e com as suas v í t imas sacri f icais const i tuídas pelos primogêni tos
dos animais , conforme a visão r i tual daquele tempo. Para subst i tuí - los ,
não mais ex is t indo o sacerdócio pagão e começarem a funcionar ofic i -
almente , Iahweh então agi l iza o Seu Sacerdócio com os primogêni tos
poupados dos israel i tas , do Povo que é o seu Fi lho Primogêni to , que
tem a missão de primícia sacerdotal , medianeira.
2.5. - A PÁSCOA E A EUCARISTIA
Será necessário neste i tem repet i r muita coisa já vis ta e abordar
juntamente aspectos e inst i tuições ain da não estudados, mesmo co r-
rendo o r isco da prol ixidade. Assim, mesmo àqueles que não têm o h á-
bi to da lei tura da Bíbl ia será facul tado o acesso ao conteúdo usado no
desenvolvimento do tema abordado, faci l i tando -lhes a compreensão. E,
aos que já es tão famil iar izados, não faz mal e é até bom repet i r . Fun-
damental é a unidade dos dois Testamentos como fonte das inst i tuições
cr is tãs e , também, para anal isar alguns elementos essencia is da Euc a-
ris t ia e sua raiz no passado. Alguma referência a alguma inst i tuição
melhor examinada adiante sempre será acompanhada de uma breve e x-
pl icação, e não causará nenhuma inconveniência. Por sua vez uma an á-
l ise ass im irá famil iar izar o es tudioso com a unidade da Escri turas S a-
grada.
A Inst i tuição da Páscoa Israel i ta é f igura da Cri s tã por causa do
Cordeiro Imolado no âmago de uma refeição sagrada nacional , pois de-
la toda a comunidade Is rael i ta part icipa. Entrando então em com unhão
uns com os outros e com Deus sant i f icam -se em comunhão com a ví t i -
ma do sacri f ício que se imola e se com e. Na mesma perspect iva é a
Páscoa atual , a Eucaris t ia , onde Cris to é a Páscoa Imolada (cfr . 1Cor
5,7) e , por causa do s ignif icado rel igioso do sacri f ício, é den ominada
genericamente de comunhão (1Cor 10,18). A ví t ima do sacri f ício, a
hóst ia , é “ . . . coisa sant íss ima. . .” (cfr . Lv 7,6) . A Páscoa foi inst i tuída
quando, e em comemoração da saída do Povo de Deus do Egi to e dev e-
ria ser comemorada em cada famíl ia como uma espécie de refeição s a-
grada nacional , uma festa e um sacri f ício ( Ex 12,25-28 / Nm 9,13)
presidida pelo pai , que atuava como sacerdote. Posteriormente , com a
central ização do cul to na reforma de Josias , passou a ser imolada no
Templo pelo sacerdote que derramava o sangue no al tar , prosseguindo-
se o cerimonial em famíl ia ou com amigos ou parentes em outros luga-
res (Dt 16,5-7 / 2Cro 30,15-17; 35,10-14), ass im vigorando ao tempo
de Cris to. Algumas s ignif icações se incorporaram ao cerimonial como,
dentre elas , além da de um banquete, a de l ibertação e a de Al iança, e
até mesmo a Messiânica. A l ibertação que impregna a ce lebração da
Páscoa não se resume ao aspecto pol í t ico de um povo em busca de sua
23
real ização nacional , mas tem o sent ido especi f icamente re l igioso que
inicia a formação do “Povo de Iahweh - Deus”, em cumprimento da A-
l iança com Abraão e rat i f icada em várias oportunid ades:
“ E u f a r e i d e t i u m g r a n d e p o v o . . . ” ( G n 1 2 , 2 ) . “ . . . t e u s d e s c e n d e n t e s s e r ã o e s -t r a n g e i r o s n u m p a í s q u e n ã o s e r á o d e l e s . . . ( . . . ) . . . s a i r ã o c o m g r a n d e s b e n s ” ( G n
1 5 , 1 3 - 1 4 ) . “ ( „ J a c ó ‟ ) N ã o t e m a s d e s c e r a o E g i t o , p o r q u e l á e u f a r e i d e t i u m a
g r a n d e n a ç ã o ” ( G n 4 6 , 3 ) . ( ' E g i t o ' ) “ D e u s l e m b r o u - s e d a s u a A l i a n ç a c o m A b r a -ã o , I s a a c e J a c ó ” ( E x 2 , 2 4 ) . “ E u v i , e u v i a m i s é r i a d o m e u p o v o q u e e s t á n o E g i -
t o . . . ( . . . ) P o r i s s o d e s c i a f i m d e l i b e r t á - l o . . . , e p a r a f a z ê - l o s u b i r d a q u e l a t e r r a
p a r a u m a t e r r a b o a e e s p a ç o s a . . . ” ( E x 3 , 7 - 8 ) .
Por esse motivo, com Moisés , Iahweh anuncia a úl t ima praga pa-
ra a saída do Egi to:
“ Ia h w e h d i s s e a M o i s é s : „ F a r e i v i r m a i s u m a p r a g a a i n d a c o n t r a o F a r a ó e c o n t r a
o E g i t o . E n t ã o e l e v o s d e i x a r á p a r t i r ( . . . ) e e l e a t é m e s m o v o s e x p u l s a r á d a q u i .
( . . . ) A s s i m d i z Ia h w e h : à m e i a - n o i t e p a s s a r e i p e l o m e i o d o E g i t o . E t o d o o p r i -
m o g ê n i t o m o r r e r á n a t e r r a d o E g i t o . . . M a s , e n t r e t o d o s o s f i l h o s d e I s r a e l , d e s -
d e o s h o m e n s a t é o s a n i m a i s , n ã o s e o u v i r á o g a n i r d e u m c ã o , p a r a q u e s a i b a i s
q u e Ia h w e h f e z u m a d i s t i n ç ã o e n t r e o E g i t o e I s r a e l ” ( E x 1 1 , 1 - 7 ) .
E imediatamente inst i tui a Páscoa, vinculando os dois acontec i-
mentos em um só fato:
“ E s t e m ê s s e r á p a r a v ó s . . . o p r i n c í p i o d o s m e s e s . . . : A o s d e z d e s t e m ê s , c a d a u m
t o m a r á p a r a s i u m c o r d e i r o p o r f a m í l i a , u m c o r d e i r o p a r a c a d a c a s a . . . O c o r d e i r o
s e r á m a c h o , s e m d e f e i t o e d e u m a n o . . . ( . . . ) . . . . ; e t o d a a a s s e m b l é i a d a c o m u n i -d a d e d e I s r a e l o i m o l a r á a o c r e p ú s c u l o . T o m a r ã o d o s e u s a n g u e e p ô - l o - ã o s o b r e
o s d o i s m a r c o s e a t r a v e s s a d a p o r t a . . . ( . . . ) . . . . ; o q u e , p o r é m , f i c a r a t é p e l a m a -
n h ã , q u e i m á - l o - e i s a o f o g o . n ã o ( “ s e l h e ” ) q u e b r a r á o s s o a l g u m ( „ c f r . t e x t o g r e -g o e E x 1 2 , 4 6 ‟ ) . É a s s i m q u e d e v e r e i s c o m ê - l o : c o m o s l o m b o s c i n g i d o s , s a n d á -
l i a s n o s p é s e c a j a d o n a m ã o ; c o m ê - l o - e i s à s p r e s s a s : é u m a p á s c o a p a r a Ia h w e h .
E n a q u e l a n o i t e e u p a s s a r e i p e l a t e r r a d o E g i t o e f e r i r e i n a t e r r a d o E g i t o t o d o s o s p r i m o g ê n i t o s , d e s d e o s h o m e n s a t é o s a n i m a i s ; e e u , I a h w e h , f a r e i j u s t i ç a s o -
b r e t o d o s o s d e u s e s d o E g i t o . o s a n g u e , p o r é m , s e r á p a r a v ó s u m s i n a l n a s c a s a s
e m q u e e s t i v e r d e s : q u a n d o e u v i r o s a n g u e , p a s s a r e i a d i a n t e e n ã o h a v e r á e n t r e v ó s o f l a g e l o d e s t r u i d o r . . . E s t e s e r á p a r a v ó s u m m e m o r i a l e o c e l e b r a r e i s c o m o
u m a f e s t a p a r a Ia h w e h ; . . . é u m d e c r e t o p e r p é t u o . ( . . . ) . Q u a n d o v o s s o s f i l h o s v o s
p e r g u n t a r e m : „ Q u e r i t o é e s t e ? ‟ , r e s p o n d e r e i s : „ É o s a c r i f í c i o d a p á s c o a p a r a i a h w e h q u e p a s s o u a d i a n t e d a s c a s a s d o s f i l h o s d e I s r a e l n o E g i t o , q u a n d o f e r i u
o s e g í p c i o s , m a s l i v r o u n o s s a s c a s a s . . . ” ( E x 1 2 , 2 - 2 8 ) .
Mesmo que o tex to nada diga , a inst i tuição t raz todos os int e-
grantes de um sacri f ício (a ví t ima imolada em oferenda a Iahweh, o
sangue “espalhado nas portas das casas” como “vida” e proteção do
Povo de Deus, a refeição sagrada compart i lhada por famil iares , a
queima do que sobeja por ser “sa nto”) . E, possui duas caracterís t icas
fundamentais : foi di retamente determinada pelo próprio Deus , e para
ser celebrada como memorial (Gn 9,14-15). Nesse memoria l , como diz
tex tualmente, " . . . eu me lembrarei . . . " (Gn 9,14-15), – quando Iahweh
se lembra, atual iza, e es tava vinculada indestacavelmente à Aliança
pela l ibertação do Povo por Iahweh “que se lembrou da sua Aliança
com Abraão, Isaac e Jacó” (Ex 2,24) e a atual iza, l ibertando o Seu P o-
vo.
Além disso, as expressões: “ Farei just iça sobre todos os deuse s
do Egi to” e “a morte dos primogêni tos do Egi to ” têm um signif icado
profundamente rel igioso, a part i r da inst i tuição muito cara aos ant i -
gos: a primogeni tura , evidentemente es t ruturada no concei to que t i -
nham dos primogêni tos “como aqueles que abrem o útero materno”
24
(Ex 13,2) . Dest inavam-se ao sacerdócio (Nm 3,45) pela pos ição med i-
aneira no ato da geração do nasci turo, “abrindo o útero materno”, i -
naugurando e facul tando o nascimento, donde vis tos como medianeiros
de Iahweh na fecundidade h umana.
Era tão sér ia es ta inst i tuição que, por não a respei tar , Caim teve
sua oferenda rejei tada por Iahweh que acolheu o sacri f ício de Abel que
ofereceu “dos primogêni tos [ou primícias] de seu rebanho” (Gn 4,4); o
redator , na relação das genealogias só menciona o nome deles (Gn 5) ,
e quando se mencionavam os outros nomes o deles era o primeiro (Gn
10); por sua vez , realça que o desprezo de Esaú por ela (Gn 25,29 -34)
fê- lo perdê-la, ocas ionando inimizade mortal entre ele e Jacó, que u-
surpou “sua bênção” (Gn 27), muito cobiça da, por s inal . A ameaça de
Deus ao Faraó de el iminar todos eles do Egi to (Ex 11,4 -10) e o cum-
primento dela ocas ionou a expulsão dos israel i tas pelo Faraó (Ex
12,31-33), terminando este por dizer: “ . . . part i e abençoai a mim tam-
bém” (12,32), por se submeter e se render ao poder de Iahweh que
quando el iminou os dos egípcios poupou os dos israel i tas , vencendo e
assim “ fazendo just iça sobre os deuses do Egi to”. Em conseq uência,
foram os dos israel i tas oficialmente “consagrados a Iahweh, homens e
animais mesmo; aqueles para seu serviço e es tes para o sacr i f ício” (Ex
13).
No deserto, quando da unif icação do sacerdócio, todos os dos
homens foram “subst i tuídos” no sacerdócio que já exerciam, pelos L e-
vi tas (Nm 3,45 e 8,14 -18). São eles ( „ inexis t ia outra possibi l idad e‟) ,
os Primogêni tos , os que são mencionados como “sacerdotes”, a ntes da
sua oficial ização e da sua concentração nos levi tas (Ex 19,22.24), os
“jovens que ofereceram holocaustos e sacri f ícios de comunhão” no S i -
nai (Ex 24,5) , quando da rat i f icação da A liança:
“ M o i s é s e s c r e v e u t o d a s a s p a l a v r a s d e Ia h w e h ; e , l e v a n t a n d o - s e d e m a n h ã , c o n s -t r u i u u m a l t a r . . . D e p o i s e n v i o u a l g u n s j o v e n s d o s f i l h o s d e I s r a e l , e o f e r e c e r a m
o s s e u s h o l o c a u s t o s e i m o l a r a m a I a h w e h n o v i l h o s c o m o s a c r i f í c i o d e c o m u n h ã o .
M o i s é s t o m o u a m e t a d e d o s a n g u e e c o l o c o u - a e m b a c i a s , e e s p a r g i u a o u t r a m e -t a d e d o s a n g u e s o b r e o a l t a r . T o m o u o L i v r o d a A l i a n ç a e l e u p a r a o P o v o ; e e l e s
d i s s e r a m : „ T u d o o q u e Ia h w e h f a l o u , n ó s o f a r e m o s e o b e d e c e r e m o s . ‟ M o i s é s
t o m o u d o s a n g u e e o a s p e r g i u s o b r e o p o v o , e d i s s e : „ e s t e é o s a n g u e d a A l i a n ç a q u e Ia h w e h f e z c o n v o s c o , a t r a v é s d e t o d a s e s s a s c l á u s u l a s ” ( E x 2 4 , 1 - 8 )
Viu-se como entre os ant igos os primogêni tos eram dest inados,
além da chefia do c lã, ao exercício do sacerdócio, motivo da “just iça
de Iahweh sobre os deuses do Egi to”. Com a morte deles es tava destr u-
ída a rel igião egípcia, deixando de ex is t i r o sacerdócio que era exerc i-
do por eles . A Páscoa então comemora também este fato que caracter i -
za a perenidade do sacerdócio israel i ta (Ex 19,6) , "Meu Fi lho Primo-
gêni to" (Ex 4,22s) , e em co nsequência, a da Aliança:
“ . . . I a h w e h . . . d i s s e - l h e : „ A s s i m d i r á s à C a s a d e J a c ó . . . V ó s m e s m o s v i s t e s o q u e e u f i z a o s e g í p c i o s . . . A g o r a , s e o u v i r d e s a m i n h a v o z e g u a r d a r d e s a m i n h a A l i -
a n ç a , s e r e i s p a r a m i m u m a p r o p r i e d a d e p e c u l i a r e n t r e t o d o s o s p o v o s , p o r q u e t o -
d a a t e r r a é m i n h a . V ó s s e r e i s p a r a m i m u m r e i n o d e s a c e r d o t e s e u m a n a ç ã o s a n t a . ( . . . ) V e i o M o i s é s . . . e x p ô s d i a n t e d e l e s t o d a s e s t a s p a l a v r a s q u e Ia h w e h
l h e h a v i a o r d e n a d o . E n t ã o t o d o o p o v o r e s p o n d e u : „ T u d o o q u e I a h w e h d i s s e , n ó s
o f a r e m o s ” ( E x 1 9 , 3 - 8 ) . / “ T o m o u o L i v r o d a A l i a n ç a e o l e u p a r a o p o v o ; e e l e s d i s s e r a m : „ T u d o o q u e Ia h w e h f a l o u , n ó s o f a r e m o s e o b e d e c e r e m o s . ‟ M o i s é s
t o m o u d o s a n g u e e o a s p e r g i u s o b r e o p o v o , e d i s s e : „ E s t e é o S a n g u e d a A l i a n ç a
q u e I a h w e h f e z c o n v o s c o , a t r a v é s d e t o d a s e s s a s c l á u s u l a s ” ( E x 2 4 , 7 - 8 ) .
25
Iahweh havia di to ao Faraó , por meio de Moisés:
“ A s s i m f a l o u Ia h w e h : „ o m e u p r i m o g ê n i t o é I s r a e l ‟ . E e u t e d i s s e : „ f a ç a p a r t i r m e u f i l h o , p a r a q u e m e s i r v a ! ‟ m a s , u m a v e z q u e r e c u s a s d e i x á - l o p a r t i r , e i s q u e
f a r e i p e r e c e r o t e u f i l h o p r i m o g ê n i t o ” ( e x 4 , 2 2 - 2 3 ) .
E é o próprio J esus , que ao inst i tui r a eucaris t ia e após o r i tual
da páscoa dos judeus vincula tudo is to ao que se denominou nova al i -
ança, inst i tui o sacerdócio dela e inclui o m emorial . É ele que as rel a-
ciona, mostrando assim o “pleno cumprimento” (M t 5 ,17) que ele
mesmo lhes imprimiu:
“ B e b e i d e l e t o d o s , p o i s i s t o é o m e u s a n g u e , o s a n g u e d a a l i a n ç a , q u e é d e r r a -m a d o p o r m u i t o s p a r a a r e m i s s ã o d o s p e c a d o s ” ( M t 2 6 , 2 7 - 2 8 ; M c 1 4 , 2 4 ; Lc
2 2 , 2 0 ; 1 C o r 1 1 , 2 5 ) . “ E s t e c á l i c e é a N o v a A l i a n ç a e m m e u s a n g u e ; t o d a s a s v e -
z e s q u e d e l e b e b e r d e s , f a z e i - o e m m e m ó r i a d e m i m ” ( 1 C o r 1 1 , 2 5 ) .
É por isso tudo que São Paulo, São João e São Pedro têm condi-
ções para dar a J esus o t í tulo de Cordeiro ident i f icando-o ao Pascal :
“ P o i s N o s s a P á s c o a , C r i s t o , f o i i m o l a d a ” ( 1 c o r 5 , 7 ) .
Em São João é preciso combinar o brado de João Bat is ta com a
conclusão quando J esus morre na cruz; para is to , a part i r da f igura do
cordeiro anunciado pelo Servo de Deus ( Is 53,7.12 / Jo 1,29) e vai -se
num crescendo até a t ingir , no f inal , a do Cordeiro Pascal na cruz , pela
expressão: “nenhum dos seus ossos lhe será quebrado” (ex 12,46 / jo
19,33-37):
“ N o d i a s e g u i n t e , e l e ( „ J o ã o B a t i s t a ‟ ) v ê J e s u s a p r o x i m a r - s e e d i z : „ e i s o C o r -
d e i r o d e D e u s , q u e t i r a o p e c a d o d o m u n d o ‟ ( J o 1 , 2 9 / Is 5 3 , 7 . 1 2 ) ” . “ a o v e r J e -s u s q u e p a s s a v a , d i s s e : „ e i s o c o r d e i r o d e d e u s ‟ ” ( J o 1 , 3 6 / Is 5 3 , 7 ) . / “ C h e g a n -
d o a J e s u s e v e n d o - o j á m o r t o , n ã o l h e q u e b r a r a m a s p e r n a s ( . . . ) , p o i s i s t o s u c e -
d e u p a r a q u e s e c u m p r i s s e a e s c r i t u r a : „ n e n h u m d o s s e u s o s s o s l h e s e r á q u e b r a -d o ‟ ” ( J o 1 9 , 3 3 - 3 7 / E x 1 2 , 4 6 ) .
"Porque is to sucedeu para que se cumprisse a escri tura: nenhum
dos seus ossos será quebrado" - São João Evangel is ta ident i f ica jesus
com o cordei ro pascal . Este fato nos leva à inst i tuição da eucaris t ia
fei ta após a ceia pascal isr ael i ta:
" E , c h e g a d a a h o r a , p ô s - s e J e s u s à m e s a , e c o m e l e o s a p ó s t o l o s . E d i s s e - l h e s : T e n h o d e s e j a d o a r d e n t e m e n t e c o m e r c o n v o s c o e s t a P á s c o a , a n t e s d a m i n h a p a i -
x ã o ; p o i s v o s d i g o q u e n ã o a c o m e r e i m a i s a t é q u e e l a s e c u m p r a n o r e i n o d e
D e u s " ( Lc 2 2 , 1 4 - 1 6 ) .
Vê-se que, após a Ceia Pascal dos judeus, com as palavras "t e-
nho desejado , ardentemente , comer convosco esta páscoa, antes da m i-
nha paixão; pois vos digo que não a comerei mais até que ela se cum-
pra no reino de Deus", Jesus encerra a Páscoa t radicional e logo a s e-
guir inst i tui a Cris tã , a Eucaris t ia:
" E n t ã o h a v e n d o r e c e b i d o u m c á l i c e , e t e n d o d a d o g r a ç a s , d i s s e : T o m a i - o , e r e -
p a r t i - o e n t r e v ó s ; p o r q u e v o s d i g o q u e d e s d e a g o r a n ã o m a i s b e b e r e i d o f r u t o d a
v i d e i r a , a t é q u e v e n h a o r e i n o d e D e u s . ( “ a q u i t e r m i n a a P á s c o a d o s j u d e u s ” ) E t o m a n d o u m p ã o , e h a v e n d o d a d o g r a ç a s , p a r t i u - o e d e u - o a e l e s d i z e n d o : I s t o é
o m e u c o r p o , q u e é d a d o p o r v ó s ; f a z e i i s t o e m m e m ó r i a d e m i m . S e m e l h a n t e -
26
m e n t e , d e p o i s d a c e i a , t o m o u o c á l i c e , d i z e n d o : E s t e c á l i c e é a n o v a a l i a n ç a e m m e u s a n g u e , q u e é d e r r a m a d o p o r v ó s " ( Lc 2 2 , 1 7 - 2 0 ) .
Para realçar o fato da identidade de Jesus como o Cordeiro Pascal
é que os Evangelistas, que narram a Instituição da Eucaristia , mostram-
na acontecendo no mesmo dia da Sua Morte, levando -se em conta que o
dia para o judeu começava à tarde e terminava na tarde seguinte. É o
próprio Jesus que vinculou todas, - Páscoa e Aliança, Eucaristia e Morte
na Cruz, - tornando-as inseparáveis:
M t 2 6 , 2 6 - 2 8 M c 1 4 , 2 2 - 2 4 Lc 2 2 , 1 9 - 2 0 1 C o r 1 1 , 2 3 - 2 5
“ E n q u a n t o c o m i a m , J e -s u s t o m o u u m p ã o e ,
t e n d o - o a b e n ç o a d o ,
“ E n q u a n t o c o m i a m , e l e t o m o u u m p ã o ,
a b e n ç o o u ,
“ E
t o m o u u m p ã o ,
“ . . . : n a n o i t e e m
q u e f o i e n t r e g u e , o S e n h o r J e s u s
t o m o u o p ã o e ,
D e u g r a ç a s , d e p o i s d e d a r g r a -
ç a s ,
P a r t i u - o
e , d i s t r i b u i n d o - o a o s
d i s c í p u l o s ,
P a r t i u - o
e d i s t r i b u i u - l h e s ,
P a r t i u
e d i s t r i b u i u - o
a e l e s ,
p a r t i u - o
D i s s e :
T o m a i e c o m e i ,
I s t o é o m e u c o r p o . ‟
D i z e n d o :
T o m a i ,
I s t o é o m e u c o r p o . ‟
D i z e n d o :
„ I s t o é o m e u c o r p o
e d i s s e :
„ I s t o é o m e u c o r p o ,
Q u e é d a d o p o r v ó s .
F a z e i i s t o e m m i n h a
m e m ó r i a . ‟
Q u e é p a r a v ó s ;
f a z e i i s t o e m m e m ó -
r i a d e m i m . ‟
D e p o i s , D a n d o g r a ç a s ,
t o m o u u m c á l i c e ,
e d e u - l h o d i z e n d o : „ B e b e i d e l e
t o d o s , p o i s
D e p o i s , d a n d o g r a ç a s ,
e , t o m o u u m c á l i c e
d e u - l h e s e t o d o s d e l e b e b e r a m .
E d i s s e - l h e s :
E , d e p o i s d e c o m e r , F e z o m e s m o
C o m o c á l i c e ,
d i z e n d o :
a p ó s a c e i a , D o m e s m o m o d o ,
t a m b é m t o m o u o c á -
l i c e ,
d i z e n d o :
I s t o é o m e u s a n g u e ,
o s a n g u e d a A l i a n ç a ,
I s t o é o m e u s a n g u e ,
o s a n g u e d a A l i a n ç a ,
„ E s t e c á l i c e é a
N o v a A l i a n ç a E m m e u s a n g u e ,
„ E s t e c á l i c e é a
N o v a A l i a n ç a e m m e u s a n g u e ;
Q u e é d e r r a m a d o p o r
m u i t o s p a r a r e m i s s ã o d o s p e c a d o s . ”
q u e é d e r r a m a d o e m f a v o r d e m u i t o s . ”
Q u e é d e r r a m a d o E m f a v o r d e v ó s . ”
t o d a s a s v e z e s q u e
d e l e b e b e r d e s , f a z e i - o e m m e m ó r i a
d e m i m . ”
Apesar de cada narrador pretender abordar um ângulo diferente
ex is tem detalhes que lhes são comuns. Destaca -se, para es te exame, o
Sangue da Aliança em Mateus e Marcos, e a Nova Aliança em Meu
Sangue em Lucas e Paulo. Em si dizem a mesma coisa, eis que, em
Mateus e Marcos Jesus é apresentado como aquele que “não veio rev o-
gar a Lei e os Profetas , mas dar- lhes pleno cumprimento” (Mt 5,17),
enquanto Lucas e Paulo ao se referi r em à Nova Aliança dizem o mes-
mo, naturalmente já se reportan do às profecias messiânicas , dentre as
quais se destaca:
“ E i s q u e v i r ã o d i a s - o r á c u l o d e I a h w e h - e m q u e s e l a r e i c o m a c a s a d e I s r a e l ( e a c a s a d e J u d á ) u m a N o v a A l i a n ç a . N ã o c o m o a A l i a n ç a q u e s e l e i c o m s e u s p a i s ,
n o d i a e m q u e o s t o m e i p e l a m ã o p a r a f a z ê - l o s s a i r d o E g i t o - m i n h a A l i a n ç a
q u e e l e s m e s m o s r o m p e r a m , e m b o r a e u f o s s e o s e u S e n h o r . . . P o r q u e e s t a á a A -l i a n ç a q u e s e l a r e i c o m a c a s a d e I s r a e l d e p o i s d e s s e s d i a s , . . . E u p o r e i a m i n h a
l e i n o s e u s e i o e a e s c r e v e r e i e m s e u c o r a ç ã o . E n t ã o e u s e r e i o s e u D e u s e e l e s
s e r ã o o m e u p o v o . ( . . . ) . P o r q u e t o d o s m e c o n h e c e r ã o , ( . . . ) , p e r d o a r e i a s u a c u l p a e n ã o m e l e m b r a r e i d e m a i s d e s e u p e c a d o ” ( J r 3 1 , 3 1 - 3 4 ) . “ S e l a r e i c o m e l e s u m a
A l i a n ç a E t e r n a . . . ” ( J r 3 1 , 3 9 ) .
Ao que se percebe a Nova Aliança já era um ter mo presente na
Sagrada Escri tura, com o que Cris to era famil iar izado e pretendeu i -
naugurá-la naquela cerimônia, e determinando a sua repet ição como
um memorial . Várias outras Profecias referi ram -se ao advento do Mes-
27
sianismo (Ez 16,62; 34,23s; 36,26s; 37,24 .26-28 etc. ) com tal anúncio,
t raduzindo a consol idação da Aliança com a expiação dos p ecados . E,
dentre outros fatos como que coroando Sua Obra a vinda do Espír i to
Santo, tão bem revelado por São Pedro no dia de Pentecostes (At 2,16 -
21 / J l , 3 ,1-5) . Da mesma forma, confi rmando o seu cumprimento em
Cris to, São Paulo a ela se refere categor icamente:
“ E i s p o r q u e E l e é m e d i a d o r d e u m a N o v a A l i a n ç a . A s u a m o r t e a c o n t e c e u p a r a o r e s g a t e d a s t r a n s g r e s s õ e s c o m e t i d a s n o r e g i m e d a P r i m e i r a A l i a n ç a ; e , p o r i s s o ,
a q u e l e s q u e s ã o c h a m a d o s r e c e b e m a h e r a n ç a e t e r n a q u e f o i p r o m e t i d a . ( . . . ) O r a ,
n e m m e s m o a P r i m e i r a A l i a n ç a f o i i n a u g u r a d a s e m e f u s ã o d e s a n g u e . D e f a t o , d e p o i s q u e M o i s é s p r o c l a m o u a t o d o o p o v o c a d a m a n d a m e n t o d a l e i , e l e t o m o u
o s a n g u e d e n o v i l h o s e d e b o d e s ( . . . ) e a s p e r g i u o p r ó p r i o l i v r o e t o d o o p o v o ,
a n u n c i a n d o : E s t e é o S a n g u e d a A l i a n ç a q u e D e u s v o s o r d e n o u . S e g u n d o a Le i , q u a s e t o d a s a s c o i s a s s e p u r i f i c a m c o m s a n g u e ; e s e m e f u s ã o d e s a n g u e n ã o h á
r e m i s s ã o ” ( H b 9 , 1 5 - 2 2 ) .
Cris to na Ceia Eucarís t i ca, confi rmando o que anunciara na Mu l-
t ipl icação dos Pães, es tabelece indissolúvel união d‟Ela com o sangue
derramado na Cruz e o sangue aspergido por Moisés no Sinai :
“ M o i s é s t o m o u d o s a n g u e e o a s p e r g i u s o b r e o p o v o , e d i s s e : - „ E s t e é o S a n g u e d a A l i a n ç a q u e Ia h w e h f e z c o n v o s c o . . . ‟ ” ( E x 2 4 , 8 ) .
É a esse Sangue da Aliança que Cris to se ident i f ica como Co r-
deiro Pascal , na Inst i tuição da Eucaris t ia , tornando -o “o Cál ice da No-
va Aliança em meu Sangue”, tal como apresentam uniformemente M a-
teus e Marcos de um lado, Lucas e São Paulo de outro:
M A T E U S E M A R C O S L U C A S E P A U L O
D e p o i s , t o m o u u m c á l i c e e d a n d o g r a -
ç a s d e u - l h o
D i z e n d o : „ B e b e i d e l e t o d o s , p o i s
D e p o i s , t o m o u u m c á l i c e e , d a n d o g r a ç a s , d e u -
l h e s e t o d o s d e l e b e b e -
r a m . E d i s s e - l h e s :
e , d e p o i s d e c o m e r , f e z
o m e s m o c o m o c á l i c e ,
d i z e n d o : „ e s t e C á l i c e
d o m e s m o m o d o , a p ó s a c e i a , t a m -
b é m t o m o u o c á -
l i c e , d i z e n d o :
e s t e C á l i c e é a
i s t o é o M eu S a n g u e , o S a n g u e
d a A l i a n ç a ,
i s t o é o M eu S a n g u e , o S a n g u e
d a A l i a n ç a ,
é a
N o v a A l i a n ç a e m m e u s a n g u e ,
N o v a A l i a n ç a e m m e u s a n g u e ;
Q u e é d e r r a m a d o p o r
m u i t o s p a r a r e m i s s ã o d o s p e c a d o s . ”
q u e é d e r r a m a d o
e m f a v o r d e m u i t o s . ”
Q u e é d e r r a m a d o
E m f a v o r d e v ó s . ”
T o d a s a s v e z e s
q u e d e l e b e b e r -d e s , f a z e i - o e m
m e m ó r i a d e m i m
Para Mateus, Jesus deveria se ident i f icar com Moisés , e ass im,
com “a Lei e os Pro fetas” (Mt 5,17), motivo por que o sangue deveria
ser “derramado por muitos para a remissão dos pecados” ou "bebido
em sua memória" [ „o bom odor que aplaca‟ (v. Gn 8,21)] , lembrando
os sacri f ícios leví t icos , be m como, o da própria Páscoa após Josias ,
em que “sem efusão de sangue não há remi ssão” (Hb 9,22):
“ P o r q u e a v i d a d a c a r n e e s t á n o s a n g u e . E e s t e s a n g u e e u v o - l o t e n h o d a d o p a r a
f a z e r o r i t o d a e x p i a ç ã o s o b r e o a l t a r , p e l a s v o s s a s v i d a s ; p o i s é o s a n g u e q u e f a z e x p i a ç ã o p e l a v i d a ” ( Lv 1 7 , 1 1 / H b 9 , 2 2 ) . / “ O s a c e r d o t e f a r á p o r e l e o r i t o
d a e x p i a ç ã o d i a n t e d e Ia h w e h , e e l e s e r á p e r d o a d o , q u a l q u e r q u e s e j a a a ç ã o q u e
o c a s i o n o u a s u a c u l p a ” ( L v 5 , 2 6 ) .
28
Esse derramar o sangue a que Cris to , em Mateus , se refere é o
r i to de expiação:
“ S e a s u a o f e r e n d a c o n s i s t i r e m h o l o c a u s t o d e a n i m a l g r a n d e , o f e r e c e r á u m m a -c h o s e m d e f e i t o . . . P o r á a m ã o s o b r e a c a b e ç a d a v í t i m a e e s t a s e r á a c e i t a p a r a
q u e s e f a ç a p o r e l e o r i t o d e e x p i a ç ã o . E m s e g u i d a i m o l a r á o n o v i l h o d i a n t e d e
I a h w e h , e o s f i l h o s d e A a r ã o , o s s a c e r d o t e s , o f e r e c e r ã o o s a n g u e . E l e s o d e r r a -m a r ã o a o r e d o r s o b r e o a l t a r . . . ” ( L v 1 , 3 - 5 . 1 1 - 1 2 ) .
Mas, es ta expiação se dá na Cruz:
“ . . . , s e a l g u é m p e c a r , t e m o s c o m o a d v o g a d o , j u n t o d o P a i , J e s u s C r i s t o , o j u s t o .
E l e é a v í t i m a d e e x p i a ç ã o p e l o s n o s s o s p e c a d o s . . . ” ( 1 J o 2 , 1 - 2 ) . ” N i s t o c o n s i s t e o a m o r : n ã o f o m o s n ó s q u e a m a m o s a D e u s , m a s f o i e l e q u e m n o s a m o u e e n v i -
o u - n o s o s e u f i l h o c o m o v í t i m a d e e x p i a ç ã o p e l o s n o s s o s p e c a d o s ” ( 1 J o 4 , 1 0 )
Jesus ao dizer -se Sangue e Sangue da Aliança durante a cer imô-
nia da Ceia Eucarís t ica , antecipa a expiação do sacri f ício da Cruz. E s-
se é o motivo por que nos Sinót icos a Inst i tuição da Eucari s t ia e o S a-
cri f ício da Cruz são s i tuados no mesmo dia, fazendo de ambos um só
fato; e São João ao adi tar no seu Evangelho a menção de que ao pr e-
tenderem quebrar os ossos dos crucif icados não o f izeram com Jesus,
que já es tava morto. Ao mesmo tempo revela o Evangel is ta que se
cumpria a prescrição referente ao cordeiro pascal de que “nenhum o sso
lhe será quebrado” (ex 12 ,46) , e ass im o ident i f ica com J esus. também,
tão clara como a re lação sacri f ical , é a “memória” dessa vinculação
indestacável ao calv ário:
“ . . . d e p o i s , t o m o u u m c á l i c e e d a n d o g r a ç a s d e u - l h o d i z e n d o : „ b e b e i d e l e t o d o s , p o i s i s t o é o M e u S a n g u e , o S a n g u e d a A l i a n ç a , q u e é d e r r a m a d o p o r m u i t o s p a r a
r e m i s s ã o d o s p e c a d o s . ” “ . . . f a z e i - o e m m e m ó r i a d e m i m ” ( M t 2 6 , 2 6 - 2 8 / M c
1 4 , 2 2 - 2 4 / Lc 2 2 , 1 9 - 2 0 / 1 C o r 1 1 , 2 3 - 2 5 ) .
Além da relação sacri f ical e de comunhão de uma refeição s a-
grada, e como bebendo o seu sangue recebe-se sua vida (Dt 12,23; Lv
17,11a), a Eucaris t ia é o Sacri f ício perfei to da Nova Aliança e Fonte
de Vida, Sacramento, Fonte de Sant i f icação , ta l como dissera, “Eu vim
para que tenham vida e a tenham em pleni tude” (Jo 10,10). A Eucari s-
t ia atual iza e real iza todos aqueles valores que em figura , eram pert i -
nentes à Páscoa dos Judeus, que pela Aliança l ibertou o Povo de Deus
do Egi to e o conduziu à Ter ra Prometida; e , agora, se cumprindo na
Páscoa Cris tã, pela Nova Aliança, l iberta o Homem do peca do e o con-
duz à Vida Eterna.
“. . . fazei -o em memória de mim”, já foi vis to quando se anal isou
o Dilúvio (Gn 8,21) o s ignif icado et imológico da palavra memória ,
que se t ranscreve: “. . . perfume que aplaca. . .” – mui tas Bíbl ias t razem
esta t radução que é a qu e melhor se ident i f ica ao resul tado almejado
com um Sacri f ício, no caso do Dilúvio e na opinião do narrador, seria
a Ira de Iahweh pelos atos contrários ao Seu Desígnio. A palavra m e-
mória em hebraico tem uma conotação com perfume ou odor. É que ,
quando alguém usa perfume, mesmo após sua saída do local , a prese n-
ça do odor marca a sua estadia pela lembra nça. Quando se celebra um
Sacri f ício, imola -se a ví t ima em lugar do ofertante e Deus ao sent i r o
odor da fumaça, lembra-se dele, do ofertante. Então, Deus ao sent i r o
“odor de Cris to, a v í t ima imolada no sacri f ício, lembra -se do ofertante
29
e o Sant i f ica pela Comunhão” (cfr Cap. I , nº 1 .8 .2, no f inal) . Quando
Deus se lembra, atual iza (Gn 9,14s / Ex 2,24, anal isados em 2.5 – A
Páscoa e a Eucaris t ia , acima).
2.6. - A PÁSCOA E A PASSAGEM DO MAR VERMELHO
O Povo Israel i ta que já nascia para a vida em comunhão com
Deus inaugura a sua nação teocrát ica no Sinai (Ex 19 a 24) es tabel e-
cendo-a após a inst i tuição do Sacerdócio dos Primogêni tos (Ex 13,1-
16). Além da Páscoa, outros Sacri f ícios const i tui r iam a base do seu
cul to e ident i f icando-se com a Aliança estabelece o seu Sacerdócio,
"primícias da sant i f icação e do poder de Deus". Is to tem esta caract e-
r ís t ica de “primícia” em decorrência de ser Israel “Fi lho Primogêni to
de Iahweh” qual idade exalada dos próprios dizeres de Jacó a R úben, o
seu primogêni to (Gn 49,3) . Sem sacerdócio não há sacri f ícios (Hb 5,1 -
3; 8 ,3) . Assim organizados, ou expulsos , ou fugindo, saem do Egi to
após a celebração da Páscoa, sabendo que "naquele mes mo dia Iahweh
t i rou os f i lhos de Is rael da terra do Egi to, segundo os seus exérci tos"
(Ex 12,51). "Leva-os não pelo caminho habi t ual da terra dos f i l is teus"
(Ex 13,17), pois que, despreparados para uma guerra contra os que os
queriam capturar poderiam se a pavorar e entregar -se ao Egi to. Por isso
os desviava por out ro caminho, fugindo. Apesar de " subirem armados
da terra do Egi to" (Ex 13,18b) do seu manejo não t inham prát ica, nem
consciência es t ratégica, nem estavam preparados para defender a n a-
cional idade nascente. Além disso, como "Moisés levou consigo os o s-
sos de José" (Ex 13,19), evidenciando a tônica rel igiosa de tudo o que
acontecia, tendo por fulcro a Aliança, só se entregariam à guerra em
defesa de sua fé conforme estavam conscient izados (Ex 13,17 -19). A-
provei taram-se da permissão que o Faraó dera para "servi r a Iahweh
como tendes di to" (Ex 12,31), escaparam. Na verdade, f ugi ram:
" Q u a n d o , p o i s , f o i a n u n c i a d o a o r e i d o E g i t o q u e o p o v o h a v i a f u g i d o , m u d o u - s e o c o r a ç ã o d e F a r a ó , e d o s s e u s s e r v o s , c o n t r a o p o v o , e d i s s e r a m : Q u e é i s s o q u e
f i z e m o s , p e r m i t i n d o q u e I s r a e l s a í s s e e d e i x a s s e d e n o s s e r v i r ? E F a r a ó a p r o n t o u
o s e u c a r r o , e t o m o u c o n s i g o o s e u p o v o ; t o m o u t a m b é m s e i s c e n t o s c a r r o s e s c o -l h i d o s e t o d o s o s c a r r o s d o E g i t o , e c a p i t ã e s s o b r e t o d o s e l e s . P o r q u e Ia h w e h
e n d u r e c e u o c o r a ç ã o d e F a r a ó , r e i d o E g i t o , e e s t e p e r s e g u i u o s f i l h o s d e I s r a e l ; p o i s o s f i l h o s d e I s r a e l s a í a m a f o i t a m e n t e . O s e g í p c i o s , c o m t o d o s o s c a v a l o s e
c a r r o s d e F a r a ó , e o s s e u s c a v a l e i r o s e o s e u e x é r c i t o , o s p e r s e g u i r a m e o s a l -
c a n ç a r a m a c a m p a d o s j u n t o a o m a r , p e r t o d e P i a i r o t , d i a n t e d e B a a l - S e f o m " ( E x 1 4 , 5 - 9 ) .
"Que é isso que f izemos, permit indo que Israel saísse e deixa sse
de nos servir?" - ret rata uma s i tuação que não se pode deixar de lado
quando se anal isa esse fato. O Po vo do Egi to, apesar de já mencionado
como integrante da opressão aos israel i tas , não poderia es tar part ic i -
pando dela, eis que, da inst rução dada por Deus constata -se a ex is tên-
cia de uma s i tuação pecul iar :
" F a l a a g o r a a o p o v o , q u e c a d a h o m e m p e ç a a o s e u v i z i n h o , e c a d a m u l h e r à s u a
v i z i n h a , j ó i a s d e p r a t a e j ó i a s d e o u r o . E Ia h w e h d e u a o p o v o g r a ç a a o s o l h o s d o s e g í p c i o s . A l é m d i s s o , o v a r ã o M o i s é s e r a m u i t o i m p o r t a n t e n a t e r r a d o E g i -
t o , a o s o l h o s d o s s e r v o s d e F a r a ó e a o s o l h o s d o p o v o " ( E x 1 1 , 2 - 3 ) / " F i z e r a m ,
p o i s , o s f i l h o s d e I s r a e l c o n f o r m e a p a l a v r a d e M o i s é s , e p e d i r a m a o s e g í p c i o s j ó i a s d e p r a t a , e j ó i a s d e o u r o , e r o u p a s . E Ia h w e h d e u a o p o v o g r a ç a a o s o l h o s
30
d o s e g í p c i o s , d e m o d o q u e e s t e s l h e d a v a m o q u e p e d i a ; e d e s p o j a r a m a o s e g í p -c i o s " ( E x 1 2 , 3 5 - 3 6 ) .
