a transformação de posseiros em agricultores familiares ... do...prof.ª dr.ª regina beatriz...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE GEOGRAFIA HISTOacuteRIA E DOCUMENTACcedilAtildeO
DEPARTAMENTO DE HISTOacuteRIA PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM HISTOacuteRIA
DISSERTACcedilAtildeO DE MESTRADO
A transformaccedilatildeo de posseiros em agricultores familiares histoacuteria e memoacuteria da reocupaccedilatildeo de
Vila Rica-MT (1980- 2010)
MARIA DO ROSAacuteRIO SOARES LIMA
Cuiabaacute 2016
MARIA DO ROSAacuteRIO SOARES LIMA
A transformaccedilatildeo de posseiros em agricultores familiares histoacuteria e memoacuteria da reocupaccedilatildeo de
Vila Rica-MT (1980- 2010)
Dissertaccedilatildeo de Mestrado apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria da Universidade Federal de Mato Grosso ndash UFMT para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Histoacuteria Sob a orientaccedilatildeo do Prof Dr Joatildeo Carlos Barrozo e Co-orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Regina Beatriz Guimaratildees Neto
Aacuterea de concentraccedilatildeo Linha de pesquisa Territoacuterios Temporalidade e Poder
Cuiabaacute 2016
S676t Soares Lima Maria do Rosaacuterio
A TRANSFORMACcedilAtildeO DE POSSEIROS EM AGRICULTORES FAMILIARES HISTOacuteRIA E MEMOacuteRIA DA REOCUPACcedilAtildeO DE VILA RICA-MT (1980- 2010) Maria do Rosaacuterio Soares Lima -- 2016 179 f
il color 30 cm
Orientador Joatildeo Carlos Barrozo Co-orientador Regina Beatriz Guimaratildees Neto Dissertaccedilatildeo (mestrado) - Universidade Federal de Mato Grosso Instituto de Ciecircncias
Humanas e Sociais Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Cuiabaacute 2016 Inclui bibliografia
1 Histoacuteria 2 Agricultura Familiar 3 Mato Grosso 4 Vila Rica 5 Araguaia I Tiacutetulo
AGRADECIMENTOS
Na realizaccedilatildeo desse trabalho foram muitos os caminhos percorridos muitas
idas e vindas e muitas pessoas encontradas as quais me legaram oacutetimas contribuiccedilotildees
aprendizados e liccedilotildees que foram fundamentais na construccedilatildeo da minha trajetoacuteria
acadecircmica Por isso sou imensamente grata pela a colaboraccedilatildeo direta e indireta dessas
pessoas assim como o apoio das instituiccedilotildees sem as quais certamente eu natildeo teria
conseguido concluiacute-la Manifesto a minha gratidatildeo a todas elas e de forma especial
- Agrave Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) atraveacutes do Programa de
Poacutes Graduaccedilatildeo em Histoacuteria
- Ao meu orientador Professor Joatildeo Carlos Barrozo pela paciecircncia
conhecimento compreensatildeo e amizade na conduccedilatildeo dos trabalhos e na superaccedilatildeo dos
desafios
- Ao professor Joatildeo Ivo Puhl e agrave professora Regina Beatriz (minha co-
orientadora) que participaram das bancas de qualificaccedilatildeo e defesa de dissertaccedilatildeo pelas
importantes contribuiccedilotildees e sugestotildees para melhoria do trabalho
- Aos professores Leandro Rust Renilson Rosa Ribeiro Joanoni Vitale Neto
Joseacute Manuel Marta Osvaldo Machado Filho e a Thaiacutes Leatildeo Oliveira os quais me
possibilitaram boas aprendizagens atraveacutes das disciplinas que ministraram no periacuteodo
em que frequentei as aulas do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria da UFMT
- Aos colegas do mesmo Programa agradeccedilo pelo privileacutegio da convivecircncia
Foi muito bom partilhar conhecimentos e experiecircncias alegrias anguacutestias e materiais
nos ricos debates em sala de aula e tambeacutem nos momentos de descontraccedilatildeo nos
trabalhos em grupo E agradeccedilo em especial agrave Juliana Cristina Rosa uma grande amiga
que o Mestrado me proporcionou Obrigada ldquoJurdquo pelas conversas e pelos trabalhos
produzidos em conjunto
- Agrave Secretaria de Estado de Educaccedilatildeo de Mato Grosso (SeducndashMT) via a
minha unidade de lotaccedilatildeo profissional - Escola Estadual Vila Rica por viabilizar a
minha Licenccedila para a qualificaccedilatildeo profissional
- Aos profissionais da Escola Estadual Vila Rica por compartilharem comigo
os saberes e o exerciacutecio da docecircncia na Educaccedilatildeo Baacutesica Milene Medeiros de Oliveira
Vacircnia Horner Izaildes Cacircndida Aline Flores Raquel Nascimento Franciani
Gaspareto Eduardo Cavalcante Joseacute Adelson Claudete e Deusdeste Vasconcelos
Iraneide Dorcas Diolina Edileusa Maria Joseacute Ceacutelia Maria Vando Cristiana Aragatildeo
Fabiane Rizzardo Iadne Teodoro Wilson Sirino Socorro Gomes Eliezer e os demais
amigos e colegas de trabalho
- Ao Coletivo do Foacuterum Permanente de Debates da Educaccedilatildeo de Jovens e
Adultos ndash Araguaia - Xingu em especial ldquoagraves minhas irmatildes de coraccedilatildeordquo Ceacutelia Ferreira
Edineth Franccedila e Terezinha de Jesus
- Agrave Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat) atraveacutes do Programa
Parceladas e ao Campus Universitaacuterio do Meacutedio Araguaia por permitir que eu
conciliasse as atividades do mestrado com as atividades profissionais
- Aos acadecircmicos do curso de Ciecircncias Sociais- UNEMAT ldquomeus projetos
de cientistas sociaisrdquo sou eternamente grata pelo carinho e apoio que me
proporcionaram A nossa convivecircncia tornou-me uma pessoa melhor
- Aos meus colegas de trabalho da UNEMAT Luis Antonio Barbosa Soares
Neures Batista de Paula Andreacuteia da Silva Feitosa Faacutebio Junio Ribeiro Faacutebio
Bombarda Analucia Ribeiro de Souza Dimas Santana Neves Flaacutevio Luiz de Paula
Jackson Joseacute Carlos de Lima Renata Cristina Diva e Socorro Arauacutejo
- Aos meus familiares (Laura Beatriz Joatildeo Pedro Carlos Augusto Vocirc
Raimundo Abratildeo Edival Edith Elcivam Erivaldo Ivone Lourival Irene Carlos
Pitaacutegoras Dayane Gabriela Milena Sara e Eduardo) E a minha famiacutelia estendida
(Nonato Gracy Edson Flaacutevio Cida Elena Brizola Denilson Lucia Helena e Tunico)
pelo carinho e a solidariedade dedicada aos meus filhos
Aos Agricultores Familiares dos assentamentos rurais (Bom Jesus Satildeo Joseacute
Satildeo Gabriel Ipecirc Itaporatilde do Norte Alvorada Aracati e Santo Antocircnio do Beleza) e aos
movimentos sociais de luta pela terra no Araguaia mato-grossense em especial ao
Sindicato dos Trabalhadores Rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT
Aos meus filhos Laura Beatriz Lima Joatildeo Pedro Lima Bailatildeo e Carlos
Augusto Lima Bailatildeo
Por onde passei plantei a cerca farpada plantei a queimada
Por onde passei plantei a morte matada
Por onde passei matei a tribo calada a roccedila suada a terra esperada
Por onde passei tendo tudo em lei eu plantei o nada
(Pedro Casaldaacuteliga- Confissotildees do latifuacutendio 2006)
RESUMO
Este texto tem como propoacutesito apresentar algumas reflexotildees sobre a formaccedilatildeo dos
assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT atraveacutes da luta pela terra na deacutecada
de 1990 e as posteriores transformaccedilotildees e a na consolidaccedilatildeo da Agricultura Familiar
correlacionada com Poliacuteticas Puacuteblicas como o Pronaf Mas para atingir esse objetivo
foi necessaacuterio analisar como a luta pela terra se deu em todo o espaccedilo do Araguaia
mato-grossense fronteira de expansatildeo nas deacutecadas de 1950 em duas frentes a primeira
foi realizada por empresas colonizadoras que elaboraram projetos e executaram a
construccedilatildeo de cidades e venda das terras dos municiacutepios de Confresa e Vila Rica a
segunda atraveacutes de empresas agropecuaacuterias que se apropriaram de terras e tiveram
acesso agrave incentivos fiscais e recursos de projetos junto agrave Sudam Logo para
compreender como ocorreu a formaccedilatildeo dos assentamentos rurais de Vila Rica-MT foi
preciso analisar a formaccedilatildeo de fazendas e empresas agropecuaacuterias que apoacutes o fim dos
incentivos fiscais se tornaram improdutivas e que seus ldquoproprietaacuteriosrdquo criaram
estrateacutegias de comercializar as terras junto ao INCRA utilizando para isso a forma de
desapropriaccedilatildeo para a formaccedilatildeo de assentamentos rurais Paralelamente os posseiros
em meio agrave luta pela terra adotaram estrateacutegias de reocupaccedilatildeo dessas aacutereas para depois
solicitar junto ao oacutergatildeo competente a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria dos lotes conquistados
Dentro dessa configuraccedilatildeo social o municiacutepio de Vila Rica-MT formou em seu
territoacuterio oito assentamentos rurais dos quais quatro (Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Aracaty e
Ipecirc) tiveram uma anaacutelise mais aprofundada a partir de dados quantitativos coletados
pela Empaer que demonstram algumas tendecircncias sobre as condiccedilotildees de vida renda
produccedilatildeo comercializaccedilatildeo dentre esses posseiros que com a regularizaccedilatildeo da terra e o
acesso ao Pronaf se tornaram agricultores familiares e responsaacuteveis por uma
significativa produccedilatildeo de leite e gado de corte na aacuterea Para compreender toda essa
complexa transformaccedilatildeo foi utilizada fontes documentais e orais que forneceram
elementos para uma anaacutelise sobre esse processo
Palavras-chave Histoacuteria Agricultura Familiar Mato Grosso Vila Rica Araguaia
RESUMEN
Este texto tiene como objetivo presentar un ejercicio de reflexioacuten sobre la formacioacuten de
los Asentamientos Rurales de Vila Rica-MT Estas reflexiones se derivan de una
investigacioacuten en curso denominado reocupacioacuten de tierras en el periacuteodo
contemporaacuteneo en el norte de Araguaia micro-regioacuten en el estado de Mato Grosso
Esta investigacioacuten tuvo como objetivo comprender el proceso de formacioacuten de los
Asentamientos Rurales en el municipio de Vila Rica-MT en el periacuteodo de 1980 a 2015
Habiacutea estudiado la historia de los asentamientos rurales de Vila Rica tambieacuten significa
la comprensioacuten de la historicidad de la lucha por el proceso de la tierra en el estado de
Mato Grosso ya que esta ciudad (Vila Rica) no surge espontaacuteneamente Nacido en un
contexto se produjeron en la regioacuten de Araguaia a la altura del proceso de reocupacioacuten
dos frentes los proyectos agriacutecolas financiados proyectos Sudam y colonizacioacuten
privada lo que dio lugar a la formacioacuten de otros municipios asiacute como Vila Rica como
Confresa Agua Boa y Canarana En este periacuteodo el norte del estado de Mato Grosso
convertido en el objetivo de la inversioacuten de los grupos empresariales del sur y sureste
del paiacutes el estado transferido al sector privado a la funcioacuten para reordenar la nueva
ocupacioacuten de estos espacios A partir de los datos recogidos construir un marco que
permita la identificacioacuten de las diferentes formas de ocupacioacuten y la reocupacioacuten de la
tierra asiacute como los tipos de uso y disentildeo de la funcioacuten de los asentamientos rurales en la
regioacuten de Araguaia Establecer una relacioacuten de este evento con las otras regiones del
estado en relacioacuten con las poliacuteticas de tenencia de la tierra en la ocupacioacuten previa a la
solucioacuten y la presencia de proyectos agriacutecolas la colonizacioacuten privada y asentamientos
rurales El municipio de Vila Rica comenzoacute con los proyectos agriacutecolas luego se
transformoacute en proyecto de colonizacioacuten privada y finalmente creoacute 08 asentamientos
rurales Estos objetivos se exponen en las cadenas de produccioacuten de la regioacuten de los
impactos de las poliacuteticas puacuteblicas implementadas en las deacutecadas 1990-2000 Se hace
hincapieacute en que esta investigacioacuten tambieacuten busca identificar la influencia del Programa
de Fortalecimiento de la Agricultura Familiar (Pronaf) en el desarrollo de los
asentamientos rurales de Villa Rica
Palabras clave Historia reocupacioacuten de tierras en Araguaia Vila Rica-MT
Asentamientos Rurales
LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES
Figura 01 - Mapa de Propaganda da Colonizadora Vila Rica 34
Figura 02 - Folder de propaganda da Colonizadora Vila Rica 38
Figura 03 - Planta ou Protejo Urbaniacutestico da cidade de Vila Rica 40
Figura 04 - Croqui de localizaccedilatildeo das fazendas 53
Figura 05 - Carta do Sindicato dos Trabalhadores de Vila Rica ao INCRA (1990) 69
Figura 06 - Carta da Alemanha 83
Figura 07 - Documento de denuacutencia de ameaccedila de morte de posseiro 86
Figura 08 - Fotografias dos Teacutecnicos da Empaer em visita aos assentamentos rurais 98
Figura 09 - Fotografias da Apresentaccedilatildeo do Programa de Ates 98
Figura 10 - Fotografias de corpos d‟aacutegua e mata ciliar 131
Figura 11- Fotografias das aacutereas de pastagens nos Assentamentos Rurais 132
Figura 12 - Fotografias das Estradas dos Assentamentos Rurais 134
Figura 13 - Croqui do Assentamento Rural Satildeo Joseacute 134
Figura 14 - Croqui do Assentamento Rural Satildeo Gabriel 135
Figura 15 - Croqui do Assentamento Rural Ipecirc 135
Figura 16 - Croqui Assentamento Rural Aracat 136
Figura 17 - Graacutefico com dados da evoluccedilatildeo dos creacuteditos Pronaf 152
Figura 18 - Graacutefico com dados da distribuiccedilatildeo dos creacuteditos Pronaf 152
LISTA DE TABELA
Tabela 1 assentamentos rurais de Vila Rica-MT 66
Tabela 2 Produtos que satildeo destinados a Alimentaccedilatildeo da Famiacutelia 104
Tabela 3 Faixa etaacuteria dos assentados 105
Tabela 4 Escolaridade dos assentados 106
Tabela 5 Presenccedila de energia eleacutetrica nos assentamentos rurais 108
Tabela 6 Fonte de Aacutegua nos assentamentos rurais 109
Tabela 7 Qualidade da aacutegua nos assentamentos rurais 110
Tabela 8 Frequecircncia da realizaccedilatildeo de exames de sauacutede 111
Tabela 9 Acesso aos serviccedilos de sauacutede 111
Tabela 10 Uso do remeacutedio caseiro 112
Tabela 11 Nuacutemero de assentados que declararam morar no assentamento rural 112
Tabela 12 Percentual de participaccedilatildeo da Renda dos assentados 117
Tabela13 Produccedilatildeo agriacutecola (em Kg) 117
Tabela 14 Assentados que praticam Culturas de Subsistecircncia 118
Tabela 15 Tipo de pecuaacuteria explorada por propriedade (famiacutelias) 118
Tabela 16 Frequecircncia do consumo de proteiacutena animal na alimentaccedilatildeo 119
Tabela 17 Dados de produccedilatildeo de leite por nordm de vacas 119
Tabela 18 Nuacutemero de Famiacutelia e Resfriamento do leite 120
Tabela 19 Comercializaccedilatildeo da Produccedilatildeo dos assentamentos 121
Tabela 20 Associativismo no Aracati Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel e Ipecirc 121
Tabela 21 Tipos de preparo do solo por nordm de famiacutelias 124
Tabela 22 Tipos de sementes cultivadas nos assentamentos rurais 124
Tabela 23 Tipos de plantio cultivados nos assentamentos rurais 125
Tabela 24 Tipo de adubaccedilatildeo do solo realizado pelos assentados por famiacutelia 125
Tabela 25 Conservaccedilatildeo do solo (por nuacutemero de Famiacutelias) 126
Tabela 26 Rotaccedilatildeo de Culturas nos assentamentos rurais 126
Tabela 27 Tipo de combate agraves pragas (por nuacutemero de famiacutelias) 127
Tabela 28 Tipo de lavagem triacuteplice de embalagens vazias de agrotoacutexicos 127
Tabela 29 Destino das embalagens de agrotoacutexicos vazias 128
Tabela 30 Tipo de colheita por famiacutelia 128
Tabela 31 Tipo de armazenamento da produccedilatildeo (por nuacutemero de famiacutelia) 129
Tabela 32 Situaccedilatildeo de degradaccedilatildeo de solo nos assentamentos rurais 129
Tabela 33 Existecircncia de nascentes sem proteccedilatildeo (nuacutemero de propriedades) 130
Tabela 34 Existecircncia de degradaccedilatildeo de matas ciliares 130
Tabela 35 Situaccedilatildeo de degradaccedilatildeo das pastagens (por nuacutemero de propriedade) 131
Tabela 36 Uso de fogo no manejo do solo (por propriedade) 132
Tabela 37 Creacutedito Rural - nordm de Famiacutelia 154
Tabela 38 Finalidade do Creacutedito Rural - nordm de Famiacutelias 155
Tabela 39 Tipo de Pronaf por nuacutemero de Famiacutelias 155
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ATER ndash Assistecircncia Teacutecnica e Extensatildeo Rural
Ates ndash Programa de Assessoria Teacutecnica Social e Ambiental agrave Reforma Agraacuteria
Bndes ndash Banco Nacional de Desenvolvimento
CNA ndash Confederaccedilatildeo Nacional da Agricultura
CNBB ndash Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil
CONAB ndash Campanha Nacional de Abastecimento
CONTAG ndash Confederaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores da Agricultura
CPT ndash Comissatildeo Pastoral da Terra
CUT ndash Central Uacutenica dos trabalhadores
DNT ndash Departamento Nacional dos Trabalhadores da CUT
Embrapa ndash Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuaacuteria
Empaer ndash Empresa Mato-Grossense de Pesquisa e Extensatildeo Rural SA
Febraban - Federaccedilatildeo Brasileira de Bancos
Fetag ndash Federaccedilatildeo dos Trabalhadores na Agricultura
Fetraf ndash Federaccedilatildeo dos Trabalhadores e Trabalhadores na Agricultura Familiar
GESTAR ndash Projeto Nacional de Gestatildeo Ambiental Rural
IBGE ndash Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
INCRA ndash Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria
Indea ndash Instituto de Defesa Agropecuaacuteria de Mato Grosso
IPAM ndash Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazocircnia
MAB ndash Movimento dos Atingidos por Barragens
MCP ndash Movimento Camponecircs Popular
MDA ndash Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio
Mercosul ndash Mercado Comum do Sul
MMA ndash Ministeacuterio do Meio Ambiente
MME ndash Ministeacuterio de Minas e Energia
MPA ndash Movimento dos Pequenos Agricultores
MS ndash Ministeacuterio de Sauacutede
MST ndash Movimentos dos Trabalhadores Sem-Terra
OGU ndash Orccedilamento Geral da Uniatildeo
PA ndash Projeto de Assentamento
PAA ndash Programa Nacional de Aquisiccedilatildeo de Alimentos
Pda ndash Plano de Desenvolvimento de Assentamento Rural
PTDRS ndash Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentaacutevel do Territoacuterio Rural
PNAE ndash Programa Nacional de Alimentaccedilatildeo Escolar
PNHR ndash Programa Nacional de Habitaccedilatildeo Rural
PNSIPCF - Poliacutetica Nacional de Sauacutede Integral das Populaccedilotildees do Campo e da Floresta
Pronaf - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Proterra ndash Programa de Redistribuiccedilatildeo de Terras e de Estiacutemulo agrave Agroinduacutestria do
Norte
Provape ndash Programa de Valorizaccedilatildeo da Pequena Produccedilatildeo Rural
Sebrae ndash Serviccedilo Brasileiro de Apoio o Micro e Pequenas Empresas
Senai ndash Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Industrial
Senar ndash Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Rural
Servap ndash Serviccedilo Auxiliares da Agropecuaacuteria
SNCR ndash Sistema Nacional de Credito Rural
STR ndash Sindicato dos Trabalhadores Rurais
Sudam ndash Superintendecircncia de Desenvolvimento da Amazocircnia
SUS ndash Sistema Uacutenico de Sauacutede
UDR ndash Uniatildeo Democraacutetica Ruralista
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 16
1 A QUESTAtildeO AGRAacuteRIA EM MATO GROSSO HISTOacuteRIA OCUPACcedilAtildeO E
REOCUPACcedilAtildeO DO ARAGUAIA MATO-GROSSENSE 24
11 A reocupaccedilatildeo pelas agropecuaacuterias e empresas colonizadoras Anos de 1960 a 1980
27
12 A criaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica-MT 33
121 O papel das instituiccedilotildees e oacutergatildeo puacuteblicos as empresas agropecuaacuterias e a
colonizadora 49
122 A Servap e a abertura das fazendas Promissatildeo Satildeo Marcos Aracatiacute e Porongaba
52
13 Anos de 1980 a 1990 o Araguaia e a formaccedilatildeo dos assentamentos rurais 55
2 MEMOacuteRIAS DA REOCUPACcedilAtildeO HISTORICIZANDO OS
ASSENTSAMENTOS RURAIS DE VILA RICA-MT (1980-2010) 65
21 A transformaccedilatildeo das fazendas agropecuaacuterias em assentamentos rurais atraveacutes da luta
pela terra 65
22 Os assentamentos rurais de Vila Rica ndash MT 71
221 O Assentamento Rural Satildeo Joseacute 73
222 O Assentamento Rural Ipecirc 79
223 O Assentamento Rural Aracati 82
224 O Assentamento Rural Satildeo Gabriel 84
225 O Assentamento Rural Itaporatilde do Norte 86
226 O Assentamento Rural Bom Jesus 87
227 O Assentamento Rural Santo Antocircnio do Beleza 93
228 O Assentamento Rural Alvorada 94
Consideraccedilotildees gerais sobre os assentamentos de Vila Rica-MT 95
3 SITUACcedilAtildeO SOCIOECONOcircMICA DOS ASSENTAMENTOS SAtildeO JOSEacute SAtildeO
GABRIEL IPEcirc E ARACATI (2006-2010) 97
31 Os assentamentos rurais na perspectiva do Projeto de Assessoria Teacutecnica Social e
Ambiental agrave Reforma Agraacuteria ndash Ates 99
32 O perfil dos assentados gecircnero idade e escolaridade 101
321 Diferenciaccedilatildeo de Gecircneros predominacircncia masculina e papel da mulher 102
322 Perfil etaacuterio indicadores de uma populaccedilatildeo envelhecida 104
323 Perfil de escolaridade dos assentados 106
33 As Condiccedilotildees de vida nos assentamentos rurais luz eleacutetrica aacutegua sauacutede moradia e
infraestrutura 107
331 Energia Eleacutetrica 108
332 Aacutegua 108
333 Sauacutede 110
334 Moradia 112
335 Infraestrutura equipamentos e Tecnologias 113
34 A Produccedilatildeo a renda comercializaccedilatildeo e circulaccedilatildeo da Agricultura Familiar 116
341 A renda nos quatro Projetos de assentamentos rurais de Vila Rica-MT 116
342 Atividades Agriacutecolas a produccedilatildeo econocircmica e a de subsistecircncia 117
343 Pecuaacuteria e criaccedilatildeo de pequenos animais 118
344 Comercializaccedilatildeo e Associativismo 120
35 Teacutecnicas e niacutevel tecnoloacutegico dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e
Aracati 123
351 Teacutecnicas de uso do Solo plantio combate de pragas colheita 124
36 A questatildeo ambiental nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT 129
37 Algumas consideraccedilotildees sobre os impactos de poliacuteticas puacuteblicas nos assentamentos
Satildeo Joseacute satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati 133
4 AS POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS NOS ASSENTAMENTOS SAtildeO JOSEacute SAtildeO
GRABRIEL IPEcirc E ARACATI 139
41 O debate sobre o Pronaf 139
42 O papel dos Movimentos sociais na criaccedilatildeo do Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar na deacutecada de 1990 143
43 O Pronaf e seus objetivos 146
44 O Pronaf no Araguaia mato-grossense 148
45 O Pronaf nos assentamentos Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati 154
46 Outras Poliacuteticas Puacuteblicas nos assentamentos Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati 155
461 Programa Luz para todos 156
462 Arco Verde questatildeo ambiental 158
463 Programa Balde Cheio 160
464 Programas de Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional e Teacutecnica do assentado 162
465 Programa de Sauacutede no Campo 167
466 Programa Nacional de Habitaccedilatildeo 169
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 172
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 175
16
INTRODUCcedilAtildeO
Em tempos diversos muitas foram as razotildees que moveram pesquisadores na
aacuterea da histoacuteria a desenvolver estudos em torno de questotildees fundamentais para
compreensatildeo do homem no tempo e suas formas de organizaccedilatildeo as quais se aproximam
e se distanciam no tocante a suas formas de abranger fenocircmenos que circularam em um
ou outro grupo social este ou aquele projeto de sociedade Em suas entranhas as
relaccedilotildees de forccedilas estabelecidas para sua fundaccedilatildeo consolidaccedilatildeo e transformaccedilatildeo
pendulando do individual ao coletivo do solitaacuterio ao solidaacuterio em uma complexa teia
ancorada em seus atores sociais e respectivos projetos de vida O mundo rural apresenta
diversidades e especificidades que igualmente moveram pesquisas e reflexotildees
historiograacuteficas No entanto tratando-se de assentamentos rurais no periacuteodo poacutes 1964
satildeo poucos os estudos historiograacuteficos que abordam esse tipo de organizaccedilatildeo social e
poliacutetica atraveacutes de estudos de caso
Diante dessa carecircncia historiograacutefica sobre a temaacutetica a presente pesquisa
teve por objetivo principal a compreensatildeo da formaccedilatildeo e o processo de
desenvolvimento dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT A partir
desse estudo foi possiacutevel identificar que a luta pela terra implementada pelos atores
sociais na condiccedilatildeo de colonos posseiros atrelada agrave regularizaccedilatildeo fundiaacuteria e ao acesso
agraves poliacuteticas puacuteblicas como eacute o caso do Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (Pronaf) possibilitou a transformaccedilatildeo dos mesmos em agricultores
familiares
Para tanto foi problematizado o papel e a atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees e oacutergatildeos
puacuteblicos como o Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (INCRA) o
Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio (MDA) o Banco do Brasil (BB) a Empresa
Mato-grossense de Pesquisa e Extensatildeo Rural SA (Empaer) e a Prefeitura Municipal de
Vila Rica aleacutem de movimentos sociais da sociedade civil como o Sindicato dos
Trabalhadores Rurais (STR) de Vila Rica-MT dada a importacircncia do seu envolvimento
Destacamos em particular a Comissatildeo Pastoral da Terra (CPT) a Prelazia de Satildeo Feacutelix
do Araguaia o Sindicato dos Trabalhadores Rurais e as Associaccedilotildees de Pequenos
Produtores Rurais Consideramos que para intensificar a anaacutelise foi necessaacuterio abordar
as accedilotildees e estrateacutegias dos atores sociais envolvidos na luta pela terra especialmente nos
17
momentos de adaptaccedilatildeo ou utilizaccedilatildeo de tais oacutergatildeos e instituiccedilotildees para cumprir seus
objetivos o acesso e a permanecircncia na terra
Natildeo temos a pretensatildeo de esgotar o assunto tampouco construir teses
aligeiradas sobre as comunidades e grupos sociais formados no municiacutepio de Vila Rica-
MT mas sim na trilha da anaacutelise soacutecio-histoacuterica compreender a formaccedilatildeo e o processo
de desenvolvimento dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT
problematizando o papel e a atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees e entidades da sociedade civil
aleacutem dos oacutergatildeos puacuteblicos
Gostariacuteamos de esclarecer que as anaacutelises partem de uma posiccedilatildeo social de
moradora educadora e participante de movimentos sociais do Araguaia O
conhecimento empiacuterico dos problemas locais permitiu a formulaccedilatildeo de questotildees
fundamentadas em aspectos pouco estudados assim como perceber a necessidade de a
populaccedilatildeo formular reflexotildees sobre os assentamentos rurais e a Agricultura Familiar
num contexto onde existe um evidente avanccedilo da agricultura moderna e do agronegoacutecio
Com base em algumas experiecircncias vividas elaboramos questotildees
consideradas como significativas para problematizar as condiccedilotildees e circunstacircncias sob
as quais se deram a formaccedilatildeo e a consolidaccedilatildeo dos assentamentos rurais em Vila Rica-
MT As questotildees norteadoras foram Como ocorreu o processo de formaccedilatildeo dos
assentamentos rurais no municiacutepio de Vila Rica-MT Quais foram as estrateacutegias de
resistecircncia e articulaccedilatildeo utilizadas nas lutas pela terra pelos ldquoposseirosrdquo no processo de
formaccedilatildeo desses assentamentos rurais Como os posseiros se transformaram em
agricultores familiares e qual foi o papel do Pronaf nesse processo Quais satildeo as outras
Poliacuteticas Puacuteblicas adotadas que contribuiacuteram para a permanecircncia desses atores sociais
na terra
A partir dessas questotildees adotamos diferentes procedimentos metodoloacutegicos
tendo por base o uso de fontes escritas imageacuteticas e orais Primeiramente se buscou
fontes que permitissem analisar a atuaccedilatildeo da Associaccedilatildeo Sindical dos Posseiros
(Sindicato dos Trabalhadores Rurais) e da Conferecircncia Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB) via CPT da circunscriccedilatildeo eclesiaacutestica ndash Prelazia de Satildeo Feacutelix do Araguaia os
quais foram fundamentais na intermediaccedilatildeo com os oacutergatildeos puacuteblicos na defesa da vida e
do projeto dos ldquoposseirosrdquo pois aleacutem de fazer frente aos conflitos e ameaccedilas de morte
vivenciada na luta pela terra empreenderam accedilotildees poliacutetica em defesa da proposta de
18
Reforma Agraacuteria Eis a razatildeo pela qual dedicamos esforccedilos no sentido de analisar como
tais entidades articularam mobilizaccedilotildees e empreenderam accedilotildees para que os
trabalhadores rurais pudessem pleitear e conquistar as condiccedilotildees necessaacuterias para a
sobrevivecircncia e o fortalecimento dos assentamentos rurais
Ressaltamos que os contextos e as fontes utilizadas para a construccedilatildeo desta
narrativa histoacuterica pautada no processo de implantaccedilatildeo dos assentamentos rurais satildeo
muacuteltiplas dada a complexidade dos elementos narrativos muitos dos quais satildeo
divergentes e ateacute mesmo contraditoacuterios Tal constataccedilatildeo se deve ao envolvimento de
atores histoacutericos com diferentes concepccedilotildees relativas agrave funccedilatildeo e aos modos de usos da
terra uma vez que os ldquoposseirosrdquo tecircm diferenciaccedilotildees sociais entre si e os objetivos da
posse da terra natildeo satildeo uacutenicos podendo ser tanto o uso da terra para ldquomorar e plantarrdquo
dentro da concepccedilatildeo claacutessica da Conferecircncia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
quanto para apenas morar e criar gado sem produccedilatildeo agriacutecola ou apenas morar e
trabalhar fora da aacuterea da posse Em casos mais extremos o posseiro aluga ou ldquovende o
direitordquo do lote conquistado mas esse fato natildeo pode ser analisado de forma mecacircnica
sem problematizaccedilatildeo nos interessa tambeacutem compreender o que faz com que um
posseiro natildeo permaneccedila na terra
Diante dessa situaccedilatildeo satildeo muacuteltiplas as respostas desde a simples intenccedilatildeo de
comercializaccedilatildeo e especulaccedilatildeo fundiaacuteria como a falta de Poliacuteticas Puacuteblicas e de boas
condiccedilotildees de educaccedilatildeo e qualidade de vida Tais explicaccedilotildees atreladas a outras
motivaccedilotildees resultam num constante esvaziamento da populaccedilatildeo jovem das aacutereas rurais
em busca de educaccedilatildeo trabalho e oportunidades nos centros urbanos Tambeacutem a
populaccedilatildeo envelhecida deixa os assentamentos em busca de assistecircncia na aacuterea de sauacutede
e cuidados oferecidos pela famiacutelia Toda essa situaccedilatildeo complexa explica os elementos
fundamentais para entender a falta de sucessatildeo familiar e o envelhecimento da
populaccedilatildeo rural sobretudo em aacutereas de assentamentos
Tendo em vista a temaacutetica de permanecircncia na terra as entrevistas permitiram
compreender o motivo de os posseiros comercializarem ou natildeo suas terras e de fazer
diferentes usos dela tanto para a agricultura quanto para a pecuaacuteria
Tambeacutem na formaccedilatildeo dos assentamentos rurais diferentes concepccedilotildees
aparecem nas anaacutelises das fontes orais obtidas em entrevistas com os primeiros
moradores e o colonizador de Vila Rica-MT que trouxe a memoacuteria e a narrativa oficial
19
sobre a criaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo do municiacutepio Consideramos como narrativa oficial a
produccedilatildeo de livros panfletos informaccedilotildees de sites da Prefeitura Municipal que em
geral satildeo utilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) Cidades
aleacutem de material publicitaacuterio produzido em datas comemorativas onde satildeo exaltadas as
figuras dos ldquopioneirosrdquo e ldquoempreendedoresrdquo
Por outro lado para ampliar o diaacutelogo obtivemos os relatos orais de
assentados posseiros agricultores familiares e representantes de instituiccedilotildees de
entidades da sociedade civil e dos movimentos sociais os quais foram analisados em
conjunto com a bibliografia sobre a Questatildeo Agraacuteria e reocupaccedilatildeo do Araguaia aleacutem da
utilizaccedilatildeo de fontes escritas e imageacuteticas mas tambeacutem de dados oficiais que nos
possibilitaram a compreensatildeo de maneira ampliada das circunstacircncias de produccedilatildeo
histoacuterica de um grupo social diferenciado das terras do Araguaia
Tecendo a narrativa consideramos que o estudo sobre a formaccedilatildeo dos
assentamentos rurais de Vila Rica-MT pode ser analisado na produccedilatildeo historiograacutefica
de micro-historiadores onde se exige ldquo[] um trabalho de contextualizaccedilatildeo muacuteltipla em
que cada ator histoacuterico participa de maneira proacutexima ou distante de processos ndash e de
niacuteveis variaacuteveis do mais local ao mais globalrdquo conforme Revel (1998 p 28) o qual
rompe com a dicotomia entre a histoacuteria local e a histoacuteria global entendendo que a
experiecircncia de um agente social de um grupo de um espaccedilo particular permite perceber
uma modulaccedilatildeo especiacutefica da histoacuteria global
Nossa narrativa possibilita refletir sobre o ofiacutecio do historiador tomando
como referecircncia a importacircncia dos discursos construiacutedos a partir do objeto em estudo
Sobretudo no que tange aos artifiacutecios utilizados para a produccedilatildeo de anaacutelises das fontes
Escreve Bloch (2002 p 68) ldquo[] uma ciecircncia natildeo se define apenas por seu objeto
Seus limites podem ser fixados tambeacutem pela natureza proacutepria dos seus meacutetodosrdquo
Nesse particular Moraes (2000) e Guimaratildees Neto (2014) alertam sobre a
necessidade de articular as fontes orais com sua competecircncia e habilidade
reorganizando os conceitos que serviratildeo de subsiacutedios agrave construccedilatildeo das anaacutelises a partir
da leitura e do cruzamento com outras tipologias de fontes
Portanto as fontes natildeo satildeo tratadas aqui como mananciais de ldquoverdaderdquo uma
vez que tomadas como fragmentos do acontecimento e enquanto resultado de memoacuterias
e narrativas sujeitas agrave seleccedilatildeo fragmentaccedilatildeo silenciamentos e esquecimentos As
20
concepccedilotildees trazidas por Pollak (1990) e Ricoeur (2007) implicam em serem avaliadas
e inseridas na conjuntura que gera a produccedilatildeo de sentidos e significados para a
historiografia
Ao privilegiar a analise dos excluiacutedos dos marginalizados e das
minorias a histoacuteria oral ressaltou a importacircncia de memoacuterias
subterracircneas que como parte integrante das culturas
minoritaacuterias e dominadas se opotildeem agrave Memoacuteria oficial no
caso a memoacuteria nacional Num primeiro momento essa
abordagem faz da empatia com os grupos dominados estudados
uma regra metodoloacutegica e reabilita a periferia e a
marginalidade [] A memoacuteria entra em disputa Os objetos de
pesquisa satildeo escolhidos de preferecircncia onde existe conflito e
competiccedilatildeo entre memoacuterias concorrentes (POLLAK 1989 p
3)
Com base nessa problematizaccedilatildeo sobre a Histoacuteria Oral e sua opccedilatildeo
metodoloacutegica e poliacutetica natildeo perdemos de vista que essa perspectiva eacute uma oposiccedilatildeo
agravequela produccedilatildeo historiograacutefica sobretudo a partir do Seacuteculo XIX quando se concebeu
a histoacuteria como a ciecircncia que estuda o passado que investiga os acontecimentos
longiacutenquos da contemporaneidade de forma que natildeo haja testemunhas vivas que
tenham vivenciado os acontecimentos Poreacutem a percepccedilatildeo da histoacuteria enquanto a
ciecircncia que ldquoestuda o passado para entender o presenterdquo permaneceu de forma muito
viva no entendimento social tornando problemaacutetica a anaacutelise do tempo presente como
objeto de estudo do historiador sob a oacutetica da historiografia e da proacutepria sociedade
contemporacircnea
Aproximamos nossas reflexotildees da anaacutelise de acontecimentos do presente ou
bem proacuteximas a este por entender que a proximidade natildeo produz quaisquer
impedimentos quanto agraves anaacutelises no acircmbito da ciecircncia histoacuterica Mesmo que essas
questotildees jaacute tenham algumas deacutecadas de discussotildees no Brasil tais estudos ainda satildeo
muito recentes carecendo de definiccedilotildees mais consistentes que possam do ponto de
visto teoacuterico e metodoloacutegico responder algumas perguntas que se apresentam quanto agrave
validade deste marco temporal da historiografia denominada como histoacuteria do tempo
presente
Segundo Guimaratildees Neto (2014 p 35) vaacuterios historiadores apresentam
significados complexos em relaccedilatildeo agrave questatildeo do tempo presente com destaque para
Koselleck (2006) que assegura que esse conceito tem sofrido alteraccedilotildees ao longo do
21
tempo ldquo[] Contrariamente agraves pretensotildees generalizadoras e naturalizaccedilotildees de toda
sorte a denominaccedilatildeo bdquotempo presente‟ nos escapa entre os dedos e eacute de difiacutecil
apreensatildeordquo Tal denominaccedilatildeo se transforma troca de conteuacutedo experimenta novas
formas de ldquoser presenterdquo Agrave luz da interpretaccedilatildeo de Guimaratildees Neto eacute possiacutevel afirmar
que a circulaccedilatildeo entre os novos e os velhos significados produz a ldquoconcreccedilatildeo e a
materializaccedilatildeo de um conceito novordquo (GUIMARAtildeES NETO 2014 p 35)
Todavia somos convidados a problematizar o que seria uma histoacuteria do
tempo presente suas peculiaridades especificidades limites e contribuiccedilotildees Nessa
acepccedilatildeo Guimaratildees Neto (2014 p 37) pondera ainda que
Situados cada vez mais no acircmbito desse debate muitos
historiadores operam com uma concepccedilatildeo de passado que natildeo
se situa ldquofora do presenterdquo na perspectiva pensada por
Koselleck ao afirmar que todas as histoacuterias satildeo histoacuterias do
tempo presente (vistas no presente que se dissolve eou no
presente que condensa) entendendo que isso tambeacutem
significa imprimir uma dimensatildeo mais dilatada agrave histoacuteria do
tempo presente A discussatildeo historiograacutefica que contempla as
interseccedilotildees metodoloacutegicas dessa problemaacutetica natildeo se ateacutem
apenas agrave noccedilatildeo da presenccedila incorporada do futuropassado no
presente Mas remete agrave reflexatildeo acerca das relaccedilotildees que se
estabelecem entre presente e futuro presente e passado e
especialmente ldquocomordquo essas proacuteprias relaccedilotildees se constituem
As relaccedilotildees suscitadas por todo esse conjunto de anaacutelises levam
tambeacutem a debater uma concepccedilatildeo de contemporaneidade
avaliando- a na perspectiva do entrelaccedilamento que se deve
estabelecer entre as dimensotildees sincrocircnica e diacrocircnica do tempo
histoacuterico
Ao tomarmos o vieacutes explicativo de um fenocircmeno presente analisando uma
sociedade viva os processos de organizaccedilatildeo dos assentamentos rurais no municiacutepio de
Vila Rica-MT e as relaccedilotildees estabelecidas com os sindicatos e demais organizaccedilotildees
sociais puacuteblicas e privadas pensamos corroborar com a produccedilatildeo da profissatildeo do
historiador um tempo intercalado de relaccedilotildees passado-presente pautando com os
rigores necessaacuterios na anaacutelise dos documentos histoacutericos como fonte
Em relaccedilatildeo agrave definiccedilatildeo de fonte histoacuterica pontuamos a concepccedilatildeo contida em
Silva amp Silva (2009 p 158)
[] o termo mais claacutessico para conceituar a fonte histoacuterica eacute
documento Palavra no entanto que devido agraves concepccedilotildees da
escola metoacutedica ou positivista estaacute atrelada a uma gama de
22
ideias preconcebidas significando natildeo apenas o registro escrito
mas principalmente o registro oficial
Igualmente afianccedilamos no presente trabalho a busca pela ampliaccedilatildeo das
lentes historiograacuteficas sobre os documentos bem como dos atores sociais visto que natildeo
mais limitado ao citadino mas agora revelando os assentamentos rurais e sua
organizaccedilatildeo condiccedilotildees de vida razotildees de luta ateacute entatildeo ignorados pelas paacuteginas dos
anais oficiais do natildeo dito invisiacutevel tornando visiacutevel verificaacutevel analisaacutevel e
mensuraacutevel
[] O alargamento daquilo que se entendia como documento
ocorreu de maneira qualitativa e quantitativa segundo nos
aponta Le Goff 1984 A memoacuteria coletiva e a histoacuteria passaram
a natildeo cristalizar o seu interesse apenas nos grandes homens nos
grandes acontecimentos na histoacuteria poliacutetica diplomaacutetica e
militar Todos os homens tornaram-se interesse da histoacuteria os
documentos foram ampliados a capacidade de trabalho e o
espiacuterito do historiador foram inovados (BARROS 2013 p 1)
A partir dessa problematizaccedilatildeo teoacuterica e metodoloacutegica foi possiacutevel situar o
objeto desta pesquisa dentro do escopo da histoacuteria do tempo presente Conforme
Delgado e Ferreira (2014 p10-11) a ldquoquestatildeo da terra e das poliacuteticas fundiaacuteriardquo
constituem objeto legiacutetimo dessa perspectiva Ademais destacando a posiccedilatildeo de
Guimaratildees Neto (2014) reforccedilamos que o foco analiacutetico satildeo os ldquoconflitos referentes agrave
questatildeo da terra e das poliacuteticas governamentais em especial as fundiaacuteriasrdquo
Adotando essa perspectiva analiacutetica as questotildees foram levantadas e
analisadas ao longo de quatro capiacutetulos sendo que o primeiro teve como objetivo
apresentar uma discussatildeo sobre a Questatildeo Agraacuteria em Mato Grosso sobretudo no
espaccedilo do Araguaia construiacutedo atraveacutes das pesquisas jaacute existentes inseridas no marco
temporal das deacutecadas de 1960 e 1970 Destacamos as caracteriacutesticas do processo de
reocupaccedilatildeo1 pelas agropecuaacuterias e colonizadoras e nas deacutecadas de 1980 a 1990 quando
nesse espaccedilo se constituiacuteram e se formaram os assentamentos rurais Ademais foi
analisado o processo de colonizaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica-MT
1 A concepccedilatildeo de Reocupaccedilatildeo embute uma concepccedilatildeo de que um determinado territoacuterio ou terra
natildeo era um espaccedilo vazio no qual havia presenccedila de povos tradicionais (indiacutegenas ribeirinhos
sertanejos seringueiros quilombolas) posseiros Na presente pesquisa usaremos e
problematizaremos essa noccedilatildeo de modo mais elaborado no primeiro capiacutetulo
23
O segundo capiacutetulo trata das configuraccedilotildees e modos de uso poliacutetico dos
espaccedilos na formaccedilatildeo dos assentamentos rurais bem como a luta pela regularizaccedilatildeo
fundiaacuteria dos 8 (oito) assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT
O terceiro capiacutetulo analisa os aspectos socioeconocircmicos da Agricultura
Familiar em Vila Rica-MT a partir dos resultados de uma pesquisa desenvolvida pela
Empaer (2009) junto aos assentamentos rurais de Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati
Tal pesquisa teve como objetivo principal explicar a realizaccedilatildeo dos Planos de
Desenvolvimento dos assentamentos rurais via projeto implementado pelo INCRA
E por fim no quarto capiacutetulo fizemos uma apresentaccedilatildeo das principais
Poliacuteticas Puacuteblicas integradas ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar como eacute o caso dos Programas Luz para Todos Arco Verde Balde Cheio
Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional e Teacutecnica do Assentado Sauacutede e Habitaccedilatildeo Rural
Trata-se tambeacutem do papel dos movimentos sociais do campo na implementaccedilatildeo dessas
poliacuteticas puacuteblicas frente agrave necessidade de serem criadas condiccedilotildees baacutesicas para a
permanecircncia dos agricultores familiares no campo uma vez que os assentamentos rurais
natildeo se formaram apenas pelo ato de regularizaccedilatildeo e acesso ao sistema de creacutedito
24
1 A QUESTAtildeO AGRAacuteRIA EM MATO GROSSO HISTOacuteRIA MEMORIAS
OCUPACcedilAtildeO E REOCUPACcedilAtildeO DO ARAGUAIA MATO-GROSSENSE
A proposta deste capiacutetulo inicial eacute fazer uma reconstituiccedilatildeo do processo de
reocupaccedilatildeo a partir da deacutecada de 1970 do espaccedilo Araguaia mato-grossense
denominado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) como
ldquomicrorregiatildeo Norte Araguaia do Estado de Mato Grossordquo Fazem parte desta
microrregiatildeo os municiacutepios de Bom Jesus do Araguaia Confresa Serra Nova Dourada
Novo Santo Antocircnio Alto da Boa Vista Satildeo Felix do Araguaia Luciara Ribeiratildeo
Cascalheira Santa Terezinha Vila Rica- MT Porto Alegre do Norte Canabrava Satildeo
Joseacute do Xingu e Santa Cruz do Xingu
No entanto eacute importante ressaltar que a denominaccedilatildeo ldquomicrorregiatildeo Norte
Araguaiardquo utilizada ao longo do texto possui complicadores em sua concepccedilatildeo ligada agrave
ideia de regiatildeo Eacute sabido que a definiccedilatildeo de regiatildeo concebida pelo IBGE eacute uma
imposiccedilatildeo de delimitaccedilatildeo juriacutedico-administrativa a qual conforme Bourdieu (2008) por
ter sido construiacuteda por meio do uso do Poder Estatal atribuiu uma visatildeo social atraveacutes
da divisatildeo e construccedilatildeo da unidade e da identidade entre os grupos Natildeo se constituiu
numa demarcaccedilatildeo com base em criteacuterios de homogeneidade da natureza de forma que
sejam respeitadas as diversidades e especificidades de grupos culturais
Albuquerque Juacutenior (2008) chama a atenccedilatildeo pela pouca importacircncia dada agrave
discussatildeo e compreensatildeo dos espaccedilos no desenvolvimento de estudos de cunho
historiograacutefico onde a regiatildeo passa a existir como um fenocircmeno da realidade que natildeo
carece de anaacutelises ou de problematizaccedilatildeo Ou seja natildeo haacute preocupaccedilatildeo com a
construccedilatildeo histoacuterica da concepccedilatildeo da regiatildeo que eacute analisada ldquo[] ora como um recorte
dado pela natureza ora como um recorte poliacutetico-administrativo ora como um recorte
cultural mas que parece natildeo ser fruto de um dado processo histoacutericordquo
(ALBUQUERQUE JUacuteNIOR 2008 p 57) Logo a regiatildeo eacute tida apenas como um
fenocircmeno precedente ldquoretalhordquo do espaccedilo constituiacutedo naturalmente um paracircmetro de
construccedilatildeo de identidade existente por si soacute
Problematizando a noccedilatildeo de regiatildeo delimitada por fronteiras juriacutedico-
administrativas Bourdieu (2008 p 115) afirma
25
A fronteira esse produto de um ato juriacutedico de delimitaccedilatildeo
produz a diferenccedila cultural do mesmo modo que eacute produto
desta basta pensar na accedilatildeo do sistema escolar em mateacuteria de
liacutengua para ver que a vontade poliacutetica pode desfazer o que a
histoacuteria tinha feito
Assim o autor problematiza o conceito de regiatildeo atraveacutes da diversidade da
liacutengua quando muitas vezes as delimitaccedilotildees satildeo estabelecidas sem levar em
consideraccedilatildeo as diferenccedilas culturais dos grupos eacutetnicos que convivem em um espaccedilo
uacutenico Um exemplo eacute a delimitaccedilatildeo territorial dos Estados Naccedilatildeo que como na Itaacutelia e
Alemanha englobam dentro de um mesmo territoacuterio considerado ldquohomogecircneo
culturalmenterdquo atraveacutes de uma liacutengua com diferentes leacutexicos e dialetos Eacute sabido que
atraveacutes da linguagem se reforccedila fixa e viabiliza os elementos de controle impostos
pelas classes dominantes uma vez que nem os proacuteprios intelectuais satildeo neutros em
produccedilotildees jaacute que estatildeo agindo dentro de um padratildeo que atende ou contraria interesses
dos grupos que exercem o poder na sociedade
Bourdieu (2008) afirma que os diferentes saberes satildeo produzidos sob o efeito
das relaccedilotildees de poder onde as disputas entre as ciecircncias pelo direito de qualificar a
regiatildeo satildeo ao mesmo tempo uma forma de disputa pelo poder Na concepccedilatildeo do autor
regiatildeo eacute uma construccedilatildeo simboacutelica resultante das disputas de diferentes aacutereas do
conhecimento pelo poder na definiccedilatildeo dos limites e sentidos a serem conferidos a uma
regiatildeo Ainda de acordo com Bourdieu (2008) a regiatildeo enquanto objeto de estudo eacute
constituiacuteda por um intenso debate que coloca em oposiccedilatildeo geoacutegrafos economistas
etnoacutelogos socioacutelogos e historiadores Essas categorias constituiacutedas no campo da ciecircncia
querem cada uma ao seu modo atribuir criteacuterios para delimitar uma regiatildeo
Portanto podemos dizer que esses debates existentes em torno da concepccedilatildeo
de regiatildeo tecircm oferecido subsiacutedio importante para a historiografia construir uma noccedilatildeo
de regiatildeo embora sinalizem para o sentido da inexistecircncia de consenso Ainda segundo
Bourdieu (2012) eacute nas relaccedilotildees de poder estabelecidas na sociedade a partir do plano
econocircmico que se formam as definiccedilotildees e delimitaccedilotildees de fronteiras que
evidentemente satildeo construiacutedas utilizando tambeacutem o poder simboacutelico como a proacutepria
noccedilatildeo de regiatildeo
Albuquerque Juacutenior (208 p 61) pondera que
26
A regiatildeo eacute ao mesmo tempo um dispositivo de forccedila e saberes
que aparece como externo aos sujeitos que a eles se impotildee de
fora que os limita e ateacute cerceia Eacute uma estrutura no sentido levi-
straussiano um mito que eacute vivido praticado e materializado
uma narrativa que se encarna o que acostumamos chamar de
interior dos sujeitos A regiatildeo eacute uma dobra do social que vem
constituir as subjetividades regionalistas em sua investigaccedilatildeo A
regiatildeo eacute tambeacutem modo de pensar modos de querer modos de
falar modos de gostar modos de preferir modos de amar
modos de desejar modos de mar modos de desejar modos de
olhar de escutar de cheirar de sentir sabor e de sentir dor A
regiatildeo de se expressa em jeitos de corpos em gestos em modos
de vestir de alimentar de beber de danccedila de se pocircr de peacute ou de
sentar A regiatildeo ao ser subjetivada ao ser encarnada ela
conformaraacute os corpos e os processos subjetivos
Compreender os diferentes significados e sentidos em relaccedilatildeo aos usos do
espaccedilo significa tambeacutem compreender o papel dos diferentes sujeitos no vieacutes da
historiografia seguindo a concepccedilatildeo de Certeau (2000) segundo o qual ao produzir a
historiografia o pesquisador estabelece seus criteacuterios de escolha os quais remetem
sempre aos diferentes contextos onde estaacute inserido sejam eles no acircmbito social cultural
ou econocircmico e tambeacutem ao proacuteprio interesse do pesquisador pois eacute ele quem escolhe o
que teraacute visibilidade e o que seraacute oculto no texto historiograacutefico
Ainda de acordo com o mesmo autor eacute possiacutevel acreditar que natildeo haacute
neutralidade na escrita historiograacutefica na medida em que sempre haveraacute o peso da
posiccedilatildeo do sujeito vinculado agrave instituiccedilatildeo e o lugar social e cultural ocupado pelo
indiviacuteduo porque a produccedilatildeo da escrita natildeo eacute algo individualizado mas sim constituiacutedo
na coletividade
Dessa forma a ideia construiacuteda acerca do texto historiograacutefico eacute resultado das
escolhas de quem a produz e estatildeo articuladas ao meio social econocircmico e cultural em
que se insere o pesquisador Logo a intenccedilatildeo da pesquisa nasce do desejo de descobrir
o que natildeo estaacute compreendido eacute a busca das indagaccedilotildees intrinsecamente vinculadas agrave
proacutepria trajetoacuteria de vida e no fazer acadecircmico do sujeito pesquisador (CERTEAU
2000)
Diante dessa problematizaccedilatildeo sobre o uso do conceito de regiatildeo e sua relaccedilatildeo
com a condiccedilatildeo de produccedilatildeo em que estaacute inserido o sujeito pesquisador fica evidente
que a ldquomicrorregiatildeordquo Norte Araguaia eacute uma visatildeo simplista e homogeneizadora que
natildeo evidencia as diferenccedilas naturais sociais e culturais existentes nesse espaccedilo O uso
27
indiscriminado de Regiatildeo Araguaia leva a noccedilotildees preconceituosas como a expressatildeo
utilizada por poliacuteticos e moradores de que se trata do ldquoVale dos Esquecidosrdquo
Ressalta-se que estudar a histoacuteria de Vila Rica-MT significa tambeacutem
compreender parte da histoacuteria do estado de Mato Grosso pois este municiacutepio natildeo surgiu
enquanto fenocircmeno isolado mas foi formado em um contexto ocorrido no Araguaia no
auge do processo de reocupaccedilatildeo de terras que se deu por duas frentes a primeira a dos
projetos agropecuaacuterios financiados pela Superintendecircncia de Desenvolvimento da
Amazocircnia (Sudam) e a segunda dos projetos de colonizaccedilatildeo privada que resultaram na
formaccedilatildeo dos municiacutepios de Confresa Vila Rica Aacutegua Boa e Canarana
Justamente por essa razatildeo a expressatildeo reocupaccedilatildeo da terra eacute recorrente no
presente texto A formaccedilatildeo de cidades natildeo resulta de algo natural ou um projeto de
ocupaccedilatildeo de terras ldquovaziasrdquo Para marcar a leitura que fazemos sobre o Araguaia eacute
preciso consideraacute-lo como um territoacuterio que jaacute estava ocupado por povos indiacutegenas
ribeirinhos ou sertanejos que viviam no espaccedilo anteriormente ao processo de
implantaccedilatildeo das poliacuteticas de desenvolvimento da Amazocircnia e a concretizaccedilatildeo dessas
duas frentes sobretudo na deacutecada de 1970
11 A reocupaccedilatildeo pelas agropecuaacuterias e empresas colonizadoras Anos de 1960 a
1980
Nas deacutecadas de 1960 a 1980 o norte do estado de Mato Grosso considerado
parte da ldquoAmazocircnia Legalrdquo tornou-se alvo de investimentos de grupos empresariais do
Sul e Sudeste do Brasil Os Governos de Mato Grosso desde a deacutecada de 1960
passaram a comercializar terras ldquotidas como devolutasrdquo como importante fonte de
arrecadaccedilatildeo para o Estado Neste contexto Mato Grosso seguindo a normativa do
Estatuto da Terra repassou para a iniciativa privada a funccedilatildeo de reordenar a ocupaccedilatildeo
destes espaccedilos atraveacutes da colonizaccedilatildeo privada2 Sobre a questatildeo Guimaratildees Neto
(2002 p 20) afirma que
2 Sobre este assunto ver GUIMARAtildeES NETO Regina Beatriz A Lenda do Ouro Verde Poliacutetica
de colonizaccedilatildeo no Brasil contemporacircneo Cuiabaacute UNICEN 2002
28
[] as empresas agropecuaacuterias comandadas em grande parte
por multinacionais [] jaacute vinham dominando este espaccedilo
especialmente apoacutes meados do seacuteculo vinte quando
intensificaram seu poder de accedilatildeo Eacute no acircmbito dessa experiecircncia
histoacuterica que se deve procurar estudar os projetos de
colonizaccedilatildeo Representam iniciativas e estrateacutegias de controle
ao acesso a terra e ao mercado de matildeo de obra
Assim estas duas frentes de reocupaccedilatildeo ldquo[] representam iniciativas e
estrateacutegias de controle ao acesso da terra e ao mercado de matildeo de obrardquo (GUIMARAES
NETO 2002 p 20) em que o Estado e os empresaacuterios atuaram muito mais no
propoacutesito da especulaccedilatildeo imobiliaacuteria do que na viabilizaccedilatildeo de terras para centenas de
famiacutelias que migraram para a Amazocircnia Legal
Vale lembrar que durante o periacuteodo dos Governos Militares foi construiacuteda
uma ldquohistoacuteria oficialrdquo acerca do processo de ocupaccedilatildeo da Amazocircnia que
gradativamente foi questionada e revisada atraveacutes de diferentes narrativas construiacutedas a
partir da memoacuteria dos agentes histoacutericos que vivenciaram aquele processo
Consideramos importante registrar nos estudos cujo foco eacute o processo de
reocupaccedilatildeo da terra no Araguaia as perspectivas dos diferentes grupos e movimentos
sociais responsaacuteveis pela reocupaccedilatildeo desse espaccedilo considerando a memoacuteria daqueles
que migraram de diferentes regiotildees do paiacutes sobretudo do Sul e Sudeste perseguindo o
sonho de adquirir uma aacuterea de terra Um exemplo dessas narrativas com base na
memoacuteria das pessoas pode ser ilustrado nesse trecho do relato de uma das moradoras de
Vila Rica-MT
Quando eu cheguei aqui em Vila Rica-MT estranhei de tudo
um pouco Desde a comida [] Ih Nossa Senhora as falas
deles trem As gurias foram pra rua as gurias saiacuteram foram
pra rua O que eacute isso Rua laacute no Sul isso natildeo se fala E os
trem trem eacute um trem que puxa vagatildeo e aqui tudo que eacute coisa eacute
trem Hoje a gente estaacute acostumada com as comidas tambeacutem
aqui era diferente de laacute [] quando eu cheguei aqui a vila
estava super suja Colonial tudo tudo Lixo no meio da rua ali
no meio onde tem a grama e os coqueirinhos aquilo laacute era lixo
natildeo dava pra olhar de um lado pra outro Nossa mas era suja
demais a rua As propagandas ih Eles passavam slides
mostravam como era aqui em Vila Rica-MT da cidade das
roccedilas das lavouras das plantaccedilotildees de soja milho []
(ENTREVISTA com Izode Baoacute realizada por Acircngela Martini
Vila Rica-MT 4 de marccedilo de 2001)
29
Novas abordagens da historiografia que possibilitam o uso de novas fontes
entre elas as orais permitiram anaacutelises sobre a Amazocircnia Legal com nova dinacircmica
enquanto objeto de estudo nas aacutereas de Ciecircncias Humanas e Sociais Por outro lado
ressalta-se que eacute imprescindiacutevel trilhar pelas discussotildees teoacutericas e metodoloacutegicas de
alguns estudiosos da questatildeo agraacuteria no Brasil como Caio Prado Juacutenior Octaacutevio Ianni
Seacutergio Buarque de Holanda e outros Em Mato Grosso as obras de autores como
Martins (1985-1997) Lenharo (1985) Oliveira (1996) Barrozo (2009 2010)
Guimaratildees Neto (2002 2007) Gonccedilalves (2005) e Joanoni Neto (2007) Arauacutejo (2013)
entre outros satildeo referecircncias
As concepccedilotildees abordadas por esses autores nos remetem a pensar que eacute
preciso antes de tudo desconstruir a narrativa oficial sobre a Amazocircnia a qual foi
construiacuteda sobretudo durante os Governos civis militares sob o ponto de vista que
engloba a noccedilatildeo da fronteira e de integraccedilatildeo nacional na qual se procurou internalizar
os discursos de alguns segmentos sociais os quais construiacuteram o imaginaacuterio que
caracteriza esse espaccedilo como atrasado e despovoado ou melhor um ldquovazio
demograacuteficordquo
Ao referenciar o potencial dos recursos naturais ali existentes aquele espaccedilo
passou a ser visto com outro enfoque segundo o qual a mesma pode ser analisada para
aleacutem do seu potencial de reserva natural Natildeo se pode perder de vista que esse
ldquoimaginaacuteriordquo vem sendo arquitetado sob a loacutegica daqueles que vivem ldquoalheiosrdquo agraves
necessidades e ldquorealidadesrdquo nas quais a populaccedilatildeo que habita a Amazocircnia Legal estaacute
inserida no caso especiacutefico o Araguaia
Os empresaacuterios e a elite poliacutetica sempre se beneficiaram dos lucros obtidos
por meio do uso e abuso das riquezas extraiacutedas da Amazocircnia Legal nos grandes
projetos de exploraccedilatildeo mineral e vegetal em nome de um discurso de integraccedilatildeo
nacional e de desenvolvimento e progresso regional
Para Gonccedilalves (2005) compreender a Amazocircnia eacute saber respeitar a
diversidade e particularidades desse espaccedilo em seus aspectos econocircmicos naturais
sociais e culturais bem como os feitios de inserccedilotildees das poliacuteticas e programas de
governo que foram parcialmente realizados Tais poliacuteticas atenderam em especial a
um determinado grupo social especificamente o empresarial que dispunha de capital
financeiro embora se trate de um territoacuterio cheio de contradiccedilotildees conflitos e diferentes
30
possibilidades dos povos que ldquotradicionalmente habitamrdquo a floresta De forma mais
detalhada Gonccedilalves (2005 p 9) descreve
A Amazocircnia eacute sobretudo diversidade Haacute a Amazocircnia dos
Cerrados a Amazocircnia da Vaacuterzea a Amazocircnia dos Manguezais
e a Amazocircnia das florestas Habitar esses espaccedilos eacute um desafio
agrave inteligecircncia agrave convivecircncia com a diversidade Esse eacute o
patrimocircnio que as populaccedilotildees originaacuterias e tradicionais da
Amazocircnia oferecem para o diaacutelogo com outras culturas e
saberes
Logo estudar a Amazocircnia Legal significa tambeacutem conhecer seu processo de
ocupaccedilatildeo e reocupaccedilatildeo identificando sobretudo as dinacircmicas de resistecircncia e as
estrateacutegias de sobrevivecircncias dos diferentes sujeitos que a habitavam (iacutendios
quilombolas sertanejos seringueiros ribeirinhos e outros povos)
Esses grupos se veem diariamente diante da obrigatoriedade de criar e recriar
taacuteticas para enfrentar as novas territorialidades impostas pelos grupos empresariais
capitalistas em sua loacutegica segundo a qual a terra eacute um objeto de negoacutecio Para as
populaccedilotildees tradicionais a terra eacute uma condiccedilatildeo de trabalho e sobrevivecircncia
Barrozo (2010 p 8) considera que ldquo[] o processo de integraccedilatildeo da
Amazocircnia provocou o corte dos espaccedilos por meio da construccedilatildeo de rodovias
desencadeando um processo raacutepido e violento de expropriaccedilatildeo domiacutenio e controle das
aacutereas jaacute povoadas por populaccedilotildees tradicionais daquela regiatildeordquo
Assim como Ianni (1990) Barrozo (2010) assegura que a reocupaccedilatildeo da
Amazocircnia por meio do artifiacutecio da colonizaccedilatildeo privada e dirigida tinha como principal
objetivo acolher a populaccedilatildeo que ldquosobravardquo do processo de modernizaccedilatildeo da agricultura
do Centro-Sul do paiacutes As empresas colonizadoras e agropecuaacuterias aleacutem de se utilizar
dos recursos puacuteblicos executados de forma predatoacuteria provocaram uma transformaccedilatildeo
significativa nos aspectos sociais culturais e ambientais daquele espaccedilo
Para Souza (2009 p79)
A (re) ocupaccedilatildeo do nordeste de Mato Grosso por grandes
empresas incentivadas pelo governo federal a partir da deacutecada
de 70 do seacuteculo XX tem revelado muacuteltiplos conflitos embates
e disputas pelos usos e posse da terra A partir de 1964 os
governos militares elaboraram e conduziram um projeto de
ocupaccedilatildeo e controle de acesso agraves terras na Amazocircnia
materializado pelo Estatuto da Terra (Lei 450464)
31
Destacamos que apesar dessas mudanccedilas consideradas progressistas
conforme o Estatuto da Terra (1964) quando analisadas no campo da operacionalidade
praacutetica natildeo redundaram em uma maior distribuiccedilatildeo de terras para os migrantes natildeo
tendo ocorrido alteraccedilatildeo na dinacircmica de concentraccedilatildeo da terra No entanto mantecircm o
movimento de retorno de muitos migrantes antes e agora expulsos pela expansatildeo do
agronegoacutecio sobretudo pela cultura da soja e criaccedilatildeo de gado para corte e leite
Na perspectiva histoacuterica do processo de reocupaccedilatildeo do Araguaia Barrozo
(2010 p 8) afirma
A partir de 1968 comeccedilaram a chegar ao Araguaia agraves grandes
empresas atraiacutedas pelos incentivos fiscais da Sudam Estas
empresas originaacuterias do Sul e Sudeste se apropriaram de
grandes aacutereas de terra no entatildeo municiacutepio de Barra do Garccedilas
onde instalaram os projetos agropecuaacuterios Neste periacuteodo foram
criados vaacuterios povoados e vilas onde se concentra o comeacutercio e
a prestaccedilatildeo de serviccedilos Entre os nuacutecleos populacionais deste
periacuteodo destacam-se Porto Alegre do Norte Alto da Boa Vista
Confresa As agropecuaacuterias desmataram grandes aacutereas de
Cerrado e de floresta para o plantio de pastagens e algumas
empresas deixaram suas terras incultas agrave espera de valorizaccedilatildeo
Com a reduccedilatildeo e extinccedilatildeo gradativa dos incentivos e subsiacutedios
fiscais da Sudam muitas empresas agropecuaacuterias reduziram
suas atividades na regiatildeo e algumas venderam suas
propriedades
Percebemos que o processo de reocupaccedilatildeo das terras do Araguaia natildeo fugia
agraves caracteriacutesticas do que ocorrera nas demais aacutereas da Amazocircnia Legal que era
apresentada no cenaacuterio nacional como uma grande extensatildeo de terra despovoada onde
havia extensos espaccedilos considerados ldquovaziosrdquo
Essa concepccedilatildeo teve origem no programa ldquoMarcha para o Oesterdquo que
selecionou o Centro-Oeste brasileiro como alvo privilegiado para a implantaccedilatildeo dos
grandes projetos de expansatildeo visando agrave ocupaccedilatildeo territorial Destacamos a Fundaccedilatildeo
Brasil Central cujo objetivo era construir estradas e ldquopacificarrdquo as sociedades indiacutegenas
existentes nos vales do Araguaia e Xingu Nesse sentido Soares (2004 p 98) assinala
que
32
A opccedilatildeo de investimento a fim de promover o desenvolvimento
da Amazocircnia abrangendo o Vale do Araguaia parte do nordeste
de Mato Grosso foi pela instalaccedilatildeo de grandes projetos
agropecuaacuterios para produccedilatildeo de proteiacutenas de carne bovina para
exportaccedilatildeo Os primeiros projetos aprovados pela Sudam
implantados no Vale do Araguaia datam de 1966 destacando-se
a Agropecuaacuteria Suiaacute Missuacute SA com uma aacuterea de 695 843
hectares que corresponde aproximadamente a 300000
alqueires localizada no atual municiacutepio de Satildeo Feacutelix do
Araguaia A partir de 1966 muitos outros projetos foram sendo
instalados
De acordo com a descriccedilatildeo do autor as poliacuteticas de desenvolvimento
econocircmico da Amazocircnia promovidas pelo Governo Federal sob a supervisatildeo da
Superintendecircncia de Desenvolvimento da Amazocircnia (Sudam) desde o iniacutecio de sua
criaccedilatildeo despertaram o interesse de empresaacuterios regiotildees Sudeste e Sul do Brasil Os
mesmos viam na constituiccedilatildeo do desenvolvimento regional a possibilidade de maior
enriquecimento por meio dos grandes projetos agropecuaacuterios e de colonizaccedilatildeo
madeireiros e mineradores As empresas eram atraiacutedas pelos incentivos fiscais cuja
propaganda produzia o imaginaacuterio da terra em abundacircncia e financiamentos a juros
baixos
Sobre o imaginaacuterio e os efeitos da propaganda em torno das possibilidades de
riqueza advinda do trabalho com a terra Arauacutejo (2013 p 250) em sua pesquisa
ldquoTerritoacuterios Amazocircnicos e o Araguaia Mato-grossense configuraccedilotildees de modernidade
poliacuteticas de ocupaccedilatildeo e civilidade para os sertotildeesrdquo ao analisar os artifiacutecios ocorridos na
execuccedilatildeo das poliacuteticas de desenvolvimento no Araguaia afirma
As propagandas dos ldquonegoacutecios fundiaacuteriosrdquo do Vale do Araguaia
eram veiculadas pelos meios de comunicaccedilatildeo locais (raacutedio
televisatildeo jornais) anunciando facilidades aos interessados o
que muito atraiacutea pessoas com histoacuterico familiar vinculado agraves
praacuteticas campesinas que desejavam possuir eou aumentar o
proacuteprio patrimocircnio aleacutem da possibilidade de assegurar a
manutenccedilatildeo da famiacutelia pensando numa estabilidade
socioeconocircmica
Agrave luz da concepccedilatildeo da autora afirmamos que as empresas se valiam de
diferentes estrateacutegias sobretudo o uso dos recursos midiaacuteticos para propagarem o
discurso e o imaginaacuterio em torno da terra abundante e apropriada para agricultura E
33
assim mobilizar migrantes de vaacuterias regiotildees do Brasil em busca do sonho em ter a
posse da terra e condiccedilotildees para produzir e adquirir riqueza
Ainda em conformidade com Arauacutejo (2013) eacute possiacutevel afirmar que havia
entre os grupos de migrantes perfis sociais econocircmicos e culturais muito diferentes
pois de um lado estavam as famiacutelias que planejaram as mudanccedilas no espaccedilo e do
outro aquelas que chegaram ao Araguaia mato-grossense por acaso
Nesta mesma perspectiva Paret (2012 p 17) avalia a formaccedilatildeo
socioeconocircmica do Araguaia como a realizaccedilatildeo da integraccedilatildeo entre as populaccedilotildees
tradicionais (povos indiacutegenas) e migrantes ldquodos quatro cantos do paiacutesrdquo que em sua
maioria eram ldquo[] retirantes espontacircneos colonos pioneiros e audaciosos
trabalhadores temporaacuterios (boias-frias) migrantes que emigram sem descanso fugindo
da pobreza em busca de novas oportunidadesrdquo Observamos que a visatildeo do autor citado
eacute problemaacutetica pela exaltaccedilatildeo de um ideal do pioneiro parte daquilo que consideramos
como histoacuteria oficial
Como o INCRA natildeo assegurou terras para os migrantes desprovidos de
capital financeiro para aquisiccedilatildeo de lotes estes passaram a reocupar aacutereas jaacute povoadas
pelas populaccedilotildees indiacutegenas terras da Uniatildeo ou de fazendas improdutivas Esta situaccedilatildeo
gerou diversos conflitos entre diferentes grupos sociais no Araguaia mato-grossense
Nesse contexto o municiacutepio de Vila Rica-MT foi formado Esse processo
requer uma anaacutelise especiacutefica
12 A criaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo3 do municiacutepio de Vila Rica-MT
A formaccedilatildeo de Vila Rica-MT teve seu desenvolvimento intensificado a partir
da deacutecada de 1980 tendo por base quatro Projetos Agropecuaacuterios Aracati Satildeo Marcos
Porangaba e Promissatildeo Posteriormente essas agropecuaacuterias foram transformadas em
projeto de colonizaccedilatildeo privada com a criaccedilatildeo da empresa de Serviccedilo Auxiliares da
Agropecuaacuteria LTDA (Servap) que procurou a efetivaccedilatildeo do projeto de colonizaccedilatildeo por
meio da empresa Colonizadora Vila Rica-MT Ltda
3 A Lei n 4381 de 12 de novembro de 1981 criou o Distrito de Vila Rica com territoacuterio
pertencente agrave Santa Terezinha e no dia 13 dias de maio de 1986 pela Lei Estadual n 5001 foi
criado o municiacutepio de Vila Rica
Disponiacutevel em
lthttpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=510860ampsearch=mato-
grosso|vila-ica|infograficos-historicogt Acesso em 21082015
34
Logo o municiacutepio inseriu-se em muacuteltiplos contextos de reocupaccedilatildeo da terra e
de financiamento de projetos agropecuaacuterios madeireiros e de colonizaccedilatildeo localizados
no nordeste do estado de Mato Grosso na faixa fronteiriccedila com os estados do Paraacute e
Tocantins como mostra a figura que se segue
Figura 01 Mapa de Propaganda da Colonizadora Vila Rica-MT
Fonte Servap apud Martini 2002 p12
Observamos na imagem que os escritos da propaganda da empresa
colonizadora se vinculavam agrave ideia de que ldquoeacute faacutecil conhecer Vila Ricardquo tendo ao lado
um mapa desatacando visualmente as rotas de estradas que ligavam o Sul do paiacutes ateacute o
Norte e tendo Vila Rica como ponto estrateacutegico nessa rota Ademais a mensagem
35
escrita eacute clara pretendia- se atrair compradores de terra de outras regiotildees que
organizassem ldquocaravanasrdquo para conhecer e investir no municiacutepio de Vila Rica
Na deacutecada de 1970 um soacutecio da Servap resolveu transformar juridicamente a
sua aacuterea territorial em uma empresa especializada e autorizada para atuar como
ldquoempresa de colonizaccedilatildeordquo O objetivo foi o de obter junto ao Governo Federal
autorizaccedilatildeo para lotear a aacuterea da agropecuaacuteria e comercializar os lotes utilizando os
incentivos fiscais oferecidos na eacutepoca pela Sudam Aleacutem da especulaccedilatildeo caracterizada
pela valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria das terras com baixa eficiecircncia produtiva a empresa
procurava garantir com isso a presenccedila de trabalhadores que serviriam de matildeo obra nas
proacuteprias fazendas Esse processo foi caracterizado por Ianni (1978) como ldquoContra
Reforma Agraacuteriardquo
Segundo Guimaratildees Neto (2007 p 7)
Nesse sentido eacute que as novas cidades surgiram no territoacuterio
amazocircnico articuladas a uma grande rede viaacuteria e ao mercado
capitalista natildeo satildeo resultados ldquonaturaisrdquo do movimento de
deslocamento dos diversos grupos sociais que para laacute se
dirigiram denominado de processo migratoacuterio Relacionam-se
muito mais a um conjunto de praacuteticas organizadoras de poliacuteticas
de controle e monopoacutelio da exploraccedilatildeo da riqueza por parte dos
grandes empresaacuterios e proprietaacuterios As cidades trazem inscritas
em seu espaccedilo as praacuteticas sociais de segregaccedilatildeo de violecircncia e
de cerceamento dos direitos civis que natildeo podem ocultar Mas
natildeo soacute isto manifesta a todo o momento praacuteticas de resistecircncia
atuaccedilotildees de organizaccedilotildees civis e religiosas demarcando um
territoacuterio de conflito
Para a autora as cidades emergidas no territoacuterio da Amazocircnia natildeo resultaram
de um movimento espontacircneo de migraccedilatildeo mas sobretudo foram embasadas de uma
poliacutetica de controle do capital financeiro manipulado pelos interesses dos grupos
empresariais Ao mesmo tempo as novas cidades se constituiacuteram enquanto espaccedilos de
conflitos e praacuteticas de violecircncia marcados pelos conflitos motivados pelas diferenccedilas
sociais culturais e religiosas
Nesse quadro de especulaccedilatildeo imobiliaacuteria com as terras do Araguaia mato-
grossense o processo de colonizaccedilatildeo de Vila Rica foi iniciado pela SERVAP na deacutecada
de 1990 e continuado pela Colonizadora Vila Rica Ltda O foco da colonizaccedilatildeo estava
na venda de lotes rurais para os migrantes que vieram em busca de terra
36
O relato a seguir descreve o momento em que os posseiros e colonos
chegaram assim como a abertura e demarcaccedilatildeo do espaccedilo urbano e rural do municiacutepio
de Vila Rica-MT Tambeacutem eacute evidente na memoacuteria social e na percepccedilatildeo individual o
momento da venda dos lotes segundo a memoacuteria social e a percepccedilatildeo individual dos
entrevistados
[] Eu vi a oportunidade de ver ali onde hoje eacute o coleacutegio
estadual em selva em mata Vi desmatar vi formar pasto e
depois tirar o pasto para fazer a cidade e deixar aquela aacuterea
especial para a construccedilatildeo do coleacutegio Tive a oportunidade de
acompanhar com o topoacutegrafo a demarcaccedilatildeo dos lotes e das
ruas da cidade Quando a colonizadora vendia uma aacuterea de
terra rural de 400 hectares ela dava na cidade
ldquogratuitamenterdquo dois lotes de terra um no centro e outro mais
afastado isso para que as pessoas construiacutessem a fim de
expandir a cidade [] (ENTREVISTA com Dioniacutesio ex-
funcionaacuterio da colonizadora realizada por Acircngela Martini em
novembro de 2001 Grifos nossos)
Podemos identificar atraveacutes dessa fonte oral a percepccedilatildeo dos colonos em
relaccedilatildeo agraves transformaccedilotildees ocorridas nos espaccedilos em que o rural foi ganhando
caracteriacutesticas de urbanizaccedilatildeo mas tambeacutem as estrateacutegias da colonizadora para atrair os
compradores de terra Outro depoimento oral demonstra como ocorria a
comercializaccedilatildeo de lotes
Na verdade quando surgiu Vila Rica eles esparramaram
vendendo para todo o Brasil O pessoal fazia troca trocavam
um alqueire paulista por um alqueire aqui Geralmente trocava
dois por um A terra laacute era mais valorizada (ENTREVISTA
com Gilmar agricultor familiar de Vila Rica-MT realizada pela
autora em marccedilo de 2015)
Atraveacutes desse processo de acesso agrave terra por meio de compra de lotes com o
capital oriundo da venda de terras no local de origem muitos migrantes de vaacuterias
localidades do Brasil sobretudo nos estados do Paranaacute Santa Catarina Rio Grande do
Sul Goiaacutes e Minas Gerais onde ocorriam transformaccedilotildees na estrutura agraacuteria e a
modernizaccedilatildeo da agricultura foram para Vila Rica buscando realizar o sonho de
adquirir uma ldquoaacutereardquo equivalente agrave que haviam vendido na regiatildeo de origem ou entatildeo
uma aacuterea ainda maior
37
Dentre os sonhos e os projetos de vida desses migrantes estava a
possibilidade de produzir com fartura melhorar de vida ou ateacute enriquecer atraveacutes do
trabalho na terra O depoimento do secretaacuterio de agricultura do municiacutepio de Vila Rica-
MT ilustra essa situaccedilatildeo tendo por base sua trajetoacuteria pessoal
Eu nasci em Santa Catarina no ano de 1975 e quando eu tinha
10 anos de idade os meus pais mudaram para o estado de Mato
Grosso Na eacutepoca a gente jaacute morava no estado do Paranaacute
Chegamos no dia 9 de junho de 1985 Vila Rica ainda era
distrito de Santa Terezinha e aiacute fomos direto para o Projeto
Canta Galo que era um projeto de colonizaccedilatildeo Chegamos agrave
noite em Vila Rica e fomos direto para o Canta Galo era soacute
mato e noacutes jaacute chegamos destruindo tudo porque a gente jaacute
chegou para fazer roccedila para comeccedilar a trabalhar []
A gente veio com pessoal conhecido Meus pais eu e os meus
irmatildeos A nossa famiacutelia veio completa e mais cinco famiacutelias
vieram em busca de melhorias de vida Sempre mexemos com
sitio Moramos na roccedila pequena propriedade e viemos pra caacute
com a intenccedilatildeo de conseguir uma aacuterea maior Queriacuteamos ficar
ricos mas o que aconteceu foi o contraacuterio (ENTREVISTA
com Gilmar agricultor familiar de Vila Rica-MT realizada pela
autora em marccedilo de 2015)
A anaacutelise da fonte oral permite averiguar que a empresa SERVAP
posteriormente denominada de Colonizadora Vila Rica Ltda tambeacutem lanccedilou matildeo de
diversos recursos midiaacuteticos fazendo investimentos em propaganda a fim de difundir a
ideia da boa qualidade da terra boa e seu baixo preccedilo Esse trabalho de divulgaccedilatildeo
influenciou pessoas que decidiram migrar procurando um espaccedilo promissor com terras
boas
Dentro dessa perspectiva a visualizaccedilatildeo e leitura de um dos panfletos
publicitaacuterios nos ajudou a visualizar as estrateacutegias de propaganda utilizadas pela
colonizadora no caso do municiacutepio de Vila Rica
A propaganda facilitava a venda dos lotes acelerando a reocupaccedilatildeo dos
espaccedilos urbanos e rurais como retrata o panfleto utilizado pela empresa para difundir o
seu ideaacuterio de construccedilatildeo social A imagem de trabalhadores rurais ldquocarpindordquo
demonstra que o ideal seria a migraccedilatildeo de colonos agricultores com perfil de quem
sabia produzir plantar e colher produtos agriacutecolas A frase ldquoTerra feacutertil e urbanizadardquo
demonstra no entanto que se prometia uma estrutura urbana para oferecer uma ldquovida
feliz para vocecirc e sua famiacuteliardquo Ou seja um evidente apelo aos valores tradicionais da
38
famiacutelia atrelados agrave ideia de felicidade a ser conquistada atraveacutes da compra de terras no
municiacutepio de Vila Rica-MT
Todos esses elementos podem ser observados na Figura 2
Figura 2 Folder de Propaganda da Colonizaccedilatildeo Vila Rica-MT
Fonte SERVAP apud Martini 2002 p14
Portanto os colonos que compraram terras e se mudaram para Vila Rica
sofreram as investidas das empresas atraveacutes das propagandas que descreviam as terras
como sendo boas e baratas conforme mostra o panfleto da colonizadora ldquoConheccedila Vila
Rica Mato Grosso terra feacutertil e urbanizada vida feliz para vocecirc e sua famiacuteliardquo A
imagem criava um imaginaacuterio acerca do lugar como o ideal para se morar e prosperar
economicamente A loacutegica era de fixaccedilatildeo do homem na terra passada de pai para filho
apelo aos agricultores de tradiccedilatildeo ldquocamponesardquo 4
4 Sobre essa questatildeo Martini (2002) em sua monografia de graduaccedilatildeo em Histoacuteria a qual eacute intitulada
como Cotidiano e Identidade Cultural em Vila Rica ndashMT uma cidade de colonizaccedilatildeo recente apresenta
39
Nesse aspecto o relato oral a seguir se constitui numa exemplificaccedilatildeo da
forma como que os artifiacutecios da propaganda persistem na memoacuteria dos atores sociais
As propagandas ih Eles passavam slides mostravam como
era aqui em Vila Rica da cidade das roccedilas das lavouras das
plantaccedilotildees de soja milho Propaganda na raacutedio passava muito
direto mesmo e tambeacutem na televisatildeo passava propaganda
sobre a Vila Rica Tinha tambeacutem gravaccedilotildees de mulheres daqui
da Vila que faziam entrevista na raacutedio Elas diziam assim olha
gente aqui em Vila Rica noacutes estamos bem noacutes temos coleacutegio
falava falava do coleacutegio Faziam propaganda muita entrevista
na raacutedio Eles iludiam muito o pessoal (ENTREVISTA com
Izolde Baacuteo ex-colona realizada por Acircngela Maria Martini em
04032001)
Logo podemos compreender que as propagandas eram criadas pela empresa
colonizadora mas que tinham participaccedilatildeo dos proacuteprios colonos que incentivavam a
vinda de outros A colonizadora incentivava essa participaccedilatildeo dos colonos para o
chamamento - atraveacutes da ideia de que quanto mais colonos viessem para a aacuterea e
comprassem terra mas proacutesperas seriam aquelas terras
Outro fator altamente atrativo foi a divulgaccedilatildeo do projeto urbaniacutestico da
cidade de Vila Rica-MT cujo ldquocorpordquo lembra a figura de um sino Conforme IBGE
Cidades (2015)
A cidade de Vila Rica-MT localizada no nordeste de Mato
Grosso foi cuidadosamente planejada no periacuteodo de sua
fundaccedilatildeo O traccedilado da cidade lhe daacute um formato de sino tendo
sido idealizado pelo paisagista suiacuteccedilo Dr Roberto Khuno Eacute
dividida em dois setores norte e sul sendo margeada pela BR-
1585
Esse formato do projeto da cidade representa a construccedilatildeo do imaginaacuterio de
um grupo de migrantes praticantes da feacute catoacutelica incorporando princiacutepios religiosos a
serviccedilo do capitalismo Ao mesmo tempo mostra uma forte aproximaccedilatildeo entre os
colonos e os donos da empresa colonizadora com a Igreja Catoacutelica Essa representaccedilatildeo
arquitetocircnica da cidade mostra que a mesma foi planejada a partir de uma concepccedilatildeo
religiosa com a qual o desenvolvimento se entrelaccedilaria Objetivou-se a construccedilatildeo do
uma reflexatildeo bastante rica em detalhes construiacuteda a partir das narrativas orais e de imagens relacionadas
ao processo de formaccedilatildeo da cidade de Vila Rica no Estado de Mato Grosso 5Disponiacutevel em
lthttpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=510860ampsearch=mato-
grosso|vila-rica|infograficos-historicogt Acesso em 2102015
40
imaginaacuterio coletivo de uma cidade civilizada com uma Igreja dentro dos moldes
europeus Assim como na histoacuteria europeia moderna a religiatildeo e a eacutetica do capitalismo
se fundem em um processo que
possivelmente pode ter sido utilizado pela
colonizadora6
Figura 3 Planta ou Projeto urbaniacutestico da cidade de Vila Rica-MT
Fonte Arquivo da Prefeitura de Vila Rica-MT 2015
Atraveacutes da visualizaccedilatildeo da figura 3 fica evidenciado que o projeto
urbaniacutestico ou a planta da aacuterea urbana do municiacutepio de Vila Rica partiu de um projeto
com base em um ldquoconceitualrdquo religioso Em outra planta que projeta a aacuterea de expansatildeo
urbana eacute perceptiacutevel que foi mantido o formato do sino inicial mas com acreacutescimo de
aacutereas agrave direita e uma base que natildeo desconfigurou o desenho inicial
Guimaratildees Neto (2000) considera que no universo simboacutelico da ldquocidade
colonizadardquo tudo parece ter sentido e significado Haacute um lugar certo para cada coisa ou
situaccedilatildeo por exemplo espaccedilo para a praccedila comeacutercio bairros residenciais bairros para
os oacutergatildeos puacuteblicos e institucionais avenidas e bairros residenciais dos trabalhadores Eacute
a ideia de cidade organizada enfim de um povo que organiza devidamente o seu espaccedilo
de convivecircncia social Todavia nesse cenaacuterio desenhado natildeo haveria espaccedilo para o
6 Para uma melhor compreensatildeo ver o caso de Fontanilha Juiacutena-MT analisado por JOANONI
NETO Vitale Fronteiras da Crenccedila ocupaccedilatildeo no Norte de Mato Grosso apoacutes 1970 Cuiabaacute
Carlini amp Caniato EdUFMT 2007
41
surgimento das periferias uma vez que a existecircncia delas desmontaria todo o ideaacuterio
urbaniacutestico da cidade de progresso e de civilizaccedilatildeo
Eacute notoacuteria a riqueza de detalhes nos projetos urbaniacutesticos das cidades
planejadas de colonizaccedilatildeo recente de Mato Grosso As marcas da organizaccedilatildeo tecircm
sempre uma perspectiva marcante no universo de signos e significados como foi
registrado por Guimaratildees Neto (2000 p 7) ao apontar que a cidade se projeta ldquo[]
como uma metaacutefora privilegiada da passagem-comunicaccedilatildeo e separaccedilatildeo entre diversos
mundos e por que natildeo paisagem desenhada por um rico mosaico de linguagens
diversasrdquo
Nesse aspecto quem chegou primeiro fez parte da construccedilatildeo quem chegou
depois tambeacutem foi inserido nessa loacutegica organizativa porque parte dos colonos que
permaneceram na cidade se incorporou ao trabalho prestando serviccedilos ou abrindo
comeacutercios inserindo-se nesse universo de desejo siacutembolos sentidos e significados de
viver em uma cidade com caracteriacutesticas e paisagem adequadas aos moldes dos grandes
centros urbanos
O imaginaacuterio coletivo acerca da concepccedilatildeo de progresso se constituiu de
forma eficaz nessa representaccedilatildeo da cidade em seus primeiros tempos distinguindo os
acontecimentos iniciais construiacutedos com a participaccedilatildeo de homens e mulheres vindos
das diferentes regiotildees do Brasil Essa diversidade cultural se explicita nos detalhes de
construccedilatildeo das casas na maneira de falar e de organizar a paisagem urbana enfim
torna-se proacuteprio de uma cidade de todos para todos desde que devidamente organizados
em seus espaccedilos sociais
Noutra abordagem sobre as narrativas e a formaccedilatildeo de cidades do processo de
colonizaccedilatildeo recente Guimaratildees Neto (2007 p 7) exemplifica
Trabalhadores sem-terra e mesmo pequenos proprietaacuterios
denominados de colonos invertem as programaccedilotildees e previsotildees
das empresas colonizadoras Por meio de accedilotildees coletivas e de
enfrentamentos conflituosos provocam mudanccedilas de aacutereas
planejadas para determinados fins com funccedilotildees diferentes do
que estava previsto As proacuteprias empresas e depois os poderes
puacuteblicos instalados criam ldquobairros novosrdquo a fim de controlar e
administrar a chegada de diversos trabalhadores pobres como
na cidade de Vila Rica-MT onde se organiza a mudanccedila da
cadeia puacuteblica do cemiteacuterio e da zona de meretriacutecio para o
bairro Vila Nova destinado a pessoas de comprovada baixa
renda e com maior nuacutemero de dependentes (Lei municipal nordm
42
19693 de 09121993) extinguindo o popular ldquoPau Secordquo a
primeira aacuterea de meretriacutecio que ocupava um espaccedilo
considerado nobre para a cidade
Em conformidade com a concepccedilatildeo da autora afirmamos que satildeo os atores
histoacutericos atraveacutes de diferentes estrateacutegias e accedilotildees que realizam os desdobramentos e
permitem uma multiplicidade de accedilotildees e efeitos de suas praacuteticas eacute que vatildeo
ldquodesvendando inventando e desenhandordquo os locais da cidade que encenam os contrastes
sociais e culturais Nesse aspecto grupos sociais acabam modificando o projeto inicial e
inserindo nele seu proacuteprio modo de constituir a vida em sociedade
Outra estrateacutegia utilizada para facilitar o processo de venda dos lotes foi a
definiccedilatildeo dos criteacuterios de seleccedilatildeo do puacuteblico alvo das investidas de vendas pela
empresa colonizadora Nesse cenaacuterio surgiram os pequenos proprietaacuterios de terras do
Sul do Brasil os quais dispunham de capital para investir na compra de lotes da
colonizadora Tambeacutem havia a negociaccedilatildeo por meio da troca de terra e da carta de
creacutedito como ocorreu com as pessoas que haviam sido desapropriadas para a
construccedilatildeo da barragem da Usina de Itaipu no Paranaacute de onde migraram diversas
pessoas para Vila Rica-MT Essa negociaccedilatildeo era feita com intermediaccedilatildeo de instituiccedilatildeo
bancaacuteria
Ainda relacionando a reorganizaccedilatildeo dos espaccedilos em Vila Rica sob a
conduccedilatildeo da colonizadora eacute importante considerar que houve tentativas no sentido de
destinar pequenas aacutereas de terra situadas nos fundos das fazendas para ldquoaliviarrdquo a
pressatildeo dos trabalhadores rurais Inclusive ex-funcionaacuterios da empresa SERVAP com
o objetivo de evitar a invasatildeo por parte dos ldquoposseirosrdquo acabavam sendo incorporados
por esses procedimentos de especulaccedilatildeo imobiliaacuteria praticados pela Colonizadora Vila
Rica
Semelhante situaccedilatildeo nos remete a uma anaacutelise que demonstra ter havido uma
relaccedilatildeo entre as intenccedilotildees dos representantes da Servap tanto em relaccedilatildeo aos objetivos
do INCRA quanto ao destino de parte da aacuterea para o processo de colonizaccedilatildeo oficial
Segundo Barrozo (2010 p 18) ldquo[] para os camponeses do Sul o governo oferecia a
possibilidade de adquirir um lote de 100 ou 200 hectares em um nuacutecleo do INCRA
com infraestrutura estrada e tudo mais que a propaganda oficial anunciava para
sensibilizar os agricultoresrdquo
43
No caso do processo de reocupaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica a
documentaccedilatildeo7 analisada demonstrou que havia entre os primeiros moradores
concepccedilotildees diferentes acerca do processo de ocupaccedilatildeo e reocupaccedilatildeo das terras naquela
aacuterea As fontes nos possibilitam ainda identificar as estrateacutegias adotadas para arquitetar
o imaginaacuterio sobre os ldquoditos pioneirosrdquo que pode ser identificado atraveacutes das narrativas
oficiais sobre as histoacuterias do lugar que se tornam discursos
Poreacutem a realidade contemporacircnea tambeacutem pode ser pensada por outra
perspectiva configurada de outro modo demonstrando a presenccedila indiacutegenas na regiatildeo
Nos sites do IBGE Cidades e da Prefeitura de Vila Rica natildeo haacute menccedilatildeo sobre a
presenccedila de povos indiacutegenas na aacuterea colonizada Mas segundo Costa e Silva amp Ferreira
(1994 p 248)
O povo indiacutegena ldquoTapirapeacuterdquo que habitou imemorialmente as
terras do lugar foram remanejados para municiacutepios vizinhos
em aacutereas especialmente reservadas Estes foram na verdade os
grandes pioneiros do lugar povo sofrido sentindo-se sem
perspectivas de vida iniciaram um processo de auto
dizimazizaccedilatildeo Tudo comeccedilou com forte conflito cultural que se
abateu sobre os poucos ldquoTapirapeacutesrdquo que restaram Accedilatildeo
seguinte que se viu foi agrave eliminaccedilatildeo de crianccedilas receacutem-nascidas
No entanto a interferecircncia de religiosas natildeo permitiu que se
concretizasse o desejo coletivo de extinccedilatildeo do ldquoTapirapeacuterdquo como
naccedilatildeo (Grifos nossos)
A citaccedilatildeo eacute importante para destacar a presenccedila do povo indiacutegena Tapirapeacute na
aacuterea que foi colonizada no entanto eacute uma visatildeo problemaacutetica no que diz respeito agrave
ideia de que os povos indiacutegenas foram pioneiros uma vez que essa concepccedilatildeo eacute oriunda
de projetos de Governo e de uma visatildeo economicista de ocupaccedilatildeo de territoacuterio natildeo eacute
parte da concepccedilatildeo de terra para povos indiacutegenas voltada agrave identidade e memoacuteria do
lugar Certamente para os autores pioneiro significou aquele que primeiro ocupou o
solo e natildeo seu entendimento no interior do processo de colonizaccedilatildeo contemporacircneo
No entanto existe uma narrativa oficial que ldquoesquecerdquo de citar a presenccedila
indiacutegena e assume um discurso de que os ldquopioneirosrdquo foram os que participaram do
processo de colonizaccedilatildeo privada Isto eacute haacute uma ampla difusatildeo da ideia de que a
7 O termo documentaccedilatildeo refere- se agraves fontes escritas que foram acessadas para a produccedilatildeo das
anaacutelises como eacute o caso dos ofiacutecios cartas relatoacuterios atas e relatos orais
44
validade da ocupaccedilatildeo da terra tem sentido somente quando eacute pensada do ponto de vista
da criaccedilatildeo da cidade e da organizaccedilatildeo social embasada na propriedade privada da terra
Outros atores sociais silenciados foram os migrantes de origem camponesa
de diferentes origens que foram ocupar aquele espaccedilo nas primeiras deacutecadas do seacuteculo
XX conforme descrito por Costa e Silva amp Ferreira (1994 p 248)
No iniacutecio da sua povoaccedilatildeo Vila Rica recebeu forte fluxo
migratoacuterio de povos (sic) de Goiaacutes Minas Gerais e do
Nordeste Fator determinante foi o reflexo da colonizaccedilatildeo de
Nova Xavantina pois o assentamento da Fundaccedilatildeo Brasil
Central natildeo produziu os efeitos que se esperava e os colonos
sem apoio prometido se espalharam pelo Leste e Nordeste do
Estado de Mato Grosso
Novamente a citaccedilatildeo traz problemas ao analisar que os fluxos migracionais
eram realizados por ldquopovosrdquo entendidos enquanto populaccedilotildees mas fornece elementos
para compreendermos como ocorreu uma reocupaccedilatildeo inicial por migrantes poreacutem o
que persiste na histoacuteria oficial descrita no IBGE Cidades (2015) 8 eacute que
A construccedilatildeo da rodovia BR-158 foi fator determinante para a
colonizaccedilatildeo da cidade de Vila Rica -MT favorecendo o
estabelecimento de empresas agropecuaacuterias na regiatildeo O nuacutecleo
que deu origem ao atual municiacutepio tem histoacuteria
relativamente recente Vila Rica - MT foi fundada pelo Sr
Rubens Rezende Peres em 1978 que chegou na regiatildeo
trazendo consigo a Colonizadora Vila Rica-MT Segundo
relatos histoacutericos os primeiros moradores da localidade vieram
de Minas Gerais e homenagearam o lugar que escolheram para
morar com o nome de Vila Rica em referecircncia agrave antiga Vila
Rica de Ouro Preto (Grifos nossos)
Logo dessa maneira registrada a presenccedila indiacutegena e de migrantes que
chegaram antes da colonizaccedilatildeo privada efetivada a partir da deacutecada de 1980 e
consideradas ldquorecentesrdquo decidem considerar que a histoacuteria do municiacutepio somente
comeccedila com essa modalidade de colonizaccedilatildeo
8 Disponiacutevel em
lthttpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=510860ampsearch=mato-
grosso|vila-rica|infograficos-historicogt Acesso em 2102015
45
A obra da jornalista Soely Gonccedilalves Santos Pires contratada pela Prefeitura
Municipal de Vila Rica em 2002 para escrever a histoacuteria do municiacutepio eacute um exemplo
que evidencia a versatildeo oficial9
[] Aconteciam as exploraccedilotildees das terras ao nordeste mato-
grossense rotas e demarcaccedilotildees cifradas em aacutereas destinadas agrave
implantaccedilatildeo do arrojado projeto Em meio a tantos apetrechos
no lidar aacuterduo talvez natildeo tenham tido tempo para registrar tudo
em diaacuterio Idas e vindas por iacutengremes caminhos de quilocircmetros
de distacircncias paragens desconhecidas Veredas iam se
alargando mato adentro sol ardente e calor intenso []
venciam-se os empecilhos agrave medida que esses iam surgindo
Natildeo adentravam o sertatildeo em busca de bauacute recheado de
preciosos tesouros enterrados nas profundezas da terra [] A
finalidade era trabalhar Soacute assim conquistariam o almejado
objetivo [] Trabalho avante Em aproximadamente seis meses
de contiacutenuas derrubadas a estiagem com a secagem Nisso
atearam fogo Os dias se passaram Um olhar ao longe no
alcance de vales e serras [] Focando com muita atenccedilatildeo os
limpotildees que iam surgindo propiciando o semear das primeiras
sementes de capim Aiacute estava o representativo ouro dos sertotildees
A Servap foi instituiacuteda no ano 1973 e por seu intermeacutedio
administrava-se toda a assistecircncia no desenvolver das atividades
do projeto desde o princiacutepio A movimentaccedilatildeo era intensa o
serviccedilo mecanizado requeria grande consumo de oacuteleo diesel O
transporte era constante Devido agrave precariedade das estradas o
trajeto era retardo levando de cinco a sete dias para alcanccedilar o
ponto de apoio local onde se situava a SERVAP Hoje ali se
encontra o Frigoriacutefico Vila Rica que por sinal contribuiu muito
natildeo soacute com a economia natildeo soacute da regiatildeo mas tambeacutem de
municiacutepios vizinhos (PIRES 2002 p 10)
O discurso contido nessa narrativa apresenta muacuteltiplos sentidos
primeiramente pode ser analisado como sendo da perspectiva de um explorador de
recursos naturais e de projetos de colonizaccedilatildeo privada mas que se considera um
desbravador com um espiacuterito empresarial e empreendedor Essa observaccedilatildeo pode ser
visualizada na afirmaccedilatildeo de que se tratava da ldquo[] implantaccedilatildeo do arrojado projeto Em
meio a tantos apetrechos no lidar aacuterduo []rdquo Aqui eacute possiacutevel pensar inclusive na ideia
da tentativa de criaccedilatildeo de um mito de origem de um heroacutei de um grupo de homens que
fizeram a histoacuteria da cidade civilizada
9Apesar da ressalva sobre o livro de Soely eacute necessaacuterio afirmar que se trata de uma obra
importante para percebemos a concepccedilatildeo do dono da empresa Servap
46
Esse tipo de discurso exaltando o colonizador foi identificado e interpretado
pela pesquisa de Heinst (2007) que analisou a disputa da memoacuteria de quem era o
colonizador e o pioneiro no municiacutepio mato-grossense de Mirassol D‟Oeste A autora
identificou que foram aqueles pioneiros que tiveram ecircxito econocircmico considerados os
ldquoprimeirosrdquo com o espiacuterito empresarial que enalteceram a colonizaccedilatildeo
Guimaratildees Neto (2002) na anaacutelise de Alta Floresta esclarece que o
colonizador Ariosto da Riva produziu um discurso no qual se auto-intitula ldquobandeirante
do seacuteculo XXrdquo A anaacutelise mostra a perspectiva de quem tem o espiacuterito expansionista
tatildeo recorrente na histoacuteria brasileira e que se renova ao longo do contexto de expansatildeo da
fronteira agriacutecola recente
Sabemos que a narrativa produzida em determinada conjuntura poliacutetica
cultural ou econocircmica estaacute condicionada a um momento histoacuterico e atrelada agrave
linguagem utilizada pode ser uma das vias por onde a ideologia se materializa O
ldquoaventureirordquo eacute descrito e se auto- identifica como explorador e grande desbravador de
espiacuterito empreendedor sendo portanto ele o pioneiro em tudo porque enfrentou
inuacutemeras dificuldades Assim produz discursos embasados em espaccedilos difiacuteceis de
sertatildeo obstaacuteculos naturais e o potencial arrojado do sujeito empreendedor inicial
Aleacutem disso o texto enfatiza que todo esse esforccedilo natildeo tinha como objetivo o
lucro o interesse proacuteprio a cobiccedila como se observa nesse fragmento do texto de Pires
(2002 p 10) ldquo[] Natildeo adentravam o sertatildeo em busca de bauacute recheado de preciosos
tesouros enterrados nas profundezas da terra A finalidade era trabalhar []rdquo Essas
narrativas remetem agrave trajetoacuteria do colonizador e de sua famiacutelia conforme a descriccedilatildeo
Minha histoacuteria comeccedila com o meu pai eacuteramos madeireiros ele
jaacute atuava no ramo por muitos anos faleceu e eu o substituiacute no
trabalho Na deacutecada de 50 me mudei para Satildeo Pedro dos
Ferros cidade jaacute com cinquenta anos de fundaccedilatildeo e sem
nenhuma participaccedilatildeo minha nem de algueacutem da minha famiacutelia
Compramos terra nesse municiacutepio onde foi implantado um
grande serviccedilo chegando a trabalhar dez mil pessoas no
desmatamento e formaccedilatildeo de aacutereas para a implantaccedilatildeo de
fazendas Quando o serviccedilo terminou eu estava com quarenta e
cinco anos de idade Acostumado desde muito cedo com serviccedilo
de grande porte utilizando grande nuacutemero de pessoas []
como fazendeiro comecei a me sentir meio ocioso As
atividades que eu tinha em minha fazenda natildeo eram suficientes
para satisfazer o meu acircnimo para o trabalho (ENTREVISTA
com Rubens Rezende Peres colonizador de Vila Rica realizada
por Suely Gonccedilalves Santos Pires em 2002)
47
Podemos compreender que o colonizador ressalta na sua narrativa seu
perfil de empreendedor advindo de uma ldquoheranccedilardquo adquirida do pai que era
madeireiro Depois vai demonstrando como foi se adaptando agraves novas situaccedilotildees
[] Em Belo Horizonte eu tinha amigos entatildeo participei a
eles sobre a minha pretensatildeo em procurar terras para abrir
novas frentes de trabalho Geraldo Simotildees amigo de longas
datas falou-me ldquoEu arranjo o dinheiro e vocecirc entra com o
serviccedilordquo Convidou uma meia duacutezia de amigos nossos
ldquoAcreditamos na sua capacidade e vocecirc vai pra laacuterdquo Noacutes natildeo
temos experiecircncias suficientes nesse ramo de negoacutecio o que
nos dificultaria particularmente a implantaccedilatildeo de um trabalho
dessa ordem mas entramos com o dinheiro (ENTREVISTA
com Rubens Rezende Peres colonizador de Vila Rica-MT
realizada por Suely Gonccedilalves Santos Pires em 2002)
Neste relato percebe-se a autopromoccedilatildeo do colonizador ao demonstrar que
ele era um ldquotrabalhadorrdquo acostumado com ldquoserviccedilos de grande porterdquo com iniciativa
para conseguir agregar em seus empreendimentos outros ldquoamigosrdquo como Geraldo
Simotildees que foi um dos donos das fazendas abertas naquele periacuteodo Essa narrativa de
autopromoccedilatildeo estaacute dentro de uma loacutegica baseada no ideaacuterio de que o colonizador
deveria ter esse perfil de ldquoempreendedorrdquo e ldquopioneirordquo e que trabalhava e tudo fazia
A narrativa de autopromoccedilatildeo contrapotildee ao esquecimento de outros pioneiros
e trabalhadores na eacutepoca da formaccedilatildeo da cidade O esvaziamento de sentido aparece na
narrativa apenas como apecircndice da construccedilatildeo da histoacuteria oficial do ldquoprogressordquo e do
ldquopioneirismordquo denotando portanto a pouca importacircncia desses trabalhadores Essa
visatildeo reforccedila o discurso do ldquofui eu quem fizrdquo acentuando ainda mais uma visatildeo
capitalista evidenciada e reforccedilada nas referecircncias sobre as contribuiccedilotildees do Frigoriacutefico
de Vila Rica-MT
Guimaratildees Neto (2011 p 95) discute a relaccedilatildeo entre a colonizaccedilatildeo e os
dispositivos de poder a partir do imaginaacuterio da cidade sobre o trabalho A autora afirma
que ldquo[] no acircmbito dos discursos objetivam dotar de significado poliacutetico econocircmico e
social os espaccedilos destinados agrave colonizaccedilatildeo a pedra angular eacute a produccedilatildeo da ideia ou
invenccedilatildeo de uma vocaccedilatildeo agriacutecola para a Amazocircniardquo Entatildeo temos nesse caso uma
aproximaccedilatildeo dessa realidade entre os espaccedilos sociais e as contribuiccedilotildees dos sujeitos
para uma Paacutetria produtiva a partir de seus municiacutepios
48
A seguir temos outro exemplo de como o discurso do colonizador soa como
uma reivindicaccedilatildeo em torno do reconhecimento por parte de todos os demais sujeitos
histoacutericos jaacute que foi ele quem construiu tudo em uma eacutepoca em que tudo era muito
difiacutecil e trabalhoso
[] Fui para aquela regiatildeo procurei as terras sobrevoando a
regiatildeo mais sul possiacutevel do Amazonas Interessei-me pela
regiatildeo por ficar mais perto do sul Eu acreditava que a
influecircncia do Sul no futuro seria importante Achei finalmente
as terras [] Procurando passei em muitas fazendas para
verificar como os capins se desenvolviam naquelas regiotildees e
finalmente descobri uma aacuterea que satisfez minhas exigecircncias
[] Eram cento e cinquenta mil hectares comprei de uma
firma do Rio Grande do Sul e posteriormente vendi parte dela
cinquenta mil hectares para fazendeiros de Ituiutaba -MG O
restante eu fiz sete fazendas para este grupo de Belo Horizonte
que jaacute tinha entrado com o dinheiro para a aquisiccedilatildeo da terra
(ENTREVISTA com Rubens Rezende Peres colonizador de
Vila Rica-MT realizada por Suely Gonccedilalves Santos Pires em
2002)
Ao contraacuterio da narrativa oficial do colonizador que exalta os seus esforccedilos e
problemas o relato oral de alguns colonos demonstra precisamente que foram eles que
enfrentaram os maiores problemas superaram os piores desafios e venceram por
esforccedilos pessoais e coletivos quando necessaacuterio
Noacutes eacuteramos seis famiacutelias aiacute com 15 dias em Mato Grosso o
pessoal comeccedilou adoecer com malaacuteria que ateacute entatildeo era
desconhecida pra gente quando o pessoal foi negociar as
terras disseram que aqui era um lugar muito sadio natildeo tinha
doenccedila Entatildeo quem tinha condiccedilatildeo voltou a ir embora e noacutes
ficamos aqui soacute que aiacute acabou tudo com doenccedila e fomos
trabalhar como peotildees pra quem tinha mais Ai depois de
alguns anos a gente mudou daquele local e procuramos um
lugar onde natildeo tinha doenccedila malaacuteria ateacute chegar na cidade de
Vila Rica-MT voltar a morar na cidade Aqui eu vendia picoleacute
limpava quintal trabalhei de servente de pedreiro ateacute que
surgiu a oportunidade pra ir estudar fora eu fui a estudar em
Satildeo Paulo (ENTREVISTA com Gilmar Assentado realizada
pela autora em marccedilo de 2015 Grifos do autor)
O relato mostra que havia colonos insatisfeitos com a aquisiccedilatildeo do lote e que
tinham vontade ou mesmo conseguiram voltar para seus lugares de origem Poreacutem
49
percebe-se tambeacutem a existecircncia de objetivos na vida destas pessoas como a luta pela
sobrevivecircncia e por ocupaccedilatildeo de destaque no espaccedilo social
Para aleacutem dessa problemaacutetica sobre a narrativa e o discurso do colonizador
um dos elementos principais foi o papel de instituiccedilotildees e oacutergatildeos puacuteblicos na criaccedilatildeo e
emancipaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica que se deu principalmente por meio de
programas e poliacuteticas puacuteblicas ligadas ao incentivo agrave colonizaccedilatildeo e a reocupaccedilatildeo por
meio de empresas agropecuaacuterias
121 O papel das instituiccedilotildees e oacutergatildeo puacuteblicos as empresas agropecuaacuterias
e a colonizadora
Conforme jaacute contextualizado a atuaccedilatildeo do Governo Federal atraveacutes de
projetos e poliacuteticas puacuteblicas foi fundamental para a criaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica-
MT O Programa de Redistribuiccedilatildeo de Terras e de Estiacutemulo agrave Agroinduacutestria do Norte
(Proterra) criado em 1971 foi um dos principais programas federais de financiamento
das agropecuaacuterias daquela aacuterea Esse programa objetivava dentre outras metas
promover o acesso agrave terra e agrave agroindustrializaccedilatildeo na aacuterea onde jaacute havia investimentos
feitos pela Sudam Ressaltamos que os objetivos idealizados natildeo foram necessaria e
igualmente realizados
No discurso do Proterra a ldquo[] aquisiccedilatildeo ou desapropriaccedilatildeo de terras de
interesse social empreacutestimos fundiaacuterios para pequenos e meacutedios produtores rurais
financiamento de projetos de agroindustrializaccedilatildeo subsiacutedios ao uso de insumos
modernos []rdquo Era um programa de governo que idealizou a organizaccedilatildeo de alguns
espaccedilos agraacuterios de maneira singular Cruzando com as fontes orais eacute possiacutevel verificar
o impacto desse programa na formaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica
[] Na eacutepoca o governo estava dando estiacutemulo para a
ocupaccedilatildeo da Amazocircnia Legal Era uma modalidade de
empreacutestimo por nome Proterra que o Banco do Brasil dava
Esse recurso era destinado agrave implantaccedilatildeo de Fazendas na
regiatildeo [] Fiz um projeto para cada um dos meus amigos e
criamos uma empresa para a implantaccedilatildeo das fazendas
denominadas de SERVAP exclusivamente nossa composta por
seis soacutecios e dirigida por meu filho Claudio [] Todo aquele
trabalho no Mato Grosso foi dirigido por mim Implantei todas
as fazendas de acordo com os Projetos do BB fizemos pastos
currais as cercas e compramos o gado para depois de quatro
ou cinco anos poder entregar as referidas fazendas para cada
50
um dos soacutecios [] Nesse periacuteodo surgiu a oportunidade de
comprar mais cem mil hectares de terras anexas agraves nossas e
que pertenciam na eacutepoca ao Sr Osvaldo Aranha ou melhor a
uma empresa dele Logo em seguida compramos a Urupianga
(ENTREVISTA com Rubens Rezende Peres colonizador de
Vila Rica - MT realizada por Soely Gonccedilalves Santos Pires em
2002)
O colonizador Rubens Rezende considera como meacuterito do colonizador
ousadia ldquodesbravamentordquo e ldquoempreendedorismordquo como base apoio e financiamentos
de programas do Governo Federal viabilizados pelo Banco do Brasil A deacutecada de
1970 sobretudo as os anos de 1970-1973 e 1975-1979 foi marcada pela execuccedilatildeo de
um programa de crescimento econocircmico na fronteira Amazocircnica quando o Governo
Federal estimulou as empresas privadas a se constituiacuterem em grandes empreendimentos
agropecuaacuterios Esses projetos eram majoritariamente aqueles que viabilizados pela
parceria entre as empresas estatais e privadas
Na execuccedilatildeo desse projeto de crescimento econocircmico do Brasil sobretudo
para a Amazocircnia o Governo Federal subsidiou e viabilizou a concessatildeo de terras para
que grupos empresariais pudessem instalar grandes projetos tanto no setor
agropecuaacuterio como na induacutestria mineraccedilatildeo e colonizaccedilatildeo No espaccedilo do Araguaia as
empresas agropecuaacuterias tiveram significativa presenccedila
Os projetos e programas do Governo Federal contaram com duas principais
frentes de atuaccedilatildeo atraveacutes da Sudam paralelamente com a atuaccedilatildeo do INCRA com
projetos de assentamentos rurais Assim as terras devolutas foram vendidas pelo
Governo Estadual e adquiridas a preccedilos baixos por empresaacuterios agricultores
profissionais liberais atraiacutedos pelos incentivos fiscais e oportunidades de expansatildeo de
capital fomentado por projetos agropecuaacuterios aprovados pela Sudam Comprar e
administrar extensas fazendas na Amazocircnia parecia ser um bom negoacutecio jaacute que oferecia
baixo risco
Lourenccedilo (2009) informa que no periacuteodo de 1970 a 1985 a Amazocircnia Legal
teve 950 projetos aprovados pela Sudam dos quais 631 eram destinados agrave pecuaacuteria
extensiva Embora a previsatildeo de duraccedilatildeo desses projetos fosse de 16 anos a produccedilatildeo
era em meacutedia 9 do que tinha sido proposto Havia ainda as fazendas agropecuaacuterias
que natildeo produziam praticamente nada aleacutem daquelas que soacute existiam no papel
constituiacutedas apenas para a captaccedilatildeo de financiamentos e incentivos fiscais
51
No iniacutecio da deacutecada de 1970 o Governo Federal permitiu que as empresas de
colonizaccedilatildeo privada participassem juntamente com o INCRA da colonizaccedilatildeo na
Amazocircnia Segundo Lourenccedilo (2009 p 4)
O outro braccedilo da estrateacutegia de ocupaccedilatildeo da Amazocircnia com o
grande capital foi o avanccedilo da colonizaccedilatildeo privada Entre o
comeccedilo dos anos 1970 e meados dos anos 1980 principalmente
no Norte do Mato Grosso empresaacuterios como Ecircnio Pepino
Ariosto da Riva e Joatildeo Carlos Meireles compraram do INCRA
ou do estado do Mato Grosso com financiamento fundiaacuterio do
Proterra imensas glebas para divisatildeo e venda de lotes a colonos
do Sul expulsos pela modernizaccedilatildeo excludente da agricultura
ou afetados pela construccedilatildeo de hidreleacutetricas Os nomes das
cidades na metade norte do estado satildeo reveladores de suas
origens na empresa privada Sinop (Sociedade Imobiliaacuteria
Noroeste do Paranaacute) Confresa (Colonizadora Frenova Sapesa)
Contriguaccedilu (Cooperativa Central Regional Iguaccedilu) Codeara
(Companhia de Desenvolvimento do Araguaia do Banco de
Creacutedito Nacional) e outros nomes menos reveladores mas de
mesma origem como Alta Floresta (Indeco) Nova Mutum
(Agropecuaacuteria Mutum) Vila Rica-MT (Colonizadora Vila
Rica-MT) Tucumatilde (Construtora Andrade Gutierrez no Paraacute)
entre vaacuterios outros (Grifos nossos)
Em Mato Grosso as empresas de colonizaccedilatildeo privada adquiriram vaacuterios
milhotildees de hectares de terras puacuteblicas que foram loteadas e revendidas sobretudo para
agricultores que migraram do Sul do Brasil O INCRA que era responsaacutevel pela
colonizaccedilatildeo na Amazocircnia desenvolveu poucos projetos de colonizaccedilatildeo em Mato
Grosso deixando o campo aberto para as empresas privadas
Pouco foi investido por parte de posteriores Governos Federais e Estaduais na
permanecircncia dos assentados em suas terras centralizando os anseios e reinvindicaccedilotildees
ainda no INCRA Somente em 1999 o Governo Federal criou o Ministeacuterio do
Desenvolvimento Agraacuterio (MDA) Este oacutergatildeo se ocupou do reordenamento agraacuterio e
regularizaccedilatildeo fundiaacuteria na Amazocircnia Legal promoccedilatildeo do desenvolvimento sustentaacutevel
da Agricultura Familiar das regiotildees rurais e na identificaccedilatildeo reconhecimento
delimitaccedilatildeo demarcaccedilatildeo e titulaccedilatildeo das terras ocupadas pelos remanescentes das
comunidades quilombolas
Estes oacutergatildeos (INCRA e MDA) foram responsaacuteveis pelo desenvolvimento da
poliacutetica permanente de criaccedilatildeo de assentamentos rurais no paiacutes enquanto mediadores da
aquisiccedilatildeo ou de expropriaccedilatildeo de novas aacutereas de terras privadas ou puacuteblicas aleacutem da
52
realizaccedilatildeo da regularizaccedilatildeo de assentamentos rurais em aacutereas ocupadas por posseiros de
forma ldquomansardquo e paciacutefica ou seja onde natildeo havia conflito
O INCRA definiu o ldquoProjeto de assentamento ruralrdquo (PA) como
[] um conjunto de unidades agriacutecolas independentes entre si
instaladas pelo INCRA onde originalmente existia um imoacutevel
rural pertencente a um uacutenico proprietaacuterio Cada unidade
chamada de parcela lote ou gleba eacute entregue a uma famiacutelia sem
condiccedilotildees econocircmicas para adquirir e manter um imoacutevel rural
por outras vias Os trabalhadores rurais que recebem o lote
comprometem-se a morar na parcela e a exploraacute-la para seu
sustento utilizando a matildeo de obra familiar e contando com
creacuteditos assistecircncia teacutecnica infraestrutura e outros benefiacutecios
de apoio ao desenvolvimento das famiacutelias assentadas Ateacute que
possuam a escritura do lote os assentados estaratildeo vinculados ao
INCRA e natildeo poderatildeo dispor da gleba sem anuecircncia ou
autorizaccedilatildeo do INCRA10
Como assinalado acima o assentamento rural na definiccedilatildeo apresentada pelo
MDA teve como origem um uacutenico imoacutevel rural dividido em vaacuterias partes denominadas
de ldquoparcela lote ou glebardquo Ressalta-se que estes lotes foram destinados ldquo[] a uma
famiacutelia sem condiccedilotildees econocircmicas para adquirir e manter um imoacutevel ruralrdquo e que os
mesmos ldquo[] comprometem-se a morar na parcela e a exploraacute-la para seu sustento
utilizando a matildeo de obra familiarrdquo (INCRA 2015)
No municiacutepio de Vila Rica-MT a criaccedilatildeo e formaccedilatildeo dos assentamentos
rurais teve influecircncia direta no processo de colonizaccedilatildeo e instalaccedilatildeo de projetos
agropecuaacuterios (fazendas) O processo de reocupaccedilatildeo daquele espaccedilo comeccedilou com a
empresa SERVAP que realizou a exploraccedilatildeo desmatamento formaccedilatildeo de pastagens
currais e casas para as fazendas
122 A Servap e a abertura das Fazendas Promissatildeo Satildeo Marcos Aracatiacute e
Porongaba
Apoacutes a ldquoaberturardquo inicial a Servap transferiu parte das terras para a
Colonizadora Vila Rica O colonizador se responsabilizou pela comercializaccedilatildeo das
terras uma vez que seus soacutecios natildeo tinham experiecircncia com esse tipo de
10 Disponiacutevel em lt httpwwwincragovbrassentamentogt Acesso em 19052015
53
empreendimento Assim sendo segundo Pires (2002 p 22) os soacutecios realizaram a
divisatildeo das fazendas entre os mesmos por meio de um sorteio como foi relatado por
alguns funcionaacuterios da antiga empresa SERVAP
A ideia de praticar o sorteio foi vista como estrateacutegia para natildeo gerar
descontentamento jaacute que havia diferenccedila entre as fazendas em termos de valorizaccedilatildeo
da aacuterea o que tinha relaccedilatildeo com a infraestrutura os investimentos realizados e a
distacircncia da fazenda com a estrada por onde passaria a rodovia BR-158
A SERVAP tambeacutem tinha uma serraria e uma oficina de marcenaria para
atender a demanda de exploraccedilatildeo de madeira a qual era utilizada para a construccedilatildeo de
cercas currais e casas No iniacutecio a maioria das casas da aacuterea era construiacuteda com
madeira
Retomando o relato oral do ldquodito pioneirordquo eacute possiacutevel considerar a hipoacutetese
de que a praacutetica de exploraccedilatildeo de madeira esteja relacionada agrave proacutepria experiecircncia de
vida pois eacute ele mesmo quem diz ldquo[] minha histoacuteria comeccedila com o meu pai eacuteramos
madeireiros ele jaacute atuava no ramo por muitos anos faleceu e eu o substituiacute no
trabalhordquo (ENTREVISTA com Mendonccedila apud Soely 2002)
Na sede da empresa havia ainda uma pista para pouso de aviotildees e uma aacuterea
que servia como local de encontro ldquodos peotildeesrdquo que trabalhavam na SERVAP Os peotildees
costumavam ali se reunir nos horaacuterios de folga daiacute o lugar ser nomeado como ldquoPraccedila
Seterdquo Segundo Pires (2002 p 22) o nome era uma homenagem agrave cidade de Belo
Horizonte capital de Minas Gerais jaacute que a grande maioria das pessoas que trabalhava
na Servap era oriunda daquele Estado Esse espaccedilo tambeacutem se constituiu no eixo que
marcava a divisatildeo das quatro fazendas que deram origem ao processo de colonizaccedilatildeo de
Vila Rica conforme a Figura 4
Figura 4 Croqui de localizaccedilatildeo das fazendas
54
Fonte PIRES 2002 p 10
E como haviam sido ldquocriadasrdquo segundo o colonizador outras trecircs fazendas a
nova organizaccedilatildeo das agropecuaacuterias ocorreu da seguinte maneira ldquoFazenda Aracati
passou a ser de propriedade apenas de Rubens Rezende Peres A Fazenda Promissatildeo de
propriedade de Geraldo Franccedila Simotildees A Fazenda Porongaba de propriedade de Alair
Fernandes A Fazenda Ipecirc ficou sendo de Jonas Barcelos enquanto a fazenda Satildeo Joseacute
tornou-se propriedade de Homero Schettino Jaacute a Fazenda Satildeo Marcos do senhor
Miguel Acircngelo Cansado e a Fazenda Acaiaca de Tuacutelio Feliacutecio da Silvardquo (PIRES
2002)
Algumas dessas fazendas tornaram-se ociosas em termos de produccedilatildeo outras
nunca tiveram atividade agropecuaacuteria efetivada e outras faliram como foi descrito por
Lourenccedilo (2009 p 4) ao referir-se ao contexto dos projetos agropecuaacuterios na
Amazocircnia sobretudo no Araguaia
[] que existiu de fato foi o conflito crocircnico entre as grandes
fazendas e as populaccedilotildees camponesas que jaacute habitava a suposta
ldquoterra sem homensrdquo [] O Meacutedio Araguaia e a regiatildeo de
contato entre as bacias do Araguaia e Xingu foram palco de
inuacutemeros conflitos violentos entre posseiros apoiados pela
Igreja Catoacutelica e grandes fazendeiros que reclamavam de
imensas porccedilotildees de terra11
11Disponiacutevel em lthttpinteressenacionaluolcombrindexphpedicoes-revistaregularizacao-
fundiaria-e-desenvolvimento-na-amazoniagt Acesso em 28082015
55
As aacutereas remanescentes tornaram-se objeto de interesse e disputa por parte de
posseiros agricultores familiares grileiros e fazendeiros Logo natildeo eacute possiacutevel falar de
sucesso contiacutenuo e permanente dos processos de colonizaccedilatildeo ainda que estejam no
ideaacuterio do colonizador Alguns desses projetos privados se sustentaram e deram
resultado poreacutem outros ficaram a mercecirc da administraccedilatildeo dos proprietaacuterios das
empresas colonizadoras
A especificidade da formaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica-MT
estaacute centrada em uma conjuntura regional que pode ser problematizada pela forma com
que os assentamentos rurais foram sendo formados em aacutereas remanescentes de fazendas
e projetos agropecuaacuterios
13 Anos de 1980 a 1990 o Araguaia e a formaccedilatildeo dos assentamentos rurais
Na presente dissertaccedilatildeo produzimos uma narrativa sobre a formaccedilatildeo dos
assentamentos rurais no Araguaia compreendemos que os mesmos resultaram das lutas
travadas pelos movimentos sociais desencadeados pelos posseiros em busca de terra
para morar e produzir Essa concepccedilatildeo pode ser compartilhada com a ideia de que
apesar da evidecircncia de o assentado nem sempre ser aquele idealizado natildeo se pode
perder de vista que ldquoposseirordquo eacute uma categoria poliacutetica de luta pela terra Assim nossa
escrita deseja ampliar a possibilidade de entender esse jogo poliacutetico de construccedilatildeo social
da vida ldquocampesinardquo atraveacutes da luta pela terra
Conveacutem entatildeo compreender que os conflitos e praacuteticas de violecircncia
aplicadas contra os povos indiacutegenas ribeirinhos posseiros e trabalhadores rurais no
Araguaia satildeo em geral consequecircncia das lutas pela posse da terra sobretudo nas
deacutecadas de 1970 1980 e 1990 Naquele periacuteodo as disputas foram marcadas por
embates intensos entre trabalhadores rurais indiacutegenas empresaacuterios comerciantes
fazendeiros e posseiros deixando sequelas sociais profundas Vale lembrar ainda que
esses acontecimentos marcaram a trajetoacuteria de luta pela vida e a memoacuteria dos sujeitos
histoacutericos na dinacircmica de reocupaccedilatildeo e apropriaccedilatildeo dos espaccedilos rurais da aacuterea
Diante do cenaacuterio de luta pela sobrevivecircncia e tentativas de conquistar a
posse da terra eacute bem possiacutevel aceitar e afirmar que se natildeo fosse o apoio e as accedilotildees
poliacuteticas de algumas instituiccedilotildees como a Prelazia de Satildeo Felix do Araguaia da
56
Comissatildeo Pastoral da Terra (CPT) e os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais em favor
dos posseiros e indiacutegenas o territoacuterio do Araguaia hoje teria outra configuraccedilatildeo social
e cultural Da mesma maneira teriacuteamos outras histoacuterias e outras relaccedilotildees sociais para
analisar e compreender a dinacircmica da vida ldquocampesinardquo na luta por seus ideais
Essas circunstacircncias satildeo tatildeo especiais que o proacuteprio aparato estatal
reconheceu os esforccedilos das instituiccedilotildees sociais e religiosas na proteccedilatildeo amparo e
contribuiccedilatildeo para com a vida dos ldquopequenosrdquo lutadores pela vida Esses documentos
por exemplo demonstram os acontecimentos para o MDA (2014 p 17) da seguinte
maneira
Cabe destacar ainda o importante papel da Igreja e dos
sindicatos dos trabalhadores rurais na intermediaccedilatildeo dos
conflitos agraacuterios e no proacuteprio processo de ocupaccedilatildeo atraveacutes da
organizaccedilatildeo das comunidades rurais e estruturaccedilatildeo dos
municiacutepios Ainda hoje a CPT realiza accedilotildees de fiscalizaccedilatildeo e
denuacutencias de trabalho escravo e violecircncia no campo na
microrregiatildeo norte Araguaia
Em plena concordacircncia com o significado atribuiacutedo pelo MDA reafirmamos
que os posseiros e trabalhadores rurais do territoacuterio do Araguaia recorreram a diferentes
estrateacutegias e instituiccedilotildees reordenando determinadas estrateacutegias diante do processo de
reocupaccedilatildeo territorial que ora se revelavam ldquoespontaneamenterdquo ora se mostraram de
forma pensada e arquitetada ganhando singularidades adequadas e bem ordenadas
quando articuladas agrave CPT e agrave Prelazia de Satildeo Felix do Araguaia
Tais instituiccedilotildees desenvolveram eficientes accedilotildees projetivas e formativas das
equipes dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais da aacuterea marcadas por distintos tipos
de comportamentos e de relaccedilotildees proacuteximas entre sujeitos e instituiccedilotildees produzindo
diversos significados na vida de um povo de uma instituiccedilatildeo ou de uma autoridade
Assim ao apresentar o livro Conquistar a Terra reconstruir a Vida lanccedilado
em comemoraccedilatildeo aos dez anos de existecircncia da CPT uma das mais importantes
autoridades religiosas daquela aacuterea o bispo da Prelazia de Satildeo Feacutelix do Araguaia Dom
Pedro Casaldaacuteliga resolveu de uma maneira poeacutetica e profeacutetica produzir sentido como
um cacircntico de liberdade e de determinaccedilatildeo de um povo registrando sua compreensatildeo da
seguinte forma
57
Celebrar os dez anos da Comissatildeo Pastoral da Terra deve ser
simultaneamente um ato penitencial uma memoacuteria de martiacuterio
e uma cantiga rural de accedilatildeo de graccedilas
A CPT tem os seus pecados Inimigos e amigos cuidaram e
cuidam de lembraacute-lo oportuna e inoportunamente E isso nos
faz Ser criacuteticos e autocriacuteticos deveria ser um traccedilo de
identidade marcante em toda a pastoral que se queira
historicamente engajada e fiel ao ritmo popular A accedilatildeo de
graccedilas queremos cantaacute-la porque o Deus dos Pobres da Terra
se tem feito presente de muitos modos nesta nossa caminhada
entre os lavradores e os agentes na proacutepria CPT e a partir dela
em outros setores da Igreja do Brasil e tambeacutem em Igrejas e
movimentos rurais da Ameacuterica Latina que a CPT de alguma
maneira atingiu com suas contribuiccedilotildees
Superados o tempo da saudade e a saudade- que nem todos
conseguem superar- daquela Accedilatildeo Catoacutelica e seus derivados
mais com o esquema da Igreja ldquosociedade perfeita paralela agrave
sociedade humana a CPT trouxe inegavelmente agrave Igreja do
Brasil uma novidade pastoral seguindo o jeito pioneiro do
CIMIrdquo
[] Sei que muitos mais ou menos amigos- reclamaram com
frequecircncia do ldquoPrdquo nem sempre bem vivido da nossa CPT
agora mocinha de 10 anos Outros reclamaram do ldquoTrdquo
obsessivamente vivido pela CP segundo eles
(CASALDAacuteLIGA 1985 p 7-8)
Percebemos no texto uma evidente preocupaccedilatildeo de Dom Pedro Casaldaacuteliga
em reconhecer os ldquopecados da CPTrdquo que satildeo constantemente debatidos por ldquoinimigos e
amigosrdquo que apontam os problemas causados pelas accedilotildees da CPT e da Prelazia de Satildeo
Feacutelix do Araguaia As criacuteticas quanto ao fato da CPT ser uma ldquopastoralrdquo satildeo
evidenciadas pelo bispo que sabe que muitos satildeo os criacuteticos dessa forma de organizaccedilatildeo
e luta pastoral mas pondera que
Com a graccedila do Senhor da Terra e na marcha diaacuteria para a Terra
Prometida que se recebe e se conquista desafio histoacuterico e dom
escatoloacutegico procuramos conjugar melhor com mais garra
com nova alegria mais autenticamente evangeacutelicos e rurais o
ldquoP‟ e o ldquoTrdquo de uma Pastoral da Terra criacutetica livre e servidora A
foacutermula providencial da CPT estaacute longe de se esgotar
(CASALDAacuteLIGA 1985 p 8)
Logo Dom Pedro aponta para a necessidade de a CPT ter sua praacutetica
ancorada na necessidade dos atores sociais e que essa situaccedilatildeo estaacute ldquolonge de se
esgotarrdquo Ressaltamos que mesmo diante de equiacutevocos praticados a atuaccedilatildeo dessa
instituiccedilatildeo e de seus agentes foi decisiva para a dinacircmica da luta pela terra no Araguaia
58
Nas palavras de Dom Pedro fica evidente o caraacuteter de uma consciecircncia dos
atores sociais para a luta
Queria e quero estar evangelicamente - evangelizadoramente
tambeacutem - em meio ao povo lavrador reforccedilando sua
consciecircncia e a coragem unida de suas lutas sem entretanto
substituir jamais suas organizaccedilotildees autocircnomas sem dirigi-lo
condicionadamente Ouvindo-o muito mais perto Ajudando
toda a Igreja do Brasil a se aproximar desse povo profeacutetica e
servidora Voltando- se tambeacutem para a opiniatildeo puacuteblica do paiacutes
como porta-voz de emergecircncia e alto falante privilegiado do
clamor dos lavradores durante este escuro tempo nacional que
proibia ou tergiversava ou ignorava a voz do povo
(CASALDAacuteLIGA 1985 p 7)
O bispo ainda fez uma anaacutelise de conjuntura em que a luta pela terra os
direitos e a permanecircncia nela natildeo satildeo problemas superados
Gostaria de acrescentar apenas que esse tempo escuro mal
comeccedila a clarear A Nova Repuacuteblica pode muito bem ser uma
nova ilusatildeo uma nova fraude Os senhores deste mundo nosso
colonizado e dependente poderatildeo permitir que mudem os
governos e ateacute os regimes e ateacute os regimes filiais sempre que se
preserve a alma sem alma do sistema E com se mantenha o
sacrifiacutecio do Povo e sua escravidatildeo particularmente no campo
sempre cobiccedilado pelos sucessivos impeacuterios
E porque esse tempo natildeo passou ainda- amanhece na incerteza-
a Igreja toda do Brasil e a CPT em sua missatildeo especiacutefica
deveratildeo se hoje mais do que nunca servidoras alertadas do
Povo dos pobres De um jeito novo sem duacutevida mais fina a
profecia mais plural a presenccedila do diaacutelogo mais largo os
passos mais concretos []
Como me sinto parte nesta causa natildeo entro em mais juiacutezos Eu
e a CPT carregados carregamos no coraccedilatildeo um monte de nomes
entranhados que o senhor sem duacutevida escreveraacute com terra e
sangue no Livro da Terra Este livro jubilar de palavras e papel
sirva para recordar para avaliar para estimular a caminhada
sempre fiel e sempre nova (CASALDAacuteLIGA 1985 p 10)
Atraveacutes das palavras do bispo Dom Pedro podemos compreender melhor a
perspectiva da accedilatildeo da CPT e o significado da relaccedilatildeo entre posseiros e as instituiccedilotildees
religiosas especificamente atraveacutes de seus agentes e grupos sociais muacuteltiplos e diversos
que vivem no Araguaia indiacutegenas retireiros trabalhadores rurais posseiros sertanejos
peotildees dentre outros grupos sociais ligados agrave terra e ao trabalho
59
Dom Pedro utiliza palavras esforccedilando-se para natildeo julgar natildeo ofender natildeo
dividir natildeo pregar o oacutedio evitando falar sobre o desafio do poder constituiacutedo ou das
forccedilas dos poderes sociais e econocircmicos visiacuteveis na sociedade Ao contraacuterio reconhece
o valor das lutas relembra a anguacutestia e a necessidade delas valoriza a opccedilatildeo feita para
construir uma histoacuteria de uma instituiccedilatildeo e acima de tudo compromete-se com os
grupos sociais fragilizados e vitimizados do Araguaia
Seus escritos soam como um lamento como um choro de alegria por ter
realizado o sonho de estar partilhando a vontade de vencer e sobreviver na sociedade
capitalista Portanto trata-se nessa longa citaccedilatildeo de uma arte de compor a frase de
compor o sentido dos acontecimentos em belas frases de mergulhar no mundo das
letras para reafirmar questotildees sublimes da sensibilidade humana que se deslocam agraves
instituiccedilotildees colocando em movimento um conjunto de recursos que servem para a luta
na disputa pela terra e em defesa dos socialmente fragilizados Talvez seja este
fragmento de texto uma oraccedilatildeo que orientou seu sentido de vida enfim que o moveu
para o terreno da poliacutetica da Igreja Catoacutelica em defesa de setores sociais empobrecidos
Sem descuidar da compreensatildeo deles a Igreja ampliando o trajeto para
multiplicar nossa capacidade de conhecer possibilitou que compreendecircssemos outras
contribuiccedilotildees Assim para Ferreira Fernaacutendez e Silva (1999) a histoacuteria dos
assentamentos rurais em Mato Grosso natildeo foge agraves caracteriacutesticas de outras regiotildees do
Brasil A maior parte deles eacute resultado da luta dos posseiros que demandavam terra e
moradia
A partir daqui nossa visatildeo da disputa pela terra se amplia no sentido de
perceber a intervenccedilatildeo de setores sociais em defesa de seus respectivos grupos Cada
um deles possui uma agremiaccedilatildeo que produz a disputa no terreno da religiatildeo ou da
poliacutetica Compreendida desta forma fica mais intensa nossa necessidade de estudar
ainda mais a participaccedilatildeo dos movimentos sociais sindicais e religiosos na luta pela
terra
Isso porque a primeira vitoacuteria de uma luta pela terra tem como fator decisivo
a posse de um territoacuterio e isso depende das relaccedilotildees que se estabelecem Por isso de
acordo com Fernandes (1996 p 181) ldquo[] O assentamento eacute o territoacuterio conquistado
eacute portanto um novo recurso na luta pela terra que significa parte das possiacuteveis
conquistas representadas sobretudo a possibilidade da Territorializaccedilatildeordquo
60
Sendo assim eacute relevante compreender as diversas accedilotildees que envolvem o
processo de luta e conquista da terra sendo preciso compreender as taacuteticas de luta e as
estrateacutegias ordenadas para a conquista e natildeo conhecer apenas o ato de regularizaccedilatildeo
oficial do assentamento rural Afinal a oficializaccedilatildeo de um assentamento rural natildeo diz
tudo sobre a luta pela terra Apenas legitima sua posse de acordo com as orientaccedilotildees
estatais
Portanto as relaccedilotildees produzidas as accedilotildees articuladas de maneira organizada
entre sujeitos e instituiccedilotildees levam a um novo mundo de reconfiguraccedilatildeo das afinidades
Nessa mesma perspectiva Salazar (2005 p 217) afirma que
Em um mesmo territoacuterio se pode encontrar diferentes
assentamentos humanos articulados entre si ou natildeo na medida
em que cumprem um papel social econocircmico cultural e
poliacutetico dentro da sociedade que o faz possiacutevel e dentro do
sistema econocircmico ao qual se vinculam O caraacuteter e o
desenvolvimento das poliacuteticas estatais frente ao territoacuterio e agrave
populaccedilatildeo tambeacutem condicionam a apropriaccedilatildeo que faccedila [sic] a
sociedade do espaccedilo e seus recursos
Agrave luz da concepccedilatildeo do autor pode-se considerar que os assentamentos rurais
constituem vivecircncias e experiecircncias e satildeo permeados por relaccedilotildees fortemente marcadas
por disputas e perspectivas de poder interesses intenccedilotildees poliacuteticas e percepccedilotildees
diferentes acerca da funccedilatildeo e das relaccedilotildees constituiacutedas entre o Estado e a Sociedade
entre os proacuteprios participantes e componentes das organizaccedilotildees sociais
Logo as poliacuteticas puacuteblicas direcionadas aos assentamentos rurais criam
tambeacutem elementos de competiccedilatildeo pelo poder na medida em que lhes satildeo atribuiacutedos
novos sentidos e significados Isto se deve ao fato de que eacute atraveacutes das praacuteticas e dos
discursos que os diferentes sujeitos histoacutericos criam e recriam a representaccedilatildeo acerca da
funccedilatildeo dos assentamentos rurais
Ao considerar os muacuteltiplos contextos no que concerne agraves condiccedilotildees de luta
dos assentados pela Reforma Agraacuteria percebemos que estes atores sociais recorreram a
diferentes estrateacutegias para atraiacuterem a atenccedilatildeo das autoridades enquanto Poder Puacuteblico
No cenaacuterio das disputadas nos movimentos de organizaccedilatildeo das lutas nas composiccedilotildees
coletivas para enfrentamento das individualidades do poder econocircmico e diante da
violecircncia que sempre emergiu na luta pela terra desde os recursos proporcionados pela
miacutedia ateacute o enfrentamento com pistoleiros e fazendeiros os agentes que reivindicam
61
terra disputam a articulaccedilatildeo entre sujeitos e instituiccedilotildees entre oacutergatildeos e instacircncias de
poder
Esse movimento natildeo se limita somente ao enfrentamento dos portadores de
tiacutetulos e ou proprietaacuterios de terra ou entre grandes posseiros ou grileiros de terras
puacuteblicas Necessariamente os estudos devem caminhar no sentido de perceber outras
variaccedilotildees no seu interior
Conforme Ferreira Fernaacutendez e Silva (2009 p 197)
Em Mato Grosso as poliacuteticas de assentamento dos
trabalhadores rurais principalmente a colonizaccedilatildeo (oficial e
privada) e os assentamentos de reforma agraacuteria sobre vaacuterios
aspectos devem ser mais estudados de dupla matildeo certamente
natildeo se referem a daacutedivas mas agraves conquistas dos trabalhadores
em accedilatildeo conjunta com o estado O assentamento de reforma
agraacuteria eacute um processo em curso repleto de fatores positivos e
limitaccedilotildees que coloca no plano social poliacutetico econocircmico e
ambiental possibilidades de ecircxito da produccedilatildeo familiar no
campo
Os autores chamam a atenccedilatildeo para o fato de que ao tomarmos os
assentamentos rurais em Mato Grosso como objeto de estudo eles devem ser estudados
em uma perspectiva que aponte o percurso e os significados das lutas sociais frente agrave
conquista de novos territoacuterios Ao mesmo tempo natildeo devemos limitar nossos olhares
simplesmente para os conflitos entre os grupos sociais diferenciados mas tambeacutem para
os conflitos com o proacuteprio poder puacuteblico sem esquecer as transformaccedilotildees das
condiccedilotildees de vida das pessoas que vivem da produccedilatildeo familiar Assim eacute preciso
perceber que haacute cooperaccedilatildeo compartilhamento de interesses em alguns aspectos mas
em outras circunstacircncias tambeacutem existe a necessidade de intensificar nossos
conhecimentos sobre tais processos
Por outro lado os mesmos autores consideram como questatildeo importante
tambeacutem destacar que embora os assentamentos rurais em Mato Grosso se revelem
como uma alternativa promissora na dinamizaccedilatildeo da economia e promoccedilatildeo do
desenvolvimento local os mesmos ainda estatildeo longe de serem consolidados enquanto
poliacutetica puacuteblica
De maneira especial no que tange agraves accedilotildees do Estado no sentindo de
viabilizar a infraestrutura necessaacuteria ao desenvolvimento pleno da Agricultura Familiar
e de potencializar essa modalidade de produccedilatildeo como alternativa para manutenccedilatildeo do
62
conjunto social no territoacuterio de produccedilatildeo e no espaccedilo de trabalho em que se realiza mais
como ser humano e como trabalhador
Desse modo eacute possiacutevel afirmar que o artifiacutecio da Reforma Agraacuteria deve vir
sustentado pela intensificaccedilatildeo e realizaccedilatildeo de outros elementos para que de fato e de
direito sejam asseguradas as condiccedilotildees necessaacuterias agrave ascensatildeo social e econocircmica dos
agricultores familiares Para isso eacute preciso que surjam novas accedilotildees visando a alteraccedilatildeo
dos espaccedilos institucionais no acircmbito local e regional
Soacute assim haveraacute efetivamente a possibilidade de melhoria das condiccedilotildees de
vida daqueles que sobrevivem da produccedilatildeo nos assentamentos rurais Especialmente eacute
necessaacuterio compreender que melhorando a vida no campo melhoramos a vida na
cidade onde a maior parte da populaccedilatildeo depende dos que produzem no campo para se
alimentar e consequentemente para viver Esse deveria ser um principio poliacutetico de
cidadania para todos aqueles que se envolvem com a disputa pela terra e com a luta pela
conquista do territoacuterio de trabalho da populaccedilatildeo ldquocampesinardquo
O Projeto de assentamento rural se contemplado com accedilotildees do Estado
favorece o desenvolvimento econocircmico local desde que as poliacuteticas puacuteblicas
implementadas nos assentamentos rurais sejam direcionadas para o seu fortalecimento
oferecendo-lhes maior potencial econocircmico cultural e social com um planejamento que
lhes decirc sustentaccedilatildeo numa perspectiva de meacutedio e em longo prazo sem esquecer que
qualificar a produccedilatildeo ldquocampesinardquo significa tambeacutem promover o desenvolvimento do
comeacutercio e de outros setores da economia otimizando accedilotildees para novos padrotildees de
organizaccedilatildeo e melhoria das condiccedilotildees de vida da populaccedilatildeo urbana
Em relaccedilatildeo agraves poliacuteticas de Reforma Agraacuteria no Brasil Bergamasco amp Norder
(1996) consideram que os assentamentos rurais exercem papel importante no panorama
rural brasileiro de modo particular por contribuir de forma significativa nas
transformaccedilotildees sociais e econocircmicas por meio da geraccedilatildeo de novos empregos da
diminuiccedilatildeo do ecircxodo rural aumentando assim a produccedilatildeo e a oferta de alimentos Ou
seja os assentamentos rurais tecircm um papel significativo na produccedilatildeo agriacutecola do paiacutes
Para esses autores melhorar as condiccedilotildees de vida no campo sobretudo nos
assentamentos rurais significa elevar a situaccedilatildeo econocircmica da maioria das pessoas que
vive e depende da Agricultura Familiar como uacutenico meio e fonte de renda na garantia
do sustento familiar
63
Mas essas poliacuteticas puacuteblicas combinadas com poliacuteticas sociais passam por
um constante debate sobre redefiniccedilotildees e articulaccedilotildees a exemplo definir o que eacute um
assentamento rural o significado da territorializaccedilatildeo e da compreensatildeo do papel do
sujeito campesino na vida social de um povo Esse debate eacute promovido pela sociedade
civil que delibera demandas e propotildee mudanccedilas nos oacutergatildeos e instituiccedilotildees auxiliadoras
na sua concretizaccedilatildeo como o INCRA e o MDA em relaccedilatildeo aos assentamentos rurais e
suas poliacuteticas puacuteblicas
O MDA desde sua criaccedilatildeo em 199912
tem como incumbecircncia atuar na
Reforma Agraacuteria e seu reordenamento cumprindo papel fundamental na regularizaccedilatildeo
fundiaacuteria na Amazocircnia Legal promovendo o desenvolvimento sustentaacutevel da
Agricultura Familiar nas regiotildees rurais e de maneira singular atuando na identificaccedilatildeo
reconhecimento delimitaccedilatildeo demarcaccedilatildeo e titulaccedilatildeo das terras ocupadas pelos
remanescentes das comunidades quilombolas Logo esse ministeacuterio por meio do
INCRA desenvolve poliacuteticas puacuteblicas de realizaccedilatildeo de assentamentos rurais no paiacutes e a
ainda na contemporaneidade tem demonstrado algumas necessidades prementes
Assim para realizaccedilatildeo do seu mister a Instituiccedilatildeo ou oacutergatildeo principal do
Poder Puacuteblico que orienta a Questatildeo Agraacuteria o INCRA atualmente define projetos de
assentamento Rural (PA) como
[] um conjunto de unidades agriacutecolas independentes entre si
instaladas pelo INCRA onde originalmente existia um imoacutevel
rural pertencente a um uacutenico proprietaacuterio Cada unidade
chamada de parcela lote ou gleba eacute entregue a uma famiacutelia sem
condiccedilotildees econocircmicas para adquirir e manter um imoacutevel rural
por outras vias Os trabalhadores rurais que recebem o lote
comprometem-se a morar na parcela e a exploraacute-la para seu
sustento utilizando a matildeo de obra familiar e contando com
creacuteditos assistecircncia teacutecnica infraestrutura e outros benefiacutecios
de apoio ao desenvolvimento das famiacutelias assentadas Ateacute que
possuam a escritura do lote os assentados estaratildeo vinculados ao
INCRA e natildeo poderatildeo dispor da gleba sem anuecircncia ou
autorizaccedilatildeo do INCRA13
Como assinalado o assentamento rural na definiccedilatildeo apresentada pelo MDA
origina-se de um uacutenico imoacutevel rural que eacute dividido em vaacuterias partes denominada de
12
Criado atraveacutes da medida provisoacuteria 1911-12 13
Disponiacutevel em lthttpwwwincragovbrassentamentogt Acesso em 21082015
64
ldquoparcela lote ou glebardquo Essa compreensatildeo traz no seu bojo diversas possibilidades de
interpretaccedilatildeo sobretudo permite entender que se trata de eventuais processos estatais
na concretizaccedilatildeo da justiccedila agraacuteria oferecendo condiccedilotildees de trabalho agrave populaccedilatildeo que
se realiza se identifica e sobrevive da produccedilatildeo agriacutecola em pequena escala
Concluindo podemos afirmar que os assentamentos rurais no Araguaia mato-
grossense no que se refere a sua constituiccedilatildeo possuem caracteriacutesticas muito diferentes
do que eacute previsto nas diretrizes para a criaccedilatildeo dos assentamentos rurais definidas pelo o
Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria uma vez que os mesmos resultam
de atos de regularizaccedilatildeo e natildeo de criaccedilatildeo Diante disso precisamos articular nosso
pensamento voltando os olhares para os processos de duraccedilatildeo temporaacuteria diferente
para que possamos aproximar um pouco mais da realidade vivida
65
2 MEMOacuteRIAS DA REOCUPACcedilAtildeO HISTORICIZANDO OS
ASSENTANTAMENTOS RURAIS DE VILA RICA-MT (1980-2010)
Conforme analisado no capiacutetulo anterior eacute imprescindiacutevel a historicizaccedilatildeo do
processo de formaccedilatildeo dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT Para
tanto optou-se pelo recorte temporal 1980 a 2010 a partir da necessidade da proacutepria
anaacutelise A deacutecada de 1980 foi marcada pela emancipaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica e
tambeacutem pela formaccedilatildeo dos primeiros assentamentos rurais A anaacutelise se estendeu ateacute o
periacuteodo mais recente devido agraves fontes e aos dados oficiais necessaacuterios para
compreensatildeo do enfoque proposto
O principal objetivo deste capiacutetulo eacute compreender a formaccedilatildeo e o
desenvolvimento dos assentamentos rurais de Vila Rica-MT problematizando o papel e
a atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees e dos oacutergatildeos puacuteblicos como o INCRA Banco do Brasil
Empaer dentre outros aleacutem de instituiccedilotildees e entidades da sociedade civil mas tambeacutem
de movimentos sociais e sindicais como o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila
Rica CPT Prelazia de Satildeo Feacutelix do Araguaia e associaccedilotildees de pequenos produtores
rurais Para complementar a anaacutelise tornou-se indispensaacutevel buscar as accedilotildees e
estrateacutegias dos atores histoacutericos envolvidos na luta pela posse da terra
21 A transformaccedilatildeo das fazendas agropecuaacuterias em assentamentos rurais atraveacutes
da luta pela terra
Das sete fazendas agropecuaacuterias trecircs foram transformadas em Projetos de
assentamentos rurais em um periacuteodo inferior a duas deacutecadas Fazendas Ipecirc Aracati e
Satildeo Joseacute Algumas das narrativas oficiais sobre a colonizaccedilatildeo do municiacutepio declaram
que a Fazenda Porongaba cedeu parte da aacuterea que a colonizadora Vila Rica- MT Ltda
utilizou para realizar o loteamento do espaccedilo urbano
As aacutereas remanescentes dessas fazendas agropecuaacuterias foram sendo
reocupados atraveacutes das estrateacutegias de lutasresistecircncias utilizadas pelos colonos
posseiros parceleiros e pelos assentados14
Atraveacutes da dinacircmica de reocupaccedilatildeo e uso da
terra foram constituiacutedos oito assentamentos rurais regularizados pelo o INCRA neste
municiacutepio conforme dados da Tabela 1
14 Satildeo autodenominaccedilotildees das pessoas que residem nos assentamentos rurais de Vila Rica No
decorrer da pesquisa analisaremos como estas foram sendo construiacutedas neste contexto histoacuterico
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Tabela 1 Assentamentos rurais de Vila Rica-MT
Fonte INCRA 2014
Na formaccedilatildeo de assentamentos rurais existem sujeitos histoacutericos que para o
INCRA satildeo considerados ldquoclientela de Reforma Agraacuteriardquo os quais se autodenominam
de maneiras diferentes ldquoparceleirosrdquo ou ldquoassentadosrdquo Nos assentamentos rurais do
Araguaia a denominaccedilatildeo mais utilizada eacute ldquoposseirordquo sobretudo quando se referem aos
primeiros tempos de formaccedilatildeo do assentamento rural no sentido de reafirmar que entre
os agricultores familiares haacute aqueles que se autodenominam posseiros como identidade
de luta pela posse da terra remetendo a um imaginaacuterio que os ligue umbilicalmente a
uma accedilatildeo tambeacutem de corajoso lutador e desbravador Ainda que seja em contraposiccedilatildeo
ao latifuacutendio o posseiro passa a se sentir um sujeito valente que ocupou resistiu e
conquistou a posse da terra Portanto uma identidade poliacutetica construiacuteda na luta pela
terra
Logo o termo posseiro aparece tambeacutem como um siacutembolo da resistecircncia aos
projetos agropecuaacuterios e agraves grandes fazendas que expropriam os trabalhadores rurais
Sem-terra uma vez que muitos jaacute se encontravam na aacuterea bem antes dos fazendeiros e
da implantaccedilatildeo dos projetos agropecuaacuterios
Conforme o relato de um assentado de Vila Rica obtido na pesquisa de
campo que realizamos em marccedilo de 2015 no Assentamento Rural Satildeo Joseacute eacute possiacutevel
afirmar que a denominaccedilatildeo de posseiro estaacute associada agraves estrateacutegias e condiccedilotildees de luta
pelo acesso agrave terra ldquo[] me vejo como posseiro Ser posseiro no Araguaia eacute assumir
que lutamos contra os fazendeiros que viviam do dinheiro emprestado do Banco sei o
Projeto de assentamento N de Famiacutelias Aacuterea (ha) Data Criaccedilatildeo
Colocircnia Bom Jesus 60 4457 25071996
Ipecirc 228 12099 28121998
Santo Antocircnio do Beleza 216 12100 10042001
Aracati 45 2110 05121996
Alvorada 49 32656 29121995
Itaporatilde do Norte 170 10641 11071996
Satildeo Joseacute da Vila Rica-MT 252 14262 28121998
Satildeo Gabriel 45 1985 28121998
Total 1065 60919 -
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quanto foi difiacutecil viver sob a mira da morte pra ter essa terrinha e com ela poder
alimentar a minha famiacutelia []rdquo15
Trata-se de uma situaccedilatildeo de enfrentamento na luta
pela terra visando garantir a sobrevivecircncia e as condiccedilotildees miacutenimas de sustento da
famiacutelia
Assim como Castro (1996) o historiador Puhl (2003) nos chama atenccedilatildeo para
as caracteriacutesticas que definem o posseiro conceito construiacutedo a partir da percepccedilatildeo de
que esses agentes sociais tecircm ldquo[] ocupaccedilatildeo antiga de aacutereas devolutas ou sem
documentaccedilatildeo privada o uso direto da terra no trabalho de produccedilatildeo agropecuaacuteria a
residecircncia e o trabalho da famiacutelia na posse a resistecircncia agrave retirada ou expulsatildeo levada a
efeito por grileirordquo
Pereira (2013 p 11) corrobora esclarecendo que o termo posseiro possui
outros significados
[] as praacuteticas e os usos poliacuteticos desse conceito que o
produziram Eram considerados posseiros os trabalhadores
rurais que haacute muito tempo ocupavam aacutereas devolutas tidas
como posses antigas que natildeo apresentavam contestaccedilatildeo por
qualquer pessoa e nelas fizeram moradas habituais de suas
famiacutelias Contudo outra experiecircncia social comeccedila a sobrepor-
se a essas praacuteticas mais antigas Trabalhador rural sobretudo
migrante de outras regiotildees do paiacutes que lutavam pela terra quer
fossem aqueles que disputavam aacutereas de terras devolutas
consideradas novas simultaneamente com empresaacuterios
fazendeiros ou comerciantes tambeacutem migrantes quer fossem
aqueles que ocupavam imoacuteveis com tiacutetulos definitivos ou de
aforamentos passaram a ser vistos tambeacutem como posseiros Ou
seja os trabalhadores rurais apropriaram-se de uma designaccedilatildeo
ateacute entatildeo usada para significar os ocupantes de terras devolutas
consideradas antigas para ajustar-se a uma nova situaccedilatildeo ou
praacutetica social Esta apropriaccedilatildeo utilizada do conceito de
posseiro ganha uma dimensatildeo poliacutetica inusitada na luta pela
terra no Brasil
Em concordacircncia com este uacuteltimo autor asseguramos que o conceito de
posseiro pode ser compreendido enquanto resultado das praacuteticas de luta das quais os
conceitos satildeo resultados Neles os atores sociais se apropriam desse conceito para se
autonomear e ao mesmo tempo atribuir sentidos as proacuteprias atitudes de desafio ao
sistema de enfrentamento aos modelos existentes para os fazendeiros constituindo-se
enquanto uma categoria social formada por sujeitos histoacutericos de diferentes origens e
15 Joseacute Roberto Agricultor familiar em uma entrevista realizada pela autora em 2015
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trajetoacuterias migratoacuterias os quais muitas vezes apresentam uma significativa
diferenciaccedilatildeo social
Devido agrave diversificaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave situaccedilatildeo econocircmica e cultural entre as
pessoas que satildeo denominadas de clientela da Reforma Agraacuteria em Vila Rica-MT o
criteacuterio de distribuiccedilatildeo dos lotes nos assentamentos rurais passou a ser objeto de
questionamento por parte de alguns agricultores familiares o que eacute claro no relato feito
por um dos entrevistados durante a pesquisa que realizamos no mecircs de marccedilo de 2015
junto ao Assentamento Rural Ipecirc
Pode- se dizer que o INCRA tambeacutem eacute culpado pela evasatildeo dos
assentamentos rurais pois nem sempre ele leva em
consideraccedilatildeo se a pessoa que estaacute cadastrada tem ou natildeo
viacutenculo vocaccedilatildeo para ser Agricultor Familiar Os assentados
da Reforma Agraacuteria (alguns ) fizeram o cadastro jaacute pensando
em pegar a terra e depois vender [] Logo na primeira
dificuldade jaacute vende a propriedade dele pra outro Eu penso
que precisa olhar se a histoacuteria das pessoas que demandam por
terra em assentamento estaacute ligada com a luta pela terra vejo
que assim valorizava mais o assentamento [] E na verdade
na eacutepoca de assentar essas pessoas tinha um perfil de
assentando se olhar soacute pelo aspecto de renda miacutenima Mas
muitas natildeo tinham viacutenculo com a terra e atendiam apenas
esse perfil criado de forma subjetiva soacute levando em
consideraccedilatildeo a situaccedilatildeo econocircmica Penso que natildeo estavam em
desacordo com as exigecircncias para o cadastro do INCRA pois
atendiam aquelas exigecircncias burocraacutetica mas elas natildeo eram de
perfil de produtor ou trabalhador rural Aiacute foi onde ocorreu
uma evasatildeo do assentamento Eles natildeo tinham viacutenculo com a
terra pois esse cadastro do INCRA soacute verificava se a pessoa jaacute
tinha outro tiacutetulo no nome dela outra propriedade cadastrada
no nome se possuiacutea vinculo com o serviccedilo publico tipo se era
concursado em oacutergatildeo puacuteblico Logo podia ser que essas
pessoas estivessem enquadradas como produtor ou trabalhador
rural para o INCRA mas na verdade sempre moraram na
cidade nunca haviam trabalhado com a terra nunca tinham
criado um frango sequer nunca tiraram um litro de leite
(ENTREVISTA com Gilmar agricultor familiar de Vila Rica-
MT realizada pela autora em marccedilo de 2015) Grifos da autora
No municiacutepio de Vila Rica verificamos a partir da anaacutelise de documentos
que as origens de seus assentamentos rurais foram distintas mesmo que nos dados
oficiais indicados na Tabela 1 todos eram regularizados e reconhecidos pelo INCRA
na deacutecada de 1990
Quando verificamos os dados do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do
municiacutepio de Vila Rica da Comissatildeo Pastoral da Terra e da Prelazia de Satildeo Feliz do
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Araguaia os quais foram tambeacutem confrontados com os testemunhos orais dos
assentados identificamos que alguns dos assentamentos rurais datavam da deacutecada de
1980
Reafirmamos que suas histoacuterias estatildeo vinculadas agrave histoacuteria do Araguaia a
qual eacute marcada por uma seacuterie de conflitos no que tange agrave luta pela terra considerada
enquanto direito Direito pelo qual muitas vezes os posseiros e os indiacutegenas pagaram
com as suas proacuteprias vidas ou de seus parentes
Uma carta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT evidencia
a complexidade em torno da luta pela posse da terra Esse registro foi apresentado ao
presidente do INCRA como base para uma anaacutelise da situaccedilatildeo das terras consideradas
improdutivas as quais em sua maioria eram remanescentes da Colonizadora Vila Rica
Ltda e que a desapropriaccedilatildeo das mesmas era condiccedilatildeo necessaacuteria para a sobrevivecircncia
dos trabalhadores que as reocuparam
Figura 5 Carta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais para o INCRA (1990)
Fonte Arquivo do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT
2015
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Ressaltamos que a exposiccedilatildeo dos argumentos dos dirigentes do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Vila Rica teve por base a compreensatildeo de que as terras
remanescentes da colonizadora eram ldquoimprodutivasrdquo segundo os criteacuterios do Estatuto
da Terra Nessa situaccedilatildeo os proprietaacuterios deixavam de cumprir a funccedilatildeo social da terra
possibilitando sua desapropriaccedilatildeo legal para fins de Reforma Agraacuteria
Apesar da ocorrecircncia de reivindicaccedilotildees formalizadas via cartas ofiacutecios e
outras formas de solicitaccedilatildeo feitas aos oacutergatildeos responsaacuteveis pela Questatildeo Agraacuteria no
Araguaia mato-grossense alguns relatos orais descreveram a reocupaccedilatildeo das fazendas
como uma accedilatildeo implementada de maneira paciacutefica por parte dos posseiros Poreacutem
houve tambeacutem atitudes e praacuteticas de violecircncia na accedilatildeo de alguns fazendeiros em relaccedilatildeo
agrave expulsatildeo dos posseiros A luta pela posse da terra no municiacutepio de Vila Rica ocorreu
de forma conflituosa Embora natildeo tatildeo violentos como em outros municiacutepios como em
Santa Terezinha em Porto Alegre do Norte e em outros onde vaacuterios posseiros foram
mortos por fazendeiros
Vale destacar que muitas pessoas que reocuparam as aacutereas de fazendas hoje
assentamentos rurais em Vila Rica eram em sua maioria membros associados ao
Sindicato dos Trabalhadores Rurais daquele municiacutepio Quando estaacutevamos em atividade
de visita ao um dos assentamentos durante a pesquisa de campo uma assentada nos
relatou queldquo[] o papel do Sindicato geralmente era o de solicitar a regularizaccedilatildeo da
terra bem como o processo de formaccedilatildeo e o de organizaccedilatildeo da base no caso os
trabalhadores pobre sem terra principalmente os filiados do STRrdquo (ENTREVISTA
com Clainir Agricultora Familiar membro da direccedilatildeo do STR realizada pela autora em
marccedilo de 2015) O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica tambeacutem fazia a
mediaccedilatildeo entre os assentados e o Poder Puacuteblico sobretudo com o INCRA Foi esse
sindicato que orientou a criaccedilatildeo das associaccedilotildees conforme o relato a seguir
[] noacutes do sindicato trabalhaacutevamos visando evitar os conflitos
e o processo de despejo pois priorizaacutevamos a montagem e a
reinvindicaccedilatildeo do processo de desapropriaccedilatildeo das fazendas a
demarcaccedilatildeo dos lotes homologaccedilatildeo cadastramento e o
assentamento das famiacutelias [] E depois os posseiros iam
pleitear as linhas de credito para habitaccedilatildeo e
alimentaccedilatildeofomento depois as demais linhas do Pronaf A
Pronaf C e outros investimentos de custeio Eacute assim que comeccedila
os assentamentos esse processo eacute geral em todo lugar Quando
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digo que agente noacutes do sindicato evitava conflito natildeo estou
dizendo que conseguimos pois eacute importante lembrarmos que
tivemos muitos momentos complicados Houve ameaccedilas de
morte teve despejos de posseiros teve gente que perdeu tudo
que havia plantado quando foram expulsos da terra Ainda bem
que sempre podemos contar com o suporte da Igreja e da CPT
se natildeo fosse essas instituiccedilotildees noacutes estariacuteamos numa situaccedilatildeo
muito pior assentamento eacute luta nessa regiatildeo do Araguaia
Entatildeo nem se fala teve quem pagou com a vida Hoje fico
vendo muitos assentados vendendo suas terras a preccedilo de nada
e reclamando de dificuldades fico pensando o povo parece que
agraves vezes esquece a luta O INCRA eacute fundamental mas erra
tambeacutem quando coloca gente na terra sem levar em conta que
para viver no campo precisa ter aptidatildeo para trabalhar na
terra Percebo que mais esvazia o assentamento eacute quem natildeo
sabe lidar com roccedila (ENTREVISTA Ibidem)
Os serviccedilos voltados para a melhoria da infraestrutura como estradas pontes
e outras benfeitorias nos ldquoprimeiros temposrdquo de formaccedilatildeo dos assentamentos rurais
eram feitos pelos proacuteprios moradores A prefeitura alegava que natildeo dispunha de
recursos para investir em assentamentos rurais que ainda natildeo haviam sido regularizados
Essa situaccedilatildeo foi praticamente igual em todos os assentamentos rurais oriundos da
reocupaccedilatildeo de fazendas de Vila Rica-MT
Os espaccedilos puacuteblicos como escola barracatildeo da associaccedilatildeo Igreja campo de
futebol etc estatildeo geralmente localizados nas antigas sedes das fazendas Isso se repete
em todos os assentamentos rurais estudados em Vila Rica-MT
22 Os assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT
O processo de formaccedilatildeo dos assentamentos rurais no municiacutepio mato-
grossense de Vila Rica natildeo ocorreu de modo linear nem mesmo obedeceu a uma
padronizaccedilatildeo Portanto faz-se necessaacuterio problematizar a formaccedilatildeo de cada um deles
individualmente lanccedilando matildeo de diferentes fontes documentais Alguns assentamentos
rurais possuem documentos e outros tecircm sua historicidade presente somente na
memoacuteria dos assentados Daiacute a importacircncia de se conhecer as singularidades descritivas
desses ldquoadereccedilos sociaisrdquo procurando trazer para o diaacutelogo a forma constitutiva de cada
um deles
A trajetoacuteria construiacuteda pelos agricultores familiares estaacute presente em suas
memoacuterias as quais podem ser mais bem compreendidas quando nos remetemos agrave
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concepccedilatildeo definida por Thompson (1992) segundo o qual a memoacuteria eacute constituiacuteda a
partir da habilidade que os indiviacuteduos tecircm em compreender suas experiecircncias bem
como o interesse deles em contar as suas experiecircncias de vida uma vez que as
lembranccedilas se revelam de forma mais concisa quando o relembrar dos acontecimentos
estaacute correspondendo aos seus proacuteprios interesses e necessidades
Daiacute a importacircncia em se atentar tambeacutem ao que natildeo estaacute dito e ao que natildeo
pode ser dito pelo narrador Neste caso o silenciamento sobre determinados temas
constituem relativa importacircncia para intensificar a seguranccedila que o entrevistado tem ou
quer passar nas proacuteprias narrativas Para tanto eles selecionam o que dizem e aquilo que
natildeo deve se tornar puacuteblico Um exemplo obtido atraveacutes de entrevista com um dos
assentados chamou a atenccedilatildeo pela forma como ele gesticulava ao contar sua trajetoacuteria
de vida Foi possiacutevel perceber o quanto as questotildees natildeo ditas mencionadas por
Thompson (1992) tornam-se relevantes na praacutetica de trabalhos que dependem da
metodologia das fontes orais como no caso dessa pesquisa
Ao relatar a sua trajetoacuteria de vida o depoente sentado em uma cadeira
encostando-se a uma aacutervore e com as pernas balanccedilando passava ldquoaos meus olhosrdquo a
sensaccedilatildeo de ser uma pessoa muito tranquila para falar sobre si e seus afazeres
Revelava-se estar muito orgulhoso do siacutetio que tinha mas no decorrer da entrevista foi
perceptiacutevel que quando o assunto natildeo o agradava por se tratar de algo que o marcou
como uma experiecircncia que natildeo lhe remetia para boas lembranccedilas ele parava de balanccedilar
as pernas e baixava a cabeccedila A projeccedilatildeo de futuro foi um assunto que evidentemente
natildeo o agradava quando afirmou
[] sofro muito soacute em pensar o que possa acontecer se eu
morrer primeiro ela vai ter que vender e dividir entre os filhos
pois natildeo daraacute conta de cuidar sozinha Se eacute ela quem morre
primeiro sou eu quem teraacute que vender Isso sim eacute doiacutedo pra
noacutes depois de tanta luta pra organizar o siacutetio terminar nas
matildeos de sei laacute quem Esse siacutetio pra mim natildeo tem preccedilo mas eacute
uma pena que nossos filhos natildeo pensam igual Quando eles
querem um dinheiro dizem ldquomatildee pai me manda aiacute tantordquo mas
vejo que o forte deles natildeo eacute morar no siacutetio (ENTREVISTA
com Joatildeo Neto agricultor Familiar do assentamento Satildeo Joseacute
realizada pela autora em marccedilo de 2015)
O relato possibilita a reflexatildeo sobre os diversos significados produzidos a
respeito da concepccedilatildeo e das formas de usos da terra para os agricultores familiares
como o significado da posse da terra a relevacircncia das lutas e da conquista assim como
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a busca pela continuidade da tradiccedilatildeo na convivecircncia com o espaccedilo rural Aleacutem da
preocupaccedilatildeo praacutetica com a falta de continuidade familiar no trabalho do siacutetio existe
uma preocupaccedilatildeo com o futuro incerto capaz de apagar da memoacuteria o viacutenculo desse
agente histoacuterico com a terra Percebe-se o desejo de eternizar esse viacutenculo e o valor
sentimental dessa terra que para ele natildeo tem preccedilo
A narrativa torna possiacutevel identificar o papel dos agentes histoacutericos na
construccedilatildeo da historiografia agraacuteria de Mato Grosso As pesquisas natildeo datildeo muita
importacircncia aos assentamentos rurais mais particularmente agraves trajetoacuterias de vida dos
agricultores familiares
Por outro lado as evidecircncias mostram que os assentados exercem um papel
importantiacutessimo na formaccedilatildeo dos assentamentos rurais Nesse sentido eles natildeo podem
estar agrave ldquomargemrdquo das lutas travadas pelas instituiccedilotildees agraves quais estatildeo vinculados No
caso de Vila Rica-MT as entidades que se destacam nas narrativas sobre as lutas pela
terra satildeo a CPT o Sindicato dos Trabalhadores Rurais a Prelazia de Satildeo Feliz do
Araguaia e o INCRA
221 O Assentamento Rural Satildeo Joseacute
O Assentamento Rural Satildeo Joseacute em Vila Rica-MT resultou de uma
reocupaccedilatildeo que teve iniacutecio no ano de 1995 Foram os proacuteprios ldquoposseirosrdquo que
demarcaram os seus lotes e construiacuteram as casas provisoacuterias que eram cobertas de palha
e lona Posteriormente os ocupantes comeccedilaram a cultivar roccedilas para o consumo
proacuteprio e outras atividades como a pesca a caccedila e a extraccedilatildeo de madeira (EMPAER
2010)
Segundo relato de um dos assentados a estruturaccedilatildeo dos lotes em termos de
construccedilotildees estruturais e preparaccedilatildeo do solo para o cultivo eram realizadas atraveacutes do
trabalho dos proacuteprios assentados Joatildeo Neto diz ldquo[] eu e a minha esposa fizemos tudo
isso plantamos tudo que tem nesse siacutetio tudo escolhido por noacutes cada plantinha dessa
aqui eacute do sitio que a gente viverdquo (ENTREVISTA com Joatildeo Neto agricultor Familiar do
assentamento Satildeo Joseacute realizada pela autora em marccedilo de 2015)
Outro relato permite identificar algumas ocorrecircncias instigantes relacionadas
agrave formaccedilatildeo do Assentamento Rural Satildeo Joseacute
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[] o Projeto de assentamento Satildeo Joseacute eacute resultado da invasatildeo
invasatildeo natildeo essa natildeo eacute a palavra apropriada para designar o
que fizemos Na verdade noacutes ocupamos uma fazenda que jaacute
natildeo estava mais produzindo Geralmente quem fala invasatildeo
satildeo pessoas que se colocam contra os assentamentos rurais
[] Em 1997 isso tudo foi ocupado por pessoas que moravam
na cidade sem-terra e filhos de pequenos agricultores [] E
foi assim que a antiga Fazenda Satildeo Joseacute se transformou em um
assentamento rural ou melhor P A Satildeo Joseacute eacute assim que a
gente costuma chamar (ENTREVISTA com Clainir Mafra
Agricultora familiar assentada no PA Satildeo Joseacute realizada pela
autora em marccedilo de 2015)
Nesta narrativa sucinta percebe-se que diferentes satildeo as denominaccedilotildees de
agentes histoacutericos em cena O argumento principal eacute que eles natildeo satildeo ldquoinvasoresrdquo e sim
ldquomoradores da cidaderdquo ldquosem terrasrdquo e ldquofilhos de pequenos agricultoresrdquo demonstrando
uma construccedilatildeo de identidade daqueles que reocuparam a Fazenda Satildeo Joseacute ligada agrave
terra e agrave necessidade de sobrevivecircncia uma vez que satildeo legiacutetimos ocupantes como os
ldquofilhos de pequenos produtoresrdquo que precisam de mais terra para se reproduzir
socialmente e continuar o viacutenculo familiar com a terra
Fazendeiros proprietaacuterios filhos de pequenos agricultores moradores da
cidade e sem-terra se colocam como posseiros que participaram da luta pela terra
Percebe-se que a formaccedilatildeo do assentamento rural se deu a partir dessa luta que ocorreu
graccedilas agrave uniatildeo dos posseiros
Na verdade a gente natildeo era bobo quando ocupamos uma aacuterea
que iraacute ser assentamento Natildeo adianta querer crescer o olho
pois o INCRA tem o seu modo de medir a terra entatildeo o certo eacute
tirar o siacutetio no tamanho certinho assim natildeo complica Noacutes
agiacuteamos em conjunto meio assim uns por todos []
(ENTREVISTA com Clainir Mafra Agricultora familiar
assentada no PA Satildeo Joseacute realizada pela autora em marccedilo de
2015)
Atraveacutes do relato citado percebemos que os posseiros se adaptavam aos
criteacuterios do INCRA e tinham na uniatildeo uma ferramenta poliacutetica capaz de fortalececirc-los e
agregar conhecimentos e experiecircncias capazes de fundamentar estrateacutegias para
conseguir o direito agrave terra A uniatildeo para a abertura das aacutereas a serem reocupadas eacute
evidenciada no seguinte relato oral
75
[] acho que eacuteramos em meacutedia umas 200 ou 250 pessoas que
ocuparam e jaacute foram demarcando suas aacutereas usando foice
facatildeo machado e motosserra alguns que tinham motosserra a
maioria era com a foice e o machado na estrada no Rio Satildeo
Marcos com aacutegua Fizemos os barracos derrubando
plantando arroz milho e pensando em formaccedilatildeo de pasto
(ENTREVISTA com Joatildeo Neto assentado Satildeo Joseacute realizado
pela autora em marccedilo de 2015)
Esse depoimento demonstra a capacidade de uniatildeo e a organizaccedilatildeo dos
posseiros A diferenciaccedilatildeo social entre eles natildeo travou sua organizaccedilatildeo O relato a
seguir mostra essa relaccedilatildeo
Muita gente pobre pobre mesmo Mas natildeo posso negar que um
ou outro que ocupou a terra como posseiro quando na verdade
natildeo tinha o perfil pois tinha dinheiro Por mais que o Sindicato
fala ldquoacompanha e orienta semprerdquo passa algum que estaacute
fora do padratildeo dos agricultores familiares Eacute assim agraves vezes
nem o sindicato e nem o INCRA tem como controlar tudo ateacute
porque as pessoas tecircm um comeacutercio ou algum outro meio de
ganhar dinheiro mas natildeo estaacute no nome dela e daiacute o que haacute de
fazer eacute complicado achar que vai controlar essas coisas tudo
(ENTREVISTA com Joatildeo Neto assentado Satildeo Joseacute realizada
pela autora em marccedilo de 2015)
Percebemos que entre os proacuteprios posseiros era evidente que nem todos
possuiacuteam o ldquoperfilrdquo de agricultores familiares ou segundo criteacuterio do INCRA se
enquadrava como ldquoclientela de Reforma Agraacuteriardquo Era recorrente a percepccedilatildeo de que
estes oacutergatildeos e entidades que acompanharam o processo natildeo tinham condiccedilotildees objetivas
de definir com precisatildeo quem tinha o perfil e quem deveria ser impedido de tomar
posse dos lotes que constituem o Assentamento Rural Satildeo Joseacute
Para aleacutem da questatildeo da diferenciaccedilatildeo dos posseiros outro fato importante eacute
que eles adquiriram lotes de qualidade duvidosa uma vez que a terra estava em situaccedilatildeo
de degradaccedilatildeo extrema poreacutem aceitaram-na visto natildeo dispor de capital financeiro para
investir em tecnologias de melhoramento do solo somado agrave falta de infraestrutura e
dificuldade de acesso para uma parte dos assentados
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Ah Tem uma coisa que lembrei pra te contar Eacute que tem uma
parte que foi denominada de Jamaica por ser de difiacutecil acesso
era muito complicado para a gente chegar laacute Coitados dos que
foram para aquela parte de laacute sofreram o isolamento natildeo
tinha entrada por causa do rio Satildeo Marcos e assim ficaram por
um bom tempo Aiacute eacute o que digo sempre jaacute foi difiacutecil pra gente
imagina para aqueles coitados de laacute (ENTREVISTA com Joatildeo
Neto assentado Satildeo Joseacute realizado pela autora em marccedilo de
2015)
Aleacutem da diferenciaccedilatildeo entre os posseiros das dificuldades do espaccedilo social
conquistado o entrevistado destaca que natildeo ocorreram conflitos entre o proprietaacuterio da
Fazenda Satildeo Joseacute e os posseiros No entanto as dificuldades vivenciadas por eles
foram inuacutemeras sobretudo para aqueles posseiros que ocuparam as aacutereas mais distantes
da estrada
Eu falo sempre aqueles primeiros tempo era o que podemos
chamar de tempos das dificuldades Eacute como eu te disse antes
aqui natildeo teve conflito como teve em outros assentamentos
Acho que isso foi porque o fazendeiro devia para o banco pois
fez empreacutestimo para manter a fazenda assim diz o povo mas
sabe se isso eacute verdade [] Entatildeo isso fez com que natildeo
houvesse conflito entre os fazendeiros e os posseiros []
(ENTREVISTA com Joatildeo Neto assentado Satildeo Joseacute realizada
pela autora em marccedilo de 2015)
O relato revela indiacutecios de que o dono da Fazenda Satildeo Joseacute tinha manifestado
interesse em vender a aacuterea para o INCRA devido agrave contraccedilatildeo de diacutevidas Mas eacute
possiacutevel ponderar que a ecircnfase na versatildeo de que natildeo houve conflito eacute tambeacutem uma
estrateacutegia dos posseiros Durante a deacutecada de 1990 mais precisamente durante o
Governo de Fernando Henrique Cardoso foi adotada a poliacutetica governamental de natildeo
regulamentar as terras que tivessem sido ocupadas atraveacutes de conflitos Quando
ocorriam disputas a terra natildeo era reconhecida pelo INCRA enquanto aacuterea passiacutevel de
desapropriaccedilatildeo para transformaacute-la em um assentamento rural
Essa poliacutetica se justificava pelo dispositivo reconhecido juridicamente como
ldquousucapiatildeordquo segundo o qual o posseiro soacute teria direito a terra quando a mesma fosse
ocupada de forma ldquomansa e paciacuteficardquo16
Em um assentamento rural planejado o
primeiro ato consiste na aquisiccedilatildeo da aacuterea para depois ocupaacute-la atraveacutes da distribuiccedilatildeo
dos lotes de acordo com criteacuterios estabelecidos pelo o INCRA
16 A ldquoocupaccedilatildeo mansa e paciacuteficardquo eacute um princiacutepio consagrado pela Lei de Terras de 1850
77
Na anaacutelise de outros documentos disponibilizados pelo STR percebe-se que
por um periacuteodo superior a um ano os posseiros foram viacutetimas de ameaccedilas e boatos de
que o dono da fazenda faria o despejo accedilatildeo que natildeo chegou a se efetivar Logo o STR
Vila Rica-MT entrou com pedido de desapropriaccedilatildeo da fazenda e em seguida o
INCRA deu andamento ao processo de regularizaccedilatildeo comeccedilando a discussatildeo e o
encaminhamento para a compra de toda a aacuterea
Consta nos documentos analisados que o INCRA procurou regularizar o
assentamento rural atraveacutes de uma accedilatildeo conjunta com o STR com vista agrave necessidade
de agilizar a organizaccedilatildeo do cadastro dos agricultores familiares por meio da
Associaccedilatildeo que jaacute existia desde antes da accedilatildeo do INCRA Foi atraveacutes dela que esses
agricultores se mobilizaram para construir estradas e escola Somente depois de um ano
da reocupaccedilatildeo a prefeitura passou a operar de forma mais efetiva juntamente com o
INCRA com o objetivo consolidar o Assentamento Rural Satildeo Joseacute Depois da
regularizaccedilatildeo foi liberado o creacutedito para a aquisiccedilatildeo de gado e melhorias na
infraestrutura
Segue uma narrativa que possibilita a problematizaccedilatildeo dessa questatildeo
[] quando a gente chegou aqui no dia que cheguei tinha trecircs
cancelas trancadas Tinha o pessoal dali que natildeo queria que a
gente entrasse O gerente natildeo deixava a gente entrar mas tinha
um menininho pequenino do tamanho daquele ali Aiacute eu trazia
balinha bombom e dava pra ele Aiacute quando ele me via corria
eu vinha pra caacute era de bicicleta De Vila Rica-MT pra caacute eu
vinha de bicicleta com uma ldquocarguinhardquo na garupa Mas o
que eu vinha fazer eu trazia soacute foice Aiacute vinha e passava meio
debaixo dos arames e ia roccedilando Rocei um pedaccedilo de mato e
voltei pra Vila Fui trabalhar para ganhar dinheiro para
comer ldquoAiacute quando foi um dia falou Zeacute Roberto eu passei na
sua roccedilardquo o Joseacute Roberto falou o fogo estaacute acabando de
queimar a sua roccedilardquo Que horas Umas oito horas da noite eu
passei laacute e fogo estava acabando de queimar a sua roccedilardquo
ldquoEntatildeo natildeo queimou a roccedila natildeordquo Cheguei aqui estava tudo
queimado Aiacute o que eu fiz foi imediatamente soacute eu mesmo com
umas panelinhas e jaacute ldquobarrequeirdquo aqui e fui furar cisterna
Trouxe um rapaz para furar o poccedilo Furou o poccedilo eu vim fazer
o barriquinho Ai amiga velha aqui soacute mato (ENTREVISTA
com Joatildeo Neto assentado de Satildeo Joseacute realizada pela autora
em marccedilo de 2015)
O relato demonstra a necessidade que estes agentes histoacutericos tecircm em
enfatizar que a posse da terra dava-se com muito sacrifiacutecio dos posseiros com a ajuda
78
de outros que avisavam e auxiliavam a cuidar da roccedila Portanto a integraccedilatildeo e a
solidariedade faziam parte do cotidiano de vida deles principalmente sabendo da
necessidade que alguns tinham de sair da ldquoposserdquo para trabalhar na aacuterea urbana ou
mesmo em outras propriedades rurais em busca de sobrevivecircncia motivo pelo qual natildeo
podiam morar exclusivamente na ldquoposserdquo
Os ldquoposseirosrdquo enfrentaram dificuldades para ldquoabrirrdquo fazer o plantio e para
construir as casas em seus lotes pois sem apoio do poder puacuteblico tiveram que
desenvolver as suas proacuteprias condiccedilotildees de sobrevivecircncia seja na construccedilatildeo de
barracos casas ou cultivo das roccedilas Tambeacutem havia problemas de ordem financeira que
implicavam na condiccedilatildeo elementar de sobrevivecircncia no lote Nem todos possuiacuteam
recursos para se manter nos espaccedilos socialmente delimitados ateacute que as roccedilas
comeccedilassem a produzir para a alimentaccedilatildeo dos membros das famiacutelias
Alguns posseiros precisaram conciliar as atividades do lugar proacuteprio de
produccedilatildeo com outras atividades como derrubar a mata para dela retirar madeira e
vender para as serrarias ou trabalhar em outros siacutetios para conseguir dinheiro suficiente
para suprir as necessidades baacutesicas para o sustento da famiacutelia Durante o periacuteodo da
pesquisa de campo eram frequentes as narrativas afirmando ser o trabalho assalariado
uma praacutetica corriqueira entre a maioria dos posseiros mais pobres
Uma estrateacutegia foi o trabalho acessoacuterio nas aacutereas urbanas
[] e pra mim comer aqui trabalhava uma semana aqui e ia
trabalhar na diaacuteria para os outros Trabalhava uma semana
para o Valdemar Senna trabalhava uma semana para o
Aguiarro para o dono do hotel Marajoacute laacute no fundo E daiacute por
diante eu agraves vezes tirava madeiras para algumas pessoas
derrubava um pouquinho de mato para uma pessoa pra mim
comer a minha esposa trabalhava no coleacutegio eu fazia meus
bicos e ela empregada laacute na estadual Entatildeo ela tambeacutem me
ajudava muito Pegava o salarinho dela para comprar coisa em
casa pra comprar gaacutes pra me ajudar em casa tambeacutem Entatildeo
ldquomorreurdquo tudo assim eu e ela trabalhando para manter a
posse Noacutes pegamos primeiro uma cesta baacutesica que chamava
fomento [] eu natildeo me lembro do valor se foi se natildeo me
engano foi mil e alguma coisa (ENTREVISTA com Joatildeo
Neto assentado de Satildeo Joseacute realizada pela autora em marccedilo de
2015)
Naquele contexto tambeacutem havia posseiros que eram comerciantes servidores
puacuteblicos e ateacute antigos funcionaacuterios da Fazenda Satildeo Joseacute que tinham um maior poder
79
aquisitivo Esses eram os principais contratantes dos posseiros que precisavam vender
sua forccedila de trabalho
222 O Assentamento Rural Ipecirc
Para conseguir compreender a formaccedilatildeo do Assentamento Rural Ipecirc foi
necessaacuterio visitar o local para perceber as especificidades Isso porque o contato direto
entre pesquisador e seus entrevistados acompanhado por conhecidos foram
significativas Atraveacutes dessa proximidade foi possiacutevel aos entrevistados o uso de suas
memoacuterias que possibilitaram relembrar a condiccedilatildeo humana de luta pela sobrevivecircncia
e que fez os homens e mulheres sujeitos da proacutepria histoacuteria
Comecemos por um espaccedilo bem instigante O Assentamento Rural Ipecirc
originou-se da compra da Fazenda Ipecirc que havia sido ocupada antes numa accedilatildeo
apoiada pelo STR O INCRA apresentou a possibilidade de fazer um assentamento rural
modelo construiacutedo atraveacutes de um planejamento de acordo com as diretrizes do MDA
para a criaccedilatildeo de assentamentos rurais
A luta pela conquista do seu espaccedilo social de produccedilatildeo ocorreu em 1999
quando os posseiros ocuparam toda a aacuterea da Fazenda Ipecirc e fizeram a divisatildeo dos lotes
abrindo estradas por meio de ldquopicadatildeordquo embora maior parte da aacuterea jaacute estivesse
ocupada com pastagens
Em carta aberta escrita pela Comissatildeo Municipal de Reforma Agraacuteria na
mesma deacutecada as lideranccedilas do movimento tentavam esclarecer agrave populaccedilatildeo de Vila
Rica-MT sobre os acontecimentos e ao mesmo tempo procuraram chamar a atenccedilatildeo
das autoridades vinculadas agrave Questatildeo Agraacuteria Simultaneamente esse documento
revelou uma concepccedilatildeo da estrateacutegia e da luta pela posse da terra Tanto os dirigentes do
STR como as outras instituiccedilotildees em determinado momento viram-se na luta na
condiccedilatildeo de aliados dos oacutergatildeos governamentais como o INCRA e a prefeitura
municipal de Vila Rica-MT
Por esse documento podemos saber que a Comissatildeo Municipal de Reforma
Agraacuteria do municiacutepio era composta por representantes de instituiccedilotildees e entidades
vinculadas agrave Questatildeo Agraacuteria e visava consolidar um assentamento rural que atendesse
aos padrotildees estabelecidos pela poliacutetica de criaccedilatildeo de assentamentos pelo INCRA
80
Logo havia interesse dos oacutergatildeos governamentais e do STR para a conquista
do que viria a ser o primeiro assentamento rural do Araguaia mato-grossense Ele foi
construiacutedo a partir do imaginaacuterio idealizado pelo Plano de Reforma Agraacuteria da eacutepoca
[] A reforma agraacuteria eacute um anseio da populaccedilatildeo e necessidade
do trabalhador rural A colonizaccedilatildeo de Vila Rica-MT foi
modelo de reforma agraacuteria com a divisatildeo das grandes aacutereas em
pequenas ocupadas por produtores tambeacutem pequenos A partir
de 1998 foi instituiacuteda ldquoA Comissatildeo Agraacuteria do Municiacutepio de
Vila Rica-MTrdquo com o objetivo de coordenar agraves atividades
ligadas a Questatildeo Agraacuteria no acircmbito municipal Esta comissatildeo
em parceria com o INCRA e sociedade envolvida organizou os
trabalhos de classificaccedilatildeo dos sem terras selecionando 500 em
uma relaccedilatildeo de 1700 inscritos no Sindicato dos Trabalhadores e
Prefeitura para assentaacute-los na Fazenda Ipecirc ateacute entatildeo objeto de
desapropriaccedilatildeo para fins da reforma agraacuteria A relaccedilatildeo de
classificados feita conforme legislaccedilatildeo competente e os
meacutetodos estabelecidos pela a proacutepria comissatildeo foram
apresentados ao INCRA que fez o cadastramento no SIPRA-
Sistema de Informaccedilatildeo de Projetos da Reforma Agraacuteria Aleacutem
de organizar esta classificaccedilatildeo a comissatildeo conscientizou os
futuros assentados a evitar a invasatildeo da Fazenda e sim aguardar
as devidas providecircncias que seriam tomadas pelo INCRA para
que o assentamento fosse feito com clientes da reforma agraacuteria
trabalhadores sem-terra e que pudesse ser modelo para a
regiatildeo [] Para a decepccedilatildeo das 500 famiacutelias de trabalhadores
(as) sem-terra sipradas e de pessoas ligadas ao processo um
grande nuacutemero de estranhos entre eles fazendeiros
comerciantes e pequena parte dos sem-terra siprados17
invadiram a aacuterea da fazenda Ipecirc entre a reuniatildeo de 260399 a
300399 despeitando os que haacute dois anos honesta e
sofridamente aguardavam a tramitaccedilatildeo legal Com a chegada
dos representantes do INCRA a Comissatildeo Municipal de
Reforma Agraacuteria representantes de outras intensidades diante
do fato da invasatildeo e o processo de assentamento concluiu-se
que []- fosse solicitada com urgecircncia a retirada dos invasores
pelas autoridades em niacuteveis federal estadual e municipal
(CARTA ABERTA- STR de Vila Rica-MT marccedilo de 2015)18
Os envolvidos no processo de organizaccedilatildeo do assentamento rural ficaram
desapontados ao serem surpreendidos pela invasatildeo da aacuterea por outros agentes que natildeo
tinham sido selecionados no Sistema de Informaccedilatildeo de Projetos da Reforma Agraacuteria e
que tampouco atendiam aos criteacuterios do Programa
17 Expressatildeo utilizada para caracterizar os assentados rurais cadastrados no INCRA
18 A carta na integra estaacute disponibilizada nos arquivos do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Vila Rica- MT analisados pela autora da pesquisa em marccedilo de 2015
81
A partir do depoimento do gerente da Fazenda Ipecirc da eacutepoca eacute possiacutevel
compreender de forma mais clara as estrateacutegias adotadas pelos posseiros e pelo
fazendeiro no processo de loteamento do Assentamento Rural Ipecirc
[] Ipecirc naquela eacutepoca causou um intenso movimento de
trabalhadores desbravando a aacuterea e plantando capim A aacuterea
possuiacutea 26 mil hectares [] em 18 anos desmataram apenas
20 dessas terras ela era considerada a maior fazenda da
regiatildeo [] Em 1997 comeccedilou a fofoca de venda da aacuterea que
se prolongou por dois anos Tinha ordem de natildeo deixarem
invadir possuiacutea uma patrulha de vigia dia e noite O INCRA
inicia a negociaccedilatildeo com o gerente da eacutepoca que era
autorizado pelo proprietaacuterio A pessoa responsaacutevel ia para
Cuiabaacute- MT Satildeo Felix do Araguaia- MT Rio de Janeiro e
Uberaba em Minas Gerais para se reunir com o dono e
discutir as propostas Como demorou a desapropriaccedilatildeo as
pessoas comeccedilaram a invadir a aacuterea realizaram vaacuterias
reuniotildees com as pessoas para que mantivessem a calma
(ENTREVISTA com Ideu Ex-gerente da Fazenda Ipecirc realizada
por Regina Ceacutelia em 2006)
Ressaltamos que o relato oral apresenta uma linguagem especiacutefica que repete
a ideia de que a reocupaccedilatildeo foi uma ldquoinvasatildeordquo numa perspectiva comum entre os
proprietaacuterios de terra que natildeo compreendiam a luta pela terra Ao contraacuterio do que estaacute
expresso na Carta Aberta o ex-gerente atribui os motivos da bdquoinvasatildeo‟ agrave ldquomorosidaderdquo
na efetivaccedilatildeo do processo de desapropriaccedilatildeo da terra Apesar de tambeacutem fazer
referecircncias agraves reuniotildees que ocorreram no sentido de manter os agricultores familiares
informados sobre o processo de desapropriaccedilatildeo da fazenda para efeito de criaccedilatildeo do
assentamento rural
A consolidaccedilatildeo do assentamento rural soacute veio de fato a acontecer a partir das
denuacutencias feitas pela Comissatildeo Municipal de Reforma Agraacuteria com anuecircncia do
Sindicato dos Trabalhadores Rurais da Comissatildeo Pastoral da Terra e de outras
entidades envolvidas com a Questatildeo Agraacuteria e na luta pela terra em Vila Rica- MT
Segundo documentos19
do STR foi a partir desse fato que o INCRA entrou
com um Mandato de Seguranccedila exigindo a saiacuteda imediata dos ldquoposseirosrdquo sob a
alegaccedilatildeo de ser esta a condiccedilatildeo principal para a aquisiccedilatildeo da aacuterea e a demarcaccedilatildeo dos
lotes no assentamento rural Isso em funccedilatildeo de uma legislaccedilatildeo que regia os processos
19 Os documentos satildeo de diversas tipologias (ofiacutecios cartas atas relatoacuterios e etc)e estatildeo
disponibilizados nos arquivos do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT
82
de criaccedilatildeo dos assentamentos rurais Em 1998 jaacute havia sido declarado pelo Decreto nordm
157 que a aacuterea da Fazenda Ipecirc era de interesse social para efeito das poliacuteticas de
Reforma Agraacuteria
De acordo com o depoimento de uma assentada a qual tambeacutem era na eacutepoca
da diretoria do STR de Vila Rica-MT e estivera desde o processo inicial de formaccedilatildeo do
assentamento rural eacute possiacutevel perceber que
[] os primeiros trecircs anos do assentamento foram de
dificuldades para os assentados pois o mesmo natildeo possuiacutea
infraestrutura como estrada pontes e etc Somente 70 as
famiacutelias receberam creacutedito para fomento enquanto as demais
famiacutelias ficaram agrave mercecirc sem apoio do Poder Puacuteblico por um
bom tempo (ENTREVISTA com Clainir Agricultora Familiar
membro da direccedilatildeo do STR realizada pela autora em marccedilo de
2015)
O periacuteodo compreendido entre 2001 e 2010 foi o momento de maior
alavancada do Assentamento Rural Ipecirc pois recebeu um percentual significativo de
recursos vinculados agraves linhas de creacuteditos do Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar como Pronaf -A Pronaf - AC Pronaf - C Pronaf -D e Pronaf -
Mulher A disposiccedilatildeo desses recursos segundo informaccedilotildees obtidas atraveacutes dos
relatoacuterios da Empaer da Secretaria Municipal de Agricultura e do STR de Vila Rica-
MT estavam condicionados para determinados fins e foram destinados agrave aquisiccedilatildeo de
vacas leiteiras construccedilatildeo de curral e de 95 casas bem como agrave edificaccedilatildeo de pontes
estradas e na contrataccedilatildeo de serviccedilos de maacutequinas de esteira (EMPAER 2009)
223 O Assentamento Rural Aracati
A luta pela terra natildeo passa somente por um processo de conquista territorial
mas avanccedila para a necessidade de permanecircncia dos assentados garantida atraveacutes de
apoios e poliacuteticas puacuteblicas
A histoacuteria dos assentamentos rurais em Mato Grosso tambeacutem eacute marcada pela
violecircncia praticada contra os posseiros No caso de Vila Rica-MT os assentamentos
rurais Aracati e Itaporatilde do Norte talvez sejam os dois que mais se identifiquem com
essa caracteriacutestica uma vez que resultantes do processo de reocupaccedilatildeo da Fazenda
83
Aracati que na eacutepoca era de propriedade do senhor Rubens Mendonccedila apresentado
anteriormente como ldquoo pioneirordquo de Vila Rica-MT
A reocupaccedilatildeo da aacuterea provocou conflito entre posseiros e o proprietaacuterio da
fazenda havendo ateacute ameaccedilas de mortes Aleacutem dessas accedilotildees de conflito o proprietaacuterio
contava com o apoio do judiciaacuterio na aplicaccedilatildeo de medidas coercivas contra os
posseiros
No primeiro momento os posseiros foram despejados das terras perdendo
toda a produccedilatildeo das roccedilas jaacute cultivadas conforme descrito no relatoacuterio produzido pela
Empaer (2009 p 48)
No ano de 1980 foi feita a primeira invasatildeo da fazenda Aracaty
por 42 famiacutelias as mesmas fizeram construccedilatildeo de barracos de
plaacutesticos e palha A aacuterea invadida era mata e aberturas com
pastagens Os invasores fizeram aberturas de picadas
derrubadas e plantio de roccedilas Os pistoleiros da fazenda foram
ateacute a aacuterea invadida acionaram a poliacutecia militar e a mesma veio
ateacute o local do conflito
O conflito fundiaacuterio originado na luta pela terra tornou-se mais complexo
com a organizaccedilatildeo e a atuaccedilatildeo do STR e da CPT Em 1990 o Sindicato dos
Trabalhadores Rurais do municiacutepio denunciou internacionalmente a accedilatildeo de
empresaacuterios e fazendeiros conforme mostra a carta reproduzida a seguir
Figura 6 A Carta da Alemanha
84
Fonte Arquivo do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT
Essa articulaccedilatildeo internacional do STR de Vila Rica-MT demonstra a
capacidade de accedilatildeo mobilizadora dos grupos sociais constituiacutedos por homens e
mulheres com perfil ldquocampesinordquo os quais almejavam acesso agrave terra Revela ainda um
niacutevel de organizaccedilatildeo poliacutetica e conhecimento legal sobre os procedimentos juriacutedicos
adotados pelos oacutergatildeos federais no processo de criaccedilatildeo e regularizaccedilatildeo de assentamentos
rurais
Vale ressaltar que a situaccedilatildeo vivenciada pelos posseiros da Fazenda Aracati
ganhou repercussatildeo nacional e internacional Eacute possiacutevel verificaacute-lo pelas diversas coacutepias
das cartas enviadas ao Presidente da Repuacuteblica por vaacuterias entidades inclusive de paiacuteses
como Espanha Itaacutelia Alemanha e outros
Em 1993 a equipe do INCRA compareceu pela primeira vez na aacuterea
visando regularizaacute-la atraveacutes de um contrato de arrendamento com o proprietaacuterio da
Fazenda Aracati No entanto a regularizaccedilatildeo do assentamento rural ocorreu somente
quando a fazenda em questatildeo foi desapropriada para fins de Reforma Agraacuteria sendo
criado entatildeo o assentamento rural ocasiatildeo em que ocorreu o retorno dos posseiros que
haviam sido expulsos
Na eacutepoca foi respeitada a demarcaccedilatildeo realizada anteriormente pelos proacuteprios
posseiros na primeira fase da reocupaccedilatildeo Em consequecircncia dessa situaccedilatildeo quando natildeo
foram estabelecidos criteacuterios de demarcaccedilatildeo os lotes do Assentamento Rural Aracati
possuem ateacute hoje aacutereas diferentes
Segundo informaccedilotildees obtidas atraveacutes das anaacutelises dos documentos que estatildeo
nos arquivos disponibilizados pelo STR de Vila Rica-MT no periacuteodo de 1990 a 1992
pouco se fez em prol da infraestrutura da aacuterea ocupada pelos agricultores familiares
Apenas se verificou a edificaccedilatildeo de uma pequena escola de taacutebua cercas currais e
construccedilatildeo de estradas as quais foram feitas pelos proacuteprios moradores
224 O Assentamento Rural Satildeo Gabriel
O Assentamento Rural Satildeo Gabriel no que se refere a sua constituiccedilatildeo
possui caracteriacutesticas semelhantes ao Assentamento Rural Satildeo Joseacute uma vez que este
85
tambeacutem foi resultado do processo de ocupaccedilatildeo da fazenda Satildeo Gabriel no ano de 1999
Segundo os moradores na eacutepoca em que a fazenda foi ocupada praticamente toda aacuterea
era ainda coberta de mata virgem As primeiras picadas demarcatoacuterias foram realizadas
pelos posseiros A equipe do INCRA foi ao local somente para realizar o cadastramento
dos interessados Os lotes foram distribuiacutedos atraveacutes de sorteio viabilizando a liberaccedilatildeo
de fomento
Como em todos os demais assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-
MT no iniacutecio os assentados do Satildeo Joseacute enfrentaram muitas dificuldades como a falta
de infraestrutura sobretudo de estradas como demonstram as informaccedilotildees do relatoacuterio
produzido pelo escritoacuterio da Emapaer de Vila Rica- MT (2006 p 10)
[] no ano de 2000 foi criada a primeira associaccedilatildeo do
assentamento a Associaccedilatildeo dos Pequenos Produtores Rurais da
Comunidade Pedra Alta do Projeto de assentamento Satildeo
Gabriel ndash APPA As famiacutelias comeccedilaram a abrir derrubadas
para plantio de roccedilas e pastagens novamente receberam
fomento creacutedito habitaccedilatildeo Iniciou a primeira escola nas casas
da antiga fazenda IPEcirc assentamento vizinho O INCRA teve
presente no assentamento pra fazer a liberaccedilatildeo das casas O
assentamento foi contemplado com 18 km de estrada feitas pela
prefeitura em parceria com INCRA
Assim como ocorreu em outros Projetos de assentamentos rurais de Vila
Rica-MT a deacutecada de 2000 pode ser considerada um marco importante na histoacuteria do
assentamento Satildeo Joseacute pois naquele periacuteodo houve uma melhoria significativa da
infraestrutura em funccedilatildeo das accedilotildees dos Poderes Puacuteblicos Federal e Municipal
O periacuteodo entre os anos 2001 ateacute 2010 foi marcado por um amplo aumento
nas accedilotildees do poder puacuteblico havendo bastante capacitaccedilatildeoformaccedilatildeo para os
Agricultores Familiares e a liberaccedilatildeo de creacuteditos Pronaf A AC Tais poliacuteticas sociais
puacuteblicas segundo relato oral tinham como objetivo a compra de gado leiteiro
construccedilatildeo de curral contrataccedilatildeo de maacutequinas de esteira construccedilatildeo de casas
construccedilatildeo de pontes e estradas
Atraveacutes de projetos depois da implantaccedilatildeo do Programa Luz para Todos os
assentados conseguiram os resfriadores contemplando toda a aacuterea do assentamento
rural Uma loacutegica do aparelho do Estado era que os posseiros se tornassem produtores
de mercadorias e consumidores para que entrassem no processo de produccedilatildeo
econocircmica capitalista
86
225 O Assentamento Rural Itaporatilde do Norte
O Assentamento Rural Itaporatilde do Norte resultou de um processo de
ocupaccedilatildeo por parte de posseiros em 1986 Nesse periacuteodo houve tentativas de
desapropriaccedilatildeo prisatildeo e ameaccedila contra a vida dos posseiros Estes fatos podem ser
confirmados atraveacutes de documentos como a declaraccedilatildeo exposta a seguir em que um
dos posseiros denunciou as ameaccedilas de morte contra eles
Figura 7 Denuacutencia de Ameaccedila de Morte de posseiro
Fonte Arquivo do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT 2015
87
O documento denuncia a accedilatildeo violenta de intimidaccedilatildeo sofrida por parte de um
dos posseiros no ano de 1988 O significado dessa fonte de pesquisa permite que
conheccedilamos mais claramente o modus operandi dos pretensos proprietaacuterios da terra
assim como a forma com que tentavam manter seus domiacutenios natildeo somente no campo
da justiccedila do direito mas tambeacutem pela criaccedilatildeo de cenaacuterios em que o medo pudesse
fazer parte da rotina dos posseiros das suas esposas e familiares
A criaccedilatildeo de um ambiente tenso e conflituoso com riscos agrave vida de qualquer
um dos familiares era uma estrateacutegia utilizada pelos ldquosenhoresrdquo pretensos proprietaacuterios
da terra em conflito Apesar da situaccedilatildeo do embate e das ameaccedilas somente dez anos
depois o INCRA regularizou a situaccedilatildeo dos posseiros
Um dos principais problemas do assentamento rural eacute decorreu da
demarcaccedilatildeo dos lotes no periacuteodo sendo que o tamanho variava entre 25 a 150 ha O
tamanho do lote oscilava em decorrecircncia da forma de reocupaccedilatildeo anterior agrave
regularizaccedilatildeo e que foi seguida pelo INCRA
As parcelas menores estatildeo abaixo do miacutenimo estipulado pelo MDA que eacute de
35 hectares Segundo o Estatuto da Terra (1964) esta era a aacuterea miacutenima que garantia as
condiccedilotildees de desenvolvimento e potencializaccedilatildeo da funccedilatildeo social da terra Essa
perspectiva teve por base a ideia de que um lote menor que 35 ha natildeo tecircm condiccedilotildees de
garantir as condiccedilotildees sociais e econocircmicas de seus moradores e trabalhadores naquela
aacuterea
Ao observarmos essa questatildeo nos assentamentos rurais analisados eacute
perceptiacutevel que os assentados acabaram tendo que conciliar as atividades declaradas na
posse com outras formas de trabalhos assessoacuterios para garantir as condiccedilotildees
econocircmicas da propriedade
Em 1996 foram cadastradas 184 famiacutelias de posseiros que tinham como
objetivo adquirir recursoscreacuteditos para financiamento das atividades naquele
assentamento rural Desse total 30 natildeo estavam aptas para conseguir o creacutedito
226 O Assentamento Rural Bom Jesus
88
Refletir a partir da histoacuteria do Assentamento Rural Bom Jesus eacute trilhar mais
uma vez as trajetoacuterias de vida de vaacuterias pessoas que migraram para Vila Rica-MT em
busca de melhores condiccedilotildees de vida Essas pessoas foram atraiacutedas pela propaganda da
terra feacutertil e da abundacircncia Nas informaccedilotildees disponibilizadas pelo STR de Vila Rica-
MT os ocupantes desse assentamento eram majoritariamente migrantes oriundos dos
estados de Minas Gerais Goiaacutes Rio Grande do Sul Paranaacute Paraacute e minoritariamente
do Nordeste
Essas pessoas ao se aventurarem nas matas para desbravaacute-las acreditavam
que as terras da Amazocircnia proporcionar uma qualidade de vida almejada Essa
expectativa pode ser observada no excerto da carta-convite para a comemoraccedilatildeo do 17ordm
aniversaacuterio do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT datada de
30052004
[] Imaginando eles que iriam ter o crescimento econocircmico e
uma vida melhor para sua famiacutelia sem conhecer os riscos
quantas vidas foram ceifadas nas derrubadas Aiacute chega a
maldita maleita a tatildeo sofrida malaacuteria onde muitas famiacutelias
perderam vidas sofrimento com a dor [] E os que
conseguiam reagir com muita fraqueza sem forccedilas para
trabalhar e jaacute com diacutevidas acabaram vendendo sua terrinha e
quando acabou o dinheiro E agora o que fazer Isso jaacute era por
volta do iniacutecio de 1986 onde a opccedilatildeo foi ocupar terras
devolutas da regiatildeo pois o dinheiro tinha acabado e voltar para
traz donde vieram natildeo era possiacutevel Iniciou- se a ocupaccedilatildeo da
aacuterea do Itaporatilde do Norte e da Colocircnia Bom Jesus []20
Esse documento possibilita compreender que a narrativa oficial natildeo traduzia
as representaccedilotildees constituiacutedas pelos trabalhadores e antigos colonos Afinal na eacutepoca
da formaccedilatildeo do assentamento rural muitos posseiros convivendo com os efeitos da
colonizaccedilatildeo para todos aqueles que acreditaram nos discursos construiacutedos pelo
colonizador sobre um lugar bom de viver acabaram arriscando as proacuteprias vidas na luta
pela terra
Com o passar do tempo eles se deparam com doenccedilas dificuldades
financeiras e a desilusatildeo da riqueza da terra faacutecil Diante da falta de alternativas de
trabalho e de sobrevivecircncia os posseiros viram a possibilidade de reocupar fazendas
20 A carta na integra faz parte de coletacircnea de recorte de textos e noticiaacuterios sobre a luta dos
movimentos numa espeacutecie de livro artesanal o qual estaacute disponibilizado nos arquivos do
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica- MT
89
improdutivas como a uacutenica saiacuteda para a sobrevivecircncia conforme relatado na carta
ldquo[] e quando acaba o dinheiro o que fazerrdquo (CARTA CONVITE STR de Vila Rica
30052004)
O relato a seguir mostra as estrateacutegias dos posseiros para ocupar uma aacuterea
privada e como conseguiram a aprovaccedilatildeo do INCRA
[] Eu participei das ocupaccedilotildees em 1986-1987 no caso do
assentamento Bom Jesus que era antes a antiga Fazenda
COBEC onde 60 famiacutelias foram ocupando a aacuterea Noacutes
organizamos e ocupamos essa aacuterea e tem a Itaporatilde do Norte
que foi ocupada numa organizaccedilatildeo dos Sindicatos dos
Trabalhadores Rurais e outros movimentos sociais daqui do
municiacutepio de Vila Rica-MT mas especificamente da ocupaccedilatildeo
dessas aacutereas que eu natildeo sei falar sei do caso do Bom Jesus
que depois que organizamos a ocupaccedilatildeo recorremos ao
Sindicato e atraveacutes deste fizemos o primeiro contato com o
INCRA queriacuteamos saber se havia interesse por parte do
INCRA em negociar a compra dessa propriedade na eacutepoca o
INCRA ainda fazia a negociaccedilatildeo digo compra de aacutereas que jaacute
estavam ocupadas hoje como vocecirc sabe o INCRA natildeo faz
mais esse tipo de coisa a estrateacutegia eacute outra Hoje compra-se a
propriedade primeiro para depois entregar a antiga fazenda
aos assentados Entatildeo eu na eacutepoca tinha dezesseis anos eu
era meio perdido com essas coisas a organizaccedilatildeo foi feita
basicamente pelo o meu pai e outros companheiros nossos
(outras pessoas neacute) Soacute sei que eles fizeram um levantamento
sobre a situaccedilatildeo das fazendas em Vila Rica-MT e descobriram
que esta aacuterea estava sem produzir o dono natildeo tinha interesse
porque era uma fazenda empenhorada no banco ou seja jaacute era
uma aacuterea do banco Entatildeo os organizadores do processo de
ocupaccedilatildeo entenderam que seria mais faacutecil negociar entre o
dono e o INCRA e assim facilitaria aquisiccedilatildeo do tiacutetulo da
terra e formar o assentamento (ENTREVISTA com Ivanir
Galo Agricultor familiar do assentamento Bom Jesus e
presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-
MT realizada pela autora em marccedilo de 2015)
O relato nos possibilita cogitar a ideia de que os posseiros que reocuparam a
aacuterea da Fazenda Boa Jesus eram conhecedores tanto das diretrizes definidas pelo
INCRA para a criaccedilatildeo de assentamento rural quanto da situaccedilatildeo da Questatildeo Agraacuteria de
Vila Rica-MT Isso fica evidente principalmente ao eleger uma fazenda que estava
comprometida pelo endividamento no banco revelando uma taacutetica de efeito positivo
uma vez que facilita a accedilatildeo do INCRA na aquisiccedilatildeo da fazenda tendo em conta o
interesse do proprietaacuterio em negociar a venda
90
Outra situaccedilatildeo que nos chama atenccedilatildeo foi agrave atuaccedilatildeo dos filhos junto com os
pais na reocupaccedilatildeo da fazenda o que pode se atribuir agrave projeccedilatildeo de desmembramento
familiar ou de ampliaccedilatildeo do capital econocircmico da famiacutelia Ao mesmo tempo pode
demonstrar que os posseiros tinham a pretensatildeo de continuar uma tradiccedilatildeo vinculada a
terra passando suas heranccedilas para seus filhos poreacutem incorporando-os na luta pela
terra no trabalho com a terra e na busca pela sobrevivecircncia a partir da propriedade
rural
O relato a seguir mostra como os posseiros se apossavam de aacutereas natildeo
produtivas
[] A ocupaccedilatildeo de fazenda na eacutepoca era a uacutenica forma que as
pessoas sem-terra tinham para conseguir uma pequena aacuterea
era o que noacutes entendiacuteamos ser mais faacutecil para conseguir ter
acesso agrave terra Hoje a gente vecirc que natildeo precisa ser soacute assim
pois eacute melhor procurar comprar a fazenda e planejar o
assentamento [] Eacuteramos todos daqui mesmo de Vila Rica-
MT eacuteramos pessoas que tinha conhecimento sobre a luta pela
terra um bom entrosamento e essas pessoas trabalhavam em
prol da colonizaccedilatildeo reuniram essas famiacutelias e foram ocupar
ateacute organizamos em dois grupos no primeiro momento onde
um grupo entrou por um local e o outro grupo entrou por outro
lado da fazenda mas quando teve o desbravamento
descobrimos que estaacutevamos ocupando a mesma aacuterea porque o
acesso era muito difiacutecil a gente natildeo tinha como fazer um mapa
direito da fazenda entatildeo tivemos que entrar de 8 a12 km na
mata ateacute descobrir a aacuterea toda[] (ENTREVISTA com
Evani Galo presidente do STR de Vila Rica-MT realizada pela
autora em marccedilo de 2015)
O citado relato oral nos possibilita afirmar que havia um conhecimento
aprimorado sobre a estrutura fundiaacuteria de Vila Rica- MT Os posseiros natildeo ocupavam
aacutereas de fazendas que estavam produzindo mas optavam por estabelecer as disputas em
terras sob condiccedilotildees ilegais Por isso eles ocupavam as aacutereas improdutivas para
diminuir a possibilidade de conflito e aumentar a chance de negociaccedilatildeo entre os
proprietaacuterios e as instituiccedilotildees governamentais Para essas definiccedilotildees eles faziam
reuniotildees para escolher qual aacuterea de fazenda seria ocupada e a definiccedilatildeo de estrateacutegias na
reocupaccedilatildeo
Destacamos que a maioria dos posseiros ocupantes dos lotes do
Assentamento Rural Bom Jesus foi ldquoex-colonosrdquo do Sul que migraram para Vila Rica-
MT no iniacutecio da colonizaccedilatildeo No caso desta pesquisa denominamos como ex- colonos
91
aqueles migrantes que vieram para Vila Rica-MT em funccedilatildeo da accedilatildeo da colonizadora e
que perderam o capital financeiro devido ao endividamento no banco
Daiacute estes migrantes passaram de colonos para Sem-Terra depois tornaram-
se posseiros ou vendedores da forccedila de trabalho trabalhadores rurais e tambeacutem urbanos
Poreacutem outros posseiros eram oriundos das aacutereas de colonizaccedilatildeo ou de fazendas
agropecuaacuterias
[] a dificuldade de chegar e trabalhar era muita Natildeo tinha
aparelhos para identificar com precisatildeo a dimensatildeo da aacuterea
natildeo tinha estrada Andaacutevamos aiacute de 8 a 12 km na mata guiados
atraveacutes de picadas apenas essas picadas jaacute eram existentes
desde a eacutepoca da colonizadora E por ser essa fazenda que noacutes
ocupamos uma aacuterea vizinha da colonizadora Isso acabou
facilitando a localizaccedilatildeo Aleacutem da falta de estrada tinha a
malaacuteria a falta de transporte E eu mesmo fui uma das pessoas
que primeiro chegou ao assentamento Quando fui uns dos
primeiros fiquei 21 dias na mata ali roccedilando demarcando a
minha aacuterea Eu fiquei tentando marcar e garantir o meu
territoacuterio e foi assim a nossa luta para conseguir o pedaccedilo de
terrapedaccedilo de chatildeo pra produzir depois o meu sustento e da
minha famiacutelia [] Na eacutepoca ficou determinado entre todos
noacutes numa reuniatildeo que fizemos ateacute pra dizer que cada um de
noacutes ficaacutessemos apenas com 100 hectares [] por isso no
assentamento do Bom Jesus natildeo tem ningueacutem com mais 100
hectares E teve gente que natildeo conseguiu permanecer no
assentamento venderam e teve outros que desistiram natildeo
aguentaram aquele sofrimento todo Noacutes sempre trabalhamos
na associaccedilatildeo para que nenhum lote passasse de 100 hectares