Este comentário do narrador é suficiente para se entender bem a
s i tuação dos israel i tas , pois não é de se es t ranhar essa demonstração
de amizade dos egípcios que se encont rou. Principalmente quando se
lembra que o s is tema econômico insta lado por José no início de seu
governo ainda vigorava (Gn 47,13 -27). Pelo menos não há regis t ro b í-
bl ico de nenhuma revogação e o regime de servidão a que os israel i tas
es tavam sujei tos era compart i lhado pelos cidad ãos egípcios , também
ví t imas. Então os que perseguiam o s i srael i tas eram os soldados ou
serviçais do Faraó e sua co rte, não o povo egípcio em si .
Outros se originavam de vários outros povos que, aprovei tando a
oportunidade fugiram também, pois "subiu com eles uma mult idão com
ovelhas , gado e muit íss imos anima is" (Ex 12,38). E os perseguiam a
todos exclusivamente por causa da crise econômica que seria causada
com a perda do "quinto de produção" estabelecidos (Gn 47,26) e da
mão de obra barata e competente que "construiu para Faraó as c idades
armazéns de Pi tom e Ramsés" (Ex 1,11). Não é de hoje que a economia
just i f ica a t i rania e o imperial ismo dos poderes do mundo profano com
tais arbi t rar iedades contra a dignidade humana. Ainda, atualmente, em
vez de a economia ex is t i r para o engrandecimento do homem é o h o-
mem que exis te para o engrandecimento da economia. Ass im, não se
há de est ranhar as condições desumanas em vigor naquela época.
Também, outro fato digno de nota é que "Deus ia adiante deles ,
de dia numa coluna de nuvem para guiá-los pelo caminho, e de noi te
numa coluna de fogo para alumiá-los", ass im protegendo e cond uzindo
o Seu Povo. E , es t ra tegicamente , o conduz fazendo até mesmo o Faraó
pensar que est ivessem perdidos e desorientados no deserto e se an i -
masse a perseguí- los com a intenção de encurralá- los em frente ao Mar
Vermelho, onde mais uma vez manifestar -se-ia o Poder de Ia hweh:
" A s s i m p a r t i r a m d e S u c o t , e a c a m p a r a m - s e e m E t a m , à e n t r a d a d o d e s e r t o . E I -
a h w e h i a a d i a n t e d e l e s , d e d i a n u m a c o l u n a d e n u v e m p a r a o s g u i a r p e l o c a m i -n h o , e d e n o i t e n u m a c o l u n a d e f o g o p a r a o s a l u m i a r , a f i m d e q u e c a m i n h a s s e m
d e d i a e d e n o i t e . N ã o d e s a p a r e c i a d e d i a n t e d o p o v o a c o l u n a d e n u v e m d e d i a ,
n e m a c o l u n a d e f o g o d e n o i t e . D i s s e Ia h w e h a M o i s é s : ' F a l a a o s f i l h o s d e I s r a e l q u e s e v o l t e m e ( . . . ) a s s e n t a r e i s o a c a m p a m e n t o j u n t o a o m a r . E n t ã o F a r a ó d i r á
d o s f i l h o s d e I s r a e l : “ E l e s e s t ã o d e s o r i e n t a d o s n a r e g i ã o , o d e s e r t o o s e n c e r -r o u . ” E u e n d u r e c e r e i o c o r a ç ã o d e F a r a ó , e e l e o s p e r s e g u i r á ; g l o r i f i c a r - m e - e i
e m F a r a ó , e e m t o d o o s e u e x é r c i t o ; e s a b e r ã o o s e g í p c i o s q u e e u s o u Ia h w e h ‟ . E
e l e s f i z e r a m a s s i m " ( E x 1 3 , 2 0 - 1 4 , 4 ) .
Foi um momento por demais dramático em que o Povo dos Fi lhos
de Is rael , despreparado, percebeu que, apesar da " coluna de nuvem e
fogo" estava entr incheirado ent re o mar e o exérci to do Faraó pelo que
é muito natural que temesse e se amedrontasse. Anuncia -se uma séria
dif iculdade a enfrentar , o Povo clamou a Deus, e se bem que prote s -
tando energicamente procurou o próprio Moisés para uma solução e a
resposta que lhes deu mostra a fé que se deposi tava em I ahweh Deus.
Não se tem not ícia de alguma deserção nem de que alguns se entrega s-
sem ao Faraó, que os ter ia recebido de braços abertos . Moisés não pe r-
de a calma e o cont role da s i tuação, o Povo a recupera e também crê,
percebendo-se que, proposi tadamente, "se tomou outro caminho que o
dos f i l is teus" (Ex 13,17):
31
" Q u a n d o F a r a ó s e a p r o x i m a v a , o s f i l h o s d e I s r a e l l e v a n t a r a m o s o l h o s , e e i s q u e
o s e g í p c i o s m a r c h a v a m a t r á s d e l e s ; p e l o q u e t i v e r a m m u i t o m e d o o s f i l h o s d e I s -
r a e l e c l a m a r a m a Ia h w e h ! E d i s s e r a m a M o i s é s : ' F o i p o r q u e n ã o h a v i a s e p u l c r o s
n o E g i t o q u e d e l á n o s t i r a s t e p a r a m o r r e r m o s n e s t e d e s e r t o ? P o r q u e n o s f i z e s t e i s t o , t i r a n d o - n o s d o E g i t o ? N ã o é i s t o o q u e t e d i s s e m o s n o E g i t o : D e i x a - n o s ,
q u e s i r v a m o s a o s e g í p c i o s ? P o i s m e l h o r n o s f o r a s e r v i r a o s e g í p c i o s , d o q u e
m o r r e r m o s n o d e s e r t o ' . M o i s é s , p o r é m , d i s s e a o p o v o : ' N ã o t e m a i s ; p e r m a n e c e i f i r m e s e v e r e i s o q u e Ia h w e h h o j e f a r á p a r a v o s l i v r a r ; p o r q u e o s e g í p c i o s q u e
h o j e v e d e s , n u n c a m a i s t o r n a r e i s a v e r ; I a h w e h p e l e j a r á p o r v ó s ; e v ó s v o s t r a n -
q u i l i z a r e i s " ( E x 1 4 , 1 0 - 1 4 ) .
Al i , onde o Faraó pensara que os israel i tas es tavam perd idos,
acontece um fato ou fenômeno que permanece humanamente inexpl ic á-
vel conhecido como a "passagem milagrosa do Mar Vermelho ", que se
abriu para os israel i tas e se fechou af ogando os egípcios:
" E n t ã o d i s s e Ia h w e h a M o i s é s : P o r q u e c l a m a s a m i m ? D i z e a o s f i l h o s d e I s r a e l
q u e m a r c h e m . E t u , l e v a n t a a t u a v a r a , e e s t e n d e a m ã o s o b r e o m a r e f e n d e - o ,
p a r a q u e o s f i l h o s d e I s r a e l p a s s e m p e l o m e i o d o m a r e m s e c o . E i s q u e e u e n d u -r e c e r e i o c o r a ç ã o d o s e g í p c i o s , e s t e s e n t r a r ã o a t r á s d e l e s ; e g l o r i f i c a r - m e - e i e m
F a r a ó e e m t o d o o s e u e x é r c i t o , n o s s e u s c a r r o s e n o s s e u s c a v a l e i r o s . E o s e -
g í p c i o s s a b e r ã o q u e e u s o u Ia h w e h , q u a n d o m e t i v e r g l o r i f i c a d o n o F a r a ó , n o s s e u s c a r r o s e n o s s e u s c a v a l e i r o s . E n t ã o o a n j o d e D e u s , q u e i a a d i a n t e d o e x é r -
c i t o d e I s r a e l , s e r e t i r o u e s e p ô s a t r á s d e l e s ; t a m b é m a c o l u n a d e n u v e m s e r e t i -
r o u d e d i a n t e d e l e s e s e p ô s a t r á s , c o l o c a n d o - s e e n t r e o c a m p o d o s e g í p c i o s e o c a m p o d o s i s r a e l i t a s ; a s s i m h a v i a n u v e m e t r e v a s ; c o n t u d o a q u e l a c l a r e a v a a
n o i t e p a r a I s r a e l ; d e m a n e i r a q u e e m t o d a a n o i t e n ã o s e a p r o x i m o u u m d o o u t r o .
E n t ã o M o i s é s e s t e n d e u a m ã o s o b r e o m a r ; e I a h w e h f e z r e t i r a r o m a r p o r u m f o r t e v e n t o o r i e n t a l t o d a a q u e l a n o i t e , e f e z d o m a r t e r r a s e c a , e a s á g u a s f o r a m
d i v i d i d a s . E o s f i l h o s d e I s r a e l e n t r a r a m p e l o m e i o d o m a r e m s e c o ; e a s á g u a s
f o r a m - l h e s q u a l m u r o à s u a d i r e i t a e à s u a e s q u e r d a . E o s e g í p c i o s o s p e r s e g u i -r a m , e e n t r a r a m a t r á s d e l e s a t é o m e i o d o m a r , c o m t o d o s o s c a v a l o s d e F a r a ó ,
o s s e u s c a r r o s e o s s e u s c a v a l e i r o s . N a v i g í l i a d a m a n h ã , Ia h w e h , n a c o l u n a d o
f o g o e d a n u v e m , o l h o u p a r a o c a m p o d o s e g í p c i o s , e a l v o r o ç o u o c a m p o d o s e -g í p c i o s ; e m b a r a ç o u - l h e s a s r o d a s d o s c a r r o s , e f ê - l o s a n d a r d i f i c u l t o s a m e n t e ; d e
m o d o q u e o s e g í p c i o s d i s s e r a m : F u j a m o s d e d i a n t e d e I s r a e l , p o r q u e Ia h w e h p e -
l e j a p o r e l e s c o n t r a o s e g í p c i o s " ( E x 1 4 , 1 5 - 2 5 ) .
Pela narrat iva , percebe-se que Moisés não t i tubeou um instante
sequer, chegando a dizer que "os egípcios que hoje vedes, nunca mais
tornareis a ver" (Ex 14,13), e "estendeu a mão sobre o mar; e Iahweh
fez ret i rar o mar por um forte vento or iental toda aquela noi te, e fez
do mar terra seca, e as águas foram div ididas ". Não foi um acontec i-
mento instantâneo como pode parecer , eis que o mar foi açoi ta do por
um forte vento oriental toda aquela noi te e não se t ratava de um p e-
queno grupo de pessoas que passou a pé enxuto. Mas, o retorno das
águas ao seu nível normal foi sem demora , a ponto de at ingi r o exérc i-
to faraônico de su rpresa:
" N i s s o Ia h w e h d i s s e a M o i s é s : E s t e n d e a m ã o s o b r e o m a r , p a r a q u e a s á g u a s s e
t o r n e m s o b r e o s e g í p c i o s , s o b r e o s s e u s c a r r o s e s o b r e o s s e u s c a v a l e i r o s . E n t ã o M o i s é s e s t e n d e u a m ã o s o b r e o m a r , e o m a r r e t o m o u a s u a f o r ç a a o a m a n h e c e r ,
e o s e g í p c i o s f u g i r a m d e e n c o n t r o a e l e ; a s s i m o S e n h o r d e r r i b o u o s e g í p c i o s n o
m e i o d o m a r . A s á g u a s , t o r n a n d o , c o b r i r a m o s c a r r o s e o s c a v a l e i r o s , t o d o o e -x é r c i t o d e F a r a ó , q u e a t r á s d e l e s h a v i a e n t r a d o n o m a r ; n ã o f i c o u n e m s e q u e r u m
d e l e s . M a s o s f i l h o s d e I s r a e l c a m i n h a r a m a p é e n x u t o s p e l o m e i o d o m a r ; a s
á g u a s f o r a m - l h e s q u a l m u r o à s u a d i r e i t a e à s u a e s q u e r d a . A s s i m Ia h w e h , n a -q u e l e d i a , s a l v o u I s r a e l d a m ã o d o s e g í p c i o s ; e I s r a e l v i u o s e g í p c i o s m o r t o s n a
p r a i a d o m a r . E v i u I s r a e l a g r a n d e o b r a q u e Ia h w e h o p e r a r a c o n t r a o s e g í p c i o s ;
p e l o q u e o p o v o t e m e u a Ia h w e h , e c r e u e m Ia h w e h e e m M o i s é s , s e u s e r v o " ( E x 1 4 , 2 6 - 3 1 ) .
Para o fenômeno ocorrido não se encontrou até hoje uma expl i -
cação natural que fosse sat isfatória ou exata ou defini t iva, e tudo ind i-
32
ca que nunca se conseguirá , principalmente , porque os israel i tas es t a-
vam encurralados e conseguiram passar o Mar Vermelho sem uma ba i-
xa sequer. Algo de miraculoso aconteceu e sua descrição minuciosa se
mesclou com o nacional ismo nascente e poét ico não permit indo outra
visão que a descri ta . A t í tulo i lust rat ivo conta-se:
“ A m ã e p e r g u n t a a s e u f i l h o o q u e e s t á e s t u d a n d o n o C a t e c i s m o P a r o q u i a l . O m e n i n o r e s p o n d e q u e " o P a d r e e n s i n o u q u e q u a n d o M o i s é s t i r o u o P o v o d e D e u s
d o E g i t o f e z c o n s t r u i r u m a e n o r m e p o n t e d e c o n c r e t o a r m a d o p a r a o p o v o p a s -
s a r . Q u a n d o o s e g í p c i o s v i e r a m a t r á s d o s I s r a e l i t a s , M o i s é s d i n a m i t o u a p o n t e . O s e g í p c i o s c a í r a m n o m a r e m o r r e r a m t o d o s ” . A s s u s t a d a a m ã e r e t o r n a : " M eu
D e u s ! É i s s o m e s m o q u e o P a d r e e s t á e n s i n a n d o , m e u f i l h o ? ! " R e s p o n d e o m e n i -
n o , a s s u s t a d o c o m a r e a ç ã o d a m ã e : " N ã o m a m ã e , n ã o f o i i s s o o q u e o P a d r e e n -s i n o u . M a s s e e u c o n t a r c o m o o P a d r e e n s i n o u a s e n h o r a n ã o v a i a c r e d i t a r " ! ! !
Há pouco tempo num fi lme de Jesus Cris to, desses que a única
coisa que se faz é fals i f icar tudo, em determinado momento f ict ício
apresenta-se Pi latos dizendo a Caifás: "Vocês chegam a pensar que
Deus abriu o mar para vocês passarem". Ao que Caifás respondeu: ". . .
nós passamos". Nessa resposta do rotei ro está uma expl icação sucinta
do fenômeno: alguma coisa aco nteceu para que f icasse tão impr egnada
na História de Is rael :
" E v i u I s r a e l a g r a n d e o b r a q u e Ia h w e h o p e r a r a c o n t r a o s e g í p c i o s ; p e l o q u e o
p o v o t e m e u a Ia h w e h , e c r e u n ‟ E l e e e m M o i s é s , s e u s e r v o " ( E x 1 4 , 3 1 ) .
". . . o povo temeu a Iahweh, e creu n‟Ele e em Moisés , seu servo "
- da mesma forma que com as pragas repete -se o reconhecimento do
Povo de Deus pelo acontecimento ou fenômeno que não pode ter s ido
algo assim normal ou costumeiro, pois foi suficiente para incut i r um
temor reverencial e ao mesmo tempo fé em Deus como confiança em
Moisés . Isso é o que importa e não a procura de expl icação para o f e-
nômeno, nunca se conseguindo a contento e, além disso, por demais
desnecessários a não ser aqui lo que prefigurava a se cumpri r em Cri s to
(Mt 5,17) . É São Paulo quem mostra esse cumprimento:
" P o i s n ã o q u e r o , i r m ã o s , q u e i g n o r e i s q u e n o s s o s p a i s e s t i v e r a m t o d o s d e b a i x o
d a n u v e m , e t o d o s p a s s a r a m p e l o m a r ; e , n a n u v e m e n o m a r , t o d o s f o r a m b a t i -
z a d o s e m M o i s é s , e t o d o s c o m e r a m d o m e s m o a l i m e n t o e s p i r i t u a l ; e b e b e r a m t o -d o s d a m e s m a b e b i d a e s p i r i t u a l , p o r q u e b e b i a m d a p e d r a e s p i r i t u a l q u e o s a c o m -
p a n h a v a ; e a p e d r a e r a C r i s t o " ( 1 C o r 1 0 , 1 - 4 ) .
Outra confusão que é muito freq uente é a da Páscoa com “esta
passagem" do Mar Vermelho. Apesar de próximos os acontec imentos , a
referência entre eles é apenas cronológica ou, f igura pela semelha nça
fát ica entre a l ibertação do Egi to (pela água) e a l ibertação do pec ado
pelo bat ismo na água. Fenômeno semelhante i rá acontecer e se rep et i r
nas águas do Jordão , quando o Povo de Is rael passar pelo seco e e ntrar
com os Sacerdotes carregando a Arca da Aliança na Terra Prometida
(Js 3 ,14-17). Finalmente, é ensino da Sagrada Escri tura que “ a Deus
tudo é possível” (Gn 18,14 / Lc 1,37).
2.7. - DEUS CONDUZ O SEU POVO
33
Após tal façanha , os Israel i tas se inflamam e junto co m Moisés
acompanhado de sua i rmã Maria e todas as mulheres , em homenagem,
entoaram e dançaram um poema tal como é muito comum no Oriente
Médio (Ex 15,1 -21) . Entoam um canto a Iahweh, reconhecendo Seu
Poder e Soberania, bem como a força do Seu Espír i to [" sopro de suas
narinas" (Ex 15,8)] "entre todos os deuses" (Ex 15,11) como se fora
um Hino da Independência. Mencionam a Sant idade de Iahweh , forma
de caracterizar bibl icamente a t ranscendência de Deus separado e di s-
t into dos seres que criou e tendo sobre ele s ainda pleno domínio. Et i -
mologicamente , em hebraico , há semelhança nas raízes das palavras
santo e separado :
" A o s o p r o d a s t u a s n a r i n a s a m o n t o a r a m - s e a s á g u a s , a s c o r r e n t e s p a r a r a m c o m o m o n t ã o ; o s a b i s m o s c o a l h a r a m - s e n o c o r a ç ã o d o m a r . O i n i m i g o d i z i a : P e r s e g u i -
r e i , a l c a n ç a r e i , r e p a r t i r e i o s d e s p o j o s ; d e l e s s e s a t i s f a r á a m i n h a a l m a ; a r r a n c a -
r e i a m i n h a e s p a d a , a m i n h a m ã o o s d e s t r u i r á . S o p r a s t e c o m o t e u v e n t o , e o m a r
o s c o b r i u ; a f u n d a r a m - s e c o m o c h u m b o e m á g u a s p r o f u n d a s . Q u e m e n t r e o s d e u -
s e s é c o m o t u , ó Ia h w e h ? Q u e m é c o m o t u p o d e r o s o e m s a n t i d a d e , a d m i r á v e l e m
l o u v o r e s , o p e r a n d o p r o d í g i o s ? E s t e n d e s t e a m ã o d i r e i t a , e a t e r r a o s t r a g o u " ( E x 1 5 , 8 - 1 2 ) .
"Na tua bondade guiaste o povo que remiste; na tua força o
c \ \duzis te à tua santa habi tação” (Ex 15,1 3) – Realça-se a misericórdia
de Deus l ibertando-os para conduzi - los à Terra Prometida, aqui refe-
renciada com ess a frase, int roduzida no poema para esclarecimento ,
muito tempo depois como afi rmam os exegetas . Isso aconteceu quando
se assumiu a posse da Terra Prometida , nela res idindo e es tabelecidos ,
após terem derrotado e dominado os pagãos ou gent ios e com uma in-
cipiente organização r i tual do Templo ou Santuário (Ex 25,8-9):
" N a t u a b o n d a d e g u i a s t e o p o v o q u e r e m i s t e ; n a t u a f o r ç a o c o n d u z i s t e à t u a
s a n t a h a b i t a ç ã o . O s p o v o s o u v i r a m e e s t r e m e c e r a m ; d o r e s a p o d e r a r a m - s e d o s h a b i t a n t e s d a F i l i s t é i a . E n t ã o o s p r í n c i p e s d e E d o m s e p a s m a r a m ; d o s p o d e r o s o s
d e M o a b a p o d e r o u - s e u m t r e m o r ; d e r r e t e r a m - s e t o d o s o s h a b i t a n t e s d e C a n a ã .
S o b r e e l e s c a i u m e d o , e p a v o r ; p e l a g r a n d e z a d o t e u b r a ç o e m u d e c e r a m c o m o u m a p e d r a , a t é q u e o t e u p o v o p a s s a s s e , ó Ia h w e h , a t é q u e p a s s a s s e e s t e p o v o
q u e a d q u i r i s t e . T u o s i n t r o d u z i r á s , e o s p l a n t a r á s n o m o n t e d a t u a h e r a n ç a , n o
l u g a r q u e t u , ó Ia h w e h , a p a r e l h a s t e p a r a a t u a h a b i t a ç ã o , n o s a n t u á r i o , ó Ia h -w e h , q u e a s t u a s m ã o s e s t a b e l e c e r a m . Ia h w e h S e n h o r r e i n a r á e t e r n a e p e r p e t u a -
m e n t e " ( E x 1 5 , 1 3 - 1 8 ) .
Não se pode deixar de regis t rar essa inclusão de esclarecime n-
tos , fei to com fatos ocorridos no futu ro, muito comum na confecção da
Escri tura Sagrada e que muitas vezes confunde o estudioso. Um exe m-
plo claro disso foi a frase usada na narrat iva da saída do Egi to em que
se diz que Deus " levou-os não pelo caminho habi tual da ter ra dos f i l i s -
teus" (Ex 13,17), sabendo-se que a esse tempo os f i l is teus ainda não
habi tavam, nem eram conhecidos na Palest ina. Narra -se o acontec i-
mento com a cul tura e os conhecimentos que se tem na ocasião da na r-
rat iva e não conforme a ocasião em que aconteceram realmente.
Também costuma o narrador mesclar algum versícu lo est ranho ao
contexto e fora do assunto, tal como nesse poema, acrescentado muito
tempo depois por t rechos fora de lugar, entrecortado por uma espécie
de parêntesis e dest inado à sat isfação de algum esclarecimento ex igido
por t radição oral di s t inta da na rrada. Nesse ponto parece que se ex tr a-
34
via do assunto para outro aspecto da viagem, abrindo -se uma espécie
de parêntesis :
" D e p o i s M o i s é s f e z p a r t i r a I s r a e l d o M a r V e r m e l h o , e s a í r a m p a r a o d e s e r t o d e S u r ; c a m i n h a r a m t r ê s d i a s n o d e s e r t o , e n ã o a c h a r a m á g u a . E c h e g a r a m a M a r a ,
m a s n ã o p o d i a m b e b e r d a s s u a s á g u a s , p o r q u e e r a m a m a r g a s ; p o r i s s o c h a m o u - s e
o l u g a r M a r a . E o p o v o m u r m u r o u c o n t r a M o i s é s , d i z e n d o : Q u e h a v e m o s d e b e -b e r ? E n t ã o c l a m o u M o i s é s a Ia h w e h , e Ia h w e h m o s t r o u - l h e u m a á r v o r e , e M o i s é s
l a n ç o u - a n a s á g u a s , a s q u a i s s e t o r n a r a m d o c e s . A l i D e u s l h e s d e u u m e s t a t u t o e
u m a o r d e n a n ç a , e a l i o s p r o v o u , d i z e n d o : S e o u v i r e s a t e n t a m e n t e a v o z d e Ia h -w e h t e u D e u s , e f i z e r e s o q u e é r e t o d i a n t e d e s e u s o l h o s , e i n c l i n a r e s o s o u v i -
d o s a o s s e u s m a n d a m e n t o s , e g u a r d a r e s t o d o s o s s e u s e s t a t u t o s , s o b r e t i n ã o e n -
v i a r e i n e n h u m a d a s e n f e r m i d a d e s q u e e n v i e i s o b r e o s e g í p c i o s ; p o r q u e e u s o u I a h w e h q u e t e s a r a . E n t ã o v i e r a m a E l i m , o n d e h a v i a d o z e f o n t e s d e á g u a e s e -
t e n t a p a l m e i r a s ; e a l i , j u n t o d a s á g u a s , a c a m p a r a m " ( E x 1 5 , 2 2 - 2 7 ) .
Não se pode deixar de lado e se esquecer da presença na vida
humana das consequências do pecado a se manifestar sempre até me s-
mo com os elei tos , os escolhidos por Deus para uma missão. Deus usa
delas para amadurecê-los , prová-los (Ex 15,25), em outras palavras
mais adequadas à real idade, temperá-los ou mesmo prepará-los , para
aqui lo que deles espera; pois já os conhece bem e não necessi ta su b-
meter ninguém à prova para saber com quem l ida (1Sm 16,7; 11,20; Jó
10,4; J r 17,10; Is 55 ,8 -9; Jo 2,25). Também não se pode deixar de lado
que a Bíbl ia não é um l ivro especial izado em História ou em Psicol o-
gia ou em qualquer ciência, e que o centro gravi tacional dela é a fé em
Iahweh.
Além de tudo isso não se pode anal isar fato do passado apress a-
damente sem se considerar a s i tuação real do acontecimento, nem e-
xaminá-lo com base na cul tura atual e nas conquis tas his tóricas . Pri n-
cipalmente ainda pelo fato de que a Bíb l ia ter ia s ido escri ta , não para
o homem atual , mas para os israel i tas daquele tempo e a dis posição
lógica dos fatos do que se narra se adequava a eles , com a sua cul tura
e modo de raciocinar . As narrat ivas daquele tempo nem sempre se i -
dent i f icam ao s is tema atual de relatar fatos ou acontecimentos nem s e-
guem a mesma ordem lógica ou cron ológica. E , ainda, poucas pessoas
sabiam ler , além do fato de que se escrevia para quem já conhecia o
assunto e, também, havia muita dif iculdade em s e conseguir o material
para escrever, motivos causadores dos resumos e s ínteses fei tos , me n-
cionando-se muitas vezes somente o indispensável ou o est r i tamente
necessário.
Tudo indica que a reclamação ter ia s ido séria e até mesmo pr ó-
x ima ao desespero. Mas, é isso mesmo que soe aco ntecer a um povo
sedentário , que, de uma hora para outra , passa às pressas para uma v i-
da nômade estando para ela , completamente despreparado. Na real id a-
de, esse povo vivia no Egi to na amargura de uma servidão, mas t inha
água para beber e comida com a fartura necessária para manter -se e à
própria famíl ia . Não era um regime de escravidão plena como se pensa
e muitas vezes se propaga, mas um sis tema econômico que reduziu t o-
do o povo a um regime de servidão semelhante ao que se poderia d e-
nominar de um esboço da corvéia, onde não lhes fal tava o al imento
necessário à subsis tência para manter o r i tmo do t rabalho e da produ-
ção (Ex 14,12; 16,3) . Agora, porém, sem esse conforto, caminhando
errante num deserto com todos os familiares expostos a toda a sorte de
35
intempéries , tendo que encontrar uma fonte de água para se dessede n-
tar , com o pão ainda sem o ferment o, mal preparado agora esgotando ,
sem mais al imentos e , não conhecendo a inda a vida no deser to , é mui-
to natural que se desesp erem.
De novo se observa que não desertaram , mas procuraram Moisés
e Aarão e reclamaram. É essa dif iculdade de vida que o narrador quer
mostrar e a s i tuação em que se encontravam, demonstrando, pelo r e-
sul tado alcançado, que não houve uma sedição propriamente di ta , mas
uma s i tuação de emergência contornada. E o povo saiu amadurecido e
preparado para o prosseguim ento da peregrinação em busca da consu-
mação da Promessa da Terra Prometida. Deus os prepara desde já e , tal
como com os Patr iarcas , pelo sofr imento, e então recebem de Deus a
aprovação:
" . . . A l i D e u s l h e s d e u u m e s t a t u t o e u m a o r d e n a n ç a , e a l i o s p r o v o u , d i z e n d o : S e
o u v i r e s a t e n t a m e n t e a v o z d e Ia h w e h t e u D e u s , e f i z e r e s o q u e é r e t o d i a n t e d e
s e u s o l h o s , e i n c l i n a r e s o s o u v i d o s a o s s e u s m a n d a m e n t o s , e g u a r d a r e s t o d o s o s
s e u s e s t a t u t o s , s o b r e t i n ã o e n v i a r e i n e n h u m a d a s e n f e r m i d a d e s q u e e n v i e i s o b r e o s e g í p c i o s ; p o r q u e e u s o u I a h w e h q u e t e c u r a " ( E x 1 5 , 2 5 - 2 6 ) .
Essas palavras não se apl icariam a um povo rebelde que t ivesse
realmente se revol tado contra Iahweh Deus. Recorreram a quem dev e-
riam, e pelo fato da prát ica adquir ida por Moisés da vida no deserto,
onde aprendeu os seus s egredos e as condições necessárias para a s o-
brevivência nas mais adversas s i tuações , superou -se a s i tuação. O Po-
vo de Israel seguia o mesmo trajeto muito famil iar a Moisés até o
Monte Sinai , onde Deus lhe aparecera e onde apascentava o rebanho de
seu sogro (Ex 3,1) . No local onde Deus disse -lhe que seria adorado
quando fosse l ibert ado o Seu Povo (Ex 3,12) , comprovando -se assim o
cumprimento da promessa de l ibertá - lo . Por causa de sua experiê ncia,
Moisés conhece a madeira a ser colocada na água para a adoçar . Aqui
é que não se pode anal isar como se fora uma narração comum, mas d e-
ve-se levar em conta o s ignif icado s imbólico aí subjacente e em fi gu-
ra, já que tanto a água amarga como seu adoçante t raduzem as muitas
dif iculdades encontradas, t razendo o amadurecim ento dos i srael i tas no
contato com a vida se lvagem e rude:
" E n t ã o v i e r a m a E l i m , o n d e h a v i a d o z e f o n t e s d e á g u a e s e t e n t a p a l m e i r a s ; e a l i , j u n t o d a s á g u a s , a c a m p a r a m " ( E x 1 5 , 2 7 ) .
Quando muitas vezes não se entende o que se lê na Bíbl ia é que
foi deixado de lado o sent ido rel igioso que, por excelência, foi expre s-
so com primazia. Também, o Povo Is rael i ta não era apenas um amo n-
toado de pessoas com costumes, sent imentos , ambições, his tória e
normas comuns, mas um povo organizado em torno de uma rel igião
comum, o centro i r radiador de todos os demais elementos const i tut ivos
de sua real idade. Então o s ignif icado imediato do vers ículo acima
t ranscri to não se l imita a um relato apenas cronológico ou seq uencial
da peregrinação. É que as doze fontes são como que re presentações
das doze t r ibos dos f i lhos de Israel , f rutos das setenta pessoas que
desceram ao Egi to (Ex 1,5 / Gn 46,27), s ignif icadas pelas setenta pa l-
meiras , onde fert i lmente se prol i feraram e " acamparam junto das á-
guas" (Rio Nilo) , qual seja de seu Senho r e recebem a Sua Bênção nas
36
fontes da fecundidade, motivo da grande prol i feração dos Fi lhos de I s-
rael (Ex 1,7.12).
2.7.1. – O MANÁ, AS CODORNIZES E A ÁGUA DA ROCHA
Inegavelmente , a l ibertação do Povo de Israel do Egi to é um
mistério por causa dos prodígios conhecidos por pragas , às vezes i -
nexpl icáveis . Por isso, supõe -se não passarem de lendas ou fenômenos
naturais exal tados ao grau máximo pelo ardor t r ibal , j á na origem do
Povo dos Fi lhos de Israel . Porém, da mesma forma que ocorre com a
Passagem do Mar Vermelho não se pode deixar de reconhecer a pr e-
sença at iva de Deus que o l iberta. Diz -se o mesmo das águas amargas
que Moisés adoçou com um pedaço de madeira (Ex 15,23 -24); do fe-
nômeno das codornizes at ravessando o mar em busca de terra f i rme
(Ex 16,13) com que o Povo se far tou de carne . Também, da água do
rochedo (Ex 17,1 -7) com que ele saciou a sede; e , quando se esbarra
com o Maná impõe-se o reconhecimento da mesma presença at iva d e
Deus (Ex 16,9-35) al imentando os Fi lhos de Is rael com “o pão do
céu” .
Essa presença de Iahweh junto a Seu Povo é dinâmica , `` sempre
percept ível ao menor s inal de alguma necessidade ameaçando o Desí g-
nio de Deus. É o que aparece principalmente com o exame da narr at iva
do Maná e das Codornizes . O relato j á se referiu ao choque que deve
ter ocorrido com a mudança de s i tuação do Povo dos Fi lhos de Is rael
saindo em fuga de uma opressão para um deserto inóspi to, passando a
sofrer fome e sede. Apesar de parecer sedição quando os Is rael i tas r e-
clamavam dessas condições adversas , a s i t uação foi sempre resolvida e
a paz mant ida (Ex 32,1.25 / Nm 16 e 25), mesmo com soluções mu itas
vezes dramáticas , e nunca comprometendo a unidade. Os Profetas
sempre denominaram o período de peregrinação no deserto como um
fel iz tempo de noivado de Iahweh com o Seu Povo (J r 2 ,2 / Os 2,16;
11,1) .
As privações que encontraram no deserto foram de tal sorte que
os f izeram se esquecer (vrs . 11 e 12) o que sofreram no Egi to. Exig i-
ram a solução energicamen te junto a Moisés e Aarão os l íderes da fuga
empreendida , responsabi l izando-os pela drást ica s i tuação em que se
encontravam. São relatos do que a vida dura no deserto esculpiu na
personal idade e no caráter do Povo dos Fi lhos de Israel , amadurece n-
do-o para a envergadura da missão que o aguardava assumindo a Al i -
ança de Abraão, Isaac e Jacó. Deus conduziu -o com uma pedagogia a-
propriada à tomada de consciência de sua tarefa de Povo Primogêni to,
"as primícias da fecundidade de Iahweh " (Gn 49,3) . Foi ass im suste n-
tado e al imentado pelo próprio Deus com a carne das C odornizes e
com o pão do Maná, f iguras da Eucaris t ia , do mesmo modo que i rá a-
l imentar o Povo da Nova Aliança com o Corpo („ Carne e Pão ‟) e San-
gue de Seu Fi lho. Algumas dif iculdades não conseguem obscurecer os
fatos das codornizes e do maná, ret i rando -lhes o bri lho. É que, para
alguns, a migração das codornizes se dá em setembro e o f enômeno do
maná em maio-junho no centro desért ico do Sinai onde escasseia a v e-
getação, não passando de f enômenos naturais .
37
Mas, como foi di to na Introdução, não há observância crono lógi-
ca dos fatos narrados na Escri tura Sagrada. Expunha -se s implesmente,
dest inando-se a narrat iva quase sempre a quem conhecia o que se e s-
crevia, dispensando -se muitos detalhes . Ora, na primavera os bandos
de codornizes emigram da África para o Norte, hav endo poucas que a-
t ravessavam a Península do Sinai , onde a vegetação era muito pobre.
Porém, a dimensão do prodígio de Iahweh aval ia -se pela abundância de
codornizes e da época em que aparecem, conforme o que se informa
em Ex 16,1 e Nm 11,31, conjugados. Os dois fatos podem ter oco rrido
em épocas dis t intas , porém com o mesmo objet ivo de evidenciar a pr e-
sença at iva de Iahweh, motivo que poderia levar o h agiógrafo a uni - los
em uma mesma narração , de acordo com a cul tura da época.
Conforme anunciara Iahweh, re spondendo aos reclamantes , ma n-
dou primeiro a carne: “à tarde subiram as codornizes e cobri ram o a r-
raial . . .” l i teralmente “. . . o lharam para o deserto, e eis que, a gl ória de
Iahweh apareceu na nuvem”. Viram uma nuvem onde se manifestou a
“Glória de Deus”, nuvem que outra coisa não era que aquela que se m-
pre lhes dera guarida (Ex 13,21 -22; 19,16; 24,15-18), e num primeiro
lance a visão das codornizes , voando em bando. “Chegai -vos à presen-
ça de Iahweh . . .” é outra f rase digna de anál ise, contrariando a opinião
geral de se t ratar de antecipação cronológica da presença da Arca, para
melhor entendimento dos ouvintes . Adiante, quando se comenta o ve r-
s ículo t r inta e quatro, vai -se admit i r a mesma antecipação cronológica ,
com a ressalva de que lá usou -se o termo especí f ico Testemunho, onde
se colocou o vaso com maná. Mas, ex istem vários locais onde se fez a
mesma observação, que fogem a essa ci rcunstância. É o caso de Adão
se esconder da “presença de Iahweh Deus” (Gn 3,8) e de Abraão ao s e-
lar a Aliança com a inst i tuição da ci rcuncisão ao ouvir “ . . . anda na
minha presença e sê perfei to” (Gn 17,1) . Conclui -se então que “andar
na presença de Iahweh, é viver honestamente”. Então, foi isso que se
exigiu do povo em peregr inação, uma ret idão de costumes dentro da-
quela moral natural que todo ser humano t raz ao nascer :
“ P a r t i r a m d e E l i m , e t o d a a c o n g r e g a ç ã o d o s f i l h o s d e I s r a e l v e i o p a r a o d e s e r t o d e S i m , q u e e s t á e n t r e E l i m e S i n a i , a o s q u i n z e d i a s d o s e g u n d o m ê s , d e p o i s q u e s a í r a m
d a t e r r a d o E g i t o . T o d a a c o n g r e g a ç ã o d o s f i l h o s d e I s r a e l m u r m u r o u c o n t r a M o i s é s e A a r ã o n o d e s e r t o ; d i s s e r a m - l h e s o s f i l h o s d e I s r a e l : Q u e m n o s d e r a t i v é s s e m o s
m o r r i d o p e l a m ã o d e Ia h w e h , n a t e r r a d o E g i t o , q u a n d o e s t á v a m o s s e n t a d o s j u n t o à s
p a n e l a s d e c a r n e e c o m í a m o s p ã o a f a r t a r ! P o i s n o s t r o u x e s t e s a e s t e d e s e r t o , p a r a m a t a r d e s d e f o m e t o d a e s t a m u l t i d ã o . E n t ã o , d i s s e Ia h w e h a M o i s é s : E i s q u e v o s f a -
r e i c h o v e r p ã o d o c é u , e o p o v o s a i r á e c o l h e r á d i a r i a m e n t e a p o r ç ã o p a r a c a d a d i a ,
p a r a q u e e u p o n h a à p r o v a s e a n d a n a m i n h a l e i o u n ã o . D a r - s e - á q u e , a o s e x t o d i a , p r e p a r a r ã o o q u e c o l h e r e m ; e s e r á o d o b r o d o q u e c o l h e m c a d a d i a . E n t ã o , d i s s e
M o i s é s e A r ã o a t o d o s o s f i l h o s d e I s r a e l : à t a r d e , s a b e r e i s q u e f o i Ia h w e h q u e m v o s
t i r o u d a t e r r a d o E g i t o , e , p e l a m a n h ã , v e r e i s a g l ó r i a d e Ia h w e h , p o r q u a n t o o u v i u a s v o s s a s m u r m u r a ç õ e s ; p o i s q u e m s o m o s n ó s , p a r a q u e m u r m u r e i s c o n t r a n ó s ? P r o s s e -
g u i u M o i s é s : S e r á i s s o q u a n d o Ia h w e h , à t a r d e , v o s d e r c a r n e p a r a c o m e r e , p e l a
m a n h ã , p ã o q u e v o s f a r t e , p o r q u a n t o Ia h w e h o u v i u a s v o s s a s m u r m u r a ç õ e s , c o m q u e v o s q u e i x a i s c o n t r a e l e ; p o i s q u e m s o m o s n ó s ? A s v o s s a s m u r m u r a ç õ e s n ã o s ã o c o n -
t r a n ó s , e s i m c o n t r a Ia h w e h . D i s s e M o i s é s a A r ã o : D i z e a t o d a a c o n g r e g a ç ã o d o s
f i l h o s d e I s r a e l : C h e g a i - v o s à p r e s e n ç a d e Ia h w e h , p o i s o u v i u a s v o s s a s m u r m u r a -ç õ e s . Q u a n d o A r ã o f a l a v a a t o d a a c o n g r e g a ç ã o d o s f i l h o s d e I s r a e l , o l h a r a m p a r a o
d e s e r t o , e e i s q u e a g l ó r i a d e Ia h w e h a p a r e c e u n a n u v e m . E I a h w e h d i s s e a M o i s é s :
T e n h o o u v i d o a s m u r m u r a ç õ e s d o s f i l h o s d e I s r a e l ; d i z e - l h e s : A o c r e p ú s c u l o d a t a r -d e , c o m e r e i s c a r n e , e , p e l a m a n h ã , v o s f a r t a r e i s d e p ã o , e s a b e r e i s q u e e u s o u Ia h -
w e h , v o s s o D e u s . À t a r d e , s u b i r a m c o d o r n i z e s e c o b r i r a m o a r r a i a l ; p e l a m a n h ã , j a -
z i a o o r v a l h o a o r e d o r d o a r r a i a l ” ( E x 1 6 , 1 - 1 3 ) .
38
“Então. . . sabereis que foi Iahweh quem vos t i rou da terra do
Egi to” (v . 4 ) , já se impondo o nome de Iahweh como o nome do Deus a
ser adorado pelo Povo dos Fi lhos de Israel . Quanto ao maná em si há
maior variedade de descrições (Ex 16,31 / Nm 11, 6 -9 / Dt 8 ,3.16 / Ne
9,20 / Sl 78,24). E, a resposta de Iahweh de que “ lhes dar ia carne e
pão dos céus para que reconhecessem o seu poder”, se concret iza sem
mais tardar , e “chove o maná”, “ l i t ter is”: “ . . . pela manhã, jaz ia o o r-
valho ao redor do arraial . E, quando se evaporou o orvalho que caíra,
na superfície do deserto res tava uma coisa f ina e semelhante a esca-
mas, f ina como a geada sobre a terra.” Iahweh estabelece en tão um r e-
gulamento para a co lhei ta , repart indo -o. Limitou-a em um gômer („ t rês
l i t ros e meio‟ ) por pessoa em cada dia, de acordo com os dias da s e-
mana; modificando -se, apenas nas sextas -fei ras , quando a ração de c a-
da um era dobrada por causa do sába do quando não lhes cair ia o “m a-
ná”, “o pão dos céus que Deus lhes dar ia” e lhes far ia “chover pão do
céu” (cf r v . 4) . De várias maneiras poderia ser servido e preparado
desde a véspera (Nm 11,8) , rat i f icando -se tanto na sua a l imentação,
como na colhei ta o respei to ao “repouso do s ábado”.
Aquela tendência em anal isar o s prodígios real izados no Egi to
julgando-os o resul tado de algum fenômeno natural esbarra aqui com
um sério obstácu lo: a surpresa do povo desconhecendo-o e perguntan-
do “manhu?”, que se t raduz por “o que é is to?”, donde o termo “maná”
adveio , al iado ao próprio tex to que informa em seguida que “não sab i -
am o que era”. Confunde -se o referido maná com a secreção de um i n-
seto de algumas tamareiras , contrariando a surpresa e o desconhec i -
mento gera is . O grande prodígio é que , após a colhei ta , veri f icava-se
que “medindo -o com o gômer, não sobejava ao que colhera mu ito, nem
fal tava ao que colhera pouco, pois colheram cada um quan to podia
comer”, fato que se contrapõe a um fenômeno natural . Também, nada
dele poderia ser deixado para o dia se guinte a não ser no sábado. Dele
foi ret i rado um vaso que deveria ser guardado “na presença de Ia h-
weh” , i s to é, a primeira vis ta , no Tabernácul o:
“ T o m a u m v a s o , m e t e n e l e u m g ô m e r c h e i o d e m a n á e c o l o c a - o d i a n t e d e Ia h w e h , p a r a g u a r d a r - s e à s v o s s a s g e r a ç õ e s . C o m o Ia h w e h o r d e n a r a a M o i s é s , a s s i m A r ã o
o c o l o c o u d i a n t e d o T e s t e m u n h o p a r a o g u a r d a r ” ( E x 1 6 , 3 3 - 3 4 ) .
Outra af i rmação fora da ordem cr onológica, eis que se referindo
ao Testemunho, as Tabuas de Pedra com o Decálogo, falam do Tabe r-
náculo, da Arca da Aliança ainda inexis tente. A dimensão do prodígio
é t raduzida por Moisés reconhecendo ser dom de Deus, “ i s to é o pão
que Iahweh vos dá para v osso al imento”, e sela a questão.
Em vários locais a Sagrada Escri tura t rata -o como o Alimento do
Povo Messiânico (Sl 78,23 -24; 105,40 / Sb 16,20 -22) Ainda, esse mi-
lagre de Iahweh é ass im reconhecido por Jesus na controvérsia com os
judeus, quando da Mul t ipl icação dos Pães (Jo 6,35 -50), vinculando-o
ao Anúncio da Eucaris t ia que faz ia como se anal isará no i tem a seguir
“O Maná e a Eucar is t ia”. Por sua vez , São Paulo vê nele uma f igura
(1Cor 10,3) e recomenda a mesma norma de dis t r ibuição al imentar i -
gual entre os cr is tãos da comunidade (2 Cor 8,14 -15). Também é o a-
l imento da imortal idade, segundo S. João (Ap 2,17):
39
“ . . . p e l a m a n h ã , j a z i a o o r v a l h o a o r e d o r d o a r r a i a l . E , q u a n d o s e e v a p o r o u o o r -
v a l h o q u e c a í r a , n a s u p e r f í c i e d o d e s e r t o r e s t a v a u m a c o i s a f i n a e s e m e l h a n t e a
e s c a m a s , f i n a c o m o a g e a d a s o b r e a t e r r a . V e n d o - a o s f i l h o s d e I s r a e l , d i s s e r a m
u n s a o s o u t r o s : Q u e é i s t o ? p o i s n ã o s a b i a m o q u e e r a . D i s s e - l h e s M o i s é s : I s t o é o p ã o q u e I a h w e h v o s d á p a r a v o s s o a l i m e n t o . E i s o q u e Ia h w e h v o s o r d e n o u :
C o l h e i d i s s o c a d a u m s e g u n d o o q u e p o d e c o m e r , u m g ô m e r p o r c a b e ç a , s e g u n d o
o n ú m e r o d e v o s s a s p e s s o a s ; c a d a u m t o m a r á p a r a o s q u e s e a c h a r e m n a s u a t e n -d a . A s s i m o f i z e r a m o s f i l h o s d e I s r a e l ; e c o l h e r a m , u n s , m a i s , o u t r o s , m e n o s .
P o r é m , m e d i n d o - o c o m o g ô m e r , n ã o s o b e j a v a a o q u e c o l h e r a m u i t o , n e m f a l t a v a
a o q u e c o l h e r a p o u c o , p o i s c o l h e r a m c a d a u m q u a n t o p o d i a c o m e r ” ( E x 1 6 , 1 3 b -1 8 ) .
Apesar de toda a recomendação de que se colhesse cada dia a sua
provisão, nada deixando para o dia seguinte, tal como preconiz ado no
versículo quat ro, “ o povo sairá e colherá diariamente a porção para
cada dia, para que eu ponha à prova se anda na minha lei ou não ”. O
que Iahweh exigia era a confiança na entrega diária da ração de cada
qual , não havendo necessidade de nenhuma pro visão ou qualquer preo-
cupação com o dia seguinte. Essa era a “prova se anda na minha lei ou
não”. Alguns, porém t iveram dif iculdade em permanecer em inertes e
deposi tando confiança, sem nenhuma providência pessoal e temendo
que o al imento viesse a fal tar gu ardaram-no para o dia seguinte , e para
surpresa geral , ele se corrompeu “deu b ichos e cheirava mal”. Moisés
indignou-se por causa disso e eles passaram a obedecer, mesmo sem
compreender o que se passava, colhendo o que podiam comer antes do
sol , que derret ia o Maná. E, no sexto dia , colheram o dobro tal como
recomendado, e os chefes das famíl ias vieram infor mar a causa dessa
diferença uma vez que ainda não fora oficial izado o repouso sabát ico ,
não passando essa prel iminar de preparação para isso. E guardaram o
al imento até o dia seguinte e ele não cheirou mal , nem deu bichos. E ,
neste dia , de sábado não se encont rou mais o Maná, e Moisés esclare-
ceu: “Comei -o hoje, porquanto o sábado é de Iahweh; hoje, não o a-
chareis no campo; seis dias o colhereis , mas o sét imo dia é o sábado;
nele, não haverá o que colher”, e o Povo guardou o sábado, respei ta n-
do o repouso pela primeira vez . Aparece nova descrição do maná e a
sua nomeação pela casa de Is rael e a nova ordem de Iahweh para a s e-
paração de uma urna com um gômer d o maná para ser colocada na A r-
ca do Testemunho, o que será fei to , quando for construída (Ex 25,10 -
22):
“ D i s s e - l h e s M o i s é s : N i n g u é m d e i x e d e l e p a r a a m a n h ã s e g u i n t e . E l e s , p o r é m , n ã o d e r a m o u v i d o s a M o i s é s , e a l g u n s d e i x a r a m d o m a n á p a r a a m a n h ã s e g u i n t e ;
p o r é m d e u b i c h o s e c h e i r a v a m a l . E M o i s é s s e i n d i g n o u c o n t r a e l e s . C o l h i a m - n o ,
p o i s , m a n h ã a p ó s m a n h ã , c a d a u m q u a n t o p o d i a c o m e r ; p o r q u e , e m v i n d o o c a -l o r , s e d e r r e t i a . A o s e x t o d i a , c o l h e r a m p ã o e m d o b r o , d o i s g ô m e r e s p a r a c a d a
u m ; e o s p r i n c i p a i s d a c o n g r e g a ç ã o v i e r a m e c o n t a r a m - n o a M o i s é s . R e s p o n d e u -
l h e s e l e : I s t o é o q u e d i s s e Ia h w e h : A m a n h ã é r e p o u s o , o s a n t o s á b a d o d e Ia h -w e h ; o q u e q u i s e r d e s c o z e r n o f o r n o , c o z e i - o , e o q u e q u i s e r d e s c o z e r e m á g u a ,
c o z e i - o e m á g u a ; e t u d o o q u e s o b r a r s e p a r a i , g u a r d a n d o p a r a a m a n h ã s e g u i n t e .
E g u a r d a r a m - n o a t é p e l a m a n h ã s e g u i n t e , c o m o M o i s é s o r d e n a r a ; e n ã o c h e i r o u m a l , n e m d e u b i c h o s . E n t ã o , d i s s e M o i s é s : C o m e i - o h o j e , p o r q u a n t o o s á b a d o é
d e Ia h w e h ; h o j e , n ã o o a c h a r e i s n o c a m p o . S e i s d i a s o c o l h e r e i s , m a s o s é t i m o
d i a é o s á b a d o ; n e l e , n ã o h a v e r á . A o s é t i m o d i a , s a í r a m a l g u n s d o p o v o p a r a o c o l h e r , p o r é m n ã o o a c h a r a m . E n t ã o , d i s s e Ia h w e h a M o i s é s : A t é q u a n d o r e c u s a -
r e i s g u a r d a r o s m e u s m a n d a m e n t o s e a s m i n h a s l e i s ? C o n s i d e r a i q u e Ia h w e h v o s
d e u o s á b a d o ; p o r i s s o , e l e , n o s e x t o d i a , v o s d á p ã o p a r a d o i s d i a s ; c a d a u m f i -q u e o n d e e s t á , n i n g u é m s a i a d o s e u l u g a r n o s é t i m o d i a . A s s i m , d e s c a n s o u o p o -
v o n o s é t i m o d i a . D e u - l h e a c a s a d e I s r a e l o n o m e d e m a n á ; e r a c o m o s e m e n t e d e
c o e n t r o , b r a n c o e d e s a b o r c o m o b o l o s d e m e l . D i s s e M o i s é s : E s t a é a p a l a v r a q u e Ia h w e h o r d e n o u : D e l e e n c h e r á s u m g ô m e r e o g u a r d a r á s p a r a a s v o s s a s g e r a -
40
ç õ e s , p a r a q u e v e j a m o p ã o c o m q u e v o s s u s t e n t e i n o d e s e r t o , q u a n d o v o s t i r e i d o E g i t o . D i s s e t a m b é m M o i s é s a A a r ã o : T o m a u m v a s o , m e t e n e l e u m g ô m e r
c h e i o d e m a n á e c o l o c a - o d i a n t e d e Ia h w e h , p a r a g u a r d a r - s e à s v o s s a s g e r a ç õ e s .
C o m o Ia h w e h o r d e n a r a a M o i s é s , a s s i m A r ã o o c o l o c o u d i a n t e d o T e s t e m u n h o p a r a o g u a r d a r . E c o m e r a m o s f i l h o s d e I s r a e l m a n á q u a r e n t a a n o s , a t é q u e e n -
t r a r a m e m t e r r a h a b i t a d a ; c o m e r a m m a n á a t é q u e c h e g a r a m a o s l i m i t e s d a t e r r a
d e C a n a ã . G ô m e r é a d é c i m a p a r t e d o e f a ” ( E x 1 6 , 2 2 - 3 6 ) .
Outro episódio , em seguida , repete a mesma cena dos protes tos e
o socorro de Iahweh ao Povo dos Fi lhos de Isr ael :
“ T e n d o p a r t i d o t o d a a c o n g r e g a ç ã o d o s f i l h o s d e I s r a e l d o d e s e r t o d e S i m , f a -
z e n d o s u a s p a r a d a s , s e g u n d o o m a n d a m e n t o d e Ia h w e h , a c a m p a r a m - s e e m R a f i -
d i m ; e n ã o h a v i a a l i á g u a p a r a o p o v o b e b e r . C o n t e n d e u , p o i s , o p o v o c o m M o i -s é s e d i s s e : D á - n o s á g u a p a r a b e b e r . R e s p o n d e u - l h e s M o i s é s : P o r q u e c o n t e n d e i s
c o m i g o ? P o r q u e t e n t a i s Ia h w e h ? T e n d o a í o p o v o s e d e d e á g u a , m u r m u r o u c o n -
t r a M o i s é s e d i s s e : P o r q u e n o s f i z e s t e s u b i r d o E g i t o , p a r a n o s m a t a r e s d e s e d e , a n ó s , a n o s s o s f i l h o s e a o s n o s s o s r e b a n h o s ? E n t ã o , c l a m o u M o i s é s a Ia h w e h :
Q u e f a r e i a e s t e p o v o ? S ó l h e r e s t a a p e d r e j a r - m e . R e s p o n d e u Ia h w e h a M o i s é s :
P a s s a a d i a n t e d o p o v o e t o m a c o n t i g o a l g u n s d o s a n c i ã o s d e I s r a e l , l e v a c o n t i g o
e m m ã o o b o r d ã o c o m q u e f e r i s t e o r i o e v a i . E i s q u e e s t a r e i a l i d i a n t e d e t i s o -
b r e a r o c h a e m H o r e b ; f e r i r á s a r o c h a , e d e l a s a i r á á g u a , e o p o v o b e b e r á . M o i -
s é s a s s i m o f e z n a p r e s e n ç a d o s a n c i ã o s d e I s r a e l . E c h a m o u o n o m e d a q u e l e l u -g a r M a s s a e M e r i b a , p o r c a u s a d a c o n t e n d a d o s f i l h o s d e I s r a e l e p o r q u e t e n t a -
r a m Ia h w e h , d i z e n d o : E s t á I a h w e h n o m e i o d e n ó s o u n ã o ? ” ( E x 1 7 , 1 - 7 ) .
Moisés deu ao local o nome de “ Massa e Meriba”, termos que
s ignif icam respect ivamente “ Provação e Contestação ”, t raduzindo o
acontecimento em palavras s ignif icat ivas do incidente. Este fato vem
também narrado em Nm 20,2-13, causando algum debate tendo por s o-
lução mais provável a ocorrência de dois acontecimentos idênt icos .
Entre ambos há um inte rvalo de t r inta anos.
São Paulo, por sua vez , combatendo o hábi to de alguns que fr e-
quentavam a Eucaris t ia e também os sacri f ícios pagãos, p arte desse
Milagre da Água da Rocha:
“ T o d o s e l e s c o m e r a m d e u m s ó m a n j a r e s p i r i t u a l 4 e b e b e r a m d a m e s m a f o n t e e s p i r i t u a l ; p o r q u e b e b i a m d e u m a p e d r a e s p i r i t u a l q u e o s s e g u i a . E a p e d r a e r a
C r i s t o . E n t r e t a n t o , D e u s n ã o s e a g r a d o u d a m a i o r i a d e l e s , r a z ã o p o r q u e f i c a r a m
p r o s t r a d o s n o d e s e r t o . ” ( . . . ) “ e u n ã o q u e r o q u e v o s t o r n e i s a s s o c i a d o s a o s d e -m ô n i o s . N ã o p o d e i s b e b e r o c á l i c e d o S e n h o r e o c á l i c e d o s d e m ô n i o s ; n ã o p o -
d e i s s e r p a r t i c i p a n t e s d a m e s a d o S e n h o r e d a m e s a d o s d e m ô n i o s ” ( 1 C o r 1 0 , 3 -
5 . 2 1 ) .
2.8. - O MANÁ E A EUCARISTIA
São Paulo ensina que ". . . todos comeram do mesmo al imento e s-
pir i tual . . ." (1 Cor 10,3) e , São João Evangel is ta dispõe s ignif icat iv a-
mente o Anúncio da Eucaris t ia logo em seguida à Mult ipl icação dos
Pães em que ocorreu sério desenco ntro e drást ico desenlace (Jo
6,60.66-71). Ora, os Evangel is tas não escreveram nada à toa, nem a
disposição dos assuntos foi aleatória, sem motivo. Assim, quando João
regis t ra que os oposi tores de Jesus o desafi aram com o Maná indica o
motivo, o teor e a evocação do debate e qual o s ignif icado que a Mu l-
t ipl icação dos Pães adquir iu para os Apóstolos tal como lhes foi ens i-
nado pelo próprio Jesus. É que, após o milagre, al imentando a mult i -
dão a part i r de "cinco pães de cevada e dois peixes" (Jo 6,9.22 -58.59-
71), protestaram os diss identes com evidente de sprezo:
41
“ . . . : Q u e s i n a l r e a l i z a s , p a r a q u e v e j a m o s e c r e i a m o s e m t i ? Q u e o b r a f a z e s ? N o s s o s p a i s c o m e r a m o m a n á n o d e s e r t o , c o m o e s t á e s c r i t o : „ D e u - l h e s P ã o d o
C é u a c o m e r ‟ ” ( J o 6 , 3 0 - 3 1 ) .
Queriam dizer com is so que Moisés f izera muito maior milagre ,
al imentando o Povo de Deus no deserto durante quarenta anos do que
“uma simples dis t r ibuição de pães e peixes para cinco mi l pessoas”,
tal como acontecera al i . Jesus lhes dá a resposta e, como de costume,
os contes ta doutr inando:
“ E m v e r d a d e , e m v e r d a d e , v o s d i g o : n ã o f o i M o i s é s q u e m v o s d e u o P ã o d o C é u , m a s é m e u P a i q u e m v o s d á o v e r d a d e i r o P ã o d o C é u ; p o r q u e o p ã o d e D e u s é o
P ã o q u e d e s c e d o C é u e d á v i d a a o m u n d o ” ( J o 6 , 3 2 - 3 3 ) .
Assim Jesus ident i fica o verd adeiro pão do céu como sendo o
pão de Deus, que desce do céu e dá vida ao mundo, o que não deixa de
ter referência clara com o Maná, agora se aperfeiçoando pelo “pleno
cumprimento” que Ele próprio lhe imprime (Mt 5,17), e por cujo meio
dá vida ao mundo (Jo 3,17; 10,10). O Maná, por s i só, não possuía e s-
sa vir tude vivif icante, tendo s ido dad o para al imentá -los somente ain-
da que apenas e esp ir i tualmente e como resposta de Iahweh às murm u-
rações do Povo de I srael :
“ A n t e s f ô s s e m o s m o r t o s p e l a m ã o d e I a h w e h n a t e r r a d o E g i t o , q u a n d o ( . . . ) c o -m í a m o s p ã o c o m f a r t u r a ! ( . . . ) I a h w e h d i s s e a M o i s é s : „ E i s q u e v o s f a r e i c h o v e r
p ã o d o c é u ; s a i r á o p o v o e c o l h e r á a p o r ç ã o d e c a d a d i a . . . ” ( . . . ) “ I s t o é o P ã o
q u e Ia h w e h v o s d a r á p a r a v o s s o a l i m e n t o ” ( E x 1 6 , 3 - 4 . 1 5 ) . / “ T o d o s c o m e r a m o m e s m o a l i m e n t o e s p i r i t u a l ” ( 1 C o r 1 0 , 3 ) .
Assim como o Maná é o pão do céu e al imento, a ví t ima do s a-
cri f ício recebe a mesma denominação, como está na recomendação de
Iahweh, com respei to aos sace rdotes:
“ S e r ã o c o n s a g r a d o s a s e u D e u s e n ã o p r o f a n a r ã o o n o m e d o s e u D e u s , p o r q u e s ã o
e l e s q u e a p r e s e n t a m a s o f e r e n d a s q u e i m a d a s a Ia h w e h , o p ã o d o s e u d e u s , e d e -v e m e s t a r e m e s t a d o d e s a n t i d a d e . ( . . . ) . T u o t r a t a r á s c o m o s a n t o , p o i s o f e r e c e o
p ã o d o t e u d e u s ” ( Lv 2 1 , 6 - 8 ) .
Ora, quando neste t recho fala -se em “al imento e pão” é em “sa-
cri f ício ou refeição sagrada” , pois menciona “oferendas queimadas a
Iahweh”. Daí se deduz a que Jesus também se refere ao mencionar o
“pão do céu ou pão de Deus” e “pão de Deus é o Pão que desce do Céu
e dá vida ao mundo”, manifestando quem Deus daria para ser ví t ima
para a vida do mundo , recordando-se da missão dos sacerdotes desde
sua inst i tuição ainda no deserto, agora os subst i tuindo (Hb 9,11 -14).
Pois , a ví t ima imolada num sacri f ício (ou a “oferenda queimada a Ia h-
weh”) era considerada “Pão ou Alimento de Deus” aqui e em outros
lugares (destacando -se: Lv 1,9; 3 ,3.11.16; 21,17.21; Nm 9,13;28,1) .
Também o Maná, da mesma forma que a Vít ima dos Sacri f ícios , era
conhecido s implesmente por “pão do céu” ou “al imento” („espir i tual‟ ,
d iz São Paulo) , como nos tex tos acima transcri tos . Não foi sem motivo
que Jesus faz referências ao Pão de Deus e ao Pão do Céu (Jo 6,33.58)
na discussão que t ravou ident i f icando -se com ambos e mostrando as
diferenças “cumpridas” por Ele (Mt 5,17):
42
“ E s t e é o p ã o q u e d e s c e u d o c é u , e l e n ã o é c o m o o q u e o s p a i s c o m e r a m e p e r e -c e r a m ; q u e m c o m e e s t e p ã o v i v e r á p a r a s e m p r e ” ( J o 6 , 5 8 ) .
" . . . quem come este pão viverá para sempre" - Exis tem aspectos
na narrat iva da Mult ipl icação dos Pães em São João (6,1 -15) que a
tornam bem dis t inta da dos demais Evangelhos seja s i tuando -a “próx i -
ma à Páscoa, a fes ta dos judeus” (6,4); seja t ratando os que se al ime n-
tavam como convivas de uma refeição; seja pelo debate ocorrido a re s-
pei to do Maná; seja pelo gesto de Jesus que, “to mando os pães , dá
graças” (6,11), tal como na Inst i tu ição da Eucaris t ia (Lc 22,19 / 1Cor
11,24). Também, no que se evidencia t ratar -se de banquete ou de r e-
feição sagrada, os “convidados” que t ransparecem quando Jesus diz
“onde compraremos pão para al imentá - los” (6,5) e “fazei que se ac o-
modem pelo chão” (6,10), numa acomodação para os “amesendados”
[6,10.11 (1) ] , - „fala como um anf i tr ião‟ . E, na ação de graças pecul i -
ar a uma refeição comum ou sagrada ou ao sacri f ício de comunhão;
bem como, “no recolhimento dos doze cestos do que restou ” , fá - lo por
se t ratar de “coisa sant i f icada” (Ex 29,37 / Jo 6,12 -13): - Não há outro
motivo para se recolher a sobra de uma refeição! Por outro lado, João
também relata que:
“ O s j u d e u s m u r m u r a v a m , e n t ã o , c o n t r a e l e , p o r q u e d i s s e r a : „ E u s o u o p ã o d e s c i -
d o d o c é u ” ( J o 6 , 4 1 ) .
Fosse alguma f igura de l inguagem não haveria motivo para isso.
“Murmuravam” porque a af i rmação foi muito séria. Jesus referia -se a
s i mesmo tal como entenderam, nada corrige e ainda prossegue mais
incis ivo, e acrescenta “. . . o pão vivo descido do céu” :
“ E u s o u o p ã o v i v o d e s c i d o d o c é u . Q u e m c o m e r d e s t e p ã o v i v e r á e t e r n a m e n t e . o
p ã o q u e e u d a r e i é a m i n h a c a r n e p a r a a v i d a d o m u n d o ” ( J o 6 , 5 1 ) .
Jesus usa o futuro “ darei a minha carne para a vida do mundo” ,
anunciando a futura doação seja na Ins t i tuição da Eucaris t ia seja na
Cruz, pelo que, falando sempre numa concret ização a se real izar e a-
pós a al tercação novamente advinda (Jo 6,52), ainda é mais incis ivo:
“ E m v e r d a d e , e m v e r d a d e , v o s d i g o : s e n ã o c o m e r d e s a c a r n e d o F i l h o d o H o m e m
e n ã o b e b e r d e s o s e u s a n g u e , n ã o t e r e i s a v i d a e m v ó s . Q u e m c o m e a m i n h a c a r -
n e e b e b e o m e u s a n g u e t e m a v i d a e t e r n a e e u o r e s s u s c i t a r e i n o ú l t i m o d i a . P o i s a m i n h a c a r n e é v e r d a d e i r a c o m i d a e o m e u s a n g u e , v e r d a d e i r a b e b i d a .
Q u e m c o m e a m i n h a c a r n e e b e b e o m e u s a n g u e p e r m a n e c e e m m i m e e u n e l e .
A s s i m c o m o o P a i , q u e v i v e m e e n v i o u e e u v i v o p e l o P a i , t a m b é m a q u e l e q u e c o m e r d e m i m v i v e r á p o r m i m ” ( J o 6 , 5 3 - 5 7 ) .
Quando João narra tal acontecimento com tantos detalhes e diz
que “estava próxima a Páscoa , a fes ta dos judeus” (6,4) , relaciona -o
diretamente com Ela . É que Jesus estava anunciando e começando en-
tão o que i r ia se “cumprir” nela. Só se pode concluir então que a Mu l -
t ipl icação dos Pães é o “Anúncio da Eucaris t ia”, um s acri f ício em que
Nota: (1) Seria uma tradução “literal” mais conforme à palavra do “grego – o `koiné” (“anapesein”) ou
latina (“discumbere”) usada, pelo Evangelista ou pela Vulgata, referindo-se aos “assentados” ou “presen-
tes”, como se usa traduzir. Já, a Bíblia de Jerusalém e a TOB, de edições francesas, melhor traduzem por
“convives”, que em português significa “convivas ou convidados”.
43
a ví t ima “será” o próprio Jesus, de que o Maná foi f igura . E, neste
ponto e ao f inal izar o debate diz especif icamente, se ident i f ica ndo e se
anunciando maior que o Maná, o “Pão vivo que desceu do Céu ” (Jo
6,51):
“ E s t e é o p ã o q u e d e s c e u d o c é u . E l e n ã o é c o m o o q u e o s p a i s c o m e r a m e p e r e -c e r a m ; q u e m c o m e e s t e p ã o v i v e r á p a r a s e m p r e ” ( J o 6 , 5 8 ) .
2.9. - A LEI DA ALIANÇA
Porém o Maná não l ivrara os Is rael i tas de problemas outros , tais
como o ataque de surpresa dos amaleci tas em Rafidim. Repete -se outro
milagre com a "Vara de Deus", aquela que foi entregue a Moisés e A a-
rão para a execução dos prodígios (Ex 4,17 / 14,16 / 17,6): " enquanto
Moisés mant inha as mãos que a empunhava suspensas , Israel prevale-
cia". Então, vi ram-se obrigados, Aarão e Hur , a forçar a sustentação
delas nessa posição até que Josué os vence em defini t ivo (Ex 17,8 -16).
Por esse incidente se tornam inimigos i rreconci l iáveis e t radicionais ,
“porquanto Iahweh jurou, haverá guerra de Iahweh cont ra Amalec de
geração em geração” (Ex 17,14 / 1Sm 15):
“ E n t ã o , v e i o A m a l e c e p e l e j o u c o n t r a I s r a e l e m R a f i d i m . C o m i s s o , o r d e n o u M o i s é s a J o s u é : E s c o l h e - n o s h o m e n s , e s a i , e p e l e j a c o n t r a A m a l e c ; a m a n h ã , e s -
t a r e i e u n o c i m o d o o u t e i r o , e o b o r d ã o d e D e u s e s t a r á n a m i n h a m ã o . F e z J o s u é
c o m o M o i s é s l h e d i s s e r a e p e l e j o u c o n t r a A m a l e c ; M o i s é s , p o r é m , A r ã o e H u r s u b i r a m a o c i m o d o o u t e i r o . Q u a n d o M o i s é s l e v a n t a v a a m ã o , I s r a e l p r e v a l e c i a ;
q u a n d o , p o r é m , e l e a b a i x a v a a m ã o , p r e v a l e c i a A m a l e c . O r a , a s m ã o s d e M o i s é s
e r a m p e s a d a s ; p o r i s s o , t o m a r a m u m a p e d r a e a p u s e r a m p o r b a i x o d e l e , e e l e n e -l a s e a s s e n t o u ; A a r ã o e H u r s u s t e n t a v a m - l h e a s m ã o s , u m , d e u m l a d o , e o o u t r o ,
d o o u t r o ; a s s i m l h e f i c a r a m a s m ã o s f i r m e s a t é a o p ô r - d o - s o l . E J o s u é d e s b a r a -
t o u a A m a l e c e a s e u p o v o a f i o d e e s p a d a . E n t ã o , d i s s e Ia h w e h a M o i s é s : E s c r e -v e i s t o p a r a m e m ó r i a n u m l i v r o e r e p e t e - o a J o s u é ; p o r q u e e u h e i d e r i s c a r t o -
t a l m e n t e a m e m ó r i a d e A m a l e c d e d e b a i x o d o c é u . E M o i s é s e d i f i c o u u m a l t a r e
l h e c h a m o u : „ Ia h w e h é M i n h a B a n d e i r a ‟ . E d i s s e : P o r q u a n t o Ia h w e h j u r o u , h a v e -r á g u e r r a d e Ia h w e h c o n t r a A m a l e c d e g e r a ç ã o e m g e r a ç ã o ” ( E x 1 7 , 8 - 1 6 ) .
Como ação de graças pela vi tória , Moisés oferece um sacri f ício,
”pelo que. . . edif icou um al tar . . .” , prosseguindo a t radição dos Patr ia r-
cas que o têm como centro do cul to e de comunhão c om Iahweh. Cum-
prida a sua missão l ibertadora , Moisés recebe a vis i ta de Jetro seu s o-
gro t razendo-lhe de vol ta a esposa e os f i lhos (Ex 4,24 -26). Tomando
conhecimento de tudo o que acontecera (Ex 18,8) , reconhece " Iahweh
como o maior de todos os deuses " (Ex 18,9-11) e aconselha Moisés a
dis t r ibuir funções para adminis t rar a just iça entre os israel i tas e a m a-
nutenção da ordem (Ex 18,17 -26):
" E a l e g r o u - s e J e t r o p o r t o d o o b e m q u e Ia h w e h t i n h a f e i t o a I s r a e l , l i v r a n d o - o
d a m ã o d o s e g í p c i o s , e d i s s e : B e n d i t o s e j a Ia h w e h , q u e v o s l i v r o u d a m ã o d o s e g í p c i o s e d a m ã o d e F a r a ó ; q u e l i v r o u o p o v o d e d e b a i x o d a m ã o d o s e g í p c i o s .
A g o r a s e i q u e Ia h w e h é m a i o r q u e t o d o s o s d e u s e s ; a t é n a q u i l o e m q u e s e h o u v e -
r a m a r r o g a n t e m e n t e c o n t r a o p o v o . E n t ã o J e t r o , o s o g r o d e M o i s é s , t o m o u h o l o -c a u s t o e s a c r i f í c i o s p a r a D e u s ; e v e i o A a r ã o , e t o d o s o s a n c i ã o s d e I s r a e l , p a r a
c o m e r e m p ã o c o m o s o g r o d e M o i s é s d i a n t e d e D e u s " ( E x 1 8 , 9 - 1 2 ) .
”. . . Jet ro, o sogro de Moisés , tomou holocausto e sacri f ícios p a-
ra Deus; e veio Aarão, e todos os anciãos de Israel para comerem pão
com o sogro de Moisés diante de Deus” - novamente o sacr i f ício co m-
pondo o cul to is rael i ta em que todos par t icipam "comendo o pão diante
44
de Deus", sant i f icando-se pela comunhão estabelecida. Aqui se t rava
contato com a expressão "comendo o pão" , que é o modo como se d e-
nominava a ví t ima imolada e consumida no sacr i f ício e se es tabelecia
a comunhão com Deus (". . . o pão de seu Deus. . . " - Lv 21 ,6.8 / 1Cor
10,18). Além disso , ofereceu-se "holocausto e sacri f ícios". O hol o-
causto como oferenda toda queimada (Lv 1) e os sacri f ícios como r e-
feições sagradas (Lv 3 -5) . O cl ima rel igioso e míst ico at ingia o seu
ápice e caminhava-se para o "servir a Deus no monte Sinai" tal como
anunciado por Deus (Ex 3,12). A presença a í do sacri f ício , antes de
sua regulamentação r i tual , demonstra o uso anterior a tudo o que se
ordenará.
Aquele desígnio de Deus de estabelecer com o Homem uma vida
em comunhão, int imidade e famil iar idade, retardado pelo Pecado Or i-
ginal , que se renovou na Aliança com Abraão , deverá se real izar "nu-
ma grande nação" (Gn 12,2) que agora se torna o Povo de Iahweh. E é
nesse Monte Sinai que o Povo dos Fi lhos de Israel torna oficia lmente
Povo de Iahweh, cujos compromissos com os Patr iarcas deverão ser r a-
t i f icados e assumidos por ele . Para isso, por primeiro, Iahweh Deus se
propõe:
" E n t ã o s u b i u M o i s é s a D e u s , e d o m o n t e Ia h w e h o c h a m o u , d i z e n d o : ' A s s i m f a -l a r á s à c a s a d e J a c ó , e a n u n c i a r á s a o s f i l h o s d e I s r a e l : V ó s t e n d e s v i s t o o q u e
f i z a o s e g í p c i o s , c o m o v o s l e v e i s o b r e a s a s d e á g u i a , e v o s t r o u x e a m i m . A g o r a ,
p o i s , s e o u v i r d e s a m i n h a v o z e g u a r d a r d e s a m i n h a A l i a n ç a , s e r e i s a m i n h a p r o -p r i e d a d e p e c u l i a r e n t r e t o d o s o s p o v o s , p o r q u e m i n h a é t o d a a t e r r a ; e v ó s s e r e i s
p a r a m i m u m r e i n o d e s a c e r d o t e s e u m a n a ç ã o s a n t a . S ã o e s t a s a s p a l a v r a s q u e
f a l a r á s a o s f i l h o s d e I s r a e l " ( E x 1 9 , 3 - 6 ) .
" . . . se ouvirdes a minha voz e guardardes a minha Aliança. . ." - A
Aliança contraída com Abraão, Isaac e Jacó deveria ser rat i f icada com
o Povo dos Fi lhos de Is rael . Então, na condição de profeta e med ianei-
ro, "veio Moisés e, tendo convocado os anciãos do p ovo, expôs diante
deles todas estas palavras que Iahweh lhe t inha ordenado" (Ex 19,7) , e
o Povo de Deus assume sua missão:
" E n t ã o t o d o o p o v o r e s p o n d e u a u m a v o z : T u d o o q u e I a h w e h d i s s e , n ó s o f a r e -
m o s " ( E x 1 9 , 8 a ) .
"E relatou Moisés a Iahweh as palavras do pov o" (Ex 19,8b).
Pode-se imaginar o suspense que se es tabeleceu no momento e a em o-
ção que deve ter tomado conta de todos num cl ima de profunda com u-
nhão, do Povo que al i se formava no seio de Iahw eh, o "Povo Primo-
gêni to de Iahweh" (Ex 4,22), "as primícias da fecundidade salvíf ica de
Deus" („pa rodiando‟ Gn 49,3):
" E n t ã o d i s s e Ia h w e h a M o i s é s : ' E i s q u e e u v i r e i a t i em u m a n u v e m e s p e s s a , p a -
r a q u e o p o v o o u ç a q u a n d o e u f a l a r c o n t i g o e t a m b ém s e m p r e c r e i a e m t i . ' E
M o i s é s r e l a t o u a Ia h w e h a s p a l a v r a s d o s e u p o v o " ( E x 1 9 , 9 ) .
De algum modo ess a cena lembra a "Transfiguração de Jesus",
principalmente pela presença da nuvem , caracterís t ica de toda teofan i-
a:
" S e i s d i a s d e p o i s , t o m o u J e s u s c o n s i g o a P e d r o , a T i a g o e a J o ã o , i r m ã o d e s t e , e
o s c o n d u z i u à p a r t e a u m a l t o m o n t e ; e f o i t r a n s f i g u r a d o d i a n t e d e l e s ; o s e u r o s -
45
t o r e s p l a n d e c e u c o m o o s o l , e a s s u a s v e s t e s t o r n a r a m - s e b r a n c a s c o m o a l u z . E e i s q u e l h e s a p a r e c e r a m M o i s é s e E l i a s , f a l a n d o c o m e l e . P e d r o , t o m a n d o a p a -
l a v r a , d i s s e a J e s u s : ' S e n h o r , b o m é e s t a r m o s a q u i ; s e q u e r e s , f a r e i a q u i t r ê s c a -
b a n a s , u m a p a r a t i , o u t r a p a r a M o i s é s , e o u t r a p a r a E l i a s . ' E s t a n d o e l e a i n d a a f a l a r , e i s q u e u m a n u v e m l u m i n o s a o s c o b r i u ; e d e l a s a i u u m a v o z q u e d i z i a :
' E s t e é o m e u F i l h o a m a d o , e m q u e m m e c o m p r a z o ; a e l e o u v i . ' O s d i s c í p u l o s ,
o u v i n d o i s s o , c a í r a m c o m o r o s t o e m t e r r a , e f i c a r a m g r a n d e m e n t e a t e m o r i z a -d o s " ( M t 1 7 , 1 - 6 ) .
Momento dramático da vida de Jesus logo após haver anunciado
a sua Paixão, necessi tando os apóstolos então muito mais fortalec i-
mento da fé , ocasião em que Deus se manifesta "na nuvem" e lhes af i -
ança: - "Este é o meu Fi lho amado, em quem me comprazo; a ele o u-
vi", pelo mesmo motivo com Moisés , a quem, "eu virei a t i em uma
nuvem espessa, para que o povo ouça quando eu falar cont igo e ta m-
bém sempre creia em t i” .
Aqui também foi um momento dramático em que Deus e o Povo
de Israel selar iam uma Aliança para todo o sempre e passa Moisés a
preparar os Fi lhos de Israel para a teofania que i r ia selar a Al iança a-
cei ta:
" D i s s e m a i s Ia h w e h a M o i s é s : " V a i a o p o v o , e s a n t i f i c a - o s h o j e e a m a n h ã ; l a v e m
e l e s a s s u a s v e s t e s , e e s t e j a m p r o n t o s p a r a o t e r c e i r o d i a ; p o r q u a n t o n o t e r c e i r o d i a d e s c e r á Ia h w e h d i a n t e d o s o l h o s d e t o d o o p o v o s o b r e o m o n t e S i n a i . T a m -
b é m m a r c a r á s l i m i t e s a o p o v o e m r e d o r , d i z e n d o : G u a r d a i - v o s , n ã o s u b a i s a o
m o n t e , n e m t o q u e i s o s e u t e r m o ; t o d o a q u e l e q u e t o c a r o m o n t e s e r á m o r t o . M ã o a l g u m a t o c a r á n a q u e l e q u e o f i z e r , m a s e l e s e r á a p e d r e j a d o o u f l e c h a d o ; q u e r
s e j a a n i m a l , q u e r s e j a h o m e m , n ã o v i v e r á . Q u a n d o s o a r a b u z i n a l o n g a m e n t e ,
s u b i r ã o e l e s a t é o p é d o m o n t e . ” E n t ã o M o i s é s d e s c e u d o m o n t e a o p o v o , e s a n -t i f i c o u o p o v o ; e l a v a r a m o s s e u s v e s t i d o s . E d i s s e e l e a o p o v o : " E s t a i p r o n t o s
p a r a o t e r c e i r o d i a ; e n ã o v o s u n a i s a m u l h e r " ( E x 1 9 , 1 0 - 1 5 ) .
" . . . sant i f ica -os hoje e amanhã. . . " , " . . . lavem eles as suas ve s-
tes . . ." e ". . . não vos unais a mulher" - são t rês expressões muito vinc u-
ladas entre s i , formando um todo. No termo "sant i f icar" es tá clara a
"separação do profano", o sent ido da consag ração a Deus, depois a p u-
ri f icação s imbolizada no "lavar suas vestes". Já na determinação de
". . . não vos unais a mulher" não se há de entender que a união com a
mulher em si t er ia s ido t ida como impura: a famíl ia , que incluía a m u-
lher , era parte do povo a l i em congregação. Então, o sent ido real da
expressão era de que no ato de separação do profano, ou sant i f icação,
inclui -se a relação sexual pelo respei to à vida que gerava, tal como o
respei to ao sangue (Lv 15,18; 1Sm 21,5) , num gesto de consagração
total e nunca de repulsa. Assim preparados, man ifesta-se Deus:
" A o t e r c e i r o d i a , a o a m a n h e c e r , h o u v e t r o v õ e s , r e l â m p a g o s , e u m a n u v e m e s p e s -
s a s o b r e o m o n t e ; e o u v i u - s e u m s o m d e t r o m b e t a m u i f o r t e , d e m a n e i r a q u e t o d o
o p o v o q u e e s t a v a n o a c a m p a m e n t o e s t r e m e c e u . E M o i s é s l e v o u o p o v o f o r a d o a c a m p a m e n t o a o e n c o n t r o d e E l o h i m ; e p u s e r a m - s e a o p é d o m o n t e . N i s s o t o d o o
m o n t e S i n a i f u m e g a v a , p o r q u e Ia h w e h d e s c e r a s o b r e e l e e m f o g o ; e a f u m a ç a s u -
b i u c o m o a f u m a ç a d e u m a f o r n a l h a , e t o d o o m o n t e t r e m i a f o r t e m e n t e . E , o s o m d a t r o m b e t a c a d a v e z m a i s f o r t e , M o i s é s f a l a v a , e D e u s l h e r e s p o n d i a . E , t e n d o
I a h w e h d e s c i d o s o b r e o m o n t e S i n a i , s o b r e o c u m e d o m o n t e , c h a m o u M o i s é s ; e
M o i s é s s u b i u . E n t ã o d i s s e I a h w e h a M o i s é s : " D e s c e , a d v e r t e a o p o v o , p a r a n ã o s u c e d e r q u e t r a s p a s s e o s l i m i t e s a t é Ia h w e h , a f i m d e v e r , e m u i t o s d e l e s p e r e -
ç a m . O r a , s a n t i f i q u e m - s e t a m b é m o s s a c e r d o t e s , q u e s e c h e g a m a Ia h w e h , p a r a
q u e Ia h w e h n ã o s e l a n c e s o b r e e l e s " . R e s p o n d e u M o i s é s a Ia h w e h : " O p o v o n ã o p o d e r á s u b i r a o m o n t e S i n a i , p o r q u e t u n o s t e n s a d v e r t i d o , d i z e n d o : ' M a r c a l i -
m i t e s a o r e d o r d o m o n t e , e s a n t i f i c a - o " . A o q u e l h e d i s s e Ia h w e h : " V a i , d e s c e ;
d e p o i s s u b i r á s t u , e A a r ã o c o n t i g o ; o s s a c e r d o t e s , p o r é m , e o p o v o n ã o t r a s p a s -s e m o s l i m i t e s p a r a s u b i r a I a h w e h , p a r a q u e e l e n ã o s e l a n c e s o b r e e l e s " . E n t ã o
M o i s é s d e s c e u a o p o v o , e d i s s e - l h e s i s s o " ( E x 1 9 , 1 6 - 2 5 ) .