pois jaacute era a determinaccedilatildeo do INCRA E noacutes jaacute conheciacuteamos as
regras do INCRA e trabalhaacutevamos desde a fase de organizaccedilatildeo
da ocupaccedilatildeo com elas Os dois assentamentos que manteve esse
padratildeo eacute soacute o Bom Jesus e o Itaporatilde A nossa loacutegica era no
sentido de facilitar a regularizaccedilatildeo e pra isso trabalhamos de
forma que pudesse tambeacutem aumentar o nuacutemero de famiacutelias no
assentamento Noacutes sempre respeitamos as regras
(ENTREVISTA com Evani Galo Agricultor Familiar do
assentamento Bom Jesus realizada pela autora em marccedilo de
2015)
O relato acima nos remete agrave concepccedilatildeo jaacute exposta na descriccedilatildeo da formaccedilatildeo
de outros assentamentos rurais em que os posseiros eram conhecedores das diretrizes
do INCRA em relaccedilatildeo ao processo de criaccedilatildeo e regularizaccedilatildeo dos assentamentos rurais
Isso nos leva a crer que a reocupaccedilatildeo das fazendas natildeo ocorria de forma tatildeo espontacircnea
como aparece em outras narrativas sobre assentamentos rurais Havia entre os posseiros
92
uma organizaccedilatildeo e um planejamento Isto porque promoviam accedilotildees que exigiam
atividades taacuteticas e estrateacutegicas que permeavam a disposiccedilatildeo da luta pela terra
Apesar dessas definiccedilotildees de princiacutepios organizativos da luta para evitar
ocupaccedilotildees equivocadas e desviar-se dos conflitos o entrevistado falou sobre as ameaccedilas
que sofreram no periacuteodo em que lutaram para conquistar a terra
[] teve sim ameaccedilas de despejos na eacutepoca Apesar de que
hoje a gente jaacute sabe que foi uma pessoa que usou de
oportunismo Isso eacute o mesmo que estaacute acontecendo na Fazenda
Reunidas Vocecirc natildeo precisa ter medo de falar sobre esse fato
porque eacute verdade isso que lhe conto Pode colocar no seu
relatoacuterio aiacute Esses satildeo os tais grileiros das terras do Araguaia
ficam se passando por donos das fazendas soacute para ameaccedilar e
confundir os posseiros Aconteceu assim uma pessoa de maior
poder aquisitivo ficou amedrontando as outras pessoas que
estavam ocupando a aacuterea da fazenda Noacutes estaacutevamos fazendo
os nossos serviccedilos laacute cuidando da roccedila E daiacute apareceram eles
dizendo que eram os legiacutetimos donos da aacuterea mas natildeo
conseguiram apresentar documento natildeo conseguriam
apresentar nada Noacutes desconfiaacutevamos deles No fundo
sabiacuteamos que estavam tentando nos enrolar E acabou que eles
tiveram que se retirar de laacute E noacutes atraveacutes do INCRA e do
Sindicato satildeo essas as instituiccedilotildees que assumiram a nossa
causa ficamos com a terra e estamos assentados laacute ateacute hoje
Somos 63 famiacutelias [] Na verdade 1987 eacute o periacuteodo de
ocupaccedilatildeo porque o INCRA veio atuar em 1992 quando foi
criado o assentamento Ficou esse periacuteodo aiacute todo em fase de
negociaccedilatildeo com o antigo dono da fazenda O INCRA e o
Sindicato fizeram o levantamento da aacuterea estudo geograacutefico e
assim por diante e noacutes juntos acompanhando tudo
(ENTREVISTA com Ivani Galo Agricultor Familiar do
assentamento Bom Jesus realizada pela autora em marccedilo de
2015)
Nesse caso o depoimento remete agrave accedilatildeo de outro tipo de agente social
envolvido nos conflitos agraacuterios do assentamento rural o grileiro No entanto o termo
ldquogrileirordquo eacute usado localmente para identificar aquele sujeito social que reocupa uma aacuterea
de terra natildeo com o objetivo de morar e cultivar mas ao contraacuterio para adquirir o
ldquodireitordquo sobre ela e poder comercializar posteriormente
Tambeacutem eacute possiacutevel identificar na narrativa a valorizaccedilatildeo dada ao Sindicato
dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT destacando que ele agia juntamente com o
INCRA na regularizaccedilatildeo do assentamento rural
93
Compreendemos que a formaccedilatildeo do Assentamento Rural Bom Jesus deu-se
de forma particular Os posseiros que reocuparam a aacuterea tinham dificuldade financeira
para garantir a sobrevivecircncia e isso se configurava como um impedimento de
retornarem aos seus lugares de origem e natildeo conseguindo mais vislumbrar outro meio
de sobrevivecircncia que natildeo fosse a ocupaccedilatildeo de terra ociosa
Diante das necessidades os posseiros criaram estrateacutegias inteligentes de
ocupaccedilatildeo escolhendo as aacutereas com maior chance de desapropriaccedilatildeo bem como
estrateacutegias de resistecircncia do grupo para lutar contra o grileiro
Essas estrateacutegias tambeacutem devem ser compreendidas em uma relaccedilatildeo com o
perfil dos ocupantes que incluiacutea aqueles com certo grau de instruccedilatildeo sobre as questotildees
relacionadas agrave poliacutetica de regularizaccedilatildeo de assentamentos rurais O conhecimento da
legislaccedilatildeo facilitou o acesso agraves poliacuteticas que versavam sobre a desapropriaccedilatildeo
parcelamento e uso de terras devolutas eou improdutivas que natildeo cumpriam a funccedilatildeo
social as quais devem ser utilizadas para fins de Reforma Agraacuteria
227 Assentamento Rural Santo Antocircnio do Beleza
Jaacute ressaltamos em outras passagens do texto que cada um dos assentamentos
rurais de Vila Rica-MT tem caracteriacutesticas de ocupaccedilatildeo diferentes como eacute o caso do
Assentamento Rural Santo Antocircnio do Beleza que foi ocupado por colonos que natildeo
conseguiram comprar lotes de terra da colonizadora ou perderam suas terras no
financiamento do Banco Tambeacutem participaram seus filhos que no ldquodesmembramentordquo
familiar tambeacutem se apropriaram de terras Ateacute entatildeo natildeo apareceu o dono do tiacutetulo
requerendo o direito de propriedade daquela aacuterea de terra em que foi constituiacutedo o
Assentamento Rural Bom Jesus
Tal situaccedilatildeo se deu tambeacutem pelo fato de a Colonizadora Vila Rica-MT natildeo ter
assegurado junto ao INCRA as terras aos colonos e trabalhadores rurais desprovidos
de capital para aquisiccedilatildeo de lotes da colonizadora Estes ocuparam aacutereas destinadas ateacute
entatildeo pela colonizadora para as fazendas Somente depois que a aacuterea foi ocupada em
2001 eacute que o INCRA regularizou os lotes para os ldquoocupantesrdquo
Os posseiros que reocuparam a aacuterea da Colonizadora Vila Rica-MT
denominada de Santo Antocircnio do Beleza satildeo em sua maioria oriundos dos estados do
94
Rio Grande do Sul Santa Catarina e do Paranaacute e se fixaram na aacuterea como assentados e
atualmente se identificam como agricultores familiares parceleiros colonos ou
proprietaacuterios
228 Assentamento Rural Alvorada
O Assentamento Rural Alvorada estaacute localizado na divisa do municiacutepio de
Vila Rica-MT com o estado do Paraacute Esse assentamento rural resultou da ocupaccedilatildeo da
fazenda Santaninha em 1993 poreacutem o ato de regularizaccedilatildeo data de 1995 ou seja
somente depois de dois anos das terras ocupadas eacute que foram regularizadas pelo
INCRA transformando-as em Projeto de assentamento rural
Consta em documentos (atas ofiacutecios relatoacuterios e projetos de assistecircncia
teacutecnicas)21
do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT que os primeiros
moradores do Assentamento Rural Alvorada vieram principalmente dos estados de
Mato Grosso do Paraacute e de outras regiotildees do Brasil
Melo (2011 p 43) realizou uma pesquisa sobre as atividades das
agropecuaacuterias no Assentamento Rural Alvorada denominado como PA Santaninha
afirmando que ldquo[] o periacuteodo compreendido de 1993 ateacute 2009 as principais
dificuldades do assentamento rural estavam relacionadas agrave falta de estradasrdquo De acordo
com o mesmo autor o assentamento rural estaacute localizado em uma aacuterea onde haacute
predominacircncia de relevo acidentado condiccedilatildeo que motivou os assentados a investir na
pecuaacuteria inibindo assim o avanccedilo da agricultura familiar devido agraves dificuldades para o
escoamento da produccedilatildeo agriacutecola de hortaliccedilas legumes verduras e frutas
Essa situaccedilatildeo ainda eacute um desafio para o desenvolvimento do assentamento
rural Apesar dos problemas nesse assentamento haacute escola Associaccedilatildeo de Pequenos
Agricultores possui rede de energia eleacutetrica abastecimento de aacutegua etc Nesta acepccedilatildeo
o relato de um dos assentados ilustra a concepccedilatildeo dos seus moradores quanto agraves
condiccedilotildees de vida no assentamento rural
21 Esses documentos foram analisados pela a autora da pesquisa os quais fazem parte do acervo
documental do Sindicato dos Trabalhadores de Vila Rica-MT
95
[] foi bom mudar para caacute me sinto realizado porque
consegui algo para sobreviver e cuidar da minha famiacutelia []
quando chegamos aqui quase natildeo tinha devastaccedilatildeo de mata soacute
tinha aproximadamente 25 alqueires de derrubada e era muito
difiacutecil a chegada neste local pois os primeiros meios de
transporte eram o trator porque as estradas eram bem
dificultosas atoleiros e sem pontes Atualmente as melhorias
satildeo muito grandes nas estradas nos transportes na educaccedilatildeo
na habitaccedilatildeo e na sauacutede (ENTREVISTA com Edno Venacircncio
morador do projeto de Santaninha desde o ano 1993 realizada
por Carlos Aberto de Melo em 2011)
O trecho do relato nos remete agraves dificuldades vivenciadas pelos posseiros nos
primeiros tempos de formaccedilatildeo do assentamento rural comuns aos demais
assentamentos rurais de Vila Rica-MT Satildeo os posseiros que precisam cavar e buscar as
proacuteprias condiccedilotildees de sobrevivecircncia jaacute que o poder Puacuteblico natildeo assegura a
infraestrutura baacutesica
No assentamento Alvorada as informaccedilotildees do STR e dos assentados
permitiram compreender que nesse assentamento natildeo ocorreu conflito entre posseiros e
fazendeiro Trata-se de uma aacuterea que natildeo estava vinculada somente agrave Fazenda
Santaninha Nesse assentamento a devastaccedilatildeo do meio para a formaccedilatildeo de pastagens foi
fruto da accedilatildeo dos proacuteprios posseiros
No Assentamento Rural Alvorada como em outros a questatildeo das poliacuteticas
puacuteblicas de sauacutede habitaccedilatildeo estrada e educaccedilatildeo satildeo consideradas como conquistas
importantes para a permanecircncia das famiacutelias no campo
Consideraccedilotildees gerais sobre os assentamentos rurais de Vila Rica-MT
Ao analisar a formaccedilatildeo dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica
percebemos a complexidade e as diferenciaccedilotildees existentes entre eles No entanto o que
existe em comum foi agrave luta pela posse da terra por parte de posseiros ex-colonos e
agricultores familiares Nesse processo contaram com o apoio e auxiacutelio de entidades
como a CPT e o STR do municiacutepio de Vila Rica-MT dos agentes da pastoral da
Prelazia de Satildeo Feacutelix do Araguaia hoje Diocese
A situaccedilatildeo dos assentamentos rurais de Vila Rica-MT eacute percebida como
resultado da luta dos posseiros em torno da aquisiccedilatildeo da posse e propriedade da terra
96
Ao mesmo tempo em que essa organizaccedilatildeo parte de uma localidade especifica estava
inserida em uma conjuntura de luta regional estadual nacional e mundial
Os diferentes sujeitos histoacutericos que constituiacuteram a luta pela terra com a
formaccedilatildeo dos assentamentos rurais de Vila Rica-MT deixaram de ser posseiros Os ex-
colonos trabalhadores rurais e grileiros tornaram-se agricultores familiares quando o
INCRA regularizou a aacuterea em litiacutegio transformando-a em assentamento rural
97
3 SITUACcedilAtildeO SOCIOECONOcircMICA DOS ASSENTAMENTOS RURAIS SAtildeO
JOSEacute SAtildeO GABRIEL IPEcirc E ARACATI (2006-2010)
Esse capiacutetulo tem como objetivo apresentar a situaccedilatildeo socioeconocircmica de
quatro dos oito assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT No entanto natildeo se
pretende apresentar um diagnoacutestico de sua realidade social e econocircmica mas um esboccedilo
para compreender as tendecircncias soacutecio-histoacutericas que foram obtidas atraveacutes das fontes
documentais
Ressaltamos que existem poucas fontes escritas que se referem a situaccedilotildees
socioeconocircmicas dos assentamentos rurais do Araguaia e se tratando de Vila Rica a
localizaccedilatildeo e acesso aos poucos documentos escritos foram fundamentais para a
construccedilatildeo desse capiacutetulo
As fontes escritas analisadas nesse capiacutetulo foram os ldquoPlanos de
Desenvolvimento do Assentamentordquo (Pda) incluindo os assentamentos rurais Satildeo Joseacute
Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati elaborados pela Empaer em 2010 Estes Pdas ajudaram a
compreender os muacuteltiplos contextos de constituiccedilatildeo e produccedilatildeo nos assentamentos
rurais embora envolvessem outras temporalidades
Contudo ressaltamos que natildeo utilizamos apenas o banco de dados produzido
pela equipe da Empaer pois realizamos visitas aos assentamentos rurais agrave Secretaria
Municipal de Agricultura e ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT
onde aleacutem das entrevistas tivemos acesso a outras fontes documentais que
possibilitaram ampliar a perspectiva analiacutetica deste capiacutetulo
A elaboraccedilatildeo dos Pdas se deu atraveacutes de reuniotildees com os assentados e a
realizaccedilatildeo de pesquisa de campo
As informaccedilotildees coletadas refletem a realidade do assentamento
e foram levantadas dentro de uma metodologia participativa
onde a comunidade do assentamento expocircs suas dificuldades
potencialidades e prioridades Utilizou-se tambeacutem de estudos de
campo realizado por uma equipe multidisciplinar constituiacuteda
por engenheira florestal engenheira agrocircnoma e teacutecnicos nas
aacutereas da pecuaacuteria agriacutecola ambiental e social (EMPAER-MT
2010 p 2)
Ressaltamos que as informaccedilotildees levantadas natildeo ldquorefletiram a realidaderdquo de
maneira mecacircnica mas possibilitaram a anaacutelise das informaccedilotildees obtidas enquanto
tendecircncias
98
Para compreender como cada fonte documental foi construiacuteda foi preciso
observar as fotografias que fazem parte do proacuteprio documento e que possibilitaram a
percepccedilatildeo da forma com que a equipe multidisciplinar da Empaer coletou as
informaccedilotildees que serviram de base para produccedilatildeo do diagnoacutestico de como se deu a
participaccedilatildeo dos assentados
Figura 8 Fotografias das visitas dos teacutecnicos da Empaer-MT no PA Ipecirc 2010
Fonte EMPAER-MT 2010 p 5
A Empaer recorreu a diversas estrateacutegias desde o uso dos recursos
midiaacuteticos sobretudo a Raacutedio Comunitaacuteria e visitas aos assentamentos rurais contando
com o apoio de lideranccedilas sindicais e poliacuteticas para a divulgaccedilatildeo do Programa de
Assessoria Teacutecnica Social e Ambiental agrave Reforma Agraacuteria (Ates) e conscientizaccedilatildeo
dos agricultores familiares sobre a importacircncia e implicaccedilatildeo dos Pdas
Figura 9 Fotografias da apresentaccedilatildeo do Projetob Ates na Raacutedio Comunitaacuteria Eldorado
Fonte EMPAER 2010 p 5
99
Foi a partir dessas diferentes formas de divulgaccedilatildeo e estrateacutegias que a equipe
da Empaer convenceu os assentados a participar da primeira fase do Ates que foi a
construccedilatildeo do diagnoacutestico
Os questionaacuterios e entrevistas foram realizados em diferentes momentos em
reuniotildees com a comunidade e in loco o que resultou na tabulaccedilatildeo de dados que
apresentam diferentes bases amostrais Ora observamos uma amostra de cerca de
duzentos entrevistados e ora observamos tabelas com um nuacutemero trecircs vezes maior de
famiacutelias assentadas
Ressaltamos que essa diferenccedila na base de dados eacute proacutepria da fonte
documental analisada e natildeo pudemos adulterar os nuacutemeros para natildeo comprometer a
anaacutelise da fonte documental Ainda eacute importante salientamos que apesar das diferenccedilas
amostrais presentes em diferentes dados (tabelas) os mesmos satildeo extremamente
relevantes para anaacutelise por fornecerem tendecircncias socioeconocircmicas dos assentamentos
rurais nos anos de 2009 a 2010
31 Os assentamentos rurais na perspectiva do Programa de Assessoria Teacutecnica
Social e Ambiental agrave Reforma Agraacuteria (Ates)
Os assentamentos rurais segundo a concepccedilatildeo constituiacuteda no projeto de Ates
(2008) satildeo definidos enquanto espaccedilos de promoccedilatildeo da equidade de gecircnero e
intergeraccedilotildees entre a populaccedilatildeo de agricultores familiares Por isso a recorrecircncia agraves
estrateacutegias de trabalho em forma de cooperativas imbuiacutedas da concepccedilatildeo de
agroecologia cooperaccedilatildeo e economia solidaacuteria Estes elementos foram constituiacutedos a
partir dos artifiacutecios da formaccedilatildeo continuada dos diferentes segmentos que compotildeem o
coletivo do Programa de Reforma Agraacuteria
Para tanto o Programa Ates do Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio
(BRASIL 2008 p 10) foi definido da seguinte forma
100
O Programa de Assessoria Teacutecnica Social e Ambiental agrave
Reforma Agraacuteria ndash Ates do INCRA foi criado em 2003 com o
objetivo de assessorar teacutecnica social e ambientalmente as
famiacutelias assentadas nos Projetos de assentamento da Reforma
Agraacuteria criados ou reconhecidos pelo INCRA tornando-os
unidades de produccedilatildeo estruturadas com seguranccedila alimentar
garantida inseridos de forma competitiva no processo de
produccedilatildeo voltados ao mercado e integradas agrave dinacircmica do
desenvolvimento municipal regional e territorial de forma
ambientalmente sustentaacutevel
Nessa perspectiva a assistecircncia teacutecnica implementada pelo Instituto Nacional
de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria deve levar em consideraccedilatildeo as questotildees de ordem
social ambiental culturas e tecnoloacutegica visando um modelo de desenvolvimento
pensado a partir das demandas locais regionais e nacional de forma que assegure a
sustentabilidade social ambiental e econocircmica dos assentamentos rurais
A Ates tem como ponto de referecircncia para a efetivaccedilatildeo da assistecircncia teacutecnica
na Agricultura Familiar os Pdas (2008 p 51) ldquo[] eacute portanto a principal ferramenta
de planejamento dos Projetos de assentamentos rurais voltada diretamente para o seu
desenvolvimento sustentaacutevel segundo as suas dimensotildees econocircmica social cultural e
ambientalrdquo
De acordo com o MDA os assentamentos rurais devem ser ldquoedificado a partir
de um diagnoacutesticordquo que sirva como representaccedilatildeo do quadro situacional dos
assentamentos rurais em seus aspectos fiacutesico social econocircmico cultural e ambiental
O objetivo eacute
Dotar as aacutereas de assentamento de um instrumento de
planejamento fundado em diagnoacutestico preacutevio que permita
prever todas as accedilotildees a serem desenvolvidas num determinado
horizonte de tempo de modo a possibilitar o monitoramento de
sua implementaccedilatildeo pelas equipes de Ates Garantir a efetiva
participaccedilatildeo dos assentados em todas as fases do processo de
planejamento e implementaccedilatildeo das accedilotildees nos projetos de
assentamento Inserir as accedilotildees propostas para os projetos de
assentamento no contexto das diretrizes contidas nos
planejamentos regionais e municipais assegurando a
participaccedilatildeo efetiva de todos os atores sociais governamentais e
natildeo governamentais envolvidos com o processo de reforma
agraacuteria (BRASIL MDA 2006 p 29)
Conforme o MDA o projeto tem por base a participaccedilatildeo do assentado em
todas suas fases de planejamento e implementaccedilatildeo dos assentamentos rurais
101
beneficiados A idealizaccedilatildeo do objetivo do Ates eacute ambicioso no contexto nacional mas
apresenta pouca aplicabilidade quando tomamos como referecircncia o caso de Vila Rica-
MT Tratando-se dos Pdas elaborados especificamente para os assentamentos rurais Satildeo
Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati os objetivos baacutesicos buscam assegurar que
As famiacutelias seratildeo assessoradas teacutecnica social e ambientalmente
de forma integrada e continuada nos aspectos de produccedilatildeo
industrializaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo dos produtos explorados na
aplicaccedilatildeo do creacutedito rural nas questotildees ambientais no
saneamento baacutesico na organizaccedilatildeo das famiacutelias e da produccedilatildeo
no exerciacutecio da cidadania utilizando as metodologias de Ates
(EMPAER-MT 2010 p 11)
A partir dessa proposta a equipe da Empaer realizou a primeira fase do
projeto realizando uma ampla pesquisa junto aos assentados dos quatro assentamentos
rurais de Vila Rica-MT que foram contemplados pelo Programa de Ates Este
levantamento de dados pela Empaer foi importante para identificar o perfil do
assentado a produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo no ano de 2010 Apesar de ser uma
amostragem parcial forneceu dados que permitiram analisar e problematizar questotildees
que podem se constituir enquanto indicadores ou tendecircncias
Apesar da relevacircncia do Pdas como fonte documental para a pesquisa e para
as poliacuteticas do municiacutepio de Vila Rica-MT eacute fundamental destacarmos que o Ates natildeo
foi finalizado mas suspenso pelo Governo Federal sem que os Pdas tenham sido
devidamente finalizados No entanto a equipe teacutecnica da Empaer que coletou os dados
e as informaccedilotildees desses assentamentos rurais continua utilizando esse diagnoacutestico para
o desenvolvimento de suas accedilotildees
32 O perfil dos assentados gecircnero idade e escolaridade
O perfil dos assentados dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e
Aracati conforme jaacute dito foi constituiacutedo com dados quantitativos obtidos atraveacutes dos
diagnoacutesticos que serviriam como base para a construccedilatildeo dos Pdas
Esses dados foram analisados a partir da confrontaccedilatildeo com fontes orais e
anaacutelises teoacutericas que forneceram indiacutecios qualitativos para a problematizaccedilatildeo e
102
compreensatildeo das caracteriacutesticas dos Agricultores Familiares dos assentamentos rurais
pesquisados
321 Diferenciaccedilatildeo de Gecircneros predominacircncia masculina e papel da mulher
Segundo dados da Empaer (2010) a diferenccedila numeacuterica entre homens e
mulheres nos assentamentos rurais pesquisados assim se apresentava
PA Satildeo Joseacute 179 homens e 147 mulheres
PA Satildeo Gabriel 44 homens e 39 mulheres
PA Ipecirc 153 homens e 125 mulheres
PA Aracati 40 homens e 44 mulheres
Com exceccedilatildeo do Assentamento Rural Aracati que apresentou uma pequena
vantagem no nuacutemero de mulheres em relaccedilatildeo aos demais assentamentos rurais se
observa a predominacircncia do sexo masculino sobre o feminino Uma hipoacutetese explicativa
para a existecircncia de maior nuacutemero de homens residindo nos assentamentos rurais eacute em
primeiro lugar causado pela necessidade dos filhos estudarem nas escolas urbanas
sendo que muitas vezes as matildees os acompanham em segundo lugar a possibilidade de
que cabe aos homens morar nas fases iniciais de formaccedilatildeo dos assentamentos rurais
enquanto constroem as casas estradas escola e estrutura fiacutesica
A questatildeo de gecircnero pode ser abordada em relaccedilatildeo ao trabalho ao lazer e agrave
participaccedilatildeo poliacutetica das mulheres Tratando-se de lazer os relatoacuterios do Pdas da
Empaer (2010 p 74) demonstraram que existe uma estrutura maior para os homens
conforme descriccedilatildeo abaixo
No assentamento natildeo identificamos praacuteticas de lazer voltadas
para as mulheres e idosos As atividades direcionadas para este
grupo geralmente se datildeo na esfera familiar ou religiosa O
assentamento tem times de bochas que participam do
campeonato municipal onde os jogadores tecircm que se deslocar
de um assentamento para outro
Como vimos as atividades de lazer satildeo predominantemente masculinas
sobretudo no esporte como eacute o caso dos jogos de bocha e futebol que resultam numa
circulaccedilatildeo dos assentados em outros assentamentos rurais e comunidades Agraves mulheres
restam as atividades religiosas e no lar Assim sendo satildeo os homens que tecircm mais
103
oportunidades de sair de casa e tambeacutem da comunidade diferentemente das mulheres
que ficam a maior parte do tempo no interior do lar
No que se refere agrave representaccedilatildeo poliacutetica segundo a Empaer (2009 p 59) no
Assentamento Rural Satildeo Joseacute ldquo[] foram levantadas as informaccedilotildees que natildeo haacute []
representaccedilatildeo especiacutefica para o jovem e a mulher rural fato este que tambeacutem contribui
para o ecircxodo dessas famiacuteliasrdquo Jaacute nos assentamentos rurais Satildeo Gabriel e Ipecirc ldquo[] a
participaccedilatildeo da associaccedilatildeo conta com presenccedila de homens mulheres e jovens poreacutem as
mulheres e jovens fazem poucas interferecircncias sobre os assuntos tratados durante as
reuniotildeesrdquo (EMPAER p 51)
De acordo com os relatoacuterios produzidos pela equipe do escritoacuterio da Empaer
em Vila Rica-MT natildeo existe uma organizaccedilatildeo feminina no sentido de criar estrateacutegias
para pleitear poliacuteticas especiacuteficas para a categoria o que diminui ainda mais a
participaccedilatildeo das mesmas Vale lembrar que as mulheres satildeo responsaacuteveis pelos afazeres
domeacutesticos (cuidando da casa e dos filhos) assim como da criaccedilatildeo de pequenos animais
domeacutesticos (porcos aves cachorros e outros) e do cultivo de hortas
No relatoacuterio do Assentamento Rural Satildeo Gabriel essa situaccedilatildeo foi descrita
pela a Empaer (2010 p 52) da seguinte forma
A maioria das mulheres aleacutem de trabalharem nos afazeres
domeacutesticos (cuidado da casa e dos filhos) tambeacutem satildeo
responsaacuteveis pela criaccedilatildeo de pequenos animais domeacutesticos e
cultivos de hortas A organizaccedilatildeo das mulheres dentro do
assentamento ainda eacute retraiacuteda Segundo dados do perfil de
entrada aplicado no assentamento natildeo foi constatado nenhum
grupo de mulheres ou qualquer outra forma de organizaccedilatildeo
social voltada para as mulheres em todo o assentamento
Ficando as mesmas condicionadas a se reunirem com os
homens e desta forma natildeo se unem para tratar de assuntos
relevantes as suas necessidades dentro do assentamento
Os afazeres domeacutesticos entram na divisatildeo sexual do trabalho como atividade
feminina assim como eacute o caso do cultivo de hortaliccedilas e criaccedilatildeo de pequenos animais
(aves porcos etc) as quais podem contar com a ajuda das crianccedilas No entanto haacute
indiacutecios de que falta uma maior organizaccedilatildeo das mulheres no sentido na reivindicaccedilatildeo
de poliacuteticas direcionadas aos seus interesses O segundo o relatoacuterio da Empaer (2010 p
52) esclarece ainda que
104
A alimentaccedilatildeo das famiacutelias eacute composta pelo que eacute produzido
nas propriedades como pequenos animais leite derivados do
leite hortaliccedilas frutas do pomar e em determinada eacutepoca do
ano tem o complemento de milho e mandioca A outra parte da
alimentaccedilatildeo da famiacutelia eacute comprada no comeacutercio do municiacutepio
Natildeo foi constatada nenhuma famiacutelia que natildeo produz um pouco
da sua base alimentar dentro da propriedade
Assim podemos afirmar que a maior parte dos produtos que serve de base
para alimentaccedilatildeo das famiacutelias tais como pequenos animais derivados do leite
hortaliccedilas frutas do pomar entre outros satildeo oriundos das atividades desenvolvidas
pelas mulheres cabendo aos homens as atividades relacionadas agrave produccedilatildeo e venda de
leite para complementaccedilatildeo da renda da famiacutelia
Nessa mesma perspectiva os dados quantitativos que se seguem demonstram
a confirmaccedilatildeo do que jaacute supramencionamos
Tabela 2 Produtos que satildeo destinados agrave Alimentaccedilatildeo da Famiacutelia
Uso de tanque PA S Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total
Pequenos animais 106 22 78 25 231
Leite 97 22 76 25 220
Pomar 105 21 78 24 228
Horta 72 15 62 17 166
Total 380 80 294 91 845
Fonte EMPAER (2010 p09)
Analisando a Tabela 2 do total de 570 famiacutelias dos quatro assentamentos
rurais participantes da pesquisa 220 criam gado leiteiro sendo essa atividade uma das
principais fontes de renda e de consumo
Enquanto 231 assentados satildeo criadores de pequenos animais 228 possuem
pomar e 166 cultivam hortaliccedilas em seus quintais Trata-se de produccedilatildeo para consumo
Logo eacute possiacutevel aferir que quem garante grande parte da renda das famiacutelias assentadas
satildeo as mulheres sendo que esse trabalho nem sempre eacute considerado rentaacutevel visto que
classificado como uma simples ldquoajudardquo no orccedilamento familiar conforme observado
adiante na discussatildeo sobre produccedilatildeo
322 Perfil etaacuterio indicadores de uma populaccedilatildeo idosa
105
Outro elemento importante identificado na pesquisa diz respeito agrave idade dos
assentados identificando o papel parcial dos jovens nos assentamentos rurais e o
envelhecimento da populaccedilatildeo
Segundo dados da Empaer (2010) a idade dos assentados dos assentamentos
rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati estatildeo distribuiacutedos em faixas etaacuterias da
seguinte forma
Tabela 3 Faixa etaacuteria dos assentados
Faixa Etaacuteria Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total
Nordm Nordm Nordm Nordm Nordm
0 a 6 24 75 10 120 18 64 1 10 53 70
7 a 15 69 215 22 270 36 128 17 210 144 190
16 a 29 67 200 13 160 81 287 20 250 181 230
30 a 60 139 430 37 450 120 426 35 430 331 430
Acima de 60 27 80 0 00 287
96 8 100 62 80
Total 326 100 82 1000 282 1000 81 1000 771 100
Fonte EMPAER 2010
De acordo com os dados na tabela 3 foi possiacutevel identificar que se somadas
As faixas etaacuterias entre 16 anos e 60 anos 66 dos assentados pesquisados estatildeo dentro
de faixas etaacuterias de populaccedilatildeo economicamente ativa ou seja os aptos agrave produccedilatildeo
agriacutecola eou pecuaacuteria Enquanto que as faixas etaacuterias de 7 a 15 anos de idade tecircm uma
representaccedilatildeo de 19 sendo que 8 estatildeo acima de 60 anos ou seja satildeo idosos e a
tendecircncia eacute que natildeo trabalhem da mesma maneira que os mais jovens
Logo esta constataccedilatildeo que leva em consideraccedilatildeo outras informaccedilotildees aleacutem
das expostas na tabela 3 nos induz a refletir sobre o envelhecimento da populaccedilatildeo do
campo onde apenas 19 satildeo jovens entre 7 a 15 anos Este pode ser considerado como
um intervalo longo situaccedilatildeo que a nosso ver complica a anaacutelise dos dados Aleacutem de
haver um indicativo de evasatildeo dos jovens nos assentamentos rurais explicada
hipoteticamente pela necessidade das novas geraccedilotildees de prosseguir nos estudos motivo
pelo qual saem dos assentamentos rurais para conseguirem obter maiores niacuteveis de
escolaridade como o Ensino Superior e ateacute mesmo o Meacutedio Outra possiacutevel explicaccedilatildeo
eacute a de que os jovens procuram por empregos em aacutereas urbanas
106
Destacamos que essa constataccedilatildeo tomou tambeacutem como paracircmetro o relatoacuterio
da Pesquisa Nacional de Residecircncia Domiciliar PNAD (2009) que aponta para o
envelhecimento da populaccedilatildeo rural no Brasil sobretudo nas aacutereas de assentamentos
rurais
Outro elemento fundamental eacute o papel poliacutetico dos ldquojovensrdquo assentados uma
vez que foram identificados como pouco participativos nas reuniotildees e atuaccedilotildees poliacuteticas
observadas pela equipe de elaboraccedilatildeo dos Planos de Desenvolvimento dos
assentamentos rurais
Aleacutem desse elemento a questatildeo da sua saiacuteda dos assentados para morar nas
cidades tambeacutem foi identificada como problema que atinge mais os jovens que buscam
oportunidade de empregos citadinos e de terem uma melhor e maior escolaridade
323 Perfil de escolaridade dos assentados
Nos dados da Empaer (2010) a escolaridades dos assentados tem a seguinte
caracterizaccedilatildeo
Tabela 4 Escolaridade dos assentados Escolaridade PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Perce
ntual
1ordf a 4ordf Seacuterie 143 29 113 39 324 46
5ordf a 8ordf Seacuterie 83 34 81 19 217 31
Segundo grau 61 12 49 16 138 20
Superior 8 1 4 7 20 3
Total 295 76 247 81 699 100
Fonte EMPAER (2010 p 9)
A Tabela 4 mostra que o niacutevel de escolaridade dos assentados eacute
significativamente baixo uma vez que das 699 pessoas participantes da pesquisa 77
natildeo cursaram o Ensino Meacutedio 324 estatildeo em niacutevel de escolaridade entre 1ordf a 4ordf seacuterie ou
seja estatildeo no anosciclo iniciais do processo de escolarizaccedilatildeo E 227 estatildeo entre 5ordf a 8ordf
seacuterie ou seja natildeo concluiacuteram sequer o Ensino Fundamental Somente 20 dos
entrevistados tecircm Ensino Meacutedio e apenas 20 pessoas dos pesquisados possuem ou estatildeo
em fase de conclusatildeo do Ensino Superior ou seja 3
107
Essa baixa escolarizaccedilatildeo entre assentados tambeacutem foi identificada em
pesquisa de Ferreira e Castrillon (2004 p 201) que ao apresentarem uma anaacutelise sobre
os impactos socioeconocircmicos dos assentamentos rurais em Mato Grosso descrevem sua
estrutura social como
Nos assentamentos pesquisados 23 8 dos titulares dos lotes
eram analfabetos 534 possuiacuteam primeiro grau incompleto
136 primeiro grau completo e 91 segundo grau ou mais
A taxa de analfabetismo dos titulares dos lotes demonstra- se
superior a taxa de analfabetismo da populaccedilatildeo rural do estado
A baixa escolaridade dos titulares dos lotes podem ser
explicados entre os outros fatores pela falta de infraestrutura
social (escola) em ambientes em que predomina intensa
mobilidade social pela necessidade do trabalho familiar entre
os jovens nas aacutereas rurais e especialmente em aacutereas de
fronteiras pela instabilidade e inseguranccedila promovidas pelo
intenso processo de luta pela terra Tais fatores quando
relacionadas diminuem as oportunidades de acesso a escola e a
serviccedilo de sauacutede as populaccedilotildees
Logo podemos observar que os dados quantitativos dos assentamentos rurais
pesquisados pela Empaer (2010) natildeo destoam de outras pesquisas em outros
assentamentos rurais do estado de Mato Grosso
Para finalizar a anaacutelise sobre o perfil dos assentados ressaltamos que
problematizar os dados relativos a gecircnero idade e escolaridade eacute fundamental para
identificar o perfil dos assentados quanto agraves caracteriacutesticas pessoais elementares que
influenciam na forma com que se relacionam e agem socialmente A educaccedilatildeo nos
assentamentos rurais pode ser problematizada atraveacutes de um fenocircmeno recente de
esvaziamento e fechamento de escolas no campo ou tambeacutem agrave falta de um curriacuteculo e
modo de organizaccedilatildeo pedagoacutegica que atenda as caracteriacutesticas especiacuteficas das aacutereas dos
assentamentos rurais
33 Condiccedilotildees de vida nos assentamentos rurais energia eleacutetrica aacutegua sauacutede
moradia e infraestrutura
O estudo levou em consideraccedilatildeo as anaacutelises sobre as condiccedilotildees nas quais
vivem as pessoas nos assentamentos rurais tendo como paracircmetro o acesso agrave luz
eleacutetrica aacutegua sauacutede moradia e infraestrutura elementos que a nosso ver satildeo
108
fundamentais para assegurar as condiccedilotildees de permanecircncia das famiacutelias nos
assentamentos rurais (no lugar) e proporcionam algum conforto e bem-estar
331 Energia Eleacutetrica
Um dos principais problemas do universo dos assentamentos rurais no Brasil
antes da implementaccedilatildeo do Programa Luz Para Todos era a ausecircncia de energia
eleacutetrica que impedia uma melhor qualidade de vida a qual impossibilitava o uso de
eletrocircnicos e eletrodomeacutesticos bem como a utilizaccedilatildeo de resfriadores para conservar e
processar o leite principal produto da renda financeira dos assentamentos rurais
estudados
Nessa perspectiva os dados quantitativos dispostos nos Pdas 2010 que satildeo
posteriores ao Programa Luz Para Todos nos mostram outra realidade
Tabela 5 Presenccedila de energia eleacutetrica nos assentamentos rurais
Energia EleacutetricaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
Natildeo tem energia eleacutetrica 5 0 3 0 8 35
A fonte eacute gerador proacuteprio 0 0 1 0 1 05
A fonte eacute a rede CEMAT 98 25 76 25 224 960
Total 103 25 80 25 233 100
Fonte EMPAER 2010
Nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati 96 dos
assentados jaacute usufruiacutea de energia eleacutetrica e somente oito das famiacutelias assentadas em
um universo de 233 responderam natildeo contar com energia eleacutetrica Essas famiacutelias sem
energia eleacutetrica moravam nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute e Ipecirc e uma possibilidade
de explicaccedilatildeo para esse fato pode ser que satildeo famiacutelias receacutem-chegadas ou que ocuparam
aacutereas mais distantes dentro dos assentamentos rurais
Tal situaccedilatildeo de uma maioria de assentados contar com energia eleacutetrica eacute
decorrente do Programa ldquoLuz para Todosrdquo do Governo Federal
332 Aacutegua
109
A aacutegua eacute um elemento essencial para a vida no entanto quando se refere agrave
aacutegua em condiccedilatildeo potaacutevel revela-se um problema mundial situaccedilatildeo que natildeo foge agrave
realidade dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT Haacute problemas com a
aacutegua potaacutevel em funccedilatildeo de vaacuterios fatores tais como questotildees culturais econocircmicas
mas sobretudo as questotildees ambientais que assolam os assentamentos rurais do Brasil
Segundo dados da Empaer (2010) o percentual da aacutegua encanada nas
residecircncias dos assentamentos rurais pesquisados em Vila Rica-MT varia conforme as
caracteriacutesticas de cada projeto de assentamento A seguir mostramos os dados
encontrados em cada um dos assentamentos rurais
PA Satildeo Joseacute 72 possuem aacutegua encanada nas residecircncias
PA Satildeo Gabriel 70
PA Ipecirc 68
PA Aracati 92
Consideramos esse nuacutemero significativo de assentados beneficiados com
aacutegua encanada pois a exceccedilatildeo do Assentamento Rural Aracati que tem 92 os
demais tecircm uma meacutedia de 70 de aacutegua encanada
Importante destacar que satildeo diversas as fontes de aacutegua nos assentamentos
rurais conforme podemos verificar
Tabela 6 Fonte de Aacutegua nos assentamentos rurais
Aacutegua encanadaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Poccedilo de alvenaria 92 19 57 11 179
Nascente protegida 5 2 11 11 29
Poccedilo descoberto 0 0 2 0 2
Cacimba 1 1 2 1 5
Coacuterrego ou rio 0 0 0 0 0
Poccedilo tubular fundo 6 0 2 1 9
Outras fontes 2 0 1 0 3
Total 106 22 75 24 227 Fonte EMPAER (201012)
110
Como podemos perceber a Tabela 6 nos mostra que 179 das propriedades
dos assentamentos rurais estudados possuem a aacutegua oriunda de poccedilos de alvenaria
sendo que 29 deles utilizam aacutegua das nascentes existentes em suas propriedades as
quais eles declararam protegecirc-las Duas pessoas usam aacutegua de poccedilos descobertos Cinco
usam aacutegua de cacimba nove de poccedilos tubulares fundos e apenas trecircs declararam utilizar
a aacutegua vinda de outras fontes
Outro fator que consideramos relevante eacute questatildeo que envolve a qualidade da
aacutegua consumida pelas famiacutelias assentadas segundo informaccedilotildees contidas na Tabela 7
Tabela 7 Qualidade da aacutegua nos assentamentos rurais
AacuteguaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Aacutegua filtrada 86 23 56 16 181
Fervida 0 0 4 1 5
In natura 22 2 19 8 51
Aacutegua tratada 0 0 1 0 1
Outras fontes 1 0 1 0 2
Total 109 25 81 25 240 Fonte EMPAER (2010 p 9)
Eacute fato que existe uma relaccedilatildeo direta entre a qualidade da aacutegua e as questotildees
ligadas agrave sauacutede Poreacutem no caso dos assentamentos rurais estudados torna preocupante
o fato de existir 51 famiacutelias que consumem aacutegua in natura situaccedilatildeo que pode estar
vinculada aos fatores socioeconocircmicos sobretudo ao senso comum de que a aacutegua
ldquolimpardquo eacute a aacutegua sem cor e sem cheiro portanto aacutegua saudaacutevel
333 Sauacutede
A sauacutede puacuteblica eacute uma das reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais que
demandam por melhores condiccedilotildees de vida nas aacutereas de assentamentos rurais tanto no
que diz respeito agrave estrutura macro quanto micro No entanto os saberes tradicionais
influenciam na concepccedilatildeo e modos de tratamento dos assentados de Vila Rica-MT
111
Segundo os dados do Plano de Desenvolvimento dos Assentamentos as
doenccedilas mais comuns satildeo hipertensatildeo leishmaniose verminose e outras como dores na
coluna nos rins dores de cabeccedila diabetes dengue e malaacuteria
Os dados quantitativos mostram a frequecircncia com que os assentados realizam
exames
Tabela 8 Frequecircncia da realizaccedilatildeo de exames de sauacutede
FrequecircnciaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Regularmente 73 18 46 20 157
De vez em quando 35 4 31 5 75
Natildeo faz 1 0 4 0 5 Fonte EMPAER 2010
Os dados da Tabela 8 evidenciam que a maior parte dos assentados realizava
exames com frequecircncia o que demonstra que os mesmos tecircm acesso e fazem uso dos
serviccedilos de sauacutede puacuteblica realizados nos assentamentos rurais No entanto 75 famiacutelias
declararam utilizar os serviccedilos de sauacutede de vez em quando sendo que apenas 5 famiacutelias
disseram natildeo fazer uso
Quando perguntado se o assentado tem acesso aos serviccedilos de sauacutede os
dados nos remetem a outras interpretaccedilotildees conforme Tabela 9
Tabela 9 Acesso aos serviccedilos de sauacutede
AcessoPA Satildeo Joseacute Satildeo
Gabriel Ipecirc Aracati Total
Tem acesso 78 22 79 23 202
Natildeo tem acesso 33 1 2 1 37
Fonte EMPAER 2010
Pelos dados 202 famiacutelias dos assentados pesquisados afirmaram que tinham
acesso aos serviccedilos de sauacutede quando confrontados com outros dados existentes nos
Planos de Desenvolvimento dos Assentamentos Rurais visto que aleacutem desses serviccedilos
haacute disponibilidade de medicamentos que geralmente satildeo distribuiacutedos gratuitamente
apoacutes a consulta meacutedica No entanto trinta e sete famiacutelias declaram natildeo terem acesso aos
serviccedilos de sauacutede tampouco aos medicamentos
112
Segundo a Empaer (2009 p 66) 211 famiacutelias de assentamentos rurais
recorrem aos procedimentos da medicina tradicional principalmente agraves plantas
medicinais para suprir suas necessidades e ldquo[] desta forma conservam uma tradiccedilatildeo
cultural repassada de matildee para filhardquo Os principais remeacutedios caseiros segundo a
Empaer satildeo ldquo[] chaacutes xaropes garrafadas caseiras para combater e prevenir algumas
doenccedilasrdquo
Os dados quantitativos da Tabela 10 reforccedilam essa concepccedilatildeo
Tabela 10 Uso do remeacutedio caseiro
UsoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Faz uso 96 22 71 22 211
Natildeo faz uso 15 1 10 3 29
Total Fonte EMPAER 2010
Os nuacutemeros indicam que apesar da maioria dos assentados terem acesso aos
serviccedilos de sauacutede grande parte deles tambeacutem faz uso de remeacutedios caseiros tradicionais
Esses dados confirmam que apesar das interaccedilotildees com serviccedilos puacuteblicos e outras
loacutegicas os assentados natildeo deixaram de utilizar os remeacutedios tradicionais Isso nos remete
agrave concepccedilatildeo de Gadelha (2007) que assegura que o mais importante na compreensatildeo
dos aspectos culturais eacute pensar para aleacutem da eficaacutecia de um determinado ritual mas eacute
tambeacutem tentar atribuir conceito sobre o poder simboacutelico utilizado por cada sociedade
para atribuir sentidos aos objetos
334 Moradia
A moradia tambeacutem eacute um dos fatores imprescindiacuteveis para a permanecircncia dos
assentados no campo No caso de Vila Rica-MT uma das caracteriacutesticas importantes do
perfil dos assentados eacute que a terra deve servir para moradia
Tabela 11 Nuacutemero de assentados que declararam morar no assentamento rural
MoradiaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Sim 268 47 235 65 615 82
113
Natildeo 58 31 37 7 133 18
Total 326 78 372 72 748 100
Fonte EMPAER 2010
Assim conforme os dados apresentados 82 dos assentados dos
assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati declaram morar nos lotes fato
que demonstra um perfil dos assentados de morar-nos proacuteprios assentamentos rurais
fortalecendo assim a concepccedilatildeo da terra enquanto condiccedilatildeo tanto de morar como de
plantar O uacutenico assentamento rural que tem uma situaccedilatildeo parcialmente e discrepante eacute
Satildeo Gabriel que tem um percentual significativo de assentados que natildeo residem nos
lotes
Essas informaccedilotildees da tabela cruzadas com outros dados mostraram que o
tempo meacutedio de moradia dos assentados eacute
PA Satildeo Joseacute 1036 anos de moradia
PA Satildeo Gabriel 792 anos de moradia
PA Ipecirc 860 anos de moradia
PA Aracati 1248 anos de moradia
A permanecircncia nos lotes foi evidenciada pelos dados o que remete agrave loacutegica
de ldquoterra para plantar e morarrdquo
Nos dados sobre infraestrutura observa-se que as casas satildeo na maioria de
alvenaria madeira serrada e em alguns casos as casas satildeo construiacutedas de pau-a-pique
335 Infraestrutura equipamentos e Tecnologias
A melhoria da infraestrutura aquisiccedilatildeo de equipamentos e novas tecnologias
estatildeo entre as principais reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais do campo por serem
considerados essenciais para o aumento da produccedilatildeo e renda dos assentados
Os dados coletados pela Empaer (2010) mostram que houve avanccedilos
significativos na questatildeo infraestrutural nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT
sobretudo a partir da implementaccedilatildeo do Programa Nacional da Agricultura Familiar
114
No entanto em relaccedilatildeo agrave aquisiccedilatildeo dos equipamentos e novas tecnologias ainda se
verifica defasagem
Algumas dessas informaccedilotildees podem ser conferidas nos quadros abaixo
No Assentamento Rural Satildeo Joseacute
A infraestrutura existente estaacute distribuiacuteda segundo os assentados da seguinte forma
- 31 natildeo possuem currais
- 20 possuem currais de arame liso 3 de madeira lisa e 58 de madeira
serrada
- 108 natildeo possuem brete
- 2 possuem brete de madeira bruta e 1 de madeira serrada
- 9 possuem barracatildeo de ordenha e 103 natildeo possuem
- 3 natildeo possuem cercas na propriedade
- 0 possuem cercas construiacutedas de arame farpado e 107 de arame liso
A existecircncia de equipamentos nas propriedades estaacute distribuiacuteda da seguinte forma
- 21 possuem equipamentos de traccedilatildeo animal e 90 natildeo possuem
- 3 possuem trator com implementos e 109 natildeo possuem
- 65 alugam trator e 47 natildeo alugam
- 17 possuem triturador ou picador de forragens e 95 natildeo possuem
Projeto de Assentamento Rural Satildeo Gabriel
A infraestrutura existente estaacute distribuiacuteda segundo os assentados da seguinte forma
- 5 possuem currais de arame liso 1 de madeira lisa e 7 de madeira
serrada
- 25 natildeo possuem brete
- 0 possuem brete de madeira bruta e 0 de madeira serrada
- 2 possuem barracatildeo de ordenha e 23 natildeo possuem
- 1 natildeo possui cercas na propriedade
- 0 possuem cercas construiacutedas de arame farpado e 24 de arame liso
A existecircncia de equipamentos nas propriedades estaacute distribuiacuteda da seguinte forma
- 4 possuem equipamentos de traccedilatildeo animal e 21 natildeo possuem
- 1 possui trator com implementos e 23 natildeo possuem
115
- 21 alugam trator e 3 natildeo alugam
- 5 possuem triturador ou picador de forragens e 19 natildeo possuem
Projeto de Assentamento Rural Ipecirc
A infraestrutura existente estaacute distribuiacuteda segundo os assentados da seguinte forma
- 24 natildeo possuem currais
- 17 possuem currais de arame liso 5 de madeira lisa e 35 de madeira
serrada
- 79 natildeo possuem brete
- 0 possuem brete de madeira bruta e 2 de madeira serrada
- 6 possuem barracatildeo de ordenha e 75 natildeo possuem
- 1 natildeo possuem cercas na propriedade
- 0 possuem cercas construiacutedas de arame farpado e 80 de arame liso
A existecircncia de equipamentos nas propriedades estaacute distribuiacuteda da seguinte forma
- 10 possuem equipamentos de traccedilatildeo animal e 71 natildeo possuem
- 6 possuem trator com implementos e 75 natildeo possuem
- 55 alugam trator e 26 natildeo alugam
- 20 possuem triturador ou picador de forragens e 61 natildeo possuem
Projeto de Assentamento Rural Aracati
A infraestrutura existente estaacute distribuiacuteda segundo os assentados da seguinte forma
- 2 natildeo possuem currais
- 8 possuem currais de arame liso 1 de madeira lisa e 14 de madeira
serrada
- 24 natildeo possuem brete
- 0 possuem brete de madeira bruta e 0 de madeira serrada
- 2 possuem barracatildeo de ordenha e 23 natildeo possuem
- 0 natildeo possuem cercas na propriedade
- 2 possuem cercas construiacutedas de arame farpado e 23 de arame liso
A existecircncia de equipamentos nas propriedades estaacute distribuiacuteda da seguinte forma
- 6 possuem equipamentos de traccedilatildeo animal e 19 natildeo possuem
116
- 0 possui trator com implementos e 25 natildeo possuem
- 20 alugam trator e 5 natildeo alugam
- 4 possuem triturador ou picador de forragens e 21 natildeo possuem
Percebe-se que a infraestrutura baacutesica nos assentamentos rurais estaacute voltada
para a criaccedilatildeo de gado como currais brete de madeira barracatildeo de ordenha e cercas de
arame liso e farpado aleacutem de outros equipamentos como resfriadores de leite e
trituradores ou picadores para a feitura de forragens para a alimentaccedilatildeo do gado
O nuacutemero e a distribuiccedilatildeo deles variam conforme os assentamentos rurais e o
perfil dos assentados No geral se percebe que os Agricultores Familiares de Vila Rica-
MT ainda recorrem com frequecircncia ao uso da forccedila humana e dos equipamentos de
traccedilatildeo animal Existem no entanto alguns equipamentos agriacutecolas de origem
mecanizada como tratores que podem ser proacuteprios ou alugados
O fato eacute que em menor ou maior nuacutemero os equipamentos e a infraestrutura
existente nos assentamentos satildeo destinados agrave produccedilatildeo e criaccedilatildeo de gado
34 A Produccedilatildeo a renda comercializaccedilatildeo e a circulaccedilatildeo na Agricultura Familiar
de Vila Rica-MT
Um dado importante a ser ponderado para a problematizaccedilatildeo da produccedilatildeo
nos assentamentos rurais diz respeito agrave renda Especificamente de onde surge a renda
dos assentados
As informaccedilotildees obtidas dos quatro assentamentos rurais de Vila Rica-MT
analisados pela pesquisa da Empaer os dados indicam que a renda dos assentados eacute
resultante das atividades que estatildeo associadas a algumas culturas agriacutecolas agrave pecuaacuteria e
agrave criaccedilatildeo de pequenos animais
Tais dados estatildeo melhor detalhados em tabelas distribuiacutedas por itens visando
assim uma melhor compreensatildeo da dinacircmica de produccedilatildeo e renda dos assentamentos
rurais
341 A renda nos quatro Projetos de assentamentos rurais de Vila Rica-MT
117
Tabela 12 Percentual de participaccedilatildeo da Renda dos assentados
RendaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati
Renda Agriacutecola eou Pecuaacuteria 7333 8789 7365 7140
Natildeo Agriacutecola
(Artesanato agroinduacutestria) 3650 7500 3062 3000
Outras rendas
(Salaacuterios Aposentadoria etc) 5280 6182 4810 5460
Fonte EMPAER 2010
A tabela 12 revela que a maior parte da renda dos assentamentos rurais
proveacutem dos rendimentos das atividades agriacutecolas e pecuaacuterias seguida por outros tipos
de rendas originaacuterios de salaacuterios e aposentadorias que alguns assentados usufruem
aleacutem de atividades de produccedilatildeo artesanal em geral confeccionada por mulheres
O projeto de assentamento rural que apresenta discrepacircncia em relaccedilatildeo aos
dados anteriores eacute o do Assentamento Rural Satildeo Gabriel que aleacutem da renda oriunda da
pecuaacuteria agricultura tem destaque nas outras fontes como atividades artesanais
agroinduacutestria e em salaacuterios e aposentadoria
342 Atividades Agriacutecolas a produccedilatildeo econocircmica e a de subsistecircncia
As atividades agriacutecolas desenvolvidas nos assentamentos foram classificadas
de duas categorias econocircmicas e de subsistecircncia Segundo os dados o quantitativo
produzido eacute descrito conforme tabela a seguir
Tabela13 Produccedilatildeo agriacutecola (em Kg)
Atividades
Agriacutecolas PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Arroz 4500 5100 1510 1500 12610
Banana 2560 200 2537 11000 1629
Feijatildeo 0 0 550 0 550
Mandioca 225802 54000 8127 111500 39942
Milho 106500 73530 3378 46850 23025 Fonte EMPAER 2010
Segundo a Tabela 13 os produtos agriacutecolas mais cultivados nos
assentamentos rurais estudados satildeo em quilograma mandioca seguida do milho e do
118
arroz uma pequena produccedilatildeo de banana Apenas o Assentamento Rural Ipecirc produz
feijatildeo
Tabela 14 Assentados que praticam Culturas de Subsistecircncia
Culturas
Econocircmicas PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Arroz 2 4 12 1 19
Banana 5 1 16 3 25
Feijatildeo 0 0 2 0 2
Mandioca 29 6 38 15 88
Milho 17 12 38 12 79 Fonte EMPAER 2010
Os dados demonstram que a mandioca e o arroz satildeo os principais produtos
agriacutecolas cultivados nos assentamentos Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati O arroz eacute
comercializado em casca sendo a mandioca o milho e em menor escala a banana os
cultivados pelo maior nuacutemero de assentados
Trata-se portanto de uma produccedilatildeo significativa tanto para comercializaccedilatildeo
quanto para subsistecircncia No entanto a pecuaacuteria ainda eacute a principal atividade econocircmica
desses assentamentos rurais
343 Pecuaacuteria e criaccedilatildeo de pequenos animais
A principal atividade de produccedilatildeo econocircmica nos assentamentos estudados eacute
a pecuaacuteria bovina leiteira a qual nos uacuteltimos anos cresceu significativamente
ultrapassando a pecuaacuteria de corte
Tabela 15 Tipo de pecuaacuteria explorada por propriedade (famiacutelias)
Tipo de
pecuaacuteria PA Satildeo Joseacute
Satildeo
Gabriel Ipecirc Aracati Total
Leite 19 10 34 12 75
Leite e corte 57 5 27 11 100
Corte 29 3 15 2 49
Total 105 18 76 25 224 Fonte EMPAER 2010
119
Os dados demostram que a maioria dos criadores de gado se dedica agrave
produccedilatildeo de leite Cruzando estes com outros dados eacute possiacutevel identificar que a
produccedilatildeo de leite eacute destinada ao mercado e tambeacutem ao consumo das famiacutelias
assentadas o que tem correlaccedilatildeo ateacute mesmo com a frequecircncia de consumo de proteiacutena
animal apresentados aa Tabela 16
Tabela 16 Frequecircncia do consumo de proteiacutena animal na alimentaccedilatildeo dos
assentados
Uso de tanquePA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total
Come carne todo dia 93 22 70 22 207
Trecircs vezes por semana 16 0 9 3 28
Uma vez por semana 0 0 1 0 1
Natildeo come carne 0 0 0 0 0 Fonte EMPAER 2010
De acordo com a Tabela 16 das 236 famiacutelias que participaram da pesquisa
207 declararam que consomem carne todos os dias sendo que 28 disseram que a
consomem trecircs vezes por semana e apenas uma famiacutelia consome carne somente uma
vez por semana o que revela um consumo significativo de carne
Em relaccedilatildeo ao modo de criaccedilatildeo do gado importante destacar que conforme
os Planos de Desenvolvimento dos Assentamentos Rurais Pdas 100 dos assentados
criam gado utilizando o sistema extensivo ou seja uma praacutetica de criaccedilatildeo tradicional o
que significa dizer que satildeo habituados a criar o gado solto nas aacutereas de pastagens
naturais eou livres sem qualquer divisatildeo de cercas
Outros dados fundamentais para a compreensatildeo de forma detalhada do
potencial da produccedilatildeo de leite nos assentamentos rurais privilegiados pela pesquisa
estatildeo destacados na Tabela 17
Tabela 17 Dados de produccedilatildeo de leite nos assentamentos rurais por nordm de vacas
DadosPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati
Nuacutemero de Vacas Leiteiras 881 191 768 393
Meacutedia por assentado (n
vacas) 1223 146 1301 1637 Fonte EMPAER 2010
120
Os assentamentos rurais Aracati e Satildeo Gabriel satildeo menores em termos do
nuacutemero de propriedades e famiacutelias assentadas Os dados anteriores reforccedilam o
indicativo de que haacute uma importante produccedilatildeo de leite pois cada famiacutelia tem em
nuacutemero consideraacutevel de vacas leiteiras
A principal fonte de renda dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel
Ipecirc e Aracati eacute a produccedilatildeo de leite Mas os assentados tem necessidade de teacutecnicas para
a conservaccedilatildeo desse leite Nesse caso os resfriadores de leite embora natildeo sendo
utilizados por todos satildeo fundamentais Apresentamos a seguir detalhamento dessas
informaccedilotildees
Tabela 18 Nuacutemero de Famiacutelia que utilizam o resfriador de leite
Uso de tanquePA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total
Natildeo usam tanques 62 3 20 13 98
Usam tanques proacuteprios 3 0 2 1 6
Usam tanques comunitaacuterios 25 11 47 9 92
Fonte EMPAER 2010
Na tabela 18 observamos que o nuacutemero de famiacutelias que natildeo usam tanques
para resfriamento do leite eacute significativo lanccedilando matildeo de outros meios para o
armazenamento e ou transporte do leite ateacute o ponto final de comercializaccedilatildeo
Aleacutem de gado de corte e leiteiro os assentados dos assentamentos rurais se
dedicam agrave criaccedilatildeo de animais de pequeno porte para o consumo e comercializaccedilatildeo
poreacutem em menor escala Entre eles se destacam as aves suiacutenos caprinos ovinos
peixes e abelhas Os animais de pequeno porte como aves e porcos satildeo de criaccedilatildeo
tradicional O dado que mais chama a atenccedilatildeo eacute a criaccedilatildeo de peixes Haacute um nuacutemero
expressivo de famiacutelias que exercem a piscicultura Portanto pode-se afirmar que leite e
peixe satildeo produtos familiares destinados agrave comercializaccedilatildeo
344 Comercializaccedilatildeo e Associativismo
Pensar o desenvolvimento econocircmico local a partir da produccedilatildeo dos
assentamentos rurais nos remete agraves formas de organizaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo da
produccedilatildeo
121
Chamamos a atenccedilatildeo para a organizaccedilatildeo nos assentamentos rurais de Vila
Rica-MT pois houve uma intensa mobilizaccedilatildeo acerca das accedilotildees coletivas para o
processo de reocupaccedilatildeo e regularizaccedilatildeo da terra Poreacutem quando consolidados os
Projetos de Assentamentos Rurais os assentados perderam a referecircncia de coletividade
No que tange ao modo de produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo a tabela que segue mostra esta
defasagem
Tabela 19 Local de Comercializaccedilatildeo da Produccedilatildeo dos assentamentos
ComercializaccedilatildeoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Propriedade 80 16 67 16 179
Pequenos Comeacutercios 12 0 6 3 21
Feira 3 1 2 0 6
Atacadista 0 0 0 0 0
Supermercados 1 1 1 1 4
CONAB 0 0 1 0 1
Outros lugares 48 7 38 6 99 Fonte EMPAER 2010
Os dados nos mostram que a maior parte dos assentados comercializa os seus
produtos nos proacuteprios lotes Os assentados na maioria das vezes recorrem aos
atravessadores para comercializar os produtos os quais em sua maioria tratam-se de
comerciantes da cidade Outro nuacutemero considerado significativo comercializa em
outros lugares diferentes de comeacutercios como as feiras e no CONAB Essa situaccedilatildeo pode
estar relacionada agrave falta de organizaccedilatildeo coletiva com a criaccedilatildeo de associaccedilotildees e
cooperativas Nesse sentido a tabela que se segue mostra detalhadamente a participaccedilatildeo
ou natildeo das famiacutelias nessas organizaccedilotildees coletivas
Tabela 20 Associativismo nos assentamentos Aracati Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel e Ipecirc
AssociativismoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Natildeo participam 15 2 10 0 27
Participam em cooperativa 4 0 0 0 4
Participam em associaccedilatildeo 99 20 73 25 217
Participam em sindicatos 99 23 75 21 218
Outras modalidades 1 1 0 0 2 Fonte EMPAER 2010
122
Ressaltamos que o principal mecanismo de organizaccedilatildeo coletiva dos
Agricultores Familiares satildeo as Associaccedilotildees de Pequenos Produtores Rurais e o
Sindicato dos Trabalhadores Rurais Satildeo organizaccedilotildees mais do tipo poliacutetico
reivindicativo que de produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo Apenas 09 dos Agricultores
Familiares participam das atividades do sistema cooperativo e 04 em outras
modalidades
Em pesquisa sobre os assentamentos rurais no Araguaia o diagnoacutestico do
Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentaacutevel do Territoacuterio Rural (PTDRS)
do Baixo Araguaia-MT produzido pelo Ministeacuterio da Agricultura em 2006 haacute uma
indicaccedilatildeo de que todos os PAs do Araguaia possuem associaccedilotildees
A mesma pesquisa do PTDRS (2006 p 46) indica que os Agricultores
Familiares tecircm participaccedilatildeo nos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais e nos Conselhos
Municipais de Desenvolvimento Rural existentes em todos os municiacutepios do territoacuterio
No entanto entre os assentados existe ldquo[] um sentimento de descrenccedila e
desconfianccedila frente agraves instacircncias de organizaccedilatildeo dos produtores []rdquo Essa descrenccedila
estaacute tambeacutem associada ldquo[] agrave dificuldade em conseguir melhorias efetivas para a
populaccedilatildeo rural (acesso ao creacutedito luz eleacutetrica melhoria nas estradas) que estaacute levando
na opiniatildeo dos entrevistados agrave descrenccedila nas lideranccedilas e nas instituiccedilotildees de
representaccedilatildeo []rdquo
Em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo por meio de cooperativas o PTDRS (2006 p 46)
atribui essa falta de motivaccedilatildeo ao fato de que
Constatou-se que os municiacutepios de Satildeo Feacutelix do Araguaia
Porto Alegre do Norte e Vila Rica-MT possuiacuteam diferentes
tipos de cooperativas que acabaram falindo Apesar de natildeo
estarem diretamente relacionados com a Agricultura Familiar
estes exemplos ruins acabam influenciando na percepccedilatildeo da
populaccedilatildeo sobre as formas de cooperativas e associativas de
trabalho
Essa situaccedilatildeo eacute confirmada tambeacutem pelos relatos orais como mostra a fala
do secretaacuterio municipal de agricultura de Vila Rica-MT
123
As experiecircncias mal sucedidas das cooperativas influenciam
bastante para o descreacutedito na formaccedilatildeo de novas cooperativas
Vila Rica-MT por exemplo teve umas trecircs cooperativas
Tiacutenhamos uma que era muito forte na organizaccedilatildeo chamava
CONEMAT - Cooperativa do Nordeste de Mato Grosso
Inclusive ainda tecircm alguns preacutedios e balanccedilas espalhadas aiacute
na cidade tinha caminhotildees e supermercados mas creio que foi
por ingerecircncia de alguns presidentes que acabaram dando um
calote nos cooperados [] Temos hoje um grande nuacutemero de
produtores rurais que tecircm uma diacutevida enorme e natildeo tecircm como
pagar porque os presidentes pegaram empreacutestimos em nome
deles e foram embora levando o dinheiro dessas pessoas e por
isso muitos tecircm medo de cooperativas Por isso eacute complicado
tanto pra noacutes como para o Sindicato dos Trabalhadores Rurais
atuarmos no sentido de fomentar o sistema de cooperativa
(ENTREVISTA com Gilmar secretaacuterio Municipal de
Agricultura do municiacutepio de Vila Rica-MT realizada pela
autora em marccedilo de 2015)
Esse relato oral nos revela a dimensatildeo dos desafios vivenciados pelos
assentados e como a Secretaria de Agricultura e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais
de Vila Rica-MT enfrentaram dificuldades para mobilizar os trabalhadores para a
criaccedilatildeo do sistema de comercializaccedilatildeo por meio de cooperativas
No entanto apesar das dificuldades o sistema de cooperativa poderaacute ser uma
alternativa para ampliar o potencial da comercializaccedilatildeo dos produtos da Agricultura
Familiar Dentro desse sistema a Prefeitura Municipal passa a ser importante
comprando os gratildeos legumes e hortaliccedilas para a merenda escolar aleacutem de ser uma
instituiccedilatildeo fundamental na mediaccedilatildeo para que os Agricultores Familiares acessem a
Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB)
35 Teacutecnicas e niacutevel tecnoloacutegico dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel
Ipecirc e Aracati
Martins (2014 p 24) afirma que ldquo[] a inovaccedilatildeo depende amplamente do
modo como a trama das relaccedilotildees sociais em que ocorre define sua funccedilatildeo e as
contradiccedilotildees sociais que alimentamrdquo Isso significa que os saberes tradicionalmente
produzidos ao longo das experiecircncias de vida natildeo devem ser considerados invaacutelidos na
inserccedilatildeo das inovaccedilotildees tecnoloacutegicas
Nos assentamentos rurais estudados identificamos que os saberes e as
teacutecnicas tradicionais satildeo recorrentes no modo de produzir de lidar com a terra e na
124
constituiccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com a natureza A seguir apresentamos algumas
teacutecnicas utilizadas nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati do
municiacutepio de Vila Rica-MT
351 Teacutecnicas de uso do Solo plantio combate de pragas colheita e
armazenamento
Tabela 21 Tipos de preparo do solo por nordm de famiacutelias
Tipo de preparoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Capina e faz o plantio 20 0 16 5 41
Utiliza araccedilatildeo e gradagem 42 15 53 12 122
Faz o preparo em niacutevel 0 0 0 0 0
Fonte EMPAER 2010
De acordo com os dados da Tabela 21 muitos agricultores dos assentamentos
rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati recorrem agraves teacutecnicas tradicionais para o
preparo do solo no que se refere ao cultivo de produtos agriacutecolas e no plantio de
pastagens para o gado Poreacutem 740 utilizam araccedilatildeo e gradagem do solo
Tabela 22 Tipos de sementes cultivadas nos assentamentos rurais
Tipo de sementePA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Gratildeo proacuteprio 4 0 3 0 7
Sementes selecionadas22
43 14 67 19 143 Fonte EMPAER 2010
Agrave luz dos dados dispostos na Tabela 23 pode-se afirmar que os Agricultores
Familiares dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati possuem o
controle dos produtos a serem cultivados uma vez que satildeo eles quem seleciona as
sementes produzidas pela induacutestria e satildeo os proprietaacuterios dos gratildeos desqualificando a
semente crioula dos produtores
22 Aleacutem desses dados dois assentados rurais de Satildeo Joseacute afirmam que utilizam sementes ldquofiscalizadasrdquo
conforme categorizaccedilatildeo utilizada pelo IBGE
125
Segundo a Empaer (2010) sementes selecionadas pelos agricultores satildeo
aquelas consideradas de melhor qualidade sendo observados os aspectos relacionados
ao tamanho cor entre outros
Tabela 23 Tipos de plantio cultivados nos assentamentos rurais
Tipo de plantio Satildeo
Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
Mecanizado 8 3 12 1 24 135
Traccedilatildeo animal 3 1 7 0 11 60
Manual 62 11 50 19 142 800
Fonte EMPAER 2010
Na Tabela 23 podemos observar que os assentados utilizam
predominantemente o trabalho manual para o cultivo com um percentual de 80
Ainda segundo os dados 6 ainda utilizam animais como forma de traccedilatildeo para
realizaccedilatildeo dos cultivos e manutenccedilatildeo das roccedilas e pastagens Somente 135 dos
assentados lanccedila matildeo do sistema mecanizado Esses dados podem apontar o motivador
da baixa produtividade nas atividades da Agricultura Familiar ou indica a baixa
capitalizaccedilatildeo e uma tradiccedilatildeo de manejo de baixo custo
Quanto ao tipo de adubaccedilatildeo do solo realizado pelos assentados existem
vaacuterias formas das quais merecem o destaque da Tabela 24
Tabela 24 Tipo de adubaccedilatildeo do solo realizado pelos assentados por famiacutelia
Tipo de adubaccedilatildeoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
Natildeo fazem adubaccedilatildeo 65 6 41 13 125 610
Usam adubaccedilatildeo orgacircnica 2 6 11 3 22 105
Usam adubaccedilatildeo quiacutemica 20 4 21 5 50 245
Usam as duas adubaccedilotildees 2 1 3 2 8 4
Fonte EMPAER 2010
Os dados chamam a atenccedilatildeo pelo fato de que 125 famiacutelias ou seja 61 dos
assentados natildeo fazem adubaccedilatildeo Dos 39 que utilizam a adubaccedilatildeo a maior parte faz
126
adubaccedilatildeo quiacutemica (245) e somente 105 a adubaccedilatildeo orgacircnica sendo que uma
minoria de 2 realizam tanto a adubaccedilatildeo quiacutemica quanto a orgacircnica
Esse quadro situacional aponta uma tendecircncia para o aumento do uso de
produtos quiacutemicos pelos agricultores dos assentamentos rurais na medida em que
melhoram suas condiccedilotildees econocircmicas A Tabela 25 apresenta as formas de tratamentos
do solo utilizadas pelos assentados
Tabela 25 Conservaccedilatildeo do solo (por nuacutemero de Famiacutelias)
Conservaccedilatildeo dos solos PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
Natildeo fazem 90 15 67 24 196 93
Fazem plantio em niacutevel 1 1 1 1 4 2
Terraccedilo 0 0 0 0 0 0
Outros tipos de conservaccedilatildeo 2 0 9 0 11 5
Total 211 100
Fonte EMPAER 2010
Os dados satildeo preocupantes visto que 196 famiacutelias declararam natildeo adotar
qualquer teacutecnica para a conservaccedilatildeo do solo Isto explica o alto iacutendice de degradaccedilatildeo
ambiental e do solo nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT Outro item que
consideramos importante para a conservaccedilatildeo eacute a teacutecnica de rotaccedilatildeo no uso do solo
Assim a Tabela 26 mostra como os assentados lidam com essa situaccedilatildeo
Tabela 26 Rotaccedilatildeo de Culturas nos assentamentos rurais
Rotaccedilatildeo de cultura
PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Porcentagem
Fazem rotaccedilatildeo 10 4 20 10 44 20
Natildeo fazem rotaccedilatildeo 87 16 57 15 175 80
Total 219 100
Fonte EMPAER 2010
Segundo a Tabela 26 haacute evidecircncia da pouca rotaccedilatildeo de culturas o que
corresponde a (201) nos assentamentos rurais estudados Em contrapartida 80 natildeo
fazem rotaccedilatildeo de culturas A consequecircncia eacute o baixo rendimento da terra ou seja baixa
127
produtividade e esgotamento mais raacutepido Uma interpretaccedilatildeo possiacutevel sobre os dados
indicados na Tabela 26 eacute construiacuteda a partir da compreensatildeo de que a natildeo adoccedilatildeo de
rotaccedilatildeo de cultura estaacute relacionada aos haacutebitos culturais dos Agricultores Familiares
somados agrave falta de assistecircncia teacutecnica e orientaccedilotildees que demonstrem os benefiacutecios de tal
praacutetica Tambeacutem podemos observar a influecircncia da falta de um maior direcionamento
dos investimentos feitos pelo Governo Federal atraveacutes do Pronaf nos creacuteditos que satildeo
liberados conforme cultura agriacutecola e natildeo pelo sistema de produccedilatildeo O conjunto dessas
deficiecircncias de orientaccedilotildees teacutecnicas natildeo permite uma maior conscientizaccedilatildeo da
importacircncia de se praticar a rotaccedilatildeo de culturas como meio de melhor aproveitamento e
conservaccedilatildeo do solo significando manejo de informaccedilatildeo simples
Tabela 27 Tipo de combate agraves pragas (por nuacutemero de famiacutelias)
Tipo de combate PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentagem
Natildeo fazem combate as pragas 81 6 35 13 135 645
Utilizam inseticidas 12 8 39 9 68 325
Utilizam controles alternativos 0 0 3 1 4 2
Utilizam de outros meios 1 1 0 0 2 1
Total
209 100
Fonte EMPAER 2010
Os dados da Tabela 27 apontam que 645 dos assentados natildeo fazem
nenhum tipo de combate a pragas e 325 fazem uso no cultivo de produtos agriacutecolas
de inseticidas no seu combate e controle Somente 4 famiacutelias utilizam produtos e
mecanismos alternativos
Logo a Tabela 27 mostra um percentual significativo de famiacutelias que natildeo faz
controle de pragas ou utilizam outros controles indicando que a maioria dos assentados
consome produtos sem contaminaccedilatildeo de inseticidas
Tabela 28 Tipo de lavagem triacuteplice de embalagens vazias de agrotoacutexicos
Tipo de lavagem PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
Fazem a lavagem 5 3 8 5 21 15
Natildeo fazem a lavagem 57 9 48 10 124 85
Total 145 100
Fonte EMPAER 2010
128
A Tabela 28 indica um dado alarmante 124 famiacutelias dos assentamentos rurais
pesquisados em Vila Rica-MT ldquonatildeo fazem a lavagemrdquo triacuteplice de embalagens vazias de
agrotoacutexicos expondo-se a riscos de contaminaccedilatildeo Quanto ao destino das embalagens
de agrotoacutexicos vazias os dados que se seguem indicam a mesma tendecircncia de descuido
Tabela 29 Destino das embalagens de agrotoacutexicos vazias
Destino das embalagens PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
Jogam a ceacuteu aberto 13 3 28 4 48 495
Satildeo reutilizadas 2 0 2 0 4 4
Enviadas agrave central abastecimento 17 7 16 5 45 465
Total 97
100
Fonte EMPAER 2010
Os dados da Tabela 29 soacute reforccedilam a falta de cuidado em relaccedilatildeo agrave utilizaccedilatildeo
de agrotoacutexicos o que resulta na exposiccedilatildeo dos assentados a riscos agrave sauacutede Tambeacutem
podem resultar em danos ao meio ambiente como jaacute indicamos na Tabela 29
considerando que quase 50 das embalagens satildeo ldquojogadas a ceacuteu abertordquo e ainda que
4 dos assentados reutilizam essas embalagens
Seguindo a tendecircncia dos dados anteriores percebemos a falta de orientaccedilatildeo
teacutecnica em relaccedilatildeo ao uso e cuidado com produtos agrotoacutexicos
Aleacutem da falta de assistecircncia teacutecnica que compromete o cultivo e a produccedilatildeo
os dados quantitativos demonstram que a ausecircncia de mecanizaccedilatildeo eacute um dado
importante no momento da colheita
Tabela 30 Tipo de colheita por famiacutelia
Tipo de colheitasPA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
Usam colheita manual 66 15 69 19 169 995
Colheita mecacircnica 0 0 1 0 1 05
Total 170 100 Fonte EMPAER 2010
A Tabela 30 evidencia que praticamente todos os assentados participantes da
pesquisa natildeo utilizam equipamentos mecacircnicos para a colheita de seus produtos
predominando a colheita manual com uso intensivo da matildeo de obra Esse processo
129
pode ser resultante da experiecircncia de vida e haacutebitos dos agricultores familiares em
funccedilatildeo da questatildeo econocircmica jaacute que os assentamentos rurais analisados natildeo dispotildeem de
maquinaacuterios destinados ao preparo do solo plantio e agrave colheita agriacutecola ou isso se deve
ao relevo inclinado demais ou solo pedregoso
Tabela 31 Tipo de armazenamento da produccedilatildeo (por nuacutemero de famiacutelia)
Tipo de armazenamentoPA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
A ceacuteu aberto 4 2 7 0 13 8
No paiol 45 11 57 14 127 79
No silo 1 0 0 1 2 15
Na residecircncia 7 2 6 2 17 105
No galpatildeo 1 0 0 0 1 05
160 100
Fonte EMPAER 2010
O modo de armazenar tambeacutem eacute tradicional o Paiol eacute uma construccedilatildeo ruacutestica
feita de forma artesanal onde os agricultores guardam os mantimentos colhidos de suas
roccedilas os quais satildeo destinados agrave alimentaccedilatildeo das famiacutelias e dos animais Computando o
armazenamento a ceacuteu aberto feito por 81 e na residecircncia 106 significa que quase
20 dos produtos satildeo armazenados de forma inadequada
36 A questatildeo ambiental nos assentamentos rurais
As questotildees que envolvem problemas ambientais nas aacutereas rurais tecircm como
problemaacutetica principal o desmatamento a natildeo conservaccedilatildeo das matas ciliares a
poluiccedilatildeo do solo e dos rios o uso de agrotoacutexicos e o destino dos lixos produzidos
Todos esses problemas estatildeo inseridos em debates recorrentes no cenaacuterio rural
No caso de Vila Rica-MT pesquisas anteriores como as que foram realizadas
pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazocircnia (IPAM) em 2009 e por Barrozo
(2010) revelam dados alarmantes relativos agrave questatildeo ambiental Essas situaccedilotildees foram
confirmadas pelo diagnoacutestico construiacutedo pela Empaer (2010) conforme a descriccedilatildeo nas
tabelas que se seguem
Tabela 32 Situaccedilatildeo de degradaccedilatildeo de solo nos assentamentos rurais
130
Condiccedilatildeo de degradaccedilatildeo PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total
Natildeo estaacute degradado 16 5 16 6 43 18
O solo estaacute empobrecido 75 9 44 12 140 59
O solo estaacute com erosatildeo 2 0 2 2 6 3
O solo estaacute compactado 15 9 17 4 45 19
Outras formas de degradaccedilatildeo 1 0 1 0 2 1
Total 236 100
Fonte EMPAER 2010
Satildeo evidentes os problemas ambientais vivenciados pelos assentamentos
rurais de Vila Rica-MT Em 193 lotes analisados os solos se encontram em estaacutegio de
degradaccedilatildeo indicando empobrecimento erosatildeo compactaccedilatildeo e outras formas de
degradaccedilatildeo do solo
Tabela 33 Existecircncia de nascentes sem proteccedilatildeo (nuacutemero de propriedades)
Existecircncia de nascentes Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
Existem nascentes
Degradadas 26 9 17 5 57 32
Natildeo existem 51 14 41 15 121 68
Total 100
Fonte EMPAER 2010
Considerando que a aacutegua eacute um elemento essencial para a vida e para a
manutenccedilatildeo dos assentamentos rurais os dados indicados na Tabela 33 preocupam
pois em um universo de 178 propriedades analisadas 57 estaacute com as nascentes de
aacuteguas desprotegidas de mata ciliar o que representa um problema grave do ponto de
vista ambiental com risco de seca e extinccedilatildeo de nascentes e rios
Tabela 34 Existecircncia de degradaccedilatildeo de matas ciliares
Existecircncia de degradaccedilatildeo PA Satildeo
Joseacute
Satildeo
Gabriel Ipecirc Aracati Total Porcentagem
Natildeo existem matas ciliares 25 10 35 9 79 35
A degradaccedilatildeo eacute baixa 26 4 22 5 57 255
A degradaccedilatildeo eacute meacutedia 23 2 14 6 45 20
131
A degradaccedilatildeo eacute alta 29 5 7 3 44 195
Total 225 100
Fonte EMPAER 2010
A questatildeo da aacutegua nos assentamentos rurais estudados eacute uma preocupaccedilatildeo
recorrente Aleacutem das nascentes desprotegidas os coacuterregos vecircm perdendo suas matas
ciliares em funccedilatildeo do processo de desmatamento o que impede a ampliaccedilatildeo das aacutereas
de pastagens A Tabela 34 revela que 146 propriedades analisadas apresentam
destruiccedilatildeo das matas ciliares com estaacutegios que variam de alta a baixa degradaccedilatildeo As
imagens dos trecircs assentamentos rurais abaixo ilustram um pouco essa situaccedilatildeo
Figura 10- Fotografias de corpos drsquoaacutegua e mata ciliar
Eacute importante ressaltar que os assentamentos rurais de Vila Rica-MT
resultaram do processo de reocupaccedilatildeo das fazendas que estavam improdutivas mas jaacute
tinham sido abertas e desmatadas anteriormente Assim o problema ambiental jaacute existia
antes mesmo da formaccedilatildeo do assentamento rural e foi intensificado parcialmente com a
formaccedilatildeo dos mesmos
Tabela 35 Situaccedilatildeo de degradaccedilatildeo das pastagens (por nuacutemero de propriedade)
Degradaccedilatildeo de pastagens PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
Natildeo existem pastagens degradadas 17 4 16 6 43 33
O niacutevel de degradaccedilatildeo eacute baixo 36 9 40 8 93 39
132
O niacutevel de degradaccedilatildeo eacute meacutedio 43 10 21 6 80 335
O niacutevel de degradaccedilatildeo eacute alto 14 1 4 4 23 95
Total 239 100
Fonte EMPAER 2010
Vimos nos dados indicados na Tabela 35 que 43 propriedades natildeo
apresentaram niacutevel de degradaccedilatildeo nas pastagens enquanto 196 propriedades estatildeo com
as pastagens degradadas estando entre os niacuteveis alto meacutedio e baixo conforme criteacuterios
de nivelamento natildeo esclarecidos na fonte escrita
As imagens a seguir dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel e Ipecirc
nos ajudam a visualizar o niacutevel de degradaccedilatildeo e qualidade das pastagens destes
assentamentos rurais
Figura 11- Fotografias das aacutereas de pastagens nos assentamentos rurais
Fonte EMPAER 2010
As imagens nos remetem a compreensatildeo do quanto o problema de
desmatamento afetou de forma significativa o solo o que comprometeu a qualidade das
pastagens dos assentamentos rurais As imagens revelam a caracteriacutestica do solo que eacute
formado por morro com pedras e cascalhos o que dificulta a realizaccedilatildeo do processo de
mecanizaccedilatildeo das aacutereas
Tabela 36 Uso de fogo no manejo do solo (por propriedade)
Existecircncia de nascentesPA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
133
Usam fogo 80 13 45 18 156 665
Natildeo usam fogo 28 10 36 5 79 335
Total 235 100
Fonte EMPAER 2010
Os dados expostos na Tabela 36 reforccedilam a existecircncia do problema ambiental
jaacute abordado nos paraacutegrafos anteriores Chamamos a atenccedilatildeo para o fato de que 156
famiacutelias afirmaram que costumam colocar fogo sistema chamado de coivara como
praacutetica de limpeza das pastagens e na preparaccedilatildeo do cultivo das roccedilas Enquanto apenas
79 famiacutelias disseram que natildeo fazem uso de fogo no desenvolvimento das suas
atividades agriacutecolas tampouco para limpeza de pastagens
37 Algumas consideraccedilotildees sobre os impactos de poliacuteticas puacuteblicas nos
assentamentos rurais Satildeo Joseacute satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati
Podemos afirmar que nos quatro assentamentos rurais analisados os produtos
alimentares predominantes satildeo arroz milho mandioca banana e hortaliccedilas Satildeo estes
produtos que constituem a alimentaccedilatildeo baacutesica dos agricultores familiares os quais satildeo
produzidos nos lotes familiares
Atribuiacutemos a baixa produtividade na Agricultura Familiar do municiacutepio de
Vila Rica agrave falta de equipamentos tecnoloacutegicos sobretudo maquinaacuterios que poderiam
facilitar o trabalho e aumentar a produtividade No entanto ressalvamos que essas
teacutecnicas satildeo consideradas por alguns teoacutericos como uma condiccedilatildeo de produccedilatildeo
positiva do ponto de vista da manutenccedilatildeo da identidade dos assentamentos rurais
porque ela se sustenta nos saberes tradicionais aleacutem de natildeo ser tatildeo prejudicial ao meio
ambiente
Em relaccedilatildeo agrave comercializaccedilatildeo foram identificados alguns fatores que
dificultam o processo de modo geral a exemplo da natildeo organizaccedilatildeo por meio de
cooperativas ou associaccedilotildees A problemaacutetica das estradas que muitas vezes impede ou
dificulta o transporte dos produtos ateacute os pontos locais de vendas comerciais
contribuem consequentemente para o natildeo fortalecimento das feiras populares
134
As imagens a seguir ilustram a situaccedilatildeo de algumas estradas que datildeo acesso
aos assentamentos rurais de Vila Rica-MT durante os periacuteodos chuvosos de dezembro a
abril
Figura 12- Fotografias das Estradas dos assentamentos rurais
Fonte EMPAER 2009
A peacutessima situaccedilatildeo das estradas se torna ainda mais grave se pensarmos sobre
a necessidade de fortalecer a comercializaccedilatildeo dos produtos da Agricultura Familiar
quando levamos em consideraccedilatildeo o distanciamento dos assentamentos rurais com
relaccedilatildeo agrave aacuterea urbana cuja distancia eacute retratada nos croquis
Figura 13 - Croqui do Assentamento Rural Satildeo Joseacute
135
Fonte EMPAER 2010 p19
Figura 14 - Croqui do Assentamento Rural Satildeo Gabriel
Fonte EMPAER 2010 p 18
Figura 15 - Croqui do Assentamento Rural Ipecirc
136
Fonte EMPAER 2010 p 19
Figura 16 - Croqui do Assentamento Rural Aracaty
Fonte EMPAER 2010 p 18
137
O problema das estradas afetas tambeacutem a educaccedilatildeo pois danificam os ocircnibus
e prolongam o tempo que as crianccedilas ficam nas estradas sem aula atrasando o
calendaacuterio escolar Esta situaccedilatildeo provoca a desmotivaccedilatildeo dos alunos pelos estudos e
com isso os pais acabam retirando seus filhos das escolas do campo levando-os para
estudar na cidade por acreditar no prosseguimento dos estudos graccedilas agraves melhoras de
acesso permanecircncia e sucesso escolar
Ainda em relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo percebemos uma baixa escolaridade dos
assentados Consideramos que essa conjuntura seja resultante de alguns fatores como a
carecircncia de uma maior flexibilizaccedilatildeo na organizaccedilatildeo curricular e pedagoacutegica das escolas
dos assentamentos rurais principalmente nos quesitos referentes agrave organizaccedilatildeo dos
tempos e espaccedilos de aprendizagem uma vez que mesmo com o advento da energia
eleacutetrica nos assentamentos rurais nem todas as escolas garantiram a oferta da
modalidade escolar EJA - Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos
No que tange agraves questotildees de gecircnero e idade constatou-se que natildeo haacute uma
organizaccedilatildeo quanto agrave formaccedilatildeo de associaccedilotildees ou movimentos sociais direcionados agrave
luta das mulheres tampouco dos jovens Tais circunstacircncias datildeo a entender a pouca
participaccedilatildeo das mulheres e dos jovens nos espaccedilos poliacuteticos embora ambos tenham
uma vida ativa em outras atuaccedilotildees referentes agrave divisatildeo de trabalhos nos assentamentos
rurais
Consideramos como um dos principais desafios relacionados agrave permanecircncia
dos agricultores familiares nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Aracati e
Ipecirc o fato de os jovens se sentirem desmotivados a continuar no campo Muitos saem
para a cidade na ilusatildeo que iratildeo encontrar emprego que lhes proporcione renda fixa e
melhor qualidade de vida
As condiccedilotildees dos assentados avanccedilaram em qualidade a partir da
implementaccedilatildeo do Programa Luz Para Todos uma vez que a energia eleacutetrica
possibilitou a utilizaccedilatildeo de equipamentos que facilitaram o seu cotidiano embora a aacutegua
potaacutevel ainda seja vista como um elemento complicador no que se refere ao seu
tratamento
Na sauacutede destacamos que haacute atendimento pelo Sistema Uacutenico de Sauacutede
(SUS) embora limitado pois os uacutenicos profissionais da sauacutede que atuam diretamente
138
nos assentamentos rurais satildeo os Agentes de Sauacutede Ou seja quando haacute sinalizaccedilatildeo de
problemas na sauacutede dos assentados estes tecircm que recorrer agrave assistecircncia de sauacutede
localizada na zona urbana o que requer meio de locomoccedilatildeo proacuteprio ou puacuteblico
No que se refere agraves demandas de moradia e infraestrutura nos assentamentos
rurais pesquisados destacamos que a maioria das casas foi construiacuteda ou reformada
com recursos oriundos do Pronaf No entanto nem todos os assentados usufruiacuteram do
financiamento para a construccedilatildeo de suas casas pois muitos deles tiveram que arcar com
os proacuteprios recursos Por isso muitas casas ainda satildeo de taacutebua Houve casos em que as
empresas contempladas na licitaccedilatildeo natildeo concluiacuteram as obras conforme previsto no
contrato
Contudo ressaltamos que os desafios vivenciados pelos agricultores
familiares de Vila Rica-MT satildeo inuacutemeros a exemplo da a pouca infraestrutura a
insuficiecircncia dos investimentos por parte do Poder Puacuteblico quanto agrave liberaccedilatildeo de creacutedito
direcionado agrave Agricultura Familiar reduzido uso de tecnologia a ausecircncia de uma
assistecircncia teacutecnica efetiva a falta de matildeo de obra jovem uma vez que a idade meacutedia dos
assentados segundo dados da EMPAER (2009 p 45) eacute de 507 anos ldquo[] uma das
possiacuteveis causas para o ecircxodo dos jovens eacute a falta de opccedilatildeo para dar continuidade aos
estudos e a falta de oportunidades de geraccedilatildeo de renda dentro dos assentamentos ruraisrdquo
Ainda sobre a infraestrutura ressaltamos que os maiores investimentos tanto
por parte do Pronaf como de outras fontes dos agricultores familiares foram aplicados
na atividade de pecuaacuteria por considerarem mais rentaacutevel Essa questatildeo estaacute mais
detalhada no capiacutetulo IV
Eacute preciso ainda atentarmos mais para aos problemas de ordem ambiental
porque se constataram situaccedilotildees de desmatamentos nas nascentes e matas ciliares sem
falar da degradaccedilatildeo do solo e das pastagens condiccedilotildees que implicam na natildeo ampliaccedilatildeo
da Agricultura Familiar enquanto potencial para alavancar o desenvolvimento regional
139
4 AS POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS NOS ASSENTAMENTOS SAtildeO JOSEacute SAtildeO
GRABRIEL IPEcirc E ARACATI
Este capiacutetulo objetiva identificar quais foram as poliacuteticas puacuteblicas
implementadas nos assentamentos rurais do municiacutepio Vila Rica-MT no periacuteodo de
1996 a 2015
Construiacutemos uma anaacutelise norteada por algumas questotildees que serviram de
base para a reflexatildeo acerca do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar (Pronaf) bem como de outras Poliacuteticas Puacuteblicas voltadas para o atendimento
das necessidades da populaccedilatildeo do campo como eacute o caso da sauacutede educaccedilatildeo e
habitaccedilatildeo
Nesse sentido destacamos alguns questionamentos relacionados aos
procedimentos de execuccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas destinadas aos assentamentos rurais
Qual foi o impacto do Pronaf nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT Quais satildeo as
outras poliacuteticas e accedilotildees dos oacutergatildeos puacuteblicos no apoio e incentivos da Agricultura
Familiar no Araguaia mato-grossense Quais os mecanismos de controle e inspeccedilatildeo
adotados pela Secretaria Municipal de Agricultura de Vila Rica-MT para monitorar e
fomentar a produccedilatildeo da Agricultura Familiar nos assentamentos rurais Existem ou natildeo
estrateacutegias constituiacutedas entre os Agricultores Familiares movimentos sindical e social
ligados agrave Agricultura Familiar para enfrentar as ldquoinvestidasrdquo do agronegoacutecio nas aacutereas
de assentamentos rurais Quais satildeo os desafios e os avanccedilos dos assentamentos rurais
de Vila Rica-MT na visatildeo dos agricultores familiares dos assentamentos pesquisados
Para a compreensatildeo dessas questotildees foi necessaacuteria uma anaacutelise dos dados
oficiais de fontes escritas e orais com o auxiacutelio de perspectivas teoacutericas presentes nos
estudos sobre as temaacuteticas que envolvem o universo das poliacuteticas puacuteblicas destinadas
aos assentamentos rurais sobretudo o Pronaf
41 O debate sobre o Pronaf
Compreender tanto as formas de uso da terra quanto as de produccedilatildeo dos
agricultores familiares assim como a identificaccedilatildeo do papel da Agricultura Familiar no
desenvolvimento do territoacuterio do Araguaia eacute tambeacutem constituir conhecimento e
reflexatildeo acerca dos avanccedilos e entraves vivenciados pelos agentes histoacutericos no processo
140
de implementaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas direcionadas aos Projetos de assentamentos
rurais no Brasil sobretudo na consolidaccedilatildeo do Pronaf
Por isso fizemos apontamentos em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo dos assentamentos
rurais e ao mesmo tempo assinalamos as estrateacutegias adotadas pelos agricultores
familiares para sobreviverem agraves artimanhas do sistema burocraacutetico especialmente
quanto agraves formas de acesso ao creacutedito rural
Por outro lado para analisar o papel das poliacuteticas puacuteblicas enquanto objeto
de estudo os investimentos do Pronaf nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT
tomando como referecircncias as estrateacutegias adotadas pelos agricultores para serem
beneficiados pelas linhas de creacutedito problematizaram-se os avanccedilos e os entraves nas
condiccedilotildees de implementaccedilatildeo dessas poliacuteticas atraveacutes de reflexotildees teoacutericas e estudos de
caso Para tanto realizamos uma revisatildeo bibliograacutefica sobre a temaacutetica que historiciza o
artifiacutecio de criaccedilatildeo do Pronaf enquanto poliacutetica puacuteblica
Gazola e Schneider (2004 p 21) concebem que a criaccedilatildeo do Pronaf
representou uma resposta por parte do Estado brasileiro ao surgimento de uma nova
categoria social que demanda accedilotildees do Poder Puacuteblico e que levam em consideraccedilatildeo as
especificidades dessa nova categoria social ldquo[] os Agricultores Familiares que ateacute
entatildeo eram designados por termos como pequenos produtores produtores familiares de
baixa renda ou agricultura de subsistecircnciardquo
A partir dessa percepccedilatildeo podemos afirmar que anteriormente natildeo havia uma
designaccedilatildeo especiacutefica para os agentes histoacutericos que viviam da produccedilatildeo familiar na
agricultura enquanto categoria social Tratava-se de diversas denominaccedilotildees que eram
baseadas em criteacuterios econocircmicos e embutiam uma ideia de desqualificaccedilatildeo como por
exemplo ldquopequeno produtorrdquo
O conceito de Agricultura Familiar surgiu como uma alternativa para
suprimir as diversas denominaccedilotildees em relaccedilatildeo agrave forma e agrave concepccedilatildeo de produccedilatildeo das
populaccedilotildees que vivem no campo e que recorrem apenas agrave forccedila de trabalho dos
membros da famiacutelia Foi conceituada por Abramovay (1997 p 3 apud SALVODI
CUNHA 2010 p 10) como ldquo[] aquela em que a gestatildeo a propriedade e a maior
parte do trabalho vecircm de indiviacuteduos que mantecircm entre si laccedilos de sangue ou de
casamentordquo Os autores citados asseguram que essa definiccedilatildeo natildeo poderaacute ser vista como
unacircnime e muitas vezes pouco operacional
141
Salvodi e Cunha (2010 p 10) apesar de ponderarem que essa definiccedilatildeo natildeo
deve ser concebida como unacircnime entre os teoacutericos da Questatildeo Agraacuteria ressaltam que
eles adotam-na como conteuacutedo no sentido de evidenciar a nova categoria social que
envolve ldquo[] a propriedade da terra relaccedilotildees de trabalho e a gestatildeo das atividades
produtivasrdquo Para eles todos esses elementos satildeo criteacuterios usados para diferenciar por
se tratar de relaccedilotildees entre agentes sociais com parentesco de sangue ou alianccedilas via
matrimocircnio
Abramovay (1997) Salvodi e Cunha (2010) consideram que a base da
Agricultura Familiar estaacute portanto centrada no elemento relacional e natildeo
necessariamente na sua posiccedilatildeo diante de categorias econocircmicas ligadas agrave produccedilatildeo e agraves
formas de trabalho que dependem especificamente da matildeo de obra familiar
Destacamos que tal definiccedilatildeo eacute um constructo analiacutetico fundado a partir de
um referencial teoacuterico Isso eacute compreensiacutevel pois diferentes setores sociais a partir das
representaccedilotildees institucionais constroem categorias sociais Logo a categoria
ldquoAgricultura Familiarrdquo foi construiacuteda a partir de concepccedilotildees analiacuteticas e teoacutericas que
servem tanto para determinadas finalidades praacuteticas como para fins de acesso ao creacutedito
rural
Ressalvamos ainda que estes trecircs elementos baacutesicos - gestatildeo propriedade e
trabalho familiar se fazem presentes em todas as definiccedilotildees de Agricultura Familiar
sobretudo na definiccedilatildeo do Pronaf que insere a loacutegica da famiacutelia que tem a gestatildeo sobre
sua propriedade e busca o creacutedito
O Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio (2015) apresenta uma espeacutecie de
passo a passo para o acesso ao Pronaf
O acesso ao Pronaf inicia-se na discussatildeo da famiacutelia sobre a
necessidade do creacutedito seja ele para o custeio da safra ou
atividade agroindustrial seja para o investimento em maacutequinas
equipamentos ou infraestrutura de produccedilatildeo e serviccedilos
agropecuaacuterios ou natildeo agropecuaacuterios Apoacutes a decisatildeo do que
financiar a famiacutelia deve procurar o sindicato rural ou a empresa
de Assistecircncia Teacutecnica e Extensatildeo Rural (Ater) como a
EMATER para obtenccedilatildeo da Declaraccedilatildeo de Aptidatildeo ao Pronaf
(DAP) que seraacute emitida segundo a renda anual e as atividades
exploradas direcionando o agricultor para as linhas especiacuteficas
de creacutedito a que tem direito (MDA)23
23 Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-creditoruralsobre-o-
programasthashoPkG5KqCdpuff gt Acesso em 14092015
142
O Pronaf eacute apontado por alguns estudiosos da Questatildeo Agraacuteria no Brasil
como um marco da interferecircncia positiva do Estado na agricultura Eacute a partir dele que
ocorre a inclusatildeo da categoria social denominada de agricultores familiares no conjunto
das poliacuteticas puacuteblicas destinadas ao meio rural
Ressaltamos que antes do Pronaf existia o Programa de Valorizaccedilatildeo da
Pequena Produccedilatildeo Rural (Provape) criado em 1994 atraveacutes de uma operaccedilatildeo
financeira executada apenas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES)
Schneider Mattei e Cazella (2004) concebem que o Provape foi o embriatildeo da
mais importante poliacutetica puacuteblica criada para atender os agricultores familiares Segundo
os mesmos autores ele natildeo obteve os resultados esperados levando-se em consideraccedilatildeo
apenas os recursos que foram aportados Isso pode ser explicado parcialmente pelo fato
de o sistema de creacutedito e financiamento brasileiro natildeo ter sido adequado ao perfil do
puacuteblico para o qual se destinava o Provape
Ainda em conformidade com Schneider Mattei e Cazella (2004) eacute possiacutevel
afirmar que o Provape serviu apenas como ponto de partida para aquela que de fato
viria ser a primeira poliacutetica puacuteblica destinada agrave categoria de agricultores familiares
Em 1995 o Provape passou por uma transformaccedilatildeo tanto no que se refere agrave
concepccedilatildeo de poliacutetica puacuteblica voltada para os agricultores familiares comono que se
refere a sua aacuterea de abrangecircncia
Foram essas modificaccedilotildees acrescidas ao programa Provape que constituiacuteram
em 1996 o Pronaf o que de acordo com Schneider Mattei e Cazella (2004 p 3)
significa dizer que ldquo[] desse ano em diante o programa tem se firmado como a
principal poliacutetica do Governo Federal para os agricultores familiaresrdquo
Esses autores creditam ser o Pronaf uma poliacutetica puacuteblica constituiacuteda como
apoio econocircmico e produtivo para Agricultura Familiar brasileira A partir dele foram
criadas outras como eacute o caso do Programa Nacional de Aquisiccedilatildeo de Alimentos (PAA)
a Lei da Agricultura Familiar o Seguro Rural a nova forma de Assistecircncia Teacutecnica e
Extensatildeo Rural (ATER) e o Programa Nacional de Alimentaccedilatildeo Escolar (PNAE) que
embora jaacute existisse desde 1950 foi reestruturado a partir da criaccedilatildeo do Pronaf
Este inicialmente tinha como propoacutesito atuar em quatro grandes aacutereas 1)
Financiamento no Custeio e Investimento Agriacutecola 2) Fortalecimento de Infra Estrutura
143
rural 3) Negociaccedilatildeo e Articulaccedilatildeo de Poliacuteticas Puacuteblicas e 4) Formaccedilatildeo de Teacutecnicos
Extensionistas e de agricultores familiares
Nos primeiros anos de implantaccedilatildeo do Pronaf os juros para quem acessasse
essa linha de creacutedito para financiamento e investimento era de 12 ao ano o que pode
ser considerado um valor muito alto Esse fato talvez seja uma das principais
justificativas de poucos agricultores familiares terem pleiteado o creacutedito
Por outro lado havia tambeacutem a falta de conhecimento sobre o proacuteprio
programa Segundo Gazola e Schneider (2004) foram vaacuterios os entraves enfrentados
nos primeiros anos de implantaccedilatildeo do Pronaf sendo que dos recursos destinados agraves
safras de 1995-1996a maioria beneficiou agricultores familiares do Sul do paiacutes
sobretudo os produtores de fumo
Mas antes de avanccedilarmos sobre outras questotildees envolvendo o Pronaf eacute
importante analisarmos os muacuteltiplos contextos em que esse programa foi criado
42 O papel dos Movimentos sociais na criaccedilatildeo do Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar na deacutecada de 1990
Bianchini (2015 p18) afirma que a deacutecada de 1990 foi sinalizada pela
constituiccedilatildeo de novas estrateacutegias no campo econocircmico sobretudo em relaccedilatildeo aos
aspectos comerciais tecnoloacutegicos financeiros e de investimentos aleacutem de ter sido o
periacuteodo de maior inserccedilatildeo do Brasil na economia internacional
Outra caracteriacutestica desse periacuteodo segundo o mesmo autor foi a criaccedilatildeo do
Mercado Comum do Sul (Mercosul) o qual visava materializar uma maior integraccedilatildeo
entre o Brasil Uruguai Argentina e Paraguai a partir da reduccedilatildeo das tarifas
alfandegaacuterias
O Mercosul alterou tambeacutem a poliacutetica cambial com o objetivo de promover
a expansatildeo das importaccedilotildees e ampliaccedilatildeo dos investimentos internacionais nas aacutereas
agroindustriais Por outro lado restringiu a participaccedilatildeo de cooperativas nesse setor
fortalecendo ainda mais as empresas privadas
A partir da concepccedilatildeo de Bianchini (2015) pode-se afirmar que diante das
novas configuraccedilotildees impostas ao cenaacuterio econocircmico brasileiro assistiu-se no Brasil ao
desmoronamento de um modelo econocircmico em que a base de sustentaccedilatildeo eram os
144
incentivos fiscais concedidos pelo Governo os quais atendiam apenas alguns setores
rurais
O que se vecirc nesse periacuteodo foi a movimentaccedilatildeo dos diferentes atores sociais
De um lado se encontram os grupos detentores de grande capital econocircmico querendo
a qualquer custo atrair a atenccedilatildeo das autoridades poliacuteticas em torno dos interesses do
capital na agricultura e por outro lado a intensificaccedilatildeo nas mobilizaccedilotildees por parte de
outros atores conclamando por uma construccedilatildeo de poliacuteticas diferenciadas para atender a
Agricultura Familiar a realizaccedilatildeo da Reforma Agraacuteria a ampliaccedilatildeo dos direitos dos
trabalhadores rurais e a criaccedilatildeo de um modelo de agricultura fundamentado na
sustentabilidade social e ambiental
Bianchini (2015 p 19) ao se referir ao papel das instituiccedilotildees e organizaccedilatildeo
dos movimentos sociais em defesa da Reforma Agraacuteria constituiacutedos na deacutecada de 1980
assegura que
Nesse cenaacuterio poacutes-crise do modelo agriacutecola a partir dos anos
80 com o teacutermino do regime militar e a promulgaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo de 1988 as organizaccedilotildees de agricultores
empresariais se rearticularam na Confederaccedilatildeo Nacional de
Agricultura (CNA) na Uniatildeo Democraacutetica Ruralista (UDR) e
na Associaccedilatildeo Brasileira do Agronegoacutecio (ABAG) As
organizaccedilotildees de Agricultores Familiares se fortalecem na
Confederaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
(CONTAG) criam-se novas organizaccedilotildees como o Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) a Via Campesina
o Departamento Nacional dos Trabalhadores Rurais da CUT
(DNTR) que daria origem agrave Federaccedilatildeo dos Trabalhadores da
Agricultura Familiar (Fetraf) Surge um novo cenaacuterio novos
embates e estabelece-se um novo arranjo institucional
Em consonacircncia agrave citaccedilatildeo afirmamos que os atores sociais do campo estatildeo
divididos em dois grandes grupos de um lado os grandes proprietaacuterios de terras e
representantes do agronegoacutecio e do outro as populaccedilotildees desprovidas de capital
financeiro representadas pelos trabalhadores rurais pequenos agricultores ribeirinhos e
comunidades tradicionais Esses grupos recorreram agrave organizaccedilatildeo dos Sindicatos a
exemplo daquele dos Trabalhadores ou dos Produtores Rurais e das confederaccedilotildees em
busca da sensibilizaccedilatildeo das autoridades poliacuteticas em torno da defesa de seus interesses
No que se refere aos movimentos sociais dos trabalhadores rurais e pequenos
agricultores natildeo se pode perder de vista que a deacutecada de 1990 foi marcada por intensas
mobilizaccedilotildees desses sujeitos sociais em torno de poliacuteticas puacuteblicas que pudessem
145
viabilizar a melhoria das condiccedilotildees de vida no campo sobretudo no que tange agrave criaccedilatildeo
de um sistema de creacutedito rural e a expansatildeo do programa de distribuiccedilatildeo de terras em
formato diferenciado para atender as especificidades dos pequenos agricultores
Bianchini (2015) considera possiacutevel assegurar que tanto o Provape como o
Pronaf resultaram de accedilotildees e pressotildees dos movimentos sociais que por meio das
diversas manifestaccedilotildees que contribuiacuteram diretamente para a definiccedilatildeo das diretrizes do
Pronaf como eacute o caso do ldquoGrito da Terra Brasilrdquo movimento promovido pela
Confederaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) Federaccedilatildeo dos
Trabalhadores da Agricultura (Fetag) e pelos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais
(STTRs) que em geral reuniram milhares de trabalhadores em seus atos puacuteblicos em
sua grande maioria lideranccedilas dos diversos movimentos ligados agraves questotildees da
Agricultura Familiar Reforma Agraacuteria e de outras bandeiras relacionadas ao universo
dos trabalhadores rurais
Bianchini (2015) indica ainda outro acontecimento que proporcionou maior
visibilidade do debate acerca da luta por uma poliacutetica de creacutedito rural diferenciada e que
fosse capaz de mobilizar a integraccedilatildeo da produccedilatildeo familiar o Seminaacuterio ndash Creacutedito de
Investimento uma luta que vale milhotildees de vidas realizado na cidade Chapecoacute em
Santa Catarina no ano de 2003 sob a organizaccedilatildeo do Foacuterum Sul dos Rurais vinculado agrave
Central Uacutenica dos Trabalhadores - CUT
Esse seminaacuterio teve como funccedilatildeo marcar ldquo[] que o creacutedito seria a bandeira
central do movimento sindical e naquele momento poderia desencadear outras poliacuteticas
ATER Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional Infraestrura e Habitaccedilatildeordquo (BIANCHINI
2015 p 24)
Ainda com base na concepccedilatildeo desse autor pode-se dizer que as discussotildees
provocadas durante o seminaacuterio de Chapecoacute aleacutem de possibilitar um repensar sobre a
questatildeo do creacutedito diferenciado para os pequenos agricultores apontaram tambeacutem
outras possibilidades de conquista no sentido de buscar uma poliacutetica que fosse capaz de
casar o Creacutedito Fundiaacuterio com a Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional Infraestrutura e
Habitaccedilatildeo ldquo[] Esta foi a marca que timbrou a criaccedilatildeo do Pronaf a luta por creacutedito
diferenciado capaz de realizar a reconversatildeo das unidades de produccedilatildeo familiarrdquo
(BIANCHINI 2015 p 24)
146
43 O Pronaf e seus objetivos
O MDA assegura que o objetivo do Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (Pronaf) eacute ldquo[] financiar projetos individuais ou coletivos que
gerem renda aos agricultores familiares e assentados da Reforma Agraacuteria O programa
possui as mais baixas taxas de juros dos financiamentos rurais aleacutem das menores taxas
de inadimplecircncia entre os sistemas de creacutedito do Paiacutes (MDA 2015)rdquo 24
Estamos diante da definiccedilatildeo do oacutergatildeo puacuteblico responsaacutevel por colocar os
ldquoagricultores familiaresrdquo e ldquoassentados de Reforma Agraacuteriardquo enquanto puacuteblico alvo do
programa possibilitando-os ter acesso a creacuteditos com a preacute-condiccedilatildeo de natildeo ter uma
renda maior que R$ 360 mil reais por ano
O agricultor familiar deve avaliar o projeto que pretende
desenvolver Os projetos devem gerar renda aos Agricultores
Familiares e assentados da reforma agraacuteria Podem ser
destinados para o custeio da safra a atividade agroindustrial
seja para investimento em maacutequinas equipamentos ou
infraestrutura A renda bruta anual dos Agricultores Familiares
deve ser de ateacute R$ 360 mil (MDA 2015)25
As diretrizes do MDA que orientam a elaboraccedilatildeo dos projetos de
financiamentos do Pronaf asseguram que os agricultores familiares satildeo os protagonistas
no planejamento das accedilotildees que seratildeo desenvolvidas desde que levem em consideraccedilatildeo
os criteacuterios estabelecidos por cada linha de creacutedito
Segundo o MDA (2015) o Pronaf possui algumas linhas de creacutedito para
atender esse objetivo
bull Pronaf Custeio
-se ao financiamento das atividades agropecuaacuterias e de
beneficiamento ou industrializaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo de
produccedilatildeo proacutepria ou de terceiros enquadrados no Pronaf
bull Pronaf Mais Alimentos - Investimento
Destinado ao financiamento da implantaccedilatildeo ampliaccedilatildeo ou
modernizaccedilatildeo da infraestrutura de produccedilatildeo e serviccedilos
agropecuaacuterios ou natildeo agropecuaacuterios no estabelecimento rural
ou em aacutereas comunitaacuterias rurais proacuteximas
bull Pronaf Agroinduacutestria
24Disponiacutevelemlthttpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-creditoruralsobre-o-
rogramasthashoPkG5KqCdpuf gt Acesso em 14092015 25
Disponiacutevelemlt httpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-creditoruralcomo-funciona-o-
pronafsthashJ7csT8kgdpuff gt Acesso em 14092015
147
Linha para o financiamento de investimentos inclusive em
infraestrutura que visam o beneficiamento o processamento e a
comercializaccedilatildeo da produccedilatildeo agropecuaacuteria e natildeo agropecuaacuteria
de produtos florestais e do extrativismo ou de produtos
artesanais e a exploraccedilatildeo de turismo rural
bull Pronaf Agroecologia
Linha para o financiamento de investimentos dos sistemas de
produccedilatildeo agroecoloacutegicos ou orgacircnicos incluindo-se os custos
relativos agrave implantaccedilatildeo e manutenccedilatildeo do empreendimento
bull Pronaf Eco
Linha para o financiamento de investimentos em teacutecnicas que
minimizam o impacto da atividade rural ao meio ambiente bem
como permitam ao agricultor melhor conviacutevio com o bioma em
que sua propriedade estaacute inserida
bull Pronaf Floresta
Financiamento de investimentos em projetos para sistemas
agroflorestais exploraccedilatildeo Destina extrativista ecologicamente
sustentaacutevel plano de manejo florestal recomposiccedilatildeo e
manutenccedilatildeo de aacutereas de preservaccedilatildeo permanente e reserva legal
e recuperaccedilatildeo de aacutereas degradadas
bull Pronaf Semiaacuterido
Linha para o financiamento de investimentos em projetos de
convivecircncia com o semi-aacuterido focados na sustentabilidade dos
agroecossistemas priorizando infraestrutura hiacutedrica e
implantaccedilatildeo ampliaccedilatildeo recuperaccedilatildeo ou modernizaccedilatildeo das
demais infraestruturas inclusive aquelas relacionadas com
projetos de produccedilatildeo e serviccedilos agropecuaacuterios e natildeo
agropecuaacuterios de acordo com a realidade das famiacutelias
agricultoras da regiatildeo Semiaacuterida
bull Pronaf Mulher
Linha para o financiamento de investimentos de propostas de
creacutedito para a mulher agricultora
bull Pronaf Jovem
Financiamento de investimentos de propostas de creacutedito para
jovens agricultores e agricultoras
bull Pronaf Custeio e Comercializaccedilatildeo de Agroinduacutestrias
Familiares
Destinada aos agricultores e suas cooperativas ou associaccedilotildees
para que financiem as necessidades de custeio do
beneficiamento e industrializaccedilatildeo da produccedilatildeo proacutepria eou de
terceiros
bull Pronaf Cota-Parte
Financiamento de investimentos para a integralizaccedilatildeo de cotas-
partes dos Agricultores Familiares filiados a cooperativas de
produccedilatildeo ou para aplicaccedilatildeo em capital de giro custeio ou
investimento
bull Microcreacutedito Rural
Destinado aos agricultores de mais baixa renda permite o
financiamento das atividades agropecuaacuterias e natildeo
agropecuaacuterias podendo os creacuteditos cobrirem qualquer demanda
que possa gerar renda para a famiacutelia atendida Creacuteditos para
Agricultores Familiares enquadrados no Grupo B e agricultoras
148
integrantes das unidades familiares de produccedilatildeo enquadradas
nos Grupos A ou AC26
Ainda para o MDA (2015) o creacutedito do Pronaf eacute operacionalizado pelos
agentes financeiros que compotildeem o Sistema Nacional de Creacutedito Rural (SNCR) os
quais estatildeo agrupados pelas unidades financeiras (Banco do Brasil Banco do
Nordeste e Banco da Amazocircnia) vinculadas aos (BNDES Bancoob Bansicredi e
associados agrave Federaccedilatildeo Brasileira de Bancos (Febraban)
A partir dessas opccedilotildees de creacutedito o nuacutemero de agricultores familiares que
tem aderido ao programa aumentou bem como a abrangecircncia do Pronaf no Brasil
Segundo dados do MDA (2015)
As contrataccedilotildees do Creacutedito ndash Pronaf apresentam crescimento
sustentado ao longo dos anos Em 19992000 o Pronaf abrangia
3403 municiacutepios passando para 4539 no ano seguinte o que
representou um aumento de 33 na cobertura de municiacutepios
ou seja a ampliaccedilatildeo de mais de 1100 municiacutepios em apenas
um ano A ampliaccedilatildeo de municiacutepios atendidos continuou em
cada ano agriacutecola sendo que em 20052006 houve a inserccedilatildeo de
quase 1960 municiacutepios em relaccedilatildeo agrave 19992000 Em
20072008 foram atendidos 5379 municiacutepios o que
representou um crescimento de 58 em relaccedilatildeo agrave 19992000
com a inserccedilatildeo de 1976 municiacutepios27
Portanto atraveacutes desses dados oficiais sobre o Pronaf foi possiacutevel identificar
seus objetivos e o que ele considera como caracteriacutestica de sua efetivaccedilatildeo e ampliaccedilatildeo
Cruzando os dados do Araguaia mato-grossense e aqueles dos assentamentos
rurais pesquisados com os dados oficiais obtivemos uma noccedilatildeo das implicaccedilotildees dos
investimentos do Pronaf no local sobretudo no que se refere ao municiacutepio de Vila Rica-
MT uma vez que eacute onde estatildeo localizados os assentamentos rurais analisados nesta
pesquisa
44 O Pronaf no espaccedilo do Araguaia Mato-grossense
26 Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-creditorurallinhas-de-
crC3A9ditosthashupVEXpBldpufgt Acesso em 14092015 27
Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-
creditoruralevoluC3A7C3A3o-do-pronafgt Acesso em 14092015
149
Em 2006 foi produzido um diagnoacutestico pela equipe teacutecnica do Territoacuterio da
Cidadania do MDA com o objetivo de elaborar o Plano Territorial de Desenvolvimento
Rural Sustentaacutevel do Araguaia mato-grossense ocasiatildeo em que foi constituiacutedo um
banco de dados sobre a situaccedilatildeo dos assentamentos rurais da aacuterea tomando como
referecircncia o perfil socioeconocircmico de cada assentamento rural e utilizando diversas
estrateacutegias e fontes documentais para constituiacute-lo
Analisando os dados do diagnoacutestico produzido pelo MDA constatamos que a
Agricultura Familiar possui um lugar de destaque no desenvolvimento socioeconocircmico
do Norte Araguaia
Paret (2012) informa existir 85 assentamentos rurais constituiacutedos no territoacuterio
Araguaia-Xingu sendo que 25 deles estatildeo localizados no municiacutepio de Confresa-MT
Os demais estatildeo distribuiacutedos entre os outros municiacutepios com destaque para Ribeiratildeo
Cascalheira Satildeo Feacutelix do Araguaia e Aacutegua Boa28
Ao todo satildeo 22328 famiacutelias assentadas numa aacuterea que corresponde apenas
a 8 da dimensatildeo territorial denominada por Paret (2012) como Araguaia-Xingu Nesse
mesmo sentido Barrozo (2009 p 96) avalia que
Os assentamentos rurais do Araguaia se caracterizam pela a
criaccedilatildeo de gado e pela baixa produccedilatildeo de alimentos Em quase
todos os assentamentos dos municiacutepios de Santa Terezinha
Vila Rica-MT Satildeo Joseacute e Santa Cruz do Xingu Confresa Porto
Alegre Canabrava Satildeo Feacutelix do Araguaia os assentados do
Araguaia tecircm como principal atividade econocircmica do lote a
criaccedilatildeo de gado bovino
Considerando o que Barrozo (2009) e Paret (2012) e os dados contidos no
relatoacuterio do MDATerritoacuterio da Cidadania (2006) dizem afirmamos que a pecuaacuteria eacute
tida como a principal fonte de renda dos assentados dessa aacuterea Aleacutem da venda dos
bezerros os agricultores familiares vendem tambeacutem leite para os pequenos laticiacutenios
que ficam espalhados pela aacuterea
Essa produccedilatildeo se tornou viaacutevel por um conjunto de fatores que vatildeo desde a
instalaccedilatildeo de energia eleacutetrica que possibilitou que o produto pudesse ser armazenado
em tanques resfriadores passando pelo fomento do Pronaf ateacute a instalaccedilatildeo de laticiacutenios
na aacuterea que absorvem a produccedilatildeo regional
28 Destacamos que dos 14 municiacutepios que compotildeem o territoacuterio denominado por Paret (2012)
como Araguaia Xingu apenas Luciara natildeo possui assentamentos rurais Rural (INCRA 2015)
150
A partir dos dados destacados pelos autores e pela descriccedilatildeo feita pelo o
Instituto de Defesa Agropecuaacuteria de Mato Grosso - Indea (2015)29
percebe-se que nos
uacuteltimos anos houve um crescimento notaacutevel da criaccedilatildeo de gado leiteiro nessa aacuterea
Essa situaccedilatildeo serve como justificativa ao fato de haver nos assentamentos rurais do
Araguaia uma aacuterea maior destinada agraves pastagens e uma menor concentraccedilatildeo de
atividades voltadas para o cultivo de pomares hortas agricultura e outras atividades
econocircmicas
O Araguaia Mato-grossense atualmente possui como principais cadeias
produtivas a pecuaacuteria e a soja Percebe-se que a Agricultura Familiar tambeacutem estaacute
inclusa nesse modelo de produccedilatildeo no entanto Paret (2012 p 53) faz uma ressalva em
relaccedilatildeo agrave ela uma vez que esta ldquo[] apresenta uma maior diversidade produtiva que vai
desde a horta a todo tipo de plantaccedilatildeo de frutas (plantadas ou do extrativismo)
tubeacuterculos mel ovos pequenos animais leite entre outros []rdquo
As atividades agriacutecolas nos assentamentos rurais do Araguaia Mato-
grossense foram estudadas por Barrozo (2009 p 99) para quem embora os assentados
atribuam uma grande importacircncia agrave criaccedilatildeo de gado tambeacutem cultivam roccedilas visando o
auto-sustento da famiacutelia ldquo[] Os principais produtos cultivados em quase todos os
assentamentos satildeo a mandioca o milho o arroz e a canardquo
Ainda em conformidade com Barrozo (2009) natildeo existem grandes pomares
com diversidade de frutas cuja produccedilatildeo tenha a finalidade de comercializaccedilatildeo mas
satildeo encontradas em muitos assentamentos pequenas produccedilotildees frutiacuteferas de manga
banana abacaxi goiaba caju tamarindo limatildeo pequi etc
Esse quadro de produccedilatildeo agriacutecola apresentado pelo mesmo autor foi
constatado tambeacutem no relatoacuterio do MDATerritoacuterio da Cidadania (2006 p 33) segundo
o qual as atividades agriacutecolas no espaccedilo do Araguaia Mato-Grossense satildeo assim
descritas
Dentre as culturas produzidas destacam-se a mandioca o arroz
o milho e o abacaxi presentes em praticamente todo o territoacuterio
e tambeacutem direcionadas ao mercado local e principalmente para
o autoconsumo [] Estas atividades constituem-se em
iniciativas particulares e natildeo reflete de forma real a situaccedilatildeo de
grande parte dos agricultores do territoacuterio
29Disponiacutevel em lthttpwwwterritoriosdacidadaniagovbrdotlrnclubsterritriosruraisone-
community gtAcesso em 02052015
151
Quanto agrave implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas direcionadas aos
assentamentos rurais Paret (2012 p 53) verificou a existecircncia de grandes obstaacuteculos
enfrentados pelos agricultores familiares a exemplo das dificuldades em acessar tanto
os recursos do Pronaf quanto de outros programas considerados de apoio como eacute o caso
do Programa Nacional de Aquisiccedilatildeo de Alimentos (PNAA) e do Programa Nacional de
Alimentaccedilatildeo Escolar (PNAE)
Os entraves ocorridos durante o processo de implementaccedilatildeo das poliacuteticas
puacuteblicas nos assentamentos rurais no Araguaia Mato-grossense sobretudo no caso do
Pronaf foram percebidos por Barrozo (2009 p 96) em pesquisa realizada para o
Ministeacuterio do Meio Ambiente (MMA) atraveacutes do programa GESTAR O autor escreve
que durante suas visitas aos assentamentos rurais era bastante comum os agricultores
familiares exporem suas insatisfaccedilotildees tanto com a atuaccedilatildeo dos teacutecnicos do INCRA
quanto com as condiccedilotildees impostas no processo de adesatildeo ao Pronaf Nesse sentido
descreve
[] os assentados reclamam do Pronaf que seria um pacote
fechado exigindo que o recurso seja em horas maacutequinas para
preparar a terra para a lavoura com a indicaccedilatildeo da empresa para
prestar serviccedilo e compra de ferramentas com indicaccedilatildeo da loja
As vacas leiteiras de qualidade ruim para leite custam R$
60000 cada uma tendo que comprar de criador indicado
Alguns assentados fazem acusaccedilotildees de que eacute feito um desconto
do Pronaf corresponde ao um percentual do financiamento que
seria destinado agrave assistecircncia teacutecnica Os teacutecnicos dizem que natildeo
podem se deslocar por falta de veiacuteculos ou de combustiacutevel
Percebemos uma insatisfaccedilatildeo de assentados quanto agraves restriccedilotildees e imposiccedilotildees
burocraacuteticas do Pronaf que retiram dos mesmos a autonomia de escolher locais raccedilas
de animais e marcas de produtos adquiridos com a verba do programa adiciona-se a
preocupaccedilatildeo com a extensatildeo teacutecnica que enfrenta dificuldades financeiras e de
logiacutestica
Na mesma oacutetica Paret (2012 p 53) avalia os problemas enfrentados pelos
agricultores familiares no acesso aos recursos do Pronaf e agrave atuaccedilatildeo do Incra ldquo[] do
ponto de vista institucional a conduccedilatildeo da Reforma Agraacuteria pelo Incra eacute marcada por
longas demoras na resoluccedilatildeo de processos e inuacutemeros casos de corrupccedilatildeordquo
Paret (2012) aborda ainda outra situaccedilatildeo que dificulta o desenvolvimento dos
assentamentos rurais do Araguaia Mato-grossense qual seja o fato de muitos
152
agricultores familiares natildeo terem recebido os creacuteditos moradia e a inexistecircncia de uma
assistecircncia teacutecnica mais efetiva
Os graacuteficos apresentado na Figura 17 e seguinte apresentam criteacuterios de
distribuiccedilatildeo e investimento dos recursos do Programa Nacional de Agricultura Familiar
nos assentamentos rurais
Figura 17 Graacutefico com dados da evoluccedilatildeo dos creacuteditos Pronaf
Fonte Paret 2012 (p 30)
Figura 18 Graacutefico com dados da distribuiccedilatildeo dos creacuteditos Pronaf
Fonte Paret 2012 (p 33)
153
Os dados dispostos nos das figuras 17 e 18 indicam que nos assentamentos
rurais no Araguaia mato-grossense a deacutecada de 2000 foi destaque na evoluccedilatildeo do
percentual de investimento de recursos pelo Pronaf
Percebemos uma oscilaccedilatildeo no volume de recursos na deacutecada de 2000 sendo
que nos anos de 2003 e 2004 apresentaram crescimento Em 2008 a 2010 aumentou
novamente o percentual de recursos disponibilizados com aumento daqueles destinados
agrave pecuaacuteria sobretudo em 2010 quando superaram os investimentos destinados agrave
agricultura
Quando se observam os dados indicados na Figura 18 percebe-se que entre
os onze municiacutepios apresentados como Araguaia Xingu o municiacutepio de Vila Rica-MT
em comparaccedilatildeo aos demais praticamente natildeo recebeu recursos do Pronaf destinados agrave
agricultura sobressaindo apenas os destinados agrave linha de creacutedito direcionada para a
pecuaacuteria
Nesse sentido Lima e Noacutebrega (2009) reforccedilam que os financiamentos
efetivados a partir de 1999 no municiacutepio de Vila Rica-MT foram direcionados para
agropecuaacuteria Em 2007 100 dos financiamentos do municiacutepio foram direcionados
somente agrave pecuaacuteria somando um total de 86 milhotildees de reais em investimentos
Lima e Noacutebrega (2009 12) afirmam ainda que
Entre 1996 e 2006 a aacuterea de pastagens aumentou em cerca de 50
mil hectares e o aumento do nuacutemero de cabeccedilas de gado mais
do que triplicou chegando em 2006 a quase 650 mil cabeccedilas A
densidade de cabeccedilas de gado por hectare passou de 08 para
21 um aumento bem acentuado Entre 2000 e 2007 as aacutereas
das lavouras de milho dobraram de tamanho [] existem dados
controversos no censo 2006 que indica mais de 150 mil hectares
de aacutereas de lavouras no entanto no ano de 2007 natildeo havia
muito mais do que 10mil hectares plantados somando todas as
culturas provavelmente muitas destas aacutereas de lavouras estatildeo
abandonadas
Para esses autores o aumento expressivo da pecuaacuteria em Vila Rica-MT nos
uacuteltimos anos pode ter contribuiacutedo para a reduccedilatildeo do desmatamento no municiacutepio em
funccedilatildeo ateacute mesmo do volume de recursos injetados o que justifica o desenvolvimento
das atividades ligadas agrave pecuaacuteria enquanto a agricultura praticamente ficou estagnada
entre o periacuteodo de 2000 a 2007
154
Desse modo concluiacutemos que mesmo havendo entraves na execuccedilatildeo do
Pronaf ele gerou impactos significativos no que se refere ao desenvolvimento
econocircmico do Araguaia colocando os assentamentos rurais na condiccedilatildeo de
protagonistas na geraccedilatildeo de renda sendo a pecuaacuteria a principal atividade econocircmica
45 O Pronaf nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati
Consideramos pertinente uma anaacutelise acerca dos efeitos do Pronaf nos
assentamentos rurais de Vila Rica-MT visando identificar os impactos desse programa
no desenvolvimento socioeconocircmico local Destacamos que embora haja oito
assentamentos rurais a pesquisa tomou como paracircmetro apenas os recursos aportados
pelos agricultores familiares dos assentamentos rurais de Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e
Aracati
Ao escolhecirc-los tomados aqui como objeto de anaacutelise dos resultados das
poliacuteticas puacuteblicas direcionadas aos Assentados da Reforma Agraacuteria do municiacutepio de
Vila Rica levou-se em consideraccedilatildeo o fato de terem sido contemplados com o
Programa de Assessoria Teacutecnica Social e Ambiental agrave Reforma Agraacuteria- Ates no ano
de 2006 como ilustra a Tabela a seguir
Tabela 37 Creacutedito Rural - nordm de Famiacutelia
Fonte EMPAER 2010
A Tabela 37 demonstra que mais de 90 dos agricultores familiares
participantes da pesquisa tiveram acesso ao Pronaf Os assentamentos Satildeo Joseacute e Ipecirc
foram os mais beneficiados porque possuem o maior nuacutemero de assentados Outra
questatildeo que nos chamou a atenccedilatildeo em relaccedilatildeo ao acesso ao credito eacute o iacutendice de
inadimplecircncia que natildeo chega a 1
Creacutedito RuralPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracat
i
Total
Usam o creacutedito rural 96 18 72 22 20
8
Natildeo usam por
Inadimplecircncia
0 0 2 0 2
Natildeo usam por outros
Motivos
8 3 5 3 19
155
Tabela 38 Finalidade do Creacutedito Rural - nordm de Famiacutelias
Finalidade creacutedito
PA
S Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total
Custeio agriacutecola 10 3 12 3 28
Custeio pecuaacuterio 91 13 69 17 190
Investimento agriacutecola 2 0 3 0 5
Investimento pecuaacuterio 68 11 51 19 149
Agroinduacutestria 0 1 0 0 1
Fonte EMPAER 2010
As informaccedilotildees contidas na Tabela 38 confirmam o que jaacute foi apresentado
nos Graacuteficos 01 e 02 e Figuras 17 e 18 em que os investimentos dos recursos do Pronaf
nas atividades agriacutecolas natildeo chegaram a 10 dos que tomaram o creacutedito enquanto que
somando o valor destinado ao custeio e ao investimento na pecuaacuteria atingiu 908
Poreacutem apenas 03 desses recursos foram aplicados nas atividades agroindustriais
Tabela 39 Tipo de Pronaf por nuacutemero de Famiacutelias
Finalidade Creacutedito Rural S Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total
Pronaf A 95 17 71 20 203
Pronaf AC 65 12 60 15 152
Outros tipos de Pronaf 5 2 4 1 12
Fonte EMPAER 2010
Na Tabela 39 que trata da tipologia das linhas de creacutedito do Pronaf
constatamos o que jaacute foi evidenciado pela tabela anterior Observamos que 203 famiacutelias
dos assentamentos rurais pesquisados acessaram o Pronaf A destinado agraves atividades de
investimentos ampliaccedilatildeo ou modernizaccedilatildeo da estrutura de produccedilatildeo beneficiamento e
serviccedilos nas propriedades enquanto 152 famiacutelias acessaram o Pronaf AC cujo creacutedito
destina-se ao custeio das atividades de agropecuaacuteria ou natildeo agropecuaacuterias Somente 12
famiacutelias foram beneficiadas por outras modalidades de Pronaf
46 Outras Poliacuteticas Puacuteblicas nos assentamentos Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e
Aracati
156
461 Programa Luz para todos
Ao discutirmos os impactos das poliacuteticas Puacuteblicas precisamos analisar os
efeitos da instalaccedilatildeo da rede eleacutetrica nos assentamentos rurais - Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel
Ipecirc e Aracati - a partir da implantaccedilatildeo do Programa Luz Para Todos instituiacutedo pelo
Decreto 4873 de novembro de 2003 com o objetivo de garantir o acesso agrave energia
eleacutetrica a dez milhotildees de pessoas que viviam no campo no periacuteodo de 5 anos ou seja de
2003 a 2008 Foi o mesmo elaborado e executado atraveacutes de parceria entre o Ministeacuterio
de Minas e Energia Eletrobraacutes concessionaacuterias e cooperativas de eletrificaccedilatildeo rural As
accedilotildees deveriam ser feitas em regime de cooperaccedilatildeo entre os Governos Municipais
Estaduais e Federal
A intenccedilatildeo inicial era superar a ldquoexclusatildeo eleacutetricardquo conforme descrito em
uma reportagem feita pelo Ministeacuterio de Minas e Energia (MME) no portal da empresa
Furna30
(2015 p 1)
[] O mapa da exclusatildeo eleacutetrica no paiacutes revela que as famiacutelias
sem acesso agrave energia estatildeo majoritariamente nas localidades de
menor Iacutendice de Desenvolvimento Humano e nas famiacutelias de
baixa renda Cerca de 90 delas tecircm renda inferior a trecircs
salaacuterios-miacutenimos [] Para por fim a essa realidade o governo
definiu como objetivo que a energia seja um vetor de
desenvolvimento social e econocircmico dessas comunidades
contribuindo para a reduccedilatildeo da pobreza e aumento da renda
familiar
Para o Ministeacuterio de Minas e Energia (2015 p 1) ldquo[] a chegada da energia
eleacutetrica facilita a integraccedilatildeo dos programas sociais do Governo Federal aleacutem do acesso
a serviccedilos de sauacutede educaccedilatildeo abastecimento de aacutegua e saneamentordquo E como o nuacutemero
de pessoas que viviam sem energia eleacutetrica era bem superior agrave estimativa feita pelo
Governo Federal houve a necessidade de ampliar o periacuteodo para a execuccedilatildeo do
Programa Luz Para Todos o qual foi reformulado e estendido ateacute dezembro de 2014
ldquo[] Com a publicaccedilatildeo do Censo de 2010 pelo IBGE veio agrave informaccedilatildeo de que ainda
existiam na zona rural brasileira 715939 famiacutelias sem energiardquo (MME 2015 p 1)
30Furnas eacute uma empresa de economia mista subsidiaacuteria da Eletrobraacutes e vinculada ao Ministeacuterio de
Minas e Energia dedicada a geraccedilatildeo e transmissatildeo de energia eleacutetrica
DisponiacutevellthttpwwwfurnascombrfrmEMQuemSomosgt Acesso em 10102015
157
Nesta mesma acepccedilatildeo quando comparado com os assentamentos rurais
pesquisados em Vila Rica- MT um dos agricultores familiares entrevistado disse
[] A questatildeo da energia melhorou as condiccedilotildees de vida nos
assentamentos assim no sentido de possibilitar a compra de
uma televisatildeo uma geladeira um freezer um aparelho de som
Agora eacute o que eu sempre digo o foco do programa natildeo eacute esse
a ideia eacute melhorar as condiccedilotildees de trabalho para aumentar a
produccedilatildeo da Agricultura Familiar natildeo digo que o Programa
Luz Para Todos natildeo era comprar essas coisas de
eletrodomeacutesticos ateacute porque esses eletrodomeacutesticos nos
possibilitam viver com um pouco de conforto isso melhora a
nossa vida tambeacutem Poreacutem o Luz Para Todos visava melhorar
a produccedilatildeo e foi o que muitos assentados compraram
maacutequinas de ralar mandioca bomba da aacutegua para fazer
irrigaccedilatildeo ordenhadeira (maacutequina de tirar leite de vaca)
triturador de raccedilatildeo a proacutepria geladeira e o freezer pois
possibilita armazenar os alimentos confeccionados pelos
agricultores como eacute o caso do queijo linguiccedila polpas de
frutas e tantos outros produtos que estatildeo sendo vendidos na
feira nos mercados e em outros lugares Outro setor que tem
ganhado bastante com a implantaccedilatildeo do Programa Luz Para
Todos eacute aacuterea do comeacutercio e da manutenccedilatildeoconserto de
eletrodomeacutestico (ENTREVISTA com Gilmar agricultor
familiar e secretaacuterio de agricultura do municiacutepio de Vila Rica
realizada pela autora em marccedilo de 2015)
Em conformidade com o relato a implementaccedilatildeo do Programa Luz Para
Todos nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT possui um significado muito aleacutem da
entrada dos agricultores familiares nesse novo modelo de produccedilatildeo social e cultural
facilitando a inclusatildeo desses sujeitos histoacutericos na sociedade da Informaccedilatildeo e da
Comunicaccedilatildeo proporcionada pelos recursos midiaacuteticos
Os efeitos da eletricidade nesses assentamentos refletiu diretamente no
aumento da produtividade na Agricultura Familiar o que poderaacute ser mais um fator de
melhoria da renda das famiacutelias assentadas e ao mesmo tempo possibilitaraacute o
aquecimento da economia local
Ressaltamos ainda que a energia eleacutetrica advinda do Programa Luz Para
Todos produz efeitos positivos para a Educaccedilatildeo do campo possibilitando a ampliaccedilatildeo
dos tempos e modos de organizaccedilatildeo pedagoacutegica das escolas que passaram a ofertar
aulas no periacuteodo noturno sem falar nos artifiacutecios do ensino e da aprendizagem uma vez
fortalecido com a inserccedilatildeo das tecnologias da Informaccedilatildeo e Comunicaccedilatildeo Conforme
relata um dos assentados entrevistado
158
Depois que instalou energia melhorou ateacute pra escola pois
agora os filhos dos assentados estatildeo tendo uma educaccedilatildeo
melhor ateacute o ambiente melhorou pois tem ventilador algumas
escolas tecircm ar condicionado Todas tecircm geladeira freezer
bebedor com aacutegua gelada Assim agora podem ateacute as pessoas
mais velhas que soacute podem estudar no periacuteodo da noite teratildeo
oportunidade de ir pra escola O que eacute complicado em relaccedilatildeo
agrave energia no campo eacute que se a gente natildeo souber controlar o uso
da energia potencializar eletricidade para melhorar a
produtividade e a renda das famiacutelias assentadas chegaraacute o
final do mecircs teratildeo o prejuiacutezo conta de energia para pagar Tem
assentado que possui dificuldade para pagar a conta de energia
todo mecircs Mas por outro lado os assentados que deixavam de
vender seus produtos porque eram pouquinhos ajuda agora
porque com a geladeira o freezer vai fazendo e guardando
hoje congela uma linguiccedila um queijo guardam um doce ovos
E depois traacutes junta tudo e traacutes para vender na cidade No caso
ajudou porque eu mexo com polpas de frutas a minha maior
fonte de renda eacute essa Entatildeo eu vou juntando do meu siacutetio e
compro de outros assentados (ENTREVISTA com Ivanir Galo
assentado e presidente do STR de Vila Rica- MT realizada pela
autora em marccedilo de 2015)
O relato acima chama atenccedilatildeo para o papel que a eletricidade assumiu no
desenvolvimento da economia dos assentamentos rurais de Vila Rica uma vez que ela
possibilitou tambeacutem o armazenamento e conservaccedilatildeo dos produtos de ldquofabricaccedilatildeo
caseirardquo Desse modo o entrevistado reconheceu que alguns assentados encontravam
dificuldade para quitar a conta de energia mas o destaque dado na narrativa eacute para as
possibilidades de ampliaccedilatildeo da renda dos agricultores familiares a partir do uso dos
equipamentos tecnoloacutegicos
462 Arco Verde e a questatildeo ambiental
Em conformidade as anaacutelises apontadas no Capiacutetulo III a questatildeo ambiental
constituiu e constitui ainda um dos gargalos vivenciados nos assentamentos rurais do
municiacutepio de Vila Rica-MT visto o alto iacutendice de degradaccedilatildeo das aacutereas de pastagens
nascentes e vegetaccedilatildeo nativa
Essa situaccedilatildeo eacute causada por diversos fatores No entanto a poliacutetica de incentivo
agrave pecuaacuteria bovina por sua vez tem gerado certa sonolecircncia nas praacuteticas de degradaccedilatildeo
ambiental embora em muitos casos tenha inviabilizado a sustentabilidade da
159
produccedilatildeo deixando o caminho livre ao esvaziamento venda e arrendamento dos lotes
para a produccedilatildeo de soja
Por outro lado as atividades ligadas agrave extraccedilatildeo madeireira pouco contribuiacuteram
para o desenvolvimento econocircmico do municiacutepio Nesse quadro os assentamentos
rurais foram os lugares onde mais foram praticados desmatamentos
Tal situaccedilatildeo nos assentamentos rurais eacute relatada pelo Secretaacuterio Municipal
de Vila Rica-MT o qual afirma terem eles provocado seacuterios problemas ao ponto de
demandar uma accedilatildeo de intervenccedilatildeo por parte Poder Puacuteblico atraveacutes de uma integraccedilatildeo
entre oacutergatildeos dos Governos Federal Estadual e Municipal que se viram obrigados a
tomar medidas de puniccedilatildeo entre outras
[] Os municiacutepios que foram enquadrados na eacutepoca na
verdade eles entraram no Arco de Fogo Os municiacutepios que
mais desmatavam na microrregiatildeo norte Araguaia eram Vila
Rica-MT Querecircncia e Satildeo Feacutelix esses municiacutepios tiveram ser
punidos (pelo Governo Federal) deixando de receber recursos
que eram liberados antes como eacute o caso do Pronaf e outros
recursos foram bloqueados entatildeo houve um bloqueio de
recurso pra esses municiacutepios soacute que aiacute em vez de resolver o
problema veio trazer mais problema porque gerou um caos
sem os recursos como que os assentados iam trabalhar para
produzir o sustento das suas famiacutelias [] aiacute foi criado um
Programa chamado Arco Verde que era para trabalhar mais a
questatildeo de recuperar parte dos prejuiacutezos causados a natureza
onde cada municiacutepio assumiu uma agenda de compromisso
juntamente com os trecircs entes federal estadual e municipal
todos os segmentos assumiram a sua responsabilidade e o
municiacutepio (ENTREVISTA com Gilmar agricultor familiar e
secretaacuterio municipal de agricultura de Vila Rica-MT realizada
pela autora em marccedilo de 2015)
Segundo informaccedilotildees disponibilizadas pelo Secretaacuterio Municipal de
Agricultura e pelo presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT-
MT vaacuterios municiacutepios do estado de Mato Grosso foram convocados para desenvolver
accedilotildees com o objetivo de combater o alto iacutendice de queimada e desmatamento atraveacutes
do Programa do Governo Federal Arco de Foco No caso do Araguaia os municiacutepios
que foram enquadrados na eacutepoca foram Vila Rica-MT Querecircncia e Satildeo Feacutelix do
Araguaia Esses municiacutepios tiveram suspensos alguns dos recursos do Governo Federal
os quais foram bloqueados entre outras linhas de creacutedito do Pronaf - Programa de
Apoio agrave Agricultura Familiar
160
O secretaacuterio municipal de agricultura do municiacutepio de Vila Rica-MT alertou
em seu relato para a questatildeo das queimadas e do compromisso de desmatamento zero
assumido pelo municiacutepio
[] e o municiacutepio de Vila Rica-MT assumiu a responsabilidade
de desmatamento zero poreacutem dentro dos assentamentos eacute
loacutegico diminuiu 95 mas agente enfrentou e ainda enfrenta
alguns problemas com desmatamento dentro dos
assentamentos mas aiacute jaacute natildeo eacute falta de informaccedilatildeo porque
informaccedilatildeo sempre tem o problema eacute que alguns produtores
acham que por ser uma aacuterea do governo federal ele natildeo seraacute
penalizado punido e multado por ser assentado e por isso
teimam Mas com a questatildeo do CAR e do Geo que o tiacutetulo seraacute
perante o laudo todos teratildeo que recuperar soacute que com esse
novo Coacutedigo Florestal ele amenizou isso bastante os
produtores que tecircm ateacute quatro moacutedulos fiscais satildeo a maioria
aqui na Vila Rica-MT os que tecircm a propriedade muito pequena
natildeo precisam de reservas legais desde que aacuterea jaacute esteja
consolidada jaacute aberta e tudo mais ateacute Julho de 2008 entatildeo
daiacute pra frente quem desmatou vai ser descoberto atraveacutes de
uma imagem sateacutelite eles seraacute identificado entatildeo eacute assim eles
natildeo foram penalizados ainda mas seratildeo (ENTREVISTA com
Gilmar agricultor familiar e secretaacuterio municipal de agricultura
de Vila Rica-MT realizada pela autora em marccedilo de 2015)
Diante do bloqueio dos recursos o Poder Puacuteblico sobretudo o municipal
bem como o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT tiveram que
desenvolver accedilotildees que mobilizassem os assentados para que atuassem no sentido de
erradicar as derrubadas e queimadas em Vila Rica-MT
Como o Programa Arco de Fogo natildeo obteve ecircxito foi criado outro programa
denominado Arco Verde o qual visava a intensificaccedilatildeo dos trabalhos voltados mais
para a questatildeo da recuperaccedilatildeo de parte dos prejuiacutezos causados agrave natureza Cada
municiacutepio assumiu uma agenda de compromisso responsabilizando-se juntamente com
o ente federal e estadual onde iriam atuar para erradicar as praacuteticas de queimadas nas
aacutereas de assentamentos rurais
463 Programa Balde Cheio
Quando o Programa denominado como ldquoBalde Cheiordquo foi implantado em
Mato Grosso houve a alegaccedilatildeo de que ele gerara resultados positivos em 12 Estados do
161
Brasil Este programa resultou de pesquisas desenvolvidas pela Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuaacuteria Embrapa
Em Mato Grosso o projeto foi integrado ao Programa Estadual da Cadeia do
Leite considerando que o objetivo do Estado era aumentar a produccedilatildeo de leite nas aacutereas
de assentamentos rurais
[] Mato Grosso possui 150 mil pequenos proprietaacuterios a
maioria dedicando-se ao leite A meta eacute aumentar a produccedilatildeo
mato-grossense dos atuais 16 milhatildeo de litros diaacuterios para
cinco milhotildees de litros por dia Fernando Lamas ressalta que
esse aumento seraacute alcanccedilado por meio do aumento de
produtividade ldquosem expansatildeo de aacutereas e sem derrubar uma soacute
aacutervorerdquo
[] O trabalho das duas unidades da Embrapa contaraacute com a
parceria do Ministeacuterio da Agricultura Pecuaacuteria e
Abastecimento (Mapa) e do Governo de Mato Grosso que
arcaratildeo com a maior parte dos custos [] (EMBRAPA 2015
p 1)31
Segundo informaccedilotildees disponibilizadas no portal da Secretaria de Estado de
Agricultura de Mato Grosso participaram do processo de execuccedilatildeo do Programa a
Empresa Mato-Grossense de Pesquisa Assistecircncia e Extensatildeo Rural ndash Empaer o
Instituto de Defesa Agropecuaacuteria - Indea as prefeituras e as empresas em sistema de
cooperativa dos municiacutepios que aderiram ao Projeto Balde Cheio
Esse conjunto de teacutecnicas eacute complementado com o uso de
planilhas de controle zooteacutecnico e econocircmico a utilizaccedilatildeo de
um quadro dinacircmico de controle reprodutivo de higiene e de
qualidade do leite a identificaccedilatildeo dos animais a melhoria no
padratildeo geneacutetico do rebanho a anotaccedilatildeo de dados climaacuteticos
(chuva e temperatura maacutexima e miacutenima) e a aplicaccedilatildeo de
praacuteticas associativistas Aleacutem disso o uso de instrumentos de
controle gerencial tais como planilhas de controle e de anaacutelise
de custo de produccedilatildeo e de controle zooteacutecnico tem
possibilitado tornar rentaacutevel a atividade leiteira nas pequenas
propriedades familiares e consequentemente transformaacute-las em
atividade fixadora do homem no campo (EMBRAPA 2015 p
1)
Conforme Borges Guedes Ceacutezareb e Assis (2015 p 1) o Projeto Balde
Cheio serviria como motivaccedilatildeo para os agricultores familiares aumentar a produccedilatildeo de
leite nos assentamentos jaacute que a tecnologia embutida no projeto articulava as teacutecnicas
31 Disponiacutevel em lthttptererecpaoembrapabrportalnoticiasvisualizaphpid=307gt Acesso em
15042015
162
de produccedilatildeo extensivas com a conservaccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da fertilidade do solo a partir
do uso de fertilizantes orgacircnicos e manejo intensivo de pastagens tropicais adubadas
Durante a temporada da seca (veratildeo) as aacutereas de passagens satildeo melhoradas
atraveacutes de irrigaccedilatildeo manejo rotacional e do uso de cana-de-accediluacutecar integrada com ureacuteia
assim como a realizaccedilatildeo de exames de tuberculose no gado
No caso de Vila Rica-MT o Projeto Balde Cheio foi implantado pela a
Secretaria Municipal de Agricultura em parceria com o INCRA a Empaer e de outras
entidades como o Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Rural Senar Serviccedilo Brasileiro
de Apoio agrave Micro e Pequena Empresa (Sebrae) e Serviccedilo Nacional de Aprendizagem
Industrial (Senai) O Senar o Sebrae e o Senai que atuaram ministrando cursos no
processo de formaccedilatildeo dos assentados
Segundo o diagnoacutestico produzido pela a Empaer (2009 p 60)
[] na produccedilatildeo houve uma grade melhoria no gado leiteiro
quantidade e qualidade do leite assim se tornou o ponto forte
do assentamento fazendo a entrega no resfriador dentro do
assentamento que eacute vendido para o uacutenico laticiacutenio do
municiacutepio Essa produccedilatildeo cresceu graccedilas ao efeito do Projeto
Balde Cheio
Os dados do diagnoacutestico revelaram um melhoramento da produtividade e na
qualidade do leite produzido
464 Os Programas de Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional e Teacutecnica do
assentado
Pensar sobre o papel das poliacuteticas puacuteblicas nos assentamentos rurais nos
remete para uma reflexatildeo a respeito do papel da Educaccedilatildeo do Campo uma vez que na
luta pela terra requer tambeacutem a necessidade da escola Natildeo basta apenas que os
agricultores familiares tenham conquistado a terra para morar e produzir Faz-se
indispensaacutevel ter uma escola para que os seus filhos possam estudar sem precisar sair
do campo
Por estar inserida na pauta de lutas dos movimentos sociais que demandam a
Reforma Agraacuteria a Educaccedilatildeo do Campo no Brasil vem cada vez mais ganhando
consistecircncia e visibilidade na agenda das autoridades poliacuteticas acadecircmicas e nos
diversos segmentos do sistema educacional constituindo-se importante enquanto
poliacutetica puacuteblica para fortalecer os assentamentos rurais
163
Segundo Casali (2004) as discussotildees em torno da Educaccedilatildeo do Campo tecircm
sido direcionadas aos problemas de infraestrutura como construccedilatildeo de escolas
transporte escolar formaccedilatildeo de professores entre outras questotildees que tecircm provocado
um intenso debate entre os gestores puacuteblicos e os movimentos sociais vinculados aos
modos de vida no campo
O autor supramencionado afirma que para os movimentos sociais a estrutura
fiacutesica natildeo eacute o uacutenico problema da escola do campo A questatildeo eacute mais complexa quando
levados em consideraccedilatildeo os aspectos poliacuteticos e culturais do ensino e da aprendizagem
escolar bem como as especificidades de vida e os modos de organizaccedilatildeo social e
educacional para a populaccedilatildeo do campo
A primeira Conferecircncia Nacional intitulada ldquoPor Uma Educaccedilatildeo Baacutesica do
Campordquo realizada no periacuteodo de 27 a 31 de julho de 1998 na cidade de Luziacircnia
estado de Goiaacutes foi um marco importante para as lutas sociais do campo sendo que a
partir dela constituiacuteram-se alguns princiacutepios baacutesicos que fundamentaram a luta por
escolas do campo Segundo Caldart (2003 p 60)32
satildeo trecircs princiacutepios
[] 1 O campo no Brasil estaacute em movimento Haacute tensotildees lutas
sociais organizaccedilotildees e movimentos de trabalhadores e
trabalhadoras da terra que estatildeo mudando o jeito da sociedade
olhar para o campo e seus sujeitos
2 A Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo estaacute sendo produzida neste
movimento nesta dinacircmica social que eacute tambeacutem um
movimento sociocultural de humanizaccedilatildeo das pessoas que dele
participam
3 Existe uma nova praacutetica de Escola que estaacute sendo gestada
neste movimento Nossa sensibilidade de educadores jaacute nos
permitiu perceber que existe algo diferente e que pode ser uma
alternativa em nosso horizonte de trabalhador da educaccedilatildeo de
ser humano
Assim agrave luz dessa concepccedilatildeo pode-se dizer que a emergecircncia assinalada para
a complexidade da Educaccedilatildeo Campo perpassa pela construccedilatildeo de um projeto poliacutetico-
pedagoacutegico que contemple as matrizes culturais sociais e histoacutericas das populaccedilotildees do
campo
Nessa mesma perspectiva compreendemos a dimensatildeo do papel e significado
que os agricultores familiares atribuem agrave Educaccedilatildeo do Campo para o fortalecimento dos
32 Disponiacutevel em lthttpwwwiaufrrjbrppgeaconteudoconteudo-2009-1Educacao-
II3SFA_ESCOLA_DO_CAMPO_EM_MOVIMENTOpdf gt Acesso em 10052015
164
assentamentos rurais de Vila Rica-MT o que pode ser ilustrado a partir da trajetoacuteria de
vida do senhor Ademar que eacute filho de um dos primeiros colonos que migraram para
Vila Rica-MT na deacutecada de 1980 em busca de melhores condiccedilotildees hoje professor
efetivo pela Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo de Vila Rica-MT
[] Olha eacute muito incriacutevel Eu nasci na roccedila estudei na roccedila
me formei morando na roccedila (porque eu jaacute sou formado como
pedagogo) Estudei Pedagogia em moacutedulo nunca precisei
mudar da roccedila e nem tive vontade tipo assim pra ir para uma
faculdade estudar de tempo integral na cidade porque o meu
projeto de vida foi sempre morar na roccedila Hoje faccedilo poacutes-
graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo do Campo E desde quando comecei
na escolinha multisseriada eu jaacute lutava por educaccedilatildeo na roccedila
Fiz parte da nucleaccedilatildeo do processo de nucleaccedilatildeo de escola no
Aracati na eacutepoca Ajudei alavancar a discussatildeo e a criaccedilatildeo
das turmas de 5ordf seacuterie na zona rural de Vila Rica-MT porque a
gente natildeo tinha oferta pois atendiacuteamos ateacute a quarta seacuterie e
como percebemos que chegavam muitos alunos em niacutevel de
estudar a 5ordf e a 6 ordf seacuterie (ENTREVISTA com Ademar
professor e agricultor familiar do assentamento Satildeo Joseacute Vila
Rica-MT 2015 realizada pela autora em setembro de 2015)
Talvez diferentemente de outros relatos de professores das escolas do
campo Ademar nos revela uma trajetoacuteria de vida marcada pelo ideal de estudar e de se
formar sem precisar sair do campo Ele faz do ideal de vida a constante luta pela
permanecircncia no campo luta por escola e pela ampliaccedilatildeo dos estudos de outros
assentados
Ele nos leva a uma reflexatildeo sobre a Educaccedilatildeo do Campo constituiacuteda a
partir da leitura do refratildeo da muacutesica do cantor e compositor Gilvan ldquoNatildeo Vou Sair do
Campordquo a qual se parece como uma bandeira de luta do Movimento Nacional por uma
Educaccedilatildeo do Campo como ldquo[] natildeo vou sair do campo pra poder ir para a escola
Educaccedilatildeo do Campo eacute direito e natildeo esmolardquo
Ao relembrar a sua trajetoacuteria como professor Ademar nos mostra que a
concepccedilatildeo e a funccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo satildeo construccedilotildees socioculturais Quando
faz uma reavaliaccedilatildeo das accedilotildees dos professores pais alunos e gestores na conduccedilatildeo das
poliacuteticas puacuteblicas ele reconhece que o processo de nucleaccedilatildeo das ldquoescolinhasrdquo pouco
contribuiu para a melhoria da educaccedilatildeo no municiacutepio e tampouco para fortalecer os
assentamentos rurais de Vila Rica-MT Nesse sentido prossegue
165
A partir daiacute comeccedilou em todo o municiacutepio exemplo Cachangaacute
e nos assentamentos Soacute que a partir daiacute a gente comeccedilou a
observar os efeitos da nucleaccedilatildeo Vimos que depois que fecha a
escolinha que fica perto das propriedades ou seja aquela
comunidade fica entristecida e desaminada para continuar
morando no assentamento Aos poucos vai se acabando o
viacutenculo de comunidade e eacute assim que comeccedila o ecircxodo rural
Aqui em Vila Rica-MT a gente sentiu isso a partir da hora que
fechou as escolinhas foi como se saiacutessemos acabando as
comunidades e se comunidade acaba o povo do assentamento
vai se distanciando uns dos outros Pela situaccedilatildeo que vivemos
tenho observado que a escola eacute o espaccedilo de encontro da
comunidade natildeo eacute soacute o espaccedilo de ensinar e aprender os
conteuacutedos escolares a funccedilatildeo eacute para aleacutem disso Voltando agrave
questatildeo da nucleaccedilatildeo lembro que quando sai do assentamento
a escola de laacute tinha uns 150 alunos o Aracati fechou a sua
uacutenica escola e com o tempo possa ser que suma a comunidade
de laacute tambeacutem jaacute que hoje tecircm tatildeo poucas famiacutelias de fato
morando laacute em vista do que era antes Jaacute pensou como
imaginar um assentamento sem uma escola (ENTREVISTA
com Ademar professor e agricultor familiar do assentamento
Satildeo Joseacute Vila Rica-MT 2015 realizada pela autora em
setembro de 2015)
Com base no relato do professor Ademar eacute possiacutevel identificar de maneira
viva como a escola eacute importante para o assentamento rural uma vez que ela tambeacutem se
constitui enquanto espaccedilo de encontro dos agricultores familiares ocasiatildeo em que
dialogam compartilham se organizam e praticam a socializaccedilatildeo de forma mais intensa
Logo quando o professor fala que ldquonatildeo eacute soacute o espaccedilo de ensinar e aprenderrdquo
percebemos as muacuteltiplas funccedilotildees desse espaccedilo chamado Escola do Campo
Diante disso o fechamento de uma escola dentro do assentamento rural tem
significados negativos uma vez que envolve a privaccedilatildeo de oportunidades e qualidade de
vida dos alunos e pais que dependem do transporte escolar para se deslocarem para uma
escola distante Aleacutem disso significa o fechamento de um posto de trabalho do
professor que seraacute igualmente removido Significa ainda desmotivaccedilatildeo para a
comunidade do assentamento rural ao ver perdido um espaccedilo de socializaccedilatildeo e uma
instituiccedilatildeo que representa oportunidade de melhoria de vida para seus moradores
No Brasil historicamente as nucleaccedilotildees das escolinhas satildeo realizadas pelos
gestores da educaccedilatildeo sem levar em conta os interesses e ideais dos pais e dos alunos
sob o discurso que vai melhorar a qualidade do ensino eliminando as turmas muacuteltiplas
(seacuteries fases anos e ciclo)
166
Essa situaccedilatildeo mostra a perda do sentimento de pertencimento entre a escola e
a comunidade distanciando os pais das accedilotildees escolares sem falar da falta de motivaccedilatildeo
por parte dos alunos para com os estudos jaacute que a escola distante das casas aumenta o
percurso para os estudantes
Do relato do professor Ademar destacamos que os sujeitos histoacutericos do
campo exercem um papel importante na conduccedilatildeo das Poliacuteticas Puacuteblicas voltadas agraves
necessidade das populaccedilotildees dos assentamentos rurais A luta eacute permanente pela
universalizaccedilatildeo da educaccedilatildeo como argumenta o mesmo entrevistado
Eu defendo que a escola que serve para os Agricultores
Familiares eacute aquela que fica dentro do assentamento Acredito
que um projeto de assentamento forte eacute aquele que tem uma
escola pensada e construiacuteda em conjunto com aquele povo que
vive ali Agraves vezes fico bastante incomodado com a conduccedilatildeo
que se tem dado para a Educaccedilatildeo do Campo Eacute como se as
poliacuteticas natildeo estivessem sendo executadas no sentido de
melhorar o ensino e a formaccedilatildeo dos jovens no campo Penso
que a gente precisa se preocupar mais com o futuro dos jovens
que vivem nos assentamento A escola e noacutes professores
precisamos trabalhar essas questotildees de forma que surta um
efeito positivo no sentido de motivar os jovens a continuar
morando nos assentamentos Para isso precisamos avanccedilar em
algumas poliacuteticas Vejo que deveremos ser mais incisivos para
que o Estado faccedila a oferta do Meacutedio Teacutecnico integrado e que
essa oferta seja a partir de um curriacuteculo voltado para as
necessidade e particularidades das pessoas que dependem dos
assentamentos rurais como meio de sobrevivecircncia e geraccedilatildeo de
renda (ENTREVISTA com Ademar professor e agricultor
familiar do assentamento Satildeo Joseacute Vila Rica-MT 2015
realizada pela autora em setembro de 2015)
O relato do professor Ademar tambeacutem chama atenccedilatildeo pelo desabafo quanto agrave
forma como estaacute sendo realizada a Educaccedilatildeo do Campo em Vila Rica-MT ldquo[] eacute como
se as poliacuteticas natildeo estivessem sendo executadas no sentido de melhorar o ensino e a
formaccedilatildeo dos jovens no campo Penso que a gente precisa se preocupar mais com o
futuro dos jovens que vivem nos assentamentos []rdquo (ENTREVISTA com Ademar
professor e agricultor familiar do assentamento Satildeo Joseacute Vila Rica-MT 2015 realizada
pela autora em setembro de 2015)
A educaccedilatildeo por si soacute natildeo assegura a permanecircncia dos agricultores familiares
na terra poreacutem quando integrada ao projeto de desenvolvimento do assentamento
tornaraacute o seu fortalecimento possiacutevel
167
Os projetos pedagoacutegicos das escolas do campo devem contemplar as matrizes
culturais do homem do campo considerando a construccedilatildeo a partir da memoacuteria coletiva e
da histoacuterica da comunidade dada por meio da oralidade buscando assim reconstruir e
conservar a cultura da populaccedilatildeo que vive no campo de forma a fazer uma educaccedilatildeo em
prol da cidadania O relato de Ademar traz ainda os princiacutepios que o curriacuteculo da escola
do campo deveria seguir
O curriacuteculo deve contemplar questotildees como agroecologia a
pecuaacuteria de leite a produccedilatildeo orgacircnica Precisamos formar
uma nova consciecircncia entre os jovens visando que estes
passem a enxergar o potencial da Agricultura Familiar Eu sei
disso e penso que vocecirc tambeacutem ateacute porque existem pesquisas
que jaacute comprovaram isso que eu estou lhe falando Eacute o campo
quem sustenta a cidade e natildeo o contraacuterio Se houver falta de
produccedilatildeo nos assentamentos rurais aqui em Vila Rica-MT logo
a cidade sofreraacute um impacto imediatamente As poliacuteticas
puacuteblicas existentes para a populaccedilatildeo rural devem ser de fato
destinadas agrave melhoria das condiccedilotildees de vida eacute para promover
qualidade de vida das pessoas que estatildeo no campo
(ENTREVISTA com Ademar professor e agricultor familiar do
assentamento Satildeo Joseacute Vila Rica-MT 2015 realizada pela
autora em setembro de 2015)
Nessa perspectiva educativa apresentada pelo professor Ademar afirmamos
que eacute um dos principais desafios para a Educaccedilatildeo do Campo consolidar concepccedilotildees e
praacuteticas nos curriacuteculos que integrem as matrizes culturais das populaccedilotildees do campo
O desafio natildeo estaacute restrito apenas agrave parte obrigatoacuteria da Educaccedilatildeo Baacutesica
mas tambeacutem as etapas do Ensino Meacutedio assim como Superior
465 Programa Nacional de Sauacutede no Campo
No Brasil os Programas de Sauacutede Puacuteblica direcionados para a populaccedilatildeo
rural satildeo decorrentes das reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais do campo No entanto
quando se debruccedila sobre a literatura nos deparamos com a escassez de pesquisas
voltadas para essa questatildeo sobretudo no que se refere agrave sauacutede nos assentamentos rurais
O foco da pesquisa natildeo eacute a poliacutetica puacuteblica de sauacutede em si mas os efeitos
dela na melhoria da qualidade de vida dos agricultores familiares A Sauacutede Puacuteblica eacute um
dos componentes da bandeira de luta dos movimentos sociais do campo assegurando
que a mesma seja constituiacuteda a partir das especificidades que envolvem os modos e
168
concepccedilotildees do povo do campo A poliacutetica de sauacutede deve levar em consideraccedilatildeo os
saberes tradicionais destes sujeitos histoacutericos Este eacute o caso dos que recorrem
constantemente ao uso de plantas medicinais no tratamento de doenccedilas
A partir da Portaria de nordm 2866 de dezembro de 2011 o Ministeacuterio da Sauacutede
(MS) teve como principal funccedilatildeo estabelecer paracircmetros de funcionamento e regulaccedilatildeo
dos serviccedilos de sauacutede para a populaccedilatildeo do campo partindo dos princiacutepios do Sistema
Uacutenico de Sauacutede (SUS) A Poliacutetica Nacional de Sauacutede Integral das Populaccedilotildees do
Campo e da Floresta (PNSIPCF) define que
[] O MINISTRO DE ESTADO DA SAUacuteDE no uso da
atribuiccedilatildeo que lhe confere o inciso II do paraacutegrafo uacutenico do art
87 da Constituiccedilatildeo considerando os princiacutepios do Sistema
Uacutenico de Sauacutede (SUS) especialmente a equidade a
integralidade e a transversalidade e o dever de atendimento das
necessidades e demandas em sauacutede das populaccedilotildees do campo e
da floresta Considerando o Decreto nordm 7508 de 28 de junho de
2011 que regulamenta a Lei nordm 8080 de 19de setembro de
1990 e dispotildee sobre a organizaccedilatildeo do SUS o planejamento da
sauacutede a assistecircncia agrave sauacutede e a articulaccedilatildeo Interfederativa
especialmente o disposto no art 13 que assegura ao usuaacuterio o
acesso universal igualitaacuterio e ordenado agraves accedilotildees e serviccedilos de
sauacutede do SUS Considerando a Portaria GMMS nordm 2460 de 12
de dezembro de 2005 que instituiu o Grupo da Terra no
Ministeacuterio da Sauacutede com o objetivo de elaborar a Poliacutetica
Nacional de Sauacutede Integral das Populaccedilotildees do Campo e da
Floresta aprovada pelo Conselho Nacional de Sauacutede em 1ordm de
agosto de 2008 Considerando a diretriz do Governo Federal de
reduzir as iniquidades por meio da execuccedilatildeo de poliacuteticas de
inclusatildeo social (MS 2013 p 19)
Nos trechos do texto-base da Poliacutetica Nacional de Sauacutede Integral das
Populaccedilotildees do Campo e da Floresta proposto pelo Ministeacuterio da Sauacutede (2013 p 20)
seu principal objetivo eacute o de promover a sauacutede das populaccedilotildees do campo e da floresta a
partir de accedilotildees que partilhem as particularidades no que se refere a gecircnero cor etnia e
orientaccedilatildeo sexual de forma que facilite o acesso aos serviccedilos de sauacutede E com isso
espera-se que seja diminuiacutedo o iacutendice de ldquo[] riscos e agravos agrave sauacutede decorrente dos
processos de trabalho e das tecnologias agriacutecolas e a melhoria dos indicadores e da
qualidade de vidardquo (BRASIL 2013)
O Ministeacuterio da Sauacutede (2013 p 20) definiu os agricultores familiares
enquanto categoria social como uma populaccedilatildeo que vive no campo e se organiza a
partir dos seguintes princiacutepios
169
[] - (a) natildeo deter a qualquer tiacutetulo aacuterea maior do que 4
(quatro) moacutedulos fiscais b) utilizar predominantemente matildeo-
de-obra da proacutepria famiacutelia nas atividades econocircmicas do seu
estabelecimento ou empreendimento c) ter renda familiar
predominantemente originada de atividades econocircmicas
vinculadas ao proacuteprio estabelecimento ou empreendimento)
dirigir seu estabelecimento ou empreendimento com sua
famiacutelia sendo que incluem-se nesta categoria silvicultores
aquicultores extrativistas e pescadores que preencham os
requisitos previstos nos itens b c e d deste inciso
Nota-se que esse Ministeacuterio recorreu agrave definiccedilatildeo de agricultores familiares
instituiacuteda nas diretrizes nacionais do Pronaf em que essa categoria eacute constituiacuteda a partir
de criteacuterios econocircmicos e da dinacircmica de relaccedilotildees de trabalho e do modo de produccedilatildeo
466 Habitaccedilatildeo
Segundo o Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio (2015) o Programa
Nacional de Habitaccedilatildeo Rural (PNHR) consiste em auxiliar os Agricultores Familiares e
trabalhadores rurais na construccedilatildeo de suas casas Inserido dentro do Programa Nacional
de Habitaccedilatildeo (Minha Casa Minha Vida) eacute financiado pelo Orccedilamento Geral da Uniatildeo ndash
OGU As suas accedilotildees devem ser planejadas e executadas As diretrizes e subsiacutedios dos
demais programas do Governo Federal satildeo destinados ao combate agrave pobreza rural
Sobretudo o Programa Cisternas que tem como objetivo a construccedilatildeo de cisternas nas
propriedades rurais as quais satildeo utilizadas para a captaccedilatildeo e armazenamento de aacutegua
oriunda das chuvas
O recurso do PNHR tem como principal finalidade a ldquo[] aquisiccedilatildeo de
Material de construccedilatildeo conclusatildeo ou reformaampliaccedilatildeo de Unidade Habitacional rural
e de cisternas para a captaccedilatildeo e armazenamento da aacutegua da chuva []rdquo (BRASIL 2010
p05) em que o alvo satildeo as regiotildees onde as chuvas ocorrem com certa irregularidade e
as secas satildeo recorrentes
Em nota divulgada pela Confederaccedilatildeo Nacional dos trabalhadores na
Agricultura ndash CONTAG e outros movimentos sociais como o Movimento dos
Pequenos Agricultores ndash MPA Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra ndash
MST Movimento dos Atingidos por Barragens ndash MAB Movimento Camponecircs Popular
ndash MCP Federaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar
170
do Brasil ndash Fetraf ndash (BRASIL 2015 p 1)33
asseguram que o Programa Nacional de
Habitaccedilatildeo Rural criado em 2009 eacute resultado da luta dos movimentos do campo em
que o propoacutesito da nota eacute afirmar que
A preservaccedilatildeo deste Programa passa pelo diaacutelogo estabelecido
no interior do GT Rural com todos os sujeitos envolvidos
Governo Agentes Financeiros e Entidades Organizadoras dos
movimentos representativos do campo e eacute confiando nesse
diaacutelogo que repudiamos o que foi evidenciado pelo INCRA na
uacuteltima reuniatildeo do GT Rural no dia 28 de novembro onde foi
explicitada a intenccedilatildeo de repassar (a partir de janeiro de 2014)
mediante Chamada Puacuteblica a possibilidade de entidades
puacuteblicas e privadas executarem o PNHRA maior parte das
casas de alvenaria foi feita com recursos financiados pelo
INCRA atraveacutes do creacutedito habitaccedilatildeo liberado O recurso
liberado do creacutedito habitaccedilatildeo natildeo foi suficiente para realizar a
construccedilatildeo das casas por completo e com acabamento
necessaacuterio Desta forma algumas casas ficaram inacabadas
necessitando de reboco pintura piso e sanitaacuterio
Para os movimentos do campo eacute necessaacuterio que a equipe de Governo as
Agecircncias de Financiamentos e as entidades de representaccedilatildeo dos Movimentos sociais
mantenham um diaacutelogo permanente entre as partes envolvidas no processo para que se
tenha um resultado satisfatoacuterio na execuccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas para os sujeitos
sociais do campo
Justamente por isso existe uma tentativa de evitar que a construccedilatildeo das casas
destinadas agrave populaccedilatildeo do campo seja bdquoprivatizada‟ ou seja concentrada nas matildeos de
uma soacute entidade seja ela puacuteblica ou privada o que tem se mostrado ldquototalmente
repudiadordquo como possibilidade
Apesar disso eacute notaacutevel o quanto essas poliacuteticas puacuteblicas produziram novos
impactos influenciando diretamente no desenvolvimento dos assentamentos rurais de
Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati fornecendo-lhes melhores condiccedilotildees de vida no
que se refere ao acesso agrave sauacutede educaccedilatildeo moradia e infraestrutura
Todavia percebemos que natildeo haacute uma articulaccedilatildeo entre a organizaccedilatildeo e a
construccedilatildeo de um planejamento estrateacutegico baacutesico para implementar poliacuteticas puacuteblicas
33 Disponiacutevel em
lthttpwwwfetraforgbrsistemackfilesPauta20unitaria20HABITACAO20RURALgt
Acesso em 28102015
171
que pudessem ser implementadas em uma accedilatildeo integrada e envolvendo os diferentes
agentes sociais e assim resolver as supostas fragilidades
Natildeo apreendemos indicativos na reflexatildeo dessas poliacuteticas que conduzem para
a melhoria das condiccedilotildees de produccedilatildeo e possibilidades de comercializaccedilatildeo e circulaccedilatildeo
dos produtos da Agricultura Familiar apontados no capiacutetulo trecircs como um dos
principais desafios dos assentamentos rurais pesquisados
Contudo natildeo se pode perder de vista que satildeo as dificuldades vivenciadas
nesses assentamentos que fazem com que os assentados recorram cada vez mais agrave venda
da forccedila de trabalho nas fazendas ou nos demais setores primaacuterios distanciando-se da
condiccedilatildeo de produtores da Agricultura Familiar e tornando-se compradores de produtos
baacutesicos da alimentaccedilatildeo como arroz feijatildeo mandioca e carnes de aves e porcos
172
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Os estudos e as poliacuteticas relacionadas agrave Agricultura Familiar no Brasil
segundo Abramovay (2006) devem levar em consideraccedilatildeo que esta eacute constituiacuteda a
partir de trecircs niacuteveis distintos em primeiro lugar eacute necessaacuterio fazer um levantamento das
produccedilotildees cientiacuteficas e pesquisas que envolvem a ldquoexpectativa intelectualrdquo os quais natildeo
podem perder de vista a existecircncia de uma grande diversidade nas formas de produccedilatildeo
da Agricultura Familiar brasileira Haacute uma demanda de questotildees a serem analisadas e
um mapeamento a ser elaborado frente agrave vasta literatura e pesquisas realizadas sobre a
diversidade do universo da Agricultura Familiar considerando as diferentes
experiecircncias dos sujeitos histoacutericos que a vivenciam Somente a partir dessa postura
intelectual seraacute possiacutevel estabelecer uma estimativa da potencialidade econocircmica dos
assentamentos rurais do Brasil
O segundo niacutevel ao qual se refere Abramovay (2006) seria a implantaccedilatildeo
das poliacuteticas puacuteblicas que se intensificaram a partir da criaccedilatildeo do Pronaf inter-
relacionadas com outras poliacuteticas puacuteblicas e programas sociais que contribuiacuteram para a
eficiecircncia dos assentamentos rurais nesse novo modelo de organizaccedilatildeo social no campo
A partir da deacutecada de 1990 as accedilotildees foram intensificadas com a criaccedilatildeo dos projetos de
assentamentos rurais resultantes do Programa de Reforma Agraacuteria do Governo Federal
Natildeo se pode negar que tanto estas como um conjunto de outras poliacuteticas
tiveram um papel fundamental no processo de geraccedilatildeo de diferentes demandas
Surgiram novas oportunidades de reocupaccedilatildeo das terras e de invenccedilatildeo de novas praacuteticas
para milhares de famiacutelias que estavam totalmente desprovidas de capital e dos meios de
produccedilatildeo para garantir a sua reproduccedilatildeo social enquanto agricultores familiares
Outra questatildeo tratada pelo autor estaacute relacionada ao plano social A
Agricultura Familiar no Brasil corresponde ao processo contiacutenuo de aptidatildeo de
elementos que arrastam os ldquoarranjosrdquo dos movimentos sociais e sindicais que tecircm como
princiacutepio de organizaccedilatildeo a luta pela posse da terra visando a afirmaccedilatildeo em que a
ascensatildeo e o desenvolvimento econocircmico de um determinado territoacuterio dar-se-aacute
somente por meio do fortalecimento e da consolidaccedilatildeo da Agricultura Familiar
Tais questotildees demonstram a importacircncia das poliacuteticas puacuteblicas para a
manutenccedilatildeo a reproduccedilatildeo social e o fortalecimento da Agricultura Familiar destacando
173
que essa forma de produccedilatildeo eacute fundamental para o desenvolvimento regional sobretudo
para o fornecimento de alimentos
A eliminaccedilatildeo da Agricultura Familiar eacute uma preocupaccedilatildeo recorrente entre os
teoacutericos da Questatildeo Agraacuteria Ao analisar o processo de expansatildeo da soja em Mato
Grosso Barrozo (2010 p 45) considera que apesar do Estado se destacar como o
celeiro do Brasil sobretudo na produccedilatildeo e exportaccedilatildeo de gratildeos e algodatildeo ldquo[] para
onde iratildeo os milhares de Agricultores Familiares sem capital sem escolarizaccedilatildeo e sem
qualificaccedilatildeo teacutecnicaprofissional que ainda permanecem no campordquo
Algumas reflexotildees e concepccedilotildees apresentadas por Barrozo (2010) e
Abramovay (2006) subsidiaram as anaacutelises relativas agrave compreensatildeo dos problemas que
perpassam a Questatildeo Agraacuteria atual no Brasil e especificamente nos assentamentos
rurais de Vila Rica-MT e dos seus agricultores familiares Diante desse cenaacuterio analisar
as Poliacuteticas Puacuteblicas oriundas de demandas dos movimentos sociais Sindicatos dos
Trabalhadores Rurais e diferentes agentes histoacutericos tornou-se fundamental para
compreender o universo da Agricultura Familiar no municiacutepio de Vila Rica-MT nas
deacutecadas de 1990 a 2010
Esta pesquisa ajudou-nos compreender que os estudos sobre os assentamentos
rurais devem ser problematizados no sentido de se pensar a complexidade do processo
de sua criaccedilatildeo uma vez que eles natildeo foram instituiacutedos apenas enquanto um ato
administrativo do INCRA criando o assentamento rural e selecionando as famiacutelias que
seriam beneficiadas Os assentamentos rurais de Vila Rica-MT resultaram dos conflitos
e demandas sociais envolvendo diferentes atores histoacutericos que lutaram pelo direito de
acesso agrave terra Dos oito assentamentos rurais de Vila Rica apenas um foi planejado
pelo INCRA Todos os demais resultaram da reocupaccedilatildeo espontacircnea da terra pelos
posseiros
Outra questatildeo que nos chamou atenccedilatildeo na pesquisa foi o processo de
transformaccedilatildeo da situaccedilatildeo de posseiros para a de agricultores familiares lembrando que
agricultor familiar eacute uma categoria social instituiacuteda a partir da criaccedilatildeo do Programa de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) Considera-se agricultores familiares as
famiacutelias que trabalham em atividades rurais que natildeo possuem aacutereas acima de que 4
(quatro) moacutedulos fiscais A maioria utiliza matildeo de obra da proacutepria famiacutelia na produccedilatildeo
174
econocircmica do lote detendo um percentual da renda familiar originada de atividades
econocircmicas do seu estabelecimento ou empreendimento (INCRA 2006)
No caso de Vila Rica vaacuterios dos colonos que compraram terra da
Colonizadora Vila Rica-MT sofreram uma transformaccedilatildeo significativa alguns perderam
essa terra e se tornaram posseiros ao ocupar uma nova aacuterea Muitos colonos perderam a
terra porque natildeo conseguiram pagar a diacutevida com o Banco do Brasil contraiacuteda para
financiar a compra dos lotes e instrumentos utilizados nas atividades agriacutecolas A perda
da terra obrigou tais colonos a trabalhar como assalariados sendo que parte deles
ocupou terras na aacuterea dos assentamentos rurais Bom Jesus e Santo Antocircnio do Beleza
regularizada posteriormente pelo INCRA e seus ocupantes se tornaram agricultores
familiares sobretudo ao acessar o Pronaf
Consideramos importante destacar que os assentamentos rurais do municiacutepio
de Vila Rica-MT revelam-se produtivos e promissores do desenvolvimento regional
assumindo um lugar de destaque na economia local sobretudo no que se refere agrave
produccedilatildeo de leite
No mais destaca-se que os assentamentos rurais de Vila Rica e do Araguaia
Mato-grossense satildeo espaccedilos carentes de outras pesquisas e reflexotildees sobre a
importacircncia da Agricultura Familiar no que diz respeito agrave seguranccedila alimentar da aacuterea e
que natildeo foi foco da presente pesquisa
175
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Aacuterea de concentraccedilatildeo Linha de pesquisa Territoacuterios Temporalidade e Poder
Cuiabaacute 2016
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A TRANSFORMACcedilAtildeO DE POSSEIROS EM AGRICULTORES FAMILIARES HISTOacuteRIA E MEMOacuteRIA DA REOCUPACcedilAtildeO DE VILA RICA-MT (1980- 2010) Maria do Rosaacuterio Soares Lima -- 2016 179 f
il color 30 cm
Orientador Joatildeo Carlos Barrozo Co-orientador Regina Beatriz Guimaratildees Neto Dissertaccedilatildeo (mestrado) - Universidade Federal de Mato Grosso Instituto de Ciecircncias
Humanas e Sociais Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Cuiabaacute 2016 Inclui bibliografia
1 Histoacuteria 2 Agricultura Familiar 3 Mato Grosso 4 Vila Rica 5 Araguaia I Tiacutetulo
AGRADECIMENTOS
Na realizaccedilatildeo desse trabalho foram muitos os caminhos percorridos muitas
idas e vindas e muitas pessoas encontradas as quais me legaram oacutetimas contribuiccedilotildees
aprendizados e liccedilotildees que foram fundamentais na construccedilatildeo da minha trajetoacuteria
acadecircmica Por isso sou imensamente grata pela a colaboraccedilatildeo direta e indireta dessas
pessoas assim como o apoio das instituiccedilotildees sem as quais certamente eu natildeo teria
conseguido concluiacute-la Manifesto a minha gratidatildeo a todas elas e de forma especial
- Agrave Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) atraveacutes do Programa de
Poacutes Graduaccedilatildeo em Histoacuteria
- Ao meu orientador Professor Joatildeo Carlos Barrozo pela paciecircncia
conhecimento compreensatildeo e amizade na conduccedilatildeo dos trabalhos e na superaccedilatildeo dos
desafios
- Ao professor Joatildeo Ivo Puhl e agrave professora Regina Beatriz (minha co-
orientadora) que participaram das bancas de qualificaccedilatildeo e defesa de dissertaccedilatildeo pelas
importantes contribuiccedilotildees e sugestotildees para melhoria do trabalho
- Aos professores Leandro Rust Renilson Rosa Ribeiro Joanoni Vitale Neto
Joseacute Manuel Marta Osvaldo Machado Filho e a Thaiacutes Leatildeo Oliveira os quais me
possibilitaram boas aprendizagens atraveacutes das disciplinas que ministraram no periacuteodo
em que frequentei as aulas do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria da UFMT
- Aos colegas do mesmo Programa agradeccedilo pelo privileacutegio da convivecircncia
Foi muito bom partilhar conhecimentos e experiecircncias alegrias anguacutestias e materiais
nos ricos debates em sala de aula e tambeacutem nos momentos de descontraccedilatildeo nos
trabalhos em grupo E agradeccedilo em especial agrave Juliana Cristina Rosa uma grande amiga
que o Mestrado me proporcionou Obrigada ldquoJurdquo pelas conversas e pelos trabalhos
produzidos em conjunto
- Agrave Secretaria de Estado de Educaccedilatildeo de Mato Grosso (SeducndashMT) via a
minha unidade de lotaccedilatildeo profissional - Escola Estadual Vila Rica por viabilizar a
minha Licenccedila para a qualificaccedilatildeo profissional
- Aos profissionais da Escola Estadual Vila Rica por compartilharem comigo
os saberes e o exerciacutecio da docecircncia na Educaccedilatildeo Baacutesica Milene Medeiros de Oliveira
Vacircnia Horner Izaildes Cacircndida Aline Flores Raquel Nascimento Franciani
Gaspareto Eduardo Cavalcante Joseacute Adelson Claudete e Deusdeste Vasconcelos
Iraneide Dorcas Diolina Edileusa Maria Joseacute Ceacutelia Maria Vando Cristiana Aragatildeo
Fabiane Rizzardo Iadne Teodoro Wilson Sirino Socorro Gomes Eliezer e os demais
amigos e colegas de trabalho
- Ao Coletivo do Foacuterum Permanente de Debates da Educaccedilatildeo de Jovens e
Adultos ndash Araguaia - Xingu em especial ldquoagraves minhas irmatildes de coraccedilatildeordquo Ceacutelia Ferreira
Edineth Franccedila e Terezinha de Jesus
- Agrave Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat) atraveacutes do Programa
Parceladas e ao Campus Universitaacuterio do Meacutedio Araguaia por permitir que eu
conciliasse as atividades do mestrado com as atividades profissionais
- Aos acadecircmicos do curso de Ciecircncias Sociais- UNEMAT ldquomeus projetos
de cientistas sociaisrdquo sou eternamente grata pelo carinho e apoio que me
proporcionaram A nossa convivecircncia tornou-me uma pessoa melhor
- Aos meus colegas de trabalho da UNEMAT Luis Antonio Barbosa Soares
Neures Batista de Paula Andreacuteia da Silva Feitosa Faacutebio Junio Ribeiro Faacutebio
Bombarda Analucia Ribeiro de Souza Dimas Santana Neves Flaacutevio Luiz de Paula
Jackson Joseacute Carlos de Lima Renata Cristina Diva e Socorro Arauacutejo
- Aos meus familiares (Laura Beatriz Joatildeo Pedro Carlos Augusto Vocirc
Raimundo Abratildeo Edival Edith Elcivam Erivaldo Ivone Lourival Irene Carlos
Pitaacutegoras Dayane Gabriela Milena Sara e Eduardo) E a minha famiacutelia estendida
(Nonato Gracy Edson Flaacutevio Cida Elena Brizola Denilson Lucia Helena e Tunico)
pelo carinho e a solidariedade dedicada aos meus filhos
Aos Agricultores Familiares dos assentamentos rurais (Bom Jesus Satildeo Joseacute
Satildeo Gabriel Ipecirc Itaporatilde do Norte Alvorada Aracati e Santo Antocircnio do Beleza) e aos
movimentos sociais de luta pela terra no Araguaia mato-grossense em especial ao
Sindicato dos Trabalhadores Rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT
Aos meus filhos Laura Beatriz Lima Joatildeo Pedro Lima Bailatildeo e Carlos
Augusto Lima Bailatildeo
Por onde passei plantei a cerca farpada plantei a queimada
Por onde passei plantei a morte matada
Por onde passei matei a tribo calada a roccedila suada a terra esperada
Por onde passei tendo tudo em lei eu plantei o nada
(Pedro Casaldaacuteliga- Confissotildees do latifuacutendio 2006)
RESUMO
Este texto tem como propoacutesito apresentar algumas reflexotildees sobre a formaccedilatildeo dos
assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT atraveacutes da luta pela terra na deacutecada
de 1990 e as posteriores transformaccedilotildees e a na consolidaccedilatildeo da Agricultura Familiar
correlacionada com Poliacuteticas Puacuteblicas como o Pronaf Mas para atingir esse objetivo
foi necessaacuterio analisar como a luta pela terra se deu em todo o espaccedilo do Araguaia
mato-grossense fronteira de expansatildeo nas deacutecadas de 1950 em duas frentes a primeira
foi realizada por empresas colonizadoras que elaboraram projetos e executaram a
construccedilatildeo de cidades e venda das terras dos municiacutepios de Confresa e Vila Rica a
segunda atraveacutes de empresas agropecuaacuterias que se apropriaram de terras e tiveram
acesso agrave incentivos fiscais e recursos de projetos junto agrave Sudam Logo para
compreender como ocorreu a formaccedilatildeo dos assentamentos rurais de Vila Rica-MT foi
preciso analisar a formaccedilatildeo de fazendas e empresas agropecuaacuterias que apoacutes o fim dos
incentivos fiscais se tornaram improdutivas e que seus ldquoproprietaacuteriosrdquo criaram
estrateacutegias de comercializar as terras junto ao INCRA utilizando para isso a forma de
desapropriaccedilatildeo para a formaccedilatildeo de assentamentos rurais Paralelamente os posseiros
em meio agrave luta pela terra adotaram estrateacutegias de reocupaccedilatildeo dessas aacutereas para depois
solicitar junto ao oacutergatildeo competente a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria dos lotes conquistados
Dentro dessa configuraccedilatildeo social o municiacutepio de Vila Rica-MT formou em seu
territoacuterio oito assentamentos rurais dos quais quatro (Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Aracaty e
Ipecirc) tiveram uma anaacutelise mais aprofundada a partir de dados quantitativos coletados
pela Empaer que demonstram algumas tendecircncias sobre as condiccedilotildees de vida renda
produccedilatildeo comercializaccedilatildeo dentre esses posseiros que com a regularizaccedilatildeo da terra e o
acesso ao Pronaf se tornaram agricultores familiares e responsaacuteveis por uma
significativa produccedilatildeo de leite e gado de corte na aacuterea Para compreender toda essa
complexa transformaccedilatildeo foi utilizada fontes documentais e orais que forneceram
elementos para uma anaacutelise sobre esse processo
Palavras-chave Histoacuteria Agricultura Familiar Mato Grosso Vila Rica Araguaia
RESUMEN
Este texto tiene como objetivo presentar un ejercicio de reflexioacuten sobre la formacioacuten de
los Asentamientos Rurales de Vila Rica-MT Estas reflexiones se derivan de una
investigacioacuten en curso denominado reocupacioacuten de tierras en el periacuteodo
contemporaacuteneo en el norte de Araguaia micro-regioacuten en el estado de Mato Grosso
Esta investigacioacuten tuvo como objetivo comprender el proceso de formacioacuten de los
Asentamientos Rurales en el municipio de Vila Rica-MT en el periacuteodo de 1980 a 2015
Habiacutea estudiado la historia de los asentamientos rurales de Vila Rica tambieacuten significa
la comprensioacuten de la historicidad de la lucha por el proceso de la tierra en el estado de
Mato Grosso ya que esta ciudad (Vila Rica) no surge espontaacuteneamente Nacido en un
contexto se produjeron en la regioacuten de Araguaia a la altura del proceso de reocupacioacuten
dos frentes los proyectos agriacutecolas financiados proyectos Sudam y colonizacioacuten
privada lo que dio lugar a la formacioacuten de otros municipios asiacute como Vila Rica como
Confresa Agua Boa y Canarana En este periacuteodo el norte del estado de Mato Grosso
convertido en el objetivo de la inversioacuten de los grupos empresariales del sur y sureste
del paiacutes el estado transferido al sector privado a la funcioacuten para reordenar la nueva
ocupacioacuten de estos espacios A partir de los datos recogidos construir un marco que
permita la identificacioacuten de las diferentes formas de ocupacioacuten y la reocupacioacuten de la
tierra asiacute como los tipos de uso y disentildeo de la funcioacuten de los asentamientos rurales en la
regioacuten de Araguaia Establecer una relacioacuten de este evento con las otras regiones del
estado en relacioacuten con las poliacuteticas de tenencia de la tierra en la ocupacioacuten previa a la
solucioacuten y la presencia de proyectos agriacutecolas la colonizacioacuten privada y asentamientos
rurales El municipio de Vila Rica comenzoacute con los proyectos agriacutecolas luego se
transformoacute en proyecto de colonizacioacuten privada y finalmente creoacute 08 asentamientos
rurales Estos objetivos se exponen en las cadenas de produccioacuten de la regioacuten de los
impactos de las poliacuteticas puacuteblicas implementadas en las deacutecadas 1990-2000 Se hace
hincapieacute en que esta investigacioacuten tambieacuten busca identificar la influencia del Programa
de Fortalecimiento de la Agricultura Familiar (Pronaf) en el desarrollo de los
asentamientos rurales de Villa Rica
Palabras clave Historia reocupacioacuten de tierras en Araguaia Vila Rica-MT
Asentamientos Rurales
LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES
Figura 01 - Mapa de Propaganda da Colonizadora Vila Rica 34
Figura 02 - Folder de propaganda da Colonizadora Vila Rica 38
Figura 03 - Planta ou Protejo Urbaniacutestico da cidade de Vila Rica 40
Figura 04 - Croqui de localizaccedilatildeo das fazendas 53
Figura 05 - Carta do Sindicato dos Trabalhadores de Vila Rica ao INCRA (1990) 69
Figura 06 - Carta da Alemanha 83
Figura 07 - Documento de denuacutencia de ameaccedila de morte de posseiro 86
Figura 08 - Fotografias dos Teacutecnicos da Empaer em visita aos assentamentos rurais 98
Figura 09 - Fotografias da Apresentaccedilatildeo do Programa de Ates 98
Figura 10 - Fotografias de corpos d‟aacutegua e mata ciliar 131
Figura 11- Fotografias das aacutereas de pastagens nos Assentamentos Rurais 132
Figura 12 - Fotografias das Estradas dos Assentamentos Rurais 134
Figura 13 - Croqui do Assentamento Rural Satildeo Joseacute 134
Figura 14 - Croqui do Assentamento Rural Satildeo Gabriel 135
Figura 15 - Croqui do Assentamento Rural Ipecirc 135
Figura 16 - Croqui Assentamento Rural Aracat 136
Figura 17 - Graacutefico com dados da evoluccedilatildeo dos creacuteditos Pronaf 152
Figura 18 - Graacutefico com dados da distribuiccedilatildeo dos creacuteditos Pronaf 152
LISTA DE TABELA
Tabela 1 assentamentos rurais de Vila Rica-MT 66
Tabela 2 Produtos que satildeo destinados a Alimentaccedilatildeo da Famiacutelia 104
Tabela 3 Faixa etaacuteria dos assentados 105
Tabela 4 Escolaridade dos assentados 106
Tabela 5 Presenccedila de energia eleacutetrica nos assentamentos rurais 108
Tabela 6 Fonte de Aacutegua nos assentamentos rurais 109
Tabela 7 Qualidade da aacutegua nos assentamentos rurais 110
Tabela 8 Frequecircncia da realizaccedilatildeo de exames de sauacutede 111
Tabela 9 Acesso aos serviccedilos de sauacutede 111
Tabela 10 Uso do remeacutedio caseiro 112
Tabela 11 Nuacutemero de assentados que declararam morar no assentamento rural 112
Tabela 12 Percentual de participaccedilatildeo da Renda dos assentados 117
Tabela13 Produccedilatildeo agriacutecola (em Kg) 117
Tabela 14 Assentados que praticam Culturas de Subsistecircncia 118
Tabela 15 Tipo de pecuaacuteria explorada por propriedade (famiacutelias) 118
Tabela 16 Frequecircncia do consumo de proteiacutena animal na alimentaccedilatildeo 119
Tabela 17 Dados de produccedilatildeo de leite por nordm de vacas 119
Tabela 18 Nuacutemero de Famiacutelia e Resfriamento do leite 120
Tabela 19 Comercializaccedilatildeo da Produccedilatildeo dos assentamentos 121
Tabela 20 Associativismo no Aracati Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel e Ipecirc 121
Tabela 21 Tipos de preparo do solo por nordm de famiacutelias 124
Tabela 22 Tipos de sementes cultivadas nos assentamentos rurais 124
Tabela 23 Tipos de plantio cultivados nos assentamentos rurais 125
Tabela 24 Tipo de adubaccedilatildeo do solo realizado pelos assentados por famiacutelia 125
Tabela 25 Conservaccedilatildeo do solo (por nuacutemero de Famiacutelias) 126
Tabela 26 Rotaccedilatildeo de Culturas nos assentamentos rurais 126
Tabela 27 Tipo de combate agraves pragas (por nuacutemero de famiacutelias) 127
Tabela 28 Tipo de lavagem triacuteplice de embalagens vazias de agrotoacutexicos 127
Tabela 29 Destino das embalagens de agrotoacutexicos vazias 128
Tabela 30 Tipo de colheita por famiacutelia 128
Tabela 31 Tipo de armazenamento da produccedilatildeo (por nuacutemero de famiacutelia) 129
Tabela 32 Situaccedilatildeo de degradaccedilatildeo de solo nos assentamentos rurais 129
Tabela 33 Existecircncia de nascentes sem proteccedilatildeo (nuacutemero de propriedades) 130
Tabela 34 Existecircncia de degradaccedilatildeo de matas ciliares 130
Tabela 35 Situaccedilatildeo de degradaccedilatildeo das pastagens (por nuacutemero de propriedade) 131
Tabela 36 Uso de fogo no manejo do solo (por propriedade) 132
Tabela 37 Creacutedito Rural - nordm de Famiacutelia 154
Tabela 38 Finalidade do Creacutedito Rural - nordm de Famiacutelias 155
Tabela 39 Tipo de Pronaf por nuacutemero de Famiacutelias 155
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ATER ndash Assistecircncia Teacutecnica e Extensatildeo Rural
Ates ndash Programa de Assessoria Teacutecnica Social e Ambiental agrave Reforma Agraacuteria
Bndes ndash Banco Nacional de Desenvolvimento
CNA ndash Confederaccedilatildeo Nacional da Agricultura
CNBB ndash Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil
CONAB ndash Campanha Nacional de Abastecimento
CONTAG ndash Confederaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores da Agricultura
CPT ndash Comissatildeo Pastoral da Terra
CUT ndash Central Uacutenica dos trabalhadores
DNT ndash Departamento Nacional dos Trabalhadores da CUT
Embrapa ndash Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuaacuteria
Empaer ndash Empresa Mato-Grossense de Pesquisa e Extensatildeo Rural SA
Febraban - Federaccedilatildeo Brasileira de Bancos
Fetag ndash Federaccedilatildeo dos Trabalhadores na Agricultura
Fetraf ndash Federaccedilatildeo dos Trabalhadores e Trabalhadores na Agricultura Familiar
GESTAR ndash Projeto Nacional de Gestatildeo Ambiental Rural
IBGE ndash Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
INCRA ndash Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria
Indea ndash Instituto de Defesa Agropecuaacuteria de Mato Grosso
IPAM ndash Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazocircnia
MAB ndash Movimento dos Atingidos por Barragens
MCP ndash Movimento Camponecircs Popular
MDA ndash Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio
Mercosul ndash Mercado Comum do Sul
MMA ndash Ministeacuterio do Meio Ambiente
MME ndash Ministeacuterio de Minas e Energia
MPA ndash Movimento dos Pequenos Agricultores
MS ndash Ministeacuterio de Sauacutede
MST ndash Movimentos dos Trabalhadores Sem-Terra
OGU ndash Orccedilamento Geral da Uniatildeo
PA ndash Projeto de Assentamento
PAA ndash Programa Nacional de Aquisiccedilatildeo de Alimentos
Pda ndash Plano de Desenvolvimento de Assentamento Rural
PTDRS ndash Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentaacutevel do Territoacuterio Rural
PNAE ndash Programa Nacional de Alimentaccedilatildeo Escolar
PNHR ndash Programa Nacional de Habitaccedilatildeo Rural
PNSIPCF - Poliacutetica Nacional de Sauacutede Integral das Populaccedilotildees do Campo e da Floresta
Pronaf - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Proterra ndash Programa de Redistribuiccedilatildeo de Terras e de Estiacutemulo agrave Agroinduacutestria do
Norte
Provape ndash Programa de Valorizaccedilatildeo da Pequena Produccedilatildeo Rural
Sebrae ndash Serviccedilo Brasileiro de Apoio o Micro e Pequenas Empresas
Senai ndash Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Industrial
Senar ndash Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Rural
Servap ndash Serviccedilo Auxiliares da Agropecuaacuteria
SNCR ndash Sistema Nacional de Credito Rural
STR ndash Sindicato dos Trabalhadores Rurais
Sudam ndash Superintendecircncia de Desenvolvimento da Amazocircnia
SUS ndash Sistema Uacutenico de Sauacutede
UDR ndash Uniatildeo Democraacutetica Ruralista
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 16
1 A QUESTAtildeO AGRAacuteRIA EM MATO GROSSO HISTOacuteRIA OCUPACcedilAtildeO E
REOCUPACcedilAtildeO DO ARAGUAIA MATO-GROSSENSE 24
11 A reocupaccedilatildeo pelas agropecuaacuterias e empresas colonizadoras Anos de 1960 a 1980
27
12 A criaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica-MT 33
121 O papel das instituiccedilotildees e oacutergatildeo puacuteblicos as empresas agropecuaacuterias e a
colonizadora 49
122 A Servap e a abertura das fazendas Promissatildeo Satildeo Marcos Aracatiacute e Porongaba
52
13 Anos de 1980 a 1990 o Araguaia e a formaccedilatildeo dos assentamentos rurais 55
2 MEMOacuteRIAS DA REOCUPACcedilAtildeO HISTORICIZANDO OS
ASSENTSAMENTOS RURAIS DE VILA RICA-MT (1980-2010) 65
21 A transformaccedilatildeo das fazendas agropecuaacuterias em assentamentos rurais atraveacutes da luta
pela terra 65
22 Os assentamentos rurais de Vila Rica ndash MT 71
221 O Assentamento Rural Satildeo Joseacute 73
222 O Assentamento Rural Ipecirc 79
223 O Assentamento Rural Aracati 82
224 O Assentamento Rural Satildeo Gabriel 84
225 O Assentamento Rural Itaporatilde do Norte 86
226 O Assentamento Rural Bom Jesus 87
227 O Assentamento Rural Santo Antocircnio do Beleza 93
228 O Assentamento Rural Alvorada 94
Consideraccedilotildees gerais sobre os assentamentos de Vila Rica-MT 95
3 SITUACcedilAtildeO SOCIOECONOcircMICA DOS ASSENTAMENTOS SAtildeO JOSEacute SAtildeO
GABRIEL IPEcirc E ARACATI (2006-2010) 97
31 Os assentamentos rurais na perspectiva do Projeto de Assessoria Teacutecnica Social e
Ambiental agrave Reforma Agraacuteria ndash Ates 99
32 O perfil dos assentados gecircnero idade e escolaridade 101
321 Diferenciaccedilatildeo de Gecircneros predominacircncia masculina e papel da mulher 102
322 Perfil etaacuterio indicadores de uma populaccedilatildeo envelhecida 104
323 Perfil de escolaridade dos assentados 106
33 As Condiccedilotildees de vida nos assentamentos rurais luz eleacutetrica aacutegua sauacutede moradia e
infraestrutura 107
331 Energia Eleacutetrica 108
332 Aacutegua 108
333 Sauacutede 110
334 Moradia 112
335 Infraestrutura equipamentos e Tecnologias 113
34 A Produccedilatildeo a renda comercializaccedilatildeo e circulaccedilatildeo da Agricultura Familiar 116
341 A renda nos quatro Projetos de assentamentos rurais de Vila Rica-MT 116
342 Atividades Agriacutecolas a produccedilatildeo econocircmica e a de subsistecircncia 117
343 Pecuaacuteria e criaccedilatildeo de pequenos animais 118
344 Comercializaccedilatildeo e Associativismo 120
35 Teacutecnicas e niacutevel tecnoloacutegico dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e
Aracati 123
351 Teacutecnicas de uso do Solo plantio combate de pragas colheita 124
36 A questatildeo ambiental nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT 129
37 Algumas consideraccedilotildees sobre os impactos de poliacuteticas puacuteblicas nos assentamentos
Satildeo Joseacute satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati 133
4 AS POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS NOS ASSENTAMENTOS SAtildeO JOSEacute SAtildeO
GRABRIEL IPEcirc E ARACATI 139
41 O debate sobre o Pronaf 139
42 O papel dos Movimentos sociais na criaccedilatildeo do Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar na deacutecada de 1990 143
43 O Pronaf e seus objetivos 146
44 O Pronaf no Araguaia mato-grossense 148
45 O Pronaf nos assentamentos Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati 154
46 Outras Poliacuteticas Puacuteblicas nos assentamentos Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati 155
461 Programa Luz para todos 156
462 Arco Verde questatildeo ambiental 158
463 Programa Balde Cheio 160
464 Programas de Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional e Teacutecnica do assentado 162
465 Programa de Sauacutede no Campo 167
466 Programa Nacional de Habitaccedilatildeo 169
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 172
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 175
16
INTRODUCcedilAtildeO
Em tempos diversos muitas foram as razotildees que moveram pesquisadores na
aacuterea da histoacuteria a desenvolver estudos em torno de questotildees fundamentais para
compreensatildeo do homem no tempo e suas formas de organizaccedilatildeo as quais se aproximam
e se distanciam no tocante a suas formas de abranger fenocircmenos que circularam em um
ou outro grupo social este ou aquele projeto de sociedade Em suas entranhas as
relaccedilotildees de forccedilas estabelecidas para sua fundaccedilatildeo consolidaccedilatildeo e transformaccedilatildeo
pendulando do individual ao coletivo do solitaacuterio ao solidaacuterio em uma complexa teia
ancorada em seus atores sociais e respectivos projetos de vida O mundo rural apresenta
diversidades e especificidades que igualmente moveram pesquisas e reflexotildees
historiograacuteficas No entanto tratando-se de assentamentos rurais no periacuteodo poacutes 1964
satildeo poucos os estudos historiograacuteficos que abordam esse tipo de organizaccedilatildeo social e
poliacutetica atraveacutes de estudos de caso
Diante dessa carecircncia historiograacutefica sobre a temaacutetica a presente pesquisa
teve por objetivo principal a compreensatildeo da formaccedilatildeo e o processo de
desenvolvimento dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT A partir
desse estudo foi possiacutevel identificar que a luta pela terra implementada pelos atores
sociais na condiccedilatildeo de colonos posseiros atrelada agrave regularizaccedilatildeo fundiaacuteria e ao acesso
agraves poliacuteticas puacuteblicas como eacute o caso do Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (Pronaf) possibilitou a transformaccedilatildeo dos mesmos em agricultores
familiares
Para tanto foi problematizado o papel e a atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees e oacutergatildeos
puacuteblicos como o Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (INCRA) o
Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio (MDA) o Banco do Brasil (BB) a Empresa
Mato-grossense de Pesquisa e Extensatildeo Rural SA (Empaer) e a Prefeitura Municipal de
Vila Rica aleacutem de movimentos sociais da sociedade civil como o Sindicato dos
Trabalhadores Rurais (STR) de Vila Rica-MT dada a importacircncia do seu envolvimento
Destacamos em particular a Comissatildeo Pastoral da Terra (CPT) a Prelazia de Satildeo Feacutelix
do Araguaia o Sindicato dos Trabalhadores Rurais e as Associaccedilotildees de Pequenos
Produtores Rurais Consideramos que para intensificar a anaacutelise foi necessaacuterio abordar
as accedilotildees e estrateacutegias dos atores sociais envolvidos na luta pela terra especialmente nos
17
momentos de adaptaccedilatildeo ou utilizaccedilatildeo de tais oacutergatildeos e instituiccedilotildees para cumprir seus
objetivos o acesso e a permanecircncia na terra
Natildeo temos a pretensatildeo de esgotar o assunto tampouco construir teses
aligeiradas sobre as comunidades e grupos sociais formados no municiacutepio de Vila Rica-
MT mas sim na trilha da anaacutelise soacutecio-histoacuterica compreender a formaccedilatildeo e o processo
de desenvolvimento dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT
problematizando o papel e a atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees e entidades da sociedade civil
aleacutem dos oacutergatildeos puacuteblicos
Gostariacuteamos de esclarecer que as anaacutelises partem de uma posiccedilatildeo social de
moradora educadora e participante de movimentos sociais do Araguaia O
conhecimento empiacuterico dos problemas locais permitiu a formulaccedilatildeo de questotildees
fundamentadas em aspectos pouco estudados assim como perceber a necessidade de a
populaccedilatildeo formular reflexotildees sobre os assentamentos rurais e a Agricultura Familiar
num contexto onde existe um evidente avanccedilo da agricultura moderna e do agronegoacutecio
Com base em algumas experiecircncias vividas elaboramos questotildees
consideradas como significativas para problematizar as condiccedilotildees e circunstacircncias sob
as quais se deram a formaccedilatildeo e a consolidaccedilatildeo dos assentamentos rurais em Vila Rica-
MT As questotildees norteadoras foram Como ocorreu o processo de formaccedilatildeo dos
assentamentos rurais no municiacutepio de Vila Rica-MT Quais foram as estrateacutegias de
resistecircncia e articulaccedilatildeo utilizadas nas lutas pela terra pelos ldquoposseirosrdquo no processo de
formaccedilatildeo desses assentamentos rurais Como os posseiros se transformaram em
agricultores familiares e qual foi o papel do Pronaf nesse processo Quais satildeo as outras
Poliacuteticas Puacuteblicas adotadas que contribuiacuteram para a permanecircncia desses atores sociais
na terra
A partir dessas questotildees adotamos diferentes procedimentos metodoloacutegicos
tendo por base o uso de fontes escritas imageacuteticas e orais Primeiramente se buscou
fontes que permitissem analisar a atuaccedilatildeo da Associaccedilatildeo Sindical dos Posseiros
(Sindicato dos Trabalhadores Rurais) e da Conferecircncia Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB) via CPT da circunscriccedilatildeo eclesiaacutestica ndash Prelazia de Satildeo Feacutelix do Araguaia os
quais foram fundamentais na intermediaccedilatildeo com os oacutergatildeos puacuteblicos na defesa da vida e
do projeto dos ldquoposseirosrdquo pois aleacutem de fazer frente aos conflitos e ameaccedilas de morte
vivenciada na luta pela terra empreenderam accedilotildees poliacutetica em defesa da proposta de
18
Reforma Agraacuteria Eis a razatildeo pela qual dedicamos esforccedilos no sentido de analisar como
tais entidades articularam mobilizaccedilotildees e empreenderam accedilotildees para que os
trabalhadores rurais pudessem pleitear e conquistar as condiccedilotildees necessaacuterias para a
sobrevivecircncia e o fortalecimento dos assentamentos rurais
Ressaltamos que os contextos e as fontes utilizadas para a construccedilatildeo desta
narrativa histoacuterica pautada no processo de implantaccedilatildeo dos assentamentos rurais satildeo
muacuteltiplas dada a complexidade dos elementos narrativos muitos dos quais satildeo
divergentes e ateacute mesmo contraditoacuterios Tal constataccedilatildeo se deve ao envolvimento de
atores histoacutericos com diferentes concepccedilotildees relativas agrave funccedilatildeo e aos modos de usos da
terra uma vez que os ldquoposseirosrdquo tecircm diferenciaccedilotildees sociais entre si e os objetivos da
posse da terra natildeo satildeo uacutenicos podendo ser tanto o uso da terra para ldquomorar e plantarrdquo
dentro da concepccedilatildeo claacutessica da Conferecircncia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
quanto para apenas morar e criar gado sem produccedilatildeo agriacutecola ou apenas morar e
trabalhar fora da aacuterea da posse Em casos mais extremos o posseiro aluga ou ldquovende o
direitordquo do lote conquistado mas esse fato natildeo pode ser analisado de forma mecacircnica
sem problematizaccedilatildeo nos interessa tambeacutem compreender o que faz com que um
posseiro natildeo permaneccedila na terra
Diante dessa situaccedilatildeo satildeo muacuteltiplas as respostas desde a simples intenccedilatildeo de
comercializaccedilatildeo e especulaccedilatildeo fundiaacuteria como a falta de Poliacuteticas Puacuteblicas e de boas
condiccedilotildees de educaccedilatildeo e qualidade de vida Tais explicaccedilotildees atreladas a outras
motivaccedilotildees resultam num constante esvaziamento da populaccedilatildeo jovem das aacutereas rurais
em busca de educaccedilatildeo trabalho e oportunidades nos centros urbanos Tambeacutem a
populaccedilatildeo envelhecida deixa os assentamentos em busca de assistecircncia na aacuterea de sauacutede
e cuidados oferecidos pela famiacutelia Toda essa situaccedilatildeo complexa explica os elementos
fundamentais para entender a falta de sucessatildeo familiar e o envelhecimento da
populaccedilatildeo rural sobretudo em aacutereas de assentamentos
Tendo em vista a temaacutetica de permanecircncia na terra as entrevistas permitiram
compreender o motivo de os posseiros comercializarem ou natildeo suas terras e de fazer
diferentes usos dela tanto para a agricultura quanto para a pecuaacuteria
Tambeacutem na formaccedilatildeo dos assentamentos rurais diferentes concepccedilotildees
aparecem nas anaacutelises das fontes orais obtidas em entrevistas com os primeiros
moradores e o colonizador de Vila Rica-MT que trouxe a memoacuteria e a narrativa oficial
19
sobre a criaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo do municiacutepio Consideramos como narrativa oficial a
produccedilatildeo de livros panfletos informaccedilotildees de sites da Prefeitura Municipal que em
geral satildeo utilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) Cidades
aleacutem de material publicitaacuterio produzido em datas comemorativas onde satildeo exaltadas as
figuras dos ldquopioneirosrdquo e ldquoempreendedoresrdquo
Por outro lado para ampliar o diaacutelogo obtivemos os relatos orais de
assentados posseiros agricultores familiares e representantes de instituiccedilotildees de
entidades da sociedade civil e dos movimentos sociais os quais foram analisados em
conjunto com a bibliografia sobre a Questatildeo Agraacuteria e reocupaccedilatildeo do Araguaia aleacutem da
utilizaccedilatildeo de fontes escritas e imageacuteticas mas tambeacutem de dados oficiais que nos
possibilitaram a compreensatildeo de maneira ampliada das circunstacircncias de produccedilatildeo
histoacuterica de um grupo social diferenciado das terras do Araguaia
Tecendo a narrativa consideramos que o estudo sobre a formaccedilatildeo dos
assentamentos rurais de Vila Rica-MT pode ser analisado na produccedilatildeo historiograacutefica
de micro-historiadores onde se exige ldquo[] um trabalho de contextualizaccedilatildeo muacuteltipla em
que cada ator histoacuterico participa de maneira proacutexima ou distante de processos ndash e de
niacuteveis variaacuteveis do mais local ao mais globalrdquo conforme Revel (1998 p 28) o qual
rompe com a dicotomia entre a histoacuteria local e a histoacuteria global entendendo que a
experiecircncia de um agente social de um grupo de um espaccedilo particular permite perceber
uma modulaccedilatildeo especiacutefica da histoacuteria global
Nossa narrativa possibilita refletir sobre o ofiacutecio do historiador tomando
como referecircncia a importacircncia dos discursos construiacutedos a partir do objeto em estudo
Sobretudo no que tange aos artifiacutecios utilizados para a produccedilatildeo de anaacutelises das fontes
Escreve Bloch (2002 p 68) ldquo[] uma ciecircncia natildeo se define apenas por seu objeto
Seus limites podem ser fixados tambeacutem pela natureza proacutepria dos seus meacutetodosrdquo
Nesse particular Moraes (2000) e Guimaratildees Neto (2014) alertam sobre a
necessidade de articular as fontes orais com sua competecircncia e habilidade
reorganizando os conceitos que serviratildeo de subsiacutedios agrave construccedilatildeo das anaacutelises a partir
da leitura e do cruzamento com outras tipologias de fontes
Portanto as fontes natildeo satildeo tratadas aqui como mananciais de ldquoverdaderdquo uma
vez que tomadas como fragmentos do acontecimento e enquanto resultado de memoacuterias
e narrativas sujeitas agrave seleccedilatildeo fragmentaccedilatildeo silenciamentos e esquecimentos As
20
concepccedilotildees trazidas por Pollak (1990) e Ricoeur (2007) implicam em serem avaliadas
e inseridas na conjuntura que gera a produccedilatildeo de sentidos e significados para a
historiografia
Ao privilegiar a analise dos excluiacutedos dos marginalizados e das
minorias a histoacuteria oral ressaltou a importacircncia de memoacuterias
subterracircneas que como parte integrante das culturas
minoritaacuterias e dominadas se opotildeem agrave Memoacuteria oficial no
caso a memoacuteria nacional Num primeiro momento essa