46
A presença de Deus foi de tal majestade que , apesar do povo es-
t remecer , não fugiu e foi até necessário impor -lhe l imites de acesso ao
lugar sob pena de lapidação. Então a descrição do fenômeno não se l i -
mita ao que ocorre, por exemplo, com um vulcão em erupção que a t u-
do destrói e a todos amedronta. Não houve tal reação ; ao contrário, a
teofania at raiu. Deus prepara a solenidade à al tura do que al i se co n-
sumava: a Aliança de Deus com o Homem em que as condições são t o-
das pronunciadas e claramente ouvidas , uma a uma:
" E n t ã o f a l o u D e u s t o d a s e s t a s p a l a v r a s , d i z e n d o : E u s o u Ia h w e h t e u D e u s , q u e t e t i r e i d a t e r r a d o E g i t o , d a c a s a d a s e r v i d ã o . N ã o t e r á s o u t r o s d e u s e s d i a n t e d e
m i m . N ã o f a r á s p a r a t i i m a g e m e s c u l p i d a , n e m f i g u r a a l g u m a d o q u e h á e m c i m a
n o c é u , n e m e m b a i x o n a t e r r a , n e m n a s á g u a s d eb a i x o d a t e r r a . N ã o a s a d o r a r á s n e m a s s e r v i r á s ; p o r q u e e u , Ia h w e h o t e u D e u s , s o u D e u s z e l o s o , q u e v i n g o a i -
n i q ü i d a d e d o s p a i s n o s f i l h o s a t é a t e r c e i r a e q u a r t a g e r a ç ã o d a q u e l e s q u e m e
o d e i a m e u s o d e m i s e r i c ó r d i a a t é m i l g e r a ç õ e s c o m o s q u e m e a m a m e g u a r d a m o s m e u s m a n d a m e n t o s . N ã o t o m a r á s o n o m e d e I a h w e h t e u D e u s e m v ã o ; p o r q u e
I a h w e h n ã o t e r á p o r i n o c e n t e a q u e l e q u e t o m a r o s e u n o m e e m v ã o . L e m b r a - t e
d o d i a d o s á b a d o , p a r a o s a n t i f i c a r . S e i s d i a s t r a b a l h a r á s , e f a r á s t o d o o t e u t r a -b a l h o ; m a s o s é t i m o d i a é o s á b a d o d e Ia h w e h t e u D e u s . N e s s e d i a n ã o f a r á s t r a -
b a l h o a l g u m , n e m t u , n e m t e u f i l h o , n e m t u a f i l h a , n e m o t e u s e r v o , n e m a t u a
s e r v a , n e m o t e u a n i m a l , n e m o e s t r a n g e i r o q u e e s t á d e n t r o d a s t u a s p o r t a s . P o r -q u e e m s e i s d i a s f e z Ia h w e h o c é u e a t e r r a , o m a r e t u d o o q u e n e l e s h á , e a o
s é t i m o d i a d e s c a n s o u ; p o r i s s o Ia h w e h a b e n ç o o u o d i a d o s á b a d o , e o s a n t i f i c o u .
H o n r a a t e u p a i e a t u a m ã e , p a r a q u e s e p r o l o n g u e m o s t e u s d i a s n a t e r r a q u e I a h w e h t e u D e u s t e d á . N ã o m a t a r á s . N ã o a d u l t e r a r á s . N ã o f u r t a r á s . N ã o d i r á s
f a l s o t e s t e m u n h o c o n t r a o t e u p r ó x i m o . N ã o c o b i ç a r á s a c a s a d o t e u p r ó x i m o ,
n ã o c o b i ç a r á s a m u l h e r d o t e u p r ó x i m o , n e m o s e u s e r v o , n e m a s u a s e r v a , n e m o s e u b o i , n e m o s e u j u m e n t o , n e m c o i s a a l g u m a d o t e u p r ó x i m o . O r a , t o d o o p o v o
p r e s e n c i a v a o s t r o v õ e s , e o s r e l â m p a g o s , e o s o m d a t r o m b e t a , e o m o n t e a f u -
m e g a r ; e o p o v o , v e n d o i s s o , e s t r e m e c e u e p ô s - s e d e l o n g e " ( E x 2 0 , 1 - 1 8 ) .
É a Lei da Aliança: Assim denominar -se-á aqui "o decálogo", ou
as "dez palavras", ou os "dez mandamentos" , pois a sua referência com
a Aliança de Abraão é mais que clara. Tudo o que o Povo Is rael i ta faz
es tá resumido nela e se projeta em casos part icu lares já amontoados
conforme o uso costumeiro e enraizado cul turalmente a que se deu o
nome de Código da Aliança (Ex 21-24). Apesar de toda a cerimônia e
majestade presente al i e de toda a dramaticidade , a voz de Deus ecoou
f i rme principalmente no coração de todos. Quando se diz que Deus f a-
lou e pronunciou todas as palavras se diz que se revelou e que aqui lo
que disse é de s i mesmo , com todos os Seus at r ibutos a té mesmo a
Sant idade. Part indo de seu ínt imo revela principalmente o amor que
devota ao Povo de I srael . Só a Palavra revela o ínt imo daquele que f a-
la e Iahweh falando Se Revela Deus no mais ínt imo de Seu Ser. Não se
pode concluir di ferentemente, tendo -se em vis ta a presença de todo o
povo até o f inal de todas as palavras que Deus pronunciou, sem que
fugissem , face “. . . aos t rovões, e os relâmpagos, e o som da t romb eta,
e o monte a fumegar; e o povo, vendo isso, es t remeceu e pôs -se de
longe” .
Por mais que se esforce , não se pode dizer que se t rate de uma
espécie de Const i tuição das cartas que compõem a est rutura "pol í t ica"
de uma nação moderna. Não se t rata da luta do povo contra um poder
arbi t rár io cuja vi tór ia culminou numa carta de direi tos do cidadão , a
serem respei tados pela autoridade e que os del imitassem. Nada desvi r-
tua mais o Decálogo que essa comparação absurda. Não fo i uma co n-
quis ta, foi uma dádiva, foi o dom de Deus que Se "abriu" e ofereceu
uma orientação e um chamamento dir igido a cada um e a todo o Seu
47
Povo. Estabelece normas de conduta e co mportamento com o que cada
um se ident i f ica ao Cr iador de quem é "imagem e semelhança" (Gn
1,26s) , e a f im de se es tabelecer uma comunhão de vidas , só assim se
sant i f icando, pois “só Deus é Sa n to”:
" 2 0 8 5 - O D e u s ú n i c o e v e r d a d e i r o r e v e l a , p r i m e i r o , a s u a g l ó r i a a I s r a e l ( c f . E x 1 9 , 1 6 - 2 5 ; 2 4 , 1 5 - 1 8 ) . A r e v e l a ç ã o d a v o c a ç ã o e d a v e r d a d e d o h o m e m e s t á l i g a d a
à r e v e l a ç ã o d e D e u s . O h o m e m t e m a v o c a ç ã o d e m a n i f e s t a r D e u s p e l o s e u a g i r ,
e m c o n f o r m i d a d e c o m a s u a C r i a ç ã o , " à i m a g e m e s e m e l h a n ç a d e D e u s " ( C a t e -c i s m o d a Ig r e j a C a t ó l i c a ) .
Ademais e por outro lado , as "palavras" então pronunciadas dir e-
tamente por Deus não se confinavam apenas ao grupo de isra el i tas al i
presentes ass is t indo a uma teofania. Traçavam normas dest inadas à u-
nif icação e comunhão de vidas em torno de uma fé c omum, mantendo-
os em todas as suas gerações e para sempre coeso em vis ta de um obj e-
t ivo bem maior do que se poderia ao menos imaginar . Tudo o que al i
se plantava se dest inava à Obra da Redenção e era a semente da cri s-
tandade que se esboçava em l inhas ainda t ímidas que seriam provadas
no cadinho do deserto e em toda a História do Povo Primogêni to de
Deus, "primícias da glória de Iahweh" anunciando a far ta colhei ta "de
uma mult idão de outros povos de que ser ia pai Abraão" (Gn 17,3):
" A g o r a , p o i s , s e o u v i r d e s a m i n h a v o z e g u a r d a r d e s a m i n h a A l i a n ç a , s e r e i s a
m i n h a p r o p r i e d a d e p e c u l i a r e n t r e t o d o s o s p o v o s , p o r q u e m i n h a é t o d a a t e r r a ; e v ó s s e r e i s p a r a m i m u m r e i n o d e s a c e r d o t e s e u m a n a ç ã o s a n t a . S ã o e s t a s a s p a -
l a v r a s q u e f a l a r á s a o s f i l h o s d e I s r a e l " ( E x 1 9 , 5 - 6 ) .
Por causa da missão i r radiadora de seu "sacerdócio e nação sa n-
ta" impõe-se a seriedade e clareza pedagógicas das determinações e
muitas vezes de punições, dada a cul tura do tempo, em caso de viol a-
ção dos precei tos (Ex 21,14.17.23 -25. . . ) . A Lei ou O Código da Alia n-
ça inicia-se com as normas conhecidas como Os Dez Mandamentos e
prosseguem em casuís t ica var iada e comum à época em vários tópicos.
Era necessário em vis ta das viciss i tudes por que passaria e que o am a-
dureceria, povo ainda em gestação, levando -o à tomada de consciência
de sua própria ident idade e missão. Isso era necessário também tendo
em vis ta a paz e a segurança de todos e de cada um, bem como a da
própria nacional idade nascente. Melhor dimensionando , é necessário
esclarecer o pensamento da época:
(1º) - " . . . falou Deus todas estas palavras. . . " - Moisés f icará
preocupado com o comportamento do Povo de Israel depois de sua
morte e pronuncia uma série de discursos que lhe servir ia de orient a-
ção. Em um deles vai lembrá -lo de que:
" C h a m o u , p o i s , M o i s é s a t o d o o I s r a e l , e d i s s e - l h e s : O u v e , ó I s r a e l , o s e s t a t u t o s
e p r e c e i t o s q u e h o j e v o s f a l o a o s o u v i d o s , p a r a q u e o s a p r e n d a i s e c u i d e i s e m o s
c u m p r i r . I a h w e h n o s s o D e u s f e z u m a A l i a n ç a c o n o s c o e m H o r e b . N ã o c o m n o s -s o s p a i s f e z Ia h w e h e s s a A l i a n ç a , m a s c o n o s c o , c o m t o d o s n ó s q u e h o j e e s t a m o s
a q u i v i v o s . F a c e a f a c e f a l o u Ia h w e h c o n o s c o n o m o n t e , d o m e i o d o f o g o . E s t a v a
e u n e s s e t e m p o e n t r e Ia h w e h e v ó s , p a r a v o s a n u n c i a r a p a l a v r a d e Ia h w e h ; p o r -q u e t i v e s t e s m e d o p o r c a u s a d o f o g o , e n ã o s u b i s t e s a o m o n t e , d i z e n d o e l e : E u
s o u Ia h w e h t e u D e u s , q u e t e t i r e i d a t e r r a d o E g i t o , d a c a s a d a s e r v i d ã o . N ã o t e -
r á s o u t r o s d e u s e s d i a n t e d e m i m " ( D t 5 , 1 - 7 ) .
48
"Não com nossos pais fez Iahweh essa Aliança, mas conosco,
com todos nós que hoje es tamos aqui vivos. Face a face fa lou Ia hweh
conosco no monte, do meio do fogo. . . " - Moisés lembra-lhes a teofania
por todos presenciada, vis ta e ouvida. Indicava pela demon stração de
majestade e poder a origem do que se convencionou denominar de D e-
cálogo (= Dez Palavras) , ou de Dez Mandamentos. Passou a s er vincu-
lado e também todo o episódio à Aliança donde a denomin ação que lhe
seria mais apropriada de Lei da Aliança. É um desses f atos espantosos
que compõem a His tória do Povo de Is rael e se tornou um legado do
cris t ianismo. Evidenciam por s i só a presenç a de um Deus Pessoal e
Dinâmico a conduzir inexoravelmente a his tória humana para o Seu
Desígnio, para aquela int imidade, famil iar idade e comunhão de vidas
do Jardim do Éden. O mesmo Deus que "passeava pelo Jardim à brisa
do dia" (Gn 3,8) se manifesta no M onte Sinai (ou Horeb) , num encon-
tro inesquecível com o mesmo Homem e lhe diz :
" E u s o u Ia h w e h t e u D e u s , q u e t e t i r e i d a t e r r a d o E g i t o , d a c a s a d a s e r v i d ã o . N ã o t e r á s o u t r o s d e u s e s d i a n t e d e m i m " ( E x 2 0 , 2 - 3 ) .
É necessário um exame dessa f rase para dimens ionar o que fora
t ransmit ido e receb ido pelos Israel i tas ao ouvi - la . Em primeiro lugar é
um Deus Vivo que demonstrou amar os "Fi lhos de Abraão" al i rem a-
nescentes , l ibertando-os de uma servidão e que por isso merece uma
demonstração de amor como resposta . E m seguida , começam-se as
formas de se dar a resposta como reconhecimento e que só pode ser
outra demonstração de amor e de f idel idade em retr ibuição. Por isso ,
ela vem expressa em uma forma negat iva do imperat ivo após uma e x-
pressão tangencial deixando de s er ass im uma ordem posi t iva e direta,
como aquelas da Cr iação ou como aquelas após o pecado, t al como se
pode observar:
" . . . F r u t i f i c a i e m u l t i p l i c a i - v o s ; e n c h e i a t e r r a e s u j e i t a i - a ; d o m i n a i . . . " ( G n
1 , 1 8 ) / “ . . . e m d o r d a r á s à l u z f i l h o s ( . . . ) e e l e t e d o m i n a r á . E a o h o m e m d i s s e : ( . . . ) m a l d i t a é a t e r r a p o r t u a c a u s a ; e m f a d i g a c o m e r á s d e l a ( . . . ) c o m e r á s d a s
e r v a s d o c a m p o . ( . . . ) c o m e r á s o t e u p ã o , a t é q u e t o r n e s à t e r r a , p o r q u e d e l a f o s -
t e t o m a d o ; p o r q u a n t o é s p ó , e a o p ó t o r n a r á s " ( G n 3 , 1 6 - 1 9 ) .
"Frut i f icai . . . , mul t ipl icai . . . , enchei . . . sujei tai . . . ; dominai" "d a-
rás . . . , . . . dominará. . . , . . .maldi ta é . . . , comerás . . . , . . . ao pó torn arás" são
expressões imperat ivas posi t ivas , enquanto que no Decálogo há uma
maneira diferente de ordenar com a forma ". . . não terás . . . " , após uma
ampla e carinhosa exposição de motivos tal como, por exe mplo, um pai
dizendo ao seu f i lho:
" E u s o u o t e u p a i q u e t e s u s t e n t o e p a g u e i a t u a e s c o l a c o m m u i t a d i f i c u l d a d e e
t r a b a l h o ; n ã o m e t r a i r á s , n ã o d a r á s o u v i d o a e s t r a n h o s e n ã o t e d e s v i a r á s d e m i m , n ã o p e r d e r á s o a n o e s c o l a r , n ã o . . . "
Seria isso ordem, mandamento? Parece mais pedido, apelo de
amor, e prat icado após a prát ica de ato que o tenha demonstrado, como
se dissesse:
" F u i E u q u e m l i v r e m e n t e t e l i b e r t o u d a e s c r a v i d ã o : n ã o m e t r o q u e s p o r o u t r o
D e u s , q u e n a d a f e z p o r t i : N ã o t e r á s o u t r o s d e u s e s d i a n t e d e m i m . N ã o f a r á s p a -r a t i i m a g e m e s c u lp i d a , n e m f i g u r a a l g u m a d o q u e h á e m c i m a n o c é u , n e m e m
49
b a i x o n a t e r r a , n e m n a s á g u a s d e b a i x o d a t e r r a p a r a a s a d o r a r e s e r v i r . E u s o u u m D e u s V i v o e P e s s o a l , n ã o u m í d o l o . N ã o t e e n c u r v a r á s d i a n t e d e l a s , n e m a s
s e r v i r á s . . . ” .
Eis ai o motivo do pedido: o perigo de desvio do Israel i ta para a
prát ica de então de se adorar vários ídolos e de servir a vários deuses ,
entre os quais Iahweh não dev eria ser incluído "porque eu, Iahweh teu
Deus, sou Deus ciumento, que vingo a iniq uidade dos pais nos f i lhos
até a terceira e quar ta geração daqueles que me odeiam e uso de mis e-
r icórdia até mil gerações com os que me amam e guardam os meus
mandamentos". Es ta frase causa certa repulsa por t ransparecer que
Deus vinga nos f i lhos o er ro dos pais , mas não é ass im. Lançando a
semente da monolat r ia e de futuro monoteísmo , Deus está d izendo que
enquanto os deuses dos pagãos não se incomodam em se enfi lei rar ju n-
to com outros num panteão, Iahweh não acei ta outro ao seu lado c omo
igual ou ser considerado outro dentre os deuses . É “Deus ciumento”,
“o Deus Vivo, Pessoal e tem ciúmes”. Soava então , para o Israel i ta , a
obrigação de adorar somente a Ele lembrando -se de que , enquanto as
consequências de um ato "dos que me odeiam (= me agridem, me ofen-
dem = o pecado )" a t ingem "três ou quatro gera ções" a "sua misericór-
dia com aqueles que o amam at inge mil gerações ", isso é, vai até o in-
f ini to , naquele tempo representado pelo nú mero mil . É uma demons-
t ração da dimensão da misericórdia de Deus que não é at ingido e não
se al tera, em si , em face do desvio por causa do pecado; e , cujo efei to
somente ao próprio Homem at inge. É ele mesmo quem o provoca r e-
percut indo a sua conduta nos seu s descendentes por causa da sol idar i -
edade mais sensível naquele tempo por e s tar o meio social al icerçado
numa dinâmica t r ibal e patr iarcal .
O israel i ta vivia numa comunidade onde sempre se correlaciona
e os efei tos danosos de qualquer ato contra Iahweh nã o se l imitam a
quem o prat icou apenas , mas at inge os seus contemporâneos pela vio-
lação das Leis da Aliança e seus efei tos sociais . Mesmo assim, porém,
a relação proporcional entre a "vingança" e a "misericórdia" de Deus é
infini ta , que , em números , seria de mil para t rês ou quatro unidades. É
a impossibi l idade de se aderi r a outro deus juntamente com Iahweh,
que é "ciumento". As conseq uências desse ato de infidel idade ou f id e-
l idade respect ivamente não f icará impune ou sem recompensa , mas se
ref let i rá para sempre, seja pelo cul t ivo e colhei ta dos efei tos do pec a-
do, seja pela l ibertação dele , facul tando à própria vida a t ingir a sua
vocação natural . Para um grupo humano permanecer unido e coeso é
indispensável uma fé comum e ex terior izada em uma codif icação c o-
mum de procedimento moral , l igada a um só Deus e um só "Mand a-
mento" principalmente pela missão de "povo de sacerdotes e nação
santa" que era. Nenhuma infidel idade poderia ocorrer , seja ela indiv i-
dual seja comunitária , para não comprometer a comunhão e a uni dade.
É necessário destacar aqui que es se "Primeiro Mandamento" ou
"Primeira Palavra" vai crescer , t ransformar -se e tornar -se bem mais
aprofundado após a peregrinação dos isra el i tas pelo deserto. É por isto
que regis t ra o l ivro de Deuteronômio amplo desen volvimento, enrique-
cendo-se o sent ido de se "amar a Deus" (Dt 5 -11), que com Jesus foi
rat i f icada nesses te rmos:
50
" O s f a r i s e u s , q u a n d o s o u b e r a m , q u e e l e f i z e r a e m u d e c e r o s s a d u c e u s , r e u n i r a m -
s e t o d o s ; e u m d e l e s , d o u t o r d a l e i , p a r a o e x p e r i m e n t a r , i n t e r r o g o u - o , d i z e n d o :
M e s t r e , q u a l é o g r a n d e m a n d a m e n t o n a l e i ? R e s p o n d e u - l h e J e s u s : A m a r á s a o
S e n h o r t e u D e u s d e t o d o o t e u c o r a ç ã o , d e t o d a a t u a a l m a , e d e t o d o o t e u e n -t e n d i m e n t o . E s t e é o g r a n d e e p r i m e i r o m a n d a m e n t o . E o s e g u n d o , s e m e l h a n t e a
e s t e , é : A m a r á s a o t e u p r ó x i m o c o m o a t i m e s m o . D e s t e s d o i s m a n d a m e n t o s d e -
p e n d e m t o d a a l e i e o s p r o f e t a s " ( M t 2 2 , 3 4 - 4 0 ) .
Esse fato comprova a qual idade de Mandamentos de Amor da n-
do-lhe val idade perene para a salvação , tal como confirmada pelo
mesmo Jesus:
" E e i s q u e s e a p r o x i m o u d e l e u m j o v e m , e l h e d i s s e : M e s t r e , q u e f a r e i p a r a c o n -
s e g u i r a v i d a e t e r n a ? R e s p o n d e u - l h e e l e : ( . . . ) s e q u e r e s e n t r a r n a v i d a , g u a r d a
o s m a n d a m e n t o s . . . " ( M t 1 9 , 1 6 - 1 9 ) .
Não é diferente o que ensina a Igreja ainda atualmente:
" 2 0 8 3 - J e s u s r e s u m i u o s d e v e r e s d o h o m e m p a r a c o m D e u s n e s t a p a l a v r a : " A m a -
r á s o S e n h o r t e u D e u s c o m t o d o o t e u c o r a ç ã o , c o m t o d a a t u a a l m a , c o m t o d a a
t u a m e n t e ( M t 2 2 , 3 7 ; c f . Lc 1 0 , 2 7 : " e c o m t o d a s a s t u a s f o r ç a s " ) . E s t a p a l a v r a é o e c o i m e d i a t o a o a p e l o s o l e n e : " E s c u t a , I s r a e l : o S e n h o r n o s s o D e u s é o ú n i c o "
( D t 6 , 4 - 5 ) .
D e u s f o i o p r i m e i r o a a m a r . O a m o r d o D e u s ú n i c o é l e m b r a d o n a p r i m e i r a d a s " D e z P a l a v r a s " . E m s e g u i d a , o s m a n d a m e n t o s e x p l i c i t a m a r e s p o s t a d e a m o r q u e
o h o m e m é c h a m a d o a d a r a o s e u D e u s " ( v . o P a r á g r a f o d o C a t e c i s m o d a I g r e j a
C a t ó l i c a ) .
(2 . º )- O Culto Das Imagens - Muitos cr is tãos , até mesmo entre
os catól icos , têm séria dif iculdade com o que se entende ser uma pro i -
bição de veneração de imagens principalmente em uso na Igreja Cat ó-
l ica, pelo que se impõe uma anál ise mais det ida a part i r do contexto:
" N ã o f a r á s p a r a t i i m a g e m e s c u l p i d a , n e m f i g u r a a l g u m a d o q u e h á e m c i m a n o
c é u , n e m e m b a i x o n a t e r r a , n e m n a s á g u a s d e b a i x o d a t e r r a " ( E x 2 0 , 4 ) .
Anal isando-se só es te vers ículo, isoladamente, só s e pode dedu-
zir que não se pode reproduzir numa imagem qualquer objeto, seja ele
o que for . Nessas condições vai se chegar ao absurdo de que nem
mesmo uma fotografia com a imagem dos pais ou a tela de pintura de
paisagem ou um ser qualquer, poder -se-ia confeccionar ou pintar . E,
atualmente seria de se precaver até mesmo contra as imagens da tela
de um televisor , ass im como os heróis ou as f iguras da his tória de um
povo não poderiam ter nem mesmo o seu busto em praça públ ica. P o-
rém, quando se anal isa o referi do vers ículo em conjunto com todo o
contexto em que foi escri to , e considera ndo-se o que lhe antecede e o
que lhe segue, a conclusão muda de perspe ct iva, ou seja:
" N ã o t e r á s o u t r o s d e u s e s d i a n t e d e m i m " ( E x 2 0 , 3 ) ;
" N ã o f a r á s p a r a t i i m a g e m e s c u l p i d a , n e m f i g u r a a l g u m a d o q u e h á e m c i m a n o c é u , n e m e m b a i x o n a t e r r a , n e m n a s á g u a s d e b a i x o d a t e r r a ” ( E x 2 0 , 4 ) ; e ,
" N ã o a s a d o r a r á s n e m a s s e r v i r á s . . . " ( E x 2 0 , 5 ) .
Assim dispostos vê -se que a preocupação de Iahweh é a confe c-
ção de ídolos que fossem objeto de ad oração juntamente com Ele ou
em Seu lugar ("Não terás outros deuses diante de mim ") . Não se pode
deixar de lado que já fora f ixada a acei tação do Povo de Israel pela
51
Aliança em resposta ao que Deus lhe di ssera: "Tudo o que Iahweh di s-
se, nós o faremos" (Ex 19,5-8) . Assim, a principal norma da Aliança
era essa de f idel idade impar e exclusiva ao Deus que os l ibertou do
Egi to, "não adorando nem servindo " a outro deus que, além de est r a-
nho, nada por eles f izera e nem poderia fazer ("Não farás para t i im a-
gem esculpida, nem figura alguma do que há em cima no céu, nem em
baixo na terra, nem nas águas debaixo da ter ra. Não as adorarás nem
as servirás . . . " . O Deus de Israel não é um deus esculpido ou inventado
ou criado, Iahweh é um Deus Vivo e Pessoal , com quem se ent ra em
comunhão de vidas , sant i f icando -se. A única Imagem de Deus é o H o-
mem).
É de se notar que , nem mesmo em Is rael , essa disposição era a s-
s im tão radical ou pacíf ica, ex is t indo exemplos de confecção de im a-
gens por determinação do próprio Iahweh tanto na representação dos
querubins na Arca da Aliança (Ex 25,18 -21), como na da serpente de
bronze no deserto (Nm 21,8s) . Exis tem também de outras imagens no
Templo construído por Salomão em Jerusalém tais como as de quer u-
bins (1Rs 6,23-29), as dos doze touros d o Mar de Bronze (1Rs 7,25);
e , várias imagens de querubins , bois , romãs, botões e f lor de amêndoa
esculpidos e dispostos em muitos outros locais (Ex 25,31; 1Rs
6,29.32.35; 7 ,18s.29.36.42; 1Cro 28,18; 2Cro 3,10) e as dos leões do
t rono do próprio Salomão (1 Rs 10,19s) . Também, a confecção por G e-
deão de um éfode que t inha quase sempre a forma de uma imagem cu l-
tual , usado para adivinhação (Jz 8,24 -27), ex is t indo também outro ,
junto da espada tomada de Golias (1Sm 21,10a), e até mesmo um t ipo
para se t i rar a sor te (1Sm 14,3.18s.37.41; 23,6.9s; 30,7s) . Destaca -se
até mesmo o caso de uma imagem (éfode e terafim) colocada em um
nicho e servida por um sacerdote levi ta e apesar de alguns comentários
do narrador, indicam o seu uso e ntre os israel i tas :
" Q u a n d o e l e r e s t i t u i u o d i n h e i r o a s u a m ã e , e l a t o m o u d u z e n t a s m o e d a s d e p r a t a , e a s d e u a o o u r i v e s , o q u a l f e z d e l a s u m a i m a g e m e s c u l p i d a e u m a d e f u n d i ç ã o ,
a s q u a i s f i c a r a m e m c a s a d e M i c a . O r a , t i n h a e s t e h o m e m , M i c a , u m s a n t u á r i o e
f e z u m é f o d e e t e r a f i n s , e c o n s a g r o u u m d e s e u s f i l h o s , q u e l h e s e r v i u d e s a c e r -d o t e . N a q u e l a s d i a s n ã o h a v i a r e i e m Is r a e l e c a d a q u a l f a z i a o q u e p a r e c i a b e m
a o s s e u s o l h o s . E h a v i a u m j o v e m d e B e l é m d e J u d á , d a f a m í l i a d e J u d á , q u e e r a
l e v i t a , e p e r e g r i n a v a a l i . E s t e h o m e m p a r t i u d a c i d a d e d e B e l é m d e J u d á p a r a i r e s t a b e l e c e r - s e o n d e p u d e s s e . S e g u i n d o e l e o s e u c a m i n h o , c h e g o u à r e g i ã o m o n -
t a n h o s a d e E f r a i m , à c a s a d e M i c a , o q u a l l h e p e r g u n t o u : D o n d e v e n s ? E e l e l h e r e s p o n d e u : S o u l e v i t a d e B e l é m d e J u d á , e v o u p e r e g r i n a r a t é m e e s t a b e l e c e r
o n d e a c h a r c o n v e n i e n t e . E n t ã o l h e d i s s e M i c a : F i c a c o m i g o , e s ê - m e p o r p a i e
s a c e r d o t e ; e c a d a a n o t e d a r e i d e z m o e d a s d e p r a t a , o v e s t u á r i o e o s u s t e n t o . E o l e v i t a e n t r o u . C o n s e n t i u , p o i s , o l e v i t a e m f i c a r c o m a q u e l e h o m e m , e l h e f o i
c o m o u m d e s e u s f i l h o s . E M i c a c o n s a g r o u o l e v i t a , q u e l h e s e r v i u d e s a c e r d o t e ,
e f i c o u e m s u a c a s a . E n t ã o d i s s e M i c a : A g o r a s e i q u e o S e n h o r m e f a r á b e m , p o r q u e t e n h o u m l e v i t a p o r s a c e r d o t e " ( J z 1 7 , 4 - 1 3 ) .
Apesar de dizer que "naqueles dias não havia rei em Israel e c a-
da qual faz ia o que parecia bem aos seus olhos", em vir tude de não ter
s ido ainda definido o local do "único santuário" (Dt 12,4 -9 / Ex 20,24;
25,8s) , as imagens aqui er igidas eram anteriormente servidas pelo s a-
cerdócio segundo o costume, pelo "primogêni to", é claro ("e consagrou
um dos seus f i lhos") , e depois por um sacerdote levi ta (domici l iado em
Judá), tal como então oficial izado para o cul to (Nm 8,15 -18). Esses
ídolos e imagens foram apropriados pelos Dani tas e l evados a Si lo (Jz
18,15-31). Por a í se vê que, mesmo em Is rael , a questão não t inha uma
52
conotação tão l i te ra l e não se pode deixar de lado a dos Bezerros de
Ouro (Ex 32) que serão futuramente er igidos por Jeroboão , um em Be-
tel e outro em Dã (1Rs 12,26 -33). Apesar da crí t ica ferrenha de vários
profetas quanto aos úl t imos, causada quase sempre por uma indignação
pol í t ica provocada pela separação havida do Reino do Nor te, desme m-
brando-se a Nação Is rael i ta (cfr . Am 4,4; 5 ,5s; 7 ,9; Os 8,5; 13,2) , a
proibição de imagem não t inha essa conotação tão radica l como se pre-
tende.
Diz o Mandamento: “Não farás para t i imagem esculpida, nem
f igura alguma do que há em cima no céu, nem em baixo na terra, nem
nas águas debaixo da terra. Não as adorarás nem as servi rás”. Assim a
proibição do Decálogo só pode ser a de se confeccionar imagens para
as "adorar", i sso é, "prestar - lhes cul to no lugar de Deus", reconhece n-
do-a como outro criador e senhor diferente (Ex 20,23; 22,19;
23,24s.32s) , na condição "servo", em f ranca e ostensiva v iolação da
Aliança. Já a "veneração pecul iar aos ca tól icos , ortodoxos, angl ic anos
etc." t em o sent ido de se honrar a sant idade alcançada por um fiel , o-
bra de Deus pela Redenção em Seu Fi lho . Isso vem melhor esclarec ido
pelo Catecismo da Igreja Catól ica, ns . º . 2129 - 2132:
" I V . " N ã o f a r á s p a r a t i q u a l q u e r i m a g e m e s c u l p i d a " " 2 1 2 9 - E s t a d i s p o s i ç ã o d i v i n a c o m p o r t a v a a i n t e r d i ç ã o d e q u a l q u e r r e p r e s e n t a -
ç ã o d e D e u s p o r m ã o d o h o m e m . O D e u t e r o n ô m i o e x p l i c a : " T o m a i s c u i d a d o c o n -
v o s c o ; n ã o v i s t e s f i g u r a a l g u m a , n o d i a e m q u e o S e n h o r v o s f a l o u d o m e i o d o f o g o , n o H o r e b . E v i t a i , p o i s , p e r v e r t e r - v o s , f a b r i c a n d o q u a l q u e r í d o l o c o m o r e -
p r e s e n t a ç ã o o u s í m b o l o d o q u e q u e r q u e s e j a " ( D t 4 , 1 5 - 1 6 ) . D e u s q u e S e r e v e l o u
a I s r a e l é a b s o l u t a m e n t e t r a n s c e n d e n t e . " E l e é t u d o " , m a s , a o m e s m o t e m p o , " e s -t á a c i m a d e t o d a s a s s u a s o b r a s " ( E c l o 4 3 , 2 7 - 2 8 ) . E l e é " a p r ó p r i a f o n t e d e t o d a
a b e l e z a c r i a d a " ( S b 1 3 , 3 ) .
2 1 3 0 - N o e n t a n t o , j á d e s d e o A n t i g o T e s t a m e n t o D e u s o r d e n o u o u p e r m i t i u a i n s t i t u i ç ã o d e i m a g e n s , q u e c o n d u z i r i a m s i m b o l i c a m en t e à s a l v a ç ã o p e l o V e r b o
E n c a r n a d o : p o r e x e m p l o , a s e r p e n t e d e b r o n z e ( c f r . N m 2 1 , 4 - 9 ; S b 1 6 , 5 - 1 4 ; J o
3 , 1 4 - 1 5 ) , a a r c a d a a l i a n ç a e o s q u e r u b i n s ( c f r . E x 2 5 , 1 0 - 2 2 ; 1 R s 6 , 2 3 - 2 8 ; 7 , 2 3 -2 6 ) .
2 1 3 1 - C o m b a s e n o m i s t é r i o d o V e r b o E n c a r n a d o , o s é t i m o C o n c í l i o E c u m ê n i -
c o , d e N i c é i a ( a n o d e 7 8 7 ) j u s t i f i c o u , c o n t r a o s i c o n o c l a s t a s , o c u l t o d o s í c o n e s : d o s d e C r i s t o , e t a m b é m d o s d a M ã e d e D e u s , d o s a n j o s e d e t o d o s o s s a n t o s .
E n c a r n a n d o , o F i l h o d e D e u s i n a u g u r o u u m a n o v a " e c o n o m i a " d a s i m a g e n s .
2 1 3 2 - O c u l t o c r i s t ã o d a s i m a g e n s n ã o é c o n t r á r i o a o p r i m e i r o m a n d a m e n t o , q u e p r o í b e o s í d o l o s . C o m e f e i t o , " a h o n r a p r e s t a d a a u m a i m a g e m r e m o n t a a o
m o d e l o o r i g i n a l " ( S . B a s í l i o , S p i r . 1 8 , 4 5 ) e " q u e m v e n e r a u m a i m a g e m v e n e r a
n e l a a p e s s o a r e p r e s e n t a d a " ( C o n c . I I d e N i c é i a : D S 6 0 1 ; c f . C o n c í l i o d e T r e n t o : D S 1 8 2 1 - 1 8 2 5 ; C o n c í l i o d o V a t i c a n o I I : S C 1 2 6 ; L G 6 7 ) . A h o n r a p r e s t a d a à s
s a n t a s i m a g e n s é u m a " v e n e r a ç ã o r e s p e i t o s a " , e n ã o u m a a d o r a ç ã o , q u e s ó a D e u s s e d e v e :
O c u l t o d a r e l i g i ã o n ã o s e d i r i g e à s i m a g e n s e m s i m e s m a s c o m o r e a l i -
d a d e s , m a s o l h a - a s s o b o s e u a s p e c t o p r ó p r i o d e i m a g e n s , q u e n o s c o n -d u z e m a o V e r b o E n c a r n a d o . O r a , o m o v i m e n t o q u e s e d i r i g e à i m a g e m
e n q u a n t o t a l n ã o s e q u e d a n e l a , m a s p a s s a à r e a l i d a d e d e q u e é i m a g e m
( S . T o m á s d e A q u i n o , S u m m a T h e o l o g i c a , 2 - 2 , 8 1 , 3 , a d 3 ) . "
A imagem se torna então um meio material e até mesmo didát ico
ou pedagógico, principalmente durante a oração, usando -se o sensível
para se at ingir mentalmente a Sant idade do Verbo Encarnado t raz ida
ao Homem. Seria como que um meio sensível de se vis lumbrar imagi-
nariamente o sobrenatural e santo, obra exclusiva de Deus, pois "Deus
é que sant i f ica" (Lv 19,2 / 20,8) . O cul to ass im não se f ixa nela, mas
se dir ige desde o in ício da invocação, a Deus, ao único Autor da Sa n-
t idade al i representada. E, até mesmo o próprio Jesus se ident i f ica com
53
a imagem da serpente de bronze confeccionada no deserto, ao d izer a
Nicodemos:
" E c o m o M o i s é s l e v a n t o u a s e r p e n t e n o d e s e r t o , a s s i m i m p o r t a q u e o F i l h o d o h o m e m s e j a l e v a n t a d o ; p a r a q u e t o d o a q u e l e q u e n e l e c r ê t e n h a a v i d a e t e r n a "
( J o 3 , 1 4 - 1 5 ) .
Ao dizer isso quis signif icar mentalmente a Imagem de Sua Mor-
te Redentora Na Cruz para que Nicodemos A unisse, didat ic amente, à
imagem da serpente que Moisés levantou no deserto para curar os isr a-
el i tas , Ele que curar ia o Homem das chagas do pecado:
" P o r q u e o s q u e d a n t e s c o n h e c e u , t a m b é m o s p r e d e s t i n o u p a r a s e r e m c o n f o r m e s à i m a g e m d e s e u F i l h o , a f i m d e q u e e l e s e j a o p r i m o g ê n i t o e n t r e m u i t o s i r -
m ã o s . . . " ( R m 8 , 2 9 ) / " E l e n o s t i r o u d o p o d e r d a s t r e v a s , e n o s t r a n s p o r t o u p a r a
o r e i n o d o s e u F i l h o a m a d o ; e m q u e m t e m o s a r e d e n ç ã o , a s a b e r , a r e m i s s ã o d o s p e c a d o s ; o q u a l é i m a g e m d o D e u s i n v i s í v e l , o p r i m o g ê n i t o d e t o d a a c r i a ç ã o . . . "
( C o l 1 , 1 3 - 1 5 ) .
Além disso, “ . . . não os servirás . . .” diz respei to à Oferenda em
Sacri f ício do Pão de Deus, pelo qual também Deus “se al imentava”, tal
como foi ordenado a respei to dos Sacerdotes: “Tu o t ratarás como sa n-
to, pois oferece o pão do teu deus” (Lv 21,8)”. “Servir” en tão é part i -
cipar de um sacri f íc io pagão ao seu deus, esculpido em imagem. Daí a
proibição mandamental .
(3.º) - "Não tomarás o nome de Iahweh teu Deus em vão; por-
que Iahweh não terá por inocente aquele que tomar o seu nome em
vão" - Emprega-se o nome de Deus em vão quando for à toa, sem mo-
t ivo, ou por razões fúteis e sem nenhuma necessidade. Mas, para o I s-
rael i ta , além disso, como são indestacáveis e inseparáveis da pessoa o
nome e a palavra, no que se refere a Iahweh Deus o Seu Nome detém
Sua Sant idade, Sua Palavra o Seu Poder e ambos a Sua Majestade. A s-
sim, "tomar-lhe o nome em vão" é um indesculpável desrespei to que
Deus "não terá como sendo fruto de inocência, sem culpa". A causa
principal disso é o mau uso que se pode fazer em juramentos falsos em
que Deus é colocado como testemunha para af iançar aqui lo que fals a-
mente se af i rma (Lv 19,12), além do uso superst ic ioso do Seu Nome
para a prát ica da magia, ou pelos necromantes , em busca de efei tos
fantasiosos , até mesmo nos r i tos pagãos pelo poder de que se apodera
e adquire quem O pronuncia (Lv 19,31; 20,6.27; Nm 23,23; Dt 18,10 -
12). Tais costumes seriam intolerávei s para o Povo dos Fi lhos de Isr a-
el pela corrupção que produzir iam no meio comunitário em formação ,
fer indo com uma insuperável desunião ou confl i tos de sérias cons e-
quências , a fé e a Al iança.
É esse sent ido que está embutido no pedido fei to por Moisés ao
Faraó do Egi to para que deixasse o povo avançar t rês dias no deserto
para “servir o Pão de Deus” a Iahweh. O Povo dos Fi lhos de Israel
queria oferecer seus Sacri f ícios a Iahweh , sem ser importunado pelos
egípcios .
(4.º) "Lembra-te do dia do sábado, para o santif icar : - . Seis
dias t rabalharás , e farás todo o teu t rabalho; mas o sét imo dia é o s á-
54
bado de Iahweh teu Deus. Nesse dia não farás t rabalho algum, nem tu,
nem teu f i lho, nem tua f i lha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o
teu animal , nem o est rangeiro que está dentro das tuas portas . Porque
em seis dias fez Iahweh o céu e a terra, o mar e tudo o que neles há, e
ao sét imo dia descansou; por isso Iahweh abençoou o dia do sábado, e
o sant i f icou" - O respei to pelo dia de sábado já ex is t ia antes da pr o-
mulgação das Leis da Aliança, como se vê por ocasião do Maná (Ex
16,22-30). No entanto, aqui , vai se vincular à Aliança, base de toda a
es t rutura do Decálogo:
" D i s s e m a i s Ia h w e h a M o i s é s : F a l a r á s t a m b é m a o s f i l h o s d e I s r a e l , d i z e n d o : C e r t a m e n t e g u a r d a r e i s o s m e u s s á b a d o s ; p o r q u e i s s o é u m s i n a l e n t r e m i m e v ó s
p e l a s v o s s a s g e r a ç õ e s ; p a r a q u e s a i b a i s q u e e u s o u o S e n h o r , q u e v o s s a n t i f i c a .
P o r t a n t o g u a r d a r e i s o s á b a d o , p o r q u e s a n t o é p a r a v ó s ; a q u e l e q u e o p r o f a n a r c e r t a m e n t e s e r á m o r t o ; p o r q u e q u a l q u e r q u e n e l e f i z e r a l g u m t r a b a l h o , s e r á e x -
t e r m i n a d o d o m e i o d o s e u p o v o . S e i s d i a s s e t r a b a l h a r á , m a s o s é t i m o d i a s e r á o
s á b a d o d e d e s c a n s o s o l e n e , s a n t o a Ia h w e h ; q u a l q u e r q u e n o d i a d o s á b a d o f i z e r
a l g u m t r a b a l h o , c e r t a m e n t e s e r á m o r t o . G u a r d a r ã o , p o i s , o s á b a d o o s f i l h o s d e
I s r a e l , c e l e b r a n d o - o n a s s u a s g e r a ç õ e s c o m o a l i a n ç a p e r p é t u a . E n t r e m i m e o s
f i l h o s d e I s r a e l s e r á e l e u m s i n a l p a r a s e m p r e ; p o r q u e e m s e i s d i a s f e z Ia h w e h o c é u e a t e r r a , e a o s é t i m o d i a d e s c a n s o u , e r e t o m o u a l e n t o " ( E x 3 1 , 1 2 - 1 7 ) .
Pela consagração do sábado é tes temunhada por Is rael a sua fé
em Iahweh, separando-o dos outros dias e ass im o sant i f icando e , prin-
cipalmente , demonstrando a sua f idel idade à Aliança por um ato ex te r-
no que at ingia a vida material eles deixavam de t rabalhar jun to com os
seus serviçais e até mesmo escravos. O sábado vai ass im se juntar à
ci rcuncisão , como sinal vis ível de adesão ao Povo dos Fi lhos de Is r ael .
Por a í se vê a seriedade da inst i tuição e a sua violação ser ia s inal de
quebra de unidade nacional , t razendo sério perigo à ordem social , pelo
que a reação do povo deveria ser ass im extremada.
Para melhor compreensão da origem e s ignif icado da "inst i tuição
da consagração do sábado" é oportun a, aqui , a t ranscrição do que
consta no Capí tulo I, n . 1 .6.1 deste Es tudo, quando da narrat iva da
Criação:
" O e s c r i t o r b í b l i c o a o i d e a l i z a r o s a c o n t e c i m e n t o s d o p a s s a d o m e s c l o u - o s c o m a
c u l t u r a d e e n t ã o , l e v a n d o p a r a a o r i g e m o u p a r a a C r i a ç ã o a s i n s t i t u i ç õ e s v i g e n t e s n o s e u t e m p o , a i l o c a l i z a n d o - a s t a l c o m o q u e a s j u s t i f i c a n d o . É o c a s o d o s á b a d o c o m o é
c o n h e c i d o o s é t i m o d i a d a s e m a n a . C o m b a s e n o q u e j á v i m o s p o d e m o s c o m p r e e n d e r o s i g n i f i c a d o d a d o o r i g i n a r i a m e n t e a e l e , e q u a l o s e u s e n t i d o r e l i g i o s o :
“ A s s i m f o r a m t e r m i n a d o s o c é u e a t e r r a e t o d o o s e u e x é r c i t o . E n o s é -t i m o d i a D e u s d e u p o r t e r m i n a d a a o b r a p o r e l e f e i t a ; e n o s é t i m o d i a
c e s s o u d e t o d a a o b r a q u e h a v i a f e i t o ; e , p o r i s s o , d eu s a b e n ç o o u o s é -
t i m o d i a e o s a n t i f i c o u , p o r q u e n e l e c e s s o u d e t o d a a o b r a q u e , e l e , c r i -a n d o , t i n h a f e i t o . E s t a é a g e r a ç ã o d o c é u e d a t e r r a n a s u a c r i a ç ã o ” ( G n
2 , 1 - 4 ) .
A p a l a v r a “ c e s s a r ” e m h e b r a i c o p r o n u n c i a - s e m a i s o u m e n o s “ s h a b b á t ” d e o n d e
v e i o o n o m e e a p r o n ú n c i a d o s é t i m o d i a d a s e m a n a , “ s á b a d o ” , t a l c o m o é c o n h e c i d o .
N e s s e t r e c h o n ã o s e t r a t a d a i n s t i t u i ç ã o d o r e s p e i t o a o s á b a d o , m a s d e e x p l i c a r a s u a d i s t i n ç ã o e n t r e o s o u t r o s d i a s , a p o n t o d e s e l h e v e d a r n e l e t o d o e q u a l q u e r t r a b a l h o .
N ã o s e t r a t a d e u m r e p o u s o d e D e u s , p r o p r i a m e n t e f a l a n d o , D e u s n ã o p r e c i s a d e r e p o u s o
a l g u m ( J o 5 , 1 7 ) , m a s d o d i a e m q u e t e r m i n a a C r i a ç ã o e l h e d á o a c a b a m e n t o f i n a l , a -b e n ç o a n d o - a . E , q u a n d o D e u s a b e n ç o a , f e c u n d a e “ e n e r g i z a ” p a r a q u e s e c u m p r a a s u a
f i n a l i d a d e , c o n f o r m e o S e u D e s í g n i o , t a l c o m o a b e n ç o a r a o s a n i m a i s e o h o m e m a o c r i á -
l o s . N ã o s e t r a t a d e f e c u n d a r e “ e n e r g i z a r ” u m d i a , t o r n a n d o - o f é r t i l p a r a a “ r e p r o d u ç ã o d e o u t r o s d i a s i g u a i s ” , m a s d e i m p r i m i r n a O b r a d a C r i a ç ã o a s l e i s q u e l h e s ã o p ec u l i a -
r e s , “ f e c u n d a n d o - a ” e “ e n e r g i z a n d o - a ” p a r a q u e e l a p r o s s i g a d e c o n f o r m i d a d e c o m s e u
d e s í g n i o , a b e n ç o a n d o - a t o d a . D e u s c e s s a d e c r i a r , t a l c o m o o p r ó p r i o J e s u s n o s r e v e l a , m a s n ã o c e s s a d e g o v e r n a r :
55
“ . . . : m e u p a i t r a b a lh a s e m p r e e e u t a m b é m t r a b a l h o ” ( J o 5 , 1 7 ) .
D e u s n a d a c r i o u s e m m o t i v o e s e m m e t a a a t i n g i r , m u i t o m e n o s p a r a d e s t r u i r .
D a í p o r q u e D e u s " s a n t i f i c o u " o s é t i m o d i a , i s s o é , n u m s e n t i d o b í b l i c o , “ s e p a r o u ” , d i s -t i n g u i u . A p a r e c e e n t ã o c o m t o d a a c l a r e z a a i r r e v e r s i b i l i d a d e e i n e x o r a b i l i d a d e d a c r i a -
ç ã o :
“ E n q u a n t o d u r a r a t e r r a , s em e a d u r a e c o l h e i t a , f r i o e c a l o r , v e r ã o e i n -
v e r n o , d i a e n o i t e n ã o h á d e f a l t a r ” ( G n 8 , 2 2 ) . "
Pelo exposto se pode deduzir que Deus "cessou" de criar no "sé-
t imo dia", no início dos tempos quando ainda não se dera nome aos d i-
as da semana e nem se denominava " sábado", tendo por origem et im o-
lógica o verbo hebraico " shabbát". O seu s ignif icado é "cessar de f a-
zer o que se es tá fazendo e retornar ao anterior es tado", motivo que
levou a se dizer que Deus "repousou". Iahweh Deus cessou de criar no
sét imo dia , mas não cessou de governar . Por isso, o Homem, "imagem
e semelhança de Deus" também "repousa", "cessa o que faz e vol ta ao
estado anterior", "descansa e guarda o sét imo dia", passando para a fé
prat icada essa terminologia e f icando assim conhec ido.
4.º .1 . - Domingo ou Sábado? - "Seis dias trabalharás, e farás
todo o teu trabalho; mas o sétimo dia é o sábado de Iahweh, teu
Deus" - Pelo fato de muitos adotarem a guarda do domingo em vez do
sábado, alguns cris tãos f icam com escrúpulo, entendendo que não se
observa o mandamento. Mudando -se para o "Dia do Senhor" (que é o
s ignif icado da palavra "domingo") não se desr espei ta o precei to eis
que se t rabalha "sei s dias e se cessa no sét imo", cumprindo -o na ínte-
gra. De maneira mais clara veri f ica -se que se t rabalha segunda (1.° d i -
a) , terça (2.° dia) , quarta (3.° dia) , quinta (4.° dia) , sex ta (5.° dia) e
sábado (6.° dia) , i s to é, "seis dias" como manda o estatuto e "cessa" o
t rabalho no domingo (7 .° dia) - i sso é, "t rabalha -se seis d ias e "des-
cansa -se" no sét imo".
É que, em vir tude de ocorrer no "Primeiro Dia da Semana" a
Ressurreição de Cris to (Mt 28,1; Mc 16,1 -2; Lc 24,1; Jo 20,1) , a As-
censão de Jesus (Mc 16,1.19; At 1) e o Dia de Pentecostes (At 2,1 -40 /
Lv 23,15-16) os primeiros cr is tãos passaram a guardá -lo como "o Dia
do Senhor" , em lugar do sábado dos israel i tas , não sem luta e relutâ n-
cia de alguns que a isso se opunham. Não é outro o motivo por que e-
x istem tantos episódios nos Evangelhos em que se narram várias at i t u-
des de Jesus ocasionando vários desencontros com os chefes rel igiosos
dos judeus, acusando-o de violá - lo (Mt 12,1-8.9-21; Mc 1,21-28; 2 ,23-
28; 3 ,1-6; Lc 4 ,31-37.38-39; 6 ,1-5.6-11; 13,10-17; 14,1-6 ; Jo 5,7-15;
9 ,13-25). São apenas just i f icações da permissibi l idade da mudança,
pois "o Fi lho do Homem é Senhor do sábado" (Mt 12,8) .
Por outro lado, há uma narrat iva que nos mostra um acontec i-
mento muito út i l para se entender o que ocorria naqueles dias dos pr i -
mórdios , quando do choque das duas cul t uras:
" N o p r i m e i r o d i a d a s e m a n a , t e n d o - n o s r e u n i d o a f i m d e p a r t i r o p ã o , P a u l o , q u e
h a v i a d e s a i r n o d i a s e g u i n t e , f a l a v a c o m e l e s , e p r o l o n g o u o s e u d i s c u r s o a t é a
m e i a - n o i t e " ( A t 2 0 , 7 ) .
56
"No primeiro dia da semana, tendo -nos reunido a f im de pa rt i r o
pão. . ." - , i sso é, "reuniram-se no domingo (=primeiro dia da semana)
para a Eucaris t ia (= a f im de part i r o pão)", tendo Paulo "prolongado o
seu discurso até a meia -noi te" - Ora, o horário israel i ta di fere do oc i -
dental , eis que para aquele se conta o dia a part i r das dezoi to horas até
as dezoi to horas do dia seguinte. Então, part iam o pão à noite do sáb a-
do ocidental , que já era domingo para eles , única possibi l idade de
Paulo haver "prolongado o seu discurso até a meia noi te". Outras ref e-
rências ex is tem que confirmam a ex is tência da reunião fest iva no d o-
mingo (1Cor 16,2 e Ap 1,9 -11).
Evidencia-se out ro aspecto da visão cr is tã do sábado, pelo que
dissera Cris to: "o sábad o exis te para o homem e não o homem para o
sábado" (Mc 2,27), manifestado por São Paulo:
" P o r t a n t o , n i n g u é m v o s j u l g u e p o r q u e s t õ e s d e c o m i d a e d e b e b i d a , o u a r e s p e i t o
d e f e s t a s a n u a i s o u d e l u a n o v a o u d e s á b a d o s , q u e s ã o a p e n a s s o m b r a d e c o i s a s
q u e h a v i a m d e v i r , m a s a r e a l i d a d e é o c o r p o d e C r i s t o " ( C o l 2 , 1 6 - 1 7 ) .
Também não é out ro o ensino do Catecismo da Igreja Catól ica ,
que doutr ina e expl ica suficientemente:
" 2 1 7 4 - J e s u s r e s s u s c i t o u d e e n t r e o s m o r t o s " n o p r i m e i r o d i a d a s e m a n a ( M t 2 8 , 1 ; M c 1 6 , 2 ; Lc 2 4 , 1 ; J o 2 0 , 1 ) . E n q u a n t o " p r i m e i r o d i a " , o d i a d a R e s s u r r e i -
ç ã o d e C r i s t o l e m b r a a p r i m e i r a C r i a ç ã o . E n q u a n t o " o i t a v o d i a " , a s e g u i r a o
s h a b b á t ( M c 1 6 , 1 ; M t 2 8 , 1 ) , s i g n i f i c a a n o v a C r i a ç ã o , i n a u g u r a d a c o m a R e s s u r -r e i ç ã o d e C r i s t o . E s t e d i a t o r n o u - s e p a r a o s c r i s t ã o s o p r i m e i r o d e t o d o s o s d i a s ,
a p r i m e i r a d e t o d a s a s f e s t a s , o d i a d o S e n h o r ( " H é k u r i a k é h é m e r a " , " d i e s d o -
m i n i c a " ) , o " D o m i n g o " : R e u n i m o - n o s t o d o s p r e c i s a m e n t e n o d i a d o S o l , n ã o s ó p o r q u e f o i o
p r i m e i r o d i a e m q u e D e u s , t r a n s f o r m a n d o a s t r e v a s e a m a t é r i a , c r i o u o
m u n d o , m a s t a m b é m p o r q u e J e s u s C r i s t o , N o s s o S a l v a d o r , n e s s e d i a r e s -s u s c i t o u d o s m o r t o s ( S ã o J u s t i n o , A p o l . 1 , 6 7 ) "
" 2 1 7 5 - O D o m i n g o d i s t i n g u e - s e e x p r e s s a m e n t e d o s h a b b á t , a o q u a l s u c e d e c r o -
n o l o g i c a m e n t e , e m c a d a s e m a n a , e c u j a p r e s c r i ç ã o d e c a r á t e r c e r i m o n i a l s u b s t i -t u i p a r a o s c r i s t ã o s . O D o m i n g o c o m p l e t a , n a P á s c o a d e C r i s t o , a v e r d a d e e s p i -
r i t u a l d o s h a b b á t j u d a i c o e a n u n c i a o d e s c a n s o e t e r n o d o h o m e m e m D e u s . P o r -
q u e o c u l t o d a Le i p r e p a r a v a p a r a o m i s t é r i o d e C r i s t o e o q u e n e l a s e p r a t i c a v a e r a f i g u r a d e a l g u m p o r m e n o r r e l a t i v o a C r i s t o ( 1 C o r 1 0 , 1 1 ) :
O s q u e v i v e r a m s e g u n d o a A n t i g a A l i a n ç a a l c a n ç a r a m u m a n o v a e s p e -
r a n ç a , n ã o g u a r d a n d o j á o s á b a d o , m a s c e l e b r a n d o o d i a d o S e n h o r , p o r -q u e n e s s e d i a s u r g i u a n o s s a v i d a , f r u t o d a s u a m o r t e ( S a n t o In á c i o d e
A n t i o q u i a , M g n 9 , 1 1 ) .
2 1 7 6 - A c e l e b r a ç ã o d o D o m i n g o é o c u m p r i m e n t o d a p r e s c r i ç ã o m o r a l , n a t u -r a l m e n t e i n s c r i t a n o c o r a ç ã o d o h o m e m , d e " p r e s t a r a D e u s u m c u l t o e x t e r i o r ,
v i s í v e l , p ú b l i c o e r e g u l a r , s o b o s i g n o d o s e u b e n e f í c i o u n i v e r s a l p a r a c o m o s h o m e n s " ( S . T o m á s d e A q u i n o , S u m m a T h e o l o g i c a 2 - 2 , 1 2 2 , 4 ) . O C u l t o D o m i n i -
c a l c u m p r e o p r e c e i t o m o r a l d a A n t i g a A l i a n ç a , c u j o r i t m o e e s p í r i t o r e t o m a , a o
c e l e b r a r e m c a d a s e m a n a o C r i a d o r e o R e d e n t o r d o S e u P o v o . "
Faci lmente se constata que o Cul to do Domingo é o mesmo Culto
do Sábado não havendo motivo para o receio de descumprimento do
conhecido mandamento da Lei de Deus.
5.º) " Honra a teu pai e a tua mãe, para que se prolonguem os
teus dias na terra que Iahweh teu Deus te dá" - Até aqui o Decálogo
gira em torno da adoração a Deus com a exclusão de qualquer outro
cujo nome nem ao menos pronunciar era l íci to ao Israel i ta (Ex 23,13).
O seu cul to só poderia se di r igir a Iahweh a quem invocaria conforme
as especif icações dos quatro manda mentos já examinadas, cuja f inal i -
dade e missão era mais ampla ainda:
57
" P o r q u e o m e u a n j o i r á a d i a n t e d e t i , e t e i n t r o d u z i r á n a t e r r a d o s ( . . . " o u t r o s p o v o s " . . . ) e e u o s a n i q u i l a r e i . N ã o a d o r a r á s o s s e u s d e u s e s , n e m o s s e r v i r á s ,
n e m i m i t a r á s a s s u a s o b r a s ; a n t e s o s d e s t r u i r á s t o t a l m e n t e , e q u e b r a r á s d e t o d o
a s s u a s c o l u n a s . S e r v i r e i s , p o i s , a Ia h w e h v o s s o D e u s , . . . ( . . . ) N ã o f a r á s a l i a n ç a a l g u m a c o m e l e s , n e m c o m o s s e u s d e u s e s . . . . p o i s s e s e r v i r e s o s s e u s d e u s e s ,
c e r t a m e n t e i s s o t e s e r á u m a a r m a d i l h a " ( E x 2 3 , 2 3 - 2 5 . 3 1 - 3 3 ) .
Após aquelas disposições de f idel idade a Iahweh , o Decálogo vai
começar a ordenar o relacionamento das pessoas umas com as outras
com vis tas à paz social e comunitária , a começar com os pais , i sso é ,
em famíl ia apesar de nômades e no peregrinar a que se sujei taram.
Também fator indispensável para a paz num regime t r ibal e patr iarcal
em que tudo se cent ral iza no pai , chefe da famíl ia ou da t r ibo. Com r e-
ferência a esse mandamento , São Paulo:
" V ó s , f i l h o s , s e d e o b e d i e n t e s a v o s s o s p a i s n o S e n h o r , p o r q u e i s t o é j u s t o . H o n -
r a a t e u p a i e a t u a m ã e , q u e é o p r i m e i r o m a n d a m e n t o c o m p r o m e s s a , p a r a s e r e s
f e l i z e t e r e s u m a l o n g a v i d a s o b r e a t e r r a " ( E f 6 , 1 - 3 ) .
O mesmo regime patr iarcal impõe as normas que são capazes de
manter a paz interna e de qu e depende para a própria sobrevivência e
elas passam a reger coerci t ivamente a co nduta do grupo. Porém, nesse
caso, a coerção é mais interior , vem de dentro da pessoa, de sua pr ó-
pria consciência rel igiosa e se impõe , mas com uma promessa de r e-
compensa. Bas ta para se comprovar isso o fato de que não se diz " amar
pai e mãe", mas, se diz "honrar pai e mãe". Ora, o "amar" é uma ação
normal e natural no ser humano mas o "honrar" vai mais longe e ind e-
pendentemente do "amar" ex ige uma in teriorização, concentração ra-
cional e um esforço pessoal algo mais que a própria natureza sent i -
mental a agir . Mas i sso não acontece somente na vida nôm ade e mesmo
quando do assentamento do Povo de Israel na Terra Prometida só have-
rá modificação sens ível nesse , e no conjunto dos demais disposi t ivos
sofrerá apenas e tão somente aperfeiçoamentos. Esse sofrerá modifica-
ção bem como o que será anal isado a seguir quando Is rael at ingir as
Estepes de Moab, à entrada da Terra Prometida. Na ocasião far -se-ão
os comentários a propósi to .
Muitos destes mandamentos que se manifestam no grupo social
não passaram a ser observados somente após a sua promulgação , mas
já eram costumeiramente usados com base na própria experiência do
grupo, fenômeno que ocorre com toda a legis lação escr i ta . Assim,
quanto aos disposi t ivos "não matarás", "não cometerás adul tér io", "não
furtarás" e "não di rás falso tes temunho contra o teu próximo" (Ex
20,13-16) dizem respei to aos atos ex teriores do homem que ferem em
cheio o próximo, prejudicando -o e com isso sabotando a Paz Social
cujos efei tos danosos são sobejamente conhecidos. O que é necessário
notar é a necessidade de uma base comum centrada na consciência o b-
jet iva para a harmonia do grupo humano sem o que ela é impossível . É
de se regis t rar , porém, que o adul tér io vai sofrer modificação com
Cris to que vai acabar com a pol igamia mascul ina dos judeus e inst i tui r
a monogamia cris tã .
Resta o Décimo Mandamento que diz "não cobiçarás a casa de
teu próximo. . . nem coisa alguma que lhe pertença", em que há a origi-
58
nal idade que fere o preconcei to que se tem da cul tura ant iga, de ser
ass im superficial e sem profundidade. Preste -se a devida atenção e
ver-se-á que esse mandamento procura at ingir o ínt imo do Homem, seu
recanto mais privado, onde al imenta às vezes os seus mais querido s
sonhos e ideais e lhe diz : "não cobiçarás . . . ! Vai falar - lhe no mais ín-
t imo de seu ser e ev i tar -se-á muitos males oriundos de uma cobiça d e-
senfreada e inescrupulosa. Diferença notável é aqui o concei to de
"próximo" apl icado a outro Israel i ta , que Jesus i r á es tender a qua lquer
ser humano.
2.10. - A ALIANÇA CONSUMA-SE COM O POVO DE ISRAEL
Terminada a exposição e promulgação públ ica dos dez manda-
mentos , o Povo de Israel se manifesta e pede:
" O r a , t o d o o p o v o p r e s e n c i a v a o s t r o v õ e s , e o s r e l â m p a g o s , e o s o m d a t r o m b e t a , e o m o n t e a f u m e g a r ; e o p o v o , v e n d o i s s o , e s t r e m e c e u e p ô s - s e d e l o n g e . E d i s -
s e r a m a M o i s é s : F a l a - n o s t u m e s m o , e o u v i r e m o s ; m a s n ã o f a l e D e u s c o n o s c o ,
p a r a q u e n ã o m o r r a m o s . R e s p o n d e u M o i s é s a o p o v o : N ã o t e m a i s , p o r q u e D e u s v e i o p a r a v o s p r o v a r , e p a r a q u e o s e u t e m o r e s t e j a d i a n t e d e v ó s , a f i m d e q u e
n ã o p e q u e i s . A s s i m o p o v o e s t a v a e m p é d e l o n g e ; M o i s é s , p o r é m , s e c h e g o u à s
t r e v a s e s p e s s a s o n d e D e u s e s t a v a . E n t ã o d i s s e Ia h w e h a M o i s é s : A s s i m d i r á s a o s f i l h o s d e I s r a e l : V ó s t e n d e s v i s t o q u e d o c é u e u v o s f a l e i . N ã o f a r e i s o u t r o s
d e u s e s d e p r a t a j u n t o a m i m , n e m d e u s e s d e o u r o f a r e i s p a r a v ó s " ( E x 2 0 , 1 8 - 2 3 ) .
Constata-se inicialmente o “. . . não t emais . . .” , expressão que
surge sempre que um elei to se vê face a face com a missão para a qual
Deus o convoca. Assim aconteceu com Abraão, com Isaac e com Jacó,
aqui com os Fi lhos de Israel e em várias oportunidades no Novo Te s-
tamento (Gn 15,1; 26,24; 46,3; 50,19 -21; Ex 20,20; . . . ; Mt 1,20;
10,26.28.31; Lc 1,13.30; . . . ) . Acontece também quando da opos ição que
às vezes surge do desencontro da fé com as ex igências e com as coisas
do mundo. Aconteceu isso com Abraão ao recusar os despojos a que
t inha direi to (cfr . Gn 15,1) e desde a sua conversão teve que enfre ntar
inúmeras dif iculdades, tendo que se afas tar de seu clã, garant ia de s e-
gurança e sobrevivência naquele tempo. Numa época em que se acredi-
tava em vários deuses , cada clã ou t r ibo formava -se em torno de um
deles . Já foi vis to anteriormente , mas é bom repet i r que quando Abr a-
ão deixa de adorar o deus do clã (Jos 24,2) e passa a adorar Ia hweh ou
El Shaddai (Ex 6,3) não poderia mais nele permanecer. São coisas da
cul tura do tempo em que se deram tais fatos . Atualmente, e para qua l-
quer pessoa, não é um problema insuperável se afastar da famíl ia , do
convívio dos conterrâneos ou da ter ra natal , e até mesmo da rel igião.
Pode-se viver prat icamente em segurança em qualquer lugar . Mas, nos
dias de Abraão, era - lhe por demais comprometedora a sobrevivência.
Basta se lembrar que foi esse o cast igo imposto por Deus a Caim (Gn
4,11-14) e, o mesmo Abraão sent iu-se obrigado a pedi r que sua mulher
Sara dissesse ser sua i rmã por causa do perigo de ser morto para dela
se apropriarem (Gn 12,10 -13; 20,1-7) . Da mesma forma, não reteve os
despojos advindos da sua vi tó ria l ibertando Lot e os Reis r eduzidos à
escravidão (Gn 14,21 -24). Se bem que, além da prudência, havia ta m-
bém a sua consagração a Deus (Gn 14,22-23 / 2Rs 5,16) e não perten-
cendo a um clã que lhe servisse de suporte, adorando um deus desc o-
59
nhecido e impotente em face do mundo de então, temeu. O própri o
Deus vem em seu socorro , ocasião em que Abraão exala a sua ansied a-
de mais ínt ima: fal tava -lhe um fi lho, um herdeiro (Gn 15,1-6) a quem
pudesse deixar os despojos como herança. Sua consagração a Deus o
s i tuava em confl i to com o mundo de então.
Quando o narrador s i tua essa manifes tação de Iahweh “ depois
desses acontecimen tos . . .” a es tá s i tuando após todos os fatos narrados
desde a conversão de Abraão, que modi ficara e dif icul tara por demais
a sua v ida. Não tendo f i lho te r ia que se contentar com um herdeiro que
não era de sua descendência como exigia a cul tura do tempo. De t udo
isso e da entrega incondicional adveio-lhe o temor seguido do co nsolo,
que o próprio Deus lhe t raz com o “não temas”. Essa expressão apar e-
ce também tanto na Anunciação de João Bat is ta (a Zacarias) c omo na
Anunciação de Jesus Cris to (a Maria):
“ N ã o t e m a s , A b r ã o ! E u s o u o
t e u e s c u d o , t u a r e c o m p e n s a s e -r á m u i t o g r a n d e ” ( G n 1 5 , 1 ) .
“ N ã o t e m a s , Z a c a r i a s , p o r q u e a t u a
s ú p l i c a f o i o u v i d a . . . ” ( Lc 1 , 1 3 ) .
“ N ã o t e m a s , M a r i a ! E n c o n -
t r a s t e G r a ç a j u n t o d e D e u s . . . ” ( Lc 1 , 3 0 ) .
Agora também ao Povo de Is rael , al i no Monte Sinai , Moisés lhe
dir ige o "não temas" vocacional (Ex 20,20) , esclarecendo-se assim o
motivo do temor então reinante em face da real e impressionan te teo-
fania (Ex 19,16-21) , sem que ocorresse uma debandada geral . É que
não foi um temor ocasionado pelos mesmos motivos de um medo i rr a-
cional que tudo submete ao inst into de conservação e provoca o dese s-
pero, o pânico e a fuga. Era s im, aquele temor rever encial em face do
sagrado acontecimento e da seriedade do compromisso para o que f o-
ram todos os Fi lhos de Is rael conscient izados, preparados e conduz i-
dos, tal como nos casos dos demais ele i tos . Era o remate f inal de uma
longa e di f íci l t rajetória marcada a inda pela responsabi l idade de outra
tão espinhosa como a primeira missão que se iniciava. Moisés é elei to
o interlocutor oficial dos israel i tas junto de Deus, iniciando -se como
profeta (Dt 18,16-17):
" E d i s s e r a m a M o i s é s : F a l a - n o s t u m e s m o , e o u v i r e m o s ; m a s n ã o f a l e D e u s c o -n o s c o , p a r a q u e n ã o m o r r a m o s " ( E x 2 0 , 1 9 ) .
Deus os atende e passa a se dir igir a Moisés: - "Assim dirás aos
Fi lhos de Israel (Ex 20,22) ( . . . ) Eis as leis que lhes proporás . . ." (Ex
21,1) - Moisés em nome de Deus, de acordo com o pedido d eles , passa
a descrever alguns procedimentos costumeiros f i rmando -os, como
normas de comportamento. Com elas regulamenta oficialmente o rel a-
cionamento geral , enriquecendo-as a part i r de sua experiência como
"juiz" (Ex 18,13-16) . A principal f inal idade é a de manter a paz comu-
ni tár ia , fruto da comunhão com Deus que se es tabeleceria pelos sacr i -
f ícios oferecidos e pela obediência aos precei tos del ineados. É de se
destacar a inst i tuição oficial de uma pena, mencionada desde Caim
(Gn 4,14) e Lamec (Gn 4,14), esp écie de vingança legal que se resume
em " tal dano tal punição", donde o nome de tal - ião :
" M a s s e r e s u l t a r d a n o g r a v e , e n t ã o d a r á s v i d a p o r v i d a , o l h o p o r o l h o , d e n t e p o r
d e n t e , m ã o p o r m ã o , p é p o r p é , q u e i m a d u r a p o r q u e i m a d u r a , f e r i d a p o r f e r i d a , g o l p e p o r g o l p e " ( E x 2 1 , 2 3 - 2 5 ) .
60
Jesus vai revogar isso ao estabelecer:
" O u v i s t e s q u e f o i d i t o : O l h o p o r o l h o , e d e n t e p o r d e n t e . E u , p o r é m , v o s d i g o q u e n ã o r e s i s t a i s a o h o m e m m a u ; m a s , a q u a l q u e r q u e t e b a t e r n a f a c e d i r e i t a ,
o f e r e c e - l h e t a m b é m a o u t r a ; e a o q u e q u i s e r p l e i t e a r c o n t i g o , e t i r a r - t e a t ú n i c a ,
l a r g a - l h e t a m b é m a c a p a ; e , s e q u a l q u e r t e o b r i g a r a c a m i n h a r m i l p a s s o s , v a i c o m e l e d o i s m i l " ( M t 5 , 3 8 - 4 1 ) .
Os demais precei tos se agrupam em ordenações acerca dos e s-
cravos (Ex 21,1 -11) , leis contra os homicídios e lesões corporais (Ex
21,12-32), contra os danos à propriedade privada (Ex 21,33 -22,5) , re-
gulando o crédi to e o emprést imo (Ex 22,6 -14), quanto à violação de
uma virgem (Ex 22,15 -16), deveres para com os inimigos e es t range i-
ros (Ex 23,1-9) e as leis morais e rel igiosas (Ex 22,17 -30 / 23,10-33).
Uma simples lei tura será suficiente para se dimensionar a forma rud i-
mentar dos costumes de então , principalmente no campo que atualme n-
te se diz dos direi tos civi l e penal . O que não se deve fazer é anal i sar
tais disposi t ivos confrontando -os com as conquis tas modernas e def i -
nições ideológicas ou até mesmo rel igiosas atuais , mas s i tuá -los no
seu devido tempo e procurar compreender a cul tura de então para me-
lhor penetrar nos meandros do desígnio de Deus al i se debatendo para
se deixar conhecer enquanto conduz a História.
Assim vão se destacar as leis morais e rel igiosas como arremate
f inal iniciando com a condenação da fei t iceira, a morte do que prat icar
ato sexual com um animal , o anátema para quem sacri f ic ar a outros
deuses , o modo de se comportar com os est rangeiros , a viúva ou órfão
e principalmente com o próximo, que naquele tempo era outro Israel i ta
(Ex 22,17-27). Quase ao f inal dessa minuciosa exposição legal ap arece
uma frase aqui colocada como demons tração da f inal idade de t udo:
" S e r e i s p a r a m i m h o m e n s s a n t o s " ( E x 2 2 , 3 0 ) .
Há uma relação legal entre o comportamento e a sant idade que é
modo do Homem se posicionar tal como " no princípio", - "imagem e
semelhança de Deus ". Vai prosseguir ass im na casuís t ica moral até de-
saguar após os sábados (passa a se mencionar o Ano Sabát ico junto
com o dia do Sábado) nas fes tas rel igiosas de ordem públ ica , obrigan-
do os homens ao comparecimento diante de Iahweh Deus. Mas não se
menciona a Páscoa que era uma festa mais ínt ima e famil iar (Ex 23,13 -
19), não tendo s ido comemorada durante a peregrinação em busca da
Terra Prometida. Tudo se encaminha para um desfecho em que t ran s-
parece a missão de Israel junto aos povos que seriam derrotados na
conquis ta a que se dest inam:
" P o r q u e o m e u a n j o i r á a d i a n t e d e t i , e t e i n t r o d u z i r á n a t e r r a d o s . . . ( “ n o m e i -
a m - s e s e t e p o v o s " ) . . . e e u o s a n i q u i l a r e i . N ã o t e i n c l i n a r á s d i a n t e d o s s e u s d e u -
s e s , n e m o s s e r v i r á s , n e m f a r á s c o n f o r m e a s s u a s o b r a s ; a n t e s o s d e r r u b a r á s t o -t a l m e n t e , e q u e b r a r á s d e t o d o a s s u a s c o l u n a s . S e r v i r e i s , p o i s , a Ia h w e h v o s s o
D e u s , e e l e a b e n ç o a r á o v o s s o p ã o e a v o s s a á g u a ; e e u t i r a r e i d o m e i o d e v ó s a s
e n f e r m i d a d e s . ( . . . ) N ã o h a b i t a r ã o n a t u a t e r r a , p a r a q u e n ã o t e f a ç a m p e c a r c o n -t r a m i m ; p o i s s e s e r v i r e s o s s e u s d e u s e s , c e r t a m e n t e i s s o t e s e r á u m a a r m a d i l h a "
( E x 2 3 , 2 0 - 3 3 ) .
61
"Não te incl inarás d iante dos seus deuses , nem os servirás , nem
farás conforme as suas obras; antes os derrubarás totalmente, e qu e-
brarás de todo as suas colunas. . . ": Eis aqui a principal missão de Isra-
el , que é a er radicação do cul to a outros deuses destruindo -os comple-
tamente bem como testemunhando a f idel idade a Iahweh a quem "se r-
vireis , pois a Iahweh vosso Deus e ele abençoará o vosso pão e a vossa
água; e eu t i rarei do meio de vós as enfermi dades". Tudo isso bem d e-
finido, Moisés se encaminha para a rat i f icação da Aliança com o Povo
dos Fi lhos de Israel a quem apresenta as condições di tadas por Deus:
“ V e i o , p o i s , M o i s é s e r e l a t o u a o p o v o t o d a s a s p a l a v r a s d e Ia h w e h e t o d o s o s e s t a t u t o s ; e n t ã o t o d o o p o v o r e s p o n d e u a u m a v o z : F a r e m o s t u d o o q u e I a h w e h
d i s s e ” ( E x 2 4 , 3 ) ” .
Após a apresentação de todo o Código da Aliança , em adendo ao
Decálogo e à adesão incondicional do Povo dos Fi lhos de Israel , o
compromisso mútuo é selado com o sangue de um s acri f ício :
" E n t ã o M o i s é s e s c r e v e u t o d a s a s p a l a v r a s d e Ia h w e h e , t e n d o - s e l e v a n t a d o d e m a n h ã c e d o , e d i f i c o u u m a l t a r a o p é d o m o n t e , e d o z e c o l u n a s , s e g u n d o a s d o z e
t r i b o s d e I s r a e l , e e n v i o u c e r t o s j o v e n s d o s f i l h o s d e I s r a e l , o s q u a i s o f e r e c e r a m
h o l o c a u s t o s , e i m o l a r a m b o i s a Ia h w e h e m s a c r i f í c i o s p a c í f i c o s . E M o i s é s t o m o u a m e t a d e d o s a n g u e , e a p ô s e m b a c i a s ; e a o u t r a m e t a d e d o s a n g u e e s p a r g i u s o -
b r e o a l t a r . T a m b é m t o m o u o L i v r o d a A l i a n ç a e o l e u p e r a n t e o p o v o ; e o p o v o
d i s s e : T u d o o q u e I a h w e h d i s s e n ó s f a r e m o s , e o b e d e c e r e m o s . E n t ã o t o m o u M o i -s é s a q u e l e s a n g u e , e e s p a r g i u - o s o b r e o p o v o e d i s s e : E i s a q u i o S a n g u e d a A l i -
a n ç a q u e Ia h w e h f e z c o n v o s c o a t r a v é s d e t o d a s e s t a s c l á u s u l a s ( . . . ) . . . d e p o i s
c o m e r a m e b e b e r a m " ( E x 2 4 , 4 - 8 . 1 1 c ) .
Aquela Aliança inic iada com Abraão é agora rat i f icada com os
seus descendentes com aspersão de sangue num sacri f ício com os F i-
lhos de Israel (ou Jacó), cumprindo -se a Promessa, e cont inuando a
busca do mesmo des ígnio de Deus em es tabelecer com o Homem a c o-
munhão de vidas do Jardim do Éden:
" E u f a r e i d e t i u m g r a n d e p o v o , a b e n ç o a r - t e - e i , e e n g r a n d e c e r e i o t e u n o m e ; e
t u , s ê u m a b ê n ç ã o " ( G n 1 2 , 2 ) / " . . . n ã o m a i s s e r á s c h a m a d o A b r ã o , m a s A b r a ã o
s e r á o t e u n o m e ; p o i s t e f a ç o p a i d e m u i t a s n a ç õ e s ; f a r - t e - e i f r u t i f i c a r e x t r a o r -d i n a r i a m e n t e , e d e t i f a r e i n a ç õ e s , e r e i s s a i r ã o d e t i ; e s t a b e l e c e r e i a m i n h a A l i -
a n ç a c o n t i g o e c o m a t u a d e s c e n d ê n c i a d e p o i s d e t i e m s u a s g e r a ç õ e s , c o m o A l i -
a n ç a p e r p é t u a , p a r a s e r o t e u D e u s e d e t u a d e s c e n d ê n c i a d e p o i s d e t i . D a r - t e - e i a t i e à t u a d e s c e n d ê n c i a d e p o i s d e t i a t e r r a d e t u a s p e r e g r i n a ç õ e s , t o d a a t e r r a
d e C a n a ã , e m p e r p é t u a p o s s e s s ã o ; e s e r e i o s e u D e u s " ( G n 1 7 , 5 - 8 ) .
É essa Aliança que se consumará defini t ivamente com Jesus
Cris to (1 Cor 11,25).
O CULTO A IAHWEH
2.11. - FUNDAMENTOS GERAIS
O Povo dos Fi lhos de Is rael foi qual i f icado pelo próprio Deus de
"meu f i lho primogêni to" (Ex 4,22). As caracterís t icas e implicações
pertencentes ao Ins t i tuto da Primogeni tura de "primícia" e "sacerdó-
62
cio" já se t raduzia e lhe conferia a responsabi l ida de por uma missão
específ ica que , pouco a pouco se amplia e se esclarece:
" A s s i m f a l a o I a h w e h : I s r a e l é m e u f i l h o , m e u p r i m o g ê n i t o " ( E x 4 , 2 2 ) / " A g o r a , p o i s , s e o u v i r d e s a m i n h a v o z e g u a r d a r d e s a m i n h a A l i a n ç a , s e -
r e i s a m i n h a p r o p r i e d a d e p e c u l i a r e n t r e t o d o s o s p o v o s , p o r q u e m i n h a é
t o d a a t e r r a ; e v ó s s e r e i s p a r a m i m u m r e i n o d e s a c e r d o t e s e u m a n a ç ã o s a n t a . . . " ( E x 1 9 , 5 - 6 ) / " Q u a n d o o a n j o m a r c h a r n a t u a f r e n t e e t e i n t r o -
d u z i r n a t e r r a d o s ( . . . “ v á r i o s ” p o v o s . . . ) , e e u o s e x t e r m i n a r , n ã o a d o r a -
r á s o s s e u s d e u s e s , n e m l h es p r e s t a r á s c u l t o , i m i t a n d o s e u s c o s t u m e s . A o c o n t r á r i o d e r r u b a r á s e q u eb r a r á s a s s u a s c o l u n a s . S e r v i r e i s a Ia h w e h
v o s s o D e u s , e e l e a b e n ç o a r á t e u p ã o e t u a á g u a , e a f a s t a r á d o t e u m e i o
a s e n f e r m i d a d e s . ( . . . ) N ã o f a r á s a l i a n ç a c o m e l e s n e m c o m s e u s d e u s e s . . . . t e f a r i a m p e c a r c o n t r a m i m : S e r v i r i a s a o s s e u s d e u s e s , e i s s o s e r i a
u m a a r m a d i lh a p a r a t i ” ( E x 2 3 , 2 3 - 3 3 ) .
" . . . vós sereis para mim um reino de sacerdotes e uma nação sa n-
ta" conjuga-se com ". . . não adorarás os seus deuses , nem lhes p restarás
cul to , imitando seus costumes; ao contrário derrubarás e quebrarás as
suas colunas; servireis a Iahweh vosso Deus. . ." - com tais fundamentos
lhes é f ixada a Missão da Difusão do Nome de Iahweh com a excl usão
e el iminação de quaisquer outros . Assim , tal como desde Abraão, para
a adoração de Iahweh é indispensável o Altar de Sacri f ício para a pr ó-
pria Sant i f icação pela Comunhão com Iahweh, pelo “Pão de Deus” e n-
tão oferecido e dele part icipando. Ass im, fazendo do Culto o Centro
Gravi tacional da Al iança contraída que se consumou no Monte Sinai e
se corpori f ica no Povo de Iahweh, rat i f ica -se e recorda-se tanto a Mis-
são como a f idel idade absoluta e exclus iva:
" D o n o m e d e o u t r o s d e u s e s n e m f a r e i s m e n ç ã o , n e m s e o u ç a d a v o s s a b o c a " ( E x 2 3 , 1 3 ) / " . . . s e o u v i r d e s a m i n h a v o z e g u a r d a r d e s a m i n h a A l i a n ç a , s e r e i s a m i -
n h a p r o p r i e d a d e p e c u l i a r en t r e t o d o s o s p o v o s , p o r q u e m i n h a é t o d a a t e r r a ; e
v ó s s e r e i s p a r a m i m u m r e i n o d e s a c e r d o t e s e u m a n a ç ã o s a n t a . . . " ( E x 1 9 , 5 - 6 ) .