abordagem faz da empatia com os grupos dominados estudados
uma regra metodoloacutegica e reabilita a periferia e a
marginalidade [] A memoacuteria entra em disputa Os objetos de
pesquisa satildeo escolhidos de preferecircncia onde existe conflito e
competiccedilatildeo entre memoacuterias concorrentes (POLLAK 1989 p
3)
Com base nessa problematizaccedilatildeo sobre a Histoacuteria Oral e sua opccedilatildeo
metodoloacutegica e poliacutetica natildeo perdemos de vista que essa perspectiva eacute uma oposiccedilatildeo
agravequela produccedilatildeo historiograacutefica sobretudo a partir do Seacuteculo XIX quando se concebeu
a histoacuteria como a ciecircncia que estuda o passado que investiga os acontecimentos
longiacutenquos da contemporaneidade de forma que natildeo haja testemunhas vivas que
tenham vivenciado os acontecimentos Poreacutem a percepccedilatildeo da histoacuteria enquanto a
ciecircncia que ldquoestuda o passado para entender o presenterdquo permaneceu de forma muito
viva no entendimento social tornando problemaacutetica a anaacutelise do tempo presente como
objeto de estudo do historiador sob a oacutetica da historiografia e da proacutepria sociedade
contemporacircnea
Aproximamos nossas reflexotildees da anaacutelise de acontecimentos do presente ou
bem proacuteximas a este por entender que a proximidade natildeo produz quaisquer
impedimentos quanto agraves anaacutelises no acircmbito da ciecircncia histoacuterica Mesmo que essas
questotildees jaacute tenham algumas deacutecadas de discussotildees no Brasil tais estudos ainda satildeo
muito recentes carecendo de definiccedilotildees mais consistentes que possam do ponto de
visto teoacuterico e metodoloacutegico responder algumas perguntas que se apresentam quanto agrave
validade deste marco temporal da historiografia denominada como histoacuteria do tempo
presente
Segundo Guimaratildees Neto (2014 p 35) vaacuterios historiadores apresentam
significados complexos em relaccedilatildeo agrave questatildeo do tempo presente com destaque para
Koselleck (2006) que assegura que esse conceito tem sofrido alteraccedilotildees ao longo do
21
tempo ldquo[] Contrariamente agraves pretensotildees generalizadoras e naturalizaccedilotildees de toda
sorte a denominaccedilatildeo bdquotempo presente‟ nos escapa entre os dedos e eacute de difiacutecil
apreensatildeordquo Tal denominaccedilatildeo se transforma troca de conteuacutedo experimenta novas
formas de ldquoser presenterdquo Agrave luz da interpretaccedilatildeo de Guimaratildees Neto eacute possiacutevel afirmar
que a circulaccedilatildeo entre os novos e os velhos significados produz a ldquoconcreccedilatildeo e a
materializaccedilatildeo de um conceito novordquo (GUIMARAtildeES NETO 2014 p 35)
Todavia somos convidados a problematizar o que seria uma histoacuteria do
tempo presente suas peculiaridades especificidades limites e contribuiccedilotildees Nessa
acepccedilatildeo Guimaratildees Neto (2014 p 37) pondera ainda que
Situados cada vez mais no acircmbito desse debate muitos
historiadores operam com uma concepccedilatildeo de passado que natildeo
se situa ldquofora do presenterdquo na perspectiva pensada por
Koselleck ao afirmar que todas as histoacuterias satildeo histoacuterias do
tempo presente (vistas no presente que se dissolve eou no
presente que condensa) entendendo que isso tambeacutem
significa imprimir uma dimensatildeo mais dilatada agrave histoacuteria do
tempo presente A discussatildeo historiograacutefica que contempla as
interseccedilotildees metodoloacutegicas dessa problemaacutetica natildeo se ateacutem
apenas agrave noccedilatildeo da presenccedila incorporada do futuropassado no
presente Mas remete agrave reflexatildeo acerca das relaccedilotildees que se
estabelecem entre presente e futuro presente e passado e
especialmente ldquocomordquo essas proacuteprias relaccedilotildees se constituem
As relaccedilotildees suscitadas por todo esse conjunto de anaacutelises levam
tambeacutem a debater uma concepccedilatildeo de contemporaneidade
avaliando- a na perspectiva do entrelaccedilamento que se deve
estabelecer entre as dimensotildees sincrocircnica e diacrocircnica do tempo
histoacuterico
Ao tomarmos o vieacutes explicativo de um fenocircmeno presente analisando uma
sociedade viva os processos de organizaccedilatildeo dos assentamentos rurais no municiacutepio de
Vila Rica-MT e as relaccedilotildees estabelecidas com os sindicatos e demais organizaccedilotildees
sociais puacuteblicas e privadas pensamos corroborar com a produccedilatildeo da profissatildeo do
historiador um tempo intercalado de relaccedilotildees passado-presente pautando com os
rigores necessaacuterios na anaacutelise dos documentos histoacutericos como fonte
Em relaccedilatildeo agrave definiccedilatildeo de fonte histoacuterica pontuamos a concepccedilatildeo contida em
Silva amp Silva (2009 p 158)
[] o termo mais claacutessico para conceituar a fonte histoacuterica eacute
documento Palavra no entanto que devido agraves concepccedilotildees da
escola metoacutedica ou positivista estaacute atrelada a uma gama de
22
ideias preconcebidas significando natildeo apenas o registro escrito
mas principalmente o registro oficial
Igualmente afianccedilamos no presente trabalho a busca pela ampliaccedilatildeo das
lentes historiograacuteficas sobre os documentos bem como dos atores sociais visto que natildeo
mais limitado ao citadino mas agora revelando os assentamentos rurais e sua
organizaccedilatildeo condiccedilotildees de vida razotildees de luta ateacute entatildeo ignorados pelas paacuteginas dos
anais oficiais do natildeo dito invisiacutevel tornando visiacutevel verificaacutevel analisaacutevel e
mensuraacutevel
[] O alargamento daquilo que se entendia como documento
ocorreu de maneira qualitativa e quantitativa segundo nos
aponta Le Goff 1984 A memoacuteria coletiva e a histoacuteria passaram
a natildeo cristalizar o seu interesse apenas nos grandes homens nos
grandes acontecimentos na histoacuteria poliacutetica diplomaacutetica e
militar Todos os homens tornaram-se interesse da histoacuteria os
documentos foram ampliados a capacidade de trabalho e o
espiacuterito do historiador foram inovados (BARROS 2013 p 1)
A partir dessa problematizaccedilatildeo teoacuterica e metodoloacutegica foi possiacutevel situar o
objeto desta pesquisa dentro do escopo da histoacuteria do tempo presente Conforme
Delgado e Ferreira (2014 p10-11) a ldquoquestatildeo da terra e das poliacuteticas fundiaacuteriardquo
constituem objeto legiacutetimo dessa perspectiva Ademais destacando a posiccedilatildeo de
Guimaratildees Neto (2014) reforccedilamos que o foco analiacutetico satildeo os ldquoconflitos referentes agrave
questatildeo da terra e das poliacuteticas governamentais em especial as fundiaacuteriasrdquo
Adotando essa perspectiva analiacutetica as questotildees foram levantadas e
analisadas ao longo de quatro capiacutetulos sendo que o primeiro teve como objetivo
apresentar uma discussatildeo sobre a Questatildeo Agraacuteria em Mato Grosso sobretudo no
espaccedilo do Araguaia construiacutedo atraveacutes das pesquisas jaacute existentes inseridas no marco
temporal das deacutecadas de 1960 e 1970 Destacamos as caracteriacutesticas do processo de
reocupaccedilatildeo1 pelas agropecuaacuterias e colonizadoras e nas deacutecadas de 1980 a 1990 quando
nesse espaccedilo se constituiacuteram e se formaram os assentamentos rurais Ademais foi
analisado o processo de colonizaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica-MT
1 A concepccedilatildeo de Reocupaccedilatildeo embute uma concepccedilatildeo de que um determinado territoacuterio ou terra
natildeo era um espaccedilo vazio no qual havia presenccedila de povos tradicionais (indiacutegenas ribeirinhos
sertanejos seringueiros quilombolas) posseiros Na presente pesquisa usaremos e
problematizaremos essa noccedilatildeo de modo mais elaborado no primeiro capiacutetulo
23
O segundo capiacutetulo trata das configuraccedilotildees e modos de uso poliacutetico dos
espaccedilos na formaccedilatildeo dos assentamentos rurais bem como a luta pela regularizaccedilatildeo
fundiaacuteria dos 8 (oito) assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT
O terceiro capiacutetulo analisa os aspectos socioeconocircmicos da Agricultura
Familiar em Vila Rica-MT a partir dos resultados de uma pesquisa desenvolvida pela
Empaer (2009) junto aos assentamentos rurais de Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati
Tal pesquisa teve como objetivo principal explicar a realizaccedilatildeo dos Planos de
Desenvolvimento dos assentamentos rurais via projeto implementado pelo INCRA
E por fim no quarto capiacutetulo fizemos uma apresentaccedilatildeo das principais
Poliacuteticas Puacuteblicas integradas ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar como eacute o caso dos Programas Luz para Todos Arco Verde Balde Cheio
Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional e Teacutecnica do Assentado Sauacutede e Habitaccedilatildeo Rural
Trata-se tambeacutem do papel dos movimentos sociais do campo na implementaccedilatildeo dessas
poliacuteticas puacuteblicas frente agrave necessidade de serem criadas condiccedilotildees baacutesicas para a
permanecircncia dos agricultores familiares no campo uma vez que os assentamentos rurais
natildeo se formaram apenas pelo ato de regularizaccedilatildeo e acesso ao sistema de creacutedito
24
1 A QUESTAtildeO AGRAacuteRIA EM MATO GROSSO HISTOacuteRIA MEMORIAS
OCUPACcedilAtildeO E REOCUPACcedilAtildeO DO ARAGUAIA MATO-GROSSENSE
A proposta deste capiacutetulo inicial eacute fazer uma reconstituiccedilatildeo do processo de
reocupaccedilatildeo a partir da deacutecada de 1970 do espaccedilo Araguaia mato-grossense
denominado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) como
ldquomicrorregiatildeo Norte Araguaia do Estado de Mato Grossordquo Fazem parte desta
microrregiatildeo os municiacutepios de Bom Jesus do Araguaia Confresa Serra Nova Dourada
Novo Santo Antocircnio Alto da Boa Vista Satildeo Felix do Araguaia Luciara Ribeiratildeo
Cascalheira Santa Terezinha Vila Rica- MT Porto Alegre do Norte Canabrava Satildeo
Joseacute do Xingu e Santa Cruz do Xingu
No entanto eacute importante ressaltar que a denominaccedilatildeo ldquomicrorregiatildeo Norte
Araguaiardquo utilizada ao longo do texto possui complicadores em sua concepccedilatildeo ligada agrave
ideia de regiatildeo Eacute sabido que a definiccedilatildeo de regiatildeo concebida pelo IBGE eacute uma
imposiccedilatildeo de delimitaccedilatildeo juriacutedico-administrativa a qual conforme Bourdieu (2008) por
ter sido construiacuteda por meio do uso do Poder Estatal atribuiu uma visatildeo social atraveacutes
da divisatildeo e construccedilatildeo da unidade e da identidade entre os grupos Natildeo se constituiu
numa demarcaccedilatildeo com base em criteacuterios de homogeneidade da natureza de forma que
sejam respeitadas as diversidades e especificidades de grupos culturais
Albuquerque Juacutenior (2008) chama a atenccedilatildeo pela pouca importacircncia dada agrave
discussatildeo e compreensatildeo dos espaccedilos no desenvolvimento de estudos de cunho
historiograacutefico onde a regiatildeo passa a existir como um fenocircmeno da realidade que natildeo
carece de anaacutelises ou de problematizaccedilatildeo Ou seja natildeo haacute preocupaccedilatildeo com a
construccedilatildeo histoacuterica da concepccedilatildeo da regiatildeo que eacute analisada ldquo[] ora como um recorte
dado pela natureza ora como um recorte poliacutetico-administrativo ora como um recorte
cultural mas que parece natildeo ser fruto de um dado processo histoacutericordquo
(ALBUQUERQUE JUacuteNIOR 2008 p 57) Logo a regiatildeo eacute tida apenas como um
fenocircmeno precedente ldquoretalhordquo do espaccedilo constituiacutedo naturalmente um paracircmetro de
construccedilatildeo de identidade existente por si soacute
Problematizando a noccedilatildeo de regiatildeo delimitada por fronteiras juriacutedico-
administrativas Bourdieu (2008 p 115) afirma
25
A fronteira esse produto de um ato juriacutedico de delimitaccedilatildeo
produz a diferenccedila cultural do mesmo modo que eacute produto
desta basta pensar na accedilatildeo do sistema escolar em mateacuteria de
liacutengua para ver que a vontade poliacutetica pode desfazer o que a
histoacuteria tinha feito
Assim o autor problematiza o conceito de regiatildeo atraveacutes da diversidade da
liacutengua quando muitas vezes as delimitaccedilotildees satildeo estabelecidas sem levar em
consideraccedilatildeo as diferenccedilas culturais dos grupos eacutetnicos que convivem em um espaccedilo
uacutenico Um exemplo eacute a delimitaccedilatildeo territorial dos Estados Naccedilatildeo que como na Itaacutelia e
Alemanha englobam dentro de um mesmo territoacuterio considerado ldquohomogecircneo
culturalmenterdquo atraveacutes de uma liacutengua com diferentes leacutexicos e dialetos Eacute sabido que
atraveacutes da linguagem se reforccedila fixa e viabiliza os elementos de controle impostos
pelas classes dominantes uma vez que nem os proacuteprios intelectuais satildeo neutros em
produccedilotildees jaacute que estatildeo agindo dentro de um padratildeo que atende ou contraria interesses
dos grupos que exercem o poder na sociedade
Bourdieu (2008) afirma que os diferentes saberes satildeo produzidos sob o efeito
das relaccedilotildees de poder onde as disputas entre as ciecircncias pelo direito de qualificar a
regiatildeo satildeo ao mesmo tempo uma forma de disputa pelo poder Na concepccedilatildeo do autor
regiatildeo eacute uma construccedilatildeo simboacutelica resultante das disputas de diferentes aacutereas do
conhecimento pelo poder na definiccedilatildeo dos limites e sentidos a serem conferidos a uma
regiatildeo Ainda de acordo com Bourdieu (2008) a regiatildeo enquanto objeto de estudo eacute
constituiacuteda por um intenso debate que coloca em oposiccedilatildeo geoacutegrafos economistas
etnoacutelogos socioacutelogos e historiadores Essas categorias constituiacutedas no campo da ciecircncia
querem cada uma ao seu modo atribuir criteacuterios para delimitar uma regiatildeo
Portanto podemos dizer que esses debates existentes em torno da concepccedilatildeo
de regiatildeo tecircm oferecido subsiacutedio importante para a historiografia construir uma noccedilatildeo
de regiatildeo embora sinalizem para o sentido da inexistecircncia de consenso Ainda segundo
Bourdieu (2012) eacute nas relaccedilotildees de poder estabelecidas na sociedade a partir do plano
econocircmico que se formam as definiccedilotildees e delimitaccedilotildees de fronteiras que
evidentemente satildeo construiacutedas utilizando tambeacutem o poder simboacutelico como a proacutepria
noccedilatildeo de regiatildeo
Albuquerque Juacutenior (208 p 61) pondera que
26
A regiatildeo eacute ao mesmo tempo um dispositivo de forccedila e saberes
que aparece como externo aos sujeitos que a eles se impotildee de
fora que os limita e ateacute cerceia Eacute uma estrutura no sentido levi-
straussiano um mito que eacute vivido praticado e materializado
uma narrativa que se encarna o que acostumamos chamar de
interior dos sujeitos A regiatildeo eacute uma dobra do social que vem
constituir as subjetividades regionalistas em sua investigaccedilatildeo A
regiatildeo eacute tambeacutem modo de pensar modos de querer modos de
falar modos de gostar modos de preferir modos de amar
modos de desejar modos de mar modos de desejar modos de
olhar de escutar de cheirar de sentir sabor e de sentir dor A
regiatildeo de se expressa em jeitos de corpos em gestos em modos
de vestir de alimentar de beber de danccedila de se pocircr de peacute ou de
sentar A regiatildeo ao ser subjetivada ao ser encarnada ela
conformaraacute os corpos e os processos subjetivos
Compreender os diferentes significados e sentidos em relaccedilatildeo aos usos do
espaccedilo significa tambeacutem compreender o papel dos diferentes sujeitos no vieacutes da
historiografia seguindo a concepccedilatildeo de Certeau (2000) segundo o qual ao produzir a
historiografia o pesquisador estabelece seus criteacuterios de escolha os quais remetem
sempre aos diferentes contextos onde estaacute inserido sejam eles no acircmbito social cultural
ou econocircmico e tambeacutem ao proacuteprio interesse do pesquisador pois eacute ele quem escolhe o
que teraacute visibilidade e o que seraacute oculto no texto historiograacutefico
Ainda de acordo com o mesmo autor eacute possiacutevel acreditar que natildeo haacute
neutralidade na escrita historiograacutefica na medida em que sempre haveraacute o peso da
posiccedilatildeo do sujeito vinculado agrave instituiccedilatildeo e o lugar social e cultural ocupado pelo
indiviacuteduo porque a produccedilatildeo da escrita natildeo eacute algo individualizado mas sim constituiacutedo
na coletividade
Dessa forma a ideia construiacuteda acerca do texto historiograacutefico eacute resultado das
escolhas de quem a produz e estatildeo articuladas ao meio social econocircmico e cultural em
que se insere o pesquisador Logo a intenccedilatildeo da pesquisa nasce do desejo de descobrir
o que natildeo estaacute compreendido eacute a busca das indagaccedilotildees intrinsecamente vinculadas agrave
proacutepria trajetoacuteria de vida e no fazer acadecircmico do sujeito pesquisador (CERTEAU
2000)
Diante dessa problematizaccedilatildeo sobre o uso do conceito de regiatildeo e sua relaccedilatildeo
com a condiccedilatildeo de produccedilatildeo em que estaacute inserido o sujeito pesquisador fica evidente
que a ldquomicrorregiatildeordquo Norte Araguaia eacute uma visatildeo simplista e homogeneizadora que
natildeo evidencia as diferenccedilas naturais sociais e culturais existentes nesse espaccedilo O uso
27
indiscriminado de Regiatildeo Araguaia leva a noccedilotildees preconceituosas como a expressatildeo
utilizada por poliacuteticos e moradores de que se trata do ldquoVale dos Esquecidosrdquo
Ressalta-se que estudar a histoacuteria de Vila Rica-MT significa tambeacutem
compreender parte da histoacuteria do estado de Mato Grosso pois este municiacutepio natildeo surgiu
enquanto fenocircmeno isolado mas foi formado em um contexto ocorrido no Araguaia no
auge do processo de reocupaccedilatildeo de terras que se deu por duas frentes a primeira a dos
projetos agropecuaacuterios financiados pela Superintendecircncia de Desenvolvimento da
Amazocircnia (Sudam) e a segunda dos projetos de colonizaccedilatildeo privada que resultaram na
formaccedilatildeo dos municiacutepios de Confresa Vila Rica Aacutegua Boa e Canarana
Justamente por essa razatildeo a expressatildeo reocupaccedilatildeo da terra eacute recorrente no
presente texto A formaccedilatildeo de cidades natildeo resulta de algo natural ou um projeto de
ocupaccedilatildeo de terras ldquovaziasrdquo Para marcar a leitura que fazemos sobre o Araguaia eacute
preciso consideraacute-lo como um territoacuterio que jaacute estava ocupado por povos indiacutegenas
ribeirinhos ou sertanejos que viviam no espaccedilo anteriormente ao processo de
implantaccedilatildeo das poliacuteticas de desenvolvimento da Amazocircnia e a concretizaccedilatildeo dessas
duas frentes sobretudo na deacutecada de 1970
11 A reocupaccedilatildeo pelas agropecuaacuterias e empresas colonizadoras Anos de 1960 a
1980
Nas deacutecadas de 1960 a 1980 o norte do estado de Mato Grosso considerado
parte da ldquoAmazocircnia Legalrdquo tornou-se alvo de investimentos de grupos empresariais do
Sul e Sudeste do Brasil Os Governos de Mato Grosso desde a deacutecada de 1960
passaram a comercializar terras ldquotidas como devolutasrdquo como importante fonte de
arrecadaccedilatildeo para o Estado Neste contexto Mato Grosso seguindo a normativa do
Estatuto da Terra repassou para a iniciativa privada a funccedilatildeo de reordenar a ocupaccedilatildeo
destes espaccedilos atraveacutes da colonizaccedilatildeo privada2 Sobre a questatildeo Guimaratildees Neto
(2002 p 20) afirma que
2 Sobre este assunto ver GUIMARAtildeES NETO Regina Beatriz A Lenda do Ouro Verde Poliacutetica
de colonizaccedilatildeo no Brasil contemporacircneo Cuiabaacute UNICEN 2002
28
[] as empresas agropecuaacuterias comandadas em grande parte
por multinacionais [] jaacute vinham dominando este espaccedilo
especialmente apoacutes meados do seacuteculo vinte quando
intensificaram seu poder de accedilatildeo Eacute no acircmbito dessa experiecircncia
histoacuterica que se deve procurar estudar os projetos de
colonizaccedilatildeo Representam iniciativas e estrateacutegias de controle
ao acesso a terra e ao mercado de matildeo de obra
Assim estas duas frentes de reocupaccedilatildeo ldquo[] representam iniciativas e
estrateacutegias de controle ao acesso da terra e ao mercado de matildeo de obrardquo (GUIMARAES
NETO 2002 p 20) em que o Estado e os empresaacuterios atuaram muito mais no
propoacutesito da especulaccedilatildeo imobiliaacuteria do que na viabilizaccedilatildeo de terras para centenas de
famiacutelias que migraram para a Amazocircnia Legal
Vale lembrar que durante o periacuteodo dos Governos Militares foi construiacuteda
uma ldquohistoacuteria oficialrdquo acerca do processo de ocupaccedilatildeo da Amazocircnia que
gradativamente foi questionada e revisada atraveacutes de diferentes narrativas construiacutedas a
partir da memoacuteria dos agentes histoacutericos que vivenciaram aquele processo
Consideramos importante registrar nos estudos cujo foco eacute o processo de
reocupaccedilatildeo da terra no Araguaia as perspectivas dos diferentes grupos e movimentos
sociais responsaacuteveis pela reocupaccedilatildeo desse espaccedilo considerando a memoacuteria daqueles
que migraram de diferentes regiotildees do paiacutes sobretudo do Sul e Sudeste perseguindo o
sonho de adquirir uma aacuterea de terra Um exemplo dessas narrativas com base na
memoacuteria das pessoas pode ser ilustrado nesse trecho do relato de uma das moradoras de
Vila Rica-MT
Quando eu cheguei aqui em Vila Rica-MT estranhei de tudo
um pouco Desde a comida [] Ih Nossa Senhora as falas
deles trem As gurias foram pra rua as gurias saiacuteram foram
pra rua O que eacute isso Rua laacute no Sul isso natildeo se fala E os
trem trem eacute um trem que puxa vagatildeo e aqui tudo que eacute coisa eacute
trem Hoje a gente estaacute acostumada com as comidas tambeacutem
aqui era diferente de laacute [] quando eu cheguei aqui a vila
estava super suja Colonial tudo tudo Lixo no meio da rua ali
no meio onde tem a grama e os coqueirinhos aquilo laacute era lixo
natildeo dava pra olhar de um lado pra outro Nossa mas era suja
demais a rua As propagandas ih Eles passavam slides
mostravam como era aqui em Vila Rica-MT da cidade das
roccedilas das lavouras das plantaccedilotildees de soja milho []
(ENTREVISTA com Izode Baoacute realizada por Acircngela Martini
Vila Rica-MT 4 de marccedilo de 2001)
29
Novas abordagens da historiografia que possibilitam o uso de novas fontes
entre elas as orais permitiram anaacutelises sobre a Amazocircnia Legal com nova dinacircmica
enquanto objeto de estudo nas aacutereas de Ciecircncias Humanas e Sociais Por outro lado
ressalta-se que eacute imprescindiacutevel trilhar pelas discussotildees teoacutericas e metodoloacutegicas de
alguns estudiosos da questatildeo agraacuteria no Brasil como Caio Prado Juacutenior Octaacutevio Ianni
Seacutergio Buarque de Holanda e outros Em Mato Grosso as obras de autores como
Martins (1985-1997) Lenharo (1985) Oliveira (1996) Barrozo (2009 2010)
Guimaratildees Neto (2002 2007) Gonccedilalves (2005) e Joanoni Neto (2007) Arauacutejo (2013)
entre outros satildeo referecircncias
As concepccedilotildees abordadas por esses autores nos remetem a pensar que eacute
preciso antes de tudo desconstruir a narrativa oficial sobre a Amazocircnia a qual foi
construiacuteda sobretudo durante os Governos civis militares sob o ponto de vista que
engloba a noccedilatildeo da fronteira e de integraccedilatildeo nacional na qual se procurou internalizar
os discursos de alguns segmentos sociais os quais construiacuteram o imaginaacuterio que
caracteriza esse espaccedilo como atrasado e despovoado ou melhor um ldquovazio
demograacuteficordquo
Ao referenciar o potencial dos recursos naturais ali existentes aquele espaccedilo
passou a ser visto com outro enfoque segundo o qual a mesma pode ser analisada para
aleacutem do seu potencial de reserva natural Natildeo se pode perder de vista que esse
ldquoimaginaacuteriordquo vem sendo arquitetado sob a loacutegica daqueles que vivem ldquoalheiosrdquo agraves
necessidades e ldquorealidadesrdquo nas quais a populaccedilatildeo que habita a Amazocircnia Legal estaacute
inserida no caso especiacutefico o Araguaia
Os empresaacuterios e a elite poliacutetica sempre se beneficiaram dos lucros obtidos
por meio do uso e abuso das riquezas extraiacutedas da Amazocircnia Legal nos grandes
projetos de exploraccedilatildeo mineral e vegetal em nome de um discurso de integraccedilatildeo
nacional e de desenvolvimento e progresso regional
Para Gonccedilalves (2005) compreender a Amazocircnia eacute saber respeitar a
diversidade e particularidades desse espaccedilo em seus aspectos econocircmicos naturais
sociais e culturais bem como os feitios de inserccedilotildees das poliacuteticas e programas de
governo que foram parcialmente realizados Tais poliacuteticas atenderam em especial a
um determinado grupo social especificamente o empresarial que dispunha de capital
financeiro embora se trate de um territoacuterio cheio de contradiccedilotildees conflitos e diferentes
30
possibilidades dos povos que ldquotradicionalmente habitamrdquo a floresta De forma mais
detalhada Gonccedilalves (2005 p 9) descreve
A Amazocircnia eacute sobretudo diversidade Haacute a Amazocircnia dos
Cerrados a Amazocircnia da Vaacuterzea a Amazocircnia dos Manguezais
e a Amazocircnia das florestas Habitar esses espaccedilos eacute um desafio
agrave inteligecircncia agrave convivecircncia com a diversidade Esse eacute o
patrimocircnio que as populaccedilotildees originaacuterias e tradicionais da
Amazocircnia oferecem para o diaacutelogo com outras culturas e
saberes
Logo estudar a Amazocircnia Legal significa tambeacutem conhecer seu processo de
ocupaccedilatildeo e reocupaccedilatildeo identificando sobretudo as dinacircmicas de resistecircncia e as
estrateacutegias de sobrevivecircncias dos diferentes sujeitos que a habitavam (iacutendios
quilombolas sertanejos seringueiros ribeirinhos e outros povos)
Esses grupos se veem diariamente diante da obrigatoriedade de criar e recriar
taacuteticas para enfrentar as novas territorialidades impostas pelos grupos empresariais
capitalistas em sua loacutegica segundo a qual a terra eacute um objeto de negoacutecio Para as
populaccedilotildees tradicionais a terra eacute uma condiccedilatildeo de trabalho e sobrevivecircncia
Barrozo (2010 p 8) considera que ldquo[] o processo de integraccedilatildeo da
Amazocircnia provocou o corte dos espaccedilos por meio da construccedilatildeo de rodovias
desencadeando um processo raacutepido e violento de expropriaccedilatildeo domiacutenio e controle das
aacutereas jaacute povoadas por populaccedilotildees tradicionais daquela regiatildeordquo
Assim como Ianni (1990) Barrozo (2010) assegura que a reocupaccedilatildeo da
Amazocircnia por meio do artifiacutecio da colonizaccedilatildeo privada e dirigida tinha como principal
objetivo acolher a populaccedilatildeo que ldquosobravardquo do processo de modernizaccedilatildeo da agricultura
do Centro-Sul do paiacutes As empresas colonizadoras e agropecuaacuterias aleacutem de se utilizar
dos recursos puacuteblicos executados de forma predatoacuteria provocaram uma transformaccedilatildeo
significativa nos aspectos sociais culturais e ambientais daquele espaccedilo
Para Souza (2009 p79)
A (re) ocupaccedilatildeo do nordeste de Mato Grosso por grandes
empresas incentivadas pelo governo federal a partir da deacutecada
de 70 do seacuteculo XX tem revelado muacuteltiplos conflitos embates
e disputas pelos usos e posse da terra A partir de 1964 os
governos militares elaboraram e conduziram um projeto de
ocupaccedilatildeo e controle de acesso agraves terras na Amazocircnia
materializado pelo Estatuto da Terra (Lei 450464)
31
Destacamos que apesar dessas mudanccedilas consideradas progressistas
conforme o Estatuto da Terra (1964) quando analisadas no campo da operacionalidade
praacutetica natildeo redundaram em uma maior distribuiccedilatildeo de terras para os migrantes natildeo
tendo ocorrido alteraccedilatildeo na dinacircmica de concentraccedilatildeo da terra No entanto mantecircm o
movimento de retorno de muitos migrantes antes e agora expulsos pela expansatildeo do
agronegoacutecio sobretudo pela cultura da soja e criaccedilatildeo de gado para corte e leite
Na perspectiva histoacuterica do processo de reocupaccedilatildeo do Araguaia Barrozo
(2010 p 8) afirma
A partir de 1968 comeccedilaram a chegar ao Araguaia agraves grandes
empresas atraiacutedas pelos incentivos fiscais da Sudam Estas
empresas originaacuterias do Sul e Sudeste se apropriaram de
grandes aacutereas de terra no entatildeo municiacutepio de Barra do Garccedilas
onde instalaram os projetos agropecuaacuterios Neste periacuteodo foram
criados vaacuterios povoados e vilas onde se concentra o comeacutercio e
a prestaccedilatildeo de serviccedilos Entre os nuacutecleos populacionais deste
periacuteodo destacam-se Porto Alegre do Norte Alto da Boa Vista
Confresa As agropecuaacuterias desmataram grandes aacutereas de
Cerrado e de floresta para o plantio de pastagens e algumas
empresas deixaram suas terras incultas agrave espera de valorizaccedilatildeo
Com a reduccedilatildeo e extinccedilatildeo gradativa dos incentivos e subsiacutedios
fiscais da Sudam muitas empresas agropecuaacuterias reduziram
suas atividades na regiatildeo e algumas venderam suas
propriedades
Percebemos que o processo de reocupaccedilatildeo das terras do Araguaia natildeo fugia
agraves caracteriacutesticas do que ocorrera nas demais aacutereas da Amazocircnia Legal que era
apresentada no cenaacuterio nacional como uma grande extensatildeo de terra despovoada onde
havia extensos espaccedilos considerados ldquovaziosrdquo
Essa concepccedilatildeo teve origem no programa ldquoMarcha para o Oesterdquo que
selecionou o Centro-Oeste brasileiro como alvo privilegiado para a implantaccedilatildeo dos
grandes projetos de expansatildeo visando agrave ocupaccedilatildeo territorial Destacamos a Fundaccedilatildeo
Brasil Central cujo objetivo era construir estradas e ldquopacificarrdquo as sociedades indiacutegenas
existentes nos vales do Araguaia e Xingu Nesse sentido Soares (2004 p 98) assinala
que
32
A opccedilatildeo de investimento a fim de promover o desenvolvimento
da Amazocircnia abrangendo o Vale do Araguaia parte do nordeste
de Mato Grosso foi pela instalaccedilatildeo de grandes projetos
agropecuaacuterios para produccedilatildeo de proteiacutenas de carne bovina para
exportaccedilatildeo Os primeiros projetos aprovados pela Sudam
implantados no Vale do Araguaia datam de 1966 destacando-se
a Agropecuaacuteria Suiaacute Missuacute SA com uma aacuterea de 695 843
hectares que corresponde aproximadamente a 300000
alqueires localizada no atual municiacutepio de Satildeo Feacutelix do
Araguaia A partir de 1966 muitos outros projetos foram sendo
instalados
De acordo com a descriccedilatildeo do autor as poliacuteticas de desenvolvimento
econocircmico da Amazocircnia promovidas pelo Governo Federal sob a supervisatildeo da
Superintendecircncia de Desenvolvimento da Amazocircnia (Sudam) desde o iniacutecio de sua
criaccedilatildeo despertaram o interesse de empresaacuterios regiotildees Sudeste e Sul do Brasil Os
mesmos viam na constituiccedilatildeo do desenvolvimento regional a possibilidade de maior
enriquecimento por meio dos grandes projetos agropecuaacuterios e de colonizaccedilatildeo
madeireiros e mineradores As empresas eram atraiacutedas pelos incentivos fiscais cuja
propaganda produzia o imaginaacuterio da terra em abundacircncia e financiamentos a juros
baixos
Sobre o imaginaacuterio e os efeitos da propaganda em torno das possibilidades de
riqueza advinda do trabalho com a terra Arauacutejo (2013 p 250) em sua pesquisa
ldquoTerritoacuterios Amazocircnicos e o Araguaia Mato-grossense configuraccedilotildees de modernidade
poliacuteticas de ocupaccedilatildeo e civilidade para os sertotildeesrdquo ao analisar os artifiacutecios ocorridos na
execuccedilatildeo das poliacuteticas de desenvolvimento no Araguaia afirma
As propagandas dos ldquonegoacutecios fundiaacuteriosrdquo do Vale do Araguaia
eram veiculadas pelos meios de comunicaccedilatildeo locais (raacutedio
televisatildeo jornais) anunciando facilidades aos interessados o
que muito atraiacutea pessoas com histoacuterico familiar vinculado agraves
praacuteticas campesinas que desejavam possuir eou aumentar o
proacuteprio patrimocircnio aleacutem da possibilidade de assegurar a
manutenccedilatildeo da famiacutelia pensando numa estabilidade
socioeconocircmica
Agrave luz da concepccedilatildeo da autora afirmamos que as empresas se valiam de
diferentes estrateacutegias sobretudo o uso dos recursos midiaacuteticos para propagarem o
discurso e o imaginaacuterio em torno da terra abundante e apropriada para agricultura E
33
assim mobilizar migrantes de vaacuterias regiotildees do Brasil em busca do sonho em ter a
posse da terra e condiccedilotildees para produzir e adquirir riqueza
Ainda em conformidade com Arauacutejo (2013) eacute possiacutevel afirmar que havia
entre os grupos de migrantes perfis sociais econocircmicos e culturais muito diferentes
pois de um lado estavam as famiacutelias que planejaram as mudanccedilas no espaccedilo e do
outro aquelas que chegaram ao Araguaia mato-grossense por acaso
Nesta mesma perspectiva Paret (2012 p 17) avalia a formaccedilatildeo
socioeconocircmica do Araguaia como a realizaccedilatildeo da integraccedilatildeo entre as populaccedilotildees
tradicionais (povos indiacutegenas) e migrantes ldquodos quatro cantos do paiacutesrdquo que em sua
maioria eram ldquo[] retirantes espontacircneos colonos pioneiros e audaciosos
trabalhadores temporaacuterios (boias-frias) migrantes que emigram sem descanso fugindo
da pobreza em busca de novas oportunidadesrdquo Observamos que a visatildeo do autor citado
eacute problemaacutetica pela exaltaccedilatildeo de um ideal do pioneiro parte daquilo que consideramos
como histoacuteria oficial
Como o INCRA natildeo assegurou terras para os migrantes desprovidos de
capital financeiro para aquisiccedilatildeo de lotes estes passaram a reocupar aacutereas jaacute povoadas
pelas populaccedilotildees indiacutegenas terras da Uniatildeo ou de fazendas improdutivas Esta situaccedilatildeo
gerou diversos conflitos entre diferentes grupos sociais no Araguaia mato-grossense
Nesse contexto o municiacutepio de Vila Rica-MT foi formado Esse processo
requer uma anaacutelise especiacutefica
12 A criaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo3 do municiacutepio de Vila Rica-MT
A formaccedilatildeo de Vila Rica-MT teve seu desenvolvimento intensificado a partir
da deacutecada de 1980 tendo por base quatro Projetos Agropecuaacuterios Aracati Satildeo Marcos
Porangaba e Promissatildeo Posteriormente essas agropecuaacuterias foram transformadas em
projeto de colonizaccedilatildeo privada com a criaccedilatildeo da empresa de Serviccedilo Auxiliares da
Agropecuaacuteria LTDA (Servap) que procurou a efetivaccedilatildeo do projeto de colonizaccedilatildeo por
meio da empresa Colonizadora Vila Rica-MT Ltda
3 A Lei n 4381 de 12 de novembro de 1981 criou o Distrito de Vila Rica com territoacuterio
pertencente agrave Santa Terezinha e no dia 13 dias de maio de 1986 pela Lei Estadual n 5001 foi
criado o municiacutepio de Vila Rica
Disponiacutevel em
lthttpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=510860ampsearch=mato-
grosso|vila-ica|infograficos-historicogt Acesso em 21082015
34
Logo o municiacutepio inseriu-se em muacuteltiplos contextos de reocupaccedilatildeo da terra e
de financiamento de projetos agropecuaacuterios madeireiros e de colonizaccedilatildeo localizados
no nordeste do estado de Mato Grosso na faixa fronteiriccedila com os estados do Paraacute e
Tocantins como mostra a figura que se segue
Figura 01 Mapa de Propaganda da Colonizadora Vila Rica-MT
Fonte Servap apud Martini 2002 p12
Observamos na imagem que os escritos da propaganda da empresa
colonizadora se vinculavam agrave ideia de que ldquoeacute faacutecil conhecer Vila Ricardquo tendo ao lado
um mapa desatacando visualmente as rotas de estradas que ligavam o Sul do paiacutes ateacute o
Norte e tendo Vila Rica como ponto estrateacutegico nessa rota Ademais a mensagem
35
escrita eacute clara pretendia- se atrair compradores de terra de outras regiotildees que
organizassem ldquocaravanasrdquo para conhecer e investir no municiacutepio de Vila Rica
Na deacutecada de 1970 um soacutecio da Servap resolveu transformar juridicamente a
sua aacuterea territorial em uma empresa especializada e autorizada para atuar como
ldquoempresa de colonizaccedilatildeordquo O objetivo foi o de obter junto ao Governo Federal
autorizaccedilatildeo para lotear a aacuterea da agropecuaacuteria e comercializar os lotes utilizando os
incentivos fiscais oferecidos na eacutepoca pela Sudam Aleacutem da especulaccedilatildeo caracterizada
pela valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria das terras com baixa eficiecircncia produtiva a empresa
procurava garantir com isso a presenccedila de trabalhadores que serviriam de matildeo obra nas
proacuteprias fazendas Esse processo foi caracterizado por Ianni (1978) como ldquoContra
Reforma Agraacuteriardquo
Segundo Guimaratildees Neto (2007 p 7)
Nesse sentido eacute que as novas cidades surgiram no territoacuterio
amazocircnico articuladas a uma grande rede viaacuteria e ao mercado
capitalista natildeo satildeo resultados ldquonaturaisrdquo do movimento de
deslocamento dos diversos grupos sociais que para laacute se
dirigiram denominado de processo migratoacuterio Relacionam-se
muito mais a um conjunto de praacuteticas organizadoras de poliacuteticas
de controle e monopoacutelio da exploraccedilatildeo da riqueza por parte dos
grandes empresaacuterios e proprietaacuterios As cidades trazem inscritas
em seu espaccedilo as praacuteticas sociais de segregaccedilatildeo de violecircncia e
de cerceamento dos direitos civis que natildeo podem ocultar Mas
natildeo soacute isto manifesta a todo o momento praacuteticas de resistecircncia
atuaccedilotildees de organizaccedilotildees civis e religiosas demarcando um
territoacuterio de conflito
Para a autora as cidades emergidas no territoacuterio da Amazocircnia natildeo resultaram
de um movimento espontacircneo de migraccedilatildeo mas sobretudo foram embasadas de uma
poliacutetica de controle do capital financeiro manipulado pelos interesses dos grupos
empresariais Ao mesmo tempo as novas cidades se constituiacuteram enquanto espaccedilos de
conflitos e praacuteticas de violecircncia marcados pelos conflitos motivados pelas diferenccedilas
sociais culturais e religiosas
Nesse quadro de especulaccedilatildeo imobiliaacuteria com as terras do Araguaia mato-
grossense o processo de colonizaccedilatildeo de Vila Rica foi iniciado pela SERVAP na deacutecada
de 1990 e continuado pela Colonizadora Vila Rica Ltda O foco da colonizaccedilatildeo estava
na venda de lotes rurais para os migrantes que vieram em busca de terra
36
O relato a seguir descreve o momento em que os posseiros e colonos
chegaram assim como a abertura e demarcaccedilatildeo do espaccedilo urbano e rural do municiacutepio
de Vila Rica-MT Tambeacutem eacute evidente na memoacuteria social e na percepccedilatildeo individual o
momento da venda dos lotes segundo a memoacuteria social e a percepccedilatildeo individual dos
entrevistados
[] Eu vi a oportunidade de ver ali onde hoje eacute o coleacutegio
estadual em selva em mata Vi desmatar vi formar pasto e
depois tirar o pasto para fazer a cidade e deixar aquela aacuterea
especial para a construccedilatildeo do coleacutegio Tive a oportunidade de
acompanhar com o topoacutegrafo a demarcaccedilatildeo dos lotes e das
ruas da cidade Quando a colonizadora vendia uma aacuterea de
terra rural de 400 hectares ela dava na cidade
ldquogratuitamenterdquo dois lotes de terra um no centro e outro mais
afastado isso para que as pessoas construiacutessem a fim de
expandir a cidade [] (ENTREVISTA com Dioniacutesio ex-
funcionaacuterio da colonizadora realizada por Acircngela Martini em
novembro de 2001 Grifos nossos)
Podemos identificar atraveacutes dessa fonte oral a percepccedilatildeo dos colonos em
relaccedilatildeo agraves transformaccedilotildees ocorridas nos espaccedilos em que o rural foi ganhando
caracteriacutesticas de urbanizaccedilatildeo mas tambeacutem as estrateacutegias da colonizadora para atrair os
compradores de terra Outro depoimento oral demonstra como ocorria a
comercializaccedilatildeo de lotes
Na verdade quando surgiu Vila Rica eles esparramaram
vendendo para todo o Brasil O pessoal fazia troca trocavam
um alqueire paulista por um alqueire aqui Geralmente trocava
dois por um A terra laacute era mais valorizada (ENTREVISTA
com Gilmar agricultor familiar de Vila Rica-MT realizada pela
autora em marccedilo de 2015)
Atraveacutes desse processo de acesso agrave terra por meio de compra de lotes com o
capital oriundo da venda de terras no local de origem muitos migrantes de vaacuterias
localidades do Brasil sobretudo nos estados do Paranaacute Santa Catarina Rio Grande do
Sul Goiaacutes e Minas Gerais onde ocorriam transformaccedilotildees na estrutura agraacuteria e a
modernizaccedilatildeo da agricultura foram para Vila Rica buscando realizar o sonho de
adquirir uma ldquoaacutereardquo equivalente agrave que haviam vendido na regiatildeo de origem ou entatildeo
uma aacuterea ainda maior
37
Dentre os sonhos e os projetos de vida desses migrantes estava a
possibilidade de produzir com fartura melhorar de vida ou ateacute enriquecer atraveacutes do
trabalho na terra O depoimento do secretaacuterio de agricultura do municiacutepio de Vila Rica-
MT ilustra essa situaccedilatildeo tendo por base sua trajetoacuteria pessoal
Eu nasci em Santa Catarina no ano de 1975 e quando eu tinha
10 anos de idade os meus pais mudaram para o estado de Mato
Grosso Na eacutepoca a gente jaacute morava no estado do Paranaacute
Chegamos no dia 9 de junho de 1985 Vila Rica ainda era
distrito de Santa Terezinha e aiacute fomos direto para o Projeto
Canta Galo que era um projeto de colonizaccedilatildeo Chegamos agrave
noite em Vila Rica e fomos direto para o Canta Galo era soacute
mato e noacutes jaacute chegamos destruindo tudo porque a gente jaacute
chegou para fazer roccedila para comeccedilar a trabalhar []
A gente veio com pessoal conhecido Meus pais eu e os meus
irmatildeos A nossa famiacutelia veio completa e mais cinco famiacutelias
vieram em busca de melhorias de vida Sempre mexemos com
sitio Moramos na roccedila pequena propriedade e viemos pra caacute
com a intenccedilatildeo de conseguir uma aacuterea maior Queriacuteamos ficar
ricos mas o que aconteceu foi o contraacuterio (ENTREVISTA
com Gilmar agricultor familiar de Vila Rica-MT realizada pela
autora em marccedilo de 2015)
A anaacutelise da fonte oral permite averiguar que a empresa SERVAP
posteriormente denominada de Colonizadora Vila Rica Ltda tambeacutem lanccedilou matildeo de
diversos recursos midiaacuteticos fazendo investimentos em propaganda a fim de difundir a
ideia da boa qualidade da terra boa e seu baixo preccedilo Esse trabalho de divulgaccedilatildeo
influenciou pessoas que decidiram migrar procurando um espaccedilo promissor com terras
boas
Dentro dessa perspectiva a visualizaccedilatildeo e leitura de um dos panfletos
publicitaacuterios nos ajudou a visualizar as estrateacutegias de propaganda utilizadas pela
colonizadora no caso do municiacutepio de Vila Rica
A propaganda facilitava a venda dos lotes acelerando a reocupaccedilatildeo dos
espaccedilos urbanos e rurais como retrata o panfleto utilizado pela empresa para difundir o
seu ideaacuterio de construccedilatildeo social A imagem de trabalhadores rurais ldquocarpindordquo
demonstra que o ideal seria a migraccedilatildeo de colonos agricultores com perfil de quem
sabia produzir plantar e colher produtos agriacutecolas A frase ldquoTerra feacutertil e urbanizadardquo
demonstra no entanto que se prometia uma estrutura urbana para oferecer uma ldquovida
feliz para vocecirc e sua famiacuteliardquo Ou seja um evidente apelo aos valores tradicionais da
38
famiacutelia atrelados agrave ideia de felicidade a ser conquistada atraveacutes da compra de terras no
municiacutepio de Vila Rica-MT
Todos esses elementos podem ser observados na Figura 2
Figura 2 Folder de Propaganda da Colonizaccedilatildeo Vila Rica-MT
Fonte SERVAP apud Martini 2002 p14
Portanto os colonos que compraram terras e se mudaram para Vila Rica
sofreram as investidas das empresas atraveacutes das propagandas que descreviam as terras
como sendo boas e baratas conforme mostra o panfleto da colonizadora ldquoConheccedila Vila
Rica Mato Grosso terra feacutertil e urbanizada vida feliz para vocecirc e sua famiacuteliardquo A
imagem criava um imaginaacuterio acerca do lugar como o ideal para se morar e prosperar
economicamente A loacutegica era de fixaccedilatildeo do homem na terra passada de pai para filho
apelo aos agricultores de tradiccedilatildeo ldquocamponesardquo 4
4 Sobre essa questatildeo Martini (2002) em sua monografia de graduaccedilatildeo em Histoacuteria a qual eacute intitulada
como Cotidiano e Identidade Cultural em Vila Rica ndashMT uma cidade de colonizaccedilatildeo recente apresenta
39
Nesse aspecto o relato oral a seguir se constitui numa exemplificaccedilatildeo da
forma como que os artifiacutecios da propaganda persistem na memoacuteria dos atores sociais
As propagandas ih Eles passavam slides mostravam como
era aqui em Vila Rica da cidade das roccedilas das lavouras das
plantaccedilotildees de soja milho Propaganda na raacutedio passava muito
direto mesmo e tambeacutem na televisatildeo passava propaganda
sobre a Vila Rica Tinha tambeacutem gravaccedilotildees de mulheres daqui
da Vila que faziam entrevista na raacutedio Elas diziam assim olha
gente aqui em Vila Rica noacutes estamos bem noacutes temos coleacutegio
falava falava do coleacutegio Faziam propaganda muita entrevista
na raacutedio Eles iludiam muito o pessoal (ENTREVISTA com
Izolde Baacuteo ex-colona realizada por Acircngela Maria Martini em
04032001)
Logo podemos compreender que as propagandas eram criadas pela empresa
colonizadora mas que tinham participaccedilatildeo dos proacuteprios colonos que incentivavam a
vinda de outros A colonizadora incentivava essa participaccedilatildeo dos colonos para o
chamamento - atraveacutes da ideia de que quanto mais colonos viessem para a aacuterea e
comprassem terra mas proacutesperas seriam aquelas terras
Outro fator altamente atrativo foi a divulgaccedilatildeo do projeto urbaniacutestico da
cidade de Vila Rica-MT cujo ldquocorpordquo lembra a figura de um sino Conforme IBGE
Cidades (2015)
A cidade de Vila Rica-MT localizada no nordeste de Mato
Grosso foi cuidadosamente planejada no periacuteodo de sua
fundaccedilatildeo O traccedilado da cidade lhe daacute um formato de sino tendo
sido idealizado pelo paisagista suiacuteccedilo Dr Roberto Khuno Eacute
dividida em dois setores norte e sul sendo margeada pela BR-
1585
Esse formato do projeto da cidade representa a construccedilatildeo do imaginaacuterio de
um grupo de migrantes praticantes da feacute catoacutelica incorporando princiacutepios religiosos a
serviccedilo do capitalismo Ao mesmo tempo mostra uma forte aproximaccedilatildeo entre os
colonos e os donos da empresa colonizadora com a Igreja Catoacutelica Essa representaccedilatildeo
arquitetocircnica da cidade mostra que a mesma foi planejada a partir de uma concepccedilatildeo
religiosa com a qual o desenvolvimento se entrelaccedilaria Objetivou-se a construccedilatildeo do
uma reflexatildeo bastante rica em detalhes construiacuteda a partir das narrativas orais e de imagens relacionadas
ao processo de formaccedilatildeo da cidade de Vila Rica no Estado de Mato Grosso 5Disponiacutevel em
lthttpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=510860ampsearch=mato-
grosso|vila-rica|infograficos-historicogt Acesso em 2102015
40
imaginaacuterio coletivo de uma cidade civilizada com uma Igreja dentro dos moldes
europeus Assim como na histoacuteria europeia moderna a religiatildeo e a eacutetica do capitalismo
se fundem em um processo que
possivelmente pode ter sido utilizado pela
colonizadora6
Figura 3 Planta ou Projeto urbaniacutestico da cidade de Vila Rica-MT
Fonte Arquivo da Prefeitura de Vila Rica-MT 2015
Atraveacutes da visualizaccedilatildeo da figura 3 fica evidenciado que o projeto
urbaniacutestico ou a planta da aacuterea urbana do municiacutepio de Vila Rica partiu de um projeto
com base em um ldquoconceitualrdquo religioso Em outra planta que projeta a aacuterea de expansatildeo
urbana eacute perceptiacutevel que foi mantido o formato do sino inicial mas com acreacutescimo de
aacutereas agrave direita e uma base que natildeo desconfigurou o desenho inicial
Guimaratildees Neto (2000) considera que no universo simboacutelico da ldquocidade
colonizadardquo tudo parece ter sentido e significado Haacute um lugar certo para cada coisa ou
situaccedilatildeo por exemplo espaccedilo para a praccedila comeacutercio bairros residenciais bairros para
os oacutergatildeos puacuteblicos e institucionais avenidas e bairros residenciais dos trabalhadores Eacute
a ideia de cidade organizada enfim de um povo que organiza devidamente o seu espaccedilo
de convivecircncia social Todavia nesse cenaacuterio desenhado natildeo haveria espaccedilo para o
6 Para uma melhor compreensatildeo ver o caso de Fontanilha Juiacutena-MT analisado por JOANONI
NETO Vitale Fronteiras da Crenccedila ocupaccedilatildeo no Norte de Mato Grosso apoacutes 1970 Cuiabaacute
Carlini amp Caniato EdUFMT 2007
41
surgimento das periferias uma vez que a existecircncia delas desmontaria todo o ideaacuterio
urbaniacutestico da cidade de progresso e de civilizaccedilatildeo
Eacute notoacuteria a riqueza de detalhes nos projetos urbaniacutesticos das cidades
planejadas de colonizaccedilatildeo recente de Mato Grosso As marcas da organizaccedilatildeo tecircm
sempre uma perspectiva marcante no universo de signos e significados como foi
registrado por Guimaratildees Neto (2000 p 7) ao apontar que a cidade se projeta ldquo[]
como uma metaacutefora privilegiada da passagem-comunicaccedilatildeo e separaccedilatildeo entre diversos
mundos e por que natildeo paisagem desenhada por um rico mosaico de linguagens
diversasrdquo
Nesse aspecto quem chegou primeiro fez parte da construccedilatildeo quem chegou
depois tambeacutem foi inserido nessa loacutegica organizativa porque parte dos colonos que
permaneceram na cidade se incorporou ao trabalho prestando serviccedilos ou abrindo
comeacutercios inserindo-se nesse universo de desejo siacutembolos sentidos e significados de
viver em uma cidade com caracteriacutesticas e paisagem adequadas aos moldes dos grandes
centros urbanos
O imaginaacuterio coletivo acerca da concepccedilatildeo de progresso se constituiu de
forma eficaz nessa representaccedilatildeo da cidade em seus primeiros tempos distinguindo os
acontecimentos iniciais construiacutedos com a participaccedilatildeo de homens e mulheres vindos
das diferentes regiotildees do Brasil Essa diversidade cultural se explicita nos detalhes de
construccedilatildeo das casas na maneira de falar e de organizar a paisagem urbana enfim
torna-se proacuteprio de uma cidade de todos para todos desde que devidamente organizados
em seus espaccedilos sociais
Noutra abordagem sobre as narrativas e a formaccedilatildeo de cidades do processo de
colonizaccedilatildeo recente Guimaratildees Neto (2007 p 7) exemplifica
Trabalhadores sem-terra e mesmo pequenos proprietaacuterios
denominados de colonos invertem as programaccedilotildees e previsotildees
das empresas colonizadoras Por meio de accedilotildees coletivas e de
enfrentamentos conflituosos provocam mudanccedilas de aacutereas
planejadas para determinados fins com funccedilotildees diferentes do
que estava previsto As proacuteprias empresas e depois os poderes
puacuteblicos instalados criam ldquobairros novosrdquo a fim de controlar e
administrar a chegada de diversos trabalhadores pobres como
na cidade de Vila Rica-MT onde se organiza a mudanccedila da
cadeia puacuteblica do cemiteacuterio e da zona de meretriacutecio para o
bairro Vila Nova destinado a pessoas de comprovada baixa
renda e com maior nuacutemero de dependentes (Lei municipal nordm
42
19693 de 09121993) extinguindo o popular ldquoPau Secordquo a
primeira aacuterea de meretriacutecio que ocupava um espaccedilo
considerado nobre para a cidade
Em conformidade com a concepccedilatildeo da autora afirmamos que satildeo os atores
histoacutericos atraveacutes de diferentes estrateacutegias e accedilotildees que realizam os desdobramentos e
permitem uma multiplicidade de accedilotildees e efeitos de suas praacuteticas eacute que vatildeo
ldquodesvendando inventando e desenhandordquo os locais da cidade que encenam os contrastes
sociais e culturais Nesse aspecto grupos sociais acabam modificando o projeto inicial e
inserindo nele seu proacuteprio modo de constituir a vida em sociedade
Outra estrateacutegia utilizada para facilitar o processo de venda dos lotes foi a
definiccedilatildeo dos criteacuterios de seleccedilatildeo do puacuteblico alvo das investidas de vendas pela
empresa colonizadora Nesse cenaacuterio surgiram os pequenos proprietaacuterios de terras do
Sul do Brasil os quais dispunham de capital para investir na compra de lotes da
colonizadora Tambeacutem havia a negociaccedilatildeo por meio da troca de terra e da carta de
creacutedito como ocorreu com as pessoas que haviam sido desapropriadas para a
construccedilatildeo da barragem da Usina de Itaipu no Paranaacute de onde migraram diversas
pessoas para Vila Rica-MT Essa negociaccedilatildeo era feita com intermediaccedilatildeo de instituiccedilatildeo
bancaacuteria
Ainda relacionando a reorganizaccedilatildeo dos espaccedilos em Vila Rica sob a
conduccedilatildeo da colonizadora eacute importante considerar que houve tentativas no sentido de
destinar pequenas aacutereas de terra situadas nos fundos das fazendas para ldquoaliviarrdquo a
pressatildeo dos trabalhadores rurais Inclusive ex-funcionaacuterios da empresa SERVAP com
o objetivo de evitar a invasatildeo por parte dos ldquoposseirosrdquo acabavam sendo incorporados
por esses procedimentos de especulaccedilatildeo imobiliaacuteria praticados pela Colonizadora Vila
Rica
Semelhante situaccedilatildeo nos remete a uma anaacutelise que demonstra ter havido uma
relaccedilatildeo entre as intenccedilotildees dos representantes da Servap tanto em relaccedilatildeo aos objetivos
do INCRA quanto ao destino de parte da aacuterea para o processo de colonizaccedilatildeo oficial
Segundo Barrozo (2010 p 18) ldquo[] para os camponeses do Sul o governo oferecia a
possibilidade de adquirir um lote de 100 ou 200 hectares em um nuacutecleo do INCRA
com infraestrutura estrada e tudo mais que a propaganda oficial anunciava para
sensibilizar os agricultoresrdquo
43
No caso do processo de reocupaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica a
documentaccedilatildeo7 analisada demonstrou que havia entre os primeiros moradores
concepccedilotildees diferentes acerca do processo de ocupaccedilatildeo e reocupaccedilatildeo das terras naquela
aacuterea As fontes nos possibilitam ainda identificar as estrateacutegias adotadas para arquitetar
o imaginaacuterio sobre os ldquoditos pioneirosrdquo que pode ser identificado atraveacutes das narrativas
oficiais sobre as histoacuterias do lugar que se tornam discursos
Poreacutem a realidade contemporacircnea tambeacutem pode ser pensada por outra
perspectiva configurada de outro modo demonstrando a presenccedila indiacutegenas na regiatildeo
Nos sites do IBGE Cidades e da Prefeitura de Vila Rica natildeo haacute menccedilatildeo sobre a
presenccedila de povos indiacutegenas na aacuterea colonizada Mas segundo Costa e Silva amp Ferreira
(1994 p 248)
O povo indiacutegena ldquoTapirapeacuterdquo que habitou imemorialmente as
terras do lugar foram remanejados para municiacutepios vizinhos
em aacutereas especialmente reservadas Estes foram na verdade os
grandes pioneiros do lugar povo sofrido sentindo-se sem
perspectivas de vida iniciaram um processo de auto
dizimazizaccedilatildeo Tudo comeccedilou com forte conflito cultural que se
abateu sobre os poucos ldquoTapirapeacutesrdquo que restaram Accedilatildeo
seguinte que se viu foi agrave eliminaccedilatildeo de crianccedilas receacutem-nascidas
No entanto a interferecircncia de religiosas natildeo permitiu que se
concretizasse o desejo coletivo de extinccedilatildeo do ldquoTapirapeacuterdquo como
naccedilatildeo (Grifos nossos)
A citaccedilatildeo eacute importante para destacar a presenccedila do povo indiacutegena Tapirapeacute na
aacuterea que foi colonizada no entanto eacute uma visatildeo problemaacutetica no que diz respeito agrave
ideia de que os povos indiacutegenas foram pioneiros uma vez que essa concepccedilatildeo eacute oriunda
de projetos de Governo e de uma visatildeo economicista de ocupaccedilatildeo de territoacuterio natildeo eacute
parte da concepccedilatildeo de terra para povos indiacutegenas voltada agrave identidade e memoacuteria do
lugar Certamente para os autores pioneiro significou aquele que primeiro ocupou o
solo e natildeo seu entendimento no interior do processo de colonizaccedilatildeo contemporacircneo
No entanto existe uma narrativa oficial que ldquoesquecerdquo de citar a presenccedila
indiacutegena e assume um discurso de que os ldquopioneirosrdquo foram os que participaram do
processo de colonizaccedilatildeo privada Isto eacute haacute uma ampla difusatildeo da ideia de que a
7 O termo documentaccedilatildeo refere- se agraves fontes escritas que foram acessadas para a produccedilatildeo das
anaacutelises como eacute o caso dos ofiacutecios cartas relatoacuterios atas e relatos orais
44
validade da ocupaccedilatildeo da terra tem sentido somente quando eacute pensada do ponto de vista
da criaccedilatildeo da cidade e da organizaccedilatildeo social embasada na propriedade privada da terra
Outros atores sociais silenciados foram os migrantes de origem camponesa
de diferentes origens que foram ocupar aquele espaccedilo nas primeiras deacutecadas do seacuteculo
XX conforme descrito por Costa e Silva amp Ferreira (1994 p 248)
No iniacutecio da sua povoaccedilatildeo Vila Rica recebeu forte fluxo
migratoacuterio de povos (sic) de Goiaacutes Minas Gerais e do
Nordeste Fator determinante foi o reflexo da colonizaccedilatildeo de
Nova Xavantina pois o assentamento da Fundaccedilatildeo Brasil
Central natildeo produziu os efeitos que se esperava e os colonos
sem apoio prometido se espalharam pelo Leste e Nordeste do
Estado de Mato Grosso
Novamente a citaccedilatildeo traz problemas ao analisar que os fluxos migracionais
eram realizados por ldquopovosrdquo entendidos enquanto populaccedilotildees mas fornece elementos
para compreendermos como ocorreu uma reocupaccedilatildeo inicial por migrantes poreacutem o
que persiste na histoacuteria oficial descrita no IBGE Cidades (2015) 8 eacute que
A construccedilatildeo da rodovia BR-158 foi fator determinante para a
colonizaccedilatildeo da cidade de Vila Rica -MT favorecendo o
estabelecimento de empresas agropecuaacuterias na regiatildeo O nuacutecleo
que deu origem ao atual municiacutepio tem histoacuteria
relativamente recente Vila Rica - MT foi fundada pelo Sr
Rubens Rezende Peres em 1978 que chegou na regiatildeo
trazendo consigo a Colonizadora Vila Rica-MT Segundo
relatos histoacutericos os primeiros moradores da localidade vieram
de Minas Gerais e homenagearam o lugar que escolheram para
morar com o nome de Vila Rica em referecircncia agrave antiga Vila
Rica de Ouro Preto (Grifos nossos)
Logo dessa maneira registrada a presenccedila indiacutegena e de migrantes que
chegaram antes da colonizaccedilatildeo privada efetivada a partir da deacutecada de 1980 e
consideradas ldquorecentesrdquo decidem considerar que a histoacuteria do municiacutepio somente
comeccedila com essa modalidade de colonizaccedilatildeo
8 Disponiacutevel em
lthttpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=510860ampsearch=mato-
grosso|vila-rica|infograficos-historicogt Acesso em 2102015
45
A obra da jornalista Soely Gonccedilalves Santos Pires contratada pela Prefeitura
Municipal de Vila Rica em 2002 para escrever a histoacuteria do municiacutepio eacute um exemplo
que evidencia a versatildeo oficial9
[] Aconteciam as exploraccedilotildees das terras ao nordeste mato-
grossense rotas e demarcaccedilotildees cifradas em aacutereas destinadas agrave
implantaccedilatildeo do arrojado projeto Em meio a tantos apetrechos
no lidar aacuterduo talvez natildeo tenham tido tempo para registrar tudo
em diaacuterio Idas e vindas por iacutengremes caminhos de quilocircmetros
de distacircncias paragens desconhecidas Veredas iam se
alargando mato adentro sol ardente e calor intenso []
venciam-se os empecilhos agrave medida que esses iam surgindo
Natildeo adentravam o sertatildeo em busca de bauacute recheado de
preciosos tesouros enterrados nas profundezas da terra [] A
finalidade era trabalhar Soacute assim conquistariam o almejado
objetivo [] Trabalho avante Em aproximadamente seis meses
de contiacutenuas derrubadas a estiagem com a secagem Nisso
atearam fogo Os dias se passaram Um olhar ao longe no
alcance de vales e serras [] Focando com muita atenccedilatildeo os
limpotildees que iam surgindo propiciando o semear das primeiras
sementes de capim Aiacute estava o representativo ouro dos sertotildees
A Servap foi instituiacuteda no ano 1973 e por seu intermeacutedio
administrava-se toda a assistecircncia no desenvolver das atividades
do projeto desde o princiacutepio A movimentaccedilatildeo era intensa o
serviccedilo mecanizado requeria grande consumo de oacuteleo diesel O
transporte era constante Devido agrave precariedade das estradas o
trajeto era retardo levando de cinco a sete dias para alcanccedilar o
ponto de apoio local onde se situava a SERVAP Hoje ali se
encontra o Frigoriacutefico Vila Rica que por sinal contribuiu muito
natildeo soacute com a economia natildeo soacute da regiatildeo mas tambeacutem de
municiacutepios vizinhos (PIRES 2002 p 10)
O discurso contido nessa narrativa apresenta muacuteltiplos sentidos
primeiramente pode ser analisado como sendo da perspectiva de um explorador de
recursos naturais e de projetos de colonizaccedilatildeo privada mas que se considera um
desbravador com um espiacuterito empresarial e empreendedor Essa observaccedilatildeo pode ser
visualizada na afirmaccedilatildeo de que se tratava da ldquo[] implantaccedilatildeo do arrojado projeto Em
meio a tantos apetrechos no lidar aacuterduo []rdquo Aqui eacute possiacutevel pensar inclusive na ideia
da tentativa de criaccedilatildeo de um mito de origem de um heroacutei de um grupo de homens que
fizeram a histoacuteria da cidade civilizada
9Apesar da ressalva sobre o livro de Soely eacute necessaacuterio afirmar que se trata de uma obra
importante para percebemos a concepccedilatildeo do dono da empresa Servap
46
Esse tipo de discurso exaltando o colonizador foi identificado e interpretado
pela pesquisa de Heinst (2007) que analisou a disputa da memoacuteria de quem era o
colonizador e o pioneiro no municiacutepio mato-grossense de Mirassol D‟Oeste A autora
identificou que foram aqueles pioneiros que tiveram ecircxito econocircmico considerados os
ldquoprimeirosrdquo com o espiacuterito empresarial que enalteceram a colonizaccedilatildeo
Guimaratildees Neto (2002) na anaacutelise de Alta Floresta esclarece que o
colonizador Ariosto da Riva produziu um discurso no qual se auto-intitula ldquobandeirante
do seacuteculo XXrdquo A anaacutelise mostra a perspectiva de quem tem o espiacuterito expansionista
tatildeo recorrente na histoacuteria brasileira e que se renova ao longo do contexto de expansatildeo da
fronteira agriacutecola recente
Sabemos que a narrativa produzida em determinada conjuntura poliacutetica
cultural ou econocircmica estaacute condicionada a um momento histoacuterico e atrelada agrave
linguagem utilizada pode ser uma das vias por onde a ideologia se materializa O
ldquoaventureirordquo eacute descrito e se auto- identifica como explorador e grande desbravador de
espiacuterito empreendedor sendo portanto ele o pioneiro em tudo porque enfrentou
inuacutemeras dificuldades Assim produz discursos embasados em espaccedilos difiacuteceis de
sertatildeo obstaacuteculos naturais e o potencial arrojado do sujeito empreendedor inicial
Aleacutem disso o texto enfatiza que todo esse esforccedilo natildeo tinha como objetivo o
lucro o interesse proacuteprio a cobiccedila como se observa nesse fragmento do texto de Pires
(2002 p 10) ldquo[] Natildeo adentravam o sertatildeo em busca de bauacute recheado de preciosos
tesouros enterrados nas profundezas da terra A finalidade era trabalhar []rdquo Essas
narrativas remetem agrave trajetoacuteria do colonizador e de sua famiacutelia conforme a descriccedilatildeo
Minha histoacuteria comeccedila com o meu pai eacuteramos madeireiros ele
jaacute atuava no ramo por muitos anos faleceu e eu o substituiacute no
trabalho Na deacutecada de 50 me mudei para Satildeo Pedro dos
Ferros cidade jaacute com cinquenta anos de fundaccedilatildeo e sem
nenhuma participaccedilatildeo minha nem de algueacutem da minha famiacutelia
Compramos terra nesse municiacutepio onde foi implantado um
grande serviccedilo chegando a trabalhar dez mil pessoas no
desmatamento e formaccedilatildeo de aacutereas para a implantaccedilatildeo de
fazendas Quando o serviccedilo terminou eu estava com quarenta e
cinco anos de idade Acostumado desde muito cedo com serviccedilo
de grande porte utilizando grande nuacutemero de pessoas []
como fazendeiro comecei a me sentir meio ocioso As
atividades que eu tinha em minha fazenda natildeo eram suficientes
para satisfazer o meu acircnimo para o trabalho (ENTREVISTA
com Rubens Rezende Peres colonizador de Vila Rica realizada
por Suely Gonccedilalves Santos Pires em 2002)
47
Podemos compreender que o colonizador ressalta na sua narrativa seu
perfil de empreendedor advindo de uma ldquoheranccedilardquo adquirida do pai que era
madeireiro Depois vai demonstrando como foi se adaptando agraves novas situaccedilotildees
[] Em Belo Horizonte eu tinha amigos entatildeo participei a
eles sobre a minha pretensatildeo em procurar terras para abrir
novas frentes de trabalho Geraldo Simotildees amigo de longas
datas falou-me ldquoEu arranjo o dinheiro e vocecirc entra com o
serviccedilordquo Convidou uma meia duacutezia de amigos nossos
ldquoAcreditamos na sua capacidade e vocecirc vai pra laacuterdquo Noacutes natildeo
temos experiecircncias suficientes nesse ramo de negoacutecio o que
nos dificultaria particularmente a implantaccedilatildeo de um trabalho
dessa ordem mas entramos com o dinheiro (ENTREVISTA
com Rubens Rezende Peres colonizador de Vila Rica-MT
realizada por Suely Gonccedilalves Santos Pires em 2002)
Neste relato percebe-se a autopromoccedilatildeo do colonizador ao demonstrar que
ele era um ldquotrabalhadorrdquo acostumado com ldquoserviccedilos de grande porterdquo com iniciativa
para conseguir agregar em seus empreendimentos outros ldquoamigosrdquo como Geraldo
Simotildees que foi um dos donos das fazendas abertas naquele periacuteodo Essa narrativa de
autopromoccedilatildeo estaacute dentro de uma loacutegica baseada no ideaacuterio de que o colonizador
deveria ter esse perfil de ldquoempreendedorrdquo e ldquopioneirordquo e que trabalhava e tudo fazia
A narrativa de autopromoccedilatildeo contrapotildee ao esquecimento de outros pioneiros
e trabalhadores na eacutepoca da formaccedilatildeo da cidade O esvaziamento de sentido aparece na
narrativa apenas como apecircndice da construccedilatildeo da histoacuteria oficial do ldquoprogressordquo e do
ldquopioneirismordquo denotando portanto a pouca importacircncia desses trabalhadores Essa
visatildeo reforccedila o discurso do ldquofui eu quem fizrdquo acentuando ainda mais uma visatildeo
capitalista evidenciada e reforccedilada nas referecircncias sobre as contribuiccedilotildees do Frigoriacutefico
de Vila Rica-MT
Guimaratildees Neto (2011 p 95) discute a relaccedilatildeo entre a colonizaccedilatildeo e os
dispositivos de poder a partir do imaginaacuterio da cidade sobre o trabalho A autora afirma
que ldquo[] no acircmbito dos discursos objetivam dotar de significado poliacutetico econocircmico e
social os espaccedilos destinados agrave colonizaccedilatildeo a pedra angular eacute a produccedilatildeo da ideia ou
invenccedilatildeo de uma vocaccedilatildeo agriacutecola para a Amazocircniardquo Entatildeo temos nesse caso uma
aproximaccedilatildeo dessa realidade entre os espaccedilos sociais e as contribuiccedilotildees dos sujeitos
para uma Paacutetria produtiva a partir de seus municiacutepios
48
A seguir temos outro exemplo de como o discurso do colonizador soa como
uma reivindicaccedilatildeo em torno do reconhecimento por parte de todos os demais sujeitos
histoacutericos jaacute que foi ele quem construiu tudo em uma eacutepoca em que tudo era muito
difiacutecil e trabalhoso
[] Fui para aquela regiatildeo procurei as terras sobrevoando a
regiatildeo mais sul possiacutevel do Amazonas Interessei-me pela
regiatildeo por ficar mais perto do sul Eu acreditava que a
influecircncia do Sul no futuro seria importante Achei finalmente
as terras [] Procurando passei em muitas fazendas para
verificar como os capins se desenvolviam naquelas regiotildees e
finalmente descobri uma aacuterea que satisfez minhas exigecircncias
[] Eram cento e cinquenta mil hectares comprei de uma
firma do Rio Grande do Sul e posteriormente vendi parte dela
cinquenta mil hectares para fazendeiros de Ituiutaba -MG O
restante eu fiz sete fazendas para este grupo de Belo Horizonte
que jaacute tinha entrado com o dinheiro para a aquisiccedilatildeo da terra
(ENTREVISTA com Rubens Rezende Peres colonizador de
Vila Rica-MT realizada por Suely Gonccedilalves Santos Pires em
2002)
Ao contraacuterio da narrativa oficial do colonizador que exalta os seus esforccedilos e
problemas o relato oral de alguns colonos demonstra precisamente que foram eles que
enfrentaram os maiores problemas superaram os piores desafios e venceram por
esforccedilos pessoais e coletivos quando necessaacuterio
Noacutes eacuteramos seis famiacutelias aiacute com 15 dias em Mato Grosso o
pessoal comeccedilou adoecer com malaacuteria que ateacute entatildeo era
desconhecida pra gente quando o pessoal foi negociar as
terras disseram que aqui era um lugar muito sadio natildeo tinha
doenccedila Entatildeo quem tinha condiccedilatildeo voltou a ir embora e noacutes
ficamos aqui soacute que aiacute acabou tudo com doenccedila e fomos
trabalhar como peotildees pra quem tinha mais Ai depois de
alguns anos a gente mudou daquele local e procuramos um
lugar onde natildeo tinha doenccedila malaacuteria ateacute chegar na cidade de
Vila Rica-MT voltar a morar na cidade Aqui eu vendia picoleacute
limpava quintal trabalhei de servente de pedreiro ateacute que
surgiu a oportunidade pra ir estudar fora eu fui a estudar em
Satildeo Paulo (ENTREVISTA com Gilmar Assentado realizada
pela autora em marccedilo de 2015 Grifos do autor)
O relato mostra que havia colonos insatisfeitos com a aquisiccedilatildeo do lote e que
tinham vontade ou mesmo conseguiram voltar para seus lugares de origem Poreacutem
49
percebe-se tambeacutem a existecircncia de objetivos na vida destas pessoas como a luta pela
sobrevivecircncia e por ocupaccedilatildeo de destaque no espaccedilo social
Para aleacutem dessa problemaacutetica sobre a narrativa e o discurso do colonizador
um dos elementos principais foi o papel de instituiccedilotildees e oacutergatildeos puacuteblicos na criaccedilatildeo e
emancipaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica que se deu principalmente por meio de
programas e poliacuteticas puacuteblicas ligadas ao incentivo agrave colonizaccedilatildeo e a reocupaccedilatildeo por
meio de empresas agropecuaacuterias
121 O papel das instituiccedilotildees e oacutergatildeo puacuteblicos as empresas agropecuaacuterias
e a colonizadora
Conforme jaacute contextualizado a atuaccedilatildeo do Governo Federal atraveacutes de
projetos e poliacuteticas puacuteblicas foi fundamental para a criaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica-
MT O Programa de Redistribuiccedilatildeo de Terras e de Estiacutemulo agrave Agroinduacutestria do Norte
(Proterra) criado em 1971 foi um dos principais programas federais de financiamento
das agropecuaacuterias daquela aacuterea Esse programa objetivava dentre outras metas
promover o acesso agrave terra e agrave agroindustrializaccedilatildeo na aacuterea onde jaacute havia investimentos
feitos pela Sudam Ressaltamos que os objetivos idealizados natildeo foram necessaria e
igualmente realizados
No discurso do Proterra a ldquo[] aquisiccedilatildeo ou desapropriaccedilatildeo de terras de
interesse social empreacutestimos fundiaacuterios para pequenos e meacutedios produtores rurais
financiamento de projetos de agroindustrializaccedilatildeo subsiacutedios ao uso de insumos
modernos []rdquo Era um programa de governo que idealizou a organizaccedilatildeo de alguns
espaccedilos agraacuterios de maneira singular Cruzando com as fontes orais eacute possiacutevel verificar
o impacto desse programa na formaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica
[] Na eacutepoca o governo estava dando estiacutemulo para a
ocupaccedilatildeo da Amazocircnia Legal Era uma modalidade de
empreacutestimo por nome Proterra que o Banco do Brasil dava
Esse recurso era destinado agrave implantaccedilatildeo de Fazendas na
regiatildeo [] Fiz um projeto para cada um dos meus amigos e
criamos uma empresa para a implantaccedilatildeo das fazendas
denominadas de SERVAP exclusivamente nossa composta por
seis soacutecios e dirigida por meu filho Claudio [] Todo aquele
trabalho no Mato Grosso foi dirigido por mim Implantei todas
as fazendas de acordo com os Projetos do BB fizemos pastos
currais as cercas e compramos o gado para depois de quatro
ou cinco anos poder entregar as referidas fazendas para cada
50
um dos soacutecios [] Nesse periacuteodo surgiu a oportunidade de
comprar mais cem mil hectares de terras anexas agraves nossas e
que pertenciam na eacutepoca ao Sr Osvaldo Aranha ou melhor a
uma empresa dele Logo em seguida compramos a Urupianga
(ENTREVISTA com Rubens Rezende Peres colonizador de
Vila Rica - MT realizada por Soely Gonccedilalves Santos Pires em
2002)
O colonizador Rubens Rezende considera como meacuterito do colonizador
ousadia ldquodesbravamentordquo e ldquoempreendedorismordquo como base apoio e financiamentos
de programas do Governo Federal viabilizados pelo Banco do Brasil A deacutecada de
1970 sobretudo as os anos de 1970-1973 e 1975-1979 foi marcada pela execuccedilatildeo de
um programa de crescimento econocircmico na fronteira Amazocircnica quando o Governo
Federal estimulou as empresas privadas a se constituiacuterem em grandes empreendimentos
agropecuaacuterios Esses projetos eram majoritariamente aqueles que viabilizados pela
parceria entre as empresas estatais e privadas
Na execuccedilatildeo desse projeto de crescimento econocircmico do Brasil sobretudo
para a Amazocircnia o Governo Federal subsidiou e viabilizou a concessatildeo de terras para
que grupos empresariais pudessem instalar grandes projetos tanto no setor
agropecuaacuterio como na induacutestria mineraccedilatildeo e colonizaccedilatildeo No espaccedilo do Araguaia as
empresas agropecuaacuterias tiveram significativa presenccedila
Os projetos e programas do Governo Federal contaram com duas principais
frentes de atuaccedilatildeo atraveacutes da Sudam paralelamente com a atuaccedilatildeo do INCRA com
projetos de assentamentos rurais Assim as terras devolutas foram vendidas pelo
Governo Estadual e adquiridas a preccedilos baixos por empresaacuterios agricultores
profissionais liberais atraiacutedos pelos incentivos fiscais e oportunidades de expansatildeo de
capital fomentado por projetos agropecuaacuterios aprovados pela Sudam Comprar e
administrar extensas fazendas na Amazocircnia parecia ser um bom negoacutecio jaacute que oferecia
baixo risco
Lourenccedilo (2009) informa que no periacuteodo de 1970 a 1985 a Amazocircnia Legal
teve 950 projetos aprovados pela Sudam dos quais 631 eram destinados agrave pecuaacuteria
extensiva Embora a previsatildeo de duraccedilatildeo desses projetos fosse de 16 anos a produccedilatildeo
era em meacutedia 9 do que tinha sido proposto Havia ainda as fazendas agropecuaacuterias
que natildeo produziam praticamente nada aleacutem daquelas que soacute existiam no papel
constituiacutedas apenas para a captaccedilatildeo de financiamentos e incentivos fiscais
51
No iniacutecio da deacutecada de 1970 o Governo Federal permitiu que as empresas de
colonizaccedilatildeo privada participassem juntamente com o INCRA da colonizaccedilatildeo na
Amazocircnia Segundo Lourenccedilo (2009 p 4)
O outro braccedilo da estrateacutegia de ocupaccedilatildeo da Amazocircnia com o
grande capital foi o avanccedilo da colonizaccedilatildeo privada Entre o
comeccedilo dos anos 1970 e meados dos anos 1980 principalmente
no Norte do Mato Grosso empresaacuterios como Ecircnio Pepino
Ariosto da Riva e Joatildeo Carlos Meireles compraram do INCRA
ou do estado do Mato Grosso com financiamento fundiaacuterio do
Proterra imensas glebas para divisatildeo e venda de lotes a colonos
do Sul expulsos pela modernizaccedilatildeo excludente da agricultura
ou afetados pela construccedilatildeo de hidreleacutetricas Os nomes das
cidades na metade norte do estado satildeo reveladores de suas
origens na empresa privada Sinop (Sociedade Imobiliaacuteria
Noroeste do Paranaacute) Confresa (Colonizadora Frenova Sapesa)
Contriguaccedilu (Cooperativa Central Regional Iguaccedilu) Codeara
(Companhia de Desenvolvimento do Araguaia do Banco de
Creacutedito Nacional) e outros nomes menos reveladores mas de
mesma origem como Alta Floresta (Indeco) Nova Mutum
(Agropecuaacuteria Mutum) Vila Rica-MT (Colonizadora Vila
Rica-MT) Tucumatilde (Construtora Andrade Gutierrez no Paraacute)
entre vaacuterios outros (Grifos nossos)
Em Mato Grosso as empresas de colonizaccedilatildeo privada adquiriram vaacuterios
milhotildees de hectares de terras puacuteblicas que foram loteadas e revendidas sobretudo para
agricultores que migraram do Sul do Brasil O INCRA que era responsaacutevel pela
colonizaccedilatildeo na Amazocircnia desenvolveu poucos projetos de colonizaccedilatildeo em Mato
Grosso deixando o campo aberto para as empresas privadas
Pouco foi investido por parte de posteriores Governos Federais e Estaduais na
permanecircncia dos assentados em suas terras centralizando os anseios e reinvindicaccedilotildees
ainda no INCRA Somente em 1999 o Governo Federal criou o Ministeacuterio do
Desenvolvimento Agraacuterio (MDA) Este oacutergatildeo se ocupou do reordenamento agraacuterio e
regularizaccedilatildeo fundiaacuteria na Amazocircnia Legal promoccedilatildeo do desenvolvimento sustentaacutevel
da Agricultura Familiar das regiotildees rurais e na identificaccedilatildeo reconhecimento
delimitaccedilatildeo demarcaccedilatildeo e titulaccedilatildeo das terras ocupadas pelos remanescentes das
comunidades quilombolas
Estes oacutergatildeos (INCRA e MDA) foram responsaacuteveis pelo desenvolvimento da
poliacutetica permanente de criaccedilatildeo de assentamentos rurais no paiacutes enquanto mediadores da
aquisiccedilatildeo ou de expropriaccedilatildeo de novas aacutereas de terras privadas ou puacuteblicas aleacutem da
52
realizaccedilatildeo da regularizaccedilatildeo de assentamentos rurais em aacutereas ocupadas por posseiros de
forma ldquomansardquo e paciacutefica ou seja onde natildeo havia conflito
O INCRA definiu o ldquoProjeto de assentamento ruralrdquo (PA) como
[] um conjunto de unidades agriacutecolas independentes entre si
instaladas pelo INCRA onde originalmente existia um imoacutevel
rural pertencente a um uacutenico proprietaacuterio Cada unidade
chamada de parcela lote ou gleba eacute entregue a uma famiacutelia sem
condiccedilotildees econocircmicas para adquirir e manter um imoacutevel rural
por outras vias Os trabalhadores rurais que recebem o lote
comprometem-se a morar na parcela e a exploraacute-la para seu
sustento utilizando a matildeo de obra familiar e contando com
creacuteditos assistecircncia teacutecnica infraestrutura e outros benefiacutecios
de apoio ao desenvolvimento das famiacutelias assentadas Ateacute que
possuam a escritura do lote os assentados estaratildeo vinculados ao
INCRA e natildeo poderatildeo dispor da gleba sem anuecircncia ou
autorizaccedilatildeo do INCRA10
Como assinalado acima o assentamento rural na definiccedilatildeo apresentada pelo
MDA teve como origem um uacutenico imoacutevel rural dividido em vaacuterias partes denominadas
de ldquoparcela lote ou glebardquo Ressalta-se que estes lotes foram destinados ldquo[] a uma
famiacutelia sem condiccedilotildees econocircmicas para adquirir e manter um imoacutevel ruralrdquo e que os
mesmos ldquo[] comprometem-se a morar na parcela e a exploraacute-la para seu sustento
utilizando a matildeo de obra familiarrdquo (INCRA 2015)
No municiacutepio de Vila Rica-MT a criaccedilatildeo e formaccedilatildeo dos assentamentos
rurais teve influecircncia direta no processo de colonizaccedilatildeo e instalaccedilatildeo de projetos
agropecuaacuterios (fazendas) O processo de reocupaccedilatildeo daquele espaccedilo comeccedilou com a
empresa SERVAP que realizou a exploraccedilatildeo desmatamento formaccedilatildeo de pastagens
currais e casas para as fazendas
122 A Servap e a abertura das Fazendas Promissatildeo Satildeo Marcos Aracatiacute e
Porongaba
Apoacutes a ldquoaberturardquo inicial a Servap transferiu parte das terras para a
Colonizadora Vila Rica O colonizador se responsabilizou pela comercializaccedilatildeo das
terras uma vez que seus soacutecios natildeo tinham experiecircncia com esse tipo de
10 Disponiacutevel em lt httpwwwincragovbrassentamentogt Acesso em 19052015
53
empreendimento Assim sendo segundo Pires (2002 p 22) os soacutecios realizaram a
divisatildeo das fazendas entre os mesmos por meio de um sorteio como foi relatado por
alguns funcionaacuterios da antiga empresa SERVAP
A ideia de praticar o sorteio foi vista como estrateacutegia para natildeo gerar
descontentamento jaacute que havia diferenccedila entre as fazendas em termos de valorizaccedilatildeo
da aacuterea o que tinha relaccedilatildeo com a infraestrutura os investimentos realizados e a
distacircncia da fazenda com a estrada por onde passaria a rodovia BR-158
A SERVAP tambeacutem tinha uma serraria e uma oficina de marcenaria para
atender a demanda de exploraccedilatildeo de madeira a qual era utilizada para a construccedilatildeo de
cercas currais e casas No iniacutecio a maioria das casas da aacuterea era construiacuteda com
madeira
Retomando o relato oral do ldquodito pioneirordquo eacute possiacutevel considerar a hipoacutetese
de que a praacutetica de exploraccedilatildeo de madeira esteja relacionada agrave proacutepria experiecircncia de
vida pois eacute ele mesmo quem diz ldquo[] minha histoacuteria comeccedila com o meu pai eacuteramos
madeireiros ele jaacute atuava no ramo por muitos anos faleceu e eu o substituiacute no
trabalhordquo (ENTREVISTA com Mendonccedila apud Soely 2002)
Na sede da empresa havia ainda uma pista para pouso de aviotildees e uma aacuterea
que servia como local de encontro ldquodos peotildeesrdquo que trabalhavam na SERVAP Os peotildees
costumavam ali se reunir nos horaacuterios de folga daiacute o lugar ser nomeado como ldquoPraccedila
Seterdquo Segundo Pires (2002 p 22) o nome era uma homenagem agrave cidade de Belo
Horizonte capital de Minas Gerais jaacute que a grande maioria das pessoas que trabalhava
na Servap era oriunda daquele Estado Esse espaccedilo tambeacutem se constituiu no eixo que
marcava a divisatildeo das quatro fazendas que deram origem ao processo de colonizaccedilatildeo de
Vila Rica conforme a Figura 4
Figura 4 Croqui de localizaccedilatildeo das fazendas
54
Fonte PIRES 2002 p 10
E como haviam sido ldquocriadasrdquo segundo o colonizador outras trecircs fazendas a
nova organizaccedilatildeo das agropecuaacuterias ocorreu da seguinte maneira ldquoFazenda Aracati
passou a ser de propriedade apenas de Rubens Rezende Peres A Fazenda Promissatildeo de
propriedade de Geraldo Franccedila Simotildees A Fazenda Porongaba de propriedade de Alair
Fernandes A Fazenda Ipecirc ficou sendo de Jonas Barcelos enquanto a fazenda Satildeo Joseacute
tornou-se propriedade de Homero Schettino Jaacute a Fazenda Satildeo Marcos do senhor
Miguel Acircngelo Cansado e a Fazenda Acaiaca de Tuacutelio Feliacutecio da Silvardquo (PIRES
2002)
Algumas dessas fazendas tornaram-se ociosas em termos de produccedilatildeo outras
nunca tiveram atividade agropecuaacuteria efetivada e outras faliram como foi descrito por
Lourenccedilo (2009 p 4) ao referir-se ao contexto dos projetos agropecuaacuterios na
Amazocircnia sobretudo no Araguaia
[] que existiu de fato foi o conflito crocircnico entre as grandes
fazendas e as populaccedilotildees camponesas que jaacute habitava a suposta
ldquoterra sem homensrdquo [] O Meacutedio Araguaia e a regiatildeo de
contato entre as bacias do Araguaia e Xingu foram palco de
inuacutemeros conflitos violentos entre posseiros apoiados pela
Igreja Catoacutelica e grandes fazendeiros que reclamavam de
imensas porccedilotildees de terra11
11Disponiacutevel em lthttpinteressenacionaluolcombrindexphpedicoes-revistaregularizacao-
fundiaria-e-desenvolvimento-na-amazoniagt Acesso em 28082015
55
As aacutereas remanescentes tornaram-se objeto de interesse e disputa por parte de
posseiros agricultores familiares grileiros e fazendeiros Logo natildeo eacute possiacutevel falar de
sucesso contiacutenuo e permanente dos processos de colonizaccedilatildeo ainda que estejam no
ideaacuterio do colonizador Alguns desses projetos privados se sustentaram e deram
resultado poreacutem outros ficaram a mercecirc da administraccedilatildeo dos proprietaacuterios das
empresas colonizadoras
A especificidade da formaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica-MT
estaacute centrada em uma conjuntura regional que pode ser problematizada pela forma com
que os assentamentos rurais foram sendo formados em aacutereas remanescentes de fazendas
e projetos agropecuaacuterios
13 Anos de 1980 a 1990 o Araguaia e a formaccedilatildeo dos assentamentos rurais
Na presente dissertaccedilatildeo produzimos uma narrativa sobre a formaccedilatildeo dos
assentamentos rurais no Araguaia compreendemos que os mesmos resultaram das lutas
travadas pelos movimentos sociais desencadeados pelos posseiros em busca de terra
para morar e produzir Essa concepccedilatildeo pode ser compartilhada com a ideia de que
apesar da evidecircncia de o assentado nem sempre ser aquele idealizado natildeo se pode
perder de vista que ldquoposseirordquo eacute uma categoria poliacutetica de luta pela terra Assim nossa
escrita deseja ampliar a possibilidade de entender esse jogo poliacutetico de construccedilatildeo social
da vida ldquocampesinardquo atraveacutes da luta pela terra
Conveacutem entatildeo compreender que os conflitos e praacuteticas de violecircncia
aplicadas contra os povos indiacutegenas ribeirinhos posseiros e trabalhadores rurais no
Araguaia satildeo em geral consequecircncia das lutas pela posse da terra sobretudo nas
deacutecadas de 1970 1980 e 1990 Naquele periacuteodo as disputas foram marcadas por
embates intensos entre trabalhadores rurais indiacutegenas empresaacuterios comerciantes
fazendeiros e posseiros deixando sequelas sociais profundas Vale lembrar ainda que
esses acontecimentos marcaram a trajetoacuteria de luta pela vida e a memoacuteria dos sujeitos
histoacutericos na dinacircmica de reocupaccedilatildeo e apropriaccedilatildeo dos espaccedilos rurais da aacuterea
Diante do cenaacuterio de luta pela sobrevivecircncia e tentativas de conquistar a
posse da terra eacute bem possiacutevel aceitar e afirmar que se natildeo fosse o apoio e as accedilotildees
poliacuteticas de algumas instituiccedilotildees como a Prelazia de Satildeo Felix do Araguaia da
56
Comissatildeo Pastoral da Terra (CPT) e os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais em favor
dos posseiros e indiacutegenas o territoacuterio do Araguaia hoje teria outra configuraccedilatildeo social
e cultural Da mesma maneira teriacuteamos outras histoacuterias e outras relaccedilotildees sociais para
analisar e compreender a dinacircmica da vida ldquocampesinardquo na luta por seus ideais
Essas circunstacircncias satildeo tatildeo especiais que o proacuteprio aparato estatal
reconheceu os esforccedilos das instituiccedilotildees sociais e religiosas na proteccedilatildeo amparo e
contribuiccedilatildeo para com a vida dos ldquopequenosrdquo lutadores pela vida Esses documentos
por exemplo demonstram os acontecimentos para o MDA (2014 p 17) da seguinte
maneira
Cabe destacar ainda o importante papel da Igreja e dos
sindicatos dos trabalhadores rurais na intermediaccedilatildeo dos
conflitos agraacuterios e no proacuteprio processo de ocupaccedilatildeo atraveacutes da
organizaccedilatildeo das comunidades rurais e estruturaccedilatildeo dos
municiacutepios Ainda hoje a CPT realiza accedilotildees de fiscalizaccedilatildeo e
denuacutencias de trabalho escravo e violecircncia no campo na
microrregiatildeo norte Araguaia
Em plena concordacircncia com o significado atribuiacutedo pelo MDA reafirmamos
que os posseiros e trabalhadores rurais do territoacuterio do Araguaia recorreram a diferentes
estrateacutegias e instituiccedilotildees reordenando determinadas estrateacutegias diante do processo de
reocupaccedilatildeo territorial que ora se revelavam ldquoespontaneamenterdquo ora se mostraram de
forma pensada e arquitetada ganhando singularidades adequadas e bem ordenadas
quando articuladas agrave CPT e agrave Prelazia de Satildeo Felix do Araguaia
Tais instituiccedilotildees desenvolveram eficientes accedilotildees projetivas e formativas das
equipes dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais da aacuterea marcadas por distintos tipos
de comportamentos e de relaccedilotildees proacuteximas entre sujeitos e instituiccedilotildees produzindo
diversos significados na vida de um povo de uma instituiccedilatildeo ou de uma autoridade
Assim ao apresentar o livro Conquistar a Terra reconstruir a Vida lanccedilado
em comemoraccedilatildeo aos dez anos de existecircncia da CPT uma das mais importantes
autoridades religiosas daquela aacuterea o bispo da Prelazia de Satildeo Feacutelix do Araguaia Dom
Pedro Casaldaacuteliga resolveu de uma maneira poeacutetica e profeacutetica produzir sentido como
um cacircntico de liberdade e de determinaccedilatildeo de um povo registrando sua compreensatildeo da
seguinte forma
57
Celebrar os dez anos da Comissatildeo Pastoral da Terra deve ser
simultaneamente um ato penitencial uma memoacuteria de martiacuterio
e uma cantiga rural de accedilatildeo de graccedilas
A CPT tem os seus pecados Inimigos e amigos cuidaram e
cuidam de lembraacute-lo oportuna e inoportunamente E isso nos
faz Ser criacuteticos e autocriacuteticos deveria ser um traccedilo de
identidade marcante em toda a pastoral que se queira
historicamente engajada e fiel ao ritmo popular A accedilatildeo de
graccedilas queremos cantaacute-la porque o Deus dos Pobres da Terra
se tem feito presente de muitos modos nesta nossa caminhada
entre os lavradores e os agentes na proacutepria CPT e a partir dela
em outros setores da Igreja do Brasil e tambeacutem em Igrejas e
movimentos rurais da Ameacuterica Latina que a CPT de alguma
maneira atingiu com suas contribuiccedilotildees
Superados o tempo da saudade e a saudade- que nem todos
conseguem superar- daquela Accedilatildeo Catoacutelica e seus derivados
mais com o esquema da Igreja ldquosociedade perfeita paralela agrave
sociedade humana a CPT trouxe inegavelmente agrave Igreja do
Brasil uma novidade pastoral seguindo o jeito pioneiro do
CIMIrdquo
[] Sei que muitos mais ou menos amigos- reclamaram com
frequecircncia do ldquoPrdquo nem sempre bem vivido da nossa CPT
agora mocinha de 10 anos Outros reclamaram do ldquoTrdquo
obsessivamente vivido pela CP segundo eles
(CASALDAacuteLIGA 1985 p 7-8)
Percebemos no texto uma evidente preocupaccedilatildeo de Dom Pedro Casaldaacuteliga
em reconhecer os ldquopecados da CPTrdquo que satildeo constantemente debatidos por ldquoinimigos e
amigosrdquo que apontam os problemas causados pelas accedilotildees da CPT e da Prelazia de Satildeo
Feacutelix do Araguaia As criacuteticas quanto ao fato da CPT ser uma ldquopastoralrdquo satildeo
evidenciadas pelo bispo que sabe que muitos satildeo os criacuteticos dessa forma de organizaccedilatildeo
e luta pastoral mas pondera que
Com a graccedila do Senhor da Terra e na marcha diaacuteria para a Terra
Prometida que se recebe e se conquista desafio histoacuterico e dom
escatoloacutegico procuramos conjugar melhor com mais garra
com nova alegria mais autenticamente evangeacutelicos e rurais o
ldquoP‟ e o ldquoTrdquo de uma Pastoral da Terra criacutetica livre e servidora A
foacutermula providencial da CPT estaacute longe de se esgotar
(CASALDAacuteLIGA 1985 p 8)
Logo Dom Pedro aponta para a necessidade de a CPT ter sua praacutetica
ancorada na necessidade dos atores sociais e que essa situaccedilatildeo estaacute ldquolonge de se
esgotarrdquo Ressaltamos que mesmo diante de equiacutevocos praticados a atuaccedilatildeo dessa
instituiccedilatildeo e de seus agentes foi decisiva para a dinacircmica da luta pela terra no Araguaia
58
Nas palavras de Dom Pedro fica evidente o caraacuteter de uma consciecircncia dos
atores sociais para a luta
Queria e quero estar evangelicamente - evangelizadoramente
tambeacutem - em meio ao povo lavrador reforccedilando sua
consciecircncia e a coragem unida de suas lutas sem entretanto
substituir jamais suas organizaccedilotildees autocircnomas sem dirigi-lo
condicionadamente Ouvindo-o muito mais perto Ajudando
toda a Igreja do Brasil a se aproximar desse povo profeacutetica e
servidora Voltando- se tambeacutem para a opiniatildeo puacuteblica do paiacutes
como porta-voz de emergecircncia e alto falante privilegiado do
clamor dos lavradores durante este escuro tempo nacional que
proibia ou tergiversava ou ignorava a voz do povo
(CASALDAacuteLIGA 1985 p 7)
O bispo ainda fez uma anaacutelise de conjuntura em que a luta pela terra os
direitos e a permanecircncia nela natildeo satildeo problemas superados
Gostaria de acrescentar apenas que esse tempo escuro mal
comeccedila a clarear A Nova Repuacuteblica pode muito bem ser uma
nova ilusatildeo uma nova fraude Os senhores deste mundo nosso
colonizado e dependente poderatildeo permitir que mudem os
governos e ateacute os regimes e ateacute os regimes filiais sempre que se
preserve a alma sem alma do sistema E com se mantenha o
sacrifiacutecio do Povo e sua escravidatildeo particularmente no campo
sempre cobiccedilado pelos sucessivos impeacuterios
E porque esse tempo natildeo passou ainda- amanhece na incerteza-
a Igreja toda do Brasil e a CPT em sua missatildeo especiacutefica
deveratildeo se hoje mais do que nunca servidoras alertadas do
Povo dos pobres De um jeito novo sem duacutevida mais fina a
profecia mais plural a presenccedila do diaacutelogo mais largo os
passos mais concretos []
Como me sinto parte nesta causa natildeo entro em mais juiacutezos Eu
e a CPT carregados carregamos no coraccedilatildeo um monte de nomes
entranhados que o senhor sem duacutevida escreveraacute com terra e
sangue no Livro da Terra Este livro jubilar de palavras e papel
sirva para recordar para avaliar para estimular a caminhada
sempre fiel e sempre nova (CASALDAacuteLIGA 1985 p 10)
Atraveacutes das palavras do bispo Dom Pedro podemos compreender melhor a
perspectiva da accedilatildeo da CPT e o significado da relaccedilatildeo entre posseiros e as instituiccedilotildees
religiosas especificamente atraveacutes de seus agentes e grupos sociais muacuteltiplos e diversos
que vivem no Araguaia indiacutegenas retireiros trabalhadores rurais posseiros sertanejos
peotildees dentre outros grupos sociais ligados agrave terra e ao trabalho
59
Dom Pedro utiliza palavras esforccedilando-se para natildeo julgar natildeo ofender natildeo
dividir natildeo pregar o oacutedio evitando falar sobre o desafio do poder constituiacutedo ou das
forccedilas dos poderes sociais e econocircmicos visiacuteveis na sociedade Ao contraacuterio reconhece
o valor das lutas relembra a anguacutestia e a necessidade delas valoriza a opccedilatildeo feita para
construir uma histoacuteria de uma instituiccedilatildeo e acima de tudo compromete-se com os
grupos sociais fragilizados e vitimizados do Araguaia
Seus escritos soam como um lamento como um choro de alegria por ter
realizado o sonho de estar partilhando a vontade de vencer e sobreviver na sociedade
capitalista Portanto trata-se nessa longa citaccedilatildeo de uma arte de compor a frase de
compor o sentido dos acontecimentos em belas frases de mergulhar no mundo das
letras para reafirmar questotildees sublimes da sensibilidade humana que se deslocam agraves
instituiccedilotildees colocando em movimento um conjunto de recursos que servem para a luta
na disputa pela terra e em defesa dos socialmente fragilizados Talvez seja este
fragmento de texto uma oraccedilatildeo que orientou seu sentido de vida enfim que o moveu
para o terreno da poliacutetica da Igreja Catoacutelica em defesa de setores sociais empobrecidos
Sem descuidar da compreensatildeo deles a Igreja ampliando o trajeto para
multiplicar nossa capacidade de conhecer possibilitou que compreendecircssemos outras
contribuiccedilotildees Assim para Ferreira Fernaacutendez e Silva (1999) a histoacuteria dos
assentamentos rurais em Mato Grosso natildeo foge agraves caracteriacutesticas de outras regiotildees do
Brasil A maior parte deles eacute resultado da luta dos posseiros que demandavam terra e
moradia
A partir daqui nossa visatildeo da disputa pela terra se amplia no sentido de
perceber a intervenccedilatildeo de setores sociais em defesa de seus respectivos grupos Cada
um deles possui uma agremiaccedilatildeo que produz a disputa no terreno da religiatildeo ou da
poliacutetica Compreendida desta forma fica mais intensa nossa necessidade de estudar
ainda mais a participaccedilatildeo dos movimentos sociais sindicais e religiosos na luta pela
terra
Isso porque a primeira vitoacuteria de uma luta pela terra tem como fator decisivo
a posse de um territoacuterio e isso depende das relaccedilotildees que se estabelecem Por isso de
acordo com Fernandes (1996 p 181) ldquo[] O assentamento eacute o territoacuterio conquistado
eacute portanto um novo recurso na luta pela terra que significa parte das possiacuteveis
conquistas representadas sobretudo a possibilidade da Territorializaccedilatildeordquo
60
Sendo assim eacute relevante compreender as diversas accedilotildees que envolvem o
processo de luta e conquista da terra sendo preciso compreender as taacuteticas de luta e as
estrateacutegias ordenadas para a conquista e natildeo conhecer apenas o ato de regularizaccedilatildeo
oficial do assentamento rural Afinal a oficializaccedilatildeo de um assentamento rural natildeo diz
tudo sobre a luta pela terra Apenas legitima sua posse de acordo com as orientaccedilotildees
estatais
Portanto as relaccedilotildees produzidas as accedilotildees articuladas de maneira organizada
entre sujeitos e instituiccedilotildees levam a um novo mundo de reconfiguraccedilatildeo das afinidades
Nessa mesma perspectiva Salazar (2005 p 217) afirma que
Em um mesmo territoacuterio se pode encontrar diferentes
assentamentos humanos articulados entre si ou natildeo na medida
em que cumprem um papel social econocircmico cultural e
poliacutetico dentro da sociedade que o faz possiacutevel e dentro do
sistema econocircmico ao qual se vinculam O caraacuteter e o
desenvolvimento das poliacuteticas estatais frente ao territoacuterio e agrave
populaccedilatildeo tambeacutem condicionam a apropriaccedilatildeo que faccedila [sic] a
sociedade do espaccedilo e seus recursos
Agrave luz da concepccedilatildeo do autor pode-se considerar que os assentamentos rurais
constituem vivecircncias e experiecircncias e satildeo permeados por relaccedilotildees fortemente marcadas
por disputas e perspectivas de poder interesses intenccedilotildees poliacuteticas e percepccedilotildees
diferentes acerca da funccedilatildeo e das relaccedilotildees constituiacutedas entre o Estado e a Sociedade
entre os proacuteprios participantes e componentes das organizaccedilotildees sociais
Logo as poliacuteticas puacuteblicas direcionadas aos assentamentos rurais criam
tambeacutem elementos de competiccedilatildeo pelo poder na medida em que lhes satildeo atribuiacutedos
novos sentidos e significados Isto se deve ao fato de que eacute atraveacutes das praacuteticas e dos
discursos que os diferentes sujeitos histoacutericos criam e recriam a representaccedilatildeo acerca da
funccedilatildeo dos assentamentos rurais
Ao considerar os muacuteltiplos contextos no que concerne agraves condiccedilotildees de luta
dos assentados pela Reforma Agraacuteria percebemos que estes atores sociais recorreram a
diferentes estrateacutegias para atraiacuterem a atenccedilatildeo das autoridades enquanto Poder Puacuteblico
No cenaacuterio das disputadas nos movimentos de organizaccedilatildeo das lutas nas composiccedilotildees
coletivas para enfrentamento das individualidades do poder econocircmico e diante da
violecircncia que sempre emergiu na luta pela terra desde os recursos proporcionados pela
miacutedia ateacute o enfrentamento com pistoleiros e fazendeiros os agentes que reivindicam
61
terra disputam a articulaccedilatildeo entre sujeitos e instituiccedilotildees entre oacutergatildeos e instacircncias de
poder
Esse movimento natildeo se limita somente ao enfrentamento dos portadores de
tiacutetulos e ou proprietaacuterios de terra ou entre grandes posseiros ou grileiros de terras
puacuteblicas Necessariamente os estudos devem caminhar no sentido de perceber outras
variaccedilotildees no seu interior
Conforme Ferreira Fernaacutendez e Silva (2009 p 197)
Em Mato Grosso as poliacuteticas de assentamento dos
trabalhadores rurais principalmente a colonizaccedilatildeo (oficial e
privada) e os assentamentos de reforma agraacuteria sobre vaacuterios
aspectos devem ser mais estudados de dupla matildeo certamente
natildeo se referem a daacutedivas mas agraves conquistas dos trabalhadores
em accedilatildeo conjunta com o estado O assentamento de reforma
agraacuteria eacute um processo em curso repleto de fatores positivos e
limitaccedilotildees que coloca no plano social poliacutetico econocircmico e
ambiental possibilidades de ecircxito da produccedilatildeo familiar no
campo
Os autores chamam a atenccedilatildeo para o fato de que ao tomarmos os
assentamentos rurais em Mato Grosso como objeto de estudo eles devem ser estudados
em uma perspectiva que aponte o percurso e os significados das lutas sociais frente agrave
conquista de novos territoacuterios Ao mesmo tempo natildeo devemos limitar nossos olhares
simplesmente para os conflitos entre os grupos sociais diferenciados mas tambeacutem para
os conflitos com o proacuteprio poder puacuteblico sem esquecer as transformaccedilotildees das
condiccedilotildees de vida das pessoas que vivem da produccedilatildeo familiar Assim eacute preciso
perceber que haacute cooperaccedilatildeo compartilhamento de interesses em alguns aspectos mas
em outras circunstacircncias tambeacutem existe a necessidade de intensificar nossos
conhecimentos sobre tais processos
Por outro lado os mesmos autores consideram como questatildeo importante
tambeacutem destacar que embora os assentamentos rurais em Mato Grosso se revelem
como uma alternativa promissora na dinamizaccedilatildeo da economia e promoccedilatildeo do
desenvolvimento local os mesmos ainda estatildeo longe de serem consolidados enquanto
poliacutetica puacuteblica
De maneira especial no que tange agraves accedilotildees do Estado no sentindo de
viabilizar a infraestrutura necessaacuteria ao desenvolvimento pleno da Agricultura Familiar
e de potencializar essa modalidade de produccedilatildeo como alternativa para manutenccedilatildeo do
62
conjunto social no territoacuterio de produccedilatildeo e no espaccedilo de trabalho em que se realiza mais
como ser humano e como trabalhador
Desse modo eacute possiacutevel afirmar que o artifiacutecio da Reforma Agraacuteria deve vir
sustentado pela intensificaccedilatildeo e realizaccedilatildeo de outros elementos para que de fato e de
direito sejam asseguradas as condiccedilotildees necessaacuterias agrave ascensatildeo social e econocircmica dos
agricultores familiares Para isso eacute preciso que surjam novas accedilotildees visando a alteraccedilatildeo
dos espaccedilos institucionais no acircmbito local e regional
Soacute assim haveraacute efetivamente a possibilidade de melhoria das condiccedilotildees de
vida daqueles que sobrevivem da produccedilatildeo nos assentamentos rurais Especialmente eacute
necessaacuterio compreender que melhorando a vida no campo melhoramos a vida na
cidade onde a maior parte da populaccedilatildeo depende dos que produzem no campo para se
alimentar e consequentemente para viver Esse deveria ser um principio poliacutetico de
cidadania para todos aqueles que se envolvem com a disputa pela terra e com a luta pela
conquista do territoacuterio de trabalho da populaccedilatildeo ldquocampesinardquo
O Projeto de assentamento rural se contemplado com accedilotildees do Estado
favorece o desenvolvimento econocircmico local desde que as poliacuteticas puacuteblicas
implementadas nos assentamentos rurais sejam direcionadas para o seu fortalecimento
oferecendo-lhes maior potencial econocircmico cultural e social com um planejamento que
lhes decirc sustentaccedilatildeo numa perspectiva de meacutedio e em longo prazo sem esquecer que
qualificar a produccedilatildeo ldquocampesinardquo significa tambeacutem promover o desenvolvimento do
comeacutercio e de outros setores da economia otimizando accedilotildees para novos padrotildees de
organizaccedilatildeo e melhoria das condiccedilotildees de vida da populaccedilatildeo urbana
Em relaccedilatildeo agraves poliacuteticas de Reforma Agraacuteria no Brasil Bergamasco amp Norder
(1996) consideram que os assentamentos rurais exercem papel importante no panorama
rural brasileiro de modo particular por contribuir de forma significativa nas
transformaccedilotildees sociais e econocircmicas por meio da geraccedilatildeo de novos empregos da
diminuiccedilatildeo do ecircxodo rural aumentando assim a produccedilatildeo e a oferta de alimentos Ou
seja os assentamentos rurais tecircm um papel significativo na produccedilatildeo agriacutecola do paiacutes
Para esses autores melhorar as condiccedilotildees de vida no campo sobretudo nos
assentamentos rurais significa elevar a situaccedilatildeo econocircmica da maioria das pessoas que
vive e depende da Agricultura Familiar como uacutenico meio e fonte de renda na garantia
do sustento familiar
63
Mas essas poliacuteticas puacuteblicas combinadas com poliacuteticas sociais passam por
um constante debate sobre redefiniccedilotildees e articulaccedilotildees a exemplo definir o que eacute um
assentamento rural o significado da territorializaccedilatildeo e da compreensatildeo do papel do
sujeito campesino na vida social de um povo Esse debate eacute promovido pela sociedade
civil que delibera demandas e propotildee mudanccedilas nos oacutergatildeos e instituiccedilotildees auxiliadoras
na sua concretizaccedilatildeo como o INCRA e o MDA em relaccedilatildeo aos assentamentos rurais e
suas poliacuteticas puacuteblicas
O MDA desde sua criaccedilatildeo em 199912
tem como incumbecircncia atuar na
Reforma Agraacuteria e seu reordenamento cumprindo papel fundamental na regularizaccedilatildeo
fundiaacuteria na Amazocircnia Legal promovendo o desenvolvimento sustentaacutevel da
Agricultura Familiar nas regiotildees rurais e de maneira singular atuando na identificaccedilatildeo
reconhecimento delimitaccedilatildeo demarcaccedilatildeo e titulaccedilatildeo das terras ocupadas pelos
remanescentes das comunidades quilombolas Logo esse ministeacuterio por meio do
INCRA desenvolve poliacuteticas puacuteblicas de realizaccedilatildeo de assentamentos rurais no paiacutes e a
ainda na contemporaneidade tem demonstrado algumas necessidades prementes
Assim para realizaccedilatildeo do seu mister a Instituiccedilatildeo ou oacutergatildeo principal do
Poder Puacuteblico que orienta a Questatildeo Agraacuteria o INCRA atualmente define projetos de
assentamento Rural (PA) como
[] um conjunto de unidades agriacutecolas independentes entre si
instaladas pelo INCRA onde originalmente existia um imoacutevel
rural pertencente a um uacutenico proprietaacuterio Cada unidade
chamada de parcela lote ou gleba eacute entregue a uma famiacutelia sem
condiccedilotildees econocircmicas para adquirir e manter um imoacutevel rural
por outras vias Os trabalhadores rurais que recebem o lote
comprometem-se a morar na parcela e a exploraacute-la para seu
sustento utilizando a matildeo de obra familiar e contando com
creacuteditos assistecircncia teacutecnica infraestrutura e outros benefiacutecios
de apoio ao desenvolvimento das famiacutelias assentadas Ateacute que
possuam a escritura do lote os assentados estaratildeo vinculados ao
INCRA e natildeo poderatildeo dispor da gleba sem anuecircncia ou
autorizaccedilatildeo do INCRA13
Como assinalado o assentamento rural na definiccedilatildeo apresentada pelo MDA
origina-se de um uacutenico imoacutevel rural que eacute dividido em vaacuterias partes denominada de
12
Criado atraveacutes da medida provisoacuteria 1911-12 13
Disponiacutevel em lthttpwwwincragovbrassentamentogt Acesso em 21082015
64
ldquoparcela lote ou glebardquo Essa compreensatildeo traz no seu bojo diversas possibilidades de
interpretaccedilatildeo sobretudo permite entender que se trata de eventuais processos estatais
na concretizaccedilatildeo da justiccedila agraacuteria oferecendo condiccedilotildees de trabalho agrave populaccedilatildeo que
se realiza se identifica e sobrevive da produccedilatildeo agriacutecola em pequena escala
Concluindo podemos afirmar que os assentamentos rurais no Araguaia mato-
grossense no que se refere a sua constituiccedilatildeo possuem caracteriacutesticas muito diferentes
do que eacute previsto nas diretrizes para a criaccedilatildeo dos assentamentos rurais definidas pelo o
Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria uma vez que os mesmos resultam
de atos de regularizaccedilatildeo e natildeo de criaccedilatildeo Diante disso precisamos articular nosso
pensamento voltando os olhares para os processos de duraccedilatildeo temporaacuteria diferente
para que possamos aproximar um pouco mais da realidade vivida
65
2 MEMOacuteRIAS DA REOCUPACcedilAtildeO HISTORICIZANDO OS
ASSENTANTAMENTOS RURAIS DE VILA RICA-MT (1980-2010)
Conforme analisado no capiacutetulo anterior eacute imprescindiacutevel a historicizaccedilatildeo do
processo de formaccedilatildeo dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT Para
tanto optou-se pelo recorte temporal 1980 a 2010 a partir da necessidade da proacutepria
anaacutelise A deacutecada de 1980 foi marcada pela emancipaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica e
tambeacutem pela formaccedilatildeo dos primeiros assentamentos rurais A anaacutelise se estendeu ateacute o
periacuteodo mais recente devido agraves fontes e aos dados oficiais necessaacuterios para
compreensatildeo do enfoque proposto
O principal objetivo deste capiacutetulo eacute compreender a formaccedilatildeo e o
desenvolvimento dos assentamentos rurais de Vila Rica-MT problematizando o papel e
a atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees e dos oacutergatildeos puacuteblicos como o INCRA Banco do Brasil
Empaer dentre outros aleacutem de instituiccedilotildees e entidades da sociedade civil mas tambeacutem
de movimentos sociais e sindicais como o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila
Rica CPT Prelazia de Satildeo Feacutelix do Araguaia e associaccedilotildees de pequenos produtores
rurais Para complementar a anaacutelise tornou-se indispensaacutevel buscar as accedilotildees e
estrateacutegias dos atores histoacutericos envolvidos na luta pela posse da terra
21 A transformaccedilatildeo das fazendas agropecuaacuterias em assentamentos rurais atraveacutes
da luta pela terra
Das sete fazendas agropecuaacuterias trecircs foram transformadas em Projetos de
assentamentos rurais em um periacuteodo inferior a duas deacutecadas Fazendas Ipecirc Aracati e
Satildeo Joseacute Algumas das narrativas oficiais sobre a colonizaccedilatildeo do municiacutepio declaram
que a Fazenda Porongaba cedeu parte da aacuterea que a colonizadora Vila Rica- MT Ltda
utilizou para realizar o loteamento do espaccedilo urbano
As aacutereas remanescentes dessas fazendas agropecuaacuterias foram sendo
reocupados atraveacutes das estrateacutegias de lutasresistecircncias utilizadas pelos colonos
posseiros parceleiros e pelos assentados14
Atraveacutes da dinacircmica de reocupaccedilatildeo e uso da
terra foram constituiacutedos oito assentamentos rurais regularizados pelo o INCRA neste
municiacutepio conforme dados da Tabela 1
14 Satildeo autodenominaccedilotildees das pessoas que residem nos assentamentos rurais de Vila Rica No
decorrer da pesquisa analisaremos como estas foram sendo construiacutedas neste contexto histoacuterico
66
Tabela 1 Assentamentos rurais de Vila Rica-MT
Fonte INCRA 2014
Na formaccedilatildeo de assentamentos rurais existem sujeitos histoacutericos que para o
INCRA satildeo considerados ldquoclientela de Reforma Agraacuteriardquo os quais se autodenominam
de maneiras diferentes ldquoparceleirosrdquo ou ldquoassentadosrdquo Nos assentamentos rurais do
Araguaia a denominaccedilatildeo mais utilizada eacute ldquoposseirordquo sobretudo quando se referem aos
primeiros tempos de formaccedilatildeo do assentamento rural no sentido de reafirmar que entre
os agricultores familiares haacute aqueles que se autodenominam posseiros como identidade
de luta pela posse da terra remetendo a um imaginaacuterio que os ligue umbilicalmente a
uma accedilatildeo tambeacutem de corajoso lutador e desbravador Ainda que seja em contraposiccedilatildeo
ao latifuacutendio o posseiro passa a se sentir um sujeito valente que ocupou resistiu e
conquistou a posse da terra Portanto uma identidade poliacutetica construiacuteda na luta pela
terra
Logo o termo posseiro aparece tambeacutem como um siacutembolo da resistecircncia aos
projetos agropecuaacuterios e agraves grandes fazendas que expropriam os trabalhadores rurais
Sem-terra uma vez que muitos jaacute se encontravam na aacuterea bem antes dos fazendeiros e
da implantaccedilatildeo dos projetos agropecuaacuterios
Conforme o relato de um assentado de Vila Rica obtido na pesquisa de
campo que realizamos em marccedilo de 2015 no Assentamento Rural Satildeo Joseacute eacute possiacutevel
afirmar que a denominaccedilatildeo de posseiro estaacute associada agraves estrateacutegias e condiccedilotildees de luta
pelo acesso agrave terra ldquo[] me vejo como posseiro Ser posseiro no Araguaia eacute assumir
que lutamos contra os fazendeiros que viviam do dinheiro emprestado do Banco sei o
Projeto de assentamento N de Famiacutelias Aacuterea (ha) Data Criaccedilatildeo
Colocircnia Bom Jesus 60 4457 25071996
Ipecirc 228 12099 28121998
Santo Antocircnio do Beleza 216 12100 10042001
Aracati 45 2110 05121996
Alvorada 49 32656 29121995
Itaporatilde do Norte 170 10641 11071996
Satildeo Joseacute da Vila Rica-MT 252 14262 28121998
Satildeo Gabriel 45 1985 28121998
Total 1065 60919 -
67
quanto foi difiacutecil viver sob a mira da morte pra ter essa terrinha e com ela poder
alimentar a minha famiacutelia []rdquo15
Trata-se de uma situaccedilatildeo de enfrentamento na luta
pela terra visando garantir a sobrevivecircncia e as condiccedilotildees miacutenimas de sustento da
famiacutelia
Assim como Castro (1996) o historiador Puhl (2003) nos chama atenccedilatildeo para
as caracteriacutesticas que definem o posseiro conceito construiacutedo a partir da percepccedilatildeo de
que esses agentes sociais tecircm ldquo[] ocupaccedilatildeo antiga de aacutereas devolutas ou sem
documentaccedilatildeo privada o uso direto da terra no trabalho de produccedilatildeo agropecuaacuteria a
residecircncia e o trabalho da famiacutelia na posse a resistecircncia agrave retirada ou expulsatildeo levada a
efeito por grileirordquo
Pereira (2013 p 11) corrobora esclarecendo que o termo posseiro possui
outros significados
[] as praacuteticas e os usos poliacuteticos desse conceito que o
produziram Eram considerados posseiros os trabalhadores
rurais que haacute muito tempo ocupavam aacutereas devolutas tidas
como posses antigas que natildeo apresentavam contestaccedilatildeo por
qualquer pessoa e nelas fizeram moradas habituais de suas
famiacutelias Contudo outra experiecircncia social comeccedila a sobrepor-
se a essas praacuteticas mais antigas Trabalhador rural sobretudo
migrante de outras regiotildees do paiacutes que lutavam pela terra quer
fossem aqueles que disputavam aacutereas de terras devolutas
consideradas novas simultaneamente com empresaacuterios
fazendeiros ou comerciantes tambeacutem migrantes quer fossem
aqueles que ocupavam imoacuteveis com tiacutetulos definitivos ou de
aforamentos passaram a ser vistos tambeacutem como posseiros Ou
seja os trabalhadores rurais apropriaram-se de uma designaccedilatildeo
ateacute entatildeo usada para significar os ocupantes de terras devolutas
consideradas antigas para ajustar-se a uma nova situaccedilatildeo ou
praacutetica social Esta apropriaccedilatildeo utilizada do conceito de
posseiro ganha uma dimensatildeo poliacutetica inusitada na luta pela
terra no Brasil
Em concordacircncia com este uacuteltimo autor asseguramos que o conceito de
posseiro pode ser compreendido enquanto resultado das praacuteticas de luta das quais os
conceitos satildeo resultados Neles os atores sociais se apropriam desse conceito para se
autonomear e ao mesmo tempo atribuir sentidos as proacuteprias atitudes de desafio ao
sistema de enfrentamento aos modelos existentes para os fazendeiros constituindo-se
enquanto uma categoria social formada por sujeitos histoacutericos de diferentes origens e
15 Joseacute Roberto Agricultor familiar em uma entrevista realizada pela autora em 2015
68
trajetoacuterias migratoacuterias os quais muitas vezes apresentam uma significativa
diferenciaccedilatildeo social
Devido agrave diversificaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave situaccedilatildeo econocircmica e cultural entre as
pessoas que satildeo denominadas de clientela da Reforma Agraacuteria em Vila Rica-MT o
criteacuterio de distribuiccedilatildeo dos lotes nos assentamentos rurais passou a ser objeto de
questionamento por parte de alguns agricultores familiares o que eacute claro no relato feito
por um dos entrevistados durante a pesquisa que realizamos no mecircs de marccedilo de 2015
junto ao Assentamento Rural Ipecirc
Pode- se dizer que o INCRA tambeacutem eacute culpado pela evasatildeo dos
assentamentos rurais pois nem sempre ele leva em
consideraccedilatildeo se a pessoa que estaacute cadastrada tem ou natildeo
viacutenculo vocaccedilatildeo para ser Agricultor Familiar Os assentados
da Reforma Agraacuteria (alguns ) fizeram o cadastro jaacute pensando
em pegar a terra e depois vender [] Logo na primeira
dificuldade jaacute vende a propriedade dele pra outro Eu penso
que precisa olhar se a histoacuteria das pessoas que demandam por
terra em assentamento estaacute ligada com a luta pela terra vejo
que assim valorizava mais o assentamento [] E na verdade
na eacutepoca de assentar essas pessoas tinha um perfil de
assentando se olhar soacute pelo aspecto de renda miacutenima Mas
muitas natildeo tinham viacutenculo com a terra e atendiam apenas
esse perfil criado de forma subjetiva soacute levando em
consideraccedilatildeo a situaccedilatildeo econocircmica Penso que natildeo estavam em
desacordo com as exigecircncias para o cadastro do INCRA pois
atendiam aquelas exigecircncias burocraacutetica mas elas natildeo eram de
perfil de produtor ou trabalhador rural Aiacute foi onde ocorreu
uma evasatildeo do assentamento Eles natildeo tinham viacutenculo com a
terra pois esse cadastro do INCRA soacute verificava se a pessoa jaacute
tinha outro tiacutetulo no nome dela outra propriedade cadastrada
no nome se possuiacutea vinculo com o serviccedilo publico tipo se era
concursado em oacutergatildeo puacuteblico Logo podia ser que essas
pessoas estivessem enquadradas como produtor ou trabalhador
rural para o INCRA mas na verdade sempre moraram na
cidade nunca haviam trabalhado com a terra nunca tinham
criado um frango sequer nunca tiraram um litro de leite
(ENTREVISTA com Gilmar agricultor familiar de Vila Rica-
MT realizada pela autora em marccedilo de 2015) Grifos da autora
No municiacutepio de Vila Rica verificamos a partir da anaacutelise de documentos
que as origens de seus assentamentos rurais foram distintas mesmo que nos dados
oficiais indicados na Tabela 1 todos eram regularizados e reconhecidos pelo INCRA
na deacutecada de 1990
Quando verificamos os dados do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do
municiacutepio de Vila Rica da Comissatildeo Pastoral da Terra e da Prelazia de Satildeo Feliz do
69
Araguaia os quais foram tambeacutem confrontados com os testemunhos orais dos
assentados identificamos que alguns dos assentamentos rurais datavam da deacutecada de
1980
Reafirmamos que suas histoacuterias estatildeo vinculadas agrave histoacuteria do Araguaia a
qual eacute marcada por uma seacuterie de conflitos no que tange agrave luta pela terra considerada
enquanto direito Direito pelo qual muitas vezes os posseiros e os indiacutegenas pagaram
com as suas proacuteprias vidas ou de seus parentes
Uma carta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT evidencia
a complexidade em torno da luta pela posse da terra Esse registro foi apresentado ao
presidente do INCRA como base para uma anaacutelise da situaccedilatildeo das terras consideradas
improdutivas as quais em sua maioria eram remanescentes da Colonizadora Vila Rica
Ltda e que a desapropriaccedilatildeo das mesmas era condiccedilatildeo necessaacuteria para a sobrevivecircncia
dos trabalhadores que as reocuparam
Figura 5 Carta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais para o INCRA (1990)
Fonte Arquivo do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT
2015
70
Ressaltamos que a exposiccedilatildeo dos argumentos dos dirigentes do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Vila Rica teve por base a compreensatildeo de que as terras
remanescentes da colonizadora eram ldquoimprodutivasrdquo segundo os criteacuterios do Estatuto
da Terra Nessa situaccedilatildeo os proprietaacuterios deixavam de cumprir a funccedilatildeo social da terra
possibilitando sua desapropriaccedilatildeo legal para fins de Reforma Agraacuteria
Apesar da ocorrecircncia de reivindicaccedilotildees formalizadas via cartas ofiacutecios e
outras formas de solicitaccedilatildeo feitas aos oacutergatildeos responsaacuteveis pela Questatildeo Agraacuteria no
Araguaia mato-grossense alguns relatos orais descreveram a reocupaccedilatildeo das fazendas
como uma accedilatildeo implementada de maneira paciacutefica por parte dos posseiros Poreacutem
houve tambeacutem atitudes e praacuteticas de violecircncia na accedilatildeo de alguns fazendeiros em relaccedilatildeo
agrave expulsatildeo dos posseiros A luta pela posse da terra no municiacutepio de Vila Rica ocorreu
de forma conflituosa Embora natildeo tatildeo violentos como em outros municiacutepios como em
Santa Terezinha em Porto Alegre do Norte e em outros onde vaacuterios posseiros foram
mortos por fazendeiros
Vale destacar que muitas pessoas que reocuparam as aacutereas de fazendas hoje
assentamentos rurais em Vila Rica eram em sua maioria membros associados ao
Sindicato dos Trabalhadores Rurais daquele municiacutepio Quando estaacutevamos em atividade
de visita ao um dos assentamentos durante a pesquisa de campo uma assentada nos
relatou queldquo[] o papel do Sindicato geralmente era o de solicitar a regularizaccedilatildeo da
terra bem como o processo de formaccedilatildeo e o de organizaccedilatildeo da base no caso os
trabalhadores pobre sem terra principalmente os filiados do STRrdquo (ENTREVISTA
com Clainir Agricultora Familiar membro da direccedilatildeo do STR realizada pela autora em
marccedilo de 2015) O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica tambeacutem fazia a
mediaccedilatildeo entre os assentados e o Poder Puacuteblico sobretudo com o INCRA Foi esse
sindicato que orientou a criaccedilatildeo das associaccedilotildees conforme o relato a seguir
[] noacutes do sindicato trabalhaacutevamos visando evitar os conflitos
e o processo de despejo pois priorizaacutevamos a montagem e a
reinvindicaccedilatildeo do processo de desapropriaccedilatildeo das fazendas a
demarcaccedilatildeo dos lotes homologaccedilatildeo cadastramento e o
assentamento das famiacutelias [] E depois os posseiros iam
pleitear as linhas de credito para habitaccedilatildeo e
alimentaccedilatildeofomento depois as demais linhas do Pronaf A
Pronaf C e outros investimentos de custeio Eacute assim que comeccedila
os assentamentos esse processo eacute geral em todo lugar Quando
71
digo que agente noacutes do sindicato evitava conflito natildeo estou
dizendo que conseguimos pois eacute importante lembrarmos que
tivemos muitos momentos complicados Houve ameaccedilas de
morte teve despejos de posseiros teve gente que perdeu tudo
que havia plantado quando foram expulsos da terra Ainda bem
que sempre podemos contar com o suporte da Igreja e da CPT
se natildeo fosse essas instituiccedilotildees noacutes estariacuteamos numa situaccedilatildeo
muito pior assentamento eacute luta nessa regiatildeo do Araguaia
Entatildeo nem se fala teve quem pagou com a vida Hoje fico
vendo muitos assentados vendendo suas terras a preccedilo de nada
e reclamando de dificuldades fico pensando o povo parece que
agraves vezes esquece a luta O INCRA eacute fundamental mas erra
tambeacutem quando coloca gente na terra sem levar em conta que
para viver no campo precisa ter aptidatildeo para trabalhar na
terra Percebo que mais esvazia o assentamento eacute quem natildeo
sabe lidar com roccedila (ENTREVISTA Ibidem)
Os serviccedilos voltados para a melhoria da infraestrutura como estradas pontes
e outras benfeitorias nos ldquoprimeiros temposrdquo de formaccedilatildeo dos assentamentos rurais
eram feitos pelos proacuteprios moradores A prefeitura alegava que natildeo dispunha de
recursos para investir em assentamentos rurais que ainda natildeo haviam sido regularizados
Essa situaccedilatildeo foi praticamente igual em todos os assentamentos rurais oriundos da
reocupaccedilatildeo de fazendas de Vila Rica-MT
Os espaccedilos puacuteblicos como escola barracatildeo da associaccedilatildeo Igreja campo de
futebol etc estatildeo geralmente localizados nas antigas sedes das fazendas Isso se repete
em todos os assentamentos rurais estudados em Vila Rica-MT
22 Os assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT
O processo de formaccedilatildeo dos assentamentos rurais no municiacutepio mato-
grossense de Vila Rica natildeo ocorreu de modo linear nem mesmo obedeceu a uma
padronizaccedilatildeo Portanto faz-se necessaacuterio problematizar a formaccedilatildeo de cada um deles
individualmente lanccedilando matildeo de diferentes fontes documentais Alguns assentamentos
rurais possuem documentos e outros tecircm sua historicidade presente somente na
memoacuteria dos assentados Daiacute a importacircncia de se conhecer as singularidades descritivas
desses ldquoadereccedilos sociaisrdquo procurando trazer para o diaacutelogo a forma constitutiva de cada
um deles
A trajetoacuteria construiacuteda pelos agricultores familiares estaacute presente em suas
memoacuterias as quais podem ser mais bem compreendidas quando nos remetemos agrave
72
concepccedilatildeo definida por Thompson (1992) segundo o qual a memoacuteria eacute constituiacuteda a
partir da habilidade que os indiviacuteduos tecircm em compreender suas experiecircncias bem
como o interesse deles em contar as suas experiecircncias de vida uma vez que as
lembranccedilas se revelam de forma mais concisa quando o relembrar dos acontecimentos
estaacute correspondendo aos seus proacuteprios interesses e necessidades
Daiacute a importacircncia em se atentar tambeacutem ao que natildeo estaacute dito e ao que natildeo
pode ser dito pelo narrador Neste caso o silenciamento sobre determinados temas
constituem relativa importacircncia para intensificar a seguranccedila que o entrevistado tem ou
quer passar nas proacuteprias narrativas Para tanto eles selecionam o que dizem e aquilo que
natildeo deve se tornar puacuteblico Um exemplo obtido atraveacutes de entrevista com um dos
assentados chamou a atenccedilatildeo pela forma como ele gesticulava ao contar sua trajetoacuteria
de vida Foi possiacutevel perceber o quanto as questotildees natildeo ditas mencionadas por
Thompson (1992) tornam-se relevantes na praacutetica de trabalhos que dependem da
metodologia das fontes orais como no caso dessa pesquisa
Ao relatar a sua trajetoacuteria de vida o depoente sentado em uma cadeira
encostando-se a uma aacutervore e com as pernas balanccedilando passava ldquoaos meus olhosrdquo a
sensaccedilatildeo de ser uma pessoa muito tranquila para falar sobre si e seus afazeres
Revelava-se estar muito orgulhoso do siacutetio que tinha mas no decorrer da entrevista foi
perceptiacutevel que quando o assunto natildeo o agradava por se tratar de algo que o marcou
como uma experiecircncia que natildeo lhe remetia para boas lembranccedilas ele parava de balanccedilar
as pernas e baixava a cabeccedila A projeccedilatildeo de futuro foi um assunto que evidentemente
natildeo o agradava quando afirmou
[] sofro muito soacute em pensar o que possa acontecer se eu
morrer primeiro ela vai ter que vender e dividir entre os filhos
pois natildeo daraacute conta de cuidar sozinha Se eacute ela quem morre
primeiro sou eu quem teraacute que vender Isso sim eacute doiacutedo pra
noacutes depois de tanta luta pra organizar o siacutetio terminar nas
matildeos de sei laacute quem Esse siacutetio pra mim natildeo tem preccedilo mas eacute
uma pena que nossos filhos natildeo pensam igual Quando eles
querem um dinheiro dizem ldquomatildee pai me manda aiacute tantordquo mas
vejo que o forte deles natildeo eacute morar no siacutetio (ENTREVISTA
com Joatildeo Neto agricultor Familiar do assentamento Satildeo Joseacute
realizada pela autora em marccedilo de 2015)
O relato possibilita a reflexatildeo sobre os diversos significados produzidos a
respeito da concepccedilatildeo e das formas de usos da terra para os agricultores familiares
como o significado da posse da terra a relevacircncia das lutas e da conquista assim como
73
a busca pela continuidade da tradiccedilatildeo na convivecircncia com o espaccedilo rural Aleacutem da
preocupaccedilatildeo praacutetica com a falta de continuidade familiar no trabalho do siacutetio existe
uma preocupaccedilatildeo com o futuro incerto capaz de apagar da memoacuteria o viacutenculo desse
agente histoacuterico com a terra Percebe-se o desejo de eternizar esse viacutenculo e o valor
sentimental dessa terra que para ele natildeo tem preccedilo
A narrativa torna possiacutevel identificar o papel dos agentes histoacutericos na
construccedilatildeo da historiografia agraacuteria de Mato Grosso As pesquisas natildeo datildeo muita
importacircncia aos assentamentos rurais mais particularmente agraves trajetoacuterias de vida dos
agricultores familiares
Por outro lado as evidecircncias mostram que os assentados exercem um papel
importantiacutessimo na formaccedilatildeo dos assentamentos rurais Nesse sentido eles natildeo podem
estar agrave ldquomargemrdquo das lutas travadas pelas instituiccedilotildees agraves quais estatildeo vinculados No
caso de Vila Rica-MT as entidades que se destacam nas narrativas sobre as lutas pela
terra satildeo a CPT o Sindicato dos Trabalhadores Rurais a Prelazia de Satildeo Feliz do
Araguaia e o INCRA
221 O Assentamento Rural Satildeo Joseacute
O Assentamento Rural Satildeo Joseacute em Vila Rica-MT resultou de uma
reocupaccedilatildeo que teve iniacutecio no ano de 1995 Foram os proacuteprios ldquoposseirosrdquo que
demarcaram os seus lotes e construiacuteram as casas provisoacuterias que eram cobertas de palha
e lona Posteriormente os ocupantes comeccedilaram a cultivar roccedilas para o consumo
proacuteprio e outras atividades como a pesca a caccedila e a extraccedilatildeo de madeira (EMPAER
2010)
Segundo relato de um dos assentados a estruturaccedilatildeo dos lotes em termos de
construccedilotildees estruturais e preparaccedilatildeo do solo para o cultivo eram realizadas atraveacutes do
trabalho dos proacuteprios assentados Joatildeo Neto diz ldquo[] eu e a minha esposa fizemos tudo
isso plantamos tudo que tem nesse siacutetio tudo escolhido por noacutes cada plantinha dessa
aqui eacute do sitio que a gente viverdquo (ENTREVISTA com Joatildeo Neto agricultor Familiar do
assentamento Satildeo Joseacute realizada pela autora em marccedilo de 2015)
Outro relato permite identificar algumas ocorrecircncias instigantes relacionadas
agrave formaccedilatildeo do Assentamento Rural Satildeo Joseacute
74
[] o Projeto de assentamento Satildeo Joseacute eacute resultado da invasatildeo
invasatildeo natildeo essa natildeo eacute a palavra apropriada para designar o
que fizemos Na verdade noacutes ocupamos uma fazenda que jaacute
natildeo estava mais produzindo Geralmente quem fala invasatildeo
satildeo pessoas que se colocam contra os assentamentos rurais
[] Em 1997 isso tudo foi ocupado por pessoas que moravam
na cidade sem-terra e filhos de pequenos agricultores [] E
foi assim que a antiga Fazenda Satildeo Joseacute se transformou em um
assentamento rural ou melhor P A Satildeo Joseacute eacute assim que a
gente costuma chamar (ENTREVISTA com Clainir Mafra
Agricultora familiar assentada no PA Satildeo Joseacute realizada pela
autora em marccedilo de 2015)
Nesta narrativa sucinta percebe-se que diferentes satildeo as denominaccedilotildees de
agentes histoacutericos em cena O argumento principal eacute que eles natildeo satildeo ldquoinvasoresrdquo e sim
ldquomoradores da cidaderdquo ldquosem terrasrdquo e ldquofilhos de pequenos agricultoresrdquo demonstrando
uma construccedilatildeo de identidade daqueles que reocuparam a Fazenda Satildeo Joseacute ligada agrave
terra e agrave necessidade de sobrevivecircncia uma vez que satildeo legiacutetimos ocupantes como os
ldquofilhos de pequenos produtoresrdquo que precisam de mais terra para se reproduzir
socialmente e continuar o viacutenculo familiar com a terra
Fazendeiros proprietaacuterios filhos de pequenos agricultores moradores da
cidade e sem-terra se colocam como posseiros que participaram da luta pela terra
Percebe-se que a formaccedilatildeo do assentamento rural se deu a partir dessa luta que ocorreu
graccedilas agrave uniatildeo dos posseiros
Na verdade a gente natildeo era bobo quando ocupamos uma aacuterea
que iraacute ser assentamento Natildeo adianta querer crescer o olho
pois o INCRA tem o seu modo de medir a terra entatildeo o certo eacute
tirar o siacutetio no tamanho certinho assim natildeo complica Noacutes
agiacuteamos em conjunto meio assim uns por todos []
(ENTREVISTA com Clainir Mafra Agricultora familiar
assentada no PA Satildeo Joseacute realizada pela autora em marccedilo de
2015)
Atraveacutes do relato citado percebemos que os posseiros se adaptavam aos
criteacuterios do INCRA e tinham na uniatildeo uma ferramenta poliacutetica capaz de fortalececirc-los e
agregar conhecimentos e experiecircncias capazes de fundamentar estrateacutegias para
conseguir o direito agrave terra A uniatildeo para a abertura das aacutereas a serem reocupadas eacute
evidenciada no seguinte relato oral
75
[] acho que eacuteramos em meacutedia umas 200 ou 250 pessoas que
ocuparam e jaacute foram demarcando suas aacutereas usando foice
facatildeo machado e motosserra alguns que tinham motosserra a
maioria era com a foice e o machado na estrada no Rio Satildeo
Marcos com aacutegua Fizemos os barracos derrubando
plantando arroz milho e pensando em formaccedilatildeo de pasto
(ENTREVISTA com Joatildeo Neto assentado Satildeo Joseacute realizado
pela autora em marccedilo de 2015)
Esse depoimento demonstra a capacidade de uniatildeo e a organizaccedilatildeo dos
posseiros A diferenciaccedilatildeo social entre eles natildeo travou sua organizaccedilatildeo O relato a
seguir mostra essa relaccedilatildeo
Muita gente pobre pobre mesmo Mas natildeo posso negar que um
ou outro que ocupou a terra como posseiro quando na verdade
natildeo tinha o perfil pois tinha dinheiro Por mais que o Sindicato
fala ldquoacompanha e orienta semprerdquo passa algum que estaacute
fora do padratildeo dos agricultores familiares Eacute assim agraves vezes
nem o sindicato e nem o INCRA tem como controlar tudo ateacute
porque as pessoas tecircm um comeacutercio ou algum outro meio de
ganhar dinheiro mas natildeo estaacute no nome dela e daiacute o que haacute de
fazer eacute complicado achar que vai controlar essas coisas tudo
(ENTREVISTA com Joatildeo Neto assentado Satildeo Joseacute realizada
pela autora em marccedilo de 2015)
Percebemos que entre os proacuteprios posseiros era evidente que nem todos
possuiacuteam o ldquoperfilrdquo de agricultores familiares ou segundo criteacuterio do INCRA se
enquadrava como ldquoclientela de Reforma Agraacuteriardquo Era recorrente a percepccedilatildeo de que
estes oacutergatildeos e entidades que acompanharam o processo natildeo tinham condiccedilotildees objetivas
de definir com precisatildeo quem tinha o perfil e quem deveria ser impedido de tomar
posse dos lotes que constituem o Assentamento Rural Satildeo Joseacute
Para aleacutem da questatildeo da diferenciaccedilatildeo dos posseiros outro fato importante eacute
que eles adquiriram lotes de qualidade duvidosa uma vez que a terra estava em situaccedilatildeo
de degradaccedilatildeo extrema poreacutem aceitaram-na visto natildeo dispor de capital financeiro para
investir em tecnologias de melhoramento do solo somado agrave falta de infraestrutura e
dificuldade de acesso para uma parte dos assentados
76
Ah Tem uma coisa que lembrei pra te contar Eacute que tem uma
parte que foi denominada de Jamaica por ser de difiacutecil acesso
era muito complicado para a gente chegar laacute Coitados dos que
foram para aquela parte de laacute sofreram o isolamento natildeo
tinha entrada por causa do rio Satildeo Marcos e assim ficaram por
um bom tempo Aiacute eacute o que digo sempre jaacute foi difiacutecil pra gente
imagina para aqueles coitados de laacute (ENTREVISTA com Joatildeo
Neto assentado Satildeo Joseacute realizado pela autora em marccedilo de
2015)
Aleacutem da diferenciaccedilatildeo entre os posseiros das dificuldades do espaccedilo social
conquistado o entrevistado destaca que natildeo ocorreram conflitos entre o proprietaacuterio da
Fazenda Satildeo Joseacute e os posseiros No entanto as dificuldades vivenciadas por eles
foram inuacutemeras sobretudo para aqueles posseiros que ocuparam as aacutereas mais distantes
da estrada
Eu falo sempre aqueles primeiros tempo era o que podemos
chamar de tempos das dificuldades Eacute como eu te disse antes
aqui natildeo teve conflito como teve em outros assentamentos
Acho que isso foi porque o fazendeiro devia para o banco pois
fez empreacutestimo para manter a fazenda assim diz o povo mas
sabe se isso eacute verdade [] Entatildeo isso fez com que natildeo
houvesse conflito entre os fazendeiros e os posseiros []
(ENTREVISTA com Joatildeo Neto assentado Satildeo Joseacute realizada
pela autora em marccedilo de 2015)
O relato revela indiacutecios de que o dono da Fazenda Satildeo Joseacute tinha manifestado
interesse em vender a aacuterea para o INCRA devido agrave contraccedilatildeo de diacutevidas Mas eacute
possiacutevel ponderar que a ecircnfase na versatildeo de que natildeo houve conflito eacute tambeacutem uma
estrateacutegia dos posseiros Durante a deacutecada de 1990 mais precisamente durante o
Governo de Fernando Henrique Cardoso foi adotada a poliacutetica governamental de natildeo
regulamentar as terras que tivessem sido ocupadas atraveacutes de conflitos Quando
ocorriam disputas a terra natildeo era reconhecida pelo INCRA enquanto aacuterea passiacutevel de
desapropriaccedilatildeo para transformaacute-la em um assentamento rural
Essa poliacutetica se justificava pelo dispositivo reconhecido juridicamente como
ldquousucapiatildeordquo segundo o qual o posseiro soacute teria direito a terra quando a mesma fosse
ocupada de forma ldquomansa e paciacuteficardquo16
Em um assentamento rural planejado o
primeiro ato consiste na aquisiccedilatildeo da aacuterea para depois ocupaacute-la atraveacutes da distribuiccedilatildeo
dos lotes de acordo com criteacuterios estabelecidos pelo o INCRA
16 A ldquoocupaccedilatildeo mansa e paciacuteficardquo eacute um princiacutepio consagrado pela Lei de Terras de 1850
77
Na anaacutelise de outros documentos disponibilizados pelo STR percebe-se que
por um periacuteodo superior a um ano os posseiros foram viacutetimas de ameaccedilas e boatos de
que o dono da fazenda faria o despejo accedilatildeo que natildeo chegou a se efetivar Logo o STR
Vila Rica-MT entrou com pedido de desapropriaccedilatildeo da fazenda e em seguida o
INCRA deu andamento ao processo de regularizaccedilatildeo comeccedilando a discussatildeo e o
encaminhamento para a compra de toda a aacuterea
Consta nos documentos analisados que o INCRA procurou regularizar o
assentamento rural atraveacutes de uma accedilatildeo conjunta com o STR com vista agrave necessidade
de agilizar a organizaccedilatildeo do cadastro dos agricultores familiares por meio da
Associaccedilatildeo que jaacute existia desde antes da accedilatildeo do INCRA Foi atraveacutes dela que esses
agricultores se mobilizaram para construir estradas e escola Somente depois de um ano
da reocupaccedilatildeo a prefeitura passou a operar de forma mais efetiva juntamente com o
INCRA com o objetivo consolidar o Assentamento Rural Satildeo Joseacute Depois da
regularizaccedilatildeo foi liberado o creacutedito para a aquisiccedilatildeo de gado e melhorias na
infraestrutura
Segue uma narrativa que possibilita a problematizaccedilatildeo dessa questatildeo
[] quando a gente chegou aqui no dia que cheguei tinha trecircs
cancelas trancadas Tinha o pessoal dali que natildeo queria que a
gente entrasse O gerente natildeo deixava a gente entrar mas tinha
um menininho pequenino do tamanho daquele ali Aiacute eu trazia
balinha bombom e dava pra ele Aiacute quando ele me via corria
eu vinha pra caacute era de bicicleta De Vila Rica-MT pra caacute eu
vinha de bicicleta com uma ldquocarguinhardquo na garupa Mas o
que eu vinha fazer eu trazia soacute foice Aiacute vinha e passava meio
debaixo dos arames e ia roccedilando Rocei um pedaccedilo de mato e
voltei pra Vila Fui trabalhar para ganhar dinheiro para
comer ldquoAiacute quando foi um dia falou Zeacute Roberto eu passei na
sua roccedilardquo o Joseacute Roberto falou o fogo estaacute acabando de
queimar a sua roccedilardquo Que horas Umas oito horas da noite eu
passei laacute e fogo estava acabando de queimar a sua roccedilardquo
ldquoEntatildeo natildeo queimou a roccedila natildeordquo Cheguei aqui estava tudo
queimado Aiacute o que eu fiz foi imediatamente soacute eu mesmo com
umas panelinhas e jaacute ldquobarrequeirdquo aqui e fui furar cisterna
Trouxe um rapaz para furar o poccedilo Furou o poccedilo eu vim fazer
o barriquinho Ai amiga velha aqui soacute mato (ENTREVISTA
com Joatildeo Neto assentado de Satildeo Joseacute realizada pela autora
em marccedilo de 2015)
O relato demonstra a necessidade que estes agentes histoacutericos tecircm em
enfatizar que a posse da terra dava-se com muito sacrifiacutecio dos posseiros com a ajuda
78
de outros que avisavam e auxiliavam a cuidar da roccedila Portanto a integraccedilatildeo e a
solidariedade faziam parte do cotidiano de vida deles principalmente sabendo da
necessidade que alguns tinham de sair da ldquoposserdquo para trabalhar na aacuterea urbana ou
mesmo em outras propriedades rurais em busca de sobrevivecircncia motivo pelo qual natildeo
podiam morar exclusivamente na ldquoposserdquo
Os ldquoposseirosrdquo enfrentaram dificuldades para ldquoabrirrdquo fazer o plantio e para
construir as casas em seus lotes pois sem apoio do poder puacuteblico tiveram que
desenvolver as suas proacuteprias condiccedilotildees de sobrevivecircncia seja na construccedilatildeo de
barracos casas ou cultivo das roccedilas Tambeacutem havia problemas de ordem financeira que
implicavam na condiccedilatildeo elementar de sobrevivecircncia no lote Nem todos possuiacuteam
recursos para se manter nos espaccedilos socialmente delimitados ateacute que as roccedilas
comeccedilassem a produzir para a alimentaccedilatildeo dos membros das famiacutelias
Alguns posseiros precisaram conciliar as atividades do lugar proacuteprio de
produccedilatildeo com outras atividades como derrubar a mata para dela retirar madeira e
vender para as serrarias ou trabalhar em outros siacutetios para conseguir dinheiro suficiente
para suprir as necessidades baacutesicas para o sustento da famiacutelia Durante o periacuteodo da
pesquisa de campo eram frequentes as narrativas afirmando ser o trabalho assalariado
uma praacutetica corriqueira entre a maioria dos posseiros mais pobres
Uma estrateacutegia foi o trabalho acessoacuterio nas aacutereas urbanas
[] e pra mim comer aqui trabalhava uma semana aqui e ia
trabalhar na diaacuteria para os outros Trabalhava uma semana
para o Valdemar Senna trabalhava uma semana para o
Aguiarro para o dono do hotel Marajoacute laacute no fundo E daiacute por
diante eu agraves vezes tirava madeiras para algumas pessoas
derrubava um pouquinho de mato para uma pessoa pra mim
comer a minha esposa trabalhava no coleacutegio eu fazia meus
bicos e ela empregada laacute na estadual Entatildeo ela tambeacutem me
ajudava muito Pegava o salarinho dela para comprar coisa em
casa pra comprar gaacutes pra me ajudar em casa tambeacutem Entatildeo
ldquomorreurdquo tudo assim eu e ela trabalhando para manter a
posse Noacutes pegamos primeiro uma cesta baacutesica que chamava
fomento [] eu natildeo me lembro do valor se foi se natildeo me
engano foi mil e alguma coisa (ENTREVISTA com Joatildeo
Neto assentado de Satildeo Joseacute realizada pela autora em marccedilo de
2015)
Naquele contexto tambeacutem havia posseiros que eram comerciantes servidores
puacuteblicos e ateacute antigos funcionaacuterios da Fazenda Satildeo Joseacute que tinham um maior poder
79
aquisitivo Esses eram os principais contratantes dos posseiros que precisavam vender
sua forccedila de trabalho
222 O Assentamento Rural Ipecirc
Para conseguir compreender a formaccedilatildeo do Assentamento Rural Ipecirc foi
necessaacuterio visitar o local para perceber as especificidades Isso porque o contato direto
entre pesquisador e seus entrevistados acompanhado por conhecidos foram
significativas Atraveacutes dessa proximidade foi possiacutevel aos entrevistados o uso de suas
memoacuterias que possibilitaram relembrar a condiccedilatildeo humana de luta pela sobrevivecircncia
e que fez os homens e mulheres sujeitos da proacutepria histoacuteria
Comecemos por um espaccedilo bem instigante O Assentamento Rural Ipecirc
originou-se da compra da Fazenda Ipecirc que havia sido ocupada antes numa accedilatildeo
apoiada pelo STR O INCRA apresentou a possibilidade de fazer um assentamento rural
modelo construiacutedo atraveacutes de um planejamento de acordo com as diretrizes do MDA
para a criaccedilatildeo de assentamentos rurais
A luta pela conquista do seu espaccedilo social de produccedilatildeo ocorreu em 1999
quando os posseiros ocuparam toda a aacuterea da Fazenda Ipecirc e fizeram a divisatildeo dos lotes
abrindo estradas por meio de ldquopicadatildeordquo embora maior parte da aacuterea jaacute estivesse
ocupada com pastagens
Em carta aberta escrita pela Comissatildeo Municipal de Reforma Agraacuteria na
mesma deacutecada as lideranccedilas do movimento tentavam esclarecer agrave populaccedilatildeo de Vila
Rica-MT sobre os acontecimentos e ao mesmo tempo procuraram chamar a atenccedilatildeo
das autoridades vinculadas agrave Questatildeo Agraacuteria Simultaneamente esse documento
revelou uma concepccedilatildeo da estrateacutegia e da luta pela posse da terra Tanto os dirigentes do
STR como as outras instituiccedilotildees em determinado momento viram-se na luta na
condiccedilatildeo de aliados dos oacutergatildeos governamentais como o INCRA e a prefeitura
municipal de Vila Rica-MT
Por esse documento podemos saber que a Comissatildeo Municipal de Reforma
Agraacuteria do municiacutepio era composta por representantes de instituiccedilotildees e entidades
vinculadas agrave Questatildeo Agraacuteria e visava consolidar um assentamento rural que atendesse
aos padrotildees estabelecidos pela poliacutetica de criaccedilatildeo de assentamentos pelo INCRA
80
Logo havia interesse dos oacutergatildeos governamentais e do STR para a conquista
do que viria a ser o primeiro assentamento rural do Araguaia mato-grossense Ele foi
construiacutedo a partir do imaginaacuterio idealizado pelo Plano de Reforma Agraacuteria da eacutepoca
[] A reforma agraacuteria eacute um anseio da populaccedilatildeo e necessidade
do trabalhador rural A colonizaccedilatildeo de Vila Rica-MT foi
modelo de reforma agraacuteria com a divisatildeo das grandes aacutereas em
pequenas ocupadas por produtores tambeacutem pequenos A partir
de 1998 foi instituiacuteda ldquoA Comissatildeo Agraacuteria do Municiacutepio de
Vila Rica-MTrdquo com o objetivo de coordenar agraves atividades
ligadas a Questatildeo Agraacuteria no acircmbito municipal Esta comissatildeo
em parceria com o INCRA e sociedade envolvida organizou os
trabalhos de classificaccedilatildeo dos sem terras selecionando 500 em
uma relaccedilatildeo de 1700 inscritos no Sindicato dos Trabalhadores e
Prefeitura para assentaacute-los na Fazenda Ipecirc ateacute entatildeo objeto de
desapropriaccedilatildeo para fins da reforma agraacuteria A relaccedilatildeo de
classificados feita conforme legislaccedilatildeo competente e os
meacutetodos estabelecidos pela a proacutepria comissatildeo foram
apresentados ao INCRA que fez o cadastramento no SIPRA-
Sistema de Informaccedilatildeo de Projetos da Reforma Agraacuteria Aleacutem
de organizar esta classificaccedilatildeo a comissatildeo conscientizou os
futuros assentados a evitar a invasatildeo da Fazenda e sim aguardar
as devidas providecircncias que seriam tomadas pelo INCRA para
que o assentamento fosse feito com clientes da reforma agraacuteria
trabalhadores sem-terra e que pudesse ser modelo para a
regiatildeo [] Para a decepccedilatildeo das 500 famiacutelias de trabalhadores
(as) sem-terra sipradas e de pessoas ligadas ao processo um
grande nuacutemero de estranhos entre eles fazendeiros
comerciantes e pequena parte dos sem-terra siprados17
invadiram a aacuterea da fazenda Ipecirc entre a reuniatildeo de 260399 a
300399 despeitando os que haacute dois anos honesta e
sofridamente aguardavam a tramitaccedilatildeo legal Com a chegada
dos representantes do INCRA a Comissatildeo Municipal de
Reforma Agraacuteria representantes de outras intensidades diante
do fato da invasatildeo e o processo de assentamento concluiu-se
que []- fosse solicitada com urgecircncia a retirada dos invasores
pelas autoridades em niacuteveis federal estadual e municipal
(CARTA ABERTA- STR de Vila Rica-MT marccedilo de 2015)18
Os envolvidos no processo de organizaccedilatildeo do assentamento rural ficaram
desapontados ao serem surpreendidos pela invasatildeo da aacuterea por outros agentes que natildeo
tinham sido selecionados no Sistema de Informaccedilatildeo de Projetos da Reforma Agraacuteria e
que tampouco atendiam aos criteacuterios do Programa
17 Expressatildeo utilizada para caracterizar os assentados rurais cadastrados no INCRA
18 A carta na integra estaacute disponibilizada nos arquivos do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Vila Rica- MT analisados pela autora da pesquisa em marccedilo de 2015
81
A partir do depoimento do gerente da Fazenda Ipecirc da eacutepoca eacute possiacutevel
compreender de forma mais clara as estrateacutegias adotadas pelos posseiros e pelo
fazendeiro no processo de loteamento do Assentamento Rural Ipecirc
[] Ipecirc naquela eacutepoca causou um intenso movimento de
trabalhadores desbravando a aacuterea e plantando capim A aacuterea
possuiacutea 26 mil hectares [] em 18 anos desmataram apenas
20 dessas terras ela era considerada a maior fazenda da
regiatildeo [] Em 1997 comeccedilou a fofoca de venda da aacuterea que
se prolongou por dois anos Tinha ordem de natildeo deixarem
invadir possuiacutea uma patrulha de vigia dia e noite O INCRA
inicia a negociaccedilatildeo com o gerente da eacutepoca que era
autorizado pelo proprietaacuterio A pessoa responsaacutevel ia para
Cuiabaacute- MT Satildeo Felix do Araguaia- MT Rio de Janeiro e
Uberaba em Minas Gerais para se reunir com o dono e
discutir as propostas Como demorou a desapropriaccedilatildeo as
pessoas comeccedilaram a invadir a aacuterea realizaram vaacuterias
reuniotildees com as pessoas para que mantivessem a calma
(ENTREVISTA com Ideu Ex-gerente da Fazenda Ipecirc realizada
por Regina Ceacutelia em 2006)
Ressaltamos que o relato oral apresenta uma linguagem especiacutefica que repete
a ideia de que a reocupaccedilatildeo foi uma ldquoinvasatildeordquo numa perspectiva comum entre os
proprietaacuterios de terra que natildeo compreendiam a luta pela terra Ao contraacuterio do que estaacute
expresso na Carta Aberta o ex-gerente atribui os motivos da bdquoinvasatildeo‟ agrave ldquomorosidaderdquo
na efetivaccedilatildeo do processo de desapropriaccedilatildeo da terra Apesar de tambeacutem fazer
referecircncias agraves reuniotildees que ocorreram no sentido de manter os agricultores familiares
informados sobre o processo de desapropriaccedilatildeo da fazenda para efeito de criaccedilatildeo do
assentamento rural
A consolidaccedilatildeo do assentamento rural soacute veio de fato a acontecer a partir das
denuacutencias feitas pela Comissatildeo Municipal de Reforma Agraacuteria com anuecircncia do
Sindicato dos Trabalhadores Rurais da Comissatildeo Pastoral da Terra e de outras
entidades envolvidas com a Questatildeo Agraacuteria e na luta pela terra em Vila Rica- MT
Segundo documentos19
do STR foi a partir desse fato que o INCRA entrou
com um Mandato de Seguranccedila exigindo a saiacuteda imediata dos ldquoposseirosrdquo sob a
alegaccedilatildeo de ser esta a condiccedilatildeo principal para a aquisiccedilatildeo da aacuterea e a demarcaccedilatildeo dos
lotes no assentamento rural Isso em funccedilatildeo de uma legislaccedilatildeo que regia os processos
19 Os documentos satildeo de diversas tipologias (ofiacutecios cartas atas relatoacuterios e etc)e estatildeo
disponibilizados nos arquivos do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT
82
de criaccedilatildeo dos assentamentos rurais Em 1998 jaacute havia sido declarado pelo Decreto nordm
157 que a aacuterea da Fazenda Ipecirc era de interesse social para efeito das poliacuteticas de
Reforma Agraacuteria
De acordo com o depoimento de uma assentada a qual tambeacutem era na eacutepoca
da diretoria do STR de Vila Rica-MT e estivera desde o processo inicial de formaccedilatildeo do
assentamento rural eacute possiacutevel perceber que
[] os primeiros trecircs anos do assentamento foram de
dificuldades para os assentados pois o mesmo natildeo possuiacutea
infraestrutura como estrada pontes e etc Somente 70 as
famiacutelias receberam creacutedito para fomento enquanto as demais
famiacutelias ficaram agrave mercecirc sem apoio do Poder Puacuteblico por um
bom tempo (ENTREVISTA com Clainir Agricultora Familiar
membro da direccedilatildeo do STR realizada pela autora em marccedilo de
2015)
O periacuteodo compreendido entre 2001 e 2010 foi o momento de maior
alavancada do Assentamento Rural Ipecirc pois recebeu um percentual significativo de
recursos vinculados agraves linhas de creacuteditos do Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar como Pronaf -A Pronaf - AC Pronaf - C Pronaf -D e Pronaf -
Mulher A disposiccedilatildeo desses recursos segundo informaccedilotildees obtidas atraveacutes dos
relatoacuterios da Empaer da Secretaria Municipal de Agricultura e do STR de Vila Rica-
MT estavam condicionados para determinados fins e foram destinados agrave aquisiccedilatildeo de
vacas leiteiras construccedilatildeo de curral e de 95 casas bem como agrave edificaccedilatildeo de pontes
estradas e na contrataccedilatildeo de serviccedilos de maacutequinas de esteira (EMPAER 2009)
223 O Assentamento Rural Aracati
A luta pela terra natildeo passa somente por um processo de conquista territorial
mas avanccedila para a necessidade de permanecircncia dos assentados garantida atraveacutes de
apoios e poliacuteticas puacuteblicas
A histoacuteria dos assentamentos rurais em Mato Grosso tambeacutem eacute marcada pela
violecircncia praticada contra os posseiros No caso de Vila Rica-MT os assentamentos
rurais Aracati e Itaporatilde do Norte talvez sejam os dois que mais se identifiquem com
essa caracteriacutestica uma vez que resultantes do processo de reocupaccedilatildeo da Fazenda
83
Aracati que na eacutepoca era de propriedade do senhor Rubens Mendonccedila apresentado
anteriormente como ldquoo pioneirordquo de Vila Rica-MT
A reocupaccedilatildeo da aacuterea provocou conflito entre posseiros e o proprietaacuterio da
fazenda havendo ateacute ameaccedilas de mortes Aleacutem dessas accedilotildees de conflito o proprietaacuterio
contava com o apoio do judiciaacuterio na aplicaccedilatildeo de medidas coercivas contra os
posseiros
No primeiro momento os posseiros foram despejados das terras perdendo
toda a produccedilatildeo das roccedilas jaacute cultivadas conforme descrito no relatoacuterio produzido pela
Empaer (2009 p 48)
No ano de 1980 foi feita a primeira invasatildeo da fazenda Aracaty
por 42 famiacutelias as mesmas fizeram construccedilatildeo de barracos de
plaacutesticos e palha A aacuterea invadida era mata e aberturas com
pastagens Os invasores fizeram aberturas de picadas
derrubadas e plantio de roccedilas Os pistoleiros da fazenda foram
ateacute a aacuterea invadida acionaram a poliacutecia militar e a mesma veio
ateacute o local do conflito
O conflito fundiaacuterio originado na luta pela terra tornou-se mais complexo
com a organizaccedilatildeo e a atuaccedilatildeo do STR e da CPT Em 1990 o Sindicato dos
Trabalhadores Rurais do municiacutepio denunciou internacionalmente a accedilatildeo de
empresaacuterios e fazendeiros conforme mostra a carta reproduzida a seguir
Figura 6 A Carta da Alemanha
84
Fonte Arquivo do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT
Essa articulaccedilatildeo internacional do STR de Vila Rica-MT demonstra a
capacidade de accedilatildeo mobilizadora dos grupos sociais constituiacutedos por homens e
mulheres com perfil ldquocampesinordquo os quais almejavam acesso agrave terra Revela ainda um
niacutevel de organizaccedilatildeo poliacutetica e conhecimento legal sobre os procedimentos juriacutedicos
adotados pelos oacutergatildeos federais no processo de criaccedilatildeo e regularizaccedilatildeo de assentamentos
rurais
Vale ressaltar que a situaccedilatildeo vivenciada pelos posseiros da Fazenda Aracati
ganhou repercussatildeo nacional e internacional Eacute possiacutevel verificaacute-lo pelas diversas coacutepias
das cartas enviadas ao Presidente da Repuacuteblica por vaacuterias entidades inclusive de paiacuteses
como Espanha Itaacutelia Alemanha e outros
Em 1993 a equipe do INCRA compareceu pela primeira vez na aacuterea
visando regularizaacute-la atraveacutes de um contrato de arrendamento com o proprietaacuterio da
Fazenda Aracati No entanto a regularizaccedilatildeo do assentamento rural ocorreu somente
quando a fazenda em questatildeo foi desapropriada para fins de Reforma Agraacuteria sendo
criado entatildeo o assentamento rural ocasiatildeo em que ocorreu o retorno dos posseiros que
haviam sido expulsos
Na eacutepoca foi respeitada a demarcaccedilatildeo realizada anteriormente pelos proacuteprios
posseiros na primeira fase da reocupaccedilatildeo Em consequecircncia dessa situaccedilatildeo quando natildeo
foram estabelecidos criteacuterios de demarcaccedilatildeo os lotes do Assentamento Rural Aracati
possuem ateacute hoje aacutereas diferentes
Segundo informaccedilotildees obtidas atraveacutes das anaacutelises dos documentos que estatildeo
nos arquivos disponibilizados pelo STR de Vila Rica-MT no periacuteodo de 1990 a 1992
pouco se fez em prol da infraestrutura da aacuterea ocupada pelos agricultores familiares
Apenas se verificou a edificaccedilatildeo de uma pequena escola de taacutebua cercas currais e
construccedilatildeo de estradas as quais foram feitas pelos proacuteprios moradores
224 O Assentamento Rural Satildeo Gabriel
O Assentamento Rural Satildeo Gabriel no que se refere a sua constituiccedilatildeo
possui caracteriacutesticas semelhantes ao Assentamento Rural Satildeo Joseacute uma vez que este
85
tambeacutem foi resultado do processo de ocupaccedilatildeo da fazenda Satildeo Gabriel no ano de 1999
Segundo os moradores na eacutepoca em que a fazenda foi ocupada praticamente toda aacuterea
era ainda coberta de mata virgem As primeiras picadas demarcatoacuterias foram realizadas
pelos posseiros A equipe do INCRA foi ao local somente para realizar o cadastramento
dos interessados Os lotes foram distribuiacutedos atraveacutes de sorteio viabilizando a liberaccedilatildeo
de fomento
Como em todos os demais assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-
MT no iniacutecio os assentados do Satildeo Joseacute enfrentaram muitas dificuldades como a falta
de infraestrutura sobretudo de estradas como demonstram as informaccedilotildees do relatoacuterio
produzido pelo escritoacuterio da Emapaer de Vila Rica- MT (2006 p 10)
[] no ano de 2000 foi criada a primeira associaccedilatildeo do
assentamento a Associaccedilatildeo dos Pequenos Produtores Rurais da
Comunidade Pedra Alta do Projeto de assentamento Satildeo
Gabriel ndash APPA As famiacutelias comeccedilaram a abrir derrubadas
para plantio de roccedilas e pastagens novamente receberam
fomento creacutedito habitaccedilatildeo Iniciou a primeira escola nas casas
da antiga fazenda IPEcirc assentamento vizinho O INCRA teve
presente no assentamento pra fazer a liberaccedilatildeo das casas O
assentamento foi contemplado com 18 km de estrada feitas pela
prefeitura em parceria com INCRA
Assim como ocorreu em outros Projetos de assentamentos rurais de Vila
Rica-MT a deacutecada de 2000 pode ser considerada um marco importante na histoacuteria do
assentamento Satildeo Joseacute pois naquele periacuteodo houve uma melhoria significativa da
infraestrutura em funccedilatildeo das accedilotildees dos Poderes Puacuteblicos Federal e Municipal
O periacuteodo entre os anos 2001 ateacute 2010 foi marcado por um amplo aumento
nas accedilotildees do poder puacuteblico havendo bastante capacitaccedilatildeoformaccedilatildeo para os
Agricultores Familiares e a liberaccedilatildeo de creacuteditos Pronaf A AC Tais poliacuteticas sociais
puacuteblicas segundo relato oral tinham como objetivo a compra de gado leiteiro
construccedilatildeo de curral contrataccedilatildeo de maacutequinas de esteira construccedilatildeo de casas
construccedilatildeo de pontes e estradas
Atraveacutes de projetos depois da implantaccedilatildeo do Programa Luz para Todos os
assentados conseguiram os resfriadores contemplando toda a aacuterea do assentamento
rural Uma loacutegica do aparelho do Estado era que os posseiros se tornassem produtores
de mercadorias e consumidores para que entrassem no processo de produccedilatildeo
econocircmica capitalista
86
225 O Assentamento Rural Itaporatilde do Norte
O Assentamento Rural Itaporatilde do Norte resultou de um processo de
ocupaccedilatildeo por parte de posseiros em 1986 Nesse periacuteodo houve tentativas de
desapropriaccedilatildeo prisatildeo e ameaccedila contra a vida dos posseiros Estes fatos podem ser
confirmados atraveacutes de documentos como a declaraccedilatildeo exposta a seguir em que um
dos posseiros denunciou as ameaccedilas de morte contra eles
Figura 7 Denuacutencia de Ameaccedila de Morte de posseiro
Fonte Arquivo do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT 2015
87
O documento denuncia a accedilatildeo violenta de intimidaccedilatildeo sofrida por parte de um
dos posseiros no ano de 1988 O significado dessa fonte de pesquisa permite que
conheccedilamos mais claramente o modus operandi dos pretensos proprietaacuterios da terra
assim como a forma com que tentavam manter seus domiacutenios natildeo somente no campo
da justiccedila do direito mas tambeacutem pela criaccedilatildeo de cenaacuterios em que o medo pudesse
fazer parte da rotina dos posseiros das suas esposas e familiares
A criaccedilatildeo de um ambiente tenso e conflituoso com riscos agrave vida de qualquer
um dos familiares era uma estrateacutegia utilizada pelos ldquosenhoresrdquo pretensos proprietaacuterios
da terra em conflito Apesar da situaccedilatildeo do embate e das ameaccedilas somente dez anos
depois o INCRA regularizou a situaccedilatildeo dos posseiros
Um dos principais problemas do assentamento rural eacute decorreu da
demarcaccedilatildeo dos lotes no periacuteodo sendo que o tamanho variava entre 25 a 150 ha O
tamanho do lote oscilava em decorrecircncia da forma de reocupaccedilatildeo anterior agrave
regularizaccedilatildeo e que foi seguida pelo INCRA
As parcelas menores estatildeo abaixo do miacutenimo estipulado pelo MDA que eacute de
35 hectares Segundo o Estatuto da Terra (1964) esta era a aacuterea miacutenima que garantia as
condiccedilotildees de desenvolvimento e potencializaccedilatildeo da funccedilatildeo social da terra Essa
perspectiva teve por base a ideia de que um lote menor que 35 ha natildeo tecircm condiccedilotildees de
garantir as condiccedilotildees sociais e econocircmicas de seus moradores e trabalhadores naquela
aacuterea
Ao observarmos essa questatildeo nos assentamentos rurais analisados eacute
perceptiacutevel que os assentados acabaram tendo que conciliar as atividades declaradas na
posse com outras formas de trabalhos assessoacuterios para garantir as condiccedilotildees
econocircmicas da propriedade
Em 1996 foram cadastradas 184 famiacutelias de posseiros que tinham como
objetivo adquirir recursoscreacuteditos para financiamento das atividades naquele
assentamento rural Desse total 30 natildeo estavam aptas para conseguir o creacutedito
226 O Assentamento Rural Bom Jesus
88
Refletir a partir da histoacuteria do Assentamento Rural Bom Jesus eacute trilhar mais
uma vez as trajetoacuterias de vida de vaacuterias pessoas que migraram para Vila Rica-MT em
busca de melhores condiccedilotildees de vida Essas pessoas foram atraiacutedas pela propaganda da
terra feacutertil e da abundacircncia Nas informaccedilotildees disponibilizadas pelo STR de Vila Rica-
MT os ocupantes desse assentamento eram majoritariamente migrantes oriundos dos
estados de Minas Gerais Goiaacutes Rio Grande do Sul Paranaacute Paraacute e minoritariamente
do Nordeste
Essas pessoas ao se aventurarem nas matas para desbravaacute-las acreditavam
que as terras da Amazocircnia proporcionar uma qualidade de vida almejada Essa
expectativa pode ser observada no excerto da carta-convite para a comemoraccedilatildeo do 17ordm
aniversaacuterio do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT datada de
30052004
[] Imaginando eles que iriam ter o crescimento econocircmico e
uma vida melhor para sua famiacutelia sem conhecer os riscos
quantas vidas foram ceifadas nas derrubadas Aiacute chega a
maldita maleita a tatildeo sofrida malaacuteria onde muitas famiacutelias
perderam vidas sofrimento com a dor [] E os que
conseguiam reagir com muita fraqueza sem forccedilas para
trabalhar e jaacute com diacutevidas acabaram vendendo sua terrinha e
quando acabou o dinheiro E agora o que fazer Isso jaacute era por
volta do iniacutecio de 1986 onde a opccedilatildeo foi ocupar terras
devolutas da regiatildeo pois o dinheiro tinha acabado e voltar para
traz donde vieram natildeo era possiacutevel Iniciou- se a ocupaccedilatildeo da
aacuterea do Itaporatilde do Norte e da Colocircnia Bom Jesus []20
Esse documento possibilita compreender que a narrativa oficial natildeo traduzia
as representaccedilotildees constituiacutedas pelos trabalhadores e antigos colonos Afinal na eacutepoca
da formaccedilatildeo do assentamento rural muitos posseiros convivendo com os efeitos da
colonizaccedilatildeo para todos aqueles que acreditaram nos discursos construiacutedos pelo
colonizador sobre um lugar bom de viver acabaram arriscando as proacuteprias vidas na luta
pela terra
Com o passar do tempo eles se deparam com doenccedilas dificuldades
financeiras e a desilusatildeo da riqueza da terra faacutecil Diante da falta de alternativas de
trabalho e de sobrevivecircncia os posseiros viram a possibilidade de reocupar fazendas
20 A carta na integra faz parte de coletacircnea de recorte de textos e noticiaacuterios sobre a luta dos
movimentos numa espeacutecie de livro artesanal o qual estaacute disponibilizado nos arquivos do
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica- MT
89
improdutivas como a uacutenica saiacuteda para a sobrevivecircncia conforme relatado na carta
ldquo[] e quando acaba o dinheiro o que fazerrdquo (CARTA CONVITE STR de Vila Rica
30052004)
O relato a seguir mostra as estrateacutegias dos posseiros para ocupar uma aacuterea
privada e como conseguiram a aprovaccedilatildeo do INCRA
[] Eu participei das ocupaccedilotildees em 1986-1987 no caso do
assentamento Bom Jesus que era antes a antiga Fazenda
COBEC onde 60 famiacutelias foram ocupando a aacuterea Noacutes
organizamos e ocupamos essa aacuterea e tem a Itaporatilde do Norte
que foi ocupada numa organizaccedilatildeo dos Sindicatos dos
Trabalhadores Rurais e outros movimentos sociais daqui do
municiacutepio de Vila Rica-MT mas especificamente da ocupaccedilatildeo
dessas aacutereas que eu natildeo sei falar sei do caso do Bom Jesus
que depois que organizamos a ocupaccedilatildeo recorremos ao
Sindicato e atraveacutes deste fizemos o primeiro contato com o
INCRA queriacuteamos saber se havia interesse por parte do
INCRA em negociar a compra dessa propriedade na eacutepoca o
INCRA ainda fazia a negociaccedilatildeo digo compra de aacutereas que jaacute
estavam ocupadas hoje como vocecirc sabe o INCRA natildeo faz
mais esse tipo de coisa a estrateacutegia eacute outra Hoje compra-se a
propriedade primeiro para depois entregar a antiga fazenda
aos assentados Entatildeo eu na eacutepoca tinha dezesseis anos eu
era meio perdido com essas coisas a organizaccedilatildeo foi feita
basicamente pelo o meu pai e outros companheiros nossos
(outras pessoas neacute) Soacute sei que eles fizeram um levantamento
sobre a situaccedilatildeo das fazendas em Vila Rica-MT e descobriram
que esta aacuterea estava sem produzir o dono natildeo tinha interesse
porque era uma fazenda empenhorada no banco ou seja jaacute era
uma aacuterea do banco Entatildeo os organizadores do processo de
ocupaccedilatildeo entenderam que seria mais faacutecil negociar entre o
dono e o INCRA e assim facilitaria aquisiccedilatildeo do tiacutetulo da
terra e formar o assentamento (ENTREVISTA com Ivanir
Galo Agricultor familiar do assentamento Bom Jesus e
presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-
MT realizada pela autora em marccedilo de 2015)
O relato nos possibilita cogitar a ideia de que os posseiros que reocuparam a
aacuterea da Fazenda Boa Jesus eram conhecedores tanto das diretrizes definidas pelo
INCRA para a criaccedilatildeo de assentamento rural quanto da situaccedilatildeo da Questatildeo Agraacuteria de
Vila Rica-MT Isso fica evidente principalmente ao eleger uma fazenda que estava
comprometida pelo endividamento no banco revelando uma taacutetica de efeito positivo
uma vez que facilita a accedilatildeo do INCRA na aquisiccedilatildeo da fazenda tendo em conta o
interesse do proprietaacuterio em negociar a venda
90
Outra situaccedilatildeo que nos chama atenccedilatildeo foi agrave atuaccedilatildeo dos filhos junto com os
pais na reocupaccedilatildeo da fazenda o que pode se atribuir agrave projeccedilatildeo de desmembramento
familiar ou de ampliaccedilatildeo do capital econocircmico da famiacutelia Ao mesmo tempo pode
demonstrar que os posseiros tinham a pretensatildeo de continuar uma tradiccedilatildeo vinculada a
terra passando suas heranccedilas para seus filhos poreacutem incorporando-os na luta pela
terra no trabalho com a terra e na busca pela sobrevivecircncia a partir da propriedade
rural
O relato a seguir mostra como os posseiros se apossavam de aacutereas natildeo
produtivas
[] A ocupaccedilatildeo de fazenda na eacutepoca era a uacutenica forma que as
pessoas sem-terra tinham para conseguir uma pequena aacuterea
era o que noacutes entendiacuteamos ser mais faacutecil para conseguir ter
acesso agrave terra Hoje a gente vecirc que natildeo precisa ser soacute assim
pois eacute melhor procurar comprar a fazenda e planejar o
assentamento [] Eacuteramos todos daqui mesmo de Vila Rica-
MT eacuteramos pessoas que tinha conhecimento sobre a luta pela
terra um bom entrosamento e essas pessoas trabalhavam em
prol da colonizaccedilatildeo reuniram essas famiacutelias e foram ocupar
ateacute organizamos em dois grupos no primeiro momento onde
um grupo entrou por um local e o outro grupo entrou por outro
lado da fazenda mas quando teve o desbravamento
descobrimos que estaacutevamos ocupando a mesma aacuterea porque o
acesso era muito difiacutecil a gente natildeo tinha como fazer um mapa
direito da fazenda entatildeo tivemos que entrar de 8 a12 km na
mata ateacute descobrir a aacuterea toda[] (ENTREVISTA com
Evani Galo presidente do STR de Vila Rica-MT realizada pela
autora em marccedilo de 2015)
O citado relato oral nos possibilita afirmar que havia um conhecimento
aprimorado sobre a estrutura fundiaacuteria de Vila Rica- MT Os posseiros natildeo ocupavam
aacutereas de fazendas que estavam produzindo mas optavam por estabelecer as disputas em
terras sob condiccedilotildees ilegais Por isso eles ocupavam as aacutereas improdutivas para
diminuir a possibilidade de conflito e aumentar a chance de negociaccedilatildeo entre os
proprietaacuterios e as instituiccedilotildees governamentais Para essas definiccedilotildees eles faziam
reuniotildees para escolher qual aacuterea de fazenda seria ocupada e a definiccedilatildeo de estrateacutegias na
reocupaccedilatildeo
Destacamos que a maioria dos posseiros ocupantes dos lotes do
Assentamento Rural Bom Jesus foi ldquoex-colonosrdquo do Sul que migraram para Vila Rica-
MT no iniacutecio da colonizaccedilatildeo No caso desta pesquisa denominamos como ex- colonos
91
aqueles migrantes que vieram para Vila Rica-MT em funccedilatildeo da accedilatildeo da colonizadora e
que perderam o capital financeiro devido ao endividamento no banco
Daiacute estes migrantes passaram de colonos para Sem-Terra depois tornaram-
se posseiros ou vendedores da forccedila de trabalho trabalhadores rurais e tambeacutem urbanos
Poreacutem outros posseiros eram oriundos das aacutereas de colonizaccedilatildeo ou de fazendas
agropecuaacuterias
[] a dificuldade de chegar e trabalhar era muita Natildeo tinha
aparelhos para identificar com precisatildeo a dimensatildeo da aacuterea
natildeo tinha estrada Andaacutevamos aiacute de 8 a 12 km na mata guiados
atraveacutes de picadas apenas essas picadas jaacute eram existentes
desde a eacutepoca da colonizadora E por ser essa fazenda que noacutes
ocupamos uma aacuterea vizinha da colonizadora Isso acabou
facilitando a localizaccedilatildeo Aleacutem da falta de estrada tinha a
malaacuteria a falta de transporte E eu mesmo fui uma das pessoas
que primeiro chegou ao assentamento Quando fui uns dos
primeiros fiquei 21 dias na mata ali roccedilando demarcando a
minha aacuterea Eu fiquei tentando marcar e garantir o meu
territoacuterio e foi assim a nossa luta para conseguir o pedaccedilo de
terrapedaccedilo de chatildeo pra produzir depois o meu sustento e da
minha famiacutelia [] Na eacutepoca ficou determinado entre todos
noacutes numa reuniatildeo que fizemos ateacute pra dizer que cada um de
noacutes ficaacutessemos apenas com 100 hectares [] por isso no
assentamento do Bom Jesus natildeo tem ningueacutem com mais 100
hectares E teve gente que natildeo conseguiu permanecer no
assentamento venderam e teve outros que desistiram natildeo
aguentaram aquele sofrimento todo Noacutes sempre trabalhamos
na associaccedilatildeo para que nenhum lote passasse de 100 hectares
pois jaacute era a determinaccedilatildeo do INCRA E noacutes jaacute conheciacuteamos as
regras do INCRA e trabalhaacutevamos desde a fase de organizaccedilatildeo
da ocupaccedilatildeo com elas Os dois assentamentos que manteve esse
padratildeo eacute soacute o Bom Jesus e o Itaporatilde A nossa loacutegica era no
sentido de facilitar a regularizaccedilatildeo e pra isso trabalhamos de
forma que pudesse tambeacutem aumentar o nuacutemero de famiacutelias no
assentamento Noacutes sempre respeitamos as regras
(ENTREVISTA com Evani Galo Agricultor Familiar do
assentamento Bom Jesus realizada pela autora em marccedilo de
2015)
O relato acima nos remete agrave concepccedilatildeo jaacute exposta na descriccedilatildeo da formaccedilatildeo
de outros assentamentos rurais em que os posseiros eram conhecedores das diretrizes
do INCRA em relaccedilatildeo ao processo de criaccedilatildeo e regularizaccedilatildeo dos assentamentos rurais
Isso nos leva a crer que a reocupaccedilatildeo das fazendas natildeo ocorria de forma tatildeo espontacircnea
como aparece em outras narrativas sobre assentamentos rurais Havia entre os posseiros
92
uma organizaccedilatildeo e um planejamento Isto porque promoviam accedilotildees que exigiam
atividades taacuteticas e estrateacutegicas que permeavam a disposiccedilatildeo da luta pela terra
Apesar dessas definiccedilotildees de princiacutepios organizativos da luta para evitar
ocupaccedilotildees equivocadas e desviar-se dos conflitos o entrevistado falou sobre as ameaccedilas
que sofreram no periacuteodo em que lutaram para conquistar a terra
[] teve sim ameaccedilas de despejos na eacutepoca Apesar de que
hoje a gente jaacute sabe que foi uma pessoa que usou de
oportunismo Isso eacute o mesmo que estaacute acontecendo na Fazenda
Reunidas Vocecirc natildeo precisa ter medo de falar sobre esse fato
porque eacute verdade isso que lhe conto Pode colocar no seu
relatoacuterio aiacute Esses satildeo os tais grileiros das terras do Araguaia
ficam se passando por donos das fazendas soacute para ameaccedilar e
confundir os posseiros Aconteceu assim uma pessoa de maior
poder aquisitivo ficou amedrontando as outras pessoas que
estavam ocupando a aacuterea da fazenda Noacutes estaacutevamos fazendo
os nossos serviccedilos laacute cuidando da roccedila E daiacute apareceram eles
dizendo que eram os legiacutetimos donos da aacuterea mas natildeo
conseguiram apresentar documento natildeo conseguriam
apresentar nada Noacutes desconfiaacutevamos deles No fundo
sabiacuteamos que estavam tentando nos enrolar E acabou que eles
tiveram que se retirar de laacute E noacutes atraveacutes do INCRA e do
Sindicato satildeo essas as instituiccedilotildees que assumiram a nossa
causa ficamos com a terra e estamos assentados laacute ateacute hoje
Somos 63 famiacutelias [] Na verdade 1987 eacute o periacuteodo de
ocupaccedilatildeo porque o INCRA veio atuar em 1992 quando foi
criado o assentamento Ficou esse periacuteodo aiacute todo em fase de
negociaccedilatildeo com o antigo dono da fazenda O INCRA e o
Sindicato fizeram o levantamento da aacuterea estudo geograacutefico e
assim por diante e noacutes juntos acompanhando tudo
(ENTREVISTA com Ivani Galo Agricultor Familiar do
assentamento Bom Jesus realizada pela autora em marccedilo de
2015)
Nesse caso o depoimento remete agrave accedilatildeo de outro tipo de agente social
envolvido nos conflitos agraacuterios do assentamento rural o grileiro No entanto o termo
ldquogrileirordquo eacute usado localmente para identificar aquele sujeito social que reocupa uma aacuterea
de terra natildeo com o objetivo de morar e cultivar mas ao contraacuterio para adquirir o
ldquodireitordquo sobre ela e poder comercializar posteriormente
Tambeacutem eacute possiacutevel identificar na narrativa a valorizaccedilatildeo dada ao Sindicato
dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT destacando que ele agia juntamente com o
INCRA na regularizaccedilatildeo do assentamento rural
93
Compreendemos que a formaccedilatildeo do Assentamento Rural Bom Jesus deu-se
de forma particular Os posseiros que reocuparam a aacuterea tinham dificuldade financeira
para garantir a sobrevivecircncia e isso se configurava como um impedimento de
retornarem aos seus lugares de origem e natildeo conseguindo mais vislumbrar outro meio
de sobrevivecircncia que natildeo fosse a ocupaccedilatildeo de terra ociosa
Diante das necessidades os posseiros criaram estrateacutegias inteligentes de
ocupaccedilatildeo escolhendo as aacutereas com maior chance de desapropriaccedilatildeo bem como
estrateacutegias de resistecircncia do grupo para lutar contra o grileiro
Essas estrateacutegias tambeacutem devem ser compreendidas em uma relaccedilatildeo com o
perfil dos ocupantes que incluiacutea aqueles com certo grau de instruccedilatildeo sobre as questotildees
relacionadas agrave poliacutetica de regularizaccedilatildeo de assentamentos rurais O conhecimento da
legislaccedilatildeo facilitou o acesso agraves poliacuteticas que versavam sobre a desapropriaccedilatildeo
parcelamento e uso de terras devolutas eou improdutivas que natildeo cumpriam a funccedilatildeo
social as quais devem ser utilizadas para fins de Reforma Agraacuteria
227 Assentamento Rural Santo Antocircnio do Beleza
Jaacute ressaltamos em outras passagens do texto que cada um dos assentamentos
rurais de Vila Rica-MT tem caracteriacutesticas de ocupaccedilatildeo diferentes como eacute o caso do
Assentamento Rural Santo Antocircnio do Beleza que foi ocupado por colonos que natildeo
conseguiram comprar lotes de terra da colonizadora ou perderam suas terras no
financiamento do Banco Tambeacutem participaram seus filhos que no ldquodesmembramentordquo
familiar tambeacutem se apropriaram de terras Ateacute entatildeo natildeo apareceu o dono do tiacutetulo
requerendo o direito de propriedade daquela aacuterea de terra em que foi constituiacutedo o
Assentamento Rural Bom Jesus
Tal situaccedilatildeo se deu tambeacutem pelo fato de a Colonizadora Vila Rica-MT natildeo ter
assegurado junto ao INCRA as terras aos colonos e trabalhadores rurais desprovidos
de capital para aquisiccedilatildeo de lotes da colonizadora Estes ocuparam aacutereas destinadas ateacute
entatildeo pela colonizadora para as fazendas Somente depois que a aacuterea foi ocupada em
2001 eacute que o INCRA regularizou os lotes para os ldquoocupantesrdquo
Os posseiros que reocuparam a aacuterea da Colonizadora Vila Rica-MT
denominada de Santo Antocircnio do Beleza satildeo em sua maioria oriundos dos estados do
94
Rio Grande do Sul Santa Catarina e do Paranaacute e se fixaram na aacuterea como assentados e
atualmente se identificam como agricultores familiares parceleiros colonos ou
proprietaacuterios
228 Assentamento Rural Alvorada
O Assentamento Rural Alvorada estaacute localizado na divisa do municiacutepio de
Vila Rica-MT com o estado do Paraacute Esse assentamento rural resultou da ocupaccedilatildeo da
fazenda Santaninha em 1993 poreacutem o ato de regularizaccedilatildeo data de 1995 ou seja
somente depois de dois anos das terras ocupadas eacute que foram regularizadas pelo
INCRA transformando-as em Projeto de assentamento rural
Consta em documentos (atas ofiacutecios relatoacuterios e projetos de assistecircncia
teacutecnicas)21
do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT que os primeiros
moradores do Assentamento Rural Alvorada vieram principalmente dos estados de
Mato Grosso do Paraacute e de outras regiotildees do Brasil
Melo (2011 p 43) realizou uma pesquisa sobre as atividades das
agropecuaacuterias no Assentamento Rural Alvorada denominado como PA Santaninha
afirmando que ldquo[] o periacuteodo compreendido de 1993 ateacute 2009 as principais
dificuldades do assentamento rural estavam relacionadas agrave falta de estradasrdquo De acordo
com o mesmo autor o assentamento rural estaacute localizado em uma aacuterea onde haacute
predominacircncia de relevo acidentado condiccedilatildeo que motivou os assentados a investir na
pecuaacuteria inibindo assim o avanccedilo da agricultura familiar devido agraves dificuldades para o
escoamento da produccedilatildeo agriacutecola de hortaliccedilas legumes verduras e frutas
Essa situaccedilatildeo ainda eacute um desafio para o desenvolvimento do assentamento
rural Apesar dos problemas nesse assentamento haacute escola Associaccedilatildeo de Pequenos
Agricultores possui rede de energia eleacutetrica abastecimento de aacutegua etc Nesta acepccedilatildeo
o relato de um dos assentados ilustra a concepccedilatildeo dos seus moradores quanto agraves
condiccedilotildees de vida no assentamento rural
21 Esses documentos foram analisados pela a autora da pesquisa os quais fazem parte do acervo
documental do Sindicato dos Trabalhadores de Vila Rica-MT
95
[] foi bom mudar para caacute me sinto realizado porque
consegui algo para sobreviver e cuidar da minha famiacutelia []
quando chegamos aqui quase natildeo tinha devastaccedilatildeo de mata soacute
tinha aproximadamente 25 alqueires de derrubada e era muito
difiacutecil a chegada neste local pois os primeiros meios de
transporte eram o trator porque as estradas eram bem
dificultosas atoleiros e sem pontes Atualmente as melhorias
satildeo muito grandes nas estradas nos transportes na educaccedilatildeo
na habitaccedilatildeo e na sauacutede (ENTREVISTA com Edno Venacircncio
morador do projeto de Santaninha desde o ano 1993 realizada
por Carlos Aberto de Melo em 2011)
O trecho do relato nos remete agraves dificuldades vivenciadas pelos posseiros nos
primeiros tempos de formaccedilatildeo do assentamento rural comuns aos demais
assentamentos rurais de Vila Rica-MT Satildeo os posseiros que precisam cavar e buscar as
proacuteprias condiccedilotildees de sobrevivecircncia jaacute que o poder Puacuteblico natildeo assegura a
infraestrutura baacutesica
No assentamento Alvorada as informaccedilotildees do STR e dos assentados
permitiram compreender que nesse assentamento natildeo ocorreu conflito entre posseiros e
fazendeiro Trata-se de uma aacuterea que natildeo estava vinculada somente agrave Fazenda
Santaninha Nesse assentamento a devastaccedilatildeo do meio para a formaccedilatildeo de pastagens foi
fruto da accedilatildeo dos proacuteprios posseiros
No Assentamento Rural Alvorada como em outros a questatildeo das poliacuteticas
puacuteblicas de sauacutede habitaccedilatildeo estrada e educaccedilatildeo satildeo consideradas como conquistas
importantes para a permanecircncia das famiacutelias no campo
Consideraccedilotildees gerais sobre os assentamentos rurais de Vila Rica-MT
Ao analisar a formaccedilatildeo dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica
percebemos a complexidade e as diferenciaccedilotildees existentes entre eles No entanto o que
existe em comum foi agrave luta pela posse da terra por parte de posseiros ex-colonos e
agricultores familiares Nesse processo contaram com o apoio e auxiacutelio de entidades
como a CPT e o STR do municiacutepio de Vila Rica-MT dos agentes da pastoral da
Prelazia de Satildeo Feacutelix do Araguaia hoje Diocese
A situaccedilatildeo dos assentamentos rurais de Vila Rica-MT eacute percebida como
resultado da luta dos posseiros em torno da aquisiccedilatildeo da posse e propriedade da terra
96
Ao mesmo tempo em que essa organizaccedilatildeo parte de uma localidade especifica estava
inserida em uma conjuntura de luta regional estadual nacional e mundial
Os diferentes sujeitos histoacutericos que constituiacuteram a luta pela terra com a
formaccedilatildeo dos assentamentos rurais de Vila Rica-MT deixaram de ser posseiros Os ex-
colonos trabalhadores rurais e grileiros tornaram-se agricultores familiares quando o
INCRA regularizou a aacuterea em litiacutegio transformando-a em assentamento rural
97
3 SITUACcedilAtildeO SOCIOECONOcircMICA DOS ASSENTAMENTOS RURAIS SAtildeO
JOSEacute SAtildeO GABRIEL IPEcirc E ARACATI (2006-2010)
Esse capiacutetulo tem como objetivo apresentar a situaccedilatildeo socioeconocircmica de
quatro dos oito assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT No entanto natildeo se
pretende apresentar um diagnoacutestico de sua realidade social e econocircmica mas um esboccedilo
para compreender as tendecircncias soacutecio-histoacutericas que foram obtidas atraveacutes das fontes
documentais
Ressaltamos que existem poucas fontes escritas que se referem a situaccedilotildees
socioeconocircmicas dos assentamentos rurais do Araguaia e se tratando de Vila Rica a
localizaccedilatildeo e acesso aos poucos documentos escritos foram fundamentais para a
construccedilatildeo desse capiacutetulo
As fontes escritas analisadas nesse capiacutetulo foram os ldquoPlanos de
Desenvolvimento do Assentamentordquo (Pda) incluindo os assentamentos rurais Satildeo Joseacute
Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati elaborados pela Empaer em 2010 Estes Pdas ajudaram a
compreender os muacuteltiplos contextos de constituiccedilatildeo e produccedilatildeo nos assentamentos
rurais embora envolvessem outras temporalidades
Contudo ressaltamos que natildeo utilizamos apenas o banco de dados produzido
pela equipe da Empaer pois realizamos visitas aos assentamentos rurais agrave Secretaria
Municipal de Agricultura e ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT
onde aleacutem das entrevistas tivemos acesso a outras fontes documentais que
possibilitaram ampliar a perspectiva analiacutetica deste capiacutetulo
A elaboraccedilatildeo dos Pdas se deu atraveacutes de reuniotildees com os assentados e a
realizaccedilatildeo de pesquisa de campo
As informaccedilotildees coletadas refletem a realidade do assentamento
e foram levantadas dentro de uma metodologia participativa
onde a comunidade do assentamento expocircs suas dificuldades
potencialidades e prioridades Utilizou-se tambeacutem de estudos de
campo realizado por uma equipe multidisciplinar constituiacuteda
por engenheira florestal engenheira agrocircnoma e teacutecnicos nas
aacutereas da pecuaacuteria agriacutecola ambiental e social (EMPAER-MT
2010 p 2)
Ressaltamos que as informaccedilotildees levantadas natildeo ldquorefletiram a realidaderdquo de
maneira mecacircnica mas possibilitaram a anaacutelise das informaccedilotildees obtidas enquanto
tendecircncias
98
Para compreender como cada fonte documental foi construiacuteda foi preciso
observar as fotografias que fazem parte do proacuteprio documento e que possibilitaram a
percepccedilatildeo da forma com que a equipe multidisciplinar da Empaer coletou as
informaccedilotildees que serviram de base para produccedilatildeo do diagnoacutestico de como se deu a
participaccedilatildeo dos assentados
Figura 8 Fotografias das visitas dos teacutecnicos da Empaer-MT no PA Ipecirc 2010
Fonte EMPAER-MT 2010 p 5
A Empaer recorreu a diversas estrateacutegias desde o uso dos recursos
midiaacuteticos sobretudo a Raacutedio Comunitaacuteria e visitas aos assentamentos rurais contando
com o apoio de lideranccedilas sindicais e poliacuteticas para a divulgaccedilatildeo do Programa de
Assessoria Teacutecnica Social e Ambiental agrave Reforma Agraacuteria (Ates) e conscientizaccedilatildeo
dos agricultores familiares sobre a importacircncia e implicaccedilatildeo dos Pdas
Figura 9 Fotografias da apresentaccedilatildeo do Projetob Ates na Raacutedio Comunitaacuteria Eldorado
Fonte EMPAER 2010 p 5
99
Foi a partir dessas diferentes formas de divulgaccedilatildeo e estrateacutegias que a equipe
da Empaer convenceu os assentados a participar da primeira fase do Ates que foi a
construccedilatildeo do diagnoacutestico
Os questionaacuterios e entrevistas foram realizados em diferentes momentos em
reuniotildees com a comunidade e in loco o que resultou na tabulaccedilatildeo de dados que
apresentam diferentes bases amostrais Ora observamos uma amostra de cerca de
duzentos entrevistados e ora observamos tabelas com um nuacutemero trecircs vezes maior de
famiacutelias assentadas
Ressaltamos que essa diferenccedila na base de dados eacute proacutepria da fonte
documental analisada e natildeo pudemos adulterar os nuacutemeros para natildeo comprometer a
anaacutelise da fonte documental Ainda eacute importante salientamos que apesar das diferenccedilas
amostrais presentes em diferentes dados (tabelas) os mesmos satildeo extremamente
relevantes para anaacutelise por fornecerem tendecircncias socioeconocircmicas dos assentamentos
rurais nos anos de 2009 a 2010
31 Os assentamentos rurais na perspectiva do Programa de Assessoria Teacutecnica
Social e Ambiental agrave Reforma Agraacuteria (Ates)
Os assentamentos rurais segundo a concepccedilatildeo constituiacuteda no projeto de Ates
(2008) satildeo definidos enquanto espaccedilos de promoccedilatildeo da equidade de gecircnero e
intergeraccedilotildees entre a populaccedilatildeo de agricultores familiares Por isso a recorrecircncia agraves
estrateacutegias de trabalho em forma de cooperativas imbuiacutedas da concepccedilatildeo de
agroecologia cooperaccedilatildeo e economia solidaacuteria Estes elementos foram constituiacutedos a
partir dos artifiacutecios da formaccedilatildeo continuada dos diferentes segmentos que compotildeem o
coletivo do Programa de Reforma Agraacuteria
Para tanto o Programa Ates do Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio
(BRASIL 2008 p 10) foi definido da seguinte forma
100
O Programa de Assessoria Teacutecnica Social e Ambiental agrave
Reforma Agraacuteria ndash Ates do INCRA foi criado em 2003 com o
objetivo de assessorar teacutecnica social e ambientalmente as
famiacutelias assentadas nos Projetos de assentamento da Reforma
Agraacuteria criados ou reconhecidos pelo INCRA tornando-os
unidades de produccedilatildeo estruturadas com seguranccedila alimentar
garantida inseridos de forma competitiva no processo de
produccedilatildeo voltados ao mercado e integradas agrave dinacircmica do
desenvolvimento municipal regional e territorial de forma
ambientalmente sustentaacutevel
Nessa perspectiva a assistecircncia teacutecnica implementada pelo Instituto Nacional
de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria deve levar em consideraccedilatildeo as questotildees de ordem
social ambiental culturas e tecnoloacutegica visando um modelo de desenvolvimento
pensado a partir das demandas locais regionais e nacional de forma que assegure a
sustentabilidade social ambiental e econocircmica dos assentamentos rurais
A Ates tem como ponto de referecircncia para a efetivaccedilatildeo da assistecircncia teacutecnica
na Agricultura Familiar os Pdas (2008 p 51) ldquo[] eacute portanto a principal ferramenta
de planejamento dos Projetos de assentamentos rurais voltada diretamente para o seu
desenvolvimento sustentaacutevel segundo as suas dimensotildees econocircmica social cultural e
ambientalrdquo
De acordo com o MDA os assentamentos rurais devem ser ldquoedificado a partir
de um diagnoacutesticordquo que sirva como representaccedilatildeo do quadro situacional dos
assentamentos rurais em seus aspectos fiacutesico social econocircmico cultural e ambiental
O objetivo eacute
Dotar as aacutereas de assentamento de um instrumento de
planejamento fundado em diagnoacutestico preacutevio que permita
prever todas as accedilotildees a serem desenvolvidas num determinado
horizonte de tempo de modo a possibilitar o monitoramento de
sua implementaccedilatildeo pelas equipes de Ates Garantir a efetiva
participaccedilatildeo dos assentados em todas as fases do processo de
planejamento e implementaccedilatildeo das accedilotildees nos projetos de
assentamento Inserir as accedilotildees propostas para os projetos de
assentamento no contexto das diretrizes contidas nos
planejamentos regionais e municipais assegurando a
participaccedilatildeo efetiva de todos os atores sociais governamentais e
natildeo governamentais envolvidos com o processo de reforma
agraacuteria (BRASIL MDA 2006 p 29)
Conforme o MDA o projeto tem por base a participaccedilatildeo do assentado em
todas suas fases de planejamento e implementaccedilatildeo dos assentamentos rurais
101
beneficiados A idealizaccedilatildeo do objetivo do Ates eacute ambicioso no contexto nacional mas
apresenta pouca aplicabilidade quando tomamos como referecircncia o caso de Vila Rica-
MT Tratando-se dos Pdas elaborados especificamente para os assentamentos rurais Satildeo
Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati os objetivos baacutesicos buscam assegurar que
As famiacutelias seratildeo assessoradas teacutecnica social e ambientalmente
de forma integrada e continuada nos aspectos de produccedilatildeo
industrializaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo dos produtos explorados na
aplicaccedilatildeo do creacutedito rural nas questotildees ambientais no
saneamento baacutesico na organizaccedilatildeo das famiacutelias e da produccedilatildeo
no exerciacutecio da cidadania utilizando as metodologias de Ates
(EMPAER-MT 2010 p 11)
A partir dessa proposta a equipe da Empaer realizou a primeira fase do
projeto realizando uma ampla pesquisa junto aos assentados dos quatro assentamentos
rurais de Vila Rica-MT que foram contemplados pelo Programa de Ates Este
levantamento de dados pela Empaer foi importante para identificar o perfil do
assentado a produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo no ano de 2010 Apesar de ser uma
amostragem parcial forneceu dados que permitiram analisar e problematizar questotildees
que podem se constituir enquanto indicadores ou tendecircncias
Apesar da relevacircncia do Pdas como fonte documental para a pesquisa e para
as poliacuteticas do municiacutepio de Vila Rica-MT eacute fundamental destacarmos que o Ates natildeo
foi finalizado mas suspenso pelo Governo Federal sem que os Pdas tenham sido
devidamente finalizados No entanto a equipe teacutecnica da Empaer que coletou os dados
e as informaccedilotildees desses assentamentos rurais continua utilizando esse diagnoacutestico para
o desenvolvimento de suas accedilotildees
32 O perfil dos assentados gecircnero idade e escolaridade
O perfil dos assentados dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e
Aracati conforme jaacute dito foi constituiacutedo com dados quantitativos obtidos atraveacutes dos
diagnoacutesticos que serviriam como base para a construccedilatildeo dos Pdas
Esses dados foram analisados a partir da confrontaccedilatildeo com fontes orais e
anaacutelises teoacutericas que forneceram indiacutecios qualitativos para a problematizaccedilatildeo e
102
compreensatildeo das caracteriacutesticas dos Agricultores Familiares dos assentamentos rurais
pesquisados
321 Diferenciaccedilatildeo de Gecircneros predominacircncia masculina e papel da mulher
Segundo dados da Empaer (2010) a diferenccedila numeacuterica entre homens e
mulheres nos assentamentos rurais pesquisados assim se apresentava
PA Satildeo Joseacute 179 homens e 147 mulheres
PA Satildeo Gabriel 44 homens e 39 mulheres
PA Ipecirc 153 homens e 125 mulheres
PA Aracati 40 homens e 44 mulheres
Com exceccedilatildeo do Assentamento Rural Aracati que apresentou uma pequena
vantagem no nuacutemero de mulheres em relaccedilatildeo aos demais assentamentos rurais se
observa a predominacircncia do sexo masculino sobre o feminino Uma hipoacutetese explicativa
para a existecircncia de maior nuacutemero de homens residindo nos assentamentos rurais eacute em
primeiro lugar causado pela necessidade dos filhos estudarem nas escolas urbanas
sendo que muitas vezes as matildees os acompanham em segundo lugar a possibilidade de
que cabe aos homens morar nas fases iniciais de formaccedilatildeo dos assentamentos rurais
enquanto constroem as casas estradas escola e estrutura fiacutesica
A questatildeo de gecircnero pode ser abordada em relaccedilatildeo ao trabalho ao lazer e agrave
participaccedilatildeo poliacutetica das mulheres Tratando-se de lazer os relatoacuterios do Pdas da
Empaer (2010 p 74) demonstraram que existe uma estrutura maior para os homens
conforme descriccedilatildeo abaixo
No assentamento natildeo identificamos praacuteticas de lazer voltadas
para as mulheres e idosos As atividades direcionadas para este
grupo geralmente se datildeo na esfera familiar ou religiosa O
assentamento tem times de bochas que participam do
campeonato municipal onde os jogadores tecircm que se deslocar
de um assentamento para outro
Como vimos as atividades de lazer satildeo predominantemente masculinas
sobretudo no esporte como eacute o caso dos jogos de bocha e futebol que resultam numa
circulaccedilatildeo dos assentados em outros assentamentos rurais e comunidades Agraves mulheres
restam as atividades religiosas e no lar Assim sendo satildeo os homens que tecircm mais
103
oportunidades de sair de casa e tambeacutem da comunidade diferentemente das mulheres
que ficam a maior parte do tempo no interior do lar
No que se refere agrave representaccedilatildeo poliacutetica segundo a Empaer (2009 p 59) no
Assentamento Rural Satildeo Joseacute ldquo[] foram levantadas as informaccedilotildees que natildeo haacute []
representaccedilatildeo especiacutefica para o jovem e a mulher rural fato este que tambeacutem contribui
para o ecircxodo dessas famiacuteliasrdquo Jaacute nos assentamentos rurais Satildeo Gabriel e Ipecirc ldquo[] a
participaccedilatildeo da associaccedilatildeo conta com presenccedila de homens mulheres e jovens poreacutem as
mulheres e jovens fazem poucas interferecircncias sobre os assuntos tratados durante as
reuniotildeesrdquo (EMPAER p 51)
De acordo com os relatoacuterios produzidos pela equipe do escritoacuterio da Empaer
em Vila Rica-MT natildeo existe uma organizaccedilatildeo feminina no sentido de criar estrateacutegias
para pleitear poliacuteticas especiacuteficas para a categoria o que diminui ainda mais a
participaccedilatildeo das mesmas Vale lembrar que as mulheres satildeo responsaacuteveis pelos afazeres
domeacutesticos (cuidando da casa e dos filhos) assim como da criaccedilatildeo de pequenos animais
domeacutesticos (porcos aves cachorros e outros) e do cultivo de hortas
No relatoacuterio do Assentamento Rural Satildeo Gabriel essa situaccedilatildeo foi descrita
pela a Empaer (2010 p 52) da seguinte forma
A maioria das mulheres aleacutem de trabalharem nos afazeres
domeacutesticos (cuidado da casa e dos filhos) tambeacutem satildeo
responsaacuteveis pela criaccedilatildeo de pequenos animais domeacutesticos e
cultivos de hortas A organizaccedilatildeo das mulheres dentro do
assentamento ainda eacute retraiacuteda Segundo dados do perfil de
entrada aplicado no assentamento natildeo foi constatado nenhum
grupo de mulheres ou qualquer outra forma de organizaccedilatildeo
social voltada para as mulheres em todo o assentamento
Ficando as mesmas condicionadas a se reunirem com os
homens e desta forma natildeo se unem para tratar de assuntos
relevantes as suas necessidades dentro do assentamento
Os afazeres domeacutesticos entram na divisatildeo sexual do trabalho como atividade
feminina assim como eacute o caso do cultivo de hortaliccedilas e criaccedilatildeo de pequenos animais
(aves porcos etc) as quais podem contar com a ajuda das crianccedilas No entanto haacute
indiacutecios de que falta uma maior organizaccedilatildeo das mulheres no sentido na reivindicaccedilatildeo
de poliacuteticas direcionadas aos seus interesses O segundo o relatoacuterio da Empaer (2010 p
52) esclarece ainda que
104
A alimentaccedilatildeo das famiacutelias eacute composta pelo que eacute produzido
nas propriedades como pequenos animais leite derivados do
leite hortaliccedilas frutas do pomar e em determinada eacutepoca do
ano tem o complemento de milho e mandioca A outra parte da
alimentaccedilatildeo da famiacutelia eacute comprada no comeacutercio do municiacutepio
Natildeo foi constatada nenhuma famiacutelia que natildeo produz um pouco
da sua base alimentar dentro da propriedade
Assim podemos afirmar que a maior parte dos produtos que serve de base
para alimentaccedilatildeo das famiacutelias tais como pequenos animais derivados do leite
hortaliccedilas frutas do pomar entre outros satildeo oriundos das atividades desenvolvidas
pelas mulheres cabendo aos homens as atividades relacionadas agrave produccedilatildeo e venda de
leite para complementaccedilatildeo da renda da famiacutelia
Nessa mesma perspectiva os dados quantitativos que se seguem demonstram
a confirmaccedilatildeo do que jaacute supramencionamos
Tabela 2 Produtos que satildeo destinados agrave Alimentaccedilatildeo da Famiacutelia
Uso de tanque PA S Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total
Pequenos animais 106 22 78 25 231
Leite 97 22 76 25 220
Pomar 105 21 78 24 228
Horta 72 15 62 17 166
Total 380 80 294 91 845
Fonte EMPAER (2010 p09)
Analisando a Tabela 2 do total de 570 famiacutelias dos quatro assentamentos
rurais participantes da pesquisa 220 criam gado leiteiro sendo essa atividade uma das
principais fontes de renda e de consumo
Enquanto 231 assentados satildeo criadores de pequenos animais 228 possuem
pomar e 166 cultivam hortaliccedilas em seus quintais Trata-se de produccedilatildeo para consumo
Logo eacute possiacutevel aferir que quem garante grande parte da renda das famiacutelias assentadas
satildeo as mulheres sendo que esse trabalho nem sempre eacute considerado rentaacutevel visto que
classificado como uma simples ldquoajudardquo no orccedilamento familiar conforme observado
adiante na discussatildeo sobre produccedilatildeo
322 Perfil etaacuterio indicadores de uma populaccedilatildeo idosa
105
Outro elemento importante identificado na pesquisa diz respeito agrave idade dos
assentados identificando o papel parcial dos jovens nos assentamentos rurais e o
envelhecimento da populaccedilatildeo
Segundo dados da Empaer (2010) a idade dos assentados dos assentamentos
rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati estatildeo distribuiacutedos em faixas etaacuterias da
seguinte forma
Tabela 3 Faixa etaacuteria dos assentados
Faixa Etaacuteria Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total
Nordm Nordm Nordm Nordm Nordm
0 a 6 24 75 10 120 18 64 1 10 53 70
7 a 15 69 215 22 270 36 128 17 210 144 190
16 a 29 67 200 13 160 81 287 20 250 181 230
30 a 60 139 430 37 450 120 426 35 430 331 430
Acima de 60 27 80 0 00 287
96 8 100 62 80
Total 326 100 82 1000 282 1000 81 1000 771 100
Fonte EMPAER 2010
De acordo com os dados na tabela 3 foi possiacutevel identificar que se somadas
As faixas etaacuterias entre 16 anos e 60 anos 66 dos assentados pesquisados estatildeo dentro
de faixas etaacuterias de populaccedilatildeo economicamente ativa ou seja os aptos agrave produccedilatildeo
agriacutecola eou pecuaacuteria Enquanto que as faixas etaacuterias de 7 a 15 anos de idade tecircm uma
representaccedilatildeo de 19 sendo que 8 estatildeo acima de 60 anos ou seja satildeo idosos e a
tendecircncia eacute que natildeo trabalhem da mesma maneira que os mais jovens
Logo esta constataccedilatildeo que leva em consideraccedilatildeo outras informaccedilotildees aleacutem
das expostas na tabela 3 nos induz a refletir sobre o envelhecimento da populaccedilatildeo do
campo onde apenas 19 satildeo jovens entre 7 a 15 anos Este pode ser considerado como
um intervalo longo situaccedilatildeo que a nosso ver complica a anaacutelise dos dados Aleacutem de
haver um indicativo de evasatildeo dos jovens nos assentamentos rurais explicada
hipoteticamente pela necessidade das novas geraccedilotildees de prosseguir nos estudos motivo
pelo qual saem dos assentamentos rurais para conseguirem obter maiores niacuteveis de
escolaridade como o Ensino Superior e ateacute mesmo o Meacutedio Outra possiacutevel explicaccedilatildeo
eacute a de que os jovens procuram por empregos em aacutereas urbanas
106
Destacamos que essa constataccedilatildeo tomou tambeacutem como paracircmetro o relatoacuterio
da Pesquisa Nacional de Residecircncia Domiciliar PNAD (2009) que aponta para o
envelhecimento da populaccedilatildeo rural no Brasil sobretudo nas aacutereas de assentamentos
rurais
Outro elemento fundamental eacute o papel poliacutetico dos ldquojovensrdquo assentados uma
vez que foram identificados como pouco participativos nas reuniotildees e atuaccedilotildees poliacuteticas
observadas pela equipe de elaboraccedilatildeo dos Planos de Desenvolvimento dos
assentamentos rurais
Aleacutem desse elemento a questatildeo da sua saiacuteda dos assentados para morar nas
cidades tambeacutem foi identificada como problema que atinge mais os jovens que buscam
oportunidade de empregos citadinos e de terem uma melhor e maior escolaridade
323 Perfil de escolaridade dos assentados
Nos dados da Empaer (2010) a escolaridades dos assentados tem a seguinte
caracterizaccedilatildeo
Tabela 4 Escolaridade dos assentados Escolaridade PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Perce
ntual
1ordf a 4ordf Seacuterie 143 29 113 39 324 46
5ordf a 8ordf Seacuterie 83 34 81 19 217 31
Segundo grau 61 12 49 16 138 20
Superior 8 1 4 7 20 3
Total 295 76 247 81 699 100
Fonte EMPAER (2010 p 9)
A Tabela 4 mostra que o niacutevel de escolaridade dos assentados eacute
significativamente baixo uma vez que das 699 pessoas participantes da pesquisa 77
natildeo cursaram o Ensino Meacutedio 324 estatildeo em niacutevel de escolaridade entre 1ordf a 4ordf seacuterie ou
seja estatildeo no anosciclo iniciais do processo de escolarizaccedilatildeo E 227 estatildeo entre 5ordf a 8ordf
seacuterie ou seja natildeo concluiacuteram sequer o Ensino Fundamental Somente 20 dos
entrevistados tecircm Ensino Meacutedio e apenas 20 pessoas dos pesquisados possuem ou estatildeo
em fase de conclusatildeo do Ensino Superior ou seja 3
107
Essa baixa escolarizaccedilatildeo entre assentados tambeacutem foi identificada em
pesquisa de Ferreira e Castrillon (2004 p 201) que ao apresentarem uma anaacutelise sobre
os impactos socioeconocircmicos dos assentamentos rurais em Mato Grosso descrevem sua
estrutura social como
Nos assentamentos pesquisados 23 8 dos titulares dos lotes
eram analfabetos 534 possuiacuteam primeiro grau incompleto
136 primeiro grau completo e 91 segundo grau ou mais
A taxa de analfabetismo dos titulares dos lotes demonstra- se
superior a taxa de analfabetismo da populaccedilatildeo rural do estado
A baixa escolaridade dos titulares dos lotes podem ser
explicados entre os outros fatores pela falta de infraestrutura
social (escola) em ambientes em que predomina intensa
mobilidade social pela necessidade do trabalho familiar entre
os jovens nas aacutereas rurais e especialmente em aacutereas de
fronteiras pela instabilidade e inseguranccedila promovidas pelo
intenso processo de luta pela terra Tais fatores quando
relacionadas diminuem as oportunidades de acesso a escola e a
serviccedilo de sauacutede as populaccedilotildees
Logo podemos observar que os dados quantitativos dos assentamentos rurais
pesquisados pela Empaer (2010) natildeo destoam de outras pesquisas em outros
assentamentos rurais do estado de Mato Grosso
Para finalizar a anaacutelise sobre o perfil dos assentados ressaltamos que
problematizar os dados relativos a gecircnero idade e escolaridade eacute fundamental para
identificar o perfil dos assentados quanto agraves caracteriacutesticas pessoais elementares que
influenciam na forma com que se relacionam e agem socialmente A educaccedilatildeo nos
assentamentos rurais pode ser problematizada atraveacutes de um fenocircmeno recente de
esvaziamento e fechamento de escolas no campo ou tambeacutem agrave falta de um curriacuteculo e
modo de organizaccedilatildeo pedagoacutegica que atenda as caracteriacutesticas especiacuteficas das aacutereas dos
assentamentos rurais
33 Condiccedilotildees de vida nos assentamentos rurais energia eleacutetrica aacutegua sauacutede
moradia e infraestrutura
O estudo levou em consideraccedilatildeo as anaacutelises sobre as condiccedilotildees nas quais
vivem as pessoas nos assentamentos rurais tendo como paracircmetro o acesso agrave luz
eleacutetrica aacutegua sauacutede moradia e infraestrutura elementos que a nosso ver satildeo
108
fundamentais para assegurar as condiccedilotildees de permanecircncia das famiacutelias nos
assentamentos rurais (no lugar) e proporcionam algum conforto e bem-estar
331 Energia Eleacutetrica
Um dos principais problemas do universo dos assentamentos rurais no Brasil
antes da implementaccedilatildeo do Programa Luz Para Todos era a ausecircncia de energia
eleacutetrica que impedia uma melhor qualidade de vida a qual impossibilitava o uso de
eletrocircnicos e eletrodomeacutesticos bem como a utilizaccedilatildeo de resfriadores para conservar e
processar o leite principal produto da renda financeira dos assentamentos rurais
estudados
Nessa perspectiva os dados quantitativos dispostos nos Pdas 2010 que satildeo
posteriores ao Programa Luz Para Todos nos mostram outra realidade
Tabela 5 Presenccedila de energia eleacutetrica nos assentamentos rurais
Energia EleacutetricaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
Natildeo tem energia eleacutetrica 5 0 3 0 8 35
A fonte eacute gerador proacuteprio 0 0 1 0 1 05
A fonte eacute a rede CEMAT 98 25 76 25 224 960
Total 103 25 80 25 233 100
Fonte EMPAER 2010
Nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati 96 dos
assentados jaacute usufruiacutea de energia eleacutetrica e somente oito das famiacutelias assentadas em
um universo de 233 responderam natildeo contar com energia eleacutetrica Essas famiacutelias sem
energia eleacutetrica moravam nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute e Ipecirc e uma possibilidade
de explicaccedilatildeo para esse fato pode ser que satildeo famiacutelias receacutem-chegadas ou que ocuparam
aacutereas mais distantes dentro dos assentamentos rurais
Tal situaccedilatildeo de uma maioria de assentados contar com energia eleacutetrica eacute
decorrente do Programa ldquoLuz para Todosrdquo do Governo Federal
332 Aacutegua
109
A aacutegua eacute um elemento essencial para a vida no entanto quando se refere agrave
aacutegua em condiccedilatildeo potaacutevel revela-se um problema mundial situaccedilatildeo que natildeo foge agrave
realidade dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT Haacute problemas com a
aacutegua potaacutevel em funccedilatildeo de vaacuterios fatores tais como questotildees culturais econocircmicas
mas sobretudo as questotildees ambientais que assolam os assentamentos rurais do Brasil
Segundo dados da Empaer (2010) o percentual da aacutegua encanada nas
residecircncias dos assentamentos rurais pesquisados em Vila Rica-MT varia conforme as
caracteriacutesticas de cada projeto de assentamento A seguir mostramos os dados
encontrados em cada um dos assentamentos rurais
PA Satildeo Joseacute 72 possuem aacutegua encanada nas residecircncias
PA Satildeo Gabriel 70
PA Ipecirc 68
PA Aracati 92
Consideramos esse nuacutemero significativo de assentados beneficiados com
aacutegua encanada pois a exceccedilatildeo do Assentamento Rural Aracati que tem 92 os
demais tecircm uma meacutedia de 70 de aacutegua encanada
Importante destacar que satildeo diversas as fontes de aacutegua nos assentamentos
rurais conforme podemos verificar
Tabela 6 Fonte de Aacutegua nos assentamentos rurais
Aacutegua encanadaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Poccedilo de alvenaria 92 19 57 11 179
Nascente protegida 5 2 11 11 29
Poccedilo descoberto 0 0 2 0 2
Cacimba 1 1 2 1 5
Coacuterrego ou rio 0 0 0 0 0
Poccedilo tubular fundo 6 0 2 1 9
Outras fontes 2 0 1 0 3
Total 106 22 75 24 227 Fonte EMPAER (201012)
110
Como podemos perceber a Tabela 6 nos mostra que 179 das propriedades
dos assentamentos rurais estudados possuem a aacutegua oriunda de poccedilos de alvenaria
sendo que 29 deles utilizam aacutegua das nascentes existentes em suas propriedades as
quais eles declararam protegecirc-las Duas pessoas usam aacutegua de poccedilos descobertos Cinco
usam aacutegua de cacimba nove de poccedilos tubulares fundos e apenas trecircs declararam utilizar
a aacutegua vinda de outras fontes
Outro fator que consideramos relevante eacute questatildeo que envolve a qualidade da
aacutegua consumida pelas famiacutelias assentadas segundo informaccedilotildees contidas na Tabela 7
Tabela 7 Qualidade da aacutegua nos assentamentos rurais
AacuteguaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Aacutegua filtrada 86 23 56 16 181
Fervida 0 0 4 1 5
In natura 22 2 19 8 51
Aacutegua tratada 0 0 1 0 1
Outras fontes 1 0 1 0 2
Total 109 25 81 25 240 Fonte EMPAER (2010 p 9)
Eacute fato que existe uma relaccedilatildeo direta entre a qualidade da aacutegua e as questotildees
ligadas agrave sauacutede Poreacutem no caso dos assentamentos rurais estudados torna preocupante
o fato de existir 51 famiacutelias que consumem aacutegua in natura situaccedilatildeo que pode estar
vinculada aos fatores socioeconocircmicos sobretudo ao senso comum de que a aacutegua
ldquolimpardquo eacute a aacutegua sem cor e sem cheiro portanto aacutegua saudaacutevel
333 Sauacutede
A sauacutede puacuteblica eacute uma das reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais que
demandam por melhores condiccedilotildees de vida nas aacutereas de assentamentos rurais tanto no
que diz respeito agrave estrutura macro quanto micro No entanto os saberes tradicionais
influenciam na concepccedilatildeo e modos de tratamento dos assentados de Vila Rica-MT
111
Segundo os dados do Plano de Desenvolvimento dos Assentamentos as
doenccedilas mais comuns satildeo hipertensatildeo leishmaniose verminose e outras como dores na
coluna nos rins dores de cabeccedila diabetes dengue e malaacuteria
Os dados quantitativos mostram a frequecircncia com que os assentados realizam
exames
Tabela 8 Frequecircncia da realizaccedilatildeo de exames de sauacutede
FrequecircnciaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Regularmente 73 18 46 20 157
De vez em quando 35 4 31 5 75
Natildeo faz 1 0 4 0 5 Fonte EMPAER 2010
Os dados da Tabela 8 evidenciam que a maior parte dos assentados realizava
exames com frequecircncia o que demonstra que os mesmos tecircm acesso e fazem uso dos
serviccedilos de sauacutede puacuteblica realizados nos assentamentos rurais No entanto 75 famiacutelias
declararam utilizar os serviccedilos de sauacutede de vez em quando sendo que apenas 5 famiacutelias
disseram natildeo fazer uso
Quando perguntado se o assentado tem acesso aos serviccedilos de sauacutede os
dados nos remetem a outras interpretaccedilotildees conforme Tabela 9
Tabela 9 Acesso aos serviccedilos de sauacutede
AcessoPA Satildeo Joseacute Satildeo
Gabriel Ipecirc Aracati Total
Tem acesso 78 22 79 23 202
Natildeo tem acesso 33 1 2 1 37
Fonte EMPAER 2010
Pelos dados 202 famiacutelias dos assentados pesquisados afirmaram que tinham
acesso aos serviccedilos de sauacutede quando confrontados com outros dados existentes nos
Planos de Desenvolvimento dos Assentamentos Rurais visto que aleacutem desses serviccedilos
haacute disponibilidade de medicamentos que geralmente satildeo distribuiacutedos gratuitamente
apoacutes a consulta meacutedica No entanto trinta e sete famiacutelias declaram natildeo terem acesso aos
serviccedilos de sauacutede tampouco aos medicamentos
112
Segundo a Empaer (2009 p 66) 211 famiacutelias de assentamentos rurais
recorrem aos procedimentos da medicina tradicional principalmente agraves plantas
medicinais para suprir suas necessidades e ldquo[] desta forma conservam uma tradiccedilatildeo
cultural repassada de matildee para filhardquo Os principais remeacutedios caseiros segundo a
Empaer satildeo ldquo[] chaacutes xaropes garrafadas caseiras para combater e prevenir algumas
doenccedilasrdquo
Os dados quantitativos da Tabela 10 reforccedilam essa concepccedilatildeo
Tabela 10 Uso do remeacutedio caseiro
UsoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Faz uso 96 22 71 22 211
Natildeo faz uso 15 1 10 3 29
Total Fonte EMPAER 2010
Os nuacutemeros indicam que apesar da maioria dos assentados terem acesso aos
serviccedilos de sauacutede grande parte deles tambeacutem faz uso de remeacutedios caseiros tradicionais
Esses dados confirmam que apesar das interaccedilotildees com serviccedilos puacuteblicos e outras
loacutegicas os assentados natildeo deixaram de utilizar os remeacutedios tradicionais Isso nos remete
agrave concepccedilatildeo de Gadelha (2007) que assegura que o mais importante na compreensatildeo
dos aspectos culturais eacute pensar para aleacutem da eficaacutecia de um determinado ritual mas eacute
tambeacutem tentar atribuir conceito sobre o poder simboacutelico utilizado por cada sociedade
para atribuir sentidos aos objetos
334 Moradia
A moradia tambeacutem eacute um dos fatores imprescindiacuteveis para a permanecircncia dos
assentados no campo No caso de Vila Rica-MT uma das caracteriacutesticas importantes do
perfil dos assentados eacute que a terra deve servir para moradia
Tabela 11 Nuacutemero de assentados que declararam morar no assentamento rural
MoradiaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Sim 268 47 235 65 615 82
113
Natildeo 58 31 37 7 133 18
Total 326 78 372 72 748 100
Fonte EMPAER 2010
Assim conforme os dados apresentados 82 dos assentados dos
assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati declaram morar nos lotes fato
que demonstra um perfil dos assentados de morar-nos proacuteprios assentamentos rurais
fortalecendo assim a concepccedilatildeo da terra enquanto condiccedilatildeo tanto de morar como de
plantar O uacutenico assentamento rural que tem uma situaccedilatildeo parcialmente e discrepante eacute
Satildeo Gabriel que tem um percentual significativo de assentados que natildeo residem nos
lotes
Essas informaccedilotildees da tabela cruzadas com outros dados mostraram que o
tempo meacutedio de moradia dos assentados eacute
PA Satildeo Joseacute 1036 anos de moradia
PA Satildeo Gabriel 792 anos de moradia
PA Ipecirc 860 anos de moradia
PA Aracati 1248 anos de moradia
A permanecircncia nos lotes foi evidenciada pelos dados o que remete agrave loacutegica
de ldquoterra para plantar e morarrdquo
Nos dados sobre infraestrutura observa-se que as casas satildeo na maioria de
alvenaria madeira serrada e em alguns casos as casas satildeo construiacutedas de pau-a-pique
335 Infraestrutura equipamentos e Tecnologias
A melhoria da infraestrutura aquisiccedilatildeo de equipamentos e novas tecnologias
estatildeo entre as principais reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais do campo por serem
considerados essenciais para o aumento da produccedilatildeo e renda dos assentados
Os dados coletados pela Empaer (2010) mostram que houve avanccedilos
significativos na questatildeo infraestrutural nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT
sobretudo a partir da implementaccedilatildeo do Programa Nacional da Agricultura Familiar
114
No entanto em relaccedilatildeo agrave aquisiccedilatildeo dos equipamentos e novas tecnologias ainda se
verifica defasagem
Algumas dessas informaccedilotildees podem ser conferidas nos quadros abaixo
No Assentamento Rural Satildeo Joseacute
A infraestrutura existente estaacute distribuiacuteda segundo os assentados da seguinte forma
- 31 natildeo possuem currais
- 20 possuem currais de arame liso 3 de madeira lisa e 58 de madeira
serrada
- 108 natildeo possuem brete
- 2 possuem brete de madeira bruta e 1 de madeira serrada
- 9 possuem barracatildeo de ordenha e 103 natildeo possuem
- 3 natildeo possuem cercas na propriedade
- 0 possuem cercas construiacutedas de arame farpado e 107 de arame liso
A existecircncia de equipamentos nas propriedades estaacute distribuiacuteda da seguinte forma
- 21 possuem equipamentos de traccedilatildeo animal e 90 natildeo possuem
- 3 possuem trator com implementos e 109 natildeo possuem
- 65 alugam trator e 47 natildeo alugam
- 17 possuem triturador ou picador de forragens e 95 natildeo possuem
Projeto de Assentamento Rural Satildeo Gabriel
A infraestrutura existente estaacute distribuiacuteda segundo os assentados da seguinte forma
- 5 possuem currais de arame liso 1 de madeira lisa e 7 de madeira
serrada
- 25 natildeo possuem brete
- 0 possuem brete de madeira bruta e 0 de madeira serrada
- 2 possuem barracatildeo de ordenha e 23 natildeo possuem
- 1 natildeo possui cercas na propriedade
- 0 possuem cercas construiacutedas de arame farpado e 24 de arame liso
A existecircncia de equipamentos nas propriedades estaacute distribuiacuteda da seguinte forma
- 4 possuem equipamentos de traccedilatildeo animal e 21 natildeo possuem
- 1 possui trator com implementos e 23 natildeo possuem
115
- 21 alugam trator e 3 natildeo alugam
- 5 possuem triturador ou picador de forragens e 19 natildeo possuem
Projeto de Assentamento Rural Ipecirc
A infraestrutura existente estaacute distribuiacuteda segundo os assentados da seguinte forma
- 24 natildeo possuem currais
- 17 possuem currais de arame liso 5 de madeira lisa e 35 de madeira
serrada
- 79 natildeo possuem brete
- 0 possuem brete de madeira bruta e 2 de madeira serrada
- 6 possuem barracatildeo de ordenha e 75 natildeo possuem
- 1 natildeo possuem cercas na propriedade
- 0 possuem cercas construiacutedas de arame farpado e 80 de arame liso
A existecircncia de equipamentos nas propriedades estaacute distribuiacuteda da seguinte forma
- 10 possuem equipamentos de traccedilatildeo animal e 71 natildeo possuem
- 6 possuem trator com implementos e 75 natildeo possuem
- 55 alugam trator e 26 natildeo alugam
- 20 possuem triturador ou picador de forragens e 61 natildeo possuem
Projeto de Assentamento Rural Aracati
A infraestrutura existente estaacute distribuiacuteda segundo os assentados da seguinte forma
- 2 natildeo possuem currais
- 8 possuem currais de arame liso 1 de madeira lisa e 14 de madeira
serrada
- 24 natildeo possuem brete
- 0 possuem brete de madeira bruta e 0 de madeira serrada
- 2 possuem barracatildeo de ordenha e 23 natildeo possuem
- 0 natildeo possuem cercas na propriedade
- 2 possuem cercas construiacutedas de arame farpado e 23 de arame liso
A existecircncia de equipamentos nas propriedades estaacute distribuiacuteda da seguinte forma
- 6 possuem equipamentos de traccedilatildeo animal e 19 natildeo possuem
116
- 0 possui trator com implementos e 25 natildeo possuem
- 20 alugam trator e 5 natildeo alugam
- 4 possuem triturador ou picador de forragens e 21 natildeo possuem
Percebe-se que a infraestrutura baacutesica nos assentamentos rurais estaacute voltada
para a criaccedilatildeo de gado como currais brete de madeira barracatildeo de ordenha e cercas de
arame liso e farpado aleacutem de outros equipamentos como resfriadores de leite e
trituradores ou picadores para a feitura de forragens para a alimentaccedilatildeo do gado
O nuacutemero e a distribuiccedilatildeo deles variam conforme os assentamentos rurais e o
perfil dos assentados No geral se percebe que os Agricultores Familiares de Vila Rica-
MT ainda recorrem com frequecircncia ao uso da forccedila humana e dos equipamentos de
traccedilatildeo animal Existem no entanto alguns equipamentos agriacutecolas de origem
mecanizada como tratores que podem ser proacuteprios ou alugados
O fato eacute que em menor ou maior nuacutemero os equipamentos e a infraestrutura
existente nos assentamentos satildeo destinados agrave produccedilatildeo e criaccedilatildeo de gado
34 A Produccedilatildeo a renda comercializaccedilatildeo e a circulaccedilatildeo na Agricultura Familiar
de Vila Rica-MT
Um dado importante a ser ponderado para a problematizaccedilatildeo da produccedilatildeo
nos assentamentos rurais diz respeito agrave renda Especificamente de onde surge a renda
dos assentados
As informaccedilotildees obtidas dos quatro assentamentos rurais de Vila Rica-MT
analisados pela pesquisa da Empaer os dados indicam que a renda dos assentados eacute
resultante das atividades que estatildeo associadas a algumas culturas agriacutecolas agrave pecuaacuteria e
agrave criaccedilatildeo de pequenos animais
Tais dados estatildeo melhor detalhados em tabelas distribuiacutedas por itens visando
assim uma melhor compreensatildeo da dinacircmica de produccedilatildeo e renda dos assentamentos
rurais
341 A renda nos quatro Projetos de assentamentos rurais de Vila Rica-MT
117
Tabela 12 Percentual de participaccedilatildeo da Renda dos assentados
RendaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati
Renda Agriacutecola eou Pecuaacuteria 7333 8789 7365 7140
Natildeo Agriacutecola
(Artesanato agroinduacutestria) 3650 7500 3062 3000
Outras rendas
(Salaacuterios Aposentadoria etc) 5280 6182 4810 5460
Fonte EMPAER 2010
A tabela 12 revela que a maior parte da renda dos assentamentos rurais
proveacutem dos rendimentos das atividades agriacutecolas e pecuaacuterias seguida por outros tipos
de rendas originaacuterios de salaacuterios e aposentadorias que alguns assentados usufruem
aleacutem de atividades de produccedilatildeo artesanal em geral confeccionada por mulheres
O projeto de assentamento rural que apresenta discrepacircncia em relaccedilatildeo aos
dados anteriores eacute o do Assentamento Rural Satildeo Gabriel que aleacutem da renda oriunda da
pecuaacuteria agricultura tem destaque nas outras fontes como atividades artesanais
agroinduacutestria e em salaacuterios e aposentadoria
342 Atividades Agriacutecolas a produccedilatildeo econocircmica e a de subsistecircncia
As atividades agriacutecolas desenvolvidas nos assentamentos foram classificadas
de duas categorias econocircmicas e de subsistecircncia Segundo os dados o quantitativo
produzido eacute descrito conforme tabela a seguir
Tabela13 Produccedilatildeo agriacutecola (em Kg)
Atividades
Agriacutecolas PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Arroz 4500 5100 1510 1500 12610
Banana 2560 200 2537 11000 1629
Feijatildeo 0 0 550 0 550
Mandioca 225802 54000 8127 111500 39942
Milho 106500 73530 3378 46850 23025 Fonte EMPAER 2010
Segundo a Tabela 13 os produtos agriacutecolas mais cultivados nos
assentamentos rurais estudados satildeo em quilograma mandioca seguida do milho e do
118
arroz uma pequena produccedilatildeo de banana Apenas o Assentamento Rural Ipecirc produz
feijatildeo
Tabela 14 Assentados que praticam Culturas de Subsistecircncia
Culturas
Econocircmicas PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Arroz 2 4 12 1 19
Banana 5 1 16 3 25
Feijatildeo 0 0 2 0 2
Mandioca 29 6 38 15 88
Milho 17 12 38 12 79 Fonte EMPAER 2010
Os dados demonstram que a mandioca e o arroz satildeo os principais produtos
agriacutecolas cultivados nos assentamentos Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati O arroz eacute
comercializado em casca sendo a mandioca o milho e em menor escala a banana os
cultivados pelo maior nuacutemero de assentados
Trata-se portanto de uma produccedilatildeo significativa tanto para comercializaccedilatildeo
quanto para subsistecircncia No entanto a pecuaacuteria ainda eacute a principal atividade econocircmica
desses assentamentos rurais
343 Pecuaacuteria e criaccedilatildeo de pequenos animais
A principal atividade de produccedilatildeo econocircmica nos assentamentos estudados eacute
a pecuaacuteria bovina leiteira a qual nos uacuteltimos anos cresceu significativamente
ultrapassando a pecuaacuteria de corte
Tabela 15 Tipo de pecuaacuteria explorada por propriedade (famiacutelias)
Tipo de
pecuaacuteria PA Satildeo Joseacute
Satildeo
Gabriel Ipecirc Aracati Total
Leite 19 10 34 12 75
Leite e corte 57 5 27 11 100
Corte 29 3 15 2 49
Total 105 18 76 25 224 Fonte EMPAER 2010
119
Os dados demostram que a maioria dos criadores de gado se dedica agrave
produccedilatildeo de leite Cruzando estes com outros dados eacute possiacutevel identificar que a
produccedilatildeo de leite eacute destinada ao mercado e tambeacutem ao consumo das famiacutelias
assentadas o que tem correlaccedilatildeo ateacute mesmo com a frequecircncia de consumo de proteiacutena
animal apresentados aa Tabela 16
Tabela 16 Frequecircncia do consumo de proteiacutena animal na alimentaccedilatildeo dos
assentados
Uso de tanquePA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total
Come carne todo dia 93 22 70 22 207
Trecircs vezes por semana 16 0 9 3 28
Uma vez por semana 0 0 1 0 1
Natildeo come carne 0 0 0 0 0 Fonte EMPAER 2010
De acordo com a Tabela 16 das 236 famiacutelias que participaram da pesquisa
207 declararam que consomem carne todos os dias sendo que 28 disseram que a
consomem trecircs vezes por semana e apenas uma famiacutelia consome carne somente uma
vez por semana o que revela um consumo significativo de carne
Em relaccedilatildeo ao modo de criaccedilatildeo do gado importante destacar que conforme
os Planos de Desenvolvimento dos Assentamentos Rurais Pdas 100 dos assentados
criam gado utilizando o sistema extensivo ou seja uma praacutetica de criaccedilatildeo tradicional o
que significa dizer que satildeo habituados a criar o gado solto nas aacutereas de pastagens
naturais eou livres sem qualquer divisatildeo de cercas
Outros dados fundamentais para a compreensatildeo de forma detalhada do
potencial da produccedilatildeo de leite nos assentamentos rurais privilegiados pela pesquisa
estatildeo destacados na Tabela 17
Tabela 17 Dados de produccedilatildeo de leite nos assentamentos rurais por nordm de vacas
DadosPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati
Nuacutemero de Vacas Leiteiras 881 191 768 393
Meacutedia por assentado (n
vacas) 1223 146 1301 1637 Fonte EMPAER 2010
120
Os assentamentos rurais Aracati e Satildeo Gabriel satildeo menores em termos do
nuacutemero de propriedades e famiacutelias assentadas Os dados anteriores reforccedilam o
indicativo de que haacute uma importante produccedilatildeo de leite pois cada famiacutelia tem em
nuacutemero consideraacutevel de vacas leiteiras
A principal fonte de renda dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel
Ipecirc e Aracati eacute a produccedilatildeo de leite Mas os assentados tem necessidade de teacutecnicas para
a conservaccedilatildeo desse leite Nesse caso os resfriadores de leite embora natildeo sendo
utilizados por todos satildeo fundamentais Apresentamos a seguir detalhamento dessas
informaccedilotildees
Tabela 18 Nuacutemero de Famiacutelia que utilizam o resfriador de leite
Uso de tanquePA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total
Natildeo usam tanques 62 3 20 13 98
Usam tanques proacuteprios 3 0 2 1 6
Usam tanques comunitaacuterios 25 11 47 9 92
Fonte EMPAER 2010
Na tabela 18 observamos que o nuacutemero de famiacutelias que natildeo usam tanques
para resfriamento do leite eacute significativo lanccedilando matildeo de outros meios para o
armazenamento e ou transporte do leite ateacute o ponto final de comercializaccedilatildeo
Aleacutem de gado de corte e leiteiro os assentados dos assentamentos rurais se
dedicam agrave criaccedilatildeo de animais de pequeno porte para o consumo e comercializaccedilatildeo
poreacutem em menor escala Entre eles se destacam as aves suiacutenos caprinos ovinos
peixes e abelhas Os animais de pequeno porte como aves e porcos satildeo de criaccedilatildeo
tradicional O dado que mais chama a atenccedilatildeo eacute a criaccedilatildeo de peixes Haacute um nuacutemero
expressivo de famiacutelias que exercem a piscicultura Portanto pode-se afirmar que leite e
peixe satildeo produtos familiares destinados agrave comercializaccedilatildeo
344 Comercializaccedilatildeo e Associativismo
Pensar o desenvolvimento econocircmico local a partir da produccedilatildeo dos
assentamentos rurais nos remete agraves formas de organizaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo da
produccedilatildeo
121
Chamamos a atenccedilatildeo para a organizaccedilatildeo nos assentamentos rurais de Vila
Rica-MT pois houve uma intensa mobilizaccedilatildeo acerca das accedilotildees coletivas para o
processo de reocupaccedilatildeo e regularizaccedilatildeo da terra Poreacutem quando consolidados os
Projetos de Assentamentos Rurais os assentados perderam a referecircncia de coletividade
No que tange ao modo de produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo a tabela que segue mostra esta
defasagem
Tabela 19 Local de Comercializaccedilatildeo da Produccedilatildeo dos assentamentos
ComercializaccedilatildeoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Propriedade 80 16 67 16 179
Pequenos Comeacutercios 12 0 6 3 21
Feira 3 1 2 0 6
Atacadista 0 0 0 0 0
Supermercados 1 1 1 1 4
CONAB 0 0 1 0 1
Outros lugares 48 7 38 6 99 Fonte EMPAER 2010
Os dados nos mostram que a maior parte dos assentados comercializa os seus
produtos nos proacuteprios lotes Os assentados na maioria das vezes recorrem aos
atravessadores para comercializar os produtos os quais em sua maioria tratam-se de
comerciantes da cidade Outro nuacutemero considerado significativo comercializa em
outros lugares diferentes de comeacutercios como as feiras e no CONAB Essa situaccedilatildeo pode
estar relacionada agrave falta de organizaccedilatildeo coletiva com a criaccedilatildeo de associaccedilotildees e
cooperativas Nesse sentido a tabela que se segue mostra detalhadamente a participaccedilatildeo
ou natildeo das famiacutelias nessas organizaccedilotildees coletivas
Tabela 20 Associativismo nos assentamentos Aracati Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel e Ipecirc
AssociativismoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Natildeo participam 15 2 10 0 27
Participam em cooperativa 4 0 0 0 4
Participam em associaccedilatildeo 99 20 73 25 217
Participam em sindicatos 99 23 75 21 218
Outras modalidades 1 1 0 0 2 Fonte EMPAER 2010
122
Ressaltamos que o principal mecanismo de organizaccedilatildeo coletiva dos
Agricultores Familiares satildeo as Associaccedilotildees de Pequenos Produtores Rurais e o
Sindicato dos Trabalhadores Rurais Satildeo organizaccedilotildees mais do tipo poliacutetico
reivindicativo que de produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo Apenas 09 dos Agricultores
Familiares participam das atividades do sistema cooperativo e 04 em outras
modalidades
Em pesquisa sobre os assentamentos rurais no Araguaia o diagnoacutestico do
Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentaacutevel do Territoacuterio Rural (PTDRS)
do Baixo Araguaia-MT produzido pelo Ministeacuterio da Agricultura em 2006 haacute uma
indicaccedilatildeo de que todos os PAs do Araguaia possuem associaccedilotildees
A mesma pesquisa do PTDRS (2006 p 46) indica que os Agricultores
Familiares tecircm participaccedilatildeo nos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais e nos Conselhos
Municipais de Desenvolvimento Rural existentes em todos os municiacutepios do territoacuterio
No entanto entre os assentados existe ldquo[] um sentimento de descrenccedila e
desconfianccedila frente agraves instacircncias de organizaccedilatildeo dos produtores []rdquo Essa descrenccedila
estaacute tambeacutem associada ldquo[] agrave dificuldade em conseguir melhorias efetivas para a
populaccedilatildeo rural (acesso ao creacutedito luz eleacutetrica melhoria nas estradas) que estaacute levando
na opiniatildeo dos entrevistados agrave descrenccedila nas lideranccedilas e nas instituiccedilotildees de
representaccedilatildeo []rdquo
Em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo por meio de cooperativas o PTDRS (2006 p 46)
atribui essa falta de motivaccedilatildeo ao fato de que
Constatou-se que os municiacutepios de Satildeo Feacutelix do Araguaia
Porto Alegre do Norte e Vila Rica-MT possuiacuteam diferentes
tipos de cooperativas que acabaram falindo Apesar de natildeo
estarem diretamente relacionados com a Agricultura Familiar
estes exemplos ruins acabam influenciando na percepccedilatildeo da
populaccedilatildeo sobre as formas de cooperativas e associativas de
trabalho
Essa situaccedilatildeo eacute confirmada tambeacutem pelos relatos orais como mostra a fala
do secretaacuterio municipal de agricultura de Vila Rica-MT
123
As experiecircncias mal sucedidas das cooperativas influenciam
bastante para o descreacutedito na formaccedilatildeo de novas cooperativas
Vila Rica-MT por exemplo teve umas trecircs cooperativas
Tiacutenhamos uma que era muito forte na organizaccedilatildeo chamava
CONEMAT - Cooperativa do Nordeste de Mato Grosso
Inclusive ainda tecircm alguns preacutedios e balanccedilas espalhadas aiacute
na cidade tinha caminhotildees e supermercados mas creio que foi
por ingerecircncia de alguns presidentes que acabaram dando um
calote nos cooperados [] Temos hoje um grande nuacutemero de
produtores rurais que tecircm uma diacutevida enorme e natildeo tecircm como
pagar porque os presidentes pegaram empreacutestimos em nome
deles e foram embora levando o dinheiro dessas pessoas e por
isso muitos tecircm medo de cooperativas Por isso eacute complicado
tanto pra noacutes como para o Sindicato dos Trabalhadores Rurais
atuarmos no sentido de fomentar o sistema de cooperativa
(ENTREVISTA com Gilmar secretaacuterio Municipal de
Agricultura do municiacutepio de Vila Rica-MT realizada pela
autora em marccedilo de 2015)
Esse relato oral nos revela a dimensatildeo dos desafios vivenciados pelos
assentados e como a Secretaria de Agricultura e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais
de Vila Rica-MT enfrentaram dificuldades para mobilizar os trabalhadores para a
criaccedilatildeo do sistema de comercializaccedilatildeo por meio de cooperativas
No entanto apesar das dificuldades o sistema de cooperativa poderaacute ser uma
alternativa para ampliar o potencial da comercializaccedilatildeo dos produtos da Agricultura
Familiar Dentro desse sistema a Prefeitura Municipal passa a ser importante
comprando os gratildeos legumes e hortaliccedilas para a merenda escolar aleacutem de ser uma
instituiccedilatildeo fundamental na mediaccedilatildeo para que os Agricultores Familiares acessem a
Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB)
35 Teacutecnicas e niacutevel tecnoloacutegico dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel
Ipecirc e Aracati
Martins (2014 p 24) afirma que ldquo[] a inovaccedilatildeo depende amplamente do
modo como a trama das relaccedilotildees sociais em que ocorre define sua funccedilatildeo e as
contradiccedilotildees sociais que alimentamrdquo Isso significa que os saberes tradicionalmente
produzidos ao longo das experiecircncias de vida natildeo devem ser considerados invaacutelidos na
inserccedilatildeo das inovaccedilotildees tecnoloacutegicas
Nos assentamentos rurais estudados identificamos que os saberes e as
teacutecnicas tradicionais satildeo recorrentes no modo de produzir de lidar com a terra e na
124
constituiccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com a natureza A seguir apresentamos algumas
teacutecnicas utilizadas nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati do
municiacutepio de Vila Rica-MT
351 Teacutecnicas de uso do Solo plantio combate de pragas colheita e
armazenamento
Tabela 21 Tipos de preparo do solo por nordm de famiacutelias
Tipo de preparoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Capina e faz o plantio 20 0 16 5 41
Utiliza araccedilatildeo e gradagem 42 15 53 12 122
Faz o preparo em niacutevel 0 0 0 0 0
Fonte EMPAER 2010
De acordo com os dados da Tabela 21 muitos agricultores dos assentamentos
rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati recorrem agraves teacutecnicas tradicionais para o
preparo do solo no que se refere ao cultivo de produtos agriacutecolas e no plantio de
pastagens para o gado Poreacutem 740 utilizam araccedilatildeo e gradagem do solo
Tabela 22 Tipos de sementes cultivadas nos assentamentos rurais
Tipo de sementePA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Gratildeo proacuteprio 4 0 3 0 7
Sementes selecionadas22
43 14 67 19 143 Fonte EMPAER 2010
Agrave luz dos dados dispostos na Tabela 23 pode-se afirmar que os Agricultores
Familiares dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati possuem o
controle dos produtos a serem cultivados uma vez que satildeo eles quem seleciona as
sementes produzidas pela induacutestria e satildeo os proprietaacuterios dos gratildeos desqualificando a
semente crioula dos produtores
22 Aleacutem desses dados dois assentados rurais de Satildeo Joseacute afirmam que utilizam sementes ldquofiscalizadasrdquo
conforme categorizaccedilatildeo utilizada pelo IBGE
125
Segundo a Empaer (2010) sementes selecionadas pelos agricultores satildeo
aquelas consideradas de melhor qualidade sendo observados os aspectos relacionados
ao tamanho cor entre outros
Tabela 23 Tipos de plantio cultivados nos assentamentos rurais
Tipo de plantio Satildeo
Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
Mecanizado 8 3 12 1 24 135
Traccedilatildeo animal 3 1 7 0 11 60
Manual 62 11 50 19 142 800
Fonte EMPAER 2010
Na Tabela 23 podemos observar que os assentados utilizam
predominantemente o trabalho manual para o cultivo com um percentual de 80
Ainda segundo os dados 6 ainda utilizam animais como forma de traccedilatildeo para
realizaccedilatildeo dos cultivos e manutenccedilatildeo das roccedilas e pastagens Somente 135 dos
assentados lanccedila matildeo do sistema mecanizado Esses dados podem apontar o motivador
da baixa produtividade nas atividades da Agricultura Familiar ou indica a baixa
capitalizaccedilatildeo e uma tradiccedilatildeo de manejo de baixo custo
Quanto ao tipo de adubaccedilatildeo do solo realizado pelos assentados existem
vaacuterias formas das quais merecem o destaque da Tabela 24
Tabela 24 Tipo de adubaccedilatildeo do solo realizado pelos assentados por famiacutelia
Tipo de adubaccedilatildeoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
Natildeo fazem adubaccedilatildeo 65 6 41 13 125 610
Usam adubaccedilatildeo orgacircnica 2 6 11 3 22 105
Usam adubaccedilatildeo quiacutemica 20 4 21 5 50 245
Usam as duas adubaccedilotildees 2 1 3 2 8 4
Fonte EMPAER 2010
Os dados chamam a atenccedilatildeo pelo fato de que 125 famiacutelias ou seja 61 dos
assentados natildeo fazem adubaccedilatildeo Dos 39 que utilizam a adubaccedilatildeo a maior parte faz
126
adubaccedilatildeo quiacutemica (245) e somente 105 a adubaccedilatildeo orgacircnica sendo que uma
minoria de 2 realizam tanto a adubaccedilatildeo quiacutemica quanto a orgacircnica
Esse quadro situacional aponta uma tendecircncia para o aumento do uso de
produtos quiacutemicos pelos agricultores dos assentamentos rurais na medida em que
melhoram suas condiccedilotildees econocircmicas A Tabela 25 apresenta as formas de tratamentos
do solo utilizadas pelos assentados
Tabela 25 Conservaccedilatildeo do solo (por nuacutemero de Famiacutelias)
Conservaccedilatildeo dos solos PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
Natildeo fazem 90 15 67 24 196 93
Fazem plantio em niacutevel 1 1 1 1 4 2
Terraccedilo 0 0 0 0 0 0
Outros tipos de conservaccedilatildeo 2 0 9 0 11 5
Total 211 100
Fonte EMPAER 2010
Os dados satildeo preocupantes visto que 196 famiacutelias declararam natildeo adotar
qualquer teacutecnica para a conservaccedilatildeo do solo Isto explica o alto iacutendice de degradaccedilatildeo
ambiental e do solo nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT Outro item que
consideramos importante para a conservaccedilatildeo eacute a teacutecnica de rotaccedilatildeo no uso do solo
Assim a Tabela 26 mostra como os assentados lidam com essa situaccedilatildeo
Tabela 26 Rotaccedilatildeo de Culturas nos assentamentos rurais
Rotaccedilatildeo de cultura
PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Porcentagem
Fazem rotaccedilatildeo 10 4 20 10 44 20
Natildeo fazem rotaccedilatildeo 87 16 57 15 175 80
Total 219 100
Fonte EMPAER 2010
Segundo a Tabela 26 haacute evidecircncia da pouca rotaccedilatildeo de culturas o que
corresponde a (201) nos assentamentos rurais estudados Em contrapartida 80 natildeo
fazem rotaccedilatildeo de culturas A consequecircncia eacute o baixo rendimento da terra ou seja baixa
127
produtividade e esgotamento mais raacutepido Uma interpretaccedilatildeo possiacutevel sobre os dados
indicados na Tabela 26 eacute construiacuteda a partir da compreensatildeo de que a natildeo adoccedilatildeo de
rotaccedilatildeo de cultura estaacute relacionada aos haacutebitos culturais dos Agricultores Familiares
somados agrave falta de assistecircncia teacutecnica e orientaccedilotildees que demonstrem os benefiacutecios de tal
praacutetica Tambeacutem podemos observar a influecircncia da falta de um maior direcionamento
dos investimentos feitos pelo Governo Federal atraveacutes do Pronaf nos creacuteditos que satildeo
liberados conforme cultura agriacutecola e natildeo pelo sistema de produccedilatildeo O conjunto dessas
deficiecircncias de orientaccedilotildees teacutecnicas natildeo permite uma maior conscientizaccedilatildeo da
importacircncia de se praticar a rotaccedilatildeo de culturas como meio de melhor aproveitamento e
conservaccedilatildeo do solo significando manejo de informaccedilatildeo simples
Tabela 27 Tipo de combate agraves pragas (por nuacutemero de famiacutelias)
Tipo de combate PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentagem
Natildeo fazem combate as pragas 81 6 35 13 135 645
Utilizam inseticidas 12 8 39 9 68 325
Utilizam controles alternativos 0 0 3 1 4 2
Utilizam de outros meios 1 1 0 0 2 1
Total
209 100
Fonte EMPAER 2010
Os dados da Tabela 27 apontam que 645 dos assentados natildeo fazem
nenhum tipo de combate a pragas e 325 fazem uso no cultivo de produtos agriacutecolas
de inseticidas no seu combate e controle Somente 4 famiacutelias utilizam produtos e
mecanismos alternativos
Logo a Tabela 27 mostra um percentual significativo de famiacutelias que natildeo faz
controle de pragas ou utilizam outros controles indicando que a maioria dos assentados
consome produtos sem contaminaccedilatildeo de inseticidas
Tabela 28 Tipo de lavagem triacuteplice de embalagens vazias de agrotoacutexicos
Tipo de lavagem PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
Fazem a lavagem 5 3 8 5 21 15
Natildeo fazem a lavagem 57 9 48 10 124 85
Total 145 100
Fonte EMPAER 2010
128
A Tabela 28 indica um dado alarmante 124 famiacutelias dos assentamentos rurais
pesquisados em Vila Rica-MT ldquonatildeo fazem a lavagemrdquo triacuteplice de embalagens vazias de
agrotoacutexicos expondo-se a riscos de contaminaccedilatildeo Quanto ao destino das embalagens
de agrotoacutexicos vazias os dados que se seguem indicam a mesma tendecircncia de descuido
Tabela 29 Destino das embalagens de agrotoacutexicos vazias
Destino das embalagens PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
Jogam a ceacuteu aberto 13 3 28 4 48 495
Satildeo reutilizadas 2 0 2 0 4 4
Enviadas agrave central abastecimento 17 7 16 5 45 465
Total 97
100
Fonte EMPAER 2010
Os dados da Tabela 29 soacute reforccedilam a falta de cuidado em relaccedilatildeo agrave utilizaccedilatildeo
de agrotoacutexicos o que resulta na exposiccedilatildeo dos assentados a riscos agrave sauacutede Tambeacutem
podem resultar em danos ao meio ambiente como jaacute indicamos na Tabela 29
considerando que quase 50 das embalagens satildeo ldquojogadas a ceacuteu abertordquo e ainda que
4 dos assentados reutilizam essas embalagens
Seguindo a tendecircncia dos dados anteriores percebemos a falta de orientaccedilatildeo
teacutecnica em relaccedilatildeo ao uso e cuidado com produtos agrotoacutexicos
Aleacutem da falta de assistecircncia teacutecnica que compromete o cultivo e a produccedilatildeo
os dados quantitativos demonstram que a ausecircncia de mecanizaccedilatildeo eacute um dado
importante no momento da colheita
Tabela 30 Tipo de colheita por famiacutelia
Tipo de colheitasPA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
Usam colheita manual 66 15 69 19 169 995
Colheita mecacircnica 0 0 1 0 1 05
Total 170 100 Fonte EMPAER 2010
A Tabela 30 evidencia que praticamente todos os assentados participantes da
pesquisa natildeo utilizam equipamentos mecacircnicos para a colheita de seus produtos
predominando a colheita manual com uso intensivo da matildeo de obra Esse processo
129
pode ser resultante da experiecircncia de vida e haacutebitos dos agricultores familiares em
funccedilatildeo da questatildeo econocircmica jaacute que os assentamentos rurais analisados natildeo dispotildeem de
maquinaacuterios destinados ao preparo do solo plantio e agrave colheita agriacutecola ou isso se deve
ao relevo inclinado demais ou solo pedregoso
Tabela 31 Tipo de armazenamento da produccedilatildeo (por nuacutemero de famiacutelia)
Tipo de armazenamentoPA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
A ceacuteu aberto 4 2 7 0 13 8
No paiol 45 11 57 14 127 79
No silo 1 0 0 1 2 15
Na residecircncia 7 2 6 2 17 105
No galpatildeo 1 0 0 0 1 05
160 100
Fonte EMPAER 2010
O modo de armazenar tambeacutem eacute tradicional o Paiol eacute uma construccedilatildeo ruacutestica
feita de forma artesanal onde os agricultores guardam os mantimentos colhidos de suas
roccedilas os quais satildeo destinados agrave alimentaccedilatildeo das famiacutelias e dos animais Computando o
armazenamento a ceacuteu aberto feito por 81 e na residecircncia 106 significa que quase
20 dos produtos satildeo armazenados de forma inadequada
36 A questatildeo ambiental nos assentamentos rurais
As questotildees que envolvem problemas ambientais nas aacutereas rurais tecircm como
problemaacutetica principal o desmatamento a natildeo conservaccedilatildeo das matas ciliares a
poluiccedilatildeo do solo e dos rios o uso de agrotoacutexicos e o destino dos lixos produzidos
Todos esses problemas estatildeo inseridos em debates recorrentes no cenaacuterio rural
No caso de Vila Rica-MT pesquisas anteriores como as que foram realizadas
pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazocircnia (IPAM) em 2009 e por Barrozo
(2010) revelam dados alarmantes relativos agrave questatildeo ambiental Essas situaccedilotildees foram
confirmadas pelo diagnoacutestico construiacutedo pela Empaer (2010) conforme a descriccedilatildeo nas
tabelas que se seguem
Tabela 32 Situaccedilatildeo de degradaccedilatildeo de solo nos assentamentos rurais
130
Condiccedilatildeo de degradaccedilatildeo PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total
Natildeo estaacute degradado 16 5 16 6 43 18
O solo estaacute empobrecido 75 9 44 12 140 59
O solo estaacute com erosatildeo 2 0 2 2 6 3
O solo estaacute compactado 15 9 17 4 45 19
Outras formas de degradaccedilatildeo 1 0 1 0 2 1
Total 236 100
Fonte EMPAER 2010
Satildeo evidentes os problemas ambientais vivenciados pelos assentamentos
rurais de Vila Rica-MT Em 193 lotes analisados os solos se encontram em estaacutegio de
degradaccedilatildeo indicando empobrecimento erosatildeo compactaccedilatildeo e outras formas de
degradaccedilatildeo do solo
Tabela 33 Existecircncia de nascentes sem proteccedilatildeo (nuacutemero de propriedades)
Existecircncia de nascentes Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
Existem nascentes
Degradadas 26 9 17 5 57 32
Natildeo existem 51 14 41 15 121 68
Total 100
Fonte EMPAER 2010
Considerando que a aacutegua eacute um elemento essencial para a vida e para a
manutenccedilatildeo dos assentamentos rurais os dados indicados na Tabela 33 preocupam
pois em um universo de 178 propriedades analisadas 57 estaacute com as nascentes de
aacuteguas desprotegidas de mata ciliar o que representa um problema grave do ponto de
vista ambiental com risco de seca e extinccedilatildeo de nascentes e rios
Tabela 34 Existecircncia de degradaccedilatildeo de matas ciliares
Existecircncia de degradaccedilatildeo PA Satildeo
Joseacute
Satildeo
Gabriel Ipecirc Aracati Total Porcentagem
Natildeo existem matas ciliares 25 10 35 9 79 35
A degradaccedilatildeo eacute baixa 26 4 22 5 57 255
A degradaccedilatildeo eacute meacutedia 23 2 14 6 45 20
131
A degradaccedilatildeo eacute alta 29 5 7 3 44 195
Total 225 100
Fonte EMPAER 2010
A questatildeo da aacutegua nos assentamentos rurais estudados eacute uma preocupaccedilatildeo
recorrente Aleacutem das nascentes desprotegidas os coacuterregos vecircm perdendo suas matas
ciliares em funccedilatildeo do processo de desmatamento o que impede a ampliaccedilatildeo das aacutereas
de pastagens A Tabela 34 revela que 146 propriedades analisadas apresentam
destruiccedilatildeo das matas ciliares com estaacutegios que variam de alta a baixa degradaccedilatildeo As
imagens dos trecircs assentamentos rurais abaixo ilustram um pouco essa situaccedilatildeo
Figura 10- Fotografias de corpos drsquoaacutegua e mata ciliar
Eacute importante ressaltar que os assentamentos rurais de Vila Rica-MT
resultaram do processo de reocupaccedilatildeo das fazendas que estavam improdutivas mas jaacute
tinham sido abertas e desmatadas anteriormente Assim o problema ambiental jaacute existia
antes mesmo da formaccedilatildeo do assentamento rural e foi intensificado parcialmente com a
formaccedilatildeo dos mesmos
Tabela 35 Situaccedilatildeo de degradaccedilatildeo das pastagens (por nuacutemero de propriedade)
Degradaccedilatildeo de pastagens PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
Natildeo existem pastagens degradadas 17 4 16 6 43 33
O niacutevel de degradaccedilatildeo eacute baixo 36 9 40 8 93 39
132
O niacutevel de degradaccedilatildeo eacute meacutedio 43 10 21 6 80 335
O niacutevel de degradaccedilatildeo eacute alto 14 1 4 4 23 95
Total 239 100
Fonte EMPAER 2010
Vimos nos dados indicados na Tabela 35 que 43 propriedades natildeo
apresentaram niacutevel de degradaccedilatildeo nas pastagens enquanto 196 propriedades estatildeo com
as pastagens degradadas estando entre os niacuteveis alto meacutedio e baixo conforme criteacuterios
de nivelamento natildeo esclarecidos na fonte escrita
As imagens a seguir dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel e Ipecirc
nos ajudam a visualizar o niacutevel de degradaccedilatildeo e qualidade das pastagens destes
assentamentos rurais
Figura 11- Fotografias das aacutereas de pastagens nos assentamentos rurais
Fonte EMPAER 2010
As imagens nos remetem a compreensatildeo do quanto o problema de
desmatamento afetou de forma significativa o solo o que comprometeu a qualidade das
pastagens dos assentamentos rurais As imagens revelam a caracteriacutestica do solo que eacute
formado por morro com pedras e cascalhos o que dificulta a realizaccedilatildeo do processo de
mecanizaccedilatildeo das aacutereas
Tabela 36 Uso de fogo no manejo do solo (por propriedade)
Existecircncia de nascentesPA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
133
Usam fogo 80 13 45 18 156 665
Natildeo usam fogo 28 10 36 5 79 335
Total 235 100
Fonte EMPAER 2010
Os dados expostos na Tabela 36 reforccedilam a existecircncia do problema ambiental
jaacute abordado nos paraacutegrafos anteriores Chamamos a atenccedilatildeo para o fato de que 156
famiacutelias afirmaram que costumam colocar fogo sistema chamado de coivara como
praacutetica de limpeza das pastagens e na preparaccedilatildeo do cultivo das roccedilas Enquanto apenas
79 famiacutelias disseram que natildeo fazem uso de fogo no desenvolvimento das suas
atividades agriacutecolas tampouco para limpeza de pastagens
37 Algumas consideraccedilotildees sobre os impactos de poliacuteticas puacuteblicas nos
assentamentos rurais Satildeo Joseacute satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati
Podemos afirmar que nos quatro assentamentos rurais analisados os produtos
alimentares predominantes satildeo arroz milho mandioca banana e hortaliccedilas Satildeo estes
produtos que constituem a alimentaccedilatildeo baacutesica dos agricultores familiares os quais satildeo
produzidos nos lotes familiares
Atribuiacutemos a baixa produtividade na Agricultura Familiar do municiacutepio de
Vila Rica agrave falta de equipamentos tecnoloacutegicos sobretudo maquinaacuterios que poderiam
facilitar o trabalho e aumentar a produtividade No entanto ressalvamos que essas
teacutecnicas satildeo consideradas por alguns teoacutericos como uma condiccedilatildeo de produccedilatildeo
positiva do ponto de vista da manutenccedilatildeo da identidade dos assentamentos rurais
porque ela se sustenta nos saberes tradicionais aleacutem de natildeo ser tatildeo prejudicial ao meio
ambiente
Em relaccedilatildeo agrave comercializaccedilatildeo foram identificados alguns fatores que
dificultam o processo de modo geral a exemplo da natildeo organizaccedilatildeo por meio de
cooperativas ou associaccedilotildees A problemaacutetica das estradas que muitas vezes impede ou
dificulta o transporte dos produtos ateacute os pontos locais de vendas comerciais
contribuem consequentemente para o natildeo fortalecimento das feiras populares
134
As imagens a seguir ilustram a situaccedilatildeo de algumas estradas que datildeo acesso
aos assentamentos rurais de Vila Rica-MT durante os periacuteodos chuvosos de dezembro a
abril
Figura 12- Fotografias das Estradas dos assentamentos rurais
Fonte EMPAER 2009
A peacutessima situaccedilatildeo das estradas se torna ainda mais grave se pensarmos sobre
a necessidade de fortalecer a comercializaccedilatildeo dos produtos da Agricultura Familiar
quando levamos em consideraccedilatildeo o distanciamento dos assentamentos rurais com
relaccedilatildeo agrave aacuterea urbana cuja distancia eacute retratada nos croquis
Figura 13 - Croqui do Assentamento Rural Satildeo Joseacute
135
Fonte EMPAER 2010 p19
Figura 14 - Croqui do Assentamento Rural Satildeo Gabriel
Fonte EMPAER 2010 p 18
Figura 15 - Croqui do Assentamento Rural Ipecirc
136
Fonte EMPAER 2010 p 19
Figura 16 - Croqui do Assentamento Rural Aracaty
Fonte EMPAER 2010 p 18
137
O problema das estradas afetas tambeacutem a educaccedilatildeo pois danificam os ocircnibus
e prolongam o tempo que as crianccedilas ficam nas estradas sem aula atrasando o
calendaacuterio escolar Esta situaccedilatildeo provoca a desmotivaccedilatildeo dos alunos pelos estudos e
com isso os pais acabam retirando seus filhos das escolas do campo levando-os para
estudar na cidade por acreditar no prosseguimento dos estudos graccedilas agraves melhoras de
acesso permanecircncia e sucesso escolar
Ainda em relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo percebemos uma baixa escolaridade dos
assentados Consideramos que essa conjuntura seja resultante de alguns fatores como a
carecircncia de uma maior flexibilizaccedilatildeo na organizaccedilatildeo curricular e pedagoacutegica das escolas
dos assentamentos rurais principalmente nos quesitos referentes agrave organizaccedilatildeo dos
tempos e espaccedilos de aprendizagem uma vez que mesmo com o advento da energia
eleacutetrica nos assentamentos rurais nem todas as escolas garantiram a oferta da
modalidade escolar EJA - Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos
No que tange agraves questotildees de gecircnero e idade constatou-se que natildeo haacute uma
organizaccedilatildeo quanto agrave formaccedilatildeo de associaccedilotildees ou movimentos sociais direcionados agrave
luta das mulheres tampouco dos jovens Tais circunstacircncias datildeo a entender a pouca
participaccedilatildeo das mulheres e dos jovens nos espaccedilos poliacuteticos embora ambos tenham
uma vida ativa em outras atuaccedilotildees referentes agrave divisatildeo de trabalhos nos assentamentos
rurais
Consideramos como um dos principais desafios relacionados agrave permanecircncia
dos agricultores familiares nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Aracati e
Ipecirc o fato de os jovens se sentirem desmotivados a continuar no campo Muitos saem
para a cidade na ilusatildeo que iratildeo encontrar emprego que lhes proporcione renda fixa e
melhor qualidade de vida
As condiccedilotildees dos assentados avanccedilaram em qualidade a partir da
implementaccedilatildeo do Programa Luz Para Todos uma vez que a energia eleacutetrica
possibilitou a utilizaccedilatildeo de equipamentos que facilitaram o seu cotidiano embora a aacutegua
potaacutevel ainda seja vista como um elemento complicador no que se refere ao seu
tratamento
Na sauacutede destacamos que haacute atendimento pelo Sistema Uacutenico de Sauacutede
(SUS) embora limitado pois os uacutenicos profissionais da sauacutede que atuam diretamente
138
nos assentamentos rurais satildeo os Agentes de Sauacutede Ou seja quando haacute sinalizaccedilatildeo de
problemas na sauacutede dos assentados estes tecircm que recorrer agrave assistecircncia de sauacutede
localizada na zona urbana o que requer meio de locomoccedilatildeo proacuteprio ou puacuteblico
No que se refere agraves demandas de moradia e infraestrutura nos assentamentos
rurais pesquisados destacamos que a maioria das casas foi construiacuteda ou reformada
com recursos oriundos do Pronaf No entanto nem todos os assentados usufruiacuteram do
financiamento para a construccedilatildeo de suas casas pois muitos deles tiveram que arcar com
os proacuteprios recursos Por isso muitas casas ainda satildeo de taacutebua Houve casos em que as
empresas contempladas na licitaccedilatildeo natildeo concluiacuteram as obras conforme previsto no
contrato
Contudo ressaltamos que os desafios vivenciados pelos agricultores
familiares de Vila Rica-MT satildeo inuacutemeros a exemplo da a pouca infraestrutura a
insuficiecircncia dos investimentos por parte do Poder Puacuteblico quanto agrave liberaccedilatildeo de creacutedito
direcionado agrave Agricultura Familiar reduzido uso de tecnologia a ausecircncia de uma
assistecircncia teacutecnica efetiva a falta de matildeo de obra jovem uma vez que a idade meacutedia dos
assentados segundo dados da EMPAER (2009 p 45) eacute de 507 anos ldquo[] uma das
possiacuteveis causas para o ecircxodo dos jovens eacute a falta de opccedilatildeo para dar continuidade aos
estudos e a falta de oportunidades de geraccedilatildeo de renda dentro dos assentamentos ruraisrdquo
Ainda sobre a infraestrutura ressaltamos que os maiores investimentos tanto
por parte do Pronaf como de outras fontes dos agricultores familiares foram aplicados
na atividade de pecuaacuteria por considerarem mais rentaacutevel Essa questatildeo estaacute mais
detalhada no capiacutetulo IV
Eacute preciso ainda atentarmos mais para aos problemas de ordem ambiental
porque se constataram situaccedilotildees de desmatamentos nas nascentes e matas ciliares sem
falar da degradaccedilatildeo do solo e das pastagens condiccedilotildees que implicam na natildeo ampliaccedilatildeo
da Agricultura Familiar enquanto potencial para alavancar o desenvolvimento regional
139
4 AS POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS NOS ASSENTAMENTOS SAtildeO JOSEacute SAtildeO
GRABRIEL IPEcirc E ARACATI
Este capiacutetulo objetiva identificar quais foram as poliacuteticas puacuteblicas
implementadas nos assentamentos rurais do municiacutepio Vila Rica-MT no periacuteodo de
1996 a 2015
Construiacutemos uma anaacutelise norteada por algumas questotildees que serviram de
base para a reflexatildeo acerca do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar (Pronaf) bem como de outras Poliacuteticas Puacuteblicas voltadas para o atendimento
das necessidades da populaccedilatildeo do campo como eacute o caso da sauacutede educaccedilatildeo e
habitaccedilatildeo
Nesse sentido destacamos alguns questionamentos relacionados aos
procedimentos de execuccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas destinadas aos assentamentos rurais
Qual foi o impacto do Pronaf nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT Quais satildeo as
outras poliacuteticas e accedilotildees dos oacutergatildeos puacuteblicos no apoio e incentivos da Agricultura
Familiar no Araguaia mato-grossense Quais os mecanismos de controle e inspeccedilatildeo
adotados pela Secretaria Municipal de Agricultura de Vila Rica-MT para monitorar e
fomentar a produccedilatildeo da Agricultura Familiar nos assentamentos rurais Existem ou natildeo
estrateacutegias constituiacutedas entre os Agricultores Familiares movimentos sindical e social
ligados agrave Agricultura Familiar para enfrentar as ldquoinvestidasrdquo do agronegoacutecio nas aacutereas
de assentamentos rurais Quais satildeo os desafios e os avanccedilos dos assentamentos rurais
de Vila Rica-MT na visatildeo dos agricultores familiares dos assentamentos pesquisados
Para a compreensatildeo dessas questotildees foi necessaacuteria uma anaacutelise dos dados
oficiais de fontes escritas e orais com o auxiacutelio de perspectivas teoacutericas presentes nos
estudos sobre as temaacuteticas que envolvem o universo das poliacuteticas puacuteblicas destinadas
aos assentamentos rurais sobretudo o Pronaf
41 O debate sobre o Pronaf
Compreender tanto as formas de uso da terra quanto as de produccedilatildeo dos
agricultores familiares assim como a identificaccedilatildeo do papel da Agricultura Familiar no
desenvolvimento do territoacuterio do Araguaia eacute tambeacutem constituir conhecimento e
reflexatildeo acerca dos avanccedilos e entraves vivenciados pelos agentes histoacutericos no processo
140
de implementaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas direcionadas aos Projetos de assentamentos
rurais no Brasil sobretudo na consolidaccedilatildeo do Pronaf
Por isso fizemos apontamentos em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo dos assentamentos
rurais e ao mesmo tempo assinalamos as estrateacutegias adotadas pelos agricultores
familiares para sobreviverem agraves artimanhas do sistema burocraacutetico especialmente
quanto agraves formas de acesso ao creacutedito rural
Por outro lado para analisar o papel das poliacuteticas puacuteblicas enquanto objeto
de estudo os investimentos do Pronaf nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT
tomando como referecircncias as estrateacutegias adotadas pelos agricultores para serem
beneficiados pelas linhas de creacutedito problematizaram-se os avanccedilos e os entraves nas
condiccedilotildees de implementaccedilatildeo dessas poliacuteticas atraveacutes de reflexotildees teoacutericas e estudos de
caso Para tanto realizamos uma revisatildeo bibliograacutefica sobre a temaacutetica que historiciza o
artifiacutecio de criaccedilatildeo do Pronaf enquanto poliacutetica puacuteblica
Gazola e Schneider (2004 p 21) concebem que a criaccedilatildeo do Pronaf
representou uma resposta por parte do Estado brasileiro ao surgimento de uma nova
categoria social que demanda accedilotildees do Poder Puacuteblico e que levam em consideraccedilatildeo as
especificidades dessa nova categoria social ldquo[] os Agricultores Familiares que ateacute
entatildeo eram designados por termos como pequenos produtores produtores familiares de
baixa renda ou agricultura de subsistecircnciardquo
A partir dessa percepccedilatildeo podemos afirmar que anteriormente natildeo havia uma
designaccedilatildeo especiacutefica para os agentes histoacutericos que viviam da produccedilatildeo familiar na
agricultura enquanto categoria social Tratava-se de diversas denominaccedilotildees que eram
baseadas em criteacuterios econocircmicos e embutiam uma ideia de desqualificaccedilatildeo como por
exemplo ldquopequeno produtorrdquo
O conceito de Agricultura Familiar surgiu como uma alternativa para
suprimir as diversas denominaccedilotildees em relaccedilatildeo agrave forma e agrave concepccedilatildeo de produccedilatildeo das
populaccedilotildees que vivem no campo e que recorrem apenas agrave forccedila de trabalho dos
membros da famiacutelia Foi conceituada por Abramovay (1997 p 3 apud SALVODI
CUNHA 2010 p 10) como ldquo[] aquela em que a gestatildeo a propriedade e a maior
parte do trabalho vecircm de indiviacuteduos que mantecircm entre si laccedilos de sangue ou de
casamentordquo Os autores citados asseguram que essa definiccedilatildeo natildeo poderaacute ser vista como
unacircnime e muitas vezes pouco operacional
141
Salvodi e Cunha (2010 p 10) apesar de ponderarem que essa definiccedilatildeo natildeo
deve ser concebida como unacircnime entre os teoacutericos da Questatildeo Agraacuteria ressaltam que
eles adotam-na como conteuacutedo no sentido de evidenciar a nova categoria social que
envolve ldquo[] a propriedade da terra relaccedilotildees de trabalho e a gestatildeo das atividades
produtivasrdquo Para eles todos esses elementos satildeo criteacuterios usados para diferenciar por
se tratar de relaccedilotildees entre agentes sociais com parentesco de sangue ou alianccedilas via
matrimocircnio
Abramovay (1997) Salvodi e Cunha (2010) consideram que a base da
Agricultura Familiar estaacute portanto centrada no elemento relacional e natildeo
necessariamente na sua posiccedilatildeo diante de categorias econocircmicas ligadas agrave produccedilatildeo e agraves
formas de trabalho que dependem especificamente da matildeo de obra familiar
Destacamos que tal definiccedilatildeo eacute um constructo analiacutetico fundado a partir de
um referencial teoacuterico Isso eacute compreensiacutevel pois diferentes setores sociais a partir das
representaccedilotildees institucionais constroem categorias sociais Logo a categoria
ldquoAgricultura Familiarrdquo foi construiacuteda a partir de concepccedilotildees analiacuteticas e teoacutericas que
servem tanto para determinadas finalidades praacuteticas como para fins de acesso ao creacutedito
rural
Ressalvamos ainda que estes trecircs elementos baacutesicos - gestatildeo propriedade e
trabalho familiar se fazem presentes em todas as definiccedilotildees de Agricultura Familiar
sobretudo na definiccedilatildeo do Pronaf que insere a loacutegica da famiacutelia que tem a gestatildeo sobre
sua propriedade e busca o creacutedito
O Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio (2015) apresenta uma espeacutecie de
passo a passo para o acesso ao Pronaf
O acesso ao Pronaf inicia-se na discussatildeo da famiacutelia sobre a
necessidade do creacutedito seja ele para o custeio da safra ou
atividade agroindustrial seja para o investimento em maacutequinas
equipamentos ou infraestrutura de produccedilatildeo e serviccedilos
agropecuaacuterios ou natildeo agropecuaacuterios Apoacutes a decisatildeo do que
financiar a famiacutelia deve procurar o sindicato rural ou a empresa
de Assistecircncia Teacutecnica e Extensatildeo Rural (Ater) como a
EMATER para obtenccedilatildeo da Declaraccedilatildeo de Aptidatildeo ao Pronaf
(DAP) que seraacute emitida segundo a renda anual e as atividades
exploradas direcionando o agricultor para as linhas especiacuteficas
de creacutedito a que tem direito (MDA)23
23 Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-creditoruralsobre-o-
programasthashoPkG5KqCdpuff gt Acesso em 14092015
142
O Pronaf eacute apontado por alguns estudiosos da Questatildeo Agraacuteria no Brasil
como um marco da interferecircncia positiva do Estado na agricultura Eacute a partir dele que
ocorre a inclusatildeo da categoria social denominada de agricultores familiares no conjunto
das poliacuteticas puacuteblicas destinadas ao meio rural
Ressaltamos que antes do Pronaf existia o Programa de Valorizaccedilatildeo da
Pequena Produccedilatildeo Rural (Provape) criado em 1994 atraveacutes de uma operaccedilatildeo
financeira executada apenas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES)
Schneider Mattei e Cazella (2004) concebem que o Provape foi o embriatildeo da
mais importante poliacutetica puacuteblica criada para atender os agricultores familiares Segundo
os mesmos autores ele natildeo obteve os resultados esperados levando-se em consideraccedilatildeo
apenas os recursos que foram aportados Isso pode ser explicado parcialmente pelo fato
de o sistema de creacutedito e financiamento brasileiro natildeo ter sido adequado ao perfil do
puacuteblico para o qual se destinava o Provape
Ainda em conformidade com Schneider Mattei e Cazella (2004) eacute possiacutevel
afirmar que o Provape serviu apenas como ponto de partida para aquela que de fato
viria ser a primeira poliacutetica puacuteblica destinada agrave categoria de agricultores familiares
Em 1995 o Provape passou por uma transformaccedilatildeo tanto no que se refere agrave
concepccedilatildeo de poliacutetica puacuteblica voltada para os agricultores familiares comono que se
refere a sua aacuterea de abrangecircncia
Foram essas modificaccedilotildees acrescidas ao programa Provape que constituiacuteram
em 1996 o Pronaf o que de acordo com Schneider Mattei e Cazella (2004 p 3)
significa dizer que ldquo[] desse ano em diante o programa tem se firmado como a
principal poliacutetica do Governo Federal para os agricultores familiaresrdquo
Esses autores creditam ser o Pronaf uma poliacutetica puacuteblica constituiacuteda como
apoio econocircmico e produtivo para Agricultura Familiar brasileira A partir dele foram
criadas outras como eacute o caso do Programa Nacional de Aquisiccedilatildeo de Alimentos (PAA)
a Lei da Agricultura Familiar o Seguro Rural a nova forma de Assistecircncia Teacutecnica e
Extensatildeo Rural (ATER) e o Programa Nacional de Alimentaccedilatildeo Escolar (PNAE) que
embora jaacute existisse desde 1950 foi reestruturado a partir da criaccedilatildeo do Pronaf
Este inicialmente tinha como propoacutesito atuar em quatro grandes aacutereas 1)
Financiamento no Custeio e Investimento Agriacutecola 2) Fortalecimento de Infra Estrutura
143
rural 3) Negociaccedilatildeo e Articulaccedilatildeo de Poliacuteticas Puacuteblicas e 4) Formaccedilatildeo de Teacutecnicos
Extensionistas e de agricultores familiares
Nos primeiros anos de implantaccedilatildeo do Pronaf os juros para quem acessasse
essa linha de creacutedito para financiamento e investimento era de 12 ao ano o que pode
ser considerado um valor muito alto Esse fato talvez seja uma das principais
justificativas de poucos agricultores familiares terem pleiteado o creacutedito
Por outro lado havia tambeacutem a falta de conhecimento sobre o proacuteprio
programa Segundo Gazola e Schneider (2004) foram vaacuterios os entraves enfrentados
nos primeiros anos de implantaccedilatildeo do Pronaf sendo que dos recursos destinados agraves
safras de 1995-1996a maioria beneficiou agricultores familiares do Sul do paiacutes
sobretudo os produtores de fumo
Mas antes de avanccedilarmos sobre outras questotildees envolvendo o Pronaf eacute
importante analisarmos os muacuteltiplos contextos em que esse programa foi criado
42 O papel dos Movimentos sociais na criaccedilatildeo do Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar na deacutecada de 1990
Bianchini (2015 p18) afirma que a deacutecada de 1990 foi sinalizada pela
constituiccedilatildeo de novas estrateacutegias no campo econocircmico sobretudo em relaccedilatildeo aos
aspectos comerciais tecnoloacutegicos financeiros e de investimentos aleacutem de ter sido o
periacuteodo de maior inserccedilatildeo do Brasil na economia internacional
Outra caracteriacutestica desse periacuteodo segundo o mesmo autor foi a criaccedilatildeo do
Mercado Comum do Sul (Mercosul) o qual visava materializar uma maior integraccedilatildeo
entre o Brasil Uruguai Argentina e Paraguai a partir da reduccedilatildeo das tarifas
alfandegaacuterias
O Mercosul alterou tambeacutem a poliacutetica cambial com o objetivo de promover
a expansatildeo das importaccedilotildees e ampliaccedilatildeo dos investimentos internacionais nas aacutereas
agroindustriais Por outro lado restringiu a participaccedilatildeo de cooperativas nesse setor
fortalecendo ainda mais as empresas privadas
A partir da concepccedilatildeo de Bianchini (2015) pode-se afirmar que diante das
novas configuraccedilotildees impostas ao cenaacuterio econocircmico brasileiro assistiu-se no Brasil ao
desmoronamento de um modelo econocircmico em que a base de sustentaccedilatildeo eram os
144
incentivos fiscais concedidos pelo Governo os quais atendiam apenas alguns setores
rurais
O que se vecirc nesse periacuteodo foi a movimentaccedilatildeo dos diferentes atores sociais
De um lado se encontram os grupos detentores de grande capital econocircmico querendo
a qualquer custo atrair a atenccedilatildeo das autoridades poliacuteticas em torno dos interesses do
capital na agricultura e por outro lado a intensificaccedilatildeo nas mobilizaccedilotildees por parte de
outros atores conclamando por uma construccedilatildeo de poliacuteticas diferenciadas para atender a
Agricultura Familiar a realizaccedilatildeo da Reforma Agraacuteria a ampliaccedilatildeo dos direitos dos
trabalhadores rurais e a criaccedilatildeo de um modelo de agricultura fundamentado na
sustentabilidade social e ambiental
Bianchini (2015 p 19) ao se referir ao papel das instituiccedilotildees e organizaccedilatildeo
dos movimentos sociais em defesa da Reforma Agraacuteria constituiacutedos na deacutecada de 1980
assegura que
Nesse cenaacuterio poacutes-crise do modelo agriacutecola a partir dos anos
80 com o teacutermino do regime militar e a promulgaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo de 1988 as organizaccedilotildees de agricultores
empresariais se rearticularam na Confederaccedilatildeo Nacional de
Agricultura (CNA) na Uniatildeo Democraacutetica Ruralista (UDR) e
na Associaccedilatildeo Brasileira do Agronegoacutecio (ABAG) As
organizaccedilotildees de Agricultores Familiares se fortalecem na
Confederaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
(CONTAG) criam-se novas organizaccedilotildees como o Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) a Via Campesina
o Departamento Nacional dos Trabalhadores Rurais da CUT
(DNTR) que daria origem agrave Federaccedilatildeo dos Trabalhadores da
Agricultura Familiar (Fetraf) Surge um novo cenaacuterio novos
embates e estabelece-se um novo arranjo institucional
Em consonacircncia agrave citaccedilatildeo afirmamos que os atores sociais do campo estatildeo
divididos em dois grandes grupos de um lado os grandes proprietaacuterios de terras e
representantes do agronegoacutecio e do outro as populaccedilotildees desprovidas de capital
financeiro representadas pelos trabalhadores rurais pequenos agricultores ribeirinhos e
comunidades tradicionais Esses grupos recorreram agrave organizaccedilatildeo dos Sindicatos a
exemplo daquele dos Trabalhadores ou dos Produtores Rurais e das confederaccedilotildees em
busca da sensibilizaccedilatildeo das autoridades poliacuteticas em torno da defesa de seus interesses
No que se refere aos movimentos sociais dos trabalhadores rurais e pequenos
agricultores natildeo se pode perder de vista que a deacutecada de 1990 foi marcada por intensas
mobilizaccedilotildees desses sujeitos sociais em torno de poliacuteticas puacuteblicas que pudessem
145
viabilizar a melhoria das condiccedilotildees de vida no campo sobretudo no que tange agrave criaccedilatildeo
de um sistema de creacutedito rural e a expansatildeo do programa de distribuiccedilatildeo de terras em
formato diferenciado para atender as especificidades dos pequenos agricultores
Bianchini (2015) considera possiacutevel assegurar que tanto o Provape como o
Pronaf resultaram de accedilotildees e pressotildees dos movimentos sociais que por meio das
diversas manifestaccedilotildees que contribuiacuteram diretamente para a definiccedilatildeo das diretrizes do
Pronaf como eacute o caso do ldquoGrito da Terra Brasilrdquo movimento promovido pela
Confederaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) Federaccedilatildeo dos
Trabalhadores da Agricultura (Fetag) e pelos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais
(STTRs) que em geral reuniram milhares de trabalhadores em seus atos puacuteblicos em
sua grande maioria lideranccedilas dos diversos movimentos ligados agraves questotildees da
Agricultura Familiar Reforma Agraacuteria e de outras bandeiras relacionadas ao universo
dos trabalhadores rurais
Bianchini (2015) indica ainda outro acontecimento que proporcionou maior
visibilidade do debate acerca da luta por uma poliacutetica de creacutedito rural diferenciada e que
fosse capaz de mobilizar a integraccedilatildeo da produccedilatildeo familiar o Seminaacuterio ndash Creacutedito de
Investimento uma luta que vale milhotildees de vidas realizado na cidade Chapecoacute em
Santa Catarina no ano de 2003 sob a organizaccedilatildeo do Foacuterum Sul dos Rurais vinculado agrave
Central Uacutenica dos Trabalhadores - CUT
Esse seminaacuterio teve como funccedilatildeo marcar ldquo[] que o creacutedito seria a bandeira
central do movimento sindical e naquele momento poderia desencadear outras poliacuteticas
ATER Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional Infraestrura e Habitaccedilatildeordquo (BIANCHINI
2015 p 24)
Ainda com base na concepccedilatildeo desse autor pode-se dizer que as discussotildees
provocadas durante o seminaacuterio de Chapecoacute aleacutem de possibilitar um repensar sobre a
questatildeo do creacutedito diferenciado para os pequenos agricultores apontaram tambeacutem
outras possibilidades de conquista no sentido de buscar uma poliacutetica que fosse capaz de
casar o Creacutedito Fundiaacuterio com a Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional Infraestrutura e
Habitaccedilatildeo ldquo[] Esta foi a marca que timbrou a criaccedilatildeo do Pronaf a luta por creacutedito
diferenciado capaz de realizar a reconversatildeo das unidades de produccedilatildeo familiarrdquo
(BIANCHINI 2015 p 24)
146
43 O Pronaf e seus objetivos
O MDA assegura que o objetivo do Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (Pronaf) eacute ldquo[] financiar projetos individuais ou coletivos que
gerem renda aos agricultores familiares e assentados da Reforma Agraacuteria O programa
possui as mais baixas taxas de juros dos financiamentos rurais aleacutem das menores taxas
de inadimplecircncia entre os sistemas de creacutedito do Paiacutes (MDA 2015)rdquo 24
Estamos diante da definiccedilatildeo do oacutergatildeo puacuteblico responsaacutevel por colocar os
ldquoagricultores familiaresrdquo e ldquoassentados de Reforma Agraacuteriardquo enquanto puacuteblico alvo do
programa possibilitando-os ter acesso a creacuteditos com a preacute-condiccedilatildeo de natildeo ter uma
renda maior que R$ 360 mil reais por ano
O agricultor familiar deve avaliar o projeto que pretende
desenvolver Os projetos devem gerar renda aos Agricultores
Familiares e assentados da reforma agraacuteria Podem ser
destinados para o custeio da safra a atividade agroindustrial
seja para investimento em maacutequinas equipamentos ou
infraestrutura A renda bruta anual dos Agricultores Familiares
deve ser de ateacute R$ 360 mil (MDA 2015)25
As diretrizes do MDA que orientam a elaboraccedilatildeo dos projetos de
financiamentos do Pronaf asseguram que os agricultores familiares satildeo os protagonistas
no planejamento das accedilotildees que seratildeo desenvolvidas desde que levem em consideraccedilatildeo
os criteacuterios estabelecidos por cada linha de creacutedito
Segundo o MDA (2015) o Pronaf possui algumas linhas de creacutedito para
atender esse objetivo
bull Pronaf Custeio
-se ao financiamento das atividades agropecuaacuterias e de
beneficiamento ou industrializaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo de
produccedilatildeo proacutepria ou de terceiros enquadrados no Pronaf
bull Pronaf Mais Alimentos - Investimento
Destinado ao financiamento da implantaccedilatildeo ampliaccedilatildeo ou
modernizaccedilatildeo da infraestrutura de produccedilatildeo e serviccedilos
agropecuaacuterios ou natildeo agropecuaacuterios no estabelecimento rural
ou em aacutereas comunitaacuterias rurais proacuteximas
bull Pronaf Agroinduacutestria
24Disponiacutevelemlthttpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-creditoruralsobre-o-
rogramasthashoPkG5KqCdpuf gt Acesso em 14092015 25
Disponiacutevelemlt httpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-creditoruralcomo-funciona-o-
pronafsthashJ7csT8kgdpuff gt Acesso em 14092015
147
Linha para o financiamento de investimentos inclusive em
infraestrutura que visam o beneficiamento o processamento e a
comercializaccedilatildeo da produccedilatildeo agropecuaacuteria e natildeo agropecuaacuteria
de produtos florestais e do extrativismo ou de produtos
artesanais e a exploraccedilatildeo de turismo rural
bull Pronaf Agroecologia
Linha para o financiamento de investimentos dos sistemas de
produccedilatildeo agroecoloacutegicos ou orgacircnicos incluindo-se os custos
relativos agrave implantaccedilatildeo e manutenccedilatildeo do empreendimento
bull Pronaf Eco
Linha para o financiamento de investimentos em teacutecnicas que
minimizam o impacto da atividade rural ao meio ambiente bem
como permitam ao agricultor melhor conviacutevio com o bioma em
que sua propriedade estaacute inserida
bull Pronaf Floresta
Financiamento de investimentos em projetos para sistemas
agroflorestais exploraccedilatildeo Destina extrativista ecologicamente
sustentaacutevel plano de manejo florestal recomposiccedilatildeo e
manutenccedilatildeo de aacutereas de preservaccedilatildeo permanente e reserva legal
e recuperaccedilatildeo de aacutereas degradadas
bull Pronaf Semiaacuterido
Linha para o financiamento de investimentos em projetos de
convivecircncia com o semi-aacuterido focados na sustentabilidade dos
agroecossistemas priorizando infraestrutura hiacutedrica e
implantaccedilatildeo ampliaccedilatildeo recuperaccedilatildeo ou modernizaccedilatildeo das
demais infraestruturas inclusive aquelas relacionadas com
projetos de produccedilatildeo e serviccedilos agropecuaacuterios e natildeo
agropecuaacuterios de acordo com a realidade das famiacutelias
agricultoras da regiatildeo Semiaacuterida
bull Pronaf Mulher
Linha para o financiamento de investimentos de propostas de
creacutedito para a mulher agricultora
bull Pronaf Jovem
Financiamento de investimentos de propostas de creacutedito para
jovens agricultores e agricultoras
bull Pronaf Custeio e Comercializaccedilatildeo de Agroinduacutestrias
Familiares
Destinada aos agricultores e suas cooperativas ou associaccedilotildees
para que financiem as necessidades de custeio do
beneficiamento e industrializaccedilatildeo da produccedilatildeo proacutepria eou de
terceiros
bull Pronaf Cota-Parte
Financiamento de investimentos para a integralizaccedilatildeo de cotas-
partes dos Agricultores Familiares filiados a cooperativas de
produccedilatildeo ou para aplicaccedilatildeo em capital de giro custeio ou
investimento
bull Microcreacutedito Rural
Destinado aos agricultores de mais baixa renda permite o
financiamento das atividades agropecuaacuterias e natildeo
agropecuaacuterias podendo os creacuteditos cobrirem qualquer demanda
que possa gerar renda para a famiacutelia atendida Creacuteditos para
Agricultores Familiares enquadrados no Grupo B e agricultoras
148
integrantes das unidades familiares de produccedilatildeo enquadradas
nos Grupos A ou AC26
Ainda para o MDA (2015) o creacutedito do Pronaf eacute operacionalizado pelos
agentes financeiros que compotildeem o Sistema Nacional de Creacutedito Rural (SNCR) os
quais estatildeo agrupados pelas unidades financeiras (Banco do Brasil Banco do
Nordeste e Banco da Amazocircnia) vinculadas aos (BNDES Bancoob Bansicredi e
associados agrave Federaccedilatildeo Brasileira de Bancos (Febraban)
A partir dessas opccedilotildees de creacutedito o nuacutemero de agricultores familiares que
tem aderido ao programa aumentou bem como a abrangecircncia do Pronaf no Brasil
Segundo dados do MDA (2015)
As contrataccedilotildees do Creacutedito ndash Pronaf apresentam crescimento
sustentado ao longo dos anos Em 19992000 o Pronaf abrangia
3403 municiacutepios passando para 4539 no ano seguinte o que
representou um aumento de 33 na cobertura de municiacutepios
ou seja a ampliaccedilatildeo de mais de 1100 municiacutepios em apenas
um ano A ampliaccedilatildeo de municiacutepios atendidos continuou em
cada ano agriacutecola sendo que em 20052006 houve a inserccedilatildeo de
quase 1960 municiacutepios em relaccedilatildeo agrave 19992000 Em
20072008 foram atendidos 5379 municiacutepios o que
representou um crescimento de 58 em relaccedilatildeo agrave 19992000
com a inserccedilatildeo de 1976 municiacutepios27
Portanto atraveacutes desses dados oficiais sobre o Pronaf foi possiacutevel identificar
seus objetivos e o que ele considera como caracteriacutestica de sua efetivaccedilatildeo e ampliaccedilatildeo
Cruzando os dados do Araguaia mato-grossense e aqueles dos assentamentos
rurais pesquisados com os dados oficiais obtivemos uma noccedilatildeo das implicaccedilotildees dos
investimentos do Pronaf no local sobretudo no que se refere ao municiacutepio de Vila Rica-
MT uma vez que eacute onde estatildeo localizados os assentamentos rurais analisados nesta
pesquisa
44 O Pronaf no espaccedilo do Araguaia Mato-grossense
26 Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-creditorurallinhas-de-
crC3A9ditosthashupVEXpBldpufgt Acesso em 14092015 27
Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-
creditoruralevoluC3A7C3A3o-do-pronafgt Acesso em 14092015
149
Em 2006 foi produzido um diagnoacutestico pela equipe teacutecnica do Territoacuterio da
Cidadania do MDA com o objetivo de elaborar o Plano Territorial de Desenvolvimento
Rural Sustentaacutevel do Araguaia mato-grossense ocasiatildeo em que foi constituiacutedo um
banco de dados sobre a situaccedilatildeo dos assentamentos rurais da aacuterea tomando como
referecircncia o perfil socioeconocircmico de cada assentamento rural e utilizando diversas
estrateacutegias e fontes documentais para constituiacute-lo
Analisando os dados do diagnoacutestico produzido pelo MDA constatamos que a
Agricultura Familiar possui um lugar de destaque no desenvolvimento socioeconocircmico
do Norte Araguaia
Paret (2012) informa existir 85 assentamentos rurais constituiacutedos no territoacuterio
Araguaia-Xingu sendo que 25 deles estatildeo localizados no municiacutepio de Confresa-MT
Os demais estatildeo distribuiacutedos entre os outros municiacutepios com destaque para Ribeiratildeo
Cascalheira Satildeo Feacutelix do Araguaia e Aacutegua Boa28
Ao todo satildeo 22328 famiacutelias assentadas numa aacuterea que corresponde apenas
a 8 da dimensatildeo territorial denominada por Paret (2012) como Araguaia-Xingu Nesse
mesmo sentido Barrozo (2009 p 96) avalia que
Os assentamentos rurais do Araguaia se caracterizam pela a
criaccedilatildeo de gado e pela baixa produccedilatildeo de alimentos Em quase
todos os assentamentos dos municiacutepios de Santa Terezinha
Vila Rica-MT Satildeo Joseacute e Santa Cruz do Xingu Confresa Porto
Alegre Canabrava Satildeo Feacutelix do Araguaia os assentados do
Araguaia tecircm como principal atividade econocircmica do lote a
criaccedilatildeo de gado bovino
Considerando o que Barrozo (2009) e Paret (2012) e os dados contidos no
relatoacuterio do MDATerritoacuterio da Cidadania (2006) dizem afirmamos que a pecuaacuteria eacute
tida como a principal fonte de renda dos assentados dessa aacuterea Aleacutem da venda dos
bezerros os agricultores familiares vendem tambeacutem leite para os pequenos laticiacutenios
que ficam espalhados pela aacuterea
Essa produccedilatildeo se tornou viaacutevel por um conjunto de fatores que vatildeo desde a
instalaccedilatildeo de energia eleacutetrica que possibilitou que o produto pudesse ser armazenado
em tanques resfriadores passando pelo fomento do Pronaf ateacute a instalaccedilatildeo de laticiacutenios
na aacuterea que absorvem a produccedilatildeo regional
28 Destacamos que dos 14 municiacutepios que compotildeem o territoacuterio denominado por Paret (2012)
como Araguaia Xingu apenas Luciara natildeo possui assentamentos rurais Rural (INCRA 2015)
150
A partir dos dados destacados pelos autores e pela descriccedilatildeo feita pelo o
Instituto de Defesa Agropecuaacuteria de Mato Grosso - Indea (2015)29
percebe-se que nos
uacuteltimos anos houve um crescimento notaacutevel da criaccedilatildeo de gado leiteiro nessa aacuterea
Essa situaccedilatildeo serve como justificativa ao fato de haver nos assentamentos rurais do
Araguaia uma aacuterea maior destinada agraves pastagens e uma menor concentraccedilatildeo de
atividades voltadas para o cultivo de pomares hortas agricultura e outras atividades
econocircmicas
O Araguaia Mato-grossense atualmente possui como principais cadeias
produtivas a pecuaacuteria e a soja Percebe-se que a Agricultura Familiar tambeacutem estaacute
inclusa nesse modelo de produccedilatildeo no entanto Paret (2012 p 53) faz uma ressalva em
relaccedilatildeo agrave ela uma vez que esta ldquo[] apresenta uma maior diversidade produtiva que vai
desde a horta a todo tipo de plantaccedilatildeo de frutas (plantadas ou do extrativismo)
tubeacuterculos mel ovos pequenos animais leite entre outros []rdquo
As atividades agriacutecolas nos assentamentos rurais do Araguaia Mato-
grossense foram estudadas por Barrozo (2009 p 99) para quem embora os assentados
atribuam uma grande importacircncia agrave criaccedilatildeo de gado tambeacutem cultivam roccedilas visando o
auto-sustento da famiacutelia ldquo[] Os principais produtos cultivados em quase todos os
assentamentos satildeo a mandioca o milho o arroz e a canardquo
Ainda em conformidade com Barrozo (2009) natildeo existem grandes pomares
com diversidade de frutas cuja produccedilatildeo tenha a finalidade de comercializaccedilatildeo mas
satildeo encontradas em muitos assentamentos pequenas produccedilotildees frutiacuteferas de manga
banana abacaxi goiaba caju tamarindo limatildeo pequi etc
Esse quadro de produccedilatildeo agriacutecola apresentado pelo mesmo autor foi
constatado tambeacutem no relatoacuterio do MDATerritoacuterio da Cidadania (2006 p 33) segundo
o qual as atividades agriacutecolas no espaccedilo do Araguaia Mato-Grossense satildeo assim
descritas
Dentre as culturas produzidas destacam-se a mandioca o arroz
o milho e o abacaxi presentes em praticamente todo o territoacuterio
e tambeacutem direcionadas ao mercado local e principalmente para
o autoconsumo [] Estas atividades constituem-se em
iniciativas particulares e natildeo reflete de forma real a situaccedilatildeo de
grande parte dos agricultores do territoacuterio
29Disponiacutevel em lthttpwwwterritoriosdacidadaniagovbrdotlrnclubsterritriosruraisone-
community gtAcesso em 02052015
151
Quanto agrave implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas direcionadas aos
assentamentos rurais Paret (2012 p 53) verificou a existecircncia de grandes obstaacuteculos
enfrentados pelos agricultores familiares a exemplo das dificuldades em acessar tanto
os recursos do Pronaf quanto de outros programas considerados de apoio como eacute o caso
do Programa Nacional de Aquisiccedilatildeo de Alimentos (PNAA) e do Programa Nacional de
Alimentaccedilatildeo Escolar (PNAE)
Os entraves ocorridos durante o processo de implementaccedilatildeo das poliacuteticas
puacuteblicas nos assentamentos rurais no Araguaia Mato-grossense sobretudo no caso do
Pronaf foram percebidos por Barrozo (2009 p 96) em pesquisa realizada para o
Ministeacuterio do Meio Ambiente (MMA) atraveacutes do programa GESTAR O autor escreve
que durante suas visitas aos assentamentos rurais era bastante comum os agricultores
familiares exporem suas insatisfaccedilotildees tanto com a atuaccedilatildeo dos teacutecnicos do INCRA
quanto com as condiccedilotildees impostas no processo de adesatildeo ao Pronaf Nesse sentido
descreve
[] os assentados reclamam do Pronaf que seria um pacote
fechado exigindo que o recurso seja em horas maacutequinas para
preparar a terra para a lavoura com a indicaccedilatildeo da empresa para
prestar serviccedilo e compra de ferramentas com indicaccedilatildeo da loja
As vacas leiteiras de qualidade ruim para leite custam R$
60000 cada uma tendo que comprar de criador indicado
Alguns assentados fazem acusaccedilotildees de que eacute feito um desconto
do Pronaf corresponde ao um percentual do financiamento que
seria destinado agrave assistecircncia teacutecnica Os teacutecnicos dizem que natildeo
podem se deslocar por falta de veiacuteculos ou de combustiacutevel
Percebemos uma insatisfaccedilatildeo de assentados quanto agraves restriccedilotildees e imposiccedilotildees
burocraacuteticas do Pronaf que retiram dos mesmos a autonomia de escolher locais raccedilas
de animais e marcas de produtos adquiridos com a verba do programa adiciona-se a
preocupaccedilatildeo com a extensatildeo teacutecnica que enfrenta dificuldades financeiras e de
logiacutestica
Na mesma oacutetica Paret (2012 p 53) avalia os problemas enfrentados pelos
agricultores familiares no acesso aos recursos do Pronaf e agrave atuaccedilatildeo do Incra ldquo[] do
ponto de vista institucional a conduccedilatildeo da Reforma Agraacuteria pelo Incra eacute marcada por
longas demoras na resoluccedilatildeo de processos e inuacutemeros casos de corrupccedilatildeordquo
Paret (2012) aborda ainda outra situaccedilatildeo que dificulta o desenvolvimento dos
assentamentos rurais do Araguaia Mato-grossense qual seja o fato de muitos
152
agricultores familiares natildeo terem recebido os creacuteditos moradia e a inexistecircncia de uma
assistecircncia teacutecnica mais efetiva
Os graacuteficos apresentado na Figura 17 e seguinte apresentam criteacuterios de
distribuiccedilatildeo e investimento dos recursos do Programa Nacional de Agricultura Familiar
nos assentamentos rurais
Figura 17 Graacutefico com dados da evoluccedilatildeo dos creacuteditos Pronaf
Fonte Paret 2012 (p 30)
Figura 18 Graacutefico com dados da distribuiccedilatildeo dos creacuteditos Pronaf
Fonte Paret 2012 (p 33)
153
Os dados dispostos nos das figuras 17 e 18 indicam que nos assentamentos
rurais no Araguaia mato-grossense a deacutecada de 2000 foi destaque na evoluccedilatildeo do
percentual de investimento de recursos pelo Pronaf
Percebemos uma oscilaccedilatildeo no volume de recursos na deacutecada de 2000 sendo
que nos anos de 2003 e 2004 apresentaram crescimento Em 2008 a 2010 aumentou
novamente o percentual de recursos disponibilizados com aumento daqueles destinados
agrave pecuaacuteria sobretudo em 2010 quando superaram os investimentos destinados agrave
agricultura
Quando se observam os dados indicados na Figura 18 percebe-se que entre
os onze municiacutepios apresentados como Araguaia Xingu o municiacutepio de Vila Rica-MT
em comparaccedilatildeo aos demais praticamente natildeo recebeu recursos do Pronaf destinados agrave
agricultura sobressaindo apenas os destinados agrave linha de creacutedito direcionada para a
pecuaacuteria
Nesse sentido Lima e Noacutebrega (2009) reforccedilam que os financiamentos
efetivados a partir de 1999 no municiacutepio de Vila Rica-MT foram direcionados para
agropecuaacuteria Em 2007 100 dos financiamentos do municiacutepio foram direcionados
somente agrave pecuaacuteria somando um total de 86 milhotildees de reais em investimentos
Lima e Noacutebrega (2009 12) afirmam ainda que
Entre 1996 e 2006 a aacuterea de pastagens aumentou em cerca de 50
mil hectares e o aumento do nuacutemero de cabeccedilas de gado mais
do que triplicou chegando em 2006 a quase 650 mil cabeccedilas A
densidade de cabeccedilas de gado por hectare passou de 08 para
21 um aumento bem acentuado Entre 2000 e 2007 as aacutereas
das lavouras de milho dobraram de tamanho [] existem dados
controversos no censo 2006 que indica mais de 150 mil hectares
de aacutereas de lavouras no entanto no ano de 2007 natildeo havia
muito mais do que 10mil hectares plantados somando todas as
culturas provavelmente muitas destas aacutereas de lavouras estatildeo
abandonadas
Para esses autores o aumento expressivo da pecuaacuteria em Vila Rica-MT nos
uacuteltimos anos pode ter contribuiacutedo para a reduccedilatildeo do desmatamento no municiacutepio em
funccedilatildeo ateacute mesmo do volume de recursos injetados o que justifica o desenvolvimento
das atividades ligadas agrave pecuaacuteria enquanto a agricultura praticamente ficou estagnada
entre o periacuteodo de 2000 a 2007
154
Desse modo concluiacutemos que mesmo havendo entraves na execuccedilatildeo do
Pronaf ele gerou impactos significativos no que se refere ao desenvolvimento
econocircmico do Araguaia colocando os assentamentos rurais na condiccedilatildeo de
protagonistas na geraccedilatildeo de renda sendo a pecuaacuteria a principal atividade econocircmica
45 O Pronaf nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati
Consideramos pertinente uma anaacutelise acerca dos efeitos do Pronaf nos
assentamentos rurais de Vila Rica-MT visando identificar os impactos desse programa
no desenvolvimento socioeconocircmico local Destacamos que embora haja oito
assentamentos rurais a pesquisa tomou como paracircmetro apenas os recursos aportados
pelos agricultores familiares dos assentamentos rurais de Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e
Aracati
Ao escolhecirc-los tomados aqui como objeto de anaacutelise dos resultados das
poliacuteticas puacuteblicas direcionadas aos Assentados da Reforma Agraacuteria do municiacutepio de
Vila Rica levou-se em consideraccedilatildeo o fato de terem sido contemplados com o
Programa de Assessoria Teacutecnica Social e Ambiental agrave Reforma Agraacuteria- Ates no ano
de 2006 como ilustra a Tabela a seguir
Tabela 37 Creacutedito Rural - nordm de Famiacutelia
Fonte EMPAER 2010
A Tabela 37 demonstra que mais de 90 dos agricultores familiares
participantes da pesquisa tiveram acesso ao Pronaf Os assentamentos Satildeo Joseacute e Ipecirc
foram os mais beneficiados porque possuem o maior nuacutemero de assentados Outra
questatildeo que nos chamou a atenccedilatildeo em relaccedilatildeo ao acesso ao credito eacute o iacutendice de
inadimplecircncia que natildeo chega a 1
Creacutedito RuralPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracat
i
Total
Usam o creacutedito rural 96 18 72 22 20
8
Natildeo usam por
Inadimplecircncia
0 0 2 0 2
Natildeo usam por outros
Motivos
8 3 5 3 19
155
Tabela 38 Finalidade do Creacutedito Rural - nordm de Famiacutelias
Finalidade creacutedito
PA
S Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total
Custeio agriacutecola 10 3 12 3 28
Custeio pecuaacuterio 91 13 69 17 190
Investimento agriacutecola 2 0 3 0 5
Investimento pecuaacuterio 68 11 51 19 149
Agroinduacutestria 0 1 0 0 1
Fonte EMPAER 2010
As informaccedilotildees contidas na Tabela 38 confirmam o que jaacute foi apresentado
nos Graacuteficos 01 e 02 e Figuras 17 e 18 em que os investimentos dos recursos do Pronaf
nas atividades agriacutecolas natildeo chegaram a 10 dos que tomaram o creacutedito enquanto que
somando o valor destinado ao custeio e ao investimento na pecuaacuteria atingiu 908
Poreacutem apenas 03 desses recursos foram aplicados nas atividades agroindustriais
Tabela 39 Tipo de Pronaf por nuacutemero de Famiacutelias
Finalidade Creacutedito Rural S Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total
Pronaf A 95 17 71 20 203
Pronaf AC 65 12 60 15 152
Outros tipos de Pronaf 5 2 4 1 12
Fonte EMPAER 2010
Na Tabela 39 que trata da tipologia das linhas de creacutedito do Pronaf
constatamos o que jaacute foi evidenciado pela tabela anterior Observamos que 203 famiacutelias
dos assentamentos rurais pesquisados acessaram o Pronaf A destinado agraves atividades de
investimentos ampliaccedilatildeo ou modernizaccedilatildeo da estrutura de produccedilatildeo beneficiamento e
serviccedilos nas propriedades enquanto 152 famiacutelias acessaram o Pronaf AC cujo creacutedito
destina-se ao custeio das atividades de agropecuaacuteria ou natildeo agropecuaacuterias Somente 12
famiacutelias foram beneficiadas por outras modalidades de Pronaf
46 Outras Poliacuteticas Puacuteblicas nos assentamentos Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e
Aracati
156
461 Programa Luz para todos
Ao discutirmos os impactos das poliacuteticas Puacuteblicas precisamos analisar os
efeitos da instalaccedilatildeo da rede eleacutetrica nos assentamentos rurais - Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel
Ipecirc e Aracati - a partir da implantaccedilatildeo do Programa Luz Para Todos instituiacutedo pelo
Decreto 4873 de novembro de 2003 com o objetivo de garantir o acesso agrave energia
eleacutetrica a dez milhotildees de pessoas que viviam no campo no periacuteodo de 5 anos ou seja de
2003 a 2008 Foi o mesmo elaborado e executado atraveacutes de parceria entre o Ministeacuterio
de Minas e Energia Eletrobraacutes concessionaacuterias e cooperativas de eletrificaccedilatildeo rural As
accedilotildees deveriam ser feitas em regime de cooperaccedilatildeo entre os Governos Municipais
Estaduais e Federal
A intenccedilatildeo inicial era superar a ldquoexclusatildeo eleacutetricardquo conforme descrito em
uma reportagem feita pelo Ministeacuterio de Minas e Energia (MME) no portal da empresa
Furna30
(2015 p 1)
[] O mapa da exclusatildeo eleacutetrica no paiacutes revela que as famiacutelias
sem acesso agrave energia estatildeo majoritariamente nas localidades de
menor Iacutendice de Desenvolvimento Humano e nas famiacutelias de
baixa renda Cerca de 90 delas tecircm renda inferior a trecircs
salaacuterios-miacutenimos [] Para por fim a essa realidade o governo
definiu como objetivo que a energia seja um vetor de
desenvolvimento social e econocircmico dessas comunidades
contribuindo para a reduccedilatildeo da pobreza e aumento da renda
familiar
Para o Ministeacuterio de Minas e Energia (2015 p 1) ldquo[] a chegada da energia
eleacutetrica facilita a integraccedilatildeo dos programas sociais do Governo Federal aleacutem do acesso
a serviccedilos de sauacutede educaccedilatildeo abastecimento de aacutegua e saneamentordquo E como o nuacutemero
de pessoas que viviam sem energia eleacutetrica era bem superior agrave estimativa feita pelo
Governo Federal houve a necessidade de ampliar o periacuteodo para a execuccedilatildeo do
Programa Luz Para Todos o qual foi reformulado e estendido ateacute dezembro de 2014
ldquo[] Com a publicaccedilatildeo do Censo de 2010 pelo IBGE veio agrave informaccedilatildeo de que ainda
existiam na zona rural brasileira 715939 famiacutelias sem energiardquo (MME 2015 p 1)
30Furnas eacute uma empresa de economia mista subsidiaacuteria da Eletrobraacutes e vinculada ao Ministeacuterio de
Minas e Energia dedicada a geraccedilatildeo e transmissatildeo de energia eleacutetrica
DisponiacutevellthttpwwwfurnascombrfrmEMQuemSomosgt Acesso em 10102015
157
Nesta mesma acepccedilatildeo quando comparado com os assentamentos rurais
pesquisados em Vila Rica- MT um dos agricultores familiares entrevistado disse
[] A questatildeo da energia melhorou as condiccedilotildees de vida nos
assentamentos assim no sentido de possibilitar a compra de
uma televisatildeo uma geladeira um freezer um aparelho de som
Agora eacute o que eu sempre digo o foco do programa natildeo eacute esse
a ideia eacute melhorar as condiccedilotildees de trabalho para aumentar a
produccedilatildeo da Agricultura Familiar natildeo digo que o Programa
Luz Para Todos natildeo era comprar essas coisas de
eletrodomeacutesticos ateacute porque esses eletrodomeacutesticos nos
possibilitam viver com um pouco de conforto isso melhora a
nossa vida tambeacutem Poreacutem o Luz Para Todos visava melhorar
a produccedilatildeo e foi o que muitos assentados compraram
maacutequinas de ralar mandioca bomba da aacutegua para fazer
irrigaccedilatildeo ordenhadeira (maacutequina de tirar leite de vaca)
triturador de raccedilatildeo a proacutepria geladeira e o freezer pois
possibilita armazenar os alimentos confeccionados pelos
agricultores como eacute o caso do queijo linguiccedila polpas de
frutas e tantos outros produtos que estatildeo sendo vendidos na
feira nos mercados e em outros lugares Outro setor que tem
ganhado bastante com a implantaccedilatildeo do Programa Luz Para
Todos eacute aacuterea do comeacutercio e da manutenccedilatildeoconserto de
eletrodomeacutestico (ENTREVISTA com Gilmar agricultor
familiar e secretaacuterio de agricultura do municiacutepio de Vila Rica
realizada pela autora em marccedilo de 2015)
Em conformidade com o relato a implementaccedilatildeo do Programa Luz Para
Todos nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT possui um significado muito aleacutem da
entrada dos agricultores familiares nesse novo modelo de produccedilatildeo social e cultural
facilitando a inclusatildeo desses sujeitos histoacutericos na sociedade da Informaccedilatildeo e da
Comunicaccedilatildeo proporcionada pelos recursos midiaacuteticos
Os efeitos da eletricidade nesses assentamentos refletiu diretamente no
aumento da produtividade na Agricultura Familiar o que poderaacute ser mais um fator de
melhoria da renda das famiacutelias assentadas e ao mesmo tempo possibilitaraacute o
aquecimento da economia local
Ressaltamos ainda que a energia eleacutetrica advinda do Programa Luz Para
Todos produz efeitos positivos para a Educaccedilatildeo do campo possibilitando a ampliaccedilatildeo
dos tempos e modos de organizaccedilatildeo pedagoacutegica das escolas que passaram a ofertar
aulas no periacuteodo noturno sem falar nos artifiacutecios do ensino e da aprendizagem uma vez
fortalecido com a inserccedilatildeo das tecnologias da Informaccedilatildeo e Comunicaccedilatildeo Conforme
relata um dos assentados entrevistado
158
Depois que instalou energia melhorou ateacute pra escola pois
agora os filhos dos assentados estatildeo tendo uma educaccedilatildeo
melhor ateacute o ambiente melhorou pois tem ventilador algumas
escolas tecircm ar condicionado Todas tecircm geladeira freezer
bebedor com aacutegua gelada Assim agora podem ateacute as pessoas
mais velhas que soacute podem estudar no periacuteodo da noite teratildeo
oportunidade de ir pra escola O que eacute complicado em relaccedilatildeo
agrave energia no campo eacute que se a gente natildeo souber controlar o uso
da energia potencializar eletricidade para melhorar a
produtividade e a renda das famiacutelias assentadas chegaraacute o
final do mecircs teratildeo o prejuiacutezo conta de energia para pagar Tem
assentado que possui dificuldade para pagar a conta de energia
todo mecircs Mas por outro lado os assentados que deixavam de
vender seus produtos porque eram pouquinhos ajuda agora
porque com a geladeira o freezer vai fazendo e guardando
hoje congela uma linguiccedila um queijo guardam um doce ovos
E depois traacutes junta tudo e traacutes para vender na cidade No caso
ajudou porque eu mexo com polpas de frutas a minha maior
fonte de renda eacute essa Entatildeo eu vou juntando do meu siacutetio e
compro de outros assentados (ENTREVISTA com Ivanir Galo
assentado e presidente do STR de Vila Rica- MT realizada pela
autora em marccedilo de 2015)
O relato acima chama atenccedilatildeo para o papel que a eletricidade assumiu no
desenvolvimento da economia dos assentamentos rurais de Vila Rica uma vez que ela
possibilitou tambeacutem o armazenamento e conservaccedilatildeo dos produtos de ldquofabricaccedilatildeo
caseirardquo Desse modo o entrevistado reconheceu que alguns assentados encontravam
dificuldade para quitar a conta de energia mas o destaque dado na narrativa eacute para as
possibilidades de ampliaccedilatildeo da renda dos agricultores familiares a partir do uso dos
equipamentos tecnoloacutegicos
462 Arco Verde e a questatildeo ambiental
Em conformidade as anaacutelises apontadas no Capiacutetulo III a questatildeo ambiental
constituiu e constitui ainda um dos gargalos vivenciados nos assentamentos rurais do
municiacutepio de Vila Rica-MT visto o alto iacutendice de degradaccedilatildeo das aacutereas de pastagens
nascentes e vegetaccedilatildeo nativa
Essa situaccedilatildeo eacute causada por diversos fatores No entanto a poliacutetica de incentivo
agrave pecuaacuteria bovina por sua vez tem gerado certa sonolecircncia nas praacuteticas de degradaccedilatildeo
ambiental embora em muitos casos tenha inviabilizado a sustentabilidade da
159
produccedilatildeo deixando o caminho livre ao esvaziamento venda e arrendamento dos lotes
para a produccedilatildeo de soja
Por outro lado as atividades ligadas agrave extraccedilatildeo madeireira pouco contribuiacuteram
para o desenvolvimento econocircmico do municiacutepio Nesse quadro os assentamentos
rurais foram os lugares onde mais foram praticados desmatamentos
Tal situaccedilatildeo nos assentamentos rurais eacute relatada pelo Secretaacuterio Municipal
de Vila Rica-MT o qual afirma terem eles provocado seacuterios problemas ao ponto de
demandar uma accedilatildeo de intervenccedilatildeo por parte Poder Puacuteblico atraveacutes de uma integraccedilatildeo
entre oacutergatildeos dos Governos Federal Estadual e Municipal que se viram obrigados a
tomar medidas de puniccedilatildeo entre outras
[] Os municiacutepios que foram enquadrados na eacutepoca na
verdade eles entraram no Arco de Fogo Os municiacutepios que
mais desmatavam na microrregiatildeo norte Araguaia eram Vila
Rica-MT Querecircncia e Satildeo Feacutelix esses municiacutepios tiveram ser
punidos (pelo Governo Federal) deixando de receber recursos
que eram liberados antes como eacute o caso do Pronaf e outros
recursos foram bloqueados entatildeo houve um bloqueio de
recurso pra esses municiacutepios soacute que aiacute em vez de resolver o
problema veio trazer mais problema porque gerou um caos
sem os recursos como que os assentados iam trabalhar para
produzir o sustento das suas famiacutelias [] aiacute foi criado um
Programa chamado Arco Verde que era para trabalhar mais a
questatildeo de recuperar parte dos prejuiacutezos causados a natureza
onde cada municiacutepio assumiu uma agenda de compromisso
juntamente com os trecircs entes federal estadual e municipal
todos os segmentos assumiram a sua responsabilidade e o
municiacutepio (ENTREVISTA com Gilmar agricultor familiar e
secretaacuterio municipal de agricultura de Vila Rica-MT realizada
pela autora em marccedilo de 2015)
Segundo informaccedilotildees disponibilizadas pelo Secretaacuterio Municipal de
Agricultura e pelo presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT-
MT vaacuterios municiacutepios do estado de Mato Grosso foram convocados para desenvolver
accedilotildees com o objetivo de combater o alto iacutendice de queimada e desmatamento atraveacutes
do Programa do Governo Federal Arco de Foco No caso do Araguaia os municiacutepios
que foram enquadrados na eacutepoca foram Vila Rica-MT Querecircncia e Satildeo Feacutelix do
Araguaia Esses municiacutepios tiveram suspensos alguns dos recursos do Governo Federal
os quais foram bloqueados entre outras linhas de creacutedito do Pronaf - Programa de
Apoio agrave Agricultura Familiar
160
O secretaacuterio municipal de agricultura do municiacutepio de Vila Rica-MT alertou
em seu relato para a questatildeo das queimadas e do compromisso de desmatamento zero
assumido pelo municiacutepio
[] e o municiacutepio de Vila Rica-MT assumiu a responsabilidade
de desmatamento zero poreacutem dentro dos assentamentos eacute
loacutegico diminuiu 95 mas agente enfrentou e ainda enfrenta
alguns problemas com desmatamento dentro dos
assentamentos mas aiacute jaacute natildeo eacute falta de informaccedilatildeo porque
informaccedilatildeo sempre tem o problema eacute que alguns produtores
acham que por ser uma aacuterea do governo federal ele natildeo seraacute
penalizado punido e multado por ser assentado e por isso
teimam Mas com a questatildeo do CAR e do Geo que o tiacutetulo seraacute
perante o laudo todos teratildeo que recuperar soacute que com esse
novo Coacutedigo Florestal ele amenizou isso bastante os
produtores que tecircm ateacute quatro moacutedulos fiscais satildeo a maioria
aqui na Vila Rica-MT os que tecircm a propriedade muito pequena
natildeo precisam de reservas legais desde que aacuterea jaacute esteja
consolidada jaacute aberta e tudo mais ateacute Julho de 2008 entatildeo
daiacute pra frente quem desmatou vai ser descoberto atraveacutes de
uma imagem sateacutelite eles seraacute identificado entatildeo eacute assim eles
natildeo foram penalizados ainda mas seratildeo (ENTREVISTA com
Gilmar agricultor familiar e secretaacuterio municipal de agricultura
de Vila Rica-MT realizada pela autora em marccedilo de 2015)
Diante do bloqueio dos recursos o Poder Puacuteblico sobretudo o municipal
bem como o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT tiveram que
desenvolver accedilotildees que mobilizassem os assentados para que atuassem no sentido de
erradicar as derrubadas e queimadas em Vila Rica-MT
Como o Programa Arco de Fogo natildeo obteve ecircxito foi criado outro programa
denominado Arco Verde o qual visava a intensificaccedilatildeo dos trabalhos voltados mais
para a questatildeo da recuperaccedilatildeo de parte dos prejuiacutezos causados agrave natureza Cada
municiacutepio assumiu uma agenda de compromisso responsabilizando-se juntamente com
o ente federal e estadual onde iriam atuar para erradicar as praacuteticas de queimadas nas
aacutereas de assentamentos rurais
463 Programa Balde Cheio
Quando o Programa denominado como ldquoBalde Cheiordquo foi implantado em
Mato Grosso houve a alegaccedilatildeo de que ele gerara resultados positivos em 12 Estados do
161
Brasil Este programa resultou de pesquisas desenvolvidas pela Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuaacuteria Embrapa
Em Mato Grosso o projeto foi integrado ao Programa Estadual da Cadeia do
Leite considerando que o objetivo do Estado era aumentar a produccedilatildeo de leite nas aacutereas
de assentamentos rurais
[] Mato Grosso possui 150 mil pequenos proprietaacuterios a
maioria dedicando-se ao leite A meta eacute aumentar a produccedilatildeo
mato-grossense dos atuais 16 milhatildeo de litros diaacuterios para
cinco milhotildees de litros por dia Fernando Lamas ressalta que
esse aumento seraacute alcanccedilado por meio do aumento de
produtividade ldquosem expansatildeo de aacutereas e sem derrubar uma soacute
aacutervorerdquo
[] O trabalho das duas unidades da Embrapa contaraacute com a
parceria do Ministeacuterio da Agricultura Pecuaacuteria e
Abastecimento (Mapa) e do Governo de Mato Grosso que
arcaratildeo com a maior parte dos custos [] (EMBRAPA 2015
p 1)31
Segundo informaccedilotildees disponibilizadas no portal da Secretaria de Estado de
Agricultura de Mato Grosso participaram do processo de execuccedilatildeo do Programa a
Empresa Mato-Grossense de Pesquisa Assistecircncia e Extensatildeo Rural ndash Empaer o
Instituto de Defesa Agropecuaacuteria - Indea as prefeituras e as empresas em sistema de
cooperativa dos municiacutepios que aderiram ao Projeto Balde Cheio
Esse conjunto de teacutecnicas eacute complementado com o uso de
planilhas de controle zooteacutecnico e econocircmico a utilizaccedilatildeo de
um quadro dinacircmico de controle reprodutivo de higiene e de
qualidade do leite a identificaccedilatildeo dos animais a melhoria no
padratildeo geneacutetico do rebanho a anotaccedilatildeo de dados climaacuteticos
(chuva e temperatura maacutexima e miacutenima) e a aplicaccedilatildeo de
praacuteticas associativistas Aleacutem disso o uso de instrumentos de
controle gerencial tais como planilhas de controle e de anaacutelise
de custo de produccedilatildeo e de controle zooteacutecnico tem
possibilitado tornar rentaacutevel a atividade leiteira nas pequenas
propriedades familiares e consequentemente transformaacute-las em
atividade fixadora do homem no campo (EMBRAPA 2015 p
1)
Conforme Borges Guedes Ceacutezareb e Assis (2015 p 1) o Projeto Balde
Cheio serviria como motivaccedilatildeo para os agricultores familiares aumentar a produccedilatildeo de
leite nos assentamentos jaacute que a tecnologia embutida no projeto articulava as teacutecnicas
31 Disponiacutevel em lthttptererecpaoembrapabrportalnoticiasvisualizaphpid=307gt Acesso em
15042015
162
de produccedilatildeo extensivas com a conservaccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da fertilidade do solo a partir
do uso de fertilizantes orgacircnicos e manejo intensivo de pastagens tropicais adubadas
Durante a temporada da seca (veratildeo) as aacutereas de passagens satildeo melhoradas
atraveacutes de irrigaccedilatildeo manejo rotacional e do uso de cana-de-accediluacutecar integrada com ureacuteia
assim como a realizaccedilatildeo de exames de tuberculose no gado
No caso de Vila Rica-MT o Projeto Balde Cheio foi implantado pela a
Secretaria Municipal de Agricultura em parceria com o INCRA a Empaer e de outras
entidades como o Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Rural Senar Serviccedilo Brasileiro
de Apoio agrave Micro e Pequena Empresa (Sebrae) e Serviccedilo Nacional de Aprendizagem
Industrial (Senai) O Senar o Sebrae e o Senai que atuaram ministrando cursos no
processo de formaccedilatildeo dos assentados
Segundo o diagnoacutestico produzido pela a Empaer (2009 p 60)
[] na produccedilatildeo houve uma grade melhoria no gado leiteiro
quantidade e qualidade do leite assim se tornou o ponto forte
do assentamento fazendo a entrega no resfriador dentro do
assentamento que eacute vendido para o uacutenico laticiacutenio do
municiacutepio Essa produccedilatildeo cresceu graccedilas ao efeito do Projeto
Balde Cheio
Os dados do diagnoacutestico revelaram um melhoramento da produtividade e na
qualidade do leite produzido
464 Os Programas de Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional e Teacutecnica do
assentado
Pensar sobre o papel das poliacuteticas puacuteblicas nos assentamentos rurais nos
remete para uma reflexatildeo a respeito do papel da Educaccedilatildeo do Campo uma vez que na
luta pela terra requer tambeacutem a necessidade da escola Natildeo basta apenas que os
agricultores familiares tenham conquistado a terra para morar e produzir Faz-se
indispensaacutevel ter uma escola para que os seus filhos possam estudar sem precisar sair
do campo
Por estar inserida na pauta de lutas dos movimentos sociais que demandam a
Reforma Agraacuteria a Educaccedilatildeo do Campo no Brasil vem cada vez mais ganhando
consistecircncia e visibilidade na agenda das autoridades poliacuteticas acadecircmicas e nos
diversos segmentos do sistema educacional constituindo-se importante enquanto
poliacutetica puacuteblica para fortalecer os assentamentos rurais
163
Segundo Casali (2004) as discussotildees em torno da Educaccedilatildeo do Campo tecircm
sido direcionadas aos problemas de infraestrutura como construccedilatildeo de escolas
transporte escolar formaccedilatildeo de professores entre outras questotildees que tecircm provocado
um intenso debate entre os gestores puacuteblicos e os movimentos sociais vinculados aos
modos de vida no campo
O autor supramencionado afirma que para os movimentos sociais a estrutura
fiacutesica natildeo eacute o uacutenico problema da escola do campo A questatildeo eacute mais complexa quando
levados em consideraccedilatildeo os aspectos poliacuteticos e culturais do ensino e da aprendizagem
escolar bem como as especificidades de vida e os modos de organizaccedilatildeo social e
educacional para a populaccedilatildeo do campo
A primeira Conferecircncia Nacional intitulada ldquoPor Uma Educaccedilatildeo Baacutesica do
Campordquo realizada no periacuteodo de 27 a 31 de julho de 1998 na cidade de Luziacircnia
estado de Goiaacutes foi um marco importante para as lutas sociais do campo sendo que a
partir dela constituiacuteram-se alguns princiacutepios baacutesicos que fundamentaram a luta por
escolas do campo Segundo Caldart (2003 p 60)32
satildeo trecircs princiacutepios
[] 1 O campo no Brasil estaacute em movimento Haacute tensotildees lutas
sociais organizaccedilotildees e movimentos de trabalhadores e
trabalhadoras da terra que estatildeo mudando o jeito da sociedade
olhar para o campo e seus sujeitos
2 A Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo estaacute sendo produzida neste
movimento nesta dinacircmica social que eacute tambeacutem um
movimento sociocultural de humanizaccedilatildeo das pessoas que dele
participam
3 Existe uma nova praacutetica de Escola que estaacute sendo gestada
neste movimento Nossa sensibilidade de educadores jaacute nos
permitiu perceber que existe algo diferente e que pode ser uma
alternativa em nosso horizonte de trabalhador da educaccedilatildeo de
ser humano
Assim agrave luz dessa concepccedilatildeo pode-se dizer que a emergecircncia assinalada para
a complexidade da Educaccedilatildeo Campo perpassa pela construccedilatildeo de um projeto poliacutetico-
pedagoacutegico que contemple as matrizes culturais sociais e histoacutericas das populaccedilotildees do
campo
Nessa mesma perspectiva compreendemos a dimensatildeo do papel e significado
que os agricultores familiares atribuem agrave Educaccedilatildeo do Campo para o fortalecimento dos
32 Disponiacutevel em lthttpwwwiaufrrjbrppgeaconteudoconteudo-2009-1Educacao-
II3SFA_ESCOLA_DO_CAMPO_EM_MOVIMENTOpdf gt Acesso em 10052015
164
assentamentos rurais de Vila Rica-MT o que pode ser ilustrado a partir da trajetoacuteria de
vida do senhor Ademar que eacute filho de um dos primeiros colonos que migraram para
Vila Rica-MT na deacutecada de 1980 em busca de melhores condiccedilotildees hoje professor
efetivo pela Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo de Vila Rica-MT
[] Olha eacute muito incriacutevel Eu nasci na roccedila estudei na roccedila
me formei morando na roccedila (porque eu jaacute sou formado como
pedagogo) Estudei Pedagogia em moacutedulo nunca precisei
mudar da roccedila e nem tive vontade tipo assim pra ir para uma
faculdade estudar de tempo integral na cidade porque o meu
projeto de vida foi sempre morar na roccedila Hoje faccedilo poacutes-
graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo do Campo E desde quando comecei
na escolinha multisseriada eu jaacute lutava por educaccedilatildeo na roccedila
Fiz parte da nucleaccedilatildeo do processo de nucleaccedilatildeo de escola no
Aracati na eacutepoca Ajudei alavancar a discussatildeo e a criaccedilatildeo
das turmas de 5ordf seacuterie na zona rural de Vila Rica-MT porque a
gente natildeo tinha oferta pois atendiacuteamos ateacute a quarta seacuterie e
como percebemos que chegavam muitos alunos em niacutevel de
estudar a 5ordf e a 6 ordf seacuterie (ENTREVISTA com Ademar
professor e agricultor familiar do assentamento Satildeo Joseacute Vila
Rica-MT 2015 realizada pela autora em setembro de 2015)
Talvez diferentemente de outros relatos de professores das escolas do
campo Ademar nos revela uma trajetoacuteria de vida marcada pelo ideal de estudar e de se
formar sem precisar sair do campo Ele faz do ideal de vida a constante luta pela
permanecircncia no campo luta por escola e pela ampliaccedilatildeo dos estudos de outros
assentados
Ele nos leva a uma reflexatildeo sobre a Educaccedilatildeo do Campo constituiacuteda a
partir da leitura do refratildeo da muacutesica do cantor e compositor Gilvan ldquoNatildeo Vou Sair do
Campordquo a qual se parece como uma bandeira de luta do Movimento Nacional por uma
Educaccedilatildeo do Campo como ldquo[] natildeo vou sair do campo pra poder ir para a escola
Educaccedilatildeo do Campo eacute direito e natildeo esmolardquo
Ao relembrar a sua trajetoacuteria como professor Ademar nos mostra que a
concepccedilatildeo e a funccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo satildeo construccedilotildees socioculturais Quando
faz uma reavaliaccedilatildeo das accedilotildees dos professores pais alunos e gestores na conduccedilatildeo das
poliacuteticas puacuteblicas ele reconhece que o processo de nucleaccedilatildeo das ldquoescolinhasrdquo pouco
contribuiu para a melhoria da educaccedilatildeo no municiacutepio e tampouco para fortalecer os
assentamentos rurais de Vila Rica-MT Nesse sentido prossegue
165
A partir daiacute comeccedilou em todo o municiacutepio exemplo Cachangaacute
e nos assentamentos Soacute que a partir daiacute a gente comeccedilou a
observar os efeitos da nucleaccedilatildeo Vimos que depois que fecha a
escolinha que fica perto das propriedades ou seja aquela
comunidade fica entristecida e desaminada para continuar
morando no assentamento Aos poucos vai se acabando o
viacutenculo de comunidade e eacute assim que comeccedila o ecircxodo rural
Aqui em Vila Rica-MT a gente sentiu isso a partir da hora que
fechou as escolinhas foi como se saiacutessemos acabando as
comunidades e se comunidade acaba o povo do assentamento
vai se distanciando uns dos outros Pela situaccedilatildeo que vivemos
tenho observado que a escola eacute o espaccedilo de encontro da
comunidade natildeo eacute soacute o espaccedilo de ensinar e aprender os
conteuacutedos escolares a funccedilatildeo eacute para aleacutem disso Voltando agrave
questatildeo da nucleaccedilatildeo lembro que quando sai do assentamento
a escola de laacute tinha uns 150 alunos o Aracati fechou a sua
uacutenica escola e com o tempo possa ser que suma a comunidade
de laacute tambeacutem jaacute que hoje tecircm tatildeo poucas famiacutelias de fato
morando laacute em vista do que era antes Jaacute pensou como
imaginar um assentamento sem uma escola (ENTREVISTA
com Ademar professor e agricultor familiar do assentamento
Satildeo Joseacute Vila Rica-MT 2015 realizada pela autora em
setembro de 2015)
Com base no relato do professor Ademar eacute possiacutevel identificar de maneira
viva como a escola eacute importante para o assentamento rural uma vez que ela tambeacutem se
constitui enquanto espaccedilo de encontro dos agricultores familiares ocasiatildeo em que
dialogam compartilham se organizam e praticam a socializaccedilatildeo de forma mais intensa
Logo quando o professor fala que ldquonatildeo eacute soacute o espaccedilo de ensinar e aprenderrdquo
percebemos as muacuteltiplas funccedilotildees desse espaccedilo chamado Escola do Campo
Diante disso o fechamento de uma escola dentro do assentamento rural tem
significados negativos uma vez que envolve a privaccedilatildeo de oportunidades e qualidade de
vida dos alunos e pais que dependem do transporte escolar para se deslocarem para uma
escola distante Aleacutem disso significa o fechamento de um posto de trabalho do
professor que seraacute igualmente removido Significa ainda desmotivaccedilatildeo para a
comunidade do assentamento rural ao ver perdido um espaccedilo de socializaccedilatildeo e uma
instituiccedilatildeo que representa oportunidade de melhoria de vida para seus moradores
No Brasil historicamente as nucleaccedilotildees das escolinhas satildeo realizadas pelos
gestores da educaccedilatildeo sem levar em conta os interesses e ideais dos pais e dos alunos
sob o discurso que vai melhorar a qualidade do ensino eliminando as turmas muacuteltiplas
(seacuteries fases anos e ciclo)
166
Essa situaccedilatildeo mostra a perda do sentimento de pertencimento entre a escola e
a comunidade distanciando os pais das accedilotildees escolares sem falar da falta de motivaccedilatildeo
por parte dos alunos para com os estudos jaacute que a escola distante das casas aumenta o
percurso para os estudantes
Do relato do professor Ademar destacamos que os sujeitos histoacutericos do
campo exercem um papel importante na conduccedilatildeo das Poliacuteticas Puacuteblicas voltadas agraves
necessidade das populaccedilotildees dos assentamentos rurais A luta eacute permanente pela
universalizaccedilatildeo da educaccedilatildeo como argumenta o mesmo entrevistado
Eu defendo que a escola que serve para os Agricultores
Familiares eacute aquela que fica dentro do assentamento Acredito
que um projeto de assentamento forte eacute aquele que tem uma
escola pensada e construiacuteda em conjunto com aquele povo que
vive ali Agraves vezes fico bastante incomodado com a conduccedilatildeo
que se tem dado para a Educaccedilatildeo do Campo Eacute como se as
poliacuteticas natildeo estivessem sendo executadas no sentido de
melhorar o ensino e a formaccedilatildeo dos jovens no campo Penso
que a gente precisa se preocupar mais com o futuro dos jovens
que vivem nos assentamento A escola e noacutes professores
precisamos trabalhar essas questotildees de forma que surta um
efeito positivo no sentido de motivar os jovens a continuar
morando nos assentamentos Para isso precisamos avanccedilar em
algumas poliacuteticas Vejo que deveremos ser mais incisivos para
que o Estado faccedila a oferta do Meacutedio Teacutecnico integrado e que
essa oferta seja a partir de um curriacuteculo voltado para as
necessidade e particularidades das pessoas que dependem dos
assentamentos rurais como meio de sobrevivecircncia e geraccedilatildeo de
renda (ENTREVISTA com Ademar professor e agricultor
familiar do assentamento Satildeo Joseacute Vila Rica-MT 2015
realizada pela autora em setembro de 2015)
O relato do professor Ademar tambeacutem chama atenccedilatildeo pelo desabafo quanto agrave
forma como estaacute sendo realizada a Educaccedilatildeo do Campo em Vila Rica-MT ldquo[] eacute como
se as poliacuteticas natildeo estivessem sendo executadas no sentido de melhorar o ensino e a
formaccedilatildeo dos jovens no campo Penso que a gente precisa se preocupar mais com o
futuro dos jovens que vivem nos assentamentos []rdquo (ENTREVISTA com Ademar
professor e agricultor familiar do assentamento Satildeo Joseacute Vila Rica-MT 2015 realizada
pela autora em setembro de 2015)
A educaccedilatildeo por si soacute natildeo assegura a permanecircncia dos agricultores familiares
na terra poreacutem quando integrada ao projeto de desenvolvimento do assentamento
tornaraacute o seu fortalecimento possiacutevel
167
Os projetos pedagoacutegicos das escolas do campo devem contemplar as matrizes
culturais do homem do campo considerando a construccedilatildeo a partir da memoacuteria coletiva e
da histoacuterica da comunidade dada por meio da oralidade buscando assim reconstruir e
conservar a cultura da populaccedilatildeo que vive no campo de forma a fazer uma educaccedilatildeo em
prol da cidadania O relato de Ademar traz ainda os princiacutepios que o curriacuteculo da escola
do campo deveria seguir
O curriacuteculo deve contemplar questotildees como agroecologia a
pecuaacuteria de leite a produccedilatildeo orgacircnica Precisamos formar
uma nova consciecircncia entre os jovens visando que estes
passem a enxergar o potencial da Agricultura Familiar Eu sei
disso e penso que vocecirc tambeacutem ateacute porque existem pesquisas
que jaacute comprovaram isso que eu estou lhe falando Eacute o campo
quem sustenta a cidade e natildeo o contraacuterio Se houver falta de
produccedilatildeo nos assentamentos rurais aqui em Vila Rica-MT logo
a cidade sofreraacute um impacto imediatamente As poliacuteticas
puacuteblicas existentes para a populaccedilatildeo rural devem ser de fato
destinadas agrave melhoria das condiccedilotildees de vida eacute para promover
qualidade de vida das pessoas que estatildeo no campo
(ENTREVISTA com Ademar professor e agricultor familiar do
assentamento Satildeo Joseacute Vila Rica-MT 2015 realizada pela
autora em setembro de 2015)
Nessa perspectiva educativa apresentada pelo professor Ademar afirmamos
que eacute um dos principais desafios para a Educaccedilatildeo do Campo consolidar concepccedilotildees e
praacuteticas nos curriacuteculos que integrem as matrizes culturais das populaccedilotildees do campo
O desafio natildeo estaacute restrito apenas agrave parte obrigatoacuteria da Educaccedilatildeo Baacutesica
mas tambeacutem as etapas do Ensino Meacutedio assim como Superior
465 Programa Nacional de Sauacutede no Campo
No Brasil os Programas de Sauacutede Puacuteblica direcionados para a populaccedilatildeo
rural satildeo decorrentes das reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais do campo No entanto
quando se debruccedila sobre a literatura nos deparamos com a escassez de pesquisas
voltadas para essa questatildeo sobretudo no que se refere agrave sauacutede nos assentamentos rurais
O foco da pesquisa natildeo eacute a poliacutetica puacuteblica de sauacutede em si mas os efeitos
dela na melhoria da qualidade de vida dos agricultores familiares A Sauacutede Puacuteblica eacute um
dos componentes da bandeira de luta dos movimentos sociais do campo assegurando
que a mesma seja constituiacuteda a partir das especificidades que envolvem os modos e
168
concepccedilotildees do povo do campo A poliacutetica de sauacutede deve levar em consideraccedilatildeo os
saberes tradicionais destes sujeitos histoacutericos Este eacute o caso dos que recorrem
constantemente ao uso de plantas medicinais no tratamento de doenccedilas
A partir da Portaria de nordm 2866 de dezembro de 2011 o Ministeacuterio da Sauacutede
(MS) teve como principal funccedilatildeo estabelecer paracircmetros de funcionamento e regulaccedilatildeo
dos serviccedilos de sauacutede para a populaccedilatildeo do campo partindo dos princiacutepios do Sistema
Uacutenico de Sauacutede (SUS) A Poliacutetica Nacional de Sauacutede Integral das Populaccedilotildees do
Campo e da Floresta (PNSIPCF) define que
[] O MINISTRO DE ESTADO DA SAUacuteDE no uso da
atribuiccedilatildeo que lhe confere o inciso II do paraacutegrafo uacutenico do art
87 da Constituiccedilatildeo considerando os princiacutepios do Sistema
Uacutenico de Sauacutede (SUS) especialmente a equidade a
integralidade e a transversalidade e o dever de atendimento das
necessidades e demandas em sauacutede das populaccedilotildees do campo e
da floresta Considerando o Decreto nordm 7508 de 28 de junho de
2011 que regulamenta a Lei nordm 8080 de 19de setembro de
1990 e dispotildee sobre a organizaccedilatildeo do SUS o planejamento da
sauacutede a assistecircncia agrave sauacutede e a articulaccedilatildeo Interfederativa
especialmente o disposto no art 13 que assegura ao usuaacuterio o
acesso universal igualitaacuterio e ordenado agraves accedilotildees e serviccedilos de
sauacutede do SUS Considerando a Portaria GMMS nordm 2460 de 12
de dezembro de 2005 que instituiu o Grupo da Terra no
Ministeacuterio da Sauacutede com o objetivo de elaborar a Poliacutetica
Nacional de Sauacutede Integral das Populaccedilotildees do Campo e da
Floresta aprovada pelo Conselho Nacional de Sauacutede em 1ordm de
agosto de 2008 Considerando a diretriz do Governo Federal de
reduzir as iniquidades por meio da execuccedilatildeo de poliacuteticas de
inclusatildeo social (MS 2013 p 19)
Nos trechos do texto-base da Poliacutetica Nacional de Sauacutede Integral das
Populaccedilotildees do Campo e da Floresta proposto pelo Ministeacuterio da Sauacutede (2013 p 20)
seu principal objetivo eacute o de promover a sauacutede das populaccedilotildees do campo e da floresta a
partir de accedilotildees que partilhem as particularidades no que se refere a gecircnero cor etnia e
orientaccedilatildeo sexual de forma que facilite o acesso aos serviccedilos de sauacutede E com isso
espera-se que seja diminuiacutedo o iacutendice de ldquo[] riscos e agravos agrave sauacutede decorrente dos
processos de trabalho e das tecnologias agriacutecolas e a melhoria dos indicadores e da
qualidade de vidardquo (BRASIL 2013)
O Ministeacuterio da Sauacutede (2013 p 20) definiu os agricultores familiares
enquanto categoria social como uma populaccedilatildeo que vive no campo e se organiza a
partir dos seguintes princiacutepios
169
[] - (a) natildeo deter a qualquer tiacutetulo aacuterea maior do que 4
(quatro) moacutedulos fiscais b) utilizar predominantemente matildeo-
de-obra da proacutepria famiacutelia nas atividades econocircmicas do seu
estabelecimento ou empreendimento c) ter renda familiar
predominantemente originada de atividades econocircmicas
vinculadas ao proacuteprio estabelecimento ou empreendimento)
dirigir seu estabelecimento ou empreendimento com sua
famiacutelia sendo que incluem-se nesta categoria silvicultores
aquicultores extrativistas e pescadores que preencham os
requisitos previstos nos itens b c e d deste inciso
Nota-se que esse Ministeacuterio recorreu agrave definiccedilatildeo de agricultores familiares
instituiacuteda nas diretrizes nacionais do Pronaf em que essa categoria eacute constituiacuteda a partir
de criteacuterios econocircmicos e da dinacircmica de relaccedilotildees de trabalho e do modo de produccedilatildeo
466 Habitaccedilatildeo
Segundo o Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio (2015) o Programa
Nacional de Habitaccedilatildeo Rural (PNHR) consiste em auxiliar os Agricultores Familiares e
trabalhadores rurais na construccedilatildeo de suas casas Inserido dentro do Programa Nacional
de Habitaccedilatildeo (Minha Casa Minha Vida) eacute financiado pelo Orccedilamento Geral da Uniatildeo ndash
OGU As suas accedilotildees devem ser planejadas e executadas As diretrizes e subsiacutedios dos
demais programas do Governo Federal satildeo destinados ao combate agrave pobreza rural
Sobretudo o Programa Cisternas que tem como objetivo a construccedilatildeo de cisternas nas
propriedades rurais as quais satildeo utilizadas para a captaccedilatildeo e armazenamento de aacutegua
oriunda das chuvas
O recurso do PNHR tem como principal finalidade a ldquo[] aquisiccedilatildeo de
Material de construccedilatildeo conclusatildeo ou reformaampliaccedilatildeo de Unidade Habitacional rural
e de cisternas para a captaccedilatildeo e armazenamento da aacutegua da chuva []rdquo (BRASIL 2010
p05) em que o alvo satildeo as regiotildees onde as chuvas ocorrem com certa irregularidade e
as secas satildeo recorrentes
Em nota divulgada pela Confederaccedilatildeo Nacional dos trabalhadores na
Agricultura ndash CONTAG e outros movimentos sociais como o Movimento dos
Pequenos Agricultores ndash MPA Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra ndash
MST Movimento dos Atingidos por Barragens ndash MAB Movimento Camponecircs Popular
ndash MCP Federaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar
170
do Brasil ndash Fetraf ndash (BRASIL 2015 p 1)33
asseguram que o Programa Nacional de
Habitaccedilatildeo Rural criado em 2009 eacute resultado da luta dos movimentos do campo em
que o propoacutesito da nota eacute afirmar que
A preservaccedilatildeo deste Programa passa pelo diaacutelogo estabelecido
no interior do GT Rural com todos os sujeitos envolvidos
Governo Agentes Financeiros e Entidades Organizadoras dos
movimentos representativos do campo e eacute confiando nesse
diaacutelogo que repudiamos o que foi evidenciado pelo INCRA na
uacuteltima reuniatildeo do GT Rural no dia 28 de novembro onde foi
explicitada a intenccedilatildeo de repassar (a partir de janeiro de 2014)
mediante Chamada Puacuteblica a possibilidade de entidades
puacuteblicas e privadas executarem o PNHRA maior parte das
casas de alvenaria foi feita com recursos financiados pelo
INCRA atraveacutes do creacutedito habitaccedilatildeo liberado O recurso
liberado do creacutedito habitaccedilatildeo natildeo foi suficiente para realizar a
construccedilatildeo das casas por completo e com acabamento
necessaacuterio Desta forma algumas casas ficaram inacabadas
necessitando de reboco pintura piso e sanitaacuterio
Para os movimentos do campo eacute necessaacuterio que a equipe de Governo as
Agecircncias de Financiamentos e as entidades de representaccedilatildeo dos Movimentos sociais
mantenham um diaacutelogo permanente entre as partes envolvidas no processo para que se
tenha um resultado satisfatoacuterio na execuccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas para os sujeitos
sociais do campo
Justamente por isso existe uma tentativa de evitar que a construccedilatildeo das casas
destinadas agrave populaccedilatildeo do campo seja bdquoprivatizada‟ ou seja concentrada nas matildeos de
uma soacute entidade seja ela puacuteblica ou privada o que tem se mostrado ldquototalmente
repudiadordquo como possibilidade
Apesar disso eacute notaacutevel o quanto essas poliacuteticas puacuteblicas produziram novos
impactos influenciando diretamente no desenvolvimento dos assentamentos rurais de
Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati fornecendo-lhes melhores condiccedilotildees de vida no
que se refere ao acesso agrave sauacutede educaccedilatildeo moradia e infraestrutura
Todavia percebemos que natildeo haacute uma articulaccedilatildeo entre a organizaccedilatildeo e a
construccedilatildeo de um planejamento estrateacutegico baacutesico para implementar poliacuteticas puacuteblicas
33 Disponiacutevel em
lthttpwwwfetraforgbrsistemackfilesPauta20unitaria20HABITACAO20RURALgt
Acesso em 28102015
171
que pudessem ser implementadas em uma accedilatildeo integrada e envolvendo os diferentes
agentes sociais e assim resolver as supostas fragilidades
Natildeo apreendemos indicativos na reflexatildeo dessas poliacuteticas que conduzem para
a melhoria das condiccedilotildees de produccedilatildeo e possibilidades de comercializaccedilatildeo e circulaccedilatildeo
dos produtos da Agricultura Familiar apontados no capiacutetulo trecircs como um dos
principais desafios dos assentamentos rurais pesquisados
Contudo natildeo se pode perder de vista que satildeo as dificuldades vivenciadas
nesses assentamentos que fazem com que os assentados recorram cada vez mais agrave venda
da forccedila de trabalho nas fazendas ou nos demais setores primaacuterios distanciando-se da
condiccedilatildeo de produtores da Agricultura Familiar e tornando-se compradores de produtos
baacutesicos da alimentaccedilatildeo como arroz feijatildeo mandioca e carnes de aves e porcos
172
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Os estudos e as poliacuteticas relacionadas agrave Agricultura Familiar no Brasil
segundo Abramovay (2006) devem levar em consideraccedilatildeo que esta eacute constituiacuteda a
partir de trecircs niacuteveis distintos em primeiro lugar eacute necessaacuterio fazer um levantamento das
produccedilotildees cientiacuteficas e pesquisas que envolvem a ldquoexpectativa intelectualrdquo os quais natildeo
podem perder de vista a existecircncia de uma grande diversidade nas formas de produccedilatildeo
da Agricultura Familiar brasileira Haacute uma demanda de questotildees a serem analisadas e
um mapeamento a ser elaborado frente agrave vasta literatura e pesquisas realizadas sobre a
diversidade do universo da Agricultura Familiar considerando as diferentes
experiecircncias dos sujeitos histoacutericos que a vivenciam Somente a partir dessa postura
intelectual seraacute possiacutevel estabelecer uma estimativa da potencialidade econocircmica dos
assentamentos rurais do Brasil
O segundo niacutevel ao qual se refere Abramovay (2006) seria a implantaccedilatildeo
das poliacuteticas puacuteblicas que se intensificaram a partir da criaccedilatildeo do Pronaf inter-
relacionadas com outras poliacuteticas puacuteblicas e programas sociais que contribuiacuteram para a
eficiecircncia dos assentamentos rurais nesse novo modelo de organizaccedilatildeo social no campo
A partir da deacutecada de 1990 as accedilotildees foram intensificadas com a criaccedilatildeo dos projetos de
assentamentos rurais resultantes do Programa de Reforma Agraacuteria do Governo Federal
Natildeo se pode negar que tanto estas como um conjunto de outras poliacuteticas
tiveram um papel fundamental no processo de geraccedilatildeo de diferentes demandas
Surgiram novas oportunidades de reocupaccedilatildeo das terras e de invenccedilatildeo de novas praacuteticas
para milhares de famiacutelias que estavam totalmente desprovidas de capital e dos meios de
produccedilatildeo para garantir a sua reproduccedilatildeo social enquanto agricultores familiares
Outra questatildeo tratada pelo autor estaacute relacionada ao plano social A
Agricultura Familiar no Brasil corresponde ao processo contiacutenuo de aptidatildeo de
elementos que arrastam os ldquoarranjosrdquo dos movimentos sociais e sindicais que tecircm como
princiacutepio de organizaccedilatildeo a luta pela posse da terra visando a afirmaccedilatildeo em que a
ascensatildeo e o desenvolvimento econocircmico de um determinado territoacuterio dar-se-aacute
somente por meio do fortalecimento e da consolidaccedilatildeo da Agricultura Familiar
Tais questotildees demonstram a importacircncia das poliacuteticas puacuteblicas para a
manutenccedilatildeo a reproduccedilatildeo social e o fortalecimento da Agricultura Familiar destacando
173
que essa forma de produccedilatildeo eacute fundamental para o desenvolvimento regional sobretudo
para o fornecimento de alimentos
A eliminaccedilatildeo da Agricultura Familiar eacute uma preocupaccedilatildeo recorrente entre os
teoacutericos da Questatildeo Agraacuteria Ao analisar o processo de expansatildeo da soja em Mato
Grosso Barrozo (2010 p 45) considera que apesar do Estado se destacar como o
celeiro do Brasil sobretudo na produccedilatildeo e exportaccedilatildeo de gratildeos e algodatildeo ldquo[] para
onde iratildeo os milhares de Agricultores Familiares sem capital sem escolarizaccedilatildeo e sem
qualificaccedilatildeo teacutecnicaprofissional que ainda permanecem no campordquo
Algumas reflexotildees e concepccedilotildees apresentadas por Barrozo (2010) e
Abramovay (2006) subsidiaram as anaacutelises relativas agrave compreensatildeo dos problemas que
perpassam a Questatildeo Agraacuteria atual no Brasil e especificamente nos assentamentos
rurais de Vila Rica-MT e dos seus agricultores familiares Diante desse cenaacuterio analisar
as Poliacuteticas Puacuteblicas oriundas de demandas dos movimentos sociais Sindicatos dos
Trabalhadores Rurais e diferentes agentes histoacutericos tornou-se fundamental para
compreender o universo da Agricultura Familiar no municiacutepio de Vila Rica-MT nas
deacutecadas de 1990 a 2010
Esta pesquisa ajudou-nos compreender que os estudos sobre os assentamentos
rurais devem ser problematizados no sentido de se pensar a complexidade do processo
de sua criaccedilatildeo uma vez que eles natildeo foram instituiacutedos apenas enquanto um ato
administrativo do INCRA criando o assentamento rural e selecionando as famiacutelias que
seriam beneficiadas Os assentamentos rurais de Vila Rica-MT resultaram dos conflitos
e demandas sociais envolvendo diferentes atores histoacutericos que lutaram pelo direito de
acesso agrave terra Dos oito assentamentos rurais de Vila Rica apenas um foi planejado
pelo INCRA Todos os demais resultaram da reocupaccedilatildeo espontacircnea da terra pelos
posseiros
Outra questatildeo que nos chamou atenccedilatildeo na pesquisa foi o processo de
transformaccedilatildeo da situaccedilatildeo de posseiros para a de agricultores familiares lembrando que
agricultor familiar eacute uma categoria social instituiacuteda a partir da criaccedilatildeo do Programa de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) Considera-se agricultores familiares as
famiacutelias que trabalham em atividades rurais que natildeo possuem aacutereas acima de que 4
(quatro) moacutedulos fiscais A maioria utiliza matildeo de obra da proacutepria famiacutelia na produccedilatildeo
174
econocircmica do lote detendo um percentual da renda familiar originada de atividades
econocircmicas do seu estabelecimento ou empreendimento (INCRA 2006)
No caso de Vila Rica vaacuterios dos colonos que compraram terra da
Colonizadora Vila Rica-MT sofreram uma transformaccedilatildeo significativa alguns perderam
essa terra e se tornaram posseiros ao ocupar uma nova aacuterea Muitos colonos perderam a
terra porque natildeo conseguiram pagar a diacutevida com o Banco do Brasil contraiacuteda para
financiar a compra dos lotes e instrumentos utilizados nas atividades agriacutecolas A perda
da terra obrigou tais colonos a trabalhar como assalariados sendo que parte deles
ocupou terras na aacuterea dos assentamentos rurais Bom Jesus e Santo Antocircnio do Beleza
regularizada posteriormente pelo INCRA e seus ocupantes se tornaram agricultores
familiares sobretudo ao acessar o Pronaf
Consideramos importante destacar que os assentamentos rurais do municiacutepio
de Vila Rica-MT revelam-se produtivos e promissores do desenvolvimento regional
assumindo um lugar de destaque na economia local sobretudo no que se refere agrave
produccedilatildeo de leite
No mais destaca-se que os assentamentos rurais de Vila Rica e do Araguaia
Mato-grossense satildeo espaccedilos carentes de outras pesquisas e reflexotildees sobre a
importacircncia da Agricultura Familiar no que diz respeito agrave seguranccedila alimentar da aacuterea e
que natildeo foi foco da presente pesquisa
175
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il color 30 cm
Orientador Joatildeo Carlos Barrozo Co-orientador Regina Beatriz Guimaratildees Neto Dissertaccedilatildeo (mestrado) - Universidade Federal de Mato Grosso Instituto de Ciecircncias
Humanas e Sociais Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Cuiabaacute 2016 Inclui bibliografia
1 Histoacuteria 2 Agricultura Familiar 3 Mato Grosso 4 Vila Rica 5 Araguaia I Tiacutetulo
AGRADECIMENTOS
Na realizaccedilatildeo desse trabalho foram muitos os caminhos percorridos muitas
idas e vindas e muitas pessoas encontradas as quais me legaram oacutetimas contribuiccedilotildees
aprendizados e liccedilotildees que foram fundamentais na construccedilatildeo da minha trajetoacuteria
acadecircmica Por isso sou imensamente grata pela a colaboraccedilatildeo direta e indireta dessas
pessoas assim como o apoio das instituiccedilotildees sem as quais certamente eu natildeo teria
conseguido concluiacute-la Manifesto a minha gratidatildeo a todas elas e de forma especial
- Agrave Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) atraveacutes do Programa de
Poacutes Graduaccedilatildeo em Histoacuteria
- Ao meu orientador Professor Joatildeo Carlos Barrozo pela paciecircncia
conhecimento compreensatildeo e amizade na conduccedilatildeo dos trabalhos e na superaccedilatildeo dos
desafios
- Ao professor Joatildeo Ivo Puhl e agrave professora Regina Beatriz (minha co-
orientadora) que participaram das bancas de qualificaccedilatildeo e defesa de dissertaccedilatildeo pelas
importantes contribuiccedilotildees e sugestotildees para melhoria do trabalho
- Aos professores Leandro Rust Renilson Rosa Ribeiro Joanoni Vitale Neto
Joseacute Manuel Marta Osvaldo Machado Filho e a Thaiacutes Leatildeo Oliveira os quais me
possibilitaram boas aprendizagens atraveacutes das disciplinas que ministraram no periacuteodo
em que frequentei as aulas do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria da UFMT
- Aos colegas do mesmo Programa agradeccedilo pelo privileacutegio da convivecircncia
Foi muito bom partilhar conhecimentos e experiecircncias alegrias anguacutestias e materiais
nos ricos debates em sala de aula e tambeacutem nos momentos de descontraccedilatildeo nos
trabalhos em grupo E agradeccedilo em especial agrave Juliana Cristina Rosa uma grande amiga
que o Mestrado me proporcionou Obrigada ldquoJurdquo pelas conversas e pelos trabalhos
produzidos em conjunto
- Agrave Secretaria de Estado de Educaccedilatildeo de Mato Grosso (SeducndashMT) via a
minha unidade de lotaccedilatildeo profissional - Escola Estadual Vila Rica por viabilizar a
minha Licenccedila para a qualificaccedilatildeo profissional
- Aos profissionais da Escola Estadual Vila Rica por compartilharem comigo
os saberes e o exerciacutecio da docecircncia na Educaccedilatildeo Baacutesica Milene Medeiros de Oliveira
Vacircnia Horner Izaildes Cacircndida Aline Flores Raquel Nascimento Franciani
Gaspareto Eduardo Cavalcante Joseacute Adelson Claudete e Deusdeste Vasconcelos
Iraneide Dorcas Diolina Edileusa Maria Joseacute Ceacutelia Maria Vando Cristiana Aragatildeo
Fabiane Rizzardo Iadne Teodoro Wilson Sirino Socorro Gomes Eliezer e os demais
amigos e colegas de trabalho
- Ao Coletivo do Foacuterum Permanente de Debates da Educaccedilatildeo de Jovens e
Adultos ndash Araguaia - Xingu em especial ldquoagraves minhas irmatildes de coraccedilatildeordquo Ceacutelia Ferreira
Edineth Franccedila e Terezinha de Jesus
- Agrave Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat) atraveacutes do Programa
Parceladas e ao Campus Universitaacuterio do Meacutedio Araguaia por permitir que eu
conciliasse as atividades do mestrado com as atividades profissionais
- Aos acadecircmicos do curso de Ciecircncias Sociais- UNEMAT ldquomeus projetos
de cientistas sociaisrdquo sou eternamente grata pelo carinho e apoio que me
proporcionaram A nossa convivecircncia tornou-me uma pessoa melhor
- Aos meus colegas de trabalho da UNEMAT Luis Antonio Barbosa Soares
Neures Batista de Paula Andreacuteia da Silva Feitosa Faacutebio Junio Ribeiro Faacutebio
Bombarda Analucia Ribeiro de Souza Dimas Santana Neves Flaacutevio Luiz de Paula
Jackson Joseacute Carlos de Lima Renata Cristina Diva e Socorro Arauacutejo
- Aos meus familiares (Laura Beatriz Joatildeo Pedro Carlos Augusto Vocirc
Raimundo Abratildeo Edival Edith Elcivam Erivaldo Ivone Lourival Irene Carlos
Pitaacutegoras Dayane Gabriela Milena Sara e Eduardo) E a minha famiacutelia estendida
(Nonato Gracy Edson Flaacutevio Cida Elena Brizola Denilson Lucia Helena e Tunico)
pelo carinho e a solidariedade dedicada aos meus filhos
Aos Agricultores Familiares dos assentamentos rurais (Bom Jesus Satildeo Joseacute
Satildeo Gabriel Ipecirc Itaporatilde do Norte Alvorada Aracati e Santo Antocircnio do Beleza) e aos
movimentos sociais de luta pela terra no Araguaia mato-grossense em especial ao
Sindicato dos Trabalhadores Rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT
Aos meus filhos Laura Beatriz Lima Joatildeo Pedro Lima Bailatildeo e Carlos
Augusto Lima Bailatildeo
Por onde passei plantei a cerca farpada plantei a queimada
Por onde passei plantei a morte matada
Por onde passei matei a tribo calada a roccedila suada a terra esperada
Por onde passei tendo tudo em lei eu plantei o nada
(Pedro Casaldaacuteliga- Confissotildees do latifuacutendio 2006)
RESUMO
Este texto tem como propoacutesito apresentar algumas reflexotildees sobre a formaccedilatildeo dos
assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT atraveacutes da luta pela terra na deacutecada
de 1990 e as posteriores transformaccedilotildees e a na consolidaccedilatildeo da Agricultura Familiar
correlacionada com Poliacuteticas Puacuteblicas como o Pronaf Mas para atingir esse objetivo
foi necessaacuterio analisar como a luta pela terra se deu em todo o espaccedilo do Araguaia
mato-grossense fronteira de expansatildeo nas deacutecadas de 1950 em duas frentes a primeira
foi realizada por empresas colonizadoras que elaboraram projetos e executaram a
construccedilatildeo de cidades e venda das terras dos municiacutepios de Confresa e Vila Rica a
segunda atraveacutes de empresas agropecuaacuterias que se apropriaram de terras e tiveram
acesso agrave incentivos fiscais e recursos de projetos junto agrave Sudam Logo para
compreender como ocorreu a formaccedilatildeo dos assentamentos rurais de Vila Rica-MT foi
preciso analisar a formaccedilatildeo de fazendas e empresas agropecuaacuterias que apoacutes o fim dos
incentivos fiscais se tornaram improdutivas e que seus ldquoproprietaacuteriosrdquo criaram
estrateacutegias de comercializar as terras junto ao INCRA utilizando para isso a forma de
desapropriaccedilatildeo para a formaccedilatildeo de assentamentos rurais Paralelamente os posseiros
em meio agrave luta pela terra adotaram estrateacutegias de reocupaccedilatildeo dessas aacutereas para depois
solicitar junto ao oacutergatildeo competente a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria dos lotes conquistados
Dentro dessa configuraccedilatildeo social o municiacutepio de Vila Rica-MT formou em seu
territoacuterio oito assentamentos rurais dos quais quatro (Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Aracaty e
Ipecirc) tiveram uma anaacutelise mais aprofundada a partir de dados quantitativos coletados
pela Empaer que demonstram algumas tendecircncias sobre as condiccedilotildees de vida renda
produccedilatildeo comercializaccedilatildeo dentre esses posseiros que com a regularizaccedilatildeo da terra e o
acesso ao Pronaf se tornaram agricultores familiares e responsaacuteveis por uma
significativa produccedilatildeo de leite e gado de corte na aacuterea Para compreender toda essa
complexa transformaccedilatildeo foi utilizada fontes documentais e orais que forneceram
elementos para uma anaacutelise sobre esse processo
Palavras-chave Histoacuteria Agricultura Familiar Mato Grosso Vila Rica Araguaia
RESUMEN
Este texto tiene como objetivo presentar un ejercicio de reflexioacuten sobre la formacioacuten de
los Asentamientos Rurales de Vila Rica-MT Estas reflexiones se derivan de una
investigacioacuten en curso denominado reocupacioacuten de tierras en el periacuteodo
contemporaacuteneo en el norte de Araguaia micro-regioacuten en el estado de Mato Grosso
Esta investigacioacuten tuvo como objetivo comprender el proceso de formacioacuten de los
Asentamientos Rurales en el municipio de Vila Rica-MT en el periacuteodo de 1980 a 2015
Habiacutea estudiado la historia de los asentamientos rurales de Vila Rica tambieacuten significa
la comprensioacuten de la historicidad de la lucha por el proceso de la tierra en el estado de
Mato Grosso ya que esta ciudad (Vila Rica) no surge espontaacuteneamente Nacido en un
contexto se produjeron en la regioacuten de Araguaia a la altura del proceso de reocupacioacuten
dos frentes los proyectos agriacutecolas financiados proyectos Sudam y colonizacioacuten
privada lo que dio lugar a la formacioacuten de otros municipios asiacute como Vila Rica como
Confresa Agua Boa y Canarana En este periacuteodo el norte del estado de Mato Grosso
convertido en el objetivo de la inversioacuten de los grupos empresariales del sur y sureste
del paiacutes el estado transferido al sector privado a la funcioacuten para reordenar la nueva
ocupacioacuten de estos espacios A partir de los datos recogidos construir un marco que
permita la identificacioacuten de las diferentes formas de ocupacioacuten y la reocupacioacuten de la
tierra asiacute como los tipos de uso y disentildeo de la funcioacuten de los asentamientos rurales en la
regioacuten de Araguaia Establecer una relacioacuten de este evento con las otras regiones del
estado en relacioacuten con las poliacuteticas de tenencia de la tierra en la ocupacioacuten previa a la
solucioacuten y la presencia de proyectos agriacutecolas la colonizacioacuten privada y asentamientos
rurales El municipio de Vila Rica comenzoacute con los proyectos agriacutecolas luego se
transformoacute en proyecto de colonizacioacuten privada y finalmente creoacute 08 asentamientos
rurales Estos objetivos se exponen en las cadenas de produccioacuten de la regioacuten de los
impactos de las poliacuteticas puacuteblicas implementadas en las deacutecadas 1990-2000 Se hace
hincapieacute en que esta investigacioacuten tambieacuten busca identificar la influencia del Programa
de Fortalecimiento de la Agricultura Familiar (Pronaf) en el desarrollo de los
asentamientos rurales de Villa Rica
Palabras clave Historia reocupacioacuten de tierras en Araguaia Vila Rica-MT
Asentamientos Rurales
LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES
Figura 01 - Mapa de Propaganda da Colonizadora Vila Rica 34
Figura 02 - Folder de propaganda da Colonizadora Vila Rica 38
Figura 03 - Planta ou Protejo Urbaniacutestico da cidade de Vila Rica 40
Figura 04 - Croqui de localizaccedilatildeo das fazendas 53
Figura 05 - Carta do Sindicato dos Trabalhadores de Vila Rica ao INCRA (1990) 69
Figura 06 - Carta da Alemanha 83
Figura 07 - Documento de denuacutencia de ameaccedila de morte de posseiro 86
Figura 08 - Fotografias dos Teacutecnicos da Empaer em visita aos assentamentos rurais 98
Figura 09 - Fotografias da Apresentaccedilatildeo do Programa de Ates 98
Figura 10 - Fotografias de corpos d‟aacutegua e mata ciliar 131
Figura 11- Fotografias das aacutereas de pastagens nos Assentamentos Rurais 132
Figura 12 - Fotografias das Estradas dos Assentamentos Rurais 134
Figura 13 - Croqui do Assentamento Rural Satildeo Joseacute 134
Figura 14 - Croqui do Assentamento Rural Satildeo Gabriel 135
Figura 15 - Croqui do Assentamento Rural Ipecirc 135
Figura 16 - Croqui Assentamento Rural Aracat 136
Figura 17 - Graacutefico com dados da evoluccedilatildeo dos creacuteditos Pronaf 152
Figura 18 - Graacutefico com dados da distribuiccedilatildeo dos creacuteditos Pronaf 152
LISTA DE TABELA
Tabela 1 assentamentos rurais de Vila Rica-MT 66
Tabela 2 Produtos que satildeo destinados a Alimentaccedilatildeo da Famiacutelia 104
Tabela 3 Faixa etaacuteria dos assentados 105
Tabela 4 Escolaridade dos assentados 106
Tabela 5 Presenccedila de energia eleacutetrica nos assentamentos rurais 108
Tabela 6 Fonte de Aacutegua nos assentamentos rurais 109
Tabela 7 Qualidade da aacutegua nos assentamentos rurais 110
Tabela 8 Frequecircncia da realizaccedilatildeo de exames de sauacutede 111
Tabela 9 Acesso aos serviccedilos de sauacutede 111
Tabela 10 Uso do remeacutedio caseiro 112
Tabela 11 Nuacutemero de assentados que declararam morar no assentamento rural 112
Tabela 12 Percentual de participaccedilatildeo da Renda dos assentados 117
Tabela13 Produccedilatildeo agriacutecola (em Kg) 117
Tabela 14 Assentados que praticam Culturas de Subsistecircncia 118
Tabela 15 Tipo de pecuaacuteria explorada por propriedade (famiacutelias) 118
Tabela 16 Frequecircncia do consumo de proteiacutena animal na alimentaccedilatildeo 119
Tabela 17 Dados de produccedilatildeo de leite por nordm de vacas 119
Tabela 18 Nuacutemero de Famiacutelia e Resfriamento do leite 120
Tabela 19 Comercializaccedilatildeo da Produccedilatildeo dos assentamentos 121
Tabela 20 Associativismo no Aracati Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel e Ipecirc 121
Tabela 21 Tipos de preparo do solo por nordm de famiacutelias 124
Tabela 22 Tipos de sementes cultivadas nos assentamentos rurais 124
Tabela 23 Tipos de plantio cultivados nos assentamentos rurais 125
Tabela 24 Tipo de adubaccedilatildeo do solo realizado pelos assentados por famiacutelia 125
Tabela 25 Conservaccedilatildeo do solo (por nuacutemero de Famiacutelias) 126
Tabela 26 Rotaccedilatildeo de Culturas nos assentamentos rurais 126
Tabela 27 Tipo de combate agraves pragas (por nuacutemero de famiacutelias) 127
Tabela 28 Tipo de lavagem triacuteplice de embalagens vazias de agrotoacutexicos 127
Tabela 29 Destino das embalagens de agrotoacutexicos vazias 128
Tabela 30 Tipo de colheita por famiacutelia 128
Tabela 31 Tipo de armazenamento da produccedilatildeo (por nuacutemero de famiacutelia) 129
Tabela 32 Situaccedilatildeo de degradaccedilatildeo de solo nos assentamentos rurais 129
Tabela 33 Existecircncia de nascentes sem proteccedilatildeo (nuacutemero de propriedades) 130
Tabela 34 Existecircncia de degradaccedilatildeo de matas ciliares 130
Tabela 35 Situaccedilatildeo de degradaccedilatildeo das pastagens (por nuacutemero de propriedade) 131
Tabela 36 Uso de fogo no manejo do solo (por propriedade) 132
Tabela 37 Creacutedito Rural - nordm de Famiacutelia 154
Tabela 38 Finalidade do Creacutedito Rural - nordm de Famiacutelias 155
Tabela 39 Tipo de Pronaf por nuacutemero de Famiacutelias 155
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ATER ndash Assistecircncia Teacutecnica e Extensatildeo Rural
Ates ndash Programa de Assessoria Teacutecnica Social e Ambiental agrave Reforma Agraacuteria
Bndes ndash Banco Nacional de Desenvolvimento
CNA ndash Confederaccedilatildeo Nacional da Agricultura
CNBB ndash Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil
CONAB ndash Campanha Nacional de Abastecimento
CONTAG ndash Confederaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores da Agricultura
CPT ndash Comissatildeo Pastoral da Terra
CUT ndash Central Uacutenica dos trabalhadores
DNT ndash Departamento Nacional dos Trabalhadores da CUT
Embrapa ndash Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuaacuteria
Empaer ndash Empresa Mato-Grossense de Pesquisa e Extensatildeo Rural SA
Febraban - Federaccedilatildeo Brasileira de Bancos
Fetag ndash Federaccedilatildeo dos Trabalhadores na Agricultura
Fetraf ndash Federaccedilatildeo dos Trabalhadores e Trabalhadores na Agricultura Familiar
GESTAR ndash Projeto Nacional de Gestatildeo Ambiental Rural
IBGE ndash Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
INCRA ndash Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria
Indea ndash Instituto de Defesa Agropecuaacuteria de Mato Grosso
IPAM ndash Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazocircnia
MAB ndash Movimento dos Atingidos por Barragens
MCP ndash Movimento Camponecircs Popular
MDA ndash Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio
Mercosul ndash Mercado Comum do Sul
MMA ndash Ministeacuterio do Meio Ambiente
MME ndash Ministeacuterio de Minas e Energia
MPA ndash Movimento dos Pequenos Agricultores
MS ndash Ministeacuterio de Sauacutede
MST ndash Movimentos dos Trabalhadores Sem-Terra
OGU ndash Orccedilamento Geral da Uniatildeo
PA ndash Projeto de Assentamento
PAA ndash Programa Nacional de Aquisiccedilatildeo de Alimentos
Pda ndash Plano de Desenvolvimento de Assentamento Rural
PTDRS ndash Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentaacutevel do Territoacuterio Rural
PNAE ndash Programa Nacional de Alimentaccedilatildeo Escolar
PNHR ndash Programa Nacional de Habitaccedilatildeo Rural
PNSIPCF - Poliacutetica Nacional de Sauacutede Integral das Populaccedilotildees do Campo e da Floresta
Pronaf - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Proterra ndash Programa de Redistribuiccedilatildeo de Terras e de Estiacutemulo agrave Agroinduacutestria do
Norte
Provape ndash Programa de Valorizaccedilatildeo da Pequena Produccedilatildeo Rural
Sebrae ndash Serviccedilo Brasileiro de Apoio o Micro e Pequenas Empresas
Senai ndash Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Industrial
Senar ndash Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Rural
Servap ndash Serviccedilo Auxiliares da Agropecuaacuteria
SNCR ndash Sistema Nacional de Credito Rural
STR ndash Sindicato dos Trabalhadores Rurais
Sudam ndash Superintendecircncia de Desenvolvimento da Amazocircnia
SUS ndash Sistema Uacutenico de Sauacutede
UDR ndash Uniatildeo Democraacutetica Ruralista
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 16
1 A QUESTAtildeO AGRAacuteRIA EM MATO GROSSO HISTOacuteRIA OCUPACcedilAtildeO E
REOCUPACcedilAtildeO DO ARAGUAIA MATO-GROSSENSE 24
11 A reocupaccedilatildeo pelas agropecuaacuterias e empresas colonizadoras Anos de 1960 a 1980
27
12 A criaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica-MT 33
121 O papel das instituiccedilotildees e oacutergatildeo puacuteblicos as empresas agropecuaacuterias e a
colonizadora 49
122 A Servap e a abertura das fazendas Promissatildeo Satildeo Marcos Aracatiacute e Porongaba
52
13 Anos de 1980 a 1990 o Araguaia e a formaccedilatildeo dos assentamentos rurais 55
2 MEMOacuteRIAS DA REOCUPACcedilAtildeO HISTORICIZANDO OS
ASSENTSAMENTOS RURAIS DE VILA RICA-MT (1980-2010) 65
21 A transformaccedilatildeo das fazendas agropecuaacuterias em assentamentos rurais atraveacutes da luta
pela terra 65
22 Os assentamentos rurais de Vila Rica ndash MT 71
221 O Assentamento Rural Satildeo Joseacute 73
222 O Assentamento Rural Ipecirc 79
223 O Assentamento Rural Aracati 82
224 O Assentamento Rural Satildeo Gabriel 84
225 O Assentamento Rural Itaporatilde do Norte 86
226 O Assentamento Rural Bom Jesus 87
227 O Assentamento Rural Santo Antocircnio do Beleza 93
228 O Assentamento Rural Alvorada 94
Consideraccedilotildees gerais sobre os assentamentos de Vila Rica-MT 95
3 SITUACcedilAtildeO SOCIOECONOcircMICA DOS ASSENTAMENTOS SAtildeO JOSEacute SAtildeO
GABRIEL IPEcirc E ARACATI (2006-2010) 97
31 Os assentamentos rurais na perspectiva do Projeto de Assessoria Teacutecnica Social e
Ambiental agrave Reforma Agraacuteria ndash Ates 99
32 O perfil dos assentados gecircnero idade e escolaridade 101
321 Diferenciaccedilatildeo de Gecircneros predominacircncia masculina e papel da mulher 102
322 Perfil etaacuterio indicadores de uma populaccedilatildeo envelhecida 104
323 Perfil de escolaridade dos assentados 106
33 As Condiccedilotildees de vida nos assentamentos rurais luz eleacutetrica aacutegua sauacutede moradia e
infraestrutura 107
331 Energia Eleacutetrica 108
332 Aacutegua 108
333 Sauacutede 110
334 Moradia 112
335 Infraestrutura equipamentos e Tecnologias 113
34 A Produccedilatildeo a renda comercializaccedilatildeo e circulaccedilatildeo da Agricultura Familiar 116
341 A renda nos quatro Projetos de assentamentos rurais de Vila Rica-MT 116
342 Atividades Agriacutecolas a produccedilatildeo econocircmica e a de subsistecircncia 117
343 Pecuaacuteria e criaccedilatildeo de pequenos animais 118
344 Comercializaccedilatildeo e Associativismo 120
35 Teacutecnicas e niacutevel tecnoloacutegico dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e
Aracati 123
351 Teacutecnicas de uso do Solo plantio combate de pragas colheita 124
36 A questatildeo ambiental nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT 129
37 Algumas consideraccedilotildees sobre os impactos de poliacuteticas puacuteblicas nos assentamentos
Satildeo Joseacute satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati 133
4 AS POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS NOS ASSENTAMENTOS SAtildeO JOSEacute SAtildeO
GRABRIEL IPEcirc E ARACATI 139
41 O debate sobre o Pronaf 139
42 O papel dos Movimentos sociais na criaccedilatildeo do Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar na deacutecada de 1990 143
43 O Pronaf e seus objetivos 146
44 O Pronaf no Araguaia mato-grossense 148
45 O Pronaf nos assentamentos Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati 154
46 Outras Poliacuteticas Puacuteblicas nos assentamentos Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati 155
461 Programa Luz para todos 156
462 Arco Verde questatildeo ambiental 158
463 Programa Balde Cheio 160
464 Programas de Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional e Teacutecnica do assentado 162
465 Programa de Sauacutede no Campo 167
466 Programa Nacional de Habitaccedilatildeo 169
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 172
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 175
16
INTRODUCcedilAtildeO
Em tempos diversos muitas foram as razotildees que moveram pesquisadores na
aacuterea da histoacuteria a desenvolver estudos em torno de questotildees fundamentais para
compreensatildeo do homem no tempo e suas formas de organizaccedilatildeo as quais se aproximam
e se distanciam no tocante a suas formas de abranger fenocircmenos que circularam em um
ou outro grupo social este ou aquele projeto de sociedade Em suas entranhas as
relaccedilotildees de forccedilas estabelecidas para sua fundaccedilatildeo consolidaccedilatildeo e transformaccedilatildeo
pendulando do individual ao coletivo do solitaacuterio ao solidaacuterio em uma complexa teia
ancorada em seus atores sociais e respectivos projetos de vida O mundo rural apresenta
diversidades e especificidades que igualmente moveram pesquisas e reflexotildees
historiograacuteficas No entanto tratando-se de assentamentos rurais no periacuteodo poacutes 1964
satildeo poucos os estudos historiograacuteficos que abordam esse tipo de organizaccedilatildeo social e
poliacutetica atraveacutes de estudos de caso
Diante dessa carecircncia historiograacutefica sobre a temaacutetica a presente pesquisa
teve por objetivo principal a compreensatildeo da formaccedilatildeo e o processo de
desenvolvimento dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT A partir
desse estudo foi possiacutevel identificar que a luta pela terra implementada pelos atores
sociais na condiccedilatildeo de colonos posseiros atrelada agrave regularizaccedilatildeo fundiaacuteria e ao acesso
agraves poliacuteticas puacuteblicas como eacute o caso do Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (Pronaf) possibilitou a transformaccedilatildeo dos mesmos em agricultores
familiares
Para tanto foi problematizado o papel e a atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees e oacutergatildeos
puacuteblicos como o Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (INCRA) o
Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio (MDA) o Banco do Brasil (BB) a Empresa
Mato-grossense de Pesquisa e Extensatildeo Rural SA (Empaer) e a Prefeitura Municipal de
Vila Rica aleacutem de movimentos sociais da sociedade civil como o Sindicato dos
Trabalhadores Rurais (STR) de Vila Rica-MT dada a importacircncia do seu envolvimento
Destacamos em particular a Comissatildeo Pastoral da Terra (CPT) a Prelazia de Satildeo Feacutelix
do Araguaia o Sindicato dos Trabalhadores Rurais e as Associaccedilotildees de Pequenos
Produtores Rurais Consideramos que para intensificar a anaacutelise foi necessaacuterio abordar
as accedilotildees e estrateacutegias dos atores sociais envolvidos na luta pela terra especialmente nos
17
momentos de adaptaccedilatildeo ou utilizaccedilatildeo de tais oacutergatildeos e instituiccedilotildees para cumprir seus
objetivos o acesso e a permanecircncia na terra
Natildeo temos a pretensatildeo de esgotar o assunto tampouco construir teses
aligeiradas sobre as comunidades e grupos sociais formados no municiacutepio de Vila Rica-
MT mas sim na trilha da anaacutelise soacutecio-histoacuterica compreender a formaccedilatildeo e o processo
de desenvolvimento dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT
problematizando o papel e a atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees e entidades da sociedade civil
aleacutem dos oacutergatildeos puacuteblicos
Gostariacuteamos de esclarecer que as anaacutelises partem de uma posiccedilatildeo social de
moradora educadora e participante de movimentos sociais do Araguaia O
conhecimento empiacuterico dos problemas locais permitiu a formulaccedilatildeo de questotildees
fundamentadas em aspectos pouco estudados assim como perceber a necessidade de a
populaccedilatildeo formular reflexotildees sobre os assentamentos rurais e a Agricultura Familiar
num contexto onde existe um evidente avanccedilo da agricultura moderna e do agronegoacutecio
Com base em algumas experiecircncias vividas elaboramos questotildees
consideradas como significativas para problematizar as condiccedilotildees e circunstacircncias sob
as quais se deram a formaccedilatildeo e a consolidaccedilatildeo dos assentamentos rurais em Vila Rica-
MT As questotildees norteadoras foram Como ocorreu o processo de formaccedilatildeo dos
assentamentos rurais no municiacutepio de Vila Rica-MT Quais foram as estrateacutegias de
resistecircncia e articulaccedilatildeo utilizadas nas lutas pela terra pelos ldquoposseirosrdquo no processo de
formaccedilatildeo desses assentamentos rurais Como os posseiros se transformaram em
agricultores familiares e qual foi o papel do Pronaf nesse processo Quais satildeo as outras
Poliacuteticas Puacuteblicas adotadas que contribuiacuteram para a permanecircncia desses atores sociais
na terra
A partir dessas questotildees adotamos diferentes procedimentos metodoloacutegicos
tendo por base o uso de fontes escritas imageacuteticas e orais Primeiramente se buscou
fontes que permitissem analisar a atuaccedilatildeo da Associaccedilatildeo Sindical dos Posseiros
(Sindicato dos Trabalhadores Rurais) e da Conferecircncia Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB) via CPT da circunscriccedilatildeo eclesiaacutestica ndash Prelazia de Satildeo Feacutelix do Araguaia os
quais foram fundamentais na intermediaccedilatildeo com os oacutergatildeos puacuteblicos na defesa da vida e
do projeto dos ldquoposseirosrdquo pois aleacutem de fazer frente aos conflitos e ameaccedilas de morte
vivenciada na luta pela terra empreenderam accedilotildees poliacutetica em defesa da proposta de
18
Reforma Agraacuteria Eis a razatildeo pela qual dedicamos esforccedilos no sentido de analisar como
tais entidades articularam mobilizaccedilotildees e empreenderam accedilotildees para que os
trabalhadores rurais pudessem pleitear e conquistar as condiccedilotildees necessaacuterias para a
sobrevivecircncia e o fortalecimento dos assentamentos rurais
Ressaltamos que os contextos e as fontes utilizadas para a construccedilatildeo desta
narrativa histoacuterica pautada no processo de implantaccedilatildeo dos assentamentos rurais satildeo
muacuteltiplas dada a complexidade dos elementos narrativos muitos dos quais satildeo
divergentes e ateacute mesmo contraditoacuterios Tal constataccedilatildeo se deve ao envolvimento de
atores histoacutericos com diferentes concepccedilotildees relativas agrave funccedilatildeo e aos modos de usos da
terra uma vez que os ldquoposseirosrdquo tecircm diferenciaccedilotildees sociais entre si e os objetivos da
posse da terra natildeo satildeo uacutenicos podendo ser tanto o uso da terra para ldquomorar e plantarrdquo
dentro da concepccedilatildeo claacutessica da Conferecircncia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
quanto para apenas morar e criar gado sem produccedilatildeo agriacutecola ou apenas morar e
trabalhar fora da aacuterea da posse Em casos mais extremos o posseiro aluga ou ldquovende o
direitordquo do lote conquistado mas esse fato natildeo pode ser analisado de forma mecacircnica
sem problematizaccedilatildeo nos interessa tambeacutem compreender o que faz com que um
posseiro natildeo permaneccedila na terra
Diante dessa situaccedilatildeo satildeo muacuteltiplas as respostas desde a simples intenccedilatildeo de
comercializaccedilatildeo e especulaccedilatildeo fundiaacuteria como a falta de Poliacuteticas Puacuteblicas e de boas
condiccedilotildees de educaccedilatildeo e qualidade de vida Tais explicaccedilotildees atreladas a outras
motivaccedilotildees resultam num constante esvaziamento da populaccedilatildeo jovem das aacutereas rurais
em busca de educaccedilatildeo trabalho e oportunidades nos centros urbanos Tambeacutem a
populaccedilatildeo envelhecida deixa os assentamentos em busca de assistecircncia na aacuterea de sauacutede
e cuidados oferecidos pela famiacutelia Toda essa situaccedilatildeo complexa explica os elementos
fundamentais para entender a falta de sucessatildeo familiar e o envelhecimento da
populaccedilatildeo rural sobretudo em aacutereas de assentamentos
Tendo em vista a temaacutetica de permanecircncia na terra as entrevistas permitiram
compreender o motivo de os posseiros comercializarem ou natildeo suas terras e de fazer
diferentes usos dela tanto para a agricultura quanto para a pecuaacuteria
Tambeacutem na formaccedilatildeo dos assentamentos rurais diferentes concepccedilotildees
aparecem nas anaacutelises das fontes orais obtidas em entrevistas com os primeiros
moradores e o colonizador de Vila Rica-MT que trouxe a memoacuteria e a narrativa oficial
19
sobre a criaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo do municiacutepio Consideramos como narrativa oficial a
produccedilatildeo de livros panfletos informaccedilotildees de sites da Prefeitura Municipal que em
geral satildeo utilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) Cidades
aleacutem de material publicitaacuterio produzido em datas comemorativas onde satildeo exaltadas as
figuras dos ldquopioneirosrdquo e ldquoempreendedoresrdquo
Por outro lado para ampliar o diaacutelogo obtivemos os relatos orais de
assentados posseiros agricultores familiares e representantes de instituiccedilotildees de
entidades da sociedade civil e dos movimentos sociais os quais foram analisados em
conjunto com a bibliografia sobre a Questatildeo Agraacuteria e reocupaccedilatildeo do Araguaia aleacutem da
utilizaccedilatildeo de fontes escritas e imageacuteticas mas tambeacutem de dados oficiais que nos
possibilitaram a compreensatildeo de maneira ampliada das circunstacircncias de produccedilatildeo
histoacuterica de um grupo social diferenciado das terras do Araguaia
Tecendo a narrativa consideramos que o estudo sobre a formaccedilatildeo dos
assentamentos rurais de Vila Rica-MT pode ser analisado na produccedilatildeo historiograacutefica
de micro-historiadores onde se exige ldquo[] um trabalho de contextualizaccedilatildeo muacuteltipla em
que cada ator histoacuterico participa de maneira proacutexima ou distante de processos ndash e de
niacuteveis variaacuteveis do mais local ao mais globalrdquo conforme Revel (1998 p 28) o qual
rompe com a dicotomia entre a histoacuteria local e a histoacuteria global entendendo que a
experiecircncia de um agente social de um grupo de um espaccedilo particular permite perceber
uma modulaccedilatildeo especiacutefica da histoacuteria global
Nossa narrativa possibilita refletir sobre o ofiacutecio do historiador tomando
como referecircncia a importacircncia dos discursos construiacutedos a partir do objeto em estudo
Sobretudo no que tange aos artifiacutecios utilizados para a produccedilatildeo de anaacutelises das fontes
Escreve Bloch (2002 p 68) ldquo[] uma ciecircncia natildeo se define apenas por seu objeto
Seus limites podem ser fixados tambeacutem pela natureza proacutepria dos seus meacutetodosrdquo
Nesse particular Moraes (2000) e Guimaratildees Neto (2014) alertam sobre a
necessidade de articular as fontes orais com sua competecircncia e habilidade
reorganizando os conceitos que serviratildeo de subsiacutedios agrave construccedilatildeo das anaacutelises a partir
da leitura e do cruzamento com outras tipologias de fontes
Portanto as fontes natildeo satildeo tratadas aqui como mananciais de ldquoverdaderdquo uma
vez que tomadas como fragmentos do acontecimento e enquanto resultado de memoacuterias
e narrativas sujeitas agrave seleccedilatildeo fragmentaccedilatildeo silenciamentos e esquecimentos As
20
concepccedilotildees trazidas por Pollak (1990) e Ricoeur (2007) implicam em serem avaliadas
e inseridas na conjuntura que gera a produccedilatildeo de sentidos e significados para a
historiografia
Ao privilegiar a analise dos excluiacutedos dos marginalizados e das
minorias a histoacuteria oral ressaltou a importacircncia de memoacuterias
subterracircneas que como parte integrante das culturas
minoritaacuterias e dominadas se opotildeem agrave Memoacuteria oficial no
caso a memoacuteria nacional Num primeiro momento essa
abordagem faz da empatia com os grupos dominados estudados
uma regra metodoloacutegica e reabilita a periferia e a
marginalidade [] A memoacuteria entra em disputa Os objetos de
pesquisa satildeo escolhidos de preferecircncia onde existe conflito e
competiccedilatildeo entre memoacuterias concorrentes (POLLAK 1989 p
3)
Com base nessa problematizaccedilatildeo sobre a Histoacuteria Oral e sua opccedilatildeo
metodoloacutegica e poliacutetica natildeo perdemos de vista que essa perspectiva eacute uma oposiccedilatildeo
agravequela produccedilatildeo historiograacutefica sobretudo a partir do Seacuteculo XIX quando se concebeu
a histoacuteria como a ciecircncia que estuda o passado que investiga os acontecimentos
longiacutenquos da contemporaneidade de forma que natildeo haja testemunhas vivas que
tenham vivenciado os acontecimentos Poreacutem a percepccedilatildeo da histoacuteria enquanto a
ciecircncia que ldquoestuda o passado para entender o presenterdquo permaneceu de forma muito
viva no entendimento social tornando problemaacutetica a anaacutelise do tempo presente como
objeto de estudo do historiador sob a oacutetica da historiografia e da proacutepria sociedade
contemporacircnea
Aproximamos nossas reflexotildees da anaacutelise de acontecimentos do presente ou
bem proacuteximas a este por entender que a proximidade natildeo produz quaisquer
impedimentos quanto agraves anaacutelises no acircmbito da ciecircncia histoacuterica Mesmo que essas
questotildees jaacute tenham algumas deacutecadas de discussotildees no Brasil tais estudos ainda satildeo
muito recentes carecendo de definiccedilotildees mais consistentes que possam do ponto de
visto teoacuterico e metodoloacutegico responder algumas perguntas que se apresentam quanto agrave
validade deste marco temporal da historiografia denominada como histoacuteria do tempo
presente
Segundo Guimaratildees Neto (2014 p 35) vaacuterios historiadores apresentam
significados complexos em relaccedilatildeo agrave questatildeo do tempo presente com destaque para
Koselleck (2006) que assegura que esse conceito tem sofrido alteraccedilotildees ao longo do
21
tempo ldquo[] Contrariamente agraves pretensotildees generalizadoras e naturalizaccedilotildees de toda
sorte a denominaccedilatildeo bdquotempo presente‟ nos escapa entre os dedos e eacute de difiacutecil
apreensatildeordquo Tal denominaccedilatildeo se transforma troca de conteuacutedo experimenta novas
formas de ldquoser presenterdquo Agrave luz da interpretaccedilatildeo de Guimaratildees Neto eacute possiacutevel afirmar
que a circulaccedilatildeo entre os novos e os velhos significados produz a ldquoconcreccedilatildeo e a
materializaccedilatildeo de um conceito novordquo (GUIMARAtildeES NETO 2014 p 35)
Todavia somos convidados a problematizar o que seria uma histoacuteria do
tempo presente suas peculiaridades especificidades limites e contribuiccedilotildees Nessa
acepccedilatildeo Guimaratildees Neto (2014 p 37) pondera ainda que
Situados cada vez mais no acircmbito desse debate muitos
historiadores operam com uma concepccedilatildeo de passado que natildeo
se situa ldquofora do presenterdquo na perspectiva pensada por
Koselleck ao afirmar que todas as histoacuterias satildeo histoacuterias do
tempo presente (vistas no presente que se dissolve eou no
presente que condensa) entendendo que isso tambeacutem
significa imprimir uma dimensatildeo mais dilatada agrave histoacuteria do
tempo presente A discussatildeo historiograacutefica que contempla as
interseccedilotildees metodoloacutegicas dessa problemaacutetica natildeo se ateacutem
apenas agrave noccedilatildeo da presenccedila incorporada do futuropassado no
presente Mas remete agrave reflexatildeo acerca das relaccedilotildees que se
estabelecem entre presente e futuro presente e passado e
especialmente ldquocomordquo essas proacuteprias relaccedilotildees se constituem
As relaccedilotildees suscitadas por todo esse conjunto de anaacutelises levam
tambeacutem a debater uma concepccedilatildeo de contemporaneidade
avaliando- a na perspectiva do entrelaccedilamento que se deve
estabelecer entre as dimensotildees sincrocircnica e diacrocircnica do tempo
histoacuterico
Ao tomarmos o vieacutes explicativo de um fenocircmeno presente analisando uma
sociedade viva os processos de organizaccedilatildeo dos assentamentos rurais no municiacutepio de
Vila Rica-MT e as relaccedilotildees estabelecidas com os sindicatos e demais organizaccedilotildees
sociais puacuteblicas e privadas pensamos corroborar com a produccedilatildeo da profissatildeo do
historiador um tempo intercalado de relaccedilotildees passado-presente pautando com os
rigores necessaacuterios na anaacutelise dos documentos histoacutericos como fonte
Em relaccedilatildeo agrave definiccedilatildeo de fonte histoacuterica pontuamos a concepccedilatildeo contida em
Silva amp Silva (2009 p 158)
[] o termo mais claacutessico para conceituar a fonte histoacuterica eacute
documento Palavra no entanto que devido agraves concepccedilotildees da
escola metoacutedica ou positivista estaacute atrelada a uma gama de
22
ideias preconcebidas significando natildeo apenas o registro escrito
mas principalmente o registro oficial
Igualmente afianccedilamos no presente trabalho a busca pela ampliaccedilatildeo das
lentes historiograacuteficas sobre os documentos bem como dos atores sociais visto que natildeo
mais limitado ao citadino mas agora revelando os assentamentos rurais e sua
organizaccedilatildeo condiccedilotildees de vida razotildees de luta ateacute entatildeo ignorados pelas paacuteginas dos
anais oficiais do natildeo dito invisiacutevel tornando visiacutevel verificaacutevel analisaacutevel e
mensuraacutevel
[] O alargamento daquilo que se entendia como documento
ocorreu de maneira qualitativa e quantitativa segundo nos
aponta Le Goff 1984 A memoacuteria coletiva e a histoacuteria passaram
a natildeo cristalizar o seu interesse apenas nos grandes homens nos
grandes acontecimentos na histoacuteria poliacutetica diplomaacutetica e
militar Todos os homens tornaram-se interesse da histoacuteria os
documentos foram ampliados a capacidade de trabalho e o
espiacuterito do historiador foram inovados (BARROS 2013 p 1)
A partir dessa problematizaccedilatildeo teoacuterica e metodoloacutegica foi possiacutevel situar o
objeto desta pesquisa dentro do escopo da histoacuteria do tempo presente Conforme
Delgado e Ferreira (2014 p10-11) a ldquoquestatildeo da terra e das poliacuteticas fundiaacuteriardquo
constituem objeto legiacutetimo dessa perspectiva Ademais destacando a posiccedilatildeo de
Guimaratildees Neto (2014) reforccedilamos que o foco analiacutetico satildeo os ldquoconflitos referentes agrave
questatildeo da terra e das poliacuteticas governamentais em especial as fundiaacuteriasrdquo
Adotando essa perspectiva analiacutetica as questotildees foram levantadas e
analisadas ao longo de quatro capiacutetulos sendo que o primeiro teve como objetivo
apresentar uma discussatildeo sobre a Questatildeo Agraacuteria em Mato Grosso sobretudo no
espaccedilo do Araguaia construiacutedo atraveacutes das pesquisas jaacute existentes inseridas no marco
temporal das deacutecadas de 1960 e 1970 Destacamos as caracteriacutesticas do processo de
reocupaccedilatildeo1 pelas agropecuaacuterias e colonizadoras e nas deacutecadas de 1980 a 1990 quando
nesse espaccedilo se constituiacuteram e se formaram os assentamentos rurais Ademais foi
analisado o processo de colonizaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica-MT
1 A concepccedilatildeo de Reocupaccedilatildeo embute uma concepccedilatildeo de que um determinado territoacuterio ou terra
natildeo era um espaccedilo vazio no qual havia presenccedila de povos tradicionais (indiacutegenas ribeirinhos
sertanejos seringueiros quilombolas) posseiros Na presente pesquisa usaremos e
problematizaremos essa noccedilatildeo de modo mais elaborado no primeiro capiacutetulo
23
O segundo capiacutetulo trata das configuraccedilotildees e modos de uso poliacutetico dos
espaccedilos na formaccedilatildeo dos assentamentos rurais bem como a luta pela regularizaccedilatildeo
fundiaacuteria dos 8 (oito) assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT
O terceiro capiacutetulo analisa os aspectos socioeconocircmicos da Agricultura
Familiar em Vila Rica-MT a partir dos resultados de uma pesquisa desenvolvida pela
Empaer (2009) junto aos assentamentos rurais de Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati
Tal pesquisa teve como objetivo principal explicar a realizaccedilatildeo dos Planos de
Desenvolvimento dos assentamentos rurais via projeto implementado pelo INCRA
E por fim no quarto capiacutetulo fizemos uma apresentaccedilatildeo das principais
Poliacuteticas Puacuteblicas integradas ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar como eacute o caso dos Programas Luz para Todos Arco Verde Balde Cheio
Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional e Teacutecnica do Assentado Sauacutede e Habitaccedilatildeo Rural
Trata-se tambeacutem do papel dos movimentos sociais do campo na implementaccedilatildeo dessas
poliacuteticas puacuteblicas frente agrave necessidade de serem criadas condiccedilotildees baacutesicas para a
permanecircncia dos agricultores familiares no campo uma vez que os assentamentos rurais
natildeo se formaram apenas pelo ato de regularizaccedilatildeo e acesso ao sistema de creacutedito
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1 A QUESTAtildeO AGRAacuteRIA EM MATO GROSSO HISTOacuteRIA MEMORIAS
OCUPACcedilAtildeO E REOCUPACcedilAtildeO DO ARAGUAIA MATO-GROSSENSE
A proposta deste capiacutetulo inicial eacute fazer uma reconstituiccedilatildeo do processo de
reocupaccedilatildeo a partir da deacutecada de 1970 do espaccedilo Araguaia mato-grossense
denominado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) como
ldquomicrorregiatildeo Norte Araguaia do Estado de Mato Grossordquo Fazem parte desta
microrregiatildeo os municiacutepios de Bom Jesus do Araguaia Confresa Serra Nova Dourada
Novo Santo Antocircnio Alto da Boa Vista Satildeo Felix do Araguaia Luciara Ribeiratildeo
Cascalheira Santa Terezinha Vila Rica- MT Porto Alegre do Norte Canabrava Satildeo
Joseacute do Xingu e Santa Cruz do Xingu
No entanto eacute importante ressaltar que a denominaccedilatildeo ldquomicrorregiatildeo Norte
Araguaiardquo utilizada ao longo do texto possui complicadores em sua concepccedilatildeo ligada agrave
ideia de regiatildeo Eacute sabido que a definiccedilatildeo de regiatildeo concebida pelo IBGE eacute uma
imposiccedilatildeo de delimitaccedilatildeo juriacutedico-administrativa a qual conforme Bourdieu (2008) por
ter sido construiacuteda por meio do uso do Poder Estatal atribuiu uma visatildeo social atraveacutes
da divisatildeo e construccedilatildeo da unidade e da identidade entre os grupos Natildeo se constituiu
numa demarcaccedilatildeo com base em criteacuterios de homogeneidade da natureza de forma que
sejam respeitadas as diversidades e especificidades de grupos culturais
Albuquerque Juacutenior (2008) chama a atenccedilatildeo pela pouca importacircncia dada agrave
discussatildeo e compreensatildeo dos espaccedilos no desenvolvimento de estudos de cunho
historiograacutefico onde a regiatildeo passa a existir como um fenocircmeno da realidade que natildeo
carece de anaacutelises ou de problematizaccedilatildeo Ou seja natildeo haacute preocupaccedilatildeo com a
construccedilatildeo histoacuterica da concepccedilatildeo da regiatildeo que eacute analisada ldquo[] ora como um recorte
dado pela natureza ora como um recorte poliacutetico-administrativo ora como um recorte
cultural mas que parece natildeo ser fruto de um dado processo histoacutericordquo
(ALBUQUERQUE JUacuteNIOR 2008 p 57) Logo a regiatildeo eacute tida apenas como um
fenocircmeno precedente ldquoretalhordquo do espaccedilo constituiacutedo naturalmente um paracircmetro de
construccedilatildeo de identidade existente por si soacute
Problematizando a noccedilatildeo de regiatildeo delimitada por fronteiras juriacutedico-
administrativas Bourdieu (2008 p 115) afirma
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A fronteira esse produto de um ato juriacutedico de delimitaccedilatildeo
produz a diferenccedila cultural do mesmo modo que eacute produto
desta basta pensar na accedilatildeo do sistema escolar em mateacuteria de
liacutengua para ver que a vontade poliacutetica pode desfazer o que a
histoacuteria tinha feito
Assim o autor problematiza o conceito de regiatildeo atraveacutes da diversidade da
liacutengua quando muitas vezes as delimitaccedilotildees satildeo estabelecidas sem levar em
consideraccedilatildeo as diferenccedilas culturais dos grupos eacutetnicos que convivem em um espaccedilo
uacutenico Um exemplo eacute a delimitaccedilatildeo territorial dos Estados Naccedilatildeo que como na Itaacutelia e
Alemanha englobam dentro de um mesmo territoacuterio considerado ldquohomogecircneo
culturalmenterdquo atraveacutes de uma liacutengua com diferentes leacutexicos e dialetos Eacute sabido que
atraveacutes da linguagem se reforccedila fixa e viabiliza os elementos de controle impostos
pelas classes dominantes uma vez que nem os proacuteprios intelectuais satildeo neutros em
produccedilotildees jaacute que estatildeo agindo dentro de um padratildeo que atende ou contraria interesses
dos grupos que exercem o poder na sociedade
Bourdieu (2008) afirma que os diferentes saberes satildeo produzidos sob o efeito
das relaccedilotildees de poder onde as disputas entre as ciecircncias pelo direito de qualificar a
regiatildeo satildeo ao mesmo tempo uma forma de disputa pelo poder Na concepccedilatildeo do autor
regiatildeo eacute uma construccedilatildeo simboacutelica resultante das disputas de diferentes aacutereas do
conhecimento pelo poder na definiccedilatildeo dos limites e sentidos a serem conferidos a uma
regiatildeo Ainda de acordo com Bourdieu (2008) a regiatildeo enquanto objeto de estudo eacute
constituiacuteda por um intenso debate que coloca em oposiccedilatildeo geoacutegrafos economistas
etnoacutelogos socioacutelogos e historiadores Essas categorias constituiacutedas no campo da ciecircncia
querem cada uma ao seu modo atribuir criteacuterios para delimitar uma regiatildeo
Portanto podemos dizer que esses debates existentes em torno da concepccedilatildeo
de regiatildeo tecircm oferecido subsiacutedio importante para a historiografia construir uma noccedilatildeo
de regiatildeo embora sinalizem para o sentido da inexistecircncia de consenso Ainda segundo
Bourdieu (2012) eacute nas relaccedilotildees de poder estabelecidas na sociedade a partir do plano
econocircmico que se formam as definiccedilotildees e delimitaccedilotildees de fronteiras que
evidentemente satildeo construiacutedas utilizando tambeacutem o poder simboacutelico como a proacutepria
noccedilatildeo de regiatildeo
Albuquerque Juacutenior (208 p 61) pondera que
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A regiatildeo eacute ao mesmo tempo um dispositivo de forccedila e saberes
que aparece como externo aos sujeitos que a eles se impotildee de
fora que os limita e ateacute cerceia Eacute uma estrutura no sentido levi-
straussiano um mito que eacute vivido praticado e materializado
uma narrativa que se encarna o que acostumamos chamar de
interior dos sujeitos A regiatildeo eacute uma dobra do social que vem
constituir as subjetividades regionalistas em sua investigaccedilatildeo A
regiatildeo eacute tambeacutem modo de pensar modos de querer modos de
falar modos de gostar modos de preferir modos de amar
modos de desejar modos de mar modos de desejar modos de
olhar de escutar de cheirar de sentir sabor e de sentir dor A
regiatildeo de se expressa em jeitos de corpos em gestos em modos
de vestir de alimentar de beber de danccedila de se pocircr de peacute ou de
sentar A regiatildeo ao ser subjetivada ao ser encarnada ela
conformaraacute os corpos e os processos subjetivos
Compreender os diferentes significados e sentidos em relaccedilatildeo aos usos do
espaccedilo significa tambeacutem compreender o papel dos diferentes sujeitos no vieacutes da
historiografia seguindo a concepccedilatildeo de Certeau (2000) segundo o qual ao produzir a
historiografia o pesquisador estabelece seus criteacuterios de escolha os quais remetem
sempre aos diferentes contextos onde estaacute inserido sejam eles no acircmbito social cultural
ou econocircmico e tambeacutem ao proacuteprio interesse do pesquisador pois eacute ele quem escolhe o
que teraacute visibilidade e o que seraacute oculto no texto historiograacutefico
Ainda de acordo com o mesmo autor eacute possiacutevel acreditar que natildeo haacute
neutralidade na escrita historiograacutefica na medida em que sempre haveraacute o peso da
posiccedilatildeo do sujeito vinculado agrave instituiccedilatildeo e o lugar social e cultural ocupado pelo
indiviacuteduo porque a produccedilatildeo da escrita natildeo eacute algo individualizado mas sim constituiacutedo
na coletividade
Dessa forma a ideia construiacuteda acerca do texto historiograacutefico eacute resultado das
escolhas de quem a produz e estatildeo articuladas ao meio social econocircmico e cultural em
que se insere o pesquisador Logo a intenccedilatildeo da pesquisa nasce do desejo de descobrir
o que natildeo estaacute compreendido eacute a busca das indagaccedilotildees intrinsecamente vinculadas agrave
proacutepria trajetoacuteria de vida e no fazer acadecircmico do sujeito pesquisador (CERTEAU
2000)
Diante dessa problematizaccedilatildeo sobre o uso do conceito de regiatildeo e sua relaccedilatildeo
com a condiccedilatildeo de produccedilatildeo em que estaacute inserido o sujeito pesquisador fica evidente
que a ldquomicrorregiatildeordquo Norte Araguaia eacute uma visatildeo simplista e homogeneizadora que
natildeo evidencia as diferenccedilas naturais sociais e culturais existentes nesse espaccedilo O uso
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indiscriminado de Regiatildeo Araguaia leva a noccedilotildees preconceituosas como a expressatildeo
utilizada por poliacuteticos e moradores de que se trata do ldquoVale dos Esquecidosrdquo
Ressalta-se que estudar a histoacuteria de Vila Rica-MT significa tambeacutem
compreender parte da histoacuteria do estado de Mato Grosso pois este municiacutepio natildeo surgiu
enquanto fenocircmeno isolado mas foi formado em um contexto ocorrido no Araguaia no
auge do processo de reocupaccedilatildeo de terras que se deu por duas frentes a primeira a dos
projetos agropecuaacuterios financiados pela Superintendecircncia de Desenvolvimento da
Amazocircnia (Sudam) e a segunda dos projetos de colonizaccedilatildeo privada que resultaram na
formaccedilatildeo dos municiacutepios de Confresa Vila Rica Aacutegua Boa e Canarana
Justamente por essa razatildeo a expressatildeo reocupaccedilatildeo da terra eacute recorrente no
presente texto A formaccedilatildeo de cidades natildeo resulta de algo natural ou um projeto de
ocupaccedilatildeo de terras ldquovaziasrdquo Para marcar a leitura que fazemos sobre o Araguaia eacute
preciso consideraacute-lo como um territoacuterio que jaacute estava ocupado por povos indiacutegenas
ribeirinhos ou sertanejos que viviam no espaccedilo anteriormente ao processo de
implantaccedilatildeo das poliacuteticas de desenvolvimento da Amazocircnia e a concretizaccedilatildeo dessas
duas frentes sobretudo na deacutecada de 1970
11 A reocupaccedilatildeo pelas agropecuaacuterias e empresas colonizadoras Anos de 1960 a
1980
Nas deacutecadas de 1960 a 1980 o norte do estado de Mato Grosso considerado
parte da ldquoAmazocircnia Legalrdquo tornou-se alvo de investimentos de grupos empresariais do
Sul e Sudeste do Brasil Os Governos de Mato Grosso desde a deacutecada de 1960
passaram a comercializar terras ldquotidas como devolutasrdquo como importante fonte de
arrecadaccedilatildeo para o Estado Neste contexto Mato Grosso seguindo a normativa do
Estatuto da Terra repassou para a iniciativa privada a funccedilatildeo de reordenar a ocupaccedilatildeo
destes espaccedilos atraveacutes da colonizaccedilatildeo privada2 Sobre a questatildeo Guimaratildees Neto
(2002 p 20) afirma que
2 Sobre este assunto ver GUIMARAtildeES NETO Regina Beatriz A Lenda do Ouro Verde Poliacutetica
de colonizaccedilatildeo no Brasil contemporacircneo Cuiabaacute UNICEN 2002
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[] as empresas agropecuaacuterias comandadas em grande parte
por multinacionais [] jaacute vinham dominando este espaccedilo
especialmente apoacutes meados do seacuteculo vinte quando
intensificaram seu poder de accedilatildeo Eacute no acircmbito dessa experiecircncia
histoacuterica que se deve procurar estudar os projetos de
colonizaccedilatildeo Representam iniciativas e estrateacutegias de controle
ao acesso a terra e ao mercado de matildeo de obra
Assim estas duas frentes de reocupaccedilatildeo ldquo[] representam iniciativas e
estrateacutegias de controle ao acesso da terra e ao mercado de matildeo de obrardquo (GUIMARAES
NETO 2002 p 20) em que o Estado e os empresaacuterios atuaram muito mais no
propoacutesito da especulaccedilatildeo imobiliaacuteria do que na viabilizaccedilatildeo de terras para centenas de
famiacutelias que migraram para a Amazocircnia Legal
Vale lembrar que durante o periacuteodo dos Governos Militares foi construiacuteda
uma ldquohistoacuteria oficialrdquo acerca do processo de ocupaccedilatildeo da Amazocircnia que
gradativamente foi questionada e revisada atraveacutes de diferentes narrativas construiacutedas a
partir da memoacuteria dos agentes histoacutericos que vivenciaram aquele processo
Consideramos importante registrar nos estudos cujo foco eacute o processo de
reocupaccedilatildeo da terra no Araguaia as perspectivas dos diferentes grupos e movimentos
sociais responsaacuteveis pela reocupaccedilatildeo desse espaccedilo considerando a memoacuteria daqueles
que migraram de diferentes regiotildees do paiacutes sobretudo do Sul e Sudeste perseguindo o
sonho de adquirir uma aacuterea de terra Um exemplo dessas narrativas com base na
memoacuteria das pessoas pode ser ilustrado nesse trecho do relato de uma das moradoras de
Vila Rica-MT
Quando eu cheguei aqui em Vila Rica-MT estranhei de tudo
um pouco Desde a comida [] Ih Nossa Senhora as falas
deles trem As gurias foram pra rua as gurias saiacuteram foram
pra rua O que eacute isso Rua laacute no Sul isso natildeo se fala E os
trem trem eacute um trem que puxa vagatildeo e aqui tudo que eacute coisa eacute
trem Hoje a gente estaacute acostumada com as comidas tambeacutem
aqui era diferente de laacute [] quando eu cheguei aqui a vila
estava super suja Colonial tudo tudo Lixo no meio da rua ali
no meio onde tem a grama e os coqueirinhos aquilo laacute era lixo
natildeo dava pra olhar de um lado pra outro Nossa mas era suja
demais a rua As propagandas ih Eles passavam slides
mostravam como era aqui em Vila Rica-MT da cidade das
roccedilas das lavouras das plantaccedilotildees de soja milho []
(ENTREVISTA com Izode Baoacute realizada por Acircngela Martini
Vila Rica-MT 4 de marccedilo de 2001)
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Novas abordagens da historiografia que possibilitam o uso de novas fontes
entre elas as orais permitiram anaacutelises sobre a Amazocircnia Legal com nova dinacircmica
enquanto objeto de estudo nas aacutereas de Ciecircncias Humanas e Sociais Por outro lado
ressalta-se que eacute imprescindiacutevel trilhar pelas discussotildees teoacutericas e metodoloacutegicas de
alguns estudiosos da questatildeo agraacuteria no Brasil como Caio Prado Juacutenior Octaacutevio Ianni
Seacutergio Buarque de Holanda e outros Em Mato Grosso as obras de autores como
Martins (1985-1997) Lenharo (1985) Oliveira (1996) Barrozo (2009 2010)
Guimaratildees Neto (2002 2007) Gonccedilalves (2005) e Joanoni Neto (2007) Arauacutejo (2013)
entre outros satildeo referecircncias
As concepccedilotildees abordadas por esses autores nos remetem a pensar que eacute
preciso antes de tudo desconstruir a narrativa oficial sobre a Amazocircnia a qual foi
construiacuteda sobretudo durante os Governos civis militares sob o ponto de vista que
engloba a noccedilatildeo da fronteira e de integraccedilatildeo nacional na qual se procurou internalizar
os discursos de alguns segmentos sociais os quais construiacuteram o imaginaacuterio que
caracteriza esse espaccedilo como atrasado e despovoado ou melhor um ldquovazio
demograacuteficordquo
Ao referenciar o potencial dos recursos naturais ali existentes aquele espaccedilo
passou a ser visto com outro enfoque segundo o qual a mesma pode ser analisada para
aleacutem do seu potencial de reserva natural Natildeo se pode perder de vista que esse
ldquoimaginaacuteriordquo vem sendo arquitetado sob a loacutegica daqueles que vivem ldquoalheiosrdquo agraves
necessidades e ldquorealidadesrdquo nas quais a populaccedilatildeo que habita a Amazocircnia Legal estaacute
inserida no caso especiacutefico o Araguaia
Os empresaacuterios e a elite poliacutetica sempre se beneficiaram dos lucros obtidos
por meio do uso e abuso das riquezas extraiacutedas da Amazocircnia Legal nos grandes
projetos de exploraccedilatildeo mineral e vegetal em nome de um discurso de integraccedilatildeo
nacional e de desenvolvimento e progresso regional
Para Gonccedilalves (2005) compreender a Amazocircnia eacute saber respeitar a
diversidade e particularidades desse espaccedilo em seus aspectos econocircmicos naturais
sociais e culturais bem como os feitios de inserccedilotildees das poliacuteticas e programas de
governo que foram parcialmente realizados Tais poliacuteticas atenderam em especial a
um determinado grupo social especificamente o empresarial que dispunha de capital
financeiro embora se trate de um territoacuterio cheio de contradiccedilotildees conflitos e diferentes
30
possibilidades dos povos que ldquotradicionalmente habitamrdquo a floresta De forma mais
detalhada Gonccedilalves (2005 p 9) descreve
A Amazocircnia eacute sobretudo diversidade Haacute a Amazocircnia dos
Cerrados a Amazocircnia da Vaacuterzea a Amazocircnia dos Manguezais
e a Amazocircnia das florestas Habitar esses espaccedilos eacute um desafio
agrave inteligecircncia agrave convivecircncia com a diversidade Esse eacute o
patrimocircnio que as populaccedilotildees originaacuterias e tradicionais da
Amazocircnia oferecem para o diaacutelogo com outras culturas e
saberes
Logo estudar a Amazocircnia Legal significa tambeacutem conhecer seu processo de
ocupaccedilatildeo e reocupaccedilatildeo identificando sobretudo as dinacircmicas de resistecircncia e as
estrateacutegias de sobrevivecircncias dos diferentes sujeitos que a habitavam (iacutendios
quilombolas sertanejos seringueiros ribeirinhos e outros povos)
Esses grupos se veem diariamente diante da obrigatoriedade de criar e recriar
taacuteticas para enfrentar as novas territorialidades impostas pelos grupos empresariais
capitalistas em sua loacutegica segundo a qual a terra eacute um objeto de negoacutecio Para as
populaccedilotildees tradicionais a terra eacute uma condiccedilatildeo de trabalho e sobrevivecircncia
Barrozo (2010 p 8) considera que ldquo[] o processo de integraccedilatildeo da
Amazocircnia provocou o corte dos espaccedilos por meio da construccedilatildeo de rodovias
desencadeando um processo raacutepido e violento de expropriaccedilatildeo domiacutenio e controle das
aacutereas jaacute povoadas por populaccedilotildees tradicionais daquela regiatildeordquo
Assim como Ianni (1990) Barrozo (2010) assegura que a reocupaccedilatildeo da
Amazocircnia por meio do artifiacutecio da colonizaccedilatildeo privada e dirigida tinha como principal
objetivo acolher a populaccedilatildeo que ldquosobravardquo do processo de modernizaccedilatildeo da agricultura
do Centro-Sul do paiacutes As empresas colonizadoras e agropecuaacuterias aleacutem de se utilizar
dos recursos puacuteblicos executados de forma predatoacuteria provocaram uma transformaccedilatildeo
significativa nos aspectos sociais culturais e ambientais daquele espaccedilo
Para Souza (2009 p79)
A (re) ocupaccedilatildeo do nordeste de Mato Grosso por grandes
empresas incentivadas pelo governo federal a partir da deacutecada
de 70 do seacuteculo XX tem revelado muacuteltiplos conflitos embates
e disputas pelos usos e posse da terra A partir de 1964 os
governos militares elaboraram e conduziram um projeto de
ocupaccedilatildeo e controle de acesso agraves terras na Amazocircnia
materializado pelo Estatuto da Terra (Lei 450464)
31
Destacamos que apesar dessas mudanccedilas consideradas progressistas
conforme o Estatuto da Terra (1964) quando analisadas no campo da operacionalidade
praacutetica natildeo redundaram em uma maior distribuiccedilatildeo de terras para os migrantes natildeo
tendo ocorrido alteraccedilatildeo na dinacircmica de concentraccedilatildeo da terra No entanto mantecircm o
movimento de retorno de muitos migrantes antes e agora expulsos pela expansatildeo do
agronegoacutecio sobretudo pela cultura da soja e criaccedilatildeo de gado para corte e leite
Na perspectiva histoacuterica do processo de reocupaccedilatildeo do Araguaia Barrozo
(2010 p 8) afirma
A partir de 1968 comeccedilaram a chegar ao Araguaia agraves grandes
empresas atraiacutedas pelos incentivos fiscais da Sudam Estas
empresas originaacuterias do Sul e Sudeste se apropriaram de
grandes aacutereas de terra no entatildeo municiacutepio de Barra do Garccedilas
onde instalaram os projetos agropecuaacuterios Neste periacuteodo foram
criados vaacuterios povoados e vilas onde se concentra o comeacutercio e
a prestaccedilatildeo de serviccedilos Entre os nuacutecleos populacionais deste
periacuteodo destacam-se Porto Alegre do Norte Alto da Boa Vista
Confresa As agropecuaacuterias desmataram grandes aacutereas de
Cerrado e de floresta para o plantio de pastagens e algumas
empresas deixaram suas terras incultas agrave espera de valorizaccedilatildeo
Com a reduccedilatildeo e extinccedilatildeo gradativa dos incentivos e subsiacutedios
fiscais da Sudam muitas empresas agropecuaacuterias reduziram
suas atividades na regiatildeo e algumas venderam suas
propriedades
Percebemos que o processo de reocupaccedilatildeo das terras do Araguaia natildeo fugia
agraves caracteriacutesticas do que ocorrera nas demais aacutereas da Amazocircnia Legal que era
apresentada no cenaacuterio nacional como uma grande extensatildeo de terra despovoada onde
havia extensos espaccedilos considerados ldquovaziosrdquo
Essa concepccedilatildeo teve origem no programa ldquoMarcha para o Oesterdquo que
selecionou o Centro-Oeste brasileiro como alvo privilegiado para a implantaccedilatildeo dos
grandes projetos de expansatildeo visando agrave ocupaccedilatildeo territorial Destacamos a Fundaccedilatildeo
Brasil Central cujo objetivo era construir estradas e ldquopacificarrdquo as sociedades indiacutegenas
existentes nos vales do Araguaia e Xingu Nesse sentido Soares (2004 p 98) assinala
que
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A opccedilatildeo de investimento a fim de promover o desenvolvimento
da Amazocircnia abrangendo o Vale do Araguaia parte do nordeste
de Mato Grosso foi pela instalaccedilatildeo de grandes projetos
agropecuaacuterios para produccedilatildeo de proteiacutenas de carne bovina para
exportaccedilatildeo Os primeiros projetos aprovados pela Sudam
implantados no Vale do Araguaia datam de 1966 destacando-se
a Agropecuaacuteria Suiaacute Missuacute SA com uma aacuterea de 695 843
hectares que corresponde aproximadamente a 300000
alqueires localizada no atual municiacutepio de Satildeo Feacutelix do
Araguaia A partir de 1966 muitos outros projetos foram sendo
instalados
De acordo com a descriccedilatildeo do autor as poliacuteticas de desenvolvimento
econocircmico da Amazocircnia promovidas pelo Governo Federal sob a supervisatildeo da
Superintendecircncia de Desenvolvimento da Amazocircnia (Sudam) desde o iniacutecio de sua
criaccedilatildeo despertaram o interesse de empresaacuterios regiotildees Sudeste e Sul do Brasil Os
mesmos viam na constituiccedilatildeo do desenvolvimento regional a possibilidade de maior
enriquecimento por meio dos grandes projetos agropecuaacuterios e de colonizaccedilatildeo
madeireiros e mineradores As empresas eram atraiacutedas pelos incentivos fiscais cuja
propaganda produzia o imaginaacuterio da terra em abundacircncia e financiamentos a juros
baixos
Sobre o imaginaacuterio e os efeitos da propaganda em torno das possibilidades de
riqueza advinda do trabalho com a terra Arauacutejo (2013 p 250) em sua pesquisa
ldquoTerritoacuterios Amazocircnicos e o Araguaia Mato-grossense configuraccedilotildees de modernidade
poliacuteticas de ocupaccedilatildeo e civilidade para os sertotildeesrdquo ao analisar os artifiacutecios ocorridos na
execuccedilatildeo das poliacuteticas de desenvolvimento no Araguaia afirma
As propagandas dos ldquonegoacutecios fundiaacuteriosrdquo do Vale do Araguaia
eram veiculadas pelos meios de comunicaccedilatildeo locais (raacutedio
televisatildeo jornais) anunciando facilidades aos interessados o
que muito atraiacutea pessoas com histoacuterico familiar vinculado agraves
praacuteticas campesinas que desejavam possuir eou aumentar o
proacuteprio patrimocircnio aleacutem da possibilidade de assegurar a
manutenccedilatildeo da famiacutelia pensando numa estabilidade
socioeconocircmica
Agrave luz da concepccedilatildeo da autora afirmamos que as empresas se valiam de
diferentes estrateacutegias sobretudo o uso dos recursos midiaacuteticos para propagarem o
discurso e o imaginaacuterio em torno da terra abundante e apropriada para agricultura E
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assim mobilizar migrantes de vaacuterias regiotildees do Brasil em busca do sonho em ter a
posse da terra e condiccedilotildees para produzir e adquirir riqueza
Ainda em conformidade com Arauacutejo (2013) eacute possiacutevel afirmar que havia
entre os grupos de migrantes perfis sociais econocircmicos e culturais muito diferentes
pois de um lado estavam as famiacutelias que planejaram as mudanccedilas no espaccedilo e do
outro aquelas que chegaram ao Araguaia mato-grossense por acaso
Nesta mesma perspectiva Paret (2012 p 17) avalia a formaccedilatildeo
socioeconocircmica do Araguaia como a realizaccedilatildeo da integraccedilatildeo entre as populaccedilotildees
tradicionais (povos indiacutegenas) e migrantes ldquodos quatro cantos do paiacutesrdquo que em sua
maioria eram ldquo[] retirantes espontacircneos colonos pioneiros e audaciosos
trabalhadores temporaacuterios (boias-frias) migrantes que emigram sem descanso fugindo
da pobreza em busca de novas oportunidadesrdquo Observamos que a visatildeo do autor citado
eacute problemaacutetica pela exaltaccedilatildeo de um ideal do pioneiro parte daquilo que consideramos
como histoacuteria oficial
Como o INCRA natildeo assegurou terras para os migrantes desprovidos de
capital financeiro para aquisiccedilatildeo de lotes estes passaram a reocupar aacutereas jaacute povoadas
pelas populaccedilotildees indiacutegenas terras da Uniatildeo ou de fazendas improdutivas Esta situaccedilatildeo
gerou diversos conflitos entre diferentes grupos sociais no Araguaia mato-grossense
Nesse contexto o municiacutepio de Vila Rica-MT foi formado Esse processo
requer uma anaacutelise especiacutefica
12 A criaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo3 do municiacutepio de Vila Rica-MT
A formaccedilatildeo de Vila Rica-MT teve seu desenvolvimento intensificado a partir
da deacutecada de 1980 tendo por base quatro Projetos Agropecuaacuterios Aracati Satildeo Marcos
Porangaba e Promissatildeo Posteriormente essas agropecuaacuterias foram transformadas em
projeto de colonizaccedilatildeo privada com a criaccedilatildeo da empresa de Serviccedilo Auxiliares da
Agropecuaacuteria LTDA (Servap) que procurou a efetivaccedilatildeo do projeto de colonizaccedilatildeo por
meio da empresa Colonizadora Vila Rica-MT Ltda