Já não se t rata de um relacionamento ind ividual ou de uma t r ibo
num regime patr iarcal , mas de est rutura mais ampla como a de um p o-
vo, o Povo de Israe l , "separado" dentre outros povos que também são
de Iahweh ("porque minha é toda a terra") . Por isso, dadas as novas
dimensões e ex igências colet ivas es tabelecem-se normas para o cul to
principal da Aliança de Iahweh com o Seu Povo. Descrevem -se inic i -
almente as ex igências básicas para a construção de um Altar de Sacr i -
f ícios prosseguindo-se a mesma t radição de Centro Gravi tacional do
Cul to, agora de um Povo, o Povo dos Fi lhos de Israel , o Povo de Ia h-
weh:
" . . . n ã o m e c o l o q u e i s e n t r e o s d e u s e s d e o u r o o u d e p r a t a , d e u s e s q u e n ã o d e v e -
r e i s f a b r i c a r p a r a v ó s . D e v e r á s f a z e r p a r a m i m u m a l t a r d e t e r r a , s o b r e o q u a l m e o f e r e c e r á s o s h o l o c a u s t o s , o s s a c r i f í c i o s p a c í f i c o s , a s o v e l h a s e o s b o i s . E m
q u a l q u e r l u g a r e m q u e f i z e r r e c o r d a r o m e u n o m e , v i r e i a t i e t e a b e n ç o a r e i . S e
m e c o n s t r u í r e s u m a l t a r d e p e d r a , n ã o o f a ç a s d e p e d r a s l a v r a d a s , p o r q u e a o m a n e j a r o c i n z e l c o n t r a a p e d r a , t u a p r o f a n a r i a s . . . " ( E x 2 0 , 2 1 - 2 6 ) .
" . . . não me coloqueis entre os deuses de ouro ou de prata, deuses
que não devereis fabricar para vós " - é como se Deus dissesse: “não
me incluam entre outros deuses como num panteão, eu sou “o Único
Deus para vocês”; e também para o Cu l to “Deverás fazer para mim um
al tar de terra. . .” ( . . . ) “E se me f izeres um al tar de pedras , não o con s -
t ruirás de pedras lavradas. . .” . Tendo s ido descri to quando ainda no d e-
63
serto e logo após o Decálogo e não sendo um Altar Fixo pode-se até
denomina-lo de "al tar de campanha" ou de "al tar peregrino" tal a fo r-
ma rudimentar de sua construção para uso durante a peregrinação que
faz iam até a Terra Prometida. Só poderia ser erguido havendo pr évia
manifestação de Iahweh em forma de "bênção" - algo de "fecundo ou
fért i l" que , acontecendo, deixasse clara a Sua presença no local agindo
em benefício de todo o povo. Moisés , então, em nome de Iahweh (" Es-
tes são os es tatutos que lhes proporás . . . " - Ex 21,1) , apresenta ao P o-
vo al i reunido normas de comportamento em forma de leis de apl icação
quot idiana, oficial izando o que já se prat icava. Como todas elas es tão
desordenadas e às vezes mescladas com outros disposi t ivos é preciso
separá-las para melhor entendimento. Um exemplo expl ica m elhor:
" N ã o d e i x a r á s c o m v i d a u m a f e i t i c e i r a . Q u e m t i v e r r e l a ç õ e s c o m u m a n i m a l , s e -r á p u n i d o d e m o r t e . Q u e m o f e r e c e r s a c r i f í c i o s a o s d e u s e s , e n ã o u n i c a m e n t e a
I a h w e h , s e r á c o n d e n a d o a o e x t e r m í n i o . N ã o m a l t r a t e s o e s t r a n g e i r o n e m o o p r i -
m a s , p o i s v ó s f o s t e s e s t r a n g e i r o s n o E g i t o . J a m a i s o p r i m a s u m a v i ú v a o u u m ó r -f ã o . S e o s o p r i m i r e s , c l a m a r ã o a m i m e e u l h e s o u v i r e i o s c l a m o r e s . M i n h a c ó l e -
r a s e i n f l a m a r á e e u v o s m a t a r e i à e s p a d a . V o s s a s m u l h e r e s s e t o r n a r ã o v i ú v a s ,
e ó r f ã o s o s v o s s o s f i l h o s . S e e m p r e s t a r e s d i n h e i r o a a l g u é m d e m e u p o v o , a u m p o b r e q u e v i v e a o t e u l a d o , n ã o s e j a s u m u s u r á r i o . N ã o l h e d e v e i s c o b r a r j u r o s .
S e t o m a r e s c o m o p e n h o r o m a n t o d o p r ó x i m o , d e v e r á s d e v o l v ê - l o a n t e s d o p ô r -
d o - s o l . P o i s é a ú n i c a v e s t e p a r a o c o r p o , e c o b e r t a q u e e l e t e m p a r a d o r m i r . S e e l e r e c o r r e r a m i m , e u o o u v i r e i , p o r q u e s o u m i s e r i c o r d i o s o . N ã o b l a s f e m a r á s
c o n t r a D e u s , n e m i n j u r i a r á s o p r í n c i p e d o p o v o . N ã o a t r a s a r á s a o f e r t a d e t u a
c o l h e i t a e d o t e u l a g a r . D e v e r á s d a r - m e o p r i m o g ê n i t o d e t e u s f i l h o s " ( E x 2 2 , 1 9 - 2 8 ) .
Neste pequeno t recho que se escolheu para o exemplo, faci lmen-
te destacam-se os seguintes vers ículos que se referem estr i tamente ao
relacionamento com Deus e ao cul to, sendo os demais de cunho m oral ,
referindo-se ao comportamento individual , inseparáveis para o Israel i -
ta:
" N ã o d e i x a r á s c o m v i d a u m a f e i t i c e i r a . ( . . . ) Q u e m o f e r e c e r s a c r i f í c i o s a o s
d e u s e s , e n ã o u n i c a m e n t e a Ia h w e h , s e r á c o n d e n a d o a o e x t e r m í n i o . ( . . . ) N ã o b l a s f e m a r á s c o n t r a D e u s , n e m i n j u r i a r á s o p r í n c i p e d o p o v o . N ã o a t r a s a r á s a
o f e r t a d e t u a c o l h e i t a e d o t e u l a g a r . D e v e r á s d a r - m e o p r i m o g ê n i t o d e t e u s
f i l h o s " ( E x 2 2 , 1 9 - 2 8 ) .
Da mesma forma são inseridas aqui t ambém normas para o
cul to , tais como a consagração dos "primogêni tos dos f i lhos" para o
sacerdócio, a oferenda dos "das vacas e das ovelhas" (v . tb . Ex
13,12) e "as primícias dos prim eiros frutos da tua terra t rarás à casa
de Iahweh teu Deus" (Ex 23,19), costume e s is tema que será ofici a-
l izado futuramente para o sacerdócio, destacando -se também as "o-
ferendas" e, dentre elas , o "díz imo":
" N ã o a t r a s a r á s a o f e r t a d e t u a c o l h e i t a e d o t eu l a g a r . D e v e r á s d a r - m e o p r i -
m o g ê n i t o d e t e u s f i l h o s . O m e s m o f a r á s c o m o p r i m o g ê n i t o d a s v a c a s e d a s o v e l h a s : f i c a r á s e t e d i a s c o m a m ã e , e n o o i t a v o t u o e n t r e g a r á s a m i m . S e d e
h o m e n s s a n t o s p a r a m i m . N ã o c o m a i s c a r n e d e a n i m a l d i l a c e r a d o n o c a m p o ,
m a s l a n ç a i a o s c ã e s " ( E x 2 2 , 2 8 - 3 0 ) .
“Sede homens santos para mim” – há uma est rei ta relação entre a
sant idade e o modo de se proceder ou de se comportar . Porém, a base
dessa sant idade não é o procedimento em si correto demais e conforme
as normas mandamentais . É muito mais! Supõe, quando se cumpre os
64
mandamentos a vida em profunda int imidade com Deus, numa com u-
nhão de vidas a tal ponto que “em vir tude de se andar na presença de
Iahweh‟, to rna-se di s t into de outros seres humanos e da mesma forma
que Deus é santo por não se confundir com a Criação; da mesma fo r-
ma, os que andam na presen ça de Deus e não se confundem com as
demais cr iaturas são igualmente santos . Assim sendo, todas as normas
foram integradas indestacavelmente na rat i f icação da Aliança (Ex
24,3-8) , destacando-se ainda as fes tas rel igiosas já e ntão constando
como inst i tuídas eis que já do uso costumeiro, porém insis t indo-se na
exclusividade de Iahweh:
" D o n o m e d e o u t r o s d e u s e s n e m f a r e i s m e n ç ã o ; n u n c a s e o u ç a d a v o s s a b o c a . T r ê s v e z e s n o a n o m e c e l e b r a r á s f e s t a : A F e s t a d o s Á z i m o s g u a r d a r á s : d u r a n t e
s e t e d i a s c o m e r á s p ã e s á z i m o s c o m o t e o r d e n e i , a o t e m p o a p o n t a d o n o m ê s d e
A b i b , p o r q u e n e l e s a í s t e d o E g i t o . N i n g u é m a p a r e ç a p e r a n t e m i m d e m ã o s v a z i -a s . G u a r d a r á s a F e s t a d a M e s s e , a d a s P r i m í c i a s d o t e u t r a b a l h o d e s e m e a d u r a n o
c a m p o ; e , i g u a l m e n t e g u a r d a r á s a F e s t a d a C o l h e i t a n o f i m d o a n o , q u a n d o t i v e -
r e s r e c o l h i d o d o c a m p o o s f r u t o s d o t e u t r a b a l h o . T r ê s v e z e s n o a n o t o d o s o s t e u s h o m e n s a p a r e c e r ã o d i a n t e d e Ia h w e h D e u s . N ã o o f e r e c e r á s o s a n g u e d o m e u
s a c r i f í c i o c o m p ã o l e v e d a d o , n e m f i c a r á d a n o i t e p a r a a m a n h ã a g o r d u r a d a m i -
n h a f e s t a . A s p r i m í c i a s d o s p r i m e i r o s f r u t o s d a t u a t e r r a t r a r á s à c a s a d e Ia h w e h t e u D e u s . N ã o c o z e r á s o c a b r i t o n o l e i t e d e s u a m ã e " ( E x 2 3 , 1 3 - 1 9 ) .
Aparecem aqui t rês das fes ta s rel igiosas dos Is rael i tas menci o-
nadas em outras partes (Ex 23,18.22 -23 / Dt 16,16 / Lv 23 / Nm 28 -
29):
(1.º) "A Festa dos Pães Ázimos" (Ex 23,15), cr iada à saída do
Egi to juntamente com a Inst i tuição da Páscoa ( 'Páscoa ': - Ex 12,1-13 =
/ 'Ázimos ': = 's em fermento ' - Ex 12,14-20; 13,3-10) e durava uma se-
mana, celebrando-se a part i r do dia da Páscoa e durante a qual só se
comia “Pães Ázimos ou Sem Fermento ”:
" . . . Q u a n d o Ia h w e h t e h o u v e r i n t r o d u z i d o n a t e r r a ( . . . ) q u e e l e j u r o u a t e u s p a i s
q u e t e d a r i a , t e r r a q u e m a n a l e i t e e m e l , g u a r d a r á s e s t e c u l t o n e s t e m ê s . S e t e d i -a s c o m e r á s p ã e s á z i m o s , e a o s é t i m o d i a h a v e r á u m a f e s t a a Ia h w e h . S e t e d i a s s e
c o m e r ã o p ã e s á z i m o s . . . " ( E x 1 3 , 3 - 1 2 ) .
(2.º) "Guardarás a Festa da Messe ou De Pentecostes ou da
Colheita, e a das Primícias do teu trabalho de semeadura no ca m-
po . . .” (Ex 23,16) - Essa festa agora oficial izada (cfr . tb . Ex 34,22) s e-
rá regulamentada mais tarde quando já na Terra Prometida (Lv 23,15 -
22). O seu nome advém do espaço de "sete semanas" ou " cinquenta di-
as" ("Pentecostes ", em grego) , contados do início da colhei ta até o dia
da festa. Para os cr is tãos es ta fes ta marcará o início das at ividades
missionárias da Igreja com o " Batismo dos Apóstolos" (At 1 ,5) na
"Vinda do Espíri to Santo" :
" C h e g a n d o o D i a d e P e n t e c o s t e s , e s t a v a m t o d o s r e u n i d o s n o m e s m o l u g a r . D e
r e p e n t e v e i o d o c é u u m r u í d o , c o m o d e u m v e n t o i m p e t u o s o , q u e e n c h e u t o d a a
c a s a e m q u e e s t a v a m s e n t a d o s . E v i r a m , e n t ã o , u m a e s p é c i e d e l í n g u a s d e f o g o , q u e s e r e p a r t i r a m e f o r a m p o u s a r s o b r e c a d a u m d e l e s . F i c a r a m t o d o s c h e i o s d o
E s p í r i t o S a n t o e c o m e ç a r a m a f a l a r e m o u t r a s l í n g u a s , c o n f o r m e o E s p í r i t o S a n -
t o l h e s c o n c e d i a " ( A t 2 , 1 - 4 ) .
(3.º) "Guardarás a Festa da Colheita (Festa dos Tabernáculos
Ex 23,16) no f im do ano, quando t iveres recolhido do campo os frutos
65
do teu t rabalho" (Lv 23,33 -44). Essa festa também ficará para sempre
l igada à História Cr is tã , durante a qual ocorreu aqui lo que se comem o-
ra como a Entrada Triunfal de Jesus em Jerusalém no Domingo de R a-
mos, desenvolvido e esclarecido por São Joã o:
" D e p o i s d i s s o , J e s u s a n d a v a p e l a G a l i l é i a . N ã o q u e r i a a n d a r p e l a J u d é i a p o r q u e o s j u d e u s d a l i o q u e r i a m m a t a r . E s t a v a p e r t o a f e s t a d o s j u d e u s , c h a m a d a d a s
T e n d a s ( . . . ) . N o ú l t i m o d i a , o m a i s i m p o r t a n t e d a f e s t a , J e s u s f a l o u d e p é e e m
v o z a l t a : ” S e a l g u é m t i v e r s e d e v e n h a a m i m e b e b a . Q u e m c r ê e m m i m , c o m o d i z a E s c r i t u r a , d o s e u i n t e r i o r c o r r e r ã o r i o s d e á g u a v i v a ” . R e f e r i a - s e a o E s p í -
r i t o q u e h a v i a m d e r e c e b e r a q u e l e s q u e c r e s s e m n e l e . D e f a t o , a i n d a n ã o t i n h a
s i d o d a d o o E s p í r i t o , p o i s J e s u s a i n d a n ã o t i n h a s i d o g l o r i f i c a d o " ( J o 7 , 1 - 3 9 ) / " . . . E u s o u a l u z d o m u n d o . Q u e m m e s e g u e n ã o a n d a r á n a s t r e v a s , m a s t e r á a l u z
d a v i d a " ( J o 8 , 1 2 ) .
Nessa festa os israe l i tas habi tavam durante sete dias em tendas
ou cabanas, daí seu nome (Festa das Tendas ou Festa das Cabanas) pa-
ra comemorar o tempo de peregrin ação no deserto:
" N o p r i m e i r o d i a ( “ d o m i n g o ” ) t o m a r e i s f o l h a g e m d e á r v o r e s o r n a m e n t a i s , r a m o s d e p a l m e i r a s , g a l h o s d e á r v o r e s f r o n d o s a s , d e s a l g u e i r o s d a t o r r e n t e , e v o s a l e -
g r a r e i s d u r a n t e s e t e d i a s d i a n t e d o S e n h o r v o s s o D e u s . C e l e b r a r e i s e s t a f e s t a e m
h o n r a d o S e n h o r c a d a a n o d u r a n t e s e t e d i a s . É u m a l e i p e r p é t u a , v á l i d a p a r a v o s s o s d e s c e n d e n t e s . C e l e b r a r e i s a f e s t a n o s é t i m o m ê s . S e t e d i a s m o r a r e i s e m
c a b a n a s . T o d o s q u e f o r e m n a t u r a i s d e I s r a e l m o r a r ã o e m c a b a n a s , p a r a q u e v o s -
s o s d e s c e n d e n t e s s a i b a m q u e e u f i z m o r a r o s i s r a e l i t a s e m c a b a n a s q u a n d o o s t i -r e i d o E g i t o . E u s o u o S e n h o r v o s s o D e u s ” ( Lv 2 3 , 4 0 - 4 3 ) .
Com o tempo e por causa da s imbologia da água e da luz usadas
no cerimonial essa fes ta vai tomar o sent ido messiânico (Ex 17,1 -7 /
Nm 20,2-13; 1Cor 10,4; Zc 14,8; Ez 47,1 -2; Is 9 ,1 -6; 60,19-21) que
Jesus reivindicará ao se comparar com a " água viva que dará e com a
luz do mundo que é " (Jo 7,39 e 8,12). As festas duravam uma semana,
celebradas com o seu memorial e objet ivo e tudo girava em torno de
verdadei ro cul to e sacri f ício (". . . a legrareis -vos durante sete d ias . . ." ) :
" E s t a s s ã o a s s o l e n i d a d e s d e Ia h w e h n a s q u a i s c o n v o c a r e i s a s s e m b l é i a s l i t ú r g i -
c a s p a r a o f e r e c e r a Ia h w e h s a c r i f í c i o s p e l o f o g o , h o l o c a u s t o s e o b l a ç õ e s , v í t i -m a s e l i b a ç õ e s , p r e s c r i t o s p a r a c a d a d i a , a l é m d o s s a c r i f í c i o s a Ia h w e h a o s s á -
b a d o s , d o s d o n s , v o t o s e t o d a s a s o f e r t a s v o l u n t á r i a s q u e a p r e s e n t a r e i s a Ia h w e h
" ( Lv 2 3 , 3 7 - 3 8 ) / " T r ê s v e z e s a o a n o , t o d o s o s t e u s h o m e n s d e v e r ã o a p r e s e n t a r -s e p e r a n t e Ia h w e h t e u D e u s , n o l u g a r q u e e l e t i v e r e s c o l h i d o : n a f e s t a d o s Á z i -
m o s , n a f e s t a d a s S e m a n a s e n a f e s t a d o s T a b e r n á c u l o s . N i n g u é m a p a r e c e r á p e -
r a n t e Ia h w e h d e m ã o s v a z i a s m a s c a d a q u a l f a r á s u a s o f e r t a s c o n f o r m e a s b ê n -ç ã o s q u e Ia h w e h t e u D e u s l h e h o u v e r c o n c e d i d o " ( D t 1 6 , 1 6 - 1 7 ) .
Para todas elas a regra básica era a ex igência de que "ninguém
compareça perante mim de mãos vazias , mas cada qual fará suas ofe r-
tas conforme as bênçãos que Iahweh teu Deus lhe houver concedido"
(Ex 23,15; Dt 16,16 -17) cujas oferendas seriam elevadas à sant i f icação
sacri f ical . Assim, consoante esse disposi t ivo, pode -se compreender a
consagração dos primogêni tos dos animais e das primícias que já se
viu que se dest inavam ao cul to l i túrgico de então. Além disso, apar e-
cem os sábados de anos, novidade legal para o "repouso" da terra, não
mandamental , mas t razendo disposi t ivo de amparo humanitár io “para
que se al imentem os pobres de teu povo”. O Sábado do Decálogo será
para sempre como um Sinal da Aliança, e vai aparecer com essa tônica
principalmente no judaí smo (Ne 13,15-22; 1Mc 2,32-41):
66
" D u r a n t e s e i s a n o s s e m e a r á s a t e r r a e r e c o l h e r á s o s p r o d u t o s . N o s é t i m o a n o , p o r é m , d e i x a r á s d e c o l h e r e d e c u l t i v a r a t e r r a , p a r a q u e s e a l i m e n t e m o s p o b r e s
d e t e u p o v o , e o r e s t o c o m a m o s a n i m a i s d o c a m p o . O m e s m o f a r á s c o m a v i n h a
e o o l i v a l . S e i s d i a s t r a b a l h a r á s , e n o s é t i m o d e s c a n s a r á s , p a r a q u e d e s c a n s e m t a m b é m o b o i e o j u m e n t o , o f i l h o d e t u a e s c r a v a e o e s t r a n g e i r o p o s s a m t o m a r
f ô l e g o . G u a r d a i t u d o o q u e v o s d i s s e : N ã o i n v o c a r e i s o n o m e d e o u t r o s d e u s e s ;
q u e o s e u n o m e n ã o s e o u ç a e m t u a b o c a " ( E x 2 3 , 1 0 - 1 3 ) .
Após a rat i f icação da Aliança e de todas essas admoestações de
ordem rel igiosa mescladas com outras , es t rutura-se especi f icamente o
cul to , com os seus ornamentos e aparatos indispensáveis . Era preciso
al i mesmo e ainda no deserto buscar regulamentar todo o cerimonial
com a mesma pompa com que eram ornados os r i tuais dos deuses egí p-
cios de cuja lembrança o povo ainda re t inha na memória. Não que se
copiasse ou plagiasse o cul to pagão, mas aqui lo que lá se usava nos
cul tos era cul turalmente necessário e comum a todos os povos. Apesar
das variações natura is e pecul iares de cada povo havia muita coisa em
comum, fruto de uma mesma cul tura his t órica.
2.12. - O SANTUÁRIO - PLANEJAMENTO GERAL
Moisés vai para o Monte Sinai em ret i ro e contemplação onde f i -
ca "quarenta dias e quarenta noi tes ", duração de ordem bíbl ica para
s ignif icar tempo necessário e completo para o preparo de uma missão:
M o i s é s s u b i u a o m o n t e e a n u v e m c o b r i u o m o n t e . A g l ó " r i a d e Ia h w e h p o u s o u
s o b r e o m o n t e S i n a i , e a n u v e m o c o b r i u d u r a n t e s e i s d i a s . N o s é t i m o d i a c h a -
m o u M o i s é s d o m e i o d a n u v e m . A g l ó r i a d e Ia h w e h a p a r e c i a a o s i s r a e l i t a s c o m o u m f o g o d e v o r a d o r s o b r e o c u m e d o m o n t e . M o i s é s , p o r é m , p e n e t r o u d e n t r o d a
n u v e m , e n q u a n t o s u b i a a m o n t a n h a , e p e r m a n e c e u a l i q u a r e n t a d i a s e q u a r e n t a
n o i t e s " ( E x 2 4 , 1 5 - 1 8 ) .
Findo esse tempo passará Moisés a reivindicar oferendas volu n-
tárias (Ex 37,5 -29) e independentes daquelas já pert inentes e advindas
das consagrações menc ionadas anteriormente, agora dest inadas à o r-
namentação e adorno do cul to oficial a Iahweh, apresentando o narr a-
dor primeiro uma descrição do projeto objet ivamente del ineado:
" Ia h w e h f a l o u a M o i s é s : “ D i z e a o s i s r a e l i t a s q u e a j u n t e m o f e r t a s p a r a m i m . R e -
c e b e r e i s a o f e r t a d e t o d o s o s q u e d e r e m e s p o n t a n e a m e n t e . E s t a s s ã o a s o f e r t a s q u e r e c e b e r e i s : o u r o , p r a t a , b r o n z e , t e c i d o s d e p ú r p u r a v i o l á c e a , v e r m e l h a e
c a r m e s i m , l i n h o f i n o e c r i n a s d e c a b r a , p e l e s d e c a r n e i r o t i n t a s d e v e r m e l h o e
p e l e s d e g o l f i n h o , m a d e i r a d e a c á c i a , a z e i t e d e l â m p a d a , b á l s a m o p a r a o ó l e o d e u n ç ã o e p a r a o i n c e n s o a r o m á t i c o , p e d r a s d e ô n i x e o u t r a s p e d r a s d e e n g a s t e p a -
r a o e f o d e o p e i t o r a l . E l e s m e f a r ã o u m s a n t u á r i o , e e u h a b i t a r e i n o m e i o d e l e s .
F a r e i s t u d o c o n f o r m e o m o d e l o d a h a b i t a ç ã o e s e u s u t e n s í l i o s q u e v o u t e m o s -t r a r " ( E x 2 5 , 1 - 9 ) .
"Eles me farão um Santuário. . ." - com a real ização desse objet i -
vo rat i f ica-se toda a Aliança nos mesmos fundamentos dos Patr iarcas
para a comunhão de vidas pelo fato de Iahweh "habi tar no meio d eles".
Então o ato de Abraão, Isaac e Jacó , edif icando sempre um al tar para o
cul to (Gn 12,6 -9; 13,3; 26,25; 28,10 -22; 35,1-15) há de ser também o
objet ivo principal da at ividade israel i ta que se inicia. Enquanto em p e-
regrinação haverá o "al tar peregrino" (Ex 20,2 4-25) ou até mesmo o
"al tar portát i l " (Ex 25 -26; 27,1-8) , em torno do qual s erão reunidos em
67
comunhão de vidas pelo sacri f ício, Deus e os Fi lh os de Israel ou tam-
bém comparecendo em sua prese nça para consul tas pessoais (Ex 29,42s
/ 33,7) . Em verdadeira co ntemplação ["Fareis tudo conforme o modelo
de habi tação e todos os seus utensí l ios que te mostrarei" (Ex 25,9)] ,
Moisés , em Nome de Deus e por Ele ass is t ido planejou toda a comp o-
sição material do cul to com base nos costumes já em prát ica até me s-
mo no Egi to (Ex 5,3-9; 8 ,21-24; 10,24 -26), regulamentando-o objet i -
vamente nos mínimos detalhes , para apresentar todo o planejamento
aos Fi lhos de Israe l e para cuja real ização concorreriam voluntari a-
mente. Já se prefigurava e se anunciava a cont inuidade daquele desí g-
nio de Deus de reconduzir o Homem para a vida part i lhada e ínt ima do
Jardim do Éden.
É preciso aqui notar que Moisés es tá a inda no seu ret i ro e co n-
templação no Monte Sinai e regis t ra a descrição do que viu (Ex 25 -
31), para a construção futura (Ex 35 -40). Em geral , os móveis e uten-
sí l ios seriam ou fei tos ou recobertos ou forrados ou tecidos ou bord a-
dos com ouro puro e ornados com pedras preciosas (Ex 25,1 -9) . Isso
por causa da sant i f icação que a presença de Deus lhes impr ime princ i-
palmente na Arca, no Propici atório (Ex 25,10-22) e no Altar de Incen-
so (Ex 37,25-28). Na Arca é s ignif icada a presença de Iahweh pela c o-
locação nela das " tábuas de pedra contendo o Decálogo " (Ex
25,16.21), dos "dois querubins", onde Deus pousava (Ex 25,18 -20 / Ex
25,17-21), dos Pães da Proposição e do Incenso para o Dia da Expi a-
ção. Is to porque para o oriental e , até mesmo, para o israe l i ta a pal a-
vra é inseparável da pessoa que a pronuncia com todos os seus at r ib u-
tos donde o Decálogo (Dez Palavras "de Deus" ) , escri to pelo próprio
Deus em " tábuas de pedra ", ser o s inal da presença da Sant idade de
Deus no Santuário ou Habi tação a ser construído. Daí , pela Sant idade
presente, compreende-se também o motivo da "f ixação dos varais às
argolas nos pés (ou cantos)" para o t ransporte (Ex 25,15), evi tando-se
que tocassem o solo assim como o contato manual . Mesmo nos varais
não tocava pessoa profana, alheia ao sacerdócio, função reservada aos
levi tas (Nm 8,5 -25). Moisés regis t ra todas as medidas , a disposição e a
forma da confecção dos utensí l ios e apetrechos : a Arca que receberá o
nome de Arca da Aliança (Ex 25,10 -16), o Propiciatório (Ex 25,11 -
22), a Mesa dos Pães da Propiciação ou Apresentação (Ex 25,23 -30 /
Lv 24,5-9; 1Sm 21,5) e o Candelabro com seu óleo ou azei te (Ex
25,31-39 / 27,20-21). Foi com respei to a esses Pães da Propiciação
que Jesus ret rucou a acusação dos far i seus de que os disc ípulos de s-
respei tavam o sábado comendo as espigas (Mt 12,1 -4) , lembrando-lhes
que Davi as comera quando teve fome, mesmo " sendo reservado aos
sacerdotes" (1Sm 21,5) .
A seguir vem a menção do "tabernáculo" , que será também co-
nhecido por "tenda da reunião" (Ex 29,42 -43 / 33,7) ou ainda "habi t a-
ção". Era um volume retangular todo coberto com tábuas e séries de
cort inas l igadas e t rançadas umas às outras e dividido interiormente
em duas partes por uma cort ina ou véu. Denominou -se de Sant íss imo
ou Santo dos Santos à parte antes do véu onde f icaria a Arca e o Pr o-
piciatório com os Querubins e de Santo o local , após o véu, onde ser i -
am colocados os demais utensí l ios menc ionados e o "al tar de incenso
68
ou de perfumes" (Ex 30,1 -10 / 37,25-28). Foi defronte a um al tar de
incenso que o Anjo apareceu a Zacarias , quando anunciou o nascimen-
to de João Bat is ta (Lc 1,11). E, o véu é aquele que se "rasgou no m o-
mento da Morte de Cris to " (Mt 27,51; Mc 15,38; Lc 23,45) constr uído
no Templo de Jerusalém tal como o que fora planejado no "Tabernác u-
lo da Peregrinação":
" F a r á s t a m b é m u m v é u d e p ú r p u r a v i o l á c e a , v e r m e l h a e c a r m e s i m e d e l i n h o f i -n o t o r c i d o , b o r d a d o d e q u e r u b i n s . S u s p e n d e r á s o v é u e m q u a t r o c o l u n a s d e m a -
d e i r a d e a c á c i a r e c o b e r t a s d e o u r o , p r o v i d a s d e g a n c h o s d e o u r o , e a p o i a d a s em
q u a t r o b a s e s d e p r a t a . P e n d u r a r á s o v é u d e b a i x o d o s c o l c h e t e s , e a l i , p o r t r á s d o v é u , i n t r o d u z i r á s a a r c a d a a l i a n ç a . O v é u s e r v i r á p a r a s e p a r a r o l u g a r S a n t o d o
S a n t í s s i m o . S o b r e a a r c a d a a l i a n ç a p o r á s o p r o p i c i a t ó r i o , n o l u g a r S a n t í s s i m o .
D o l a d o d e f o r a d o v é u c o l o c a r á s a m e s a e d i a n t e d e l a o c a n d e l a b r o . E s t e f i c a r á d o l a d o s u l d a m o r a d a , e a m e s a p o r á s a o n o r t e . P a r a a e n t r a d a d a t en d a f a r á s
u m a c o r t i n a d e p ú r p u r a v i o l á c e a , v e r m e l h a e c a r m e s i m e d e l i n h o f i n o t o r c i d o ,
a r t i s t i c a m e n t e b o r d a d a . P a r a a c o r t i n a f a r á s c i n c o c o l u n a s d e m a d e i r a d e a c á c i a , r e v e s t i d a s d e o u r o e c o m g a n c h o s d e o u r o , e f u n d i r á s p a r a e l a s c i n c o b a s e s d e
b r o n z e " ( E x 2 6 , 3 1 - 3 7 ) / " N o m e s m o i n s t a n t e a c o r t i n a d o S a n t u á r i o r a s g o u - s e d e
a l t o a b a i x o , e m d u a s p a r t e s , a t e r r a t r e m e u e f e n d e r a m - s e a s r o c h a s " ( M t 2 7 , 5 1 ) .
Em redor da "habi tação" ou do "tabernáculo" (Ex 26,1 -37 / 33,7-
11 / 36,8-19) será construído o "átr io" (Ex 27,9 -19 / 38.9-20), ampla
área em cujo interior , na frente e fora do "tabernáculo", se disporá a
"bacia de bronze" (Ex 30,17 -21 / 38,8 / 1Rs 7,23 -28) e o "al tar dos ho-
locaustos" (Ex 27,1-8 / 38,1-7 / 1Rs 8,64). Tomando -se por base o
"côvado", unidade de medida então usada, de cinquenta cent ímetros
em média, os vários móveis ter iam a descrição resumida e a medida
aproximada:
1 . A Arca (Ex 25,1-22), um baú de madeira de acácia, forrada de
ouro, onde colocar -se-iam as Duas Tábuas da lei escri tas pelo
dedo de Deus, as Tábuas do Testemunho (Ex 25,16.21 / Dt
10,2-5) , com 1,25 m. de comprimento , 0 ,75 m. de largura e
0 ,75 m. de a l tura; em cima da qual colocar -se-ia uma tampa de
ouro puro, o Propic iatório, com as mesmas medidas de co m-
primento e largura da arca, onde se ergueriam Dois Querubins
(Ex 25,17-18). Diante delas seria colocada uma urna com o
Maná (Ex 16,32-34) ;
2 . A Mesa dos Pães da Proposição ou da Apresentação (Ex
25,23-30) de madeira de acácia, medindo 1 m. de comprime n-
to, 0 ,5 m. de largura e 0 ,75 m. de al tura, toda reves t ida e a-
dornada em ouro puro, os vários utensí l ios necessários , e com
argolas nos cantos onde se f ixaram os varais , tudo revest ido
em ouro puro, para o t ran sporte;
3 . O Candelabro (Ex 25,31-40) de ouro puro, em forma de árv o-
re com sete ramos, t rês de cada lad o e um no centro, com o
pedestal em forma de caule, e os ramos terminando em form a-
to de amêndoas, f lores e botões , dispondo nele sete lâmp adas.
Será disposto de forma a projetar luz para a frente (Ex 25,27);
s inal da presença de Deus na Arca da Tenda da Re união, ofe-
recendo aos Israel i tas a luz para se orientarem nas t revas , br i -
lhando toda a noi te , donde nas Igrejas catól icas manter -se a-
69
cesa a luz do Sacrár io que se d enomina também, por causa da
presença de Cris to Eucarís t ico, de Tabernáculo (Ex 27,20 -21).
4 . O Tabernáculo (Ex 26,1-30) const i tuído de séries paralelas
de cort inas l igadas por colchetes de ouro e prata e coberturas
de pelos de cabra, formando uma Tenda, e por fora todo ce r-
cado por tábuas de acácia (Ex 26,16.18), tendo o véu (Ex
26,31-37) separando a área denominada de Sant íss imo ou Sa n-
to dos Santos , da parte denominada Santo, medindo respect i -
vamente o Sant íss imo 5 m. e o Santo 10 m. de comprimento o
que dará para todo o tabernáculo o comprimento de 15 m. e
4 ,5 m. ou 6 m. de largura (Ex 26,22 -25 - t recho de dif íci l
compreensão), que será disposto no sent ido norte - sul , dent ro
do át r io que será descr i to em seguida;
5 . O Altar dos Holocaustos (Ex 27,1-8) , de tábuas de madeira
de acácia, formando um quadrado medindo 2,50 m. de co m-
primento e largura, revest ido de bronze, oco no centro, ornado
com recipientes para cinzas , pás , t r inchantes e braseiros de
cobre, colocando -se nos seus quatro cantos chifres s imbol i -
zando força e poder (Dt 33,17; Sl 22,22), que serão puri f ic a-
dos com sangue na inst i tuição do sacerdó cio de Aarão (Ex
29,12; 30,10); e ,
6 . O Átrio (Ex 27,9-19), f inal izando a descrição "do que viu"
(Ex 25,9.40; 26,30; 27,8) , uma área medindo 50 m. de co m-
primento (Ex 27,9.18) por 25 m. de largura (Ex 27,13), e rgu i-
do na direção norte - sul (Ex 27,9-10) e com entrada a es te
(Ex 27,13-14).
2.13. - O PREPARO DO SACERDÓCIO
Ainda na fase descri t iva do que lhe "foi mostrado e Moisés viu" ,
nos dias de seu ret i ro e contemplação no Monte Sinai , cuida-se da or-
ganização do Sacri f ício Israel i ta , herança dos Patr iarcas , cuja f idel i -
dade havia já s ido posta à prova em séculos de perseguição rel igiosa
no Egi to e o principal motivo da evasão geral havida. Agora que se e s-
t ruturava em cul to defini t ivo de povo organizado torna va-se em conse-
quência necessári a e até mesmo essencia l a inst i tuição de um Sacerd ó-
cio Oficial não mais aquele cul tural , famil iar e mais de acordo com os
costumes, exercido até então pelos Primogêni tos , devendo a gora ser
outorgado a Aarão e seus f i lhos (Ex 28,1) , completando-se com o se-
guinte:
1 . Óleo para as lâmpadas do Candelabro: de "azei te de ol ivei ra puro
que os israel i tas deveriam trazer para arder cont inuamente na Te nda
da Reunião, onde os f i lhos de Aarão o dev eriam preparar a part i r de
toda a tarde até a manhã" (Ex 27,20 -21) ;
2 . Os Paramentos Sacerdotais (Ex 28,1-43): "mandarás fazer vestes
l i túrgicas para teu i rmão Aarão , em sinal de honra e dis t inção. In-
cumbirás por isso art is tas bem preparados, que dotei do esp ír i to de
sabedoria, de confeccionar as vestes de Aarão para consagrá -lo co-
70
mo sacerdote a meu serviço. Estas são as vestes que deverão fazer:
um pei toral , um é fode, um manto, uma túnica bordada, uma mitra e
um cinto. Assim farão vestes l i túrg icas para teu i rmão Aarão e seus
f i lhos para que sejam meus sacerdotes . Ut i l izarão ouro, púrpura v i-
olácea, vermelha e carmesim e l inho f ino" (Ex 28,2 -5) . Não é ne-
cessária uma descrição detalhada além de uma lei tura pessoal , le m-
brando-se de que a Igreja Catól ica e outras confissões cr is tãs aqui
se inspiram para o uso dos seus paramentos l i túrgicos, principa l-
mente nas Cerimônias Eucarís t icas;
3 . A Consagração de Aarão e seus Fi lhos para o Sacerdócio Perene
(Ex 29,1-37 / Ex 30,30): - com a responsabi l idade do oferecimento
do Sacri f ício Cot idiano, ao amanhecer e ao entardecer , "será um
holocausto perpétuo para vossas geraç ões a ser oferecido à entrada
da Tenda de Reunião, diante de Iahweh, lá onde me encontrarei
cont igo para te falar . É lá que me encontrarei com os israe l i tas , l u-
gar que será consagrado por m inha glór ia. Consagrarei a Tenda de
Reunião e o Altar , bem como Aar ão e f i lhos para que me s i rvam
como Sacerdotes . Habi tarei no meio dos israel i tas e serei o seu
Deus. Eles reconhecerão que eu, Iahweh, sou o seu Deus, que os l i -
bertei do Egi to para habi tar no meio deles . Eu, Iahweh, seu Deus "
(Ex 29,42-46);
4 . O Altar dos Perfumes (Ex 30,1-10): todo de ouro puro, motivo que
leva a ser também conhecido como o Altar de Ouro (Ex 39,38;
40,5.26): um quadrado de 0,50 m. de lado, com chifres no quatro
cantos , revest idos de ouro puro e objeto da expiação sang uínea (Ex
30,10), com as varas de madeira, também revest idas de ouro, presas
às argolas para o t ransporte, onde "Aarão queimará incenso arom á-
t ico cada manhã e cada entardecer", vedado outro perfume que o
descri to juntamente com o Óleo da Unção (Ex 30,34 -38);
5 . Far-se-á um recenseamento de homens aptos para a guerra (Nm
1): ocasião em que os de vinte anos para cima que forem al is tados
deverão pagar , em resgate , o valor de meio s iclo, conforme o s iclo
do santuário elei to como padrão, "como contr ibuição ao Senhor a
ser apl icado no servi ço da Tenda da Reunião" (Ex 30,11 -16). Um
único valor para "r icos e pobres" esboçando-se aqui a igualdade de
todos perante Deus e as futuras oferendas que lhe serão acrescidas ,
para a manutenção do cul to e do sacerdócio; foi cobrado até mesmo
de Jesus Cris to e São Pedro (Mt 17,24);
6 . A Bacia de Bronze: colocada entre a Tenda da Reunião e o Altar
dos Holocaustos para as abluções das mãos e dos pés de Aarão e
seus f i lhos "quando entrarem no Tabernáculo ou se aproximarem do
Altar , para oficiar" (Ex 30,17-21); e ,
7 . O Óleo para a Unção : Tudo o que fosse dest inado a Iahweh era -
Lhe consagrado, tornava -se santo . A idéia subjacente de “sant id a-
de” é “ser separado”, tal como Deus que é Santo por não se co n-
fundir com a Criação. Transcende -a.
" Ia h w e h f a l o u a M o i s é s , d i z e n d o : R e c o l h e a r o m a s d e p r i m e i r a q u a l i d a d e : ( . . . )
F a r á s d i s t o u m ó l e o p a r a a u n ç ã o s a g r a d a , u m a m i s t u r a d e e s p e c i a r i a s p r e p a r a d a
s e g u n d o a a r t e d a p e r f u m a r i a . S e r á e s t e o ó l e o p a r a a u n ç ã o s a g r a d a . U n g i r á s a t e n d a d e r e u n i ã o , a a r c a d a a l i a n ç a , a m e s a c o m t o d o s o s a p e t r e c h o s , o c a n d e l a -
b r o c o m o s u t e n s í l i o s , o a l t a r d o i n c e n s o , o a l t a r d o s h o l o c a u s t o s c o m o s u t e n s í -
71
l i o s , b e m c o m o a b a c i a c o m o s u p o r t e . A s s i m o s c o n s a g r a r á s e s e r ã o s a n t í s s i -m o s ; t u d o o q u e o s t o c a r s e r á s a n t o . U n g i r á s t a m b é m A a r ã o e o s f i l h o s , c o n s a -
g r a n d o - o s p a r a m e s e r v i r e m c o m o s a c e r d o t e s . A s s i m f a l a r á s a o s i s r a e l i t a s : e s s e
s e r á p a r a m i m o ó l e o d a u n ç ã o s a g r a d a p o r t o d a s a s g e r a ç õ e s . E l e n ã o s e r á d e r -r a m a d o s o b r e o c o r p o d e n en h u m a p e s s o a , n e m f a r e i s o u t r o p a r e c i d o , d a m e s m a
c o m p o s i ç ã o . É c o i s a s a g r a d a , e d e v e r e i s c o n s i d e r á - l o c o m o t a l . Q u e m f i z e r o u t r a
m i s t u r a s e m e l h a n t e , o u u s á - l o s o b r e u m e s t r a n h o , s e r á e l i m i n a d o d o m e i o d e s e u p o v o ” ( E x 3 0 , 2 2 - 3 3 ) .
A Unção Sagrada foi inst i tuída a f im de se consagrar a Iahweh
as pessoas, os lugares e objetos de st inados ao uso sagrado e l i túrgico.
As pessoas eram d a Tribo de Levi , os Sacerdotes “separados”, is to é,
“sant i f icados”, dest inados exclusivamente ao Santuário. Era derram a-
do neles o Óleo Sagrado da Unção e então assim “untados” ou “ung i -
dos”, eram “separa dos” exclusivamente para Iahweh, “sant i f icados”.