3 A Lei n 4381 de 12 de novembro de 1981 criou o Distrito de Vila Rica com territoacuterio
pertencente agrave Santa Terezinha e no dia 13 dias de maio de 1986 pela Lei Estadual n 5001 foi
criado o municiacutepio de Vila Rica
Disponiacutevel em
lthttpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=510860ampsearch=mato-
grosso|vila-ica|infograficos-historicogt Acesso em 21082015
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Logo o municiacutepio inseriu-se em muacuteltiplos contextos de reocupaccedilatildeo da terra e
de financiamento de projetos agropecuaacuterios madeireiros e de colonizaccedilatildeo localizados
no nordeste do estado de Mato Grosso na faixa fronteiriccedila com os estados do Paraacute e
Tocantins como mostra a figura que se segue
Figura 01 Mapa de Propaganda da Colonizadora Vila Rica-MT
Fonte Servap apud Martini 2002 p12
Observamos na imagem que os escritos da propaganda da empresa
colonizadora se vinculavam agrave ideia de que ldquoeacute faacutecil conhecer Vila Ricardquo tendo ao lado
um mapa desatacando visualmente as rotas de estradas que ligavam o Sul do paiacutes ateacute o
Norte e tendo Vila Rica como ponto estrateacutegico nessa rota Ademais a mensagem
35
escrita eacute clara pretendia- se atrair compradores de terra de outras regiotildees que
organizassem ldquocaravanasrdquo para conhecer e investir no municiacutepio de Vila Rica
Na deacutecada de 1970 um soacutecio da Servap resolveu transformar juridicamente a
sua aacuterea territorial em uma empresa especializada e autorizada para atuar como
ldquoempresa de colonizaccedilatildeordquo O objetivo foi o de obter junto ao Governo Federal
autorizaccedilatildeo para lotear a aacuterea da agropecuaacuteria e comercializar os lotes utilizando os
incentivos fiscais oferecidos na eacutepoca pela Sudam Aleacutem da especulaccedilatildeo caracterizada
pela valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria das terras com baixa eficiecircncia produtiva a empresa
procurava garantir com isso a presenccedila de trabalhadores que serviriam de matildeo obra nas
proacuteprias fazendas Esse processo foi caracterizado por Ianni (1978) como ldquoContra
Reforma Agraacuteriardquo
Segundo Guimaratildees Neto (2007 p 7)
Nesse sentido eacute que as novas cidades surgiram no territoacuterio
amazocircnico articuladas a uma grande rede viaacuteria e ao mercado
capitalista natildeo satildeo resultados ldquonaturaisrdquo do movimento de
deslocamento dos diversos grupos sociais que para laacute se
dirigiram denominado de processo migratoacuterio Relacionam-se
muito mais a um conjunto de praacuteticas organizadoras de poliacuteticas
de controle e monopoacutelio da exploraccedilatildeo da riqueza por parte dos
grandes empresaacuterios e proprietaacuterios As cidades trazem inscritas
em seu espaccedilo as praacuteticas sociais de segregaccedilatildeo de violecircncia e
de cerceamento dos direitos civis que natildeo podem ocultar Mas
natildeo soacute isto manifesta a todo o momento praacuteticas de resistecircncia
atuaccedilotildees de organizaccedilotildees civis e religiosas demarcando um
territoacuterio de conflito
Para a autora as cidades emergidas no territoacuterio da Amazocircnia natildeo resultaram
de um movimento espontacircneo de migraccedilatildeo mas sobretudo foram embasadas de uma
poliacutetica de controle do capital financeiro manipulado pelos interesses dos grupos
empresariais Ao mesmo tempo as novas cidades se constituiacuteram enquanto espaccedilos de
conflitos e praacuteticas de violecircncia marcados pelos conflitos motivados pelas diferenccedilas
sociais culturais e religiosas
Nesse quadro de especulaccedilatildeo imobiliaacuteria com as terras do Araguaia mato-
grossense o processo de colonizaccedilatildeo de Vila Rica foi iniciado pela SERVAP na deacutecada
de 1990 e continuado pela Colonizadora Vila Rica Ltda O foco da colonizaccedilatildeo estava
na venda de lotes rurais para os migrantes que vieram em busca de terra
36
O relato a seguir descreve o momento em que os posseiros e colonos
chegaram assim como a abertura e demarcaccedilatildeo do espaccedilo urbano e rural do municiacutepio
de Vila Rica-MT Tambeacutem eacute evidente na memoacuteria social e na percepccedilatildeo individual o
momento da venda dos lotes segundo a memoacuteria social e a percepccedilatildeo individual dos
entrevistados
[] Eu vi a oportunidade de ver ali onde hoje eacute o coleacutegio
estadual em selva em mata Vi desmatar vi formar pasto e
depois tirar o pasto para fazer a cidade e deixar aquela aacuterea
especial para a construccedilatildeo do coleacutegio Tive a oportunidade de
acompanhar com o topoacutegrafo a demarcaccedilatildeo dos lotes e das
ruas da cidade Quando a colonizadora vendia uma aacuterea de
terra rural de 400 hectares ela dava na cidade
ldquogratuitamenterdquo dois lotes de terra um no centro e outro mais
afastado isso para que as pessoas construiacutessem a fim de
expandir a cidade [] (ENTREVISTA com Dioniacutesio ex-
funcionaacuterio da colonizadora realizada por Acircngela Martini em
novembro de 2001 Grifos nossos)
Podemos identificar atraveacutes dessa fonte oral a percepccedilatildeo dos colonos em
relaccedilatildeo agraves transformaccedilotildees ocorridas nos espaccedilos em que o rural foi ganhando
caracteriacutesticas de urbanizaccedilatildeo mas tambeacutem as estrateacutegias da colonizadora para atrair os
compradores de terra Outro depoimento oral demonstra como ocorria a
comercializaccedilatildeo de lotes
Na verdade quando surgiu Vila Rica eles esparramaram
vendendo para todo o Brasil O pessoal fazia troca trocavam
um alqueire paulista por um alqueire aqui Geralmente trocava
dois por um A terra laacute era mais valorizada (ENTREVISTA
com Gilmar agricultor familiar de Vila Rica-MT realizada pela
autora em marccedilo de 2015)
Atraveacutes desse processo de acesso agrave terra por meio de compra de lotes com o
capital oriundo da venda de terras no local de origem muitos migrantes de vaacuterias
localidades do Brasil sobretudo nos estados do Paranaacute Santa Catarina Rio Grande do
Sul Goiaacutes e Minas Gerais onde ocorriam transformaccedilotildees na estrutura agraacuteria e a
modernizaccedilatildeo da agricultura foram para Vila Rica buscando realizar o sonho de
adquirir uma ldquoaacutereardquo equivalente agrave que haviam vendido na regiatildeo de origem ou entatildeo
uma aacuterea ainda maior
37
Dentre os sonhos e os projetos de vida desses migrantes estava a
possibilidade de produzir com fartura melhorar de vida ou ateacute enriquecer atraveacutes do
trabalho na terra O depoimento do secretaacuterio de agricultura do municiacutepio de Vila Rica-
MT ilustra essa situaccedilatildeo tendo por base sua trajetoacuteria pessoal
Eu nasci em Santa Catarina no ano de 1975 e quando eu tinha
10 anos de idade os meus pais mudaram para o estado de Mato
Grosso Na eacutepoca a gente jaacute morava no estado do Paranaacute
Chegamos no dia 9 de junho de 1985 Vila Rica ainda era
distrito de Santa Terezinha e aiacute fomos direto para o Projeto
Canta Galo que era um projeto de colonizaccedilatildeo Chegamos agrave
noite em Vila Rica e fomos direto para o Canta Galo era soacute
mato e noacutes jaacute chegamos destruindo tudo porque a gente jaacute
chegou para fazer roccedila para comeccedilar a trabalhar []
A gente veio com pessoal conhecido Meus pais eu e os meus
irmatildeos A nossa famiacutelia veio completa e mais cinco famiacutelias
vieram em busca de melhorias de vida Sempre mexemos com
sitio Moramos na roccedila pequena propriedade e viemos pra caacute
com a intenccedilatildeo de conseguir uma aacuterea maior Queriacuteamos ficar
ricos mas o que aconteceu foi o contraacuterio (ENTREVISTA
com Gilmar agricultor familiar de Vila Rica-MT realizada pela
autora em marccedilo de 2015)
A anaacutelise da fonte oral permite averiguar que a empresa SERVAP
posteriormente denominada de Colonizadora Vila Rica Ltda tambeacutem lanccedilou matildeo de
diversos recursos midiaacuteticos fazendo investimentos em propaganda a fim de difundir a
ideia da boa qualidade da terra boa e seu baixo preccedilo Esse trabalho de divulgaccedilatildeo
influenciou pessoas que decidiram migrar procurando um espaccedilo promissor com terras
boas
Dentro dessa perspectiva a visualizaccedilatildeo e leitura de um dos panfletos
publicitaacuterios nos ajudou a visualizar as estrateacutegias de propaganda utilizadas pela
colonizadora no caso do municiacutepio de Vila Rica
A propaganda facilitava a venda dos lotes acelerando a reocupaccedilatildeo dos
espaccedilos urbanos e rurais como retrata o panfleto utilizado pela empresa para difundir o
seu ideaacuterio de construccedilatildeo social A imagem de trabalhadores rurais ldquocarpindordquo
demonstra que o ideal seria a migraccedilatildeo de colonos agricultores com perfil de quem
sabia produzir plantar e colher produtos agriacutecolas A frase ldquoTerra feacutertil e urbanizadardquo
demonstra no entanto que se prometia uma estrutura urbana para oferecer uma ldquovida
feliz para vocecirc e sua famiacuteliardquo Ou seja um evidente apelo aos valores tradicionais da
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famiacutelia atrelados agrave ideia de felicidade a ser conquistada atraveacutes da compra de terras no
municiacutepio de Vila Rica-MT
Todos esses elementos podem ser observados na Figura 2
Figura 2 Folder de Propaganda da Colonizaccedilatildeo Vila Rica-MT
Fonte SERVAP apud Martini 2002 p14
Portanto os colonos que compraram terras e se mudaram para Vila Rica
sofreram as investidas das empresas atraveacutes das propagandas que descreviam as terras
como sendo boas e baratas conforme mostra o panfleto da colonizadora ldquoConheccedila Vila
Rica Mato Grosso terra feacutertil e urbanizada vida feliz para vocecirc e sua famiacuteliardquo A
imagem criava um imaginaacuterio acerca do lugar como o ideal para se morar e prosperar
economicamente A loacutegica era de fixaccedilatildeo do homem na terra passada de pai para filho
apelo aos agricultores de tradiccedilatildeo ldquocamponesardquo 4
4 Sobre essa questatildeo Martini (2002) em sua monografia de graduaccedilatildeo em Histoacuteria a qual eacute intitulada
como Cotidiano e Identidade Cultural em Vila Rica ndashMT uma cidade de colonizaccedilatildeo recente apresenta
39
Nesse aspecto o relato oral a seguir se constitui numa exemplificaccedilatildeo da
forma como que os artifiacutecios da propaganda persistem na memoacuteria dos atores sociais
As propagandas ih Eles passavam slides mostravam como
era aqui em Vila Rica da cidade das roccedilas das lavouras das
plantaccedilotildees de soja milho Propaganda na raacutedio passava muito
direto mesmo e tambeacutem na televisatildeo passava propaganda
sobre a Vila Rica Tinha tambeacutem gravaccedilotildees de mulheres daqui
da Vila que faziam entrevista na raacutedio Elas diziam assim olha
gente aqui em Vila Rica noacutes estamos bem noacutes temos coleacutegio
falava falava do coleacutegio Faziam propaganda muita entrevista
na raacutedio Eles iludiam muito o pessoal (ENTREVISTA com
Izolde Baacuteo ex-colona realizada por Acircngela Maria Martini em
04032001)
Logo podemos compreender que as propagandas eram criadas pela empresa
colonizadora mas que tinham participaccedilatildeo dos proacuteprios colonos que incentivavam a
vinda de outros A colonizadora incentivava essa participaccedilatildeo dos colonos para o
chamamento - atraveacutes da ideia de que quanto mais colonos viessem para a aacuterea e
comprassem terra mas proacutesperas seriam aquelas terras
Outro fator altamente atrativo foi a divulgaccedilatildeo do projeto urbaniacutestico da
cidade de Vila Rica-MT cujo ldquocorpordquo lembra a figura de um sino Conforme IBGE
Cidades (2015)
A cidade de Vila Rica-MT localizada no nordeste de Mato
Grosso foi cuidadosamente planejada no periacuteodo de sua
fundaccedilatildeo O traccedilado da cidade lhe daacute um formato de sino tendo
sido idealizado pelo paisagista suiacuteccedilo Dr Roberto Khuno Eacute
dividida em dois setores norte e sul sendo margeada pela BR-
1585
Esse formato do projeto da cidade representa a construccedilatildeo do imaginaacuterio de
um grupo de migrantes praticantes da feacute catoacutelica incorporando princiacutepios religiosos a
serviccedilo do capitalismo Ao mesmo tempo mostra uma forte aproximaccedilatildeo entre os
colonos e os donos da empresa colonizadora com a Igreja Catoacutelica Essa representaccedilatildeo
arquitetocircnica da cidade mostra que a mesma foi planejada a partir de uma concepccedilatildeo
religiosa com a qual o desenvolvimento se entrelaccedilaria Objetivou-se a construccedilatildeo do
uma reflexatildeo bastante rica em detalhes construiacuteda a partir das narrativas orais e de imagens relacionadas
ao processo de formaccedilatildeo da cidade de Vila Rica no Estado de Mato Grosso 5Disponiacutevel em
lthttpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=510860ampsearch=mato-
grosso|vila-rica|infograficos-historicogt Acesso em 2102015
40
imaginaacuterio coletivo de uma cidade civilizada com uma Igreja dentro dos moldes
europeus Assim como na histoacuteria europeia moderna a religiatildeo e a eacutetica do capitalismo
se fundem em um processo que
possivelmente pode ter sido utilizado pela
colonizadora6
Figura 3 Planta ou Projeto urbaniacutestico da cidade de Vila Rica-MT
Fonte Arquivo da Prefeitura de Vila Rica-MT 2015
Atraveacutes da visualizaccedilatildeo da figura 3 fica evidenciado que o projeto
urbaniacutestico ou a planta da aacuterea urbana do municiacutepio de Vila Rica partiu de um projeto
com base em um ldquoconceitualrdquo religioso Em outra planta que projeta a aacuterea de expansatildeo
urbana eacute perceptiacutevel que foi mantido o formato do sino inicial mas com acreacutescimo de
aacutereas agrave direita e uma base que natildeo desconfigurou o desenho inicial
Guimaratildees Neto (2000) considera que no universo simboacutelico da ldquocidade
colonizadardquo tudo parece ter sentido e significado Haacute um lugar certo para cada coisa ou
situaccedilatildeo por exemplo espaccedilo para a praccedila comeacutercio bairros residenciais bairros para
os oacutergatildeos puacuteblicos e institucionais avenidas e bairros residenciais dos trabalhadores Eacute
a ideia de cidade organizada enfim de um povo que organiza devidamente o seu espaccedilo
de convivecircncia social Todavia nesse cenaacuterio desenhado natildeo haveria espaccedilo para o
6 Para uma melhor compreensatildeo ver o caso de Fontanilha Juiacutena-MT analisado por JOANONI
NETO Vitale Fronteiras da Crenccedila ocupaccedilatildeo no Norte de Mato Grosso apoacutes 1970 Cuiabaacute
Carlini amp Caniato EdUFMT 2007
41
surgimento das periferias uma vez que a existecircncia delas desmontaria todo o ideaacuterio
urbaniacutestico da cidade de progresso e de civilizaccedilatildeo
Eacute notoacuteria a riqueza de detalhes nos projetos urbaniacutesticos das cidades
planejadas de colonizaccedilatildeo recente de Mato Grosso As marcas da organizaccedilatildeo tecircm
sempre uma perspectiva marcante no universo de signos e significados como foi
registrado por Guimaratildees Neto (2000 p 7) ao apontar que a cidade se projeta ldquo[]
como uma metaacutefora privilegiada da passagem-comunicaccedilatildeo e separaccedilatildeo entre diversos
mundos e por que natildeo paisagem desenhada por um rico mosaico de linguagens
diversasrdquo
Nesse aspecto quem chegou primeiro fez parte da construccedilatildeo quem chegou
depois tambeacutem foi inserido nessa loacutegica organizativa porque parte dos colonos que
permaneceram na cidade se incorporou ao trabalho prestando serviccedilos ou abrindo
comeacutercios inserindo-se nesse universo de desejo siacutembolos sentidos e significados de
viver em uma cidade com caracteriacutesticas e paisagem adequadas aos moldes dos grandes
centros urbanos
O imaginaacuterio coletivo acerca da concepccedilatildeo de progresso se constituiu de
forma eficaz nessa representaccedilatildeo da cidade em seus primeiros tempos distinguindo os
acontecimentos iniciais construiacutedos com a participaccedilatildeo de homens e mulheres vindos
das diferentes regiotildees do Brasil Essa diversidade cultural se explicita nos detalhes de
construccedilatildeo das casas na maneira de falar e de organizar a paisagem urbana enfim
torna-se proacuteprio de uma cidade de todos para todos desde que devidamente organizados
em seus espaccedilos sociais
Noutra abordagem sobre as narrativas e a formaccedilatildeo de cidades do processo de
colonizaccedilatildeo recente Guimaratildees Neto (2007 p 7) exemplifica
Trabalhadores sem-terra e mesmo pequenos proprietaacuterios
denominados de colonos invertem as programaccedilotildees e previsotildees
das empresas colonizadoras Por meio de accedilotildees coletivas e de
enfrentamentos conflituosos provocam mudanccedilas de aacutereas
planejadas para determinados fins com funccedilotildees diferentes do
que estava previsto As proacuteprias empresas e depois os poderes
puacuteblicos instalados criam ldquobairros novosrdquo a fim de controlar e
administrar a chegada de diversos trabalhadores pobres como
na cidade de Vila Rica-MT onde se organiza a mudanccedila da
cadeia puacuteblica do cemiteacuterio e da zona de meretriacutecio para o
bairro Vila Nova destinado a pessoas de comprovada baixa
renda e com maior nuacutemero de dependentes (Lei municipal nordm
42
19693 de 09121993) extinguindo o popular ldquoPau Secordquo a
primeira aacuterea de meretriacutecio que ocupava um espaccedilo
considerado nobre para a cidade
Em conformidade com a concepccedilatildeo da autora afirmamos que satildeo os atores
histoacutericos atraveacutes de diferentes estrateacutegias e accedilotildees que realizam os desdobramentos e
permitem uma multiplicidade de accedilotildees e efeitos de suas praacuteticas eacute que vatildeo
ldquodesvendando inventando e desenhandordquo os locais da cidade que encenam os contrastes
sociais e culturais Nesse aspecto grupos sociais acabam modificando o projeto inicial e
inserindo nele seu proacuteprio modo de constituir a vida em sociedade
Outra estrateacutegia utilizada para facilitar o processo de venda dos lotes foi a
definiccedilatildeo dos criteacuterios de seleccedilatildeo do puacuteblico alvo das investidas de vendas pela
empresa colonizadora Nesse cenaacuterio surgiram os pequenos proprietaacuterios de terras do
Sul do Brasil os quais dispunham de capital para investir na compra de lotes da
colonizadora Tambeacutem havia a negociaccedilatildeo por meio da troca de terra e da carta de
creacutedito como ocorreu com as pessoas que haviam sido desapropriadas para a
construccedilatildeo da barragem da Usina de Itaipu no Paranaacute de onde migraram diversas
pessoas para Vila Rica-MT Essa negociaccedilatildeo era feita com intermediaccedilatildeo de instituiccedilatildeo
bancaacuteria
Ainda relacionando a reorganizaccedilatildeo dos espaccedilos em Vila Rica sob a
conduccedilatildeo da colonizadora eacute importante considerar que houve tentativas no sentido de
destinar pequenas aacutereas de terra situadas nos fundos das fazendas para ldquoaliviarrdquo a
pressatildeo dos trabalhadores rurais Inclusive ex-funcionaacuterios da empresa SERVAP com
o objetivo de evitar a invasatildeo por parte dos ldquoposseirosrdquo acabavam sendo incorporados
por esses procedimentos de especulaccedilatildeo imobiliaacuteria praticados pela Colonizadora Vila
Rica
Semelhante situaccedilatildeo nos remete a uma anaacutelise que demonstra ter havido uma
relaccedilatildeo entre as intenccedilotildees dos representantes da Servap tanto em relaccedilatildeo aos objetivos
do INCRA quanto ao destino de parte da aacuterea para o processo de colonizaccedilatildeo oficial
Segundo Barrozo (2010 p 18) ldquo[] para os camponeses do Sul o governo oferecia a
possibilidade de adquirir um lote de 100 ou 200 hectares em um nuacutecleo do INCRA
com infraestrutura estrada e tudo mais que a propaganda oficial anunciava para
sensibilizar os agricultoresrdquo
43
No caso do processo de reocupaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica a
documentaccedilatildeo7 analisada demonstrou que havia entre os primeiros moradores
concepccedilotildees diferentes acerca do processo de ocupaccedilatildeo e reocupaccedilatildeo das terras naquela
aacuterea As fontes nos possibilitam ainda identificar as estrateacutegias adotadas para arquitetar
o imaginaacuterio sobre os ldquoditos pioneirosrdquo que pode ser identificado atraveacutes das narrativas
oficiais sobre as histoacuterias do lugar que se tornam discursos
Poreacutem a realidade contemporacircnea tambeacutem pode ser pensada por outra
perspectiva configurada de outro modo demonstrando a presenccedila indiacutegenas na regiatildeo
Nos sites do IBGE Cidades e da Prefeitura de Vila Rica natildeo haacute menccedilatildeo sobre a
presenccedila de povos indiacutegenas na aacuterea colonizada Mas segundo Costa e Silva amp Ferreira
(1994 p 248)
O povo indiacutegena ldquoTapirapeacuterdquo que habitou imemorialmente as
terras do lugar foram remanejados para municiacutepios vizinhos
em aacutereas especialmente reservadas Estes foram na verdade os
grandes pioneiros do lugar povo sofrido sentindo-se sem
perspectivas de vida iniciaram um processo de auto
dizimazizaccedilatildeo Tudo comeccedilou com forte conflito cultural que se
abateu sobre os poucos ldquoTapirapeacutesrdquo que restaram Accedilatildeo
seguinte que se viu foi agrave eliminaccedilatildeo de crianccedilas receacutem-nascidas
No entanto a interferecircncia de religiosas natildeo permitiu que se
concretizasse o desejo coletivo de extinccedilatildeo do ldquoTapirapeacuterdquo como
naccedilatildeo (Grifos nossos)
A citaccedilatildeo eacute importante para destacar a presenccedila do povo indiacutegena Tapirapeacute na
aacuterea que foi colonizada no entanto eacute uma visatildeo problemaacutetica no que diz respeito agrave
ideia de que os povos indiacutegenas foram pioneiros uma vez que essa concepccedilatildeo eacute oriunda
de projetos de Governo e de uma visatildeo economicista de ocupaccedilatildeo de territoacuterio natildeo eacute
parte da concepccedilatildeo de terra para povos indiacutegenas voltada agrave identidade e memoacuteria do
lugar Certamente para os autores pioneiro significou aquele que primeiro ocupou o
solo e natildeo seu entendimento no interior do processo de colonizaccedilatildeo contemporacircneo
No entanto existe uma narrativa oficial que ldquoesquecerdquo de citar a presenccedila
indiacutegena e assume um discurso de que os ldquopioneirosrdquo foram os que participaram do
processo de colonizaccedilatildeo privada Isto eacute haacute uma ampla difusatildeo da ideia de que a
7 O termo documentaccedilatildeo refere- se agraves fontes escritas que foram acessadas para a produccedilatildeo das
anaacutelises como eacute o caso dos ofiacutecios cartas relatoacuterios atas e relatos orais
44
validade da ocupaccedilatildeo da terra tem sentido somente quando eacute pensada do ponto de vista
da criaccedilatildeo da cidade e da organizaccedilatildeo social embasada na propriedade privada da terra
Outros atores sociais silenciados foram os migrantes de origem camponesa
de diferentes origens que foram ocupar aquele espaccedilo nas primeiras deacutecadas do seacuteculo
XX conforme descrito por Costa e Silva amp Ferreira (1994 p 248)
No iniacutecio da sua povoaccedilatildeo Vila Rica recebeu forte fluxo
migratoacuterio de povos (sic) de Goiaacutes Minas Gerais e do
Nordeste Fator determinante foi o reflexo da colonizaccedilatildeo de
Nova Xavantina pois o assentamento da Fundaccedilatildeo Brasil
Central natildeo produziu os efeitos que se esperava e os colonos
sem apoio prometido se espalharam pelo Leste e Nordeste do
Estado de Mato Grosso
Novamente a citaccedilatildeo traz problemas ao analisar que os fluxos migracionais
eram realizados por ldquopovosrdquo entendidos enquanto populaccedilotildees mas fornece elementos
para compreendermos como ocorreu uma reocupaccedilatildeo inicial por migrantes poreacutem o
que persiste na histoacuteria oficial descrita no IBGE Cidades (2015) 8 eacute que
A construccedilatildeo da rodovia BR-158 foi fator determinante para a
colonizaccedilatildeo da cidade de Vila Rica -MT favorecendo o
estabelecimento de empresas agropecuaacuterias na regiatildeo O nuacutecleo
que deu origem ao atual municiacutepio tem histoacuteria
relativamente recente Vila Rica - MT foi fundada pelo Sr
Rubens Rezende Peres em 1978 que chegou na regiatildeo
trazendo consigo a Colonizadora Vila Rica-MT Segundo
relatos histoacutericos os primeiros moradores da localidade vieram
de Minas Gerais e homenagearam o lugar que escolheram para
morar com o nome de Vila Rica em referecircncia agrave antiga Vila
Rica de Ouro Preto (Grifos nossos)
Logo dessa maneira registrada a presenccedila indiacutegena e de migrantes que
chegaram antes da colonizaccedilatildeo privada efetivada a partir da deacutecada de 1980 e
consideradas ldquorecentesrdquo decidem considerar que a histoacuteria do municiacutepio somente
comeccedila com essa modalidade de colonizaccedilatildeo
8 Disponiacutevel em
lthttpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=510860ampsearch=mato-
grosso|vila-rica|infograficos-historicogt Acesso em 2102015
45
A obra da jornalista Soely Gonccedilalves Santos Pires contratada pela Prefeitura
Municipal de Vila Rica em 2002 para escrever a histoacuteria do municiacutepio eacute um exemplo
que evidencia a versatildeo oficial9
[] Aconteciam as exploraccedilotildees das terras ao nordeste mato-
grossense rotas e demarcaccedilotildees cifradas em aacutereas destinadas agrave
implantaccedilatildeo do arrojado projeto Em meio a tantos apetrechos
no lidar aacuterduo talvez natildeo tenham tido tempo para registrar tudo
em diaacuterio Idas e vindas por iacutengremes caminhos de quilocircmetros
de distacircncias paragens desconhecidas Veredas iam se
alargando mato adentro sol ardente e calor intenso []
venciam-se os empecilhos agrave medida que esses iam surgindo
Natildeo adentravam o sertatildeo em busca de bauacute recheado de
preciosos tesouros enterrados nas profundezas da terra [] A
finalidade era trabalhar Soacute assim conquistariam o almejado
objetivo [] Trabalho avante Em aproximadamente seis meses
de contiacutenuas derrubadas a estiagem com a secagem Nisso
atearam fogo Os dias se passaram Um olhar ao longe no
alcance de vales e serras [] Focando com muita atenccedilatildeo os
limpotildees que iam surgindo propiciando o semear das primeiras
sementes de capim Aiacute estava o representativo ouro dos sertotildees
A Servap foi instituiacuteda no ano 1973 e por seu intermeacutedio
administrava-se toda a assistecircncia no desenvolver das atividades
do projeto desde o princiacutepio A movimentaccedilatildeo era intensa o
serviccedilo mecanizado requeria grande consumo de oacuteleo diesel O
transporte era constante Devido agrave precariedade das estradas o
trajeto era retardo levando de cinco a sete dias para alcanccedilar o
ponto de apoio local onde se situava a SERVAP Hoje ali se
encontra o Frigoriacutefico Vila Rica que por sinal contribuiu muito
natildeo soacute com a economia natildeo soacute da regiatildeo mas tambeacutem de
municiacutepios vizinhos (PIRES 2002 p 10)
O discurso contido nessa narrativa apresenta muacuteltiplos sentidos
primeiramente pode ser analisado como sendo da perspectiva de um explorador de
recursos naturais e de projetos de colonizaccedilatildeo privada mas que se considera um
desbravador com um espiacuterito empresarial e empreendedor Essa observaccedilatildeo pode ser
visualizada na afirmaccedilatildeo de que se tratava da ldquo[] implantaccedilatildeo do arrojado projeto Em
meio a tantos apetrechos no lidar aacuterduo []rdquo Aqui eacute possiacutevel pensar inclusive na ideia
da tentativa de criaccedilatildeo de um mito de origem de um heroacutei de um grupo de homens que
fizeram a histoacuteria da cidade civilizada
9Apesar da ressalva sobre o livro de Soely eacute necessaacuterio afirmar que se trata de uma obra
importante para percebemos a concepccedilatildeo do dono da empresa Servap
46
Esse tipo de discurso exaltando o colonizador foi identificado e interpretado
pela pesquisa de Heinst (2007) que analisou a disputa da memoacuteria de quem era o
colonizador e o pioneiro no municiacutepio mato-grossense de Mirassol D‟Oeste A autora
identificou que foram aqueles pioneiros que tiveram ecircxito econocircmico considerados os
ldquoprimeirosrdquo com o espiacuterito empresarial que enalteceram a colonizaccedilatildeo
Guimaratildees Neto (2002) na anaacutelise de Alta Floresta esclarece que o
colonizador Ariosto da Riva produziu um discurso no qual se auto-intitula ldquobandeirante
do seacuteculo XXrdquo A anaacutelise mostra a perspectiva de quem tem o espiacuterito expansionista
tatildeo recorrente na histoacuteria brasileira e que se renova ao longo do contexto de expansatildeo da
fronteira agriacutecola recente
Sabemos que a narrativa produzida em determinada conjuntura poliacutetica
cultural ou econocircmica estaacute condicionada a um momento histoacuterico e atrelada agrave
linguagem utilizada pode ser uma das vias por onde a ideologia se materializa O
ldquoaventureirordquo eacute descrito e se auto- identifica como explorador e grande desbravador de
espiacuterito empreendedor sendo portanto ele o pioneiro em tudo porque enfrentou
inuacutemeras dificuldades Assim produz discursos embasados em espaccedilos difiacuteceis de
sertatildeo obstaacuteculos naturais e o potencial arrojado do sujeito empreendedor inicial
Aleacutem disso o texto enfatiza que todo esse esforccedilo natildeo tinha como objetivo o
lucro o interesse proacuteprio a cobiccedila como se observa nesse fragmento do texto de Pires
(2002 p 10) ldquo[] Natildeo adentravam o sertatildeo em busca de bauacute recheado de preciosos
tesouros enterrados nas profundezas da terra A finalidade era trabalhar []rdquo Essas
narrativas remetem agrave trajetoacuteria do colonizador e de sua famiacutelia conforme a descriccedilatildeo
Minha histoacuteria comeccedila com o meu pai eacuteramos madeireiros ele
jaacute atuava no ramo por muitos anos faleceu e eu o substituiacute no
trabalho Na deacutecada de 50 me mudei para Satildeo Pedro dos
Ferros cidade jaacute com cinquenta anos de fundaccedilatildeo e sem
nenhuma participaccedilatildeo minha nem de algueacutem da minha famiacutelia
Compramos terra nesse municiacutepio onde foi implantado um
grande serviccedilo chegando a trabalhar dez mil pessoas no
desmatamento e formaccedilatildeo de aacutereas para a implantaccedilatildeo de
fazendas Quando o serviccedilo terminou eu estava com quarenta e
cinco anos de idade Acostumado desde muito cedo com serviccedilo
de grande porte utilizando grande nuacutemero de pessoas []
como fazendeiro comecei a me sentir meio ocioso As
atividades que eu tinha em minha fazenda natildeo eram suficientes
para satisfazer o meu acircnimo para o trabalho (ENTREVISTA
com Rubens Rezende Peres colonizador de Vila Rica realizada
por Suely Gonccedilalves Santos Pires em 2002)
47
Podemos compreender que o colonizador ressalta na sua narrativa seu
perfil de empreendedor advindo de uma ldquoheranccedilardquo adquirida do pai que era
madeireiro Depois vai demonstrando como foi se adaptando agraves novas situaccedilotildees
[] Em Belo Horizonte eu tinha amigos entatildeo participei a
eles sobre a minha pretensatildeo em procurar terras para abrir
novas frentes de trabalho Geraldo Simotildees amigo de longas
datas falou-me ldquoEu arranjo o dinheiro e vocecirc entra com o
serviccedilordquo Convidou uma meia duacutezia de amigos nossos
ldquoAcreditamos na sua capacidade e vocecirc vai pra laacuterdquo Noacutes natildeo
temos experiecircncias suficientes nesse ramo de negoacutecio o que
nos dificultaria particularmente a implantaccedilatildeo de um trabalho
dessa ordem mas entramos com o dinheiro (ENTREVISTA
com Rubens Rezende Peres colonizador de Vila Rica-MT
realizada por Suely Gonccedilalves Santos Pires em 2002)
Neste relato percebe-se a autopromoccedilatildeo do colonizador ao demonstrar que
ele era um ldquotrabalhadorrdquo acostumado com ldquoserviccedilos de grande porterdquo com iniciativa
para conseguir agregar em seus empreendimentos outros ldquoamigosrdquo como Geraldo
Simotildees que foi um dos donos das fazendas abertas naquele periacuteodo Essa narrativa de
autopromoccedilatildeo estaacute dentro de uma loacutegica baseada no ideaacuterio de que o colonizador
deveria ter esse perfil de ldquoempreendedorrdquo e ldquopioneirordquo e que trabalhava e tudo fazia
A narrativa de autopromoccedilatildeo contrapotildee ao esquecimento de outros pioneiros
e trabalhadores na eacutepoca da formaccedilatildeo da cidade O esvaziamento de sentido aparece na
narrativa apenas como apecircndice da construccedilatildeo da histoacuteria oficial do ldquoprogressordquo e do
ldquopioneirismordquo denotando portanto a pouca importacircncia desses trabalhadores Essa
visatildeo reforccedila o discurso do ldquofui eu quem fizrdquo acentuando ainda mais uma visatildeo
capitalista evidenciada e reforccedilada nas referecircncias sobre as contribuiccedilotildees do Frigoriacutefico
de Vila Rica-MT
Guimaratildees Neto (2011 p 95) discute a relaccedilatildeo entre a colonizaccedilatildeo e os
dispositivos de poder a partir do imaginaacuterio da cidade sobre o trabalho A autora afirma
que ldquo[] no acircmbito dos discursos objetivam dotar de significado poliacutetico econocircmico e
social os espaccedilos destinados agrave colonizaccedilatildeo a pedra angular eacute a produccedilatildeo da ideia ou
invenccedilatildeo de uma vocaccedilatildeo agriacutecola para a Amazocircniardquo Entatildeo temos nesse caso uma
aproximaccedilatildeo dessa realidade entre os espaccedilos sociais e as contribuiccedilotildees dos sujeitos
para uma Paacutetria produtiva a partir de seus municiacutepios
48
A seguir temos outro exemplo de como o discurso do colonizador soa como
uma reivindicaccedilatildeo em torno do reconhecimento por parte de todos os demais sujeitos
histoacutericos jaacute que foi ele quem construiu tudo em uma eacutepoca em que tudo era muito
difiacutecil e trabalhoso
[] Fui para aquela regiatildeo procurei as terras sobrevoando a
regiatildeo mais sul possiacutevel do Amazonas Interessei-me pela
regiatildeo por ficar mais perto do sul Eu acreditava que a
influecircncia do Sul no futuro seria importante Achei finalmente
as terras [] Procurando passei em muitas fazendas para
verificar como os capins se desenvolviam naquelas regiotildees e
finalmente descobri uma aacuterea que satisfez minhas exigecircncias
[] Eram cento e cinquenta mil hectares comprei de uma
firma do Rio Grande do Sul e posteriormente vendi parte dela
cinquenta mil hectares para fazendeiros de Ituiutaba -MG O
restante eu fiz sete fazendas para este grupo de Belo Horizonte
que jaacute tinha entrado com o dinheiro para a aquisiccedilatildeo da terra
(ENTREVISTA com Rubens Rezende Peres colonizador de
Vila Rica-MT realizada por Suely Gonccedilalves Santos Pires em
2002)
Ao contraacuterio da narrativa oficial do colonizador que exalta os seus esforccedilos e
problemas o relato oral de alguns colonos demonstra precisamente que foram eles que
enfrentaram os maiores problemas superaram os piores desafios e venceram por
esforccedilos pessoais e coletivos quando necessaacuterio
Noacutes eacuteramos seis famiacutelias aiacute com 15 dias em Mato Grosso o
pessoal comeccedilou adoecer com malaacuteria que ateacute entatildeo era
desconhecida pra gente quando o pessoal foi negociar as
terras disseram que aqui era um lugar muito sadio natildeo tinha
doenccedila Entatildeo quem tinha condiccedilatildeo voltou a ir embora e noacutes
ficamos aqui soacute que aiacute acabou tudo com doenccedila e fomos
trabalhar como peotildees pra quem tinha mais Ai depois de
alguns anos a gente mudou daquele local e procuramos um
lugar onde natildeo tinha doenccedila malaacuteria ateacute chegar na cidade de
Vila Rica-MT voltar a morar na cidade Aqui eu vendia picoleacute
limpava quintal trabalhei de servente de pedreiro ateacute que
surgiu a oportunidade pra ir estudar fora eu fui a estudar em
Satildeo Paulo (ENTREVISTA com Gilmar Assentado realizada
pela autora em marccedilo de 2015 Grifos do autor)
O relato mostra que havia colonos insatisfeitos com a aquisiccedilatildeo do lote e que
tinham vontade ou mesmo conseguiram voltar para seus lugares de origem Poreacutem
49
percebe-se tambeacutem a existecircncia de objetivos na vida destas pessoas como a luta pela
sobrevivecircncia e por ocupaccedilatildeo de destaque no espaccedilo social
Para aleacutem dessa problemaacutetica sobre a narrativa e o discurso do colonizador
um dos elementos principais foi o papel de instituiccedilotildees e oacutergatildeos puacuteblicos na criaccedilatildeo e
emancipaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica que se deu principalmente por meio de
programas e poliacuteticas puacuteblicas ligadas ao incentivo agrave colonizaccedilatildeo e a reocupaccedilatildeo por
meio de empresas agropecuaacuterias
121 O papel das instituiccedilotildees e oacutergatildeo puacuteblicos as empresas agropecuaacuterias
e a colonizadora
Conforme jaacute contextualizado a atuaccedilatildeo do Governo Federal atraveacutes de
projetos e poliacuteticas puacuteblicas foi fundamental para a criaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica-
MT O Programa de Redistribuiccedilatildeo de Terras e de Estiacutemulo agrave Agroinduacutestria do Norte
(Proterra) criado em 1971 foi um dos principais programas federais de financiamento
das agropecuaacuterias daquela aacuterea Esse programa objetivava dentre outras metas
promover o acesso agrave terra e agrave agroindustrializaccedilatildeo na aacuterea onde jaacute havia investimentos
feitos pela Sudam Ressaltamos que os objetivos idealizados natildeo foram necessaria e
igualmente realizados
No discurso do Proterra a ldquo[] aquisiccedilatildeo ou desapropriaccedilatildeo de terras de
interesse social empreacutestimos fundiaacuterios para pequenos e meacutedios produtores rurais
financiamento de projetos de agroindustrializaccedilatildeo subsiacutedios ao uso de insumos
modernos []rdquo Era um programa de governo que idealizou a organizaccedilatildeo de alguns
espaccedilos agraacuterios de maneira singular Cruzando com as fontes orais eacute possiacutevel verificar
o impacto desse programa na formaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica
[] Na eacutepoca o governo estava dando estiacutemulo para a
ocupaccedilatildeo da Amazocircnia Legal Era uma modalidade de
empreacutestimo por nome Proterra que o Banco do Brasil dava
Esse recurso era destinado agrave implantaccedilatildeo de Fazendas na
regiatildeo [] Fiz um projeto para cada um dos meus amigos e
criamos uma empresa para a implantaccedilatildeo das fazendas
denominadas de SERVAP exclusivamente nossa composta por
seis soacutecios e dirigida por meu filho Claudio [] Todo aquele
trabalho no Mato Grosso foi dirigido por mim Implantei todas
as fazendas de acordo com os Projetos do BB fizemos pastos
currais as cercas e compramos o gado para depois de quatro
ou cinco anos poder entregar as referidas fazendas para cada
50
um dos soacutecios [] Nesse periacuteodo surgiu a oportunidade de
comprar mais cem mil hectares de terras anexas agraves nossas e
que pertenciam na eacutepoca ao Sr Osvaldo Aranha ou melhor a
uma empresa dele Logo em seguida compramos a Urupianga
(ENTREVISTA com Rubens Rezende Peres colonizador de
Vila Rica - MT realizada por Soely Gonccedilalves Santos Pires em
2002)
O colonizador Rubens Rezende considera como meacuterito do colonizador
ousadia ldquodesbravamentordquo e ldquoempreendedorismordquo como base apoio e financiamentos
de programas do Governo Federal viabilizados pelo Banco do Brasil A deacutecada de
1970 sobretudo as os anos de 1970-1973 e 1975-1979 foi marcada pela execuccedilatildeo de
um programa de crescimento econocircmico na fronteira Amazocircnica quando o Governo
Federal estimulou as empresas privadas a se constituiacuterem em grandes empreendimentos
agropecuaacuterios Esses projetos eram majoritariamente aqueles que viabilizados pela
parceria entre as empresas estatais e privadas
Na execuccedilatildeo desse projeto de crescimento econocircmico do Brasil sobretudo
para a Amazocircnia o Governo Federal subsidiou e viabilizou a concessatildeo de terras para
que grupos empresariais pudessem instalar grandes projetos tanto no setor
agropecuaacuterio como na induacutestria mineraccedilatildeo e colonizaccedilatildeo No espaccedilo do Araguaia as
empresas agropecuaacuterias tiveram significativa presenccedila
Os projetos e programas do Governo Federal contaram com duas principais
frentes de atuaccedilatildeo atraveacutes da Sudam paralelamente com a atuaccedilatildeo do INCRA com
projetos de assentamentos rurais Assim as terras devolutas foram vendidas pelo
Governo Estadual e adquiridas a preccedilos baixos por empresaacuterios agricultores
profissionais liberais atraiacutedos pelos incentivos fiscais e oportunidades de expansatildeo de
capital fomentado por projetos agropecuaacuterios aprovados pela Sudam Comprar e
administrar extensas fazendas na Amazocircnia parecia ser um bom negoacutecio jaacute que oferecia
baixo risco
Lourenccedilo (2009) informa que no periacuteodo de 1970 a 1985 a Amazocircnia Legal
teve 950 projetos aprovados pela Sudam dos quais 631 eram destinados agrave pecuaacuteria
extensiva Embora a previsatildeo de duraccedilatildeo desses projetos fosse de 16 anos a produccedilatildeo
era em meacutedia 9 do que tinha sido proposto Havia ainda as fazendas agropecuaacuterias
que natildeo produziam praticamente nada aleacutem daquelas que soacute existiam no papel
constituiacutedas apenas para a captaccedilatildeo de financiamentos e incentivos fiscais
51
No iniacutecio da deacutecada de 1970 o Governo Federal permitiu que as empresas de
colonizaccedilatildeo privada participassem juntamente com o INCRA da colonizaccedilatildeo na
Amazocircnia Segundo Lourenccedilo (2009 p 4)
O outro braccedilo da estrateacutegia de ocupaccedilatildeo da Amazocircnia com o
grande capital foi o avanccedilo da colonizaccedilatildeo privada Entre o
comeccedilo dos anos 1970 e meados dos anos 1980 principalmente
no Norte do Mato Grosso empresaacuterios como Ecircnio Pepino
Ariosto da Riva e Joatildeo Carlos Meireles compraram do INCRA
ou do estado do Mato Grosso com financiamento fundiaacuterio do
Proterra imensas glebas para divisatildeo e venda de lotes a colonos
do Sul expulsos pela modernizaccedilatildeo excludente da agricultura
ou afetados pela construccedilatildeo de hidreleacutetricas Os nomes das
cidades na metade norte do estado satildeo reveladores de suas
origens na empresa privada Sinop (Sociedade Imobiliaacuteria
Noroeste do Paranaacute) Confresa (Colonizadora Frenova Sapesa)
Contriguaccedilu (Cooperativa Central Regional Iguaccedilu) Codeara
(Companhia de Desenvolvimento do Araguaia do Banco de
Creacutedito Nacional) e outros nomes menos reveladores mas de
mesma origem como Alta Floresta (Indeco) Nova Mutum
(Agropecuaacuteria Mutum) Vila Rica-MT (Colonizadora Vila
Rica-MT) Tucumatilde (Construtora Andrade Gutierrez no Paraacute)
entre vaacuterios outros (Grifos nossos)
Em Mato Grosso as empresas de colonizaccedilatildeo privada adquiriram vaacuterios
milhotildees de hectares de terras puacuteblicas que foram loteadas e revendidas sobretudo para
agricultores que migraram do Sul do Brasil O INCRA que era responsaacutevel pela
colonizaccedilatildeo na Amazocircnia desenvolveu poucos projetos de colonizaccedilatildeo em Mato
Grosso deixando o campo aberto para as empresas privadas
Pouco foi investido por parte de posteriores Governos Federais e Estaduais na
permanecircncia dos assentados em suas terras centralizando os anseios e reinvindicaccedilotildees
ainda no INCRA Somente em 1999 o Governo Federal criou o Ministeacuterio do
Desenvolvimento Agraacuterio (MDA) Este oacutergatildeo se ocupou do reordenamento agraacuterio e
regularizaccedilatildeo fundiaacuteria na Amazocircnia Legal promoccedilatildeo do desenvolvimento sustentaacutevel
da Agricultura Familiar das regiotildees rurais e na identificaccedilatildeo reconhecimento
delimitaccedilatildeo demarcaccedilatildeo e titulaccedilatildeo das terras ocupadas pelos remanescentes das
comunidades quilombolas
Estes oacutergatildeos (INCRA e MDA) foram responsaacuteveis pelo desenvolvimento da
poliacutetica permanente de criaccedilatildeo de assentamentos rurais no paiacutes enquanto mediadores da
aquisiccedilatildeo ou de expropriaccedilatildeo de novas aacutereas de terras privadas ou puacuteblicas aleacutem da
52
realizaccedilatildeo da regularizaccedilatildeo de assentamentos rurais em aacutereas ocupadas por posseiros de
forma ldquomansardquo e paciacutefica ou seja onde natildeo havia conflito
O INCRA definiu o ldquoProjeto de assentamento ruralrdquo (PA) como
[] um conjunto de unidades agriacutecolas independentes entre si
instaladas pelo INCRA onde originalmente existia um imoacutevel
rural pertencente a um uacutenico proprietaacuterio Cada unidade
chamada de parcela lote ou gleba eacute entregue a uma famiacutelia sem
condiccedilotildees econocircmicas para adquirir e manter um imoacutevel rural
por outras vias Os trabalhadores rurais que recebem o lote
comprometem-se a morar na parcela e a exploraacute-la para seu
sustento utilizando a matildeo de obra familiar e contando com
creacuteditos assistecircncia teacutecnica infraestrutura e outros benefiacutecios
de apoio ao desenvolvimento das famiacutelias assentadas Ateacute que
possuam a escritura do lote os assentados estaratildeo vinculados ao
INCRA e natildeo poderatildeo dispor da gleba sem anuecircncia ou
autorizaccedilatildeo do INCRA10
Como assinalado acima o assentamento rural na definiccedilatildeo apresentada pelo
MDA teve como origem um uacutenico imoacutevel rural dividido em vaacuterias partes denominadas
de ldquoparcela lote ou glebardquo Ressalta-se que estes lotes foram destinados ldquo[] a uma
famiacutelia sem condiccedilotildees econocircmicas para adquirir e manter um imoacutevel ruralrdquo e que os
mesmos ldquo[] comprometem-se a morar na parcela e a exploraacute-la para seu sustento
utilizando a matildeo de obra familiarrdquo (INCRA 2015)
No municiacutepio de Vila Rica-MT a criaccedilatildeo e formaccedilatildeo dos assentamentos
rurais teve influecircncia direta no processo de colonizaccedilatildeo e instalaccedilatildeo de projetos
agropecuaacuterios (fazendas) O processo de reocupaccedilatildeo daquele espaccedilo comeccedilou com a
empresa SERVAP que realizou a exploraccedilatildeo desmatamento formaccedilatildeo de pastagens
currais e casas para as fazendas
122 A Servap e a abertura das Fazendas Promissatildeo Satildeo Marcos Aracatiacute e
Porongaba
Apoacutes a ldquoaberturardquo inicial a Servap transferiu parte das terras para a
Colonizadora Vila Rica O colonizador se responsabilizou pela comercializaccedilatildeo das
terras uma vez que seus soacutecios natildeo tinham experiecircncia com esse tipo de
10 Disponiacutevel em lt httpwwwincragovbrassentamentogt Acesso em 19052015
53
empreendimento Assim sendo segundo Pires (2002 p 22) os soacutecios realizaram a
divisatildeo das fazendas entre os mesmos por meio de um sorteio como foi relatado por
alguns funcionaacuterios da antiga empresa SERVAP
A ideia de praticar o sorteio foi vista como estrateacutegia para natildeo gerar
descontentamento jaacute que havia diferenccedila entre as fazendas em termos de valorizaccedilatildeo
da aacuterea o que tinha relaccedilatildeo com a infraestrutura os investimentos realizados e a
distacircncia da fazenda com a estrada por onde passaria a rodovia BR-158
A SERVAP tambeacutem tinha uma serraria e uma oficina de marcenaria para
atender a demanda de exploraccedilatildeo de madeira a qual era utilizada para a construccedilatildeo de
cercas currais e casas No iniacutecio a maioria das casas da aacuterea era construiacuteda com
madeira
Retomando o relato oral do ldquodito pioneirordquo eacute possiacutevel considerar a hipoacutetese
de que a praacutetica de exploraccedilatildeo de madeira esteja relacionada agrave proacutepria experiecircncia de
vida pois eacute ele mesmo quem diz ldquo[] minha histoacuteria comeccedila com o meu pai eacuteramos
madeireiros ele jaacute atuava no ramo por muitos anos faleceu e eu o substituiacute no
trabalhordquo (ENTREVISTA com Mendonccedila apud Soely 2002)
Na sede da empresa havia ainda uma pista para pouso de aviotildees e uma aacuterea
que servia como local de encontro ldquodos peotildeesrdquo que trabalhavam na SERVAP Os peotildees
costumavam ali se reunir nos horaacuterios de folga daiacute o lugar ser nomeado como ldquoPraccedila
Seterdquo Segundo Pires (2002 p 22) o nome era uma homenagem agrave cidade de Belo
Horizonte capital de Minas Gerais jaacute que a grande maioria das pessoas que trabalhava
na Servap era oriunda daquele Estado Esse espaccedilo tambeacutem se constituiu no eixo que
marcava a divisatildeo das quatro fazendas que deram origem ao processo de colonizaccedilatildeo de
Vila Rica conforme a Figura 4
Figura 4 Croqui de localizaccedilatildeo das fazendas
54
Fonte PIRES 2002 p 10
E como haviam sido ldquocriadasrdquo segundo o colonizador outras trecircs fazendas a
nova organizaccedilatildeo das agropecuaacuterias ocorreu da seguinte maneira ldquoFazenda Aracati
passou a ser de propriedade apenas de Rubens Rezende Peres A Fazenda Promissatildeo de
propriedade de Geraldo Franccedila Simotildees A Fazenda Porongaba de propriedade de Alair
Fernandes A Fazenda Ipecirc ficou sendo de Jonas Barcelos enquanto a fazenda Satildeo Joseacute
tornou-se propriedade de Homero Schettino Jaacute a Fazenda Satildeo Marcos do senhor
Miguel Acircngelo Cansado e a Fazenda Acaiaca de Tuacutelio Feliacutecio da Silvardquo (PIRES
2002)
Algumas dessas fazendas tornaram-se ociosas em termos de produccedilatildeo outras
nunca tiveram atividade agropecuaacuteria efetivada e outras faliram como foi descrito por
Lourenccedilo (2009 p 4) ao referir-se ao contexto dos projetos agropecuaacuterios na
Amazocircnia sobretudo no Araguaia
[] que existiu de fato foi o conflito crocircnico entre as grandes
fazendas e as populaccedilotildees camponesas que jaacute habitava a suposta
ldquoterra sem homensrdquo [] O Meacutedio Araguaia e a regiatildeo de
contato entre as bacias do Araguaia e Xingu foram palco de
inuacutemeros conflitos violentos entre posseiros apoiados pela
Igreja Catoacutelica e grandes fazendeiros que reclamavam de
imensas porccedilotildees de terra11
11Disponiacutevel em lthttpinteressenacionaluolcombrindexphpedicoes-revistaregularizacao-
fundiaria-e-desenvolvimento-na-amazoniagt Acesso em 28082015
55
As aacutereas remanescentes tornaram-se objeto de interesse e disputa por parte de
posseiros agricultores familiares grileiros e fazendeiros Logo natildeo eacute possiacutevel falar de
sucesso contiacutenuo e permanente dos processos de colonizaccedilatildeo ainda que estejam no
ideaacuterio do colonizador Alguns desses projetos privados se sustentaram e deram
resultado poreacutem outros ficaram a mercecirc da administraccedilatildeo dos proprietaacuterios das
empresas colonizadoras
A especificidade da formaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica-MT
estaacute centrada em uma conjuntura regional que pode ser problematizada pela forma com
que os assentamentos rurais foram sendo formados em aacutereas remanescentes de fazendas
e projetos agropecuaacuterios
13 Anos de 1980 a 1990 o Araguaia e a formaccedilatildeo dos assentamentos rurais
Na presente dissertaccedilatildeo produzimos uma narrativa sobre a formaccedilatildeo dos
assentamentos rurais no Araguaia compreendemos que os mesmos resultaram das lutas
travadas pelos movimentos sociais desencadeados pelos posseiros em busca de terra
para morar e produzir Essa concepccedilatildeo pode ser compartilhada com a ideia de que
apesar da evidecircncia de o assentado nem sempre ser aquele idealizado natildeo se pode
perder de vista que ldquoposseirordquo eacute uma categoria poliacutetica de luta pela terra Assim nossa
escrita deseja ampliar a possibilidade de entender esse jogo poliacutetico de construccedilatildeo social
da vida ldquocampesinardquo atraveacutes da luta pela terra
Conveacutem entatildeo compreender que os conflitos e praacuteticas de violecircncia
aplicadas contra os povos indiacutegenas ribeirinhos posseiros e trabalhadores rurais no
Araguaia satildeo em geral consequecircncia das lutas pela posse da terra sobretudo nas
deacutecadas de 1970 1980 e 1990 Naquele periacuteodo as disputas foram marcadas por
embates intensos entre trabalhadores rurais indiacutegenas empresaacuterios comerciantes
fazendeiros e posseiros deixando sequelas sociais profundas Vale lembrar ainda que
esses acontecimentos marcaram a trajetoacuteria de luta pela vida e a memoacuteria dos sujeitos
histoacutericos na dinacircmica de reocupaccedilatildeo e apropriaccedilatildeo dos espaccedilos rurais da aacuterea
Diante do cenaacuterio de luta pela sobrevivecircncia e tentativas de conquistar a
posse da terra eacute bem possiacutevel aceitar e afirmar que se natildeo fosse o apoio e as accedilotildees
poliacuteticas de algumas instituiccedilotildees como a Prelazia de Satildeo Felix do Araguaia da
56
Comissatildeo Pastoral da Terra (CPT) e os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais em favor
dos posseiros e indiacutegenas o territoacuterio do Araguaia hoje teria outra configuraccedilatildeo social
e cultural Da mesma maneira teriacuteamos outras histoacuterias e outras relaccedilotildees sociais para
analisar e compreender a dinacircmica da vida ldquocampesinardquo na luta por seus ideais
Essas circunstacircncias satildeo tatildeo especiais que o proacuteprio aparato estatal
reconheceu os esforccedilos das instituiccedilotildees sociais e religiosas na proteccedilatildeo amparo e
contribuiccedilatildeo para com a vida dos ldquopequenosrdquo lutadores pela vida Esses documentos
por exemplo demonstram os acontecimentos para o MDA (2014 p 17) da seguinte
maneira
Cabe destacar ainda o importante papel da Igreja e dos
sindicatos dos trabalhadores rurais na intermediaccedilatildeo dos
conflitos agraacuterios e no proacuteprio processo de ocupaccedilatildeo atraveacutes da
organizaccedilatildeo das comunidades rurais e estruturaccedilatildeo dos
municiacutepios Ainda hoje a CPT realiza accedilotildees de fiscalizaccedilatildeo e
denuacutencias de trabalho escravo e violecircncia no campo na
microrregiatildeo norte Araguaia
Em plena concordacircncia com o significado atribuiacutedo pelo MDA reafirmamos
que os posseiros e trabalhadores rurais do territoacuterio do Araguaia recorreram a diferentes
estrateacutegias e instituiccedilotildees reordenando determinadas estrateacutegias diante do processo de
reocupaccedilatildeo territorial que ora se revelavam ldquoespontaneamenterdquo ora se mostraram de
forma pensada e arquitetada ganhando singularidades adequadas e bem ordenadas
quando articuladas agrave CPT e agrave Prelazia de Satildeo Felix do Araguaia
Tais instituiccedilotildees desenvolveram eficientes accedilotildees projetivas e formativas das
equipes dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais da aacuterea marcadas por distintos tipos
de comportamentos e de relaccedilotildees proacuteximas entre sujeitos e instituiccedilotildees produzindo
diversos significados na vida de um povo de uma instituiccedilatildeo ou de uma autoridade
Assim ao apresentar o livro Conquistar a Terra reconstruir a Vida lanccedilado
em comemoraccedilatildeo aos dez anos de existecircncia da CPT uma das mais importantes
autoridades religiosas daquela aacuterea o bispo da Prelazia de Satildeo Feacutelix do Araguaia Dom
Pedro Casaldaacuteliga resolveu de uma maneira poeacutetica e profeacutetica produzir sentido como
um cacircntico de liberdade e de determinaccedilatildeo de um povo registrando sua compreensatildeo da
seguinte forma
57
Celebrar os dez anos da Comissatildeo Pastoral da Terra deve ser
simultaneamente um ato penitencial uma memoacuteria de martiacuterio
e uma cantiga rural de accedilatildeo de graccedilas
A CPT tem os seus pecados Inimigos e amigos cuidaram e
cuidam de lembraacute-lo oportuna e inoportunamente E isso nos
faz Ser criacuteticos e autocriacuteticos deveria ser um traccedilo de
identidade marcante em toda a pastoral que se queira
historicamente engajada e fiel ao ritmo popular A accedilatildeo de
graccedilas queremos cantaacute-la porque o Deus dos Pobres da Terra
se tem feito presente de muitos modos nesta nossa caminhada
entre os lavradores e os agentes na proacutepria CPT e a partir dela
em outros setores da Igreja do Brasil e tambeacutem em Igrejas e
movimentos rurais da Ameacuterica Latina que a CPT de alguma
maneira atingiu com suas contribuiccedilotildees
Superados o tempo da saudade e a saudade- que nem todos
conseguem superar- daquela Accedilatildeo Catoacutelica e seus derivados
mais com o esquema da Igreja ldquosociedade perfeita paralela agrave
sociedade humana a CPT trouxe inegavelmente agrave Igreja do
Brasil uma novidade pastoral seguindo o jeito pioneiro do
CIMIrdquo
[] Sei que muitos mais ou menos amigos- reclamaram com
frequecircncia do ldquoPrdquo nem sempre bem vivido da nossa CPT
agora mocinha de 10 anos Outros reclamaram do ldquoTrdquo
obsessivamente vivido pela CP segundo eles
(CASALDAacuteLIGA 1985 p 7-8)
Percebemos no texto uma evidente preocupaccedilatildeo de Dom Pedro Casaldaacuteliga
em reconhecer os ldquopecados da CPTrdquo que satildeo constantemente debatidos por ldquoinimigos e
amigosrdquo que apontam os problemas causados pelas accedilotildees da CPT e da Prelazia de Satildeo
Feacutelix do Araguaia As criacuteticas quanto ao fato da CPT ser uma ldquopastoralrdquo satildeo
evidenciadas pelo bispo que sabe que muitos satildeo os criacuteticos dessa forma de organizaccedilatildeo
e luta pastoral mas pondera que
Com a graccedila do Senhor da Terra e na marcha diaacuteria para a Terra
Prometida que se recebe e se conquista desafio histoacuterico e dom
escatoloacutegico procuramos conjugar melhor com mais garra
com nova alegria mais autenticamente evangeacutelicos e rurais o
ldquoP‟ e o ldquoTrdquo de uma Pastoral da Terra criacutetica livre e servidora A
foacutermula providencial da CPT estaacute longe de se esgotar
(CASALDAacuteLIGA 1985 p 8)
Logo Dom Pedro aponta para a necessidade de a CPT ter sua praacutetica
ancorada na necessidade dos atores sociais e que essa situaccedilatildeo estaacute ldquolonge de se
esgotarrdquo Ressaltamos que mesmo diante de equiacutevocos praticados a atuaccedilatildeo dessa
instituiccedilatildeo e de seus agentes foi decisiva para a dinacircmica da luta pela terra no Araguaia
58
Nas palavras de Dom Pedro fica evidente o caraacuteter de uma consciecircncia dos
atores sociais para a luta
Queria e quero estar evangelicamente - evangelizadoramente
tambeacutem - em meio ao povo lavrador reforccedilando sua
consciecircncia e a coragem unida de suas lutas sem entretanto
substituir jamais suas organizaccedilotildees autocircnomas sem dirigi-lo
condicionadamente Ouvindo-o muito mais perto Ajudando
toda a Igreja do Brasil a se aproximar desse povo profeacutetica e
servidora Voltando- se tambeacutem para a opiniatildeo puacuteblica do paiacutes
como porta-voz de emergecircncia e alto falante privilegiado do
clamor dos lavradores durante este escuro tempo nacional que
proibia ou tergiversava ou ignorava a voz do povo
(CASALDAacuteLIGA 1985 p 7)
O bispo ainda fez uma anaacutelise de conjuntura em que a luta pela terra os
direitos e a permanecircncia nela natildeo satildeo problemas superados
Gostaria de acrescentar apenas que esse tempo escuro mal
comeccedila a clarear A Nova Repuacuteblica pode muito bem ser uma
nova ilusatildeo uma nova fraude Os senhores deste mundo nosso
colonizado e dependente poderatildeo permitir que mudem os
governos e ateacute os regimes e ateacute os regimes filiais sempre que se
preserve a alma sem alma do sistema E com se mantenha o
sacrifiacutecio do Povo e sua escravidatildeo particularmente no campo
sempre cobiccedilado pelos sucessivos impeacuterios
E porque esse tempo natildeo passou ainda- amanhece na incerteza-
a Igreja toda do Brasil e a CPT em sua missatildeo especiacutefica
deveratildeo se hoje mais do que nunca servidoras alertadas do
Povo dos pobres De um jeito novo sem duacutevida mais fina a
profecia mais plural a presenccedila do diaacutelogo mais largo os
passos mais concretos []
Como me sinto parte nesta causa natildeo entro em mais juiacutezos Eu
e a CPT carregados carregamos no coraccedilatildeo um monte de nomes
entranhados que o senhor sem duacutevida escreveraacute com terra e
sangue no Livro da Terra Este livro jubilar de palavras e papel
sirva para recordar para avaliar para estimular a caminhada
sempre fiel e sempre nova (CASALDAacuteLIGA 1985 p 10)
Atraveacutes das palavras do bispo Dom Pedro podemos compreender melhor a
perspectiva da accedilatildeo da CPT e o significado da relaccedilatildeo entre posseiros e as instituiccedilotildees
religiosas especificamente atraveacutes de seus agentes e grupos sociais muacuteltiplos e diversos
que vivem no Araguaia indiacutegenas retireiros trabalhadores rurais posseiros sertanejos
peotildees dentre outros grupos sociais ligados agrave terra e ao trabalho
59
Dom Pedro utiliza palavras esforccedilando-se para natildeo julgar natildeo ofender natildeo
dividir natildeo pregar o oacutedio evitando falar sobre o desafio do poder constituiacutedo ou das
forccedilas dos poderes sociais e econocircmicos visiacuteveis na sociedade Ao contraacuterio reconhece
o valor das lutas relembra a anguacutestia e a necessidade delas valoriza a opccedilatildeo feita para
construir uma histoacuteria de uma instituiccedilatildeo e acima de tudo compromete-se com os
grupos sociais fragilizados e vitimizados do Araguaia
Seus escritos soam como um lamento como um choro de alegria por ter
realizado o sonho de estar partilhando a vontade de vencer e sobreviver na sociedade
capitalista Portanto trata-se nessa longa citaccedilatildeo de uma arte de compor a frase de
compor o sentido dos acontecimentos em belas frases de mergulhar no mundo das
letras para reafirmar questotildees sublimes da sensibilidade humana que se deslocam agraves
instituiccedilotildees colocando em movimento um conjunto de recursos que servem para a luta
na disputa pela terra e em defesa dos socialmente fragilizados Talvez seja este
fragmento de texto uma oraccedilatildeo que orientou seu sentido de vida enfim que o moveu
para o terreno da poliacutetica da Igreja Catoacutelica em defesa de setores sociais empobrecidos
Sem descuidar da compreensatildeo deles a Igreja ampliando o trajeto para
multiplicar nossa capacidade de conhecer possibilitou que compreendecircssemos outras
contribuiccedilotildees Assim para Ferreira Fernaacutendez e Silva (1999) a histoacuteria dos
assentamentos rurais em Mato Grosso natildeo foge agraves caracteriacutesticas de outras regiotildees do
Brasil A maior parte deles eacute resultado da luta dos posseiros que demandavam terra e
moradia
A partir daqui nossa visatildeo da disputa pela terra se amplia no sentido de
perceber a intervenccedilatildeo de setores sociais em defesa de seus respectivos grupos Cada
um deles possui uma agremiaccedilatildeo que produz a disputa no terreno da religiatildeo ou da
poliacutetica Compreendida desta forma fica mais intensa nossa necessidade de estudar
ainda mais a participaccedilatildeo dos movimentos sociais sindicais e religiosos na luta pela
terra
Isso porque a primeira vitoacuteria de uma luta pela terra tem como fator decisivo
a posse de um territoacuterio e isso depende das relaccedilotildees que se estabelecem Por isso de
acordo com Fernandes (1996 p 181) ldquo[] O assentamento eacute o territoacuterio conquistado
eacute portanto um novo recurso na luta pela terra que significa parte das possiacuteveis
conquistas representadas sobretudo a possibilidade da Territorializaccedilatildeordquo
60
Sendo assim eacute relevante compreender as diversas accedilotildees que envolvem o
processo de luta e conquista da terra sendo preciso compreender as taacuteticas de luta e as
estrateacutegias ordenadas para a conquista e natildeo conhecer apenas o ato de regularizaccedilatildeo
oficial do assentamento rural Afinal a oficializaccedilatildeo de um assentamento rural natildeo diz
tudo sobre a luta pela terra Apenas legitima sua posse de acordo com as orientaccedilotildees
estatais
Portanto as relaccedilotildees produzidas as accedilotildees articuladas de maneira organizada
entre sujeitos e instituiccedilotildees levam a um novo mundo de reconfiguraccedilatildeo das afinidades
Nessa mesma perspectiva Salazar (2005 p 217) afirma que
Em um mesmo territoacuterio se pode encontrar diferentes
assentamentos humanos articulados entre si ou natildeo na medida
em que cumprem um papel social econocircmico cultural e
poliacutetico dentro da sociedade que o faz possiacutevel e dentro do
sistema econocircmico ao qual se vinculam O caraacuteter e o
desenvolvimento das poliacuteticas estatais frente ao territoacuterio e agrave
populaccedilatildeo tambeacutem condicionam a apropriaccedilatildeo que faccedila [sic] a
sociedade do espaccedilo e seus recursos
Agrave luz da concepccedilatildeo do autor pode-se considerar que os assentamentos rurais
constituem vivecircncias e experiecircncias e satildeo permeados por relaccedilotildees fortemente marcadas
por disputas e perspectivas de poder interesses intenccedilotildees poliacuteticas e percepccedilotildees
diferentes acerca da funccedilatildeo e das relaccedilotildees constituiacutedas entre o Estado e a Sociedade
entre os proacuteprios participantes e componentes das organizaccedilotildees sociais
Logo as poliacuteticas puacuteblicas direcionadas aos assentamentos rurais criam
tambeacutem elementos de competiccedilatildeo pelo poder na medida em que lhes satildeo atribuiacutedos
novos sentidos e significados Isto se deve ao fato de que eacute atraveacutes das praacuteticas e dos
discursos que os diferentes sujeitos histoacutericos criam e recriam a representaccedilatildeo acerca da
funccedilatildeo dos assentamentos rurais
Ao considerar os muacuteltiplos contextos no que concerne agraves condiccedilotildees de luta
dos assentados pela Reforma Agraacuteria percebemos que estes atores sociais recorreram a
diferentes estrateacutegias para atraiacuterem a atenccedilatildeo das autoridades enquanto Poder Puacuteblico
No cenaacuterio das disputadas nos movimentos de organizaccedilatildeo das lutas nas composiccedilotildees
coletivas para enfrentamento das individualidades do poder econocircmico e diante da
violecircncia que sempre emergiu na luta pela terra desde os recursos proporcionados pela
miacutedia ateacute o enfrentamento com pistoleiros e fazendeiros os agentes que reivindicam
61
terra disputam a articulaccedilatildeo entre sujeitos e instituiccedilotildees entre oacutergatildeos e instacircncias de
poder
Esse movimento natildeo se limita somente ao enfrentamento dos portadores de
tiacutetulos e ou proprietaacuterios de terra ou entre grandes posseiros ou grileiros de terras
puacuteblicas Necessariamente os estudos devem caminhar no sentido de perceber outras
variaccedilotildees no seu interior
Conforme Ferreira Fernaacutendez e Silva (2009 p 197)
Em Mato Grosso as poliacuteticas de assentamento dos
trabalhadores rurais principalmente a colonizaccedilatildeo (oficial e
privada) e os assentamentos de reforma agraacuteria sobre vaacuterios
aspectos devem ser mais estudados de dupla matildeo certamente
natildeo se referem a daacutedivas mas agraves conquistas dos trabalhadores
em accedilatildeo conjunta com o estado O assentamento de reforma
agraacuteria eacute um processo em curso repleto de fatores positivos e
limitaccedilotildees que coloca no plano social poliacutetico econocircmico e
ambiental possibilidades de ecircxito da produccedilatildeo familiar no
campo
Os autores chamam a atenccedilatildeo para o fato de que ao tomarmos os
assentamentos rurais em Mato Grosso como objeto de estudo eles devem ser estudados
em uma perspectiva que aponte o percurso e os significados das lutas sociais frente agrave
conquista de novos territoacuterios Ao mesmo tempo natildeo devemos limitar nossos olhares
simplesmente para os conflitos entre os grupos sociais diferenciados mas tambeacutem para
os conflitos com o proacuteprio poder puacuteblico sem esquecer as transformaccedilotildees das
condiccedilotildees de vida das pessoas que vivem da produccedilatildeo familiar Assim eacute preciso
perceber que haacute cooperaccedilatildeo compartilhamento de interesses em alguns aspectos mas
em outras circunstacircncias tambeacutem existe a necessidade de intensificar nossos
conhecimentos sobre tais processos
Por outro lado os mesmos autores consideram como questatildeo importante
tambeacutem destacar que embora os assentamentos rurais em Mato Grosso se revelem
como uma alternativa promissora na dinamizaccedilatildeo da economia e promoccedilatildeo do
desenvolvimento local os mesmos ainda estatildeo longe de serem consolidados enquanto
poliacutetica puacuteblica
De maneira especial no que tange agraves accedilotildees do Estado no sentindo de
viabilizar a infraestrutura necessaacuteria ao desenvolvimento pleno da Agricultura Familiar
e de potencializar essa modalidade de produccedilatildeo como alternativa para manutenccedilatildeo do
62
conjunto social no territoacuterio de produccedilatildeo e no espaccedilo de trabalho em que se realiza mais
como ser humano e como trabalhador
Desse modo eacute possiacutevel afirmar que o artifiacutecio da Reforma Agraacuteria deve vir
sustentado pela intensificaccedilatildeo e realizaccedilatildeo de outros elementos para que de fato e de
direito sejam asseguradas as condiccedilotildees necessaacuterias agrave ascensatildeo social e econocircmica dos
agricultores familiares Para isso eacute preciso que surjam novas accedilotildees visando a alteraccedilatildeo
dos espaccedilos institucionais no acircmbito local e regional
Soacute assim haveraacute efetivamente a possibilidade de melhoria das condiccedilotildees de
vida daqueles que sobrevivem da produccedilatildeo nos assentamentos rurais Especialmente eacute
necessaacuterio compreender que melhorando a vida no campo melhoramos a vida na
cidade onde a maior parte da populaccedilatildeo depende dos que produzem no campo para se
alimentar e consequentemente para viver Esse deveria ser um principio poliacutetico de
cidadania para todos aqueles que se envolvem com a disputa pela terra e com a luta pela
conquista do territoacuterio de trabalho da populaccedilatildeo ldquocampesinardquo
O Projeto de assentamento rural se contemplado com accedilotildees do Estado
favorece o desenvolvimento econocircmico local desde que as poliacuteticas puacuteblicas
implementadas nos assentamentos rurais sejam direcionadas para o seu fortalecimento
oferecendo-lhes maior potencial econocircmico cultural e social com um planejamento que
lhes decirc sustentaccedilatildeo numa perspectiva de meacutedio e em longo prazo sem esquecer que
qualificar a produccedilatildeo ldquocampesinardquo significa tambeacutem promover o desenvolvimento do
comeacutercio e de outros setores da economia otimizando accedilotildees para novos padrotildees de
organizaccedilatildeo e melhoria das condiccedilotildees de vida da populaccedilatildeo urbana
Em relaccedilatildeo agraves poliacuteticas de Reforma Agraacuteria no Brasil Bergamasco amp Norder
(1996) consideram que os assentamentos rurais exercem papel importante no panorama
rural brasileiro de modo particular por contribuir de forma significativa nas
transformaccedilotildees sociais e econocircmicas por meio da geraccedilatildeo de novos empregos da
diminuiccedilatildeo do ecircxodo rural aumentando assim a produccedilatildeo e a oferta de alimentos Ou
seja os assentamentos rurais tecircm um papel significativo na produccedilatildeo agriacutecola do paiacutes
Para esses autores melhorar as condiccedilotildees de vida no campo sobretudo nos
assentamentos rurais significa elevar a situaccedilatildeo econocircmica da maioria das pessoas que
vive e depende da Agricultura Familiar como uacutenico meio e fonte de renda na garantia
do sustento familiar
63
Mas essas poliacuteticas puacuteblicas combinadas com poliacuteticas sociais passam por
um constante debate sobre redefiniccedilotildees e articulaccedilotildees a exemplo definir o que eacute um
assentamento rural o significado da territorializaccedilatildeo e da compreensatildeo do papel do
sujeito campesino na vida social de um povo Esse debate eacute promovido pela sociedade
civil que delibera demandas e propotildee mudanccedilas nos oacutergatildeos e instituiccedilotildees auxiliadoras
na sua concretizaccedilatildeo como o INCRA e o MDA em relaccedilatildeo aos assentamentos rurais e
suas poliacuteticas puacuteblicas
O MDA desde sua criaccedilatildeo em 199912
tem como incumbecircncia atuar na
Reforma Agraacuteria e seu reordenamento cumprindo papel fundamental na regularizaccedilatildeo
fundiaacuteria na Amazocircnia Legal promovendo o desenvolvimento sustentaacutevel da
Agricultura Familiar nas regiotildees rurais e de maneira singular atuando na identificaccedilatildeo
reconhecimento delimitaccedilatildeo demarcaccedilatildeo e titulaccedilatildeo das terras ocupadas pelos
remanescentes das comunidades quilombolas Logo esse ministeacuterio por meio do
INCRA desenvolve poliacuteticas puacuteblicas de realizaccedilatildeo de assentamentos rurais no paiacutes e a
ainda na contemporaneidade tem demonstrado algumas necessidades prementes
Assim para realizaccedilatildeo do seu mister a Instituiccedilatildeo ou oacutergatildeo principal do
Poder Puacuteblico que orienta a Questatildeo Agraacuteria o INCRA atualmente define projetos de
assentamento Rural (PA) como
[] um conjunto de unidades agriacutecolas independentes entre si
instaladas pelo INCRA onde originalmente existia um imoacutevel
rural pertencente a um uacutenico proprietaacuterio Cada unidade
chamada de parcela lote ou gleba eacute entregue a uma famiacutelia sem
condiccedilotildees econocircmicas para adquirir e manter um imoacutevel rural
por outras vias Os trabalhadores rurais que recebem o lote
comprometem-se a morar na parcela e a exploraacute-la para seu
sustento utilizando a matildeo de obra familiar e contando com
creacuteditos assistecircncia teacutecnica infraestrutura e outros benefiacutecios
de apoio ao desenvolvimento das famiacutelias assentadas Ateacute que
possuam a escritura do lote os assentados estaratildeo vinculados ao
INCRA e natildeo poderatildeo dispor da gleba sem anuecircncia ou
autorizaccedilatildeo do INCRA13
Como assinalado o assentamento rural na definiccedilatildeo apresentada pelo MDA
origina-se de um uacutenico imoacutevel rural que eacute dividido em vaacuterias partes denominada de
12
Criado atraveacutes da medida provisoacuteria 1911-12 13
Disponiacutevel em lthttpwwwincragovbrassentamentogt Acesso em 21082015
64
ldquoparcela lote ou glebardquo Essa compreensatildeo traz no seu bojo diversas possibilidades de
interpretaccedilatildeo sobretudo permite entender que se trata de eventuais processos estatais
na concretizaccedilatildeo da justiccedila agraacuteria oferecendo condiccedilotildees de trabalho agrave populaccedilatildeo que
se realiza se identifica e sobrevive da produccedilatildeo agriacutecola em pequena escala
Concluindo podemos afirmar que os assentamentos rurais no Araguaia mato-
grossense no que se refere a sua constituiccedilatildeo possuem caracteriacutesticas muito diferentes
do que eacute previsto nas diretrizes para a criaccedilatildeo dos assentamentos rurais definidas pelo o
Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria uma vez que os mesmos resultam
de atos de regularizaccedilatildeo e natildeo de criaccedilatildeo Diante disso precisamos articular nosso
pensamento voltando os olhares para os processos de duraccedilatildeo temporaacuteria diferente
para que possamos aproximar um pouco mais da realidade vivida
65
2 MEMOacuteRIAS DA REOCUPACcedilAtildeO HISTORICIZANDO OS
ASSENTANTAMENTOS RURAIS DE VILA RICA-MT (1980-2010)
Conforme analisado no capiacutetulo anterior eacute imprescindiacutevel a historicizaccedilatildeo do
processo de formaccedilatildeo dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT Para
tanto optou-se pelo recorte temporal 1980 a 2010 a partir da necessidade da proacutepria
anaacutelise A deacutecada de 1980 foi marcada pela emancipaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica e
tambeacutem pela formaccedilatildeo dos primeiros assentamentos rurais A anaacutelise se estendeu ateacute o
periacuteodo mais recente devido agraves fontes e aos dados oficiais necessaacuterios para
compreensatildeo do enfoque proposto
O principal objetivo deste capiacutetulo eacute compreender a formaccedilatildeo e o
desenvolvimento dos assentamentos rurais de Vila Rica-MT problematizando o papel e
a atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees e dos oacutergatildeos puacuteblicos como o INCRA Banco do Brasil
Empaer dentre outros aleacutem de instituiccedilotildees e entidades da sociedade civil mas tambeacutem
de movimentos sociais e sindicais como o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila
Rica CPT Prelazia de Satildeo Feacutelix do Araguaia e associaccedilotildees de pequenos produtores
rurais Para complementar a anaacutelise tornou-se indispensaacutevel buscar as accedilotildees e
estrateacutegias dos atores histoacutericos envolvidos na luta pela posse da terra
21 A transformaccedilatildeo das fazendas agropecuaacuterias em assentamentos rurais atraveacutes
da luta pela terra
Das sete fazendas agropecuaacuterias trecircs foram transformadas em Projetos de
assentamentos rurais em um periacuteodo inferior a duas deacutecadas Fazendas Ipecirc Aracati e
Satildeo Joseacute Algumas das narrativas oficiais sobre a colonizaccedilatildeo do municiacutepio declaram
que a Fazenda Porongaba cedeu parte da aacuterea que a colonizadora Vila Rica- MT Ltda
utilizou para realizar o loteamento do espaccedilo urbano
As aacutereas remanescentes dessas fazendas agropecuaacuterias foram sendo
reocupados atraveacutes das estrateacutegias de lutasresistecircncias utilizadas pelos colonos
posseiros parceleiros e pelos assentados14
Atraveacutes da dinacircmica de reocupaccedilatildeo e uso da
terra foram constituiacutedos oito assentamentos rurais regularizados pelo o INCRA neste
municiacutepio conforme dados da Tabela 1
14 Satildeo autodenominaccedilotildees das pessoas que residem nos assentamentos rurais de Vila Rica No
decorrer da pesquisa analisaremos como estas foram sendo construiacutedas neste contexto histoacuterico
66
Tabela 1 Assentamentos rurais de Vila Rica-MT
Fonte INCRA 2014
Na formaccedilatildeo de assentamentos rurais existem sujeitos histoacutericos que para o
INCRA satildeo considerados ldquoclientela de Reforma Agraacuteriardquo os quais se autodenominam
de maneiras diferentes ldquoparceleirosrdquo ou ldquoassentadosrdquo Nos assentamentos rurais do
Araguaia a denominaccedilatildeo mais utilizada eacute ldquoposseirordquo sobretudo quando se referem aos
primeiros tempos de formaccedilatildeo do assentamento rural no sentido de reafirmar que entre
os agricultores familiares haacute aqueles que se autodenominam posseiros como identidade
de luta pela posse da terra remetendo a um imaginaacuterio que os ligue umbilicalmente a
uma accedilatildeo tambeacutem de corajoso lutador e desbravador Ainda que seja em contraposiccedilatildeo
ao latifuacutendio o posseiro passa a se sentir um sujeito valente que ocupou resistiu e
conquistou a posse da terra Portanto uma identidade poliacutetica construiacuteda na luta pela
terra
Logo o termo posseiro aparece tambeacutem como um siacutembolo da resistecircncia aos
projetos agropecuaacuterios e agraves grandes fazendas que expropriam os trabalhadores rurais
Sem-terra uma vez que muitos jaacute se encontravam na aacuterea bem antes dos fazendeiros e
da implantaccedilatildeo dos projetos agropecuaacuterios
Conforme o relato de um assentado de Vila Rica obtido na pesquisa de
campo que realizamos em marccedilo de 2015 no Assentamento Rural Satildeo Joseacute eacute possiacutevel
afirmar que a denominaccedilatildeo de posseiro estaacute associada agraves estrateacutegias e condiccedilotildees de luta
pelo acesso agrave terra ldquo[] me vejo como posseiro Ser posseiro no Araguaia eacute assumir
que lutamos contra os fazendeiros que viviam do dinheiro emprestado do Banco sei o
Projeto de assentamento N de Famiacutelias Aacuterea (ha) Data Criaccedilatildeo
Colocircnia Bom Jesus 60 4457 25071996
Ipecirc 228 12099 28121998
Santo Antocircnio do Beleza 216 12100 10042001
Aracati 45 2110 05121996
Alvorada 49 32656 29121995
Itaporatilde do Norte 170 10641 11071996
Satildeo Joseacute da Vila Rica-MT 252 14262 28121998
Satildeo Gabriel 45 1985 28121998
Total 1065 60919 -
67
quanto foi difiacutecil viver sob a mira da morte pra ter essa terrinha e com ela poder
alimentar a minha famiacutelia []rdquo15
Trata-se de uma situaccedilatildeo de enfrentamento na luta
pela terra visando garantir a sobrevivecircncia e as condiccedilotildees miacutenimas de sustento da
famiacutelia
Assim como Castro (1996) o historiador Puhl (2003) nos chama atenccedilatildeo para
as caracteriacutesticas que definem o posseiro conceito construiacutedo a partir da percepccedilatildeo de
que esses agentes sociais tecircm ldquo[] ocupaccedilatildeo antiga de aacutereas devolutas ou sem
documentaccedilatildeo privada o uso direto da terra no trabalho de produccedilatildeo agropecuaacuteria a
residecircncia e o trabalho da famiacutelia na posse a resistecircncia agrave retirada ou expulsatildeo levada a
efeito por grileirordquo
Pereira (2013 p 11) corrobora esclarecendo que o termo posseiro possui
outros significados
[] as praacuteticas e os usos poliacuteticos desse conceito que o
produziram Eram considerados posseiros os trabalhadores
rurais que haacute muito tempo ocupavam aacutereas devolutas tidas
como posses antigas que natildeo apresentavam contestaccedilatildeo por
qualquer pessoa e nelas fizeram moradas habituais de suas
famiacutelias Contudo outra experiecircncia social comeccedila a sobrepor-
se a essas praacuteticas mais antigas Trabalhador rural sobretudo
migrante de outras regiotildees do paiacutes que lutavam pela terra quer
fossem aqueles que disputavam aacutereas de terras devolutas
consideradas novas simultaneamente com empresaacuterios
fazendeiros ou comerciantes tambeacutem migrantes quer fossem
aqueles que ocupavam imoacuteveis com tiacutetulos definitivos ou de
aforamentos passaram a ser vistos tambeacutem como posseiros Ou
seja os trabalhadores rurais apropriaram-se de uma designaccedilatildeo
ateacute entatildeo usada para significar os ocupantes de terras devolutas
consideradas antigas para ajustar-se a uma nova situaccedilatildeo ou
praacutetica social Esta apropriaccedilatildeo utilizada do conceito de
posseiro ganha uma dimensatildeo poliacutetica inusitada na luta pela
terra no Brasil
Em concordacircncia com este uacuteltimo autor asseguramos que o conceito de
posseiro pode ser compreendido enquanto resultado das praacuteticas de luta das quais os
conceitos satildeo resultados Neles os atores sociais se apropriam desse conceito para se
autonomear e ao mesmo tempo atribuir sentidos as proacuteprias atitudes de desafio ao
sistema de enfrentamento aos modelos existentes para os fazendeiros constituindo-se
enquanto uma categoria social formada por sujeitos histoacutericos de diferentes origens e
15 Joseacute Roberto Agricultor familiar em uma entrevista realizada pela autora em 2015
68
trajetoacuterias migratoacuterias os quais muitas vezes apresentam uma significativa
diferenciaccedilatildeo social
Devido agrave diversificaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave situaccedilatildeo econocircmica e cultural entre as
pessoas que satildeo denominadas de clientela da Reforma Agraacuteria em Vila Rica-MT o
criteacuterio de distribuiccedilatildeo dos lotes nos assentamentos rurais passou a ser objeto de
questionamento por parte de alguns agricultores familiares o que eacute claro no relato feito
por um dos entrevistados durante a pesquisa que realizamos no mecircs de marccedilo de 2015
junto ao Assentamento Rural Ipecirc
Pode- se dizer que o INCRA tambeacutem eacute culpado pela evasatildeo dos
assentamentos rurais pois nem sempre ele leva em
consideraccedilatildeo se a pessoa que estaacute cadastrada tem ou natildeo
viacutenculo vocaccedilatildeo para ser Agricultor Familiar Os assentados
da Reforma Agraacuteria (alguns ) fizeram o cadastro jaacute pensando
em pegar a terra e depois vender [] Logo na primeira
dificuldade jaacute vende a propriedade dele pra outro Eu penso
que precisa olhar se a histoacuteria das pessoas que demandam por
terra em assentamento estaacute ligada com a luta pela terra vejo
que assim valorizava mais o assentamento [] E na verdade
na eacutepoca de assentar essas pessoas tinha um perfil de
assentando se olhar soacute pelo aspecto de renda miacutenima Mas
muitas natildeo tinham viacutenculo com a terra e atendiam apenas
esse perfil criado de forma subjetiva soacute levando em
consideraccedilatildeo a situaccedilatildeo econocircmica Penso que natildeo estavam em
desacordo com as exigecircncias para o cadastro do INCRA pois
atendiam aquelas exigecircncias burocraacutetica mas elas natildeo eram de
perfil de produtor ou trabalhador rural Aiacute foi onde ocorreu
uma evasatildeo do assentamento Eles natildeo tinham viacutenculo com a
terra pois esse cadastro do INCRA soacute verificava se a pessoa jaacute
tinha outro tiacutetulo no nome dela outra propriedade cadastrada
no nome se possuiacutea vinculo com o serviccedilo publico tipo se era
concursado em oacutergatildeo puacuteblico Logo podia ser que essas
pessoas estivessem enquadradas como produtor ou trabalhador
rural para o INCRA mas na verdade sempre moraram na
cidade nunca haviam trabalhado com a terra nunca tinham
criado um frango sequer nunca tiraram um litro de leite
(ENTREVISTA com Gilmar agricultor familiar de Vila Rica-
MT realizada pela autora em marccedilo de 2015) Grifos da autora
No municiacutepio de Vila Rica verificamos a partir da anaacutelise de documentos
que as origens de seus assentamentos rurais foram distintas mesmo que nos dados
oficiais indicados na Tabela 1 todos eram regularizados e reconhecidos pelo INCRA
na deacutecada de 1990
Quando verificamos os dados do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do
municiacutepio de Vila Rica da Comissatildeo Pastoral da Terra e da Prelazia de Satildeo Feliz do
69
Araguaia os quais foram tambeacutem confrontados com os testemunhos orais dos
assentados identificamos que alguns dos assentamentos rurais datavam da deacutecada de
1980
Reafirmamos que suas histoacuterias estatildeo vinculadas agrave histoacuteria do Araguaia a
qual eacute marcada por uma seacuterie de conflitos no que tange agrave luta pela terra considerada
enquanto direito Direito pelo qual muitas vezes os posseiros e os indiacutegenas pagaram
com as suas proacuteprias vidas ou de seus parentes
Uma carta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT evidencia
a complexidade em torno da luta pela posse da terra Esse registro foi apresentado ao
presidente do INCRA como base para uma anaacutelise da situaccedilatildeo das terras consideradas
improdutivas as quais em sua maioria eram remanescentes da Colonizadora Vila Rica
Ltda e que a desapropriaccedilatildeo das mesmas era condiccedilatildeo necessaacuteria para a sobrevivecircncia
dos trabalhadores que as reocuparam
Figura 5 Carta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais para o INCRA (1990)
Fonte Arquivo do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT
2015
70
Ressaltamos que a exposiccedilatildeo dos argumentos dos dirigentes do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Vila Rica teve por base a compreensatildeo de que as terras
remanescentes da colonizadora eram ldquoimprodutivasrdquo segundo os criteacuterios do Estatuto
da Terra Nessa situaccedilatildeo os proprietaacuterios deixavam de cumprir a funccedilatildeo social da terra
possibilitando sua desapropriaccedilatildeo legal para fins de Reforma Agraacuteria
Apesar da ocorrecircncia de reivindicaccedilotildees formalizadas via cartas ofiacutecios e
outras formas de solicitaccedilatildeo feitas aos oacutergatildeos responsaacuteveis pela Questatildeo Agraacuteria no
Araguaia mato-grossense alguns relatos orais descreveram a reocupaccedilatildeo das fazendas
como uma accedilatildeo implementada de maneira paciacutefica por parte dos posseiros Poreacutem
houve tambeacutem atitudes e praacuteticas de violecircncia na accedilatildeo de alguns fazendeiros em relaccedilatildeo
agrave expulsatildeo dos posseiros A luta pela posse da terra no municiacutepio de Vila Rica ocorreu
de forma conflituosa Embora natildeo tatildeo violentos como em outros municiacutepios como em
Santa Terezinha em Porto Alegre do Norte e em outros onde vaacuterios posseiros foram
mortos por fazendeiros
Vale destacar que muitas pessoas que reocuparam as aacutereas de fazendas hoje
assentamentos rurais em Vila Rica eram em sua maioria membros associados ao
Sindicato dos Trabalhadores Rurais daquele municiacutepio Quando estaacutevamos em atividade
de visita ao um dos assentamentos durante a pesquisa de campo uma assentada nos
relatou queldquo[] o papel do Sindicato geralmente era o de solicitar a regularizaccedilatildeo da
terra bem como o processo de formaccedilatildeo e o de organizaccedilatildeo da base no caso os
trabalhadores pobre sem terra principalmente os filiados do STRrdquo (ENTREVISTA
com Clainir Agricultora Familiar membro da direccedilatildeo do STR realizada pela autora em
marccedilo de 2015) O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica tambeacutem fazia a
mediaccedilatildeo entre os assentados e o Poder Puacuteblico sobretudo com o INCRA Foi esse
sindicato que orientou a criaccedilatildeo das associaccedilotildees conforme o relato a seguir
[] noacutes do sindicato trabalhaacutevamos visando evitar os conflitos
e o processo de despejo pois priorizaacutevamos a montagem e a
reinvindicaccedilatildeo do processo de desapropriaccedilatildeo das fazendas a
demarcaccedilatildeo dos lotes homologaccedilatildeo cadastramento e o
assentamento das famiacutelias [] E depois os posseiros iam
pleitear as linhas de credito para habitaccedilatildeo e
alimentaccedilatildeofomento depois as demais linhas do Pronaf A
Pronaf C e outros investimentos de custeio Eacute assim que comeccedila
os assentamentos esse processo eacute geral em todo lugar Quando
71
digo que agente noacutes do sindicato evitava conflito natildeo estou
dizendo que conseguimos pois eacute importante lembrarmos que
tivemos muitos momentos complicados Houve ameaccedilas de
morte teve despejos de posseiros teve gente que perdeu tudo
que havia plantado quando foram expulsos da terra Ainda bem
que sempre podemos contar com o suporte da Igreja e da CPT
se natildeo fosse essas instituiccedilotildees noacutes estariacuteamos numa situaccedilatildeo
muito pior assentamento eacute luta nessa regiatildeo do Araguaia
Entatildeo nem se fala teve quem pagou com a vida Hoje fico
vendo muitos assentados vendendo suas terras a preccedilo de nada
e reclamando de dificuldades fico pensando o povo parece que
agraves vezes esquece a luta O INCRA eacute fundamental mas erra
tambeacutem quando coloca gente na terra sem levar em conta que
para viver no campo precisa ter aptidatildeo para trabalhar na
terra Percebo que mais esvazia o assentamento eacute quem natildeo
sabe lidar com roccedila (ENTREVISTA Ibidem)
Os serviccedilos voltados para a melhoria da infraestrutura como estradas pontes
e outras benfeitorias nos ldquoprimeiros temposrdquo de formaccedilatildeo dos assentamentos rurais
eram feitos pelos proacuteprios moradores A prefeitura alegava que natildeo dispunha de
recursos para investir em assentamentos rurais que ainda natildeo haviam sido regularizados
Essa situaccedilatildeo foi praticamente igual em todos os assentamentos rurais oriundos da
reocupaccedilatildeo de fazendas de Vila Rica-MT
Os espaccedilos puacuteblicos como escola barracatildeo da associaccedilatildeo Igreja campo de
futebol etc estatildeo geralmente localizados nas antigas sedes das fazendas Isso se repete
em todos os assentamentos rurais estudados em Vila Rica-MT
22 Os assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT
O processo de formaccedilatildeo dos assentamentos rurais no municiacutepio mato-
grossense de Vila Rica natildeo ocorreu de modo linear nem mesmo obedeceu a uma
padronizaccedilatildeo Portanto faz-se necessaacuterio problematizar a formaccedilatildeo de cada um deles
individualmente lanccedilando matildeo de diferentes fontes documentais Alguns assentamentos
rurais possuem documentos e outros tecircm sua historicidade presente somente na
memoacuteria dos assentados Daiacute a importacircncia de se conhecer as singularidades descritivas
desses ldquoadereccedilos sociaisrdquo procurando trazer para o diaacutelogo a forma constitutiva de cada
um deles
A trajetoacuteria construiacuteda pelos agricultores familiares estaacute presente em suas
memoacuterias as quais podem ser mais bem compreendidas quando nos remetemos agrave
72
concepccedilatildeo definida por Thompson (1992) segundo o qual a memoacuteria eacute constituiacuteda a
partir da habilidade que os indiviacuteduos tecircm em compreender suas experiecircncias bem
como o interesse deles em contar as suas experiecircncias de vida uma vez que as
lembranccedilas se revelam de forma mais concisa quando o relembrar dos acontecimentos
estaacute correspondendo aos seus proacuteprios interesses e necessidades
Daiacute a importacircncia em se atentar tambeacutem ao que natildeo estaacute dito e ao que natildeo
pode ser dito pelo narrador Neste caso o silenciamento sobre determinados temas
constituem relativa importacircncia para intensificar a seguranccedila que o entrevistado tem ou
quer passar nas proacuteprias narrativas Para tanto eles selecionam o que dizem e aquilo que
natildeo deve se tornar puacuteblico Um exemplo obtido atraveacutes de entrevista com um dos
assentados chamou a atenccedilatildeo pela forma como ele gesticulava ao contar sua trajetoacuteria
de vida Foi possiacutevel perceber o quanto as questotildees natildeo ditas mencionadas por
Thompson (1992) tornam-se relevantes na praacutetica de trabalhos que dependem da
metodologia das fontes orais como no caso dessa pesquisa
Ao relatar a sua trajetoacuteria de vida o depoente sentado em uma cadeira
encostando-se a uma aacutervore e com as pernas balanccedilando passava ldquoaos meus olhosrdquo a
sensaccedilatildeo de ser uma pessoa muito tranquila para falar sobre si e seus afazeres
Revelava-se estar muito orgulhoso do siacutetio que tinha mas no decorrer da entrevista foi
perceptiacutevel que quando o assunto natildeo o agradava por se tratar de algo que o marcou
como uma experiecircncia que natildeo lhe remetia para boas lembranccedilas ele parava de balanccedilar
as pernas e baixava a cabeccedila A projeccedilatildeo de futuro foi um assunto que evidentemente
natildeo o agradava quando afirmou
[] sofro muito soacute em pensar o que possa acontecer se eu
morrer primeiro ela vai ter que vender e dividir entre os filhos
pois natildeo daraacute conta de cuidar sozinha Se eacute ela quem morre
primeiro sou eu quem teraacute que vender Isso sim eacute doiacutedo pra
noacutes depois de tanta luta pra organizar o siacutetio terminar nas
matildeos de sei laacute quem Esse siacutetio pra mim natildeo tem preccedilo mas eacute
uma pena que nossos filhos natildeo pensam igual Quando eles
querem um dinheiro dizem ldquomatildee pai me manda aiacute tantordquo mas
vejo que o forte deles natildeo eacute morar no siacutetio (ENTREVISTA
com Joatildeo Neto agricultor Familiar do assentamento Satildeo Joseacute
realizada pela autora em marccedilo de 2015)
O relato possibilita a reflexatildeo sobre os diversos significados produzidos a
respeito da concepccedilatildeo e das formas de usos da terra para os agricultores familiares
como o significado da posse da terra a relevacircncia das lutas e da conquista assim como
73
a busca pela continuidade da tradiccedilatildeo na convivecircncia com o espaccedilo rural Aleacutem da
preocupaccedilatildeo praacutetica com a falta de continuidade familiar no trabalho do siacutetio existe
uma preocupaccedilatildeo com o futuro incerto capaz de apagar da memoacuteria o viacutenculo desse
agente histoacuterico com a terra Percebe-se o desejo de eternizar esse viacutenculo e o valor
sentimental dessa terra que para ele natildeo tem preccedilo
A narrativa torna possiacutevel identificar o papel dos agentes histoacutericos na
construccedilatildeo da historiografia agraacuteria de Mato Grosso As pesquisas natildeo datildeo muita
importacircncia aos assentamentos rurais mais particularmente agraves trajetoacuterias de vida dos
agricultores familiares
Por outro lado as evidecircncias mostram que os assentados exercem um papel
importantiacutessimo na formaccedilatildeo dos assentamentos rurais Nesse sentido eles natildeo podem
estar agrave ldquomargemrdquo das lutas travadas pelas instituiccedilotildees agraves quais estatildeo vinculados No
caso de Vila Rica-MT as entidades que se destacam nas narrativas sobre as lutas pela
terra satildeo a CPT o Sindicato dos Trabalhadores Rurais a Prelazia de Satildeo Feliz do
Araguaia e o INCRA
221 O Assentamento Rural Satildeo Joseacute
O Assentamento Rural Satildeo Joseacute em Vila Rica-MT resultou de uma
reocupaccedilatildeo que teve iniacutecio no ano de 1995 Foram os proacuteprios ldquoposseirosrdquo que
demarcaram os seus lotes e construiacuteram as casas provisoacuterias que eram cobertas de palha
e lona Posteriormente os ocupantes comeccedilaram a cultivar roccedilas para o consumo
proacuteprio e outras atividades como a pesca a caccedila e a extraccedilatildeo de madeira (EMPAER
2010)
Segundo relato de um dos assentados a estruturaccedilatildeo dos lotes em termos de
construccedilotildees estruturais e preparaccedilatildeo do solo para o cultivo eram realizadas atraveacutes do
trabalho dos proacuteprios assentados Joatildeo Neto diz ldquo[] eu e a minha esposa fizemos tudo
isso plantamos tudo que tem nesse siacutetio tudo escolhido por noacutes cada plantinha dessa
aqui eacute do sitio que a gente viverdquo (ENTREVISTA com Joatildeo Neto agricultor Familiar do
assentamento Satildeo Joseacute realizada pela autora em marccedilo de 2015)
Outro relato permite identificar algumas ocorrecircncias instigantes relacionadas
agrave formaccedilatildeo do Assentamento Rural Satildeo Joseacute
74
[] o Projeto de assentamento Satildeo Joseacute eacute resultado da invasatildeo
invasatildeo natildeo essa natildeo eacute a palavra apropriada para designar o
que fizemos Na verdade noacutes ocupamos uma fazenda que jaacute
natildeo estava mais produzindo Geralmente quem fala invasatildeo
satildeo pessoas que se colocam contra os assentamentos rurais
[] Em 1997 isso tudo foi ocupado por pessoas que moravam
na cidade sem-terra e filhos de pequenos agricultores [] E
foi assim que a antiga Fazenda Satildeo Joseacute se transformou em um
assentamento rural ou melhor P A Satildeo Joseacute eacute assim que a
gente costuma chamar (ENTREVISTA com Clainir Mafra
Agricultora familiar assentada no PA Satildeo Joseacute realizada pela
autora em marccedilo de 2015)
Nesta narrativa sucinta percebe-se que diferentes satildeo as denominaccedilotildees de
agentes histoacutericos em cena O argumento principal eacute que eles natildeo satildeo ldquoinvasoresrdquo e sim
ldquomoradores da cidaderdquo ldquosem terrasrdquo e ldquofilhos de pequenos agricultoresrdquo demonstrando
uma construccedilatildeo de identidade daqueles que reocuparam a Fazenda Satildeo Joseacute ligada agrave
terra e agrave necessidade de sobrevivecircncia uma vez que satildeo legiacutetimos ocupantes como os
ldquofilhos de pequenos produtoresrdquo que precisam de mais terra para se reproduzir
socialmente e continuar o viacutenculo familiar com a terra
Fazendeiros proprietaacuterios filhos de pequenos agricultores moradores da
cidade e sem-terra se colocam como posseiros que participaram da luta pela terra
Percebe-se que a formaccedilatildeo do assentamento rural se deu a partir dessa luta que ocorreu
graccedilas agrave uniatildeo dos posseiros
Na verdade a gente natildeo era bobo quando ocupamos uma aacuterea
que iraacute ser assentamento Natildeo adianta querer crescer o olho
pois o INCRA tem o seu modo de medir a terra entatildeo o certo eacute
tirar o siacutetio no tamanho certinho assim natildeo complica Noacutes
agiacuteamos em conjunto meio assim uns por todos []
(ENTREVISTA com Clainir Mafra Agricultora familiar
assentada no PA Satildeo Joseacute realizada pela autora em marccedilo de
2015)
Atraveacutes do relato citado percebemos que os posseiros se adaptavam aos
criteacuterios do INCRA e tinham na uniatildeo uma ferramenta poliacutetica capaz de fortalececirc-los e
agregar conhecimentos e experiecircncias capazes de fundamentar estrateacutegias para
conseguir o direito agrave terra A uniatildeo para a abertura das aacutereas a serem reocupadas eacute
evidenciada no seguinte relato oral
75
[] acho que eacuteramos em meacutedia umas 200 ou 250 pessoas que
ocuparam e jaacute foram demarcando suas aacutereas usando foice
facatildeo machado e motosserra alguns que tinham motosserra a
maioria era com a foice e o machado na estrada no Rio Satildeo
Marcos com aacutegua Fizemos os barracos derrubando
plantando arroz milho e pensando em formaccedilatildeo de pasto
(ENTREVISTA com Joatildeo Neto assentado Satildeo Joseacute realizado
pela autora em marccedilo de 2015)
Esse depoimento demonstra a capacidade de uniatildeo e a organizaccedilatildeo dos
posseiros A diferenciaccedilatildeo social entre eles natildeo travou sua organizaccedilatildeo O relato a
seguir mostra essa relaccedilatildeo
Muita gente pobre pobre mesmo Mas natildeo posso negar que um
ou outro que ocupou a terra como posseiro quando na verdade
natildeo tinha o perfil pois tinha dinheiro Por mais que o Sindicato
fala ldquoacompanha e orienta semprerdquo passa algum que estaacute
fora do padratildeo dos agricultores familiares Eacute assim agraves vezes
nem o sindicato e nem o INCRA tem como controlar tudo ateacute
porque as pessoas tecircm um comeacutercio ou algum outro meio de
ganhar dinheiro mas natildeo estaacute no nome dela e daiacute o que haacute de
fazer eacute complicado achar que vai controlar essas coisas tudo
(ENTREVISTA com Joatildeo Neto assentado Satildeo Joseacute realizada
pela autora em marccedilo de 2015)
Percebemos que entre os proacuteprios posseiros era evidente que nem todos
possuiacuteam o ldquoperfilrdquo de agricultores familiares ou segundo criteacuterio do INCRA se
enquadrava como ldquoclientela de Reforma Agraacuteriardquo Era recorrente a percepccedilatildeo de que
estes oacutergatildeos e entidades que acompanharam o processo natildeo tinham condiccedilotildees objetivas
de definir com precisatildeo quem tinha o perfil e quem deveria ser impedido de tomar
posse dos lotes que constituem o Assentamento Rural Satildeo Joseacute
Para aleacutem da questatildeo da diferenciaccedilatildeo dos posseiros outro fato importante eacute
que eles adquiriram lotes de qualidade duvidosa uma vez que a terra estava em situaccedilatildeo
de degradaccedilatildeo extrema poreacutem aceitaram-na visto natildeo dispor de capital financeiro para
investir em tecnologias de melhoramento do solo somado agrave falta de infraestrutura e
dificuldade de acesso para uma parte dos assentados
76
Ah Tem uma coisa que lembrei pra te contar Eacute que tem uma
parte que foi denominada de Jamaica por ser de difiacutecil acesso
era muito complicado para a gente chegar laacute Coitados dos que
foram para aquela parte de laacute sofreram o isolamento natildeo
tinha entrada por causa do rio Satildeo Marcos e assim ficaram por
um bom tempo Aiacute eacute o que digo sempre jaacute foi difiacutecil pra gente
imagina para aqueles coitados de laacute (ENTREVISTA com Joatildeo
Neto assentado Satildeo Joseacute realizado pela autora em marccedilo de
2015)
Aleacutem da diferenciaccedilatildeo entre os posseiros das dificuldades do espaccedilo social
conquistado o entrevistado destaca que natildeo ocorreram conflitos entre o proprietaacuterio da
Fazenda Satildeo Joseacute e os posseiros No entanto as dificuldades vivenciadas por eles
foram inuacutemeras sobretudo para aqueles posseiros que ocuparam as aacutereas mais distantes
da estrada
Eu falo sempre aqueles primeiros tempo era o que podemos
chamar de tempos das dificuldades Eacute como eu te disse antes
aqui natildeo teve conflito como teve em outros assentamentos
Acho que isso foi porque o fazendeiro devia para o banco pois
fez empreacutestimo para manter a fazenda assim diz o povo mas
sabe se isso eacute verdade [] Entatildeo isso fez com que natildeo
houvesse conflito entre os fazendeiros e os posseiros []
(ENTREVISTA com Joatildeo Neto assentado Satildeo Joseacute realizada
pela autora em marccedilo de 2015)
O relato revela indiacutecios de que o dono da Fazenda Satildeo Joseacute tinha manifestado
interesse em vender a aacuterea para o INCRA devido agrave contraccedilatildeo de diacutevidas Mas eacute
possiacutevel ponderar que a ecircnfase na versatildeo de que natildeo houve conflito eacute tambeacutem uma
estrateacutegia dos posseiros Durante a deacutecada de 1990 mais precisamente durante o
Governo de Fernando Henrique Cardoso foi adotada a poliacutetica governamental de natildeo
regulamentar as terras que tivessem sido ocupadas atraveacutes de conflitos Quando
ocorriam disputas a terra natildeo era reconhecida pelo INCRA enquanto aacuterea passiacutevel de
desapropriaccedilatildeo para transformaacute-la em um assentamento rural
Essa poliacutetica se justificava pelo dispositivo reconhecido juridicamente como
ldquousucapiatildeordquo segundo o qual o posseiro soacute teria direito a terra quando a mesma fosse
ocupada de forma ldquomansa e paciacuteficardquo16
Em um assentamento rural planejado o
primeiro ato consiste na aquisiccedilatildeo da aacuterea para depois ocupaacute-la atraveacutes da distribuiccedilatildeo
dos lotes de acordo com criteacuterios estabelecidos pelo o INCRA
16 A ldquoocupaccedilatildeo mansa e paciacuteficardquo eacute um princiacutepio consagrado pela Lei de Terras de 1850
77
Na anaacutelise de outros documentos disponibilizados pelo STR percebe-se que
por um periacuteodo superior a um ano os posseiros foram viacutetimas de ameaccedilas e boatos de
que o dono da fazenda faria o despejo accedilatildeo que natildeo chegou a se efetivar Logo o STR
Vila Rica-MT entrou com pedido de desapropriaccedilatildeo da fazenda e em seguida o
INCRA deu andamento ao processo de regularizaccedilatildeo comeccedilando a discussatildeo e o
encaminhamento para a compra de toda a aacuterea
Consta nos documentos analisados que o INCRA procurou regularizar o
assentamento rural atraveacutes de uma accedilatildeo conjunta com o STR com vista agrave necessidade
de agilizar a organizaccedilatildeo do cadastro dos agricultores familiares por meio da
Associaccedilatildeo que jaacute existia desde antes da accedilatildeo do INCRA Foi atraveacutes dela que esses
agricultores se mobilizaram para construir estradas e escola Somente depois de um ano
da reocupaccedilatildeo a prefeitura passou a operar de forma mais efetiva juntamente com o
INCRA com o objetivo consolidar o Assentamento Rural Satildeo Joseacute Depois da
regularizaccedilatildeo foi liberado o creacutedito para a aquisiccedilatildeo de gado e melhorias na
infraestrutura
Segue uma narrativa que possibilita a problematizaccedilatildeo dessa questatildeo
[] quando a gente chegou aqui no dia que cheguei tinha trecircs
cancelas trancadas Tinha o pessoal dali que natildeo queria que a
gente entrasse O gerente natildeo deixava a gente entrar mas tinha
um menininho pequenino do tamanho daquele ali Aiacute eu trazia
balinha bombom e dava pra ele Aiacute quando ele me via corria
eu vinha pra caacute era de bicicleta De Vila Rica-MT pra caacute eu
vinha de bicicleta com uma ldquocarguinhardquo na garupa Mas o
que eu vinha fazer eu trazia soacute foice Aiacute vinha e passava meio
debaixo dos arames e ia roccedilando Rocei um pedaccedilo de mato e
voltei pra Vila Fui trabalhar para ganhar dinheiro para
comer ldquoAiacute quando foi um dia falou Zeacute Roberto eu passei na
sua roccedilardquo o Joseacute Roberto falou o fogo estaacute acabando de
queimar a sua roccedilardquo Que horas Umas oito horas da noite eu
passei laacute e fogo estava acabando de queimar a sua roccedilardquo
ldquoEntatildeo natildeo queimou a roccedila natildeordquo Cheguei aqui estava tudo
queimado Aiacute o que eu fiz foi imediatamente soacute eu mesmo com
umas panelinhas e jaacute ldquobarrequeirdquo aqui e fui furar cisterna
Trouxe um rapaz para furar o poccedilo Furou o poccedilo eu vim fazer
o barriquinho Ai amiga velha aqui soacute mato (ENTREVISTA
com Joatildeo Neto assentado de Satildeo Joseacute realizada pela autora
em marccedilo de 2015)
O relato demonstra a necessidade que estes agentes histoacutericos tecircm em
enfatizar que a posse da terra dava-se com muito sacrifiacutecio dos posseiros com a ajuda
78
de outros que avisavam e auxiliavam a cuidar da roccedila Portanto a integraccedilatildeo e a
solidariedade faziam parte do cotidiano de vida deles principalmente sabendo da
necessidade que alguns tinham de sair da ldquoposserdquo para trabalhar na aacuterea urbana ou
mesmo em outras propriedades rurais em busca de sobrevivecircncia motivo pelo qual natildeo
podiam morar exclusivamente na ldquoposserdquo
Os ldquoposseirosrdquo enfrentaram dificuldades para ldquoabrirrdquo fazer o plantio e para
construir as casas em seus lotes pois sem apoio do poder puacuteblico tiveram que
desenvolver as suas proacuteprias condiccedilotildees de sobrevivecircncia seja na construccedilatildeo de
barracos casas ou cultivo das roccedilas Tambeacutem havia problemas de ordem financeira que
implicavam na condiccedilatildeo elementar de sobrevivecircncia no lote Nem todos possuiacuteam
recursos para se manter nos espaccedilos socialmente delimitados ateacute que as roccedilas
comeccedilassem a produzir para a alimentaccedilatildeo dos membros das famiacutelias
Alguns posseiros precisaram conciliar as atividades do lugar proacuteprio de
produccedilatildeo com outras atividades como derrubar a mata para dela retirar madeira e
vender para as serrarias ou trabalhar em outros siacutetios para conseguir dinheiro suficiente
para suprir as necessidades baacutesicas para o sustento da famiacutelia Durante o periacuteodo da
pesquisa de campo eram frequentes as narrativas afirmando ser o trabalho assalariado
uma praacutetica corriqueira entre a maioria dos posseiros mais pobres
Uma estrateacutegia foi o trabalho acessoacuterio nas aacutereas urbanas
[] e pra mim comer aqui trabalhava uma semana aqui e ia
trabalhar na diaacuteria para os outros Trabalhava uma semana
para o Valdemar Senna trabalhava uma semana para o
Aguiarro para o dono do hotel Marajoacute laacute no fundo E daiacute por
diante eu agraves vezes tirava madeiras para algumas pessoas
derrubava um pouquinho de mato para uma pessoa pra mim
comer a minha esposa trabalhava no coleacutegio eu fazia meus
bicos e ela empregada laacute na estadual Entatildeo ela tambeacutem me
ajudava muito Pegava o salarinho dela para comprar coisa em
casa pra comprar gaacutes pra me ajudar em casa tambeacutem Entatildeo
ldquomorreurdquo tudo assim eu e ela trabalhando para manter a
posse Noacutes pegamos primeiro uma cesta baacutesica que chamava
fomento [] eu natildeo me lembro do valor se foi se natildeo me
engano foi mil e alguma coisa (ENTREVISTA com Joatildeo
Neto assentado de Satildeo Joseacute realizada pela autora em marccedilo de
2015)
Naquele contexto tambeacutem havia posseiros que eram comerciantes servidores
puacuteblicos e ateacute antigos funcionaacuterios da Fazenda Satildeo Joseacute que tinham um maior poder
79
aquisitivo Esses eram os principais contratantes dos posseiros que precisavam vender
sua forccedila de trabalho
222 O Assentamento Rural Ipecirc
Para conseguir compreender a formaccedilatildeo do Assentamento Rural Ipecirc foi
necessaacuterio visitar o local para perceber as especificidades Isso porque o contato direto
entre pesquisador e seus entrevistados acompanhado por conhecidos foram
significativas Atraveacutes dessa proximidade foi possiacutevel aos entrevistados o uso de suas
memoacuterias que possibilitaram relembrar a condiccedilatildeo humana de luta pela sobrevivecircncia
e que fez os homens e mulheres sujeitos da proacutepria histoacuteria
Comecemos por um espaccedilo bem instigante O Assentamento Rural Ipecirc
originou-se da compra da Fazenda Ipecirc que havia sido ocupada antes numa accedilatildeo
apoiada pelo STR O INCRA apresentou a possibilidade de fazer um assentamento rural
modelo construiacutedo atraveacutes de um planejamento de acordo com as diretrizes do MDA
para a criaccedilatildeo de assentamentos rurais
A luta pela conquista do seu espaccedilo social de produccedilatildeo ocorreu em 1999
quando os posseiros ocuparam toda a aacuterea da Fazenda Ipecirc e fizeram a divisatildeo dos lotes
abrindo estradas por meio de ldquopicadatildeordquo embora maior parte da aacuterea jaacute estivesse
ocupada com pastagens
Em carta aberta escrita pela Comissatildeo Municipal de Reforma Agraacuteria na
mesma deacutecada as lideranccedilas do movimento tentavam esclarecer agrave populaccedilatildeo de Vila
Rica-MT sobre os acontecimentos e ao mesmo tempo procuraram chamar a atenccedilatildeo
das autoridades vinculadas agrave Questatildeo Agraacuteria Simultaneamente esse documento
revelou uma concepccedilatildeo da estrateacutegia e da luta pela posse da terra Tanto os dirigentes do
STR como as outras instituiccedilotildees em determinado momento viram-se na luta na
condiccedilatildeo de aliados dos oacutergatildeos governamentais como o INCRA e a prefeitura
municipal de Vila Rica-MT
Por esse documento podemos saber que a Comissatildeo Municipal de Reforma
Agraacuteria do municiacutepio era composta por representantes de instituiccedilotildees e entidades
vinculadas agrave Questatildeo Agraacuteria e visava consolidar um assentamento rural que atendesse
aos padrotildees estabelecidos pela poliacutetica de criaccedilatildeo de assentamentos pelo INCRA
80
Logo havia interesse dos oacutergatildeos governamentais e do STR para a conquista
do que viria a ser o primeiro assentamento rural do Araguaia mato-grossense Ele foi
construiacutedo a partir do imaginaacuterio idealizado pelo Plano de Reforma Agraacuteria da eacutepoca
[] A reforma agraacuteria eacute um anseio da populaccedilatildeo e necessidade
do trabalhador rural A colonizaccedilatildeo de Vila Rica-MT foi
modelo de reforma agraacuteria com a divisatildeo das grandes aacutereas em
pequenas ocupadas por produtores tambeacutem pequenos A partir
de 1998 foi instituiacuteda ldquoA Comissatildeo Agraacuteria do Municiacutepio de
Vila Rica-MTrdquo com o objetivo de coordenar agraves atividades
ligadas a Questatildeo Agraacuteria no acircmbito municipal Esta comissatildeo
em parceria com o INCRA e sociedade envolvida organizou os
trabalhos de classificaccedilatildeo dos sem terras selecionando 500 em
uma relaccedilatildeo de 1700 inscritos no Sindicato dos Trabalhadores e
Prefeitura para assentaacute-los na Fazenda Ipecirc ateacute entatildeo objeto de
desapropriaccedilatildeo para fins da reforma agraacuteria A relaccedilatildeo de
classificados feita conforme legislaccedilatildeo competente e os
meacutetodos estabelecidos pela a proacutepria comissatildeo foram
apresentados ao INCRA que fez o cadastramento no SIPRA-
Sistema de Informaccedilatildeo de Projetos da Reforma Agraacuteria Aleacutem
de organizar esta classificaccedilatildeo a comissatildeo conscientizou os
futuros assentados a evitar a invasatildeo da Fazenda e sim aguardar
as devidas providecircncias que seriam tomadas pelo INCRA para
que o assentamento fosse feito com clientes da reforma agraacuteria
trabalhadores sem-terra e que pudesse ser modelo para a
regiatildeo [] Para a decepccedilatildeo das 500 famiacutelias de trabalhadores
(as) sem-terra sipradas e de pessoas ligadas ao processo um
grande nuacutemero de estranhos entre eles fazendeiros
comerciantes e pequena parte dos sem-terra siprados17
invadiram a aacuterea da fazenda Ipecirc entre a reuniatildeo de 260399 a
300399 despeitando os que haacute dois anos honesta e
sofridamente aguardavam a tramitaccedilatildeo legal Com a chegada
dos representantes do INCRA a Comissatildeo Municipal de
Reforma Agraacuteria representantes de outras intensidades diante
do fato da invasatildeo e o processo de assentamento concluiu-se
que []- fosse solicitada com urgecircncia a retirada dos invasores
pelas autoridades em niacuteveis federal estadual e municipal
(CARTA ABERTA- STR de Vila Rica-MT marccedilo de 2015)18
Os envolvidos no processo de organizaccedilatildeo do assentamento rural ficaram
desapontados ao serem surpreendidos pela invasatildeo da aacuterea por outros agentes que natildeo
tinham sido selecionados no Sistema de Informaccedilatildeo de Projetos da Reforma Agraacuteria e
que tampouco atendiam aos criteacuterios do Programa
17 Expressatildeo utilizada para caracterizar os assentados rurais cadastrados no INCRA
18 A carta na integra estaacute disponibilizada nos arquivos do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Vila Rica- MT analisados pela autora da pesquisa em marccedilo de 2015
81
A partir do depoimento do gerente da Fazenda Ipecirc da eacutepoca eacute possiacutevel
compreender de forma mais clara as estrateacutegias adotadas pelos posseiros e pelo
fazendeiro no processo de loteamento do Assentamento Rural Ipecirc
[] Ipecirc naquela eacutepoca causou um intenso movimento de
trabalhadores desbravando a aacuterea e plantando capim A aacuterea
possuiacutea 26 mil hectares [] em 18 anos desmataram apenas
20 dessas terras ela era considerada a maior fazenda da
regiatildeo [] Em 1997 comeccedilou a fofoca de venda da aacuterea que
se prolongou por dois anos Tinha ordem de natildeo deixarem
invadir possuiacutea uma patrulha de vigia dia e noite O INCRA
inicia a negociaccedilatildeo com o gerente da eacutepoca que era
autorizado pelo proprietaacuterio A pessoa responsaacutevel ia para
Cuiabaacute- MT Satildeo Felix do Araguaia- MT Rio de Janeiro e
Uberaba em Minas Gerais para se reunir com o dono e
discutir as propostas Como demorou a desapropriaccedilatildeo as
pessoas comeccedilaram a invadir a aacuterea realizaram vaacuterias
reuniotildees com as pessoas para que mantivessem a calma
(ENTREVISTA com Ideu Ex-gerente da Fazenda Ipecirc realizada
por Regina Ceacutelia em 2006)
Ressaltamos que o relato oral apresenta uma linguagem especiacutefica que repete
a ideia de que a reocupaccedilatildeo foi uma ldquoinvasatildeordquo numa perspectiva comum entre os
proprietaacuterios de terra que natildeo compreendiam a luta pela terra Ao contraacuterio do que estaacute
expresso na Carta Aberta o ex-gerente atribui os motivos da bdquoinvasatildeo‟ agrave ldquomorosidaderdquo
na efetivaccedilatildeo do processo de desapropriaccedilatildeo da terra Apesar de tambeacutem fazer
referecircncias agraves reuniotildees que ocorreram no sentido de manter os agricultores familiares
informados sobre o processo de desapropriaccedilatildeo da fazenda para efeito de criaccedilatildeo do
assentamento rural
A consolidaccedilatildeo do assentamento rural soacute veio de fato a acontecer a partir das
denuacutencias feitas pela Comissatildeo Municipal de Reforma Agraacuteria com anuecircncia do
Sindicato dos Trabalhadores Rurais da Comissatildeo Pastoral da Terra e de outras
entidades envolvidas com a Questatildeo Agraacuteria e na luta pela terra em Vila Rica- MT
Segundo documentos19
do STR foi a partir desse fato que o INCRA entrou
com um Mandato de Seguranccedila exigindo a saiacuteda imediata dos ldquoposseirosrdquo sob a
alegaccedilatildeo de ser esta a condiccedilatildeo principal para a aquisiccedilatildeo da aacuterea e a demarcaccedilatildeo dos
lotes no assentamento rural Isso em funccedilatildeo de uma legislaccedilatildeo que regia os processos
19 Os documentos satildeo de diversas tipologias (ofiacutecios cartas atas relatoacuterios e etc)e estatildeo
disponibilizados nos arquivos do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT
82
de criaccedilatildeo dos assentamentos rurais Em 1998 jaacute havia sido declarado pelo Decreto nordm
157 que a aacuterea da Fazenda Ipecirc era de interesse social para efeito das poliacuteticas de
Reforma Agraacuteria
De acordo com o depoimento de uma assentada a qual tambeacutem era na eacutepoca
da diretoria do STR de Vila Rica-MT e estivera desde o processo inicial de formaccedilatildeo do
assentamento rural eacute possiacutevel perceber que
[] os primeiros trecircs anos do assentamento foram de
dificuldades para os assentados pois o mesmo natildeo possuiacutea
infraestrutura como estrada pontes e etc Somente 70 as
famiacutelias receberam creacutedito para fomento enquanto as demais
famiacutelias ficaram agrave mercecirc sem apoio do Poder Puacuteblico por um
bom tempo (ENTREVISTA com Clainir Agricultora Familiar
membro da direccedilatildeo do STR realizada pela autora em marccedilo de
2015)
O periacuteodo compreendido entre 2001 e 2010 foi o momento de maior
alavancada do Assentamento Rural Ipecirc pois recebeu um percentual significativo de
recursos vinculados agraves linhas de creacuteditos do Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar como Pronaf -A Pronaf - AC Pronaf - C Pronaf -D e Pronaf -
Mulher A disposiccedilatildeo desses recursos segundo informaccedilotildees obtidas atraveacutes dos
relatoacuterios da Empaer da Secretaria Municipal de Agricultura e do STR de Vila Rica-
MT estavam condicionados para determinados fins e foram destinados agrave aquisiccedilatildeo de
vacas leiteiras construccedilatildeo de curral e de 95 casas bem como agrave edificaccedilatildeo de pontes
estradas e na contrataccedilatildeo de serviccedilos de maacutequinas de esteira (EMPAER 2009)
223 O Assentamento Rural Aracati
A luta pela terra natildeo passa somente por um processo de conquista territorial
mas avanccedila para a necessidade de permanecircncia dos assentados garantida atraveacutes de
apoios e poliacuteticas puacuteblicas
A histoacuteria dos assentamentos rurais em Mato Grosso tambeacutem eacute marcada pela
violecircncia praticada contra os posseiros No caso de Vila Rica-MT os assentamentos
rurais Aracati e Itaporatilde do Norte talvez sejam os dois que mais se identifiquem com
essa caracteriacutestica uma vez que resultantes do processo de reocupaccedilatildeo da Fazenda
83
Aracati que na eacutepoca era de propriedade do senhor Rubens Mendonccedila apresentado
anteriormente como ldquoo pioneirordquo de Vila Rica-MT
A reocupaccedilatildeo da aacuterea provocou conflito entre posseiros e o proprietaacuterio da
fazenda havendo ateacute ameaccedilas de mortes Aleacutem dessas accedilotildees de conflito o proprietaacuterio
contava com o apoio do judiciaacuterio na aplicaccedilatildeo de medidas coercivas contra os
posseiros
No primeiro momento os posseiros foram despejados das terras perdendo
toda a produccedilatildeo das roccedilas jaacute cultivadas conforme descrito no relatoacuterio produzido pela
Empaer (2009 p 48)
No ano de 1980 foi feita a primeira invasatildeo da fazenda Aracaty
por 42 famiacutelias as mesmas fizeram construccedilatildeo de barracos de
plaacutesticos e palha A aacuterea invadida era mata e aberturas com
pastagens Os invasores fizeram aberturas de picadas
derrubadas e plantio de roccedilas Os pistoleiros da fazenda foram
ateacute a aacuterea invadida acionaram a poliacutecia militar e a mesma veio
ateacute o local do conflito
O conflito fundiaacuterio originado na luta pela terra tornou-se mais complexo
com a organizaccedilatildeo e a atuaccedilatildeo do STR e da CPT Em 1990 o Sindicato dos
Trabalhadores Rurais do municiacutepio denunciou internacionalmente a accedilatildeo de
empresaacuterios e fazendeiros conforme mostra a carta reproduzida a seguir
Figura 6 A Carta da Alemanha
84
Fonte Arquivo do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT
Essa articulaccedilatildeo internacional do STR de Vila Rica-MT demonstra a
capacidade de accedilatildeo mobilizadora dos grupos sociais constituiacutedos por homens e
mulheres com perfil ldquocampesinordquo os quais almejavam acesso agrave terra Revela ainda um
niacutevel de organizaccedilatildeo poliacutetica e conhecimento legal sobre os procedimentos juriacutedicos
adotados pelos oacutergatildeos federais no processo de criaccedilatildeo e regularizaccedilatildeo de assentamentos
rurais
Vale ressaltar que a situaccedilatildeo vivenciada pelos posseiros da Fazenda Aracati
ganhou repercussatildeo nacional e internacional Eacute possiacutevel verificaacute-lo pelas diversas coacutepias
das cartas enviadas ao Presidente da Repuacuteblica por vaacuterias entidades inclusive de paiacuteses
como Espanha Itaacutelia Alemanha e outros
Em 1993 a equipe do INCRA compareceu pela primeira vez na aacuterea
visando regularizaacute-la atraveacutes de um contrato de arrendamento com o proprietaacuterio da
Fazenda Aracati No entanto a regularizaccedilatildeo do assentamento rural ocorreu somente
quando a fazenda em questatildeo foi desapropriada para fins de Reforma Agraacuteria sendo
criado entatildeo o assentamento rural ocasiatildeo em que ocorreu o retorno dos posseiros que
haviam sido expulsos
Na eacutepoca foi respeitada a demarcaccedilatildeo realizada anteriormente pelos proacuteprios
posseiros na primeira fase da reocupaccedilatildeo Em consequecircncia dessa situaccedilatildeo quando natildeo
foram estabelecidos criteacuterios de demarcaccedilatildeo os lotes do Assentamento Rural Aracati
possuem ateacute hoje aacutereas diferentes
Segundo informaccedilotildees obtidas atraveacutes das anaacutelises dos documentos que estatildeo
nos arquivos disponibilizados pelo STR de Vila Rica-MT no periacuteodo de 1990 a 1992
pouco se fez em prol da infraestrutura da aacuterea ocupada pelos agricultores familiares
Apenas se verificou a edificaccedilatildeo de uma pequena escola de taacutebua cercas currais e
construccedilatildeo de estradas as quais foram feitas pelos proacuteprios moradores
224 O Assentamento Rural Satildeo Gabriel
O Assentamento Rural Satildeo Gabriel no que se refere a sua constituiccedilatildeo
possui caracteriacutesticas semelhantes ao Assentamento Rural Satildeo Joseacute uma vez que este
85
tambeacutem foi resultado do processo de ocupaccedilatildeo da fazenda Satildeo Gabriel no ano de 1999
Segundo os moradores na eacutepoca em que a fazenda foi ocupada praticamente toda aacuterea
era ainda coberta de mata virgem As primeiras picadas demarcatoacuterias foram realizadas
pelos posseiros A equipe do INCRA foi ao local somente para realizar o cadastramento
dos interessados Os lotes foram distribuiacutedos atraveacutes de sorteio viabilizando a liberaccedilatildeo
de fomento
Como em todos os demais assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-
MT no iniacutecio os assentados do Satildeo Joseacute enfrentaram muitas dificuldades como a falta
de infraestrutura sobretudo de estradas como demonstram as informaccedilotildees do relatoacuterio
produzido pelo escritoacuterio da Emapaer de Vila Rica- MT (2006 p 10)
[] no ano de 2000 foi criada a primeira associaccedilatildeo do
assentamento a Associaccedilatildeo dos Pequenos Produtores Rurais da
Comunidade Pedra Alta do Projeto de assentamento Satildeo
Gabriel ndash APPA As famiacutelias comeccedilaram a abrir derrubadas
para plantio de roccedilas e pastagens novamente receberam
fomento creacutedito habitaccedilatildeo Iniciou a primeira escola nas casas
da antiga fazenda IPEcirc assentamento vizinho O INCRA teve
presente no assentamento pra fazer a liberaccedilatildeo das casas O
assentamento foi contemplado com 18 km de estrada feitas pela
prefeitura em parceria com INCRA
Assim como ocorreu em outros Projetos de assentamentos rurais de Vila
Rica-MT a deacutecada de 2000 pode ser considerada um marco importante na histoacuteria do
assentamento Satildeo Joseacute pois naquele periacuteodo houve uma melhoria significativa da
infraestrutura em funccedilatildeo das accedilotildees dos Poderes Puacuteblicos Federal e Municipal
O periacuteodo entre os anos 2001 ateacute 2010 foi marcado por um amplo aumento
nas accedilotildees do poder puacuteblico havendo bastante capacitaccedilatildeoformaccedilatildeo para os
Agricultores Familiares e a liberaccedilatildeo de creacuteditos Pronaf A AC Tais poliacuteticas sociais
puacuteblicas segundo relato oral tinham como objetivo a compra de gado leiteiro
construccedilatildeo de curral contrataccedilatildeo de maacutequinas de esteira construccedilatildeo de casas
construccedilatildeo de pontes e estradas
Atraveacutes de projetos depois da implantaccedilatildeo do Programa Luz para Todos os
assentados conseguiram os resfriadores contemplando toda a aacuterea do assentamento
rural Uma loacutegica do aparelho do Estado era que os posseiros se tornassem produtores
de mercadorias e consumidores para que entrassem no processo de produccedilatildeo
econocircmica capitalista
86
225 O Assentamento Rural Itaporatilde do Norte
O Assentamento Rural Itaporatilde do Norte resultou de um processo de
ocupaccedilatildeo por parte de posseiros em 1986 Nesse periacuteodo houve tentativas de
desapropriaccedilatildeo prisatildeo e ameaccedila contra a vida dos posseiros Estes fatos podem ser
confirmados atraveacutes de documentos como a declaraccedilatildeo exposta a seguir em que um
dos posseiros denunciou as ameaccedilas de morte contra eles
Figura 7 Denuacutencia de Ameaccedila de Morte de posseiro
Fonte Arquivo do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT 2015
87
O documento denuncia a accedilatildeo violenta de intimidaccedilatildeo sofrida por parte de um
dos posseiros no ano de 1988 O significado dessa fonte de pesquisa permite que
conheccedilamos mais claramente o modus operandi dos pretensos proprietaacuterios da terra
assim como a forma com que tentavam manter seus domiacutenios natildeo somente no campo
da justiccedila do direito mas tambeacutem pela criaccedilatildeo de cenaacuterios em que o medo pudesse
fazer parte da rotina dos posseiros das suas esposas e familiares
A criaccedilatildeo de um ambiente tenso e conflituoso com riscos agrave vida de qualquer
um dos familiares era uma estrateacutegia utilizada pelos ldquosenhoresrdquo pretensos proprietaacuterios
da terra em conflito Apesar da situaccedilatildeo do embate e das ameaccedilas somente dez anos
depois o INCRA regularizou a situaccedilatildeo dos posseiros
Um dos principais problemas do assentamento rural eacute decorreu da
demarcaccedilatildeo dos lotes no periacuteodo sendo que o tamanho variava entre 25 a 150 ha O
tamanho do lote oscilava em decorrecircncia da forma de reocupaccedilatildeo anterior agrave
regularizaccedilatildeo e que foi seguida pelo INCRA
As parcelas menores estatildeo abaixo do miacutenimo estipulado pelo MDA que eacute de
35 hectares Segundo o Estatuto da Terra (1964) esta era a aacuterea miacutenima que garantia as
condiccedilotildees de desenvolvimento e potencializaccedilatildeo da funccedilatildeo social da terra Essa
perspectiva teve por base a ideia de que um lote menor que 35 ha natildeo tecircm condiccedilotildees de
garantir as condiccedilotildees sociais e econocircmicas de seus moradores e trabalhadores naquela
aacuterea
Ao observarmos essa questatildeo nos assentamentos rurais analisados eacute
perceptiacutevel que os assentados acabaram tendo que conciliar as atividades declaradas na
posse com outras formas de trabalhos assessoacuterios para garantir as condiccedilotildees
econocircmicas da propriedade
Em 1996 foram cadastradas 184 famiacutelias de posseiros que tinham como
objetivo adquirir recursoscreacuteditos para financiamento das atividades naquele
assentamento rural Desse total 30 natildeo estavam aptas para conseguir o creacutedito
226 O Assentamento Rural Bom Jesus
88
Refletir a partir da histoacuteria do Assentamento Rural Bom Jesus eacute trilhar mais
uma vez as trajetoacuterias de vida de vaacuterias pessoas que migraram para Vila Rica-MT em
busca de melhores condiccedilotildees de vida Essas pessoas foram atraiacutedas pela propaganda da
terra feacutertil e da abundacircncia Nas informaccedilotildees disponibilizadas pelo STR de Vila Rica-
MT os ocupantes desse assentamento eram majoritariamente migrantes oriundos dos
estados de Minas Gerais Goiaacutes Rio Grande do Sul Paranaacute Paraacute e minoritariamente
do Nordeste
Essas pessoas ao se aventurarem nas matas para desbravaacute-las acreditavam
que as terras da Amazocircnia proporcionar uma qualidade de vida almejada Essa
expectativa pode ser observada no excerto da carta-convite para a comemoraccedilatildeo do 17ordm
aniversaacuterio do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT datada de
30052004
[] Imaginando eles que iriam ter o crescimento econocircmico e
uma vida melhor para sua famiacutelia sem conhecer os riscos
quantas vidas foram ceifadas nas derrubadas Aiacute chega a
maldita maleita a tatildeo sofrida malaacuteria onde muitas famiacutelias
perderam vidas sofrimento com a dor [] E os que
conseguiam reagir com muita fraqueza sem forccedilas para
trabalhar e jaacute com diacutevidas acabaram vendendo sua terrinha e
quando acabou o dinheiro E agora o que fazer Isso jaacute era por
volta do iniacutecio de 1986 onde a opccedilatildeo foi ocupar terras
devolutas da regiatildeo pois o dinheiro tinha acabado e voltar para
traz donde vieram natildeo era possiacutevel Iniciou- se a ocupaccedilatildeo da
aacuterea do Itaporatilde do Norte e da Colocircnia Bom Jesus []20
Esse documento possibilita compreender que a narrativa oficial natildeo traduzia
as representaccedilotildees constituiacutedas pelos trabalhadores e antigos colonos Afinal na eacutepoca
da formaccedilatildeo do assentamento rural muitos posseiros convivendo com os efeitos da
colonizaccedilatildeo para todos aqueles que acreditaram nos discursos construiacutedos pelo
colonizador sobre um lugar bom de viver acabaram arriscando as proacuteprias vidas na luta
pela terra
Com o passar do tempo eles se deparam com doenccedilas dificuldades
financeiras e a desilusatildeo da riqueza da terra faacutecil Diante da falta de alternativas de
trabalho e de sobrevivecircncia os posseiros viram a possibilidade de reocupar fazendas
20 A carta na integra faz parte de coletacircnea de recorte de textos e noticiaacuterios sobre a luta dos
movimentos numa espeacutecie de livro artesanal o qual estaacute disponibilizado nos arquivos do
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica- MT
89
improdutivas como a uacutenica saiacuteda para a sobrevivecircncia conforme relatado na carta
ldquo[] e quando acaba o dinheiro o que fazerrdquo (CARTA CONVITE STR de Vila Rica
30052004)
O relato a seguir mostra as estrateacutegias dos posseiros para ocupar uma aacuterea
privada e como conseguiram a aprovaccedilatildeo do INCRA
[] Eu participei das ocupaccedilotildees em 1986-1987 no caso do
assentamento Bom Jesus que era antes a antiga Fazenda
COBEC onde 60 famiacutelias foram ocupando a aacuterea Noacutes
organizamos e ocupamos essa aacuterea e tem a Itaporatilde do Norte
que foi ocupada numa organizaccedilatildeo dos Sindicatos dos
Trabalhadores Rurais e outros movimentos sociais daqui do
municiacutepio de Vila Rica-MT mas especificamente da ocupaccedilatildeo
dessas aacutereas que eu natildeo sei falar sei do caso do Bom Jesus
que depois que organizamos a ocupaccedilatildeo recorremos ao
Sindicato e atraveacutes deste fizemos o primeiro contato com o
INCRA queriacuteamos saber se havia interesse por parte do
INCRA em negociar a compra dessa propriedade na eacutepoca o
INCRA ainda fazia a negociaccedilatildeo digo compra de aacutereas que jaacute
estavam ocupadas hoje como vocecirc sabe o INCRA natildeo faz
mais esse tipo de coisa a estrateacutegia eacute outra Hoje compra-se a
propriedade primeiro para depois entregar a antiga fazenda
aos assentados Entatildeo eu na eacutepoca tinha dezesseis anos eu
era meio perdido com essas coisas a organizaccedilatildeo foi feita
basicamente pelo o meu pai e outros companheiros nossos
(outras pessoas neacute) Soacute sei que eles fizeram um levantamento
sobre a situaccedilatildeo das fazendas em Vila Rica-MT e descobriram
que esta aacuterea estava sem produzir o dono natildeo tinha interesse
porque era uma fazenda empenhorada no banco ou seja jaacute era
uma aacuterea do banco Entatildeo os organizadores do processo de
ocupaccedilatildeo entenderam que seria mais faacutecil negociar entre o
dono e o INCRA e assim facilitaria aquisiccedilatildeo do tiacutetulo da
terra e formar o assentamento (ENTREVISTA com Ivanir
Galo Agricultor familiar do assentamento Bom Jesus e
presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-
MT realizada pela autora em marccedilo de 2015)
O relato nos possibilita cogitar a ideia de que os posseiros que reocuparam a
aacuterea da Fazenda Boa Jesus eram conhecedores tanto das diretrizes definidas pelo
INCRA para a criaccedilatildeo de assentamento rural quanto da situaccedilatildeo da Questatildeo Agraacuteria de
Vila Rica-MT Isso fica evidente principalmente ao eleger uma fazenda que estava
comprometida pelo endividamento no banco revelando uma taacutetica de efeito positivo
uma vez que facilita a accedilatildeo do INCRA na aquisiccedilatildeo da fazenda tendo em conta o
interesse do proprietaacuterio em negociar a venda
90
Outra situaccedilatildeo que nos chama atenccedilatildeo foi agrave atuaccedilatildeo dos filhos junto com os
pais na reocupaccedilatildeo da fazenda o que pode se atribuir agrave projeccedilatildeo de desmembramento
familiar ou de ampliaccedilatildeo do capital econocircmico da famiacutelia Ao mesmo tempo pode
demonstrar que os posseiros tinham a pretensatildeo de continuar uma tradiccedilatildeo vinculada a
terra passando suas heranccedilas para seus filhos poreacutem incorporando-os na luta pela
terra no trabalho com a terra e na busca pela sobrevivecircncia a partir da propriedade
rural
O relato a seguir mostra como os posseiros se apossavam de aacutereas natildeo
produtivas
[] A ocupaccedilatildeo de fazenda na eacutepoca era a uacutenica forma que as
pessoas sem-terra tinham para conseguir uma pequena aacuterea
era o que noacutes entendiacuteamos ser mais faacutecil para conseguir ter
acesso agrave terra Hoje a gente vecirc que natildeo precisa ser soacute assim
pois eacute melhor procurar comprar a fazenda e planejar o
assentamento [] Eacuteramos todos daqui mesmo de Vila Rica-
MT eacuteramos pessoas que tinha conhecimento sobre a luta pela
terra um bom entrosamento e essas pessoas trabalhavam em
prol da colonizaccedilatildeo reuniram essas famiacutelias e foram ocupar
ateacute organizamos em dois grupos no primeiro momento onde
um grupo entrou por um local e o outro grupo entrou por outro
lado da fazenda mas quando teve o desbravamento
descobrimos que estaacutevamos ocupando a mesma aacuterea porque o
acesso era muito difiacutecil a gente natildeo tinha como fazer um mapa
direito da fazenda entatildeo tivemos que entrar de 8 a12 km na
mata ateacute descobrir a aacuterea toda[] (ENTREVISTA com
Evani Galo presidente do STR de Vila Rica-MT realizada pela
autora em marccedilo de 2015)
O citado relato oral nos possibilita afirmar que havia um conhecimento
aprimorado sobre a estrutura fundiaacuteria de Vila Rica- MT Os posseiros natildeo ocupavam
aacutereas de fazendas que estavam produzindo mas optavam por estabelecer as disputas em
terras sob condiccedilotildees ilegais Por isso eles ocupavam as aacutereas improdutivas para
diminuir a possibilidade de conflito e aumentar a chance de negociaccedilatildeo entre os
proprietaacuterios e as instituiccedilotildees governamentais Para essas definiccedilotildees eles faziam
reuniotildees para escolher qual aacuterea de fazenda seria ocupada e a definiccedilatildeo de estrateacutegias na
reocupaccedilatildeo
Destacamos que a maioria dos posseiros ocupantes dos lotes do
Assentamento Rural Bom Jesus foi ldquoex-colonosrdquo do Sul que migraram para Vila Rica-
MT no iniacutecio da colonizaccedilatildeo No caso desta pesquisa denominamos como ex- colonos
91
aqueles migrantes que vieram para Vila Rica-MT em funccedilatildeo da accedilatildeo da colonizadora e
que perderam o capital financeiro devido ao endividamento no banco
Daiacute estes migrantes passaram de colonos para Sem-Terra depois tornaram-
se posseiros ou vendedores da forccedila de trabalho trabalhadores rurais e tambeacutem urbanos
Poreacutem outros posseiros eram oriundos das aacutereas de colonizaccedilatildeo ou de fazendas
agropecuaacuterias
[] a dificuldade de chegar e trabalhar era muita Natildeo tinha
aparelhos para identificar com precisatildeo a dimensatildeo da aacuterea
natildeo tinha estrada Andaacutevamos aiacute de 8 a 12 km na mata guiados
atraveacutes de picadas apenas essas picadas jaacute eram existentes
desde a eacutepoca da colonizadora E por ser essa fazenda que noacutes
ocupamos uma aacuterea vizinha da colonizadora Isso acabou
facilitando a localizaccedilatildeo Aleacutem da falta de estrada tinha a
malaacuteria a falta de transporte E eu mesmo fui uma das pessoas
que primeiro chegou ao assentamento Quando fui uns dos
primeiros fiquei 21 dias na mata ali roccedilando demarcando a
minha aacuterea Eu fiquei tentando marcar e garantir o meu
territoacuterio e foi assim a nossa luta para conseguir o pedaccedilo de
terrapedaccedilo de chatildeo pra produzir depois o meu sustento e da
minha famiacutelia [] Na eacutepoca ficou determinado entre todos
noacutes numa reuniatildeo que fizemos ateacute pra dizer que cada um de
noacutes ficaacutessemos apenas com 100 hectares [] por isso no
assentamento do Bom Jesus natildeo tem ningueacutem com mais 100
hectares E teve gente que natildeo conseguiu permanecer no
assentamento venderam e teve outros que desistiram natildeo
aguentaram aquele sofrimento todo Noacutes sempre trabalhamos
na associaccedilatildeo para que nenhum lote passasse de 100 hectares
pois jaacute era a determinaccedilatildeo do INCRA E noacutes jaacute conheciacuteamos as
regras do INCRA e trabalhaacutevamos desde a fase de organizaccedilatildeo
da ocupaccedilatildeo com elas Os dois assentamentos que manteve esse
padratildeo eacute soacute o Bom Jesus e o Itaporatilde A nossa loacutegica era no
sentido de facilitar a regularizaccedilatildeo e pra isso trabalhamos de
forma que pudesse tambeacutem aumentar o nuacutemero de famiacutelias no
assentamento Noacutes sempre respeitamos as regras
(ENTREVISTA com Evani Galo Agricultor Familiar do
assentamento Bom Jesus realizada pela autora em marccedilo de
2015)
O relato acima nos remete agrave concepccedilatildeo jaacute exposta na descriccedilatildeo da formaccedilatildeo
de outros assentamentos rurais em que os posseiros eram conhecedores das diretrizes
do INCRA em relaccedilatildeo ao processo de criaccedilatildeo e regularizaccedilatildeo dos assentamentos rurais
Isso nos leva a crer que a reocupaccedilatildeo das fazendas natildeo ocorria de forma tatildeo espontacircnea
como aparece em outras narrativas sobre assentamentos rurais Havia entre os posseiros
92
uma organizaccedilatildeo e um planejamento Isto porque promoviam accedilotildees que exigiam
atividades taacuteticas e estrateacutegicas que permeavam a disposiccedilatildeo da luta pela terra
Apesar dessas definiccedilotildees de princiacutepios organizativos da luta para evitar
ocupaccedilotildees equivocadas e desviar-se dos conflitos o entrevistado falou sobre as ameaccedilas
que sofreram no periacuteodo em que lutaram para conquistar a terra
[] teve sim ameaccedilas de despejos na eacutepoca Apesar de que
hoje a gente jaacute sabe que foi uma pessoa que usou de
oportunismo Isso eacute o mesmo que estaacute acontecendo na Fazenda
Reunidas Vocecirc natildeo precisa ter medo de falar sobre esse fato
porque eacute verdade isso que lhe conto Pode colocar no seu
relatoacuterio aiacute Esses satildeo os tais grileiros das terras do Araguaia
ficam se passando por donos das fazendas soacute para ameaccedilar e
confundir os posseiros Aconteceu assim uma pessoa de maior
poder aquisitivo ficou amedrontando as outras pessoas que
estavam ocupando a aacuterea da fazenda Noacutes estaacutevamos fazendo
os nossos serviccedilos laacute cuidando da roccedila E daiacute apareceram eles
dizendo que eram os legiacutetimos donos da aacuterea mas natildeo
conseguiram apresentar documento natildeo conseguriam
apresentar nada Noacutes desconfiaacutevamos deles No fundo
sabiacuteamos que estavam tentando nos enrolar E acabou que eles
tiveram que se retirar de laacute E noacutes atraveacutes do INCRA e do
Sindicato satildeo essas as instituiccedilotildees que assumiram a nossa
causa ficamos com a terra e estamos assentados laacute ateacute hoje
Somos 63 famiacutelias [] Na verdade 1987 eacute o periacuteodo de
ocupaccedilatildeo porque o INCRA veio atuar em 1992 quando foi
criado o assentamento Ficou esse periacuteodo aiacute todo em fase de
negociaccedilatildeo com o antigo dono da fazenda O INCRA e o
Sindicato fizeram o levantamento da aacuterea estudo geograacutefico e
assim por diante e noacutes juntos acompanhando tudo
(ENTREVISTA com Ivani Galo Agricultor Familiar do
assentamento Bom Jesus realizada pela autora em marccedilo de
2015)
Nesse caso o depoimento remete agrave accedilatildeo de outro tipo de agente social
envolvido nos conflitos agraacuterios do assentamento rural o grileiro No entanto o termo
ldquogrileirordquo eacute usado localmente para identificar aquele sujeito social que reocupa uma aacuterea
de terra natildeo com o objetivo de morar e cultivar mas ao contraacuterio para adquirir o
ldquodireitordquo sobre ela e poder comercializar posteriormente
Tambeacutem eacute possiacutevel identificar na narrativa a valorizaccedilatildeo dada ao Sindicato
dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT destacando que ele agia juntamente com o
INCRA na regularizaccedilatildeo do assentamento rural
93
Compreendemos que a formaccedilatildeo do Assentamento Rural Bom Jesus deu-se
de forma particular Os posseiros que reocuparam a aacuterea tinham dificuldade financeira
para garantir a sobrevivecircncia e isso se configurava como um impedimento de
retornarem aos seus lugares de origem e natildeo conseguindo mais vislumbrar outro meio
de sobrevivecircncia que natildeo fosse a ocupaccedilatildeo de terra ociosa
Diante das necessidades os posseiros criaram estrateacutegias inteligentes de
ocupaccedilatildeo escolhendo as aacutereas com maior chance de desapropriaccedilatildeo bem como
estrateacutegias de resistecircncia do grupo para lutar contra o grileiro
Essas estrateacutegias tambeacutem devem ser compreendidas em uma relaccedilatildeo com o
perfil dos ocupantes que incluiacutea aqueles com certo grau de instruccedilatildeo sobre as questotildees
relacionadas agrave poliacutetica de regularizaccedilatildeo de assentamentos rurais O conhecimento da
legislaccedilatildeo facilitou o acesso agraves poliacuteticas que versavam sobre a desapropriaccedilatildeo
parcelamento e uso de terras devolutas eou improdutivas que natildeo cumpriam a funccedilatildeo
social as quais devem ser utilizadas para fins de Reforma Agraacuteria
227 Assentamento Rural Santo Antocircnio do Beleza
Jaacute ressaltamos em outras passagens do texto que cada um dos assentamentos
rurais de Vila Rica-MT tem caracteriacutesticas de ocupaccedilatildeo diferentes como eacute o caso do
Assentamento Rural Santo Antocircnio do Beleza que foi ocupado por colonos que natildeo
conseguiram comprar lotes de terra da colonizadora ou perderam suas terras no
financiamento do Banco Tambeacutem participaram seus filhos que no ldquodesmembramentordquo
familiar tambeacutem se apropriaram de terras Ateacute entatildeo natildeo apareceu o dono do tiacutetulo
requerendo o direito de propriedade daquela aacuterea de terra em que foi constituiacutedo o
Assentamento Rural Bom Jesus
Tal situaccedilatildeo se deu tambeacutem pelo fato de a Colonizadora Vila Rica-MT natildeo ter
assegurado junto ao INCRA as terras aos colonos e trabalhadores rurais desprovidos
de capital para aquisiccedilatildeo de lotes da colonizadora Estes ocuparam aacutereas destinadas ateacute
entatildeo pela colonizadora para as fazendas Somente depois que a aacuterea foi ocupada em
2001 eacute que o INCRA regularizou os lotes para os ldquoocupantesrdquo
Os posseiros que reocuparam a aacuterea da Colonizadora Vila Rica-MT
denominada de Santo Antocircnio do Beleza satildeo em sua maioria oriundos dos estados do
94
Rio Grande do Sul Santa Catarina e do Paranaacute e se fixaram na aacuterea como assentados e
atualmente se identificam como agricultores familiares parceleiros colonos ou
proprietaacuterios
228 Assentamento Rural Alvorada
O Assentamento Rural Alvorada estaacute localizado na divisa do municiacutepio de
Vila Rica-MT com o estado do Paraacute Esse assentamento rural resultou da ocupaccedilatildeo da
fazenda Santaninha em 1993 poreacutem o ato de regularizaccedilatildeo data de 1995 ou seja
somente depois de dois anos das terras ocupadas eacute que foram regularizadas pelo
INCRA transformando-as em Projeto de assentamento rural
Consta em documentos (atas ofiacutecios relatoacuterios e projetos de assistecircncia
teacutecnicas)21
do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT que os primeiros
moradores do Assentamento Rural Alvorada vieram principalmente dos estados de
Mato Grosso do Paraacute e de outras regiotildees do Brasil
Melo (2011 p 43) realizou uma pesquisa sobre as atividades das
agropecuaacuterias no Assentamento Rural Alvorada denominado como PA Santaninha
afirmando que ldquo[] o periacuteodo compreendido de 1993 ateacute 2009 as principais
dificuldades do assentamento rural estavam relacionadas agrave falta de estradasrdquo De acordo
com o mesmo autor o assentamento rural estaacute localizado em uma aacuterea onde haacute
predominacircncia de relevo acidentado condiccedilatildeo que motivou os assentados a investir na
pecuaacuteria inibindo assim o avanccedilo da agricultura familiar devido agraves dificuldades para o
escoamento da produccedilatildeo agriacutecola de hortaliccedilas legumes verduras e frutas
Essa situaccedilatildeo ainda eacute um desafio para o desenvolvimento do assentamento
rural Apesar dos problemas nesse assentamento haacute escola Associaccedilatildeo de Pequenos
Agricultores possui rede de energia eleacutetrica abastecimento de aacutegua etc Nesta acepccedilatildeo
o relato de um dos assentados ilustra a concepccedilatildeo dos seus moradores quanto agraves
condiccedilotildees de vida no assentamento rural
21 Esses documentos foram analisados pela a autora da pesquisa os quais fazem parte do acervo
documental do Sindicato dos Trabalhadores de Vila Rica-MT
95
[] foi bom mudar para caacute me sinto realizado porque
consegui algo para sobreviver e cuidar da minha famiacutelia []
quando chegamos aqui quase natildeo tinha devastaccedilatildeo de mata soacute
tinha aproximadamente 25 alqueires de derrubada e era muito
difiacutecil a chegada neste local pois os primeiros meios de
transporte eram o trator porque as estradas eram bem
dificultosas atoleiros e sem pontes Atualmente as melhorias
satildeo muito grandes nas estradas nos transportes na educaccedilatildeo
na habitaccedilatildeo e na sauacutede (ENTREVISTA com Edno Venacircncio
morador do projeto de Santaninha desde o ano 1993 realizada
por Carlos Aberto de Melo em 2011)
O trecho do relato nos remete agraves dificuldades vivenciadas pelos posseiros nos
primeiros tempos de formaccedilatildeo do assentamento rural comuns aos demais
assentamentos rurais de Vila Rica-MT Satildeo os posseiros que precisam cavar e buscar as
proacuteprias condiccedilotildees de sobrevivecircncia jaacute que o poder Puacuteblico natildeo assegura a
infraestrutura baacutesica
No assentamento Alvorada as informaccedilotildees do STR e dos assentados
permitiram compreender que nesse assentamento natildeo ocorreu conflito entre posseiros e
fazendeiro Trata-se de uma aacuterea que natildeo estava vinculada somente agrave Fazenda
Santaninha Nesse assentamento a devastaccedilatildeo do meio para a formaccedilatildeo de pastagens foi
fruto da accedilatildeo dos proacuteprios posseiros
No Assentamento Rural Alvorada como em outros a questatildeo das poliacuteticas
puacuteblicas de sauacutede habitaccedilatildeo estrada e educaccedilatildeo satildeo consideradas como conquistas
importantes para a permanecircncia das famiacutelias no campo
Consideraccedilotildees gerais sobre os assentamentos rurais de Vila Rica-MT
Ao analisar a formaccedilatildeo dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica
percebemos a complexidade e as diferenciaccedilotildees existentes entre eles No entanto o que
existe em comum foi agrave luta pela posse da terra por parte de posseiros ex-colonos e
agricultores familiares Nesse processo contaram com o apoio e auxiacutelio de entidades
como a CPT e o STR do municiacutepio de Vila Rica-MT dos agentes da pastoral da
Prelazia de Satildeo Feacutelix do Araguaia hoje Diocese
A situaccedilatildeo dos assentamentos rurais de Vila Rica-MT eacute percebida como
resultado da luta dos posseiros em torno da aquisiccedilatildeo da posse e propriedade da terra
96
Ao mesmo tempo em que essa organizaccedilatildeo parte de uma localidade especifica estava
inserida em uma conjuntura de luta regional estadual nacional e mundial
Os diferentes sujeitos histoacutericos que constituiacuteram a luta pela terra com a
formaccedilatildeo dos assentamentos rurais de Vila Rica-MT deixaram de ser posseiros Os ex-
colonos trabalhadores rurais e grileiros tornaram-se agricultores familiares quando o
INCRA regularizou a aacuterea em litiacutegio transformando-a em assentamento rural
97
3 SITUACcedilAtildeO SOCIOECONOcircMICA DOS ASSENTAMENTOS RURAIS SAtildeO
JOSEacute SAtildeO GABRIEL IPEcirc E ARACATI (2006-2010)
Esse capiacutetulo tem como objetivo apresentar a situaccedilatildeo socioeconocircmica de
quatro dos oito assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT No entanto natildeo se
pretende apresentar um diagnoacutestico de sua realidade social e econocircmica mas um esboccedilo
para compreender as tendecircncias soacutecio-histoacutericas que foram obtidas atraveacutes das fontes
documentais
Ressaltamos que existem poucas fontes escritas que se referem a situaccedilotildees
socioeconocircmicas dos assentamentos rurais do Araguaia e se tratando de Vila Rica a
localizaccedilatildeo e acesso aos poucos documentos escritos foram fundamentais para a
construccedilatildeo desse capiacutetulo
As fontes escritas analisadas nesse capiacutetulo foram os ldquoPlanos de
Desenvolvimento do Assentamentordquo (Pda) incluindo os assentamentos rurais Satildeo Joseacute
Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati elaborados pela Empaer em 2010 Estes Pdas ajudaram a
compreender os muacuteltiplos contextos de constituiccedilatildeo e produccedilatildeo nos assentamentos
rurais embora envolvessem outras temporalidades
Contudo ressaltamos que natildeo utilizamos apenas o banco de dados produzido
pela equipe da Empaer pois realizamos visitas aos assentamentos rurais agrave Secretaria
Municipal de Agricultura e ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT
onde aleacutem das entrevistas tivemos acesso a outras fontes documentais que
possibilitaram ampliar a perspectiva analiacutetica deste capiacutetulo
A elaboraccedilatildeo dos Pdas se deu atraveacutes de reuniotildees com os assentados e a
realizaccedilatildeo de pesquisa de campo
As informaccedilotildees coletadas refletem a realidade do assentamento
e foram levantadas dentro de uma metodologia participativa
onde a comunidade do assentamento expocircs suas dificuldades
potencialidades e prioridades Utilizou-se tambeacutem de estudos de
campo realizado por uma equipe multidisciplinar constituiacuteda
por engenheira florestal engenheira agrocircnoma e teacutecnicos nas
aacutereas da pecuaacuteria agriacutecola ambiental e social (EMPAER-MT
2010 p 2)
Ressaltamos que as informaccedilotildees levantadas natildeo ldquorefletiram a realidaderdquo de
maneira mecacircnica mas possibilitaram a anaacutelise das informaccedilotildees obtidas enquanto
tendecircncias
98
Para compreender como cada fonte documental foi construiacuteda foi preciso
observar as fotografias que fazem parte do proacuteprio documento e que possibilitaram a
percepccedilatildeo da forma com que a equipe multidisciplinar da Empaer coletou as
informaccedilotildees que serviram de base para produccedilatildeo do diagnoacutestico de como se deu a
participaccedilatildeo dos assentados
Figura 8 Fotografias das visitas dos teacutecnicos da Empaer-MT no PA Ipecirc 2010
Fonte EMPAER-MT 2010 p 5
A Empaer recorreu a diversas estrateacutegias desde o uso dos recursos
midiaacuteticos sobretudo a Raacutedio Comunitaacuteria e visitas aos assentamentos rurais contando
com o apoio de lideranccedilas sindicais e poliacuteticas para a divulgaccedilatildeo do Programa de
Assessoria Teacutecnica Social e Ambiental agrave Reforma Agraacuteria (Ates) e conscientizaccedilatildeo
dos agricultores familiares sobre a importacircncia e implicaccedilatildeo dos Pdas
Figura 9 Fotografias da apresentaccedilatildeo do Projetob Ates na Raacutedio Comunitaacuteria Eldorado
Fonte EMPAER 2010 p 5
99
Foi a partir dessas diferentes formas de divulgaccedilatildeo e estrateacutegias que a equipe
da Empaer convenceu os assentados a participar da primeira fase do Ates que foi a
construccedilatildeo do diagnoacutestico
Os questionaacuterios e entrevistas foram realizados em diferentes momentos em
reuniotildees com a comunidade e in loco o que resultou na tabulaccedilatildeo de dados que
apresentam diferentes bases amostrais Ora observamos uma amostra de cerca de
duzentos entrevistados e ora observamos tabelas com um nuacutemero trecircs vezes maior de
famiacutelias assentadas
Ressaltamos que essa diferenccedila na base de dados eacute proacutepria da fonte
documental analisada e natildeo pudemos adulterar os nuacutemeros para natildeo comprometer a
anaacutelise da fonte documental Ainda eacute importante salientamos que apesar das diferenccedilas
amostrais presentes em diferentes dados (tabelas) os mesmos satildeo extremamente
relevantes para anaacutelise por fornecerem tendecircncias socioeconocircmicas dos assentamentos
rurais nos anos de 2009 a 2010
31 Os assentamentos rurais na perspectiva do Programa de Assessoria Teacutecnica
Social e Ambiental agrave Reforma Agraacuteria (Ates)
Os assentamentos rurais segundo a concepccedilatildeo constituiacuteda no projeto de Ates
(2008) satildeo definidos enquanto espaccedilos de promoccedilatildeo da equidade de gecircnero e
intergeraccedilotildees entre a populaccedilatildeo de agricultores familiares Por isso a recorrecircncia agraves
estrateacutegias de trabalho em forma de cooperativas imbuiacutedas da concepccedilatildeo de
agroecologia cooperaccedilatildeo e economia solidaacuteria Estes elementos foram constituiacutedos a
partir dos artifiacutecios da formaccedilatildeo continuada dos diferentes segmentos que compotildeem o
coletivo do Programa de Reforma Agraacuteria
Para tanto o Programa Ates do Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio
(BRASIL 2008 p 10) foi definido da seguinte forma
100
O Programa de Assessoria Teacutecnica Social e Ambiental agrave
Reforma Agraacuteria ndash Ates do INCRA foi criado em 2003 com o
objetivo de assessorar teacutecnica social e ambientalmente as
famiacutelias assentadas nos Projetos de assentamento da Reforma
Agraacuteria criados ou reconhecidos pelo INCRA tornando-os
unidades de produccedilatildeo estruturadas com seguranccedila alimentar
garantida inseridos de forma competitiva no processo de
produccedilatildeo voltados ao mercado e integradas agrave dinacircmica do
desenvolvimento municipal regional e territorial de forma
ambientalmente sustentaacutevel
Nessa perspectiva a assistecircncia teacutecnica implementada pelo Instituto Nacional
de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria deve levar em consideraccedilatildeo as questotildees de ordem
social ambiental culturas e tecnoloacutegica visando um modelo de desenvolvimento
pensado a partir das demandas locais regionais e nacional de forma que assegure a
sustentabilidade social ambiental e econocircmica dos assentamentos rurais
A Ates tem como ponto de referecircncia para a efetivaccedilatildeo da assistecircncia teacutecnica
na Agricultura Familiar os Pdas (2008 p 51) ldquo[] eacute portanto a principal ferramenta
de planejamento dos Projetos de assentamentos rurais voltada diretamente para o seu
desenvolvimento sustentaacutevel segundo as suas dimensotildees econocircmica social cultural e
ambientalrdquo
De acordo com o MDA os assentamentos rurais devem ser ldquoedificado a partir
de um diagnoacutesticordquo que sirva como representaccedilatildeo do quadro situacional dos
assentamentos rurais em seus aspectos fiacutesico social econocircmico cultural e ambiental
O objetivo eacute
Dotar as aacutereas de assentamento de um instrumento de
planejamento fundado em diagnoacutestico preacutevio que permita
prever todas as accedilotildees a serem desenvolvidas num determinado
horizonte de tempo de modo a possibilitar o monitoramento de
sua implementaccedilatildeo pelas equipes de Ates Garantir a efetiva
participaccedilatildeo dos assentados em todas as fases do processo de
planejamento e implementaccedilatildeo das accedilotildees nos projetos de
assentamento Inserir as accedilotildees propostas para os projetos de
assentamento no contexto das diretrizes contidas nos
planejamentos regionais e municipais assegurando a
participaccedilatildeo efetiva de todos os atores sociais governamentais e
natildeo governamentais envolvidos com o processo de reforma
agraacuteria (BRASIL MDA 2006 p 29)
Conforme o MDA o projeto tem por base a participaccedilatildeo do assentado em
todas suas fases de planejamento e implementaccedilatildeo dos assentamentos rurais
101
beneficiados A idealizaccedilatildeo do objetivo do Ates eacute ambicioso no contexto nacional mas
apresenta pouca aplicabilidade quando tomamos como referecircncia o caso de Vila Rica-
MT Tratando-se dos Pdas elaborados especificamente para os assentamentos rurais Satildeo
Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati os objetivos baacutesicos buscam assegurar que
As famiacutelias seratildeo assessoradas teacutecnica social e ambientalmente
de forma integrada e continuada nos aspectos de produccedilatildeo
industrializaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo dos produtos explorados na
aplicaccedilatildeo do creacutedito rural nas questotildees ambientais no
saneamento baacutesico na organizaccedilatildeo das famiacutelias e da produccedilatildeo
no exerciacutecio da cidadania utilizando as metodologias de Ates
(EMPAER-MT 2010 p 11)
A partir dessa proposta a equipe da Empaer realizou a primeira fase do
projeto realizando uma ampla pesquisa junto aos assentados dos quatro assentamentos
rurais de Vila Rica-MT que foram contemplados pelo Programa de Ates Este
levantamento de dados pela Empaer foi importante para identificar o perfil do
assentado a produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo no ano de 2010 Apesar de ser uma
amostragem parcial forneceu dados que permitiram analisar e problematizar questotildees
que podem se constituir enquanto indicadores ou tendecircncias
Apesar da relevacircncia do Pdas como fonte documental para a pesquisa e para
as poliacuteticas do municiacutepio de Vila Rica-MT eacute fundamental destacarmos que o Ates natildeo
foi finalizado mas suspenso pelo Governo Federal sem que os Pdas tenham sido
devidamente finalizados No entanto a equipe teacutecnica da Empaer que coletou os dados
e as informaccedilotildees desses assentamentos rurais continua utilizando esse diagnoacutestico para
o desenvolvimento de suas accedilotildees
32 O perfil dos assentados gecircnero idade e escolaridade
O perfil dos assentados dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e
Aracati conforme jaacute dito foi constituiacutedo com dados quantitativos obtidos atraveacutes dos
diagnoacutesticos que serviriam como base para a construccedilatildeo dos Pdas
Esses dados foram analisados a partir da confrontaccedilatildeo com fontes orais e
anaacutelises teoacutericas que forneceram indiacutecios qualitativos para a problematizaccedilatildeo e
102
compreensatildeo das caracteriacutesticas dos Agricultores Familiares dos assentamentos rurais
pesquisados
321 Diferenciaccedilatildeo de Gecircneros predominacircncia masculina e papel da mulher
Segundo dados da Empaer (2010) a diferenccedila numeacuterica entre homens e
mulheres nos assentamentos rurais pesquisados assim se apresentava
PA Satildeo Joseacute 179 homens e 147 mulheres
PA Satildeo Gabriel 44 homens e 39 mulheres
PA Ipecirc 153 homens e 125 mulheres
PA Aracati 40 homens e 44 mulheres
Com exceccedilatildeo do Assentamento Rural Aracati que apresentou uma pequena
vantagem no nuacutemero de mulheres em relaccedilatildeo aos demais assentamentos rurais se
observa a predominacircncia do sexo masculino sobre o feminino Uma hipoacutetese explicativa
para a existecircncia de maior nuacutemero de homens residindo nos assentamentos rurais eacute em
primeiro lugar causado pela necessidade dos filhos estudarem nas escolas urbanas
sendo que muitas vezes as matildees os acompanham em segundo lugar a possibilidade de
que cabe aos homens morar nas fases iniciais de formaccedilatildeo dos assentamentos rurais
enquanto constroem as casas estradas escola e estrutura fiacutesica
A questatildeo de gecircnero pode ser abordada em relaccedilatildeo ao trabalho ao lazer e agrave
participaccedilatildeo poliacutetica das mulheres Tratando-se de lazer os relatoacuterios do Pdas da
Empaer (2010 p 74) demonstraram que existe uma estrutura maior para os homens
conforme descriccedilatildeo abaixo
No assentamento natildeo identificamos praacuteticas de lazer voltadas
para as mulheres e idosos As atividades direcionadas para este
grupo geralmente se datildeo na esfera familiar ou religiosa O
assentamento tem times de bochas que participam do
campeonato municipal onde os jogadores tecircm que se deslocar
de um assentamento para outro
Como vimos as atividades de lazer satildeo predominantemente masculinas
sobretudo no esporte como eacute o caso dos jogos de bocha e futebol que resultam numa
circulaccedilatildeo dos assentados em outros assentamentos rurais e comunidades Agraves mulheres
restam as atividades religiosas e no lar Assim sendo satildeo os homens que tecircm mais
103
oportunidades de sair de casa e tambeacutem da comunidade diferentemente das mulheres
que ficam a maior parte do tempo no interior do lar
No que se refere agrave representaccedilatildeo poliacutetica segundo a Empaer (2009 p 59) no
Assentamento Rural Satildeo Joseacute ldquo[] foram levantadas as informaccedilotildees que natildeo haacute []
representaccedilatildeo especiacutefica para o jovem e a mulher rural fato este que tambeacutem contribui
para o ecircxodo dessas famiacuteliasrdquo Jaacute nos assentamentos rurais Satildeo Gabriel e Ipecirc ldquo[] a
participaccedilatildeo da associaccedilatildeo conta com presenccedila de homens mulheres e jovens poreacutem as
mulheres e jovens fazem poucas interferecircncias sobre os assuntos tratados durante as
reuniotildeesrdquo (EMPAER p 51)
De acordo com os relatoacuterios produzidos pela equipe do escritoacuterio da Empaer
em Vila Rica-MT natildeo existe uma organizaccedilatildeo feminina no sentido de criar estrateacutegias
para pleitear poliacuteticas especiacuteficas para a categoria o que diminui ainda mais a
participaccedilatildeo das mesmas Vale lembrar que as mulheres satildeo responsaacuteveis pelos afazeres
domeacutesticos (cuidando da casa e dos filhos) assim como da criaccedilatildeo de pequenos animais
domeacutesticos (porcos aves cachorros e outros) e do cultivo de hortas
No relatoacuterio do Assentamento Rural Satildeo Gabriel essa situaccedilatildeo foi descrita
pela a Empaer (2010 p 52) da seguinte forma
A maioria das mulheres aleacutem de trabalharem nos afazeres
domeacutesticos (cuidado da casa e dos filhos) tambeacutem satildeo
responsaacuteveis pela criaccedilatildeo de pequenos animais domeacutesticos e
cultivos de hortas A organizaccedilatildeo das mulheres dentro do
assentamento ainda eacute retraiacuteda Segundo dados do perfil de
entrada aplicado no assentamento natildeo foi constatado nenhum
grupo de mulheres ou qualquer outra forma de organizaccedilatildeo
social voltada para as mulheres em todo o assentamento
Ficando as mesmas condicionadas a se reunirem com os
homens e desta forma natildeo se unem para tratar de assuntos
relevantes as suas necessidades dentro do assentamento
Os afazeres domeacutesticos entram na divisatildeo sexual do trabalho como atividade
feminina assim como eacute o caso do cultivo de hortaliccedilas e criaccedilatildeo de pequenos animais
(aves porcos etc) as quais podem contar com a ajuda das crianccedilas No entanto haacute
indiacutecios de que falta uma maior organizaccedilatildeo das mulheres no sentido na reivindicaccedilatildeo
de poliacuteticas direcionadas aos seus interesses O segundo o relatoacuterio da Empaer (2010 p
52) esclarece ainda que
104
A alimentaccedilatildeo das famiacutelias eacute composta pelo que eacute produzido
nas propriedades como pequenos animais leite derivados do
leite hortaliccedilas frutas do pomar e em determinada eacutepoca do
ano tem o complemento de milho e mandioca A outra parte da
alimentaccedilatildeo da famiacutelia eacute comprada no comeacutercio do municiacutepio
Natildeo foi constatada nenhuma famiacutelia que natildeo produz um pouco
da sua base alimentar dentro da propriedade
Assim podemos afirmar que a maior parte dos produtos que serve de base
para alimentaccedilatildeo das famiacutelias tais como pequenos animais derivados do leite
hortaliccedilas frutas do pomar entre outros satildeo oriundos das atividades desenvolvidas
pelas mulheres cabendo aos homens as atividades relacionadas agrave produccedilatildeo e venda de
leite para complementaccedilatildeo da renda da famiacutelia
Nessa mesma perspectiva os dados quantitativos que se seguem demonstram
a confirmaccedilatildeo do que jaacute supramencionamos
Tabela 2 Produtos que satildeo destinados agrave Alimentaccedilatildeo da Famiacutelia
Uso de tanque PA S Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total
Pequenos animais 106 22 78 25 231
Leite 97 22 76 25 220
Pomar 105 21 78 24 228
Horta 72 15 62 17 166
Total 380 80 294 91 845
Fonte EMPAER (2010 p09)
Analisando a Tabela 2 do total de 570 famiacutelias dos quatro assentamentos
rurais participantes da pesquisa 220 criam gado leiteiro sendo essa atividade uma das
principais fontes de renda e de consumo
Enquanto 231 assentados satildeo criadores de pequenos animais 228 possuem
pomar e 166 cultivam hortaliccedilas em seus quintais Trata-se de produccedilatildeo para consumo
Logo eacute possiacutevel aferir que quem garante grande parte da renda das famiacutelias assentadas
satildeo as mulheres sendo que esse trabalho nem sempre eacute considerado rentaacutevel visto que
classificado como uma simples ldquoajudardquo no orccedilamento familiar conforme observado
adiante na discussatildeo sobre produccedilatildeo
322 Perfil etaacuterio indicadores de uma populaccedilatildeo idosa
105
Outro elemento importante identificado na pesquisa diz respeito agrave idade dos
assentados identificando o papel parcial dos jovens nos assentamentos rurais e o
envelhecimento da populaccedilatildeo
Segundo dados da Empaer (2010) a idade dos assentados dos assentamentos
rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati estatildeo distribuiacutedos em faixas etaacuterias da
seguinte forma
Tabela 3 Faixa etaacuteria dos assentados
Faixa Etaacuteria Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total
Nordm Nordm Nordm Nordm Nordm
0 a 6 24 75 10 120 18 64 1 10 53 70
7 a 15 69 215 22 270 36 128 17 210 144 190
16 a 29 67 200 13 160 81 287 20 250 181 230
30 a 60 139 430 37 450 120 426 35 430 331 430
Acima de 60 27 80 0 00 287
96 8 100 62 80
Total 326 100 82 1000 282 1000 81 1000 771 100
Fonte EMPAER 2010
De acordo com os dados na tabela 3 foi possiacutevel identificar que se somadas
As faixas etaacuterias entre 16 anos e 60 anos 66 dos assentados pesquisados estatildeo dentro
de faixas etaacuterias de populaccedilatildeo economicamente ativa ou seja os aptos agrave produccedilatildeo
agriacutecola eou pecuaacuteria Enquanto que as faixas etaacuterias de 7 a 15 anos de idade tecircm uma
representaccedilatildeo de 19 sendo que 8 estatildeo acima de 60 anos ou seja satildeo idosos e a
tendecircncia eacute que natildeo trabalhem da mesma maneira que os mais jovens
Logo esta constataccedilatildeo que leva em consideraccedilatildeo outras informaccedilotildees aleacutem
das expostas na tabela 3 nos induz a refletir sobre o envelhecimento da populaccedilatildeo do
campo onde apenas 19 satildeo jovens entre 7 a 15 anos Este pode ser considerado como
um intervalo longo situaccedilatildeo que a nosso ver complica a anaacutelise dos dados Aleacutem de
haver um indicativo de evasatildeo dos jovens nos assentamentos rurais explicada
hipoteticamente pela necessidade das novas geraccedilotildees de prosseguir nos estudos motivo
pelo qual saem dos assentamentos rurais para conseguirem obter maiores niacuteveis de
escolaridade como o Ensino Superior e ateacute mesmo o Meacutedio Outra possiacutevel explicaccedilatildeo
eacute a de que os jovens procuram por empregos em aacutereas urbanas
106
Destacamos que essa constataccedilatildeo tomou tambeacutem como paracircmetro o relatoacuterio
da Pesquisa Nacional de Residecircncia Domiciliar PNAD (2009) que aponta para o
envelhecimento da populaccedilatildeo rural no Brasil sobretudo nas aacutereas de assentamentos
rurais
Outro elemento fundamental eacute o papel poliacutetico dos ldquojovensrdquo assentados uma
vez que foram identificados como pouco participativos nas reuniotildees e atuaccedilotildees poliacuteticas
observadas pela equipe de elaboraccedilatildeo dos Planos de Desenvolvimento dos
assentamentos rurais
Aleacutem desse elemento a questatildeo da sua saiacuteda dos assentados para morar nas
cidades tambeacutem foi identificada como problema que atinge mais os jovens que buscam
oportunidade de empregos citadinos e de terem uma melhor e maior escolaridade
323 Perfil de escolaridade dos assentados
Nos dados da Empaer (2010) a escolaridades dos assentados tem a seguinte
caracterizaccedilatildeo
Tabela 4 Escolaridade dos assentados Escolaridade PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Perce
ntual
1ordf a 4ordf Seacuterie 143 29 113 39 324 46
5ordf a 8ordf Seacuterie 83 34 81 19 217 31
Segundo grau 61 12 49 16 138 20
Superior 8 1 4 7 20 3
Total 295 76 247 81 699 100
Fonte EMPAER (2010 p 9)
A Tabela 4 mostra que o niacutevel de escolaridade dos assentados eacute
significativamente baixo uma vez que das 699 pessoas participantes da pesquisa 77
natildeo cursaram o Ensino Meacutedio 324 estatildeo em niacutevel de escolaridade entre 1ordf a 4ordf seacuterie ou
seja estatildeo no anosciclo iniciais do processo de escolarizaccedilatildeo E 227 estatildeo entre 5ordf a 8ordf
seacuterie ou seja natildeo concluiacuteram sequer o Ensino Fundamental Somente 20 dos
entrevistados tecircm Ensino Meacutedio e apenas 20 pessoas dos pesquisados possuem ou estatildeo
em fase de conclusatildeo do Ensino Superior ou seja 3
107
Essa baixa escolarizaccedilatildeo entre assentados tambeacutem foi identificada em
pesquisa de Ferreira e Castrillon (2004 p 201) que ao apresentarem uma anaacutelise sobre
os impactos socioeconocircmicos dos assentamentos rurais em Mato Grosso descrevem sua
estrutura social como
Nos assentamentos pesquisados 23 8 dos titulares dos lotes
eram analfabetos 534 possuiacuteam primeiro grau incompleto
136 primeiro grau completo e 91 segundo grau ou mais
A taxa de analfabetismo dos titulares dos lotes demonstra- se
superior a taxa de analfabetismo da populaccedilatildeo rural do estado
A baixa escolaridade dos titulares dos lotes podem ser
explicados entre os outros fatores pela falta de infraestrutura
social (escola) em ambientes em que predomina intensa
mobilidade social pela necessidade do trabalho familiar entre
os jovens nas aacutereas rurais e especialmente em aacutereas de
fronteiras pela instabilidade e inseguranccedila promovidas pelo
intenso processo de luta pela terra Tais fatores quando
relacionadas diminuem as oportunidades de acesso a escola e a
serviccedilo de sauacutede as populaccedilotildees
Logo podemos observar que os dados quantitativos dos assentamentos rurais
pesquisados pela Empaer (2010) natildeo destoam de outras pesquisas em outros
assentamentos rurais do estado de Mato Grosso
Para finalizar a anaacutelise sobre o perfil dos assentados ressaltamos que
problematizar os dados relativos a gecircnero idade e escolaridade eacute fundamental para
identificar o perfil dos assentados quanto agraves caracteriacutesticas pessoais elementares que
influenciam na forma com que se relacionam e agem socialmente A educaccedilatildeo nos
assentamentos rurais pode ser problematizada atraveacutes de um fenocircmeno recente de
esvaziamento e fechamento de escolas no campo ou tambeacutem agrave falta de um curriacuteculo e
modo de organizaccedilatildeo pedagoacutegica que atenda as caracteriacutesticas especiacuteficas das aacutereas dos
assentamentos rurais
33 Condiccedilotildees de vida nos assentamentos rurais energia eleacutetrica aacutegua sauacutede
moradia e infraestrutura
O estudo levou em consideraccedilatildeo as anaacutelises sobre as condiccedilotildees nas quais
vivem as pessoas nos assentamentos rurais tendo como paracircmetro o acesso agrave luz
eleacutetrica aacutegua sauacutede moradia e infraestrutura elementos que a nosso ver satildeo
108
fundamentais para assegurar as condiccedilotildees de permanecircncia das famiacutelias nos
assentamentos rurais (no lugar) e proporcionam algum conforto e bem-estar
331 Energia Eleacutetrica
Um dos principais problemas do universo dos assentamentos rurais no Brasil
antes da implementaccedilatildeo do Programa Luz Para Todos era a ausecircncia de energia
eleacutetrica que impedia uma melhor qualidade de vida a qual impossibilitava o uso de
eletrocircnicos e eletrodomeacutesticos bem como a utilizaccedilatildeo de resfriadores para conservar e
processar o leite principal produto da renda financeira dos assentamentos rurais
estudados
Nessa perspectiva os dados quantitativos dispostos nos Pdas 2010 que satildeo
posteriores ao Programa Luz Para Todos nos mostram outra realidade
Tabela 5 Presenccedila de energia eleacutetrica nos assentamentos rurais
Energia EleacutetricaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
Natildeo tem energia eleacutetrica 5 0 3 0 8 35
A fonte eacute gerador proacuteprio 0 0 1 0 1 05
A fonte eacute a rede CEMAT 98 25 76 25 224 960
Total 103 25 80 25 233 100
Fonte EMPAER 2010
Nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati 96 dos
assentados jaacute usufruiacutea de energia eleacutetrica e somente oito das famiacutelias assentadas em
um universo de 233 responderam natildeo contar com energia eleacutetrica Essas famiacutelias sem
energia eleacutetrica moravam nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute e Ipecirc e uma possibilidade
de explicaccedilatildeo para esse fato pode ser que satildeo famiacutelias receacutem-chegadas ou que ocuparam
aacutereas mais distantes dentro dos assentamentos rurais
Tal situaccedilatildeo de uma maioria de assentados contar com energia eleacutetrica eacute
decorrente do Programa ldquoLuz para Todosrdquo do Governo Federal
332 Aacutegua
109
A aacutegua eacute um elemento essencial para a vida no entanto quando se refere agrave
aacutegua em condiccedilatildeo potaacutevel revela-se um problema mundial situaccedilatildeo que natildeo foge agrave
realidade dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT Haacute problemas com a
aacutegua potaacutevel em funccedilatildeo de vaacuterios fatores tais como questotildees culturais econocircmicas
mas sobretudo as questotildees ambientais que assolam os assentamentos rurais do Brasil
Segundo dados da Empaer (2010) o percentual da aacutegua encanada nas
residecircncias dos assentamentos rurais pesquisados em Vila Rica-MT varia conforme as
caracteriacutesticas de cada projeto de assentamento A seguir mostramos os dados
encontrados em cada um dos assentamentos rurais
PA Satildeo Joseacute 72 possuem aacutegua encanada nas residecircncias
PA Satildeo Gabriel 70
PA Ipecirc 68
PA Aracati 92
Consideramos esse nuacutemero significativo de assentados beneficiados com
aacutegua encanada pois a exceccedilatildeo do Assentamento Rural Aracati que tem 92 os
demais tecircm uma meacutedia de 70 de aacutegua encanada
Importante destacar que satildeo diversas as fontes de aacutegua nos assentamentos
rurais conforme podemos verificar
Tabela 6 Fonte de Aacutegua nos assentamentos rurais
Aacutegua encanadaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Poccedilo de alvenaria 92 19 57 11 179
Nascente protegida 5 2 11 11 29
Poccedilo descoberto 0 0 2 0 2
Cacimba 1 1 2 1 5
Coacuterrego ou rio 0 0 0 0 0
Poccedilo tubular fundo 6 0 2 1 9
Outras fontes 2 0 1 0 3
Total 106 22 75 24 227 Fonte EMPAER (201012)
110
Como podemos perceber a Tabela 6 nos mostra que 179 das propriedades
dos assentamentos rurais estudados possuem a aacutegua oriunda de poccedilos de alvenaria
sendo que 29 deles utilizam aacutegua das nascentes existentes em suas propriedades as
quais eles declararam protegecirc-las Duas pessoas usam aacutegua de poccedilos descobertos Cinco
usam aacutegua de cacimba nove de poccedilos tubulares fundos e apenas trecircs declararam utilizar
a aacutegua vinda de outras fontes
Outro fator que consideramos relevante eacute questatildeo que envolve a qualidade da
aacutegua consumida pelas famiacutelias assentadas segundo informaccedilotildees contidas na Tabela 7
Tabela 7 Qualidade da aacutegua nos assentamentos rurais
AacuteguaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Aacutegua filtrada 86 23 56 16 181
Fervida 0 0 4 1 5
In natura 22 2 19 8 51
Aacutegua tratada 0 0 1 0 1
Outras fontes 1 0 1 0 2
Total 109 25 81 25 240 Fonte EMPAER (2010 p 9)
Eacute fato que existe uma relaccedilatildeo direta entre a qualidade da aacutegua e as questotildees
ligadas agrave sauacutede Poreacutem no caso dos assentamentos rurais estudados torna preocupante
o fato de existir 51 famiacutelias que consumem aacutegua in natura situaccedilatildeo que pode estar
vinculada aos fatores socioeconocircmicos sobretudo ao senso comum de que a aacutegua
ldquolimpardquo eacute a aacutegua sem cor e sem cheiro portanto aacutegua saudaacutevel
333 Sauacutede
A sauacutede puacuteblica eacute uma das reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais que
demandam por melhores condiccedilotildees de vida nas aacutereas de assentamentos rurais tanto no
que diz respeito agrave estrutura macro quanto micro No entanto os saberes tradicionais
influenciam na concepccedilatildeo e modos de tratamento dos assentados de Vila Rica-MT
111
Segundo os dados do Plano de Desenvolvimento dos Assentamentos as
doenccedilas mais comuns satildeo hipertensatildeo leishmaniose verminose e outras como dores na
coluna nos rins dores de cabeccedila diabetes dengue e malaacuteria
Os dados quantitativos mostram a frequecircncia com que os assentados realizam
exames
Tabela 8 Frequecircncia da realizaccedilatildeo de exames de sauacutede
FrequecircnciaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Regularmente 73 18 46 20 157
De vez em quando 35 4 31 5 75
Natildeo faz 1 0 4 0 5 Fonte EMPAER 2010
Os dados da Tabela 8 evidenciam que a maior parte dos assentados realizava
exames com frequecircncia o que demonstra que os mesmos tecircm acesso e fazem uso dos
serviccedilos de sauacutede puacuteblica realizados nos assentamentos rurais No entanto 75 famiacutelias
declararam utilizar os serviccedilos de sauacutede de vez em quando sendo que apenas 5 famiacutelias
disseram natildeo fazer uso
Quando perguntado se o assentado tem acesso aos serviccedilos de sauacutede os
dados nos remetem a outras interpretaccedilotildees conforme Tabela 9
Tabela 9 Acesso aos serviccedilos de sauacutede
AcessoPA Satildeo Joseacute Satildeo
Gabriel Ipecirc Aracati Total
Tem acesso 78 22 79 23 202
Natildeo tem acesso 33 1 2 1 37
Fonte EMPAER 2010
Pelos dados 202 famiacutelias dos assentados pesquisados afirmaram que tinham
acesso aos serviccedilos de sauacutede quando confrontados com outros dados existentes nos
Planos de Desenvolvimento dos Assentamentos Rurais visto que aleacutem desses serviccedilos
haacute disponibilidade de medicamentos que geralmente satildeo distribuiacutedos gratuitamente
apoacutes a consulta meacutedica No entanto trinta e sete famiacutelias declaram natildeo terem acesso aos
serviccedilos de sauacutede tampouco aos medicamentos
112
Segundo a Empaer (2009 p 66) 211 famiacutelias de assentamentos rurais
recorrem aos procedimentos da medicina tradicional principalmente agraves plantas
medicinais para suprir suas necessidades e ldquo[] desta forma conservam uma tradiccedilatildeo
cultural repassada de matildee para filhardquo Os principais remeacutedios caseiros segundo a
Empaer satildeo ldquo[] chaacutes xaropes garrafadas caseiras para combater e prevenir algumas
doenccedilasrdquo
Os dados quantitativos da Tabela 10 reforccedilam essa concepccedilatildeo
Tabela 10 Uso do remeacutedio caseiro
UsoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Faz uso 96 22 71 22 211
Natildeo faz uso 15 1 10 3 29
Total Fonte EMPAER 2010
Os nuacutemeros indicam que apesar da maioria dos assentados terem acesso aos
serviccedilos de sauacutede grande parte deles tambeacutem faz uso de remeacutedios caseiros tradicionais
Esses dados confirmam que apesar das interaccedilotildees com serviccedilos puacuteblicos e outras
loacutegicas os assentados natildeo deixaram de utilizar os remeacutedios tradicionais Isso nos remete
agrave concepccedilatildeo de Gadelha (2007) que assegura que o mais importante na compreensatildeo
dos aspectos culturais eacute pensar para aleacutem da eficaacutecia de um determinado ritual mas eacute
tambeacutem tentar atribuir conceito sobre o poder simboacutelico utilizado por cada sociedade
para atribuir sentidos aos objetos
334 Moradia
A moradia tambeacutem eacute um dos fatores imprescindiacuteveis para a permanecircncia dos
assentados no campo No caso de Vila Rica-MT uma das caracteriacutesticas importantes do
perfil dos assentados eacute que a terra deve servir para moradia
Tabela 11 Nuacutemero de assentados que declararam morar no assentamento rural
MoradiaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Sim 268 47 235 65 615 82
113
Natildeo 58 31 37 7 133 18
Total 326 78 372 72 748 100
Fonte EMPAER 2010
Assim conforme os dados apresentados 82 dos assentados dos
assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati declaram morar nos lotes fato
que demonstra um perfil dos assentados de morar-nos proacuteprios assentamentos rurais
fortalecendo assim a concepccedilatildeo da terra enquanto condiccedilatildeo tanto de morar como de
plantar O uacutenico assentamento rural que tem uma situaccedilatildeo parcialmente e discrepante eacute
Satildeo Gabriel que tem um percentual significativo de assentados que natildeo residem nos
lotes
Essas informaccedilotildees da tabela cruzadas com outros dados mostraram que o
tempo meacutedio de moradia dos assentados eacute
PA Satildeo Joseacute 1036 anos de moradia
PA Satildeo Gabriel 792 anos de moradia
PA Ipecirc 860 anos de moradia
PA Aracati 1248 anos de moradia
A permanecircncia nos lotes foi evidenciada pelos dados o que remete agrave loacutegica
de ldquoterra para plantar e morarrdquo
Nos dados sobre infraestrutura observa-se que as casas satildeo na maioria de
alvenaria madeira serrada e em alguns casos as casas satildeo construiacutedas de pau-a-pique
335 Infraestrutura equipamentos e Tecnologias
A melhoria da infraestrutura aquisiccedilatildeo de equipamentos e novas tecnologias
estatildeo entre as principais reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais do campo por serem
considerados essenciais para o aumento da produccedilatildeo e renda dos assentados
Os dados coletados pela Empaer (2010) mostram que houve avanccedilos
significativos na questatildeo infraestrutural nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT
sobretudo a partir da implementaccedilatildeo do Programa Nacional da Agricultura Familiar
114
No entanto em relaccedilatildeo agrave aquisiccedilatildeo dos equipamentos e novas tecnologias ainda se
verifica defasagem
Algumas dessas informaccedilotildees podem ser conferidas nos quadros abaixo
No Assentamento Rural Satildeo Joseacute
A infraestrutura existente estaacute distribuiacuteda segundo os assentados da seguinte forma
- 31 natildeo possuem currais
- 20 possuem currais de arame liso 3 de madeira lisa e 58 de madeira
serrada
- 108 natildeo possuem brete
- 2 possuem brete de madeira bruta e 1 de madeira serrada
- 9 possuem barracatildeo de ordenha e 103 natildeo possuem
- 3 natildeo possuem cercas na propriedade
- 0 possuem cercas construiacutedas de arame farpado e 107 de arame liso
A existecircncia de equipamentos nas propriedades estaacute distribuiacuteda da seguinte forma
- 21 possuem equipamentos de traccedilatildeo animal e 90 natildeo possuem
- 3 possuem trator com implementos e 109 natildeo possuem
- 65 alugam trator e 47 natildeo alugam
- 17 possuem triturador ou picador de forragens e 95 natildeo possuem
Projeto de Assentamento Rural Satildeo Gabriel
A infraestrutura existente estaacute distribuiacuteda segundo os assentados da seguinte forma
- 5 possuem currais de arame liso 1 de madeira lisa e 7 de madeira
serrada
- 25 natildeo possuem brete
- 0 possuem brete de madeira bruta e 0 de madeira serrada
- 2 possuem barracatildeo de ordenha e 23 natildeo possuem
- 1 natildeo possui cercas na propriedade
- 0 possuem cercas construiacutedas de arame farpado e 24 de arame liso
A existecircncia de equipamentos nas propriedades estaacute distribuiacuteda da seguinte forma
- 4 possuem equipamentos de traccedilatildeo animal e 21 natildeo possuem
- 1 possui trator com implementos e 23 natildeo possuem
115
- 21 alugam trator e 3 natildeo alugam
- 5 possuem triturador ou picador de forragens e 19 natildeo possuem
Projeto de Assentamento Rural Ipecirc
A infraestrutura existente estaacute distribuiacuteda segundo os assentados da seguinte forma
- 24 natildeo possuem currais
- 17 possuem currais de arame liso 5 de madeira lisa e 35 de madeira
serrada
- 79 natildeo possuem brete
- 0 possuem brete de madeira bruta e 2 de madeira serrada
- 6 possuem barracatildeo de ordenha e 75 natildeo possuem
- 1 natildeo possuem cercas na propriedade
- 0 possuem cercas construiacutedas de arame farpado e 80 de arame liso
A existecircncia de equipamentos nas propriedades estaacute distribuiacuteda da seguinte forma
- 10 possuem equipamentos de traccedilatildeo animal e 71 natildeo possuem
- 6 possuem trator com implementos e 75 natildeo possuem
- 55 alugam trator e 26 natildeo alugam
- 20 possuem triturador ou picador de forragens e 61 natildeo possuem
Projeto de Assentamento Rural Aracati
A infraestrutura existente estaacute distribuiacuteda segundo os assentados da seguinte forma
- 2 natildeo possuem currais
- 8 possuem currais de arame liso 1 de madeira lisa e 14 de madeira
serrada
- 24 natildeo possuem brete
- 0 possuem brete de madeira bruta e 0 de madeira serrada
- 2 possuem barracatildeo de ordenha e 23 natildeo possuem
- 0 natildeo possuem cercas na propriedade
- 2 possuem cercas construiacutedas de arame farpado e 23 de arame liso
A existecircncia de equipamentos nas propriedades estaacute distribuiacuteda da seguinte forma
- 6 possuem equipamentos de traccedilatildeo animal e 19 natildeo possuem
116
- 0 possui trator com implementos e 25 natildeo possuem
- 20 alugam trator e 5 natildeo alugam
- 4 possuem triturador ou picador de forragens e 21 natildeo possuem
Percebe-se que a infraestrutura baacutesica nos assentamentos rurais estaacute voltada
para a criaccedilatildeo de gado como currais brete de madeira barracatildeo de ordenha e cercas de
arame liso e farpado aleacutem de outros equipamentos como resfriadores de leite e
trituradores ou picadores para a feitura de forragens para a alimentaccedilatildeo do gado
O nuacutemero e a distribuiccedilatildeo deles variam conforme os assentamentos rurais e o
perfil dos assentados No geral se percebe que os Agricultores Familiares de Vila Rica-
MT ainda recorrem com frequecircncia ao uso da forccedila humana e dos equipamentos de
traccedilatildeo animal Existem no entanto alguns equipamentos agriacutecolas de origem
mecanizada como tratores que podem ser proacuteprios ou alugados
O fato eacute que em menor ou maior nuacutemero os equipamentos e a infraestrutura
existente nos assentamentos satildeo destinados agrave produccedilatildeo e criaccedilatildeo de gado
34 A Produccedilatildeo a renda comercializaccedilatildeo e a circulaccedilatildeo na Agricultura Familiar
de Vila Rica-MT
Um dado importante a ser ponderado para a problematizaccedilatildeo da produccedilatildeo
nos assentamentos rurais diz respeito agrave renda Especificamente de onde surge a renda
dos assentados
As informaccedilotildees obtidas dos quatro assentamentos rurais de Vila Rica-MT
analisados pela pesquisa da Empaer os dados indicam que a renda dos assentados eacute
resultante das atividades que estatildeo associadas a algumas culturas agriacutecolas agrave pecuaacuteria e
agrave criaccedilatildeo de pequenos animais
Tais dados estatildeo melhor detalhados em tabelas distribuiacutedas por itens visando
assim uma melhor compreensatildeo da dinacircmica de produccedilatildeo e renda dos assentamentos
rurais
341 A renda nos quatro Projetos de assentamentos rurais de Vila Rica-MT
117
Tabela 12 Percentual de participaccedilatildeo da Renda dos assentados
RendaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati
Renda Agriacutecola eou Pecuaacuteria 7333 8789 7365 7140
Natildeo Agriacutecola
(Artesanato agroinduacutestria) 3650 7500 3062 3000
Outras rendas
(Salaacuterios Aposentadoria etc) 5280 6182 4810 5460
Fonte EMPAER 2010
A tabela 12 revela que a maior parte da renda dos assentamentos rurais
proveacutem dos rendimentos das atividades agriacutecolas e pecuaacuterias seguida por outros tipos
de rendas originaacuterios de salaacuterios e aposentadorias que alguns assentados usufruem
aleacutem de atividades de produccedilatildeo artesanal em geral confeccionada por mulheres
O projeto de assentamento rural que apresenta discrepacircncia em relaccedilatildeo aos
dados anteriores eacute o do Assentamento Rural Satildeo Gabriel que aleacutem da renda oriunda da
pecuaacuteria agricultura tem destaque nas outras fontes como atividades artesanais
agroinduacutestria e em salaacuterios e aposentadoria
342 Atividades Agriacutecolas a produccedilatildeo econocircmica e a de subsistecircncia
As atividades agriacutecolas desenvolvidas nos assentamentos foram classificadas
de duas categorias econocircmicas e de subsistecircncia Segundo os dados o quantitativo
produzido eacute descrito conforme tabela a seguir
Tabela13 Produccedilatildeo agriacutecola (em Kg)
Atividades
Agriacutecolas PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Arroz 4500 5100 1510 1500 12610
Banana 2560 200 2537 11000 1629
Feijatildeo 0 0 550 0 550
Mandioca 225802 54000 8127 111500 39942
Milho 106500 73530 3378 46850 23025 Fonte EMPAER 2010
Segundo a Tabela 13 os produtos agriacutecolas mais cultivados nos
assentamentos rurais estudados satildeo em quilograma mandioca seguida do milho e do
118
arroz uma pequena produccedilatildeo de banana Apenas o Assentamento Rural Ipecirc produz
feijatildeo
Tabela 14 Assentados que praticam Culturas de Subsistecircncia
Culturas
Econocircmicas PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Arroz 2 4 12 1 19
Banana 5 1 16 3 25
Feijatildeo 0 0 2 0 2
Mandioca 29 6 38 15 88
Milho 17 12 38 12 79 Fonte EMPAER 2010
Os dados demonstram que a mandioca e o arroz satildeo os principais produtos
agriacutecolas cultivados nos assentamentos Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati O arroz eacute
comercializado em casca sendo a mandioca o milho e em menor escala a banana os
cultivados pelo maior nuacutemero de assentados
Trata-se portanto de uma produccedilatildeo significativa tanto para comercializaccedilatildeo
quanto para subsistecircncia No entanto a pecuaacuteria ainda eacute a principal atividade econocircmica
desses assentamentos rurais
343 Pecuaacuteria e criaccedilatildeo de pequenos animais
A principal atividade de produccedilatildeo econocircmica nos assentamentos estudados eacute
a pecuaacuteria bovina leiteira a qual nos uacuteltimos anos cresceu significativamente
ultrapassando a pecuaacuteria de corte
Tabela 15 Tipo de pecuaacuteria explorada por propriedade (famiacutelias)
Tipo de
pecuaacuteria PA Satildeo Joseacute
Satildeo
Gabriel Ipecirc Aracati Total
Leite 19 10 34 12 75
Leite e corte 57 5 27 11 100
Corte 29 3 15 2 49
Total 105 18 76 25 224 Fonte EMPAER 2010
119
Os dados demostram que a maioria dos criadores de gado se dedica agrave
produccedilatildeo de leite Cruzando estes com outros dados eacute possiacutevel identificar que a
produccedilatildeo de leite eacute destinada ao mercado e tambeacutem ao consumo das famiacutelias
assentadas o que tem correlaccedilatildeo ateacute mesmo com a frequecircncia de consumo de proteiacutena
animal apresentados aa Tabela 16
Tabela 16 Frequecircncia do consumo de proteiacutena animal na alimentaccedilatildeo dos
assentados
Uso de tanquePA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total
Come carne todo dia 93 22 70 22 207
Trecircs vezes por semana 16 0 9 3 28
Uma vez por semana 0 0 1 0 1
Natildeo come carne 0 0 0 0 0 Fonte EMPAER 2010
De acordo com a Tabela 16 das 236 famiacutelias que participaram da pesquisa
207 declararam que consomem carne todos os dias sendo que 28 disseram que a
consomem trecircs vezes por semana e apenas uma famiacutelia consome carne somente uma
vez por semana o que revela um consumo significativo de carne
Em relaccedilatildeo ao modo de criaccedilatildeo do gado importante destacar que conforme
os Planos de Desenvolvimento dos Assentamentos Rurais Pdas 100 dos assentados
criam gado utilizando o sistema extensivo ou seja uma praacutetica de criaccedilatildeo tradicional o
que significa dizer que satildeo habituados a criar o gado solto nas aacutereas de pastagens
naturais eou livres sem qualquer divisatildeo de cercas
Outros dados fundamentais para a compreensatildeo de forma detalhada do
potencial da produccedilatildeo de leite nos assentamentos rurais privilegiados pela pesquisa
estatildeo destacados na Tabela 17
Tabela 17 Dados de produccedilatildeo de leite nos assentamentos rurais por nordm de vacas
DadosPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati
Nuacutemero de Vacas Leiteiras 881 191 768 393
Meacutedia por assentado (n
vacas) 1223 146 1301 1637 Fonte EMPAER 2010
120
Os assentamentos rurais Aracati e Satildeo Gabriel satildeo menores em termos do
nuacutemero de propriedades e famiacutelias assentadas Os dados anteriores reforccedilam o
indicativo de que haacute uma importante produccedilatildeo de leite pois cada famiacutelia tem em
nuacutemero consideraacutevel de vacas leiteiras
A principal fonte de renda dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel
Ipecirc e Aracati eacute a produccedilatildeo de leite Mas os assentados tem necessidade de teacutecnicas para
a conservaccedilatildeo desse leite Nesse caso os resfriadores de leite embora natildeo sendo
utilizados por todos satildeo fundamentais Apresentamos a seguir detalhamento dessas
informaccedilotildees
Tabela 18 Nuacutemero de Famiacutelia que utilizam o resfriador de leite
Uso de tanquePA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total
Natildeo usam tanques 62 3 20 13 98
Usam tanques proacuteprios 3 0 2 1 6
Usam tanques comunitaacuterios 25 11 47 9 92
Fonte EMPAER 2010
Na tabela 18 observamos que o nuacutemero de famiacutelias que natildeo usam tanques
para resfriamento do leite eacute significativo lanccedilando matildeo de outros meios para o
armazenamento e ou transporte do leite ateacute o ponto final de comercializaccedilatildeo
Aleacutem de gado de corte e leiteiro os assentados dos assentamentos rurais se
dedicam agrave criaccedilatildeo de animais de pequeno porte para o consumo e comercializaccedilatildeo
poreacutem em menor escala Entre eles se destacam as aves suiacutenos caprinos ovinos
peixes e abelhas Os animais de pequeno porte como aves e porcos satildeo de criaccedilatildeo
tradicional O dado que mais chama a atenccedilatildeo eacute a criaccedilatildeo de peixes Haacute um nuacutemero
expressivo de famiacutelias que exercem a piscicultura Portanto pode-se afirmar que leite e
peixe satildeo produtos familiares destinados agrave comercializaccedilatildeo
344 Comercializaccedilatildeo e Associativismo
Pensar o desenvolvimento econocircmico local a partir da produccedilatildeo dos
assentamentos rurais nos remete agraves formas de organizaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo da
produccedilatildeo
121
Chamamos a atenccedilatildeo para a organizaccedilatildeo nos assentamentos rurais de Vila
Rica-MT pois houve uma intensa mobilizaccedilatildeo acerca das accedilotildees coletivas para o
processo de reocupaccedilatildeo e regularizaccedilatildeo da terra Poreacutem quando consolidados os
Projetos de Assentamentos Rurais os assentados perderam a referecircncia de coletividade
No que tange ao modo de produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo a tabela que segue mostra esta
defasagem
Tabela 19 Local de Comercializaccedilatildeo da Produccedilatildeo dos assentamentos
ComercializaccedilatildeoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Propriedade 80 16 67 16 179
Pequenos Comeacutercios 12 0 6 3 21
Feira 3 1 2 0 6
Atacadista 0 0 0 0 0
Supermercados 1 1 1 1 4
CONAB 0 0 1 0 1
Outros lugares 48 7 38 6 99 Fonte EMPAER 2010
Os dados nos mostram que a maior parte dos assentados comercializa os seus
produtos nos proacuteprios lotes Os assentados na maioria das vezes recorrem aos
atravessadores para comercializar os produtos os quais em sua maioria tratam-se de
comerciantes da cidade Outro nuacutemero considerado significativo comercializa em
outros lugares diferentes de comeacutercios como as feiras e no CONAB Essa situaccedilatildeo pode
estar relacionada agrave falta de organizaccedilatildeo coletiva com a criaccedilatildeo de associaccedilotildees e
cooperativas Nesse sentido a tabela que se segue mostra detalhadamente a participaccedilatildeo
ou natildeo das famiacutelias nessas organizaccedilotildees coletivas
Tabela 20 Associativismo nos assentamentos Aracati Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel e Ipecirc
AssociativismoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Natildeo participam 15 2 10 0 27
Participam em cooperativa 4 0 0 0 4
Participam em associaccedilatildeo 99 20 73 25 217
Participam em sindicatos 99 23 75 21 218
Outras modalidades 1 1 0 0 2 Fonte EMPAER 2010
122
Ressaltamos que o principal mecanismo de organizaccedilatildeo coletiva dos
Agricultores Familiares satildeo as Associaccedilotildees de Pequenos Produtores Rurais e o
Sindicato dos Trabalhadores Rurais Satildeo organizaccedilotildees mais do tipo poliacutetico
reivindicativo que de produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo Apenas 09 dos Agricultores
Familiares participam das atividades do sistema cooperativo e 04 em outras
modalidades
Em pesquisa sobre os assentamentos rurais no Araguaia o diagnoacutestico do
Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentaacutevel do Territoacuterio Rural (PTDRS)
do Baixo Araguaia-MT produzido pelo Ministeacuterio da Agricultura em 2006 haacute uma
indicaccedilatildeo de que todos os PAs do Araguaia possuem associaccedilotildees
A mesma pesquisa do PTDRS (2006 p 46) indica que os Agricultores
Familiares tecircm participaccedilatildeo nos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais e nos Conselhos
Municipais de Desenvolvimento Rural existentes em todos os municiacutepios do territoacuterio
No entanto entre os assentados existe ldquo[] um sentimento de descrenccedila e
desconfianccedila frente agraves instacircncias de organizaccedilatildeo dos produtores []rdquo Essa descrenccedila
estaacute tambeacutem associada ldquo[] agrave dificuldade em conseguir melhorias efetivas para a
populaccedilatildeo rural (acesso ao creacutedito luz eleacutetrica melhoria nas estradas) que estaacute levando
na opiniatildeo dos entrevistados agrave descrenccedila nas lideranccedilas e nas instituiccedilotildees de
representaccedilatildeo []rdquo
Em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo por meio de cooperativas o PTDRS (2006 p 46)
atribui essa falta de motivaccedilatildeo ao fato de que
Constatou-se que os municiacutepios de Satildeo Feacutelix do Araguaia
Porto Alegre do Norte e Vila Rica-MT possuiacuteam diferentes
tipos de cooperativas que acabaram falindo Apesar de natildeo
estarem diretamente relacionados com a Agricultura Familiar
estes exemplos ruins acabam influenciando na percepccedilatildeo da
populaccedilatildeo sobre as formas de cooperativas e associativas de
trabalho
Essa situaccedilatildeo eacute confirmada tambeacutem pelos relatos orais como mostra a fala
do secretaacuterio municipal de agricultura de Vila Rica-MT
123
As experiecircncias mal sucedidas das cooperativas influenciam
bastante para o descreacutedito na formaccedilatildeo de novas cooperativas
Vila Rica-MT por exemplo teve umas trecircs cooperativas
Tiacutenhamos uma que era muito forte na organizaccedilatildeo chamava
CONEMAT - Cooperativa do Nordeste de Mato Grosso
Inclusive ainda tecircm alguns preacutedios e balanccedilas espalhadas aiacute
na cidade tinha caminhotildees e supermercados mas creio que foi
por ingerecircncia de alguns presidentes que acabaram dando um
calote nos cooperados [] Temos hoje um grande nuacutemero de
produtores rurais que tecircm uma diacutevida enorme e natildeo tecircm como
pagar porque os presidentes pegaram empreacutestimos em nome
deles e foram embora levando o dinheiro dessas pessoas e por
isso muitos tecircm medo de cooperativas Por isso eacute complicado
tanto pra noacutes como para o Sindicato dos Trabalhadores Rurais
atuarmos no sentido de fomentar o sistema de cooperativa
(ENTREVISTA com Gilmar secretaacuterio Municipal de
Agricultura do municiacutepio de Vila Rica-MT realizada pela
autora em marccedilo de 2015)
Esse relato oral nos revela a dimensatildeo dos desafios vivenciados pelos
assentados e como a Secretaria de Agricultura e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais
de Vila Rica-MT enfrentaram dificuldades para mobilizar os trabalhadores para a
criaccedilatildeo do sistema de comercializaccedilatildeo por meio de cooperativas
No entanto apesar das dificuldades o sistema de cooperativa poderaacute ser uma
alternativa para ampliar o potencial da comercializaccedilatildeo dos produtos da Agricultura
Familiar Dentro desse sistema a Prefeitura Municipal passa a ser importante
comprando os gratildeos legumes e hortaliccedilas para a merenda escolar aleacutem de ser uma
instituiccedilatildeo fundamental na mediaccedilatildeo para que os Agricultores Familiares acessem a
Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB)
35 Teacutecnicas e niacutevel tecnoloacutegico dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel
Ipecirc e Aracati
Martins (2014 p 24) afirma que ldquo[] a inovaccedilatildeo depende amplamente do
modo como a trama das relaccedilotildees sociais em que ocorre define sua funccedilatildeo e as
contradiccedilotildees sociais que alimentamrdquo Isso significa que os saberes tradicionalmente
produzidos ao longo das experiecircncias de vida natildeo devem ser considerados invaacutelidos na
inserccedilatildeo das inovaccedilotildees tecnoloacutegicas
Nos assentamentos rurais estudados identificamos que os saberes e as
teacutecnicas tradicionais satildeo recorrentes no modo de produzir de lidar com a terra e na
124
constituiccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com a natureza A seguir apresentamos algumas
teacutecnicas utilizadas nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati do
municiacutepio de Vila Rica-MT
351 Teacutecnicas de uso do Solo plantio combate de pragas colheita e
armazenamento
Tabela 21 Tipos de preparo do solo por nordm de famiacutelias
Tipo de preparoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Capina e faz o plantio 20 0 16 5 41
Utiliza araccedilatildeo e gradagem 42 15 53 12 122
Faz o preparo em niacutevel 0 0 0 0 0
Fonte EMPAER 2010
De acordo com os dados da Tabela 21 muitos agricultores dos assentamentos
rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati recorrem agraves teacutecnicas tradicionais para o
preparo do solo no que se refere ao cultivo de produtos agriacutecolas e no plantio de
pastagens para o gado Poreacutem 740 utilizam araccedilatildeo e gradagem do solo
Tabela 22 Tipos de sementes cultivadas nos assentamentos rurais
Tipo de sementePA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Gratildeo proacuteprio 4 0 3 0 7
Sementes selecionadas22
43 14 67 19 143 Fonte EMPAER 2010
Agrave luz dos dados dispostos na Tabela 23 pode-se afirmar que os Agricultores
Familiares dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati possuem o
controle dos produtos a serem cultivados uma vez que satildeo eles quem seleciona as
sementes produzidas pela induacutestria e satildeo os proprietaacuterios dos gratildeos desqualificando a
semente crioula dos produtores
22 Aleacutem desses dados dois assentados rurais de Satildeo Joseacute afirmam que utilizam sementes ldquofiscalizadasrdquo
conforme categorizaccedilatildeo utilizada pelo IBGE
125
Segundo a Empaer (2010) sementes selecionadas pelos agricultores satildeo
aquelas consideradas de melhor qualidade sendo observados os aspectos relacionados
ao tamanho cor entre outros
Tabela 23 Tipos de plantio cultivados nos assentamentos rurais
Tipo de plantio Satildeo
Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
Mecanizado 8 3 12 1 24 135
Traccedilatildeo animal 3 1 7 0 11 60
Manual 62 11 50 19 142 800
Fonte EMPAER 2010
Na Tabela 23 podemos observar que os assentados utilizam
predominantemente o trabalho manual para o cultivo com um percentual de 80
Ainda segundo os dados 6 ainda utilizam animais como forma de traccedilatildeo para
realizaccedilatildeo dos cultivos e manutenccedilatildeo das roccedilas e pastagens Somente 135 dos
assentados lanccedila matildeo do sistema mecanizado Esses dados podem apontar o motivador
da baixa produtividade nas atividades da Agricultura Familiar ou indica a baixa
capitalizaccedilatildeo e uma tradiccedilatildeo de manejo de baixo custo
Quanto ao tipo de adubaccedilatildeo do solo realizado pelos assentados existem
vaacuterias formas das quais merecem o destaque da Tabela 24
Tabela 24 Tipo de adubaccedilatildeo do solo realizado pelos assentados por famiacutelia
Tipo de adubaccedilatildeoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
Natildeo fazem adubaccedilatildeo 65 6 41 13 125 610
Usam adubaccedilatildeo orgacircnica 2 6 11 3 22 105
Usam adubaccedilatildeo quiacutemica 20 4 21 5 50 245
Usam as duas adubaccedilotildees 2 1 3 2 8 4
Fonte EMPAER 2010
Os dados chamam a atenccedilatildeo pelo fato de que 125 famiacutelias ou seja 61 dos
assentados natildeo fazem adubaccedilatildeo Dos 39 que utilizam a adubaccedilatildeo a maior parte faz
126
adubaccedilatildeo quiacutemica (245) e somente 105 a adubaccedilatildeo orgacircnica sendo que uma
minoria de 2 realizam tanto a adubaccedilatildeo quiacutemica quanto a orgacircnica
Esse quadro situacional aponta uma tendecircncia para o aumento do uso de
produtos quiacutemicos pelos agricultores dos assentamentos rurais na medida em que
melhoram suas condiccedilotildees econocircmicas A Tabela 25 apresenta as formas de tratamentos
do solo utilizadas pelos assentados
Tabela 25 Conservaccedilatildeo do solo (por nuacutemero de Famiacutelias)
Conservaccedilatildeo dos solos PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
Natildeo fazem 90 15 67 24 196 93
Fazem plantio em niacutevel 1 1 1 1 4 2
Terraccedilo 0 0 0 0 0 0
Outros tipos de conservaccedilatildeo 2 0 9 0 11 5
Total 211 100
Fonte EMPAER 2010
Os dados satildeo preocupantes visto que 196 famiacutelias declararam natildeo adotar
qualquer teacutecnica para a conservaccedilatildeo do solo Isto explica o alto iacutendice de degradaccedilatildeo
ambiental e do solo nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT Outro item que
consideramos importante para a conservaccedilatildeo eacute a teacutecnica de rotaccedilatildeo no uso do solo
Assim a Tabela 26 mostra como os assentados lidam com essa situaccedilatildeo
Tabela 26 Rotaccedilatildeo de Culturas nos assentamentos rurais
Rotaccedilatildeo de cultura
PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Porcentagem
Fazem rotaccedilatildeo 10 4 20 10 44 20
Natildeo fazem rotaccedilatildeo 87 16 57 15 175 80
Total 219 100
Fonte EMPAER 2010
Segundo a Tabela 26 haacute evidecircncia da pouca rotaccedilatildeo de culturas o que
corresponde a (201) nos assentamentos rurais estudados Em contrapartida 80 natildeo
fazem rotaccedilatildeo de culturas A consequecircncia eacute o baixo rendimento da terra ou seja baixa
127
produtividade e esgotamento mais raacutepido Uma interpretaccedilatildeo possiacutevel sobre os dados
indicados na Tabela 26 eacute construiacuteda a partir da compreensatildeo de que a natildeo adoccedilatildeo de
rotaccedilatildeo de cultura estaacute relacionada aos haacutebitos culturais dos Agricultores Familiares
somados agrave falta de assistecircncia teacutecnica e orientaccedilotildees que demonstrem os benefiacutecios de tal
praacutetica Tambeacutem podemos observar a influecircncia da falta de um maior direcionamento
dos investimentos feitos pelo Governo Federal atraveacutes do Pronaf nos creacuteditos que satildeo
liberados conforme cultura agriacutecola e natildeo pelo sistema de produccedilatildeo O conjunto dessas
deficiecircncias de orientaccedilotildees teacutecnicas natildeo permite uma maior conscientizaccedilatildeo da
importacircncia de se praticar a rotaccedilatildeo de culturas como meio de melhor aproveitamento e
conservaccedilatildeo do solo significando manejo de informaccedilatildeo simples
Tabela 27 Tipo de combate agraves pragas (por nuacutemero de famiacutelias)
Tipo de combate PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentagem
Natildeo fazem combate as pragas 81 6 35 13 135 645
Utilizam inseticidas 12 8 39 9 68 325
Utilizam controles alternativos 0 0 3 1 4 2
Utilizam de outros meios 1 1 0 0 2 1
Total
209 100
Fonte EMPAER 2010
Os dados da Tabela 27 apontam que 645 dos assentados natildeo fazem
nenhum tipo de combate a pragas e 325 fazem uso no cultivo de produtos agriacutecolas
de inseticidas no seu combate e controle Somente 4 famiacutelias utilizam produtos e
mecanismos alternativos
Logo a Tabela 27 mostra um percentual significativo de famiacutelias que natildeo faz
controle de pragas ou utilizam outros controles indicando que a maioria dos assentados
consome produtos sem contaminaccedilatildeo de inseticidas
Tabela 28 Tipo de lavagem triacuteplice de embalagens vazias de agrotoacutexicos
Tipo de lavagem PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
Fazem a lavagem 5 3 8 5 21 15
Natildeo fazem a lavagem 57 9 48 10 124 85
Total 145 100
Fonte EMPAER 2010
128
A Tabela 28 indica um dado alarmante 124 famiacutelias dos assentamentos rurais
pesquisados em Vila Rica-MT ldquonatildeo fazem a lavagemrdquo triacuteplice de embalagens vazias de
agrotoacutexicos expondo-se a riscos de contaminaccedilatildeo Quanto ao destino das embalagens
de agrotoacutexicos vazias os dados que se seguem indicam a mesma tendecircncia de descuido
Tabela 29 Destino das embalagens de agrotoacutexicos vazias
Destino das embalagens PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
Jogam a ceacuteu aberto 13 3 28 4 48 495
Satildeo reutilizadas 2 0 2 0 4 4
Enviadas agrave central abastecimento 17 7 16 5 45 465
Total 97
100
Fonte EMPAER 2010
Os dados da Tabela 29 soacute reforccedilam a falta de cuidado em relaccedilatildeo agrave utilizaccedilatildeo
de agrotoacutexicos o que resulta na exposiccedilatildeo dos assentados a riscos agrave sauacutede Tambeacutem
podem resultar em danos ao meio ambiente como jaacute indicamos na Tabela 29
considerando que quase 50 das embalagens satildeo ldquojogadas a ceacuteu abertordquo e ainda que
4 dos assentados reutilizam essas embalagens
Seguindo a tendecircncia dos dados anteriores percebemos a falta de orientaccedilatildeo
teacutecnica em relaccedilatildeo ao uso e cuidado com produtos agrotoacutexicos
Aleacutem da falta de assistecircncia teacutecnica que compromete o cultivo e a produccedilatildeo
os dados quantitativos demonstram que a ausecircncia de mecanizaccedilatildeo eacute um dado
importante no momento da colheita
Tabela 30 Tipo de colheita por famiacutelia
Tipo de colheitasPA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
Usam colheita manual 66 15 69 19 169 995
Colheita mecacircnica 0 0 1 0 1 05
Total 170 100 Fonte EMPAER 2010
A Tabela 30 evidencia que praticamente todos os assentados participantes da
pesquisa natildeo utilizam equipamentos mecacircnicos para a colheita de seus produtos
predominando a colheita manual com uso intensivo da matildeo de obra Esse processo
129
pode ser resultante da experiecircncia de vida e haacutebitos dos agricultores familiares em
funccedilatildeo da questatildeo econocircmica jaacute que os assentamentos rurais analisados natildeo dispotildeem de
maquinaacuterios destinados ao preparo do solo plantio e agrave colheita agriacutecola ou isso se deve
ao relevo inclinado demais ou solo pedregoso
Tabela 31 Tipo de armazenamento da produccedilatildeo (por nuacutemero de famiacutelia)
Tipo de armazenamentoPA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
A ceacuteu aberto 4 2 7 0 13 8
No paiol 45 11 57 14 127 79
No silo 1 0 0 1 2 15
Na residecircncia 7 2 6 2 17 105
No galpatildeo 1 0 0 0 1 05
160 100
Fonte EMPAER 2010
O modo de armazenar tambeacutem eacute tradicional o Paiol eacute uma construccedilatildeo ruacutestica
feita de forma artesanal onde os agricultores guardam os mantimentos colhidos de suas
roccedilas os quais satildeo destinados agrave alimentaccedilatildeo das famiacutelias e dos animais Computando o
armazenamento a ceacuteu aberto feito por 81 e na residecircncia 106 significa que quase
20 dos produtos satildeo armazenados de forma inadequada
36 A questatildeo ambiental nos assentamentos rurais
As questotildees que envolvem problemas ambientais nas aacutereas rurais tecircm como
problemaacutetica principal o desmatamento a natildeo conservaccedilatildeo das matas ciliares a
poluiccedilatildeo do solo e dos rios o uso de agrotoacutexicos e o destino dos lixos produzidos
Todos esses problemas estatildeo inseridos em debates recorrentes no cenaacuterio rural
No caso de Vila Rica-MT pesquisas anteriores como as que foram realizadas
pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazocircnia (IPAM) em 2009 e por Barrozo
(2010) revelam dados alarmantes relativos agrave questatildeo ambiental Essas situaccedilotildees foram
confirmadas pelo diagnoacutestico construiacutedo pela Empaer (2010) conforme a descriccedilatildeo nas
tabelas que se seguem
Tabela 32 Situaccedilatildeo de degradaccedilatildeo de solo nos assentamentos rurais
130
Condiccedilatildeo de degradaccedilatildeo PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total
Natildeo estaacute degradado 16 5 16 6 43 18
O solo estaacute empobrecido 75 9 44 12 140 59
O solo estaacute com erosatildeo 2 0 2 2 6 3
O solo estaacute compactado 15 9 17 4 45 19
Outras formas de degradaccedilatildeo 1 0 1 0 2 1
Total 236 100
Fonte EMPAER 2010
Satildeo evidentes os problemas ambientais vivenciados pelos assentamentos
rurais de Vila Rica-MT Em 193 lotes analisados os solos se encontram em estaacutegio de
degradaccedilatildeo indicando empobrecimento erosatildeo compactaccedilatildeo e outras formas de
degradaccedilatildeo do solo
Tabela 33 Existecircncia de nascentes sem proteccedilatildeo (nuacutemero de propriedades)
Existecircncia de nascentes Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
Existem nascentes
Degradadas 26 9 17 5 57 32
Natildeo existem 51 14 41 15 121 68
Total 100
Fonte EMPAER 2010
Considerando que a aacutegua eacute um elemento essencial para a vida e para a
manutenccedilatildeo dos assentamentos rurais os dados indicados na Tabela 33 preocupam
pois em um universo de 178 propriedades analisadas 57 estaacute com as nascentes de
aacuteguas desprotegidas de mata ciliar o que representa um problema grave do ponto de
vista ambiental com risco de seca e extinccedilatildeo de nascentes e rios
Tabela 34 Existecircncia de degradaccedilatildeo de matas ciliares
Existecircncia de degradaccedilatildeo PA Satildeo
Joseacute
Satildeo
Gabriel Ipecirc Aracati Total Porcentagem
Natildeo existem matas ciliares 25 10 35 9 79 35
A degradaccedilatildeo eacute baixa 26 4 22 5 57 255
A degradaccedilatildeo eacute meacutedia 23 2 14 6 45 20
131
A degradaccedilatildeo eacute alta 29 5 7 3 44 195
Total 225 100
Fonte EMPAER 2010
A questatildeo da aacutegua nos assentamentos rurais estudados eacute uma preocupaccedilatildeo
recorrente Aleacutem das nascentes desprotegidas os coacuterregos vecircm perdendo suas matas
ciliares em funccedilatildeo do processo de desmatamento o que impede a ampliaccedilatildeo das aacutereas
de pastagens A Tabela 34 revela que 146 propriedades analisadas apresentam
destruiccedilatildeo das matas ciliares com estaacutegios que variam de alta a baixa degradaccedilatildeo As
imagens dos trecircs assentamentos rurais abaixo ilustram um pouco essa situaccedilatildeo
Figura 10- Fotografias de corpos drsquoaacutegua e mata ciliar
Eacute importante ressaltar que os assentamentos rurais de Vila Rica-MT
resultaram do processo de reocupaccedilatildeo das fazendas que estavam improdutivas mas jaacute
tinham sido abertas e desmatadas anteriormente Assim o problema ambiental jaacute existia
antes mesmo da formaccedilatildeo do assentamento rural e foi intensificado parcialmente com a
formaccedilatildeo dos mesmos
Tabela 35 Situaccedilatildeo de degradaccedilatildeo das pastagens (por nuacutemero de propriedade)
Degradaccedilatildeo de pastagens PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
Natildeo existem pastagens degradadas 17 4 16 6 43 33
O niacutevel de degradaccedilatildeo eacute baixo 36 9 40 8 93 39
132
O niacutevel de degradaccedilatildeo eacute meacutedio 43 10 21 6 80 335
O niacutevel de degradaccedilatildeo eacute alto 14 1 4 4 23 95
Total 239 100
Fonte EMPAER 2010
Vimos nos dados indicados na Tabela 35 que 43 propriedades natildeo
apresentaram niacutevel de degradaccedilatildeo nas pastagens enquanto 196 propriedades estatildeo com
as pastagens degradadas estando entre os niacuteveis alto meacutedio e baixo conforme criteacuterios
de nivelamento natildeo esclarecidos na fonte escrita
As imagens a seguir dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel e Ipecirc
nos ajudam a visualizar o niacutevel de degradaccedilatildeo e qualidade das pastagens destes
assentamentos rurais
Figura 11- Fotografias das aacutereas de pastagens nos assentamentos rurais
Fonte EMPAER 2010
As imagens nos remetem a compreensatildeo do quanto o problema de
desmatamento afetou de forma significativa o solo o que comprometeu a qualidade das
pastagens dos assentamentos rurais As imagens revelam a caracteriacutestica do solo que eacute
formado por morro com pedras e cascalhos o que dificulta a realizaccedilatildeo do processo de
mecanizaccedilatildeo das aacutereas
Tabela 36 Uso de fogo no manejo do solo (por propriedade)
Existecircncia de nascentesPA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
133
Usam fogo 80 13 45 18 156 665
Natildeo usam fogo 28 10 36 5 79 335
Total 235 100
Fonte EMPAER 2010
Os dados expostos na Tabela 36 reforccedilam a existecircncia do problema ambiental
jaacute abordado nos paraacutegrafos anteriores Chamamos a atenccedilatildeo para o fato de que 156
famiacutelias afirmaram que costumam colocar fogo sistema chamado de coivara como
praacutetica de limpeza das pastagens e na preparaccedilatildeo do cultivo das roccedilas Enquanto apenas
79 famiacutelias disseram que natildeo fazem uso de fogo no desenvolvimento das suas
atividades agriacutecolas tampouco para limpeza de pastagens
37 Algumas consideraccedilotildees sobre os impactos de poliacuteticas puacuteblicas nos
assentamentos rurais Satildeo Joseacute satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati
Podemos afirmar que nos quatro assentamentos rurais analisados os produtos
alimentares predominantes satildeo arroz milho mandioca banana e hortaliccedilas Satildeo estes
produtos que constituem a alimentaccedilatildeo baacutesica dos agricultores familiares os quais satildeo
produzidos nos lotes familiares
Atribuiacutemos a baixa produtividade na Agricultura Familiar do municiacutepio de
Vila Rica agrave falta de equipamentos tecnoloacutegicos sobretudo maquinaacuterios que poderiam
facilitar o trabalho e aumentar a produtividade No entanto ressalvamos que essas
teacutecnicas satildeo consideradas por alguns teoacutericos como uma condiccedilatildeo de produccedilatildeo
positiva do ponto de vista da manutenccedilatildeo da identidade dos assentamentos rurais
porque ela se sustenta nos saberes tradicionais aleacutem de natildeo ser tatildeo prejudicial ao meio
ambiente
Em relaccedilatildeo agrave comercializaccedilatildeo foram identificados alguns fatores que
dificultam o processo de modo geral a exemplo da natildeo organizaccedilatildeo por meio de
cooperativas ou associaccedilotildees A problemaacutetica das estradas que muitas vezes impede ou
dificulta o transporte dos produtos ateacute os pontos locais de vendas comerciais
contribuem consequentemente para o natildeo fortalecimento das feiras populares
134
As imagens a seguir ilustram a situaccedilatildeo de algumas estradas que datildeo acesso
aos assentamentos rurais de Vila Rica-MT durante os periacuteodos chuvosos de dezembro a
abril
Figura 12- Fotografias das Estradas dos assentamentos rurais
Fonte EMPAER 2009
A peacutessima situaccedilatildeo das estradas se torna ainda mais grave se pensarmos sobre
a necessidade de fortalecer a comercializaccedilatildeo dos produtos da Agricultura Familiar
quando levamos em consideraccedilatildeo o distanciamento dos assentamentos rurais com
relaccedilatildeo agrave aacuterea urbana cuja distancia eacute retratada nos croquis
Figura 13 - Croqui do Assentamento Rural Satildeo Joseacute
135
Fonte EMPAER 2010 p19
Figura 14 - Croqui do Assentamento Rural Satildeo Gabriel
Fonte EMPAER 2010 p 18
Figura 15 - Croqui do Assentamento Rural Ipecirc
136
Fonte EMPAER 2010 p 19
Figura 16 - Croqui do Assentamento Rural Aracaty
Fonte EMPAER 2010 p 18
137
O problema das estradas afetas tambeacutem a educaccedilatildeo pois danificam os ocircnibus
e prolongam o tempo que as crianccedilas ficam nas estradas sem aula atrasando o
calendaacuterio escolar Esta situaccedilatildeo provoca a desmotivaccedilatildeo dos alunos pelos estudos e
com isso os pais acabam retirando seus filhos das escolas do campo levando-os para
estudar na cidade por acreditar no prosseguimento dos estudos graccedilas agraves melhoras de
acesso permanecircncia e sucesso escolar
Ainda em relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo percebemos uma baixa escolaridade dos
assentados Consideramos que essa conjuntura seja resultante de alguns fatores como a
carecircncia de uma maior flexibilizaccedilatildeo na organizaccedilatildeo curricular e pedagoacutegica das escolas
dos assentamentos rurais principalmente nos quesitos referentes agrave organizaccedilatildeo dos
tempos e espaccedilos de aprendizagem uma vez que mesmo com o advento da energia
eleacutetrica nos assentamentos rurais nem todas as escolas garantiram a oferta da
modalidade escolar EJA - Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos
No que tange agraves questotildees de gecircnero e idade constatou-se que natildeo haacute uma
organizaccedilatildeo quanto agrave formaccedilatildeo de associaccedilotildees ou movimentos sociais direcionados agrave
luta das mulheres tampouco dos jovens Tais circunstacircncias datildeo a entender a pouca
participaccedilatildeo das mulheres e dos jovens nos espaccedilos poliacuteticos embora ambos tenham
uma vida ativa em outras atuaccedilotildees referentes agrave divisatildeo de trabalhos nos assentamentos
rurais
Consideramos como um dos principais desafios relacionados agrave permanecircncia
dos agricultores familiares nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Aracati e
Ipecirc o fato de os jovens se sentirem desmotivados a continuar no campo Muitos saem
para a cidade na ilusatildeo que iratildeo encontrar emprego que lhes proporcione renda fixa e
melhor qualidade de vida
As condiccedilotildees dos assentados avanccedilaram em qualidade a partir da
implementaccedilatildeo do Programa Luz Para Todos uma vez que a energia eleacutetrica
possibilitou a utilizaccedilatildeo de equipamentos que facilitaram o seu cotidiano embora a aacutegua
potaacutevel ainda seja vista como um elemento complicador no que se refere ao seu
tratamento
Na sauacutede destacamos que haacute atendimento pelo Sistema Uacutenico de Sauacutede
(SUS) embora limitado pois os uacutenicos profissionais da sauacutede que atuam diretamente
138
nos assentamentos rurais satildeo os Agentes de Sauacutede Ou seja quando haacute sinalizaccedilatildeo de
problemas na sauacutede dos assentados estes tecircm que recorrer agrave assistecircncia de sauacutede
localizada na zona urbana o que requer meio de locomoccedilatildeo proacuteprio ou puacuteblico
No que se refere agraves demandas de moradia e infraestrutura nos assentamentos
rurais pesquisados destacamos que a maioria das casas foi construiacuteda ou reformada
com recursos oriundos do Pronaf No entanto nem todos os assentados usufruiacuteram do
financiamento para a construccedilatildeo de suas casas pois muitos deles tiveram que arcar com
os proacuteprios recursos Por isso muitas casas ainda satildeo de taacutebua Houve casos em que as
empresas contempladas na licitaccedilatildeo natildeo concluiacuteram as obras conforme previsto no
contrato
Contudo ressaltamos que os desafios vivenciados pelos agricultores
familiares de Vila Rica-MT satildeo inuacutemeros a exemplo da a pouca infraestrutura a
insuficiecircncia dos investimentos por parte do Poder Puacuteblico quanto agrave liberaccedilatildeo de creacutedito
direcionado agrave Agricultura Familiar reduzido uso de tecnologia a ausecircncia de uma
assistecircncia teacutecnica efetiva a falta de matildeo de obra jovem uma vez que a idade meacutedia dos
assentados segundo dados da EMPAER (2009 p 45) eacute de 507 anos ldquo[] uma das
possiacuteveis causas para o ecircxodo dos jovens eacute a falta de opccedilatildeo para dar continuidade aos
estudos e a falta de oportunidades de geraccedilatildeo de renda dentro dos assentamentos ruraisrdquo
Ainda sobre a infraestrutura ressaltamos que os maiores investimentos tanto
por parte do Pronaf como de outras fontes dos agricultores familiares foram aplicados
na atividade de pecuaacuteria por considerarem mais rentaacutevel Essa questatildeo estaacute mais
detalhada no capiacutetulo IV
Eacute preciso ainda atentarmos mais para aos problemas de ordem ambiental
porque se constataram situaccedilotildees de desmatamentos nas nascentes e matas ciliares sem
falar da degradaccedilatildeo do solo e das pastagens condiccedilotildees que implicam na natildeo ampliaccedilatildeo
da Agricultura Familiar enquanto potencial para alavancar o desenvolvimento regional
139
4 AS POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS NOS ASSENTAMENTOS SAtildeO JOSEacute SAtildeO
GRABRIEL IPEcirc E ARACATI
Este capiacutetulo objetiva identificar quais foram as poliacuteticas puacuteblicas
implementadas nos assentamentos rurais do municiacutepio Vila Rica-MT no periacuteodo de
1996 a 2015
Construiacutemos uma anaacutelise norteada por algumas questotildees que serviram de
base para a reflexatildeo acerca do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar (Pronaf) bem como de outras Poliacuteticas Puacuteblicas voltadas para o atendimento
das necessidades da populaccedilatildeo do campo como eacute o caso da sauacutede educaccedilatildeo e
habitaccedilatildeo
Nesse sentido destacamos alguns questionamentos relacionados aos
procedimentos de execuccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas destinadas aos assentamentos rurais
Qual foi o impacto do Pronaf nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT Quais satildeo as
outras poliacuteticas e accedilotildees dos oacutergatildeos puacuteblicos no apoio e incentivos da Agricultura
Familiar no Araguaia mato-grossense Quais os mecanismos de controle e inspeccedilatildeo
adotados pela Secretaria Municipal de Agricultura de Vila Rica-MT para monitorar e
fomentar a produccedilatildeo da Agricultura Familiar nos assentamentos rurais Existem ou natildeo
estrateacutegias constituiacutedas entre os Agricultores Familiares movimentos sindical e social
ligados agrave Agricultura Familiar para enfrentar as ldquoinvestidasrdquo do agronegoacutecio nas aacutereas
de assentamentos rurais Quais satildeo os desafios e os avanccedilos dos assentamentos rurais
de Vila Rica-MT na visatildeo dos agricultores familiares dos assentamentos pesquisados
Para a compreensatildeo dessas questotildees foi necessaacuteria uma anaacutelise dos dados
oficiais de fontes escritas e orais com o auxiacutelio de perspectivas teoacutericas presentes nos
estudos sobre as temaacuteticas que envolvem o universo das poliacuteticas puacuteblicas destinadas
aos assentamentos rurais sobretudo o Pronaf
41 O debate sobre o Pronaf
Compreender tanto as formas de uso da terra quanto as de produccedilatildeo dos
agricultores familiares assim como a identificaccedilatildeo do papel da Agricultura Familiar no
desenvolvimento do territoacuterio do Araguaia eacute tambeacutem constituir conhecimento e
reflexatildeo acerca dos avanccedilos e entraves vivenciados pelos agentes histoacutericos no processo
140
de implementaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas direcionadas aos Projetos de assentamentos
rurais no Brasil sobretudo na consolidaccedilatildeo do Pronaf
Por isso fizemos apontamentos em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo dos assentamentos
rurais e ao mesmo tempo assinalamos as estrateacutegias adotadas pelos agricultores
familiares para sobreviverem agraves artimanhas do sistema burocraacutetico especialmente
quanto agraves formas de acesso ao creacutedito rural
Por outro lado para analisar o papel das poliacuteticas puacuteblicas enquanto objeto
de estudo os investimentos do Pronaf nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT
tomando como referecircncias as estrateacutegias adotadas pelos agricultores para serem
beneficiados pelas linhas de creacutedito problematizaram-se os avanccedilos e os entraves nas
condiccedilotildees de implementaccedilatildeo dessas poliacuteticas atraveacutes de reflexotildees teoacutericas e estudos de
caso Para tanto realizamos uma revisatildeo bibliograacutefica sobre a temaacutetica que historiciza o
artifiacutecio de criaccedilatildeo do Pronaf enquanto poliacutetica puacuteblica
Gazola e Schneider (2004 p 21) concebem que a criaccedilatildeo do Pronaf
representou uma resposta por parte do Estado brasileiro ao surgimento de uma nova
categoria social que demanda accedilotildees do Poder Puacuteblico e que levam em consideraccedilatildeo as
especificidades dessa nova categoria social ldquo[] os Agricultores Familiares que ateacute
entatildeo eram designados por termos como pequenos produtores produtores familiares de
baixa renda ou agricultura de subsistecircnciardquo
A partir dessa percepccedilatildeo podemos afirmar que anteriormente natildeo havia uma
designaccedilatildeo especiacutefica para os agentes histoacutericos que viviam da produccedilatildeo familiar na
agricultura enquanto categoria social Tratava-se de diversas denominaccedilotildees que eram
baseadas em criteacuterios econocircmicos e embutiam uma ideia de desqualificaccedilatildeo como por
exemplo ldquopequeno produtorrdquo
O conceito de Agricultura Familiar surgiu como uma alternativa para
suprimir as diversas denominaccedilotildees em relaccedilatildeo agrave forma e agrave concepccedilatildeo de produccedilatildeo das
populaccedilotildees que vivem no campo e que recorrem apenas agrave forccedila de trabalho dos
membros da famiacutelia Foi conceituada por Abramovay (1997 p 3 apud SALVODI
CUNHA 2010 p 10) como ldquo[] aquela em que a gestatildeo a propriedade e a maior
parte do trabalho vecircm de indiviacuteduos que mantecircm entre si laccedilos de sangue ou de
casamentordquo Os autores citados asseguram que essa definiccedilatildeo natildeo poderaacute ser vista como
unacircnime e muitas vezes pouco operacional
141
Salvodi e Cunha (2010 p 10) apesar de ponderarem que essa definiccedilatildeo natildeo
deve ser concebida como unacircnime entre os teoacutericos da Questatildeo Agraacuteria ressaltam que
eles adotam-na como conteuacutedo no sentido de evidenciar a nova categoria social que
envolve ldquo[] a propriedade da terra relaccedilotildees de trabalho e a gestatildeo das atividades
produtivasrdquo Para eles todos esses elementos satildeo criteacuterios usados para diferenciar por
se tratar de relaccedilotildees entre agentes sociais com parentesco de sangue ou alianccedilas via
matrimocircnio
Abramovay (1997) Salvodi e Cunha (2010) consideram que a base da
Agricultura Familiar estaacute portanto centrada no elemento relacional e natildeo
necessariamente na sua posiccedilatildeo diante de categorias econocircmicas ligadas agrave produccedilatildeo e agraves
formas de trabalho que dependem especificamente da matildeo de obra familiar
Destacamos que tal definiccedilatildeo eacute um constructo analiacutetico fundado a partir de
um referencial teoacuterico Isso eacute compreensiacutevel pois diferentes setores sociais a partir das
representaccedilotildees institucionais constroem categorias sociais Logo a categoria
ldquoAgricultura Familiarrdquo foi construiacuteda a partir de concepccedilotildees analiacuteticas e teoacutericas que
servem tanto para determinadas finalidades praacuteticas como para fins de acesso ao creacutedito
rural
Ressalvamos ainda que estes trecircs elementos baacutesicos - gestatildeo propriedade e
trabalho familiar se fazem presentes em todas as definiccedilotildees de Agricultura Familiar
sobretudo na definiccedilatildeo do Pronaf que insere a loacutegica da famiacutelia que tem a gestatildeo sobre
sua propriedade e busca o creacutedito
O Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio (2015) apresenta uma espeacutecie de
passo a passo para o acesso ao Pronaf
O acesso ao Pronaf inicia-se na discussatildeo da famiacutelia sobre a
necessidade do creacutedito seja ele para o custeio da safra ou
atividade agroindustrial seja para o investimento em maacutequinas
equipamentos ou infraestrutura de produccedilatildeo e serviccedilos
agropecuaacuterios ou natildeo agropecuaacuterios Apoacutes a decisatildeo do que
financiar a famiacutelia deve procurar o sindicato rural ou a empresa
de Assistecircncia Teacutecnica e Extensatildeo Rural (Ater) como a
EMATER para obtenccedilatildeo da Declaraccedilatildeo de Aptidatildeo ao Pronaf
(DAP) que seraacute emitida segundo a renda anual e as atividades
exploradas direcionando o agricultor para as linhas especiacuteficas
de creacutedito a que tem direito (MDA)23
23 Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-creditoruralsobre-o-
programasthashoPkG5KqCdpuff gt Acesso em 14092015
142
O Pronaf eacute apontado por alguns estudiosos da Questatildeo Agraacuteria no Brasil
como um marco da interferecircncia positiva do Estado na agricultura Eacute a partir dele que
ocorre a inclusatildeo da categoria social denominada de agricultores familiares no conjunto
das poliacuteticas puacuteblicas destinadas ao meio rural
Ressaltamos que antes do Pronaf existia o Programa de Valorizaccedilatildeo da
Pequena Produccedilatildeo Rural (Provape) criado em 1994 atraveacutes de uma operaccedilatildeo
financeira executada apenas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES)
Schneider Mattei e Cazella (2004) concebem que o Provape foi o embriatildeo da
mais importante poliacutetica puacuteblica criada para atender os agricultores familiares Segundo
os mesmos autores ele natildeo obteve os resultados esperados levando-se em consideraccedilatildeo
apenas os recursos que foram aportados Isso pode ser explicado parcialmente pelo fato
de o sistema de creacutedito e financiamento brasileiro natildeo ter sido adequado ao perfil do
puacuteblico para o qual se destinava o Provape
Ainda em conformidade com Schneider Mattei e Cazella (2004) eacute possiacutevel
afirmar que o Provape serviu apenas como ponto de partida para aquela que de fato
viria ser a primeira poliacutetica puacuteblica destinada agrave categoria de agricultores familiares
Em 1995 o Provape passou por uma transformaccedilatildeo tanto no que se refere agrave
concepccedilatildeo de poliacutetica puacuteblica voltada para os agricultores familiares comono que se
refere a sua aacuterea de abrangecircncia
Foram essas modificaccedilotildees acrescidas ao programa Provape que constituiacuteram
em 1996 o Pronaf o que de acordo com Schneider Mattei e Cazella (2004 p 3)
significa dizer que ldquo[] desse ano em diante o programa tem se firmado como a
principal poliacutetica do Governo Federal para os agricultores familiaresrdquo
Esses autores creditam ser o Pronaf uma poliacutetica puacuteblica constituiacuteda como
apoio econocircmico e produtivo para Agricultura Familiar brasileira A partir dele foram
criadas outras como eacute o caso do Programa Nacional de Aquisiccedilatildeo de Alimentos (PAA)
a Lei da Agricultura Familiar o Seguro Rural a nova forma de Assistecircncia Teacutecnica e
Extensatildeo Rural (ATER) e o Programa Nacional de Alimentaccedilatildeo Escolar (PNAE) que
embora jaacute existisse desde 1950 foi reestruturado a partir da criaccedilatildeo do Pronaf
Este inicialmente tinha como propoacutesito atuar em quatro grandes aacutereas 1)
Financiamento no Custeio e Investimento Agriacutecola 2) Fortalecimento de Infra Estrutura
143
rural 3) Negociaccedilatildeo e Articulaccedilatildeo de Poliacuteticas Puacuteblicas e 4) Formaccedilatildeo de Teacutecnicos
Extensionistas e de agricultores familiares
Nos primeiros anos de implantaccedilatildeo do Pronaf os juros para quem acessasse
essa linha de creacutedito para financiamento e investimento era de 12 ao ano o que pode
ser considerado um valor muito alto Esse fato talvez seja uma das principais
justificativas de poucos agricultores familiares terem pleiteado o creacutedito
Por outro lado havia tambeacutem a falta de conhecimento sobre o proacuteprio
programa Segundo Gazola e Schneider (2004) foram vaacuterios os entraves enfrentados
nos primeiros anos de implantaccedilatildeo do Pronaf sendo que dos recursos destinados agraves
safras de 1995-1996a maioria beneficiou agricultores familiares do Sul do paiacutes
sobretudo os produtores de fumo
Mas antes de avanccedilarmos sobre outras questotildees envolvendo o Pronaf eacute
importante analisarmos os muacuteltiplos contextos em que esse programa foi criado
42 O papel dos Movimentos sociais na criaccedilatildeo do Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar na deacutecada de 1990
Bianchini (2015 p18) afirma que a deacutecada de 1990 foi sinalizada pela
constituiccedilatildeo de novas estrateacutegias no campo econocircmico sobretudo em relaccedilatildeo aos
aspectos comerciais tecnoloacutegicos financeiros e de investimentos aleacutem de ter sido o
periacuteodo de maior inserccedilatildeo do Brasil na economia internacional
Outra caracteriacutestica desse periacuteodo segundo o mesmo autor foi a criaccedilatildeo do
Mercado Comum do Sul (Mercosul) o qual visava materializar uma maior integraccedilatildeo
entre o Brasil Uruguai Argentina e Paraguai a partir da reduccedilatildeo das tarifas
alfandegaacuterias
O Mercosul alterou tambeacutem a poliacutetica cambial com o objetivo de promover
a expansatildeo das importaccedilotildees e ampliaccedilatildeo dos investimentos internacionais nas aacutereas
agroindustriais Por outro lado restringiu a participaccedilatildeo de cooperativas nesse setor
fortalecendo ainda mais as empresas privadas
A partir da concepccedilatildeo de Bianchini (2015) pode-se afirmar que diante das
novas configuraccedilotildees impostas ao cenaacuterio econocircmico brasileiro assistiu-se no Brasil ao
desmoronamento de um modelo econocircmico em que a base de sustentaccedilatildeo eram os
144
incentivos fiscais concedidos pelo Governo os quais atendiam apenas alguns setores
rurais
O que se vecirc nesse periacuteodo foi a movimentaccedilatildeo dos diferentes atores sociais
De um lado se encontram os grupos detentores de grande capital econocircmico querendo
a qualquer custo atrair a atenccedilatildeo das autoridades poliacuteticas em torno dos interesses do
capital na agricultura e por outro lado a intensificaccedilatildeo nas mobilizaccedilotildees por parte de
outros atores conclamando por uma construccedilatildeo de poliacuteticas diferenciadas para atender a
Agricultura Familiar a realizaccedilatildeo da Reforma Agraacuteria a ampliaccedilatildeo dos direitos dos
trabalhadores rurais e a criaccedilatildeo de um modelo de agricultura fundamentado na
sustentabilidade social e ambiental
Bianchini (2015 p 19) ao se referir ao papel das instituiccedilotildees e organizaccedilatildeo
dos movimentos sociais em defesa da Reforma Agraacuteria constituiacutedos na deacutecada de 1980
assegura que
Nesse cenaacuterio poacutes-crise do modelo agriacutecola a partir dos anos
80 com o teacutermino do regime militar e a promulgaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo de 1988 as organizaccedilotildees de agricultores
empresariais se rearticularam na Confederaccedilatildeo Nacional de
Agricultura (CNA) na Uniatildeo Democraacutetica Ruralista (UDR) e
na Associaccedilatildeo Brasileira do Agronegoacutecio (ABAG) As
organizaccedilotildees de Agricultores Familiares se fortalecem na
Confederaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
(CONTAG) criam-se novas organizaccedilotildees como o Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) a Via Campesina
o Departamento Nacional dos Trabalhadores Rurais da CUT
(DNTR) que daria origem agrave Federaccedilatildeo dos Trabalhadores da
Agricultura Familiar (Fetraf) Surge um novo cenaacuterio novos
embates e estabelece-se um novo arranjo institucional
Em consonacircncia agrave citaccedilatildeo afirmamos que os atores sociais do campo estatildeo
divididos em dois grandes grupos de um lado os grandes proprietaacuterios de terras e
representantes do agronegoacutecio e do outro as populaccedilotildees desprovidas de capital
financeiro representadas pelos trabalhadores rurais pequenos agricultores ribeirinhos e
comunidades tradicionais Esses grupos recorreram agrave organizaccedilatildeo dos Sindicatos a
exemplo daquele dos Trabalhadores ou dos Produtores Rurais e das confederaccedilotildees em
busca da sensibilizaccedilatildeo das autoridades poliacuteticas em torno da defesa de seus interesses
No que se refere aos movimentos sociais dos trabalhadores rurais e pequenos
agricultores natildeo se pode perder de vista que a deacutecada de 1990 foi marcada por intensas
mobilizaccedilotildees desses sujeitos sociais em torno de poliacuteticas puacuteblicas que pudessem
145
viabilizar a melhoria das condiccedilotildees de vida no campo sobretudo no que tange agrave criaccedilatildeo
de um sistema de creacutedito rural e a expansatildeo do programa de distribuiccedilatildeo de terras em
formato diferenciado para atender as especificidades dos pequenos agricultores
Bianchini (2015) considera possiacutevel assegurar que tanto o Provape como o
Pronaf resultaram de accedilotildees e pressotildees dos movimentos sociais que por meio das
diversas manifestaccedilotildees que contribuiacuteram diretamente para a definiccedilatildeo das diretrizes do
Pronaf como eacute o caso do ldquoGrito da Terra Brasilrdquo movimento promovido pela
Confederaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) Federaccedilatildeo dos
Trabalhadores da Agricultura (Fetag) e pelos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais
(STTRs) que em geral reuniram milhares de trabalhadores em seus atos puacuteblicos em
sua grande maioria lideranccedilas dos diversos movimentos ligados agraves questotildees da
Agricultura Familiar Reforma Agraacuteria e de outras bandeiras relacionadas ao universo
dos trabalhadores rurais
Bianchini (2015) indica ainda outro acontecimento que proporcionou maior
visibilidade do debate acerca da luta por uma poliacutetica de creacutedito rural diferenciada e que
fosse capaz de mobilizar a integraccedilatildeo da produccedilatildeo familiar o Seminaacuterio ndash Creacutedito de
Investimento uma luta que vale milhotildees de vidas realizado na cidade Chapecoacute em
Santa Catarina no ano de 2003 sob a organizaccedilatildeo do Foacuterum Sul dos Rurais vinculado agrave
Central Uacutenica dos Trabalhadores - CUT
Esse seminaacuterio teve como funccedilatildeo marcar ldquo[] que o creacutedito seria a bandeira
central do movimento sindical e naquele momento poderia desencadear outras poliacuteticas
ATER Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional Infraestrura e Habitaccedilatildeordquo (BIANCHINI
2015 p 24)
Ainda com base na concepccedilatildeo desse autor pode-se dizer que as discussotildees
provocadas durante o seminaacuterio de Chapecoacute aleacutem de possibilitar um repensar sobre a
questatildeo do creacutedito diferenciado para os pequenos agricultores apontaram tambeacutem
outras possibilidades de conquista no sentido de buscar uma poliacutetica que fosse capaz de
casar o Creacutedito Fundiaacuterio com a Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional Infraestrutura e
Habitaccedilatildeo ldquo[] Esta foi a marca que timbrou a criaccedilatildeo do Pronaf a luta por creacutedito
diferenciado capaz de realizar a reconversatildeo das unidades de produccedilatildeo familiarrdquo
(BIANCHINI 2015 p 24)
146
43 O Pronaf e seus objetivos
O MDA assegura que o objetivo do Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (Pronaf) eacute ldquo[] financiar projetos individuais ou coletivos que
gerem renda aos agricultores familiares e assentados da Reforma Agraacuteria O programa
possui as mais baixas taxas de juros dos financiamentos rurais aleacutem das menores taxas
de inadimplecircncia entre os sistemas de creacutedito do Paiacutes (MDA 2015)rdquo 24
Estamos diante da definiccedilatildeo do oacutergatildeo puacuteblico responsaacutevel por colocar os
ldquoagricultores familiaresrdquo e ldquoassentados de Reforma Agraacuteriardquo enquanto puacuteblico alvo do
programa possibilitando-os ter acesso a creacuteditos com a preacute-condiccedilatildeo de natildeo ter uma
renda maior que R$ 360 mil reais por ano
O agricultor familiar deve avaliar o projeto que pretende
desenvolver Os projetos devem gerar renda aos Agricultores
Familiares e assentados da reforma agraacuteria Podem ser
destinados para o custeio da safra a atividade agroindustrial
seja para investimento em maacutequinas equipamentos ou
infraestrutura A renda bruta anual dos Agricultores Familiares
deve ser de ateacute R$ 360 mil (MDA 2015)25
As diretrizes do MDA que orientam a elaboraccedilatildeo dos projetos de
financiamentos do Pronaf asseguram que os agricultores familiares satildeo os protagonistas
no planejamento das accedilotildees que seratildeo desenvolvidas desde que levem em consideraccedilatildeo
os criteacuterios estabelecidos por cada linha de creacutedito
Segundo o MDA (2015) o Pronaf possui algumas linhas de creacutedito para
atender esse objetivo
bull Pronaf Custeio
-se ao financiamento das atividades agropecuaacuterias e de
beneficiamento ou industrializaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo de
produccedilatildeo proacutepria ou de terceiros enquadrados no Pronaf
bull Pronaf Mais Alimentos - Investimento
Destinado ao financiamento da implantaccedilatildeo ampliaccedilatildeo ou
modernizaccedilatildeo da infraestrutura de produccedilatildeo e serviccedilos
agropecuaacuterios ou natildeo agropecuaacuterios no estabelecimento rural
ou em aacutereas comunitaacuterias rurais proacuteximas
bull Pronaf Agroinduacutestria
24Disponiacutevelemlthttpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-creditoruralsobre-o-
rogramasthashoPkG5KqCdpuf gt Acesso em 14092015 25
Disponiacutevelemlt httpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-creditoruralcomo-funciona-o-
pronafsthashJ7csT8kgdpuff gt Acesso em 14092015
147
Linha para o financiamento de investimentos inclusive em
infraestrutura que visam o beneficiamento o processamento e a
comercializaccedilatildeo da produccedilatildeo agropecuaacuteria e natildeo agropecuaacuteria
de produtos florestais e do extrativismo ou de produtos
artesanais e a exploraccedilatildeo de turismo rural
bull Pronaf Agroecologia
Linha para o financiamento de investimentos dos sistemas de
produccedilatildeo agroecoloacutegicos ou orgacircnicos incluindo-se os custos
relativos agrave implantaccedilatildeo e manutenccedilatildeo do empreendimento
bull Pronaf Eco
Linha para o financiamento de investimentos em teacutecnicas que
minimizam o impacto da atividade rural ao meio ambiente bem
como permitam ao agricultor melhor conviacutevio com o bioma em
que sua propriedade estaacute inserida
bull Pronaf Floresta
Financiamento de investimentos em projetos para sistemas
agroflorestais exploraccedilatildeo Destina extrativista ecologicamente
sustentaacutevel plano de manejo florestal recomposiccedilatildeo e
manutenccedilatildeo de aacutereas de preservaccedilatildeo permanente e reserva legal
e recuperaccedilatildeo de aacutereas degradadas
bull Pronaf Semiaacuterido
Linha para o financiamento de investimentos em projetos de
convivecircncia com o semi-aacuterido focados na sustentabilidade dos
agroecossistemas priorizando infraestrutura hiacutedrica e
implantaccedilatildeo ampliaccedilatildeo recuperaccedilatildeo ou modernizaccedilatildeo das
demais infraestruturas inclusive aquelas relacionadas com
projetos de produccedilatildeo e serviccedilos agropecuaacuterios e natildeo
agropecuaacuterios de acordo com a realidade das famiacutelias
agricultoras da regiatildeo Semiaacuterida
bull Pronaf Mulher
Linha para o financiamento de investimentos de propostas de
creacutedito para a mulher agricultora
bull Pronaf Jovem
Financiamento de investimentos de propostas de creacutedito para
jovens agricultores e agricultoras
bull Pronaf Custeio e Comercializaccedilatildeo de Agroinduacutestrias
Familiares
Destinada aos agricultores e suas cooperativas ou associaccedilotildees
para que financiem as necessidades de custeio do
beneficiamento e industrializaccedilatildeo da produccedilatildeo proacutepria eou de
terceiros
bull Pronaf Cota-Parte
Financiamento de investimentos para a integralizaccedilatildeo de cotas-
partes dos Agricultores Familiares filiados a cooperativas de
produccedilatildeo ou para aplicaccedilatildeo em capital de giro custeio ou
investimento
bull Microcreacutedito Rural
Destinado aos agricultores de mais baixa renda permite o
financiamento das atividades agropecuaacuterias e natildeo
agropecuaacuterias podendo os creacuteditos cobrirem qualquer demanda
que possa gerar renda para a famiacutelia atendida Creacuteditos para
Agricultores Familiares enquadrados no Grupo B e agricultoras
148
integrantes das unidades familiares de produccedilatildeo enquadradas
nos Grupos A ou AC26
Ainda para o MDA (2015) o creacutedito do Pronaf eacute operacionalizado pelos
agentes financeiros que compotildeem o Sistema Nacional de Creacutedito Rural (SNCR) os
quais estatildeo agrupados pelas unidades financeiras (Banco do Brasil Banco do
Nordeste e Banco da Amazocircnia) vinculadas aos (BNDES Bancoob Bansicredi e
associados agrave Federaccedilatildeo Brasileira de Bancos (Febraban)
A partir dessas opccedilotildees de creacutedito o nuacutemero de agricultores familiares que
tem aderido ao programa aumentou bem como a abrangecircncia do Pronaf no Brasil
Segundo dados do MDA (2015)
As contrataccedilotildees do Creacutedito ndash Pronaf apresentam crescimento
sustentado ao longo dos anos Em 19992000 o Pronaf abrangia
3403 municiacutepios passando para 4539 no ano seguinte o que
representou um aumento de 33 na cobertura de municiacutepios
ou seja a ampliaccedilatildeo de mais de 1100 municiacutepios em apenas
um ano A ampliaccedilatildeo de municiacutepios atendidos continuou em
cada ano agriacutecola sendo que em 20052006 houve a inserccedilatildeo de
quase 1960 municiacutepios em relaccedilatildeo agrave 19992000 Em
20072008 foram atendidos 5379 municiacutepios o que
representou um crescimento de 58 em relaccedilatildeo agrave 19992000
com a inserccedilatildeo de 1976 municiacutepios27
Portanto atraveacutes desses dados oficiais sobre o Pronaf foi possiacutevel identificar
seus objetivos e o que ele considera como caracteriacutestica de sua efetivaccedilatildeo e ampliaccedilatildeo
Cruzando os dados do Araguaia mato-grossense e aqueles dos assentamentos
rurais pesquisados com os dados oficiais obtivemos uma noccedilatildeo das implicaccedilotildees dos
investimentos do Pronaf no local sobretudo no que se refere ao municiacutepio de Vila Rica-
MT uma vez que eacute onde estatildeo localizados os assentamentos rurais analisados nesta
pesquisa
44 O Pronaf no espaccedilo do Araguaia Mato-grossense
26 Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-creditorurallinhas-de-
crC3A9ditosthashupVEXpBldpufgt Acesso em 14092015 27
Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-
creditoruralevoluC3A7C3A3o-do-pronafgt Acesso em 14092015
149
Em 2006 foi produzido um diagnoacutestico pela equipe teacutecnica do Territoacuterio da
Cidadania do MDA com o objetivo de elaborar o Plano Territorial de Desenvolvimento
Rural Sustentaacutevel do Araguaia mato-grossense ocasiatildeo em que foi constituiacutedo um
banco de dados sobre a situaccedilatildeo dos assentamentos rurais da aacuterea tomando como
referecircncia o perfil socioeconocircmico de cada assentamento rural e utilizando diversas
estrateacutegias e fontes documentais para constituiacute-lo
Analisando os dados do diagnoacutestico produzido pelo MDA constatamos que a
Agricultura Familiar possui um lugar de destaque no desenvolvimento socioeconocircmico
do Norte Araguaia
Paret (2012) informa existir 85 assentamentos rurais constituiacutedos no territoacuterio
Araguaia-Xingu sendo que 25 deles estatildeo localizados no municiacutepio de Confresa-MT
Os demais estatildeo distribuiacutedos entre os outros municiacutepios com destaque para Ribeiratildeo
Cascalheira Satildeo Feacutelix do Araguaia e Aacutegua Boa28
Ao todo satildeo 22328 famiacutelias assentadas numa aacuterea que corresponde apenas
a 8 da dimensatildeo territorial denominada por Paret (2012) como Araguaia-Xingu Nesse
mesmo sentido Barrozo (2009 p 96) avalia que
Os assentamentos rurais do Araguaia se caracterizam pela a
criaccedilatildeo de gado e pela baixa produccedilatildeo de alimentos Em quase
todos os assentamentos dos municiacutepios de Santa Terezinha
Vila Rica-MT Satildeo Joseacute e Santa Cruz do Xingu Confresa Porto
Alegre Canabrava Satildeo Feacutelix do Araguaia os assentados do
Araguaia tecircm como principal atividade econocircmica do lote a
criaccedilatildeo de gado bovino
Considerando o que Barrozo (2009) e Paret (2012) e os dados contidos no
relatoacuterio do MDATerritoacuterio da Cidadania (2006) dizem afirmamos que a pecuaacuteria eacute
tida como a principal fonte de renda dos assentados dessa aacuterea Aleacutem da venda dos
bezerros os agricultores familiares vendem tambeacutem leite para os pequenos laticiacutenios
que ficam espalhados pela aacuterea
Essa produccedilatildeo se tornou viaacutevel por um conjunto de fatores que vatildeo desde a
instalaccedilatildeo de energia eleacutetrica que possibilitou que o produto pudesse ser armazenado
em tanques resfriadores passando pelo fomento do Pronaf ateacute a instalaccedilatildeo de laticiacutenios
na aacuterea que absorvem a produccedilatildeo regional
28 Destacamos que dos 14 municiacutepios que compotildeem o territoacuterio denominado por Paret (2012)
como Araguaia Xingu apenas Luciara natildeo possui assentamentos rurais Rural (INCRA 2015)
150
A partir dos dados destacados pelos autores e pela descriccedilatildeo feita pelo o
Instituto de Defesa Agropecuaacuteria de Mato Grosso - Indea (2015)29
percebe-se que nos
uacuteltimos anos houve um crescimento notaacutevel da criaccedilatildeo de gado leiteiro nessa aacuterea
Essa situaccedilatildeo serve como justificativa ao fato de haver nos assentamentos rurais do
Araguaia uma aacuterea maior destinada agraves pastagens e uma menor concentraccedilatildeo de
atividades voltadas para o cultivo de pomares hortas agricultura e outras atividades
econocircmicas
O Araguaia Mato-grossense atualmente possui como principais cadeias
produtivas a pecuaacuteria e a soja Percebe-se que a Agricultura Familiar tambeacutem estaacute
inclusa nesse modelo de produccedilatildeo no entanto Paret (2012 p 53) faz uma ressalva em
relaccedilatildeo agrave ela uma vez que esta ldquo[] apresenta uma maior diversidade produtiva que vai
desde a horta a todo tipo de plantaccedilatildeo de frutas (plantadas ou do extrativismo)
tubeacuterculos mel ovos pequenos animais leite entre outros []rdquo
As atividades agriacutecolas nos assentamentos rurais do Araguaia Mato-
grossense foram estudadas por Barrozo (2009 p 99) para quem embora os assentados
atribuam uma grande importacircncia agrave criaccedilatildeo de gado tambeacutem cultivam roccedilas visando o
auto-sustento da famiacutelia ldquo[] Os principais produtos cultivados em quase todos os
assentamentos satildeo a mandioca o milho o arroz e a canardquo
Ainda em conformidade com Barrozo (2009) natildeo existem grandes pomares
com diversidade de frutas cuja produccedilatildeo tenha a finalidade de comercializaccedilatildeo mas
satildeo encontradas em muitos assentamentos pequenas produccedilotildees frutiacuteferas de manga
banana abacaxi goiaba caju tamarindo limatildeo pequi etc
Esse quadro de produccedilatildeo agriacutecola apresentado pelo mesmo autor foi
constatado tambeacutem no relatoacuterio do MDATerritoacuterio da Cidadania (2006 p 33) segundo
o qual as atividades agriacutecolas no espaccedilo do Araguaia Mato-Grossense satildeo assim
descritas
Dentre as culturas produzidas destacam-se a mandioca o arroz
o milho e o abacaxi presentes em praticamente todo o territoacuterio
e tambeacutem direcionadas ao mercado local e principalmente para
o autoconsumo [] Estas atividades constituem-se em
iniciativas particulares e natildeo reflete de forma real a situaccedilatildeo de
grande parte dos agricultores do territoacuterio
29Disponiacutevel em lthttpwwwterritoriosdacidadaniagovbrdotlrnclubsterritriosruraisone-
community gtAcesso em 02052015
151
Quanto agrave implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas direcionadas aos
assentamentos rurais Paret (2012 p 53) verificou a existecircncia de grandes obstaacuteculos
enfrentados pelos agricultores familiares a exemplo das dificuldades em acessar tanto
os recursos do Pronaf quanto de outros programas considerados de apoio como eacute o caso
do Programa Nacional de Aquisiccedilatildeo de Alimentos (PNAA) e do Programa Nacional de
Alimentaccedilatildeo Escolar (PNAE)
Os entraves ocorridos durante o processo de implementaccedilatildeo das poliacuteticas
puacuteblicas nos assentamentos rurais no Araguaia Mato-grossense sobretudo no caso do
Pronaf foram percebidos por Barrozo (2009 p 96) em pesquisa realizada para o
Ministeacuterio do Meio Ambiente (MMA) atraveacutes do programa GESTAR O autor escreve
que durante suas visitas aos assentamentos rurais era bastante comum os agricultores
familiares exporem suas insatisfaccedilotildees tanto com a atuaccedilatildeo dos teacutecnicos do INCRA
quanto com as condiccedilotildees impostas no processo de adesatildeo ao Pronaf Nesse sentido
descreve
[] os assentados reclamam do Pronaf que seria um pacote
fechado exigindo que o recurso seja em horas maacutequinas para
preparar a terra para a lavoura com a indicaccedilatildeo da empresa para
prestar serviccedilo e compra de ferramentas com indicaccedilatildeo da loja
As vacas leiteiras de qualidade ruim para leite custam R$
60000 cada uma tendo que comprar de criador indicado
Alguns assentados fazem acusaccedilotildees de que eacute feito um desconto
do Pronaf corresponde ao um percentual do financiamento que
seria destinado agrave assistecircncia teacutecnica Os teacutecnicos dizem que natildeo
podem se deslocar por falta de veiacuteculos ou de combustiacutevel
Percebemos uma insatisfaccedilatildeo de assentados quanto agraves restriccedilotildees e imposiccedilotildees
burocraacuteticas do Pronaf que retiram dos mesmos a autonomia de escolher locais raccedilas
de animais e marcas de produtos adquiridos com a verba do programa adiciona-se a
preocupaccedilatildeo com a extensatildeo teacutecnica que enfrenta dificuldades financeiras e de
logiacutestica
Na mesma oacutetica Paret (2012 p 53) avalia os problemas enfrentados pelos
agricultores familiares no acesso aos recursos do Pronaf e agrave atuaccedilatildeo do Incra ldquo[] do
ponto de vista institucional a conduccedilatildeo da Reforma Agraacuteria pelo Incra eacute marcada por
longas demoras na resoluccedilatildeo de processos e inuacutemeros casos de corrupccedilatildeordquo
Paret (2012) aborda ainda outra situaccedilatildeo que dificulta o desenvolvimento dos
assentamentos rurais do Araguaia Mato-grossense qual seja o fato de muitos
152
agricultores familiares natildeo terem recebido os creacuteditos moradia e a inexistecircncia de uma
assistecircncia teacutecnica mais efetiva
Os graacuteficos apresentado na Figura 17 e seguinte apresentam criteacuterios de
distribuiccedilatildeo e investimento dos recursos do Programa Nacional de Agricultura Familiar
nos assentamentos rurais
Figura 17 Graacutefico com dados da evoluccedilatildeo dos creacuteditos Pronaf
Fonte Paret 2012 (p 30)
Figura 18 Graacutefico com dados da distribuiccedilatildeo dos creacuteditos Pronaf
Fonte Paret 2012 (p 33)
153
Os dados dispostos nos das figuras 17 e 18 indicam que nos assentamentos
rurais no Araguaia mato-grossense a deacutecada de 2000 foi destaque na evoluccedilatildeo do
percentual de investimento de recursos pelo Pronaf
Percebemos uma oscilaccedilatildeo no volume de recursos na deacutecada de 2000 sendo
que nos anos de 2003 e 2004 apresentaram crescimento Em 2008 a 2010 aumentou
novamente o percentual de recursos disponibilizados com aumento daqueles destinados
agrave pecuaacuteria sobretudo em 2010 quando superaram os investimentos destinados agrave
agricultura
Quando se observam os dados indicados na Figura 18 percebe-se que entre
os onze municiacutepios apresentados como Araguaia Xingu o municiacutepio de Vila Rica-MT
em comparaccedilatildeo aos demais praticamente natildeo recebeu recursos do Pronaf destinados agrave
agricultura sobressaindo apenas os destinados agrave linha de creacutedito direcionada para a
pecuaacuteria
Nesse sentido Lima e Noacutebrega (2009) reforccedilam que os financiamentos
efetivados a partir de 1999 no municiacutepio de Vila Rica-MT foram direcionados para
agropecuaacuteria Em 2007 100 dos financiamentos do municiacutepio foram direcionados
somente agrave pecuaacuteria somando um total de 86 milhotildees de reais em investimentos
Lima e Noacutebrega (2009 12) afirmam ainda que
Entre 1996 e 2006 a aacuterea de pastagens aumentou em cerca de 50
mil hectares e o aumento do nuacutemero de cabeccedilas de gado mais
do que triplicou chegando em 2006 a quase 650 mil cabeccedilas A
densidade de cabeccedilas de gado por hectare passou de 08 para
21 um aumento bem acentuado Entre 2000 e 2007 as aacutereas
das lavouras de milho dobraram de tamanho [] existem dados
controversos no censo 2006 que indica mais de 150 mil hectares
de aacutereas de lavouras no entanto no ano de 2007 natildeo havia
muito mais do que 10mil hectares plantados somando todas as
culturas provavelmente muitas destas aacutereas de lavouras estatildeo
abandonadas
Para esses autores o aumento expressivo da pecuaacuteria em Vila Rica-MT nos
uacuteltimos anos pode ter contribuiacutedo para a reduccedilatildeo do desmatamento no municiacutepio em
funccedilatildeo ateacute mesmo do volume de recursos injetados o que justifica o desenvolvimento
das atividades ligadas agrave pecuaacuteria enquanto a agricultura praticamente ficou estagnada
entre o periacuteodo de 2000 a 2007
154
Desse modo concluiacutemos que mesmo havendo entraves na execuccedilatildeo do
Pronaf ele gerou impactos significativos no que se refere ao desenvolvimento
econocircmico do Araguaia colocando os assentamentos rurais na condiccedilatildeo de
protagonistas na geraccedilatildeo de renda sendo a pecuaacuteria a principal atividade econocircmica
45 O Pronaf nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati
Consideramos pertinente uma anaacutelise acerca dos efeitos do Pronaf nos
assentamentos rurais de Vila Rica-MT visando identificar os impactos desse programa
no desenvolvimento socioeconocircmico local Destacamos que embora haja oito
assentamentos rurais a pesquisa tomou como paracircmetro apenas os recursos aportados
pelos agricultores familiares dos assentamentos rurais de Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e
Aracati
Ao escolhecirc-los tomados aqui como objeto de anaacutelise dos resultados das
poliacuteticas puacuteblicas direcionadas aos Assentados da Reforma Agraacuteria do municiacutepio de
Vila Rica levou-se em consideraccedilatildeo o fato de terem sido contemplados com o
Programa de Assessoria Teacutecnica Social e Ambiental agrave Reforma Agraacuteria- Ates no ano
de 2006 como ilustra a Tabela a seguir
Tabela 37 Creacutedito Rural - nordm de Famiacutelia
Fonte EMPAER 2010
A Tabela 37 demonstra que mais de 90 dos agricultores familiares
participantes da pesquisa tiveram acesso ao Pronaf Os assentamentos Satildeo Joseacute e Ipecirc
foram os mais beneficiados porque possuem o maior nuacutemero de assentados Outra
questatildeo que nos chamou a atenccedilatildeo em relaccedilatildeo ao acesso ao credito eacute o iacutendice de
inadimplecircncia que natildeo chega a 1
Creacutedito RuralPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracat
i
Total
Usam o creacutedito rural 96 18 72 22 20
8
Natildeo usam por
Inadimplecircncia
0 0 2 0 2
Natildeo usam por outros
Motivos
8 3 5 3 19
155
Tabela 38 Finalidade do Creacutedito Rural - nordm de Famiacutelias
Finalidade creacutedito
PA
S Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total
Custeio agriacutecola 10 3 12 3 28
Custeio pecuaacuterio 91 13 69 17 190
Investimento agriacutecola 2 0 3 0 5
Investimento pecuaacuterio 68 11 51 19 149
Agroinduacutestria 0 1 0 0 1
Fonte EMPAER 2010
As informaccedilotildees contidas na Tabela 38 confirmam o que jaacute foi apresentado
nos Graacuteficos 01 e 02 e Figuras 17 e 18 em que os investimentos dos recursos do Pronaf
nas atividades agriacutecolas natildeo chegaram a 10 dos que tomaram o creacutedito enquanto que
somando o valor destinado ao custeio e ao investimento na pecuaacuteria atingiu 908
Poreacutem apenas 03 desses recursos foram aplicados nas atividades agroindustriais
Tabela 39 Tipo de Pronaf por nuacutemero de Famiacutelias
Finalidade Creacutedito Rural S Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total
Pronaf A 95 17 71 20 203
Pronaf AC 65 12 60 15 152
Outros tipos de Pronaf 5 2 4 1 12
Fonte EMPAER 2010
Na Tabela 39 que trata da tipologia das linhas de creacutedito do Pronaf
constatamos o que jaacute foi evidenciado pela tabela anterior Observamos que 203 famiacutelias
dos assentamentos rurais pesquisados acessaram o Pronaf A destinado agraves atividades de
investimentos ampliaccedilatildeo ou modernizaccedilatildeo da estrutura de produccedilatildeo beneficiamento e
serviccedilos nas propriedades enquanto 152 famiacutelias acessaram o Pronaf AC cujo creacutedito
destina-se ao custeio das atividades de agropecuaacuteria ou natildeo agropecuaacuterias Somente 12
famiacutelias foram beneficiadas por outras modalidades de Pronaf
46 Outras Poliacuteticas Puacuteblicas nos assentamentos Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e
Aracati
156
461 Programa Luz para todos
Ao discutirmos os impactos das poliacuteticas Puacuteblicas precisamos analisar os
efeitos da instalaccedilatildeo da rede eleacutetrica nos assentamentos rurais - Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel
Ipecirc e Aracati - a partir da implantaccedilatildeo do Programa Luz Para Todos instituiacutedo pelo
Decreto 4873 de novembro de 2003 com o objetivo de garantir o acesso agrave energia
eleacutetrica a dez milhotildees de pessoas que viviam no campo no periacuteodo de 5 anos ou seja de
2003 a 2008 Foi o mesmo elaborado e executado atraveacutes de parceria entre o Ministeacuterio
de Minas e Energia Eletrobraacutes concessionaacuterias e cooperativas de eletrificaccedilatildeo rural As
accedilotildees deveriam ser feitas em regime de cooperaccedilatildeo entre os Governos Municipais
Estaduais e Federal
A intenccedilatildeo inicial era superar a ldquoexclusatildeo eleacutetricardquo conforme descrito em
uma reportagem feita pelo Ministeacuterio de Minas e Energia (MME) no portal da empresa
Furna30
(2015 p 1)
[] O mapa da exclusatildeo eleacutetrica no paiacutes revela que as famiacutelias
sem acesso agrave energia estatildeo majoritariamente nas localidades de
menor Iacutendice de Desenvolvimento Humano e nas famiacutelias de
baixa renda Cerca de 90 delas tecircm renda inferior a trecircs
salaacuterios-miacutenimos [] Para por fim a essa realidade o governo
definiu como objetivo que a energia seja um vetor de
desenvolvimento social e econocircmico dessas comunidades
contribuindo para a reduccedilatildeo da pobreza e aumento da renda
familiar
Para o Ministeacuterio de Minas e Energia (2015 p 1) ldquo[] a chegada da energia
eleacutetrica facilita a integraccedilatildeo dos programas sociais do Governo Federal aleacutem do acesso
a serviccedilos de sauacutede educaccedilatildeo abastecimento de aacutegua e saneamentordquo E como o nuacutemero
de pessoas que viviam sem energia eleacutetrica era bem superior agrave estimativa feita pelo
Governo Federal houve a necessidade de ampliar o periacuteodo para a execuccedilatildeo do
Programa Luz Para Todos o qual foi reformulado e estendido ateacute dezembro de 2014
ldquo[] Com a publicaccedilatildeo do Censo de 2010 pelo IBGE veio agrave informaccedilatildeo de que ainda
existiam na zona rural brasileira 715939 famiacutelias sem energiardquo (MME 2015 p 1)
30Furnas eacute uma empresa de economia mista subsidiaacuteria da Eletrobraacutes e vinculada ao Ministeacuterio de
Minas e Energia dedicada a geraccedilatildeo e transmissatildeo de energia eleacutetrica
DisponiacutevellthttpwwwfurnascombrfrmEMQuemSomosgt Acesso em 10102015
157
Nesta mesma acepccedilatildeo quando comparado com os assentamentos rurais
pesquisados em Vila Rica- MT um dos agricultores familiares entrevistado disse
[] A questatildeo da energia melhorou as condiccedilotildees de vida nos
assentamentos assim no sentido de possibilitar a compra de
uma televisatildeo uma geladeira um freezer um aparelho de som
Agora eacute o que eu sempre digo o foco do programa natildeo eacute esse
a ideia eacute melhorar as condiccedilotildees de trabalho para aumentar a
produccedilatildeo da Agricultura Familiar natildeo digo que o Programa
Luz Para Todos natildeo era comprar essas coisas de
eletrodomeacutesticos ateacute porque esses eletrodomeacutesticos nos
possibilitam viver com um pouco de conforto isso melhora a
nossa vida tambeacutem Poreacutem o Luz Para Todos visava melhorar
a produccedilatildeo e foi o que muitos assentados compraram
maacutequinas de ralar mandioca bomba da aacutegua para fazer
irrigaccedilatildeo ordenhadeira (maacutequina de tirar leite de vaca)
triturador de raccedilatildeo a proacutepria geladeira e o freezer pois
possibilita armazenar os alimentos confeccionados pelos
agricultores como eacute o caso do queijo linguiccedila polpas de
frutas e tantos outros produtos que estatildeo sendo vendidos na
feira nos mercados e em outros lugares Outro setor que tem
ganhado bastante com a implantaccedilatildeo do Programa Luz Para
Todos eacute aacuterea do comeacutercio e da manutenccedilatildeoconserto de
eletrodomeacutestico (ENTREVISTA com Gilmar agricultor
familiar e secretaacuterio de agricultura do municiacutepio de Vila Rica
realizada pela autora em marccedilo de 2015)
Em conformidade com o relato a implementaccedilatildeo do Programa Luz Para
Todos nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT possui um significado muito aleacutem da
entrada dos agricultores familiares nesse novo modelo de produccedilatildeo social e cultural
facilitando a inclusatildeo desses sujeitos histoacutericos na sociedade da Informaccedilatildeo e da
Comunicaccedilatildeo proporcionada pelos recursos midiaacuteticos
Os efeitos da eletricidade nesses assentamentos refletiu diretamente no
aumento da produtividade na Agricultura Familiar o que poderaacute ser mais um fator de
melhoria da renda das famiacutelias assentadas e ao mesmo tempo possibilitaraacute o
aquecimento da economia local
Ressaltamos ainda que a energia eleacutetrica advinda do Programa Luz Para
Todos produz efeitos positivos para a Educaccedilatildeo do campo possibilitando a ampliaccedilatildeo
dos tempos e modos de organizaccedilatildeo pedagoacutegica das escolas que passaram a ofertar
aulas no periacuteodo noturno sem falar nos artifiacutecios do ensino e da aprendizagem uma vez
fortalecido com a inserccedilatildeo das tecnologias da Informaccedilatildeo e Comunicaccedilatildeo Conforme
relata um dos assentados entrevistado
158
Depois que instalou energia melhorou ateacute pra escola pois
agora os filhos dos assentados estatildeo tendo uma educaccedilatildeo
melhor ateacute o ambiente melhorou pois tem ventilador algumas
escolas tecircm ar condicionado Todas tecircm geladeira freezer
bebedor com aacutegua gelada Assim agora podem ateacute as pessoas
mais velhas que soacute podem estudar no periacuteodo da noite teratildeo
oportunidade de ir pra escola O que eacute complicado em relaccedilatildeo
agrave energia no campo eacute que se a gente natildeo souber controlar o uso
da energia potencializar eletricidade para melhorar a
produtividade e a renda das famiacutelias assentadas chegaraacute o
final do mecircs teratildeo o prejuiacutezo conta de energia para pagar Tem
assentado que possui dificuldade para pagar a conta de energia
todo mecircs Mas por outro lado os assentados que deixavam de
vender seus produtos porque eram pouquinhos ajuda agora
porque com a geladeira o freezer vai fazendo e guardando
hoje congela uma linguiccedila um queijo guardam um doce ovos
E depois traacutes junta tudo e traacutes para vender na cidade No caso
ajudou porque eu mexo com polpas de frutas a minha maior
fonte de renda eacute essa Entatildeo eu vou juntando do meu siacutetio e
compro de outros assentados (ENTREVISTA com Ivanir Galo
assentado e presidente do STR de Vila Rica- MT realizada pela
autora em marccedilo de 2015)
O relato acima chama atenccedilatildeo para o papel que a eletricidade assumiu no
desenvolvimento da economia dos assentamentos rurais de Vila Rica uma vez que ela
possibilitou tambeacutem o armazenamento e conservaccedilatildeo dos produtos de ldquofabricaccedilatildeo
caseirardquo Desse modo o entrevistado reconheceu que alguns assentados encontravam
dificuldade para quitar a conta de energia mas o destaque dado na narrativa eacute para as
possibilidades de ampliaccedilatildeo da renda dos agricultores familiares a partir do uso dos
equipamentos tecnoloacutegicos
462 Arco Verde e a questatildeo ambiental
Em conformidade as anaacutelises apontadas no Capiacutetulo III a questatildeo ambiental
constituiu e constitui ainda um dos gargalos vivenciados nos assentamentos rurais do
municiacutepio de Vila Rica-MT visto o alto iacutendice de degradaccedilatildeo das aacutereas de pastagens
nascentes e vegetaccedilatildeo nativa
Essa situaccedilatildeo eacute causada por diversos fatores No entanto a poliacutetica de incentivo
agrave pecuaacuteria bovina por sua vez tem gerado certa sonolecircncia nas praacuteticas de degradaccedilatildeo
ambiental embora em muitos casos tenha inviabilizado a sustentabilidade da
159
produccedilatildeo deixando o caminho livre ao esvaziamento venda e arrendamento dos lotes
para a produccedilatildeo de soja
Por outro lado as atividades ligadas agrave extraccedilatildeo madeireira pouco contribuiacuteram
para o desenvolvimento econocircmico do municiacutepio Nesse quadro os assentamentos
rurais foram os lugares onde mais foram praticados desmatamentos
Tal situaccedilatildeo nos assentamentos rurais eacute relatada pelo Secretaacuterio Municipal
de Vila Rica-MT o qual afirma terem eles provocado seacuterios problemas ao ponto de
demandar uma accedilatildeo de intervenccedilatildeo por parte Poder Puacuteblico atraveacutes de uma integraccedilatildeo
entre oacutergatildeos dos Governos Federal Estadual e Municipal que se viram obrigados a
tomar medidas de puniccedilatildeo entre outras
[] Os municiacutepios que foram enquadrados na eacutepoca na
verdade eles entraram no Arco de Fogo Os municiacutepios que
mais desmatavam na microrregiatildeo norte Araguaia eram Vila
Rica-MT Querecircncia e Satildeo Feacutelix esses municiacutepios tiveram ser
punidos (pelo Governo Federal) deixando de receber recursos
que eram liberados antes como eacute o caso do Pronaf e outros
recursos foram bloqueados entatildeo houve um bloqueio de
recurso pra esses municiacutepios soacute que aiacute em vez de resolver o
problema veio trazer mais problema porque gerou um caos
sem os recursos como que os assentados iam trabalhar para
produzir o sustento das suas famiacutelias [] aiacute foi criado um
Programa chamado Arco Verde que era para trabalhar mais a
questatildeo de recuperar parte dos prejuiacutezos causados a natureza
onde cada municiacutepio assumiu uma agenda de compromisso
juntamente com os trecircs entes federal estadual e municipal
todos os segmentos assumiram a sua responsabilidade e o
municiacutepio (ENTREVISTA com Gilmar agricultor familiar e
secretaacuterio municipal de agricultura de Vila Rica-MT realizada
pela autora em marccedilo de 2015)
Segundo informaccedilotildees disponibilizadas pelo Secretaacuterio Municipal de
Agricultura e pelo presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT-
MT vaacuterios municiacutepios do estado de Mato Grosso foram convocados para desenvolver
accedilotildees com o objetivo de combater o alto iacutendice de queimada e desmatamento atraveacutes
do Programa do Governo Federal Arco de Foco No caso do Araguaia os municiacutepios
que foram enquadrados na eacutepoca foram Vila Rica-MT Querecircncia e Satildeo Feacutelix do
Araguaia Esses municiacutepios tiveram suspensos alguns dos recursos do Governo Federal
os quais foram bloqueados entre outras linhas de creacutedito do Pronaf - Programa de
Apoio agrave Agricultura Familiar
160
O secretaacuterio municipal de agricultura do municiacutepio de Vila Rica-MT alertou
em seu relato para a questatildeo das queimadas e do compromisso de desmatamento zero
assumido pelo municiacutepio
[] e o municiacutepio de Vila Rica-MT assumiu a responsabilidade
de desmatamento zero poreacutem dentro dos assentamentos eacute
loacutegico diminuiu 95 mas agente enfrentou e ainda enfrenta
alguns problemas com desmatamento dentro dos
assentamentos mas aiacute jaacute natildeo eacute falta de informaccedilatildeo porque
informaccedilatildeo sempre tem o problema eacute que alguns produtores
acham que por ser uma aacuterea do governo federal ele natildeo seraacute
penalizado punido e multado por ser assentado e por isso
teimam Mas com a questatildeo do CAR e do Geo que o tiacutetulo seraacute
perante o laudo todos teratildeo que recuperar soacute que com esse
novo Coacutedigo Florestal ele amenizou isso bastante os
produtores que tecircm ateacute quatro moacutedulos fiscais satildeo a maioria
aqui na Vila Rica-MT os que tecircm a propriedade muito pequena
natildeo precisam de reservas legais desde que aacuterea jaacute esteja
consolidada jaacute aberta e tudo mais ateacute Julho de 2008 entatildeo
daiacute pra frente quem desmatou vai ser descoberto atraveacutes de
uma imagem sateacutelite eles seraacute identificado entatildeo eacute assim eles
natildeo foram penalizados ainda mas seratildeo (ENTREVISTA com
Gilmar agricultor familiar e secretaacuterio municipal de agricultura
de Vila Rica-MT realizada pela autora em marccedilo de 2015)
Diante do bloqueio dos recursos o Poder Puacuteblico sobretudo o municipal
bem como o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT tiveram que
desenvolver accedilotildees que mobilizassem os assentados para que atuassem no sentido de
erradicar as derrubadas e queimadas em Vila Rica-MT
Como o Programa Arco de Fogo natildeo obteve ecircxito foi criado outro programa
denominado Arco Verde o qual visava a intensificaccedilatildeo dos trabalhos voltados mais
para a questatildeo da recuperaccedilatildeo de parte dos prejuiacutezos causados agrave natureza Cada
municiacutepio assumiu uma agenda de compromisso responsabilizando-se juntamente com
o ente federal e estadual onde iriam atuar para erradicar as praacuteticas de queimadas nas
aacutereas de assentamentos rurais
463 Programa Balde Cheio
Quando o Programa denominado como ldquoBalde Cheiordquo foi implantado em
Mato Grosso houve a alegaccedilatildeo de que ele gerara resultados positivos em 12 Estados do
161
Brasil Este programa resultou de pesquisas desenvolvidas pela Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuaacuteria Embrapa
Em Mato Grosso o projeto foi integrado ao Programa Estadual da Cadeia do
Leite considerando que o objetivo do Estado era aumentar a produccedilatildeo de leite nas aacutereas
de assentamentos rurais
[] Mato Grosso possui 150 mil pequenos proprietaacuterios a
maioria dedicando-se ao leite A meta eacute aumentar a produccedilatildeo
mato-grossense dos atuais 16 milhatildeo de litros diaacuterios para
cinco milhotildees de litros por dia Fernando Lamas ressalta que
esse aumento seraacute alcanccedilado por meio do aumento de
produtividade ldquosem expansatildeo de aacutereas e sem derrubar uma soacute
aacutervorerdquo
[] O trabalho das duas unidades da Embrapa contaraacute com a
parceria do Ministeacuterio da Agricultura Pecuaacuteria e
Abastecimento (Mapa) e do Governo de Mato Grosso que
arcaratildeo com a maior parte dos custos [] (EMBRAPA 2015
p 1)31
Segundo informaccedilotildees disponibilizadas no portal da Secretaria de Estado de
Agricultura de Mato Grosso participaram do processo de execuccedilatildeo do Programa a
Empresa Mato-Grossense de Pesquisa Assistecircncia e Extensatildeo Rural ndash Empaer o
Instituto de Defesa Agropecuaacuteria - Indea as prefeituras e as empresas em sistema de
cooperativa dos municiacutepios que aderiram ao Projeto Balde Cheio
Esse conjunto de teacutecnicas eacute complementado com o uso de
planilhas de controle zooteacutecnico e econocircmico a utilizaccedilatildeo de
um quadro dinacircmico de controle reprodutivo de higiene e de
qualidade do leite a identificaccedilatildeo dos animais a melhoria no
padratildeo geneacutetico do rebanho a anotaccedilatildeo de dados climaacuteticos
(chuva e temperatura maacutexima e miacutenima) e a aplicaccedilatildeo de
praacuteticas associativistas Aleacutem disso o uso de instrumentos de
controle gerencial tais como planilhas de controle e de anaacutelise
de custo de produccedilatildeo e de controle zooteacutecnico tem
possibilitado tornar rentaacutevel a atividade leiteira nas pequenas
propriedades familiares e consequentemente transformaacute-las em
atividade fixadora do homem no campo (EMBRAPA 2015 p
1)
Conforme Borges Guedes Ceacutezareb e Assis (2015 p 1) o Projeto Balde
Cheio serviria como motivaccedilatildeo para os agricultores familiares aumentar a produccedilatildeo de
leite nos assentamentos jaacute que a tecnologia embutida no projeto articulava as teacutecnicas
31 Disponiacutevel em lthttptererecpaoembrapabrportalnoticiasvisualizaphpid=307gt Acesso em
15042015
162
de produccedilatildeo extensivas com a conservaccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da fertilidade do solo a partir
do uso de fertilizantes orgacircnicos e manejo intensivo de pastagens tropicais adubadas
Durante a temporada da seca (veratildeo) as aacutereas de passagens satildeo melhoradas
atraveacutes de irrigaccedilatildeo manejo rotacional e do uso de cana-de-accediluacutecar integrada com ureacuteia
assim como a realizaccedilatildeo de exames de tuberculose no gado
No caso de Vila Rica-MT o Projeto Balde Cheio foi implantado pela a
Secretaria Municipal de Agricultura em parceria com o INCRA a Empaer e de outras
entidades como o Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Rural Senar Serviccedilo Brasileiro
de Apoio agrave Micro e Pequena Empresa (Sebrae) e Serviccedilo Nacional de Aprendizagem
Industrial (Senai) O Senar o Sebrae e o Senai que atuaram ministrando cursos no
processo de formaccedilatildeo dos assentados
Segundo o diagnoacutestico produzido pela a Empaer (2009 p 60)
[] na produccedilatildeo houve uma grade melhoria no gado leiteiro
quantidade e qualidade do leite assim se tornou o ponto forte
do assentamento fazendo a entrega no resfriador dentro do
assentamento que eacute vendido para o uacutenico laticiacutenio do
municiacutepio Essa produccedilatildeo cresceu graccedilas ao efeito do Projeto
Balde Cheio
Os dados do diagnoacutestico revelaram um melhoramento da produtividade e na
qualidade do leite produzido
464 Os Programas de Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional e Teacutecnica do
assentado
Pensar sobre o papel das poliacuteticas puacuteblicas nos assentamentos rurais nos
remete para uma reflexatildeo a respeito do papel da Educaccedilatildeo do Campo uma vez que na
luta pela terra requer tambeacutem a necessidade da escola Natildeo basta apenas que os
agricultores familiares tenham conquistado a terra para morar e produzir Faz-se
indispensaacutevel ter uma escola para que os seus filhos possam estudar sem precisar sair
do campo
Por estar inserida na pauta de lutas dos movimentos sociais que demandam a
Reforma Agraacuteria a Educaccedilatildeo do Campo no Brasil vem cada vez mais ganhando
consistecircncia e visibilidade na agenda das autoridades poliacuteticas acadecircmicas e nos
diversos segmentos do sistema educacional constituindo-se importante enquanto
poliacutetica puacuteblica para fortalecer os assentamentos rurais
163
Segundo Casali (2004) as discussotildees em torno da Educaccedilatildeo do Campo tecircm
sido direcionadas aos problemas de infraestrutura como construccedilatildeo de escolas
transporte escolar formaccedilatildeo de professores entre outras questotildees que tecircm provocado
um intenso debate entre os gestores puacuteblicos e os movimentos sociais vinculados aos
modos de vida no campo
O autor supramencionado afirma que para os movimentos sociais a estrutura
fiacutesica natildeo eacute o uacutenico problema da escola do campo A questatildeo eacute mais complexa quando
levados em consideraccedilatildeo os aspectos poliacuteticos e culturais do ensino e da aprendizagem
escolar bem como as especificidades de vida e os modos de organizaccedilatildeo social e
educacional para a populaccedilatildeo do campo
A primeira Conferecircncia Nacional intitulada ldquoPor Uma Educaccedilatildeo Baacutesica do
Campordquo realizada no periacuteodo de 27 a 31 de julho de 1998 na cidade de Luziacircnia
estado de Goiaacutes foi um marco importante para as lutas sociais do campo sendo que a
partir dela constituiacuteram-se alguns princiacutepios baacutesicos que fundamentaram a luta por
escolas do campo Segundo Caldart (2003 p 60)32
satildeo trecircs princiacutepios
[] 1 O campo no Brasil estaacute em movimento Haacute tensotildees lutas
sociais organizaccedilotildees e movimentos de trabalhadores e
trabalhadoras da terra que estatildeo mudando o jeito da sociedade
olhar para o campo e seus sujeitos
2 A Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo estaacute sendo produzida neste
movimento nesta dinacircmica social que eacute tambeacutem um
movimento sociocultural de humanizaccedilatildeo das pessoas que dele
participam
3 Existe uma nova praacutetica de Escola que estaacute sendo gestada
neste movimento Nossa sensibilidade de educadores jaacute nos
permitiu perceber que existe algo diferente e que pode ser uma
alternativa em nosso horizonte de trabalhador da educaccedilatildeo de
ser humano
Assim agrave luz dessa concepccedilatildeo pode-se dizer que a emergecircncia assinalada para
a complexidade da Educaccedilatildeo Campo perpassa pela construccedilatildeo de um projeto poliacutetico-
pedagoacutegico que contemple as matrizes culturais sociais e histoacutericas das populaccedilotildees do
campo
Nessa mesma perspectiva compreendemos a dimensatildeo do papel e significado
que os agricultores familiares atribuem agrave Educaccedilatildeo do Campo para o fortalecimento dos
32 Disponiacutevel em lthttpwwwiaufrrjbrppgeaconteudoconteudo-2009-1Educacao-
II3SFA_ESCOLA_DO_CAMPO_EM_MOVIMENTOpdf gt Acesso em 10052015
164
assentamentos rurais de Vila Rica-MT o que pode ser ilustrado a partir da trajetoacuteria de
vida do senhor Ademar que eacute filho de um dos primeiros colonos que migraram para
Vila Rica-MT na deacutecada de 1980 em busca de melhores condiccedilotildees hoje professor
efetivo pela Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo de Vila Rica-MT
[] Olha eacute muito incriacutevel Eu nasci na roccedila estudei na roccedila
me formei morando na roccedila (porque eu jaacute sou formado como
pedagogo) Estudei Pedagogia em moacutedulo nunca precisei
mudar da roccedila e nem tive vontade tipo assim pra ir para uma
faculdade estudar de tempo integral na cidade porque o meu
projeto de vida foi sempre morar na roccedila Hoje faccedilo poacutes-
graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo do Campo E desde quando comecei
na escolinha multisseriada eu jaacute lutava por educaccedilatildeo na roccedila
Fiz parte da nucleaccedilatildeo do processo de nucleaccedilatildeo de escola no
Aracati na eacutepoca Ajudei alavancar a discussatildeo e a criaccedilatildeo
das turmas de 5ordf seacuterie na zona rural de Vila Rica-MT porque a
gente natildeo tinha oferta pois atendiacuteamos ateacute a quarta seacuterie e
como percebemos que chegavam muitos alunos em niacutevel de
estudar a 5ordf e a 6 ordf seacuterie (ENTREVISTA com Ademar
professor e agricultor familiar do assentamento Satildeo Joseacute Vila
Rica-MT 2015 realizada pela autora em setembro de 2015)
Talvez diferentemente de outros relatos de professores das escolas do
campo Ademar nos revela uma trajetoacuteria de vida marcada pelo ideal de estudar e de se
formar sem precisar sair do campo Ele faz do ideal de vida a constante luta pela
permanecircncia no campo luta por escola e pela ampliaccedilatildeo dos estudos de outros
assentados
Ele nos leva a uma reflexatildeo sobre a Educaccedilatildeo do Campo constituiacuteda a
partir da leitura do refratildeo da muacutesica do cantor e compositor Gilvan ldquoNatildeo Vou Sair do
Campordquo a qual se parece como uma bandeira de luta do Movimento Nacional por uma
Educaccedilatildeo do Campo como ldquo[] natildeo vou sair do campo pra poder ir para a escola
Educaccedilatildeo do Campo eacute direito e natildeo esmolardquo
Ao relembrar a sua trajetoacuteria como professor Ademar nos mostra que a
concepccedilatildeo e a funccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo satildeo construccedilotildees socioculturais Quando
faz uma reavaliaccedilatildeo das accedilotildees dos professores pais alunos e gestores na conduccedilatildeo das
poliacuteticas puacuteblicas ele reconhece que o processo de nucleaccedilatildeo das ldquoescolinhasrdquo pouco
contribuiu para a melhoria da educaccedilatildeo no municiacutepio e tampouco para fortalecer os
assentamentos rurais de Vila Rica-MT Nesse sentido prossegue
165
A partir daiacute comeccedilou em todo o municiacutepio exemplo Cachangaacute
e nos assentamentos Soacute que a partir daiacute a gente comeccedilou a
observar os efeitos da nucleaccedilatildeo Vimos que depois que fecha a
escolinha que fica perto das propriedades ou seja aquela
comunidade fica entristecida e desaminada para continuar
morando no assentamento Aos poucos vai se acabando o
viacutenculo de comunidade e eacute assim que comeccedila o ecircxodo rural
Aqui em Vila Rica-MT a gente sentiu isso a partir da hora que
fechou as escolinhas foi como se saiacutessemos acabando as
comunidades e se comunidade acaba o povo do assentamento
vai se distanciando uns dos outros Pela situaccedilatildeo que vivemos
tenho observado que a escola eacute o espaccedilo de encontro da
comunidade natildeo eacute soacute o espaccedilo de ensinar e aprender os
conteuacutedos escolares a funccedilatildeo eacute para aleacutem disso Voltando agrave
questatildeo da nucleaccedilatildeo lembro que quando sai do assentamento
a escola de laacute tinha uns 150 alunos o Aracati fechou a sua
uacutenica escola e com o tempo possa ser que suma a comunidade
de laacute tambeacutem jaacute que hoje tecircm tatildeo poucas famiacutelias de fato
morando laacute em vista do que era antes Jaacute pensou como
imaginar um assentamento sem uma escola (ENTREVISTA
com Ademar professor e agricultor familiar do assentamento
Satildeo Joseacute Vila Rica-MT 2015 realizada pela autora em
setembro de 2015)
Com base no relato do professor Ademar eacute possiacutevel identificar de maneira
viva como a escola eacute importante para o assentamento rural uma vez que ela tambeacutem se
constitui enquanto espaccedilo de encontro dos agricultores familiares ocasiatildeo em que
dialogam compartilham se organizam e praticam a socializaccedilatildeo de forma mais intensa
Logo quando o professor fala que ldquonatildeo eacute soacute o espaccedilo de ensinar e aprenderrdquo
percebemos as muacuteltiplas funccedilotildees desse espaccedilo chamado Escola do Campo
Diante disso o fechamento de uma escola dentro do assentamento rural tem
significados negativos uma vez que envolve a privaccedilatildeo de oportunidades e qualidade de
vida dos alunos e pais que dependem do transporte escolar para se deslocarem para uma
escola distante Aleacutem disso significa o fechamento de um posto de trabalho do
professor que seraacute igualmente removido Significa ainda desmotivaccedilatildeo para a
comunidade do assentamento rural ao ver perdido um espaccedilo de socializaccedilatildeo e uma
instituiccedilatildeo que representa oportunidade de melhoria de vida para seus moradores
No Brasil historicamente as nucleaccedilotildees das escolinhas satildeo realizadas pelos
gestores da educaccedilatildeo sem levar em conta os interesses e ideais dos pais e dos alunos
sob o discurso que vai melhorar a qualidade do ensino eliminando as turmas muacuteltiplas
(seacuteries fases anos e ciclo)
166
Essa situaccedilatildeo mostra a perda do sentimento de pertencimento entre a escola e
a comunidade distanciando os pais das accedilotildees escolares sem falar da falta de motivaccedilatildeo
por parte dos alunos para com os estudos jaacute que a escola distante das casas aumenta o
percurso para os estudantes
Do relato do professor Ademar destacamos que os sujeitos histoacutericos do
campo exercem um papel importante na conduccedilatildeo das Poliacuteticas Puacuteblicas voltadas agraves
necessidade das populaccedilotildees dos assentamentos rurais A luta eacute permanente pela
universalizaccedilatildeo da educaccedilatildeo como argumenta o mesmo entrevistado
Eu defendo que a escola que serve para os Agricultores
Familiares eacute aquela que fica dentro do assentamento Acredito
que um projeto de assentamento forte eacute aquele que tem uma
escola pensada e construiacuteda em conjunto com aquele povo que
vive ali Agraves vezes fico bastante incomodado com a conduccedilatildeo
que se tem dado para a Educaccedilatildeo do Campo Eacute como se as
poliacuteticas natildeo estivessem sendo executadas no sentido de
melhorar o ensino e a formaccedilatildeo dos jovens no campo Penso
que a gente precisa se preocupar mais com o futuro dos jovens
que vivem nos assentamento A escola e noacutes professores
precisamos trabalhar essas questotildees de forma que surta um
efeito positivo no sentido de motivar os jovens a continuar
morando nos assentamentos Para isso precisamos avanccedilar em
algumas poliacuteticas Vejo que deveremos ser mais incisivos para
que o Estado faccedila a oferta do Meacutedio Teacutecnico integrado e que
essa oferta seja a partir de um curriacuteculo voltado para as
necessidade e particularidades das pessoas que dependem dos
assentamentos rurais como meio de sobrevivecircncia e geraccedilatildeo de
renda (ENTREVISTA com Ademar professor e agricultor
familiar do assentamento Satildeo Joseacute Vila Rica-MT 2015
realizada pela autora em setembro de 2015)
O relato do professor Ademar tambeacutem chama atenccedilatildeo pelo desabafo quanto agrave
forma como estaacute sendo realizada a Educaccedilatildeo do Campo em Vila Rica-MT ldquo[] eacute como
se as poliacuteticas natildeo estivessem sendo executadas no sentido de melhorar o ensino e a
formaccedilatildeo dos jovens no campo Penso que a gente precisa se preocupar mais com o
futuro dos jovens que vivem nos assentamentos []rdquo (ENTREVISTA com Ademar
professor e agricultor familiar do assentamento Satildeo Joseacute Vila Rica-MT 2015 realizada
pela autora em setembro de 2015)
A educaccedilatildeo por si soacute natildeo assegura a permanecircncia dos agricultores familiares
na terra poreacutem quando integrada ao projeto de desenvolvimento do assentamento
tornaraacute o seu fortalecimento possiacutevel
167
Os projetos pedagoacutegicos das escolas do campo devem contemplar as matrizes
culturais do homem do campo considerando a construccedilatildeo a partir da memoacuteria coletiva e
da histoacuterica da comunidade dada por meio da oralidade buscando assim reconstruir e
conservar a cultura da populaccedilatildeo que vive no campo de forma a fazer uma educaccedilatildeo em
prol da cidadania O relato de Ademar traz ainda os princiacutepios que o curriacuteculo da escola
do campo deveria seguir
O curriacuteculo deve contemplar questotildees como agroecologia a
pecuaacuteria de leite a produccedilatildeo orgacircnica Precisamos formar
uma nova consciecircncia entre os jovens visando que estes
passem a enxergar o potencial da Agricultura Familiar Eu sei
disso e penso que vocecirc tambeacutem ateacute porque existem pesquisas
que jaacute comprovaram isso que eu estou lhe falando Eacute o campo
quem sustenta a cidade e natildeo o contraacuterio Se houver falta de
produccedilatildeo nos assentamentos rurais aqui em Vila Rica-MT logo
a cidade sofreraacute um impacto imediatamente As poliacuteticas
puacuteblicas existentes para a populaccedilatildeo rural devem ser de fato
destinadas agrave melhoria das condiccedilotildees de vida eacute para promover
qualidade de vida das pessoas que estatildeo no campo
(ENTREVISTA com Ademar professor e agricultor familiar do
assentamento Satildeo Joseacute Vila Rica-MT 2015 realizada pela
autora em setembro de 2015)
Nessa perspectiva educativa apresentada pelo professor Ademar afirmamos
que eacute um dos principais desafios para a Educaccedilatildeo do Campo consolidar concepccedilotildees e
praacuteticas nos curriacuteculos que integrem as matrizes culturais das populaccedilotildees do campo
O desafio natildeo estaacute restrito apenas agrave parte obrigatoacuteria da Educaccedilatildeo Baacutesica
mas tambeacutem as etapas do Ensino Meacutedio assim como Superior
465 Programa Nacional de Sauacutede no Campo
No Brasil os Programas de Sauacutede Puacuteblica direcionados para a populaccedilatildeo
rural satildeo decorrentes das reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais do campo No entanto
quando se debruccedila sobre a literatura nos deparamos com a escassez de pesquisas
voltadas para essa questatildeo sobretudo no que se refere agrave sauacutede nos assentamentos rurais
O foco da pesquisa natildeo eacute a poliacutetica puacuteblica de sauacutede em si mas os efeitos
dela na melhoria da qualidade de vida dos agricultores familiares A Sauacutede Puacuteblica eacute um
dos componentes da bandeira de luta dos movimentos sociais do campo assegurando
que a mesma seja constituiacuteda a partir das especificidades que envolvem os modos e
168
concepccedilotildees do povo do campo A poliacutetica de sauacutede deve levar em consideraccedilatildeo os
saberes tradicionais destes sujeitos histoacutericos Este eacute o caso dos que recorrem
constantemente ao uso de plantas medicinais no tratamento de doenccedilas
A partir da Portaria de nordm 2866 de dezembro de 2011 o Ministeacuterio da Sauacutede
(MS) teve como principal funccedilatildeo estabelecer paracircmetros de funcionamento e regulaccedilatildeo
dos serviccedilos de sauacutede para a populaccedilatildeo do campo partindo dos princiacutepios do Sistema
Uacutenico de Sauacutede (SUS) A Poliacutetica Nacional de Sauacutede Integral das Populaccedilotildees do
Campo e da Floresta (PNSIPCF) define que
[] O MINISTRO DE ESTADO DA SAUacuteDE no uso da
atribuiccedilatildeo que lhe confere o inciso II do paraacutegrafo uacutenico do art
87 da Constituiccedilatildeo considerando os princiacutepios do Sistema
Uacutenico de Sauacutede (SUS) especialmente a equidade a
integralidade e a transversalidade e o dever de atendimento das
necessidades e demandas em sauacutede das populaccedilotildees do campo e
da floresta Considerando o Decreto nordm 7508 de 28 de junho de
2011 que regulamenta a Lei nordm 8080 de 19de setembro de
1990 e dispotildee sobre a organizaccedilatildeo do SUS o planejamento da
sauacutede a assistecircncia agrave sauacutede e a articulaccedilatildeo Interfederativa
especialmente o disposto no art 13 que assegura ao usuaacuterio o
acesso universal igualitaacuterio e ordenado agraves accedilotildees e serviccedilos de
sauacutede do SUS Considerando a Portaria GMMS nordm 2460 de 12
de dezembro de 2005 que instituiu o Grupo da Terra no
Ministeacuterio da Sauacutede com o objetivo de elaborar a Poliacutetica
Nacional de Sauacutede Integral das Populaccedilotildees do Campo e da
Floresta aprovada pelo Conselho Nacional de Sauacutede em 1ordm de
agosto de 2008 Considerando a diretriz do Governo Federal de
reduzir as iniquidades por meio da execuccedilatildeo de poliacuteticas de
inclusatildeo social (MS 2013 p 19)
Nos trechos do texto-base da Poliacutetica Nacional de Sauacutede Integral das
Populaccedilotildees do Campo e da Floresta proposto pelo Ministeacuterio da Sauacutede (2013 p 20)
seu principal objetivo eacute o de promover a sauacutede das populaccedilotildees do campo e da floresta a
partir de accedilotildees que partilhem as particularidades no que se refere a gecircnero cor etnia e
orientaccedilatildeo sexual de forma que facilite o acesso aos serviccedilos de sauacutede E com isso
espera-se que seja diminuiacutedo o iacutendice de ldquo[] riscos e agravos agrave sauacutede decorrente dos
processos de trabalho e das tecnologias agriacutecolas e a melhoria dos indicadores e da
qualidade de vidardquo (BRASIL 2013)
O Ministeacuterio da Sauacutede (2013 p 20) definiu os agricultores familiares
enquanto categoria social como uma populaccedilatildeo que vive no campo e se organiza a
partir dos seguintes princiacutepios
169
[] - (a) natildeo deter a qualquer tiacutetulo aacuterea maior do que 4
(quatro) moacutedulos fiscais b) utilizar predominantemente matildeo-
de-obra da proacutepria famiacutelia nas atividades econocircmicas do seu
estabelecimento ou empreendimento c) ter renda familiar
predominantemente originada de atividades econocircmicas
vinculadas ao proacuteprio estabelecimento ou empreendimento)
dirigir seu estabelecimento ou empreendimento com sua
famiacutelia sendo que incluem-se nesta categoria silvicultores
aquicultores extrativistas e pescadores que preencham os
requisitos previstos nos itens b c e d deste inciso
Nota-se que esse Ministeacuterio recorreu agrave definiccedilatildeo de agricultores familiares
instituiacuteda nas diretrizes nacionais do Pronaf em que essa categoria eacute constituiacuteda a partir
de criteacuterios econocircmicos e da dinacircmica de relaccedilotildees de trabalho e do modo de produccedilatildeo
466 Habitaccedilatildeo
Segundo o Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio (2015) o Programa
Nacional de Habitaccedilatildeo Rural (PNHR) consiste em auxiliar os Agricultores Familiares e
trabalhadores rurais na construccedilatildeo de suas casas Inserido dentro do Programa Nacional
de Habitaccedilatildeo (Minha Casa Minha Vida) eacute financiado pelo Orccedilamento Geral da Uniatildeo ndash
OGU As suas accedilotildees devem ser planejadas e executadas As diretrizes e subsiacutedios dos
demais programas do Governo Federal satildeo destinados ao combate agrave pobreza rural
Sobretudo o Programa Cisternas que tem como objetivo a construccedilatildeo de cisternas nas
propriedades rurais as quais satildeo utilizadas para a captaccedilatildeo e armazenamento de aacutegua
oriunda das chuvas
O recurso do PNHR tem como principal finalidade a ldquo[] aquisiccedilatildeo de
Material de construccedilatildeo conclusatildeo ou reformaampliaccedilatildeo de Unidade Habitacional rural
e de cisternas para a captaccedilatildeo e armazenamento da aacutegua da chuva []rdquo (BRASIL 2010
p05) em que o alvo satildeo as regiotildees onde as chuvas ocorrem com certa irregularidade e
as secas satildeo recorrentes
Em nota divulgada pela Confederaccedilatildeo Nacional dos trabalhadores na
Agricultura ndash CONTAG e outros movimentos sociais como o Movimento dos
Pequenos Agricultores ndash MPA Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra ndash
MST Movimento dos Atingidos por Barragens ndash MAB Movimento Camponecircs Popular
ndash MCP Federaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar
170
do Brasil ndash Fetraf ndash (BRASIL 2015 p 1)33
asseguram que o Programa Nacional de
Habitaccedilatildeo Rural criado em 2009 eacute resultado da luta dos movimentos do campo em
que o propoacutesito da nota eacute afirmar que
A preservaccedilatildeo deste Programa passa pelo diaacutelogo estabelecido
no interior do GT Rural com todos os sujeitos envolvidos
Governo Agentes Financeiros e Entidades Organizadoras dos
movimentos representativos do campo e eacute confiando nesse
diaacutelogo que repudiamos o que foi evidenciado pelo INCRA na
uacuteltima reuniatildeo do GT Rural no dia 28 de novembro onde foi
explicitada a intenccedilatildeo de repassar (a partir de janeiro de 2014)
mediante Chamada Puacuteblica a possibilidade de entidades
puacuteblicas e privadas executarem o PNHRA maior parte das
casas de alvenaria foi feita com recursos financiados pelo
INCRA atraveacutes do creacutedito habitaccedilatildeo liberado O recurso
liberado do creacutedito habitaccedilatildeo natildeo foi suficiente para realizar a
construccedilatildeo das casas por completo e com acabamento
necessaacuterio Desta forma algumas casas ficaram inacabadas
necessitando de reboco pintura piso e sanitaacuterio
Para os movimentos do campo eacute necessaacuterio que a equipe de Governo as
Agecircncias de Financiamentos e as entidades de representaccedilatildeo dos Movimentos sociais
mantenham um diaacutelogo permanente entre as partes envolvidas no processo para que se
tenha um resultado satisfatoacuterio na execuccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas para os sujeitos
sociais do campo
Justamente por isso existe uma tentativa de evitar que a construccedilatildeo das casas
destinadas agrave populaccedilatildeo do campo seja bdquoprivatizada‟ ou seja concentrada nas matildeos de
uma soacute entidade seja ela puacuteblica ou privada o que tem se mostrado ldquototalmente
repudiadordquo como possibilidade
Apesar disso eacute notaacutevel o quanto essas poliacuteticas puacuteblicas produziram novos
impactos influenciando diretamente no desenvolvimento dos assentamentos rurais de
Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati fornecendo-lhes melhores condiccedilotildees de vida no
que se refere ao acesso agrave sauacutede educaccedilatildeo moradia e infraestrutura
Todavia percebemos que natildeo haacute uma articulaccedilatildeo entre a organizaccedilatildeo e a
construccedilatildeo de um planejamento estrateacutegico baacutesico para implementar poliacuteticas puacuteblicas
33 Disponiacutevel em
lthttpwwwfetraforgbrsistemackfilesPauta20unitaria20HABITACAO20RURALgt
Acesso em 28102015
171
que pudessem ser implementadas em uma accedilatildeo integrada e envolvendo os diferentes
agentes sociais e assim resolver as supostas fragilidades
Natildeo apreendemos indicativos na reflexatildeo dessas poliacuteticas que conduzem para
a melhoria das condiccedilotildees de produccedilatildeo e possibilidades de comercializaccedilatildeo e circulaccedilatildeo
dos produtos da Agricultura Familiar apontados no capiacutetulo trecircs como um dos
principais desafios dos assentamentos rurais pesquisados
Contudo natildeo se pode perder de vista que satildeo as dificuldades vivenciadas
nesses assentamentos que fazem com que os assentados recorram cada vez mais agrave venda
da forccedila de trabalho nas fazendas ou nos demais setores primaacuterios distanciando-se da
condiccedilatildeo de produtores da Agricultura Familiar e tornando-se compradores de produtos
baacutesicos da alimentaccedilatildeo como arroz feijatildeo mandioca e carnes de aves e porcos
172
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Os estudos e as poliacuteticas relacionadas agrave Agricultura Familiar no Brasil
segundo Abramovay (2006) devem levar em consideraccedilatildeo que esta eacute constituiacuteda a
partir de trecircs niacuteveis distintos em primeiro lugar eacute necessaacuterio fazer um levantamento das
produccedilotildees cientiacuteficas e pesquisas que envolvem a ldquoexpectativa intelectualrdquo os quais natildeo
podem perder de vista a existecircncia de uma grande diversidade nas formas de produccedilatildeo
da Agricultura Familiar brasileira Haacute uma demanda de questotildees a serem analisadas e
um mapeamento a ser elaborado frente agrave vasta literatura e pesquisas realizadas sobre a
diversidade do universo da Agricultura Familiar considerando as diferentes
experiecircncias dos sujeitos histoacutericos que a vivenciam Somente a partir dessa postura
intelectual seraacute possiacutevel estabelecer uma estimativa da potencialidade econocircmica dos
assentamentos rurais do Brasil
O segundo niacutevel ao qual se refere Abramovay (2006) seria a implantaccedilatildeo
das poliacuteticas puacuteblicas que se intensificaram a partir da criaccedilatildeo do Pronaf inter-
relacionadas com outras poliacuteticas puacuteblicas e programas sociais que contribuiacuteram para a
eficiecircncia dos assentamentos rurais nesse novo modelo de organizaccedilatildeo social no campo
A partir da deacutecada de 1990 as accedilotildees foram intensificadas com a criaccedilatildeo dos projetos de
assentamentos rurais resultantes do Programa de Reforma Agraacuteria do Governo Federal
Natildeo se pode negar que tanto estas como um conjunto de outras poliacuteticas
tiveram um papel fundamental no processo de geraccedilatildeo de diferentes demandas
Surgiram novas oportunidades de reocupaccedilatildeo das terras e de invenccedilatildeo de novas praacuteticas
para milhares de famiacutelias que estavam totalmente desprovidas de capital e dos meios de
produccedilatildeo para garantir a sua reproduccedilatildeo social enquanto agricultores familiares
Outra questatildeo tratada pelo autor estaacute relacionada ao plano social A
Agricultura Familiar no Brasil corresponde ao processo contiacutenuo de aptidatildeo de
elementos que arrastam os ldquoarranjosrdquo dos movimentos sociais e sindicais que tecircm como
princiacutepio de organizaccedilatildeo a luta pela posse da terra visando a afirmaccedilatildeo em que a
ascensatildeo e o desenvolvimento econocircmico de um determinado territoacuterio dar-se-aacute
somente por meio do fortalecimento e da consolidaccedilatildeo da Agricultura Familiar
Tais questotildees demonstram a importacircncia das poliacuteticas puacuteblicas para a
manutenccedilatildeo a reproduccedilatildeo social e o fortalecimento da Agricultura Familiar destacando
173
que essa forma de produccedilatildeo eacute fundamental para o desenvolvimento regional sobretudo
para o fornecimento de alimentos
A eliminaccedilatildeo da Agricultura Familiar eacute uma preocupaccedilatildeo recorrente entre os
teoacutericos da Questatildeo Agraacuteria Ao analisar o processo de expansatildeo da soja em Mato
Grosso Barrozo (2010 p 45) considera que apesar do Estado se destacar como o
celeiro do Brasil sobretudo na produccedilatildeo e exportaccedilatildeo de gratildeos e algodatildeo ldquo[] para
onde iratildeo os milhares de Agricultores Familiares sem capital sem escolarizaccedilatildeo e sem
qualificaccedilatildeo teacutecnicaprofissional que ainda permanecem no campordquo
Algumas reflexotildees e concepccedilotildees apresentadas por Barrozo (2010) e
Abramovay (2006) subsidiaram as anaacutelises relativas agrave compreensatildeo dos problemas que
perpassam a Questatildeo Agraacuteria atual no Brasil e especificamente nos assentamentos
rurais de Vila Rica-MT e dos seus agricultores familiares Diante desse cenaacuterio analisar
as Poliacuteticas Puacuteblicas oriundas de demandas dos movimentos sociais Sindicatos dos
Trabalhadores Rurais e diferentes agentes histoacutericos tornou-se fundamental para
compreender o universo da Agricultura Familiar no municiacutepio de Vila Rica-MT nas
deacutecadas de 1990 a 2010
Esta pesquisa ajudou-nos compreender que os estudos sobre os assentamentos
rurais devem ser problematizados no sentido de se pensar a complexidade do processo
de sua criaccedilatildeo uma vez que eles natildeo foram instituiacutedos apenas enquanto um ato
administrativo do INCRA criando o assentamento rural e selecionando as famiacutelias que
seriam beneficiadas Os assentamentos rurais de Vila Rica-MT resultaram dos conflitos
e demandas sociais envolvendo diferentes atores histoacutericos que lutaram pelo direito de
acesso agrave terra Dos oito assentamentos rurais de Vila Rica apenas um foi planejado
pelo INCRA Todos os demais resultaram da reocupaccedilatildeo espontacircnea da terra pelos
posseiros
Outra questatildeo que nos chamou atenccedilatildeo na pesquisa foi o processo de
transformaccedilatildeo da situaccedilatildeo de posseiros para a de agricultores familiares lembrando que
agricultor familiar eacute uma categoria social instituiacuteda a partir da criaccedilatildeo do Programa de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) Considera-se agricultores familiares as
famiacutelias que trabalham em atividades rurais que natildeo possuem aacutereas acima de que 4
(quatro) moacutedulos fiscais A maioria utiliza matildeo de obra da proacutepria famiacutelia na produccedilatildeo
174
econocircmica do lote detendo um percentual da renda familiar originada de atividades
econocircmicas do seu estabelecimento ou empreendimento (INCRA 2006)
No caso de Vila Rica vaacuterios dos colonos que compraram terra da
Colonizadora Vila Rica-MT sofreram uma transformaccedilatildeo significativa alguns perderam
essa terra e se tornaram posseiros ao ocupar uma nova aacuterea Muitos colonos perderam a
terra porque natildeo conseguiram pagar a diacutevida com o Banco do Brasil contraiacuteda para
financiar a compra dos lotes e instrumentos utilizados nas atividades agriacutecolas A perda
da terra obrigou tais colonos a trabalhar como assalariados sendo que parte deles
ocupou terras na aacuterea dos assentamentos rurais Bom Jesus e Santo Antocircnio do Beleza
regularizada posteriormente pelo INCRA e seus ocupantes se tornaram agricultores
familiares sobretudo ao acessar o Pronaf
Consideramos importante destacar que os assentamentos rurais do municiacutepio
de Vila Rica-MT revelam-se produtivos e promissores do desenvolvimento regional
assumindo um lugar de destaque na economia local sobretudo no que se refere agrave
produccedilatildeo de leite
No mais destaca-se que os assentamentos rurais de Vila Rica e do Araguaia
Mato-grossense satildeo espaccedilos carentes de outras pesquisas e reflexotildees sobre a
importacircncia da Agricultura Familiar no que diz respeito agrave seguranccedila alimentar da aacuterea e
que natildeo foi foco da presente pesquisa
175
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AGRADECIMENTOS
Na realizaccedilatildeo desse trabalho foram muitos os caminhos percorridos muitas
idas e vindas e muitas pessoas encontradas as quais me legaram oacutetimas contribuiccedilotildees
aprendizados e liccedilotildees que foram fundamentais na construccedilatildeo da minha trajetoacuteria
acadecircmica Por isso sou imensamente grata pela a colaboraccedilatildeo direta e indireta dessas
pessoas assim como o apoio das instituiccedilotildees sem as quais certamente eu natildeo teria
conseguido concluiacute-la Manifesto a minha gratidatildeo a todas elas e de forma especial
- Agrave Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) atraveacutes do Programa de
Poacutes Graduaccedilatildeo em Histoacuteria
- Ao meu orientador Professor Joatildeo Carlos Barrozo pela paciecircncia
conhecimento compreensatildeo e amizade na conduccedilatildeo dos trabalhos e na superaccedilatildeo dos
desafios
- Ao professor Joatildeo Ivo Puhl e agrave professora Regina Beatriz (minha co-
orientadora) que participaram das bancas de qualificaccedilatildeo e defesa de dissertaccedilatildeo pelas
importantes contribuiccedilotildees e sugestotildees para melhoria do trabalho
- Aos professores Leandro Rust Renilson Rosa Ribeiro Joanoni Vitale Neto
Joseacute Manuel Marta Osvaldo Machado Filho e a Thaiacutes Leatildeo Oliveira os quais me
possibilitaram boas aprendizagens atraveacutes das disciplinas que ministraram no periacuteodo
em que frequentei as aulas do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria da UFMT
- Aos colegas do mesmo Programa agradeccedilo pelo privileacutegio da convivecircncia
Foi muito bom partilhar conhecimentos e experiecircncias alegrias anguacutestias e materiais
nos ricos debates em sala de aula e tambeacutem nos momentos de descontraccedilatildeo nos
trabalhos em grupo E agradeccedilo em especial agrave Juliana Cristina Rosa uma grande amiga
que o Mestrado me proporcionou Obrigada ldquoJurdquo pelas conversas e pelos trabalhos
produzidos em conjunto
- Agrave Secretaria de Estado de Educaccedilatildeo de Mato Grosso (SeducndashMT) via a
minha unidade de lotaccedilatildeo profissional - Escola Estadual Vila Rica por viabilizar a
minha Licenccedila para a qualificaccedilatildeo profissional
- Aos profissionais da Escola Estadual Vila Rica por compartilharem comigo
os saberes e o exerciacutecio da docecircncia na Educaccedilatildeo Baacutesica Milene Medeiros de Oliveira
Vacircnia Horner Izaildes Cacircndida Aline Flores Raquel Nascimento Franciani
Gaspareto Eduardo Cavalcante Joseacute Adelson Claudete e Deusdeste Vasconcelos
Iraneide Dorcas Diolina Edileusa Maria Joseacute Ceacutelia Maria Vando Cristiana Aragatildeo
Fabiane Rizzardo Iadne Teodoro Wilson Sirino Socorro Gomes Eliezer e os demais
amigos e colegas de trabalho
- Ao Coletivo do Foacuterum Permanente de Debates da Educaccedilatildeo de Jovens e
Adultos ndash Araguaia - Xingu em especial ldquoagraves minhas irmatildes de coraccedilatildeordquo Ceacutelia Ferreira
Edineth Franccedila e Terezinha de Jesus
- Agrave Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat) atraveacutes do Programa
Parceladas e ao Campus Universitaacuterio do Meacutedio Araguaia por permitir que eu
conciliasse as atividades do mestrado com as atividades profissionais
- Aos acadecircmicos do curso de Ciecircncias Sociais- UNEMAT ldquomeus projetos
de cientistas sociaisrdquo sou eternamente grata pelo carinho e apoio que me
proporcionaram A nossa convivecircncia tornou-me uma pessoa melhor
- Aos meus colegas de trabalho da UNEMAT Luis Antonio Barbosa Soares
Neures Batista de Paula Andreacuteia da Silva Feitosa Faacutebio Junio Ribeiro Faacutebio
Bombarda Analucia Ribeiro de Souza Dimas Santana Neves Flaacutevio Luiz de Paula
Jackson Joseacute Carlos de Lima Renata Cristina Diva e Socorro Arauacutejo
- Aos meus familiares (Laura Beatriz Joatildeo Pedro Carlos Augusto Vocirc
Raimundo Abratildeo Edival Edith Elcivam Erivaldo Ivone Lourival Irene Carlos
Pitaacutegoras Dayane Gabriela Milena Sara e Eduardo) E a minha famiacutelia estendida
(Nonato Gracy Edson Flaacutevio Cida Elena Brizola Denilson Lucia Helena e Tunico)
pelo carinho e a solidariedade dedicada aos meus filhos
Aos Agricultores Familiares dos assentamentos rurais (Bom Jesus Satildeo Joseacute
Satildeo Gabriel Ipecirc Itaporatilde do Norte Alvorada Aracati e Santo Antocircnio do Beleza) e aos
movimentos sociais de luta pela terra no Araguaia mato-grossense em especial ao
Sindicato dos Trabalhadores Rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT
Aos meus filhos Laura Beatriz Lima Joatildeo Pedro Lima Bailatildeo e Carlos
Augusto Lima Bailatildeo
Por onde passei plantei a cerca farpada plantei a queimada
Por onde passei plantei a morte matada
Por onde passei matei a tribo calada a roccedila suada a terra esperada
Por onde passei tendo tudo em lei eu plantei o nada
(Pedro Casaldaacuteliga- Confissotildees do latifuacutendio 2006)
RESUMO
Este texto tem como propoacutesito apresentar algumas reflexotildees sobre a formaccedilatildeo dos
assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT atraveacutes da luta pela terra na deacutecada
de 1990 e as posteriores transformaccedilotildees e a na consolidaccedilatildeo da Agricultura Familiar
correlacionada com Poliacuteticas Puacuteblicas como o Pronaf Mas para atingir esse objetivo
foi necessaacuterio analisar como a luta pela terra se deu em todo o espaccedilo do Araguaia
mato-grossense fronteira de expansatildeo nas deacutecadas de 1950 em duas frentes a primeira
foi realizada por empresas colonizadoras que elaboraram projetos e executaram a
construccedilatildeo de cidades e venda das terras dos municiacutepios de Confresa e Vila Rica a
segunda atraveacutes de empresas agropecuaacuterias que se apropriaram de terras e tiveram
acesso agrave incentivos fiscais e recursos de projetos junto agrave Sudam Logo para
compreender como ocorreu a formaccedilatildeo dos assentamentos rurais de Vila Rica-MT foi
preciso analisar a formaccedilatildeo de fazendas e empresas agropecuaacuterias que apoacutes o fim dos
incentivos fiscais se tornaram improdutivas e que seus ldquoproprietaacuteriosrdquo criaram
estrateacutegias de comercializar as terras junto ao INCRA utilizando para isso a forma de
desapropriaccedilatildeo para a formaccedilatildeo de assentamentos rurais Paralelamente os posseiros
em meio agrave luta pela terra adotaram estrateacutegias de reocupaccedilatildeo dessas aacutereas para depois
solicitar junto ao oacutergatildeo competente a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria dos lotes conquistados
Dentro dessa configuraccedilatildeo social o municiacutepio de Vila Rica-MT formou em seu
territoacuterio oito assentamentos rurais dos quais quatro (Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Aracaty e
Ipecirc) tiveram uma anaacutelise mais aprofundada a partir de dados quantitativos coletados
pela Empaer que demonstram algumas tendecircncias sobre as condiccedilotildees de vida renda
produccedilatildeo comercializaccedilatildeo dentre esses posseiros que com a regularizaccedilatildeo da terra e o
acesso ao Pronaf se tornaram agricultores familiares e responsaacuteveis por uma
significativa produccedilatildeo de leite e gado de corte na aacuterea Para compreender toda essa
complexa transformaccedilatildeo foi utilizada fontes documentais e orais que forneceram
elementos para uma anaacutelise sobre esse processo
Palavras-chave Histoacuteria Agricultura Familiar Mato Grosso Vila Rica Araguaia
RESUMEN
Este texto tiene como objetivo presentar un ejercicio de reflexioacuten sobre la formacioacuten de
los Asentamientos Rurales de Vila Rica-MT Estas reflexiones se derivan de una
investigacioacuten en curso denominado reocupacioacuten de tierras en el periacuteodo
contemporaacuteneo en el norte de Araguaia micro-regioacuten en el estado de Mato Grosso
Esta investigacioacuten tuvo como objetivo comprender el proceso de formacioacuten de los
Asentamientos Rurales en el municipio de Vila Rica-MT en el periacuteodo de 1980 a 2015
Habiacutea estudiado la historia de los asentamientos rurales de Vila Rica tambieacuten significa
la comprensioacuten de la historicidad de la lucha por el proceso de la tierra en el estado de
Mato Grosso ya que esta ciudad (Vila Rica) no surge espontaacuteneamente Nacido en un
contexto se produjeron en la regioacuten de Araguaia a la altura del proceso de reocupacioacuten
dos frentes los proyectos agriacutecolas financiados proyectos Sudam y colonizacioacuten
privada lo que dio lugar a la formacioacuten de otros municipios asiacute como Vila Rica como
Confresa Agua Boa y Canarana En este periacuteodo el norte del estado de Mato Grosso
convertido en el objetivo de la inversioacuten de los grupos empresariales del sur y sureste
del paiacutes el estado transferido al sector privado a la funcioacuten para reordenar la nueva
ocupacioacuten de estos espacios A partir de los datos recogidos construir un marco que
permita la identificacioacuten de las diferentes formas de ocupacioacuten y la reocupacioacuten de la
tierra asiacute como los tipos de uso y disentildeo de la funcioacuten de los asentamientos rurales en la
regioacuten de Araguaia Establecer una relacioacuten de este evento con las otras regiones del
estado en relacioacuten con las poliacuteticas de tenencia de la tierra en la ocupacioacuten previa a la
solucioacuten y la presencia de proyectos agriacutecolas la colonizacioacuten privada y asentamientos
rurales El municipio de Vila Rica comenzoacute con los proyectos agriacutecolas luego se
transformoacute en proyecto de colonizacioacuten privada y finalmente creoacute 08 asentamientos
rurales Estos objetivos se exponen en las cadenas de produccioacuten de la regioacuten de los
impactos de las poliacuteticas puacuteblicas implementadas en las deacutecadas 1990-2000 Se hace
hincapieacute en que esta investigacioacuten tambieacuten busca identificar la influencia del Programa
de Fortalecimiento de la Agricultura Familiar (Pronaf) en el desarrollo de los
asentamientos rurales de Villa Rica
Palabras clave Historia reocupacioacuten de tierras en Araguaia Vila Rica-MT
Asentamientos Rurales
LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES
Figura 01 - Mapa de Propaganda da Colonizadora Vila Rica 34
Figura 02 - Folder de propaganda da Colonizadora Vila Rica 38
Figura 03 - Planta ou Protejo Urbaniacutestico da cidade de Vila Rica 40
Figura 04 - Croqui de localizaccedilatildeo das fazendas 53
Figura 05 - Carta do Sindicato dos Trabalhadores de Vila Rica ao INCRA (1990) 69
Figura 06 - Carta da Alemanha 83
Figura 07 - Documento de denuacutencia de ameaccedila de morte de posseiro 86
Figura 08 - Fotografias dos Teacutecnicos da Empaer em visita aos assentamentos rurais 98
Figura 09 - Fotografias da Apresentaccedilatildeo do Programa de Ates 98
Figura 10 - Fotografias de corpos d‟aacutegua e mata ciliar 131
Figura 11- Fotografias das aacutereas de pastagens nos Assentamentos Rurais 132
Figura 12 - Fotografias das Estradas dos Assentamentos Rurais 134
Figura 13 - Croqui do Assentamento Rural Satildeo Joseacute 134
Figura 14 - Croqui do Assentamento Rural Satildeo Gabriel 135
Figura 15 - Croqui do Assentamento Rural Ipecirc 135
Figura 16 - Croqui Assentamento Rural Aracat 136
Figura 17 - Graacutefico com dados da evoluccedilatildeo dos creacuteditos Pronaf 152
Figura 18 - Graacutefico com dados da distribuiccedilatildeo dos creacuteditos Pronaf 152
LISTA DE TABELA
Tabela 1 assentamentos rurais de Vila Rica-MT 66
Tabela 2 Produtos que satildeo destinados a Alimentaccedilatildeo da Famiacutelia 104
Tabela 3 Faixa etaacuteria dos assentados 105
Tabela 4 Escolaridade dos assentados 106
Tabela 5 Presenccedila de energia eleacutetrica nos assentamentos rurais 108
Tabela 6 Fonte de Aacutegua nos assentamentos rurais 109
Tabela 7 Qualidade da aacutegua nos assentamentos rurais 110
Tabela 8 Frequecircncia da realizaccedilatildeo de exames de sauacutede 111
Tabela 9 Acesso aos serviccedilos de sauacutede 111
Tabela 10 Uso do remeacutedio caseiro 112
Tabela 11 Nuacutemero de assentados que declararam morar no assentamento rural 112
Tabela 12 Percentual de participaccedilatildeo da Renda dos assentados 117
Tabela13 Produccedilatildeo agriacutecola (em Kg) 117
Tabela 14 Assentados que praticam Culturas de Subsistecircncia 118
Tabela 15 Tipo de pecuaacuteria explorada por propriedade (famiacutelias) 118
Tabela 16 Frequecircncia do consumo de proteiacutena animal na alimentaccedilatildeo 119
Tabela 17 Dados de produccedilatildeo de leite por nordm de vacas 119
Tabela 18 Nuacutemero de Famiacutelia e Resfriamento do leite 120
Tabela 19 Comercializaccedilatildeo da Produccedilatildeo dos assentamentos 121
Tabela 20 Associativismo no Aracati Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel e Ipecirc 121
Tabela 21 Tipos de preparo do solo por nordm de famiacutelias 124
Tabela 22 Tipos de sementes cultivadas nos assentamentos rurais 124
Tabela 23 Tipos de plantio cultivados nos assentamentos rurais 125
Tabela 24 Tipo de adubaccedilatildeo do solo realizado pelos assentados por famiacutelia 125
Tabela 25 Conservaccedilatildeo do solo (por nuacutemero de Famiacutelias) 126
Tabela 26 Rotaccedilatildeo de Culturas nos assentamentos rurais 126
Tabela 27 Tipo de combate agraves pragas (por nuacutemero de famiacutelias) 127
Tabela 28 Tipo de lavagem triacuteplice de embalagens vazias de agrotoacutexicos 127
Tabela 29 Destino das embalagens de agrotoacutexicos vazias 128
Tabela 30 Tipo de colheita por famiacutelia 128
Tabela 31 Tipo de armazenamento da produccedilatildeo (por nuacutemero de famiacutelia) 129
Tabela 32 Situaccedilatildeo de degradaccedilatildeo de solo nos assentamentos rurais 129
Tabela 33 Existecircncia de nascentes sem proteccedilatildeo (nuacutemero de propriedades) 130
Tabela 34 Existecircncia de degradaccedilatildeo de matas ciliares 130
Tabela 35 Situaccedilatildeo de degradaccedilatildeo das pastagens (por nuacutemero de propriedade) 131
Tabela 36 Uso de fogo no manejo do solo (por propriedade) 132
Tabela 37 Creacutedito Rural - nordm de Famiacutelia 154
Tabela 38 Finalidade do Creacutedito Rural - nordm de Famiacutelias 155
Tabela 39 Tipo de Pronaf por nuacutemero de Famiacutelias 155
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ATER ndash Assistecircncia Teacutecnica e Extensatildeo Rural
Ates ndash Programa de Assessoria Teacutecnica Social e Ambiental agrave Reforma Agraacuteria
Bndes ndash Banco Nacional de Desenvolvimento
CNA ndash Confederaccedilatildeo Nacional da Agricultura
CNBB ndash Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil
CONAB ndash Campanha Nacional de Abastecimento
CONTAG ndash Confederaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores da Agricultura
CPT ndash Comissatildeo Pastoral da Terra
CUT ndash Central Uacutenica dos trabalhadores
DNT ndash Departamento Nacional dos Trabalhadores da CUT
Embrapa ndash Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuaacuteria
Empaer ndash Empresa Mato-Grossense de Pesquisa e Extensatildeo Rural SA
Febraban - Federaccedilatildeo Brasileira de Bancos
Fetag ndash Federaccedilatildeo dos Trabalhadores na Agricultura
Fetraf ndash Federaccedilatildeo dos Trabalhadores e Trabalhadores na Agricultura Familiar
GESTAR ndash Projeto Nacional de Gestatildeo Ambiental Rural
IBGE ndash Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
INCRA ndash Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria
Indea ndash Instituto de Defesa Agropecuaacuteria de Mato Grosso
IPAM ndash Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazocircnia
MAB ndash Movimento dos Atingidos por Barragens
MCP ndash Movimento Camponecircs Popular
MDA ndash Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio
Mercosul ndash Mercado Comum do Sul
MMA ndash Ministeacuterio do Meio Ambiente
MME ndash Ministeacuterio de Minas e Energia
MPA ndash Movimento dos Pequenos Agricultores
MS ndash Ministeacuterio de Sauacutede
MST ndash Movimentos dos Trabalhadores Sem-Terra
OGU ndash Orccedilamento Geral da Uniatildeo
PA ndash Projeto de Assentamento
PAA ndash Programa Nacional de Aquisiccedilatildeo de Alimentos
Pda ndash Plano de Desenvolvimento de Assentamento Rural
PTDRS ndash Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentaacutevel do Territoacuterio Rural
PNAE ndash Programa Nacional de Alimentaccedilatildeo Escolar
PNHR ndash Programa Nacional de Habitaccedilatildeo Rural
PNSIPCF - Poliacutetica Nacional de Sauacutede Integral das Populaccedilotildees do Campo e da Floresta
Pronaf - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Proterra ndash Programa de Redistribuiccedilatildeo de Terras e de Estiacutemulo agrave Agroinduacutestria do
Norte
Provape ndash Programa de Valorizaccedilatildeo da Pequena Produccedilatildeo Rural
Sebrae ndash Serviccedilo Brasileiro de Apoio o Micro e Pequenas Empresas
Senai ndash Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Industrial
Senar ndash Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Rural
Servap ndash Serviccedilo Auxiliares da Agropecuaacuteria
SNCR ndash Sistema Nacional de Credito Rural
STR ndash Sindicato dos Trabalhadores Rurais
Sudam ndash Superintendecircncia de Desenvolvimento da Amazocircnia
SUS ndash Sistema Uacutenico de Sauacutede
UDR ndash Uniatildeo Democraacutetica Ruralista
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 16
1 A QUESTAtildeO AGRAacuteRIA EM MATO GROSSO HISTOacuteRIA OCUPACcedilAtildeO E
REOCUPACcedilAtildeO DO ARAGUAIA MATO-GROSSENSE 24
11 A reocupaccedilatildeo pelas agropecuaacuterias e empresas colonizadoras Anos de 1960 a 1980
27
12 A criaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica-MT 33
121 O papel das instituiccedilotildees e oacutergatildeo puacuteblicos as empresas agropecuaacuterias e a
colonizadora 49
122 A Servap e a abertura das fazendas Promissatildeo Satildeo Marcos Aracatiacute e Porongaba
52
13 Anos de 1980 a 1990 o Araguaia e a formaccedilatildeo dos assentamentos rurais 55
2 MEMOacuteRIAS DA REOCUPACcedilAtildeO HISTORICIZANDO OS
ASSENTSAMENTOS RURAIS DE VILA RICA-MT (1980-2010) 65
21 A transformaccedilatildeo das fazendas agropecuaacuterias em assentamentos rurais atraveacutes da luta
pela terra 65
22 Os assentamentos rurais de Vila Rica ndash MT 71
221 O Assentamento Rural Satildeo Joseacute 73
222 O Assentamento Rural Ipecirc 79
223 O Assentamento Rural Aracati 82
224 O Assentamento Rural Satildeo Gabriel 84
225 O Assentamento Rural Itaporatilde do Norte 86
226 O Assentamento Rural Bom Jesus 87
227 O Assentamento Rural Santo Antocircnio do Beleza 93
228 O Assentamento Rural Alvorada 94
Consideraccedilotildees gerais sobre os assentamentos de Vila Rica-MT 95
3 SITUACcedilAtildeO SOCIOECONOcircMICA DOS ASSENTAMENTOS SAtildeO JOSEacute SAtildeO
GABRIEL IPEcirc E ARACATI (2006-2010) 97
31 Os assentamentos rurais na perspectiva do Projeto de Assessoria Teacutecnica Social e
Ambiental agrave Reforma Agraacuteria ndash Ates 99
32 O perfil dos assentados gecircnero idade e escolaridade 101
321 Diferenciaccedilatildeo de Gecircneros predominacircncia masculina e papel da mulher 102
322 Perfil etaacuterio indicadores de uma populaccedilatildeo envelhecida 104
323 Perfil de escolaridade dos assentados 106
33 As Condiccedilotildees de vida nos assentamentos rurais luz eleacutetrica aacutegua sauacutede moradia e
infraestrutura 107
331 Energia Eleacutetrica 108
332 Aacutegua 108
333 Sauacutede 110
334 Moradia 112
335 Infraestrutura equipamentos e Tecnologias 113
34 A Produccedilatildeo a renda comercializaccedilatildeo e circulaccedilatildeo da Agricultura Familiar 116
341 A renda nos quatro Projetos de assentamentos rurais de Vila Rica-MT 116
342 Atividades Agriacutecolas a produccedilatildeo econocircmica e a de subsistecircncia 117
343 Pecuaacuteria e criaccedilatildeo de pequenos animais 118
344 Comercializaccedilatildeo e Associativismo 120
35 Teacutecnicas e niacutevel tecnoloacutegico dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e
Aracati 123
351 Teacutecnicas de uso do Solo plantio combate de pragas colheita 124
36 A questatildeo ambiental nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT 129
37 Algumas consideraccedilotildees sobre os impactos de poliacuteticas puacuteblicas nos assentamentos
Satildeo Joseacute satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati 133
4 AS POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS NOS ASSENTAMENTOS SAtildeO JOSEacute SAtildeO
GRABRIEL IPEcirc E ARACATI 139
41 O debate sobre o Pronaf 139
42 O papel dos Movimentos sociais na criaccedilatildeo do Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar na deacutecada de 1990 143
43 O Pronaf e seus objetivos 146
44 O Pronaf no Araguaia mato-grossense 148
45 O Pronaf nos assentamentos Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati 154
46 Outras Poliacuteticas Puacuteblicas nos assentamentos Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati 155
461 Programa Luz para todos 156
462 Arco Verde questatildeo ambiental 158
463 Programa Balde Cheio 160
464 Programas de Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional e Teacutecnica do assentado 162
465 Programa de Sauacutede no Campo 167
466 Programa Nacional de Habitaccedilatildeo 169
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 172
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 175
16
INTRODUCcedilAtildeO
Em tempos diversos muitas foram as razotildees que moveram pesquisadores na
aacuterea da histoacuteria a desenvolver estudos em torno de questotildees fundamentais para
compreensatildeo do homem no tempo e suas formas de organizaccedilatildeo as quais se aproximam
e se distanciam no tocante a suas formas de abranger fenocircmenos que circularam em um
ou outro grupo social este ou aquele projeto de sociedade Em suas entranhas as
relaccedilotildees de forccedilas estabelecidas para sua fundaccedilatildeo consolidaccedilatildeo e transformaccedilatildeo
pendulando do individual ao coletivo do solitaacuterio ao solidaacuterio em uma complexa teia
ancorada em seus atores sociais e respectivos projetos de vida O mundo rural apresenta
diversidades e especificidades que igualmente moveram pesquisas e reflexotildees
historiograacuteficas No entanto tratando-se de assentamentos rurais no periacuteodo poacutes 1964
satildeo poucos os estudos historiograacuteficos que abordam esse tipo de organizaccedilatildeo social e
poliacutetica atraveacutes de estudos de caso
Diante dessa carecircncia historiograacutefica sobre a temaacutetica a presente pesquisa
teve por objetivo principal a compreensatildeo da formaccedilatildeo e o processo de
desenvolvimento dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT A partir
desse estudo foi possiacutevel identificar que a luta pela terra implementada pelos atores
sociais na condiccedilatildeo de colonos posseiros atrelada agrave regularizaccedilatildeo fundiaacuteria e ao acesso
agraves poliacuteticas puacuteblicas como eacute o caso do Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (Pronaf) possibilitou a transformaccedilatildeo dos mesmos em agricultores
familiares
Para tanto foi problematizado o papel e a atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees e oacutergatildeos
puacuteblicos como o Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (INCRA) o
Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio (MDA) o Banco do Brasil (BB) a Empresa
Mato-grossense de Pesquisa e Extensatildeo Rural SA (Empaer) e a Prefeitura Municipal de
Vila Rica aleacutem de movimentos sociais da sociedade civil como o Sindicato dos
Trabalhadores Rurais (STR) de Vila Rica-MT dada a importacircncia do seu envolvimento
Destacamos em particular a Comissatildeo Pastoral da Terra (CPT) a Prelazia de Satildeo Feacutelix
do Araguaia o Sindicato dos Trabalhadores Rurais e as Associaccedilotildees de Pequenos
Produtores Rurais Consideramos que para intensificar a anaacutelise foi necessaacuterio abordar
as accedilotildees e estrateacutegias dos atores sociais envolvidos na luta pela terra especialmente nos
17
momentos de adaptaccedilatildeo ou utilizaccedilatildeo de tais oacutergatildeos e instituiccedilotildees para cumprir seus
objetivos o acesso e a permanecircncia na terra
Natildeo temos a pretensatildeo de esgotar o assunto tampouco construir teses
aligeiradas sobre as comunidades e grupos sociais formados no municiacutepio de Vila Rica-
MT mas sim na trilha da anaacutelise soacutecio-histoacuterica compreender a formaccedilatildeo e o processo
de desenvolvimento dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT
problematizando o papel e a atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees e entidades da sociedade civil
aleacutem dos oacutergatildeos puacuteblicos
Gostariacuteamos de esclarecer que as anaacutelises partem de uma posiccedilatildeo social de
moradora educadora e participante de movimentos sociais do Araguaia O
conhecimento empiacuterico dos problemas locais permitiu a formulaccedilatildeo de questotildees
fundamentadas em aspectos pouco estudados assim como perceber a necessidade de a
populaccedilatildeo formular reflexotildees sobre os assentamentos rurais e a Agricultura Familiar
num contexto onde existe um evidente avanccedilo da agricultura moderna e do agronegoacutecio
Com base em algumas experiecircncias vividas elaboramos questotildees
consideradas como significativas para problematizar as condiccedilotildees e circunstacircncias sob
as quais se deram a formaccedilatildeo e a consolidaccedilatildeo dos assentamentos rurais em Vila Rica-
MT As questotildees norteadoras foram Como ocorreu o processo de formaccedilatildeo dos
assentamentos rurais no municiacutepio de Vila Rica-MT Quais foram as estrateacutegias de
resistecircncia e articulaccedilatildeo utilizadas nas lutas pela terra pelos ldquoposseirosrdquo no processo de
formaccedilatildeo desses assentamentos rurais Como os posseiros se transformaram em
agricultores familiares e qual foi o papel do Pronaf nesse processo Quais satildeo as outras
Poliacuteticas Puacuteblicas adotadas que contribuiacuteram para a permanecircncia desses atores sociais
na terra
A partir dessas questotildees adotamos diferentes procedimentos metodoloacutegicos
tendo por base o uso de fontes escritas imageacuteticas e orais Primeiramente se buscou
fontes que permitissem analisar a atuaccedilatildeo da Associaccedilatildeo Sindical dos Posseiros
(Sindicato dos Trabalhadores Rurais) e da Conferecircncia Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB) via CPT da circunscriccedilatildeo eclesiaacutestica ndash Prelazia de Satildeo Feacutelix do Araguaia os
quais foram fundamentais na intermediaccedilatildeo com os oacutergatildeos puacuteblicos na defesa da vida e
do projeto dos ldquoposseirosrdquo pois aleacutem de fazer frente aos conflitos e ameaccedilas de morte
vivenciada na luta pela terra empreenderam accedilotildees poliacutetica em defesa da proposta de
18
Reforma Agraacuteria Eis a razatildeo pela qual dedicamos esforccedilos no sentido de analisar como
tais entidades articularam mobilizaccedilotildees e empreenderam accedilotildees para que os
trabalhadores rurais pudessem pleitear e conquistar as condiccedilotildees necessaacuterias para a
sobrevivecircncia e o fortalecimento dos assentamentos rurais
Ressaltamos que os contextos e as fontes utilizadas para a construccedilatildeo desta
narrativa histoacuterica pautada no processo de implantaccedilatildeo dos assentamentos rurais satildeo
muacuteltiplas dada a complexidade dos elementos narrativos muitos dos quais satildeo
divergentes e ateacute mesmo contraditoacuterios Tal constataccedilatildeo se deve ao envolvimento de
atores histoacutericos com diferentes concepccedilotildees relativas agrave funccedilatildeo e aos modos de usos da
terra uma vez que os ldquoposseirosrdquo tecircm diferenciaccedilotildees sociais entre si e os objetivos da
posse da terra natildeo satildeo uacutenicos podendo ser tanto o uso da terra para ldquomorar e plantarrdquo
dentro da concepccedilatildeo claacutessica da Conferecircncia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
quanto para apenas morar e criar gado sem produccedilatildeo agriacutecola ou apenas morar e
trabalhar fora da aacuterea da posse Em casos mais extremos o posseiro aluga ou ldquovende o
direitordquo do lote conquistado mas esse fato natildeo pode ser analisado de forma mecacircnica
sem problematizaccedilatildeo nos interessa tambeacutem compreender o que faz com que um
posseiro natildeo permaneccedila na terra
Diante dessa situaccedilatildeo satildeo muacuteltiplas as respostas desde a simples intenccedilatildeo de
comercializaccedilatildeo e especulaccedilatildeo fundiaacuteria como a falta de Poliacuteticas Puacuteblicas e de boas
condiccedilotildees de educaccedilatildeo e qualidade de vida Tais explicaccedilotildees atreladas a outras
motivaccedilotildees resultam num constante esvaziamento da populaccedilatildeo jovem das aacutereas rurais
em busca de educaccedilatildeo trabalho e oportunidades nos centros urbanos Tambeacutem a
populaccedilatildeo envelhecida deixa os assentamentos em busca de assistecircncia na aacuterea de sauacutede
e cuidados oferecidos pela famiacutelia Toda essa situaccedilatildeo complexa explica os elementos
fundamentais para entender a falta de sucessatildeo familiar e o envelhecimento da
populaccedilatildeo rural sobretudo em aacutereas de assentamentos
Tendo em vista a temaacutetica de permanecircncia na terra as entrevistas permitiram
compreender o motivo de os posseiros comercializarem ou natildeo suas terras e de fazer
diferentes usos dela tanto para a agricultura quanto para a pecuaacuteria
Tambeacutem na formaccedilatildeo dos assentamentos rurais diferentes concepccedilotildees
aparecem nas anaacutelises das fontes orais obtidas em entrevistas com os primeiros
moradores e o colonizador de Vila Rica-MT que trouxe a memoacuteria e a narrativa oficial
19
sobre a criaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo do municiacutepio Consideramos como narrativa oficial a
produccedilatildeo de livros panfletos informaccedilotildees de sites da Prefeitura Municipal que em
geral satildeo utilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) Cidades
aleacutem de material publicitaacuterio produzido em datas comemorativas onde satildeo exaltadas as
figuras dos ldquopioneirosrdquo e ldquoempreendedoresrdquo
Por outro lado para ampliar o diaacutelogo obtivemos os relatos orais de
assentados posseiros agricultores familiares e representantes de instituiccedilotildees de
entidades da sociedade civil e dos movimentos sociais os quais foram analisados em
conjunto com a bibliografia sobre a Questatildeo Agraacuteria e reocupaccedilatildeo do Araguaia aleacutem da
utilizaccedilatildeo de fontes escritas e imageacuteticas mas tambeacutem de dados oficiais que nos
possibilitaram a compreensatildeo de maneira ampliada das circunstacircncias de produccedilatildeo
histoacuterica de um grupo social diferenciado das terras do Araguaia
Tecendo a narrativa consideramos que o estudo sobre a formaccedilatildeo dos
assentamentos rurais de Vila Rica-MT pode ser analisado na produccedilatildeo historiograacutefica
de micro-historiadores onde se exige ldquo[] um trabalho de contextualizaccedilatildeo muacuteltipla em
que cada ator histoacuterico participa de maneira proacutexima ou distante de processos ndash e de
niacuteveis variaacuteveis do mais local ao mais globalrdquo conforme Revel (1998 p 28) o qual
rompe com a dicotomia entre a histoacuteria local e a histoacuteria global entendendo que a
experiecircncia de um agente social de um grupo de um espaccedilo particular permite perceber
uma modulaccedilatildeo especiacutefica da histoacuteria global
Nossa narrativa possibilita refletir sobre o ofiacutecio do historiador tomando
como referecircncia a importacircncia dos discursos construiacutedos a partir do objeto em estudo
Sobretudo no que tange aos artifiacutecios utilizados para a produccedilatildeo de anaacutelises das fontes
Escreve Bloch (2002 p 68) ldquo[] uma ciecircncia natildeo se define apenas por seu objeto
Seus limites podem ser fixados tambeacutem pela natureza proacutepria dos seus meacutetodosrdquo
Nesse particular Moraes (2000) e Guimaratildees Neto (2014) alertam sobre a
necessidade de articular as fontes orais com sua competecircncia e habilidade
reorganizando os conceitos que serviratildeo de subsiacutedios agrave construccedilatildeo das anaacutelises a partir
da leitura e do cruzamento com outras tipologias de fontes
Portanto as fontes natildeo satildeo tratadas aqui como mananciais de ldquoverdaderdquo uma
vez que tomadas como fragmentos do acontecimento e enquanto resultado de memoacuterias
e narrativas sujeitas agrave seleccedilatildeo fragmentaccedilatildeo silenciamentos e esquecimentos As
20
concepccedilotildees trazidas por Pollak (1990) e Ricoeur (2007) implicam em serem avaliadas
e inseridas na conjuntura que gera a produccedilatildeo de sentidos e significados para a
historiografia
Ao privilegiar a analise dos excluiacutedos dos marginalizados e das
minorias a histoacuteria oral ressaltou a importacircncia de memoacuterias
subterracircneas que como parte integrante das culturas
minoritaacuterias e dominadas se opotildeem agrave Memoacuteria oficial no
caso a memoacuteria nacional Num primeiro momento essa
abordagem faz da empatia com os grupos dominados estudados
uma regra metodoloacutegica e reabilita a periferia e a
marginalidade [] A memoacuteria entra em disputa Os objetos de
pesquisa satildeo escolhidos de preferecircncia onde existe conflito e
competiccedilatildeo entre memoacuterias concorrentes (POLLAK 1989 p
3)
Com base nessa problematizaccedilatildeo sobre a Histoacuteria Oral e sua opccedilatildeo
metodoloacutegica e poliacutetica natildeo perdemos de vista que essa perspectiva eacute uma oposiccedilatildeo
agravequela produccedilatildeo historiograacutefica sobretudo a partir do Seacuteculo XIX quando se concebeu
a histoacuteria como a ciecircncia que estuda o passado que investiga os acontecimentos
longiacutenquos da contemporaneidade de forma que natildeo haja testemunhas vivas que
tenham vivenciado os acontecimentos Poreacutem a percepccedilatildeo da histoacuteria enquanto a
ciecircncia que ldquoestuda o passado para entender o presenterdquo permaneceu de forma muito
viva no entendimento social tornando problemaacutetica a anaacutelise do tempo presente como
objeto de estudo do historiador sob a oacutetica da historiografia e da proacutepria sociedade
contemporacircnea
Aproximamos nossas reflexotildees da anaacutelise de acontecimentos do presente ou
bem proacuteximas a este por entender que a proximidade natildeo produz quaisquer
impedimentos quanto agraves anaacutelises no acircmbito da ciecircncia histoacuterica Mesmo que essas
questotildees jaacute tenham algumas deacutecadas de discussotildees no Brasil tais estudos ainda satildeo
muito recentes carecendo de definiccedilotildees mais consistentes que possam do ponto de
visto teoacuterico e metodoloacutegico responder algumas perguntas que se apresentam quanto agrave
validade deste marco temporal da historiografia denominada como histoacuteria do tempo
presente
Segundo Guimaratildees Neto (2014 p 35) vaacuterios historiadores apresentam
significados complexos em relaccedilatildeo agrave questatildeo do tempo presente com destaque para
Koselleck (2006) que assegura que esse conceito tem sofrido alteraccedilotildees ao longo do
21
tempo ldquo[] Contrariamente agraves pretensotildees generalizadoras e naturalizaccedilotildees de toda
sorte a denominaccedilatildeo bdquotempo presente‟ nos escapa entre os dedos e eacute de difiacutecil
apreensatildeordquo Tal denominaccedilatildeo se transforma troca de conteuacutedo experimenta novas
formas de ldquoser presenterdquo Agrave luz da interpretaccedilatildeo de Guimaratildees Neto eacute possiacutevel afirmar
que a circulaccedilatildeo entre os novos e os velhos significados produz a ldquoconcreccedilatildeo e a
materializaccedilatildeo de um conceito novordquo (GUIMARAtildeES NETO 2014 p 35)
Todavia somos convidados a problematizar o que seria uma histoacuteria do
tempo presente suas peculiaridades especificidades limites e contribuiccedilotildees Nessa
acepccedilatildeo Guimaratildees Neto (2014 p 37) pondera ainda que
Situados cada vez mais no acircmbito desse debate muitos
historiadores operam com uma concepccedilatildeo de passado que natildeo
se situa ldquofora do presenterdquo na perspectiva pensada por
Koselleck ao afirmar que todas as histoacuterias satildeo histoacuterias do
tempo presente (vistas no presente que se dissolve eou no
presente que condensa) entendendo que isso tambeacutem
significa imprimir uma dimensatildeo mais dilatada agrave histoacuteria do
tempo presente A discussatildeo historiograacutefica que contempla as
interseccedilotildees metodoloacutegicas dessa problemaacutetica natildeo se ateacutem
apenas agrave noccedilatildeo da presenccedila incorporada do futuropassado no
presente Mas remete agrave reflexatildeo acerca das relaccedilotildees que se
estabelecem entre presente e futuro presente e passado e
especialmente ldquocomordquo essas proacuteprias relaccedilotildees se constituem
As relaccedilotildees suscitadas por todo esse conjunto de anaacutelises levam
tambeacutem a debater uma concepccedilatildeo de contemporaneidade
avaliando- a na perspectiva do entrelaccedilamento que se deve
estabelecer entre as dimensotildees sincrocircnica e diacrocircnica do tempo
histoacuterico
Ao tomarmos o vieacutes explicativo de um fenocircmeno presente analisando uma
sociedade viva os processos de organizaccedilatildeo dos assentamentos rurais no municiacutepio de
Vila Rica-MT e as relaccedilotildees estabelecidas com os sindicatos e demais organizaccedilotildees
sociais puacuteblicas e privadas pensamos corroborar com a produccedilatildeo da profissatildeo do
historiador um tempo intercalado de relaccedilotildees passado-presente pautando com os
rigores necessaacuterios na anaacutelise dos documentos histoacutericos como fonte
Em relaccedilatildeo agrave definiccedilatildeo de fonte histoacuterica pontuamos a concepccedilatildeo contida em
Silva amp Silva (2009 p 158)
[] o termo mais claacutessico para conceituar a fonte histoacuterica eacute
documento Palavra no entanto que devido agraves concepccedilotildees da
escola metoacutedica ou positivista estaacute atrelada a uma gama de
22
ideias preconcebidas significando natildeo apenas o registro escrito
mas principalmente o registro oficial
Igualmente afianccedilamos no presente trabalho a busca pela ampliaccedilatildeo das
lentes historiograacuteficas sobre os documentos bem como dos atores sociais visto que natildeo
mais limitado ao citadino mas agora revelando os assentamentos rurais e sua
organizaccedilatildeo condiccedilotildees de vida razotildees de luta ateacute entatildeo ignorados pelas paacuteginas dos
anais oficiais do natildeo dito invisiacutevel tornando visiacutevel verificaacutevel analisaacutevel e
mensuraacutevel
[] O alargamento daquilo que se entendia como documento
ocorreu de maneira qualitativa e quantitativa segundo nos
aponta Le Goff 1984 A memoacuteria coletiva e a histoacuteria passaram
a natildeo cristalizar o seu interesse apenas nos grandes homens nos
grandes acontecimentos na histoacuteria poliacutetica diplomaacutetica e
militar Todos os homens tornaram-se interesse da histoacuteria os
documentos foram ampliados a capacidade de trabalho e o
espiacuterito do historiador foram inovados (BARROS 2013 p 1)
A partir dessa problematizaccedilatildeo teoacuterica e metodoloacutegica foi possiacutevel situar o
objeto desta pesquisa dentro do escopo da histoacuteria do tempo presente Conforme
Delgado e Ferreira (2014 p10-11) a ldquoquestatildeo da terra e das poliacuteticas fundiaacuteriardquo
constituem objeto legiacutetimo dessa perspectiva Ademais destacando a posiccedilatildeo de
Guimaratildees Neto (2014) reforccedilamos que o foco analiacutetico satildeo os ldquoconflitos referentes agrave
questatildeo da terra e das poliacuteticas governamentais em especial as fundiaacuteriasrdquo
Adotando essa perspectiva analiacutetica as questotildees foram levantadas e
analisadas ao longo de quatro capiacutetulos sendo que o primeiro teve como objetivo
apresentar uma discussatildeo sobre a Questatildeo Agraacuteria em Mato Grosso sobretudo no
espaccedilo do Araguaia construiacutedo atraveacutes das pesquisas jaacute existentes inseridas no marco
temporal das deacutecadas de 1960 e 1970 Destacamos as caracteriacutesticas do processo de
reocupaccedilatildeo1 pelas agropecuaacuterias e colonizadoras e nas deacutecadas de 1980 a 1990 quando
nesse espaccedilo se constituiacuteram e se formaram os assentamentos rurais Ademais foi
analisado o processo de colonizaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica-MT
1 A concepccedilatildeo de Reocupaccedilatildeo embute uma concepccedilatildeo de que um determinado territoacuterio ou terra
natildeo era um espaccedilo vazio no qual havia presenccedila de povos tradicionais (indiacutegenas ribeirinhos
sertanejos seringueiros quilombolas) posseiros Na presente pesquisa usaremos e
problematizaremos essa noccedilatildeo de modo mais elaborado no primeiro capiacutetulo
23
O segundo capiacutetulo trata das configuraccedilotildees e modos de uso poliacutetico dos
espaccedilos na formaccedilatildeo dos assentamentos rurais bem como a luta pela regularizaccedilatildeo
fundiaacuteria dos 8 (oito) assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT
O terceiro capiacutetulo analisa os aspectos socioeconocircmicos da Agricultura
Familiar em Vila Rica-MT a partir dos resultados de uma pesquisa desenvolvida pela
Empaer (2009) junto aos assentamentos rurais de Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati
Tal pesquisa teve como objetivo principal explicar a realizaccedilatildeo dos Planos de
Desenvolvimento dos assentamentos rurais via projeto implementado pelo INCRA
E por fim no quarto capiacutetulo fizemos uma apresentaccedilatildeo das principais
Poliacuteticas Puacuteblicas integradas ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar como eacute o caso dos Programas Luz para Todos Arco Verde Balde Cheio
Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional e Teacutecnica do Assentado Sauacutede e Habitaccedilatildeo Rural
Trata-se tambeacutem do papel dos movimentos sociais do campo na implementaccedilatildeo dessas
poliacuteticas puacuteblicas frente agrave necessidade de serem criadas condiccedilotildees baacutesicas para a
permanecircncia dos agricultores familiares no campo uma vez que os assentamentos rurais
natildeo se formaram apenas pelo ato de regularizaccedilatildeo e acesso ao sistema de creacutedito
24
1 A QUESTAtildeO AGRAacuteRIA EM MATO GROSSO HISTOacuteRIA MEMORIAS
OCUPACcedilAtildeO E REOCUPACcedilAtildeO DO ARAGUAIA MATO-GROSSENSE
A proposta deste capiacutetulo inicial eacute fazer uma reconstituiccedilatildeo do processo de
reocupaccedilatildeo a partir da deacutecada de 1970 do espaccedilo Araguaia mato-grossense
denominado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) como
ldquomicrorregiatildeo Norte Araguaia do Estado de Mato Grossordquo Fazem parte desta
microrregiatildeo os municiacutepios de Bom Jesus do Araguaia Confresa Serra Nova Dourada
Novo Santo Antocircnio Alto da Boa Vista Satildeo Felix do Araguaia Luciara Ribeiratildeo
Cascalheira Santa Terezinha Vila Rica- MT Porto Alegre do Norte Canabrava Satildeo
Joseacute do Xingu e Santa Cruz do Xingu
No entanto eacute importante ressaltar que a denominaccedilatildeo ldquomicrorregiatildeo Norte
Araguaiardquo utilizada ao longo do texto possui complicadores em sua concepccedilatildeo ligada agrave
ideia de regiatildeo Eacute sabido que a definiccedilatildeo de regiatildeo concebida pelo IBGE eacute uma
imposiccedilatildeo de delimitaccedilatildeo juriacutedico-administrativa a qual conforme Bourdieu (2008) por
ter sido construiacuteda por meio do uso do Poder Estatal atribuiu uma visatildeo social atraveacutes
da divisatildeo e construccedilatildeo da unidade e da identidade entre os grupos Natildeo se constituiu
numa demarcaccedilatildeo com base em criteacuterios de homogeneidade da natureza de forma que
sejam respeitadas as diversidades e especificidades de grupos culturais
Albuquerque Juacutenior (2008) chama a atenccedilatildeo pela pouca importacircncia dada agrave
discussatildeo e compreensatildeo dos espaccedilos no desenvolvimento de estudos de cunho
historiograacutefico onde a regiatildeo passa a existir como um fenocircmeno da realidade que natildeo
carece de anaacutelises ou de problematizaccedilatildeo Ou seja natildeo haacute preocupaccedilatildeo com a
construccedilatildeo histoacuterica da concepccedilatildeo da regiatildeo que eacute analisada ldquo[] ora como um recorte
dado pela natureza ora como um recorte poliacutetico-administrativo ora como um recorte
cultural mas que parece natildeo ser fruto de um dado processo histoacutericordquo
(ALBUQUERQUE JUacuteNIOR 2008 p 57) Logo a regiatildeo eacute tida apenas como um
fenocircmeno precedente ldquoretalhordquo do espaccedilo constituiacutedo naturalmente um paracircmetro de
construccedilatildeo de identidade existente por si soacute
Problematizando a noccedilatildeo de regiatildeo delimitada por fronteiras juriacutedico-
administrativas Bourdieu (2008 p 115) afirma
25
A fronteira esse produto de um ato juriacutedico de delimitaccedilatildeo
produz a diferenccedila cultural do mesmo modo que eacute produto
desta basta pensar na accedilatildeo do sistema escolar em mateacuteria de
liacutengua para ver que a vontade poliacutetica pode desfazer o que a
histoacuteria tinha feito
Assim o autor problematiza o conceito de regiatildeo atraveacutes da diversidade da
liacutengua quando muitas vezes as delimitaccedilotildees satildeo estabelecidas sem levar em
consideraccedilatildeo as diferenccedilas culturais dos grupos eacutetnicos que convivem em um espaccedilo
uacutenico Um exemplo eacute a delimitaccedilatildeo territorial dos Estados Naccedilatildeo que como na Itaacutelia e
Alemanha englobam dentro de um mesmo territoacuterio considerado ldquohomogecircneo
culturalmenterdquo atraveacutes de uma liacutengua com diferentes leacutexicos e dialetos Eacute sabido que
atraveacutes da linguagem se reforccedila fixa e viabiliza os elementos de controle impostos
pelas classes dominantes uma vez que nem os proacuteprios intelectuais satildeo neutros em
produccedilotildees jaacute que estatildeo agindo dentro de um padratildeo que atende ou contraria interesses
dos grupos que exercem o poder na sociedade
Bourdieu (2008) afirma que os diferentes saberes satildeo produzidos sob o efeito
das relaccedilotildees de poder onde as disputas entre as ciecircncias pelo direito de qualificar a
regiatildeo satildeo ao mesmo tempo uma forma de disputa pelo poder Na concepccedilatildeo do autor
regiatildeo eacute uma construccedilatildeo simboacutelica resultante das disputas de diferentes aacutereas do
conhecimento pelo poder na definiccedilatildeo dos limites e sentidos a serem conferidos a uma
regiatildeo Ainda de acordo com Bourdieu (2008) a regiatildeo enquanto objeto de estudo eacute
constituiacuteda por um intenso debate que coloca em oposiccedilatildeo geoacutegrafos economistas
etnoacutelogos socioacutelogos e historiadores Essas categorias constituiacutedas no campo da ciecircncia
querem cada uma ao seu modo atribuir criteacuterios para delimitar uma regiatildeo
Portanto podemos dizer que esses debates existentes em torno da concepccedilatildeo
de regiatildeo tecircm oferecido subsiacutedio importante para a historiografia construir uma noccedilatildeo
de regiatildeo embora sinalizem para o sentido da inexistecircncia de consenso Ainda segundo
Bourdieu (2012) eacute nas relaccedilotildees de poder estabelecidas na sociedade a partir do plano
econocircmico que se formam as definiccedilotildees e delimitaccedilotildees de fronteiras que
evidentemente satildeo construiacutedas utilizando tambeacutem o poder simboacutelico como a proacutepria
noccedilatildeo de regiatildeo
Albuquerque Juacutenior (208 p 61) pondera que
26
A regiatildeo eacute ao mesmo tempo um dispositivo de forccedila e saberes
que aparece como externo aos sujeitos que a eles se impotildee de
fora que os limita e ateacute cerceia Eacute uma estrutura no sentido levi-
straussiano um mito que eacute vivido praticado e materializado
uma narrativa que se encarna o que acostumamos chamar de
interior dos sujeitos A regiatildeo eacute uma dobra do social que vem
constituir as subjetividades regionalistas em sua investigaccedilatildeo A
regiatildeo eacute tambeacutem modo de pensar modos de querer modos de
falar modos de gostar modos de preferir modos de amar
modos de desejar modos de mar modos de desejar modos de
olhar de escutar de cheirar de sentir sabor e de sentir dor A
regiatildeo de se expressa em jeitos de corpos em gestos em modos
de vestir de alimentar de beber de danccedila de se pocircr de peacute ou de
sentar A regiatildeo ao ser subjetivada ao ser encarnada ela
conformaraacute os corpos e os processos subjetivos
Compreender os diferentes significados e sentidos em relaccedilatildeo aos usos do
espaccedilo significa tambeacutem compreender o papel dos diferentes sujeitos no vieacutes da
historiografia seguindo a concepccedilatildeo de Certeau (2000) segundo o qual ao produzir a
historiografia o pesquisador estabelece seus criteacuterios de escolha os quais remetem
sempre aos diferentes contextos onde estaacute inserido sejam eles no acircmbito social cultural
ou econocircmico e tambeacutem ao proacuteprio interesse do pesquisador pois eacute ele quem escolhe o
que teraacute visibilidade e o que seraacute oculto no texto historiograacutefico
Ainda de acordo com o mesmo autor eacute possiacutevel acreditar que natildeo haacute
neutralidade na escrita historiograacutefica na medida em que sempre haveraacute o peso da
posiccedilatildeo do sujeito vinculado agrave instituiccedilatildeo e o lugar social e cultural ocupado pelo
indiviacuteduo porque a produccedilatildeo da escrita natildeo eacute algo individualizado mas sim constituiacutedo
na coletividade
Dessa forma a ideia construiacuteda acerca do texto historiograacutefico eacute resultado das
escolhas de quem a produz e estatildeo articuladas ao meio social econocircmico e cultural em
que se insere o pesquisador Logo a intenccedilatildeo da pesquisa nasce do desejo de descobrir
o que natildeo estaacute compreendido eacute a busca das indagaccedilotildees intrinsecamente vinculadas agrave
proacutepria trajetoacuteria de vida e no fazer acadecircmico do sujeito pesquisador (CERTEAU
2000)
Diante dessa problematizaccedilatildeo sobre o uso do conceito de regiatildeo e sua relaccedilatildeo
com a condiccedilatildeo de produccedilatildeo em que estaacute inserido o sujeito pesquisador fica evidente
que a ldquomicrorregiatildeordquo Norte Araguaia eacute uma visatildeo simplista e homogeneizadora que
natildeo evidencia as diferenccedilas naturais sociais e culturais existentes nesse espaccedilo O uso
27
indiscriminado de Regiatildeo Araguaia leva a noccedilotildees preconceituosas como a expressatildeo
utilizada por poliacuteticos e moradores de que se trata do ldquoVale dos Esquecidosrdquo
Ressalta-se que estudar a histoacuteria de Vila Rica-MT significa tambeacutem
compreender parte da histoacuteria do estado de Mato Grosso pois este municiacutepio natildeo surgiu
enquanto fenocircmeno isolado mas foi formado em um contexto ocorrido no Araguaia no
auge do processo de reocupaccedilatildeo de terras que se deu por duas frentes a primeira a dos
projetos agropecuaacuterios financiados pela Superintendecircncia de Desenvolvimento da
Amazocircnia (Sudam) e a segunda dos projetos de colonizaccedilatildeo privada que resultaram na
formaccedilatildeo dos municiacutepios de Confresa Vila Rica Aacutegua Boa e Canarana
Justamente por essa razatildeo a expressatildeo reocupaccedilatildeo da terra eacute recorrente no
presente texto A formaccedilatildeo de cidades natildeo resulta de algo natural ou um projeto de
ocupaccedilatildeo de terras ldquovaziasrdquo Para marcar a leitura que fazemos sobre o Araguaia eacute
preciso consideraacute-lo como um territoacuterio que jaacute estava ocupado por povos indiacutegenas
ribeirinhos ou sertanejos que viviam no espaccedilo anteriormente ao processo de
implantaccedilatildeo das poliacuteticas de desenvolvimento da Amazocircnia e a concretizaccedilatildeo dessas
duas frentes sobretudo na deacutecada de 1970
11 A reocupaccedilatildeo pelas agropecuaacuterias e empresas colonizadoras Anos de 1960 a
1980
Nas deacutecadas de 1960 a 1980 o norte do estado de Mato Grosso considerado
parte da ldquoAmazocircnia Legalrdquo tornou-se alvo de investimentos de grupos empresariais do
Sul e Sudeste do Brasil Os Governos de Mato Grosso desde a deacutecada de 1960
passaram a comercializar terras ldquotidas como devolutasrdquo como importante fonte de
arrecadaccedilatildeo para o Estado Neste contexto Mato Grosso seguindo a normativa do
Estatuto da Terra repassou para a iniciativa privada a funccedilatildeo de reordenar a ocupaccedilatildeo
destes espaccedilos atraveacutes da colonizaccedilatildeo privada2 Sobre a questatildeo Guimaratildees Neto
(2002 p 20) afirma que
2 Sobre este assunto ver GUIMARAtildeES NETO Regina Beatriz A Lenda do Ouro Verde Poliacutetica
de colonizaccedilatildeo no Brasil contemporacircneo Cuiabaacute UNICEN 2002
28
[] as empresas agropecuaacuterias comandadas em grande parte
por multinacionais [] jaacute vinham dominando este espaccedilo
especialmente apoacutes meados do seacuteculo vinte quando
intensificaram seu poder de accedilatildeo Eacute no acircmbito dessa experiecircncia
histoacuterica que se deve procurar estudar os projetos de
colonizaccedilatildeo Representam iniciativas e estrateacutegias de controle
ao acesso a terra e ao mercado de matildeo de obra
Assim estas duas frentes de reocupaccedilatildeo ldquo[] representam iniciativas e
estrateacutegias de controle ao acesso da terra e ao mercado de matildeo de obrardquo (GUIMARAES
NETO 2002 p 20) em que o Estado e os empresaacuterios atuaram muito mais no
propoacutesito da especulaccedilatildeo imobiliaacuteria do que na viabilizaccedilatildeo de terras para centenas de
famiacutelias que migraram para a Amazocircnia Legal
Vale lembrar que durante o periacuteodo dos Governos Militares foi construiacuteda
uma ldquohistoacuteria oficialrdquo acerca do processo de ocupaccedilatildeo da Amazocircnia que
gradativamente foi questionada e revisada atraveacutes de diferentes narrativas construiacutedas a
partir da memoacuteria dos agentes histoacutericos que vivenciaram aquele processo
Consideramos importante registrar nos estudos cujo foco eacute o processo de
reocupaccedilatildeo da terra no Araguaia as perspectivas dos diferentes grupos e movimentos
sociais responsaacuteveis pela reocupaccedilatildeo desse espaccedilo considerando a memoacuteria daqueles
que migraram de diferentes regiotildees do paiacutes sobretudo do Sul e Sudeste perseguindo o
sonho de adquirir uma aacuterea de terra Um exemplo dessas narrativas com base na
memoacuteria das pessoas pode ser ilustrado nesse trecho do relato de uma das moradoras de
Vila Rica-MT
Quando eu cheguei aqui em Vila Rica-MT estranhei de tudo
um pouco Desde a comida [] Ih Nossa Senhora as falas
deles trem As gurias foram pra rua as gurias saiacuteram foram
pra rua O que eacute isso Rua laacute no Sul isso natildeo se fala E os
trem trem eacute um trem que puxa vagatildeo e aqui tudo que eacute coisa eacute
trem Hoje a gente estaacute acostumada com as comidas tambeacutem
aqui era diferente de laacute [] quando eu cheguei aqui a vila
estava super suja Colonial tudo tudo Lixo no meio da rua ali
no meio onde tem a grama e os coqueirinhos aquilo laacute era lixo
natildeo dava pra olhar de um lado pra outro Nossa mas era suja
demais a rua As propagandas ih Eles passavam slides
mostravam como era aqui em Vila Rica-MT da cidade das
roccedilas das lavouras das plantaccedilotildees de soja milho []
(ENTREVISTA com Izode Baoacute realizada por Acircngela Martini
Vila Rica-MT 4 de marccedilo de 2001)
29
Novas abordagens da historiografia que possibilitam o uso de novas fontes
entre elas as orais permitiram anaacutelises sobre a Amazocircnia Legal com nova dinacircmica
enquanto objeto de estudo nas aacutereas de Ciecircncias Humanas e Sociais Por outro lado
ressalta-se que eacute imprescindiacutevel trilhar pelas discussotildees teoacutericas e metodoloacutegicas de
alguns estudiosos da questatildeo agraacuteria no Brasil como Caio Prado Juacutenior Octaacutevio Ianni
Seacutergio Buarque de Holanda e outros Em Mato Grosso as obras de autores como
Martins (1985-1997) Lenharo (1985) Oliveira (1996) Barrozo (2009 2010)
Guimaratildees Neto (2002 2007) Gonccedilalves (2005) e Joanoni Neto (2007) Arauacutejo (2013)
entre outros satildeo referecircncias
As concepccedilotildees abordadas por esses autores nos remetem a pensar que eacute
preciso antes de tudo desconstruir a narrativa oficial sobre a Amazocircnia a qual foi
construiacuteda sobretudo durante os Governos civis militares sob o ponto de vista que
engloba a noccedilatildeo da fronteira e de integraccedilatildeo nacional na qual se procurou internalizar
os discursos de alguns segmentos sociais os quais construiacuteram o imaginaacuterio que
caracteriza esse espaccedilo como atrasado e despovoado ou melhor um ldquovazio
demograacuteficordquo
Ao referenciar o potencial dos recursos naturais ali existentes aquele espaccedilo
passou a ser visto com outro enfoque segundo o qual a mesma pode ser analisada para
aleacutem do seu potencial de reserva natural Natildeo se pode perder de vista que esse
ldquoimaginaacuteriordquo vem sendo arquitetado sob a loacutegica daqueles que vivem ldquoalheiosrdquo agraves
necessidades e ldquorealidadesrdquo nas quais a populaccedilatildeo que habita a Amazocircnia Legal estaacute
inserida no caso especiacutefico o Araguaia
Os empresaacuterios e a elite poliacutetica sempre se beneficiaram dos lucros obtidos
por meio do uso e abuso das riquezas extraiacutedas da Amazocircnia Legal nos grandes
projetos de exploraccedilatildeo mineral e vegetal em nome de um discurso de integraccedilatildeo
nacional e de desenvolvimento e progresso regional
Para Gonccedilalves (2005) compreender a Amazocircnia eacute saber respeitar a
diversidade e particularidades desse espaccedilo em seus aspectos econocircmicos naturais
sociais e culturais bem como os feitios de inserccedilotildees das poliacuteticas e programas de
governo que foram parcialmente realizados Tais poliacuteticas atenderam em especial a
um determinado grupo social especificamente o empresarial que dispunha de capital
financeiro embora se trate de um territoacuterio cheio de contradiccedilotildees conflitos e diferentes
30
possibilidades dos povos que ldquotradicionalmente habitamrdquo a floresta De forma mais
detalhada Gonccedilalves (2005 p 9) descreve
A Amazocircnia eacute sobretudo diversidade Haacute a Amazocircnia dos
Cerrados a Amazocircnia da Vaacuterzea a Amazocircnia dos Manguezais
e a Amazocircnia das florestas Habitar esses espaccedilos eacute um desafio
agrave inteligecircncia agrave convivecircncia com a diversidade Esse eacute o
patrimocircnio que as populaccedilotildees originaacuterias e tradicionais da
Amazocircnia oferecem para o diaacutelogo com outras culturas e
saberes
Logo estudar a Amazocircnia Legal significa tambeacutem conhecer seu processo de
ocupaccedilatildeo e reocupaccedilatildeo identificando sobretudo as dinacircmicas de resistecircncia e as
estrateacutegias de sobrevivecircncias dos diferentes sujeitos que a habitavam (iacutendios
quilombolas sertanejos seringueiros ribeirinhos e outros povos)
Esses grupos se veem diariamente diante da obrigatoriedade de criar e recriar
taacuteticas para enfrentar as novas territorialidades impostas pelos grupos empresariais
capitalistas em sua loacutegica segundo a qual a terra eacute um objeto de negoacutecio Para as
populaccedilotildees tradicionais a terra eacute uma condiccedilatildeo de trabalho e sobrevivecircncia
Barrozo (2010 p 8) considera que ldquo[] o processo de integraccedilatildeo da
Amazocircnia provocou o corte dos espaccedilos por meio da construccedilatildeo de rodovias
desencadeando um processo raacutepido e violento de expropriaccedilatildeo domiacutenio e controle das
aacutereas jaacute povoadas por populaccedilotildees tradicionais daquela regiatildeordquo
Assim como Ianni (1990) Barrozo (2010) assegura que a reocupaccedilatildeo da
Amazocircnia por meio do artifiacutecio da colonizaccedilatildeo privada e dirigida tinha como principal
objetivo acolher a populaccedilatildeo que ldquosobravardquo do processo de modernizaccedilatildeo da agricultura
do Centro-Sul do paiacutes As empresas colonizadoras e agropecuaacuterias aleacutem de se utilizar
dos recursos puacuteblicos executados de forma predatoacuteria provocaram uma transformaccedilatildeo
significativa nos aspectos sociais culturais e ambientais daquele espaccedilo
Para Souza (2009 p79)
A (re) ocupaccedilatildeo do nordeste de Mato Grosso por grandes
empresas incentivadas pelo governo federal a partir da deacutecada
de 70 do seacuteculo XX tem revelado muacuteltiplos conflitos embates
e disputas pelos usos e posse da terra A partir de 1964 os
governos militares elaboraram e conduziram um projeto de
ocupaccedilatildeo e controle de acesso agraves terras na Amazocircnia
materializado pelo Estatuto da Terra (Lei 450464)
31
Destacamos que apesar dessas mudanccedilas consideradas progressistas
conforme o Estatuto da Terra (1964) quando analisadas no campo da operacionalidade
praacutetica natildeo redundaram em uma maior distribuiccedilatildeo de terras para os migrantes natildeo
tendo ocorrido alteraccedilatildeo na dinacircmica de concentraccedilatildeo da terra No entanto mantecircm o
movimento de retorno de muitos migrantes antes e agora expulsos pela expansatildeo do
agronegoacutecio sobretudo pela cultura da soja e criaccedilatildeo de gado para corte e leite
Na perspectiva histoacuterica do processo de reocupaccedilatildeo do Araguaia Barrozo
(2010 p 8) afirma
A partir de 1968 comeccedilaram a chegar ao Araguaia agraves grandes
empresas atraiacutedas pelos incentivos fiscais da Sudam Estas
empresas originaacuterias do Sul e Sudeste se apropriaram de
grandes aacutereas de terra no entatildeo municiacutepio de Barra do Garccedilas
onde instalaram os projetos agropecuaacuterios Neste periacuteodo foram
criados vaacuterios povoados e vilas onde se concentra o comeacutercio e
a prestaccedilatildeo de serviccedilos Entre os nuacutecleos populacionais deste
periacuteodo destacam-se Porto Alegre do Norte Alto da Boa Vista
Confresa As agropecuaacuterias desmataram grandes aacutereas de
Cerrado e de floresta para o plantio de pastagens e algumas
empresas deixaram suas terras incultas agrave espera de valorizaccedilatildeo
Com a reduccedilatildeo e extinccedilatildeo gradativa dos incentivos e subsiacutedios
fiscais da Sudam muitas empresas agropecuaacuterias reduziram
suas atividades na regiatildeo e algumas venderam suas
propriedades
Percebemos que o processo de reocupaccedilatildeo das terras do Araguaia natildeo fugia
agraves caracteriacutesticas do que ocorrera nas demais aacutereas da Amazocircnia Legal que era
apresentada no cenaacuterio nacional como uma grande extensatildeo de terra despovoada onde
havia extensos espaccedilos considerados ldquovaziosrdquo
Essa concepccedilatildeo teve origem no programa ldquoMarcha para o Oesterdquo que
selecionou o Centro-Oeste brasileiro como alvo privilegiado para a implantaccedilatildeo dos
grandes projetos de expansatildeo visando agrave ocupaccedilatildeo territorial Destacamos a Fundaccedilatildeo
Brasil Central cujo objetivo era construir estradas e ldquopacificarrdquo as sociedades indiacutegenas
existentes nos vales do Araguaia e Xingu Nesse sentido Soares (2004 p 98) assinala
que
32
A opccedilatildeo de investimento a fim de promover o desenvolvimento
da Amazocircnia abrangendo o Vale do Araguaia parte do nordeste
de Mato Grosso foi pela instalaccedilatildeo de grandes projetos
agropecuaacuterios para produccedilatildeo de proteiacutenas de carne bovina para
exportaccedilatildeo Os primeiros projetos aprovados pela Sudam
implantados no Vale do Araguaia datam de 1966 destacando-se
a Agropecuaacuteria Suiaacute Missuacute SA com uma aacuterea de 695 843
hectares que corresponde aproximadamente a 300000
alqueires localizada no atual municiacutepio de Satildeo Feacutelix do
Araguaia A partir de 1966 muitos outros projetos foram sendo
instalados
De acordo com a descriccedilatildeo do autor as poliacuteticas de desenvolvimento
econocircmico da Amazocircnia promovidas pelo Governo Federal sob a supervisatildeo da
Superintendecircncia de Desenvolvimento da Amazocircnia (Sudam) desde o iniacutecio de sua
criaccedilatildeo despertaram o interesse de empresaacuterios regiotildees Sudeste e Sul do Brasil Os
mesmos viam na constituiccedilatildeo do desenvolvimento regional a possibilidade de maior
enriquecimento por meio dos grandes projetos agropecuaacuterios e de colonizaccedilatildeo
madeireiros e mineradores As empresas eram atraiacutedas pelos incentivos fiscais cuja
propaganda produzia o imaginaacuterio da terra em abundacircncia e financiamentos a juros
baixos
Sobre o imaginaacuterio e os efeitos da propaganda em torno das possibilidades de
riqueza advinda do trabalho com a terra Arauacutejo (2013 p 250) em sua pesquisa
ldquoTerritoacuterios Amazocircnicos e o Araguaia Mato-grossense configuraccedilotildees de modernidade
poliacuteticas de ocupaccedilatildeo e civilidade para os sertotildeesrdquo ao analisar os artifiacutecios ocorridos na
execuccedilatildeo das poliacuteticas de desenvolvimento no Araguaia afirma
As propagandas dos ldquonegoacutecios fundiaacuteriosrdquo do Vale do Araguaia
eram veiculadas pelos meios de comunicaccedilatildeo locais (raacutedio
televisatildeo jornais) anunciando facilidades aos interessados o
que muito atraiacutea pessoas com histoacuterico familiar vinculado agraves
praacuteticas campesinas que desejavam possuir eou aumentar o
proacuteprio patrimocircnio aleacutem da possibilidade de assegurar a
manutenccedilatildeo da famiacutelia pensando numa estabilidade
socioeconocircmica
Agrave luz da concepccedilatildeo da autora afirmamos que as empresas se valiam de
diferentes estrateacutegias sobretudo o uso dos recursos midiaacuteticos para propagarem o
discurso e o imaginaacuterio em torno da terra abundante e apropriada para agricultura E
33
assim mobilizar migrantes de vaacuterias regiotildees do Brasil em busca do sonho em ter a
posse da terra e condiccedilotildees para produzir e adquirir riqueza
Ainda em conformidade com Arauacutejo (2013) eacute possiacutevel afirmar que havia
entre os grupos de migrantes perfis sociais econocircmicos e culturais muito diferentes
pois de um lado estavam as famiacutelias que planejaram as mudanccedilas no espaccedilo e do
outro aquelas que chegaram ao Araguaia mato-grossense por acaso
Nesta mesma perspectiva Paret (2012 p 17) avalia a formaccedilatildeo
socioeconocircmica do Araguaia como a realizaccedilatildeo da integraccedilatildeo entre as populaccedilotildees
tradicionais (povos indiacutegenas) e migrantes ldquodos quatro cantos do paiacutesrdquo que em sua
maioria eram ldquo[] retirantes espontacircneos colonos pioneiros e audaciosos
trabalhadores temporaacuterios (boias-frias) migrantes que emigram sem descanso fugindo
da pobreza em busca de novas oportunidadesrdquo Observamos que a visatildeo do autor citado
eacute problemaacutetica pela exaltaccedilatildeo de um ideal do pioneiro parte daquilo que consideramos
como histoacuteria oficial
Como o INCRA natildeo assegurou terras para os migrantes desprovidos de
capital financeiro para aquisiccedilatildeo de lotes estes passaram a reocupar aacutereas jaacute povoadas
pelas populaccedilotildees indiacutegenas terras da Uniatildeo ou de fazendas improdutivas Esta situaccedilatildeo
gerou diversos conflitos entre diferentes grupos sociais no Araguaia mato-grossense
Nesse contexto o municiacutepio de Vila Rica-MT foi formado Esse processo
requer uma anaacutelise especiacutefica
12 A criaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo3 do municiacutepio de Vila Rica-MT
A formaccedilatildeo de Vila Rica-MT teve seu desenvolvimento intensificado a partir
da deacutecada de 1980 tendo por base quatro Projetos Agropecuaacuterios Aracati Satildeo Marcos
Porangaba e Promissatildeo Posteriormente essas agropecuaacuterias foram transformadas em
projeto de colonizaccedilatildeo privada com a criaccedilatildeo da empresa de Serviccedilo Auxiliares da
Agropecuaacuteria LTDA (Servap) que procurou a efetivaccedilatildeo do projeto de colonizaccedilatildeo por
meio da empresa Colonizadora Vila Rica-MT Ltda
3 A Lei n 4381 de 12 de novembro de 1981 criou o Distrito de Vila Rica com territoacuterio
pertencente agrave Santa Terezinha e no dia 13 dias de maio de 1986 pela Lei Estadual n 5001 foi
criado o municiacutepio de Vila Rica
Disponiacutevel em
lthttpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=510860ampsearch=mato-
grosso|vila-ica|infograficos-historicogt Acesso em 21082015
34
Logo o municiacutepio inseriu-se em muacuteltiplos contextos de reocupaccedilatildeo da terra e
de financiamento de projetos agropecuaacuterios madeireiros e de colonizaccedilatildeo localizados
no nordeste do estado de Mato Grosso na faixa fronteiriccedila com os estados do Paraacute e
Tocantins como mostra a figura que se segue
Figura 01 Mapa de Propaganda da Colonizadora Vila Rica-MT
Fonte Servap apud Martini 2002 p12
Observamos na imagem que os escritos da propaganda da empresa
colonizadora se vinculavam agrave ideia de que ldquoeacute faacutecil conhecer Vila Ricardquo tendo ao lado
um mapa desatacando visualmente as rotas de estradas que ligavam o Sul do paiacutes ateacute o
Norte e tendo Vila Rica como ponto estrateacutegico nessa rota Ademais a mensagem
35
escrita eacute clara pretendia- se atrair compradores de terra de outras regiotildees que
organizassem ldquocaravanasrdquo para conhecer e investir no municiacutepio de Vila Rica
Na deacutecada de 1970 um soacutecio da Servap resolveu transformar juridicamente a
sua aacuterea territorial em uma empresa especializada e autorizada para atuar como
ldquoempresa de colonizaccedilatildeordquo O objetivo foi o de obter junto ao Governo Federal
autorizaccedilatildeo para lotear a aacuterea da agropecuaacuteria e comercializar os lotes utilizando os
incentivos fiscais oferecidos na eacutepoca pela Sudam Aleacutem da especulaccedilatildeo caracterizada
pela valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria das terras com baixa eficiecircncia produtiva a empresa
procurava garantir com isso a presenccedila de trabalhadores que serviriam de matildeo obra nas
proacuteprias fazendas Esse processo foi caracterizado por Ianni (1978) como ldquoContra
Reforma Agraacuteriardquo
Segundo Guimaratildees Neto (2007 p 7)
Nesse sentido eacute que as novas cidades surgiram no territoacuterio
amazocircnico articuladas a uma grande rede viaacuteria e ao mercado
capitalista natildeo satildeo resultados ldquonaturaisrdquo do movimento de
deslocamento dos diversos grupos sociais que para laacute se
dirigiram denominado de processo migratoacuterio Relacionam-se
muito mais a um conjunto de praacuteticas organizadoras de poliacuteticas
de controle e monopoacutelio da exploraccedilatildeo da riqueza por parte dos
grandes empresaacuterios e proprietaacuterios As cidades trazem inscritas
em seu espaccedilo as praacuteticas sociais de segregaccedilatildeo de violecircncia e
de cerceamento dos direitos civis que natildeo podem ocultar Mas
natildeo soacute isto manifesta a todo o momento praacuteticas de resistecircncia
atuaccedilotildees de organizaccedilotildees civis e religiosas demarcando um
territoacuterio de conflito
Para a autora as cidades emergidas no territoacuterio da Amazocircnia natildeo resultaram
de um movimento espontacircneo de migraccedilatildeo mas sobretudo foram embasadas de uma
poliacutetica de controle do capital financeiro manipulado pelos interesses dos grupos
empresariais Ao mesmo tempo as novas cidades se constituiacuteram enquanto espaccedilos de
conflitos e praacuteticas de violecircncia marcados pelos conflitos motivados pelas diferenccedilas
sociais culturais e religiosas
Nesse quadro de especulaccedilatildeo imobiliaacuteria com as terras do Araguaia mato-
grossense o processo de colonizaccedilatildeo de Vila Rica foi iniciado pela SERVAP na deacutecada
de 1990 e continuado pela Colonizadora Vila Rica Ltda O foco da colonizaccedilatildeo estava
na venda de lotes rurais para os migrantes que vieram em busca de terra
36
O relato a seguir descreve o momento em que os posseiros e colonos
chegaram assim como a abertura e demarcaccedilatildeo do espaccedilo urbano e rural do municiacutepio
de Vila Rica-MT Tambeacutem eacute evidente na memoacuteria social e na percepccedilatildeo individual o
momento da venda dos lotes segundo a memoacuteria social e a percepccedilatildeo individual dos
entrevistados
[] Eu vi a oportunidade de ver ali onde hoje eacute o coleacutegio
estadual em selva em mata Vi desmatar vi formar pasto e
depois tirar o pasto para fazer a cidade e deixar aquela aacuterea
especial para a construccedilatildeo do coleacutegio Tive a oportunidade de
acompanhar com o topoacutegrafo a demarcaccedilatildeo dos lotes e das
ruas da cidade Quando a colonizadora vendia uma aacuterea de
terra rural de 400 hectares ela dava na cidade
ldquogratuitamenterdquo dois lotes de terra um no centro e outro mais
afastado isso para que as pessoas construiacutessem a fim de
expandir a cidade [] (ENTREVISTA com Dioniacutesio ex-
funcionaacuterio da colonizadora realizada por Acircngela Martini em
novembro de 2001 Grifos nossos)
Podemos identificar atraveacutes dessa fonte oral a percepccedilatildeo dos colonos em
relaccedilatildeo agraves transformaccedilotildees ocorridas nos espaccedilos em que o rural foi ganhando
caracteriacutesticas de urbanizaccedilatildeo mas tambeacutem as estrateacutegias da colonizadora para atrair os
compradores de terra Outro depoimento oral demonstra como ocorria a
comercializaccedilatildeo de lotes
Na verdade quando surgiu Vila Rica eles esparramaram
vendendo para todo o Brasil O pessoal fazia troca trocavam
um alqueire paulista por um alqueire aqui Geralmente trocava
dois por um A terra laacute era mais valorizada (ENTREVISTA
com Gilmar agricultor familiar de Vila Rica-MT realizada pela
autora em marccedilo de 2015)
Atraveacutes desse processo de acesso agrave terra por meio de compra de lotes com o
capital oriundo da venda de terras no local de origem muitos migrantes de vaacuterias
localidades do Brasil sobretudo nos estados do Paranaacute Santa Catarina Rio Grande do
Sul Goiaacutes e Minas Gerais onde ocorriam transformaccedilotildees na estrutura agraacuteria e a
modernizaccedilatildeo da agricultura foram para Vila Rica buscando realizar o sonho de
adquirir uma ldquoaacutereardquo equivalente agrave que haviam vendido na regiatildeo de origem ou entatildeo
uma aacuterea ainda maior
37
Dentre os sonhos e os projetos de vida desses migrantes estava a
possibilidade de produzir com fartura melhorar de vida ou ateacute enriquecer atraveacutes do
trabalho na terra O depoimento do secretaacuterio de agricultura do municiacutepio de Vila Rica-
MT ilustra essa situaccedilatildeo tendo por base sua trajetoacuteria pessoal
Eu nasci em Santa Catarina no ano de 1975 e quando eu tinha
10 anos de idade os meus pais mudaram para o estado de Mato
Grosso Na eacutepoca a gente jaacute morava no estado do Paranaacute
Chegamos no dia 9 de junho de 1985 Vila Rica ainda era
distrito de Santa Terezinha e aiacute fomos direto para o Projeto
Canta Galo que era um projeto de colonizaccedilatildeo Chegamos agrave
noite em Vila Rica e fomos direto para o Canta Galo era soacute
mato e noacutes jaacute chegamos destruindo tudo porque a gente jaacute
chegou para fazer roccedila para comeccedilar a trabalhar []
A gente veio com pessoal conhecido Meus pais eu e os meus
irmatildeos A nossa famiacutelia veio completa e mais cinco famiacutelias
vieram em busca de melhorias de vida Sempre mexemos com
sitio Moramos na roccedila pequena propriedade e viemos pra caacute
com a intenccedilatildeo de conseguir uma aacuterea maior Queriacuteamos ficar
ricos mas o que aconteceu foi o contraacuterio (ENTREVISTA
com Gilmar agricultor familiar de Vila Rica-MT realizada pela
autora em marccedilo de 2015)
A anaacutelise da fonte oral permite averiguar que a empresa SERVAP
posteriormente denominada de Colonizadora Vila Rica Ltda tambeacutem lanccedilou matildeo de
diversos recursos midiaacuteticos fazendo investimentos em propaganda a fim de difundir a
ideia da boa qualidade da terra boa e seu baixo preccedilo Esse trabalho de divulgaccedilatildeo
influenciou pessoas que decidiram migrar procurando um espaccedilo promissor com terras
boas
Dentro dessa perspectiva a visualizaccedilatildeo e leitura de um dos panfletos
publicitaacuterios nos ajudou a visualizar as estrateacutegias de propaganda utilizadas pela
colonizadora no caso do municiacutepio de Vila Rica
A propaganda facilitava a venda dos lotes acelerando a reocupaccedilatildeo dos
espaccedilos urbanos e rurais como retrata o panfleto utilizado pela empresa para difundir o
seu ideaacuterio de construccedilatildeo social A imagem de trabalhadores rurais ldquocarpindordquo
demonstra que o ideal seria a migraccedilatildeo de colonos agricultores com perfil de quem
sabia produzir plantar e colher produtos agriacutecolas A frase ldquoTerra feacutertil e urbanizadardquo
demonstra no entanto que se prometia uma estrutura urbana para oferecer uma ldquovida
feliz para vocecirc e sua famiacuteliardquo Ou seja um evidente apelo aos valores tradicionais da
38
famiacutelia atrelados agrave ideia de felicidade a ser conquistada atraveacutes da compra de terras no
municiacutepio de Vila Rica-MT
Todos esses elementos podem ser observados na Figura 2
Figura 2 Folder de Propaganda da Colonizaccedilatildeo Vila Rica-MT
Fonte SERVAP apud Martini 2002 p14
Portanto os colonos que compraram terras e se mudaram para Vila Rica
sofreram as investidas das empresas atraveacutes das propagandas que descreviam as terras
como sendo boas e baratas conforme mostra o panfleto da colonizadora ldquoConheccedila Vila
Rica Mato Grosso terra feacutertil e urbanizada vida feliz para vocecirc e sua famiacuteliardquo A
imagem criava um imaginaacuterio acerca do lugar como o ideal para se morar e prosperar
economicamente A loacutegica era de fixaccedilatildeo do homem na terra passada de pai para filho
apelo aos agricultores de tradiccedilatildeo ldquocamponesardquo 4
4 Sobre essa questatildeo Martini (2002) em sua monografia de graduaccedilatildeo em Histoacuteria a qual eacute intitulada
como Cotidiano e Identidade Cultural em Vila Rica ndashMT uma cidade de colonizaccedilatildeo recente apresenta
39
Nesse aspecto o relato oral a seguir se constitui numa exemplificaccedilatildeo da
forma como que os artifiacutecios da propaganda persistem na memoacuteria dos atores sociais
As propagandas ih Eles passavam slides mostravam como
era aqui em Vila Rica da cidade das roccedilas das lavouras das
plantaccedilotildees de soja milho Propaganda na raacutedio passava muito
direto mesmo e tambeacutem na televisatildeo passava propaganda
sobre a Vila Rica Tinha tambeacutem gravaccedilotildees de mulheres daqui
da Vila que faziam entrevista na raacutedio Elas diziam assim olha
gente aqui em Vila Rica noacutes estamos bem noacutes temos coleacutegio
falava falava do coleacutegio Faziam propaganda muita entrevista
na raacutedio Eles iludiam muito o pessoal (ENTREVISTA com
Izolde Baacuteo ex-colona realizada por Acircngela Maria Martini em
04032001)
Logo podemos compreender que as propagandas eram criadas pela empresa
colonizadora mas que tinham participaccedilatildeo dos proacuteprios colonos que incentivavam a
vinda de outros A colonizadora incentivava essa participaccedilatildeo dos colonos para o
chamamento - atraveacutes da ideia de que quanto mais colonos viessem para a aacuterea e
comprassem terra mas proacutesperas seriam aquelas terras
Outro fator altamente atrativo foi a divulgaccedilatildeo do projeto urbaniacutestico da
cidade de Vila Rica-MT cujo ldquocorpordquo lembra a figura de um sino Conforme IBGE
Cidades (2015)
A cidade de Vila Rica-MT localizada no nordeste de Mato
Grosso foi cuidadosamente planejada no periacuteodo de sua
fundaccedilatildeo O traccedilado da cidade lhe daacute um formato de sino tendo
sido idealizado pelo paisagista suiacuteccedilo Dr Roberto Khuno Eacute
dividida em dois setores norte e sul sendo margeada pela BR-
1585
Esse formato do projeto da cidade representa a construccedilatildeo do imaginaacuterio de
um grupo de migrantes praticantes da feacute catoacutelica incorporando princiacutepios religiosos a
serviccedilo do capitalismo Ao mesmo tempo mostra uma forte aproximaccedilatildeo entre os
colonos e os donos da empresa colonizadora com a Igreja Catoacutelica Essa representaccedilatildeo
arquitetocircnica da cidade mostra que a mesma foi planejada a partir de uma concepccedilatildeo
religiosa com a qual o desenvolvimento se entrelaccedilaria Objetivou-se a construccedilatildeo do
uma reflexatildeo bastante rica em detalhes construiacuteda a partir das narrativas orais e de imagens relacionadas
ao processo de formaccedilatildeo da cidade de Vila Rica no Estado de Mato Grosso 5Disponiacutevel em
lthttpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=510860ampsearch=mato-
grosso|vila-rica|infograficos-historicogt Acesso em 2102015
40
imaginaacuterio coletivo de uma cidade civilizada com uma Igreja dentro dos moldes
europeus Assim como na histoacuteria europeia moderna a religiatildeo e a eacutetica do capitalismo
se fundem em um processo que
possivelmente pode ter sido utilizado pela
colonizadora6
Figura 3 Planta ou Projeto urbaniacutestico da cidade de Vila Rica-MT
Fonte Arquivo da Prefeitura de Vila Rica-MT 2015
Atraveacutes da visualizaccedilatildeo da figura 3 fica evidenciado que o projeto
urbaniacutestico ou a planta da aacuterea urbana do municiacutepio de Vila Rica partiu de um projeto
com base em um ldquoconceitualrdquo religioso Em outra planta que projeta a aacuterea de expansatildeo
urbana eacute perceptiacutevel que foi mantido o formato do sino inicial mas com acreacutescimo de
aacutereas agrave direita e uma base que natildeo desconfigurou o desenho inicial
Guimaratildees Neto (2000) considera que no universo simboacutelico da ldquocidade
colonizadardquo tudo parece ter sentido e significado Haacute um lugar certo para cada coisa ou
situaccedilatildeo por exemplo espaccedilo para a praccedila comeacutercio bairros residenciais bairros para
os oacutergatildeos puacuteblicos e institucionais avenidas e bairros residenciais dos trabalhadores Eacute
a ideia de cidade organizada enfim de um povo que organiza devidamente o seu espaccedilo
de convivecircncia social Todavia nesse cenaacuterio desenhado natildeo haveria espaccedilo para o
6 Para uma melhor compreensatildeo ver o caso de Fontanilha Juiacutena-MT analisado por JOANONI
NETO Vitale Fronteiras da Crenccedila ocupaccedilatildeo no Norte de Mato Grosso apoacutes 1970 Cuiabaacute
Carlini amp Caniato EdUFMT 2007
41
surgimento das periferias uma vez que a existecircncia delas desmontaria todo o ideaacuterio
urbaniacutestico da cidade de progresso e de civilizaccedilatildeo
Eacute notoacuteria a riqueza de detalhes nos projetos urbaniacutesticos das cidades
planejadas de colonizaccedilatildeo recente de Mato Grosso As marcas da organizaccedilatildeo tecircm
sempre uma perspectiva marcante no universo de signos e significados como foi
registrado por Guimaratildees Neto (2000 p 7) ao apontar que a cidade se projeta ldquo[]
como uma metaacutefora privilegiada da passagem-comunicaccedilatildeo e separaccedilatildeo entre diversos
mundos e por que natildeo paisagem desenhada por um rico mosaico de linguagens
diversasrdquo
Nesse aspecto quem chegou primeiro fez parte da construccedilatildeo quem chegou
depois tambeacutem foi inserido nessa loacutegica organizativa porque parte dos colonos que
permaneceram na cidade se incorporou ao trabalho prestando serviccedilos ou abrindo
comeacutercios inserindo-se nesse universo de desejo siacutembolos sentidos e significados de
viver em uma cidade com caracteriacutesticas e paisagem adequadas aos moldes dos grandes
centros urbanos
O imaginaacuterio coletivo acerca da concepccedilatildeo de progresso se constituiu de
forma eficaz nessa representaccedilatildeo da cidade em seus primeiros tempos distinguindo os
acontecimentos iniciais construiacutedos com a participaccedilatildeo de homens e mulheres vindos
das diferentes regiotildees do Brasil Essa diversidade cultural se explicita nos detalhes de
construccedilatildeo das casas na maneira de falar e de organizar a paisagem urbana enfim
torna-se proacuteprio de uma cidade de todos para todos desde que devidamente organizados
em seus espaccedilos sociais
Noutra abordagem sobre as narrativas e a formaccedilatildeo de cidades do processo de
colonizaccedilatildeo recente Guimaratildees Neto (2007 p 7) exemplifica
Trabalhadores sem-terra e mesmo pequenos proprietaacuterios
denominados de colonos invertem as programaccedilotildees e previsotildees
das empresas colonizadoras Por meio de accedilotildees coletivas e de
enfrentamentos conflituosos provocam mudanccedilas de aacutereas
planejadas para determinados fins com funccedilotildees diferentes do
que estava previsto As proacuteprias empresas e depois os poderes
puacuteblicos instalados criam ldquobairros novosrdquo a fim de controlar e
administrar a chegada de diversos trabalhadores pobres como
na cidade de Vila Rica-MT onde se organiza a mudanccedila da
cadeia puacuteblica do cemiteacuterio e da zona de meretriacutecio para o
bairro Vila Nova destinado a pessoas de comprovada baixa
renda e com maior nuacutemero de dependentes (Lei municipal nordm
42
19693 de 09121993) extinguindo o popular ldquoPau Secordquo a
primeira aacuterea de meretriacutecio que ocupava um espaccedilo
considerado nobre para a cidade
Em conformidade com a concepccedilatildeo da autora afirmamos que satildeo os atores
histoacutericos atraveacutes de diferentes estrateacutegias e accedilotildees que realizam os desdobramentos e
permitem uma multiplicidade de accedilotildees e efeitos de suas praacuteticas eacute que vatildeo
ldquodesvendando inventando e desenhandordquo os locais da cidade que encenam os contrastes
sociais e culturais Nesse aspecto grupos sociais acabam modificando o projeto inicial e
inserindo nele seu proacuteprio modo de constituir a vida em sociedade
Outra estrateacutegia utilizada para facilitar o processo de venda dos lotes foi a
definiccedilatildeo dos criteacuterios de seleccedilatildeo do puacuteblico alvo das investidas de vendas pela
empresa colonizadora Nesse cenaacuterio surgiram os pequenos proprietaacuterios de terras do
Sul do Brasil os quais dispunham de capital para investir na compra de lotes da
colonizadora Tambeacutem havia a negociaccedilatildeo por meio da troca de terra e da carta de
creacutedito como ocorreu com as pessoas que haviam sido desapropriadas para a
construccedilatildeo da barragem da Usina de Itaipu no Paranaacute de onde migraram diversas
pessoas para Vila Rica-MT Essa negociaccedilatildeo era feita com intermediaccedilatildeo de instituiccedilatildeo
bancaacuteria
Ainda relacionando a reorganizaccedilatildeo dos espaccedilos em Vila Rica sob a
conduccedilatildeo da colonizadora eacute importante considerar que houve tentativas no sentido de
destinar pequenas aacutereas de terra situadas nos fundos das fazendas para ldquoaliviarrdquo a
pressatildeo dos trabalhadores rurais Inclusive ex-funcionaacuterios da empresa SERVAP com
o objetivo de evitar a invasatildeo por parte dos ldquoposseirosrdquo acabavam sendo incorporados
por esses procedimentos de especulaccedilatildeo imobiliaacuteria praticados pela Colonizadora Vila
Rica
Semelhante situaccedilatildeo nos remete a uma anaacutelise que demonstra ter havido uma
relaccedilatildeo entre as intenccedilotildees dos representantes da Servap tanto em relaccedilatildeo aos objetivos
do INCRA quanto ao destino de parte da aacuterea para o processo de colonizaccedilatildeo oficial
Segundo Barrozo (2010 p 18) ldquo[] para os camponeses do Sul o governo oferecia a
possibilidade de adquirir um lote de 100 ou 200 hectares em um nuacutecleo do INCRA
com infraestrutura estrada e tudo mais que a propaganda oficial anunciava para
sensibilizar os agricultoresrdquo
43
No caso do processo de reocupaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica a
documentaccedilatildeo7 analisada demonstrou que havia entre os primeiros moradores
concepccedilotildees diferentes acerca do processo de ocupaccedilatildeo e reocupaccedilatildeo das terras naquela
aacuterea As fontes nos possibilitam ainda identificar as estrateacutegias adotadas para arquitetar
o imaginaacuterio sobre os ldquoditos pioneirosrdquo que pode ser identificado atraveacutes das narrativas
oficiais sobre as histoacuterias do lugar que se tornam discursos
Poreacutem a realidade contemporacircnea tambeacutem pode ser pensada por outra
perspectiva configurada de outro modo demonstrando a presenccedila indiacutegenas na regiatildeo
Nos sites do IBGE Cidades e da Prefeitura de Vila Rica natildeo haacute menccedilatildeo sobre a
presenccedila de povos indiacutegenas na aacuterea colonizada Mas segundo Costa e Silva amp Ferreira
(1994 p 248)
O povo indiacutegena ldquoTapirapeacuterdquo que habitou imemorialmente as
terras do lugar foram remanejados para municiacutepios vizinhos
em aacutereas especialmente reservadas Estes foram na verdade os
grandes pioneiros do lugar povo sofrido sentindo-se sem
perspectivas de vida iniciaram um processo de auto
dizimazizaccedilatildeo Tudo comeccedilou com forte conflito cultural que se
abateu sobre os poucos ldquoTapirapeacutesrdquo que restaram Accedilatildeo
seguinte que se viu foi agrave eliminaccedilatildeo de crianccedilas receacutem-nascidas
No entanto a interferecircncia de religiosas natildeo permitiu que se
concretizasse o desejo coletivo de extinccedilatildeo do ldquoTapirapeacuterdquo como
naccedilatildeo (Grifos nossos)
A citaccedilatildeo eacute importante para destacar a presenccedila do povo indiacutegena Tapirapeacute na
aacuterea que foi colonizada no entanto eacute uma visatildeo problemaacutetica no que diz respeito agrave
ideia de que os povos indiacutegenas foram pioneiros uma vez que essa concepccedilatildeo eacute oriunda
de projetos de Governo e de uma visatildeo economicista de ocupaccedilatildeo de territoacuterio natildeo eacute
parte da concepccedilatildeo de terra para povos indiacutegenas voltada agrave identidade e memoacuteria do
lugar Certamente para os autores pioneiro significou aquele que primeiro ocupou o
solo e natildeo seu entendimento no interior do processo de colonizaccedilatildeo contemporacircneo
No entanto existe uma narrativa oficial que ldquoesquecerdquo de citar a presenccedila
indiacutegena e assume um discurso de que os ldquopioneirosrdquo foram os que participaram do
processo de colonizaccedilatildeo privada Isto eacute haacute uma ampla difusatildeo da ideia de que a
7 O termo documentaccedilatildeo refere- se agraves fontes escritas que foram acessadas para a produccedilatildeo das
anaacutelises como eacute o caso dos ofiacutecios cartas relatoacuterios atas e relatos orais
44
validade da ocupaccedilatildeo da terra tem sentido somente quando eacute pensada do ponto de vista
da criaccedilatildeo da cidade e da organizaccedilatildeo social embasada na propriedade privada da terra
Outros atores sociais silenciados foram os migrantes de origem camponesa
de diferentes origens que foram ocupar aquele espaccedilo nas primeiras deacutecadas do seacuteculo
XX conforme descrito por Costa e Silva amp Ferreira (1994 p 248)
No iniacutecio da sua povoaccedilatildeo Vila Rica recebeu forte fluxo
migratoacuterio de povos (sic) de Goiaacutes Minas Gerais e do
Nordeste Fator determinante foi o reflexo da colonizaccedilatildeo de
Nova Xavantina pois o assentamento da Fundaccedilatildeo Brasil
Central natildeo produziu os efeitos que se esperava e os colonos
sem apoio prometido se espalharam pelo Leste e Nordeste do
Estado de Mato Grosso
Novamente a citaccedilatildeo traz problemas ao analisar que os fluxos migracionais
eram realizados por ldquopovosrdquo entendidos enquanto populaccedilotildees mas fornece elementos
para compreendermos como ocorreu uma reocupaccedilatildeo inicial por migrantes poreacutem o
que persiste na histoacuteria oficial descrita no IBGE Cidades (2015) 8 eacute que
A construccedilatildeo da rodovia BR-158 foi fator determinante para a
colonizaccedilatildeo da cidade de Vila Rica -MT favorecendo o
estabelecimento de empresas agropecuaacuterias na regiatildeo O nuacutecleo
que deu origem ao atual municiacutepio tem histoacuteria
relativamente recente Vila Rica - MT foi fundada pelo Sr
Rubens Rezende Peres em 1978 que chegou na regiatildeo
trazendo consigo a Colonizadora Vila Rica-MT Segundo
relatos histoacutericos os primeiros moradores da localidade vieram
de Minas Gerais e homenagearam o lugar que escolheram para
morar com o nome de Vila Rica em referecircncia agrave antiga Vila
Rica de Ouro Preto (Grifos nossos)
Logo dessa maneira registrada a presenccedila indiacutegena e de migrantes que
chegaram antes da colonizaccedilatildeo privada efetivada a partir da deacutecada de 1980 e
consideradas ldquorecentesrdquo decidem considerar que a histoacuteria do municiacutepio somente
comeccedila com essa modalidade de colonizaccedilatildeo
8 Disponiacutevel em
lthttpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=510860ampsearch=mato-
grosso|vila-rica|infograficos-historicogt Acesso em 2102015
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A obra da jornalista Soely Gonccedilalves Santos Pires contratada pela Prefeitura
Municipal de Vila Rica em 2002 para escrever a histoacuteria do municiacutepio eacute um exemplo
que evidencia a versatildeo oficial9
[] Aconteciam as exploraccedilotildees das terras ao nordeste mato-
grossense rotas e demarcaccedilotildees cifradas em aacutereas destinadas agrave
implantaccedilatildeo do arrojado projeto Em meio a tantos apetrechos
no lidar aacuterduo talvez natildeo tenham tido tempo para registrar tudo
em diaacuterio Idas e vindas por iacutengremes caminhos de quilocircmetros
de distacircncias paragens desconhecidas Veredas iam se
alargando mato adentro sol ardente e calor intenso []
venciam-se os empecilhos agrave medida que esses iam surgindo
Natildeo adentravam o sertatildeo em busca de bauacute recheado de
preciosos tesouros enterrados nas profundezas da terra [] A
finalidade era trabalhar Soacute assim conquistariam o almejado
objetivo [] Trabalho avante Em aproximadamente seis meses
de contiacutenuas derrubadas a estiagem com a secagem Nisso
atearam fogo Os dias se passaram Um olhar ao longe no
alcance de vales e serras [] Focando com muita atenccedilatildeo os
limpotildees que iam surgindo propiciando o semear das primeiras
sementes de capim Aiacute estava o representativo ouro dos sertotildees
A Servap foi instituiacuteda no ano 1973 e por seu intermeacutedio
administrava-se toda a assistecircncia no desenvolver das atividades
do projeto desde o princiacutepio A movimentaccedilatildeo era intensa o
serviccedilo mecanizado requeria grande consumo de oacuteleo diesel O
transporte era constante Devido agrave precariedade das estradas o
trajeto era retardo levando de cinco a sete dias para alcanccedilar o
ponto de apoio local onde se situava a SERVAP Hoje ali se
encontra o Frigoriacutefico Vila Rica que por sinal contribuiu muito
natildeo soacute com a economia natildeo soacute da regiatildeo mas tambeacutem de
municiacutepios vizinhos (PIRES 2002 p 10)
O discurso contido nessa narrativa apresenta muacuteltiplos sentidos
primeiramente pode ser analisado como sendo da perspectiva de um explorador de
recursos naturais e de projetos de colonizaccedilatildeo privada mas que se considera um
desbravador com um espiacuterito empresarial e empreendedor Essa observaccedilatildeo pode ser
visualizada na afirmaccedilatildeo de que se tratava da ldquo[] implantaccedilatildeo do arrojado projeto Em
meio a tantos apetrechos no lidar aacuterduo []rdquo Aqui eacute possiacutevel pensar inclusive na ideia
da tentativa de criaccedilatildeo de um mito de origem de um heroacutei de um grupo de homens que
fizeram a histoacuteria da cidade civilizada
9Apesar da ressalva sobre o livro de Soely eacute necessaacuterio afirmar que se trata de uma obra
importante para percebemos a concepccedilatildeo do dono da empresa Servap
46
Esse tipo de discurso exaltando o colonizador foi identificado e interpretado
pela pesquisa de Heinst (2007) que analisou a disputa da memoacuteria de quem era o
colonizador e o pioneiro no municiacutepio mato-grossense de Mirassol D‟Oeste A autora
identificou que foram aqueles pioneiros que tiveram ecircxito econocircmico considerados os
ldquoprimeirosrdquo com o espiacuterito empresarial que enalteceram a colonizaccedilatildeo
Guimaratildees Neto (2002) na anaacutelise de Alta Floresta esclarece que o
colonizador Ariosto da Riva produziu um discurso no qual se auto-intitula ldquobandeirante
do seacuteculo XXrdquo A anaacutelise mostra a perspectiva de quem tem o espiacuterito expansionista
tatildeo recorrente na histoacuteria brasileira e que se renova ao longo do contexto de expansatildeo da
fronteira agriacutecola recente
Sabemos que a narrativa produzida em determinada conjuntura poliacutetica
cultural ou econocircmica estaacute condicionada a um momento histoacuterico e atrelada agrave
linguagem utilizada pode ser uma das vias por onde a ideologia se materializa O
ldquoaventureirordquo eacute descrito e se auto- identifica como explorador e grande desbravador de
espiacuterito empreendedor sendo portanto ele o pioneiro em tudo porque enfrentou
inuacutemeras dificuldades Assim produz discursos embasados em espaccedilos difiacuteceis de
sertatildeo obstaacuteculos naturais e o potencial arrojado do sujeito empreendedor inicial
Aleacutem disso o texto enfatiza que todo esse esforccedilo natildeo tinha como objetivo o
lucro o interesse proacuteprio a cobiccedila como se observa nesse fragmento do texto de Pires
(2002 p 10) ldquo[] Natildeo adentravam o sertatildeo em busca de bauacute recheado de preciosos
tesouros enterrados nas profundezas da terra A finalidade era trabalhar []rdquo Essas
narrativas remetem agrave trajetoacuteria do colonizador e de sua famiacutelia conforme a descriccedilatildeo
Minha histoacuteria comeccedila com o meu pai eacuteramos madeireiros ele
jaacute atuava no ramo por muitos anos faleceu e eu o substituiacute no
trabalho Na deacutecada de 50 me mudei para Satildeo Pedro dos
Ferros cidade jaacute com cinquenta anos de fundaccedilatildeo e sem
nenhuma participaccedilatildeo minha nem de algueacutem da minha famiacutelia
Compramos terra nesse municiacutepio onde foi implantado um
grande serviccedilo chegando a trabalhar dez mil pessoas no
desmatamento e formaccedilatildeo de aacutereas para a implantaccedilatildeo de
fazendas Quando o serviccedilo terminou eu estava com quarenta e
cinco anos de idade Acostumado desde muito cedo com serviccedilo
de grande porte utilizando grande nuacutemero de pessoas []
como fazendeiro comecei a me sentir meio ocioso As
atividades que eu tinha em minha fazenda natildeo eram suficientes
para satisfazer o meu acircnimo para o trabalho (ENTREVISTA
com Rubens Rezende Peres colonizador de Vila Rica realizada
por Suely Gonccedilalves Santos Pires em 2002)
47
Podemos compreender que o colonizador ressalta na sua narrativa seu
perfil de empreendedor advindo de uma ldquoheranccedilardquo adquirida do pai que era
madeireiro Depois vai demonstrando como foi se adaptando agraves novas situaccedilotildees
[] Em Belo Horizonte eu tinha amigos entatildeo participei a
eles sobre a minha pretensatildeo em procurar terras para abrir
novas frentes de trabalho Geraldo Simotildees amigo de longas
datas falou-me ldquoEu arranjo o dinheiro e vocecirc entra com o
serviccedilordquo Convidou uma meia duacutezia de amigos nossos
ldquoAcreditamos na sua capacidade e vocecirc vai pra laacuterdquo Noacutes natildeo
temos experiecircncias suficientes nesse ramo de negoacutecio o que
nos dificultaria particularmente a implantaccedilatildeo de um trabalho
dessa ordem mas entramos com o dinheiro (ENTREVISTA
com Rubens Rezende Peres colonizador de Vila Rica-MT
realizada por Suely Gonccedilalves Santos Pires em 2002)
Neste relato percebe-se a autopromoccedilatildeo do colonizador ao demonstrar que
ele era um ldquotrabalhadorrdquo acostumado com ldquoserviccedilos de grande porterdquo com iniciativa
para conseguir agregar em seus empreendimentos outros ldquoamigosrdquo como Geraldo
Simotildees que foi um dos donos das fazendas abertas naquele periacuteodo Essa narrativa de
autopromoccedilatildeo estaacute dentro de uma loacutegica baseada no ideaacuterio de que o colonizador
deveria ter esse perfil de ldquoempreendedorrdquo e ldquopioneirordquo e que trabalhava e tudo fazia
A narrativa de autopromoccedilatildeo contrapotildee ao esquecimento de outros pioneiros
e trabalhadores na eacutepoca da formaccedilatildeo da cidade O esvaziamento de sentido aparece na
narrativa apenas como apecircndice da construccedilatildeo da histoacuteria oficial do ldquoprogressordquo e do
ldquopioneirismordquo denotando portanto a pouca importacircncia desses trabalhadores Essa
visatildeo reforccedila o discurso do ldquofui eu quem fizrdquo acentuando ainda mais uma visatildeo
capitalista evidenciada e reforccedilada nas referecircncias sobre as contribuiccedilotildees do Frigoriacutefico
de Vila Rica-MT
Guimaratildees Neto (2011 p 95) discute a relaccedilatildeo entre a colonizaccedilatildeo e os
dispositivos de poder a partir do imaginaacuterio da cidade sobre o trabalho A autora afirma
que ldquo[] no acircmbito dos discursos objetivam dotar de significado poliacutetico econocircmico e
social os espaccedilos destinados agrave colonizaccedilatildeo a pedra angular eacute a produccedilatildeo da ideia ou
invenccedilatildeo de uma vocaccedilatildeo agriacutecola para a Amazocircniardquo Entatildeo temos nesse caso uma
aproximaccedilatildeo dessa realidade entre os espaccedilos sociais e as contribuiccedilotildees dos sujeitos
para uma Paacutetria produtiva a partir de seus municiacutepios
48
A seguir temos outro exemplo de como o discurso do colonizador soa como
uma reivindicaccedilatildeo em torno do reconhecimento por parte de todos os demais sujeitos
histoacutericos jaacute que foi ele quem construiu tudo em uma eacutepoca em que tudo era muito
difiacutecil e trabalhoso
[] Fui para aquela regiatildeo procurei as terras sobrevoando a
regiatildeo mais sul possiacutevel do Amazonas Interessei-me pela
regiatildeo por ficar mais perto do sul Eu acreditava que a
influecircncia do Sul no futuro seria importante Achei finalmente
as terras [] Procurando passei em muitas fazendas para
verificar como os capins se desenvolviam naquelas regiotildees e
finalmente descobri uma aacuterea que satisfez minhas exigecircncias
[] Eram cento e cinquenta mil hectares comprei de uma
firma do Rio Grande do Sul e posteriormente vendi parte dela
cinquenta mil hectares para fazendeiros de Ituiutaba -MG O
restante eu fiz sete fazendas para este grupo de Belo Horizonte
que jaacute tinha entrado com o dinheiro para a aquisiccedilatildeo da terra
(ENTREVISTA com Rubens Rezende Peres colonizador de
Vila Rica-MT realizada por Suely Gonccedilalves Santos Pires em
2002)
Ao contraacuterio da narrativa oficial do colonizador que exalta os seus esforccedilos e
problemas o relato oral de alguns colonos demonstra precisamente que foram eles que
enfrentaram os maiores problemas superaram os piores desafios e venceram por
esforccedilos pessoais e coletivos quando necessaacuterio
Noacutes eacuteramos seis famiacutelias aiacute com 15 dias em Mato Grosso o
pessoal comeccedilou adoecer com malaacuteria que ateacute entatildeo era
desconhecida pra gente quando o pessoal foi negociar as
terras disseram que aqui era um lugar muito sadio natildeo tinha
doenccedila Entatildeo quem tinha condiccedilatildeo voltou a ir embora e noacutes
ficamos aqui soacute que aiacute acabou tudo com doenccedila e fomos
trabalhar como peotildees pra quem tinha mais Ai depois de
alguns anos a gente mudou daquele local e procuramos um
lugar onde natildeo tinha doenccedila malaacuteria ateacute chegar na cidade de
Vila Rica-MT voltar a morar na cidade Aqui eu vendia picoleacute
limpava quintal trabalhei de servente de pedreiro ateacute que
surgiu a oportunidade pra ir estudar fora eu fui a estudar em
Satildeo Paulo (ENTREVISTA com Gilmar Assentado realizada
pela autora em marccedilo de 2015 Grifos do autor)