Em primeiro lugar seria sant i f icado o Tabernáculo com todos os ute n-
sí l ios e objetos usados nos cul tos e r i tuais l i túrgicos de então e, em
seguida, Aarão e os Fi lhos, sant i f icando -os para o exercício do Sace r-
dócio. Além dos Sacerdotes futuramente serão ainda ungidos alguns
Profetas , os Reis de Israel (1 Sm 24,7; 26,9.11.23; 2 Sm 1,14.16;
19,22) que por causa disso serão conhecidos por “Messias” ou em gr e-
go "Cris tos" ambos s ignif icando “U ngido”. Por tudo isso esse Óleo da
Unção vai desempenhar o mais importante pape l da vida rel igiosa de
Is rael e até mesmo at ingir o Cris t ianismo, onde será usado como “so-
brenome” de Jesus, Jesus Cris to, que s igni f ica Jesus, o Ungido . Assim
sendo, Cris to não é o sobrenome de Jesus , o nome de sua famíl ia , mas
um predicado, ou melhor, o seu at r ibuto de “o Ungido do Senhor" . Aí
es tá o verdadeiro sent ido da frase usada por Pedro quando da revel a-
ção de que fora alvo (Mt 16,16): " Tu és o 'Ungido' , o Fi lho de Deus
Vivo".
E, como o remate de toda a obra são apresentadas as essências
aromáticas e incenso para "perfumar" o ambiente onde seria r i tua l-
mente aspergido ou derramado f req uentemente o sangue, puri f icando -
o:
" Ia h w e h d i s s e a M o i s é s : “ A r r a n j a e s s ê n c i a s a r o m á t i c a s : r e s i n a , â m b a r , g a l b a n o ,
s u b s t â n c i a s a r o m á t i c a s e i n c e n s o p u r o e m p a r t e s i g u a i s . P r e p a r a r á s u m i n c e n s o p e r f u m a d o , c o m p o s t o s e g u n d o a a r t e d a p e r f u m a r i a , b e m d o s a d o , p u r o e s a n t o .
P a r t e d e l e r e d u z i r á s a p ó a f i m d e p ô r d i a n t e d a a r c a d a a l i a n ç a n a t e n d a d e r e u -n i ã o , o n d e m e e n c o n t r a r e i c o n t i g o . H a v e i s d e c o n s i d e r á - l o c o m o a l g o d e s a n t o e
c o n s a g r a d o . N ã o d e v e i s f a z e r p a r a v ó s o u t r o i n c e n s o d a m e s m a c o m p o s i ç ã o . D e -
v e r á s c o n s i d e r á - l o c o m o c o n s a g r a d o a Ia h w e h . Q u e m p r e p a r a r o u t r o s e m e l h a n t e p a r a s e n t i r - l h e o a r o m a , s e r á e l i m i n a d o d o m e i o d e s e u p o v o ” ( E x 3 0 , 3 4 - 3 8 ) .
Terminando os preparat ivos e para a execução de toda a Obra
mostrada a Moisés , Deus " infunde de Seu Espír i to alguns art í f ice s",
como se faz referências em out ros lugares (Gn 41,38; Nm 11,17) , ver -
dadeira antecipação da pres ença do Espír i to Santo, caracterizando já
"em figura" a f inal idade cris tológica das escri turas (1Cor 10,3 -4.11;
Gl 3,24; Rm 15,4):
" Ia h w e h f a l o u a M o i s é s , d i z e n d o : “ O l h a , e u c h a m e i e s p e c i a l m e n t e B e s e l e e l f i -
l h o d e U r i , f i l h o d e H u r , d a t r i b o d e J u d á . E n c h i - o d o e s p í r i t o d e D e u s : s a b e d o -r i a , h a b i l i d a d e e a r t e p a r a q u a l q u e r t i p o d e t r a b a l h o ( . . . ) P u s t a m b é m n o c o r a -
ç ã o d e t o d o s o s a r t e s ã o s h a b i l i d o s o s a s a b e d o r i a p a r a q u e e x e c u t e m t u d o o q u e
t e m a n d e i : a t e n d a d e r e u n i ã o , a a r c a d a a l i a n ç a , o p r o p i c i a t ó r i o q u e a e n c o b r e e t o d o s o s a c e s s ó r i o s d a t e n d a ; a m e s a c o m o s u t e n s í l i o s , o c a n d e l a b r o d e o u r o
p u r o c o m o s u t en s í l i o s e o a l t a r d o i n c e n s o ; o a l t a r d o h o l o c a u s t o c o m o s u t e n -
72
s í l i o s e a b a c i a c o m o s u p o r t e ; a s a l f a i a s c o m a s v e s t e s l i t ú r g i c a s d o s a c e r d o t e A a r ã o e d e s e u s f i l h o s , p a r a e x e r c e r e m o m i n i s t é r i o s a c e r d o t a l ; o ó l e o d a u n ç ã o
e o i n c e n s o a r o m á t i c o p a r a o s a n t u á r i o . E l e s f a r ã o t u d o c o n f o r m e t e m a n d e i ”
( E x 3 1 , 1 - 1 1 ) .
Mesmo nos t rabalhos dest inados ao Santuário cont inuava em v i-
gor a discipl ina r ígida e severa do Sábado, punindo com a morte qua l-
quer infrator , considerando -se a sua violação como sendo à Aliança
Perpétua de que é s inal (Ex 31,12 -17). Por f im, Iahweh entrega a Moi-
sés as "tábuas de pedra escri tas pelo dedo de Deus (de 'Elohim' )" (Ex
31,16-18):
“P e lo q u e os f i lh os d e Is ra e l gu a rd a rã o o sáb ad o , c e l eb ra n d o -o p or a l i an ça p erp étu a
n as su as g eraç õ es . En t r e mim e os f i lh o s d e Is ra e l é s i n a l p a ra semp r e; p orq u e , em
se i s d i a s , f ez Iah weh o s céu s e a t e r ra , e , a o sé t im o d ia , de sca nso u , e to mo u a l ento .
E , t en d o acab ad o d e fa la r c o m e l e n o m on t e S in a i , d eu a Moi sé s a s d u as t áb u as d o
Tes t emu n h o, t áb u as d e p ed ra , esc r i t a s p e lo d ed o d e D eu s ” (E x 3 1 ,1 6 -1 8 ) .
2.14. - "O BEZERRO DE OURO"
Moisés cont inuava no Monte Sinai e o Povo de Is rael , sem o seu
comando e controle, sent iu como se fora abandonado e como tal reage:
“ V e n d o q u e M o i s é s d e m o r a v a a d e s c e r d o m o n t e , o p o v o r e u n i u - s e e m t o r n o d e
A a r ã o e l h e d i s s e : „ V a m o s ! F a z e - n o s d e u s e s ( [ = " E l o h i m " , n o t e x t o h e b r a i c o ] )
q u e c a m i n h e à n o s s a f r e n t e . P o i s q u a n t o a M o i s é s , o h o m e m q u e n o s t i r o u d o E g i t o , n ã o s a b e m o s o q u e l h e a c o n t e c e u ‟ ” ( E x 3 2 , 1 - 2 ) .
Esta frase “vamos! faze -nos „deuses‟" ("Elohim" ) que „caminhe‟
à nossa frente. . .” E a reação de Moisés quanto ao fato (Ex 32,19 -28),
insinuam a ex is tência de uma "idolatr ia". Também o fato de Aarão, de
posse de objetos de ouro, ter fundido um Bezerro de Ouro:
" A a r ã o l h e s d i s s e : „ T i r a i o s b r i n c o s d e v o s s a s m u l h e r e s , v o s s o s f i l h o s e v o s s a s
f i l h a s , e t r a z e i - o s a m i m ‟ . T o d o o p o v o a r r a n c o u o s b r i n c o s d e o u r o q u e u s a v a , e o s t r o u x e p a r a A a r ã o . R ec e b e n d o o o u r o , e l e o m o l d o u c o m o c i n z e l e f e z u m
b e z e r r o f u n d i d o . E n t ã o e l e s d i s s e r a m : „ A í t e n s , I s r a e l , " E l o h i m " ( = " d e u s e s " )
q u e t e f e z s a i r d o E g i t o ! ‟ . A o v e r i s t o , A a r ã o c o n s t r u i u u m a l t a r d i a n t e d e l e e p r o c l a m o u : „ A m a n h ã h a v e r á f e s t a e m h o n r a d e Ia h w e h ‟ . Le v a n t a n d o - s e n a m a -
n h ã s e g u i n t e , o f e r e c e r a m h o l o c a u s t o s e a p r e s e n t a r a m s a c r i f í c i o s p a c í f i c o s . O
p o v o s e n t o u - s e p a r a c o m e r e b e b e r , e d e p o i s s e l e v a n t o u p a r a s e d i v e r t i r " ( E x 3 2 , 2 - 6 ) .
"Elohim" é um dos nomes com que era conhecido o Deus dos he-
breus e é dele que se fez a imagem. Não se t ratou de s imples represe n-
tação, pois "levantando-se na manhã seguinte ofereceram hol ocaustos
e apresentaram sacr i f ícios pacíf icos , e o povo sentou -se para comer e
beber, e depois se levantou para se d ivert i r" (Ex 32,6) . Is to é, af i r-
mando que “o povo sentou -se para comer e beber” refere -se ao cer i -
monial do Sacri f ício oferecido e ao dizer “e depois se levantou para se
divert i r” parece estar dizendo que caiu na orgia, profanando -o com
fornicação pagã. O S acri f ício do t ipo denominado "pacíf ico" é uma
"refeição sagrada" que degeneram , ao que parece, motivando a incr i -
minação por Iahweh (Ex 32,7 -8), “o Deus ciumento”. Ao que tudo i n-
dica foi essa a causa, muito séria por s inal , que culminou com a morte
de "cerca de t rês mil homens" (Ex 32,28). Moisés ao "ver o B ezerro de
73
Ouro e as danças”, isso é, a orgia pagã do povo se divert indo, num a-
cesso de cólera, “ar rojou das mãos e quebrou as tábuas de Pedra” “ o-
bra de „Elohim‟" (Ex 32,16.19), "queimou o Bezerro, t r i turo u-o, redu-
ziu-o a pó e, misturando-o na água obrigou o povo a bebê-la".
Em vir tude do confl i to aqui manifestado entre o nome Ia hweh e
Elohim impõe-se uma anál ise cul tural dos nomes de Deus , que aparece
nesse t recho como "Elohim" de quem se fez a imagem (Ex 32,4.8) , e
contra quem se insurge " Iahweh" (Ex 32,7-8) . Como já se viu, quando
da anál ise fei ta por ocasião da Bênção de Jacó (cfr : Capí tulo II, nº
1 .20, Gn 49), à t r ibo de Efraim, primogêni to de José, caber ia a chefia
do clã na forma da t radição cul tural correspondente ao equi l íbrio entre
as t r ibos em vigor na época. Nesse episódio do Bezerro de Ouro man i-
festam-se aspectos daquela host i l idade latente no seio do povo, a que
lá se referiu, desde quando ainda se resumia na Tribo de Jacó some n-
te. Como se viu, e não faz mal repet i r , José era o f i lho predi leto de
Jacó e os seus i rmãos o odiavam seja por causa di sso seja por causa de
sonhos dele, que previam sua supremacia futura (Gn 37,3 -4 .5-11). Jo-
sé (por di rei to) e Judá (por sucessão) são os dois f i lhos pr imogêni tos
das mulheres de Jacó, Raquel e Lia. De Lia, Judá seria o primogên i to
em lugar de Rúben, Simeão e Levi , que perderam o direi to (Gn 49,4 -
6); e , de Raquel , José, a quem Jacó amava com predi leção e a quem
deu a primogeni tura (Gn 49,22 -26). Por sua vez , foi a t r ibo de Judá
abençoada por Jacó com um colorido messiânico (Gn 49,8 -12), caben-
do-lhe o direi to da primogeni tura pela ordem cronológica de nasc i-
mento (Gn 29,31 -35) e pela dest i tuição de Rúben e Simeão (Gn 49,5 -
7) . Com o reencontro de José as coisas m udam e em Jacó reacende sua
predi leção. Assim como Esaú odiou Jacó por causa da primoge ni tura
pelo mesmo motivo é de se esperar o ressent imento de Judá quando foi
ela dest inada a José, tanto com a correspondente bênção, como com
Efraim igualado a Rúben (Gn 48,5) e na dupla po rção dada a José (Gn
48,22). Não se deve perder de mira que foi Judá quem chefiou a venda
de José para os Ismael i tas (Gn 37,26-27), contra a vontade de Rúben
que o queria res t i tui r i leso ao pai (Gn 37,22), e isso se deu antes da
bênção de Jacó (Gn 49). Também Rúben, que det inha o direi to não d e-
ve ter acei tado a de st i tuição sem em contrapart ida devotar alguma oj e-
r iza por perdê -lo. Assim, os antagonismos famil iares fervi lhavam,
fermentando-se uma divisão futura. Esses fatos são confirmados bibl i -
camente:
" A d e s c e n d ê n c i a d e R ú b e n , o p r i m o g ê n i t o d e I s r a e l : E l e e r a n a r e a l i d a d e o p r i -
m o g ê n i t o , m a s p o r q u e p r o f a n o u o l e i t o d o p a i , o d i r e i t o d a p r i m o g e n i t u r a f o i
c o n f e r i d o a o s f i l h o s d e J o s é f i l h o d e I s r a e l , e a s s i m o s r u b e n i t a s n ã o f o r a m r e -
g i s t r a d o s c o m o p r i m o g ê n i t o s . N a v e r d a d e , J u d á v e i o a p r e d o m i n a r e n t r e o s i r -
m ã o s e d e l e s a i u u m p r í n c i p e ; m a s a p r i m o g e n i t u r a f i c o u c o m J o s é " ( 1 C r o 5 , 1 -
2 ) .
" H o s a , d a d e s c e n d ê n c i a d e M e r a r i , t i n h a f i l h o s : S e m r i e r a o c h e f e ; o p a i o n o -
m e a r a c h e f e , e m b o r a n ã o f o s s e o p r i m o g ê n i t o " ( 1 C r o 2 6 , 1 0 ) .
Uma anál ise , mesmo superficial como essa, mostra que nesse e-
pisódio , concentram-se, entre outros , esses confl i tos e t radições t r i -
bais . Em primeiro lugar , algumas t raduções mencionam "deuses"
quando t raduzem Ex 32,1.4.8 e 23 segundo a Septuaginta e a Vulgata,
74
que é a t radução l i t eral de "Elohim" , no hebraico. Sabe-se que "Elo-
him" era um dos nomes hebraicos do Deus Is rael i ta , parale lo com Ia h-
weh, porque, em Gn 1,1 , a t radução l i teral seria "no princípio 'deuses
(= 'Elohim') ' ' cr iou (= 'bara ') 'os céus e a terra". Pelo fato de se col o-
car o verbo („bara‟= criou) no s ingular conclui -se que "Elohim" aqui é
o nome do Deus - Criador e não a palavra hebraica "El (=deus)", no
plural “Elohim” com o s ignif icado de “deuses”.
Hoje se reconhece na contextura das Escri turas Sagradas a ex i s-
tência de narrat ivas oriundas de várias t radições documentárias . Entre
elas as denominadas de "Eloís ta" e "Javis ta", conforme o tex to se ref i -
ra à t radição de Elohim ou à t radição de Iahweh , o nome dado a Deus.
É muito fáci l saber qual o nome se encontra no tex to original pela t r a-
dução: - se o nome no tex to t raduzido for "Senhor" no original es tá " I-
ahweh"; se o nome t raduzido foi “Senhor Deus” no original es tará “ I-
ahweh El”; e , se o nome t raduzido for "Deus" , no original se encontra
"Elohim". No t recho em exame (Ex 32) , nota-se uma espécie de s imb i-
ose de ambos, fazendo com que alguns especial is tas o at r ibuam às d u-
as t radições documentárias . Apesar de não se pretender part icipar de s-
ses debates dest ina -se o comentário apenas a confi rmar o exposto e pa-
ra deixar claro que , mesmo havendo divergência entre os dois ou mais
contextos de fontes diversas , não se deve esquecer que o na rrador ou o
compilador original conhecia esses detalhes e se os juntou no texto é
porque não há contradição havendo hoje apenas divergência cul tural
de t raduções . Devem-se somar informações, nunca r eduzi- las .
Só se pode concluir que Moisés seja o patrocinador do nome " I-
ahweh" (Ex 3,13-15; 6 ,2-3) cabendo-lhe a sua apresentação ao Povo
de Is rael , que o designava com outros nomes: Elohim e Iahweh (Gn
1,1; 4 ,6.26; 12,1; Ex 6,2 -4) , El -Shaddai (Gn 17,1; 28,3 ; 43,14; Ex
6,3) , El Elyon (Gn 14,18 -24), El 'Olam (Gn 21,33), El Ro 'i (Gn 16,13),
Iahweh Yir 'el (Gn 22,14), El Bete (Gn 31,13; 35,7) , Adonai ( Gn
15,2.8) etc. . Pelos prodígios do Egi to , o nome Iahweh se impôs aos F i-
lhos de Is rael , bem como Moisés , o seu Profeta, superando -se a reje i -
ção ocorrida no início da luta (Ex 2,14). Moisés não pertencia a n e-
nhuma das t r ibos que det inham o direi to advindo d a primogeni tura e a
de Levi , que era a dele (Ex 2,1 -2.10), fora dele excluída por Jacó (Gn
49,5-7) , não lhe cabendo o encargo de chefia pelo direi to de famíl ia
patr iarcal . Grande vantagem lhe adveio em vir tude de pertencer à corte
faraônica (Ex 2,10), fazendo com que o fato fosse subest imado. Aliam-
se a isso os prodígios de Iahweh real izados por seu intermédio e A a-
rão, bem como a função desempenhada por Josué, uma espécie de
"primeiro minis t ro de Moisés" (Ex 24,13) e por ele nomeado , por ser
membro da Tribo de Efraim, que det inha o direi to de primogeni tura .
Essa condição confirma a escolha fei ta por habi l idade pol í t ica de Mo i-
sés , contornando a possível ex igência do direi to da t r ibo na chefia que
assim teria s ido pacif icada. Também, o fato de ser dest inado a subst i -
tui r Moisés confi rma-lhe o direi to e a sua preeminência (Nm 28,18 -23
/ Dt 31,3-8 / J s 1 ,1-9) .
Quando Moisés subiu ao monte e lá permaneceu "quarenta dias e
quarenta noi tes" (Ex 24,18), levando consigo Josué (Ex 24,13), o povo
75
sent iu-se desguarnecido e abandonado por Iahweh e seu profeta e bus-
cou apoio em Elohim, tal como regis t ra a Bíbl ia Hebraica:
" M o i s é s , p o r é m , e n t r o u n o m e i o d a n u v e m , d e p o i s q u e s u b i u a o m o n t e ; e M o i s é s e s t e v e n o m o n t e q u a r e n t a d i a s e q u a r e n t a n o i t e s " ( E x 2 4 , 1 8 ) . / " M a s o p o v o ,
v e n d o q u e M o i s é s t a r d a v a em d e s c e r d o m o n t e , a c e r c o u - s e d e A a r ã o , e l h e d i s s e :
L e v a n t a - t e , f a z - n o s " E l o h i m " ( = d e u s e s , - c f r . : c o n s t a " E l o h i m " n a B í b l i a H e -b r a i c a ) q u e v á a d i a n t e d e n ó s ; p o r q u e , q u a n t o a e s s e M o i s é s , o h o m e m q u e n o s
t i r o u d a t e r r a d o E g i t o , n ã o s a b e m o s o q u e l h e a c o n t e c e u . . . " ( E x 3 2 , 1 . 2 3 ) .
Sabe-se que, quando se usa a quant idade bíbl ica de "quarenta d i-
as e quarenta noi tes" não se t rata de uma sequela exata, mas s imból i -
ca, caracterizando-se o tempo necessár io para algum ato ou missão .
Tal ausência de Moisés se dá após a promulgação do Decálogo e a rat i -
f icação da Aliança antes da inst i tuição do Tabernáculo ou Santuário e
do Sacerdócio. Tanto é ass im que a alegação "não sabemos o que lhe
aconteceu" caracteriza bem que não se t ratava de uma aus ência peque-
na, mas de muito tempo a ponto do povo , sent indo-se desguarnecido e
abandonado, vol tar a buscar apoio no ant igo nome do Deus t r ibal : Elo-
him . Com isso manifestou -se o que se deu a entender ser uma espécie
de sedição, aparecendo então aquela divisão, já latente no seio do p o-
vo desde a sua condição t r ibal , tendo agora , por es topim e agravante , a
violação do direi to de primogeni tura. A sedição t eve por fu lcro a vol ta
a Elohim para que assumisse a posição de comando a que t inha direi to
naturalmente sob a chefia de Efraim, o detentor do direi to a dvindo da
primogeni tura e da adoção que recebera pelas mãos de Jacó. Tanto está
certa essa conclusão que, descoberta a sedição, coloca -se Moisés "à
entrada do acampamento exclamando: „Quem for de Iahweh venha a
mim” (Ex 32,26).
Essa frase só tem sent ido no contexto se a sedição se deu co ntra
a Aliança cont raída com Iahweh e concluída no Sinai por meio de
Moisés . É por isso que Moisés quebra as Tábuas de Pedra (Ex 32,19),
escri tas "pelo dedo de Elohim" (Ex 31,18, tex to hebraico). Também a
frase: "Moisés viu que o povo estava abandonado, pois que Aarão o
abandonara, expondo-o à zombaria dos adversários" (Ex 32,25) só tem
sent ido em referência pi lhérica aos que perman eceram fiéis a Iahweh e
Moisés . Tudo isso confirm a que o episódio do Bezerro de Ouro nã o se
refere a uma idolat r ia , i ss o é, à adoração de um ídolo. Vem em favor
dessa conclusão o fa to de Aarão não ter s ido punido, tendo e le fundido
a imagem (Ex 32,4) , apesar da sedição não ter s ido da Tribo de Levi à
qual pertencia. Foram os levi tas que apoiaram Moisés (Ex 32,26) co r-
respondendo bem à fama que desfrutavam de sanguinários , motivo da
recusa deles na escala descendente da subst i tuição de Rúben pelo pr ó-
prio Jacó (Gn 34,25 -31 / 49,5-7) , matando, naquele dia , "t rês mil ho-
mens" (Ex 32,28). A frase de Moisés: "c inge, cada um de vós, a espada
sobre o lado, passai e tornai a passar pelo acampamento, de porta em
porta, e mate, cada qual , a seu i rmão, a seu amigo, a seu parente" (Ex
32,27), só ter ia sent ido e melhor se ident i f ica se dir igida também a J o-
sué, o "braço direi to de Moisés" e responsável pela paci f icação. E,
sendo membro do mesmo clã , por força do cargo, a ele cabia também a
reação até mesmo por uma questão de ordem e discipl ina, contra a s e-
dição da Tribo de Efraim. Mas o exercício do sace rdócio, como já foi
76
amplamente disposto, vinculava -se indestacavelmente à primogen i tura
pelo que pertenceria exclusivamente à t r ibo de Efraim. O próprio Mo i-
sés reconhece:
" D e J o s é d i s s e ( M o i s é s ) : A b e n ç o a d a p o r Ia h w e h s e j a a s u a t e r r a , ( . . . ) . . . v e n h a t u d o i s s o s o b r e a c a b e ç a d e J o s é , s o b r e o a l t o d a c a b e ç a d a q u e l e q u e é c o n s a -
g r a d o e n t r e s e u s i r m ã o s . E l e é o s e u t o u r o p r i m o g ê n i t o ; e l e t e m m a j e s t a d e ; e o s
s e u s c h i f r e s s ã o c h i f r e s d e b ú f a l o ; c o m e l e s e l e f e r e t o d o s o s p o v o s , t o d a s a s e x -t r e m i d a d e s d a t e r r a d e v e z . T a i s s ã o a s m i r í a d e s d e E f r a i m , e t a i s s ã o o s m i l h a -
r e s d e M a n a s s é s " ( D t 3 3 , 1 3 - 1 7 ) .
Vincula-se esse t recho ao Gn 49,22, cuja t radução não é pac í f ica
e é cheia de conjecturas . Atualmente a "Edi t ion Intégrale TOB, 1978 ,
Edição Francesa" rompe com a vertente "t radicional" de inte rpretação
e t raduz com mais f idel idade:
" J o s e p h e s t u n j e u n e t a u r e a u , u n j e u n e t a u r e a u p r è s d ' u n e s o u r c e . . . " q u e s e p o d e
t r a d u z i r p a r a o p o r t u g u ê s p o r - " J o s é é u m b e z e r r o ( j o v e m t o u r o ) , u m b e z e r r o
j u n t o d e u m a f o n t e . . . " ( G n 4 9 , 2 2 ) .
A divergência que se observa nas t raduções des se t recho vem
exatamente do fato de se desconhecer ou se desprezar a Ins t i tuição da
Primogeni tura, não se levando em conta a sua influência no meio soc i-
al de então. Pela "Traduct ion Oecuménique de la Bible" ident i f ica -se
por isso mesmo e , com faci l idade , José com a "consagração" e com o
"touro primogêni to" , ou com o "touro consagrado", advindo da est rei ta
relação entre a t r ibo de José com o sacerd ócio. Assim, é de se deduzir
que o "bezerro" é uma representação da força e potência de "Elohim"
em cujo dorso pousava quando descia esse Deus da t r ibo de Efraim.
Ora, pelo fato de Moisés ser da t r ibo de Levi os levi tas vieram
em socorro de Iahweh, que se pretendeu impor com exclusiv idade ao
povo israel i ta e dominou a pretensa sedição formada. Apesar de ter ela
s ido excluída da primogeni tura pelo próprio Jacó (Gn 49,5 -7) , ter ia s i -
do premiada, em reconhecimento disso , com o Sacerdócio Pleno por
meio da consagração da Casa de Aarão (Ex 29,1-46) e com o Sacerdó-
cio Auxi l iar pela subst i tuição dos primogêni tos pelos demais membros
da t r ibo, os levi tas (Nm 3,5 -51 e 8,5-26) :
“ V e n d o M o i s é s q u e o p o v o e s t a v a d e s e n f r e a d o , p o i s A a r ã o o d e i x a r a à s o l t a p a r a
v e r g o n h a n o m e i o d o s s e u s i n i m i g o s , p ô s - s e e m p é à e n t r a d a d o a r r a i a l e d i s s e :
Q u e m é d e I a h w e h v e n h a a t é m i m . E n t ã o , s e a j u n t a r a m a e l e t o d o s o s f i l h o s d e L e v i , a o s q u a i s d i s s e : A s s i m d i z Ia h w e h , o D e u s d e I s r a e l : C a d a u m c i n j a a e s -
p a d a s o b r e o l a d o , p a s s a i e t o r n a i a p a s s a r p e l o a r r a i a l d e p o r t a e m p o r t a , e m a t e
c a d a u m a s e u i r m ã o , c a d a u m , a s e u a m i g o , e c a d a u m , a s eu v i z i n h o . E f i z e r a m o s f i l h o s d e L e v i s e g u n d o a p a l a v r a d e M o i s é s ; e c a í r a m d o p o v o , n a q u e l e d i a ,
u n s t r ê s m i l h o m e n s . P o i s M o i s é s d i s s e r a : C o n f e r i - v o s , h o j e , a i n v e s t i d u r a p a r a
I a h w e h ; c a d a u m c o n t r a o s e u f i l h o e c o n t r a o s e u i r m ã o , p a r a q u e e l e v o s c o n -c e d a , h o j e , b ê n ç ã o ” ( E x 3 2 , 2 5 - 2 9 ) .
Após a prova de Levi , tendo agido, “cada um contra o seu f i lho e
contra o seu i rmão para que ele vos conceda, hoje, bênção ” Iahweh
lhes concede a bênção e os admite de novo de vol ta ao meio Israel i ta e
vai outorgar - lhes , num futuro bem próximo , o sacerdócio da Casa de
Is rael t al como afi rma Moisés: “Confer i -vos, hoje, a inves t idura para
Iahweh”, conforme a Bíbl ia Hebraica [ l i t . : “ vós vos enches tes as
mãos” (com as oferendas dos sacri f í cios)] na terminologia bíbl ica s i g-
77
nif icando inst i tui r alguém nas funções sacerdotais (Ex 28,41; 29,9;
33,8-9 / Lv 21,10).
Por outro lado, as r ival idades já ex is tentes favorecem a união de
Levi com Judá contra Efra im em vir tude da preferência de Jacó por J o-
sé, desde os tempos passados. Assim , o Profeta Isaías regis t ra "cessará
o ciúme" e "não será mais adversário" que caracterizam a ex is tência de
sent imentos host is muito enraizados e não t ransi tórios:
" T a m b é m c e s s a r á o c i ú m e d e E f r a i m , e o s a d v e r s á r i o s d e J u d á s e r ã o e l i m i n a d o s ; E f r a i m n ã o t e r á m a i s c i ú m e d e J u d á e J u d á n ã o s e r á m a i s o a d v e r s á r i o d e E f r a -
i m " ( I s 1 1 , 1 3 ) .
Estudando-se a origem do Reino do Norte, desl igando -se do de
Judá (1Rs 12), ver-se-á ainda fervi lhante , tais antagonismos t r ibais
confi rmando o que se expõe aqui . Algo que foi fruto de dor cul tura l -
mente sent ida e mergulhada no âmago do sent imento t r ibal e no seu
orgulho, não pode ter outra origem que a luta pelo direi to da primog e-
ni tura. Tal como ocor rera entre Jacó e Esaú, vai se prosseguir na Hi s-
tória de Israel até mesmo na revol ta de Absalão, que vai se aprovei tar
da divergência levantando essas t r ibos t radicionalmente descontentes
contra seu pai Davi , da t r ibo de Judá (2 Sm 15 -19)
Não é possível concordar com o episódio do Bezerro de O uro, tal
es tá narrado em Ex 32, após a Teofania ou manifestação sensível de
Deus ocorrida no Sinai (Ex 19,16 -25) de tão vigorosas expressões d i-
nâmicas do poder divino ao então recém -formado Povo de Deus. É
s implesmente inacredi tável . Após tão violenta presença “do meio do
fogo” não é cr ível que se seguisse uma idolatr ia tão colorida de aspe c-
tos gent í l icos mais apropriad os aos outros povos cuja cu l tura rel igiosa
o povo israel i ta reje i tara até mesmo no Egi to. Nem mesmo é cr ível que
após rat i f icar a Aliança de Iahweh com Abraão (Ex 24,1 -8) o Povo de
Deus viesse a violá- la , contradi toriamente, com uma imagem esculpida
não de "outro deus" (Ex 20,4 -5) , mas do mesmo que "pronunciou o
Decálogo" (Ex 20,1) e o mesmo da Criação (G n 1,1) .
Há os episódios que convenceram os Israel i tas a deixarem uma
vida já acomodada "comendo as cebolas e carnes no Egi to" para se a-
venturarem em uma vida nômade num deserto desconhecido para eles .
E também os prodígios presenciados da morte dos primogêni tos do E-
gi to com a poupança dos de Israel , d o Maná, das Codornizes e da Pas-
sagem do Mar Vermelho. Esses motivos concorreram para não fugirem
e vol tarem ao Faraó que os ter ia recebido com a sat isfação de co lorido
bem econômico , recuperando a "mão de obra " servi l e bara ta que pe r-
dera (Ex 14,5) .
2.15 - A RATIFICAÇÃO DA ALIANÇA COM IAHWEH - OPÇÃO DEFINITIVA
Mortos os insurretos outro caminho não se poderia t r i lhar que a
rat i f icação dos termos da Aliança com Iahweh. Porém, os acontec i-
mentos t rouxeram para Moisés di f iculdades quase insuperáveis não f o-
ra a sua confiança em Iahweh. É essa fé que o leva a interceder nova-
mente pelo povo não sem antes conscient izá -lo de sua fal ta grave ad-
78
moestando-o severamente pela t raição prat icada ao compromisso com
Iahweh (cf r Ex 20,1-19):
“ N o d i a s e g u i n t e , d i s s e M o i s é s a o p o v o : V ó s c o m e t e s t e s g r a n d e p e c a d o ; a g o r a , p o r é m , s u b i r e i a Ia h w e h e , p o r v e n t u r a , f a r e i p r o p i c i a ç ã o p e l o v o s s o p e c a d o .
T o r n o u M o i s é s a Ia h w e h e d i s s e : O r a , o p o v o c o m e t e u g r a n d e p e c a d o , f a z e n d o
p a r a s i d e u s e s d e o u r o . A g o r a , p o i s , p e r d o a - l h e o p e c a d o ; o u , s e n ã o , r i s c a - m e , p e ç o - t e , d o l i v r o q u e e s c r e v e s t e . E n t ã o , d i s s e Ia h w e h a M o i s é s : R i s c a r e i d o m e u
l i v r o t o d o a q u e l e q u e p e c a r c o n t r a m i m . V a i , p o i s , a g o r a , e c o n d u z e o p o v o p a r a
o n d e t e d i s s e ; e i s q u e o m e u A n j o i r á a d i a n t e d e t i ; p o r é m , n o d i a d a m i n h a v i s i -t a ç ã o , v i n g a r e i , n e l e s , o s e u p e c a d o . F e r i u , p o i s , I a h w e h a o p o v o , p o r q u e f i z e -
r a m o b e z e r r o q u e A a r ã o f a b r i c a r a ” ( G n 3 2 , 3 0 - 3 5 ) .
Moisés sofre em vir tude de ver o seu ideal da unidade de todos
os Israel i t as em torno de Iahweh comprometido pelas dramáticas co n-
sequências f icando por demais frust rado e luta ainda para perm anecer -
lhe f iel . Chega a se oferecer para sofrer a punição em lugar deles di -
zendo “perdoa - lhe o pecado; ou, se não, r isca -me, peço- te, do l ivro
que escreveste” Porém, “disse Iahweh a Moisés: Riscarei do meu l ivro
todo aquele que pecar contra mim” Iahweh n ão cast iga inocentes e não
se curva ao desejo de subst i tuição de Moisés , acei ta o pedido de pe r-
dão pelo povo e determina que “vai . . . conduze o povo para onde te
disse. . . no dia da minha vis i tação, vingarei , neles , o seu pecado”. Mo i -
sés ret i ra de tudo algumas conclusões e amadurece mais a inda para o
encargo e missão de levar todo o Povo de Is rael à Terra Prometida. F i-
ca assim rat i f icada a Nova Aliança de Moisés que cont inua sem m u-
danças est ruturais , sofrendo apenas influências acidentais que não m u-
dam o Desígnio de Iahweh.
É estarrecedora a mudança de at i tude d e Iahweh, antes cheio de
cólera espumando punições: “Riscarei do meu l ivro todo aquel e que
pecar contra mim.. .” , “ . . . no dia da minha vis i tação, ving arei , neles , o
seu pecado. Feriu, pois , Iahweh ao povo, po rque f izeram o bezerro que
Aarão fabricara. . .” E, prosseguindo " Iahweh falou a Moisés e lhe di s-
se: „Vamos! Sai daqui , com o povo que f izeste sai r do Egi to, para a
terra que prometi a Abraão, a Isaac e a Jacó, dizendo: „Eu a darei à tua
descendência‟ . Enviarei na tua f rente um anjo. . .” - is to é, Deus perm a-
necerá sempre f iel à Promessa e à Aliança com os Patr iarcas , mesmo
com a infidel idade do “povo de cabeça dura”:
" Ia h w e h f a l o u a M o i s é s e l h e d i s s e : “ V a m o s ! S a i d a q u i , c o m o p o v o q u e f i z e s t e
s a i r d o E g i t o , p a r a a t e r r a q u e p r o m e t i a A b r a ã o , a I s a a c e a J a c ó , d i z e n d o : „ E u
a d a r e i à t u a d e s c e n d ê n c i a ‟ . E n v i a r e i n a t u a f r e n t e u m a n j o , p a r a e x p u l s a r o s c a n a n e u s , o s a m o r r e u s , o s h i t i t a s , o s f e r e z e u s , o s h e v e u s e o s j e b u s e u s . S o b e
p a r a a t e r r a o n d e c o r r e l e i t e e m e l . M a s e u n ã o s u b i r e i c o n t i g o , p o r q u e é s u m
p o v o d e c a b e ç a d u r a ; d o c o n t r á r i o a c a b a r i a c o n t i g o n o c a m i n h o “ . A o o u v i r e s t a a m e a ç a , o p o v o p ô s - s e d e l u t o e n i n g u é m m a i s u s o u en f e i t e s . É q u e Ia h w e h t i -
n h a d i t o a M o i s é s : “ D i z e a o s i s r a e l i t a s : S o i s u m p o v o d e c a b e ç a d u r a ; s e p o r u m
i n s t a n t e s u b i s s e c o n v o s c o , e u v o s a n i q u i l a r i a . D e s p o j a i - v o s , p o i s , d o s e n f e i t e s , e e u s a b e r e i o q u e f a z e r c o n v o s c o ” . O s i s r a e l i t a s d e s p o j a r a m - s e d o s e n f e i t e s a o
p a r t i r d o m o n t e H o r e b " ( E x 3 3 , 1 - 6 ) .
“Despojai -vos, pois , dos enfei tes , e eu saberei o que fazer co n-
vosco” – foi a consequência do ato impensado, e “ . . . despojaram -se
dos enfei tes ao part i r do monte Horeb”. Essa disposição imposta foi
cumprida, numa real e séria demonstração de arrependimento aband o-
nando-se os ornamentos, que desde o Egi to ainda usavam , dest inando-
os à edi f icação de uma Tenda de Reunião onde comparecerá Moisés e
79
os que desejarem consul tar Iahweh. Essa edif icação da Tenda da Re u-
nião torna ainda mais dif íci l o entendimento após tudo o que se disse
da cólera de Iahweh contra o seu Povo , por causa do Bezerro de Ouro.
Porém, não é outra coisa que o “lançamento da pedra fundamental” da
edif icação do Santuário de Iahweh (Ex 25 e 26), que se inicia. Tudo
indica, porém que a disposição da Tenda fora do acampamento seja
fundada na reação de Iahweh ao Bezerro de Ouro. É que a local ização
ideal dela seria no centro , para f icar protegida de qualquer ataque de
possíveis inimigos:
" M o i s é s p e g o u a t e n d a e m o n t o u - a f o r a , a c e r t a d i s t â n c i a d o a c a m p a m e n t o , e d e u - l h e o n o m e d e T e n d a d e R e u n i ã o . A s s i m t o d o a q u e l e q u e i a c o n s u l t a r Ia h -
w e h , s a í a p a r a a T e n d a d e R e u n i ã o q u e e s t a v a f o r a d o a c a m p a m e n t o . Q u a n d o
M o i s é s s e d i r i g i a à t e n d a , o p o v o t o d o s e l e v a n t a v a e d e p é à p o r t a d a p r ó p r i a t e n d a , s e g u i n d o M o i s é s f i c a v a c o m o s o l h o s a t é e s t e e n t r a r n a t e n d a . D e p o i s q u e
M o i s é s e n t r a v a n a t e n d a , a c o l u n a d e n u v e n s b a i x a v a , f i c a n d o p a r a d a à e n t r a d a
d a t e n d a , e n q u a n t o Ia h w e h f a l a v a c o m M o i s é s . A o v e r a c o l u n a d e n u v e n s p a r a -
d a à e n t r a d a d a t e n d a , t o d o o p o v o s e l e v a n t a v a e c a d a u m s e p r o s t r a v a à e n t r a -
d a d a p r ó p r i a t e n d a . Ia h w e h f a l a v a f r e n t e a f r e n t e c o m M o i s é s , c o m o a l g u é m
q u e f a l a c o m s e u a m i g o . D e p o i s M o i s é s v o l t a v a p a r a o a c a m p a m e n t o . M a s s e u a j u d a n t e , o j o v e m J o s u é f i l h o d e N u n , n ã o s e a f a s t a v a d o i n t e r i o r d a t e n d a " ( E x
3 3 , 7 - 1 1 ) .
Claro está que foi uma instalação provisória onde o povo pod eria
"consul tar Iahweh de fora" e onde principalmente Moisés o faz ia "e n-
t rando nela , enquanto uma nuvem baixava até a entrada . Al i Iahweh
falava com ele, fren te a frente", mantendo -se Josué no interior , numa
espécie de pront idão e como um “primogêni to”, o Sacerdote , “de gua r-
da”. Numa dessas consul tas , quis Moisés no estado de ânimo em que
se encontrava e ainda atordoado pela sedição ocorrida conhecer se o
“Desígnio de Deus" sofrera alguma solução de cont inuidade ou ainda
se mant inha. Houve um instante de desorientação de Moisés , que f icou
temeroso de alguma reação de Ia hweh:
" M o i s é s d i s s e a Ia h w e h : “ O r a , t u m e d i z e s : „ F a z e s u b i r e s t e p o v o ‟ ; m a s n ã o m e i n d i c a s t e n i n g u é m p a r a m e a j u d a r n a m i s s ã o . N o e n t a n t o m e d i s s e s t e : „ E u t e c o -
n h e ç o p e l o n o m e e t u m e s m o g o z a s d o m e u f a v o r ‟ . S e f o r , p o i s , v e r d a d e q u e g o -
z o d e t e u f a v o r , f a z e - m e c o n h e c e r t e u s c a m i n h o s , p a r a q u e t e c o n h e ç a e a s s i m g o z e d e t e u f a v o r . C o n s i d e r a q u e e s t a n a ç ã o é o t e u p o v o ” . Ia h w e h r e s p o n d e u -
l h e : “ E u i r e i p e s s o a l m e n t e e t e d a r e i d e s c a n s o ” . M o i s é s r e s p o n d e u - l h e : “ S e n ã o
v e n s p e s s o a l m e n t e , n ã o n o s f a ç a s s u b i r d e s t e l u g a r . D o c o n t r á r i o , c o m o s e s a b e -r i a q u e e u e t e u p o v o g o z a m o s d e t e u f a v o r , s e n ã o p e l o f a t o d e c a m i n h a r e s c o -
n o s c o ? A s s i m , e u e t e u p o v o , s e r e m o s d i s t i n g u i d o s d e t o d o s o s p o v o s q u e v i v e m s o b r e a t e r r a ” . I a h w e h d i s s e a M o i s é s : “ F a r e i t a m b é m i s t o q u e p e d i s t e , p o i s g o -
z a s d e m e u f a v o r , e e u t e c o n h e ç o p e l o n o m e ” ( E x 3 3 , 1 2 - 1 7 ) .