O relato mostra que havia colonos insatisfeitos com a aquisiccedilatildeo do lote e que
tinham vontade ou mesmo conseguiram voltar para seus lugares de origem Poreacutem
49
percebe-se tambeacutem a existecircncia de objetivos na vida destas pessoas como a luta pela
sobrevivecircncia e por ocupaccedilatildeo de destaque no espaccedilo social
Para aleacutem dessa problemaacutetica sobre a narrativa e o discurso do colonizador
um dos elementos principais foi o papel de instituiccedilotildees e oacutergatildeos puacuteblicos na criaccedilatildeo e
emancipaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica que se deu principalmente por meio de
programas e poliacuteticas puacuteblicas ligadas ao incentivo agrave colonizaccedilatildeo e a reocupaccedilatildeo por
meio de empresas agropecuaacuterias
121 O papel das instituiccedilotildees e oacutergatildeo puacuteblicos as empresas agropecuaacuterias
e a colonizadora
Conforme jaacute contextualizado a atuaccedilatildeo do Governo Federal atraveacutes de
projetos e poliacuteticas puacuteblicas foi fundamental para a criaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica-
MT O Programa de Redistribuiccedilatildeo de Terras e de Estiacutemulo agrave Agroinduacutestria do Norte
(Proterra) criado em 1971 foi um dos principais programas federais de financiamento
das agropecuaacuterias daquela aacuterea Esse programa objetivava dentre outras metas
promover o acesso agrave terra e agrave agroindustrializaccedilatildeo na aacuterea onde jaacute havia investimentos
feitos pela Sudam Ressaltamos que os objetivos idealizados natildeo foram necessaria e
igualmente realizados
No discurso do Proterra a ldquo[] aquisiccedilatildeo ou desapropriaccedilatildeo de terras de
interesse social empreacutestimos fundiaacuterios para pequenos e meacutedios produtores rurais
financiamento de projetos de agroindustrializaccedilatildeo subsiacutedios ao uso de insumos
modernos []rdquo Era um programa de governo que idealizou a organizaccedilatildeo de alguns
espaccedilos agraacuterios de maneira singular Cruzando com as fontes orais eacute possiacutevel verificar
o impacto desse programa na formaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica
[] Na eacutepoca o governo estava dando estiacutemulo para a
ocupaccedilatildeo da Amazocircnia Legal Era uma modalidade de
empreacutestimo por nome Proterra que o Banco do Brasil dava
Esse recurso era destinado agrave implantaccedilatildeo de Fazendas na
regiatildeo [] Fiz um projeto para cada um dos meus amigos e
criamos uma empresa para a implantaccedilatildeo das fazendas
denominadas de SERVAP exclusivamente nossa composta por
seis soacutecios e dirigida por meu filho Claudio [] Todo aquele
trabalho no Mato Grosso foi dirigido por mim Implantei todas
as fazendas de acordo com os Projetos do BB fizemos pastos
currais as cercas e compramos o gado para depois de quatro
ou cinco anos poder entregar as referidas fazendas para cada
50
um dos soacutecios [] Nesse periacuteodo surgiu a oportunidade de
comprar mais cem mil hectares de terras anexas agraves nossas e
que pertenciam na eacutepoca ao Sr Osvaldo Aranha ou melhor a
uma empresa dele Logo em seguida compramos a Urupianga
(ENTREVISTA com Rubens Rezende Peres colonizador de
Vila Rica - MT realizada por Soely Gonccedilalves Santos Pires em
2002)
O colonizador Rubens Rezende considera como meacuterito do colonizador
ousadia ldquodesbravamentordquo e ldquoempreendedorismordquo como base apoio e financiamentos
de programas do Governo Federal viabilizados pelo Banco do Brasil A deacutecada de
1970 sobretudo as os anos de 1970-1973 e 1975-1979 foi marcada pela execuccedilatildeo de
um programa de crescimento econocircmico na fronteira Amazocircnica quando o Governo
Federal estimulou as empresas privadas a se constituiacuterem em grandes empreendimentos
agropecuaacuterios Esses projetos eram majoritariamente aqueles que viabilizados pela
parceria entre as empresas estatais e privadas
Na execuccedilatildeo desse projeto de crescimento econocircmico do Brasil sobretudo
para a Amazocircnia o Governo Federal subsidiou e viabilizou a concessatildeo de terras para
que grupos empresariais pudessem instalar grandes projetos tanto no setor
agropecuaacuterio como na induacutestria mineraccedilatildeo e colonizaccedilatildeo No espaccedilo do Araguaia as
empresas agropecuaacuterias tiveram significativa presenccedila
Os projetos e programas do Governo Federal contaram com duas principais
frentes de atuaccedilatildeo atraveacutes da Sudam paralelamente com a atuaccedilatildeo do INCRA com
projetos de assentamentos rurais Assim as terras devolutas foram vendidas pelo
Governo Estadual e adquiridas a preccedilos baixos por empresaacuterios agricultores
profissionais liberais atraiacutedos pelos incentivos fiscais e oportunidades de expansatildeo de
capital fomentado por projetos agropecuaacuterios aprovados pela Sudam Comprar e
administrar extensas fazendas na Amazocircnia parecia ser um bom negoacutecio jaacute que oferecia
baixo risco
Lourenccedilo (2009) informa que no periacuteodo de 1970 a 1985 a Amazocircnia Legal
teve 950 projetos aprovados pela Sudam dos quais 631 eram destinados agrave pecuaacuteria
extensiva Embora a previsatildeo de duraccedilatildeo desses projetos fosse de 16 anos a produccedilatildeo
era em meacutedia 9 do que tinha sido proposto Havia ainda as fazendas agropecuaacuterias
que natildeo produziam praticamente nada aleacutem daquelas que soacute existiam no papel
constituiacutedas apenas para a captaccedilatildeo de financiamentos e incentivos fiscais
51
No iniacutecio da deacutecada de 1970 o Governo Federal permitiu que as empresas de
colonizaccedilatildeo privada participassem juntamente com o INCRA da colonizaccedilatildeo na
Amazocircnia Segundo Lourenccedilo (2009 p 4)
O outro braccedilo da estrateacutegia de ocupaccedilatildeo da Amazocircnia com o
grande capital foi o avanccedilo da colonizaccedilatildeo privada Entre o
comeccedilo dos anos 1970 e meados dos anos 1980 principalmente
no Norte do Mato Grosso empresaacuterios como Ecircnio Pepino
Ariosto da Riva e Joatildeo Carlos Meireles compraram do INCRA
ou do estado do Mato Grosso com financiamento fundiaacuterio do
Proterra imensas glebas para divisatildeo e venda de lotes a colonos
do Sul expulsos pela modernizaccedilatildeo excludente da agricultura
ou afetados pela construccedilatildeo de hidreleacutetricas Os nomes das
cidades na metade norte do estado satildeo reveladores de suas
origens na empresa privada Sinop (Sociedade Imobiliaacuteria
Noroeste do Paranaacute) Confresa (Colonizadora Frenova Sapesa)
Contriguaccedilu (Cooperativa Central Regional Iguaccedilu) Codeara
(Companhia de Desenvolvimento do Araguaia do Banco de
Creacutedito Nacional) e outros nomes menos reveladores mas de
mesma origem como Alta Floresta (Indeco) Nova Mutum
(Agropecuaacuteria Mutum) Vila Rica-MT (Colonizadora Vila
Rica-MT) Tucumatilde (Construtora Andrade Gutierrez no Paraacute)
entre vaacuterios outros (Grifos nossos)
Em Mato Grosso as empresas de colonizaccedilatildeo privada adquiriram vaacuterios
milhotildees de hectares de terras puacuteblicas que foram loteadas e revendidas sobretudo para
agricultores que migraram do Sul do Brasil O INCRA que era responsaacutevel pela
colonizaccedilatildeo na Amazocircnia desenvolveu poucos projetos de colonizaccedilatildeo em Mato
Grosso deixando o campo aberto para as empresas privadas
Pouco foi investido por parte de posteriores Governos Federais e Estaduais na
permanecircncia dos assentados em suas terras centralizando os anseios e reinvindicaccedilotildees
ainda no INCRA Somente em 1999 o Governo Federal criou o Ministeacuterio do
Desenvolvimento Agraacuterio (MDA) Este oacutergatildeo se ocupou do reordenamento agraacuterio e
regularizaccedilatildeo fundiaacuteria na Amazocircnia Legal promoccedilatildeo do desenvolvimento sustentaacutevel
da Agricultura Familiar das regiotildees rurais e na identificaccedilatildeo reconhecimento
delimitaccedilatildeo demarcaccedilatildeo e titulaccedilatildeo das terras ocupadas pelos remanescentes das
comunidades quilombolas
Estes oacutergatildeos (INCRA e MDA) foram responsaacuteveis pelo desenvolvimento da
poliacutetica permanente de criaccedilatildeo de assentamentos rurais no paiacutes enquanto mediadores da
aquisiccedilatildeo ou de expropriaccedilatildeo de novas aacutereas de terras privadas ou puacuteblicas aleacutem da
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realizaccedilatildeo da regularizaccedilatildeo de assentamentos rurais em aacutereas ocupadas por posseiros de
forma ldquomansardquo e paciacutefica ou seja onde natildeo havia conflito
O INCRA definiu o ldquoProjeto de assentamento ruralrdquo (PA) como
[] um conjunto de unidades agriacutecolas independentes entre si
instaladas pelo INCRA onde originalmente existia um imoacutevel
rural pertencente a um uacutenico proprietaacuterio Cada unidade
chamada de parcela lote ou gleba eacute entregue a uma famiacutelia sem
condiccedilotildees econocircmicas para adquirir e manter um imoacutevel rural
por outras vias Os trabalhadores rurais que recebem o lote
comprometem-se a morar na parcela e a exploraacute-la para seu
sustento utilizando a matildeo de obra familiar e contando com
creacuteditos assistecircncia teacutecnica infraestrutura e outros benefiacutecios
de apoio ao desenvolvimento das famiacutelias assentadas Ateacute que
possuam a escritura do lote os assentados estaratildeo vinculados ao
INCRA e natildeo poderatildeo dispor da gleba sem anuecircncia ou
autorizaccedilatildeo do INCRA10
Como assinalado acima o assentamento rural na definiccedilatildeo apresentada pelo
MDA teve como origem um uacutenico imoacutevel rural dividido em vaacuterias partes denominadas
de ldquoparcela lote ou glebardquo Ressalta-se que estes lotes foram destinados ldquo[] a uma
famiacutelia sem condiccedilotildees econocircmicas para adquirir e manter um imoacutevel ruralrdquo e que os
mesmos ldquo[] comprometem-se a morar na parcela e a exploraacute-la para seu sustento
utilizando a matildeo de obra familiarrdquo (INCRA 2015)
No municiacutepio de Vila Rica-MT a criaccedilatildeo e formaccedilatildeo dos assentamentos
rurais teve influecircncia direta no processo de colonizaccedilatildeo e instalaccedilatildeo de projetos
agropecuaacuterios (fazendas) O processo de reocupaccedilatildeo daquele espaccedilo comeccedilou com a
empresa SERVAP que realizou a exploraccedilatildeo desmatamento formaccedilatildeo de pastagens
currais e casas para as fazendas
122 A Servap e a abertura das Fazendas Promissatildeo Satildeo Marcos Aracatiacute e
Porongaba
Apoacutes a ldquoaberturardquo inicial a Servap transferiu parte das terras para a
Colonizadora Vila Rica O colonizador se responsabilizou pela comercializaccedilatildeo das
terras uma vez que seus soacutecios natildeo tinham experiecircncia com esse tipo de
10 Disponiacutevel em lt httpwwwincragovbrassentamentogt Acesso em 19052015
53
empreendimento Assim sendo segundo Pires (2002 p 22) os soacutecios realizaram a
divisatildeo das fazendas entre os mesmos por meio de um sorteio como foi relatado por
alguns funcionaacuterios da antiga empresa SERVAP
A ideia de praticar o sorteio foi vista como estrateacutegia para natildeo gerar
descontentamento jaacute que havia diferenccedila entre as fazendas em termos de valorizaccedilatildeo
da aacuterea o que tinha relaccedilatildeo com a infraestrutura os investimentos realizados e a
distacircncia da fazenda com a estrada por onde passaria a rodovia BR-158
A SERVAP tambeacutem tinha uma serraria e uma oficina de marcenaria para
atender a demanda de exploraccedilatildeo de madeira a qual era utilizada para a construccedilatildeo de
cercas currais e casas No iniacutecio a maioria das casas da aacuterea era construiacuteda com
madeira
Retomando o relato oral do ldquodito pioneirordquo eacute possiacutevel considerar a hipoacutetese
de que a praacutetica de exploraccedilatildeo de madeira esteja relacionada agrave proacutepria experiecircncia de
vida pois eacute ele mesmo quem diz ldquo[] minha histoacuteria comeccedila com o meu pai eacuteramos
madeireiros ele jaacute atuava no ramo por muitos anos faleceu e eu o substituiacute no
trabalhordquo (ENTREVISTA com Mendonccedila apud Soely 2002)
Na sede da empresa havia ainda uma pista para pouso de aviotildees e uma aacuterea
que servia como local de encontro ldquodos peotildeesrdquo que trabalhavam na SERVAP Os peotildees
costumavam ali se reunir nos horaacuterios de folga daiacute o lugar ser nomeado como ldquoPraccedila
Seterdquo Segundo Pires (2002 p 22) o nome era uma homenagem agrave cidade de Belo
Horizonte capital de Minas Gerais jaacute que a grande maioria das pessoas que trabalhava
na Servap era oriunda daquele Estado Esse espaccedilo tambeacutem se constituiu no eixo que
marcava a divisatildeo das quatro fazendas que deram origem ao processo de colonizaccedilatildeo de
Vila Rica conforme a Figura 4
Figura 4 Croqui de localizaccedilatildeo das fazendas
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Fonte PIRES 2002 p 10
E como haviam sido ldquocriadasrdquo segundo o colonizador outras trecircs fazendas a
nova organizaccedilatildeo das agropecuaacuterias ocorreu da seguinte maneira ldquoFazenda Aracati
passou a ser de propriedade apenas de Rubens Rezende Peres A Fazenda Promissatildeo de
propriedade de Geraldo Franccedila Simotildees A Fazenda Porongaba de propriedade de Alair
Fernandes A Fazenda Ipecirc ficou sendo de Jonas Barcelos enquanto a fazenda Satildeo Joseacute
tornou-se propriedade de Homero Schettino Jaacute a Fazenda Satildeo Marcos do senhor
Miguel Acircngelo Cansado e a Fazenda Acaiaca de Tuacutelio Feliacutecio da Silvardquo (PIRES
2002)
Algumas dessas fazendas tornaram-se ociosas em termos de produccedilatildeo outras
nunca tiveram atividade agropecuaacuteria efetivada e outras faliram como foi descrito por
Lourenccedilo (2009 p 4) ao referir-se ao contexto dos projetos agropecuaacuterios na
Amazocircnia sobretudo no Araguaia
[] que existiu de fato foi o conflito crocircnico entre as grandes
fazendas e as populaccedilotildees camponesas que jaacute habitava a suposta
ldquoterra sem homensrdquo [] O Meacutedio Araguaia e a regiatildeo de
contato entre as bacias do Araguaia e Xingu foram palco de
inuacutemeros conflitos violentos entre posseiros apoiados pela
Igreja Catoacutelica e grandes fazendeiros que reclamavam de
imensas porccedilotildees de terra11
11Disponiacutevel em lthttpinteressenacionaluolcombrindexphpedicoes-revistaregularizacao-
fundiaria-e-desenvolvimento-na-amazoniagt Acesso em 28082015
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As aacutereas remanescentes tornaram-se objeto de interesse e disputa por parte de
posseiros agricultores familiares grileiros e fazendeiros Logo natildeo eacute possiacutevel falar de
sucesso contiacutenuo e permanente dos processos de colonizaccedilatildeo ainda que estejam no
ideaacuterio do colonizador Alguns desses projetos privados se sustentaram e deram
resultado poreacutem outros ficaram a mercecirc da administraccedilatildeo dos proprietaacuterios das
empresas colonizadoras
A especificidade da formaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica-MT
estaacute centrada em uma conjuntura regional que pode ser problematizada pela forma com
que os assentamentos rurais foram sendo formados em aacutereas remanescentes de fazendas
e projetos agropecuaacuterios
13 Anos de 1980 a 1990 o Araguaia e a formaccedilatildeo dos assentamentos rurais
Na presente dissertaccedilatildeo produzimos uma narrativa sobre a formaccedilatildeo dos
assentamentos rurais no Araguaia compreendemos que os mesmos resultaram das lutas
travadas pelos movimentos sociais desencadeados pelos posseiros em busca de terra
para morar e produzir Essa concepccedilatildeo pode ser compartilhada com a ideia de que
apesar da evidecircncia de o assentado nem sempre ser aquele idealizado natildeo se pode
perder de vista que ldquoposseirordquo eacute uma categoria poliacutetica de luta pela terra Assim nossa
escrita deseja ampliar a possibilidade de entender esse jogo poliacutetico de construccedilatildeo social
da vida ldquocampesinardquo atraveacutes da luta pela terra
Conveacutem entatildeo compreender que os conflitos e praacuteticas de violecircncia
aplicadas contra os povos indiacutegenas ribeirinhos posseiros e trabalhadores rurais no
Araguaia satildeo em geral consequecircncia das lutas pela posse da terra sobretudo nas
deacutecadas de 1970 1980 e 1990 Naquele periacuteodo as disputas foram marcadas por
embates intensos entre trabalhadores rurais indiacutegenas empresaacuterios comerciantes
fazendeiros e posseiros deixando sequelas sociais profundas Vale lembrar ainda que
esses acontecimentos marcaram a trajetoacuteria de luta pela vida e a memoacuteria dos sujeitos
histoacutericos na dinacircmica de reocupaccedilatildeo e apropriaccedilatildeo dos espaccedilos rurais da aacuterea
Diante do cenaacuterio de luta pela sobrevivecircncia e tentativas de conquistar a
posse da terra eacute bem possiacutevel aceitar e afirmar que se natildeo fosse o apoio e as accedilotildees
poliacuteticas de algumas instituiccedilotildees como a Prelazia de Satildeo Felix do Araguaia da
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Comissatildeo Pastoral da Terra (CPT) e os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais em favor
dos posseiros e indiacutegenas o territoacuterio do Araguaia hoje teria outra configuraccedilatildeo social
e cultural Da mesma maneira teriacuteamos outras histoacuterias e outras relaccedilotildees sociais para
analisar e compreender a dinacircmica da vida ldquocampesinardquo na luta por seus ideais
Essas circunstacircncias satildeo tatildeo especiais que o proacuteprio aparato estatal
reconheceu os esforccedilos das instituiccedilotildees sociais e religiosas na proteccedilatildeo amparo e
contribuiccedilatildeo para com a vida dos ldquopequenosrdquo lutadores pela vida Esses documentos
por exemplo demonstram os acontecimentos para o MDA (2014 p 17) da seguinte
maneira
Cabe destacar ainda o importante papel da Igreja e dos
sindicatos dos trabalhadores rurais na intermediaccedilatildeo dos
conflitos agraacuterios e no proacuteprio processo de ocupaccedilatildeo atraveacutes da
organizaccedilatildeo das comunidades rurais e estruturaccedilatildeo dos
municiacutepios Ainda hoje a CPT realiza accedilotildees de fiscalizaccedilatildeo e
denuacutencias de trabalho escravo e violecircncia no campo na
microrregiatildeo norte Araguaia
Em plena concordacircncia com o significado atribuiacutedo pelo MDA reafirmamos
que os posseiros e trabalhadores rurais do territoacuterio do Araguaia recorreram a diferentes
estrateacutegias e instituiccedilotildees reordenando determinadas estrateacutegias diante do processo de
reocupaccedilatildeo territorial que ora se revelavam ldquoespontaneamenterdquo ora se mostraram de
forma pensada e arquitetada ganhando singularidades adequadas e bem ordenadas
quando articuladas agrave CPT e agrave Prelazia de Satildeo Felix do Araguaia
Tais instituiccedilotildees desenvolveram eficientes accedilotildees projetivas e formativas das
equipes dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais da aacuterea marcadas por distintos tipos
de comportamentos e de relaccedilotildees proacuteximas entre sujeitos e instituiccedilotildees produzindo
diversos significados na vida de um povo de uma instituiccedilatildeo ou de uma autoridade
Assim ao apresentar o livro Conquistar a Terra reconstruir a Vida lanccedilado
em comemoraccedilatildeo aos dez anos de existecircncia da CPT uma das mais importantes
autoridades religiosas daquela aacuterea o bispo da Prelazia de Satildeo Feacutelix do Araguaia Dom
Pedro Casaldaacuteliga resolveu de uma maneira poeacutetica e profeacutetica produzir sentido como
um cacircntico de liberdade e de determinaccedilatildeo de um povo registrando sua compreensatildeo da
seguinte forma
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Celebrar os dez anos da Comissatildeo Pastoral da Terra deve ser
simultaneamente um ato penitencial uma memoacuteria de martiacuterio
e uma cantiga rural de accedilatildeo de graccedilas
A CPT tem os seus pecados Inimigos e amigos cuidaram e
cuidam de lembraacute-lo oportuna e inoportunamente E isso nos
faz Ser criacuteticos e autocriacuteticos deveria ser um traccedilo de
identidade marcante em toda a pastoral que se queira
historicamente engajada e fiel ao ritmo popular A accedilatildeo de
graccedilas queremos cantaacute-la porque o Deus dos Pobres da Terra
se tem feito presente de muitos modos nesta nossa caminhada
entre os lavradores e os agentes na proacutepria CPT e a partir dela
em outros setores da Igreja do Brasil e tambeacutem em Igrejas e
movimentos rurais da Ameacuterica Latina que a CPT de alguma
maneira atingiu com suas contribuiccedilotildees
Superados o tempo da saudade e a saudade- que nem todos
conseguem superar- daquela Accedilatildeo Catoacutelica e seus derivados
mais com o esquema da Igreja ldquosociedade perfeita paralela agrave
sociedade humana a CPT trouxe inegavelmente agrave Igreja do
Brasil uma novidade pastoral seguindo o jeito pioneiro do
CIMIrdquo
[] Sei que muitos mais ou menos amigos- reclamaram com
frequecircncia do ldquoPrdquo nem sempre bem vivido da nossa CPT
agora mocinha de 10 anos Outros reclamaram do ldquoTrdquo
obsessivamente vivido pela CP segundo eles
(CASALDAacuteLIGA 1985 p 7-8)
Percebemos no texto uma evidente preocupaccedilatildeo de Dom Pedro Casaldaacuteliga
em reconhecer os ldquopecados da CPTrdquo que satildeo constantemente debatidos por ldquoinimigos e
amigosrdquo que apontam os problemas causados pelas accedilotildees da CPT e da Prelazia de Satildeo
Feacutelix do Araguaia As criacuteticas quanto ao fato da CPT ser uma ldquopastoralrdquo satildeo
evidenciadas pelo bispo que sabe que muitos satildeo os criacuteticos dessa forma de organizaccedilatildeo
e luta pastoral mas pondera que
Com a graccedila do Senhor da Terra e na marcha diaacuteria para a Terra
Prometida que se recebe e se conquista desafio histoacuterico e dom
escatoloacutegico procuramos conjugar melhor com mais garra
com nova alegria mais autenticamente evangeacutelicos e rurais o
ldquoP‟ e o ldquoTrdquo de uma Pastoral da Terra criacutetica livre e servidora A
foacutermula providencial da CPT estaacute longe de se esgotar
(CASALDAacuteLIGA 1985 p 8)
Logo Dom Pedro aponta para a necessidade de a CPT ter sua praacutetica
ancorada na necessidade dos atores sociais e que essa situaccedilatildeo estaacute ldquolonge de se
esgotarrdquo Ressaltamos que mesmo diante de equiacutevocos praticados a atuaccedilatildeo dessa
instituiccedilatildeo e de seus agentes foi decisiva para a dinacircmica da luta pela terra no Araguaia
58
Nas palavras de Dom Pedro fica evidente o caraacuteter de uma consciecircncia dos
atores sociais para a luta
Queria e quero estar evangelicamente - evangelizadoramente
tambeacutem - em meio ao povo lavrador reforccedilando sua
consciecircncia e a coragem unida de suas lutas sem entretanto
substituir jamais suas organizaccedilotildees autocircnomas sem dirigi-lo
condicionadamente Ouvindo-o muito mais perto Ajudando
toda a Igreja do Brasil a se aproximar desse povo profeacutetica e
servidora Voltando- se tambeacutem para a opiniatildeo puacuteblica do paiacutes
como porta-voz de emergecircncia e alto falante privilegiado do
clamor dos lavradores durante este escuro tempo nacional que
proibia ou tergiversava ou ignorava a voz do povo
(CASALDAacuteLIGA 1985 p 7)
O bispo ainda fez uma anaacutelise de conjuntura em que a luta pela terra os
direitos e a permanecircncia nela natildeo satildeo problemas superados
Gostaria de acrescentar apenas que esse tempo escuro mal
comeccedila a clarear A Nova Repuacuteblica pode muito bem ser uma
nova ilusatildeo uma nova fraude Os senhores deste mundo nosso
colonizado e dependente poderatildeo permitir que mudem os
governos e ateacute os regimes e ateacute os regimes filiais sempre que se
preserve a alma sem alma do sistema E com se mantenha o
sacrifiacutecio do Povo e sua escravidatildeo particularmente no campo
sempre cobiccedilado pelos sucessivos impeacuterios
E porque esse tempo natildeo passou ainda- amanhece na incerteza-
a Igreja toda do Brasil e a CPT em sua missatildeo especiacutefica
deveratildeo se hoje mais do que nunca servidoras alertadas do
Povo dos pobres De um jeito novo sem duacutevida mais fina a
profecia mais plural a presenccedila do diaacutelogo mais largo os
passos mais concretos []
Como me sinto parte nesta causa natildeo entro em mais juiacutezos Eu
e a CPT carregados carregamos no coraccedilatildeo um monte de nomes
entranhados que o senhor sem duacutevida escreveraacute com terra e
sangue no Livro da Terra Este livro jubilar de palavras e papel
sirva para recordar para avaliar para estimular a caminhada
sempre fiel e sempre nova (CASALDAacuteLIGA 1985 p 10)
Atraveacutes das palavras do bispo Dom Pedro podemos compreender melhor a
perspectiva da accedilatildeo da CPT e o significado da relaccedilatildeo entre posseiros e as instituiccedilotildees
religiosas especificamente atraveacutes de seus agentes e grupos sociais muacuteltiplos e diversos
que vivem no Araguaia indiacutegenas retireiros trabalhadores rurais posseiros sertanejos
peotildees dentre outros grupos sociais ligados agrave terra e ao trabalho
59
Dom Pedro utiliza palavras esforccedilando-se para natildeo julgar natildeo ofender natildeo
dividir natildeo pregar o oacutedio evitando falar sobre o desafio do poder constituiacutedo ou das
forccedilas dos poderes sociais e econocircmicos visiacuteveis na sociedade Ao contraacuterio reconhece
o valor das lutas relembra a anguacutestia e a necessidade delas valoriza a opccedilatildeo feita para
construir uma histoacuteria de uma instituiccedilatildeo e acima de tudo compromete-se com os
grupos sociais fragilizados e vitimizados do Araguaia
Seus escritos soam como um lamento como um choro de alegria por ter
realizado o sonho de estar partilhando a vontade de vencer e sobreviver na sociedade
capitalista Portanto trata-se nessa longa citaccedilatildeo de uma arte de compor a frase de
compor o sentido dos acontecimentos em belas frases de mergulhar no mundo das
letras para reafirmar questotildees sublimes da sensibilidade humana que se deslocam agraves
instituiccedilotildees colocando em movimento um conjunto de recursos que servem para a luta
na disputa pela terra e em defesa dos socialmente fragilizados Talvez seja este
fragmento de texto uma oraccedilatildeo que orientou seu sentido de vida enfim que o moveu
para o terreno da poliacutetica da Igreja Catoacutelica em defesa de setores sociais empobrecidos
Sem descuidar da compreensatildeo deles a Igreja ampliando o trajeto para
multiplicar nossa capacidade de conhecer possibilitou que compreendecircssemos outras
contribuiccedilotildees Assim para Ferreira Fernaacutendez e Silva (1999) a histoacuteria dos
assentamentos rurais em Mato Grosso natildeo foge agraves caracteriacutesticas de outras regiotildees do
Brasil A maior parte deles eacute resultado da luta dos posseiros que demandavam terra e
moradia
A partir daqui nossa visatildeo da disputa pela terra se amplia no sentido de
perceber a intervenccedilatildeo de setores sociais em defesa de seus respectivos grupos Cada
um deles possui uma agremiaccedilatildeo que produz a disputa no terreno da religiatildeo ou da
poliacutetica Compreendida desta forma fica mais intensa nossa necessidade de estudar
ainda mais a participaccedilatildeo dos movimentos sociais sindicais e religiosos na luta pela
terra
Isso porque a primeira vitoacuteria de uma luta pela terra tem como fator decisivo
a posse de um territoacuterio e isso depende das relaccedilotildees que se estabelecem Por isso de
acordo com Fernandes (1996 p 181) ldquo[] O assentamento eacute o territoacuterio conquistado
eacute portanto um novo recurso na luta pela terra que significa parte das possiacuteveis
conquistas representadas sobretudo a possibilidade da Territorializaccedilatildeordquo
60
Sendo assim eacute relevante compreender as diversas accedilotildees que envolvem o
processo de luta e conquista da terra sendo preciso compreender as taacuteticas de luta e as
estrateacutegias ordenadas para a conquista e natildeo conhecer apenas o ato de regularizaccedilatildeo
oficial do assentamento rural Afinal a oficializaccedilatildeo de um assentamento rural natildeo diz
tudo sobre a luta pela terra Apenas legitima sua posse de acordo com as orientaccedilotildees
estatais
Portanto as relaccedilotildees produzidas as accedilotildees articuladas de maneira organizada
entre sujeitos e instituiccedilotildees levam a um novo mundo de reconfiguraccedilatildeo das afinidades
Nessa mesma perspectiva Salazar (2005 p 217) afirma que
Em um mesmo territoacuterio se pode encontrar diferentes
assentamentos humanos articulados entre si ou natildeo na medida
em que cumprem um papel social econocircmico cultural e
poliacutetico dentro da sociedade que o faz possiacutevel e dentro do
sistema econocircmico ao qual se vinculam O caraacuteter e o
desenvolvimento das poliacuteticas estatais frente ao territoacuterio e agrave
populaccedilatildeo tambeacutem condicionam a apropriaccedilatildeo que faccedila [sic] a
sociedade do espaccedilo e seus recursos
Agrave luz da concepccedilatildeo do autor pode-se considerar que os assentamentos rurais
constituem vivecircncias e experiecircncias e satildeo permeados por relaccedilotildees fortemente marcadas
por disputas e perspectivas de poder interesses intenccedilotildees poliacuteticas e percepccedilotildees
diferentes acerca da funccedilatildeo e das relaccedilotildees constituiacutedas entre o Estado e a Sociedade
entre os proacuteprios participantes e componentes das organizaccedilotildees sociais
Logo as poliacuteticas puacuteblicas direcionadas aos assentamentos rurais criam
tambeacutem elementos de competiccedilatildeo pelo poder na medida em que lhes satildeo atribuiacutedos
novos sentidos e significados Isto se deve ao fato de que eacute atraveacutes das praacuteticas e dos
discursos que os diferentes sujeitos histoacutericos criam e recriam a representaccedilatildeo acerca da
funccedilatildeo dos assentamentos rurais
Ao considerar os muacuteltiplos contextos no que concerne agraves condiccedilotildees de luta
dos assentados pela Reforma Agraacuteria percebemos que estes atores sociais recorreram a
diferentes estrateacutegias para atraiacuterem a atenccedilatildeo das autoridades enquanto Poder Puacuteblico
No cenaacuterio das disputadas nos movimentos de organizaccedilatildeo das lutas nas composiccedilotildees
coletivas para enfrentamento das individualidades do poder econocircmico e diante da
violecircncia que sempre emergiu na luta pela terra desde os recursos proporcionados pela
miacutedia ateacute o enfrentamento com pistoleiros e fazendeiros os agentes que reivindicam
61
terra disputam a articulaccedilatildeo entre sujeitos e instituiccedilotildees entre oacutergatildeos e instacircncias de
poder
Esse movimento natildeo se limita somente ao enfrentamento dos portadores de
tiacutetulos e ou proprietaacuterios de terra ou entre grandes posseiros ou grileiros de terras
puacuteblicas Necessariamente os estudos devem caminhar no sentido de perceber outras
variaccedilotildees no seu interior
Conforme Ferreira Fernaacutendez e Silva (2009 p 197)
Em Mato Grosso as poliacuteticas de assentamento dos
trabalhadores rurais principalmente a colonizaccedilatildeo (oficial e
privada) e os assentamentos de reforma agraacuteria sobre vaacuterios
aspectos devem ser mais estudados de dupla matildeo certamente
natildeo se referem a daacutedivas mas agraves conquistas dos trabalhadores
em accedilatildeo conjunta com o estado O assentamento de reforma
agraacuteria eacute um processo em curso repleto de fatores positivos e
limitaccedilotildees que coloca no plano social poliacutetico econocircmico e
ambiental possibilidades de ecircxito da produccedilatildeo familiar no
campo
Os autores chamam a atenccedilatildeo para o fato de que ao tomarmos os
assentamentos rurais em Mato Grosso como objeto de estudo eles devem ser estudados
em uma perspectiva que aponte o percurso e os significados das lutas sociais frente agrave
conquista de novos territoacuterios Ao mesmo tempo natildeo devemos limitar nossos olhares
simplesmente para os conflitos entre os grupos sociais diferenciados mas tambeacutem para
os conflitos com o proacuteprio poder puacuteblico sem esquecer as transformaccedilotildees das
condiccedilotildees de vida das pessoas que vivem da produccedilatildeo familiar Assim eacute preciso
perceber que haacute cooperaccedilatildeo compartilhamento de interesses em alguns aspectos mas
em outras circunstacircncias tambeacutem existe a necessidade de intensificar nossos
conhecimentos sobre tais processos
Por outro lado os mesmos autores consideram como questatildeo importante
tambeacutem destacar que embora os assentamentos rurais em Mato Grosso se revelem
como uma alternativa promissora na dinamizaccedilatildeo da economia e promoccedilatildeo do
desenvolvimento local os mesmos ainda estatildeo longe de serem consolidados enquanto
poliacutetica puacuteblica
De maneira especial no que tange agraves accedilotildees do Estado no sentindo de
viabilizar a infraestrutura necessaacuteria ao desenvolvimento pleno da Agricultura Familiar
e de potencializar essa modalidade de produccedilatildeo como alternativa para manutenccedilatildeo do
62
conjunto social no territoacuterio de produccedilatildeo e no espaccedilo de trabalho em que se realiza mais
como ser humano e como trabalhador
Desse modo eacute possiacutevel afirmar que o artifiacutecio da Reforma Agraacuteria deve vir
sustentado pela intensificaccedilatildeo e realizaccedilatildeo de outros elementos para que de fato e de
direito sejam asseguradas as condiccedilotildees necessaacuterias agrave ascensatildeo social e econocircmica dos
agricultores familiares Para isso eacute preciso que surjam novas accedilotildees visando a alteraccedilatildeo
dos espaccedilos institucionais no acircmbito local e regional
Soacute assim haveraacute efetivamente a possibilidade de melhoria das condiccedilotildees de
vida daqueles que sobrevivem da produccedilatildeo nos assentamentos rurais Especialmente eacute
necessaacuterio compreender que melhorando a vida no campo melhoramos a vida na
cidade onde a maior parte da populaccedilatildeo depende dos que produzem no campo para se
alimentar e consequentemente para viver Esse deveria ser um principio poliacutetico de
cidadania para todos aqueles que se envolvem com a disputa pela terra e com a luta pela
conquista do territoacuterio de trabalho da populaccedilatildeo ldquocampesinardquo
O Projeto de assentamento rural se contemplado com accedilotildees do Estado
favorece o desenvolvimento econocircmico local desde que as poliacuteticas puacuteblicas
implementadas nos assentamentos rurais sejam direcionadas para o seu fortalecimento
oferecendo-lhes maior potencial econocircmico cultural e social com um planejamento que
lhes decirc sustentaccedilatildeo numa perspectiva de meacutedio e em longo prazo sem esquecer que
qualificar a produccedilatildeo ldquocampesinardquo significa tambeacutem promover o desenvolvimento do
comeacutercio e de outros setores da economia otimizando accedilotildees para novos padrotildees de
organizaccedilatildeo e melhoria das condiccedilotildees de vida da populaccedilatildeo urbana
Em relaccedilatildeo agraves poliacuteticas de Reforma Agraacuteria no Brasil Bergamasco amp Norder
(1996) consideram que os assentamentos rurais exercem papel importante no panorama
rural brasileiro de modo particular por contribuir de forma significativa nas
transformaccedilotildees sociais e econocircmicas por meio da geraccedilatildeo de novos empregos da
diminuiccedilatildeo do ecircxodo rural aumentando assim a produccedilatildeo e a oferta de alimentos Ou
seja os assentamentos rurais tecircm um papel significativo na produccedilatildeo agriacutecola do paiacutes
Para esses autores melhorar as condiccedilotildees de vida no campo sobretudo nos
assentamentos rurais significa elevar a situaccedilatildeo econocircmica da maioria das pessoas que
vive e depende da Agricultura Familiar como uacutenico meio e fonte de renda na garantia
do sustento familiar
63
Mas essas poliacuteticas puacuteblicas combinadas com poliacuteticas sociais passam por
um constante debate sobre redefiniccedilotildees e articulaccedilotildees a exemplo definir o que eacute um
assentamento rural o significado da territorializaccedilatildeo e da compreensatildeo do papel do
sujeito campesino na vida social de um povo Esse debate eacute promovido pela sociedade
civil que delibera demandas e propotildee mudanccedilas nos oacutergatildeos e instituiccedilotildees auxiliadoras
na sua concretizaccedilatildeo como o INCRA e o MDA em relaccedilatildeo aos assentamentos rurais e
suas poliacuteticas puacuteblicas
O MDA desde sua criaccedilatildeo em 199912
tem como incumbecircncia atuar na
Reforma Agraacuteria e seu reordenamento cumprindo papel fundamental na regularizaccedilatildeo
fundiaacuteria na Amazocircnia Legal promovendo o desenvolvimento sustentaacutevel da
Agricultura Familiar nas regiotildees rurais e de maneira singular atuando na identificaccedilatildeo
reconhecimento delimitaccedilatildeo demarcaccedilatildeo e titulaccedilatildeo das terras ocupadas pelos
remanescentes das comunidades quilombolas Logo esse ministeacuterio por meio do
INCRA desenvolve poliacuteticas puacuteblicas de realizaccedilatildeo de assentamentos rurais no paiacutes e a
ainda na contemporaneidade tem demonstrado algumas necessidades prementes
Assim para realizaccedilatildeo do seu mister a Instituiccedilatildeo ou oacutergatildeo principal do
Poder Puacuteblico que orienta a Questatildeo Agraacuteria o INCRA atualmente define projetos de
assentamento Rural (PA) como
[] um conjunto de unidades agriacutecolas independentes entre si
instaladas pelo INCRA onde originalmente existia um imoacutevel
rural pertencente a um uacutenico proprietaacuterio Cada unidade
chamada de parcela lote ou gleba eacute entregue a uma famiacutelia sem
condiccedilotildees econocircmicas para adquirir e manter um imoacutevel rural
por outras vias Os trabalhadores rurais que recebem o lote
comprometem-se a morar na parcela e a exploraacute-la para seu
sustento utilizando a matildeo de obra familiar e contando com
creacuteditos assistecircncia teacutecnica infraestrutura e outros benefiacutecios
de apoio ao desenvolvimento das famiacutelias assentadas Ateacute que
possuam a escritura do lote os assentados estaratildeo vinculados ao
INCRA e natildeo poderatildeo dispor da gleba sem anuecircncia ou
autorizaccedilatildeo do INCRA13
Como assinalado o assentamento rural na definiccedilatildeo apresentada pelo MDA
origina-se de um uacutenico imoacutevel rural que eacute dividido em vaacuterias partes denominada de
12
Criado atraveacutes da medida provisoacuteria 1911-12 13
Disponiacutevel em lthttpwwwincragovbrassentamentogt Acesso em 21082015
64
ldquoparcela lote ou glebardquo Essa compreensatildeo traz no seu bojo diversas possibilidades de
interpretaccedilatildeo sobretudo permite entender que se trata de eventuais processos estatais
na concretizaccedilatildeo da justiccedila agraacuteria oferecendo condiccedilotildees de trabalho agrave populaccedilatildeo que
se realiza se identifica e sobrevive da produccedilatildeo agriacutecola em pequena escala
Concluindo podemos afirmar que os assentamentos rurais no Araguaia mato-
grossense no que se refere a sua constituiccedilatildeo possuem caracteriacutesticas muito diferentes
do que eacute previsto nas diretrizes para a criaccedilatildeo dos assentamentos rurais definidas pelo o
Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria uma vez que os mesmos resultam
de atos de regularizaccedilatildeo e natildeo de criaccedilatildeo Diante disso precisamos articular nosso
pensamento voltando os olhares para os processos de duraccedilatildeo temporaacuteria diferente
para que possamos aproximar um pouco mais da realidade vivida
65
2 MEMOacuteRIAS DA REOCUPACcedilAtildeO HISTORICIZANDO OS
ASSENTANTAMENTOS RURAIS DE VILA RICA-MT (1980-2010)
Conforme analisado no capiacutetulo anterior eacute imprescindiacutevel a historicizaccedilatildeo do
processo de formaccedilatildeo dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT Para
tanto optou-se pelo recorte temporal 1980 a 2010 a partir da necessidade da proacutepria
anaacutelise A deacutecada de 1980 foi marcada pela emancipaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica e
tambeacutem pela formaccedilatildeo dos primeiros assentamentos rurais A anaacutelise se estendeu ateacute o
periacuteodo mais recente devido agraves fontes e aos dados oficiais necessaacuterios para
compreensatildeo do enfoque proposto
O principal objetivo deste capiacutetulo eacute compreender a formaccedilatildeo e o
desenvolvimento dos assentamentos rurais de Vila Rica-MT problematizando o papel e
a atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees e dos oacutergatildeos puacuteblicos como o INCRA Banco do Brasil
Empaer dentre outros aleacutem de instituiccedilotildees e entidades da sociedade civil mas tambeacutem
de movimentos sociais e sindicais como o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila
Rica CPT Prelazia de Satildeo Feacutelix do Araguaia e associaccedilotildees de pequenos produtores
rurais Para complementar a anaacutelise tornou-se indispensaacutevel buscar as accedilotildees e
estrateacutegias dos atores histoacutericos envolvidos na luta pela posse da terra
21 A transformaccedilatildeo das fazendas agropecuaacuterias em assentamentos rurais atraveacutes
da luta pela terra
Das sete fazendas agropecuaacuterias trecircs foram transformadas em Projetos de
assentamentos rurais em um periacuteodo inferior a duas deacutecadas Fazendas Ipecirc Aracati e
Satildeo Joseacute Algumas das narrativas oficiais sobre a colonizaccedilatildeo do municiacutepio declaram
que a Fazenda Porongaba cedeu parte da aacuterea que a colonizadora Vila Rica- MT Ltda
utilizou para realizar o loteamento do espaccedilo urbano
As aacutereas remanescentes dessas fazendas agropecuaacuterias foram sendo
reocupados atraveacutes das estrateacutegias de lutasresistecircncias utilizadas pelos colonos
posseiros parceleiros e pelos assentados14
Atraveacutes da dinacircmica de reocupaccedilatildeo e uso da
terra foram constituiacutedos oito assentamentos rurais regularizados pelo o INCRA neste
municiacutepio conforme dados da Tabela 1
14 Satildeo autodenominaccedilotildees das pessoas que residem nos assentamentos rurais de Vila Rica No
decorrer da pesquisa analisaremos como estas foram sendo construiacutedas neste contexto histoacuterico
66
Tabela 1 Assentamentos rurais de Vila Rica-MT
Fonte INCRA 2014
Na formaccedilatildeo de assentamentos rurais existem sujeitos histoacutericos que para o
INCRA satildeo considerados ldquoclientela de Reforma Agraacuteriardquo os quais se autodenominam
de maneiras diferentes ldquoparceleirosrdquo ou ldquoassentadosrdquo Nos assentamentos rurais do
Araguaia a denominaccedilatildeo mais utilizada eacute ldquoposseirordquo sobretudo quando se referem aos
primeiros tempos de formaccedilatildeo do assentamento rural no sentido de reafirmar que entre
os agricultores familiares haacute aqueles que se autodenominam posseiros como identidade
de luta pela posse da terra remetendo a um imaginaacuterio que os ligue umbilicalmente a
uma accedilatildeo tambeacutem de corajoso lutador e desbravador Ainda que seja em contraposiccedilatildeo
ao latifuacutendio o posseiro passa a se sentir um sujeito valente que ocupou resistiu e
conquistou a posse da terra Portanto uma identidade poliacutetica construiacuteda na luta pela
terra
Logo o termo posseiro aparece tambeacutem como um siacutembolo da resistecircncia aos
projetos agropecuaacuterios e agraves grandes fazendas que expropriam os trabalhadores rurais
Sem-terra uma vez que muitos jaacute se encontravam na aacuterea bem antes dos fazendeiros e
da implantaccedilatildeo dos projetos agropecuaacuterios
Conforme o relato de um assentado de Vila Rica obtido na pesquisa de
campo que realizamos em marccedilo de 2015 no Assentamento Rural Satildeo Joseacute eacute possiacutevel
afirmar que a denominaccedilatildeo de posseiro estaacute associada agraves estrateacutegias e condiccedilotildees de luta
pelo acesso agrave terra ldquo[] me vejo como posseiro Ser posseiro no Araguaia eacute assumir
que lutamos contra os fazendeiros que viviam do dinheiro emprestado do Banco sei o
Projeto de assentamento N de Famiacutelias Aacuterea (ha) Data Criaccedilatildeo
Colocircnia Bom Jesus 60 4457 25071996
Ipecirc 228 12099 28121998
Santo Antocircnio do Beleza 216 12100 10042001
Aracati 45 2110 05121996
Alvorada 49 32656 29121995
Itaporatilde do Norte 170 10641 11071996
Satildeo Joseacute da Vila Rica-MT 252 14262 28121998
Satildeo Gabriel 45 1985 28121998
Total 1065 60919 -
67
quanto foi difiacutecil viver sob a mira da morte pra ter essa terrinha e com ela poder
alimentar a minha famiacutelia []rdquo15
Trata-se de uma situaccedilatildeo de enfrentamento na luta
pela terra visando garantir a sobrevivecircncia e as condiccedilotildees miacutenimas de sustento da
famiacutelia
Assim como Castro (1996) o historiador Puhl (2003) nos chama atenccedilatildeo para
as caracteriacutesticas que definem o posseiro conceito construiacutedo a partir da percepccedilatildeo de
que esses agentes sociais tecircm ldquo[] ocupaccedilatildeo antiga de aacutereas devolutas ou sem
documentaccedilatildeo privada o uso direto da terra no trabalho de produccedilatildeo agropecuaacuteria a
residecircncia e o trabalho da famiacutelia na posse a resistecircncia agrave retirada ou expulsatildeo levada a
efeito por grileirordquo
Pereira (2013 p 11) corrobora esclarecendo que o termo posseiro possui
outros significados
[] as praacuteticas e os usos poliacuteticos desse conceito que o
produziram Eram considerados posseiros os trabalhadores
rurais que haacute muito tempo ocupavam aacutereas devolutas tidas
como posses antigas que natildeo apresentavam contestaccedilatildeo por
qualquer pessoa e nelas fizeram moradas habituais de suas
famiacutelias Contudo outra experiecircncia social comeccedila a sobrepor-
se a essas praacuteticas mais antigas Trabalhador rural sobretudo
migrante de outras regiotildees do paiacutes que lutavam pela terra quer
fossem aqueles que disputavam aacutereas de terras devolutas
consideradas novas simultaneamente com empresaacuterios
fazendeiros ou comerciantes tambeacutem migrantes quer fossem
aqueles que ocupavam imoacuteveis com tiacutetulos definitivos ou de
aforamentos passaram a ser vistos tambeacutem como posseiros Ou
seja os trabalhadores rurais apropriaram-se de uma designaccedilatildeo
ateacute entatildeo usada para significar os ocupantes de terras devolutas
consideradas antigas para ajustar-se a uma nova situaccedilatildeo ou
praacutetica social Esta apropriaccedilatildeo utilizada do conceito de
posseiro ganha uma dimensatildeo poliacutetica inusitada na luta pela
terra no Brasil
Em concordacircncia com este uacuteltimo autor asseguramos que o conceito de
posseiro pode ser compreendido enquanto resultado das praacuteticas de luta das quais os
conceitos satildeo resultados Neles os atores sociais se apropriam desse conceito para se
autonomear e ao mesmo tempo atribuir sentidos as proacuteprias atitudes de desafio ao
sistema de enfrentamento aos modelos existentes para os fazendeiros constituindo-se
enquanto uma categoria social formada por sujeitos histoacutericos de diferentes origens e
15 Joseacute Roberto Agricultor familiar em uma entrevista realizada pela autora em 2015
68
trajetoacuterias migratoacuterias os quais muitas vezes apresentam uma significativa
diferenciaccedilatildeo social
Devido agrave diversificaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave situaccedilatildeo econocircmica e cultural entre as
pessoas que satildeo denominadas de clientela da Reforma Agraacuteria em Vila Rica-MT o
criteacuterio de distribuiccedilatildeo dos lotes nos assentamentos rurais passou a ser objeto de
questionamento por parte de alguns agricultores familiares o que eacute claro no relato feito
por um dos entrevistados durante a pesquisa que realizamos no mecircs de marccedilo de 2015
junto ao Assentamento Rural Ipecirc
Pode- se dizer que o INCRA tambeacutem eacute culpado pela evasatildeo dos
assentamentos rurais pois nem sempre ele leva em
consideraccedilatildeo se a pessoa que estaacute cadastrada tem ou natildeo
viacutenculo vocaccedilatildeo para ser Agricultor Familiar Os assentados
da Reforma Agraacuteria (alguns ) fizeram o cadastro jaacute pensando
em pegar a terra e depois vender [] Logo na primeira
dificuldade jaacute vende a propriedade dele pra outro Eu penso
que precisa olhar se a histoacuteria das pessoas que demandam por
terra em assentamento estaacute ligada com a luta pela terra vejo
que assim valorizava mais o assentamento [] E na verdade
na eacutepoca de assentar essas pessoas tinha um perfil de
assentando se olhar soacute pelo aspecto de renda miacutenima Mas
muitas natildeo tinham viacutenculo com a terra e atendiam apenas
esse perfil criado de forma subjetiva soacute levando em
consideraccedilatildeo a situaccedilatildeo econocircmica Penso que natildeo estavam em
desacordo com as exigecircncias para o cadastro do INCRA pois
atendiam aquelas exigecircncias burocraacutetica mas elas natildeo eram de
perfil de produtor ou trabalhador rural Aiacute foi onde ocorreu
uma evasatildeo do assentamento Eles natildeo tinham viacutenculo com a
terra pois esse cadastro do INCRA soacute verificava se a pessoa jaacute
tinha outro tiacutetulo no nome dela outra propriedade cadastrada
no nome se possuiacutea vinculo com o serviccedilo publico tipo se era
concursado em oacutergatildeo puacuteblico Logo podia ser que essas
pessoas estivessem enquadradas como produtor ou trabalhador
rural para o INCRA mas na verdade sempre moraram na
cidade nunca haviam trabalhado com a terra nunca tinham
criado um frango sequer nunca tiraram um litro de leite
(ENTREVISTA com Gilmar agricultor familiar de Vila Rica-
MT realizada pela autora em marccedilo de 2015) Grifos da autora
No municiacutepio de Vila Rica verificamos a partir da anaacutelise de documentos
que as origens de seus assentamentos rurais foram distintas mesmo que nos dados
oficiais indicados na Tabela 1 todos eram regularizados e reconhecidos pelo INCRA
na deacutecada de 1990
Quando verificamos os dados do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do
municiacutepio de Vila Rica da Comissatildeo Pastoral da Terra e da Prelazia de Satildeo Feliz do
69
Araguaia os quais foram tambeacutem confrontados com os testemunhos orais dos
assentados identificamos que alguns dos assentamentos rurais datavam da deacutecada de
1980
Reafirmamos que suas histoacuterias estatildeo vinculadas agrave histoacuteria do Araguaia a
qual eacute marcada por uma seacuterie de conflitos no que tange agrave luta pela terra considerada
enquanto direito Direito pelo qual muitas vezes os posseiros e os indiacutegenas pagaram
com as suas proacuteprias vidas ou de seus parentes
Uma carta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT evidencia
a complexidade em torno da luta pela posse da terra Esse registro foi apresentado ao
presidente do INCRA como base para uma anaacutelise da situaccedilatildeo das terras consideradas
improdutivas as quais em sua maioria eram remanescentes da Colonizadora Vila Rica
Ltda e que a desapropriaccedilatildeo das mesmas era condiccedilatildeo necessaacuteria para a sobrevivecircncia
dos trabalhadores que as reocuparam
Figura 5 Carta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais para o INCRA (1990)
Fonte Arquivo do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT
2015
70
Ressaltamos que a exposiccedilatildeo dos argumentos dos dirigentes do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Vila Rica teve por base a compreensatildeo de que as terras
remanescentes da colonizadora eram ldquoimprodutivasrdquo segundo os criteacuterios do Estatuto
da Terra Nessa situaccedilatildeo os proprietaacuterios deixavam de cumprir a funccedilatildeo social da terra
possibilitando sua desapropriaccedilatildeo legal para fins de Reforma Agraacuteria
Apesar da ocorrecircncia de reivindicaccedilotildees formalizadas via cartas ofiacutecios e
outras formas de solicitaccedilatildeo feitas aos oacutergatildeos responsaacuteveis pela Questatildeo Agraacuteria no
Araguaia mato-grossense alguns relatos orais descreveram a reocupaccedilatildeo das fazendas
como uma accedilatildeo implementada de maneira paciacutefica por parte dos posseiros Poreacutem
houve tambeacutem atitudes e praacuteticas de violecircncia na accedilatildeo de alguns fazendeiros em relaccedilatildeo
agrave expulsatildeo dos posseiros A luta pela posse da terra no municiacutepio de Vila Rica ocorreu
de forma conflituosa Embora natildeo tatildeo violentos como em outros municiacutepios como em
Santa Terezinha em Porto Alegre do Norte e em outros onde vaacuterios posseiros foram
mortos por fazendeiros
Vale destacar que muitas pessoas que reocuparam as aacutereas de fazendas hoje
assentamentos rurais em Vila Rica eram em sua maioria membros associados ao
Sindicato dos Trabalhadores Rurais daquele municiacutepio Quando estaacutevamos em atividade
de visita ao um dos assentamentos durante a pesquisa de campo uma assentada nos
relatou queldquo[] o papel do Sindicato geralmente era o de solicitar a regularizaccedilatildeo da
terra bem como o processo de formaccedilatildeo e o de organizaccedilatildeo da base no caso os
trabalhadores pobre sem terra principalmente os filiados do STRrdquo (ENTREVISTA
com Clainir Agricultora Familiar membro da direccedilatildeo do STR realizada pela autora em
marccedilo de 2015) O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica tambeacutem fazia a
mediaccedilatildeo entre os assentados e o Poder Puacuteblico sobretudo com o INCRA Foi esse
sindicato que orientou a criaccedilatildeo das associaccedilotildees conforme o relato a seguir
[] noacutes do sindicato trabalhaacutevamos visando evitar os conflitos
e o processo de despejo pois priorizaacutevamos a montagem e a
reinvindicaccedilatildeo do processo de desapropriaccedilatildeo das fazendas a
demarcaccedilatildeo dos lotes homologaccedilatildeo cadastramento e o
assentamento das famiacutelias [] E depois os posseiros iam
pleitear as linhas de credito para habitaccedilatildeo e
alimentaccedilatildeofomento depois as demais linhas do Pronaf A
Pronaf C e outros investimentos de custeio Eacute assim que comeccedila
os assentamentos esse processo eacute geral em todo lugar Quando
71
digo que agente noacutes do sindicato evitava conflito natildeo estou
dizendo que conseguimos pois eacute importante lembrarmos que
tivemos muitos momentos complicados Houve ameaccedilas de
morte teve despejos de posseiros teve gente que perdeu tudo
que havia plantado quando foram expulsos da terra Ainda bem
que sempre podemos contar com o suporte da Igreja e da CPT
se natildeo fosse essas instituiccedilotildees noacutes estariacuteamos numa situaccedilatildeo
muito pior assentamento eacute luta nessa regiatildeo do Araguaia
Entatildeo nem se fala teve quem pagou com a vida Hoje fico
vendo muitos assentados vendendo suas terras a preccedilo de nada
e reclamando de dificuldades fico pensando o povo parece que
agraves vezes esquece a luta O INCRA eacute fundamental mas erra
tambeacutem quando coloca gente na terra sem levar em conta que
para viver no campo precisa ter aptidatildeo para trabalhar na
terra Percebo que mais esvazia o assentamento eacute quem natildeo
sabe lidar com roccedila (ENTREVISTA Ibidem)
Os serviccedilos voltados para a melhoria da infraestrutura como estradas pontes
e outras benfeitorias nos ldquoprimeiros temposrdquo de formaccedilatildeo dos assentamentos rurais
eram feitos pelos proacuteprios moradores A prefeitura alegava que natildeo dispunha de
recursos para investir em assentamentos rurais que ainda natildeo haviam sido regularizados
Essa situaccedilatildeo foi praticamente igual em todos os assentamentos rurais oriundos da
reocupaccedilatildeo de fazendas de Vila Rica-MT
Os espaccedilos puacuteblicos como escola barracatildeo da associaccedilatildeo Igreja campo de
futebol etc estatildeo geralmente localizados nas antigas sedes das fazendas Isso se repete
em todos os assentamentos rurais estudados em Vila Rica-MT
22 Os assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT
O processo de formaccedilatildeo dos assentamentos rurais no municiacutepio mato-
grossense de Vila Rica natildeo ocorreu de modo linear nem mesmo obedeceu a uma
padronizaccedilatildeo Portanto faz-se necessaacuterio problematizar a formaccedilatildeo de cada um deles
individualmente lanccedilando matildeo de diferentes fontes documentais Alguns assentamentos
rurais possuem documentos e outros tecircm sua historicidade presente somente na
memoacuteria dos assentados Daiacute a importacircncia de se conhecer as singularidades descritivas
desses ldquoadereccedilos sociaisrdquo procurando trazer para o diaacutelogo a forma constitutiva de cada
um deles
A trajetoacuteria construiacuteda pelos agricultores familiares estaacute presente em suas
memoacuterias as quais podem ser mais bem compreendidas quando nos remetemos agrave
72
concepccedilatildeo definida por Thompson (1992) segundo o qual a memoacuteria eacute constituiacuteda a
partir da habilidade que os indiviacuteduos tecircm em compreender suas experiecircncias bem
como o interesse deles em contar as suas experiecircncias de vida uma vez que as
lembranccedilas se revelam de forma mais concisa quando o relembrar dos acontecimentos
estaacute correspondendo aos seus proacuteprios interesses e necessidades
Daiacute a importacircncia em se atentar tambeacutem ao que natildeo estaacute dito e ao que natildeo
pode ser dito pelo narrador Neste caso o silenciamento sobre determinados temas
constituem relativa importacircncia para intensificar a seguranccedila que o entrevistado tem ou
quer passar nas proacuteprias narrativas Para tanto eles selecionam o que dizem e aquilo que
natildeo deve se tornar puacuteblico Um exemplo obtido atraveacutes de entrevista com um dos
assentados chamou a atenccedilatildeo pela forma como ele gesticulava ao contar sua trajetoacuteria
de vida Foi possiacutevel perceber o quanto as questotildees natildeo ditas mencionadas por
Thompson (1992) tornam-se relevantes na praacutetica de trabalhos que dependem da
metodologia das fontes orais como no caso dessa pesquisa
Ao relatar a sua trajetoacuteria de vida o depoente sentado em uma cadeira
encostando-se a uma aacutervore e com as pernas balanccedilando passava ldquoaos meus olhosrdquo a
sensaccedilatildeo de ser uma pessoa muito tranquila para falar sobre si e seus afazeres
Revelava-se estar muito orgulhoso do siacutetio que tinha mas no decorrer da entrevista foi
perceptiacutevel que quando o assunto natildeo o agradava por se tratar de algo que o marcou
como uma experiecircncia que natildeo lhe remetia para boas lembranccedilas ele parava de balanccedilar
as pernas e baixava a cabeccedila A projeccedilatildeo de futuro foi um assunto que evidentemente
natildeo o agradava quando afirmou
[] sofro muito soacute em pensar o que possa acontecer se eu
morrer primeiro ela vai ter que vender e dividir entre os filhos
pois natildeo daraacute conta de cuidar sozinha Se eacute ela quem morre
primeiro sou eu quem teraacute que vender Isso sim eacute doiacutedo pra
noacutes depois de tanta luta pra organizar o siacutetio terminar nas
matildeos de sei laacute quem Esse siacutetio pra mim natildeo tem preccedilo mas eacute
uma pena que nossos filhos natildeo pensam igual Quando eles
querem um dinheiro dizem ldquomatildee pai me manda aiacute tantordquo mas
vejo que o forte deles natildeo eacute morar no siacutetio (ENTREVISTA
com Joatildeo Neto agricultor Familiar do assentamento Satildeo Joseacute
realizada pela autora em marccedilo de 2015)
O relato possibilita a reflexatildeo sobre os diversos significados produzidos a
respeito da concepccedilatildeo e das formas de usos da terra para os agricultores familiares
como o significado da posse da terra a relevacircncia das lutas e da conquista assim como
73
a busca pela continuidade da tradiccedilatildeo na convivecircncia com o espaccedilo rural Aleacutem da
preocupaccedilatildeo praacutetica com a falta de continuidade familiar no trabalho do siacutetio existe
uma preocupaccedilatildeo com o futuro incerto capaz de apagar da memoacuteria o viacutenculo desse
agente histoacuterico com a terra Percebe-se o desejo de eternizar esse viacutenculo e o valor
sentimental dessa terra que para ele natildeo tem preccedilo
A narrativa torna possiacutevel identificar o papel dos agentes histoacutericos na
construccedilatildeo da historiografia agraacuteria de Mato Grosso As pesquisas natildeo datildeo muita
importacircncia aos assentamentos rurais mais particularmente agraves trajetoacuterias de vida dos
agricultores familiares
Por outro lado as evidecircncias mostram que os assentados exercem um papel
importantiacutessimo na formaccedilatildeo dos assentamentos rurais Nesse sentido eles natildeo podem
estar agrave ldquomargemrdquo das lutas travadas pelas instituiccedilotildees agraves quais estatildeo vinculados No
caso de Vila Rica-MT as entidades que se destacam nas narrativas sobre as lutas pela
terra satildeo a CPT o Sindicato dos Trabalhadores Rurais a Prelazia de Satildeo Feliz do
Araguaia e o INCRA
221 O Assentamento Rural Satildeo Joseacute
O Assentamento Rural Satildeo Joseacute em Vila Rica-MT resultou de uma
reocupaccedilatildeo que teve iniacutecio no ano de 1995 Foram os proacuteprios ldquoposseirosrdquo que
demarcaram os seus lotes e construiacuteram as casas provisoacuterias que eram cobertas de palha
e lona Posteriormente os ocupantes comeccedilaram a cultivar roccedilas para o consumo
proacuteprio e outras atividades como a pesca a caccedila e a extraccedilatildeo de madeira (EMPAER
2010)
Segundo relato de um dos assentados a estruturaccedilatildeo dos lotes em termos de
construccedilotildees estruturais e preparaccedilatildeo do solo para o cultivo eram realizadas atraveacutes do
trabalho dos proacuteprios assentados Joatildeo Neto diz ldquo[] eu e a minha esposa fizemos tudo
isso plantamos tudo que tem nesse siacutetio tudo escolhido por noacutes cada plantinha dessa
aqui eacute do sitio que a gente viverdquo (ENTREVISTA com Joatildeo Neto agricultor Familiar do
assentamento Satildeo Joseacute realizada pela autora em marccedilo de 2015)
Outro relato permite identificar algumas ocorrecircncias instigantes relacionadas
agrave formaccedilatildeo do Assentamento Rural Satildeo Joseacute
74
[] o Projeto de assentamento Satildeo Joseacute eacute resultado da invasatildeo
invasatildeo natildeo essa natildeo eacute a palavra apropriada para designar o
que fizemos Na verdade noacutes ocupamos uma fazenda que jaacute
natildeo estava mais produzindo Geralmente quem fala invasatildeo
satildeo pessoas que se colocam contra os assentamentos rurais
[] Em 1997 isso tudo foi ocupado por pessoas que moravam
na cidade sem-terra e filhos de pequenos agricultores [] E
foi assim que a antiga Fazenda Satildeo Joseacute se transformou em um
assentamento rural ou melhor P A Satildeo Joseacute eacute assim que a
gente costuma chamar (ENTREVISTA com Clainir Mafra
Agricultora familiar assentada no PA Satildeo Joseacute realizada pela
autora em marccedilo de 2015)
Nesta narrativa sucinta percebe-se que diferentes satildeo as denominaccedilotildees de
agentes histoacutericos em cena O argumento principal eacute que eles natildeo satildeo ldquoinvasoresrdquo e sim
ldquomoradores da cidaderdquo ldquosem terrasrdquo e ldquofilhos de pequenos agricultoresrdquo demonstrando
uma construccedilatildeo de identidade daqueles que reocuparam a Fazenda Satildeo Joseacute ligada agrave
terra e agrave necessidade de sobrevivecircncia uma vez que satildeo legiacutetimos ocupantes como os
ldquofilhos de pequenos produtoresrdquo que precisam de mais terra para se reproduzir
socialmente e continuar o viacutenculo familiar com a terra
Fazendeiros proprietaacuterios filhos de pequenos agricultores moradores da
cidade e sem-terra se colocam como posseiros que participaram da luta pela terra
Percebe-se que a formaccedilatildeo do assentamento rural se deu a partir dessa luta que ocorreu
graccedilas agrave uniatildeo dos posseiros
Na verdade a gente natildeo era bobo quando ocupamos uma aacuterea
que iraacute ser assentamento Natildeo adianta querer crescer o olho
pois o INCRA tem o seu modo de medir a terra entatildeo o certo eacute
tirar o siacutetio no tamanho certinho assim natildeo complica Noacutes
agiacuteamos em conjunto meio assim uns por todos []
(ENTREVISTA com Clainir Mafra Agricultora familiar
assentada no PA Satildeo Joseacute realizada pela autora em marccedilo de
2015)
Atraveacutes do relato citado percebemos que os posseiros se adaptavam aos
criteacuterios do INCRA e tinham na uniatildeo uma ferramenta poliacutetica capaz de fortalececirc-los e
agregar conhecimentos e experiecircncias capazes de fundamentar estrateacutegias para
conseguir o direito agrave terra A uniatildeo para a abertura das aacutereas a serem reocupadas eacute
evidenciada no seguinte relato oral
75
[] acho que eacuteramos em meacutedia umas 200 ou 250 pessoas que
ocuparam e jaacute foram demarcando suas aacutereas usando foice
facatildeo machado e motosserra alguns que tinham motosserra a
maioria era com a foice e o machado na estrada no Rio Satildeo
Marcos com aacutegua Fizemos os barracos derrubando
plantando arroz milho e pensando em formaccedilatildeo de pasto
(ENTREVISTA com Joatildeo Neto assentado Satildeo Joseacute realizado
pela autora em marccedilo de 2015)
Esse depoimento demonstra a capacidade de uniatildeo e a organizaccedilatildeo dos
posseiros A diferenciaccedilatildeo social entre eles natildeo travou sua organizaccedilatildeo O relato a
seguir mostra essa relaccedilatildeo
Muita gente pobre pobre mesmo Mas natildeo posso negar que um
ou outro que ocupou a terra como posseiro quando na verdade
natildeo tinha o perfil pois tinha dinheiro Por mais que o Sindicato
fala ldquoacompanha e orienta semprerdquo passa algum que estaacute
fora do padratildeo dos agricultores familiares Eacute assim agraves vezes
nem o sindicato e nem o INCRA tem como controlar tudo ateacute
porque as pessoas tecircm um comeacutercio ou algum outro meio de
ganhar dinheiro mas natildeo estaacute no nome dela e daiacute o que haacute de
fazer eacute complicado achar que vai controlar essas coisas tudo
(ENTREVISTA com Joatildeo Neto assentado Satildeo Joseacute realizada
pela autora em marccedilo de 2015)
Percebemos que entre os proacuteprios posseiros era evidente que nem todos
possuiacuteam o ldquoperfilrdquo de agricultores familiares ou segundo criteacuterio do INCRA se
enquadrava como ldquoclientela de Reforma Agraacuteriardquo Era recorrente a percepccedilatildeo de que
estes oacutergatildeos e entidades que acompanharam o processo natildeo tinham condiccedilotildees objetivas
de definir com precisatildeo quem tinha o perfil e quem deveria ser impedido de tomar
posse dos lotes que constituem o Assentamento Rural Satildeo Joseacute
Para aleacutem da questatildeo da diferenciaccedilatildeo dos posseiros outro fato importante eacute
que eles adquiriram lotes de qualidade duvidosa uma vez que a terra estava em situaccedilatildeo
de degradaccedilatildeo extrema poreacutem aceitaram-na visto natildeo dispor de capital financeiro para
investir em tecnologias de melhoramento do solo somado agrave falta de infraestrutura e
dificuldade de acesso para uma parte dos assentados
76
Ah Tem uma coisa que lembrei pra te contar Eacute que tem uma
parte que foi denominada de Jamaica por ser de difiacutecil acesso
era muito complicado para a gente chegar laacute Coitados dos que
foram para aquela parte de laacute sofreram o isolamento natildeo
tinha entrada por causa do rio Satildeo Marcos e assim ficaram por
um bom tempo Aiacute eacute o que digo sempre jaacute foi difiacutecil pra gente
imagina para aqueles coitados de laacute (ENTREVISTA com Joatildeo
Neto assentado Satildeo Joseacute realizado pela autora em marccedilo de
2015)
Aleacutem da diferenciaccedilatildeo entre os posseiros das dificuldades do espaccedilo social
conquistado o entrevistado destaca que natildeo ocorreram conflitos entre o proprietaacuterio da
Fazenda Satildeo Joseacute e os posseiros No entanto as dificuldades vivenciadas por eles
foram inuacutemeras sobretudo para aqueles posseiros que ocuparam as aacutereas mais distantes
da estrada
Eu falo sempre aqueles primeiros tempo era o que podemos
chamar de tempos das dificuldades Eacute como eu te disse antes
aqui natildeo teve conflito como teve em outros assentamentos
Acho que isso foi porque o fazendeiro devia para o banco pois
fez empreacutestimo para manter a fazenda assim diz o povo mas
sabe se isso eacute verdade [] Entatildeo isso fez com que natildeo
houvesse conflito entre os fazendeiros e os posseiros []
(ENTREVISTA com Joatildeo Neto assentado Satildeo Joseacute realizada
pela autora em marccedilo de 2015)
O relato revela indiacutecios de que o dono da Fazenda Satildeo Joseacute tinha manifestado
interesse em vender a aacuterea para o INCRA devido agrave contraccedilatildeo de diacutevidas Mas eacute
possiacutevel ponderar que a ecircnfase na versatildeo de que natildeo houve conflito eacute tambeacutem uma
estrateacutegia dos posseiros Durante a deacutecada de 1990 mais precisamente durante o
Governo de Fernando Henrique Cardoso foi adotada a poliacutetica governamental de natildeo
regulamentar as terras que tivessem sido ocupadas atraveacutes de conflitos Quando
ocorriam disputas a terra natildeo era reconhecida pelo INCRA enquanto aacuterea passiacutevel de
desapropriaccedilatildeo para transformaacute-la em um assentamento rural
Essa poliacutetica se justificava pelo dispositivo reconhecido juridicamente como
ldquousucapiatildeordquo segundo o qual o posseiro soacute teria direito a terra quando a mesma fosse
ocupada de forma ldquomansa e paciacuteficardquo16
Em um assentamento rural planejado o
primeiro ato consiste na aquisiccedilatildeo da aacuterea para depois ocupaacute-la atraveacutes da distribuiccedilatildeo
dos lotes de acordo com criteacuterios estabelecidos pelo o INCRA
16 A ldquoocupaccedilatildeo mansa e paciacuteficardquo eacute um princiacutepio consagrado pela Lei de Terras de 1850
77
Na anaacutelise de outros documentos disponibilizados pelo STR percebe-se que
por um periacuteodo superior a um ano os posseiros foram viacutetimas de ameaccedilas e boatos de
que o dono da fazenda faria o despejo accedilatildeo que natildeo chegou a se efetivar Logo o STR
Vila Rica-MT entrou com pedido de desapropriaccedilatildeo da fazenda e em seguida o
INCRA deu andamento ao processo de regularizaccedilatildeo comeccedilando a discussatildeo e o
encaminhamento para a compra de toda a aacuterea
Consta nos documentos analisados que o INCRA procurou regularizar o
assentamento rural atraveacutes de uma accedilatildeo conjunta com o STR com vista agrave necessidade
de agilizar a organizaccedilatildeo do cadastro dos agricultores familiares por meio da
Associaccedilatildeo que jaacute existia desde antes da accedilatildeo do INCRA Foi atraveacutes dela que esses
agricultores se mobilizaram para construir estradas e escola Somente depois de um ano
da reocupaccedilatildeo a prefeitura passou a operar de forma mais efetiva juntamente com o
INCRA com o objetivo consolidar o Assentamento Rural Satildeo Joseacute Depois da
regularizaccedilatildeo foi liberado o creacutedito para a aquisiccedilatildeo de gado e melhorias na
infraestrutura
Segue uma narrativa que possibilita a problematizaccedilatildeo dessa questatildeo
[] quando a gente chegou aqui no dia que cheguei tinha trecircs
cancelas trancadas Tinha o pessoal dali que natildeo queria que a
gente entrasse O gerente natildeo deixava a gente entrar mas tinha
um menininho pequenino do tamanho daquele ali Aiacute eu trazia
balinha bombom e dava pra ele Aiacute quando ele me via corria
eu vinha pra caacute era de bicicleta De Vila Rica-MT pra caacute eu
vinha de bicicleta com uma ldquocarguinhardquo na garupa Mas o
que eu vinha fazer eu trazia soacute foice Aiacute vinha e passava meio
debaixo dos arames e ia roccedilando Rocei um pedaccedilo de mato e
voltei pra Vila Fui trabalhar para ganhar dinheiro para
comer ldquoAiacute quando foi um dia falou Zeacute Roberto eu passei na
sua roccedilardquo o Joseacute Roberto falou o fogo estaacute acabando de
queimar a sua roccedilardquo Que horas Umas oito horas da noite eu
passei laacute e fogo estava acabando de queimar a sua roccedilardquo
ldquoEntatildeo natildeo queimou a roccedila natildeordquo Cheguei aqui estava tudo
queimado Aiacute o que eu fiz foi imediatamente soacute eu mesmo com
umas panelinhas e jaacute ldquobarrequeirdquo aqui e fui furar cisterna
Trouxe um rapaz para furar o poccedilo Furou o poccedilo eu vim fazer
o barriquinho Ai amiga velha aqui soacute mato (ENTREVISTA
com Joatildeo Neto assentado de Satildeo Joseacute realizada pela autora
em marccedilo de 2015)
O relato demonstra a necessidade que estes agentes histoacutericos tecircm em
enfatizar que a posse da terra dava-se com muito sacrifiacutecio dos posseiros com a ajuda
78
de outros que avisavam e auxiliavam a cuidar da roccedila Portanto a integraccedilatildeo e a
solidariedade faziam parte do cotidiano de vida deles principalmente sabendo da
necessidade que alguns tinham de sair da ldquoposserdquo para trabalhar na aacuterea urbana ou
mesmo em outras propriedades rurais em busca de sobrevivecircncia motivo pelo qual natildeo
podiam morar exclusivamente na ldquoposserdquo
Os ldquoposseirosrdquo enfrentaram dificuldades para ldquoabrirrdquo fazer o plantio e para
construir as casas em seus lotes pois sem apoio do poder puacuteblico tiveram que
desenvolver as suas proacuteprias condiccedilotildees de sobrevivecircncia seja na construccedilatildeo de
barracos casas ou cultivo das roccedilas Tambeacutem havia problemas de ordem financeira que
implicavam na condiccedilatildeo elementar de sobrevivecircncia no lote Nem todos possuiacuteam
recursos para se manter nos espaccedilos socialmente delimitados ateacute que as roccedilas
comeccedilassem a produzir para a alimentaccedilatildeo dos membros das famiacutelias
Alguns posseiros precisaram conciliar as atividades do lugar proacuteprio de
produccedilatildeo com outras atividades como derrubar a mata para dela retirar madeira e
vender para as serrarias ou trabalhar em outros siacutetios para conseguir dinheiro suficiente
para suprir as necessidades baacutesicas para o sustento da famiacutelia Durante o periacuteodo da
pesquisa de campo eram frequentes as narrativas afirmando ser o trabalho assalariado
uma praacutetica corriqueira entre a maioria dos posseiros mais pobres
Uma estrateacutegia foi o trabalho acessoacuterio nas aacutereas urbanas
[] e pra mim comer aqui trabalhava uma semana aqui e ia
trabalhar na diaacuteria para os outros Trabalhava uma semana
para o Valdemar Senna trabalhava uma semana para o
Aguiarro para o dono do hotel Marajoacute laacute no fundo E daiacute por
diante eu agraves vezes tirava madeiras para algumas pessoas
derrubava um pouquinho de mato para uma pessoa pra mim
comer a minha esposa trabalhava no coleacutegio eu fazia meus
bicos e ela empregada laacute na estadual Entatildeo ela tambeacutem me
ajudava muito Pegava o salarinho dela para comprar coisa em
casa pra comprar gaacutes pra me ajudar em casa tambeacutem Entatildeo
ldquomorreurdquo tudo assim eu e ela trabalhando para manter a
posse Noacutes pegamos primeiro uma cesta baacutesica que chamava
fomento [] eu natildeo me lembro do valor se foi se natildeo me
engano foi mil e alguma coisa (ENTREVISTA com Joatildeo
Neto assentado de Satildeo Joseacute realizada pela autora em marccedilo de
2015)
Naquele contexto tambeacutem havia posseiros que eram comerciantes servidores
puacuteblicos e ateacute antigos funcionaacuterios da Fazenda Satildeo Joseacute que tinham um maior poder
79
aquisitivo Esses eram os principais contratantes dos posseiros que precisavam vender
sua forccedila de trabalho
222 O Assentamento Rural Ipecirc
Para conseguir compreender a formaccedilatildeo do Assentamento Rural Ipecirc foi
necessaacuterio visitar o local para perceber as especificidades Isso porque o contato direto
entre pesquisador e seus entrevistados acompanhado por conhecidos foram
significativas Atraveacutes dessa proximidade foi possiacutevel aos entrevistados o uso de suas
memoacuterias que possibilitaram relembrar a condiccedilatildeo humana de luta pela sobrevivecircncia
e que fez os homens e mulheres sujeitos da proacutepria histoacuteria
Comecemos por um espaccedilo bem instigante O Assentamento Rural Ipecirc
originou-se da compra da Fazenda Ipecirc que havia sido ocupada antes numa accedilatildeo
apoiada pelo STR O INCRA apresentou a possibilidade de fazer um assentamento rural
modelo construiacutedo atraveacutes de um planejamento de acordo com as diretrizes do MDA
para a criaccedilatildeo de assentamentos rurais
A luta pela conquista do seu espaccedilo social de produccedilatildeo ocorreu em 1999
quando os posseiros ocuparam toda a aacuterea da Fazenda Ipecirc e fizeram a divisatildeo dos lotes
abrindo estradas por meio de ldquopicadatildeordquo embora maior parte da aacuterea jaacute estivesse
ocupada com pastagens
Em carta aberta escrita pela Comissatildeo Municipal de Reforma Agraacuteria na
mesma deacutecada as lideranccedilas do movimento tentavam esclarecer agrave populaccedilatildeo de Vila
Rica-MT sobre os acontecimentos e ao mesmo tempo procuraram chamar a atenccedilatildeo
das autoridades vinculadas agrave Questatildeo Agraacuteria Simultaneamente esse documento
revelou uma concepccedilatildeo da estrateacutegia e da luta pela posse da terra Tanto os dirigentes do
STR como as outras instituiccedilotildees em determinado momento viram-se na luta na
condiccedilatildeo de aliados dos oacutergatildeos governamentais como o INCRA e a prefeitura
municipal de Vila Rica-MT
Por esse documento podemos saber que a Comissatildeo Municipal de Reforma
Agraacuteria do municiacutepio era composta por representantes de instituiccedilotildees e entidades
vinculadas agrave Questatildeo Agraacuteria e visava consolidar um assentamento rural que atendesse
aos padrotildees estabelecidos pela poliacutetica de criaccedilatildeo de assentamentos pelo INCRA
80
Logo havia interesse dos oacutergatildeos governamentais e do STR para a conquista
do que viria a ser o primeiro assentamento rural do Araguaia mato-grossense Ele foi
construiacutedo a partir do imaginaacuterio idealizado pelo Plano de Reforma Agraacuteria da eacutepoca
[] A reforma agraacuteria eacute um anseio da populaccedilatildeo e necessidade
do trabalhador rural A colonizaccedilatildeo de Vila Rica-MT foi
modelo de reforma agraacuteria com a divisatildeo das grandes aacutereas em
pequenas ocupadas por produtores tambeacutem pequenos A partir
de 1998 foi instituiacuteda ldquoA Comissatildeo Agraacuteria do Municiacutepio de
Vila Rica-MTrdquo com o objetivo de coordenar agraves atividades
ligadas a Questatildeo Agraacuteria no acircmbito municipal Esta comissatildeo
em parceria com o INCRA e sociedade envolvida organizou os
trabalhos de classificaccedilatildeo dos sem terras selecionando 500 em
uma relaccedilatildeo de 1700 inscritos no Sindicato dos Trabalhadores e
Prefeitura para assentaacute-los na Fazenda Ipecirc ateacute entatildeo objeto de
desapropriaccedilatildeo para fins da reforma agraacuteria A relaccedilatildeo de
classificados feita conforme legislaccedilatildeo competente e os
meacutetodos estabelecidos pela a proacutepria comissatildeo foram
apresentados ao INCRA que fez o cadastramento no SIPRA-
Sistema de Informaccedilatildeo de Projetos da Reforma Agraacuteria Aleacutem
de organizar esta classificaccedilatildeo a comissatildeo conscientizou os
futuros assentados a evitar a invasatildeo da Fazenda e sim aguardar
as devidas providecircncias que seriam tomadas pelo INCRA para
que o assentamento fosse feito com clientes da reforma agraacuteria
trabalhadores sem-terra e que pudesse ser modelo para a
regiatildeo [] Para a decepccedilatildeo das 500 famiacutelias de trabalhadores
(as) sem-terra sipradas e de pessoas ligadas ao processo um
grande nuacutemero de estranhos entre eles fazendeiros
comerciantes e pequena parte dos sem-terra siprados17
invadiram a aacuterea da fazenda Ipecirc entre a reuniatildeo de 260399 a
300399 despeitando os que haacute dois anos honesta e
sofridamente aguardavam a tramitaccedilatildeo legal Com a chegada
dos representantes do INCRA a Comissatildeo Municipal de
Reforma Agraacuteria representantes de outras intensidades diante
do fato da invasatildeo e o processo de assentamento concluiu-se
que []- fosse solicitada com urgecircncia a retirada dos invasores
pelas autoridades em niacuteveis federal estadual e municipal
(CARTA ABERTA- STR de Vila Rica-MT marccedilo de 2015)18
Os envolvidos no processo de organizaccedilatildeo do assentamento rural ficaram
desapontados ao serem surpreendidos pela invasatildeo da aacuterea por outros agentes que natildeo
tinham sido selecionados no Sistema de Informaccedilatildeo de Projetos da Reforma Agraacuteria e
que tampouco atendiam aos criteacuterios do Programa
17 Expressatildeo utilizada para caracterizar os assentados rurais cadastrados no INCRA
18 A carta na integra estaacute disponibilizada nos arquivos do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Vila Rica- MT analisados pela autora da pesquisa em marccedilo de 2015
81
A partir do depoimento do gerente da Fazenda Ipecirc da eacutepoca eacute possiacutevel
compreender de forma mais clara as estrateacutegias adotadas pelos posseiros e pelo
fazendeiro no processo de loteamento do Assentamento Rural Ipecirc
[] Ipecirc naquela eacutepoca causou um intenso movimento de
trabalhadores desbravando a aacuterea e plantando capim A aacuterea
possuiacutea 26 mil hectares [] em 18 anos desmataram apenas
20 dessas terras ela era considerada a maior fazenda da
regiatildeo [] Em 1997 comeccedilou a fofoca de venda da aacuterea que
se prolongou por dois anos Tinha ordem de natildeo deixarem
invadir possuiacutea uma patrulha de vigia dia e noite O INCRA
inicia a negociaccedilatildeo com o gerente da eacutepoca que era
autorizado pelo proprietaacuterio A pessoa responsaacutevel ia para
Cuiabaacute- MT Satildeo Felix do Araguaia- MT Rio de Janeiro e
Uberaba em Minas Gerais para se reunir com o dono e
discutir as propostas Como demorou a desapropriaccedilatildeo as
pessoas comeccedilaram a invadir a aacuterea realizaram vaacuterias
reuniotildees com as pessoas para que mantivessem a calma
(ENTREVISTA com Ideu Ex-gerente da Fazenda Ipecirc realizada
por Regina Ceacutelia em 2006)
Ressaltamos que o relato oral apresenta uma linguagem especiacutefica que repete
a ideia de que a reocupaccedilatildeo foi uma ldquoinvasatildeordquo numa perspectiva comum entre os
proprietaacuterios de terra que natildeo compreendiam a luta pela terra Ao contraacuterio do que estaacute
expresso na Carta Aberta o ex-gerente atribui os motivos da bdquoinvasatildeo‟ agrave ldquomorosidaderdquo
na efetivaccedilatildeo do processo de desapropriaccedilatildeo da terra Apesar de tambeacutem fazer
referecircncias agraves reuniotildees que ocorreram no sentido de manter os agricultores familiares
informados sobre o processo de desapropriaccedilatildeo da fazenda para efeito de criaccedilatildeo do
assentamento rural
A consolidaccedilatildeo do assentamento rural soacute veio de fato a acontecer a partir das
denuacutencias feitas pela Comissatildeo Municipal de Reforma Agraacuteria com anuecircncia do
Sindicato dos Trabalhadores Rurais da Comissatildeo Pastoral da Terra e de outras
entidades envolvidas com a Questatildeo Agraacuteria e na luta pela terra em Vila Rica- MT
Segundo documentos19
do STR foi a partir desse fato que o INCRA entrou
com um Mandato de Seguranccedila exigindo a saiacuteda imediata dos ldquoposseirosrdquo sob a
alegaccedilatildeo de ser esta a condiccedilatildeo principal para a aquisiccedilatildeo da aacuterea e a demarcaccedilatildeo dos
lotes no assentamento rural Isso em funccedilatildeo de uma legislaccedilatildeo que regia os processos
19 Os documentos satildeo de diversas tipologias (ofiacutecios cartas atas relatoacuterios e etc)e estatildeo
disponibilizados nos arquivos do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT
82
de criaccedilatildeo dos assentamentos rurais Em 1998 jaacute havia sido declarado pelo Decreto nordm
157 que a aacuterea da Fazenda Ipecirc era de interesse social para efeito das poliacuteticas de
Reforma Agraacuteria
De acordo com o depoimento de uma assentada a qual tambeacutem era na eacutepoca
da diretoria do STR de Vila Rica-MT e estivera desde o processo inicial de formaccedilatildeo do
assentamento rural eacute possiacutevel perceber que
[] os primeiros trecircs anos do assentamento foram de
dificuldades para os assentados pois o mesmo natildeo possuiacutea
infraestrutura como estrada pontes e etc Somente 70 as
famiacutelias receberam creacutedito para fomento enquanto as demais
famiacutelias ficaram agrave mercecirc sem apoio do Poder Puacuteblico por um
bom tempo (ENTREVISTA com Clainir Agricultora Familiar
membro da direccedilatildeo do STR realizada pela autora em marccedilo de
2015)
O periacuteodo compreendido entre 2001 e 2010 foi o momento de maior
alavancada do Assentamento Rural Ipecirc pois recebeu um percentual significativo de
recursos vinculados agraves linhas de creacuteditos do Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar como Pronaf -A Pronaf - AC Pronaf - C Pronaf -D e Pronaf -
Mulher A disposiccedilatildeo desses recursos segundo informaccedilotildees obtidas atraveacutes dos
relatoacuterios da Empaer da Secretaria Municipal de Agricultura e do STR de Vila Rica-
MT estavam condicionados para determinados fins e foram destinados agrave aquisiccedilatildeo de
vacas leiteiras construccedilatildeo de curral e de 95 casas bem como agrave edificaccedilatildeo de pontes
estradas e na contrataccedilatildeo de serviccedilos de maacutequinas de esteira (EMPAER 2009)
223 O Assentamento Rural Aracati
A luta pela terra natildeo passa somente por um processo de conquista territorial
mas avanccedila para a necessidade de permanecircncia dos assentados garantida atraveacutes de
apoios e poliacuteticas puacuteblicas
A histoacuteria dos assentamentos rurais em Mato Grosso tambeacutem eacute marcada pela
violecircncia praticada contra os posseiros No caso de Vila Rica-MT os assentamentos
rurais Aracati e Itaporatilde do Norte talvez sejam os dois que mais se identifiquem com
essa caracteriacutestica uma vez que resultantes do processo de reocupaccedilatildeo da Fazenda
83
Aracati que na eacutepoca era de propriedade do senhor Rubens Mendonccedila apresentado
anteriormente como ldquoo pioneirordquo de Vila Rica-MT
A reocupaccedilatildeo da aacuterea provocou conflito entre posseiros e o proprietaacuterio da
fazenda havendo ateacute ameaccedilas de mortes Aleacutem dessas accedilotildees de conflito o proprietaacuterio
contava com o apoio do judiciaacuterio na aplicaccedilatildeo de medidas coercivas contra os
posseiros
No primeiro momento os posseiros foram despejados das terras perdendo
toda a produccedilatildeo das roccedilas jaacute cultivadas conforme descrito no relatoacuterio produzido pela
Empaer (2009 p 48)
No ano de 1980 foi feita a primeira invasatildeo da fazenda Aracaty
por 42 famiacutelias as mesmas fizeram construccedilatildeo de barracos de
plaacutesticos e palha A aacuterea invadida era mata e aberturas com
pastagens Os invasores fizeram aberturas de picadas
derrubadas e plantio de roccedilas Os pistoleiros da fazenda foram
ateacute a aacuterea invadida acionaram a poliacutecia militar e a mesma veio
ateacute o local do conflito
O conflito fundiaacuterio originado na luta pela terra tornou-se mais complexo
com a organizaccedilatildeo e a atuaccedilatildeo do STR e da CPT Em 1990 o Sindicato dos
Trabalhadores Rurais do municiacutepio denunciou internacionalmente a accedilatildeo de
empresaacuterios e fazendeiros conforme mostra a carta reproduzida a seguir
Figura 6 A Carta da Alemanha
84
Fonte Arquivo do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT
Essa articulaccedilatildeo internacional do STR de Vila Rica-MT demonstra a
capacidade de accedilatildeo mobilizadora dos grupos sociais constituiacutedos por homens e
mulheres com perfil ldquocampesinordquo os quais almejavam acesso agrave terra Revela ainda um
niacutevel de organizaccedilatildeo poliacutetica e conhecimento legal sobre os procedimentos juriacutedicos
adotados pelos oacutergatildeos federais no processo de criaccedilatildeo e regularizaccedilatildeo de assentamentos
rurais
Vale ressaltar que a situaccedilatildeo vivenciada pelos posseiros da Fazenda Aracati
ganhou repercussatildeo nacional e internacional Eacute possiacutevel verificaacute-lo pelas diversas coacutepias
das cartas enviadas ao Presidente da Repuacuteblica por vaacuterias entidades inclusive de paiacuteses
como Espanha Itaacutelia Alemanha e outros
Em 1993 a equipe do INCRA compareceu pela primeira vez na aacuterea
visando regularizaacute-la atraveacutes de um contrato de arrendamento com o proprietaacuterio da
Fazenda Aracati No entanto a regularizaccedilatildeo do assentamento rural ocorreu somente
quando a fazenda em questatildeo foi desapropriada para fins de Reforma Agraacuteria sendo
criado entatildeo o assentamento rural ocasiatildeo em que ocorreu o retorno dos posseiros que
haviam sido expulsos
Na eacutepoca foi respeitada a demarcaccedilatildeo realizada anteriormente pelos proacuteprios
posseiros na primeira fase da reocupaccedilatildeo Em consequecircncia dessa situaccedilatildeo quando natildeo
foram estabelecidos criteacuterios de demarcaccedilatildeo os lotes do Assentamento Rural Aracati
possuem ateacute hoje aacutereas diferentes
Segundo informaccedilotildees obtidas atraveacutes das anaacutelises dos documentos que estatildeo
nos arquivos disponibilizados pelo STR de Vila Rica-MT no periacuteodo de 1990 a 1992
pouco se fez em prol da infraestrutura da aacuterea ocupada pelos agricultores familiares
Apenas se verificou a edificaccedilatildeo de uma pequena escola de taacutebua cercas currais e
construccedilatildeo de estradas as quais foram feitas pelos proacuteprios moradores
224 O Assentamento Rural Satildeo Gabriel
O Assentamento Rural Satildeo Gabriel no que se refere a sua constituiccedilatildeo
possui caracteriacutesticas semelhantes ao Assentamento Rural Satildeo Joseacute uma vez que este
85
tambeacutem foi resultado do processo de ocupaccedilatildeo da fazenda Satildeo Gabriel no ano de 1999
Segundo os moradores na eacutepoca em que a fazenda foi ocupada praticamente toda aacuterea
era ainda coberta de mata virgem As primeiras picadas demarcatoacuterias foram realizadas
pelos posseiros A equipe do INCRA foi ao local somente para realizar o cadastramento
dos interessados Os lotes foram distribuiacutedos atraveacutes de sorteio viabilizando a liberaccedilatildeo
de fomento
Como em todos os demais assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-
MT no iniacutecio os assentados do Satildeo Joseacute enfrentaram muitas dificuldades como a falta
de infraestrutura sobretudo de estradas como demonstram as informaccedilotildees do relatoacuterio
produzido pelo escritoacuterio da Emapaer de Vila Rica- MT (2006 p 10)
[] no ano de 2000 foi criada a primeira associaccedilatildeo do
assentamento a Associaccedilatildeo dos Pequenos Produtores Rurais da
Comunidade Pedra Alta do Projeto de assentamento Satildeo
Gabriel ndash APPA As famiacutelias comeccedilaram a abrir derrubadas
para plantio de roccedilas e pastagens novamente receberam
fomento creacutedito habitaccedilatildeo Iniciou a primeira escola nas casas
da antiga fazenda IPEcirc assentamento vizinho O INCRA teve
presente no assentamento pra fazer a liberaccedilatildeo das casas O
assentamento foi contemplado com 18 km de estrada feitas pela
prefeitura em parceria com INCRA
Assim como ocorreu em outros Projetos de assentamentos rurais de Vila
Rica-MT a deacutecada de 2000 pode ser considerada um marco importante na histoacuteria do
assentamento Satildeo Joseacute pois naquele periacuteodo houve uma melhoria significativa da
infraestrutura em funccedilatildeo das accedilotildees dos Poderes Puacuteblicos Federal e Municipal
O periacuteodo entre os anos 2001 ateacute 2010 foi marcado por um amplo aumento
nas accedilotildees do poder puacuteblico havendo bastante capacitaccedilatildeoformaccedilatildeo para os
Agricultores Familiares e a liberaccedilatildeo de creacuteditos Pronaf A AC Tais poliacuteticas sociais
puacuteblicas segundo relato oral tinham como objetivo a compra de gado leiteiro
construccedilatildeo de curral contrataccedilatildeo de maacutequinas de esteira construccedilatildeo de casas
construccedilatildeo de pontes e estradas
Atraveacutes de projetos depois da implantaccedilatildeo do Programa Luz para Todos os
assentados conseguiram os resfriadores contemplando toda a aacuterea do assentamento
rural Uma loacutegica do aparelho do Estado era que os posseiros se tornassem produtores
de mercadorias e consumidores para que entrassem no processo de produccedilatildeo
econocircmica capitalista
86
225 O Assentamento Rural Itaporatilde do Norte
O Assentamento Rural Itaporatilde do Norte resultou de um processo de
ocupaccedilatildeo por parte de posseiros em 1986 Nesse periacuteodo houve tentativas de
desapropriaccedilatildeo prisatildeo e ameaccedila contra a vida dos posseiros Estes fatos podem ser
confirmados atraveacutes de documentos como a declaraccedilatildeo exposta a seguir em que um
dos posseiros denunciou as ameaccedilas de morte contra eles
Figura 7 Denuacutencia de Ameaccedila de Morte de posseiro
Fonte Arquivo do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT 2015
87
O documento denuncia a accedilatildeo violenta de intimidaccedilatildeo sofrida por parte de um
dos posseiros no ano de 1988 O significado dessa fonte de pesquisa permite que
conheccedilamos mais claramente o modus operandi dos pretensos proprietaacuterios da terra
assim como a forma com que tentavam manter seus domiacutenios natildeo somente no campo
da justiccedila do direito mas tambeacutem pela criaccedilatildeo de cenaacuterios em que o medo pudesse
fazer parte da rotina dos posseiros das suas esposas e familiares
A criaccedilatildeo de um ambiente tenso e conflituoso com riscos agrave vida de qualquer
um dos familiares era uma estrateacutegia utilizada pelos ldquosenhoresrdquo pretensos proprietaacuterios
da terra em conflito Apesar da situaccedilatildeo do embate e das ameaccedilas somente dez anos
depois o INCRA regularizou a situaccedilatildeo dos posseiros
Um dos principais problemas do assentamento rural eacute decorreu da
demarcaccedilatildeo dos lotes no periacuteodo sendo que o tamanho variava entre 25 a 150 ha O
tamanho do lote oscilava em decorrecircncia da forma de reocupaccedilatildeo anterior agrave
regularizaccedilatildeo e que foi seguida pelo INCRA
As parcelas menores estatildeo abaixo do miacutenimo estipulado pelo MDA que eacute de
35 hectares Segundo o Estatuto da Terra (1964) esta era a aacuterea miacutenima que garantia as
condiccedilotildees de desenvolvimento e potencializaccedilatildeo da funccedilatildeo social da terra Essa
perspectiva teve por base a ideia de que um lote menor que 35 ha natildeo tecircm condiccedilotildees de
garantir as condiccedilotildees sociais e econocircmicas de seus moradores e trabalhadores naquela
aacuterea
Ao observarmos essa questatildeo nos assentamentos rurais analisados eacute
perceptiacutevel que os assentados acabaram tendo que conciliar as atividades declaradas na
posse com outras formas de trabalhos assessoacuterios para garantir as condiccedilotildees
econocircmicas da propriedade
Em 1996 foram cadastradas 184 famiacutelias de posseiros que tinham como
objetivo adquirir recursoscreacuteditos para financiamento das atividades naquele
assentamento rural Desse total 30 natildeo estavam aptas para conseguir o creacutedito
226 O Assentamento Rural Bom Jesus
88
Refletir a partir da histoacuteria do Assentamento Rural Bom Jesus eacute trilhar mais
uma vez as trajetoacuterias de vida de vaacuterias pessoas que migraram para Vila Rica-MT em
busca de melhores condiccedilotildees de vida Essas pessoas foram atraiacutedas pela propaganda da
terra feacutertil e da abundacircncia Nas informaccedilotildees disponibilizadas pelo STR de Vila Rica-
MT os ocupantes desse assentamento eram majoritariamente migrantes oriundos dos
estados de Minas Gerais Goiaacutes Rio Grande do Sul Paranaacute Paraacute e minoritariamente
do Nordeste
Essas pessoas ao se aventurarem nas matas para desbravaacute-las acreditavam
que as terras da Amazocircnia proporcionar uma qualidade de vida almejada Essa
expectativa pode ser observada no excerto da carta-convite para a comemoraccedilatildeo do 17ordm
aniversaacuterio do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT datada de
30052004
[] Imaginando eles que iriam ter o crescimento econocircmico e
uma vida melhor para sua famiacutelia sem conhecer os riscos
quantas vidas foram ceifadas nas derrubadas Aiacute chega a
maldita maleita a tatildeo sofrida malaacuteria onde muitas famiacutelias
perderam vidas sofrimento com a dor [] E os que
conseguiam reagir com muita fraqueza sem forccedilas para
trabalhar e jaacute com diacutevidas acabaram vendendo sua terrinha e
quando acabou o dinheiro E agora o que fazer Isso jaacute era por
volta do iniacutecio de 1986 onde a opccedilatildeo foi ocupar terras
devolutas da regiatildeo pois o dinheiro tinha acabado e voltar para
traz donde vieram natildeo era possiacutevel Iniciou- se a ocupaccedilatildeo da
aacuterea do Itaporatilde do Norte e da Colocircnia Bom Jesus []20
Esse documento possibilita compreender que a narrativa oficial natildeo traduzia
as representaccedilotildees constituiacutedas pelos trabalhadores e antigos colonos Afinal na eacutepoca
da formaccedilatildeo do assentamento rural muitos posseiros convivendo com os efeitos da
colonizaccedilatildeo para todos aqueles que acreditaram nos discursos construiacutedos pelo
colonizador sobre um lugar bom de viver acabaram arriscando as proacuteprias vidas na luta
pela terra
Com o passar do tempo eles se deparam com doenccedilas dificuldades
financeiras e a desilusatildeo da riqueza da terra faacutecil Diante da falta de alternativas de
trabalho e de sobrevivecircncia os posseiros viram a possibilidade de reocupar fazendas
20 A carta na integra faz parte de coletacircnea de recorte de textos e noticiaacuterios sobre a luta dos
movimentos numa espeacutecie de livro artesanal o qual estaacute disponibilizado nos arquivos do
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica- MT
89
improdutivas como a uacutenica saiacuteda para a sobrevivecircncia conforme relatado na carta
ldquo[] e quando acaba o dinheiro o que fazerrdquo (CARTA CONVITE STR de Vila Rica
30052004)
O relato a seguir mostra as estrateacutegias dos posseiros para ocupar uma aacuterea
privada e como conseguiram a aprovaccedilatildeo do INCRA
[] Eu participei das ocupaccedilotildees em 1986-1987 no caso do
assentamento Bom Jesus que era antes a antiga Fazenda
COBEC onde 60 famiacutelias foram ocupando a aacuterea Noacutes
organizamos e ocupamos essa aacuterea e tem a Itaporatilde do Norte
que foi ocupada numa organizaccedilatildeo dos Sindicatos dos
Trabalhadores Rurais e outros movimentos sociais daqui do
municiacutepio de Vila Rica-MT mas especificamente da ocupaccedilatildeo
dessas aacutereas que eu natildeo sei falar sei do caso do Bom Jesus
que depois que organizamos a ocupaccedilatildeo recorremos ao
Sindicato e atraveacutes deste fizemos o primeiro contato com o
INCRA queriacuteamos saber se havia interesse por parte do
INCRA em negociar a compra dessa propriedade na eacutepoca o
INCRA ainda fazia a negociaccedilatildeo digo compra de aacutereas que jaacute
estavam ocupadas hoje como vocecirc sabe o INCRA natildeo faz
mais esse tipo de coisa a estrateacutegia eacute outra Hoje compra-se a
propriedade primeiro para depois entregar a antiga fazenda
aos assentados Entatildeo eu na eacutepoca tinha dezesseis anos eu
era meio perdido com essas coisas a organizaccedilatildeo foi feita
basicamente pelo o meu pai e outros companheiros nossos
(outras pessoas neacute) Soacute sei que eles fizeram um levantamento
sobre a situaccedilatildeo das fazendas em Vila Rica-MT e descobriram
que esta aacuterea estava sem produzir o dono natildeo tinha interesse
porque era uma fazenda empenhorada no banco ou seja jaacute era
uma aacuterea do banco Entatildeo os organizadores do processo de
ocupaccedilatildeo entenderam que seria mais faacutecil negociar entre o
dono e o INCRA e assim facilitaria aquisiccedilatildeo do tiacutetulo da
terra e formar o assentamento (ENTREVISTA com Ivanir
Galo Agricultor familiar do assentamento Bom Jesus e
presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-
MT realizada pela autora em marccedilo de 2015)
O relato nos possibilita cogitar a ideia de que os posseiros que reocuparam a
aacuterea da Fazenda Boa Jesus eram conhecedores tanto das diretrizes definidas pelo
INCRA para a criaccedilatildeo de assentamento rural quanto da situaccedilatildeo da Questatildeo Agraacuteria de
Vila Rica-MT Isso fica evidente principalmente ao eleger uma fazenda que estava
comprometida pelo endividamento no banco revelando uma taacutetica de efeito positivo
uma vez que facilita a accedilatildeo do INCRA na aquisiccedilatildeo da fazenda tendo em conta o
interesse do proprietaacuterio em negociar a venda
90
Outra situaccedilatildeo que nos chama atenccedilatildeo foi agrave atuaccedilatildeo dos filhos junto com os
pais na reocupaccedilatildeo da fazenda o que pode se atribuir agrave projeccedilatildeo de desmembramento
familiar ou de ampliaccedilatildeo do capital econocircmico da famiacutelia Ao mesmo tempo pode
demonstrar que os posseiros tinham a pretensatildeo de continuar uma tradiccedilatildeo vinculada a
terra passando suas heranccedilas para seus filhos poreacutem incorporando-os na luta pela
terra no trabalho com a terra e na busca pela sobrevivecircncia a partir da propriedade
rural
O relato a seguir mostra como os posseiros se apossavam de aacutereas natildeo
produtivas
[] A ocupaccedilatildeo de fazenda na eacutepoca era a uacutenica forma que as
pessoas sem-terra tinham para conseguir uma pequena aacuterea
era o que noacutes entendiacuteamos ser mais faacutecil para conseguir ter
acesso agrave terra Hoje a gente vecirc que natildeo precisa ser soacute assim
pois eacute melhor procurar comprar a fazenda e planejar o
assentamento [] Eacuteramos todos daqui mesmo de Vila Rica-
MT eacuteramos pessoas que tinha conhecimento sobre a luta pela
terra um bom entrosamento e essas pessoas trabalhavam em
prol da colonizaccedilatildeo reuniram essas famiacutelias e foram ocupar
ateacute organizamos em dois grupos no primeiro momento onde
um grupo entrou por um local e o outro grupo entrou por outro
lado da fazenda mas quando teve o desbravamento
descobrimos que estaacutevamos ocupando a mesma aacuterea porque o
acesso era muito difiacutecil a gente natildeo tinha como fazer um mapa
direito da fazenda entatildeo tivemos que entrar de 8 a12 km na
mata ateacute descobrir a aacuterea toda[] (ENTREVISTA com
Evani Galo presidente do STR de Vila Rica-MT realizada pela
autora em marccedilo de 2015)
O citado relato oral nos possibilita afirmar que havia um conhecimento
aprimorado sobre a estrutura fundiaacuteria de Vila Rica- MT Os posseiros natildeo ocupavam
aacutereas de fazendas que estavam produzindo mas optavam por estabelecer as disputas em
terras sob condiccedilotildees ilegais Por isso eles ocupavam as aacutereas improdutivas para
diminuir a possibilidade de conflito e aumentar a chance de negociaccedilatildeo entre os
proprietaacuterios e as instituiccedilotildees governamentais Para essas definiccedilotildees eles faziam
reuniotildees para escolher qual aacuterea de fazenda seria ocupada e a definiccedilatildeo de estrateacutegias na
reocupaccedilatildeo
Destacamos que a maioria dos posseiros ocupantes dos lotes do
Assentamento Rural Bom Jesus foi ldquoex-colonosrdquo do Sul que migraram para Vila Rica-
MT no iniacutecio da colonizaccedilatildeo No caso desta pesquisa denominamos como ex- colonos
91
aqueles migrantes que vieram para Vila Rica-MT em funccedilatildeo da accedilatildeo da colonizadora e
que perderam o capital financeiro devido ao endividamento no banco
Daiacute estes migrantes passaram de colonos para Sem-Terra depois tornaram-
se posseiros ou vendedores da forccedila de trabalho trabalhadores rurais e tambeacutem urbanos
Poreacutem outros posseiros eram oriundos das aacutereas de colonizaccedilatildeo ou de fazendas
agropecuaacuterias
[] a dificuldade de chegar e trabalhar era muita Natildeo tinha
aparelhos para identificar com precisatildeo a dimensatildeo da aacuterea
natildeo tinha estrada Andaacutevamos aiacute de 8 a 12 km na mata guiados
atraveacutes de picadas apenas essas picadas jaacute eram existentes
desde a eacutepoca da colonizadora E por ser essa fazenda que noacutes
ocupamos uma aacuterea vizinha da colonizadora Isso acabou
facilitando a localizaccedilatildeo Aleacutem da falta de estrada tinha a
malaacuteria a falta de transporte E eu mesmo fui uma das pessoas
que primeiro chegou ao assentamento Quando fui uns dos
primeiros fiquei 21 dias na mata ali roccedilando demarcando a
minha aacuterea Eu fiquei tentando marcar e garantir o meu
territoacuterio e foi assim a nossa luta para conseguir o pedaccedilo de
terrapedaccedilo de chatildeo pra produzir depois o meu sustento e da
minha famiacutelia [] Na eacutepoca ficou determinado entre todos
noacutes numa reuniatildeo que fizemos ateacute pra dizer que cada um de
noacutes ficaacutessemos apenas com 100 hectares [] por isso no
assentamento do Bom Jesus natildeo tem ningueacutem com mais 100
hectares E teve gente que natildeo conseguiu permanecer no
assentamento venderam e teve outros que desistiram natildeo
aguentaram aquele sofrimento todo Noacutes sempre trabalhamos
na associaccedilatildeo para que nenhum lote passasse de 100 hectares
pois jaacute era a determinaccedilatildeo do INCRA E noacutes jaacute conheciacuteamos as
regras do INCRA e trabalhaacutevamos desde a fase de organizaccedilatildeo
da ocupaccedilatildeo com elas Os dois assentamentos que manteve esse
padratildeo eacute soacute o Bom Jesus e o Itaporatilde A nossa loacutegica era no
sentido de facilitar a regularizaccedilatildeo e pra isso trabalhamos de
forma que pudesse tambeacutem aumentar o nuacutemero de famiacutelias no
assentamento Noacutes sempre respeitamos as regras
(ENTREVISTA com Evani Galo Agricultor Familiar do
assentamento Bom Jesus realizada pela autora em marccedilo de
2015)
O relato acima nos remete agrave concepccedilatildeo jaacute exposta na descriccedilatildeo da formaccedilatildeo
de outros assentamentos rurais em que os posseiros eram conhecedores das diretrizes
do INCRA em relaccedilatildeo ao processo de criaccedilatildeo e regularizaccedilatildeo dos assentamentos rurais
Isso nos leva a crer que a reocupaccedilatildeo das fazendas natildeo ocorria de forma tatildeo espontacircnea
como aparece em outras narrativas sobre assentamentos rurais Havia entre os posseiros
92
uma organizaccedilatildeo e um planejamento Isto porque promoviam accedilotildees que exigiam
atividades taacuteticas e estrateacutegicas que permeavam a disposiccedilatildeo da luta pela terra
Apesar dessas definiccedilotildees de princiacutepios organizativos da luta para evitar
ocupaccedilotildees equivocadas e desviar-se dos conflitos o entrevistado falou sobre as ameaccedilas
que sofreram no periacuteodo em que lutaram para conquistar a terra
[] teve sim ameaccedilas de despejos na eacutepoca Apesar de que
hoje a gente jaacute sabe que foi uma pessoa que usou de
oportunismo Isso eacute o mesmo que estaacute acontecendo na Fazenda
Reunidas Vocecirc natildeo precisa ter medo de falar sobre esse fato
porque eacute verdade isso que lhe conto Pode colocar no seu
relatoacuterio aiacute Esses satildeo os tais grileiros das terras do Araguaia
ficam se passando por donos das fazendas soacute para ameaccedilar e
confundir os posseiros Aconteceu assim uma pessoa de maior
poder aquisitivo ficou amedrontando as outras pessoas que
estavam ocupando a aacuterea da fazenda Noacutes estaacutevamos fazendo
os nossos serviccedilos laacute cuidando da roccedila E daiacute apareceram eles
dizendo que eram os legiacutetimos donos da aacuterea mas natildeo
conseguiram apresentar documento natildeo conseguriam
apresentar nada Noacutes desconfiaacutevamos deles No fundo
sabiacuteamos que estavam tentando nos enrolar E acabou que eles
tiveram que se retirar de laacute E noacutes atraveacutes do INCRA e do
Sindicato satildeo essas as instituiccedilotildees que assumiram a nossa
causa ficamos com a terra e estamos assentados laacute ateacute hoje
Somos 63 famiacutelias [] Na verdade 1987 eacute o periacuteodo de
ocupaccedilatildeo porque o INCRA veio atuar em 1992 quando foi
criado o assentamento Ficou esse periacuteodo aiacute todo em fase de
negociaccedilatildeo com o antigo dono da fazenda O INCRA e o
Sindicato fizeram o levantamento da aacuterea estudo geograacutefico e
assim por diante e noacutes juntos acompanhando tudo
(ENTREVISTA com Ivani Galo Agricultor Familiar do
assentamento Bom Jesus realizada pela autora em marccedilo de
2015)
Nesse caso o depoimento remete agrave accedilatildeo de outro tipo de agente social
envolvido nos conflitos agraacuterios do assentamento rural o grileiro No entanto o termo
ldquogrileirordquo eacute usado localmente para identificar aquele sujeito social que reocupa uma aacuterea
de terra natildeo com o objetivo de morar e cultivar mas ao contraacuterio para adquirir o
ldquodireitordquo sobre ela e poder comercializar posteriormente
Tambeacutem eacute possiacutevel identificar na narrativa a valorizaccedilatildeo dada ao Sindicato
dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT destacando que ele agia juntamente com o
INCRA na regularizaccedilatildeo do assentamento rural
93
Compreendemos que a formaccedilatildeo do Assentamento Rural Bom Jesus deu-se
de forma particular Os posseiros que reocuparam a aacuterea tinham dificuldade financeira
para garantir a sobrevivecircncia e isso se configurava como um impedimento de
retornarem aos seus lugares de origem e natildeo conseguindo mais vislumbrar outro meio
de sobrevivecircncia que natildeo fosse a ocupaccedilatildeo de terra ociosa
Diante das necessidades os posseiros criaram estrateacutegias inteligentes de
ocupaccedilatildeo escolhendo as aacutereas com maior chance de desapropriaccedilatildeo bem como
estrateacutegias de resistecircncia do grupo para lutar contra o grileiro
Essas estrateacutegias tambeacutem devem ser compreendidas em uma relaccedilatildeo com o
perfil dos ocupantes que incluiacutea aqueles com certo grau de instruccedilatildeo sobre as questotildees
relacionadas agrave poliacutetica de regularizaccedilatildeo de assentamentos rurais O conhecimento da
legislaccedilatildeo facilitou o acesso agraves poliacuteticas que versavam sobre a desapropriaccedilatildeo
parcelamento e uso de terras devolutas eou improdutivas que natildeo cumpriam a funccedilatildeo
social as quais devem ser utilizadas para fins de Reforma Agraacuteria
227 Assentamento Rural Santo Antocircnio do Beleza
Jaacute ressaltamos em outras passagens do texto que cada um dos assentamentos
rurais de Vila Rica-MT tem caracteriacutesticas de ocupaccedilatildeo diferentes como eacute o caso do
Assentamento Rural Santo Antocircnio do Beleza que foi ocupado por colonos que natildeo
conseguiram comprar lotes de terra da colonizadora ou perderam suas terras no
financiamento do Banco Tambeacutem participaram seus filhos que no ldquodesmembramentordquo
familiar tambeacutem se apropriaram de terras Ateacute entatildeo natildeo apareceu o dono do tiacutetulo
requerendo o direito de propriedade daquela aacuterea de terra em que foi constituiacutedo o
Assentamento Rural Bom Jesus
Tal situaccedilatildeo se deu tambeacutem pelo fato de a Colonizadora Vila Rica-MT natildeo ter
assegurado junto ao INCRA as terras aos colonos e trabalhadores rurais desprovidos
de capital para aquisiccedilatildeo de lotes da colonizadora Estes ocuparam aacutereas destinadas ateacute
entatildeo pela colonizadora para as fazendas Somente depois que a aacuterea foi ocupada em
2001 eacute que o INCRA regularizou os lotes para os ldquoocupantesrdquo
Os posseiros que reocuparam a aacuterea da Colonizadora Vila Rica-MT
denominada de Santo Antocircnio do Beleza satildeo em sua maioria oriundos dos estados do
94
Rio Grande do Sul Santa Catarina e do Paranaacute e se fixaram na aacuterea como assentados e
atualmente se identificam como agricultores familiares parceleiros colonos ou
proprietaacuterios
228 Assentamento Rural Alvorada
O Assentamento Rural Alvorada estaacute localizado na divisa do municiacutepio de
Vila Rica-MT com o estado do Paraacute Esse assentamento rural resultou da ocupaccedilatildeo da
fazenda Santaninha em 1993 poreacutem o ato de regularizaccedilatildeo data de 1995 ou seja
somente depois de dois anos das terras ocupadas eacute que foram regularizadas pelo
INCRA transformando-as em Projeto de assentamento rural
Consta em documentos (atas ofiacutecios relatoacuterios e projetos de assistecircncia
teacutecnicas)21
do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT que os primeiros
moradores do Assentamento Rural Alvorada vieram principalmente dos estados de
Mato Grosso do Paraacute e de outras regiotildees do Brasil
Melo (2011 p 43) realizou uma pesquisa sobre as atividades das
agropecuaacuterias no Assentamento Rural Alvorada denominado como PA Santaninha
afirmando que ldquo[] o periacuteodo compreendido de 1993 ateacute 2009 as principais
dificuldades do assentamento rural estavam relacionadas agrave falta de estradasrdquo De acordo
com o mesmo autor o assentamento rural estaacute localizado em uma aacuterea onde haacute
predominacircncia de relevo acidentado condiccedilatildeo que motivou os assentados a investir na
pecuaacuteria inibindo assim o avanccedilo da agricultura familiar devido agraves dificuldades para o
escoamento da produccedilatildeo agriacutecola de hortaliccedilas legumes verduras e frutas
Essa situaccedilatildeo ainda eacute um desafio para o desenvolvimento do assentamento
rural Apesar dos problemas nesse assentamento haacute escola Associaccedilatildeo de Pequenos
Agricultores possui rede de energia eleacutetrica abastecimento de aacutegua etc Nesta acepccedilatildeo
o relato de um dos assentados ilustra a concepccedilatildeo dos seus moradores quanto agraves
condiccedilotildees de vida no assentamento rural
21 Esses documentos foram analisados pela a autora da pesquisa os quais fazem parte do acervo
documental do Sindicato dos Trabalhadores de Vila Rica-MT
95
[] foi bom mudar para caacute me sinto realizado porque
consegui algo para sobreviver e cuidar da minha famiacutelia []
quando chegamos aqui quase natildeo tinha devastaccedilatildeo de mata soacute
tinha aproximadamente 25 alqueires de derrubada e era muito
difiacutecil a chegada neste local pois os primeiros meios de
transporte eram o trator porque as estradas eram bem
dificultosas atoleiros e sem pontes Atualmente as melhorias
satildeo muito grandes nas estradas nos transportes na educaccedilatildeo
na habitaccedilatildeo e na sauacutede (ENTREVISTA com Edno Venacircncio
morador do projeto de Santaninha desde o ano 1993 realizada
por Carlos Aberto de Melo em 2011)
O trecho do relato nos remete agraves dificuldades vivenciadas pelos posseiros nos
primeiros tempos de formaccedilatildeo do assentamento rural comuns aos demais
assentamentos rurais de Vila Rica-MT Satildeo os posseiros que precisam cavar e buscar as
proacuteprias condiccedilotildees de sobrevivecircncia jaacute que o poder Puacuteblico natildeo assegura a
infraestrutura baacutesica
No assentamento Alvorada as informaccedilotildees do STR e dos assentados
permitiram compreender que nesse assentamento natildeo ocorreu conflito entre posseiros e
fazendeiro Trata-se de uma aacuterea que natildeo estava vinculada somente agrave Fazenda
Santaninha Nesse assentamento a devastaccedilatildeo do meio para a formaccedilatildeo de pastagens foi
fruto da accedilatildeo dos proacuteprios posseiros
No Assentamento Rural Alvorada como em outros a questatildeo das poliacuteticas
puacuteblicas de sauacutede habitaccedilatildeo estrada e educaccedilatildeo satildeo consideradas como conquistas
importantes para a permanecircncia das famiacutelias no campo
Consideraccedilotildees gerais sobre os assentamentos rurais de Vila Rica-MT
Ao analisar a formaccedilatildeo dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica
percebemos a complexidade e as diferenciaccedilotildees existentes entre eles No entanto o que
existe em comum foi agrave luta pela posse da terra por parte de posseiros ex-colonos e
agricultores familiares Nesse processo contaram com o apoio e auxiacutelio de entidades
como a CPT e o STR do municiacutepio de Vila Rica-MT dos agentes da pastoral da
Prelazia de Satildeo Feacutelix do Araguaia hoje Diocese
A situaccedilatildeo dos assentamentos rurais de Vila Rica-MT eacute percebida como
resultado da luta dos posseiros em torno da aquisiccedilatildeo da posse e propriedade da terra
96
Ao mesmo tempo em que essa organizaccedilatildeo parte de uma localidade especifica estava
inserida em uma conjuntura de luta regional estadual nacional e mundial
Os diferentes sujeitos histoacutericos que constituiacuteram a luta pela terra com a
formaccedilatildeo dos assentamentos rurais de Vila Rica-MT deixaram de ser posseiros Os ex-
colonos trabalhadores rurais e grileiros tornaram-se agricultores familiares quando o
INCRA regularizou a aacuterea em litiacutegio transformando-a em assentamento rural
97
3 SITUACcedilAtildeO SOCIOECONOcircMICA DOS ASSENTAMENTOS RURAIS SAtildeO
JOSEacute SAtildeO GABRIEL IPEcirc E ARACATI (2006-2010)
Esse capiacutetulo tem como objetivo apresentar a situaccedilatildeo socioeconocircmica de
quatro dos oito assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT No entanto natildeo se
pretende apresentar um diagnoacutestico de sua realidade social e econocircmica mas um esboccedilo
para compreender as tendecircncias soacutecio-histoacutericas que foram obtidas atraveacutes das fontes
documentais
Ressaltamos que existem poucas fontes escritas que se referem a situaccedilotildees
socioeconocircmicas dos assentamentos rurais do Araguaia e se tratando de Vila Rica a
localizaccedilatildeo e acesso aos poucos documentos escritos foram fundamentais para a
construccedilatildeo desse capiacutetulo
As fontes escritas analisadas nesse capiacutetulo foram os ldquoPlanos de
Desenvolvimento do Assentamentordquo (Pda) incluindo os assentamentos rurais Satildeo Joseacute
Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati elaborados pela Empaer em 2010 Estes Pdas ajudaram a
compreender os muacuteltiplos contextos de constituiccedilatildeo e produccedilatildeo nos assentamentos
rurais embora envolvessem outras temporalidades
Contudo ressaltamos que natildeo utilizamos apenas o banco de dados produzido
pela equipe da Empaer pois realizamos visitas aos assentamentos rurais agrave Secretaria
Municipal de Agricultura e ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT
onde aleacutem das entrevistas tivemos acesso a outras fontes documentais que
possibilitaram ampliar a perspectiva analiacutetica deste capiacutetulo
A elaboraccedilatildeo dos Pdas se deu atraveacutes de reuniotildees com os assentados e a
realizaccedilatildeo de pesquisa de campo
As informaccedilotildees coletadas refletem a realidade do assentamento
e foram levantadas dentro de uma metodologia participativa
onde a comunidade do assentamento expocircs suas dificuldades
potencialidades e prioridades Utilizou-se tambeacutem de estudos de
campo realizado por uma equipe multidisciplinar constituiacuteda
por engenheira florestal engenheira agrocircnoma e teacutecnicos nas
aacutereas da pecuaacuteria agriacutecola ambiental e social (EMPAER-MT
2010 p 2)
Ressaltamos que as informaccedilotildees levantadas natildeo ldquorefletiram a realidaderdquo de
maneira mecacircnica mas possibilitaram a anaacutelise das informaccedilotildees obtidas enquanto
tendecircncias
98
Para compreender como cada fonte documental foi construiacuteda foi preciso
observar as fotografias que fazem parte do proacuteprio documento e que possibilitaram a
percepccedilatildeo da forma com que a equipe multidisciplinar da Empaer coletou as
informaccedilotildees que serviram de base para produccedilatildeo do diagnoacutestico de como se deu a
participaccedilatildeo dos assentados
Figura 8 Fotografias das visitas dos teacutecnicos da Empaer-MT no PA Ipecirc 2010
Fonte EMPAER-MT 2010 p 5
A Empaer recorreu a diversas estrateacutegias desde o uso dos recursos
midiaacuteticos sobretudo a Raacutedio Comunitaacuteria e visitas aos assentamentos rurais contando
com o apoio de lideranccedilas sindicais e poliacuteticas para a divulgaccedilatildeo do Programa de
Assessoria Teacutecnica Social e Ambiental agrave Reforma Agraacuteria (Ates) e conscientizaccedilatildeo
dos agricultores familiares sobre a importacircncia e implicaccedilatildeo dos Pdas
Figura 9 Fotografias da apresentaccedilatildeo do Projetob Ates na Raacutedio Comunitaacuteria Eldorado
Fonte EMPAER 2010 p 5
99
Foi a partir dessas diferentes formas de divulgaccedilatildeo e estrateacutegias que a equipe
da Empaer convenceu os assentados a participar da primeira fase do Ates que foi a
construccedilatildeo do diagnoacutestico
Os questionaacuterios e entrevistas foram realizados em diferentes momentos em
reuniotildees com a comunidade e in loco o que resultou na tabulaccedilatildeo de dados que
apresentam diferentes bases amostrais Ora observamos uma amostra de cerca de
duzentos entrevistados e ora observamos tabelas com um nuacutemero trecircs vezes maior de
famiacutelias assentadas
Ressaltamos que essa diferenccedila na base de dados eacute proacutepria da fonte
documental analisada e natildeo pudemos adulterar os nuacutemeros para natildeo comprometer a
anaacutelise da fonte documental Ainda eacute importante salientamos que apesar das diferenccedilas
amostrais presentes em diferentes dados (tabelas) os mesmos satildeo extremamente
relevantes para anaacutelise por fornecerem tendecircncias socioeconocircmicas dos assentamentos
rurais nos anos de 2009 a 2010
31 Os assentamentos rurais na perspectiva do Programa de Assessoria Teacutecnica
Social e Ambiental agrave Reforma Agraacuteria (Ates)
Os assentamentos rurais segundo a concepccedilatildeo constituiacuteda no projeto de Ates
(2008) satildeo definidos enquanto espaccedilos de promoccedilatildeo da equidade de gecircnero e
intergeraccedilotildees entre a populaccedilatildeo de agricultores familiares Por isso a recorrecircncia agraves
estrateacutegias de trabalho em forma de cooperativas imbuiacutedas da concepccedilatildeo de
agroecologia cooperaccedilatildeo e economia solidaacuteria Estes elementos foram constituiacutedos a
partir dos artifiacutecios da formaccedilatildeo continuada dos diferentes segmentos que compotildeem o
coletivo do Programa de Reforma Agraacuteria
Para tanto o Programa Ates do Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio
(BRASIL 2008 p 10) foi definido da seguinte forma
100
O Programa de Assessoria Teacutecnica Social e Ambiental agrave
Reforma Agraacuteria ndash Ates do INCRA foi criado em 2003 com o
objetivo de assessorar teacutecnica social e ambientalmente as
famiacutelias assentadas nos Projetos de assentamento da Reforma
Agraacuteria criados ou reconhecidos pelo INCRA tornando-os
unidades de produccedilatildeo estruturadas com seguranccedila alimentar
garantida inseridos de forma competitiva no processo de
produccedilatildeo voltados ao mercado e integradas agrave dinacircmica do
desenvolvimento municipal regional e territorial de forma
ambientalmente sustentaacutevel
Nessa perspectiva a assistecircncia teacutecnica implementada pelo Instituto Nacional
de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria deve levar em consideraccedilatildeo as questotildees de ordem
social ambiental culturas e tecnoloacutegica visando um modelo de desenvolvimento
pensado a partir das demandas locais regionais e nacional de forma que assegure a
sustentabilidade social ambiental e econocircmica dos assentamentos rurais
A Ates tem como ponto de referecircncia para a efetivaccedilatildeo da assistecircncia teacutecnica
na Agricultura Familiar os Pdas (2008 p 51) ldquo[] eacute portanto a principal ferramenta
de planejamento dos Projetos de assentamentos rurais voltada diretamente para o seu
desenvolvimento sustentaacutevel segundo as suas dimensotildees econocircmica social cultural e
ambientalrdquo
De acordo com o MDA os assentamentos rurais devem ser ldquoedificado a partir
de um diagnoacutesticordquo que sirva como representaccedilatildeo do quadro situacional dos
assentamentos rurais em seus aspectos fiacutesico social econocircmico cultural e ambiental
O objetivo eacute
Dotar as aacutereas de assentamento de um instrumento de
planejamento fundado em diagnoacutestico preacutevio que permita
prever todas as accedilotildees a serem desenvolvidas num determinado
horizonte de tempo de modo a possibilitar o monitoramento de
sua implementaccedilatildeo pelas equipes de Ates Garantir a efetiva
participaccedilatildeo dos assentados em todas as fases do processo de
planejamento e implementaccedilatildeo das accedilotildees nos projetos de
assentamento Inserir as accedilotildees propostas para os projetos de
assentamento no contexto das diretrizes contidas nos
planejamentos regionais e municipais assegurando a
participaccedilatildeo efetiva de todos os atores sociais governamentais e
natildeo governamentais envolvidos com o processo de reforma
agraacuteria (BRASIL MDA 2006 p 29)
Conforme o MDA o projeto tem por base a participaccedilatildeo do assentado em
todas suas fases de planejamento e implementaccedilatildeo dos assentamentos rurais
101
beneficiados A idealizaccedilatildeo do objetivo do Ates eacute ambicioso no contexto nacional mas
apresenta pouca aplicabilidade quando tomamos como referecircncia o caso de Vila Rica-
MT Tratando-se dos Pdas elaborados especificamente para os assentamentos rurais Satildeo
Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati os objetivos baacutesicos buscam assegurar que
As famiacutelias seratildeo assessoradas teacutecnica social e ambientalmente
de forma integrada e continuada nos aspectos de produccedilatildeo
industrializaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo dos produtos explorados na
aplicaccedilatildeo do creacutedito rural nas questotildees ambientais no
saneamento baacutesico na organizaccedilatildeo das famiacutelias e da produccedilatildeo
no exerciacutecio da cidadania utilizando as metodologias de Ates
(EMPAER-MT 2010 p 11)
A partir dessa proposta a equipe da Empaer realizou a primeira fase do
projeto realizando uma ampla pesquisa junto aos assentados dos quatro assentamentos
rurais de Vila Rica-MT que foram contemplados pelo Programa de Ates Este
levantamento de dados pela Empaer foi importante para identificar o perfil do
assentado a produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo no ano de 2010 Apesar de ser uma
amostragem parcial forneceu dados que permitiram analisar e problematizar questotildees
que podem se constituir enquanto indicadores ou tendecircncias
Apesar da relevacircncia do Pdas como fonte documental para a pesquisa e para
as poliacuteticas do municiacutepio de Vila Rica-MT eacute fundamental destacarmos que o Ates natildeo
foi finalizado mas suspenso pelo Governo Federal sem que os Pdas tenham sido
devidamente finalizados No entanto a equipe teacutecnica da Empaer que coletou os dados
e as informaccedilotildees desses assentamentos rurais continua utilizando esse diagnoacutestico para
o desenvolvimento de suas accedilotildees
32 O perfil dos assentados gecircnero idade e escolaridade
O perfil dos assentados dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e
Aracati conforme jaacute dito foi constituiacutedo com dados quantitativos obtidos atraveacutes dos
diagnoacutesticos que serviriam como base para a construccedilatildeo dos Pdas
Esses dados foram analisados a partir da confrontaccedilatildeo com fontes orais e
anaacutelises teoacutericas que forneceram indiacutecios qualitativos para a problematizaccedilatildeo e
102
compreensatildeo das caracteriacutesticas dos Agricultores Familiares dos assentamentos rurais
pesquisados
321 Diferenciaccedilatildeo de Gecircneros predominacircncia masculina e papel da mulher
Segundo dados da Empaer (2010) a diferenccedila numeacuterica entre homens e
mulheres nos assentamentos rurais pesquisados assim se apresentava
PA Satildeo Joseacute 179 homens e 147 mulheres
PA Satildeo Gabriel 44 homens e 39 mulheres
PA Ipecirc 153 homens e 125 mulheres
PA Aracati 40 homens e 44 mulheres
Com exceccedilatildeo do Assentamento Rural Aracati que apresentou uma pequena
vantagem no nuacutemero de mulheres em relaccedilatildeo aos demais assentamentos rurais se
observa a predominacircncia do sexo masculino sobre o feminino Uma hipoacutetese explicativa
para a existecircncia de maior nuacutemero de homens residindo nos assentamentos rurais eacute em
primeiro lugar causado pela necessidade dos filhos estudarem nas escolas urbanas
sendo que muitas vezes as matildees os acompanham em segundo lugar a possibilidade de
que cabe aos homens morar nas fases iniciais de formaccedilatildeo dos assentamentos rurais
enquanto constroem as casas estradas escola e estrutura fiacutesica
A questatildeo de gecircnero pode ser abordada em relaccedilatildeo ao trabalho ao lazer e agrave
participaccedilatildeo poliacutetica das mulheres Tratando-se de lazer os relatoacuterios do Pdas da
Empaer (2010 p 74) demonstraram que existe uma estrutura maior para os homens
conforme descriccedilatildeo abaixo
No assentamento natildeo identificamos praacuteticas de lazer voltadas
para as mulheres e idosos As atividades direcionadas para este
grupo geralmente se datildeo na esfera familiar ou religiosa O
assentamento tem times de bochas que participam do
campeonato municipal onde os jogadores tecircm que se deslocar
de um assentamento para outro
Como vimos as atividades de lazer satildeo predominantemente masculinas
sobretudo no esporte como eacute o caso dos jogos de bocha e futebol que resultam numa
circulaccedilatildeo dos assentados em outros assentamentos rurais e comunidades Agraves mulheres
restam as atividades religiosas e no lar Assim sendo satildeo os homens que tecircm mais
103
oportunidades de sair de casa e tambeacutem da comunidade diferentemente das mulheres
que ficam a maior parte do tempo no interior do lar
No que se refere agrave representaccedilatildeo poliacutetica segundo a Empaer (2009 p 59) no
Assentamento Rural Satildeo Joseacute ldquo[] foram levantadas as informaccedilotildees que natildeo haacute []
representaccedilatildeo especiacutefica para o jovem e a mulher rural fato este que tambeacutem contribui
para o ecircxodo dessas famiacuteliasrdquo Jaacute nos assentamentos rurais Satildeo Gabriel e Ipecirc ldquo[] a
participaccedilatildeo da associaccedilatildeo conta com presenccedila de homens mulheres e jovens poreacutem as
mulheres e jovens fazem poucas interferecircncias sobre os assuntos tratados durante as
reuniotildeesrdquo (EMPAER p 51)
De acordo com os relatoacuterios produzidos pela equipe do escritoacuterio da Empaer
em Vila Rica-MT natildeo existe uma organizaccedilatildeo feminina no sentido de criar estrateacutegias
para pleitear poliacuteticas especiacuteficas para a categoria o que diminui ainda mais a
participaccedilatildeo das mesmas Vale lembrar que as mulheres satildeo responsaacuteveis pelos afazeres
domeacutesticos (cuidando da casa e dos filhos) assim como da criaccedilatildeo de pequenos animais
domeacutesticos (porcos aves cachorros e outros) e do cultivo de hortas
No relatoacuterio do Assentamento Rural Satildeo Gabriel essa situaccedilatildeo foi descrita
pela a Empaer (2010 p 52) da seguinte forma
A maioria das mulheres aleacutem de trabalharem nos afazeres
domeacutesticos (cuidado da casa e dos filhos) tambeacutem satildeo
responsaacuteveis pela criaccedilatildeo de pequenos animais domeacutesticos e
cultivos de hortas A organizaccedilatildeo das mulheres dentro do
assentamento ainda eacute retraiacuteda Segundo dados do perfil de
entrada aplicado no assentamento natildeo foi constatado nenhum
grupo de mulheres ou qualquer outra forma de organizaccedilatildeo
social voltada para as mulheres em todo o assentamento
Ficando as mesmas condicionadas a se reunirem com os
homens e desta forma natildeo se unem para tratar de assuntos
relevantes as suas necessidades dentro do assentamento
Os afazeres domeacutesticos entram na divisatildeo sexual do trabalho como atividade
feminina assim como eacute o caso do cultivo de hortaliccedilas e criaccedilatildeo de pequenos animais
(aves porcos etc) as quais podem contar com a ajuda das crianccedilas No entanto haacute
indiacutecios de que falta uma maior organizaccedilatildeo das mulheres no sentido na reivindicaccedilatildeo
de poliacuteticas direcionadas aos seus interesses O segundo o relatoacuterio da Empaer (2010 p
52) esclarece ainda que
104
A alimentaccedilatildeo das famiacutelias eacute composta pelo que eacute produzido
nas propriedades como pequenos animais leite derivados do
leite hortaliccedilas frutas do pomar e em determinada eacutepoca do
ano tem o complemento de milho e mandioca A outra parte da
alimentaccedilatildeo da famiacutelia eacute comprada no comeacutercio do municiacutepio
Natildeo foi constatada nenhuma famiacutelia que natildeo produz um pouco
da sua base alimentar dentro da propriedade
Assim podemos afirmar que a maior parte dos produtos que serve de base
para alimentaccedilatildeo das famiacutelias tais como pequenos animais derivados do leite
hortaliccedilas frutas do pomar entre outros satildeo oriundos das atividades desenvolvidas
pelas mulheres cabendo aos homens as atividades relacionadas agrave produccedilatildeo e venda de
leite para complementaccedilatildeo da renda da famiacutelia
Nessa mesma perspectiva os dados quantitativos que se seguem demonstram
a confirmaccedilatildeo do que jaacute supramencionamos
Tabela 2 Produtos que satildeo destinados agrave Alimentaccedilatildeo da Famiacutelia
Uso de tanque PA S Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total
Pequenos animais 106 22 78 25 231
Leite 97 22 76 25 220
Pomar 105 21 78 24 228
Horta 72 15 62 17 166
Total 380 80 294 91 845
Fonte EMPAER (2010 p09)
Analisando a Tabela 2 do total de 570 famiacutelias dos quatro assentamentos
rurais participantes da pesquisa 220 criam gado leiteiro sendo essa atividade uma das
principais fontes de renda e de consumo
Enquanto 231 assentados satildeo criadores de pequenos animais 228 possuem
pomar e 166 cultivam hortaliccedilas em seus quintais Trata-se de produccedilatildeo para consumo
Logo eacute possiacutevel aferir que quem garante grande parte da renda das famiacutelias assentadas
satildeo as mulheres sendo que esse trabalho nem sempre eacute considerado rentaacutevel visto que
classificado como uma simples ldquoajudardquo no orccedilamento familiar conforme observado
adiante na discussatildeo sobre produccedilatildeo
322 Perfil etaacuterio indicadores de uma populaccedilatildeo idosa
105
Outro elemento importante identificado na pesquisa diz respeito agrave idade dos
assentados identificando o papel parcial dos jovens nos assentamentos rurais e o
envelhecimento da populaccedilatildeo
Segundo dados da Empaer (2010) a idade dos assentados dos assentamentos
rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati estatildeo distribuiacutedos em faixas etaacuterias da
seguinte forma
Tabela 3 Faixa etaacuteria dos assentados
Faixa Etaacuteria Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total
Nordm Nordm Nordm Nordm Nordm
0 a 6 24 75 10 120 18 64 1 10 53 70
7 a 15 69 215 22 270 36 128 17 210 144 190
16 a 29 67 200 13 160 81 287 20 250 181 230
30 a 60 139 430 37 450 120 426 35 430 331 430
Acima de 60 27 80 0 00 287
96 8 100 62 80
Total 326 100 82 1000 282 1000 81 1000 771 100
Fonte EMPAER 2010
De acordo com os dados na tabela 3 foi possiacutevel identificar que se somadas
As faixas etaacuterias entre 16 anos e 60 anos 66 dos assentados pesquisados estatildeo dentro
de faixas etaacuterias de populaccedilatildeo economicamente ativa ou seja os aptos agrave produccedilatildeo
agriacutecola eou pecuaacuteria Enquanto que as faixas etaacuterias de 7 a 15 anos de idade tecircm uma
representaccedilatildeo de 19 sendo que 8 estatildeo acima de 60 anos ou seja satildeo idosos e a
tendecircncia eacute que natildeo trabalhem da mesma maneira que os mais jovens
Logo esta constataccedilatildeo que leva em consideraccedilatildeo outras informaccedilotildees aleacutem
das expostas na tabela 3 nos induz a refletir sobre o envelhecimento da populaccedilatildeo do
campo onde apenas 19 satildeo jovens entre 7 a 15 anos Este pode ser considerado como
um intervalo longo situaccedilatildeo que a nosso ver complica a anaacutelise dos dados Aleacutem de
haver um indicativo de evasatildeo dos jovens nos assentamentos rurais explicada
hipoteticamente pela necessidade das novas geraccedilotildees de prosseguir nos estudos motivo
pelo qual saem dos assentamentos rurais para conseguirem obter maiores niacuteveis de
escolaridade como o Ensino Superior e ateacute mesmo o Meacutedio Outra possiacutevel explicaccedilatildeo
eacute a de que os jovens procuram por empregos em aacutereas urbanas
106
Destacamos que essa constataccedilatildeo tomou tambeacutem como paracircmetro o relatoacuterio
da Pesquisa Nacional de Residecircncia Domiciliar PNAD (2009) que aponta para o
envelhecimento da populaccedilatildeo rural no Brasil sobretudo nas aacutereas de assentamentos
rurais
Outro elemento fundamental eacute o papel poliacutetico dos ldquojovensrdquo assentados uma
vez que foram identificados como pouco participativos nas reuniotildees e atuaccedilotildees poliacuteticas
observadas pela equipe de elaboraccedilatildeo dos Planos de Desenvolvimento dos
assentamentos rurais
Aleacutem desse elemento a questatildeo da sua saiacuteda dos assentados para morar nas
cidades tambeacutem foi identificada como problema que atinge mais os jovens que buscam
oportunidade de empregos citadinos e de terem uma melhor e maior escolaridade
323 Perfil de escolaridade dos assentados
Nos dados da Empaer (2010) a escolaridades dos assentados tem a seguinte
caracterizaccedilatildeo
Tabela 4 Escolaridade dos assentados Escolaridade PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Perce
ntual
1ordf a 4ordf Seacuterie 143 29 113 39 324 46
5ordf a 8ordf Seacuterie 83 34 81 19 217 31
Segundo grau 61 12 49 16 138 20
Superior 8 1 4 7 20 3
Total 295 76 247 81 699 100
Fonte EMPAER (2010 p 9)
A Tabela 4 mostra que o niacutevel de escolaridade dos assentados eacute
significativamente baixo uma vez que das 699 pessoas participantes da pesquisa 77
natildeo cursaram o Ensino Meacutedio 324 estatildeo em niacutevel de escolaridade entre 1ordf a 4ordf seacuterie ou
seja estatildeo no anosciclo iniciais do processo de escolarizaccedilatildeo E 227 estatildeo entre 5ordf a 8ordf
seacuterie ou seja natildeo concluiacuteram sequer o Ensino Fundamental Somente 20 dos
entrevistados tecircm Ensino Meacutedio e apenas 20 pessoas dos pesquisados possuem ou estatildeo
em fase de conclusatildeo do Ensino Superior ou seja 3
107
Essa baixa escolarizaccedilatildeo entre assentados tambeacutem foi identificada em
pesquisa de Ferreira e Castrillon (2004 p 201) que ao apresentarem uma anaacutelise sobre
os impactos socioeconocircmicos dos assentamentos rurais em Mato Grosso descrevem sua
estrutura social como
Nos assentamentos pesquisados 23 8 dos titulares dos lotes
eram analfabetos 534 possuiacuteam primeiro grau incompleto
136 primeiro grau completo e 91 segundo grau ou mais
A taxa de analfabetismo dos titulares dos lotes demonstra- se
superior a taxa de analfabetismo da populaccedilatildeo rural do estado
A baixa escolaridade dos titulares dos lotes podem ser
explicados entre os outros fatores pela falta de infraestrutura
social (escola) em ambientes em que predomina intensa
mobilidade social pela necessidade do trabalho familiar entre
os jovens nas aacutereas rurais e especialmente em aacutereas de
fronteiras pela instabilidade e inseguranccedila promovidas pelo
intenso processo de luta pela terra Tais fatores quando
relacionadas diminuem as oportunidades de acesso a escola e a
serviccedilo de sauacutede as populaccedilotildees
Logo podemos observar que os dados quantitativos dos assentamentos rurais
pesquisados pela Empaer (2010) natildeo destoam de outras pesquisas em outros
assentamentos rurais do estado de Mato Grosso
Para finalizar a anaacutelise sobre o perfil dos assentados ressaltamos que
problematizar os dados relativos a gecircnero idade e escolaridade eacute fundamental para
identificar o perfil dos assentados quanto agraves caracteriacutesticas pessoais elementares que
influenciam na forma com que se relacionam e agem socialmente A educaccedilatildeo nos
assentamentos rurais pode ser problematizada atraveacutes de um fenocircmeno recente de
esvaziamento e fechamento de escolas no campo ou tambeacutem agrave falta de um curriacuteculo e
modo de organizaccedilatildeo pedagoacutegica que atenda as caracteriacutesticas especiacuteficas das aacutereas dos
assentamentos rurais
33 Condiccedilotildees de vida nos assentamentos rurais energia eleacutetrica aacutegua sauacutede
moradia e infraestrutura
O estudo levou em consideraccedilatildeo as anaacutelises sobre as condiccedilotildees nas quais
vivem as pessoas nos assentamentos rurais tendo como paracircmetro o acesso agrave luz
eleacutetrica aacutegua sauacutede moradia e infraestrutura elementos que a nosso ver satildeo
108
fundamentais para assegurar as condiccedilotildees de permanecircncia das famiacutelias nos
assentamentos rurais (no lugar) e proporcionam algum conforto e bem-estar
331 Energia Eleacutetrica
Um dos principais problemas do universo dos assentamentos rurais no Brasil
antes da implementaccedilatildeo do Programa Luz Para Todos era a ausecircncia de energia
eleacutetrica que impedia uma melhor qualidade de vida a qual impossibilitava o uso de
eletrocircnicos e eletrodomeacutesticos bem como a utilizaccedilatildeo de resfriadores para conservar e
processar o leite principal produto da renda financeira dos assentamentos rurais
estudados
Nessa perspectiva os dados quantitativos dispostos nos Pdas 2010 que satildeo
posteriores ao Programa Luz Para Todos nos mostram outra realidade
Tabela 5 Presenccedila de energia eleacutetrica nos assentamentos rurais
Energia EleacutetricaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
Natildeo tem energia eleacutetrica 5 0 3 0 8 35
A fonte eacute gerador proacuteprio 0 0 1 0 1 05
A fonte eacute a rede CEMAT 98 25 76 25 224 960
Total 103 25 80 25 233 100
Fonte EMPAER 2010
Nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati 96 dos
assentados jaacute usufruiacutea de energia eleacutetrica e somente oito das famiacutelias assentadas em
um universo de 233 responderam natildeo contar com energia eleacutetrica Essas famiacutelias sem
energia eleacutetrica moravam nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute e Ipecirc e uma possibilidade
de explicaccedilatildeo para esse fato pode ser que satildeo famiacutelias receacutem-chegadas ou que ocuparam
aacutereas mais distantes dentro dos assentamentos rurais
Tal situaccedilatildeo de uma maioria de assentados contar com energia eleacutetrica eacute
decorrente do Programa ldquoLuz para Todosrdquo do Governo Federal
332 Aacutegua
109
A aacutegua eacute um elemento essencial para a vida no entanto quando se refere agrave
aacutegua em condiccedilatildeo potaacutevel revela-se um problema mundial situaccedilatildeo que natildeo foge agrave
realidade dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT Haacute problemas com a
aacutegua potaacutevel em funccedilatildeo de vaacuterios fatores tais como questotildees culturais econocircmicas
mas sobretudo as questotildees ambientais que assolam os assentamentos rurais do Brasil
Segundo dados da Empaer (2010) o percentual da aacutegua encanada nas
residecircncias dos assentamentos rurais pesquisados em Vila Rica-MT varia conforme as
caracteriacutesticas de cada projeto de assentamento A seguir mostramos os dados
encontrados em cada um dos assentamentos rurais
PA Satildeo Joseacute 72 possuem aacutegua encanada nas residecircncias
PA Satildeo Gabriel 70
PA Ipecirc 68
PA Aracati 92
Consideramos esse nuacutemero significativo de assentados beneficiados com
aacutegua encanada pois a exceccedilatildeo do Assentamento Rural Aracati que tem 92 os
demais tecircm uma meacutedia de 70 de aacutegua encanada
Importante destacar que satildeo diversas as fontes de aacutegua nos assentamentos
rurais conforme podemos verificar
Tabela 6 Fonte de Aacutegua nos assentamentos rurais
Aacutegua encanadaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Poccedilo de alvenaria 92 19 57 11 179
Nascente protegida 5 2 11 11 29
Poccedilo descoberto 0 0 2 0 2
Cacimba 1 1 2 1 5
Coacuterrego ou rio 0 0 0 0 0
Poccedilo tubular fundo 6 0 2 1 9
Outras fontes 2 0 1 0 3
Total 106 22 75 24 227 Fonte EMPAER (201012)
110
Como podemos perceber a Tabela 6 nos mostra que 179 das propriedades
dos assentamentos rurais estudados possuem a aacutegua oriunda de poccedilos de alvenaria
sendo que 29 deles utilizam aacutegua das nascentes existentes em suas propriedades as
quais eles declararam protegecirc-las Duas pessoas usam aacutegua de poccedilos descobertos Cinco
usam aacutegua de cacimba nove de poccedilos tubulares fundos e apenas trecircs declararam utilizar
a aacutegua vinda de outras fontes
Outro fator que consideramos relevante eacute questatildeo que envolve a qualidade da
aacutegua consumida pelas famiacutelias assentadas segundo informaccedilotildees contidas na Tabela 7
Tabela 7 Qualidade da aacutegua nos assentamentos rurais
AacuteguaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Aacutegua filtrada 86 23 56 16 181
Fervida 0 0 4 1 5
In natura 22 2 19 8 51
Aacutegua tratada 0 0 1 0 1
Outras fontes 1 0 1 0 2
Total 109 25 81 25 240 Fonte EMPAER (2010 p 9)
Eacute fato que existe uma relaccedilatildeo direta entre a qualidade da aacutegua e as questotildees
ligadas agrave sauacutede Poreacutem no caso dos assentamentos rurais estudados torna preocupante
o fato de existir 51 famiacutelias que consumem aacutegua in natura situaccedilatildeo que pode estar
vinculada aos fatores socioeconocircmicos sobretudo ao senso comum de que a aacutegua
ldquolimpardquo eacute a aacutegua sem cor e sem cheiro portanto aacutegua saudaacutevel
333 Sauacutede
A sauacutede puacuteblica eacute uma das reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais que
demandam por melhores condiccedilotildees de vida nas aacutereas de assentamentos rurais tanto no
que diz respeito agrave estrutura macro quanto micro No entanto os saberes tradicionais
influenciam na concepccedilatildeo e modos de tratamento dos assentados de Vila Rica-MT
111
Segundo os dados do Plano de Desenvolvimento dos Assentamentos as
doenccedilas mais comuns satildeo hipertensatildeo leishmaniose verminose e outras como dores na
coluna nos rins dores de cabeccedila diabetes dengue e malaacuteria
Os dados quantitativos mostram a frequecircncia com que os assentados realizam
exames
Tabela 8 Frequecircncia da realizaccedilatildeo de exames de sauacutede
FrequecircnciaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Regularmente 73 18 46 20 157
De vez em quando 35 4 31 5 75
Natildeo faz 1 0 4 0 5 Fonte EMPAER 2010
Os dados da Tabela 8 evidenciam que a maior parte dos assentados realizava
exames com frequecircncia o que demonstra que os mesmos tecircm acesso e fazem uso dos
serviccedilos de sauacutede puacuteblica realizados nos assentamentos rurais No entanto 75 famiacutelias
declararam utilizar os serviccedilos de sauacutede de vez em quando sendo que apenas 5 famiacutelias
disseram natildeo fazer uso
Quando perguntado se o assentado tem acesso aos serviccedilos de sauacutede os
dados nos remetem a outras interpretaccedilotildees conforme Tabela 9
Tabela 9 Acesso aos serviccedilos de sauacutede
AcessoPA Satildeo Joseacute Satildeo
Gabriel Ipecirc Aracati Total
Tem acesso 78 22 79 23 202
Natildeo tem acesso 33 1 2 1 37
Fonte EMPAER 2010
Pelos dados 202 famiacutelias dos assentados pesquisados afirmaram que tinham
acesso aos serviccedilos de sauacutede quando confrontados com outros dados existentes nos
Planos de Desenvolvimento dos Assentamentos Rurais visto que aleacutem desses serviccedilos
haacute disponibilidade de medicamentos que geralmente satildeo distribuiacutedos gratuitamente
apoacutes a consulta meacutedica No entanto trinta e sete famiacutelias declaram natildeo terem acesso aos
serviccedilos de sauacutede tampouco aos medicamentos
112
Segundo a Empaer (2009 p 66) 211 famiacutelias de assentamentos rurais
recorrem aos procedimentos da medicina tradicional principalmente agraves plantas
medicinais para suprir suas necessidades e ldquo[] desta forma conservam uma tradiccedilatildeo
cultural repassada de matildee para filhardquo Os principais remeacutedios caseiros segundo a
Empaer satildeo ldquo[] chaacutes xaropes garrafadas caseiras para combater e prevenir algumas
doenccedilasrdquo
Os dados quantitativos da Tabela 10 reforccedilam essa concepccedilatildeo
Tabela 10 Uso do remeacutedio caseiro
UsoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Faz uso 96 22 71 22 211
Natildeo faz uso 15 1 10 3 29
Total Fonte EMPAER 2010
Os nuacutemeros indicam que apesar da maioria dos assentados terem acesso aos
serviccedilos de sauacutede grande parte deles tambeacutem faz uso de remeacutedios caseiros tradicionais
Esses dados confirmam que apesar das interaccedilotildees com serviccedilos puacuteblicos e outras
loacutegicas os assentados natildeo deixaram de utilizar os remeacutedios tradicionais Isso nos remete
agrave concepccedilatildeo de Gadelha (2007) que assegura que o mais importante na compreensatildeo
dos aspectos culturais eacute pensar para aleacutem da eficaacutecia de um determinado ritual mas eacute
tambeacutem tentar atribuir conceito sobre o poder simboacutelico utilizado por cada sociedade
para atribuir sentidos aos objetos
334 Moradia
A moradia tambeacutem eacute um dos fatores imprescindiacuteveis para a permanecircncia dos
assentados no campo No caso de Vila Rica-MT uma das caracteriacutesticas importantes do
perfil dos assentados eacute que a terra deve servir para moradia
Tabela 11 Nuacutemero de assentados que declararam morar no assentamento rural
MoradiaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Sim 268 47 235 65 615 82
113
Natildeo 58 31 37 7 133 18
Total 326 78 372 72 748 100
Fonte EMPAER 2010
Assim conforme os dados apresentados 82 dos assentados dos
assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati declaram morar nos lotes fato
que demonstra um perfil dos assentados de morar-nos proacuteprios assentamentos rurais
fortalecendo assim a concepccedilatildeo da terra enquanto condiccedilatildeo tanto de morar como de
plantar O uacutenico assentamento rural que tem uma situaccedilatildeo parcialmente e discrepante eacute
Satildeo Gabriel que tem um percentual significativo de assentados que natildeo residem nos
lotes
Essas informaccedilotildees da tabela cruzadas com outros dados mostraram que o
tempo meacutedio de moradia dos assentados eacute
PA Satildeo Joseacute 1036 anos de moradia
PA Satildeo Gabriel 792 anos de moradia
PA Ipecirc 860 anos de moradia
PA Aracati 1248 anos de moradia
A permanecircncia nos lotes foi evidenciada pelos dados o que remete agrave loacutegica
de ldquoterra para plantar e morarrdquo
Nos dados sobre infraestrutura observa-se que as casas satildeo na maioria de
alvenaria madeira serrada e em alguns casos as casas satildeo construiacutedas de pau-a-pique
335 Infraestrutura equipamentos e Tecnologias
A melhoria da infraestrutura aquisiccedilatildeo de equipamentos e novas tecnologias
estatildeo entre as principais reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais do campo por serem
considerados essenciais para o aumento da produccedilatildeo e renda dos assentados
Os dados coletados pela Empaer (2010) mostram que houve avanccedilos
significativos na questatildeo infraestrutural nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT
sobretudo a partir da implementaccedilatildeo do Programa Nacional da Agricultura Familiar
114
No entanto em relaccedilatildeo agrave aquisiccedilatildeo dos equipamentos e novas tecnologias ainda se
verifica defasagem
Algumas dessas informaccedilotildees podem ser conferidas nos quadros abaixo
No Assentamento Rural Satildeo Joseacute
A infraestrutura existente estaacute distribuiacuteda segundo os assentados da seguinte forma
- 31 natildeo possuem currais
- 20 possuem currais de arame liso 3 de madeira lisa e 58 de madeira
serrada
- 108 natildeo possuem brete
- 2 possuem brete de madeira bruta e 1 de madeira serrada
- 9 possuem barracatildeo de ordenha e 103 natildeo possuem
- 3 natildeo possuem cercas na propriedade
- 0 possuem cercas construiacutedas de arame farpado e 107 de arame liso
A existecircncia de equipamentos nas propriedades estaacute distribuiacuteda da seguinte forma
- 21 possuem equipamentos de traccedilatildeo animal e 90 natildeo possuem
- 3 possuem trator com implementos e 109 natildeo possuem
- 65 alugam trator e 47 natildeo alugam
- 17 possuem triturador ou picador de forragens e 95 natildeo possuem
Projeto de Assentamento Rural Satildeo Gabriel
A infraestrutura existente estaacute distribuiacuteda segundo os assentados da seguinte forma
- 5 possuem currais de arame liso 1 de madeira lisa e 7 de madeira
serrada
- 25 natildeo possuem brete
- 0 possuem brete de madeira bruta e 0 de madeira serrada
- 2 possuem barracatildeo de ordenha e 23 natildeo possuem
- 1 natildeo possui cercas na propriedade
- 0 possuem cercas construiacutedas de arame farpado e 24 de arame liso
A existecircncia de equipamentos nas propriedades estaacute distribuiacuteda da seguinte forma
- 4 possuem equipamentos de traccedilatildeo animal e 21 natildeo possuem
- 1 possui trator com implementos e 23 natildeo possuem
115
- 21 alugam trator e 3 natildeo alugam
- 5 possuem triturador ou picador de forragens e 19 natildeo possuem
Projeto de Assentamento Rural Ipecirc
A infraestrutura existente estaacute distribuiacuteda segundo os assentados da seguinte forma
- 24 natildeo possuem currais
- 17 possuem currais de arame liso 5 de madeira lisa e 35 de madeira
serrada
- 79 natildeo possuem brete
- 0 possuem brete de madeira bruta e 2 de madeira serrada
- 6 possuem barracatildeo de ordenha e 75 natildeo possuem
- 1 natildeo possuem cercas na propriedade
- 0 possuem cercas construiacutedas de arame farpado e 80 de arame liso
A existecircncia de equipamentos nas propriedades estaacute distribuiacuteda da seguinte forma
- 10 possuem equipamentos de traccedilatildeo animal e 71 natildeo possuem
- 6 possuem trator com implementos e 75 natildeo possuem
- 55 alugam trator e 26 natildeo alugam
- 20 possuem triturador ou picador de forragens e 61 natildeo possuem
Projeto de Assentamento Rural Aracati
A infraestrutura existente estaacute distribuiacuteda segundo os assentados da seguinte forma
- 2 natildeo possuem currais
- 8 possuem currais de arame liso 1 de madeira lisa e 14 de madeira
serrada
- 24 natildeo possuem brete
- 0 possuem brete de madeira bruta e 0 de madeira serrada
- 2 possuem barracatildeo de ordenha e 23 natildeo possuem
- 0 natildeo possuem cercas na propriedade
- 2 possuem cercas construiacutedas de arame farpado e 23 de arame liso
A existecircncia de equipamentos nas propriedades estaacute distribuiacuteda da seguinte forma
- 6 possuem equipamentos de traccedilatildeo animal e 19 natildeo possuem
116
- 0 possui trator com implementos e 25 natildeo possuem
- 20 alugam trator e 5 natildeo alugam
- 4 possuem triturador ou picador de forragens e 21 natildeo possuem
Percebe-se que a infraestrutura baacutesica nos assentamentos rurais estaacute voltada
para a criaccedilatildeo de gado como currais brete de madeira barracatildeo de ordenha e cercas de
arame liso e farpado aleacutem de outros equipamentos como resfriadores de leite e
trituradores ou picadores para a feitura de forragens para a alimentaccedilatildeo do gado
O nuacutemero e a distribuiccedilatildeo deles variam conforme os assentamentos rurais e o
perfil dos assentados No geral se percebe que os Agricultores Familiares de Vila Rica-
MT ainda recorrem com frequecircncia ao uso da forccedila humana e dos equipamentos de
traccedilatildeo animal Existem no entanto alguns equipamentos agriacutecolas de origem
mecanizada como tratores que podem ser proacuteprios ou alugados
O fato eacute que em menor ou maior nuacutemero os equipamentos e a infraestrutura
existente nos assentamentos satildeo destinados agrave produccedilatildeo e criaccedilatildeo de gado
34 A Produccedilatildeo a renda comercializaccedilatildeo e a circulaccedilatildeo na Agricultura Familiar
de Vila Rica-MT
Um dado importante a ser ponderado para a problematizaccedilatildeo da produccedilatildeo
nos assentamentos rurais diz respeito agrave renda Especificamente de onde surge a renda
dos assentados
As informaccedilotildees obtidas dos quatro assentamentos rurais de Vila Rica-MT
analisados pela pesquisa da Empaer os dados indicam que a renda dos assentados eacute
resultante das atividades que estatildeo associadas a algumas culturas agriacutecolas agrave pecuaacuteria e
agrave criaccedilatildeo de pequenos animais
Tais dados estatildeo melhor detalhados em tabelas distribuiacutedas por itens visando
assim uma melhor compreensatildeo da dinacircmica de produccedilatildeo e renda dos assentamentos
rurais
341 A renda nos quatro Projetos de assentamentos rurais de Vila Rica-MT
117
Tabela 12 Percentual de participaccedilatildeo da Renda dos assentados
RendaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati
Renda Agriacutecola eou Pecuaacuteria 7333 8789 7365 7140
Natildeo Agriacutecola
(Artesanato agroinduacutestria) 3650 7500 3062 3000
Outras rendas
(Salaacuterios Aposentadoria etc) 5280 6182 4810 5460
Fonte EMPAER 2010
A tabela 12 revela que a maior parte da renda dos assentamentos rurais
proveacutem dos rendimentos das atividades agriacutecolas e pecuaacuterias seguida por outros tipos
de rendas originaacuterios de salaacuterios e aposentadorias que alguns assentados usufruem
aleacutem de atividades de produccedilatildeo artesanal em geral confeccionada por mulheres
O projeto de assentamento rural que apresenta discrepacircncia em relaccedilatildeo aos
dados anteriores eacute o do Assentamento Rural Satildeo Gabriel que aleacutem da renda oriunda da
pecuaacuteria agricultura tem destaque nas outras fontes como atividades artesanais
agroinduacutestria e em salaacuterios e aposentadoria
342 Atividades Agriacutecolas a produccedilatildeo econocircmica e a de subsistecircncia
As atividades agriacutecolas desenvolvidas nos assentamentos foram classificadas
de duas categorias econocircmicas e de subsistecircncia Segundo os dados o quantitativo
produzido eacute descrito conforme tabela a seguir
Tabela13 Produccedilatildeo agriacutecola (em Kg)
Atividades
Agriacutecolas PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Arroz 4500 5100 1510 1500 12610
Banana 2560 200 2537 11000 1629
Feijatildeo 0 0 550 0 550
Mandioca 225802 54000 8127 111500 39942
Milho 106500 73530 3378 46850 23025 Fonte EMPAER 2010
Segundo a Tabela 13 os produtos agriacutecolas mais cultivados nos
assentamentos rurais estudados satildeo em quilograma mandioca seguida do milho e do
118
arroz uma pequena produccedilatildeo de banana Apenas o Assentamento Rural Ipecirc produz
feijatildeo
Tabela 14 Assentados que praticam Culturas de Subsistecircncia
Culturas
Econocircmicas PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Arroz 2 4 12 1 19
Banana 5 1 16 3 25
Feijatildeo 0 0 2 0 2
Mandioca 29 6 38 15 88
Milho 17 12 38 12 79 Fonte EMPAER 2010
Os dados demonstram que a mandioca e o arroz satildeo os principais produtos
agriacutecolas cultivados nos assentamentos Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati O arroz eacute
comercializado em casca sendo a mandioca o milho e em menor escala a banana os
cultivados pelo maior nuacutemero de assentados
Trata-se portanto de uma produccedilatildeo significativa tanto para comercializaccedilatildeo
quanto para subsistecircncia No entanto a pecuaacuteria ainda eacute a principal atividade econocircmica
desses assentamentos rurais
343 Pecuaacuteria e criaccedilatildeo de pequenos animais
A principal atividade de produccedilatildeo econocircmica nos assentamentos estudados eacute
a pecuaacuteria bovina leiteira a qual nos uacuteltimos anos cresceu significativamente
ultrapassando a pecuaacuteria de corte
Tabela 15 Tipo de pecuaacuteria explorada por propriedade (famiacutelias)
Tipo de
pecuaacuteria PA Satildeo Joseacute
Satildeo
Gabriel Ipecirc Aracati Total
Leite 19 10 34 12 75
Leite e corte 57 5 27 11 100
Corte 29 3 15 2 49
Total 105 18 76 25 224 Fonte EMPAER 2010
119
Os dados demostram que a maioria dos criadores de gado se dedica agrave
produccedilatildeo de leite Cruzando estes com outros dados eacute possiacutevel identificar que a
produccedilatildeo de leite eacute destinada ao mercado e tambeacutem ao consumo das famiacutelias
assentadas o que tem correlaccedilatildeo ateacute mesmo com a frequecircncia de consumo de proteiacutena
animal apresentados aa Tabela 16
Tabela 16 Frequecircncia do consumo de proteiacutena animal na alimentaccedilatildeo dos
assentados
Uso de tanquePA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total
Come carne todo dia 93 22 70 22 207
Trecircs vezes por semana 16 0 9 3 28
Uma vez por semana 0 0 1 0 1
Natildeo come carne 0 0 0 0 0 Fonte EMPAER 2010
De acordo com a Tabela 16 das 236 famiacutelias que participaram da pesquisa
207 declararam que consomem carne todos os dias sendo que 28 disseram que a
consomem trecircs vezes por semana e apenas uma famiacutelia consome carne somente uma
vez por semana o que revela um consumo significativo de carne
Em relaccedilatildeo ao modo de criaccedilatildeo do gado importante destacar que conforme
os Planos de Desenvolvimento dos Assentamentos Rurais Pdas 100 dos assentados
criam gado utilizando o sistema extensivo ou seja uma praacutetica de criaccedilatildeo tradicional o
que significa dizer que satildeo habituados a criar o gado solto nas aacutereas de pastagens
naturais eou livres sem qualquer divisatildeo de cercas
Outros dados fundamentais para a compreensatildeo de forma detalhada do
potencial da produccedilatildeo de leite nos assentamentos rurais privilegiados pela pesquisa
estatildeo destacados na Tabela 17
Tabela 17 Dados de produccedilatildeo de leite nos assentamentos rurais por nordm de vacas
DadosPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati
Nuacutemero de Vacas Leiteiras 881 191 768 393
Meacutedia por assentado (n
vacas) 1223 146 1301 1637 Fonte EMPAER 2010
120
Os assentamentos rurais Aracati e Satildeo Gabriel satildeo menores em termos do
nuacutemero de propriedades e famiacutelias assentadas Os dados anteriores reforccedilam o
indicativo de que haacute uma importante produccedilatildeo de leite pois cada famiacutelia tem em
nuacutemero consideraacutevel de vacas leiteiras
A principal fonte de renda dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel
Ipecirc e Aracati eacute a produccedilatildeo de leite Mas os assentados tem necessidade de teacutecnicas para
a conservaccedilatildeo desse leite Nesse caso os resfriadores de leite embora natildeo sendo
utilizados por todos satildeo fundamentais Apresentamos a seguir detalhamento dessas
informaccedilotildees
Tabela 18 Nuacutemero de Famiacutelia que utilizam o resfriador de leite
Uso de tanquePA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total
Natildeo usam tanques 62 3 20 13 98
Usam tanques proacuteprios 3 0 2 1 6
Usam tanques comunitaacuterios 25 11 47 9 92
Fonte EMPAER 2010
Na tabela 18 observamos que o nuacutemero de famiacutelias que natildeo usam tanques
para resfriamento do leite eacute significativo lanccedilando matildeo de outros meios para o
armazenamento e ou transporte do leite ateacute o ponto final de comercializaccedilatildeo
Aleacutem de gado de corte e leiteiro os assentados dos assentamentos rurais se
dedicam agrave criaccedilatildeo de animais de pequeno porte para o consumo e comercializaccedilatildeo
poreacutem em menor escala Entre eles se destacam as aves suiacutenos caprinos ovinos
peixes e abelhas Os animais de pequeno porte como aves e porcos satildeo de criaccedilatildeo
tradicional O dado que mais chama a atenccedilatildeo eacute a criaccedilatildeo de peixes Haacute um nuacutemero
expressivo de famiacutelias que exercem a piscicultura Portanto pode-se afirmar que leite e
peixe satildeo produtos familiares destinados agrave comercializaccedilatildeo
344 Comercializaccedilatildeo e Associativismo
Pensar o desenvolvimento econocircmico local a partir da produccedilatildeo dos
assentamentos rurais nos remete agraves formas de organizaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo da
produccedilatildeo
121
Chamamos a atenccedilatildeo para a organizaccedilatildeo nos assentamentos rurais de Vila
Rica-MT pois houve uma intensa mobilizaccedilatildeo acerca das accedilotildees coletivas para o
processo de reocupaccedilatildeo e regularizaccedilatildeo da terra Poreacutem quando consolidados os
Projetos de Assentamentos Rurais os assentados perderam a referecircncia de coletividade
No que tange ao modo de produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo a tabela que segue mostra esta
defasagem
Tabela 19 Local de Comercializaccedilatildeo da Produccedilatildeo dos assentamentos
ComercializaccedilatildeoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Propriedade 80 16 67 16 179
Pequenos Comeacutercios 12 0 6 3 21
Feira 3 1 2 0 6
Atacadista 0 0 0 0 0
Supermercados 1 1 1 1 4
CONAB 0 0 1 0 1
Outros lugares 48 7 38 6 99 Fonte EMPAER 2010
Os dados nos mostram que a maior parte dos assentados comercializa os seus
produtos nos proacuteprios lotes Os assentados na maioria das vezes recorrem aos
atravessadores para comercializar os produtos os quais em sua maioria tratam-se de
comerciantes da cidade Outro nuacutemero considerado significativo comercializa em
outros lugares diferentes de comeacutercios como as feiras e no CONAB Essa situaccedilatildeo pode
estar relacionada agrave falta de organizaccedilatildeo coletiva com a criaccedilatildeo de associaccedilotildees e
cooperativas Nesse sentido a tabela que se segue mostra detalhadamente a participaccedilatildeo
ou natildeo das famiacutelias nessas organizaccedilotildees coletivas
Tabela 20 Associativismo nos assentamentos Aracati Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel e Ipecirc
AssociativismoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Natildeo participam 15 2 10 0 27
Participam em cooperativa 4 0 0 0 4
Participam em associaccedilatildeo 99 20 73 25 217
Participam em sindicatos 99 23 75 21 218
Outras modalidades 1 1 0 0 2 Fonte EMPAER 2010
122
Ressaltamos que o principal mecanismo de organizaccedilatildeo coletiva dos
Agricultores Familiares satildeo as Associaccedilotildees de Pequenos Produtores Rurais e o
Sindicato dos Trabalhadores Rurais Satildeo organizaccedilotildees mais do tipo poliacutetico
reivindicativo que de produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo Apenas 09 dos Agricultores
Familiares participam das atividades do sistema cooperativo e 04 em outras
modalidades
Em pesquisa sobre os assentamentos rurais no Araguaia o diagnoacutestico do
Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentaacutevel do Territoacuterio Rural (PTDRS)
do Baixo Araguaia-MT produzido pelo Ministeacuterio da Agricultura em 2006 haacute uma
indicaccedilatildeo de que todos os PAs do Araguaia possuem associaccedilotildees
A mesma pesquisa do PTDRS (2006 p 46) indica que os Agricultores
Familiares tecircm participaccedilatildeo nos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais e nos Conselhos
Municipais de Desenvolvimento Rural existentes em todos os municiacutepios do territoacuterio
No entanto entre os assentados existe ldquo[] um sentimento de descrenccedila e
desconfianccedila frente agraves instacircncias de organizaccedilatildeo dos produtores []rdquo Essa descrenccedila
estaacute tambeacutem associada ldquo[] agrave dificuldade em conseguir melhorias efetivas para a
populaccedilatildeo rural (acesso ao creacutedito luz eleacutetrica melhoria nas estradas) que estaacute levando
na opiniatildeo dos entrevistados agrave descrenccedila nas lideranccedilas e nas instituiccedilotildees de
representaccedilatildeo []rdquo
Em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo por meio de cooperativas o PTDRS (2006 p 46)
atribui essa falta de motivaccedilatildeo ao fato de que
Constatou-se que os municiacutepios de Satildeo Feacutelix do Araguaia
Porto Alegre do Norte e Vila Rica-MT possuiacuteam diferentes
tipos de cooperativas que acabaram falindo Apesar de natildeo
estarem diretamente relacionados com a Agricultura Familiar
estes exemplos ruins acabam influenciando na percepccedilatildeo da
populaccedilatildeo sobre as formas de cooperativas e associativas de
trabalho
Essa situaccedilatildeo eacute confirmada tambeacutem pelos relatos orais como mostra a fala
do secretaacuterio municipal de agricultura de Vila Rica-MT
123
As experiecircncias mal sucedidas das cooperativas influenciam
bastante para o descreacutedito na formaccedilatildeo de novas cooperativas
Vila Rica-MT por exemplo teve umas trecircs cooperativas
Tiacutenhamos uma que era muito forte na organizaccedilatildeo chamava
CONEMAT - Cooperativa do Nordeste de Mato Grosso
Inclusive ainda tecircm alguns preacutedios e balanccedilas espalhadas aiacute
na cidade tinha caminhotildees e supermercados mas creio que foi
por ingerecircncia de alguns presidentes que acabaram dando um
calote nos cooperados [] Temos hoje um grande nuacutemero de
produtores rurais que tecircm uma diacutevida enorme e natildeo tecircm como
pagar porque os presidentes pegaram empreacutestimos em nome
deles e foram embora levando o dinheiro dessas pessoas e por
isso muitos tecircm medo de cooperativas Por isso eacute complicado
tanto pra noacutes como para o Sindicato dos Trabalhadores Rurais
atuarmos no sentido de fomentar o sistema de cooperativa
(ENTREVISTA com Gilmar secretaacuterio Municipal de
Agricultura do municiacutepio de Vila Rica-MT realizada pela
autora em marccedilo de 2015)
Esse relato oral nos revela a dimensatildeo dos desafios vivenciados pelos
assentados e como a Secretaria de Agricultura e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais
de Vila Rica-MT enfrentaram dificuldades para mobilizar os trabalhadores para a
criaccedilatildeo do sistema de comercializaccedilatildeo por meio de cooperativas
No entanto apesar das dificuldades o sistema de cooperativa poderaacute ser uma
alternativa para ampliar o potencial da comercializaccedilatildeo dos produtos da Agricultura
Familiar Dentro desse sistema a Prefeitura Municipal passa a ser importante
comprando os gratildeos legumes e hortaliccedilas para a merenda escolar aleacutem de ser uma
instituiccedilatildeo fundamental na mediaccedilatildeo para que os Agricultores Familiares acessem a
Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB)
35 Teacutecnicas e niacutevel tecnoloacutegico dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel
Ipecirc e Aracati
Martins (2014 p 24) afirma que ldquo[] a inovaccedilatildeo depende amplamente do
modo como a trama das relaccedilotildees sociais em que ocorre define sua funccedilatildeo e as
contradiccedilotildees sociais que alimentamrdquo Isso significa que os saberes tradicionalmente
produzidos ao longo das experiecircncias de vida natildeo devem ser considerados invaacutelidos na
inserccedilatildeo das inovaccedilotildees tecnoloacutegicas
Nos assentamentos rurais estudados identificamos que os saberes e as
teacutecnicas tradicionais satildeo recorrentes no modo de produzir de lidar com a terra e na
124
constituiccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com a natureza A seguir apresentamos algumas
teacutecnicas utilizadas nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati do
municiacutepio de Vila Rica-MT
351 Teacutecnicas de uso do Solo plantio combate de pragas colheita e
armazenamento
Tabela 21 Tipos de preparo do solo por nordm de famiacutelias
Tipo de preparoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Capina e faz o plantio 20 0 16 5 41
Utiliza araccedilatildeo e gradagem 42 15 53 12 122
Faz o preparo em niacutevel 0 0 0 0 0
Fonte EMPAER 2010
De acordo com os dados da Tabela 21 muitos agricultores dos assentamentos
rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati recorrem agraves teacutecnicas tradicionais para o
preparo do solo no que se refere ao cultivo de produtos agriacutecolas e no plantio de
pastagens para o gado Poreacutem 740 utilizam araccedilatildeo e gradagem do solo
Tabela 22 Tipos de sementes cultivadas nos assentamentos rurais
Tipo de sementePA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Gratildeo proacuteprio 4 0 3 0 7
Sementes selecionadas22
43 14 67 19 143 Fonte EMPAER 2010
Agrave luz dos dados dispostos na Tabela 23 pode-se afirmar que os Agricultores
Familiares dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati possuem o
controle dos produtos a serem cultivados uma vez que satildeo eles quem seleciona as
sementes produzidas pela induacutestria e satildeo os proprietaacuterios dos gratildeos desqualificando a
semente crioula dos produtores
22 Aleacutem desses dados dois assentados rurais de Satildeo Joseacute afirmam que utilizam sementes ldquofiscalizadasrdquo
conforme categorizaccedilatildeo utilizada pelo IBGE
125
Segundo a Empaer (2010) sementes selecionadas pelos agricultores satildeo
aquelas consideradas de melhor qualidade sendo observados os aspectos relacionados
ao tamanho cor entre outros
Tabela 23 Tipos de plantio cultivados nos assentamentos rurais
Tipo de plantio Satildeo
Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
Mecanizado 8 3 12 1 24 135
Traccedilatildeo animal 3 1 7 0 11 60
Manual 62 11 50 19 142 800
Fonte EMPAER 2010
Na Tabela 23 podemos observar que os assentados utilizam
predominantemente o trabalho manual para o cultivo com um percentual de 80
Ainda segundo os dados 6 ainda utilizam animais como forma de traccedilatildeo para
realizaccedilatildeo dos cultivos e manutenccedilatildeo das roccedilas e pastagens Somente 135 dos
assentados lanccedila matildeo do sistema mecanizado Esses dados podem apontar o motivador
da baixa produtividade nas atividades da Agricultura Familiar ou indica a baixa
capitalizaccedilatildeo e uma tradiccedilatildeo de manejo de baixo custo
Quanto ao tipo de adubaccedilatildeo do solo realizado pelos assentados existem
vaacuterias formas das quais merecem o destaque da Tabela 24
Tabela 24 Tipo de adubaccedilatildeo do solo realizado pelos assentados por famiacutelia
Tipo de adubaccedilatildeoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
Natildeo fazem adubaccedilatildeo 65 6 41 13 125 610
Usam adubaccedilatildeo orgacircnica 2 6 11 3 22 105
Usam adubaccedilatildeo quiacutemica 20 4 21 5 50 245
Usam as duas adubaccedilotildees 2 1 3 2 8 4
Fonte EMPAER 2010
Os dados chamam a atenccedilatildeo pelo fato de que 125 famiacutelias ou seja 61 dos
assentados natildeo fazem adubaccedilatildeo Dos 39 que utilizam a adubaccedilatildeo a maior parte faz
126
adubaccedilatildeo quiacutemica (245) e somente 105 a adubaccedilatildeo orgacircnica sendo que uma
minoria de 2 realizam tanto a adubaccedilatildeo quiacutemica quanto a orgacircnica
Esse quadro situacional aponta uma tendecircncia para o aumento do uso de
produtos quiacutemicos pelos agricultores dos assentamentos rurais na medida em que
melhoram suas condiccedilotildees econocircmicas A Tabela 25 apresenta as formas de tratamentos
do solo utilizadas pelos assentados
Tabela 25 Conservaccedilatildeo do solo (por nuacutemero de Famiacutelias)
Conservaccedilatildeo dos solos PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
Natildeo fazem 90 15 67 24 196 93
Fazem plantio em niacutevel 1 1 1 1 4 2
Terraccedilo 0 0 0 0 0 0
Outros tipos de conservaccedilatildeo 2 0 9 0 11 5
Total 211 100
Fonte EMPAER 2010
Os dados satildeo preocupantes visto que 196 famiacutelias declararam natildeo adotar
qualquer teacutecnica para a conservaccedilatildeo do solo Isto explica o alto iacutendice de degradaccedilatildeo
ambiental e do solo nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT Outro item que
consideramos importante para a conservaccedilatildeo eacute a teacutecnica de rotaccedilatildeo no uso do solo
Assim a Tabela 26 mostra como os assentados lidam com essa situaccedilatildeo
Tabela 26 Rotaccedilatildeo de Culturas nos assentamentos rurais
Rotaccedilatildeo de cultura
PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Porcentagem
Fazem rotaccedilatildeo 10 4 20 10 44 20
Natildeo fazem rotaccedilatildeo 87 16 57 15 175 80
Total 219 100
Fonte EMPAER 2010
Segundo a Tabela 26 haacute evidecircncia da pouca rotaccedilatildeo de culturas o que
corresponde a (201) nos assentamentos rurais estudados Em contrapartida 80 natildeo
fazem rotaccedilatildeo de culturas A consequecircncia eacute o baixo rendimento da terra ou seja baixa
127
produtividade e esgotamento mais raacutepido Uma interpretaccedilatildeo possiacutevel sobre os dados
indicados na Tabela 26 eacute construiacuteda a partir da compreensatildeo de que a natildeo adoccedilatildeo de
rotaccedilatildeo de cultura estaacute relacionada aos haacutebitos culturais dos Agricultores Familiares
somados agrave falta de assistecircncia teacutecnica e orientaccedilotildees que demonstrem os benefiacutecios de tal
praacutetica Tambeacutem podemos observar a influecircncia da falta de um maior direcionamento
dos investimentos feitos pelo Governo Federal atraveacutes do Pronaf nos creacuteditos que satildeo
liberados conforme cultura agriacutecola e natildeo pelo sistema de produccedilatildeo O conjunto dessas
deficiecircncias de orientaccedilotildees teacutecnicas natildeo permite uma maior conscientizaccedilatildeo da
importacircncia de se praticar a rotaccedilatildeo de culturas como meio de melhor aproveitamento e
conservaccedilatildeo do solo significando manejo de informaccedilatildeo simples
Tabela 27 Tipo de combate agraves pragas (por nuacutemero de famiacutelias)
Tipo de combate PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentagem
Natildeo fazem combate as pragas 81 6 35 13 135 645
Utilizam inseticidas 12 8 39 9 68 325
Utilizam controles alternativos 0 0 3 1 4 2
Utilizam de outros meios 1 1 0 0 2 1
Total
209 100
Fonte EMPAER 2010
Os dados da Tabela 27 apontam que 645 dos assentados natildeo fazem
nenhum tipo de combate a pragas e 325 fazem uso no cultivo de produtos agriacutecolas
de inseticidas no seu combate e controle Somente 4 famiacutelias utilizam produtos e
mecanismos alternativos
Logo a Tabela 27 mostra um percentual significativo de famiacutelias que natildeo faz
controle de pragas ou utilizam outros controles indicando que a maioria dos assentados
consome produtos sem contaminaccedilatildeo de inseticidas
Tabela 28 Tipo de lavagem triacuteplice de embalagens vazias de agrotoacutexicos
Tipo de lavagem PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
Fazem a lavagem 5 3 8 5 21 15
Natildeo fazem a lavagem 57 9 48 10 124 85
Total 145 100
Fonte EMPAER 2010
128
A Tabela 28 indica um dado alarmante 124 famiacutelias dos assentamentos rurais
pesquisados em Vila Rica-MT ldquonatildeo fazem a lavagemrdquo triacuteplice de embalagens vazias de
agrotoacutexicos expondo-se a riscos de contaminaccedilatildeo Quanto ao destino das embalagens
de agrotoacutexicos vazias os dados que se seguem indicam a mesma tendecircncia de descuido
Tabela 29 Destino das embalagens de agrotoacutexicos vazias
Destino das embalagens PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
Jogam a ceacuteu aberto 13 3 28 4 48 495
Satildeo reutilizadas 2 0 2 0 4 4
Enviadas agrave central abastecimento 17 7 16 5 45 465
Total 97
100
Fonte EMPAER 2010
Os dados da Tabela 29 soacute reforccedilam a falta de cuidado em relaccedilatildeo agrave utilizaccedilatildeo
de agrotoacutexicos o que resulta na exposiccedilatildeo dos assentados a riscos agrave sauacutede Tambeacutem
podem resultar em danos ao meio ambiente como jaacute indicamos na Tabela 29
considerando que quase 50 das embalagens satildeo ldquojogadas a ceacuteu abertordquo e ainda que
4 dos assentados reutilizam essas embalagens
Seguindo a tendecircncia dos dados anteriores percebemos a falta de orientaccedilatildeo
teacutecnica em relaccedilatildeo ao uso e cuidado com produtos agrotoacutexicos
Aleacutem da falta de assistecircncia teacutecnica que compromete o cultivo e a produccedilatildeo
os dados quantitativos demonstram que a ausecircncia de mecanizaccedilatildeo eacute um dado
importante no momento da colheita
Tabela 30 Tipo de colheita por famiacutelia
Tipo de colheitasPA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
Usam colheita manual 66 15 69 19 169 995
Colheita mecacircnica 0 0 1 0 1 05
Total 170 100 Fonte EMPAER 2010
A Tabela 30 evidencia que praticamente todos os assentados participantes da
pesquisa natildeo utilizam equipamentos mecacircnicos para a colheita de seus produtos
predominando a colheita manual com uso intensivo da matildeo de obra Esse processo
129
pode ser resultante da experiecircncia de vida e haacutebitos dos agricultores familiares em
funccedilatildeo da questatildeo econocircmica jaacute que os assentamentos rurais analisados natildeo dispotildeem de
maquinaacuterios destinados ao preparo do solo plantio e agrave colheita agriacutecola ou isso se deve
ao relevo inclinado demais ou solo pedregoso
Tabela 31 Tipo de armazenamento da produccedilatildeo (por nuacutemero de famiacutelia)
Tipo de armazenamentoPA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
A ceacuteu aberto 4 2 7 0 13 8
No paiol 45 11 57 14 127 79
No silo 1 0 0 1 2 15
Na residecircncia 7 2 6 2 17 105
No galpatildeo 1 0 0 0 1 05
160 100
Fonte EMPAER 2010
O modo de armazenar tambeacutem eacute tradicional o Paiol eacute uma construccedilatildeo ruacutestica
feita de forma artesanal onde os agricultores guardam os mantimentos colhidos de suas
roccedilas os quais satildeo destinados agrave alimentaccedilatildeo das famiacutelias e dos animais Computando o
armazenamento a ceacuteu aberto feito por 81 e na residecircncia 106 significa que quase
20 dos produtos satildeo armazenados de forma inadequada
36 A questatildeo ambiental nos assentamentos rurais
As questotildees que envolvem problemas ambientais nas aacutereas rurais tecircm como
problemaacutetica principal o desmatamento a natildeo conservaccedilatildeo das matas ciliares a
poluiccedilatildeo do solo e dos rios o uso de agrotoacutexicos e o destino dos lixos produzidos
Todos esses problemas estatildeo inseridos em debates recorrentes no cenaacuterio rural
No caso de Vila Rica-MT pesquisas anteriores como as que foram realizadas
pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazocircnia (IPAM) em 2009 e por Barrozo
(2010) revelam dados alarmantes relativos agrave questatildeo ambiental Essas situaccedilotildees foram
confirmadas pelo diagnoacutestico construiacutedo pela Empaer (2010) conforme a descriccedilatildeo nas
tabelas que se seguem
Tabela 32 Situaccedilatildeo de degradaccedilatildeo de solo nos assentamentos rurais
130
Condiccedilatildeo de degradaccedilatildeo PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total
Natildeo estaacute degradado 16 5 16 6 43 18
O solo estaacute empobrecido 75 9 44 12 140 59
O solo estaacute com erosatildeo 2 0 2 2 6 3
O solo estaacute compactado 15 9 17 4 45 19
Outras formas de degradaccedilatildeo 1 0 1 0 2 1
Total 236 100
Fonte EMPAER 2010
Satildeo evidentes os problemas ambientais vivenciados pelos assentamentos
rurais de Vila Rica-MT Em 193 lotes analisados os solos se encontram em estaacutegio de
degradaccedilatildeo indicando empobrecimento erosatildeo compactaccedilatildeo e outras formas de
degradaccedilatildeo do solo
Tabela 33 Existecircncia de nascentes sem proteccedilatildeo (nuacutemero de propriedades)
Existecircncia de nascentes Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
Existem nascentes
Degradadas 26 9 17 5 57 32
Natildeo existem 51 14 41 15 121 68
Total 100
Fonte EMPAER 2010
Considerando que a aacutegua eacute um elemento essencial para a vida e para a
manutenccedilatildeo dos assentamentos rurais os dados indicados na Tabela 33 preocupam
pois em um universo de 178 propriedades analisadas 57 estaacute com as nascentes de
aacuteguas desprotegidas de mata ciliar o que representa um problema grave do ponto de
vista ambiental com risco de seca e extinccedilatildeo de nascentes e rios
Tabela 34 Existecircncia de degradaccedilatildeo de matas ciliares
Existecircncia de degradaccedilatildeo PA Satildeo
Joseacute
Satildeo
Gabriel Ipecirc Aracati Total Porcentagem
Natildeo existem matas ciliares 25 10 35 9 79 35
A degradaccedilatildeo eacute baixa 26 4 22 5 57 255
A degradaccedilatildeo eacute meacutedia 23 2 14 6 45 20
131
A degradaccedilatildeo eacute alta 29 5 7 3 44 195
Total 225 100
Fonte EMPAER 2010
A questatildeo da aacutegua nos assentamentos rurais estudados eacute uma preocupaccedilatildeo
recorrente Aleacutem das nascentes desprotegidas os coacuterregos vecircm perdendo suas matas
ciliares em funccedilatildeo do processo de desmatamento o que impede a ampliaccedilatildeo das aacutereas
de pastagens A Tabela 34 revela que 146 propriedades analisadas apresentam
destruiccedilatildeo das matas ciliares com estaacutegios que variam de alta a baixa degradaccedilatildeo As
imagens dos trecircs assentamentos rurais abaixo ilustram um pouco essa situaccedilatildeo
Figura 10- Fotografias de corpos drsquoaacutegua e mata ciliar
Eacute importante ressaltar que os assentamentos rurais de Vila Rica-MT
resultaram do processo de reocupaccedilatildeo das fazendas que estavam improdutivas mas jaacute
tinham sido abertas e desmatadas anteriormente Assim o problema ambiental jaacute existia
antes mesmo da formaccedilatildeo do assentamento rural e foi intensificado parcialmente com a
formaccedilatildeo dos mesmos
Tabela 35 Situaccedilatildeo de degradaccedilatildeo das pastagens (por nuacutemero de propriedade)
Degradaccedilatildeo de pastagens PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
Natildeo existem pastagens degradadas 17 4 16 6 43 33
O niacutevel de degradaccedilatildeo eacute baixo 36 9 40 8 93 39
132
O niacutevel de degradaccedilatildeo eacute meacutedio 43 10 21 6 80 335
O niacutevel de degradaccedilatildeo eacute alto 14 1 4 4 23 95
Total 239 100
Fonte EMPAER 2010
Vimos nos dados indicados na Tabela 35 que 43 propriedades natildeo
apresentaram niacutevel de degradaccedilatildeo nas pastagens enquanto 196 propriedades estatildeo com
as pastagens degradadas estando entre os niacuteveis alto meacutedio e baixo conforme criteacuterios
de nivelamento natildeo esclarecidos na fonte escrita
As imagens a seguir dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel e Ipecirc
nos ajudam a visualizar o niacutevel de degradaccedilatildeo e qualidade das pastagens destes
assentamentos rurais
Figura 11- Fotografias das aacutereas de pastagens nos assentamentos rurais
Fonte EMPAER 2010
As imagens nos remetem a compreensatildeo do quanto o problema de
desmatamento afetou de forma significativa o solo o que comprometeu a qualidade das
pastagens dos assentamentos rurais As imagens revelam a caracteriacutestica do solo que eacute
formado por morro com pedras e cascalhos o que dificulta a realizaccedilatildeo do processo de
mecanizaccedilatildeo das aacutereas
Tabela 36 Uso de fogo no manejo do solo (por propriedade)
Existecircncia de nascentesPA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
133
Usam fogo 80 13 45 18 156 665
Natildeo usam fogo 28 10 36 5 79 335
Total 235 100
Fonte EMPAER 2010
Os dados expostos na Tabela 36 reforccedilam a existecircncia do problema ambiental
jaacute abordado nos paraacutegrafos anteriores Chamamos a atenccedilatildeo para o fato de que 156
famiacutelias afirmaram que costumam colocar fogo sistema chamado de coivara como
praacutetica de limpeza das pastagens e na preparaccedilatildeo do cultivo das roccedilas Enquanto apenas
79 famiacutelias disseram que natildeo fazem uso de fogo no desenvolvimento das suas
atividades agriacutecolas tampouco para limpeza de pastagens
37 Algumas consideraccedilotildees sobre os impactos de poliacuteticas puacuteblicas nos
assentamentos rurais Satildeo Joseacute satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati
Podemos afirmar que nos quatro assentamentos rurais analisados os produtos
alimentares predominantes satildeo arroz milho mandioca banana e hortaliccedilas Satildeo estes
produtos que constituem a alimentaccedilatildeo baacutesica dos agricultores familiares os quais satildeo
produzidos nos lotes familiares
Atribuiacutemos a baixa produtividade na Agricultura Familiar do municiacutepio de
Vila Rica agrave falta de equipamentos tecnoloacutegicos sobretudo maquinaacuterios que poderiam
facilitar o trabalho e aumentar a produtividade No entanto ressalvamos que essas
teacutecnicas satildeo consideradas por alguns teoacutericos como uma condiccedilatildeo de produccedilatildeo
positiva do ponto de vista da manutenccedilatildeo da identidade dos assentamentos rurais
porque ela se sustenta nos saberes tradicionais aleacutem de natildeo ser tatildeo prejudicial ao meio
ambiente
Em relaccedilatildeo agrave comercializaccedilatildeo foram identificados alguns fatores que
dificultam o processo de modo geral a exemplo da natildeo organizaccedilatildeo por meio de
cooperativas ou associaccedilotildees A problemaacutetica das estradas que muitas vezes impede ou
dificulta o transporte dos produtos ateacute os pontos locais de vendas comerciais
contribuem consequentemente para o natildeo fortalecimento das feiras populares
134
As imagens a seguir ilustram a situaccedilatildeo de algumas estradas que datildeo acesso
aos assentamentos rurais de Vila Rica-MT durante os periacuteodos chuvosos de dezembro a
abril
Figura 12- Fotografias das Estradas dos assentamentos rurais
Fonte EMPAER 2009
A peacutessima situaccedilatildeo das estradas se torna ainda mais grave se pensarmos sobre
a necessidade de fortalecer a comercializaccedilatildeo dos produtos da Agricultura Familiar
quando levamos em consideraccedilatildeo o distanciamento dos assentamentos rurais com
relaccedilatildeo agrave aacuterea urbana cuja distancia eacute retratada nos croquis
Figura 13 - Croqui do Assentamento Rural Satildeo Joseacute
135
Fonte EMPAER 2010 p19
Figura 14 - Croqui do Assentamento Rural Satildeo Gabriel
Fonte EMPAER 2010 p 18
Figura 15 - Croqui do Assentamento Rural Ipecirc
136
Fonte EMPAER 2010 p 19
Figura 16 - Croqui do Assentamento Rural Aracaty
Fonte EMPAER 2010 p 18
137
O problema das estradas afetas tambeacutem a educaccedilatildeo pois danificam os ocircnibus
e prolongam o tempo que as crianccedilas ficam nas estradas sem aula atrasando o
calendaacuterio escolar Esta situaccedilatildeo provoca a desmotivaccedilatildeo dos alunos pelos estudos e
com isso os pais acabam retirando seus filhos das escolas do campo levando-os para
estudar na cidade por acreditar no prosseguimento dos estudos graccedilas agraves melhoras de
acesso permanecircncia e sucesso escolar
Ainda em relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo percebemos uma baixa escolaridade dos
assentados Consideramos que essa conjuntura seja resultante de alguns fatores como a
carecircncia de uma maior flexibilizaccedilatildeo na organizaccedilatildeo curricular e pedagoacutegica das escolas
dos assentamentos rurais principalmente nos quesitos referentes agrave organizaccedilatildeo dos
tempos e espaccedilos de aprendizagem uma vez que mesmo com o advento da energia
eleacutetrica nos assentamentos rurais nem todas as escolas garantiram a oferta da
modalidade escolar EJA - Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos
No que tange agraves questotildees de gecircnero e idade constatou-se que natildeo haacute uma
organizaccedilatildeo quanto agrave formaccedilatildeo de associaccedilotildees ou movimentos sociais direcionados agrave
luta das mulheres tampouco dos jovens Tais circunstacircncias datildeo a entender a pouca
participaccedilatildeo das mulheres e dos jovens nos espaccedilos poliacuteticos embora ambos tenham
uma vida ativa em outras atuaccedilotildees referentes agrave divisatildeo de trabalhos nos assentamentos
rurais
Consideramos como um dos principais desafios relacionados agrave permanecircncia
dos agricultores familiares nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Aracati e
Ipecirc o fato de os jovens se sentirem desmotivados a continuar no campo Muitos saem
para a cidade na ilusatildeo que iratildeo encontrar emprego que lhes proporcione renda fixa e
melhor qualidade de vida
As condiccedilotildees dos assentados avanccedilaram em qualidade a partir da
implementaccedilatildeo do Programa Luz Para Todos uma vez que a energia eleacutetrica
possibilitou a utilizaccedilatildeo de equipamentos que facilitaram o seu cotidiano embora a aacutegua
potaacutevel ainda seja vista como um elemento complicador no que se refere ao seu
tratamento
Na sauacutede destacamos que haacute atendimento pelo Sistema Uacutenico de Sauacutede
(SUS) embora limitado pois os uacutenicos profissionais da sauacutede que atuam diretamente
138
nos assentamentos rurais satildeo os Agentes de Sauacutede Ou seja quando haacute sinalizaccedilatildeo de
problemas na sauacutede dos assentados estes tecircm que recorrer agrave assistecircncia de sauacutede
localizada na zona urbana o que requer meio de locomoccedilatildeo proacuteprio ou puacuteblico
No que se refere agraves demandas de moradia e infraestrutura nos assentamentos
rurais pesquisados destacamos que a maioria das casas foi construiacuteda ou reformada
com recursos oriundos do Pronaf No entanto nem todos os assentados usufruiacuteram do
financiamento para a construccedilatildeo de suas casas pois muitos deles tiveram que arcar com
os proacuteprios recursos Por isso muitas casas ainda satildeo de taacutebua Houve casos em que as
empresas contempladas na licitaccedilatildeo natildeo concluiacuteram as obras conforme previsto no
contrato
Contudo ressaltamos que os desafios vivenciados pelos agricultores
familiares de Vila Rica-MT satildeo inuacutemeros a exemplo da a pouca infraestrutura a
insuficiecircncia dos investimentos por parte do Poder Puacuteblico quanto agrave liberaccedilatildeo de creacutedito
direcionado agrave Agricultura Familiar reduzido uso de tecnologia a ausecircncia de uma
assistecircncia teacutecnica efetiva a falta de matildeo de obra jovem uma vez que a idade meacutedia dos
assentados segundo dados da EMPAER (2009 p 45) eacute de 507 anos ldquo[] uma das
possiacuteveis causas para o ecircxodo dos jovens eacute a falta de opccedilatildeo para dar continuidade aos
estudos e a falta de oportunidades de geraccedilatildeo de renda dentro dos assentamentos ruraisrdquo
Ainda sobre a infraestrutura ressaltamos que os maiores investimentos tanto
por parte do Pronaf como de outras fontes dos agricultores familiares foram aplicados
na atividade de pecuaacuteria por considerarem mais rentaacutevel Essa questatildeo estaacute mais
detalhada no capiacutetulo IV
Eacute preciso ainda atentarmos mais para aos problemas de ordem ambiental
porque se constataram situaccedilotildees de desmatamentos nas nascentes e matas ciliares sem
falar da degradaccedilatildeo do solo e das pastagens condiccedilotildees que implicam na natildeo ampliaccedilatildeo
da Agricultura Familiar enquanto potencial para alavancar o desenvolvimento regional
139
4 AS POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS NOS ASSENTAMENTOS SAtildeO JOSEacute SAtildeO
GRABRIEL IPEcirc E ARACATI
Este capiacutetulo objetiva identificar quais foram as poliacuteticas puacuteblicas
implementadas nos assentamentos rurais do municiacutepio Vila Rica-MT no periacuteodo de
1996 a 2015
Construiacutemos uma anaacutelise norteada por algumas questotildees que serviram de
base para a reflexatildeo acerca do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar (Pronaf) bem como de outras Poliacuteticas Puacuteblicas voltadas para o atendimento
das necessidades da populaccedilatildeo do campo como eacute o caso da sauacutede educaccedilatildeo e
habitaccedilatildeo
Nesse sentido destacamos alguns questionamentos relacionados aos
procedimentos de execuccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas destinadas aos assentamentos rurais
Qual foi o impacto do Pronaf nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT Quais satildeo as
outras poliacuteticas e accedilotildees dos oacutergatildeos puacuteblicos no apoio e incentivos da Agricultura
Familiar no Araguaia mato-grossense Quais os mecanismos de controle e inspeccedilatildeo
adotados pela Secretaria Municipal de Agricultura de Vila Rica-MT para monitorar e
fomentar a produccedilatildeo da Agricultura Familiar nos assentamentos rurais Existem ou natildeo
estrateacutegias constituiacutedas entre os Agricultores Familiares movimentos sindical e social
ligados agrave Agricultura Familiar para enfrentar as ldquoinvestidasrdquo do agronegoacutecio nas aacutereas
de assentamentos rurais Quais satildeo os desafios e os avanccedilos dos assentamentos rurais
de Vila Rica-MT na visatildeo dos agricultores familiares dos assentamentos pesquisados
Para a compreensatildeo dessas questotildees foi necessaacuteria uma anaacutelise dos dados
oficiais de fontes escritas e orais com o auxiacutelio de perspectivas teoacutericas presentes nos
estudos sobre as temaacuteticas que envolvem o universo das poliacuteticas puacuteblicas destinadas
aos assentamentos rurais sobretudo o Pronaf
41 O debate sobre o Pronaf
Compreender tanto as formas de uso da terra quanto as de produccedilatildeo dos
agricultores familiares assim como a identificaccedilatildeo do papel da Agricultura Familiar no
desenvolvimento do territoacuterio do Araguaia eacute tambeacutem constituir conhecimento e
reflexatildeo acerca dos avanccedilos e entraves vivenciados pelos agentes histoacutericos no processo
140
de implementaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas direcionadas aos Projetos de assentamentos
rurais no Brasil sobretudo na consolidaccedilatildeo do Pronaf
Por isso fizemos apontamentos em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo dos assentamentos
rurais e ao mesmo tempo assinalamos as estrateacutegias adotadas pelos agricultores
familiares para sobreviverem agraves artimanhas do sistema burocraacutetico especialmente
quanto agraves formas de acesso ao creacutedito rural
Por outro lado para analisar o papel das poliacuteticas puacuteblicas enquanto objeto
de estudo os investimentos do Pronaf nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT
tomando como referecircncias as estrateacutegias adotadas pelos agricultores para serem
beneficiados pelas linhas de creacutedito problematizaram-se os avanccedilos e os entraves nas
condiccedilotildees de implementaccedilatildeo dessas poliacuteticas atraveacutes de reflexotildees teoacutericas e estudos de
caso Para tanto realizamos uma revisatildeo bibliograacutefica sobre a temaacutetica que historiciza o
artifiacutecio de criaccedilatildeo do Pronaf enquanto poliacutetica puacuteblica
Gazola e Schneider (2004 p 21) concebem que a criaccedilatildeo do Pronaf
representou uma resposta por parte do Estado brasileiro ao surgimento de uma nova
categoria social que demanda accedilotildees do Poder Puacuteblico e que levam em consideraccedilatildeo as
especificidades dessa nova categoria social ldquo[] os Agricultores Familiares que ateacute
entatildeo eram designados por termos como pequenos produtores produtores familiares de
baixa renda ou agricultura de subsistecircnciardquo
A partir dessa percepccedilatildeo podemos afirmar que anteriormente natildeo havia uma
designaccedilatildeo especiacutefica para os agentes histoacutericos que viviam da produccedilatildeo familiar na
agricultura enquanto categoria social Tratava-se de diversas denominaccedilotildees que eram
baseadas em criteacuterios econocircmicos e embutiam uma ideia de desqualificaccedilatildeo como por
exemplo ldquopequeno produtorrdquo
O conceito de Agricultura Familiar surgiu como uma alternativa para
suprimir as diversas denominaccedilotildees em relaccedilatildeo agrave forma e agrave concepccedilatildeo de produccedilatildeo das
populaccedilotildees que vivem no campo e que recorrem apenas agrave forccedila de trabalho dos
membros da famiacutelia Foi conceituada por Abramovay (1997 p 3 apud SALVODI
CUNHA 2010 p 10) como ldquo[] aquela em que a gestatildeo a propriedade e a maior
parte do trabalho vecircm de indiviacuteduos que mantecircm entre si laccedilos de sangue ou de
casamentordquo Os autores citados asseguram que essa definiccedilatildeo natildeo poderaacute ser vista como
unacircnime e muitas vezes pouco operacional
141
Salvodi e Cunha (2010 p 10) apesar de ponderarem que essa definiccedilatildeo natildeo
deve ser concebida como unacircnime entre os teoacutericos da Questatildeo Agraacuteria ressaltam que
eles adotam-na como conteuacutedo no sentido de evidenciar a nova categoria social que
envolve ldquo[] a propriedade da terra relaccedilotildees de trabalho e a gestatildeo das atividades
produtivasrdquo Para eles todos esses elementos satildeo criteacuterios usados para diferenciar por
se tratar de relaccedilotildees entre agentes sociais com parentesco de sangue ou alianccedilas via
matrimocircnio
Abramovay (1997) Salvodi e Cunha (2010) consideram que a base da
Agricultura Familiar estaacute portanto centrada no elemento relacional e natildeo
necessariamente na sua posiccedilatildeo diante de categorias econocircmicas ligadas agrave produccedilatildeo e agraves
formas de trabalho que dependem especificamente da matildeo de obra familiar
Destacamos que tal definiccedilatildeo eacute um constructo analiacutetico fundado a partir de
um referencial teoacuterico Isso eacute compreensiacutevel pois diferentes setores sociais a partir das
representaccedilotildees institucionais constroem categorias sociais Logo a categoria
ldquoAgricultura Familiarrdquo foi construiacuteda a partir de concepccedilotildees analiacuteticas e teoacutericas que
servem tanto para determinadas finalidades praacuteticas como para fins de acesso ao creacutedito
rural
Ressalvamos ainda que estes trecircs elementos baacutesicos - gestatildeo propriedade e
trabalho familiar se fazem presentes em todas as definiccedilotildees de Agricultura Familiar
sobretudo na definiccedilatildeo do Pronaf que insere a loacutegica da famiacutelia que tem a gestatildeo sobre
sua propriedade e busca o creacutedito
O Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio (2015) apresenta uma espeacutecie de
passo a passo para o acesso ao Pronaf
O acesso ao Pronaf inicia-se na discussatildeo da famiacutelia sobre a
necessidade do creacutedito seja ele para o custeio da safra ou
atividade agroindustrial seja para o investimento em maacutequinas
equipamentos ou infraestrutura de produccedilatildeo e serviccedilos
agropecuaacuterios ou natildeo agropecuaacuterios Apoacutes a decisatildeo do que
financiar a famiacutelia deve procurar o sindicato rural ou a empresa
de Assistecircncia Teacutecnica e Extensatildeo Rural (Ater) como a
EMATER para obtenccedilatildeo da Declaraccedilatildeo de Aptidatildeo ao Pronaf
(DAP) que seraacute emitida segundo a renda anual e as atividades
exploradas direcionando o agricultor para as linhas especiacuteficas
de creacutedito a que tem direito (MDA)23
23 Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-creditoruralsobre-o-
programasthashoPkG5KqCdpuff gt Acesso em 14092015
142
O Pronaf eacute apontado por alguns estudiosos da Questatildeo Agraacuteria no Brasil
como um marco da interferecircncia positiva do Estado na agricultura Eacute a partir dele que
ocorre a inclusatildeo da categoria social denominada de agricultores familiares no conjunto
das poliacuteticas puacuteblicas destinadas ao meio rural
Ressaltamos que antes do Pronaf existia o Programa de Valorizaccedilatildeo da
Pequena Produccedilatildeo Rural (Provape) criado em 1994 atraveacutes de uma operaccedilatildeo
financeira executada apenas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES)
Schneider Mattei e Cazella (2004) concebem que o Provape foi o embriatildeo da
mais importante poliacutetica puacuteblica criada para atender os agricultores familiares Segundo
os mesmos autores ele natildeo obteve os resultados esperados levando-se em consideraccedilatildeo
apenas os recursos que foram aportados Isso pode ser explicado parcialmente pelo fato
de o sistema de creacutedito e financiamento brasileiro natildeo ter sido adequado ao perfil do
puacuteblico para o qual se destinava o Provape
Ainda em conformidade com Schneider Mattei e Cazella (2004) eacute possiacutevel
afirmar que o Provape serviu apenas como ponto de partida para aquela que de fato
viria ser a primeira poliacutetica puacuteblica destinada agrave categoria de agricultores familiares
Em 1995 o Provape passou por uma transformaccedilatildeo tanto no que se refere agrave
concepccedilatildeo de poliacutetica puacuteblica voltada para os agricultores familiares comono que se
refere a sua aacuterea de abrangecircncia
Foram essas modificaccedilotildees acrescidas ao programa Provape que constituiacuteram
em 1996 o Pronaf o que de acordo com Schneider Mattei e Cazella (2004 p 3)
significa dizer que ldquo[] desse ano em diante o programa tem se firmado como a
principal poliacutetica do Governo Federal para os agricultores familiaresrdquo
Esses autores creditam ser o Pronaf uma poliacutetica puacuteblica constituiacuteda como
apoio econocircmico e produtivo para Agricultura Familiar brasileira A partir dele foram
criadas outras como eacute o caso do Programa Nacional de Aquisiccedilatildeo de Alimentos (PAA)
a Lei da Agricultura Familiar o Seguro Rural a nova forma de Assistecircncia Teacutecnica e
Extensatildeo Rural (ATER) e o Programa Nacional de Alimentaccedilatildeo Escolar (PNAE) que
embora jaacute existisse desde 1950 foi reestruturado a partir da criaccedilatildeo do Pronaf
Este inicialmente tinha como propoacutesito atuar em quatro grandes aacutereas 1)
Financiamento no Custeio e Investimento Agriacutecola 2) Fortalecimento de Infra Estrutura
143
rural 3) Negociaccedilatildeo e Articulaccedilatildeo de Poliacuteticas Puacuteblicas e 4) Formaccedilatildeo de Teacutecnicos
Extensionistas e de agricultores familiares
Nos primeiros anos de implantaccedilatildeo do Pronaf os juros para quem acessasse
essa linha de creacutedito para financiamento e investimento era de 12 ao ano o que pode
ser considerado um valor muito alto Esse fato talvez seja uma das principais
justificativas de poucos agricultores familiares terem pleiteado o creacutedito
Por outro lado havia tambeacutem a falta de conhecimento sobre o proacuteprio
programa Segundo Gazola e Schneider (2004) foram vaacuterios os entraves enfrentados
nos primeiros anos de implantaccedilatildeo do Pronaf sendo que dos recursos destinados agraves
safras de 1995-1996a maioria beneficiou agricultores familiares do Sul do paiacutes
sobretudo os produtores de fumo
Mas antes de avanccedilarmos sobre outras questotildees envolvendo o Pronaf eacute
importante analisarmos os muacuteltiplos contextos em que esse programa foi criado
42 O papel dos Movimentos sociais na criaccedilatildeo do Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar na deacutecada de 1990
Bianchini (2015 p18) afirma que a deacutecada de 1990 foi sinalizada pela
constituiccedilatildeo de novas estrateacutegias no campo econocircmico sobretudo em relaccedilatildeo aos
aspectos comerciais tecnoloacutegicos financeiros e de investimentos aleacutem de ter sido o
periacuteodo de maior inserccedilatildeo do Brasil na economia internacional
Outra caracteriacutestica desse periacuteodo segundo o mesmo autor foi a criaccedilatildeo do
Mercado Comum do Sul (Mercosul) o qual visava materializar uma maior integraccedilatildeo
entre o Brasil Uruguai Argentina e Paraguai a partir da reduccedilatildeo das tarifas
alfandegaacuterias
O Mercosul alterou tambeacutem a poliacutetica cambial com o objetivo de promover
a expansatildeo das importaccedilotildees e ampliaccedilatildeo dos investimentos internacionais nas aacutereas
agroindustriais Por outro lado restringiu a participaccedilatildeo de cooperativas nesse setor
fortalecendo ainda mais as empresas privadas
A partir da concepccedilatildeo de Bianchini (2015) pode-se afirmar que diante das
novas configuraccedilotildees impostas ao cenaacuterio econocircmico brasileiro assistiu-se no Brasil ao
desmoronamento de um modelo econocircmico em que a base de sustentaccedilatildeo eram os
144
incentivos fiscais concedidos pelo Governo os quais atendiam apenas alguns setores
rurais
O que se vecirc nesse periacuteodo foi a movimentaccedilatildeo dos diferentes atores sociais
De um lado se encontram os grupos detentores de grande capital econocircmico querendo
a qualquer custo atrair a atenccedilatildeo das autoridades poliacuteticas em torno dos interesses do
capital na agricultura e por outro lado a intensificaccedilatildeo nas mobilizaccedilotildees por parte de
outros atores conclamando por uma construccedilatildeo de poliacuteticas diferenciadas para atender a
Agricultura Familiar a realizaccedilatildeo da Reforma Agraacuteria a ampliaccedilatildeo dos direitos dos
trabalhadores rurais e a criaccedilatildeo de um modelo de agricultura fundamentado na
sustentabilidade social e ambiental
Bianchini (2015 p 19) ao se referir ao papel das instituiccedilotildees e organizaccedilatildeo
dos movimentos sociais em defesa da Reforma Agraacuteria constituiacutedos na deacutecada de 1980
assegura que
Nesse cenaacuterio poacutes-crise do modelo agriacutecola a partir dos anos
80 com o teacutermino do regime militar e a promulgaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo de 1988 as organizaccedilotildees de agricultores
empresariais se rearticularam na Confederaccedilatildeo Nacional de
Agricultura (CNA) na Uniatildeo Democraacutetica Ruralista (UDR) e
na Associaccedilatildeo Brasileira do Agronegoacutecio (ABAG) As
organizaccedilotildees de Agricultores Familiares se fortalecem na
Confederaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
(CONTAG) criam-se novas organizaccedilotildees como o Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) a Via Campesina
o Departamento Nacional dos Trabalhadores Rurais da CUT
(DNTR) que daria origem agrave Federaccedilatildeo dos Trabalhadores da
Agricultura Familiar (Fetraf) Surge um novo cenaacuterio novos
embates e estabelece-se um novo arranjo institucional
Em consonacircncia agrave citaccedilatildeo afirmamos que os atores sociais do campo estatildeo
divididos em dois grandes grupos de um lado os grandes proprietaacuterios de terras e
representantes do agronegoacutecio e do outro as populaccedilotildees desprovidas de capital
financeiro representadas pelos trabalhadores rurais pequenos agricultores ribeirinhos e
comunidades tradicionais Esses grupos recorreram agrave organizaccedilatildeo dos Sindicatos a
exemplo daquele dos Trabalhadores ou dos Produtores Rurais e das confederaccedilotildees em
busca da sensibilizaccedilatildeo das autoridades poliacuteticas em torno da defesa de seus interesses
No que se refere aos movimentos sociais dos trabalhadores rurais e pequenos
agricultores natildeo se pode perder de vista que a deacutecada de 1990 foi marcada por intensas
mobilizaccedilotildees desses sujeitos sociais em torno de poliacuteticas puacuteblicas que pudessem
145
viabilizar a melhoria das condiccedilotildees de vida no campo sobretudo no que tange agrave criaccedilatildeo
de um sistema de creacutedito rural e a expansatildeo do programa de distribuiccedilatildeo de terras em
formato diferenciado para atender as especificidades dos pequenos agricultores
Bianchini (2015) considera possiacutevel assegurar que tanto o Provape como o
Pronaf resultaram de accedilotildees e pressotildees dos movimentos sociais que por meio das
diversas manifestaccedilotildees que contribuiacuteram diretamente para a definiccedilatildeo das diretrizes do
Pronaf como eacute o caso do ldquoGrito da Terra Brasilrdquo movimento promovido pela
Confederaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) Federaccedilatildeo dos
Trabalhadores da Agricultura (Fetag) e pelos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais
(STTRs) que em geral reuniram milhares de trabalhadores em seus atos puacuteblicos em
sua grande maioria lideranccedilas dos diversos movimentos ligados agraves questotildees da