"Moisés disse a Iahweh: „Ora, tu me dizes: „Faze subir es te p o-
vo‟; mas não me indicaste ninguém para me ajudar na missão" - isso
não poderia ser af i rmado em estado de t ranqüi l idade menta l após Ia h-
weh lhe haver di to que "enviaria na tua frente um anjo. . . " (Ex 33,2) . E
é até natural que Moisés es t eja ass im atordoado e confuso, po is es tava
no Monte Sinai em êxtase ou em contemplação recebendo os detalhes
do Santuário a ser erguido para Iahweh , quando explode o a to de sed i-
ção ou idólatra ("faze subir es te povo, mas não me indicas te ni nguém
para me ajudar na missão ” . . . se é verdade que gozo de teu favor f aça-
me conhecer teus caminhos ) . Nada mais i rreal e contrariando todos os
fatos havidos desde que foi vocaciona do no episódio da Sarça a rdente
em que Iahweh claramente lhe mostrara o seu Desígnio e em que Mo i-
80
sés deposi tara tanta fé. O diálogo parece ser somente mental de Moisés
que o cont inua até que se recompõe, reconhecendo o Desí gnio de Deus
real izando-se, inexoravelmente. E, desejoso de penetrar mais ainda no
mistério da natureza e divindade, pede para "conhecer teus caminhos"
e "a tua glória" mas recebe só o que Deus lhe quer dar:
" M o i s é s d i s s e : “ M o s t r a - m e a t u a g l ó r i a !” E I a h w e h r e s p o n d e u : “ F a r e i p a s s a r d i -a n t e d e t i t o d a a m i n h a b o n d a d e e p r o c l a m a r e i m e u n o m e , ' I a h w e h ' , n a t u a p r e -
s e n ç a , p o i s f a v o r e ç o a q u e m q u e r o f a v o r e c e r , e u s o d e m i s e r i c ó r d i a c o m q u e m
q u e r o u s a r d e m i s e r i c ó r d i a ” . E a c r e s c e n t o u : “ N ã o p o d e r á s v e r m i n h a f a c e , p o r -q u e n i n g u é m m e p o d e v e r e p e r m a n e c e r v i v o ” . Ia h w e h d i s s e : “ A í e s t á o l u g a r
p e r t o d e m i m ! T u e s t a r á s s o b r e a r o c h a . Q u a n d o a m i n h a g l ó r i a p a s s a r , e u t e p o -
r e i n a f e n d a d a r o c h a e t e c o b r i r e i c o m a m ã o e n q u a n t o p a s s o . Q u a n d o e u r e t i r a r a m ã o , v e r á s a s m i n h a s c o s t a s . M i n h a f a c e , p o r é m , n ã o s e p o d e v e r ” ( E x 3 3 , 1 9 -
2 3 ) .
Moisés não quer mais "falar com Deus face a face", es tando
Deus na forma da nuvem (Ex 33,9 -11), nem na forma de um fogo dev o-
rador (Ex 16,7.10; 24,16.17), mas sem mistérios e intermediários . No
entanto , nisso não pode ser atend ido pois o Homem não pode "ver
Deus e permanecer vivo" (Jo 1,18) , mas o que se pode d‟Ele ver ser -
lhe-á mostrado em toda a sua just iça e imparcial id ade:
“ F a r e i p a s s a r d i a n t e d e t i t o d a a m i n h a b o n d a d e e p r o c l a m a r e i m e u n o m e , ' I a h -w e h ' , n a t u a p r e s e n ç a , p o i s f a v o r e ç o a q u e m q u e r o f a v o r e c e r , e u s o d e m i s e r i -
c ó r d i a c o m q u e m q u e r o u s a r d e m i s e r i c ó r d i a ” ( E x 3 3 , 1 9 ) .
O que um homem pode ver da glória de Deus, até mesmo Moisés
que "lhe falava face a face" (Ex 33,9 -11) , é só o efei to de Sua Pass a-
gem ("verás as minhas costas; minha face, porém, não se pode ver")
s ignif icado em "toda a minha bondade com o que proclamarei meu n o-
me ' Iahweh ' na tua presença". Confirma -o como o Seu Enviado sempre
e l ivremente sem que ninguém O manipule, "pois favoreço a quem qu e-
ro favorecer , e uso de misericórdia com quem quer o usar de misericó r-
dia”, tal como a misericórdia que usou com os Israel i tas n esse episó-
dio não os punindo como se pensava que deveria ter fei to . Pelo menos
é ass im que São Paulo vai apl icar ess e t recho:
" Q u e d i r e m o s , p o i s ? H a v e r á i n j u s t i ç a e m D e u s ? D e m o d o a l g u m . P o r q u e d i s s e a M o i s é s : T e r e i m i s e r i c ó r d i a d e q u e m m e a p r o u v e r t e r m i s e r i c ó r d i a . T e r e i c o m -
p a i x ã o d e q u e m e u q u i s e r t e r c o m p a i x ã o . D e s t a f o r m a a e s c o l h a n ã o d e p e n d e d e q u e m a q u e r n e m d e q u e m c o r r e , m a s d a m i s e r i c ó r d i a d e D e u s . P o r i s s o d i z a
E s c r i t u r a a o F a r a ó : P r e c i s a m e n t e p a r a i s s o t e s u s c i t e i , p a r a m o s t r a r e m t i o m e u
p o d e r e p a r a d a r a c o n h e c e r m e u n o m e a t o d a a t e r r a . A s s i m D e u s t e m m i s e r i -c ó r d i a d e q u e m q u e r e é d u r o p a r a q u e m q u e r " ( R m 9 , 1 4 - 1 8 ) .
Assim é que, nesse sofr imento , Moisés teve o seu quinhão de
peni tência e recebe também a incumbência de "cortar duas tábuas de
pedra iguais à primeiras" , para que Iahweh escrevesse nelas o mesmo
Decálogo das anteriores (Dt 10,3 -4) , e subiu sozinho o Monte leva ndo-
as . Novamente em ret i ro e contemplação no Monte Sinai , Moisés vai
conhecer at r ibutos de Deus , num crescendo cada vez maior:
“ Ia h w e h d e s c e u n a n u v e m , p a r o u j u n t o d e l e e e l e p r o c l a m o u o n o m e d e Ia h w e h . .
E n q u a n t o Ia h w e h p a s s a v a d i a n t e d e l e , e x c l a m o u : “ Ia h w e h , Ia h w e h ! D e u s c o m -p a s s i v o e c l e m e n t e , p a c i e n t e , r i c o e m m i s e r i c ó r d i a e f i e l . E l e c o n s e r v a a b o n d a -
d e p o r m i l g e r a ç õ e s , e p e r d o a c u l p a s , r e b e l d i a s e p e c a d o s , m a s n ã o d e i x a i m p u -
81
n e s , c a s t i g a n d o a c u l p a d o s p a i s n o s f i l h o s e n e t o s a t é a t e r c e i r a e q u a r t a g e r a -ç ã o ” ( E x 3 4 , 5 - 7 ) .
"Deus compassivo e clemente, paciente, r ico em misericórdia e
f iel" - são os at r ibutos de Deus que Moisés passa a "conhecer", fruto
de sua vivência nos úl t imos acontecimentos a que se al ia aquela mes-
ma proporção entre a misericórdia e os possíveis cast igos de sua infl e-
x ível just iça quando a quiser apl icar , ou seja, na quela “relação de mil
para t rês ou quatro” . Ao que se percebe Moisés lutava também com o
receio de que a at i tude do Bezerro de Ouro, que lhe soava como um
ato por demais peca minoso, t rouxesse um rompimento da Aliança com
Iahweh:
" Im e d i a t a m e n t e M o i s é s c u r v o u - s e a t é o c h ã o e p r o s t r o u - s e e m a d o r a ç ã o . D e p o i s
d i s s e : “ Ia h w e h , s e é v e r d a d e q u e g o z o d e t e u f a v o r , q u e Ia h w e h c a m i n h e n o m e i o d e n ó s , p o r q u e e s s e é u m p o v o d e c a b e ç a d u r a . P e r d o a - n o s a s c u l p a s e o s
p e c a d o s , e r e c e b e - n o s c o m o p r o p r i e d a d e t u a ” ( E x 3 4 , 8 - 9 ) .
E Iahweh rat i f ica a Aliança apesar de tudo o que acontecera . A s-
sim é a misericórdia , inflex ível e justa , do Deus que dir ige a História
e não se sujei ta às cont ingências humanas pois confi rma a Missão de
Is rael com a difusão de Seu Nome e tanto corresponde como atende à
esperança de Moisés , que temia o abandono:
" Ia h w e h r e s p o n d e u : “ O l h a , e u v o u f a z e r u m a a l i a n ç a ! D i a n t e d e t o d o o t e u p o v o f a r e i p r o d í g i o s c o m o n u n c a s e f i z e r a m e m n e n h u m p a í s o u n a ç ã o , p a r a q u e t o d o s
o s p o v o s q u e t e c e r c a m v e j a m c o m o s ã o t e r r í v e i s a s o b r a s d e Ia h w e h , q u e e s t o u
p a r a f a z e r c o n t i g o . ( . . . ) I a h w e h d i s s e a M o i s é s : “ E s c r e v e e s t a s p a l a v r a s , p o i s b a s e a d o n e l a s f a ç o a l i a n ç a c o n t i g o e c o m Is r a e l ” . M o i s é s f i c o u a l i c o m Ia h w e h
q u a r e n t a d i a s e q u a r e n t a n o i t e s , s e m c o m e r p ã o n e m b e b e r á g u a , e e s c r e v e u n a s
t á b u a s a s p a l a v r a s d a a l i a n ç a , o s d e z m a n d a m e n t o s d a Le i " ( E x 3 4 , 1 0 - 2 8 ) .
Deus não muda, é sempre o mesmo (Hb 13,8) . Apesar de tudo , as
determinações a que se sujei tarão os Israel i tas se equiparam às anter i -
ores . São como uma repet ição resumida delas , a mesma exigência de
f idel idade a Iahweh , mantendo-se a mesma Missão de Is rael de errad i-
car o cul to pagão:
" G u a r d a b e m o q u e h o j e t e o r d e n o . E u e x p u l s a r e i d a t u a f r e n t e o s a m o r r e u s , o s
c a n a n e u s , o s h i t i t a s , o s f e r e z e u s , o s h e v e u s e o s j e b u s e u s . G u a r d a - t e d e f a z e r a -l i a n ç a c o m o s h a b i t a n t e s d o p a í s q u e i n v a d i r á s , p a r a q u e n ã o s e t o r n e m u m a a r -
m a d i l h a . A o c o n t r á r i o d e r r u b a r e i s o s a l t a r e s , q u e b r a r e i s a s e s t e l a s e c o r t a r e i s o s
t r o n c o s s a g r a d o s . P o r q u e n ã o d e v e r á s a d o r a r n e n h u m o u t r o D e u s , p o i s Ia h w e h s e d i z c i u m e n t o e d e f a t o é . N ã o f a ç a s a l i a n ç a c o m o s h a b i t a n t e s d o p a í s ! S e n ã o ,
q u a n d o s e p r o s t i t u í r e m c o m o s d e u s e s e l h e s o f e r e c e r e m s a c r i f í c i o s , e l e s t e c o n -
v i d a r i a m e t u c o m e r i a s d o s s e u s s a c r i f í c i o s ; t o m a r i a s s u a s f i l h a s p a r a c a s a r e m c o m t e u s f i l h o s , e q u a n d o e l a s s e p r o s t i t u í s s e m c o m s e u s d e u s e s , l e v a r i a m t a m -
b é m t e u s f i l h o s a s e p r o s t i t u í r e m c o m e l e s . N ã o f a r á s p a r a t i d e u s e s d e m e t a l
f u n d i d o " ( E x 3 4 , 1 1 - 1 7 ) .
“. . . quando se prost i tuí rem com os deuses e lhes oferecerem s a-
cri f ícios , eles te convidariam e tu comerias dos seus sacri f ícios; tom a-
rias suas f i lhas para casarem com teus f i lhos, e quando elas se prost i -
tuíssem com seus deuses , levariam também teus f i lhos a se prost i tu í -
rem com eles”, aqui se ret rata uma das principais causas dessa at i tude
de destruir o cul to pagão: a tão usada prost i tuição sagrada em que se
ofereciam o coi to feminino ou mascul ino em oferta ao deus pagão.
Também a f idel idade aos princípios concer nentes à celebração e man u-
82
tenção do cul to, à entrega das oferendas, "não se apresentando nunca
no santuário de mãos vazias", e às datas das comemor ações rel igiosas ,
aos sábados, dos primogêni tos etc. , prescrições essas que são rat i f ic a-
ções das anteriores (Ex 23,12.15.16.17.18.19.23 -33; 20,4.5.23; 22,28 -
29):
" G u a r d a r á s a f e s t a d o s á z i m o s . D u r a n t e s e t e d i a s c o m e r á s p ã o s e m f e r m e n t o , c o m o t e m a n d e i , n o t e m p o m a r c a d o d o m ê s d a s E s p i g a s . P o i s f o i n o m ê s d a s E s -
p i g a s q u e s a í s t e d o E g i t o . T o d o p r i m o g ê n i t o é m e u : t o d o s o s p r i m o g ê n i t o s m a -
c h o s d e t e u r e b a n h o , d a s v a c a s e o v e l h a s . R e s g a t a r á s o p r i m o g ê n i t o d o j u m e n t o , c o m u m a o v e l h a ; s e n ã o o r e s g a t a r e s , d e v e r á s q u e b r a r - l h e a n u c a . R e s g a t a r á s o
p r i m o g ê n i t o d e t e u s f i l h o s . N ã o t e a p r e s e n t a r á s d i a n t e d e m i m d e m ã o s v a z i a s .
D u r a n t e s e i s d i a s t r a b a lh a r á s e n o s é t i m o d e s c a n s a r á s , t a n t o n a é p o c a d o p l a n t i o c o m o n a d a c o l h e i t a . C e l e b r a r á s a f e s t a d a s S e m a n a s n o i n í c i o d a c o l h e i t a d o
t r i g o , e a f e s t a d a C o l h e i t a n o f i m d o a n o . T r ê s v e z e s p o r a n o t o d o s o s h o m e n s
d e v e r ã o c o m p a r e c e r d i a n t e d e I a h w e h , Ia h w e h o D e u s d e I s r a e l . E u e x p u l s a r e i d i a n t e d e t i a s n a ç õ e s e d i l a t a r e i t u a s f r o n t e i r a s ; a s s i m n i n g u é m c o b i ç a r á a t u a
t e r r a e n q u a n t o e s t i v e r e s s u b i n d o , t r ê s v e z e s p o r a n o , p a r a t e a p r e s e n t a r e s d i a n t e
d e Ia h w e h t e u D e u s . N ã o o f e r e c e r á s o s a n g u e d e m i n h a s v í t i m a s c o m p ã o f e r -
m e n t a d o . O s a c r i f í c i o d a f e s t a d a P á s c o a n ã o d e v e s o b r a r p a r a o d i a s e g u i n t e . 2 6
L e v a r á s à c a s a d e Ia h w e h t e u D e u s , o m e l h o r d o s p r i m e i r o s f r u t o s d o t e u s o l o .
N ã o c o z i n h a r á s u m c a b r i t o n o l e i t e d e s u a m ã e ” ( E x 3 4 , 1 8 - 2 6 ) .
Iahweh - Deus é quem agora vai escrever os Dez Mandamentos
nas tábuas de pedra lavradas por Moisés (Ex 34,1 / Dt 10,3 -5, não co-
mo sugere 34,27-28). O que Moisés escreve são as demais prescr ições .
Essas tábuas i rão para a Arca da Aliança. Moisés ao de scer do Monte
com as Tábuas da Lei nas mãos i rá "bri lhar - lançar raios de seu rosto"
a ponto de amedrontar os Israel i tas , motivo que o leva a "cobrir o ro s-
to que apresentava a semelhança de t razer chifres resplandecentes na
cabeça", tal como constava da V ulgata de São Jerônimo (Ex 34,29-35).
Tanto o "bri lho" como os "chifres" t raduzem a união com Iahweh tal
como a s ignif icação de estar representado no rosto de Moisés o P oder
e a Glória de Deus, fortalecendo a posição de seu elei to apesar da i n-
surreição hav ida:
" Q u a n d o M o i s é s d e s c e u d a m o n t a n h a d o S i n a i , t r a z e n d o n a m ã o a s d u a s t á b u a s
d a a l i a n ç a , n ã o s a b i a q u e a p e l e d e s u a f a c e r e s p l a n d e c i a ( l a n ç a v a d e s i u n s r a i -
o s ) p o r t e r f a l a d o c o m Ia h w e h . A a r ã o e o s i s r a e l i t a s t o d o s , a o v e r e m c o m o r e s -p l a n d e c i a ( o u " l a n ç a v a d e s i o s r a i o s " ) a f a c e d e M o i s é s , t i v e r a m m e d o d e a p r o -
x i m a r - s e . E n t ã o M o i s é s o s c h a m o u , e A a r ã o c o m o s c h e f e s d a c o m u n i d a d e v o l t a -
r a m - s e , e e l e l h e s f a l o u . D e p o i s s e a p r o x i m a r a m o s d em a i s i s r a e l i t a s , e M o i s é s l h e s t r a n s m i t i u t o d a s a s o r d e n s q u e Ia h w e h l h e t i n h a d a d o n o m o n t e S i n a i .
Q u a n d o M o i s é s a c a b o u d e f a l a r , p ô s u m v é u s o b r e o r o s t o . Q u a n d o M o i s é s s e a p r e s e n t a v a a Ia h w e h p a r a f a l a r , r e t i r a v a o v é u , a t é s a i r ; d e p o i s s a í a e d i z i a a o s
i s r a e l i t a s o q u e l h e t i n h a s i d o m a n d a d o . O s i s r a e l i t a s v i a m a f a c e r a d i a n t e ( o u
" q u e l a n ç a v a d e s i u n s r a i o s " ) d e M o i s é s , e M o i s é s t o r n a v a d ep o i s a c o b r i r o r o s t o c o m o v é u , a t é i r f a l a r d e n o v o c o m Ia h w e h " ( E x 3 4 , 2 9 - 3 5 ) .
São Paulo i rá se referi r a esse fato quando anal isar a causa da
incredul idade dos judeus quanto à m essianidade de Jesus Cris to, vi n-
culando-a como condição para se compree nder as Escri turas :
" T a l é a c o n f i a n ç a q u e t e m o s e m D e u s p o r C r i s t o . N ã o q u e p o r p r ó p r i a f o r ç a s e -
j a m o s c a p a z e s d e p e n s a r a l g u m a c o i s a c o m o d e n ó s m e s m o s . N o s s a c a p a c i d a d e v e m d e D e u s . E l e é q u e n o s c a p a c i t o u c o m o m i n i s t r o s d a n o v a a l i a n ç a , n ã o d a
l e t r a , m a s d o E s p í r i t o . P o i s a l e t r a m a t a e o e s p í r i t o d á v i d a . P o i s , s e o m i n i s t é -
r i o d a m o r t e , g r a v a d o e m l e t r a s d e p e d r a , s e r e v e s t i u d e t a l g l ó r i a q u e o s i s r a e -l i t a s n ã o p o d i a m f i x a r o s o l h o s n o r o s t o d e M o i s é s , p o r c a u s a d o e s p l e n d o r d e
s u a f a c e , q u e e r a t r a n s i t ó r i o , c o m o n ã o s e r á d e m a i o r g l ó r i a o m i n i s t é r i o d o E s -
p í r i t o ? S e o m i n i s t é r i o d a c o n d e n a ç ã o j á f o i g l o r i o s o , m u i t o m a i s o u l t r a p a s s a r á e m g l ó r i a o m i n i s t é r i o d a j u s t i ç a . E , e m v e r d a d e , o q u e f o i g l o r i o s o d e m o d o
p a r c i a l , d e i x a d e o s e r , c o m p a r a d o c o m e s t a o u t r a g l ó r i a e m i n e n t e . P o r q u e , s e o
83
t r a n s i t ó r i o f o i g l o r i o s o , m u i t o m a i s o s e r á o q u e p e r m a n e c e . D e p o s s e d e t a l e s -p e r a n ç a , p r o c e d e m o s c o m p l e n a f r a n q u e z a . N ã o f a z e m o s c o m o M o i s é s , q u e c o -
b r i a o r o s t o c o m u m v é u p a r a q u e o s i s r a e l i t a s n ã o v i s s e m o f i m d a g l ó r i a q u e
s e d e s v a n e c i a . E m c o n s e q ü ê n c i a , a i n t e l i g ê n c i a d e l e s p e r m a n e c e u o b s c u r e c i d a . A i n d a a g o r a , q u a n d o l ê e m o A n t i g o T e s t a m e n t o , e s s e m e s m o v é u p e r m a n e c e c e r -
r a d o , p o r q u e s ó e m C r i s t o é q u e d e v e s e r a b e r t o . P o r i s s o a t é o d i a d e h o j e ,
q u a n d o l ê e m M o i s é s u m v é u l h e s c o b r e o c o r a ç ã o . T a l v é u s ó l h e s s e r á t i r a d o q u a n d o s e c o n v e r t e r e m a o S e n h o r . O S e n h o r é o E s p í r i t o e o n d e e s t á o E s p í r i t o
d o S e n h o r , h á l i b e r d a d e . T o d o s n ó s , d e f a c e d e s c o b e r t a , r e f l e t i m o s a g l ó r i a d o
S e n h o r , c o m o u m e s p e l h o , e n o s v e m o s t r a n s f o r m a d o s n e s t a m e s m a i m a g e m , s e m p r e m a i s g l o r i o s a , p e l a a ç ã o d o S e n h o r , q u e é E s p í r i t o " ( 2 C o r 3 - 1 8 ) .
2.16. - A EREÇÃO E CONSAGRAÇÃO DO SANTUÁRIO E DO SACERDÓCIO
A envergadura dos homens que compõem a História da Salvação
é respei tável por demais . As personal idades até agora vis tas , Abraão
passando por Isaac e pelo vigor de um manso Jacó , todos e com a in-
f lex ível obst inação comum pelo mesmo Deus , vão ecoar em José do
Egi to e culminam em Moisés . A luta que t ravaram contra tudo e co ntra
todos , sozinhos e perseguidos tant as vezes , suas vi tórias à sombra da
proteção de Deus que lhes abonou o v igor e a tenacidade , deu-lhes
como resposta à fé que n‟Ele deposi taram , a capacidade de suportar
tudo sem esmorecer . Fibra invejável , sant idade indiscut ível e fé inab a-
lável . Creram, e tal como creram, viveram. Eram já a expressão prévia
do próprio Povo a que dariam origem , dos seus descendentes que co m-
part i lhariam a mesma obst inação e até mesmo quando aqui e acolá fos-
sem julgados eram "um povo de dura cerviz" (Ex 32,9.22; 33,3; 34,9) .
Mas essa "dureza" t inha duas al ternat ivas ou dois lados, já que se ma-
nifestava também pela unicidade de fé e f idel idade a Iahweh , mesmo
quando postas à prova em simples l ances de desprendimento mat erial :
" M o i s é s f a l o u a t o d a a c o m u n i d a d e d o s i s r a e l i t a s e l h e s d i s s e : “ F o i i s t o o q u e I a h w e h m a n d o u : F a z e i e n t r e v ó s u m a c o l e t a p a r a Ia h w e h . Q u e m f o r g e n e r o s o
l e v a r á u m a o f e r e n d a a Ia h w e h : o u r o , p r a t a , b r o n z e , p ú r p u r a v i o l á c e a , v e r m e l h a
e c a r m e s i m , l i n h o f i n o , c r i n a s d e c a b r a , p e l e s . . . T o d o s o s a r t e s ã o s h a b i l i d o s o s v e n h a m p a r a e x e c u t a r t u d o o q u e o Ia h w e h m a n d o u : a m o r a d a c o m a t e n d a e a
c o b e r t u r a , a s a r g o l a s , ( . . . ) ; o a l t a r d o s h o l o c a u s t o s , c o m a g r e l h a d e b r o n z e , o s
v a r a i s e t o d o s o s u t e n s í l i o s ; a b a c i a e ( . . . ) , a s v e s t e s l i t ú r g i c a s p a r a o s a c e r d o t e A a r ã o , e a s v e s t e s d o s f i l h o s p a r a a s f u n ç õ e s s a c e r d o t a i s ” . E n t ã o t o d a a c o m u -
n i d a d e d o s i s r a e l i t a s s e r e t i r o u d a p r e s e n ç a d e M o i s é s . E m s e g u i d a v i e r a m t o d o s
c u j o c o r a ç ã o o s m o v i a , e c u j o â n i m o o s i m p e l i a , t r a z e n d o o f e r t a s a Ia h w e h p a r a a s o b r a s d a t e n d a d e r e u n i ã o , p a r a o c u l t o e m g e r a l , e p a r a a s v e s t e s l i t ú r g i c a s .
V i e r a m h o m e n s e m u l h e r e s , e t o d o s g e n e r o s a m e n t e t r a z i a m b r o c h e s , b r i n c o s ,
a n é i s , c o l a r e s e t o d a s o r t e d e o b j e t o s d e o u r o , q u e c a d a u m a p r e s e n t a v a c o m o o f e r t a a Ia h w e h . T o d o s q u a n t o s t i n h a m c o n s i g o p ú r p u r a ( . . . ) . O s q u e d e s e j a v a m
f a z e r o f e r t a s d e p r a t a o u d e b r o n z e t r o u x e r a m - n a s a I a h w e h . O m e s m o f i z e r a m
o s q u e t i n h a m m a d e i r a d e a c á c i a p a r a a s v á r i a s o b r a s d a c o n s t r u ç ã o . T o d a s a s m u l h e r e s q u e t i n h a m h a b i l i d a d e p a r a a t e c e l a g e m t e c e r a m e t r o u x e r a m o s t e c i -
d o s : a p ú r p u r a v i o l á c e a , v e r m e l h a e c a r m e s i m , e o l i n h o f i n o . T o d a s a s m u l h e -
r e s b e m d i s p o s t a s e d o t a d a s p a r a t a n t o t e c e r a m c r i n a s d e c a b r a . O s c h e f e s d o p o v o t r o u x e r a m p e d r a s d e ô n i x e p e d r a s d e e n g a s t e p a r a o e f o d e o p e i t o r a l , o s
p e r f u m e s e o a z e i t e p a r a o c a n d e l a b r o , p a r a o ó l e o d e u n ç ã o e p a r a o i n c e n s o
a r o m á t i c o . T o d o s o s i s r a e l i t a s , h o m e n s e m u l h e r e s , d i s p o s t o s a c o n t r i b u i r p a r a a s o b r a s q u e Ia h w e h t i n h a m a n d a d o e x e c u t a r p o r m e i o d e M o i s é s , t r o u x e r a m a
I a h w e h c o n t r i b u i ç õ e s e s p o n t â n e a s . . . " ( E x 3 5 , 4 - 3 5 ) .
A generosidade com que se apresentaram os Israel i tas das várias
especial idades evidencia a sua f idel idade "obst inada" a Iahweh, mo s-
t rando também que a at i tude tomada com o Bezerro de Ouro não pode
ter s ido um ato de absoluta rebeldia e rejeição, mas uma sedição de
84
colorido cul tural de projeção apenas "pol í t ica". Essa generosidade foi
tamanha que exigiu um pedido de interrupção das oferendas para o
Santuário:
" M a s c a d a m a n h ã o p o v o c o n t i n u a v a t r a z e n d o a M o i s é s o f e r t a s e s p o n t â n e a s , d e m o d o q u e o s a r t í f i c e s q u e f a z i a m a s o b r a s d o s a n t u á r i o d e i x a r a m o t r a b a l h o e
v i e r a m d i z e r a M o i s é s : “ O p o v o t r a z m u i t o m a i s q u e o n e c e s s á r i o p a r a e x e c u t a r
a c o n s t r u ç ã o q u e Ia h w e h m a n d o u f a z e r ” . E n t ã o M o i s é s m a n d o u q u e s e p u b l i c a s -s e n o a c a m p a m e n t o a s e g u i n t e o r d e m : “ N i n g u é m m a i s , n e m h o m e m n e m m u l h e r ,
p r o m o v a c a m p a n h a s p a r a a c o l e t a d o s a n t u á r i o ” . E o p o v o d e i x o u d e t r a z e r o f e r -
t a s . O m a t e r i a l j á e r a s u f i c i e n t e p a r a t o d o s o s t r a b a l h o s q u e s e d e v i a m e x e c u t a r , e a t é s o b r a v a " ( E x 3 6 , 3 - 7 ) .
Assim é que se começam a real iza r os trabalhos conforme proj e-
tados e apresentados por Moisés , f indo o seu retorno do ret i ro conte m-
plat ivo e descrevendo-os na ordem cronológica de sua apresentação
vindo as ci tações en tre parêntesis fei tas na ordem: primeiro a constru-
ção e depois a descrição separados pela barra ( / ) . . A começar com as
cort inas do Tabernáculo (Ex 36,8-19 / Ex 26,1-13), a coberta de peles
e as tábuas (Ex 36,20 -34 / Ex 26,14-30), o Véu e as colunas (Ex 36,35-
38 / Ex 26,31-37), a Arca da Aliança (Ex 37,1 -5 / Ex 25,10-16), o
Propiciatório e os Dois Querubins (Ex 37,6 -9 / Ex 25,17-22) , a Mesa e
seus utensí l ios (Ex 37,10 -16 / Ex 25,23-30), o Candelabro de ouro p u-
ro (Ex 37,17-24 / 25,31-40), o Altar do Incens o (Ex 37,25-28 / Ex
30,1-10), o Óleo Sagrado da Unção e o Incenso Santo (Ex 37,29 / Ex
30,22-38), o Altar dos Holocaustos (Ex 38,1 -7 / Ex 27,1-8) , a Bacia de
Bronze (Ex 38,8 / Ex 30,17 -21), o Átrio (Ex 38,9 -20 / Ex 27,9-19) ,
completando a Obra do Santuário com um Inventário f inal do material
gasto e f inalmente as Vestes e os Par amentos dos Sacerdotes (Ex 39,1 -
31 / Ex 28,1-43). Apresentou-se toda a Obra a Moisés que a determ i-
nara (Ex 39,32-43 / Ex 35,10-19):
" O s i s r a e l i t a s e x e c u t a r a m t o d o s o s t r a b a l h o s e x a t a m e n t e c o m o Ia h w e h t i n h a o r -
d e n a d o a M o i s é s . M o i s é s e x a m i n o u t o d a a c o n s t r u ç ã o e v i u q u e a f i z e r a m e x a -t a m e n t e c o m o Ia h w e h t i n h a m a n d a d o a M o i s é s , e o s a b e n ç o o u " ( E x 3 9 , 4 2 - 4 3 ) .
Esse úl t imo t recho nos faz lembrar outr o que tem a mesma cono-
tação de se at ingir determinada f inal idade a que toda a obra se dest i -
nava:
" E D e u s v i u t u d o q u a n t o h a v i a f e i t o e a c h o u q u e e s t a v a m u i t o b o m " ( G n 1 , 3 1 ) / " M o i s é s e x a m i n o u t o d a a c o n s t r u ç ã o e v i u q u e a f i z e r a m e x a t a m e n t e c o m o Ia h -
w e h t i n h a m a n d a d o " ( E x 3 9 , 4 2 ) .
Tudo o que de material era necessário para a construção do Sa n-
tuário, Tabernáculo ou "Habi tação de Iahweh" estava pronto e foi por
Moisés entregue a Iahweh que determina a sua e dif icação consumando-
se a Obra:
" Ia h w e h f a l o u a M o i s é s , d i z e n d o : “ N o p r i m e i r o d i a d o p r i m e i r o m ê s l e v a n t a r á s a m o r a d a , a t en d a d e r e u n i ã o . P o r á s a l i a A r c a d a A l i a n ç a , e a c o b r i r á s c o m o
V é u . In t r o d u z i r á s a M e s a , e a d e i x a r á s p o s t a ; l e v a r á s o C a n d e l a b r o , e c o l o c a r á s
a s Lâ m p a d a s ; p o r á s o A l t a r d e O u r o p a r a o I n c e n s o d i a n t e d a A r c a d a A l i a n ç a , e p e n d u r a r á s a C o r t i n a n a E n t r a d a d o S a n t u á r i o . P o r á s o A l t a r d o s H o l o c a u s t o s
d i a n t e d a E n t r a d a d o S a n t u á r i o ( d a M o r a d a ) , d a T e n d a d e R e u n i ã o . C o l o c a r á s a
B a c i a e n t r e a T e n d a d e R e u n i ã o e o A l t a r , e p o r á s á g u a ; d i s p o r á s o Á t r i o e m t o r n o , e p o r á s a C o r t i n a n a e n t r a d a d o Á t r i o " ( E x 4 0 , 1 - 7 ) .
85
Porém, a parte material apenas não basta, fal ta a parte principal ,
o objet ivo de toda a Obra: - prepará-la para at ingir a Sant i f icação, p e-
la comunhão com Iahweh, organizando -se o Sacri f ício . É o que vem a
seguir :
" P e g a r á s o ó l e o d e u n ç ã o , u n g i r á s a m o r a d a ( o u S a n t u á r i o ) e t u d o o q u e n e l a e s -t i v e r , c o n s a g r a n d o - a a s s i m c o m t o d o s o s p e r t e n c e s , e e l a s e r á s a n t a . U n g i r á s o
a l t a r d o s h o l o c a u s t o s e t o d o s o s u t e n s í l i o s , c o n s a g r a n d o a s s i m p a r a q u e s e j a
s a n t í s s i m o . U n g i r á s a b a c i a c o m a b a s e , p a r a c o n s a g r á - l a " ( E x 4 0 , 9 - 1 1 ) .
Deve-se reafi rmar o s ignif icado dessa Unção com o Óleo Sagr a-
do: a "consagração do que for tocado por ele para que seja sant íss i -
mo", incluindo-se então o Sacerdócio para o qual foi " separado" "Aa-
rão e seus f i lhos":
" F a r á s d i s t o u m ó l e o p a r a a u n ç ã o s a g r a d a , u m a m i s t u r a d e e s p e c i a r i a s p r e p a r a -
d a s e g u n d o a a r t e d a p e r f u m a r i a . S e r á e s t e o ó l e o p a r a a u n ç ã o s a g r a d a . U n g i r á s
a t e n d a d e r e u n i ã o , a a r c a d a a l i a n ç a , a m e s a c o m t o d o s o s a p e t r e c h o s , o c a n d e -l a b r o c o m o s u t e n s í l i o s , o a l t a r d o i n c e n s o , o a l t a r d o s h o l o c a u s t o s c o m o s u t e n -
s í l i o s , b e m c o m o a b a c i a c o m o s u p o r t e . A s s i m o s c o n s a g r a r á s e s e r ã o s a n t í s s i -
m o s ; t u d o o q u e o s t o c a r s e r á s a n t o . U n g i r á s t a m b é m A a r ã o e o s f i l h o s , c o n s a -g r a n d o - o s p a r a m e s e r v i r e m c o m o s a c e r d o t e s " ( E x 3 0 , 2 5 - 3 0 ) .
At inge-se o ponto central de toda a Obra, a invest idura dos s a-
cerdotes , sem os quais não há sacri f ício (Hb 8,3) e nada do que se fez
poderia levar à comunhão com Deus , pe la Sant idade ensejada:
" M a n d a r á s A a r ã o e s e u s f i l h o s a p r o x i m a r - s e d a e n t r a d a d a t e n d a d e r e u n i ã o e o s
l a v a r á s c o m á g u a . D e p o i s r e v e s t i r á s A a r ã o c o m a s v e s t e s l i t ú r g i c a s , e o u n g i r á s c o n s a g r a n d o - o p a r a q u e m e s i r v a c o m o s a c e r d o t e . F a r á s o s f i l h o s a p r o x i m a r - s e
e , d e p o i s d e r e v e s t i - l o s c o m a s t ú n i c a s , o s u n g i r á s c o m o u n g i s t e o p a i , p a r a q u e
m e s i r v a m c o m o s a c e r d o t e s . E s t a u n ç ã o c o n f e r i r - l h e s - á o s a c e r d ó c i o p e r p é t u o
p o r t o d a s a s g e r a ç õ e s ” ( E x 4 0 , 1 2 - 1 5 ) .
" . . . revest irás Aarão com as vestes l i túrgicas, e o ungirás co n-
sagrando-o para que me s irva como sacerdote; e , farás os f i lhos apro-
ximar-se e, depois de revest i - los com as túnicas, os ungirás para que
me s irvam como sacerdotes . Esta unção conferir - lhes-á o sacerdócio
perpétuo por todas as gerações ” - após isso, o narrador considera f i -
nal izada da Obra da Habi tação. Em seguida vem a "montagem" de t odo
o Tabernáculo , coordenada por Moisés , juntando-se uma a uma as p e-
ças e dispondo os móveis e utensí l ios nos respect ivos locais planej a-
dos:
" N o d i a p r i m e i r o d o p r i m e i r o m ê s d o s e g u n d o a n o , f o i e r i g i d a a m o r a d a . M o i s é s l e v a n t o u a m o r a d a , c o l o c o u a s b a s e s e a s t á b u a s , a s s e n t o u a s t r a v e s -
s a s e e r g u e u a s c o l u n a s . E s t e n d e u a t e n d a s o b r e a m o r a d a e p ô s p o r c i m a a
c o b e r t u r a d a t en d a , c o m o I a h w e h l h e h a v i a m a n d a d o . P e g o u o d o c u m e n t o d a a l i a n ç a e o c o l o c o u d e n t r o d a a r c a , m e t e u o s v a r a i s n a a r c a e p ô s p o r c i m a
d e l a o p r o p i c i a t ó r i o . In t r o d u z i u a a r c a n a m o r a d a e p en d u r o u o v é u d e p r o t e -
ç ã o , o c u l t a n d o a a r c a d a a l i a n ç a , c o m o Ia h w e h t i n h a m a n d a d o a M o i s é s . D e -p o i s i n s t a l o u n a t e n d a d e r e u n i ã o a m e s a , n o f l a n c o n o r t e d a m o r a d a , d o l a d o
d e f o r a d o v é u ; e a r r u m o u s o b r e e l a o s p ã e s c o n s a g r a d o s a Ia h w e h , a s s i m
c o m o Ia h w e h t i n h a m a n d a d o a M o i s é s . P ô s o c a n d e l a b r o n a t e n d a d e r e u n i ã o , d e f r o n t e d a m e s a , n o f l a n c o s u l d a m o r a d a . E m c i m a a c e n d e u a s l â m p a d a s d i -
a n t e d e Ia h w e h , a s s i m c o m o Ia h w e h h a v i a m a n d a d o a M o i s é s . C o l o c o u o a l t a r
d e o u r o n a t e n d a d e r e u n i ã o , d i a n t e d o v é u , e q u e i m o u o i n c e n s o a r o m á t i c o , a s s i m c o m o Ia h w e h h a v i a m a n d a d o a M o i s é s . P e n d u r o u a c o r t i n a n a e n t r a d a
d a m o r a d a " ( E x 4 0 , 1 7 - 2 8 ) .
86
"Pegarás o óleo de unção, ungirás a morada (ou o Santuário ) e
tudo o que nela est iver , consagrando -a assim com todos os pertences,
e ela será santa. Ungirás o al tar dos holocaustos e todos os utens í-
l ios , consagrando assim para que seja sant íss imo. Ungirás a bacia
com a base, para consagrá -la" (Ex 40,9-11) - "Moisés executou tudo
exatamente como Iahweh lhe havia ordenado" (Ex 40,16) - Isso fei to ,
tendo "ungido" toda "a morada e tudo o que nela es tava" (Ex 40,9) ,
Moisés inaugura e oficial iza o cul to , com um holocausto e a oblação
que oferece:
" D i a n t e d a e n t r a d a d o S a n t u á r i o , d a t e n d a d e r e u n i ã o , c o l o c o u o a l t a r d o s h o -l o c a u s t o s , e o f e r e c e u o h o l o c a u s t o e a o b l a ç ã o , a s s i m c o m o S e n h o r t i n h a
m a n d a d o a M o i s é s . In s t a l o u a b a c i a e n t r e a t e n d a d e r e u n i ã o e o a l t a r , e p ô s
a á g u a p a r a a s a b l u ç õ e s , o n d e M o i s é s , A a r ã o e o s f i l h o s l a v a v a m a s m ã o s e o s p é s . La v a v a m - s e t o d a v e z q u e e n t r a v a m n a t e n d a d e r e u n i ã o e s e a p r o x i -
m a v a m d o a l t a r , a s s i m c o m o I a h w e h h a v i a m a n d a d o a M o i s é s . L e v a n t o u o á -
t r i o e m t o r n o d a m o r a d a e d o a l t a r , e p e n d u r o u a c o r t i n a n a e n t r a d a d o á t r i o . A s s i m M o i s é s d e u p o r c o n c lu í d a a o b r a " ( E x 4 0 , 2 0 - 3 3 ) .
"Assim Moisés deu por concluída a obra" (E x 40,33) e tão lo-
go isso sucede Iahweh se manifesta, se ex terioriza na "nuvem" (Ex
13,21-22) e toma posse do santu ário:
" E n t ã o a n u v e m e n v o l v e u a t e n d a d e r e u n i ã o , e a g l ó r i a Ia h w e h t o m o u c o n t a
d a m o r a d a . M o i s é s n ã o p o d i a e n t r a r n a t e n d a d e r e u n i ã o , p o r q u e s o b r e e l a
r e p o u s a v a a n u v e m , e a g l ó r i a d e Ia h w e h o c u p a v a a m o r a d a . E m t o d a s a s e t a -p a s d a v i a g e m o s i s r a e l i t a s p u n h a m - s e e m m o v i m e n t o s e m p r e q u e a n u v e m s e
e l e v a v a d e c i m a d a m o r a d a ; n u n c a p a r t i a m a n t e s q u e a n u v e m s e l e v a n t a s s e .
D e f a t o , a n u v e m d e Ia h w e h f i c a v a d u r a n t e o d i a s o b r e a m o r a d a , e d u r a n t e a n o i t e h a v i a u m f o g o v i s í v e l a t o d o s o s i s r a e l i t a s , a o l o n g o d e t o d a s a s e t a p a s
d a v i a g e m " ( E x 4 0 , 1 6 - 3 8 ) .
Nuvem, s inal v is íve l da Glória de Iahweh (Ex 13,21 -22; 16,10;
24,15-18 / Nm 9,15-23) , que conduzirá o Povo de Deus à Terra Prom e-
t ida, - mais uma etapa cumprida do Des ígnio de Deus, para reconduzir
o Homem ao lugar dele no Paraíso, - es tabelecendo os princípios bás i -
cos da comunhão , a part i r do Cul to a Iahweh. Ess e Cul to vai culminar
no Sacri f ício, o Centro Gravi tacional desde os Patr iarcas , f igura do
defini t ivo de Jesus Cris to . O cerimonial Eucarís t ico que lhe corre s -
ponde, nas Igrejas Orientais , Angl icana e Catól ica e em outras deno-
minações Cris tãs , é ainda cercado e ornamentado de paramentos, de
utensí l ios e até mesmo de r i tuais aqui inspirados. Sem o seu conhec i-
mento não se vai entendê -los parecendo tudo uma encenação fora de
propósi to , de época e sem sent ido. Principalm ente pelo desconhec i -
mento do Sacri f ício, que será objeto principal e tema central do L ivro
que se es tudará em seguida.
Fonte: www.mundocatol i co.com.br/Bib l ia/curso.htm