Agricultura Familiar Reforma Agraacuteria e de outras bandeiras relacionadas ao universo
dos trabalhadores rurais
Bianchini (2015) indica ainda outro acontecimento que proporcionou maior
visibilidade do debate acerca da luta por uma poliacutetica de creacutedito rural diferenciada e que
fosse capaz de mobilizar a integraccedilatildeo da produccedilatildeo familiar o Seminaacuterio ndash Creacutedito de
Investimento uma luta que vale milhotildees de vidas realizado na cidade Chapecoacute em
Santa Catarina no ano de 2003 sob a organizaccedilatildeo do Foacuterum Sul dos Rurais vinculado agrave
Central Uacutenica dos Trabalhadores - CUT
Esse seminaacuterio teve como funccedilatildeo marcar ldquo[] que o creacutedito seria a bandeira
central do movimento sindical e naquele momento poderia desencadear outras poliacuteticas
ATER Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional Infraestrura e Habitaccedilatildeordquo (BIANCHINI
2015 p 24)
Ainda com base na concepccedilatildeo desse autor pode-se dizer que as discussotildees
provocadas durante o seminaacuterio de Chapecoacute aleacutem de possibilitar um repensar sobre a
questatildeo do creacutedito diferenciado para os pequenos agricultores apontaram tambeacutem
outras possibilidades de conquista no sentido de buscar uma poliacutetica que fosse capaz de
casar o Creacutedito Fundiaacuterio com a Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional Infraestrutura e
Habitaccedilatildeo ldquo[] Esta foi a marca que timbrou a criaccedilatildeo do Pronaf a luta por creacutedito
diferenciado capaz de realizar a reconversatildeo das unidades de produccedilatildeo familiarrdquo
(BIANCHINI 2015 p 24)
146
43 O Pronaf e seus objetivos
O MDA assegura que o objetivo do Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (Pronaf) eacute ldquo[] financiar projetos individuais ou coletivos que
gerem renda aos agricultores familiares e assentados da Reforma Agraacuteria O programa
possui as mais baixas taxas de juros dos financiamentos rurais aleacutem das menores taxas
de inadimplecircncia entre os sistemas de creacutedito do Paiacutes (MDA 2015)rdquo 24
Estamos diante da definiccedilatildeo do oacutergatildeo puacuteblico responsaacutevel por colocar os
ldquoagricultores familiaresrdquo e ldquoassentados de Reforma Agraacuteriardquo enquanto puacuteblico alvo do
programa possibilitando-os ter acesso a creacuteditos com a preacute-condiccedilatildeo de natildeo ter uma
renda maior que R$ 360 mil reais por ano
O agricultor familiar deve avaliar o projeto que pretende
desenvolver Os projetos devem gerar renda aos Agricultores
Familiares e assentados da reforma agraacuteria Podem ser
destinados para o custeio da safra a atividade agroindustrial
seja para investimento em maacutequinas equipamentos ou
infraestrutura A renda bruta anual dos Agricultores Familiares
deve ser de ateacute R$ 360 mil (MDA 2015)25
As diretrizes do MDA que orientam a elaboraccedilatildeo dos projetos de
financiamentos do Pronaf asseguram que os agricultores familiares satildeo os protagonistas
no planejamento das accedilotildees que seratildeo desenvolvidas desde que levem em consideraccedilatildeo
os criteacuterios estabelecidos por cada linha de creacutedito
Segundo o MDA (2015) o Pronaf possui algumas linhas de creacutedito para
atender esse objetivo
bull Pronaf Custeio
-se ao financiamento das atividades agropecuaacuterias e de
beneficiamento ou industrializaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo de
produccedilatildeo proacutepria ou de terceiros enquadrados no Pronaf
bull Pronaf Mais Alimentos - Investimento
Destinado ao financiamento da implantaccedilatildeo ampliaccedilatildeo ou
modernizaccedilatildeo da infraestrutura de produccedilatildeo e serviccedilos
agropecuaacuterios ou natildeo agropecuaacuterios no estabelecimento rural
ou em aacutereas comunitaacuterias rurais proacuteximas
bull Pronaf Agroinduacutestria
24Disponiacutevelemlthttpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-creditoruralsobre-o-
rogramasthashoPkG5KqCdpuf gt Acesso em 14092015 25
Disponiacutevelemlt httpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-creditoruralcomo-funciona-o-
pronafsthashJ7csT8kgdpuff gt Acesso em 14092015
147
Linha para o financiamento de investimentos inclusive em
infraestrutura que visam o beneficiamento o processamento e a
comercializaccedilatildeo da produccedilatildeo agropecuaacuteria e natildeo agropecuaacuteria
de produtos florestais e do extrativismo ou de produtos
artesanais e a exploraccedilatildeo de turismo rural
bull Pronaf Agroecologia
Linha para o financiamento de investimentos dos sistemas de
produccedilatildeo agroecoloacutegicos ou orgacircnicos incluindo-se os custos
relativos agrave implantaccedilatildeo e manutenccedilatildeo do empreendimento
bull Pronaf Eco
Linha para o financiamento de investimentos em teacutecnicas que
minimizam o impacto da atividade rural ao meio ambiente bem
como permitam ao agricultor melhor conviacutevio com o bioma em
que sua propriedade estaacute inserida
bull Pronaf Floresta
Financiamento de investimentos em projetos para sistemas
agroflorestais exploraccedilatildeo Destina extrativista ecologicamente
sustentaacutevel plano de manejo florestal recomposiccedilatildeo e
manutenccedilatildeo de aacutereas de preservaccedilatildeo permanente e reserva legal
e recuperaccedilatildeo de aacutereas degradadas
bull Pronaf Semiaacuterido
Linha para o financiamento de investimentos em projetos de
convivecircncia com o semi-aacuterido focados na sustentabilidade dos
agroecossistemas priorizando infraestrutura hiacutedrica e
implantaccedilatildeo ampliaccedilatildeo recuperaccedilatildeo ou modernizaccedilatildeo das
demais infraestruturas inclusive aquelas relacionadas com
projetos de produccedilatildeo e serviccedilos agropecuaacuterios e natildeo
agropecuaacuterios de acordo com a realidade das famiacutelias
agricultoras da regiatildeo Semiaacuterida
bull Pronaf Mulher
Linha para o financiamento de investimentos de propostas de
creacutedito para a mulher agricultora
bull Pronaf Jovem
Financiamento de investimentos de propostas de creacutedito para
jovens agricultores e agricultoras
bull Pronaf Custeio e Comercializaccedilatildeo de Agroinduacutestrias
Familiares
Destinada aos agricultores e suas cooperativas ou associaccedilotildees
para que financiem as necessidades de custeio do
beneficiamento e industrializaccedilatildeo da produccedilatildeo proacutepria eou de
terceiros
bull Pronaf Cota-Parte
Financiamento de investimentos para a integralizaccedilatildeo de cotas-
partes dos Agricultores Familiares filiados a cooperativas de
produccedilatildeo ou para aplicaccedilatildeo em capital de giro custeio ou
investimento
bull Microcreacutedito Rural
Destinado aos agricultores de mais baixa renda permite o
financiamento das atividades agropecuaacuterias e natildeo
agropecuaacuterias podendo os creacuteditos cobrirem qualquer demanda
que possa gerar renda para a famiacutelia atendida Creacuteditos para
Agricultores Familiares enquadrados no Grupo B e agricultoras
148
integrantes das unidades familiares de produccedilatildeo enquadradas
nos Grupos A ou AC26
Ainda para o MDA (2015) o creacutedito do Pronaf eacute operacionalizado pelos
agentes financeiros que compotildeem o Sistema Nacional de Creacutedito Rural (SNCR) os
quais estatildeo agrupados pelas unidades financeiras (Banco do Brasil Banco do
Nordeste e Banco da Amazocircnia) vinculadas aos (BNDES Bancoob Bansicredi e
associados agrave Federaccedilatildeo Brasileira de Bancos (Febraban)
A partir dessas opccedilotildees de creacutedito o nuacutemero de agricultores familiares que
tem aderido ao programa aumentou bem como a abrangecircncia do Pronaf no Brasil
Segundo dados do MDA (2015)
As contrataccedilotildees do Creacutedito ndash Pronaf apresentam crescimento
sustentado ao longo dos anos Em 19992000 o Pronaf abrangia
3403 municiacutepios passando para 4539 no ano seguinte o que
representou um aumento de 33 na cobertura de municiacutepios
ou seja a ampliaccedilatildeo de mais de 1100 municiacutepios em apenas
um ano A ampliaccedilatildeo de municiacutepios atendidos continuou em
cada ano agriacutecola sendo que em 20052006 houve a inserccedilatildeo de
quase 1960 municiacutepios em relaccedilatildeo agrave 19992000 Em
20072008 foram atendidos 5379 municiacutepios o que
representou um crescimento de 58 em relaccedilatildeo agrave 19992000
com a inserccedilatildeo de 1976 municiacutepios27
Portanto atraveacutes desses dados oficiais sobre o Pronaf foi possiacutevel identificar
seus objetivos e o que ele considera como caracteriacutestica de sua efetivaccedilatildeo e ampliaccedilatildeo
Cruzando os dados do Araguaia mato-grossense e aqueles dos assentamentos
rurais pesquisados com os dados oficiais obtivemos uma noccedilatildeo das implicaccedilotildees dos
investimentos do Pronaf no local sobretudo no que se refere ao municiacutepio de Vila Rica-
MT uma vez que eacute onde estatildeo localizados os assentamentos rurais analisados nesta
pesquisa
44 O Pronaf no espaccedilo do Araguaia Mato-grossense
26 Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-creditorurallinhas-de-
crC3A9ditosthashupVEXpBldpufgt Acesso em 14092015 27
Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-
creditoruralevoluC3A7C3A3o-do-pronafgt Acesso em 14092015
149
Em 2006 foi produzido um diagnoacutestico pela equipe teacutecnica do Territoacuterio da
Cidadania do MDA com o objetivo de elaborar o Plano Territorial de Desenvolvimento
Rural Sustentaacutevel do Araguaia mato-grossense ocasiatildeo em que foi constituiacutedo um
banco de dados sobre a situaccedilatildeo dos assentamentos rurais da aacuterea tomando como
referecircncia o perfil socioeconocircmico de cada assentamento rural e utilizando diversas
estrateacutegias e fontes documentais para constituiacute-lo
Analisando os dados do diagnoacutestico produzido pelo MDA constatamos que a
Agricultura Familiar possui um lugar de destaque no desenvolvimento socioeconocircmico
do Norte Araguaia
Paret (2012) informa existir 85 assentamentos rurais constituiacutedos no territoacuterio
Araguaia-Xingu sendo que 25 deles estatildeo localizados no municiacutepio de Confresa-MT
Os demais estatildeo distribuiacutedos entre os outros municiacutepios com destaque para Ribeiratildeo
Cascalheira Satildeo Feacutelix do Araguaia e Aacutegua Boa28
Ao todo satildeo 22328 famiacutelias assentadas numa aacuterea que corresponde apenas
a 8 da dimensatildeo territorial denominada por Paret (2012) como Araguaia-Xingu Nesse
mesmo sentido Barrozo (2009 p 96) avalia que
Os assentamentos rurais do Araguaia se caracterizam pela a
criaccedilatildeo de gado e pela baixa produccedilatildeo de alimentos Em quase
todos os assentamentos dos municiacutepios de Santa Terezinha
Vila Rica-MT Satildeo Joseacute e Santa Cruz do Xingu Confresa Porto
Alegre Canabrava Satildeo Feacutelix do Araguaia os assentados do
Araguaia tecircm como principal atividade econocircmica do lote a
criaccedilatildeo de gado bovino
Considerando o que Barrozo (2009) e Paret (2012) e os dados contidos no
relatoacuterio do MDATerritoacuterio da Cidadania (2006) dizem afirmamos que a pecuaacuteria eacute
tida como a principal fonte de renda dos assentados dessa aacuterea Aleacutem da venda dos
bezerros os agricultores familiares vendem tambeacutem leite para os pequenos laticiacutenios
que ficam espalhados pela aacuterea
Essa produccedilatildeo se tornou viaacutevel por um conjunto de fatores que vatildeo desde a
instalaccedilatildeo de energia eleacutetrica que possibilitou que o produto pudesse ser armazenado
em tanques resfriadores passando pelo fomento do Pronaf ateacute a instalaccedilatildeo de laticiacutenios
na aacuterea que absorvem a produccedilatildeo regional
28 Destacamos que dos 14 municiacutepios que compotildeem o territoacuterio denominado por Paret (2012)
como Araguaia Xingu apenas Luciara natildeo possui assentamentos rurais Rural (INCRA 2015)
150
A partir dos dados destacados pelos autores e pela descriccedilatildeo feita pelo o
Instituto de Defesa Agropecuaacuteria de Mato Grosso - Indea (2015)29
percebe-se que nos
uacuteltimos anos houve um crescimento notaacutevel da criaccedilatildeo de gado leiteiro nessa aacuterea
Essa situaccedilatildeo serve como justificativa ao fato de haver nos assentamentos rurais do
Araguaia uma aacuterea maior destinada agraves pastagens e uma menor concentraccedilatildeo de
atividades voltadas para o cultivo de pomares hortas agricultura e outras atividades
econocircmicas
O Araguaia Mato-grossense atualmente possui como principais cadeias
produtivas a pecuaacuteria e a soja Percebe-se que a Agricultura Familiar tambeacutem estaacute
inclusa nesse modelo de produccedilatildeo no entanto Paret (2012 p 53) faz uma ressalva em
relaccedilatildeo agrave ela uma vez que esta ldquo[] apresenta uma maior diversidade produtiva que vai
desde a horta a todo tipo de plantaccedilatildeo de frutas (plantadas ou do extrativismo)
tubeacuterculos mel ovos pequenos animais leite entre outros []rdquo
As atividades agriacutecolas nos assentamentos rurais do Araguaia Mato-
grossense foram estudadas por Barrozo (2009 p 99) para quem embora os assentados
atribuam uma grande importacircncia agrave criaccedilatildeo de gado tambeacutem cultivam roccedilas visando o
auto-sustento da famiacutelia ldquo[] Os principais produtos cultivados em quase todos os
assentamentos satildeo a mandioca o milho o arroz e a canardquo
Ainda em conformidade com Barrozo (2009) natildeo existem grandes pomares
com diversidade de frutas cuja produccedilatildeo tenha a finalidade de comercializaccedilatildeo mas
satildeo encontradas em muitos assentamentos pequenas produccedilotildees frutiacuteferas de manga
banana abacaxi goiaba caju tamarindo limatildeo pequi etc
Esse quadro de produccedilatildeo agriacutecola apresentado pelo mesmo autor foi
constatado tambeacutem no relatoacuterio do MDATerritoacuterio da Cidadania (2006 p 33) segundo
o qual as atividades agriacutecolas no espaccedilo do Araguaia Mato-Grossense satildeo assim
descritas
Dentre as culturas produzidas destacam-se a mandioca o arroz
o milho e o abacaxi presentes em praticamente todo o territoacuterio
e tambeacutem direcionadas ao mercado local e principalmente para
o autoconsumo [] Estas atividades constituem-se em
iniciativas particulares e natildeo reflete de forma real a situaccedilatildeo de
grande parte dos agricultores do territoacuterio
29Disponiacutevel em lthttpwwwterritoriosdacidadaniagovbrdotlrnclubsterritriosruraisone-
community gtAcesso em 02052015
151
Quanto agrave implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas direcionadas aos
assentamentos rurais Paret (2012 p 53) verificou a existecircncia de grandes obstaacuteculos
enfrentados pelos agricultores familiares a exemplo das dificuldades em acessar tanto
os recursos do Pronaf quanto de outros programas considerados de apoio como eacute o caso
do Programa Nacional de Aquisiccedilatildeo de Alimentos (PNAA) e do Programa Nacional de
Alimentaccedilatildeo Escolar (PNAE)
Os entraves ocorridos durante o processo de implementaccedilatildeo das poliacuteticas
puacuteblicas nos assentamentos rurais no Araguaia Mato-grossense sobretudo no caso do
Pronaf foram percebidos por Barrozo (2009 p 96) em pesquisa realizada para o
Ministeacuterio do Meio Ambiente (MMA) atraveacutes do programa GESTAR O autor escreve
que durante suas visitas aos assentamentos rurais era bastante comum os agricultores
familiares exporem suas insatisfaccedilotildees tanto com a atuaccedilatildeo dos teacutecnicos do INCRA
quanto com as condiccedilotildees impostas no processo de adesatildeo ao Pronaf Nesse sentido
descreve
[] os assentados reclamam do Pronaf que seria um pacote
fechado exigindo que o recurso seja em horas maacutequinas para
preparar a terra para a lavoura com a indicaccedilatildeo da empresa para
prestar serviccedilo e compra de ferramentas com indicaccedilatildeo da loja
As vacas leiteiras de qualidade ruim para leite custam R$
60000 cada uma tendo que comprar de criador indicado
Alguns assentados fazem acusaccedilotildees de que eacute feito um desconto
do Pronaf corresponde ao um percentual do financiamento que
seria destinado agrave assistecircncia teacutecnica Os teacutecnicos dizem que natildeo
podem se deslocar por falta de veiacuteculos ou de combustiacutevel
Percebemos uma insatisfaccedilatildeo de assentados quanto agraves restriccedilotildees e imposiccedilotildees
burocraacuteticas do Pronaf que retiram dos mesmos a autonomia de escolher locais raccedilas
de animais e marcas de produtos adquiridos com a verba do programa adiciona-se a
preocupaccedilatildeo com a extensatildeo teacutecnica que enfrenta dificuldades financeiras e de
logiacutestica
Na mesma oacutetica Paret (2012 p 53) avalia os problemas enfrentados pelos
agricultores familiares no acesso aos recursos do Pronaf e agrave atuaccedilatildeo do Incra ldquo[] do
ponto de vista institucional a conduccedilatildeo da Reforma Agraacuteria pelo Incra eacute marcada por
longas demoras na resoluccedilatildeo de processos e inuacutemeros casos de corrupccedilatildeordquo
Paret (2012) aborda ainda outra situaccedilatildeo que dificulta o desenvolvimento dos
assentamentos rurais do Araguaia Mato-grossense qual seja o fato de muitos
152
agricultores familiares natildeo terem recebido os creacuteditos moradia e a inexistecircncia de uma
assistecircncia teacutecnica mais efetiva
Os graacuteficos apresentado na Figura 17 e seguinte apresentam criteacuterios de
distribuiccedilatildeo e investimento dos recursos do Programa Nacional de Agricultura Familiar
nos assentamentos rurais
Figura 17 Graacutefico com dados da evoluccedilatildeo dos creacuteditos Pronaf
Fonte Paret 2012 (p 30)
Figura 18 Graacutefico com dados da distribuiccedilatildeo dos creacuteditos Pronaf
Fonte Paret 2012 (p 33)
153
Os dados dispostos nos das figuras 17 e 18 indicam que nos assentamentos
rurais no Araguaia mato-grossense a deacutecada de 2000 foi destaque na evoluccedilatildeo do
percentual de investimento de recursos pelo Pronaf
Percebemos uma oscilaccedilatildeo no volume de recursos na deacutecada de 2000 sendo
que nos anos de 2003 e 2004 apresentaram crescimento Em 2008 a 2010 aumentou
novamente o percentual de recursos disponibilizados com aumento daqueles destinados
agrave pecuaacuteria sobretudo em 2010 quando superaram os investimentos destinados agrave
agricultura
Quando se observam os dados indicados na Figura 18 percebe-se que entre
os onze municiacutepios apresentados como Araguaia Xingu o municiacutepio de Vila Rica-MT
em comparaccedilatildeo aos demais praticamente natildeo recebeu recursos do Pronaf destinados agrave
agricultura sobressaindo apenas os destinados agrave linha de creacutedito direcionada para a
pecuaacuteria
Nesse sentido Lima e Noacutebrega (2009) reforccedilam que os financiamentos
efetivados a partir de 1999 no municiacutepio de Vila Rica-MT foram direcionados para
agropecuaacuteria Em 2007 100 dos financiamentos do municiacutepio foram direcionados
somente agrave pecuaacuteria somando um total de 86 milhotildees de reais em investimentos
Lima e Noacutebrega (2009 12) afirmam ainda que
Entre 1996 e 2006 a aacuterea de pastagens aumentou em cerca de 50
mil hectares e o aumento do nuacutemero de cabeccedilas de gado mais
do que triplicou chegando em 2006 a quase 650 mil cabeccedilas A
densidade de cabeccedilas de gado por hectare passou de 08 para
21 um aumento bem acentuado Entre 2000 e 2007 as aacutereas
das lavouras de milho dobraram de tamanho [] existem dados
controversos no censo 2006 que indica mais de 150 mil hectares
de aacutereas de lavouras no entanto no ano de 2007 natildeo havia
muito mais do que 10mil hectares plantados somando todas as
culturas provavelmente muitas destas aacutereas de lavouras estatildeo
abandonadas
Para esses autores o aumento expressivo da pecuaacuteria em Vila Rica-MT nos
uacuteltimos anos pode ter contribuiacutedo para a reduccedilatildeo do desmatamento no municiacutepio em
funccedilatildeo ateacute mesmo do volume de recursos injetados o que justifica o desenvolvimento
das atividades ligadas agrave pecuaacuteria enquanto a agricultura praticamente ficou estagnada
entre o periacuteodo de 2000 a 2007
154
Desse modo concluiacutemos que mesmo havendo entraves na execuccedilatildeo do
Pronaf ele gerou impactos significativos no que se refere ao desenvolvimento
econocircmico do Araguaia colocando os assentamentos rurais na condiccedilatildeo de
protagonistas na geraccedilatildeo de renda sendo a pecuaacuteria a principal atividade econocircmica
45 O Pronaf nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati
Consideramos pertinente uma anaacutelise acerca dos efeitos do Pronaf nos
assentamentos rurais de Vila Rica-MT visando identificar os impactos desse programa
no desenvolvimento socioeconocircmico local Destacamos que embora haja oito
assentamentos rurais a pesquisa tomou como paracircmetro apenas os recursos aportados
pelos agricultores familiares dos assentamentos rurais de Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e
Aracati
Ao escolhecirc-los tomados aqui como objeto de anaacutelise dos resultados das
poliacuteticas puacuteblicas direcionadas aos Assentados da Reforma Agraacuteria do municiacutepio de
Vila Rica levou-se em consideraccedilatildeo o fato de terem sido contemplados com o
Programa de Assessoria Teacutecnica Social e Ambiental agrave Reforma Agraacuteria- Ates no ano
de 2006 como ilustra a Tabela a seguir
Tabela 37 Creacutedito Rural - nordm de Famiacutelia
Fonte EMPAER 2010
A Tabela 37 demonstra que mais de 90 dos agricultores familiares
participantes da pesquisa tiveram acesso ao Pronaf Os assentamentos Satildeo Joseacute e Ipecirc
foram os mais beneficiados porque possuem o maior nuacutemero de assentados Outra
questatildeo que nos chamou a atenccedilatildeo em relaccedilatildeo ao acesso ao credito eacute o iacutendice de
inadimplecircncia que natildeo chega a 1
Creacutedito RuralPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracat
i
Total
Usam o creacutedito rural 96 18 72 22 20
8
Natildeo usam por
Inadimplecircncia
0 0 2 0 2
Natildeo usam por outros
Motivos
8 3 5 3 19
155
Tabela 38 Finalidade do Creacutedito Rural - nordm de Famiacutelias
Finalidade creacutedito
PA
S Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total
Custeio agriacutecola 10 3 12 3 28
Custeio pecuaacuterio 91 13 69 17 190
Investimento agriacutecola 2 0 3 0 5
Investimento pecuaacuterio 68 11 51 19 149
Agroinduacutestria 0 1 0 0 1
Fonte EMPAER 2010
As informaccedilotildees contidas na Tabela 38 confirmam o que jaacute foi apresentado
nos Graacuteficos 01 e 02 e Figuras 17 e 18 em que os investimentos dos recursos do Pronaf
nas atividades agriacutecolas natildeo chegaram a 10 dos que tomaram o creacutedito enquanto que
somando o valor destinado ao custeio e ao investimento na pecuaacuteria atingiu 908
Poreacutem apenas 03 desses recursos foram aplicados nas atividades agroindustriais
Tabela 39 Tipo de Pronaf por nuacutemero de Famiacutelias
Finalidade Creacutedito Rural S Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total
Pronaf A 95 17 71 20 203
Pronaf AC 65 12 60 15 152
Outros tipos de Pronaf 5 2 4 1 12
Fonte EMPAER 2010
Na Tabela 39 que trata da tipologia das linhas de creacutedito do Pronaf
constatamos o que jaacute foi evidenciado pela tabela anterior Observamos que 203 famiacutelias
dos assentamentos rurais pesquisados acessaram o Pronaf A destinado agraves atividades de
investimentos ampliaccedilatildeo ou modernizaccedilatildeo da estrutura de produccedilatildeo beneficiamento e
serviccedilos nas propriedades enquanto 152 famiacutelias acessaram o Pronaf AC cujo creacutedito
destina-se ao custeio das atividades de agropecuaacuteria ou natildeo agropecuaacuterias Somente 12
famiacutelias foram beneficiadas por outras modalidades de Pronaf
46 Outras Poliacuteticas Puacuteblicas nos assentamentos Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e
Aracati
156
461 Programa Luz para todos
Ao discutirmos os impactos das poliacuteticas Puacuteblicas precisamos analisar os
efeitos da instalaccedilatildeo da rede eleacutetrica nos assentamentos rurais - Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel
Ipecirc e Aracati - a partir da implantaccedilatildeo do Programa Luz Para Todos instituiacutedo pelo
Decreto 4873 de novembro de 2003 com o objetivo de garantir o acesso agrave energia
eleacutetrica a dez milhotildees de pessoas que viviam no campo no periacuteodo de 5 anos ou seja de
2003 a 2008 Foi o mesmo elaborado e executado atraveacutes de parceria entre o Ministeacuterio
de Minas e Energia Eletrobraacutes concessionaacuterias e cooperativas de eletrificaccedilatildeo rural As
accedilotildees deveriam ser feitas em regime de cooperaccedilatildeo entre os Governos Municipais
Estaduais e Federal
A intenccedilatildeo inicial era superar a ldquoexclusatildeo eleacutetricardquo conforme descrito em
uma reportagem feita pelo Ministeacuterio de Minas e Energia (MME) no portal da empresa
Furna30
(2015 p 1)
[] O mapa da exclusatildeo eleacutetrica no paiacutes revela que as famiacutelias
sem acesso agrave energia estatildeo majoritariamente nas localidades de
menor Iacutendice de Desenvolvimento Humano e nas famiacutelias de
baixa renda Cerca de 90 delas tecircm renda inferior a trecircs
salaacuterios-miacutenimos [] Para por fim a essa realidade o governo
definiu como objetivo que a energia seja um vetor de
desenvolvimento social e econocircmico dessas comunidades
contribuindo para a reduccedilatildeo da pobreza e aumento da renda
familiar
Para o Ministeacuterio de Minas e Energia (2015 p 1) ldquo[] a chegada da energia
eleacutetrica facilita a integraccedilatildeo dos programas sociais do Governo Federal aleacutem do acesso
a serviccedilos de sauacutede educaccedilatildeo abastecimento de aacutegua e saneamentordquo E como o nuacutemero
de pessoas que viviam sem energia eleacutetrica era bem superior agrave estimativa feita pelo
Governo Federal houve a necessidade de ampliar o periacuteodo para a execuccedilatildeo do
Programa Luz Para Todos o qual foi reformulado e estendido ateacute dezembro de 2014
ldquo[] Com a publicaccedilatildeo do Censo de 2010 pelo IBGE veio agrave informaccedilatildeo de que ainda
existiam na zona rural brasileira 715939 famiacutelias sem energiardquo (MME 2015 p 1)
30Furnas eacute uma empresa de economia mista subsidiaacuteria da Eletrobraacutes e vinculada ao Ministeacuterio de
Minas e Energia dedicada a geraccedilatildeo e transmissatildeo de energia eleacutetrica
DisponiacutevellthttpwwwfurnascombrfrmEMQuemSomosgt Acesso em 10102015
157
Nesta mesma acepccedilatildeo quando comparado com os assentamentos rurais
pesquisados em Vila Rica- MT um dos agricultores familiares entrevistado disse
[] A questatildeo da energia melhorou as condiccedilotildees de vida nos
assentamentos assim no sentido de possibilitar a compra de
uma televisatildeo uma geladeira um freezer um aparelho de som
Agora eacute o que eu sempre digo o foco do programa natildeo eacute esse
a ideia eacute melhorar as condiccedilotildees de trabalho para aumentar a
produccedilatildeo da Agricultura Familiar natildeo digo que o Programa
Luz Para Todos natildeo era comprar essas coisas de
eletrodomeacutesticos ateacute porque esses eletrodomeacutesticos nos
possibilitam viver com um pouco de conforto isso melhora a
nossa vida tambeacutem Poreacutem o Luz Para Todos visava melhorar
a produccedilatildeo e foi o que muitos assentados compraram
maacutequinas de ralar mandioca bomba da aacutegua para fazer
irrigaccedilatildeo ordenhadeira (maacutequina de tirar leite de vaca)
triturador de raccedilatildeo a proacutepria geladeira e o freezer pois
possibilita armazenar os alimentos confeccionados pelos
agricultores como eacute o caso do queijo linguiccedila polpas de
frutas e tantos outros produtos que estatildeo sendo vendidos na
feira nos mercados e em outros lugares Outro setor que tem
ganhado bastante com a implantaccedilatildeo do Programa Luz Para
Todos eacute aacuterea do comeacutercio e da manutenccedilatildeoconserto de
eletrodomeacutestico (ENTREVISTA com Gilmar agricultor
familiar e secretaacuterio de agricultura do municiacutepio de Vila Rica
realizada pela autora em marccedilo de 2015)
Em conformidade com o relato a implementaccedilatildeo do Programa Luz Para
Todos nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT possui um significado muito aleacutem da
entrada dos agricultores familiares nesse novo modelo de produccedilatildeo social e cultural
facilitando a inclusatildeo desses sujeitos histoacutericos na sociedade da Informaccedilatildeo e da
Comunicaccedilatildeo proporcionada pelos recursos midiaacuteticos
Os efeitos da eletricidade nesses assentamentos refletiu diretamente no
aumento da produtividade na Agricultura Familiar o que poderaacute ser mais um fator de
melhoria da renda das famiacutelias assentadas e ao mesmo tempo possibilitaraacute o
aquecimento da economia local
Ressaltamos ainda que a energia eleacutetrica advinda do Programa Luz Para
Todos produz efeitos positivos para a Educaccedilatildeo do campo possibilitando a ampliaccedilatildeo
dos tempos e modos de organizaccedilatildeo pedagoacutegica das escolas que passaram a ofertar
aulas no periacuteodo noturno sem falar nos artifiacutecios do ensino e da aprendizagem uma vez
fortalecido com a inserccedilatildeo das tecnologias da Informaccedilatildeo e Comunicaccedilatildeo Conforme
relata um dos assentados entrevistado
158
Depois que instalou energia melhorou ateacute pra escola pois
agora os filhos dos assentados estatildeo tendo uma educaccedilatildeo
melhor ateacute o ambiente melhorou pois tem ventilador algumas
escolas tecircm ar condicionado Todas tecircm geladeira freezer
bebedor com aacutegua gelada Assim agora podem ateacute as pessoas
mais velhas que soacute podem estudar no periacuteodo da noite teratildeo
oportunidade de ir pra escola O que eacute complicado em relaccedilatildeo
agrave energia no campo eacute que se a gente natildeo souber controlar o uso
da energia potencializar eletricidade para melhorar a
produtividade e a renda das famiacutelias assentadas chegaraacute o
final do mecircs teratildeo o prejuiacutezo conta de energia para pagar Tem
assentado que possui dificuldade para pagar a conta de energia
todo mecircs Mas por outro lado os assentados que deixavam de
vender seus produtos porque eram pouquinhos ajuda agora
porque com a geladeira o freezer vai fazendo e guardando
hoje congela uma linguiccedila um queijo guardam um doce ovos
E depois traacutes junta tudo e traacutes para vender na cidade No caso
ajudou porque eu mexo com polpas de frutas a minha maior
fonte de renda eacute essa Entatildeo eu vou juntando do meu siacutetio e
compro de outros assentados (ENTREVISTA com Ivanir Galo
assentado e presidente do STR de Vila Rica- MT realizada pela
autora em marccedilo de 2015)
O relato acima chama atenccedilatildeo para o papel que a eletricidade assumiu no
desenvolvimento da economia dos assentamentos rurais de Vila Rica uma vez que ela
possibilitou tambeacutem o armazenamento e conservaccedilatildeo dos produtos de ldquofabricaccedilatildeo
caseirardquo Desse modo o entrevistado reconheceu que alguns assentados encontravam
dificuldade para quitar a conta de energia mas o destaque dado na narrativa eacute para as
possibilidades de ampliaccedilatildeo da renda dos agricultores familiares a partir do uso dos
equipamentos tecnoloacutegicos
462 Arco Verde e a questatildeo ambiental
Em conformidade as anaacutelises apontadas no Capiacutetulo III a questatildeo ambiental
constituiu e constitui ainda um dos gargalos vivenciados nos assentamentos rurais do
municiacutepio de Vila Rica-MT visto o alto iacutendice de degradaccedilatildeo das aacutereas de pastagens
nascentes e vegetaccedilatildeo nativa
Essa situaccedilatildeo eacute causada por diversos fatores No entanto a poliacutetica de incentivo
agrave pecuaacuteria bovina por sua vez tem gerado certa sonolecircncia nas praacuteticas de degradaccedilatildeo
ambiental embora em muitos casos tenha inviabilizado a sustentabilidade da
159
produccedilatildeo deixando o caminho livre ao esvaziamento venda e arrendamento dos lotes
para a produccedilatildeo de soja
Por outro lado as atividades ligadas agrave extraccedilatildeo madeireira pouco contribuiacuteram
para o desenvolvimento econocircmico do municiacutepio Nesse quadro os assentamentos
rurais foram os lugares onde mais foram praticados desmatamentos
Tal situaccedilatildeo nos assentamentos rurais eacute relatada pelo Secretaacuterio Municipal
de Vila Rica-MT o qual afirma terem eles provocado seacuterios problemas ao ponto de
demandar uma accedilatildeo de intervenccedilatildeo por parte Poder Puacuteblico atraveacutes de uma integraccedilatildeo
entre oacutergatildeos dos Governos Federal Estadual e Municipal que se viram obrigados a
tomar medidas de puniccedilatildeo entre outras
[] Os municiacutepios que foram enquadrados na eacutepoca na
verdade eles entraram no Arco de Fogo Os municiacutepios que
mais desmatavam na microrregiatildeo norte Araguaia eram Vila
Rica-MT Querecircncia e Satildeo Feacutelix esses municiacutepios tiveram ser
punidos (pelo Governo Federal) deixando de receber recursos
que eram liberados antes como eacute o caso do Pronaf e outros
recursos foram bloqueados entatildeo houve um bloqueio de
recurso pra esses municiacutepios soacute que aiacute em vez de resolver o
problema veio trazer mais problema porque gerou um caos
sem os recursos como que os assentados iam trabalhar para
produzir o sustento das suas famiacutelias [] aiacute foi criado um
Programa chamado Arco Verde que era para trabalhar mais a
questatildeo de recuperar parte dos prejuiacutezos causados a natureza
onde cada municiacutepio assumiu uma agenda de compromisso
juntamente com os trecircs entes federal estadual e municipal
todos os segmentos assumiram a sua responsabilidade e o
municiacutepio (ENTREVISTA com Gilmar agricultor familiar e
secretaacuterio municipal de agricultura de Vila Rica-MT realizada
pela autora em marccedilo de 2015)
Segundo informaccedilotildees disponibilizadas pelo Secretaacuterio Municipal de
Agricultura e pelo presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT-
MT vaacuterios municiacutepios do estado de Mato Grosso foram convocados para desenvolver
accedilotildees com o objetivo de combater o alto iacutendice de queimada e desmatamento atraveacutes
do Programa do Governo Federal Arco de Foco No caso do Araguaia os municiacutepios
que foram enquadrados na eacutepoca foram Vila Rica-MT Querecircncia e Satildeo Feacutelix do
Araguaia Esses municiacutepios tiveram suspensos alguns dos recursos do Governo Federal
os quais foram bloqueados entre outras linhas de creacutedito do Pronaf - Programa de
Apoio agrave Agricultura Familiar
160
O secretaacuterio municipal de agricultura do municiacutepio de Vila Rica-MT alertou
em seu relato para a questatildeo das queimadas e do compromisso de desmatamento zero
assumido pelo municiacutepio
[] e o municiacutepio de Vila Rica-MT assumiu a responsabilidade
de desmatamento zero poreacutem dentro dos assentamentos eacute
loacutegico diminuiu 95 mas agente enfrentou e ainda enfrenta
alguns problemas com desmatamento dentro dos
assentamentos mas aiacute jaacute natildeo eacute falta de informaccedilatildeo porque
informaccedilatildeo sempre tem o problema eacute que alguns produtores
acham que por ser uma aacuterea do governo federal ele natildeo seraacute
penalizado punido e multado por ser assentado e por isso
teimam Mas com a questatildeo do CAR e do Geo que o tiacutetulo seraacute
perante o laudo todos teratildeo que recuperar soacute que com esse
novo Coacutedigo Florestal ele amenizou isso bastante os
produtores que tecircm ateacute quatro moacutedulos fiscais satildeo a maioria
aqui na Vila Rica-MT os que tecircm a propriedade muito pequena
natildeo precisam de reservas legais desde que aacuterea jaacute esteja
consolidada jaacute aberta e tudo mais ateacute Julho de 2008 entatildeo
daiacute pra frente quem desmatou vai ser descoberto atraveacutes de
uma imagem sateacutelite eles seraacute identificado entatildeo eacute assim eles
natildeo foram penalizados ainda mas seratildeo (ENTREVISTA com
Gilmar agricultor familiar e secretaacuterio municipal de agricultura
de Vila Rica-MT realizada pela autora em marccedilo de 2015)
Diante do bloqueio dos recursos o Poder Puacuteblico sobretudo o municipal
bem como o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT tiveram que
desenvolver accedilotildees que mobilizassem os assentados para que atuassem no sentido de
erradicar as derrubadas e queimadas em Vila Rica-MT
Como o Programa Arco de Fogo natildeo obteve ecircxito foi criado outro programa
denominado Arco Verde o qual visava a intensificaccedilatildeo dos trabalhos voltados mais
para a questatildeo da recuperaccedilatildeo de parte dos prejuiacutezos causados agrave natureza Cada
municiacutepio assumiu uma agenda de compromisso responsabilizando-se juntamente com
o ente federal e estadual onde iriam atuar para erradicar as praacuteticas de queimadas nas
aacutereas de assentamentos rurais
463 Programa Balde Cheio
Quando o Programa denominado como ldquoBalde Cheiordquo foi implantado em
Mato Grosso houve a alegaccedilatildeo de que ele gerara resultados positivos em 12 Estados do
161
Brasil Este programa resultou de pesquisas desenvolvidas pela Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuaacuteria Embrapa
Em Mato Grosso o projeto foi integrado ao Programa Estadual da Cadeia do
Leite considerando que o objetivo do Estado era aumentar a produccedilatildeo de leite nas aacutereas
de assentamentos rurais
[] Mato Grosso possui 150 mil pequenos proprietaacuterios a
maioria dedicando-se ao leite A meta eacute aumentar a produccedilatildeo
mato-grossense dos atuais 16 milhatildeo de litros diaacuterios para
cinco milhotildees de litros por dia Fernando Lamas ressalta que
esse aumento seraacute alcanccedilado por meio do aumento de
produtividade ldquosem expansatildeo de aacutereas e sem derrubar uma soacute
aacutervorerdquo
[] O trabalho das duas unidades da Embrapa contaraacute com a
parceria do Ministeacuterio da Agricultura Pecuaacuteria e
Abastecimento (Mapa) e do Governo de Mato Grosso que
arcaratildeo com a maior parte dos custos [] (EMBRAPA 2015
p 1)31
Segundo informaccedilotildees disponibilizadas no portal da Secretaria de Estado de
Agricultura de Mato Grosso participaram do processo de execuccedilatildeo do Programa a
Empresa Mato-Grossense de Pesquisa Assistecircncia e Extensatildeo Rural ndash Empaer o
Instituto de Defesa Agropecuaacuteria - Indea as prefeituras e as empresas em sistema de
cooperativa dos municiacutepios que aderiram ao Projeto Balde Cheio
Esse conjunto de teacutecnicas eacute complementado com o uso de
planilhas de controle zooteacutecnico e econocircmico a utilizaccedilatildeo de
um quadro dinacircmico de controle reprodutivo de higiene e de
qualidade do leite a identificaccedilatildeo dos animais a melhoria no
padratildeo geneacutetico do rebanho a anotaccedilatildeo de dados climaacuteticos
(chuva e temperatura maacutexima e miacutenima) e a aplicaccedilatildeo de
praacuteticas associativistas Aleacutem disso o uso de instrumentos de
controle gerencial tais como planilhas de controle e de anaacutelise
de custo de produccedilatildeo e de controle zooteacutecnico tem
possibilitado tornar rentaacutevel a atividade leiteira nas pequenas
propriedades familiares e consequentemente transformaacute-las em
atividade fixadora do homem no campo (EMBRAPA 2015 p
1)
Conforme Borges Guedes Ceacutezareb e Assis (2015 p 1) o Projeto Balde
Cheio serviria como motivaccedilatildeo para os agricultores familiares aumentar a produccedilatildeo de
leite nos assentamentos jaacute que a tecnologia embutida no projeto articulava as teacutecnicas
31 Disponiacutevel em lthttptererecpaoembrapabrportalnoticiasvisualizaphpid=307gt Acesso em
15042015
162
de produccedilatildeo extensivas com a conservaccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da fertilidade do solo a partir
do uso de fertilizantes orgacircnicos e manejo intensivo de pastagens tropicais adubadas
Durante a temporada da seca (veratildeo) as aacutereas de passagens satildeo melhoradas
atraveacutes de irrigaccedilatildeo manejo rotacional e do uso de cana-de-accediluacutecar integrada com ureacuteia
assim como a realizaccedilatildeo de exames de tuberculose no gado
No caso de Vila Rica-MT o Projeto Balde Cheio foi implantado pela a
Secretaria Municipal de Agricultura em parceria com o INCRA a Empaer e de outras
entidades como o Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Rural Senar Serviccedilo Brasileiro
de Apoio agrave Micro e Pequena Empresa (Sebrae) e Serviccedilo Nacional de Aprendizagem
Industrial (Senai) O Senar o Sebrae e o Senai que atuaram ministrando cursos no
processo de formaccedilatildeo dos assentados
Segundo o diagnoacutestico produzido pela a Empaer (2009 p 60)
[] na produccedilatildeo houve uma grade melhoria no gado leiteiro
quantidade e qualidade do leite assim se tornou o ponto forte
do assentamento fazendo a entrega no resfriador dentro do
assentamento que eacute vendido para o uacutenico laticiacutenio do
municiacutepio Essa produccedilatildeo cresceu graccedilas ao efeito do Projeto
Balde Cheio
Os dados do diagnoacutestico revelaram um melhoramento da produtividade e na
qualidade do leite produzido
464 Os Programas de Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional e Teacutecnica do
assentado
Pensar sobre o papel das poliacuteticas puacuteblicas nos assentamentos rurais nos
remete para uma reflexatildeo a respeito do papel da Educaccedilatildeo do Campo uma vez que na
luta pela terra requer tambeacutem a necessidade da escola Natildeo basta apenas que os
agricultores familiares tenham conquistado a terra para morar e produzir Faz-se
indispensaacutevel ter uma escola para que os seus filhos possam estudar sem precisar sair
do campo
Por estar inserida na pauta de lutas dos movimentos sociais que demandam a
Reforma Agraacuteria a Educaccedilatildeo do Campo no Brasil vem cada vez mais ganhando
consistecircncia e visibilidade na agenda das autoridades poliacuteticas acadecircmicas e nos
diversos segmentos do sistema educacional constituindo-se importante enquanto
poliacutetica puacuteblica para fortalecer os assentamentos rurais
163
Segundo Casali (2004) as discussotildees em torno da Educaccedilatildeo do Campo tecircm
sido direcionadas aos problemas de infraestrutura como construccedilatildeo de escolas
transporte escolar formaccedilatildeo de professores entre outras questotildees que tecircm provocado
um intenso debate entre os gestores puacuteblicos e os movimentos sociais vinculados aos
modos de vida no campo
O autor supramencionado afirma que para os movimentos sociais a estrutura
fiacutesica natildeo eacute o uacutenico problema da escola do campo A questatildeo eacute mais complexa quando
levados em consideraccedilatildeo os aspectos poliacuteticos e culturais do ensino e da aprendizagem
escolar bem como as especificidades de vida e os modos de organizaccedilatildeo social e
educacional para a populaccedilatildeo do campo
A primeira Conferecircncia Nacional intitulada ldquoPor Uma Educaccedilatildeo Baacutesica do
Campordquo realizada no periacuteodo de 27 a 31 de julho de 1998 na cidade de Luziacircnia
estado de Goiaacutes foi um marco importante para as lutas sociais do campo sendo que a
partir dela constituiacuteram-se alguns princiacutepios baacutesicos que fundamentaram a luta por
escolas do campo Segundo Caldart (2003 p 60)32
satildeo trecircs princiacutepios
[] 1 O campo no Brasil estaacute em movimento Haacute tensotildees lutas
sociais organizaccedilotildees e movimentos de trabalhadores e
trabalhadoras da terra que estatildeo mudando o jeito da sociedade
olhar para o campo e seus sujeitos
2 A Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo estaacute sendo produzida neste
movimento nesta dinacircmica social que eacute tambeacutem um
movimento sociocultural de humanizaccedilatildeo das pessoas que dele
participam
3 Existe uma nova praacutetica de Escola que estaacute sendo gestada
neste movimento Nossa sensibilidade de educadores jaacute nos
permitiu perceber que existe algo diferente e que pode ser uma
alternativa em nosso horizonte de trabalhador da educaccedilatildeo de
ser humano
Assim agrave luz dessa concepccedilatildeo pode-se dizer que a emergecircncia assinalada para
a complexidade da Educaccedilatildeo Campo perpassa pela construccedilatildeo de um projeto poliacutetico-
pedagoacutegico que contemple as matrizes culturais sociais e histoacutericas das populaccedilotildees do
campo
Nessa mesma perspectiva compreendemos a dimensatildeo do papel e significado
que os agricultores familiares atribuem agrave Educaccedilatildeo do Campo para o fortalecimento dos
32 Disponiacutevel em lthttpwwwiaufrrjbrppgeaconteudoconteudo-2009-1Educacao-
II3SFA_ESCOLA_DO_CAMPO_EM_MOVIMENTOpdf gt Acesso em 10052015
164
assentamentos rurais de Vila Rica-MT o que pode ser ilustrado a partir da trajetoacuteria de
vida do senhor Ademar que eacute filho de um dos primeiros colonos que migraram para
Vila Rica-MT na deacutecada de 1980 em busca de melhores condiccedilotildees hoje professor
efetivo pela Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo de Vila Rica-MT
[] Olha eacute muito incriacutevel Eu nasci na roccedila estudei na roccedila
me formei morando na roccedila (porque eu jaacute sou formado como
pedagogo) Estudei Pedagogia em moacutedulo nunca precisei
mudar da roccedila e nem tive vontade tipo assim pra ir para uma
faculdade estudar de tempo integral na cidade porque o meu
projeto de vida foi sempre morar na roccedila Hoje faccedilo poacutes-
graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo do Campo E desde quando comecei
na escolinha multisseriada eu jaacute lutava por educaccedilatildeo na roccedila
Fiz parte da nucleaccedilatildeo do processo de nucleaccedilatildeo de escola no
Aracati na eacutepoca Ajudei alavancar a discussatildeo e a criaccedilatildeo
das turmas de 5ordf seacuterie na zona rural de Vila Rica-MT porque a
gente natildeo tinha oferta pois atendiacuteamos ateacute a quarta seacuterie e
como percebemos que chegavam muitos alunos em niacutevel de
estudar a 5ordf e a 6 ordf seacuterie (ENTREVISTA com Ademar
professor e agricultor familiar do assentamento Satildeo Joseacute Vila
Rica-MT 2015 realizada pela autora em setembro de 2015)
Talvez diferentemente de outros relatos de professores das escolas do
campo Ademar nos revela uma trajetoacuteria de vida marcada pelo ideal de estudar e de se
formar sem precisar sair do campo Ele faz do ideal de vida a constante luta pela
permanecircncia no campo luta por escola e pela ampliaccedilatildeo dos estudos de outros
assentados
Ele nos leva a uma reflexatildeo sobre a Educaccedilatildeo do Campo constituiacuteda a
partir da leitura do refratildeo da muacutesica do cantor e compositor Gilvan ldquoNatildeo Vou Sair do
Campordquo a qual se parece como uma bandeira de luta do Movimento Nacional por uma
Educaccedilatildeo do Campo como ldquo[] natildeo vou sair do campo pra poder ir para a escola
Educaccedilatildeo do Campo eacute direito e natildeo esmolardquo
Ao relembrar a sua trajetoacuteria como professor Ademar nos mostra que a
concepccedilatildeo e a funccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo satildeo construccedilotildees socioculturais Quando
faz uma reavaliaccedilatildeo das accedilotildees dos professores pais alunos e gestores na conduccedilatildeo das
poliacuteticas puacuteblicas ele reconhece que o processo de nucleaccedilatildeo das ldquoescolinhasrdquo pouco
contribuiu para a melhoria da educaccedilatildeo no municiacutepio e tampouco para fortalecer os
assentamentos rurais de Vila Rica-MT Nesse sentido prossegue
165
A partir daiacute comeccedilou em todo o municiacutepio exemplo Cachangaacute
e nos assentamentos Soacute que a partir daiacute a gente comeccedilou a
observar os efeitos da nucleaccedilatildeo Vimos que depois que fecha a
escolinha que fica perto das propriedades ou seja aquela
comunidade fica entristecida e desaminada para continuar
morando no assentamento Aos poucos vai se acabando o
viacutenculo de comunidade e eacute assim que comeccedila o ecircxodo rural
Aqui em Vila Rica-MT a gente sentiu isso a partir da hora que
fechou as escolinhas foi como se saiacutessemos acabando as
comunidades e se comunidade acaba o povo do assentamento
vai se distanciando uns dos outros Pela situaccedilatildeo que vivemos
tenho observado que a escola eacute o espaccedilo de encontro da
comunidade natildeo eacute soacute o espaccedilo de ensinar e aprender os
conteuacutedos escolares a funccedilatildeo eacute para aleacutem disso Voltando agrave
questatildeo da nucleaccedilatildeo lembro que quando sai do assentamento
a escola de laacute tinha uns 150 alunos o Aracati fechou a sua
uacutenica escola e com o tempo possa ser que suma a comunidade
de laacute tambeacutem jaacute que hoje tecircm tatildeo poucas famiacutelias de fato
morando laacute em vista do que era antes Jaacute pensou como
imaginar um assentamento sem uma escola (ENTREVISTA
com Ademar professor e agricultor familiar do assentamento
Satildeo Joseacute Vila Rica-MT 2015 realizada pela autora em
setembro de 2015)
Com base no relato do professor Ademar eacute possiacutevel identificar de maneira
viva como a escola eacute importante para o assentamento rural uma vez que ela tambeacutem se
constitui enquanto espaccedilo de encontro dos agricultores familiares ocasiatildeo em que
dialogam compartilham se organizam e praticam a socializaccedilatildeo de forma mais intensa
Logo quando o professor fala que ldquonatildeo eacute soacute o espaccedilo de ensinar e aprenderrdquo
percebemos as muacuteltiplas funccedilotildees desse espaccedilo chamado Escola do Campo
Diante disso o fechamento de uma escola dentro do assentamento rural tem
significados negativos uma vez que envolve a privaccedilatildeo de oportunidades e qualidade de
vida dos alunos e pais que dependem do transporte escolar para se deslocarem para uma
escola distante Aleacutem disso significa o fechamento de um posto de trabalho do
professor que seraacute igualmente removido Significa ainda desmotivaccedilatildeo para a
comunidade do assentamento rural ao ver perdido um espaccedilo de socializaccedilatildeo e uma
instituiccedilatildeo que representa oportunidade de melhoria de vida para seus moradores
No Brasil historicamente as nucleaccedilotildees das escolinhas satildeo realizadas pelos
gestores da educaccedilatildeo sem levar em conta os interesses e ideais dos pais e dos alunos
sob o discurso que vai melhorar a qualidade do ensino eliminando as turmas muacuteltiplas
(seacuteries fases anos e ciclo)
166
Essa situaccedilatildeo mostra a perda do sentimento de pertencimento entre a escola e
a comunidade distanciando os pais das accedilotildees escolares sem falar da falta de motivaccedilatildeo
por parte dos alunos para com os estudos jaacute que a escola distante das casas aumenta o
percurso para os estudantes
Do relato do professor Ademar destacamos que os sujeitos histoacutericos do
campo exercem um papel importante na conduccedilatildeo das Poliacuteticas Puacuteblicas voltadas agraves
necessidade das populaccedilotildees dos assentamentos rurais A luta eacute permanente pela
universalizaccedilatildeo da educaccedilatildeo como argumenta o mesmo entrevistado
Eu defendo que a escola que serve para os Agricultores
Familiares eacute aquela que fica dentro do assentamento Acredito
que um projeto de assentamento forte eacute aquele que tem uma
escola pensada e construiacuteda em conjunto com aquele povo que
vive ali Agraves vezes fico bastante incomodado com a conduccedilatildeo
que se tem dado para a Educaccedilatildeo do Campo Eacute como se as
poliacuteticas natildeo estivessem sendo executadas no sentido de
melhorar o ensino e a formaccedilatildeo dos jovens no campo Penso
que a gente precisa se preocupar mais com o futuro dos jovens
que vivem nos assentamento A escola e noacutes professores
precisamos trabalhar essas questotildees de forma que surta um
efeito positivo no sentido de motivar os jovens a continuar
morando nos assentamentos Para isso precisamos avanccedilar em
algumas poliacuteticas Vejo que deveremos ser mais incisivos para
que o Estado faccedila a oferta do Meacutedio Teacutecnico integrado e que
essa oferta seja a partir de um curriacuteculo voltado para as
necessidade e particularidades das pessoas que dependem dos
assentamentos rurais como meio de sobrevivecircncia e geraccedilatildeo de
renda (ENTREVISTA com Ademar professor e agricultor
familiar do assentamento Satildeo Joseacute Vila Rica-MT 2015
realizada pela autora em setembro de 2015)
O relato do professor Ademar tambeacutem chama atenccedilatildeo pelo desabafo quanto agrave
forma como estaacute sendo realizada a Educaccedilatildeo do Campo em Vila Rica-MT ldquo[] eacute como
se as poliacuteticas natildeo estivessem sendo executadas no sentido de melhorar o ensino e a
formaccedilatildeo dos jovens no campo Penso que a gente precisa se preocupar mais com o
futuro dos jovens que vivem nos assentamentos []rdquo (ENTREVISTA com Ademar
professor e agricultor familiar do assentamento Satildeo Joseacute Vila Rica-MT 2015 realizada
pela autora em setembro de 2015)
A educaccedilatildeo por si soacute natildeo assegura a permanecircncia dos agricultores familiares
na terra poreacutem quando integrada ao projeto de desenvolvimento do assentamento
tornaraacute o seu fortalecimento possiacutevel
167
Os projetos pedagoacutegicos das escolas do campo devem contemplar as matrizes
culturais do homem do campo considerando a construccedilatildeo a partir da memoacuteria coletiva e
da histoacuterica da comunidade dada por meio da oralidade buscando assim reconstruir e
conservar a cultura da populaccedilatildeo que vive no campo de forma a fazer uma educaccedilatildeo em
prol da cidadania O relato de Ademar traz ainda os princiacutepios que o curriacuteculo da escola
do campo deveria seguir
O curriacuteculo deve contemplar questotildees como agroecologia a
pecuaacuteria de leite a produccedilatildeo orgacircnica Precisamos formar
uma nova consciecircncia entre os jovens visando que estes
passem a enxergar o potencial da Agricultura Familiar Eu sei
disso e penso que vocecirc tambeacutem ateacute porque existem pesquisas
que jaacute comprovaram isso que eu estou lhe falando Eacute o campo
quem sustenta a cidade e natildeo o contraacuterio Se houver falta de
produccedilatildeo nos assentamentos rurais aqui em Vila Rica-MT logo
a cidade sofreraacute um impacto imediatamente As poliacuteticas
puacuteblicas existentes para a populaccedilatildeo rural devem ser de fato
destinadas agrave melhoria das condiccedilotildees de vida eacute para promover
qualidade de vida das pessoas que estatildeo no campo
(ENTREVISTA com Ademar professor e agricultor familiar do
assentamento Satildeo Joseacute Vila Rica-MT 2015 realizada pela
autora em setembro de 2015)
Nessa perspectiva educativa apresentada pelo professor Ademar afirmamos
que eacute um dos principais desafios para a Educaccedilatildeo do Campo consolidar concepccedilotildees e
praacuteticas nos curriacuteculos que integrem as matrizes culturais das populaccedilotildees do campo
O desafio natildeo estaacute restrito apenas agrave parte obrigatoacuteria da Educaccedilatildeo Baacutesica
mas tambeacutem as etapas do Ensino Meacutedio assim como Superior
465 Programa Nacional de Sauacutede no Campo
No Brasil os Programas de Sauacutede Puacuteblica direcionados para a populaccedilatildeo
rural satildeo decorrentes das reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais do campo No entanto
quando se debruccedila sobre a literatura nos deparamos com a escassez de pesquisas
voltadas para essa questatildeo sobretudo no que se refere agrave sauacutede nos assentamentos rurais
O foco da pesquisa natildeo eacute a poliacutetica puacuteblica de sauacutede em si mas os efeitos
dela na melhoria da qualidade de vida dos agricultores familiares A Sauacutede Puacuteblica eacute um
dos componentes da bandeira de luta dos movimentos sociais do campo assegurando
que a mesma seja constituiacuteda a partir das especificidades que envolvem os modos e
168
concepccedilotildees do povo do campo A poliacutetica de sauacutede deve levar em consideraccedilatildeo os
saberes tradicionais destes sujeitos histoacutericos Este eacute o caso dos que recorrem
constantemente ao uso de plantas medicinais no tratamento de doenccedilas
A partir da Portaria de nordm 2866 de dezembro de 2011 o Ministeacuterio da Sauacutede
(MS) teve como principal funccedilatildeo estabelecer paracircmetros de funcionamento e regulaccedilatildeo
dos serviccedilos de sauacutede para a populaccedilatildeo do campo partindo dos princiacutepios do Sistema
Uacutenico de Sauacutede (SUS) A Poliacutetica Nacional de Sauacutede Integral das Populaccedilotildees do
Campo e da Floresta (PNSIPCF) define que
[] O MINISTRO DE ESTADO DA SAUacuteDE no uso da
atribuiccedilatildeo que lhe confere o inciso II do paraacutegrafo uacutenico do art
87 da Constituiccedilatildeo considerando os princiacutepios do Sistema
Uacutenico de Sauacutede (SUS) especialmente a equidade a
integralidade e a transversalidade e o dever de atendimento das
necessidades e demandas em sauacutede das populaccedilotildees do campo e
da floresta Considerando o Decreto nordm 7508 de 28 de junho de
2011 que regulamenta a Lei nordm 8080 de 19de setembro de
1990 e dispotildee sobre a organizaccedilatildeo do SUS o planejamento da
sauacutede a assistecircncia agrave sauacutede e a articulaccedilatildeo Interfederativa
especialmente o disposto no art 13 que assegura ao usuaacuterio o
acesso universal igualitaacuterio e ordenado agraves accedilotildees e serviccedilos de
sauacutede do SUS Considerando a Portaria GMMS nordm 2460 de 12
de dezembro de 2005 que instituiu o Grupo da Terra no
Ministeacuterio da Sauacutede com o objetivo de elaborar a Poliacutetica
Nacional de Sauacutede Integral das Populaccedilotildees do Campo e da
Floresta aprovada pelo Conselho Nacional de Sauacutede em 1ordm de
agosto de 2008 Considerando a diretriz do Governo Federal de
reduzir as iniquidades por meio da execuccedilatildeo de poliacuteticas de
inclusatildeo social (MS 2013 p 19)
Nos trechos do texto-base da Poliacutetica Nacional de Sauacutede Integral das
Populaccedilotildees do Campo e da Floresta proposto pelo Ministeacuterio da Sauacutede (2013 p 20)
seu principal objetivo eacute o de promover a sauacutede das populaccedilotildees do campo e da floresta a
partir de accedilotildees que partilhem as particularidades no que se refere a gecircnero cor etnia e
orientaccedilatildeo sexual de forma que facilite o acesso aos serviccedilos de sauacutede E com isso
espera-se que seja diminuiacutedo o iacutendice de ldquo[] riscos e agravos agrave sauacutede decorrente dos
processos de trabalho e das tecnologias agriacutecolas e a melhoria dos indicadores e da
qualidade de vidardquo (BRASIL 2013)
O Ministeacuterio da Sauacutede (2013 p 20) definiu os agricultores familiares
enquanto categoria social como uma populaccedilatildeo que vive no campo e se organiza a
partir dos seguintes princiacutepios
169
[] - (a) natildeo deter a qualquer tiacutetulo aacuterea maior do que 4
(quatro) moacutedulos fiscais b) utilizar predominantemente matildeo-
de-obra da proacutepria famiacutelia nas atividades econocircmicas do seu
estabelecimento ou empreendimento c) ter renda familiar
predominantemente originada de atividades econocircmicas
vinculadas ao proacuteprio estabelecimento ou empreendimento)
dirigir seu estabelecimento ou empreendimento com sua
famiacutelia sendo que incluem-se nesta categoria silvicultores
aquicultores extrativistas e pescadores que preencham os
requisitos previstos nos itens b c e d deste inciso
Nota-se que esse Ministeacuterio recorreu agrave definiccedilatildeo de agricultores familiares
instituiacuteda nas diretrizes nacionais do Pronaf em que essa categoria eacute constituiacuteda a partir
de criteacuterios econocircmicos e da dinacircmica de relaccedilotildees de trabalho e do modo de produccedilatildeo
466 Habitaccedilatildeo
Segundo o Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio (2015) o Programa
Nacional de Habitaccedilatildeo Rural (PNHR) consiste em auxiliar os Agricultores Familiares e
trabalhadores rurais na construccedilatildeo de suas casas Inserido dentro do Programa Nacional
de Habitaccedilatildeo (Minha Casa Minha Vida) eacute financiado pelo Orccedilamento Geral da Uniatildeo ndash
OGU As suas accedilotildees devem ser planejadas e executadas As diretrizes e subsiacutedios dos
demais programas do Governo Federal satildeo destinados ao combate agrave pobreza rural
Sobretudo o Programa Cisternas que tem como objetivo a construccedilatildeo de cisternas nas
propriedades rurais as quais satildeo utilizadas para a captaccedilatildeo e armazenamento de aacutegua
oriunda das chuvas
O recurso do PNHR tem como principal finalidade a ldquo[] aquisiccedilatildeo de
Material de construccedilatildeo conclusatildeo ou reformaampliaccedilatildeo de Unidade Habitacional rural
e de cisternas para a captaccedilatildeo e armazenamento da aacutegua da chuva []rdquo (BRASIL 2010
p05) em que o alvo satildeo as regiotildees onde as chuvas ocorrem com certa irregularidade e
as secas satildeo recorrentes
Em nota divulgada pela Confederaccedilatildeo Nacional dos trabalhadores na
Agricultura ndash CONTAG e outros movimentos sociais como o Movimento dos
Pequenos Agricultores ndash MPA Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra ndash
MST Movimento dos Atingidos por Barragens ndash MAB Movimento Camponecircs Popular
ndash MCP Federaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar
170
do Brasil ndash Fetraf ndash (BRASIL 2015 p 1)33
asseguram que o Programa Nacional de
Habitaccedilatildeo Rural criado em 2009 eacute resultado da luta dos movimentos do campo em
que o propoacutesito da nota eacute afirmar que
A preservaccedilatildeo deste Programa passa pelo diaacutelogo estabelecido
no interior do GT Rural com todos os sujeitos envolvidos
Governo Agentes Financeiros e Entidades Organizadoras dos
movimentos representativos do campo e eacute confiando nesse
diaacutelogo que repudiamos o que foi evidenciado pelo INCRA na
uacuteltima reuniatildeo do GT Rural no dia 28 de novembro onde foi
explicitada a intenccedilatildeo de repassar (a partir de janeiro de 2014)
mediante Chamada Puacuteblica a possibilidade de entidades
puacuteblicas e privadas executarem o PNHRA maior parte das
casas de alvenaria foi feita com recursos financiados pelo
INCRA atraveacutes do creacutedito habitaccedilatildeo liberado O recurso
liberado do creacutedito habitaccedilatildeo natildeo foi suficiente para realizar a
construccedilatildeo das casas por completo e com acabamento
necessaacuterio Desta forma algumas casas ficaram inacabadas
necessitando de reboco pintura piso e sanitaacuterio
Para os movimentos do campo eacute necessaacuterio que a equipe de Governo as
Agecircncias de Financiamentos e as entidades de representaccedilatildeo dos Movimentos sociais
mantenham um diaacutelogo permanente entre as partes envolvidas no processo para que se
tenha um resultado satisfatoacuterio na execuccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas para os sujeitos
sociais do campo
Justamente por isso existe uma tentativa de evitar que a construccedilatildeo das casas
destinadas agrave populaccedilatildeo do campo seja bdquoprivatizada‟ ou seja concentrada nas matildeos de
uma soacute entidade seja ela puacuteblica ou privada o que tem se mostrado ldquototalmente
repudiadordquo como possibilidade
Apesar disso eacute notaacutevel o quanto essas poliacuteticas puacuteblicas produziram novos
impactos influenciando diretamente no desenvolvimento dos assentamentos rurais de
Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati fornecendo-lhes melhores condiccedilotildees de vida no
que se refere ao acesso agrave sauacutede educaccedilatildeo moradia e infraestrutura
Todavia percebemos que natildeo haacute uma articulaccedilatildeo entre a organizaccedilatildeo e a
construccedilatildeo de um planejamento estrateacutegico baacutesico para implementar poliacuteticas puacuteblicas
33 Disponiacutevel em
lthttpwwwfetraforgbrsistemackfilesPauta20unitaria20HABITACAO20RURALgt
Acesso em 28102015
171
que pudessem ser implementadas em uma accedilatildeo integrada e envolvendo os diferentes
agentes sociais e assim resolver as supostas fragilidades
Natildeo apreendemos indicativos na reflexatildeo dessas poliacuteticas que conduzem para
a melhoria das condiccedilotildees de produccedilatildeo e possibilidades de comercializaccedilatildeo e circulaccedilatildeo
dos produtos da Agricultura Familiar apontados no capiacutetulo trecircs como um dos
principais desafios dos assentamentos rurais pesquisados
Contudo natildeo se pode perder de vista que satildeo as dificuldades vivenciadas
nesses assentamentos que fazem com que os assentados recorram cada vez mais agrave venda
da forccedila de trabalho nas fazendas ou nos demais setores primaacuterios distanciando-se da
condiccedilatildeo de produtores da Agricultura Familiar e tornando-se compradores de produtos
baacutesicos da alimentaccedilatildeo como arroz feijatildeo mandioca e carnes de aves e porcos
172
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Os estudos e as poliacuteticas relacionadas agrave Agricultura Familiar no Brasil
segundo Abramovay (2006) devem levar em consideraccedilatildeo que esta eacute constituiacuteda a
partir de trecircs niacuteveis distintos em primeiro lugar eacute necessaacuterio fazer um levantamento das
produccedilotildees cientiacuteficas e pesquisas que envolvem a ldquoexpectativa intelectualrdquo os quais natildeo
podem perder de vista a existecircncia de uma grande diversidade nas formas de produccedilatildeo
da Agricultura Familiar brasileira Haacute uma demanda de questotildees a serem analisadas e
um mapeamento a ser elaborado frente agrave vasta literatura e pesquisas realizadas sobre a
diversidade do universo da Agricultura Familiar considerando as diferentes
experiecircncias dos sujeitos histoacutericos que a vivenciam Somente a partir dessa postura
intelectual seraacute possiacutevel estabelecer uma estimativa da potencialidade econocircmica dos
assentamentos rurais do Brasil
O segundo niacutevel ao qual se refere Abramovay (2006) seria a implantaccedilatildeo
das poliacuteticas puacuteblicas que se intensificaram a partir da criaccedilatildeo do Pronaf inter-
relacionadas com outras poliacuteticas puacuteblicas e programas sociais que contribuiacuteram para a
eficiecircncia dos assentamentos rurais nesse novo modelo de organizaccedilatildeo social no campo
A partir da deacutecada de 1990 as accedilotildees foram intensificadas com a criaccedilatildeo dos projetos de
assentamentos rurais resultantes do Programa de Reforma Agraacuteria do Governo Federal
Natildeo se pode negar que tanto estas como um conjunto de outras poliacuteticas
tiveram um papel fundamental no processo de geraccedilatildeo de diferentes demandas
Surgiram novas oportunidades de reocupaccedilatildeo das terras e de invenccedilatildeo de novas praacuteticas
para milhares de famiacutelias que estavam totalmente desprovidas de capital e dos meios de
produccedilatildeo para garantir a sua reproduccedilatildeo social enquanto agricultores familiares
Outra questatildeo tratada pelo autor estaacute relacionada ao plano social A
Agricultura Familiar no Brasil corresponde ao processo contiacutenuo de aptidatildeo de
elementos que arrastam os ldquoarranjosrdquo dos movimentos sociais e sindicais que tecircm como
princiacutepio de organizaccedilatildeo a luta pela posse da terra visando a afirmaccedilatildeo em que a
ascensatildeo e o desenvolvimento econocircmico de um determinado territoacuterio dar-se-aacute
somente por meio do fortalecimento e da consolidaccedilatildeo da Agricultura Familiar
Tais questotildees demonstram a importacircncia das poliacuteticas puacuteblicas para a
manutenccedilatildeo a reproduccedilatildeo social e o fortalecimento da Agricultura Familiar destacando
173
que essa forma de produccedilatildeo eacute fundamental para o desenvolvimento regional sobretudo
para o fornecimento de alimentos
A eliminaccedilatildeo da Agricultura Familiar eacute uma preocupaccedilatildeo recorrente entre os
teoacutericos da Questatildeo Agraacuteria Ao analisar o processo de expansatildeo da soja em Mato
Grosso Barrozo (2010 p 45) considera que apesar do Estado se destacar como o
celeiro do Brasil sobretudo na produccedilatildeo e exportaccedilatildeo de gratildeos e algodatildeo ldquo[] para
onde iratildeo os milhares de Agricultores Familiares sem capital sem escolarizaccedilatildeo e sem
qualificaccedilatildeo teacutecnicaprofissional que ainda permanecem no campordquo
Algumas reflexotildees e concepccedilotildees apresentadas por Barrozo (2010) e
Abramovay (2006) subsidiaram as anaacutelises relativas agrave compreensatildeo dos problemas que
perpassam a Questatildeo Agraacuteria atual no Brasil e especificamente nos assentamentos
rurais de Vila Rica-MT e dos seus agricultores familiares Diante desse cenaacuterio analisar
as Poliacuteticas Puacuteblicas oriundas de demandas dos movimentos sociais Sindicatos dos
Trabalhadores Rurais e diferentes agentes histoacutericos tornou-se fundamental para
compreender o universo da Agricultura Familiar no municiacutepio de Vila Rica-MT nas
deacutecadas de 1990 a 2010
Esta pesquisa ajudou-nos compreender que os estudos sobre os assentamentos
rurais devem ser problematizados no sentido de se pensar a complexidade do processo
de sua criaccedilatildeo uma vez que eles natildeo foram instituiacutedos apenas enquanto um ato
administrativo do INCRA criando o assentamento rural e selecionando as famiacutelias que
seriam beneficiadas Os assentamentos rurais de Vila Rica-MT resultaram dos conflitos
e demandas sociais envolvendo diferentes atores histoacutericos que lutaram pelo direito de
acesso agrave terra Dos oito assentamentos rurais de Vila Rica apenas um foi planejado
pelo INCRA Todos os demais resultaram da reocupaccedilatildeo espontacircnea da terra pelos
posseiros
Outra questatildeo que nos chamou atenccedilatildeo na pesquisa foi o processo de
transformaccedilatildeo da situaccedilatildeo de posseiros para a de agricultores familiares lembrando que
agricultor familiar eacute uma categoria social instituiacuteda a partir da criaccedilatildeo do Programa de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) Considera-se agricultores familiares as
famiacutelias que trabalham em atividades rurais que natildeo possuem aacutereas acima de que 4
(quatro) moacutedulos fiscais A maioria utiliza matildeo de obra da proacutepria famiacutelia na produccedilatildeo
174
econocircmica do lote detendo um percentual da renda familiar originada de atividades
econocircmicas do seu estabelecimento ou empreendimento (INCRA 2006)
No caso de Vila Rica vaacuterios dos colonos que compraram terra da
Colonizadora Vila Rica-MT sofreram uma transformaccedilatildeo significativa alguns perderam
essa terra e se tornaram posseiros ao ocupar uma nova aacuterea Muitos colonos perderam a
terra porque natildeo conseguiram pagar a diacutevida com o Banco do Brasil contraiacuteda para
financiar a compra dos lotes e instrumentos utilizados nas atividades agriacutecolas A perda
da terra obrigou tais colonos a trabalhar como assalariados sendo que parte deles
ocupou terras na aacuterea dos assentamentos rurais Bom Jesus e Santo Antocircnio do Beleza
regularizada posteriormente pelo INCRA e seus ocupantes se tornaram agricultores
familiares sobretudo ao acessar o Pronaf
Consideramos importante destacar que os assentamentos rurais do municiacutepio
de Vila Rica-MT revelam-se produtivos e promissores do desenvolvimento regional
assumindo um lugar de destaque na economia local sobretudo no que se refere agrave
produccedilatildeo de leite
No mais destaca-se que os assentamentos rurais de Vila Rica e do Araguaia
Mato-grossense satildeo espaccedilos carentes de outras pesquisas e reflexotildees sobre a
importacircncia da Agricultura Familiar no que diz respeito agrave seguranccedila alimentar da aacuterea e
que natildeo foi foco da presente pesquisa
175
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Iraneide Dorcas Diolina Edileusa Maria Joseacute Ceacutelia Maria Vando Cristiana Aragatildeo
Fabiane Rizzardo Iadne Teodoro Wilson Sirino Socorro Gomes Eliezer e os demais
amigos e colegas de trabalho
- Ao Coletivo do Foacuterum Permanente de Debates da Educaccedilatildeo de Jovens e
Adultos ndash Araguaia - Xingu em especial ldquoagraves minhas irmatildes de coraccedilatildeordquo Ceacutelia Ferreira
Edineth Franccedila e Terezinha de Jesus
- Agrave Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat) atraveacutes do Programa
Parceladas e ao Campus Universitaacuterio do Meacutedio Araguaia por permitir que eu
conciliasse as atividades do mestrado com as atividades profissionais
- Aos acadecircmicos do curso de Ciecircncias Sociais- UNEMAT ldquomeus projetos
de cientistas sociaisrdquo sou eternamente grata pelo carinho e apoio que me
proporcionaram A nossa convivecircncia tornou-me uma pessoa melhor
- Aos meus colegas de trabalho da UNEMAT Luis Antonio Barbosa Soares
Neures Batista de Paula Andreacuteia da Silva Feitosa Faacutebio Junio Ribeiro Faacutebio
Bombarda Analucia Ribeiro de Souza Dimas Santana Neves Flaacutevio Luiz de Paula
Jackson Joseacute Carlos de Lima Renata Cristina Diva e Socorro Arauacutejo
- Aos meus familiares (Laura Beatriz Joatildeo Pedro Carlos Augusto Vocirc
Raimundo Abratildeo Edival Edith Elcivam Erivaldo Ivone Lourival Irene Carlos
Pitaacutegoras Dayane Gabriela Milena Sara e Eduardo) E a minha famiacutelia estendida
(Nonato Gracy Edson Flaacutevio Cida Elena Brizola Denilson Lucia Helena e Tunico)
pelo carinho e a solidariedade dedicada aos meus filhos
Aos Agricultores Familiares dos assentamentos rurais (Bom Jesus Satildeo Joseacute
Satildeo Gabriel Ipecirc Itaporatilde do Norte Alvorada Aracati e Santo Antocircnio do Beleza) e aos
movimentos sociais de luta pela terra no Araguaia mato-grossense em especial ao
Sindicato dos Trabalhadores Rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT
Aos meus filhos Laura Beatriz Lima Joatildeo Pedro Lima Bailatildeo e Carlos
Augusto Lima Bailatildeo
Por onde passei plantei a cerca farpada plantei a queimada
Por onde passei plantei a morte matada
Por onde passei matei a tribo calada a roccedila suada a terra esperada
Por onde passei tendo tudo em lei eu plantei o nada
(Pedro Casaldaacuteliga- Confissotildees do latifuacutendio 2006)
RESUMO
Este texto tem como propoacutesito apresentar algumas reflexotildees sobre a formaccedilatildeo dos
assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT atraveacutes da luta pela terra na deacutecada
de 1990 e as posteriores transformaccedilotildees e a na consolidaccedilatildeo da Agricultura Familiar
correlacionada com Poliacuteticas Puacuteblicas como o Pronaf Mas para atingir esse objetivo
foi necessaacuterio analisar como a luta pela terra se deu em todo o espaccedilo do Araguaia
mato-grossense fronteira de expansatildeo nas deacutecadas de 1950 em duas frentes a primeira
foi realizada por empresas colonizadoras que elaboraram projetos e executaram a
construccedilatildeo de cidades e venda das terras dos municiacutepios de Confresa e Vila Rica a
segunda atraveacutes de empresas agropecuaacuterias que se apropriaram de terras e tiveram
acesso agrave incentivos fiscais e recursos de projetos junto agrave Sudam Logo para
compreender como ocorreu a formaccedilatildeo dos assentamentos rurais de Vila Rica-MT foi
preciso analisar a formaccedilatildeo de fazendas e empresas agropecuaacuterias que apoacutes o fim dos
incentivos fiscais se tornaram improdutivas e que seus ldquoproprietaacuteriosrdquo criaram
estrateacutegias de comercializar as terras junto ao INCRA utilizando para isso a forma de
desapropriaccedilatildeo para a formaccedilatildeo de assentamentos rurais Paralelamente os posseiros
em meio agrave luta pela terra adotaram estrateacutegias de reocupaccedilatildeo dessas aacutereas para depois
solicitar junto ao oacutergatildeo competente a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria dos lotes conquistados
Dentro dessa configuraccedilatildeo social o municiacutepio de Vila Rica-MT formou em seu
territoacuterio oito assentamentos rurais dos quais quatro (Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Aracaty e
Ipecirc) tiveram uma anaacutelise mais aprofundada a partir de dados quantitativos coletados
pela Empaer que demonstram algumas tendecircncias sobre as condiccedilotildees de vida renda
produccedilatildeo comercializaccedilatildeo dentre esses posseiros que com a regularizaccedilatildeo da terra e o
acesso ao Pronaf se tornaram agricultores familiares e responsaacuteveis por uma
significativa produccedilatildeo de leite e gado de corte na aacuterea Para compreender toda essa
complexa transformaccedilatildeo foi utilizada fontes documentais e orais que forneceram
elementos para uma anaacutelise sobre esse processo
Palavras-chave Histoacuteria Agricultura Familiar Mato Grosso Vila Rica Araguaia
RESUMEN
Este texto tiene como objetivo presentar un ejercicio de reflexioacuten sobre la formacioacuten de
los Asentamientos Rurales de Vila Rica-MT Estas reflexiones se derivan de una
investigacioacuten en curso denominado reocupacioacuten de tierras en el periacuteodo
contemporaacuteneo en el norte de Araguaia micro-regioacuten en el estado de Mato Grosso
Esta investigacioacuten tuvo como objetivo comprender el proceso de formacioacuten de los
Asentamientos Rurales en el municipio de Vila Rica-MT en el periacuteodo de 1980 a 2015
Habiacutea estudiado la historia de los asentamientos rurales de Vila Rica tambieacuten significa
la comprensioacuten de la historicidad de la lucha por el proceso de la tierra en el estado de
Mato Grosso ya que esta ciudad (Vila Rica) no surge espontaacuteneamente Nacido en un
contexto se produjeron en la regioacuten de Araguaia a la altura del proceso de reocupacioacuten
dos frentes los proyectos agriacutecolas financiados proyectos Sudam y colonizacioacuten
privada lo que dio lugar a la formacioacuten de otros municipios asiacute como Vila Rica como
Confresa Agua Boa y Canarana En este periacuteodo el norte del estado de Mato Grosso
convertido en el objetivo de la inversioacuten de los grupos empresariales del sur y sureste
del paiacutes el estado transferido al sector privado a la funcioacuten para reordenar la nueva
ocupacioacuten de estos espacios A partir de los datos recogidos construir un marco que
permita la identificacioacuten de las diferentes formas de ocupacioacuten y la reocupacioacuten de la
tierra asiacute como los tipos de uso y disentildeo de la funcioacuten de los asentamientos rurales en la
regioacuten de Araguaia Establecer una relacioacuten de este evento con las otras regiones del
estado en relacioacuten con las poliacuteticas de tenencia de la tierra en la ocupacioacuten previa a la
solucioacuten y la presencia de proyectos agriacutecolas la colonizacioacuten privada y asentamientos
rurales El municipio de Vila Rica comenzoacute con los proyectos agriacutecolas luego se
transformoacute en proyecto de colonizacioacuten privada y finalmente creoacute 08 asentamientos
rurales Estos objetivos se exponen en las cadenas de produccioacuten de la regioacuten de los
impactos de las poliacuteticas puacuteblicas implementadas en las deacutecadas 1990-2000 Se hace
hincapieacute en que esta investigacioacuten tambieacuten busca identificar la influencia del Programa
de Fortalecimiento de la Agricultura Familiar (Pronaf) en el desarrollo de los
asentamientos rurales de Villa Rica
Palabras clave Historia reocupacioacuten de tierras en Araguaia Vila Rica-MT
Asentamientos Rurales
LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES
Figura 01 - Mapa de Propaganda da Colonizadora Vila Rica 34
Figura 02 - Folder de propaganda da Colonizadora Vila Rica 38
Figura 03 - Planta ou Protejo Urbaniacutestico da cidade de Vila Rica 40
Figura 04 - Croqui de localizaccedilatildeo das fazendas 53
Figura 05 - Carta do Sindicato dos Trabalhadores de Vila Rica ao INCRA (1990) 69
Figura 06 - Carta da Alemanha 83
Figura 07 - Documento de denuacutencia de ameaccedila de morte de posseiro 86
Figura 08 - Fotografias dos Teacutecnicos da Empaer em visita aos assentamentos rurais 98
Figura 09 - Fotografias da Apresentaccedilatildeo do Programa de Ates 98
Figura 10 - Fotografias de corpos d‟aacutegua e mata ciliar 131
Figura 11- Fotografias das aacutereas de pastagens nos Assentamentos Rurais 132
Figura 12 - Fotografias das Estradas dos Assentamentos Rurais 134
Figura 13 - Croqui do Assentamento Rural Satildeo Joseacute 134
Figura 14 - Croqui do Assentamento Rural Satildeo Gabriel 135
Figura 15 - Croqui do Assentamento Rural Ipecirc 135
Figura 16 - Croqui Assentamento Rural Aracat 136
Figura 17 - Graacutefico com dados da evoluccedilatildeo dos creacuteditos Pronaf 152
Figura 18 - Graacutefico com dados da distribuiccedilatildeo dos creacuteditos Pronaf 152
LISTA DE TABELA
Tabela 1 assentamentos rurais de Vila Rica-MT 66
Tabela 2 Produtos que satildeo destinados a Alimentaccedilatildeo da Famiacutelia 104
Tabela 3 Faixa etaacuteria dos assentados 105
Tabela 4 Escolaridade dos assentados 106
Tabela 5 Presenccedila de energia eleacutetrica nos assentamentos rurais 108
Tabela 6 Fonte de Aacutegua nos assentamentos rurais 109
Tabela 7 Qualidade da aacutegua nos assentamentos rurais 110
Tabela 8 Frequecircncia da realizaccedilatildeo de exames de sauacutede 111
Tabela 9 Acesso aos serviccedilos de sauacutede 111
Tabela 10 Uso do remeacutedio caseiro 112
Tabela 11 Nuacutemero de assentados que declararam morar no assentamento rural 112
Tabela 12 Percentual de participaccedilatildeo da Renda dos assentados 117
Tabela13 Produccedilatildeo agriacutecola (em Kg) 117
Tabela 14 Assentados que praticam Culturas de Subsistecircncia 118
Tabela 15 Tipo de pecuaacuteria explorada por propriedade (famiacutelias) 118
Tabela 16 Frequecircncia do consumo de proteiacutena animal na alimentaccedilatildeo 119
Tabela 17 Dados de produccedilatildeo de leite por nordm de vacas 119
Tabela 18 Nuacutemero de Famiacutelia e Resfriamento do leite 120
Tabela 19 Comercializaccedilatildeo da Produccedilatildeo dos assentamentos 121
Tabela 20 Associativismo no Aracati Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel e Ipecirc 121
Tabela 21 Tipos de preparo do solo por nordm de famiacutelias 124
Tabela 22 Tipos de sementes cultivadas nos assentamentos rurais 124
Tabela 23 Tipos de plantio cultivados nos assentamentos rurais 125
Tabela 24 Tipo de adubaccedilatildeo do solo realizado pelos assentados por famiacutelia 125
Tabela 25 Conservaccedilatildeo do solo (por nuacutemero de Famiacutelias) 126
Tabela 26 Rotaccedilatildeo de Culturas nos assentamentos rurais 126
Tabela 27 Tipo de combate agraves pragas (por nuacutemero de famiacutelias) 127
Tabela 28 Tipo de lavagem triacuteplice de embalagens vazias de agrotoacutexicos 127
Tabela 29 Destino das embalagens de agrotoacutexicos vazias 128
Tabela 30 Tipo de colheita por famiacutelia 128
Tabela 31 Tipo de armazenamento da produccedilatildeo (por nuacutemero de famiacutelia) 129
Tabela 32 Situaccedilatildeo de degradaccedilatildeo de solo nos assentamentos rurais 129
Tabela 33 Existecircncia de nascentes sem proteccedilatildeo (nuacutemero de propriedades) 130
Tabela 34 Existecircncia de degradaccedilatildeo de matas ciliares 130
Tabela 35 Situaccedilatildeo de degradaccedilatildeo das pastagens (por nuacutemero de propriedade) 131
Tabela 36 Uso de fogo no manejo do solo (por propriedade) 132
Tabela 37 Creacutedito Rural - nordm de Famiacutelia 154
Tabela 38 Finalidade do Creacutedito Rural - nordm de Famiacutelias 155
Tabela 39 Tipo de Pronaf por nuacutemero de Famiacutelias 155
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ATER ndash Assistecircncia Teacutecnica e Extensatildeo Rural
Ates ndash Programa de Assessoria Teacutecnica Social e Ambiental agrave Reforma Agraacuteria
Bndes ndash Banco Nacional de Desenvolvimento
CNA ndash Confederaccedilatildeo Nacional da Agricultura
CNBB ndash Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil
CONAB ndash Campanha Nacional de Abastecimento
CONTAG ndash Confederaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores da Agricultura
CPT ndash Comissatildeo Pastoral da Terra
CUT ndash Central Uacutenica dos trabalhadores
DNT ndash Departamento Nacional dos Trabalhadores da CUT
Embrapa ndash Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuaacuteria
Empaer ndash Empresa Mato-Grossense de Pesquisa e Extensatildeo Rural SA
Febraban - Federaccedilatildeo Brasileira de Bancos
Fetag ndash Federaccedilatildeo dos Trabalhadores na Agricultura
Fetraf ndash Federaccedilatildeo dos Trabalhadores e Trabalhadores na Agricultura Familiar
GESTAR ndash Projeto Nacional de Gestatildeo Ambiental Rural
IBGE ndash Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
INCRA ndash Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria
Indea ndash Instituto de Defesa Agropecuaacuteria de Mato Grosso
IPAM ndash Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazocircnia
MAB ndash Movimento dos Atingidos por Barragens
MCP ndash Movimento Camponecircs Popular
MDA ndash Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio
Mercosul ndash Mercado Comum do Sul
MMA ndash Ministeacuterio do Meio Ambiente
MME ndash Ministeacuterio de Minas e Energia
MPA ndash Movimento dos Pequenos Agricultores
MS ndash Ministeacuterio de Sauacutede
MST ndash Movimentos dos Trabalhadores Sem-Terra
OGU ndash Orccedilamento Geral da Uniatildeo
PA ndash Projeto de Assentamento
PAA ndash Programa Nacional de Aquisiccedilatildeo de Alimentos
Pda ndash Plano de Desenvolvimento de Assentamento Rural
PTDRS ndash Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentaacutevel do Territoacuterio Rural
PNAE ndash Programa Nacional de Alimentaccedilatildeo Escolar
PNHR ndash Programa Nacional de Habitaccedilatildeo Rural
PNSIPCF - Poliacutetica Nacional de Sauacutede Integral das Populaccedilotildees do Campo e da Floresta
Pronaf - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Proterra ndash Programa de Redistribuiccedilatildeo de Terras e de Estiacutemulo agrave Agroinduacutestria do
Norte
Provape ndash Programa de Valorizaccedilatildeo da Pequena Produccedilatildeo Rural
Sebrae ndash Serviccedilo Brasileiro de Apoio o Micro e Pequenas Empresas
Senai ndash Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Industrial
Senar ndash Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Rural
Servap ndash Serviccedilo Auxiliares da Agropecuaacuteria
SNCR ndash Sistema Nacional de Credito Rural
STR ndash Sindicato dos Trabalhadores Rurais
Sudam ndash Superintendecircncia de Desenvolvimento da Amazocircnia
SUS ndash Sistema Uacutenico de Sauacutede
UDR ndash Uniatildeo Democraacutetica Ruralista
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 16
1 A QUESTAtildeO AGRAacuteRIA EM MATO GROSSO HISTOacuteRIA OCUPACcedilAtildeO E
REOCUPACcedilAtildeO DO ARAGUAIA MATO-GROSSENSE 24
11 A reocupaccedilatildeo pelas agropecuaacuterias e empresas colonizadoras Anos de 1960 a 1980
27
12 A criaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica-MT 33
121 O papel das instituiccedilotildees e oacutergatildeo puacuteblicos as empresas agropecuaacuterias e a
colonizadora 49
122 A Servap e a abertura das fazendas Promissatildeo Satildeo Marcos Aracatiacute e Porongaba
52
13 Anos de 1980 a 1990 o Araguaia e a formaccedilatildeo dos assentamentos rurais 55
2 MEMOacuteRIAS DA REOCUPACcedilAtildeO HISTORICIZANDO OS
ASSENTSAMENTOS RURAIS DE VILA RICA-MT (1980-2010) 65
21 A transformaccedilatildeo das fazendas agropecuaacuterias em assentamentos rurais atraveacutes da luta
pela terra 65
22 Os assentamentos rurais de Vila Rica ndash MT 71
221 O Assentamento Rural Satildeo Joseacute 73
222 O Assentamento Rural Ipecirc 79
223 O Assentamento Rural Aracati 82
224 O Assentamento Rural Satildeo Gabriel 84
225 O Assentamento Rural Itaporatilde do Norte 86
226 O Assentamento Rural Bom Jesus 87
227 O Assentamento Rural Santo Antocircnio do Beleza 93
228 O Assentamento Rural Alvorada 94
Consideraccedilotildees gerais sobre os assentamentos de Vila Rica-MT 95
3 SITUACcedilAtildeO SOCIOECONOcircMICA DOS ASSENTAMENTOS SAtildeO JOSEacute SAtildeO
GABRIEL IPEcirc E ARACATI (2006-2010) 97
31 Os assentamentos rurais na perspectiva do Projeto de Assessoria Teacutecnica Social e
Ambiental agrave Reforma Agraacuteria ndash Ates 99
32 O perfil dos assentados gecircnero idade e escolaridade 101
321 Diferenciaccedilatildeo de Gecircneros predominacircncia masculina e papel da mulher 102
322 Perfil etaacuterio indicadores de uma populaccedilatildeo envelhecida 104
323 Perfil de escolaridade dos assentados 106
33 As Condiccedilotildees de vida nos assentamentos rurais luz eleacutetrica aacutegua sauacutede moradia e
infraestrutura 107
331 Energia Eleacutetrica 108
332 Aacutegua 108
333 Sauacutede 110
334 Moradia 112
335 Infraestrutura equipamentos e Tecnologias 113
34 A Produccedilatildeo a renda comercializaccedilatildeo e circulaccedilatildeo da Agricultura Familiar 116
341 A renda nos quatro Projetos de assentamentos rurais de Vila Rica-MT 116
342 Atividades Agriacutecolas a produccedilatildeo econocircmica e a de subsistecircncia 117
343 Pecuaacuteria e criaccedilatildeo de pequenos animais 118
344 Comercializaccedilatildeo e Associativismo 120
35 Teacutecnicas e niacutevel tecnoloacutegico dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e
Aracati 123
351 Teacutecnicas de uso do Solo plantio combate de pragas colheita 124
36 A questatildeo ambiental nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT 129
37 Algumas consideraccedilotildees sobre os impactos de poliacuteticas puacuteblicas nos assentamentos
Satildeo Joseacute satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati 133
4 AS POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS NOS ASSENTAMENTOS SAtildeO JOSEacute SAtildeO
GRABRIEL IPEcirc E ARACATI 139
41 O debate sobre o Pronaf 139
42 O papel dos Movimentos sociais na criaccedilatildeo do Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar na deacutecada de 1990 143
43 O Pronaf e seus objetivos 146
44 O Pronaf no Araguaia mato-grossense 148
45 O Pronaf nos assentamentos Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati 154
46 Outras Poliacuteticas Puacuteblicas nos assentamentos Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati 155
461 Programa Luz para todos 156
462 Arco Verde questatildeo ambiental 158
463 Programa Balde Cheio 160
464 Programas de Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional e Teacutecnica do assentado 162
465 Programa de Sauacutede no Campo 167
466 Programa Nacional de Habitaccedilatildeo 169
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 172
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 175
16
INTRODUCcedilAtildeO
Em tempos diversos muitas foram as razotildees que moveram pesquisadores na
aacuterea da histoacuteria a desenvolver estudos em torno de questotildees fundamentais para
compreensatildeo do homem no tempo e suas formas de organizaccedilatildeo as quais se aproximam
e se distanciam no tocante a suas formas de abranger fenocircmenos que circularam em um
ou outro grupo social este ou aquele projeto de sociedade Em suas entranhas as
relaccedilotildees de forccedilas estabelecidas para sua fundaccedilatildeo consolidaccedilatildeo e transformaccedilatildeo
pendulando do individual ao coletivo do solitaacuterio ao solidaacuterio em uma complexa teia
ancorada em seus atores sociais e respectivos projetos de vida O mundo rural apresenta
diversidades e especificidades que igualmente moveram pesquisas e reflexotildees
historiograacuteficas No entanto tratando-se de assentamentos rurais no periacuteodo poacutes 1964
satildeo poucos os estudos historiograacuteficos que abordam esse tipo de organizaccedilatildeo social e
poliacutetica atraveacutes de estudos de caso
Diante dessa carecircncia historiograacutefica sobre a temaacutetica a presente pesquisa
teve por objetivo principal a compreensatildeo da formaccedilatildeo e o processo de
desenvolvimento dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT A partir
desse estudo foi possiacutevel identificar que a luta pela terra implementada pelos atores
sociais na condiccedilatildeo de colonos posseiros atrelada agrave regularizaccedilatildeo fundiaacuteria e ao acesso
agraves poliacuteticas puacuteblicas como eacute o caso do Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (Pronaf) possibilitou a transformaccedilatildeo dos mesmos em agricultores
familiares
Para tanto foi problematizado o papel e a atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees e oacutergatildeos
puacuteblicos como o Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (INCRA) o
Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio (MDA) o Banco do Brasil (BB) a Empresa
Mato-grossense de Pesquisa e Extensatildeo Rural SA (Empaer) e a Prefeitura Municipal de
Vila Rica aleacutem de movimentos sociais da sociedade civil como o Sindicato dos
Trabalhadores Rurais (STR) de Vila Rica-MT dada a importacircncia do seu envolvimento
Destacamos em particular a Comissatildeo Pastoral da Terra (CPT) a Prelazia de Satildeo Feacutelix
do Araguaia o Sindicato dos Trabalhadores Rurais e as Associaccedilotildees de Pequenos
Produtores Rurais Consideramos que para intensificar a anaacutelise foi necessaacuterio abordar
as accedilotildees e estrateacutegias dos atores sociais envolvidos na luta pela terra especialmente nos
17
momentos de adaptaccedilatildeo ou utilizaccedilatildeo de tais oacutergatildeos e instituiccedilotildees para cumprir seus
objetivos o acesso e a permanecircncia na terra
Natildeo temos a pretensatildeo de esgotar o assunto tampouco construir teses
aligeiradas sobre as comunidades e grupos sociais formados no municiacutepio de Vila Rica-
MT mas sim na trilha da anaacutelise soacutecio-histoacuterica compreender a formaccedilatildeo e o processo
de desenvolvimento dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT
problematizando o papel e a atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees e entidades da sociedade civil
aleacutem dos oacutergatildeos puacuteblicos
Gostariacuteamos de esclarecer que as anaacutelises partem de uma posiccedilatildeo social de
moradora educadora e participante de movimentos sociais do Araguaia O
conhecimento empiacuterico dos problemas locais permitiu a formulaccedilatildeo de questotildees
fundamentadas em aspectos pouco estudados assim como perceber a necessidade de a
populaccedilatildeo formular reflexotildees sobre os assentamentos rurais e a Agricultura Familiar
num contexto onde existe um evidente avanccedilo da agricultura moderna e do agronegoacutecio
Com base em algumas experiecircncias vividas elaboramos questotildees
consideradas como significativas para problematizar as condiccedilotildees e circunstacircncias sob
as quais se deram a formaccedilatildeo e a consolidaccedilatildeo dos assentamentos rurais em Vila Rica-
MT As questotildees norteadoras foram Como ocorreu o processo de formaccedilatildeo dos
assentamentos rurais no municiacutepio de Vila Rica-MT Quais foram as estrateacutegias de
resistecircncia e articulaccedilatildeo utilizadas nas lutas pela terra pelos ldquoposseirosrdquo no processo de
formaccedilatildeo desses assentamentos rurais Como os posseiros se transformaram em
agricultores familiares e qual foi o papel do Pronaf nesse processo Quais satildeo as outras
Poliacuteticas Puacuteblicas adotadas que contribuiacuteram para a permanecircncia desses atores sociais
na terra
A partir dessas questotildees adotamos diferentes procedimentos metodoloacutegicos
tendo por base o uso de fontes escritas imageacuteticas e orais Primeiramente se buscou
fontes que permitissem analisar a atuaccedilatildeo da Associaccedilatildeo Sindical dos Posseiros
(Sindicato dos Trabalhadores Rurais) e da Conferecircncia Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB) via CPT da circunscriccedilatildeo eclesiaacutestica ndash Prelazia de Satildeo Feacutelix do Araguaia os
quais foram fundamentais na intermediaccedilatildeo com os oacutergatildeos puacuteblicos na defesa da vida e
do projeto dos ldquoposseirosrdquo pois aleacutem de fazer frente aos conflitos e ameaccedilas de morte
vivenciada na luta pela terra empreenderam accedilotildees poliacutetica em defesa da proposta de
18
Reforma Agraacuteria Eis a razatildeo pela qual dedicamos esforccedilos no sentido de analisar como
tais entidades articularam mobilizaccedilotildees e empreenderam accedilotildees para que os
trabalhadores rurais pudessem pleitear e conquistar as condiccedilotildees necessaacuterias para a
sobrevivecircncia e o fortalecimento dos assentamentos rurais
Ressaltamos que os contextos e as fontes utilizadas para a construccedilatildeo desta
narrativa histoacuterica pautada no processo de implantaccedilatildeo dos assentamentos rurais satildeo
muacuteltiplas dada a complexidade dos elementos narrativos muitos dos quais satildeo
divergentes e ateacute mesmo contraditoacuterios Tal constataccedilatildeo se deve ao envolvimento de
atores histoacutericos com diferentes concepccedilotildees relativas agrave funccedilatildeo e aos modos de usos da
terra uma vez que os ldquoposseirosrdquo tecircm diferenciaccedilotildees sociais entre si e os objetivos da
posse da terra natildeo satildeo uacutenicos podendo ser tanto o uso da terra para ldquomorar e plantarrdquo
dentro da concepccedilatildeo claacutessica da Conferecircncia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
quanto para apenas morar e criar gado sem produccedilatildeo agriacutecola ou apenas morar e
trabalhar fora da aacuterea da posse Em casos mais extremos o posseiro aluga ou ldquovende o
direitordquo do lote conquistado mas esse fato natildeo pode ser analisado de forma mecacircnica
sem problematizaccedilatildeo nos interessa tambeacutem compreender o que faz com que um
posseiro natildeo permaneccedila na terra
Diante dessa situaccedilatildeo satildeo muacuteltiplas as respostas desde a simples intenccedilatildeo de
comercializaccedilatildeo e especulaccedilatildeo fundiaacuteria como a falta de Poliacuteticas Puacuteblicas e de boas
condiccedilotildees de educaccedilatildeo e qualidade de vida Tais explicaccedilotildees atreladas a outras
motivaccedilotildees resultam num constante esvaziamento da populaccedilatildeo jovem das aacutereas rurais
em busca de educaccedilatildeo trabalho e oportunidades nos centros urbanos Tambeacutem a
populaccedilatildeo envelhecida deixa os assentamentos em busca de assistecircncia na aacuterea de sauacutede
e cuidados oferecidos pela famiacutelia Toda essa situaccedilatildeo complexa explica os elementos
fundamentais para entender a falta de sucessatildeo familiar e o envelhecimento da
populaccedilatildeo rural sobretudo em aacutereas de assentamentos
Tendo em vista a temaacutetica de permanecircncia na terra as entrevistas permitiram
compreender o motivo de os posseiros comercializarem ou natildeo suas terras e de fazer
diferentes usos dela tanto para a agricultura quanto para a pecuaacuteria
Tambeacutem na formaccedilatildeo dos assentamentos rurais diferentes concepccedilotildees
aparecem nas anaacutelises das fontes orais obtidas em entrevistas com os primeiros
moradores e o colonizador de Vila Rica-MT que trouxe a memoacuteria e a narrativa oficial
19
sobre a criaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo do municiacutepio Consideramos como narrativa oficial a
produccedilatildeo de livros panfletos informaccedilotildees de sites da Prefeitura Municipal que em
geral satildeo utilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) Cidades
aleacutem de material publicitaacuterio produzido em datas comemorativas onde satildeo exaltadas as
figuras dos ldquopioneirosrdquo e ldquoempreendedoresrdquo
Por outro lado para ampliar o diaacutelogo obtivemos os relatos orais de
assentados posseiros agricultores familiares e representantes de instituiccedilotildees de
entidades da sociedade civil e dos movimentos sociais os quais foram analisados em
conjunto com a bibliografia sobre a Questatildeo Agraacuteria e reocupaccedilatildeo do Araguaia aleacutem da
utilizaccedilatildeo de fontes escritas e imageacuteticas mas tambeacutem de dados oficiais que nos
possibilitaram a compreensatildeo de maneira ampliada das circunstacircncias de produccedilatildeo
histoacuterica de um grupo social diferenciado das terras do Araguaia
Tecendo a narrativa consideramos que o estudo sobre a formaccedilatildeo dos
assentamentos rurais de Vila Rica-MT pode ser analisado na produccedilatildeo historiograacutefica
de micro-historiadores onde se exige ldquo[] um trabalho de contextualizaccedilatildeo muacuteltipla em
que cada ator histoacuterico participa de maneira proacutexima ou distante de processos ndash e de
niacuteveis variaacuteveis do mais local ao mais globalrdquo conforme Revel (1998 p 28) o qual
rompe com a dicotomia entre a histoacuteria local e a histoacuteria global entendendo que a
experiecircncia de um agente social de um grupo de um espaccedilo particular permite perceber
uma modulaccedilatildeo especiacutefica da histoacuteria global
Nossa narrativa possibilita refletir sobre o ofiacutecio do historiador tomando
como referecircncia a importacircncia dos discursos construiacutedos a partir do objeto em estudo
Sobretudo no que tange aos artifiacutecios utilizados para a produccedilatildeo de anaacutelises das fontes
Escreve Bloch (2002 p 68) ldquo[] uma ciecircncia natildeo se define apenas por seu objeto
Seus limites podem ser fixados tambeacutem pela natureza proacutepria dos seus meacutetodosrdquo
Nesse particular Moraes (2000) e Guimaratildees Neto (2014) alertam sobre a
necessidade de articular as fontes orais com sua competecircncia e habilidade
reorganizando os conceitos que serviratildeo de subsiacutedios agrave construccedilatildeo das anaacutelises a partir
da leitura e do cruzamento com outras tipologias de fontes
Portanto as fontes natildeo satildeo tratadas aqui como mananciais de ldquoverdaderdquo uma
vez que tomadas como fragmentos do acontecimento e enquanto resultado de memoacuterias
e narrativas sujeitas agrave seleccedilatildeo fragmentaccedilatildeo silenciamentos e esquecimentos As
20
concepccedilotildees trazidas por Pollak (1990) e Ricoeur (2007) implicam em serem avaliadas
e inseridas na conjuntura que gera a produccedilatildeo de sentidos e significados para a
historiografia
Ao privilegiar a analise dos excluiacutedos dos marginalizados e das
minorias a histoacuteria oral ressaltou a importacircncia de memoacuterias
subterracircneas que como parte integrante das culturas
minoritaacuterias e dominadas se opotildeem agrave Memoacuteria oficial no
caso a memoacuteria nacional Num primeiro momento essa
abordagem faz da empatia com os grupos dominados estudados
uma regra metodoloacutegica e reabilita a periferia e a
marginalidade [] A memoacuteria entra em disputa Os objetos de
pesquisa satildeo escolhidos de preferecircncia onde existe conflito e
competiccedilatildeo entre memoacuterias concorrentes (POLLAK 1989 p
3)
Com base nessa problematizaccedilatildeo sobre a Histoacuteria Oral e sua opccedilatildeo
metodoloacutegica e poliacutetica natildeo perdemos de vista que essa perspectiva eacute uma oposiccedilatildeo
agravequela produccedilatildeo historiograacutefica sobretudo a partir do Seacuteculo XIX quando se concebeu
a histoacuteria como a ciecircncia que estuda o passado que investiga os acontecimentos
longiacutenquos da contemporaneidade de forma que natildeo haja testemunhas vivas que
tenham vivenciado os acontecimentos Poreacutem a percepccedilatildeo da histoacuteria enquanto a
ciecircncia que ldquoestuda o passado para entender o presenterdquo permaneceu de forma muito
viva no entendimento social tornando problemaacutetica a anaacutelise do tempo presente como
objeto de estudo do historiador sob a oacutetica da historiografia e da proacutepria sociedade
contemporacircnea
Aproximamos nossas reflexotildees da anaacutelise de acontecimentos do presente ou
bem proacuteximas a este por entender que a proximidade natildeo produz quaisquer
impedimentos quanto agraves anaacutelises no acircmbito da ciecircncia histoacuterica Mesmo que essas
questotildees jaacute tenham algumas deacutecadas de discussotildees no Brasil tais estudos ainda satildeo
muito recentes carecendo de definiccedilotildees mais consistentes que possam do ponto de
visto teoacuterico e metodoloacutegico responder algumas perguntas que se apresentam quanto agrave
validade deste marco temporal da historiografia denominada como histoacuteria do tempo
presente
Segundo Guimaratildees Neto (2014 p 35) vaacuterios historiadores apresentam
significados complexos em relaccedilatildeo agrave questatildeo do tempo presente com destaque para
Koselleck (2006) que assegura que esse conceito tem sofrido alteraccedilotildees ao longo do
21
tempo ldquo[] Contrariamente agraves pretensotildees generalizadoras e naturalizaccedilotildees de toda
sorte a denominaccedilatildeo bdquotempo presente‟ nos escapa entre os dedos e eacute de difiacutecil
apreensatildeordquo Tal denominaccedilatildeo se transforma troca de conteuacutedo experimenta novas
formas de ldquoser presenterdquo Agrave luz da interpretaccedilatildeo de Guimaratildees Neto eacute possiacutevel afirmar
que a circulaccedilatildeo entre os novos e os velhos significados produz a ldquoconcreccedilatildeo e a
materializaccedilatildeo de um conceito novordquo (GUIMARAtildeES NETO 2014 p 35)
Todavia somos convidados a problematizar o que seria uma histoacuteria do
tempo presente suas peculiaridades especificidades limites e contribuiccedilotildees Nessa
acepccedilatildeo Guimaratildees Neto (2014 p 37) pondera ainda que
Situados cada vez mais no acircmbito desse debate muitos
historiadores operam com uma concepccedilatildeo de passado que natildeo
se situa ldquofora do presenterdquo na perspectiva pensada por
Koselleck ao afirmar que todas as histoacuterias satildeo histoacuterias do
tempo presente (vistas no presente que se dissolve eou no
presente que condensa) entendendo que isso tambeacutem
significa imprimir uma dimensatildeo mais dilatada agrave histoacuteria do
tempo presente A discussatildeo historiograacutefica que contempla as
interseccedilotildees metodoloacutegicas dessa problemaacutetica natildeo se ateacutem
apenas agrave noccedilatildeo da presenccedila incorporada do futuropassado no
presente Mas remete agrave reflexatildeo acerca das relaccedilotildees que se
estabelecem entre presente e futuro presente e passado e
especialmente ldquocomordquo essas proacuteprias relaccedilotildees se constituem
As relaccedilotildees suscitadas por todo esse conjunto de anaacutelises levam
tambeacutem a debater uma concepccedilatildeo de contemporaneidade
avaliando- a na perspectiva do entrelaccedilamento que se deve
estabelecer entre as dimensotildees sincrocircnica e diacrocircnica do tempo
histoacuterico
Ao tomarmos o vieacutes explicativo de um fenocircmeno presente analisando uma
sociedade viva os processos de organizaccedilatildeo dos assentamentos rurais no municiacutepio de
Vila Rica-MT e as relaccedilotildees estabelecidas com os sindicatos e demais organizaccedilotildees
sociais puacuteblicas e privadas pensamos corroborar com a produccedilatildeo da profissatildeo do
historiador um tempo intercalado de relaccedilotildees passado-presente pautando com os
rigores necessaacuterios na anaacutelise dos documentos histoacutericos como fonte
Em relaccedilatildeo agrave definiccedilatildeo de fonte histoacuterica pontuamos a concepccedilatildeo contida em
Silva amp Silva (2009 p 158)
[] o termo mais claacutessico para conceituar a fonte histoacuterica eacute
documento Palavra no entanto que devido agraves concepccedilotildees da
escola metoacutedica ou positivista estaacute atrelada a uma gama de
22
ideias preconcebidas significando natildeo apenas o registro escrito
mas principalmente o registro oficial
Igualmente afianccedilamos no presente trabalho a busca pela ampliaccedilatildeo das
lentes historiograacuteficas sobre os documentos bem como dos atores sociais visto que natildeo
mais limitado ao citadino mas agora revelando os assentamentos rurais e sua
organizaccedilatildeo condiccedilotildees de vida razotildees de luta ateacute entatildeo ignorados pelas paacuteginas dos
anais oficiais do natildeo dito invisiacutevel tornando visiacutevel verificaacutevel analisaacutevel e
mensuraacutevel
[] O alargamento daquilo que se entendia como documento
ocorreu de maneira qualitativa e quantitativa segundo nos
aponta Le Goff 1984 A memoacuteria coletiva e a histoacuteria passaram
a natildeo cristalizar o seu interesse apenas nos grandes homens nos
grandes acontecimentos na histoacuteria poliacutetica diplomaacutetica e
militar Todos os homens tornaram-se interesse da histoacuteria os
documentos foram ampliados a capacidade de trabalho e o
espiacuterito do historiador foram inovados (BARROS 2013 p 1)
A partir dessa problematizaccedilatildeo teoacuterica e metodoloacutegica foi possiacutevel situar o
objeto desta pesquisa dentro do escopo da histoacuteria do tempo presente Conforme
Delgado e Ferreira (2014 p10-11) a ldquoquestatildeo da terra e das poliacuteticas fundiaacuteriardquo
constituem objeto legiacutetimo dessa perspectiva Ademais destacando a posiccedilatildeo de
Guimaratildees Neto (2014) reforccedilamos que o foco analiacutetico satildeo os ldquoconflitos referentes agrave
questatildeo da terra e das poliacuteticas governamentais em especial as fundiaacuteriasrdquo
Adotando essa perspectiva analiacutetica as questotildees foram levantadas e
analisadas ao longo de quatro capiacutetulos sendo que o primeiro teve como objetivo
apresentar uma discussatildeo sobre a Questatildeo Agraacuteria em Mato Grosso sobretudo no
espaccedilo do Araguaia construiacutedo atraveacutes das pesquisas jaacute existentes inseridas no marco
temporal das deacutecadas de 1960 e 1970 Destacamos as caracteriacutesticas do processo de
reocupaccedilatildeo1 pelas agropecuaacuterias e colonizadoras e nas deacutecadas de 1980 a 1990 quando
nesse espaccedilo se constituiacuteram e se formaram os assentamentos rurais Ademais foi
analisado o processo de colonizaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica-MT
1 A concepccedilatildeo de Reocupaccedilatildeo embute uma concepccedilatildeo de que um determinado territoacuterio ou terra
natildeo era um espaccedilo vazio no qual havia presenccedila de povos tradicionais (indiacutegenas ribeirinhos
sertanejos seringueiros quilombolas) posseiros Na presente pesquisa usaremos e
problematizaremos essa noccedilatildeo de modo mais elaborado no primeiro capiacutetulo
23
O segundo capiacutetulo trata das configuraccedilotildees e modos de uso poliacutetico dos
espaccedilos na formaccedilatildeo dos assentamentos rurais bem como a luta pela regularizaccedilatildeo
fundiaacuteria dos 8 (oito) assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT
O terceiro capiacutetulo analisa os aspectos socioeconocircmicos da Agricultura
Familiar em Vila Rica-MT a partir dos resultados de uma pesquisa desenvolvida pela
Empaer (2009) junto aos assentamentos rurais de Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati
Tal pesquisa teve como objetivo principal explicar a realizaccedilatildeo dos Planos de
Desenvolvimento dos assentamentos rurais via projeto implementado pelo INCRA
E por fim no quarto capiacutetulo fizemos uma apresentaccedilatildeo das principais
Poliacuteticas Puacuteblicas integradas ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar como eacute o caso dos Programas Luz para Todos Arco Verde Balde Cheio
Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional e Teacutecnica do Assentado Sauacutede e Habitaccedilatildeo Rural
Trata-se tambeacutem do papel dos movimentos sociais do campo na implementaccedilatildeo dessas
poliacuteticas puacuteblicas frente agrave necessidade de serem criadas condiccedilotildees baacutesicas para a
permanecircncia dos agricultores familiares no campo uma vez que os assentamentos rurais
natildeo se formaram apenas pelo ato de regularizaccedilatildeo e acesso ao sistema de creacutedito
24
1 A QUESTAtildeO AGRAacuteRIA EM MATO GROSSO HISTOacuteRIA MEMORIAS
OCUPACcedilAtildeO E REOCUPACcedilAtildeO DO ARAGUAIA MATO-GROSSENSE
A proposta deste capiacutetulo inicial eacute fazer uma reconstituiccedilatildeo do processo de
reocupaccedilatildeo a partir da deacutecada de 1970 do espaccedilo Araguaia mato-grossense
denominado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) como
ldquomicrorregiatildeo Norte Araguaia do Estado de Mato Grossordquo Fazem parte desta
microrregiatildeo os municiacutepios de Bom Jesus do Araguaia Confresa Serra Nova Dourada
Novo Santo Antocircnio Alto da Boa Vista Satildeo Felix do Araguaia Luciara Ribeiratildeo
Cascalheira Santa Terezinha Vila Rica- MT Porto Alegre do Norte Canabrava Satildeo
Joseacute do Xingu e Santa Cruz do Xingu
No entanto eacute importante ressaltar que a denominaccedilatildeo ldquomicrorregiatildeo Norte
Araguaiardquo utilizada ao longo do texto possui complicadores em sua concepccedilatildeo ligada agrave
ideia de regiatildeo Eacute sabido que a definiccedilatildeo de regiatildeo concebida pelo IBGE eacute uma
imposiccedilatildeo de delimitaccedilatildeo juriacutedico-administrativa a qual conforme Bourdieu (2008) por
ter sido construiacuteda por meio do uso do Poder Estatal atribuiu uma visatildeo social atraveacutes
da divisatildeo e construccedilatildeo da unidade e da identidade entre os grupos Natildeo se constituiu
numa demarcaccedilatildeo com base em criteacuterios de homogeneidade da natureza de forma que
sejam respeitadas as diversidades e especificidades de grupos culturais
Albuquerque Juacutenior (2008) chama a atenccedilatildeo pela pouca importacircncia dada agrave
discussatildeo e compreensatildeo dos espaccedilos no desenvolvimento de estudos de cunho
historiograacutefico onde a regiatildeo passa a existir como um fenocircmeno da realidade que natildeo
carece de anaacutelises ou de problematizaccedilatildeo Ou seja natildeo haacute preocupaccedilatildeo com a
construccedilatildeo histoacuterica da concepccedilatildeo da regiatildeo que eacute analisada ldquo[] ora como um recorte
dado pela natureza ora como um recorte poliacutetico-administrativo ora como um recorte
cultural mas que parece natildeo ser fruto de um dado processo histoacutericordquo
(ALBUQUERQUE JUacuteNIOR 2008 p 57) Logo a regiatildeo eacute tida apenas como um
fenocircmeno precedente ldquoretalhordquo do espaccedilo constituiacutedo naturalmente um paracircmetro de
construccedilatildeo de identidade existente por si soacute
Problematizando a noccedilatildeo de regiatildeo delimitada por fronteiras juriacutedico-
administrativas Bourdieu (2008 p 115) afirma
25
A fronteira esse produto de um ato juriacutedico de delimitaccedilatildeo
produz a diferenccedila cultural do mesmo modo que eacute produto
desta basta pensar na accedilatildeo do sistema escolar em mateacuteria de
liacutengua para ver que a vontade poliacutetica pode desfazer o que a
histoacuteria tinha feito
Assim o autor problematiza o conceito de regiatildeo atraveacutes da diversidade da
liacutengua quando muitas vezes as delimitaccedilotildees satildeo estabelecidas sem levar em
consideraccedilatildeo as diferenccedilas culturais dos grupos eacutetnicos que convivem em um espaccedilo
uacutenico Um exemplo eacute a delimitaccedilatildeo territorial dos Estados Naccedilatildeo que como na Itaacutelia e
Alemanha englobam dentro de um mesmo territoacuterio considerado ldquohomogecircneo
culturalmenterdquo atraveacutes de uma liacutengua com diferentes leacutexicos e dialetos Eacute sabido que
atraveacutes da linguagem se reforccedila fixa e viabiliza os elementos de controle impostos
pelas classes dominantes uma vez que nem os proacuteprios intelectuais satildeo neutros em
produccedilotildees jaacute que estatildeo agindo dentro de um padratildeo que atende ou contraria interesses
dos grupos que exercem o poder na sociedade
Bourdieu (2008) afirma que os diferentes saberes satildeo produzidos sob o efeito
das relaccedilotildees de poder onde as disputas entre as ciecircncias pelo direito de qualificar a
regiatildeo satildeo ao mesmo tempo uma forma de disputa pelo poder Na concepccedilatildeo do autor
regiatildeo eacute uma construccedilatildeo simboacutelica resultante das disputas de diferentes aacutereas do
conhecimento pelo poder na definiccedilatildeo dos limites e sentidos a serem conferidos a uma
regiatildeo Ainda de acordo com Bourdieu (2008) a regiatildeo enquanto objeto de estudo eacute
constituiacuteda por um intenso debate que coloca em oposiccedilatildeo geoacutegrafos economistas
etnoacutelogos socioacutelogos e historiadores Essas categorias constituiacutedas no campo da ciecircncia
querem cada uma ao seu modo atribuir criteacuterios para delimitar uma regiatildeo
Portanto podemos dizer que esses debates existentes em torno da concepccedilatildeo
de regiatildeo tecircm oferecido subsiacutedio importante para a historiografia construir uma noccedilatildeo
de regiatildeo embora sinalizem para o sentido da inexistecircncia de consenso Ainda segundo
Bourdieu (2012) eacute nas relaccedilotildees de poder estabelecidas na sociedade a partir do plano
econocircmico que se formam as definiccedilotildees e delimitaccedilotildees de fronteiras que
evidentemente satildeo construiacutedas utilizando tambeacutem o poder simboacutelico como a proacutepria
noccedilatildeo de regiatildeo
Albuquerque Juacutenior (208 p 61) pondera que
26
A regiatildeo eacute ao mesmo tempo um dispositivo de forccedila e saberes
que aparece como externo aos sujeitos que a eles se impotildee de
fora que os limita e ateacute cerceia Eacute uma estrutura no sentido levi-
straussiano um mito que eacute vivido praticado e materializado
uma narrativa que se encarna o que acostumamos chamar de
interior dos sujeitos A regiatildeo eacute uma dobra do social que vem
constituir as subjetividades regionalistas em sua investigaccedilatildeo A
regiatildeo eacute tambeacutem modo de pensar modos de querer modos de
falar modos de gostar modos de preferir modos de amar
modos de desejar modos de mar modos de desejar modos de
olhar de escutar de cheirar de sentir sabor e de sentir dor A
regiatildeo de se expressa em jeitos de corpos em gestos em modos
de vestir de alimentar de beber de danccedila de se pocircr de peacute ou de
sentar A regiatildeo ao ser subjetivada ao ser encarnada ela
conformaraacute os corpos e os processos subjetivos
Compreender os diferentes significados e sentidos em relaccedilatildeo aos usos do
espaccedilo significa tambeacutem compreender o papel dos diferentes sujeitos no vieacutes da
historiografia seguindo a concepccedilatildeo de Certeau (2000) segundo o qual ao produzir a
historiografia o pesquisador estabelece seus criteacuterios de escolha os quais remetem
sempre aos diferentes contextos onde estaacute inserido sejam eles no acircmbito social cultural
ou econocircmico e tambeacutem ao proacuteprio interesse do pesquisador pois eacute ele quem escolhe o
que teraacute visibilidade e o que seraacute oculto no texto historiograacutefico
Ainda de acordo com o mesmo autor eacute possiacutevel acreditar que natildeo haacute
neutralidade na escrita historiograacutefica na medida em que sempre haveraacute o peso da
posiccedilatildeo do sujeito vinculado agrave instituiccedilatildeo e o lugar social e cultural ocupado pelo
indiviacuteduo porque a produccedilatildeo da escrita natildeo eacute algo individualizado mas sim constituiacutedo
na coletividade
Dessa forma a ideia construiacuteda acerca do texto historiograacutefico eacute resultado das
escolhas de quem a produz e estatildeo articuladas ao meio social econocircmico e cultural em
que se insere o pesquisador Logo a intenccedilatildeo da pesquisa nasce do desejo de descobrir
o que natildeo estaacute compreendido eacute a busca das indagaccedilotildees intrinsecamente vinculadas agrave
proacutepria trajetoacuteria de vida e no fazer acadecircmico do sujeito pesquisador (CERTEAU
2000)
Diante dessa problematizaccedilatildeo sobre o uso do conceito de regiatildeo e sua relaccedilatildeo
com a condiccedilatildeo de produccedilatildeo em que estaacute inserido o sujeito pesquisador fica evidente
que a ldquomicrorregiatildeordquo Norte Araguaia eacute uma visatildeo simplista e homogeneizadora que
natildeo evidencia as diferenccedilas naturais sociais e culturais existentes nesse espaccedilo O uso
27
indiscriminado de Regiatildeo Araguaia leva a noccedilotildees preconceituosas como a expressatildeo
utilizada por poliacuteticos e moradores de que se trata do ldquoVale dos Esquecidosrdquo
Ressalta-se que estudar a histoacuteria de Vila Rica-MT significa tambeacutem
compreender parte da histoacuteria do estado de Mato Grosso pois este municiacutepio natildeo surgiu
enquanto fenocircmeno isolado mas foi formado em um contexto ocorrido no Araguaia no
auge do processo de reocupaccedilatildeo de terras que se deu por duas frentes a primeira a dos
projetos agropecuaacuterios financiados pela Superintendecircncia de Desenvolvimento da
Amazocircnia (Sudam) e a segunda dos projetos de colonizaccedilatildeo privada que resultaram na
formaccedilatildeo dos municiacutepios de Confresa Vila Rica Aacutegua Boa e Canarana
Justamente por essa razatildeo a expressatildeo reocupaccedilatildeo da terra eacute recorrente no
presente texto A formaccedilatildeo de cidades natildeo resulta de algo natural ou um projeto de
ocupaccedilatildeo de terras ldquovaziasrdquo Para marcar a leitura que fazemos sobre o Araguaia eacute
preciso consideraacute-lo como um territoacuterio que jaacute estava ocupado por povos indiacutegenas
ribeirinhos ou sertanejos que viviam no espaccedilo anteriormente ao processo de
implantaccedilatildeo das poliacuteticas de desenvolvimento da Amazocircnia e a concretizaccedilatildeo dessas
duas frentes sobretudo na deacutecada de 1970
11 A reocupaccedilatildeo pelas agropecuaacuterias e empresas colonizadoras Anos de 1960 a
1980
Nas deacutecadas de 1960 a 1980 o norte do estado de Mato Grosso considerado
parte da ldquoAmazocircnia Legalrdquo tornou-se alvo de investimentos de grupos empresariais do
Sul e Sudeste do Brasil Os Governos de Mato Grosso desde a deacutecada de 1960
passaram a comercializar terras ldquotidas como devolutasrdquo como importante fonte de
arrecadaccedilatildeo para o Estado Neste contexto Mato Grosso seguindo a normativa do
Estatuto da Terra repassou para a iniciativa privada a funccedilatildeo de reordenar a ocupaccedilatildeo
destes espaccedilos atraveacutes da colonizaccedilatildeo privada2 Sobre a questatildeo Guimaratildees Neto
(2002 p 20) afirma que
2 Sobre este assunto ver GUIMARAtildeES NETO Regina Beatriz A Lenda do Ouro Verde Poliacutetica
de colonizaccedilatildeo no Brasil contemporacircneo Cuiabaacute UNICEN 2002
28
[] as empresas agropecuaacuterias comandadas em grande parte
por multinacionais [] jaacute vinham dominando este espaccedilo
especialmente apoacutes meados do seacuteculo vinte quando
intensificaram seu poder de accedilatildeo Eacute no acircmbito dessa experiecircncia
histoacuterica que se deve procurar estudar os projetos de
colonizaccedilatildeo Representam iniciativas e estrateacutegias de controle
ao acesso a terra e ao mercado de matildeo de obra
Assim estas duas frentes de reocupaccedilatildeo ldquo[] representam iniciativas e
estrateacutegias de controle ao acesso da terra e ao mercado de matildeo de obrardquo (GUIMARAES
NETO 2002 p 20) em que o Estado e os empresaacuterios atuaram muito mais no
propoacutesito da especulaccedilatildeo imobiliaacuteria do que na viabilizaccedilatildeo de terras para centenas de
famiacutelias que migraram para a Amazocircnia Legal
Vale lembrar que durante o periacuteodo dos Governos Militares foi construiacuteda
uma ldquohistoacuteria oficialrdquo acerca do processo de ocupaccedilatildeo da Amazocircnia que
gradativamente foi questionada e revisada atraveacutes de diferentes narrativas construiacutedas a
partir da memoacuteria dos agentes histoacutericos que vivenciaram aquele processo
Consideramos importante registrar nos estudos cujo foco eacute o processo de
reocupaccedilatildeo da terra no Araguaia as perspectivas dos diferentes grupos e movimentos
sociais responsaacuteveis pela reocupaccedilatildeo desse espaccedilo considerando a memoacuteria daqueles
que migraram de diferentes regiotildees do paiacutes sobretudo do Sul e Sudeste perseguindo o
sonho de adquirir uma aacuterea de terra Um exemplo dessas narrativas com base na
memoacuteria das pessoas pode ser ilustrado nesse trecho do relato de uma das moradoras de
Vila Rica-MT
Quando eu cheguei aqui em Vila Rica-MT estranhei de tudo
um pouco Desde a comida [] Ih Nossa Senhora as falas
deles trem As gurias foram pra rua as gurias saiacuteram foram
pra rua O que eacute isso Rua laacute no Sul isso natildeo se fala E os
trem trem eacute um trem que puxa vagatildeo e aqui tudo que eacute coisa eacute
trem Hoje a gente estaacute acostumada com as comidas tambeacutem
aqui era diferente de laacute [] quando eu cheguei aqui a vila
estava super suja Colonial tudo tudo Lixo no meio da rua ali
no meio onde tem a grama e os coqueirinhos aquilo laacute era lixo
natildeo dava pra olhar de um lado pra outro Nossa mas era suja
demais a rua As propagandas ih Eles passavam slides
mostravam como era aqui em Vila Rica-MT da cidade das
roccedilas das lavouras das plantaccedilotildees de soja milho []
(ENTREVISTA com Izode Baoacute realizada por Acircngela Martini
Vila Rica-MT 4 de marccedilo de 2001)
29
Novas abordagens da historiografia que possibilitam o uso de novas fontes
entre elas as orais permitiram anaacutelises sobre a Amazocircnia Legal com nova dinacircmica
enquanto objeto de estudo nas aacutereas de Ciecircncias Humanas e Sociais Por outro lado
ressalta-se que eacute imprescindiacutevel trilhar pelas discussotildees teoacutericas e metodoloacutegicas de
alguns estudiosos da questatildeo agraacuteria no Brasil como Caio Prado Juacutenior Octaacutevio Ianni
Seacutergio Buarque de Holanda e outros Em Mato Grosso as obras de autores como
Martins (1985-1997) Lenharo (1985) Oliveira (1996) Barrozo (2009 2010)
Guimaratildees Neto (2002 2007) Gonccedilalves (2005) e Joanoni Neto (2007) Arauacutejo (2013)
entre outros satildeo referecircncias
As concepccedilotildees abordadas por esses autores nos remetem a pensar que eacute
preciso antes de tudo desconstruir a narrativa oficial sobre a Amazocircnia a qual foi
construiacuteda sobretudo durante os Governos civis militares sob o ponto de vista que
engloba a noccedilatildeo da fronteira e de integraccedilatildeo nacional na qual se procurou internalizar
os discursos de alguns segmentos sociais os quais construiacuteram o imaginaacuterio que
caracteriza esse espaccedilo como atrasado e despovoado ou melhor um ldquovazio
demograacuteficordquo
Ao referenciar o potencial dos recursos naturais ali existentes aquele espaccedilo
passou a ser visto com outro enfoque segundo o qual a mesma pode ser analisada para
aleacutem do seu potencial de reserva natural Natildeo se pode perder de vista que esse
ldquoimaginaacuteriordquo vem sendo arquitetado sob a loacutegica daqueles que vivem ldquoalheiosrdquo agraves
necessidades e ldquorealidadesrdquo nas quais a populaccedilatildeo que habita a Amazocircnia Legal estaacute
inserida no caso especiacutefico o Araguaia
Os empresaacuterios e a elite poliacutetica sempre se beneficiaram dos lucros obtidos
por meio do uso e abuso das riquezas extraiacutedas da Amazocircnia Legal nos grandes
projetos de exploraccedilatildeo mineral e vegetal em nome de um discurso de integraccedilatildeo
nacional e de desenvolvimento e progresso regional
Para Gonccedilalves (2005) compreender a Amazocircnia eacute saber respeitar a
diversidade e particularidades desse espaccedilo em seus aspectos econocircmicos naturais
sociais e culturais bem como os feitios de inserccedilotildees das poliacuteticas e programas de
governo que foram parcialmente realizados Tais poliacuteticas atenderam em especial a
um determinado grupo social especificamente o empresarial que dispunha de capital
financeiro embora se trate de um territoacuterio cheio de contradiccedilotildees conflitos e diferentes
30
possibilidades dos povos que ldquotradicionalmente habitamrdquo a floresta De forma mais
detalhada Gonccedilalves (2005 p 9) descreve
A Amazocircnia eacute sobretudo diversidade Haacute a Amazocircnia dos
Cerrados a Amazocircnia da Vaacuterzea a Amazocircnia dos Manguezais
e a Amazocircnia das florestas Habitar esses espaccedilos eacute um desafio
agrave inteligecircncia agrave convivecircncia com a diversidade Esse eacute o
patrimocircnio que as populaccedilotildees originaacuterias e tradicionais da
Amazocircnia oferecem para o diaacutelogo com outras culturas e
saberes
Logo estudar a Amazocircnia Legal significa tambeacutem conhecer seu processo de
ocupaccedilatildeo e reocupaccedilatildeo identificando sobretudo as dinacircmicas de resistecircncia e as
estrateacutegias de sobrevivecircncias dos diferentes sujeitos que a habitavam (iacutendios
quilombolas sertanejos seringueiros ribeirinhos e outros povos)
Esses grupos se veem diariamente diante da obrigatoriedade de criar e recriar
taacuteticas para enfrentar as novas territorialidades impostas pelos grupos empresariais
capitalistas em sua loacutegica segundo a qual a terra eacute um objeto de negoacutecio Para as
populaccedilotildees tradicionais a terra eacute uma condiccedilatildeo de trabalho e sobrevivecircncia
Barrozo (2010 p 8) considera que ldquo[] o processo de integraccedilatildeo da
Amazocircnia provocou o corte dos espaccedilos por meio da construccedilatildeo de rodovias
desencadeando um processo raacutepido e violento de expropriaccedilatildeo domiacutenio e controle das
aacutereas jaacute povoadas por populaccedilotildees tradicionais daquela regiatildeordquo
Assim como Ianni (1990) Barrozo (2010) assegura que a reocupaccedilatildeo da
Amazocircnia por meio do artifiacutecio da colonizaccedilatildeo privada e dirigida tinha como principal
objetivo acolher a populaccedilatildeo que ldquosobravardquo do processo de modernizaccedilatildeo da agricultura
do Centro-Sul do paiacutes As empresas colonizadoras e agropecuaacuterias aleacutem de se utilizar
dos recursos puacuteblicos executados de forma predatoacuteria provocaram uma transformaccedilatildeo
significativa nos aspectos sociais culturais e ambientais daquele espaccedilo
Para Souza (2009 p79)
A (re) ocupaccedilatildeo do nordeste de Mato Grosso por grandes
empresas incentivadas pelo governo federal a partir da deacutecada
de 70 do seacuteculo XX tem revelado muacuteltiplos conflitos embates
e disputas pelos usos e posse da terra A partir de 1964 os
governos militares elaboraram e conduziram um projeto de
ocupaccedilatildeo e controle de acesso agraves terras na Amazocircnia
materializado pelo Estatuto da Terra (Lei 450464)
31
Destacamos que apesar dessas mudanccedilas consideradas progressistas
conforme o Estatuto da Terra (1964) quando analisadas no campo da operacionalidade
praacutetica natildeo redundaram em uma maior distribuiccedilatildeo de terras para os migrantes natildeo
tendo ocorrido alteraccedilatildeo na dinacircmica de concentraccedilatildeo da terra No entanto mantecircm o
movimento de retorno de muitos migrantes antes e agora expulsos pela expansatildeo do
agronegoacutecio sobretudo pela cultura da soja e criaccedilatildeo de gado para corte e leite
Na perspectiva histoacuterica do processo de reocupaccedilatildeo do Araguaia Barrozo
(2010 p 8) afirma
A partir de 1968 comeccedilaram a chegar ao Araguaia agraves grandes
empresas atraiacutedas pelos incentivos fiscais da Sudam Estas
empresas originaacuterias do Sul e Sudeste se apropriaram de
grandes aacutereas de terra no entatildeo municiacutepio de Barra do Garccedilas
onde instalaram os projetos agropecuaacuterios Neste periacuteodo foram
criados vaacuterios povoados e vilas onde se concentra o comeacutercio e
a prestaccedilatildeo de serviccedilos Entre os nuacutecleos populacionais deste
periacuteodo destacam-se Porto Alegre do Norte Alto da Boa Vista
Confresa As agropecuaacuterias desmataram grandes aacutereas de
Cerrado e de floresta para o plantio de pastagens e algumas
empresas deixaram suas terras incultas agrave espera de valorizaccedilatildeo
Com a reduccedilatildeo e extinccedilatildeo gradativa dos incentivos e subsiacutedios
fiscais da Sudam muitas empresas agropecuaacuterias reduziram
suas atividades na regiatildeo e algumas venderam suas
propriedades
Percebemos que o processo de reocupaccedilatildeo das terras do Araguaia natildeo fugia
agraves caracteriacutesticas do que ocorrera nas demais aacutereas da Amazocircnia Legal que era
apresentada no cenaacuterio nacional como uma grande extensatildeo de terra despovoada onde
havia extensos espaccedilos considerados ldquovaziosrdquo
Essa concepccedilatildeo teve origem no programa ldquoMarcha para o Oesterdquo que
selecionou o Centro-Oeste brasileiro como alvo privilegiado para a implantaccedilatildeo dos
grandes projetos de expansatildeo visando agrave ocupaccedilatildeo territorial Destacamos a Fundaccedilatildeo
Brasil Central cujo objetivo era construir estradas e ldquopacificarrdquo as sociedades indiacutegenas
existentes nos vales do Araguaia e Xingu Nesse sentido Soares (2004 p 98) assinala
que
32
A opccedilatildeo de investimento a fim de promover o desenvolvimento
da Amazocircnia abrangendo o Vale do Araguaia parte do nordeste
de Mato Grosso foi pela instalaccedilatildeo de grandes projetos
agropecuaacuterios para produccedilatildeo de proteiacutenas de carne bovina para
exportaccedilatildeo Os primeiros projetos aprovados pela Sudam
implantados no Vale do Araguaia datam de 1966 destacando-se
a Agropecuaacuteria Suiaacute Missuacute SA com uma aacuterea de 695 843
hectares que corresponde aproximadamente a 300000
alqueires localizada no atual municiacutepio de Satildeo Feacutelix do
Araguaia A partir de 1966 muitos outros projetos foram sendo
instalados
De acordo com a descriccedilatildeo do autor as poliacuteticas de desenvolvimento
econocircmico da Amazocircnia promovidas pelo Governo Federal sob a supervisatildeo da
Superintendecircncia de Desenvolvimento da Amazocircnia (Sudam) desde o iniacutecio de sua
criaccedilatildeo despertaram o interesse de empresaacuterios regiotildees Sudeste e Sul do Brasil Os
mesmos viam na constituiccedilatildeo do desenvolvimento regional a possibilidade de maior
enriquecimento por meio dos grandes projetos agropecuaacuterios e de colonizaccedilatildeo
madeireiros e mineradores As empresas eram atraiacutedas pelos incentivos fiscais cuja
propaganda produzia o imaginaacuterio da terra em abundacircncia e financiamentos a juros
baixos
Sobre o imaginaacuterio e os efeitos da propaganda em torno das possibilidades de
riqueza advinda do trabalho com a terra Arauacutejo (2013 p 250) em sua pesquisa
ldquoTerritoacuterios Amazocircnicos e o Araguaia Mato-grossense configuraccedilotildees de modernidade
poliacuteticas de ocupaccedilatildeo e civilidade para os sertotildeesrdquo ao analisar os artifiacutecios ocorridos na
execuccedilatildeo das poliacuteticas de desenvolvimento no Araguaia afirma
As propagandas dos ldquonegoacutecios fundiaacuteriosrdquo do Vale do Araguaia
eram veiculadas pelos meios de comunicaccedilatildeo locais (raacutedio
televisatildeo jornais) anunciando facilidades aos interessados o
que muito atraiacutea pessoas com histoacuterico familiar vinculado agraves
praacuteticas campesinas que desejavam possuir eou aumentar o
proacuteprio patrimocircnio aleacutem da possibilidade de assegurar a
manutenccedilatildeo da famiacutelia pensando numa estabilidade
socioeconocircmica
Agrave luz da concepccedilatildeo da autora afirmamos que as empresas se valiam de
diferentes estrateacutegias sobretudo o uso dos recursos midiaacuteticos para propagarem o
discurso e o imaginaacuterio em torno da terra abundante e apropriada para agricultura E
33
assim mobilizar migrantes de vaacuterias regiotildees do Brasil em busca do sonho em ter a
posse da terra e condiccedilotildees para produzir e adquirir riqueza
Ainda em conformidade com Arauacutejo (2013) eacute possiacutevel afirmar que havia
entre os grupos de migrantes perfis sociais econocircmicos e culturais muito diferentes
pois de um lado estavam as famiacutelias que planejaram as mudanccedilas no espaccedilo e do
outro aquelas que chegaram ao Araguaia mato-grossense por acaso
Nesta mesma perspectiva Paret (2012 p 17) avalia a formaccedilatildeo
socioeconocircmica do Araguaia como a realizaccedilatildeo da integraccedilatildeo entre as populaccedilotildees
tradicionais (povos indiacutegenas) e migrantes ldquodos quatro cantos do paiacutesrdquo que em sua
maioria eram ldquo[] retirantes espontacircneos colonos pioneiros e audaciosos
trabalhadores temporaacuterios (boias-frias) migrantes que emigram sem descanso fugindo
da pobreza em busca de novas oportunidadesrdquo Observamos que a visatildeo do autor citado
eacute problemaacutetica pela exaltaccedilatildeo de um ideal do pioneiro parte daquilo que consideramos
como histoacuteria oficial
Como o INCRA natildeo assegurou terras para os migrantes desprovidos de
capital financeiro para aquisiccedilatildeo de lotes estes passaram a reocupar aacutereas jaacute povoadas
pelas populaccedilotildees indiacutegenas terras da Uniatildeo ou de fazendas improdutivas Esta situaccedilatildeo
gerou diversos conflitos entre diferentes grupos sociais no Araguaia mato-grossense
Nesse contexto o municiacutepio de Vila Rica-MT foi formado Esse processo
requer uma anaacutelise especiacutefica
12 A criaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo3 do municiacutepio de Vila Rica-MT
A formaccedilatildeo de Vila Rica-MT teve seu desenvolvimento intensificado a partir
da deacutecada de 1980 tendo por base quatro Projetos Agropecuaacuterios Aracati Satildeo Marcos
Porangaba e Promissatildeo Posteriormente essas agropecuaacuterias foram transformadas em
projeto de colonizaccedilatildeo privada com a criaccedilatildeo da empresa de Serviccedilo Auxiliares da
Agropecuaacuteria LTDA (Servap) que procurou a efetivaccedilatildeo do projeto de colonizaccedilatildeo por
meio da empresa Colonizadora Vila Rica-MT Ltda
3 A Lei n 4381 de 12 de novembro de 1981 criou o Distrito de Vila Rica com territoacuterio
pertencente agrave Santa Terezinha e no dia 13 dias de maio de 1986 pela Lei Estadual n 5001 foi
criado o municiacutepio de Vila Rica
Disponiacutevel em
lthttpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=510860ampsearch=mato-
grosso|vila-ica|infograficos-historicogt Acesso em 21082015
34
Logo o municiacutepio inseriu-se em muacuteltiplos contextos de reocupaccedilatildeo da terra e
de financiamento de projetos agropecuaacuterios madeireiros e de colonizaccedilatildeo localizados
no nordeste do estado de Mato Grosso na faixa fronteiriccedila com os estados do Paraacute e
Tocantins como mostra a figura que se segue
Figura 01 Mapa de Propaganda da Colonizadora Vila Rica-MT
Fonte Servap apud Martini 2002 p12
Observamos na imagem que os escritos da propaganda da empresa
colonizadora se vinculavam agrave ideia de que ldquoeacute faacutecil conhecer Vila Ricardquo tendo ao lado
um mapa desatacando visualmente as rotas de estradas que ligavam o Sul do paiacutes ateacute o
Norte e tendo Vila Rica como ponto estrateacutegico nessa rota Ademais a mensagem
35
escrita eacute clara pretendia- se atrair compradores de terra de outras regiotildees que
organizassem ldquocaravanasrdquo para conhecer e investir no municiacutepio de Vila Rica
Na deacutecada de 1970 um soacutecio da Servap resolveu transformar juridicamente a
sua aacuterea territorial em uma empresa especializada e autorizada para atuar como
ldquoempresa de colonizaccedilatildeordquo O objetivo foi o de obter junto ao Governo Federal
autorizaccedilatildeo para lotear a aacuterea da agropecuaacuteria e comercializar os lotes utilizando os
incentivos fiscais oferecidos na eacutepoca pela Sudam Aleacutem da especulaccedilatildeo caracterizada
pela valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria das terras com baixa eficiecircncia produtiva a empresa
procurava garantir com isso a presenccedila de trabalhadores que serviriam de matildeo obra nas
proacuteprias fazendas Esse processo foi caracterizado por Ianni (1978) como ldquoContra
Reforma Agraacuteriardquo
Segundo Guimaratildees Neto (2007 p 7)
Nesse sentido eacute que as novas cidades surgiram no territoacuterio
amazocircnico articuladas a uma grande rede viaacuteria e ao mercado
capitalista natildeo satildeo resultados ldquonaturaisrdquo do movimento de
deslocamento dos diversos grupos sociais que para laacute se
dirigiram denominado de processo migratoacuterio Relacionam-se
muito mais a um conjunto de praacuteticas organizadoras de poliacuteticas
de controle e monopoacutelio da exploraccedilatildeo da riqueza por parte dos
grandes empresaacuterios e proprietaacuterios As cidades trazem inscritas
em seu espaccedilo as praacuteticas sociais de segregaccedilatildeo de violecircncia e
de cerceamento dos direitos civis que natildeo podem ocultar Mas
natildeo soacute isto manifesta a todo o momento praacuteticas de resistecircncia
atuaccedilotildees de organizaccedilotildees civis e religiosas demarcando um
territoacuterio de conflito
Para a autora as cidades emergidas no territoacuterio da Amazocircnia natildeo resultaram
de um movimento espontacircneo de migraccedilatildeo mas sobretudo foram embasadas de uma
poliacutetica de controle do capital financeiro manipulado pelos interesses dos grupos
empresariais Ao mesmo tempo as novas cidades se constituiacuteram enquanto espaccedilos de
conflitos e praacuteticas de violecircncia marcados pelos conflitos motivados pelas diferenccedilas
sociais culturais e religiosas
Nesse quadro de especulaccedilatildeo imobiliaacuteria com as terras do Araguaia mato-
grossense o processo de colonizaccedilatildeo de Vila Rica foi iniciado pela SERVAP na deacutecada
de 1990 e continuado pela Colonizadora Vila Rica Ltda O foco da colonizaccedilatildeo estava
na venda de lotes rurais para os migrantes que vieram em busca de terra
36
O relato a seguir descreve o momento em que os posseiros e colonos
chegaram assim como a abertura e demarcaccedilatildeo do espaccedilo urbano e rural do municiacutepio
de Vila Rica-MT Tambeacutem eacute evidente na memoacuteria social e na percepccedilatildeo individual o
momento da venda dos lotes segundo a memoacuteria social e a percepccedilatildeo individual dos
entrevistados
[] Eu vi a oportunidade de ver ali onde hoje eacute o coleacutegio
estadual em selva em mata Vi desmatar vi formar pasto e
depois tirar o pasto para fazer a cidade e deixar aquela aacuterea
especial para a construccedilatildeo do coleacutegio Tive a oportunidade de
acompanhar com o topoacutegrafo a demarcaccedilatildeo dos lotes e das
ruas da cidade Quando a colonizadora vendia uma aacuterea de
terra rural de 400 hectares ela dava na cidade
ldquogratuitamenterdquo dois lotes de terra um no centro e outro mais
afastado isso para que as pessoas construiacutessem a fim de
expandir a cidade [] (ENTREVISTA com Dioniacutesio ex-
funcionaacuterio da colonizadora realizada por Acircngela Martini em
novembro de 2001 Grifos nossos)
Podemos identificar atraveacutes dessa fonte oral a percepccedilatildeo dos colonos em
relaccedilatildeo agraves transformaccedilotildees ocorridas nos espaccedilos em que o rural foi ganhando
caracteriacutesticas de urbanizaccedilatildeo mas tambeacutem as estrateacutegias da colonizadora para atrair os
compradores de terra Outro depoimento oral demonstra como ocorria a
comercializaccedilatildeo de lotes
Na verdade quando surgiu Vila Rica eles esparramaram
vendendo para todo o Brasil O pessoal fazia troca trocavam
um alqueire paulista por um alqueire aqui Geralmente trocava
dois por um A terra laacute era mais valorizada (ENTREVISTA
com Gilmar agricultor familiar de Vila Rica-MT realizada pela
autora em marccedilo de 2015)
Atraveacutes desse processo de acesso agrave terra por meio de compra de lotes com o
capital oriundo da venda de terras no local de origem muitos migrantes de vaacuterias
localidades do Brasil sobretudo nos estados do Paranaacute Santa Catarina Rio Grande do
Sul Goiaacutes e Minas Gerais onde ocorriam transformaccedilotildees na estrutura agraacuteria e a
modernizaccedilatildeo da agricultura foram para Vila Rica buscando realizar o sonho de
adquirir uma ldquoaacutereardquo equivalente agrave que haviam vendido na regiatildeo de origem ou entatildeo
uma aacuterea ainda maior
37
Dentre os sonhos e os projetos de vida desses migrantes estava a
possibilidade de produzir com fartura melhorar de vida ou ateacute enriquecer atraveacutes do
trabalho na terra O depoimento do secretaacuterio de agricultura do municiacutepio de Vila Rica-
MT ilustra essa situaccedilatildeo tendo por base sua trajetoacuteria pessoal
Eu nasci em Santa Catarina no ano de 1975 e quando eu tinha
10 anos de idade os meus pais mudaram para o estado de Mato
Grosso Na eacutepoca a gente jaacute morava no estado do Paranaacute
Chegamos no dia 9 de junho de 1985 Vila Rica ainda era
distrito de Santa Terezinha e aiacute fomos direto para o Projeto
Canta Galo que era um projeto de colonizaccedilatildeo Chegamos agrave
noite em Vila Rica e fomos direto para o Canta Galo era soacute
mato e noacutes jaacute chegamos destruindo tudo porque a gente jaacute
chegou para fazer roccedila para comeccedilar a trabalhar []
A gente veio com pessoal conhecido Meus pais eu e os meus
irmatildeos A nossa famiacutelia veio completa e mais cinco famiacutelias
vieram em busca de melhorias de vida Sempre mexemos com
sitio Moramos na roccedila pequena propriedade e viemos pra caacute
com a intenccedilatildeo de conseguir uma aacuterea maior Queriacuteamos ficar
ricos mas o que aconteceu foi o contraacuterio (ENTREVISTA
com Gilmar agricultor familiar de Vila Rica-MT realizada pela
autora em marccedilo de 2015)
A anaacutelise da fonte oral permite averiguar que a empresa SERVAP
posteriormente denominada de Colonizadora Vila Rica Ltda tambeacutem lanccedilou matildeo de
diversos recursos midiaacuteticos fazendo investimentos em propaganda a fim de difundir a
ideia da boa qualidade da terra boa e seu baixo preccedilo Esse trabalho de divulgaccedilatildeo
influenciou pessoas que decidiram migrar procurando um espaccedilo promissor com terras
boas
Dentro dessa perspectiva a visualizaccedilatildeo e leitura de um dos panfletos
publicitaacuterios nos ajudou a visualizar as estrateacutegias de propaganda utilizadas pela
colonizadora no caso do municiacutepio de Vila Rica
A propaganda facilitava a venda dos lotes acelerando a reocupaccedilatildeo dos
espaccedilos urbanos e rurais como retrata o panfleto utilizado pela empresa para difundir o
seu ideaacuterio de construccedilatildeo social A imagem de trabalhadores rurais ldquocarpindordquo
demonstra que o ideal seria a migraccedilatildeo de colonos agricultores com perfil de quem
sabia produzir plantar e colher produtos agriacutecolas A frase ldquoTerra feacutertil e urbanizadardquo
demonstra no entanto que se prometia uma estrutura urbana para oferecer uma ldquovida
feliz para vocecirc e sua famiacuteliardquo Ou seja um evidente apelo aos valores tradicionais da
38
famiacutelia atrelados agrave ideia de felicidade a ser conquistada atraveacutes da compra de terras no
municiacutepio de Vila Rica-MT
Todos esses elementos podem ser observados na Figura 2
Figura 2 Folder de Propaganda da Colonizaccedilatildeo Vila Rica-MT
Fonte SERVAP apud Martini 2002 p14
Portanto os colonos que compraram terras e se mudaram para Vila Rica
sofreram as investidas das empresas atraveacutes das propagandas que descreviam as terras
como sendo boas e baratas conforme mostra o panfleto da colonizadora ldquoConheccedila Vila
Rica Mato Grosso terra feacutertil e urbanizada vida feliz para vocecirc e sua famiacuteliardquo A
imagem criava um imaginaacuterio acerca do lugar como o ideal para se morar e prosperar
economicamente A loacutegica era de fixaccedilatildeo do homem na terra passada de pai para filho
apelo aos agricultores de tradiccedilatildeo ldquocamponesardquo 4
4 Sobre essa questatildeo Martini (2002) em sua monografia de graduaccedilatildeo em Histoacuteria a qual eacute intitulada
como Cotidiano e Identidade Cultural em Vila Rica ndashMT uma cidade de colonizaccedilatildeo recente apresenta
39
Nesse aspecto o relato oral a seguir se constitui numa exemplificaccedilatildeo da
forma como que os artifiacutecios da propaganda persistem na memoacuteria dos atores sociais
As propagandas ih Eles passavam slides mostravam como
era aqui em Vila Rica da cidade das roccedilas das lavouras das
plantaccedilotildees de soja milho Propaganda na raacutedio passava muito
direto mesmo e tambeacutem na televisatildeo passava propaganda
sobre a Vila Rica Tinha tambeacutem gravaccedilotildees de mulheres daqui
da Vila que faziam entrevista na raacutedio Elas diziam assim olha
gente aqui em Vila Rica noacutes estamos bem noacutes temos coleacutegio
falava falava do coleacutegio Faziam propaganda muita entrevista
na raacutedio Eles iludiam muito o pessoal (ENTREVISTA com
Izolde Baacuteo ex-colona realizada por Acircngela Maria Martini em
04032001)
Logo podemos compreender que as propagandas eram criadas pela empresa
colonizadora mas que tinham participaccedilatildeo dos proacuteprios colonos que incentivavam a
vinda de outros A colonizadora incentivava essa participaccedilatildeo dos colonos para o
chamamento - atraveacutes da ideia de que quanto mais colonos viessem para a aacuterea e
comprassem terra mas proacutesperas seriam aquelas terras
Outro fator altamente atrativo foi a divulgaccedilatildeo do projeto urbaniacutestico da
cidade de Vila Rica-MT cujo ldquocorpordquo lembra a figura de um sino Conforme IBGE
Cidades (2015)
A cidade de Vila Rica-MT localizada no nordeste de Mato
Grosso foi cuidadosamente planejada no periacuteodo de sua
fundaccedilatildeo O traccedilado da cidade lhe daacute um formato de sino tendo
sido idealizado pelo paisagista suiacuteccedilo Dr Roberto Khuno Eacute
dividida em dois setores norte e sul sendo margeada pela BR-
1585
Esse formato do projeto da cidade representa a construccedilatildeo do imaginaacuterio de
um grupo de migrantes praticantes da feacute catoacutelica incorporando princiacutepios religiosos a
serviccedilo do capitalismo Ao mesmo tempo mostra uma forte aproximaccedilatildeo entre os
colonos e os donos da empresa colonizadora com a Igreja Catoacutelica Essa representaccedilatildeo
arquitetocircnica da cidade mostra que a mesma foi planejada a partir de uma concepccedilatildeo
religiosa com a qual o desenvolvimento se entrelaccedilaria Objetivou-se a construccedilatildeo do
uma reflexatildeo bastante rica em detalhes construiacuteda a partir das narrativas orais e de imagens relacionadas
ao processo de formaccedilatildeo da cidade de Vila Rica no Estado de Mato Grosso 5Disponiacutevel em
lthttpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=510860ampsearch=mato-
grosso|vila-rica|infograficos-historicogt Acesso em 2102015
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imaginaacuterio coletivo de uma cidade civilizada com uma Igreja dentro dos moldes
europeus Assim como na histoacuteria europeia moderna a religiatildeo e a eacutetica do capitalismo
se fundem em um processo que
possivelmente pode ter sido utilizado pela
colonizadora6
Figura 3 Planta ou Projeto urbaniacutestico da cidade de Vila Rica-MT
Fonte Arquivo da Prefeitura de Vila Rica-MT 2015
Atraveacutes da visualizaccedilatildeo da figura 3 fica evidenciado que o projeto
urbaniacutestico ou a planta da aacuterea urbana do municiacutepio de Vila Rica partiu de um projeto
com base em um ldquoconceitualrdquo religioso Em outra planta que projeta a aacuterea de expansatildeo
urbana eacute perceptiacutevel que foi mantido o formato do sino inicial mas com acreacutescimo de
aacutereas agrave direita e uma base que natildeo desconfigurou o desenho inicial
Guimaratildees Neto (2000) considera que no universo simboacutelico da ldquocidade
colonizadardquo tudo parece ter sentido e significado Haacute um lugar certo para cada coisa ou
situaccedilatildeo por exemplo espaccedilo para a praccedila comeacutercio bairros residenciais bairros para
os oacutergatildeos puacuteblicos e institucionais avenidas e bairros residenciais dos trabalhadores Eacute
a ideia de cidade organizada enfim de um povo que organiza devidamente o seu espaccedilo
de convivecircncia social Todavia nesse cenaacuterio desenhado natildeo haveria espaccedilo para o
6 Para uma melhor compreensatildeo ver o caso de Fontanilha Juiacutena-MT analisado por JOANONI
NETO Vitale Fronteiras da Crenccedila ocupaccedilatildeo no Norte de Mato Grosso apoacutes 1970 Cuiabaacute
Carlini amp Caniato EdUFMT 2007
41
surgimento das periferias uma vez que a existecircncia delas desmontaria todo o ideaacuterio
urbaniacutestico da cidade de progresso e de civilizaccedilatildeo
Eacute notoacuteria a riqueza de detalhes nos projetos urbaniacutesticos das cidades
planejadas de colonizaccedilatildeo recente de Mato Grosso As marcas da organizaccedilatildeo tecircm
sempre uma perspectiva marcante no universo de signos e significados como foi
registrado por Guimaratildees Neto (2000 p 7) ao apontar que a cidade se projeta ldquo[]
como uma metaacutefora privilegiada da passagem-comunicaccedilatildeo e separaccedilatildeo entre diversos
mundos e por que natildeo paisagem desenhada por um rico mosaico de linguagens
diversasrdquo
Nesse aspecto quem chegou primeiro fez parte da construccedilatildeo quem chegou
depois tambeacutem foi inserido nessa loacutegica organizativa porque parte dos colonos que
permaneceram na cidade se incorporou ao trabalho prestando serviccedilos ou abrindo
comeacutercios inserindo-se nesse universo de desejo siacutembolos sentidos e significados de
viver em uma cidade com caracteriacutesticas e paisagem adequadas aos moldes dos grandes
centros urbanos
O imaginaacuterio coletivo acerca da concepccedilatildeo de progresso se constituiu de
forma eficaz nessa representaccedilatildeo da cidade em seus primeiros tempos distinguindo os
acontecimentos iniciais construiacutedos com a participaccedilatildeo de homens e mulheres vindos
das diferentes regiotildees do Brasil Essa diversidade cultural se explicita nos detalhes de
construccedilatildeo das casas na maneira de falar e de organizar a paisagem urbana enfim
torna-se proacuteprio de uma cidade de todos para todos desde que devidamente organizados
em seus espaccedilos sociais
Noutra abordagem sobre as narrativas e a formaccedilatildeo de cidades do processo de
colonizaccedilatildeo recente Guimaratildees Neto (2007 p 7) exemplifica
Trabalhadores sem-terra e mesmo pequenos proprietaacuterios
denominados de colonos invertem as programaccedilotildees e previsotildees
das empresas colonizadoras Por meio de accedilotildees coletivas e de
enfrentamentos conflituosos provocam mudanccedilas de aacutereas
planejadas para determinados fins com funccedilotildees diferentes do
que estava previsto As proacuteprias empresas e depois os poderes
puacuteblicos instalados criam ldquobairros novosrdquo a fim de controlar e
administrar a chegada de diversos trabalhadores pobres como
na cidade de Vila Rica-MT onde se organiza a mudanccedila da
cadeia puacuteblica do cemiteacuterio e da zona de meretriacutecio para o
bairro Vila Nova destinado a pessoas de comprovada baixa
renda e com maior nuacutemero de dependentes (Lei municipal nordm
42
19693 de 09121993) extinguindo o popular ldquoPau Secordquo a
primeira aacuterea de meretriacutecio que ocupava um espaccedilo
considerado nobre para a cidade
Em conformidade com a concepccedilatildeo da autora afirmamos que satildeo os atores
histoacutericos atraveacutes de diferentes estrateacutegias e accedilotildees que realizam os desdobramentos e
permitem uma multiplicidade de accedilotildees e efeitos de suas praacuteticas eacute que vatildeo
ldquodesvendando inventando e desenhandordquo os locais da cidade que encenam os contrastes
sociais e culturais Nesse aspecto grupos sociais acabam modificando o projeto inicial e
inserindo nele seu proacuteprio modo de constituir a vida em sociedade
Outra estrateacutegia utilizada para facilitar o processo de venda dos lotes foi a
definiccedilatildeo dos criteacuterios de seleccedilatildeo do puacuteblico alvo das investidas de vendas pela
empresa colonizadora Nesse cenaacuterio surgiram os pequenos proprietaacuterios de terras do
Sul do Brasil os quais dispunham de capital para investir na compra de lotes da
colonizadora Tambeacutem havia a negociaccedilatildeo por meio da troca de terra e da carta de
creacutedito como ocorreu com as pessoas que haviam sido desapropriadas para a
construccedilatildeo da barragem da Usina de Itaipu no Paranaacute de onde migraram diversas
pessoas para Vila Rica-MT Essa negociaccedilatildeo era feita com intermediaccedilatildeo de instituiccedilatildeo
bancaacuteria
Ainda relacionando a reorganizaccedilatildeo dos espaccedilos em Vila Rica sob a
conduccedilatildeo da colonizadora eacute importante considerar que houve tentativas no sentido de
destinar pequenas aacutereas de terra situadas nos fundos das fazendas para ldquoaliviarrdquo a
pressatildeo dos trabalhadores rurais Inclusive ex-funcionaacuterios da empresa SERVAP com
o objetivo de evitar a invasatildeo por parte dos ldquoposseirosrdquo acabavam sendo incorporados
por esses procedimentos de especulaccedilatildeo imobiliaacuteria praticados pela Colonizadora Vila
Rica
Semelhante situaccedilatildeo nos remete a uma anaacutelise que demonstra ter havido uma
relaccedilatildeo entre as intenccedilotildees dos representantes da Servap tanto em relaccedilatildeo aos objetivos
do INCRA quanto ao destino de parte da aacuterea para o processo de colonizaccedilatildeo oficial
Segundo Barrozo (2010 p 18) ldquo[] para os camponeses do Sul o governo oferecia a
possibilidade de adquirir um lote de 100 ou 200 hectares em um nuacutecleo do INCRA
com infraestrutura estrada e tudo mais que a propaganda oficial anunciava para
sensibilizar os agricultoresrdquo
43
No caso do processo de reocupaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica a
documentaccedilatildeo7 analisada demonstrou que havia entre os primeiros moradores
concepccedilotildees diferentes acerca do processo de ocupaccedilatildeo e reocupaccedilatildeo das terras naquela
aacuterea As fontes nos possibilitam ainda identificar as estrateacutegias adotadas para arquitetar
o imaginaacuterio sobre os ldquoditos pioneirosrdquo que pode ser identificado atraveacutes das narrativas
oficiais sobre as histoacuterias do lugar que se tornam discursos
Poreacutem a realidade contemporacircnea tambeacutem pode ser pensada por outra
perspectiva configurada de outro modo demonstrando a presenccedila indiacutegenas na regiatildeo
Nos sites do IBGE Cidades e da Prefeitura de Vila Rica natildeo haacute menccedilatildeo sobre a
presenccedila de povos indiacutegenas na aacuterea colonizada Mas segundo Costa e Silva amp Ferreira
(1994 p 248)
O povo indiacutegena ldquoTapirapeacuterdquo que habitou imemorialmente as
terras do lugar foram remanejados para municiacutepios vizinhos
em aacutereas especialmente reservadas Estes foram na verdade os
grandes pioneiros do lugar povo sofrido sentindo-se sem
perspectivas de vida iniciaram um processo de auto
dizimazizaccedilatildeo Tudo comeccedilou com forte conflito cultural que se
abateu sobre os poucos ldquoTapirapeacutesrdquo que restaram Accedilatildeo
seguinte que se viu foi agrave eliminaccedilatildeo de crianccedilas receacutem-nascidas
No entanto a interferecircncia de religiosas natildeo permitiu que se
concretizasse o desejo coletivo de extinccedilatildeo do ldquoTapirapeacuterdquo como
naccedilatildeo (Grifos nossos)
A citaccedilatildeo eacute importante para destacar a presenccedila do povo indiacutegena Tapirapeacute na
aacuterea que foi colonizada no entanto eacute uma visatildeo problemaacutetica no que diz respeito agrave
ideia de que os povos indiacutegenas foram pioneiros uma vez que essa concepccedilatildeo eacute oriunda
de projetos de Governo e de uma visatildeo economicista de ocupaccedilatildeo de territoacuterio natildeo eacute
parte da concepccedilatildeo de terra para povos indiacutegenas voltada agrave identidade e memoacuteria do
lugar Certamente para os autores pioneiro significou aquele que primeiro ocupou o
solo e natildeo seu entendimento no interior do processo de colonizaccedilatildeo contemporacircneo
No entanto existe uma narrativa oficial que ldquoesquecerdquo de citar a presenccedila
indiacutegena e assume um discurso de que os ldquopioneirosrdquo foram os que participaram do
processo de colonizaccedilatildeo privada Isto eacute haacute uma ampla difusatildeo da ideia de que a
7 O termo documentaccedilatildeo refere- se agraves fontes escritas que foram acessadas para a produccedilatildeo das
anaacutelises como eacute o caso dos ofiacutecios cartas relatoacuterios atas e relatos orais
44
validade da ocupaccedilatildeo da terra tem sentido somente quando eacute pensada do ponto de vista
da criaccedilatildeo da cidade e da organizaccedilatildeo social embasada na propriedade privada da terra
Outros atores sociais silenciados foram os migrantes de origem camponesa
de diferentes origens que foram ocupar aquele espaccedilo nas primeiras deacutecadas do seacuteculo
XX conforme descrito por Costa e Silva amp Ferreira (1994 p 248)
No iniacutecio da sua povoaccedilatildeo Vila Rica recebeu forte fluxo
migratoacuterio de povos (sic) de Goiaacutes Minas Gerais e do
Nordeste Fator determinante foi o reflexo da colonizaccedilatildeo de
Nova Xavantina pois o assentamento da Fundaccedilatildeo Brasil
Central natildeo produziu os efeitos que se esperava e os colonos
sem apoio prometido se espalharam pelo Leste e Nordeste do
Estado de Mato Grosso
Novamente a citaccedilatildeo traz problemas ao analisar que os fluxos migracionais
eram realizados por ldquopovosrdquo entendidos enquanto populaccedilotildees mas fornece elementos
para compreendermos como ocorreu uma reocupaccedilatildeo inicial por migrantes poreacutem o
que persiste na histoacuteria oficial descrita no IBGE Cidades (2015) 8 eacute que
A construccedilatildeo da rodovia BR-158 foi fator determinante para a
colonizaccedilatildeo da cidade de Vila Rica -MT favorecendo o
estabelecimento de empresas agropecuaacuterias na regiatildeo O nuacutecleo
que deu origem ao atual municiacutepio tem histoacuteria
relativamente recente Vila Rica - MT foi fundada pelo Sr
Rubens Rezende Peres em 1978 que chegou na regiatildeo
trazendo consigo a Colonizadora Vila Rica-MT Segundo
relatos histoacutericos os primeiros moradores da localidade vieram
de Minas Gerais e homenagearam o lugar que escolheram para
morar com o nome de Vila Rica em referecircncia agrave antiga Vila
Rica de Ouro Preto (Grifos nossos)
Logo dessa maneira registrada a presenccedila indiacutegena e de migrantes que
chegaram antes da colonizaccedilatildeo privada efetivada a partir da deacutecada de 1980 e
consideradas ldquorecentesrdquo decidem considerar que a histoacuteria do municiacutepio somente
comeccedila com essa modalidade de colonizaccedilatildeo
8 Disponiacutevel em
lthttpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=510860ampsearch=mato-
grosso|vila-rica|infograficos-historicogt Acesso em 2102015
45
A obra da jornalista Soely Gonccedilalves Santos Pires contratada pela Prefeitura
Municipal de Vila Rica em 2002 para escrever a histoacuteria do municiacutepio eacute um exemplo
que evidencia a versatildeo oficial9
[] Aconteciam as exploraccedilotildees das terras ao nordeste mato-
grossense rotas e demarcaccedilotildees cifradas em aacutereas destinadas agrave
implantaccedilatildeo do arrojado projeto Em meio a tantos apetrechos
no lidar aacuterduo talvez natildeo tenham tido tempo para registrar tudo
em diaacuterio Idas e vindas por iacutengremes caminhos de quilocircmetros
de distacircncias paragens desconhecidas Veredas iam se
alargando mato adentro sol ardente e calor intenso []
venciam-se os empecilhos agrave medida que esses iam surgindo
Natildeo adentravam o sertatildeo em busca de bauacute recheado de
preciosos tesouros enterrados nas profundezas da terra [] A
finalidade era trabalhar Soacute assim conquistariam o almejado
objetivo [] Trabalho avante Em aproximadamente seis meses
de contiacutenuas derrubadas a estiagem com a secagem Nisso
atearam fogo Os dias se passaram Um olhar ao longe no
alcance de vales e serras [] Focando com muita atenccedilatildeo os
limpotildees que iam surgindo propiciando o semear das primeiras
sementes de capim Aiacute estava o representativo ouro dos sertotildees
A Servap foi instituiacuteda no ano 1973 e por seu intermeacutedio
administrava-se toda a assistecircncia no desenvolver das atividades
do projeto desde o princiacutepio A movimentaccedilatildeo era intensa o
serviccedilo mecanizado requeria grande consumo de oacuteleo diesel O
transporte era constante Devido agrave precariedade das estradas o
trajeto era retardo levando de cinco a sete dias para alcanccedilar o
ponto de apoio local onde se situava a SERVAP Hoje ali se
encontra o Frigoriacutefico Vila Rica que por sinal contribuiu muito
natildeo soacute com a economia natildeo soacute da regiatildeo mas tambeacutem de
municiacutepios vizinhos (PIRES 2002 p 10)
O discurso contido nessa narrativa apresenta muacuteltiplos sentidos
primeiramente pode ser analisado como sendo da perspectiva de um explorador de
recursos naturais e de projetos de colonizaccedilatildeo privada mas que se considera um
desbravador com um espiacuterito empresarial e empreendedor Essa observaccedilatildeo pode ser
visualizada na afirmaccedilatildeo de que se tratava da ldquo[] implantaccedilatildeo do arrojado projeto Em
meio a tantos apetrechos no lidar aacuterduo []rdquo Aqui eacute possiacutevel pensar inclusive na ideia
da tentativa de criaccedilatildeo de um mito de origem de um heroacutei de um grupo de homens que
fizeram a histoacuteria da cidade civilizada
9Apesar da ressalva sobre o livro de Soely eacute necessaacuterio afirmar que se trata de uma obra
importante para percebemos a concepccedilatildeo do dono da empresa Servap
46
Esse tipo de discurso exaltando o colonizador foi identificado e interpretado
pela pesquisa de Heinst (2007) que analisou a disputa da memoacuteria de quem era o
colonizador e o pioneiro no municiacutepio mato-grossense de Mirassol D‟Oeste A autora
identificou que foram aqueles pioneiros que tiveram ecircxito econocircmico considerados os
ldquoprimeirosrdquo com o espiacuterito empresarial que enalteceram a colonizaccedilatildeo
Guimaratildees Neto (2002) na anaacutelise de Alta Floresta esclarece que o
colonizador Ariosto da Riva produziu um discurso no qual se auto-intitula ldquobandeirante
do seacuteculo XXrdquo A anaacutelise mostra a perspectiva de quem tem o espiacuterito expansionista
tatildeo recorrente na histoacuteria brasileira e que se renova ao longo do contexto de expansatildeo da
fronteira agriacutecola recente
Sabemos que a narrativa produzida em determinada conjuntura poliacutetica
cultural ou econocircmica estaacute condicionada a um momento histoacuterico e atrelada agrave
linguagem utilizada pode ser uma das vias por onde a ideologia se materializa O
ldquoaventureirordquo eacute descrito e se auto- identifica como explorador e grande desbravador de
espiacuterito empreendedor sendo portanto ele o pioneiro em tudo porque enfrentou
inuacutemeras dificuldades Assim produz discursos embasados em espaccedilos difiacuteceis de
sertatildeo obstaacuteculos naturais e o potencial arrojado do sujeito empreendedor inicial
Aleacutem disso o texto enfatiza que todo esse esforccedilo natildeo tinha como objetivo o
lucro o interesse proacuteprio a cobiccedila como se observa nesse fragmento do texto de Pires
(2002 p 10) ldquo[] Natildeo adentravam o sertatildeo em busca de bauacute recheado de preciosos
tesouros enterrados nas profundezas da terra A finalidade era trabalhar []rdquo Essas
narrativas remetem agrave trajetoacuteria do colonizador e de sua famiacutelia conforme a descriccedilatildeo
Minha histoacuteria comeccedila com o meu pai eacuteramos madeireiros ele
jaacute atuava no ramo por muitos anos faleceu e eu o substituiacute no
trabalho Na deacutecada de 50 me mudei para Satildeo Pedro dos
Ferros cidade jaacute com cinquenta anos de fundaccedilatildeo e sem
nenhuma participaccedilatildeo minha nem de algueacutem da minha famiacutelia
Compramos terra nesse municiacutepio onde foi implantado um
grande serviccedilo chegando a trabalhar dez mil pessoas no
desmatamento e formaccedilatildeo de aacutereas para a implantaccedilatildeo de
fazendas Quando o serviccedilo terminou eu estava com quarenta e
cinco anos de idade Acostumado desde muito cedo com serviccedilo
de grande porte utilizando grande nuacutemero de pessoas []
como fazendeiro comecei a me sentir meio ocioso As
atividades que eu tinha em minha fazenda natildeo eram suficientes
para satisfazer o meu acircnimo para o trabalho (ENTREVISTA
com Rubens Rezende Peres colonizador de Vila Rica realizada
por Suely Gonccedilalves Santos Pires em 2002)
47
Podemos compreender que o colonizador ressalta na sua narrativa seu
perfil de empreendedor advindo de uma ldquoheranccedilardquo adquirida do pai que era
madeireiro Depois vai demonstrando como foi se adaptando agraves novas situaccedilotildees
[] Em Belo Horizonte eu tinha amigos entatildeo participei a
eles sobre a minha pretensatildeo em procurar terras para abrir
novas frentes de trabalho Geraldo Simotildees amigo de longas
datas falou-me ldquoEu arranjo o dinheiro e vocecirc entra com o
serviccedilordquo Convidou uma meia duacutezia de amigos nossos
ldquoAcreditamos na sua capacidade e vocecirc vai pra laacuterdquo Noacutes natildeo
temos experiecircncias suficientes nesse ramo de negoacutecio o que
nos dificultaria particularmente a implantaccedilatildeo de um trabalho
dessa ordem mas entramos com o dinheiro (ENTREVISTA
com Rubens Rezende Peres colonizador de Vila Rica-MT
realizada por Suely Gonccedilalves Santos Pires em 2002)
Neste relato percebe-se a autopromoccedilatildeo do colonizador ao demonstrar que
ele era um ldquotrabalhadorrdquo acostumado com ldquoserviccedilos de grande porterdquo com iniciativa
para conseguir agregar em seus empreendimentos outros ldquoamigosrdquo como Geraldo
Simotildees que foi um dos donos das fazendas abertas naquele periacuteodo Essa narrativa de
autopromoccedilatildeo estaacute dentro de uma loacutegica baseada no ideaacuterio de que o colonizador
deveria ter esse perfil de ldquoempreendedorrdquo e ldquopioneirordquo e que trabalhava e tudo fazia
A narrativa de autopromoccedilatildeo contrapotildee ao esquecimento de outros pioneiros
e trabalhadores na eacutepoca da formaccedilatildeo da cidade O esvaziamento de sentido aparece na
narrativa apenas como apecircndice da construccedilatildeo da histoacuteria oficial do ldquoprogressordquo e do
ldquopioneirismordquo denotando portanto a pouca importacircncia desses trabalhadores Essa
visatildeo reforccedila o discurso do ldquofui eu quem fizrdquo acentuando ainda mais uma visatildeo
capitalista evidenciada e reforccedilada nas referecircncias sobre as contribuiccedilotildees do Frigoriacutefico
de Vila Rica-MT
Guimaratildees Neto (2011 p 95) discute a relaccedilatildeo entre a colonizaccedilatildeo e os
dispositivos de poder a partir do imaginaacuterio da cidade sobre o trabalho A autora afirma
que ldquo[] no acircmbito dos discursos objetivam dotar de significado poliacutetico econocircmico e
social os espaccedilos destinados agrave colonizaccedilatildeo a pedra angular eacute a produccedilatildeo da ideia ou
invenccedilatildeo de uma vocaccedilatildeo agriacutecola para a Amazocircniardquo Entatildeo temos nesse caso uma
aproximaccedilatildeo dessa realidade entre os espaccedilos sociais e as contribuiccedilotildees dos sujeitos
para uma Paacutetria produtiva a partir de seus municiacutepios
48
A seguir temos outro exemplo de como o discurso do colonizador soa como
uma reivindicaccedilatildeo em torno do reconhecimento por parte de todos os demais sujeitos
histoacutericos jaacute que foi ele quem construiu tudo em uma eacutepoca em que tudo era muito
difiacutecil e trabalhoso
[] Fui para aquela regiatildeo procurei as terras sobrevoando a
regiatildeo mais sul possiacutevel do Amazonas Interessei-me pela
regiatildeo por ficar mais perto do sul Eu acreditava que a
influecircncia do Sul no futuro seria importante Achei finalmente
as terras [] Procurando passei em muitas fazendas para
verificar como os capins se desenvolviam naquelas regiotildees e
finalmente descobri uma aacuterea que satisfez minhas exigecircncias
[] Eram cento e cinquenta mil hectares comprei de uma
firma do Rio Grande do Sul e posteriormente vendi parte dela
cinquenta mil hectares para fazendeiros de Ituiutaba -MG O
restante eu fiz sete fazendas para este grupo de Belo Horizonte
que jaacute tinha entrado com o dinheiro para a aquisiccedilatildeo da terra
(ENTREVISTA com Rubens Rezende Peres colonizador de
Vila Rica-MT realizada por Suely Gonccedilalves Santos Pires em
2002)
Ao contraacuterio da narrativa oficial do colonizador que exalta os seus esforccedilos e
problemas o relato oral de alguns colonos demonstra precisamente que foram eles que
enfrentaram os maiores problemas superaram os piores desafios e venceram por
esforccedilos pessoais e coletivos quando necessaacuterio
Noacutes eacuteramos seis famiacutelias aiacute com 15 dias em Mato Grosso o
pessoal comeccedilou adoecer com malaacuteria que ateacute entatildeo era
desconhecida pra gente quando o pessoal foi negociar as
terras disseram que aqui era um lugar muito sadio natildeo tinha
doenccedila Entatildeo quem tinha condiccedilatildeo voltou a ir embora e noacutes
ficamos aqui soacute que aiacute acabou tudo com doenccedila e fomos
trabalhar como peotildees pra quem tinha mais Ai depois de
alguns anos a gente mudou daquele local e procuramos um
lugar onde natildeo tinha doenccedila malaacuteria ateacute chegar na cidade de
Vila Rica-MT voltar a morar na cidade Aqui eu vendia picoleacute
limpava quintal trabalhei de servente de pedreiro ateacute que
surgiu a oportunidade pra ir estudar fora eu fui a estudar em
Satildeo Paulo (ENTREVISTA com Gilmar Assentado realizada
pela autora em marccedilo de 2015 Grifos do autor)
O relato mostra que havia colonos insatisfeitos com a aquisiccedilatildeo do lote e que
tinham vontade ou mesmo conseguiram voltar para seus lugares de origem Poreacutem
49
percebe-se tambeacutem a existecircncia de objetivos na vida destas pessoas como a luta pela
sobrevivecircncia e por ocupaccedilatildeo de destaque no espaccedilo social
Para aleacutem dessa problemaacutetica sobre a narrativa e o discurso do colonizador
um dos elementos principais foi o papel de instituiccedilotildees e oacutergatildeos puacuteblicos na criaccedilatildeo e
emancipaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica que se deu principalmente por meio de
programas e poliacuteticas puacuteblicas ligadas ao incentivo agrave colonizaccedilatildeo e a reocupaccedilatildeo por
meio de empresas agropecuaacuterias
121 O papel das instituiccedilotildees e oacutergatildeo puacuteblicos as empresas agropecuaacuterias
e a colonizadora
Conforme jaacute contextualizado a atuaccedilatildeo do Governo Federal atraveacutes de
projetos e poliacuteticas puacuteblicas foi fundamental para a criaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica-
MT O Programa de Redistribuiccedilatildeo de Terras e de Estiacutemulo agrave Agroinduacutestria do Norte
(Proterra) criado em 1971 foi um dos principais programas federais de financiamento
das agropecuaacuterias daquela aacuterea Esse programa objetivava dentre outras metas
promover o acesso agrave terra e agrave agroindustrializaccedilatildeo na aacuterea onde jaacute havia investimentos
feitos pela Sudam Ressaltamos que os objetivos idealizados natildeo foram necessaria e
igualmente realizados
No discurso do Proterra a ldquo[] aquisiccedilatildeo ou desapropriaccedilatildeo de terras de
interesse social empreacutestimos fundiaacuterios para pequenos e meacutedios produtores rurais
financiamento de projetos de agroindustrializaccedilatildeo subsiacutedios ao uso de insumos
modernos []rdquo Era um programa de governo que idealizou a organizaccedilatildeo de alguns
espaccedilos agraacuterios de maneira singular Cruzando com as fontes orais eacute possiacutevel verificar
o impacto desse programa na formaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica
[] Na eacutepoca o governo estava dando estiacutemulo para a
ocupaccedilatildeo da Amazocircnia Legal Era uma modalidade de
empreacutestimo por nome Proterra que o Banco do Brasil dava
Esse recurso era destinado agrave implantaccedilatildeo de Fazendas na
regiatildeo [] Fiz um projeto para cada um dos meus amigos e
criamos uma empresa para a implantaccedilatildeo das fazendas
denominadas de SERVAP exclusivamente nossa composta por
seis soacutecios e dirigida por meu filho Claudio [] Todo aquele
trabalho no Mato Grosso foi dirigido por mim Implantei todas
as fazendas de acordo com os Projetos do BB fizemos pastos
currais as cercas e compramos o gado para depois de quatro
ou cinco anos poder entregar as referidas fazendas para cada
50
um dos soacutecios [] Nesse periacuteodo surgiu a oportunidade de
comprar mais cem mil hectares de terras anexas agraves nossas e
que pertenciam na eacutepoca ao Sr Osvaldo Aranha ou melhor a
uma empresa dele Logo em seguida compramos a Urupianga
(ENTREVISTA com Rubens Rezende Peres colonizador de
Vila Rica - MT realizada por Soely Gonccedilalves Santos Pires em
2002)
O colonizador Rubens Rezende considera como meacuterito do colonizador
ousadia ldquodesbravamentordquo e ldquoempreendedorismordquo como base apoio e financiamentos
de programas do Governo Federal viabilizados pelo Banco do Brasil A deacutecada de
1970 sobretudo as os anos de 1970-1973 e 1975-1979 foi marcada pela execuccedilatildeo de
um programa de crescimento econocircmico na fronteira Amazocircnica quando o Governo
Federal estimulou as empresas privadas a se constituiacuterem em grandes empreendimentos
agropecuaacuterios Esses projetos eram majoritariamente aqueles que viabilizados pela
parceria entre as empresas estatais e privadas
Na execuccedilatildeo desse projeto de crescimento econocircmico do Brasil sobretudo
para a Amazocircnia o Governo Federal subsidiou e viabilizou a concessatildeo de terras para
que grupos empresariais pudessem instalar grandes projetos tanto no setor
agropecuaacuterio como na induacutestria mineraccedilatildeo e colonizaccedilatildeo No espaccedilo do Araguaia as
empresas agropecuaacuterias tiveram significativa presenccedila
Os projetos e programas do Governo Federal contaram com duas principais
frentes de atuaccedilatildeo atraveacutes da Sudam paralelamente com a atuaccedilatildeo do INCRA com
projetos de assentamentos rurais Assim as terras devolutas foram vendidas pelo
Governo Estadual e adquiridas a preccedilos baixos por empresaacuterios agricultores
profissionais liberais atraiacutedos pelos incentivos fiscais e oportunidades de expansatildeo de
capital fomentado por projetos agropecuaacuterios aprovados pela Sudam Comprar e
administrar extensas fazendas na Amazocircnia parecia ser um bom negoacutecio jaacute que oferecia
baixo risco
Lourenccedilo (2009) informa que no periacuteodo de 1970 a 1985 a Amazocircnia Legal
teve 950 projetos aprovados pela Sudam dos quais 631 eram destinados agrave pecuaacuteria
extensiva Embora a previsatildeo de duraccedilatildeo desses projetos fosse de 16 anos a produccedilatildeo
era em meacutedia 9 do que tinha sido proposto Havia ainda as fazendas agropecuaacuterias
que natildeo produziam praticamente nada aleacutem daquelas que soacute existiam no papel
constituiacutedas apenas para a captaccedilatildeo de financiamentos e incentivos fiscais
51
No iniacutecio da deacutecada de 1970 o Governo Federal permitiu que as empresas de
colonizaccedilatildeo privada participassem juntamente com o INCRA da colonizaccedilatildeo na
Amazocircnia Segundo Lourenccedilo (2009 p 4)
O outro braccedilo da estrateacutegia de ocupaccedilatildeo da Amazocircnia com o
grande capital foi o avanccedilo da colonizaccedilatildeo privada Entre o
comeccedilo dos anos 1970 e meados dos anos 1980 principalmente
no Norte do Mato Grosso empresaacuterios como Ecircnio Pepino
Ariosto da Riva e Joatildeo Carlos Meireles compraram do INCRA
ou do estado do Mato Grosso com financiamento fundiaacuterio do
Proterra imensas glebas para divisatildeo e venda de lotes a colonos
do Sul expulsos pela modernizaccedilatildeo excludente da agricultura
ou afetados pela construccedilatildeo de hidreleacutetricas Os nomes das
cidades na metade norte do estado satildeo reveladores de suas
origens na empresa privada Sinop (Sociedade Imobiliaacuteria
Noroeste do Paranaacute) Confresa (Colonizadora Frenova Sapesa)
Contriguaccedilu (Cooperativa Central Regional Iguaccedilu) Codeara
(Companhia de Desenvolvimento do Araguaia do Banco de
Creacutedito Nacional) e outros nomes menos reveladores mas de
mesma origem como Alta Floresta (Indeco) Nova Mutum
(Agropecuaacuteria Mutum) Vila Rica-MT (Colonizadora Vila
Rica-MT) Tucumatilde (Construtora Andrade Gutierrez no Paraacute)
entre vaacuterios outros (Grifos nossos)
Em Mato Grosso as empresas de colonizaccedilatildeo privada adquiriram vaacuterios
milhotildees de hectares de terras puacuteblicas que foram loteadas e revendidas sobretudo para
agricultores que migraram do Sul do Brasil O INCRA que era responsaacutevel pela
colonizaccedilatildeo na Amazocircnia desenvolveu poucos projetos de colonizaccedilatildeo em Mato
Grosso deixando o campo aberto para as empresas privadas
Pouco foi investido por parte de posteriores Governos Federais e Estaduais na
permanecircncia dos assentados em suas terras centralizando os anseios e reinvindicaccedilotildees
ainda no INCRA Somente em 1999 o Governo Federal criou o Ministeacuterio do
Desenvolvimento Agraacuterio (MDA) Este oacutergatildeo se ocupou do reordenamento agraacuterio e
regularizaccedilatildeo fundiaacuteria na Amazocircnia Legal promoccedilatildeo do desenvolvimento sustentaacutevel
da Agricultura Familiar das regiotildees rurais e na identificaccedilatildeo reconhecimento
delimitaccedilatildeo demarcaccedilatildeo e titulaccedilatildeo das terras ocupadas pelos remanescentes das
comunidades quilombolas
Estes oacutergatildeos (INCRA e MDA) foram responsaacuteveis pelo desenvolvimento da
poliacutetica permanente de criaccedilatildeo de assentamentos rurais no paiacutes enquanto mediadores da
aquisiccedilatildeo ou de expropriaccedilatildeo de novas aacutereas de terras privadas ou puacuteblicas aleacutem da
52
realizaccedilatildeo da regularizaccedilatildeo de assentamentos rurais em aacutereas ocupadas por posseiros de
forma ldquomansardquo e paciacutefica ou seja onde natildeo havia conflito
O INCRA definiu o ldquoProjeto de assentamento ruralrdquo (PA) como
[] um conjunto de unidades agriacutecolas independentes entre si
instaladas pelo INCRA onde originalmente existia um imoacutevel
rural pertencente a um uacutenico proprietaacuterio Cada unidade
chamada de parcela lote ou gleba eacute entregue a uma famiacutelia sem
condiccedilotildees econocircmicas para adquirir e manter um imoacutevel rural
por outras vias Os trabalhadores rurais que recebem o lote
comprometem-se a morar na parcela e a exploraacute-la para seu
sustento utilizando a matildeo de obra familiar e contando com
creacuteditos assistecircncia teacutecnica infraestrutura e outros benefiacutecios
de apoio ao desenvolvimento das famiacutelias assentadas Ateacute que
possuam a escritura do lote os assentados estaratildeo vinculados ao
INCRA e natildeo poderatildeo dispor da gleba sem anuecircncia ou
autorizaccedilatildeo do INCRA10
Como assinalado acima o assentamento rural na definiccedilatildeo apresentada pelo
MDA teve como origem um uacutenico imoacutevel rural dividido em vaacuterias partes denominadas
de ldquoparcela lote ou glebardquo Ressalta-se que estes lotes foram destinados ldquo[] a uma
famiacutelia sem condiccedilotildees econocircmicas para adquirir e manter um imoacutevel ruralrdquo e que os
mesmos ldquo[] comprometem-se a morar na parcela e a exploraacute-la para seu sustento
utilizando a matildeo de obra familiarrdquo (INCRA 2015)
No municiacutepio de Vila Rica-MT a criaccedilatildeo e formaccedilatildeo dos assentamentos
rurais teve influecircncia direta no processo de colonizaccedilatildeo e instalaccedilatildeo de projetos
agropecuaacuterios (fazendas) O processo de reocupaccedilatildeo daquele espaccedilo comeccedilou com a
empresa SERVAP que realizou a exploraccedilatildeo desmatamento formaccedilatildeo de pastagens
currais e casas para as fazendas
122 A Servap e a abertura das Fazendas Promissatildeo Satildeo Marcos Aracatiacute e
Porongaba
Apoacutes a ldquoaberturardquo inicial a Servap transferiu parte das terras para a
Colonizadora Vila Rica O colonizador se responsabilizou pela comercializaccedilatildeo das
terras uma vez que seus soacutecios natildeo tinham experiecircncia com esse tipo de
10 Disponiacutevel em lt httpwwwincragovbrassentamentogt Acesso em 19052015
53
empreendimento Assim sendo segundo Pires (2002 p 22) os soacutecios realizaram a
divisatildeo das fazendas entre os mesmos por meio de um sorteio como foi relatado por
alguns funcionaacuterios da antiga empresa SERVAP
A ideia de praticar o sorteio foi vista como estrateacutegia para natildeo gerar
descontentamento jaacute que havia diferenccedila entre as fazendas em termos de valorizaccedilatildeo
da aacuterea o que tinha relaccedilatildeo com a infraestrutura os investimentos realizados e a
distacircncia da fazenda com a estrada por onde passaria a rodovia BR-158
A SERVAP tambeacutem tinha uma serraria e uma oficina de marcenaria para
atender a demanda de exploraccedilatildeo de madeira a qual era utilizada para a construccedilatildeo de
cercas currais e casas No iniacutecio a maioria das casas da aacuterea era construiacuteda com
madeira
Retomando o relato oral do ldquodito pioneirordquo eacute possiacutevel considerar a hipoacutetese
de que a praacutetica de exploraccedilatildeo de madeira esteja relacionada agrave proacutepria experiecircncia de
vida pois eacute ele mesmo quem diz ldquo[] minha histoacuteria comeccedila com o meu pai eacuteramos
madeireiros ele jaacute atuava no ramo por muitos anos faleceu e eu o substituiacute no
trabalhordquo (ENTREVISTA com Mendonccedila apud Soely 2002)
Na sede da empresa havia ainda uma pista para pouso de aviotildees e uma aacuterea
que servia como local de encontro ldquodos peotildeesrdquo que trabalhavam na SERVAP Os peotildees
costumavam ali se reunir nos horaacuterios de folga daiacute o lugar ser nomeado como ldquoPraccedila
Seterdquo Segundo Pires (2002 p 22) o nome era uma homenagem agrave cidade de Belo
Horizonte capital de Minas Gerais jaacute que a grande maioria das pessoas que trabalhava
na Servap era oriunda daquele Estado Esse espaccedilo tambeacutem se constituiu no eixo que
marcava a divisatildeo das quatro fazendas que deram origem ao processo de colonizaccedilatildeo de
Vila Rica conforme a Figura 4
Figura 4 Croqui de localizaccedilatildeo das fazendas
54
Fonte PIRES 2002 p 10
E como haviam sido ldquocriadasrdquo segundo o colonizador outras trecircs fazendas a
nova organizaccedilatildeo das agropecuaacuterias ocorreu da seguinte maneira ldquoFazenda Aracati
passou a ser de propriedade apenas de Rubens Rezende Peres A Fazenda Promissatildeo de
propriedade de Geraldo Franccedila Simotildees A Fazenda Porongaba de propriedade de Alair
Fernandes A Fazenda Ipecirc ficou sendo de Jonas Barcelos enquanto a fazenda Satildeo Joseacute
tornou-se propriedade de Homero Schettino Jaacute a Fazenda Satildeo Marcos do senhor
Miguel Acircngelo Cansado e a Fazenda Acaiaca de Tuacutelio Feliacutecio da Silvardquo (PIRES
2002)
Algumas dessas fazendas tornaram-se ociosas em termos de produccedilatildeo outras
nunca tiveram atividade agropecuaacuteria efetivada e outras faliram como foi descrito por
Lourenccedilo (2009 p 4) ao referir-se ao contexto dos projetos agropecuaacuterios na
Amazocircnia sobretudo no Araguaia
[] que existiu de fato foi o conflito crocircnico entre as grandes
fazendas e as populaccedilotildees camponesas que jaacute habitava a suposta
ldquoterra sem homensrdquo [] O Meacutedio Araguaia e a regiatildeo de
contato entre as bacias do Araguaia e Xingu foram palco de
inuacutemeros conflitos violentos entre posseiros apoiados pela
Igreja Catoacutelica e grandes fazendeiros que reclamavam de
imensas porccedilotildees de terra11
11Disponiacutevel em lthttpinteressenacionaluolcombrindexphpedicoes-revistaregularizacao-
fundiaria-e-desenvolvimento-na-amazoniagt Acesso em 28082015
55
As aacutereas remanescentes tornaram-se objeto de interesse e disputa por parte de
posseiros agricultores familiares grileiros e fazendeiros Logo natildeo eacute possiacutevel falar de
sucesso contiacutenuo e permanente dos processos de colonizaccedilatildeo ainda que estejam no
ideaacuterio do colonizador Alguns desses projetos privados se sustentaram e deram
resultado poreacutem outros ficaram a mercecirc da administraccedilatildeo dos proprietaacuterios das
empresas colonizadoras
A especificidade da formaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica-MT
estaacute centrada em uma conjuntura regional que pode ser problematizada pela forma com
que os assentamentos rurais foram sendo formados em aacutereas remanescentes de fazendas
e projetos agropecuaacuterios
13 Anos de 1980 a 1990 o Araguaia e a formaccedilatildeo dos assentamentos rurais
Na presente dissertaccedilatildeo produzimos uma narrativa sobre a formaccedilatildeo dos
assentamentos rurais no Araguaia compreendemos que os mesmos resultaram das lutas
travadas pelos movimentos sociais desencadeados pelos posseiros em busca de terra
para morar e produzir Essa concepccedilatildeo pode ser compartilhada com a ideia de que
apesar da evidecircncia de o assentado nem sempre ser aquele idealizado natildeo se pode
perder de vista que ldquoposseirordquo eacute uma categoria poliacutetica de luta pela terra Assim nossa
escrita deseja ampliar a possibilidade de entender esse jogo poliacutetico de construccedilatildeo social
da vida ldquocampesinardquo atraveacutes da luta pela terra
Conveacutem entatildeo compreender que os conflitos e praacuteticas de violecircncia
aplicadas contra os povos indiacutegenas ribeirinhos posseiros e trabalhadores rurais no
Araguaia satildeo em geral consequecircncia das lutas pela posse da terra sobretudo nas
deacutecadas de 1970 1980 e 1990 Naquele periacuteodo as disputas foram marcadas por
embates intensos entre trabalhadores rurais indiacutegenas empresaacuterios comerciantes
fazendeiros e posseiros deixando sequelas sociais profundas Vale lembrar ainda que
esses acontecimentos marcaram a trajetoacuteria de luta pela vida e a memoacuteria dos sujeitos
histoacutericos na dinacircmica de reocupaccedilatildeo e apropriaccedilatildeo dos espaccedilos rurais da aacuterea
Diante do cenaacuterio de luta pela sobrevivecircncia e tentativas de conquistar a
posse da terra eacute bem possiacutevel aceitar e afirmar que se natildeo fosse o apoio e as accedilotildees
poliacuteticas de algumas instituiccedilotildees como a Prelazia de Satildeo Felix do Araguaia da
56
Comissatildeo Pastoral da Terra (CPT) e os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais em favor
dos posseiros e indiacutegenas o territoacuterio do Araguaia hoje teria outra configuraccedilatildeo social
e cultural Da mesma maneira teriacuteamos outras histoacuterias e outras relaccedilotildees sociais para
analisar e compreender a dinacircmica da vida ldquocampesinardquo na luta por seus ideais
Essas circunstacircncias satildeo tatildeo especiais que o proacuteprio aparato estatal
reconheceu os esforccedilos das instituiccedilotildees sociais e religiosas na proteccedilatildeo amparo e
contribuiccedilatildeo para com a vida dos ldquopequenosrdquo lutadores pela vida Esses documentos
por exemplo demonstram os acontecimentos para o MDA (2014 p 17) da seguinte
maneira
Cabe destacar ainda o importante papel da Igreja e dos
sindicatos dos trabalhadores rurais na intermediaccedilatildeo dos
conflitos agraacuterios e no proacuteprio processo de ocupaccedilatildeo atraveacutes da
organizaccedilatildeo das comunidades rurais e estruturaccedilatildeo dos
municiacutepios Ainda hoje a CPT realiza accedilotildees de fiscalizaccedilatildeo e
denuacutencias de trabalho escravo e violecircncia no campo na
microrregiatildeo norte Araguaia
Em plena concordacircncia com o significado atribuiacutedo pelo MDA reafirmamos
que os posseiros e trabalhadores rurais do territoacuterio do Araguaia recorreram a diferentes
estrateacutegias e instituiccedilotildees reordenando determinadas estrateacutegias diante do processo de
reocupaccedilatildeo territorial que ora se revelavam ldquoespontaneamenterdquo ora se mostraram de
forma pensada e arquitetada ganhando singularidades adequadas e bem ordenadas
quando articuladas agrave CPT e agrave Prelazia de Satildeo Felix do Araguaia
Tais instituiccedilotildees desenvolveram eficientes accedilotildees projetivas e formativas das
equipes dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais da aacuterea marcadas por distintos tipos
de comportamentos e de relaccedilotildees proacuteximas entre sujeitos e instituiccedilotildees produzindo
diversos significados na vida de um povo de uma instituiccedilatildeo ou de uma autoridade
Assim ao apresentar o livro Conquistar a Terra reconstruir a Vida lanccedilado
em comemoraccedilatildeo aos dez anos de existecircncia da CPT uma das mais importantes
autoridades religiosas daquela aacuterea o bispo da Prelazia de Satildeo Feacutelix do Araguaia Dom
Pedro Casaldaacuteliga resolveu de uma maneira poeacutetica e profeacutetica produzir sentido como
um cacircntico de liberdade e de determinaccedilatildeo de um povo registrando sua compreensatildeo da
seguinte forma
57
Celebrar os dez anos da Comissatildeo Pastoral da Terra deve ser
simultaneamente um ato penitencial uma memoacuteria de martiacuterio
e uma cantiga rural de accedilatildeo de graccedilas
A CPT tem os seus pecados Inimigos e amigos cuidaram e
cuidam de lembraacute-lo oportuna e inoportunamente E isso nos
faz Ser criacuteticos e autocriacuteticos deveria ser um traccedilo de
identidade marcante em toda a pastoral que se queira
historicamente engajada e fiel ao ritmo popular A accedilatildeo de
graccedilas queremos cantaacute-la porque o Deus dos Pobres da Terra
se tem feito presente de muitos modos nesta nossa caminhada
entre os lavradores e os agentes na proacutepria CPT e a partir dela
em outros setores da Igreja do Brasil e tambeacutem em Igrejas e
movimentos rurais da Ameacuterica Latina que a CPT de alguma
maneira atingiu com suas contribuiccedilotildees
Superados o tempo da saudade e a saudade- que nem todos
conseguem superar- daquela Accedilatildeo Catoacutelica e seus derivados
mais com o esquema da Igreja ldquosociedade perfeita paralela agrave
sociedade humana a CPT trouxe inegavelmente agrave Igreja do
Brasil uma novidade pastoral seguindo o jeito pioneiro do
CIMIrdquo
[] Sei que muitos mais ou menos amigos- reclamaram com
frequecircncia do ldquoPrdquo nem sempre bem vivido da nossa CPT
agora mocinha de 10 anos Outros reclamaram do ldquoTrdquo
obsessivamente vivido pela CP segundo eles
(CASALDAacuteLIGA 1985 p 7-8)
Percebemos no texto uma evidente preocupaccedilatildeo de Dom Pedro Casaldaacuteliga
em reconhecer os ldquopecados da CPTrdquo que satildeo constantemente debatidos por ldquoinimigos e
amigosrdquo que apontam os problemas causados pelas accedilotildees da CPT e da Prelazia de Satildeo
Feacutelix do Araguaia As criacuteticas quanto ao fato da CPT ser uma ldquopastoralrdquo satildeo
evidenciadas pelo bispo que sabe que muitos satildeo os criacuteticos dessa forma de organizaccedilatildeo
e luta pastoral mas pondera que
Com a graccedila do Senhor da Terra e na marcha diaacuteria para a Terra
Prometida que se recebe e se conquista desafio histoacuterico e dom
escatoloacutegico procuramos conjugar melhor com mais garra
com nova alegria mais autenticamente evangeacutelicos e rurais o
ldquoP‟ e o ldquoTrdquo de uma Pastoral da Terra criacutetica livre e servidora A
foacutermula providencial da CPT estaacute longe de se esgotar
(CASALDAacuteLIGA 1985 p 8)
Logo Dom Pedro aponta para a necessidade de a CPT ter sua praacutetica
ancorada na necessidade dos atores sociais e que essa situaccedilatildeo estaacute ldquolonge de se
esgotarrdquo Ressaltamos que mesmo diante de equiacutevocos praticados a atuaccedilatildeo dessa
instituiccedilatildeo e de seus agentes foi decisiva para a dinacircmica da luta pela terra no Araguaia
58
Nas palavras de Dom Pedro fica evidente o caraacuteter de uma consciecircncia dos
atores sociais para a luta
Queria e quero estar evangelicamente - evangelizadoramente
tambeacutem - em meio ao povo lavrador reforccedilando sua
consciecircncia e a coragem unida de suas lutas sem entretanto
substituir jamais suas organizaccedilotildees autocircnomas sem dirigi-lo
condicionadamente Ouvindo-o muito mais perto Ajudando
toda a Igreja do Brasil a se aproximar desse povo profeacutetica e
servidora Voltando- se tambeacutem para a opiniatildeo puacuteblica do paiacutes
como porta-voz de emergecircncia e alto falante privilegiado do
clamor dos lavradores durante este escuro tempo nacional que
proibia ou tergiversava ou ignorava a voz do povo
(CASALDAacuteLIGA 1985 p 7)
O bispo ainda fez uma anaacutelise de conjuntura em que a luta pela terra os
direitos e a permanecircncia nela natildeo satildeo problemas superados
Gostaria de acrescentar apenas que esse tempo escuro mal
comeccedila a clarear A Nova Repuacuteblica pode muito bem ser uma
nova ilusatildeo uma nova fraude Os senhores deste mundo nosso
colonizado e dependente poderatildeo permitir que mudem os
governos e ateacute os regimes e ateacute os regimes filiais sempre que se
preserve a alma sem alma do sistema E com se mantenha o
sacrifiacutecio do Povo e sua escravidatildeo particularmente no campo
sempre cobiccedilado pelos sucessivos impeacuterios
E porque esse tempo natildeo passou ainda- amanhece na incerteza-
a Igreja toda do Brasil e a CPT em sua missatildeo especiacutefica
deveratildeo se hoje mais do que nunca servidoras alertadas do
Povo dos pobres De um jeito novo sem duacutevida mais fina a
profecia mais plural a presenccedila do diaacutelogo mais largo os
passos mais concretos []
Como me sinto parte nesta causa natildeo entro em mais juiacutezos Eu
e a CPT carregados carregamos no coraccedilatildeo um monte de nomes
entranhados que o senhor sem duacutevida escreveraacute com terra e
sangue no Livro da Terra Este livro jubilar de palavras e papel
sirva para recordar para avaliar para estimular a caminhada
sempre fiel e sempre nova (CASALDAacuteLIGA 1985 p 10)
Atraveacutes das palavras do bispo Dom Pedro podemos compreender melhor a
perspectiva da accedilatildeo da CPT e o significado da relaccedilatildeo entre posseiros e as instituiccedilotildees
religiosas especificamente atraveacutes de seus agentes e grupos sociais muacuteltiplos e diversos
que vivem no Araguaia indiacutegenas retireiros trabalhadores rurais posseiros sertanejos
peotildees dentre outros grupos sociais ligados agrave terra e ao trabalho
59
Dom Pedro utiliza palavras esforccedilando-se para natildeo julgar natildeo ofender natildeo
dividir natildeo pregar o oacutedio evitando falar sobre o desafio do poder constituiacutedo ou das
forccedilas dos poderes sociais e econocircmicos visiacuteveis na sociedade Ao contraacuterio reconhece
o valor das lutas relembra a anguacutestia e a necessidade delas valoriza a opccedilatildeo feita para
construir uma histoacuteria de uma instituiccedilatildeo e acima de tudo compromete-se com os
grupos sociais fragilizados e vitimizados do Araguaia
Seus escritos soam como um lamento como um choro de alegria por ter
realizado o sonho de estar partilhando a vontade de vencer e sobreviver na sociedade
capitalista Portanto trata-se nessa longa citaccedilatildeo de uma arte de compor a frase de
compor o sentido dos acontecimentos em belas frases de mergulhar no mundo das
letras para reafirmar questotildees sublimes da sensibilidade humana que se deslocam agraves
instituiccedilotildees colocando em movimento um conjunto de recursos que servem para a luta
na disputa pela terra e em defesa dos socialmente fragilizados Talvez seja este
fragmento de texto uma oraccedilatildeo que orientou seu sentido de vida enfim que o moveu
para o terreno da poliacutetica da Igreja Catoacutelica em defesa de setores sociais empobrecidos
Sem descuidar da compreensatildeo deles a Igreja ampliando o trajeto para
multiplicar nossa capacidade de conhecer possibilitou que compreendecircssemos outras
contribuiccedilotildees Assim para Ferreira Fernaacutendez e Silva (1999) a histoacuteria dos
assentamentos rurais em Mato Grosso natildeo foge agraves caracteriacutesticas de outras regiotildees do
Brasil A maior parte deles eacute resultado da luta dos posseiros que demandavam terra e
moradia
A partir daqui nossa visatildeo da disputa pela terra se amplia no sentido de
perceber a intervenccedilatildeo de setores sociais em defesa de seus respectivos grupos Cada
um deles possui uma agremiaccedilatildeo que produz a disputa no terreno da religiatildeo ou da
poliacutetica Compreendida desta forma fica mais intensa nossa necessidade de estudar
ainda mais a participaccedilatildeo dos movimentos sociais sindicais e religiosos na luta pela
terra
Isso porque a primeira vitoacuteria de uma luta pela terra tem como fator decisivo
a posse de um territoacuterio e isso depende das relaccedilotildees que se estabelecem Por isso de
acordo com Fernandes (1996 p 181) ldquo[] O assentamento eacute o territoacuterio conquistado
eacute portanto um novo recurso na luta pela terra que significa parte das possiacuteveis
conquistas representadas sobretudo a possibilidade da Territorializaccedilatildeordquo
60
Sendo assim eacute relevante compreender as diversas accedilotildees que envolvem o
processo de luta e conquista da terra sendo preciso compreender as taacuteticas de luta e as
estrateacutegias ordenadas para a conquista e natildeo conhecer apenas o ato de regularizaccedilatildeo
oficial do assentamento rural Afinal a oficializaccedilatildeo de um assentamento rural natildeo diz
tudo sobre a luta pela terra Apenas legitima sua posse de acordo com as orientaccedilotildees
estatais
Portanto as relaccedilotildees produzidas as accedilotildees articuladas de maneira organizada
entre sujeitos e instituiccedilotildees levam a um novo mundo de reconfiguraccedilatildeo das afinidades
Nessa mesma perspectiva Salazar (2005 p 217) afirma que
Em um mesmo territoacuterio se pode encontrar diferentes
assentamentos humanos articulados entre si ou natildeo na medida
em que cumprem um papel social econocircmico cultural e
poliacutetico dentro da sociedade que o faz possiacutevel e dentro do
sistema econocircmico ao qual se vinculam O caraacuteter e o
desenvolvimento das poliacuteticas estatais frente ao territoacuterio e agrave
populaccedilatildeo tambeacutem condicionam a apropriaccedilatildeo que faccedila [sic] a
sociedade do espaccedilo e seus recursos
Agrave luz da concepccedilatildeo do autor pode-se considerar que os assentamentos rurais
constituem vivecircncias e experiecircncias e satildeo permeados por relaccedilotildees fortemente marcadas
por disputas e perspectivas de poder interesses intenccedilotildees poliacuteticas e percepccedilotildees
diferentes acerca da funccedilatildeo e das relaccedilotildees constituiacutedas entre o Estado e a Sociedade
entre os proacuteprios participantes e componentes das organizaccedilotildees sociais
Logo as poliacuteticas puacuteblicas direcionadas aos assentamentos rurais criam
tambeacutem elementos de competiccedilatildeo pelo poder na medida em que lhes satildeo atribuiacutedos
novos sentidos e significados Isto se deve ao fato de que eacute atraveacutes das praacuteticas e dos
discursos que os diferentes sujeitos histoacutericos criam e recriam a representaccedilatildeo acerca da
funccedilatildeo dos assentamentos rurais
Ao considerar os muacuteltiplos contextos no que concerne agraves condiccedilotildees de luta
dos assentados pela Reforma Agraacuteria percebemos que estes atores sociais recorreram a
diferentes estrateacutegias para atraiacuterem a atenccedilatildeo das autoridades enquanto Poder Puacuteblico
No cenaacuterio das disputadas nos movimentos de organizaccedilatildeo das lutas nas composiccedilotildees
coletivas para enfrentamento das individualidades do poder econocircmico e diante da
violecircncia que sempre emergiu na luta pela terra desde os recursos proporcionados pela
miacutedia ateacute o enfrentamento com pistoleiros e fazendeiros os agentes que reivindicam
61
terra disputam a articulaccedilatildeo entre sujeitos e instituiccedilotildees entre oacutergatildeos e instacircncias de
poder
Esse movimento natildeo se limita somente ao enfrentamento dos portadores de
tiacutetulos e ou proprietaacuterios de terra ou entre grandes posseiros ou grileiros de terras
puacuteblicas Necessariamente os estudos devem caminhar no sentido de perceber outras
variaccedilotildees no seu interior
Conforme Ferreira Fernaacutendez e Silva (2009 p 197)
Em Mato Grosso as poliacuteticas de assentamento dos
trabalhadores rurais principalmente a colonizaccedilatildeo (oficial e
privada) e os assentamentos de reforma agraacuteria sobre vaacuterios
aspectos devem ser mais estudados de dupla matildeo certamente
natildeo se referem a daacutedivas mas agraves conquistas dos trabalhadores
em accedilatildeo conjunta com o estado O assentamento de reforma
agraacuteria eacute um processo em curso repleto de fatores positivos e
limitaccedilotildees que coloca no plano social poliacutetico econocircmico e
ambiental possibilidades de ecircxito da produccedilatildeo familiar no
campo
Os autores chamam a atenccedilatildeo para o fato de que ao tomarmos os
assentamentos rurais em Mato Grosso como objeto de estudo eles devem ser estudados
em uma perspectiva que aponte o percurso e os significados das lutas sociais frente agrave
conquista de novos territoacuterios Ao mesmo tempo natildeo devemos limitar nossos olhares
simplesmente para os conflitos entre os grupos sociais diferenciados mas tambeacutem para
os conflitos com o proacuteprio poder puacuteblico sem esquecer as transformaccedilotildees das
condiccedilotildees de vida das pessoas que vivem da produccedilatildeo familiar Assim eacute preciso
perceber que haacute cooperaccedilatildeo compartilhamento de interesses em alguns aspectos mas
em outras circunstacircncias tambeacutem existe a necessidade de intensificar nossos
conhecimentos sobre tais processos
Por outro lado os mesmos autores consideram como questatildeo importante
tambeacutem destacar que embora os assentamentos rurais em Mato Grosso se revelem
como uma alternativa promissora na dinamizaccedilatildeo da economia e promoccedilatildeo do
desenvolvimento local os mesmos ainda estatildeo longe de serem consolidados enquanto
poliacutetica puacuteblica
De maneira especial no que tange agraves accedilotildees do Estado no sentindo de
viabilizar a infraestrutura necessaacuteria ao desenvolvimento pleno da Agricultura Familiar
e de potencializar essa modalidade de produccedilatildeo como alternativa para manutenccedilatildeo do
62
conjunto social no territoacuterio de produccedilatildeo e no espaccedilo de trabalho em que se realiza mais
como ser humano e como trabalhador
Desse modo eacute possiacutevel afirmar que o artifiacutecio da Reforma Agraacuteria deve vir
sustentado pela intensificaccedilatildeo e realizaccedilatildeo de outros elementos para que de fato e de
direito sejam asseguradas as condiccedilotildees necessaacuterias agrave ascensatildeo social e econocircmica dos
agricultores familiares Para isso eacute preciso que surjam novas accedilotildees visando a alteraccedilatildeo
dos espaccedilos institucionais no acircmbito local e regional
Soacute assim haveraacute efetivamente a possibilidade de melhoria das condiccedilotildees de
vida daqueles que sobrevivem da produccedilatildeo nos assentamentos rurais Especialmente eacute
necessaacuterio compreender que melhorando a vida no campo melhoramos a vida na
cidade onde a maior parte da populaccedilatildeo depende dos que produzem no campo para se
alimentar e consequentemente para viver Esse deveria ser um principio poliacutetico de
cidadania para todos aqueles que se envolvem com a disputa pela terra e com a luta pela
conquista do territoacuterio de trabalho da populaccedilatildeo ldquocampesinardquo
O Projeto de assentamento rural se contemplado com accedilotildees do Estado
favorece o desenvolvimento econocircmico local desde que as poliacuteticas puacuteblicas
implementadas nos assentamentos rurais sejam direcionadas para o seu fortalecimento
oferecendo-lhes maior potencial econocircmico cultural e social com um planejamento que
lhes decirc sustentaccedilatildeo numa perspectiva de meacutedio e em longo prazo sem esquecer que
qualificar a produccedilatildeo ldquocampesinardquo significa tambeacutem promover o desenvolvimento do
comeacutercio e de outros setores da economia otimizando accedilotildees para novos padrotildees de
organizaccedilatildeo e melhoria das condiccedilotildees de vida da populaccedilatildeo urbana
Em relaccedilatildeo agraves poliacuteticas de Reforma Agraacuteria no Brasil Bergamasco amp Norder
(1996) consideram que os assentamentos rurais exercem papel importante no panorama
rural brasileiro de modo particular por contribuir de forma significativa nas
transformaccedilotildees sociais e econocircmicas por meio da geraccedilatildeo de novos empregos da
diminuiccedilatildeo do ecircxodo rural aumentando assim a produccedilatildeo e a oferta de alimentos Ou
seja os assentamentos rurais tecircm um papel significativo na produccedilatildeo agriacutecola do paiacutes
Para esses autores melhorar as condiccedilotildees de vida no campo sobretudo nos
assentamentos rurais significa elevar a situaccedilatildeo econocircmica da maioria das pessoas que
vive e depende da Agricultura Familiar como uacutenico meio e fonte de renda na garantia
do sustento familiar
63
Mas essas poliacuteticas puacuteblicas combinadas com poliacuteticas sociais passam por
um constante debate sobre redefiniccedilotildees e articulaccedilotildees a exemplo definir o que eacute um
assentamento rural o significado da territorializaccedilatildeo e da compreensatildeo do papel do
sujeito campesino na vida social de um povo Esse debate eacute promovido pela sociedade
civil que delibera demandas e propotildee mudanccedilas nos oacutergatildeos e instituiccedilotildees auxiliadoras
na sua concretizaccedilatildeo como o INCRA e o MDA em relaccedilatildeo aos assentamentos rurais e
suas poliacuteticas puacuteblicas
O MDA desde sua criaccedilatildeo em 199912
tem como incumbecircncia atuar na
Reforma Agraacuteria e seu reordenamento cumprindo papel fundamental na regularizaccedilatildeo
fundiaacuteria na Amazocircnia Legal promovendo o desenvolvimento sustentaacutevel da
Agricultura Familiar nas regiotildees rurais e de maneira singular atuando na identificaccedilatildeo
reconhecimento delimitaccedilatildeo demarcaccedilatildeo e titulaccedilatildeo das terras ocupadas pelos
remanescentes das comunidades quilombolas Logo esse ministeacuterio por meio do
INCRA desenvolve poliacuteticas puacuteblicas de realizaccedilatildeo de assentamentos rurais no paiacutes e a
ainda na contemporaneidade tem demonstrado algumas necessidades prementes
Assim para realizaccedilatildeo do seu mister a Instituiccedilatildeo ou oacutergatildeo principal do
Poder Puacuteblico que orienta a Questatildeo Agraacuteria o INCRA atualmente define projetos de
assentamento Rural (PA) como
[] um conjunto de unidades agriacutecolas independentes entre si
instaladas pelo INCRA onde originalmente existia um imoacutevel
rural pertencente a um uacutenico proprietaacuterio Cada unidade
chamada de parcela lote ou gleba eacute entregue a uma famiacutelia sem
condiccedilotildees econocircmicas para adquirir e manter um imoacutevel rural
por outras vias Os trabalhadores rurais que recebem o lote
comprometem-se a morar na parcela e a exploraacute-la para seu
sustento utilizando a matildeo de obra familiar e contando com
creacuteditos assistecircncia teacutecnica infraestrutura e outros benefiacutecios
de apoio ao desenvolvimento das famiacutelias assentadas Ateacute que
possuam a escritura do lote os assentados estaratildeo vinculados ao
INCRA e natildeo poderatildeo dispor da gleba sem anuecircncia ou
autorizaccedilatildeo do INCRA13
Como assinalado o assentamento rural na definiccedilatildeo apresentada pelo MDA
origina-se de um uacutenico imoacutevel rural que eacute dividido em vaacuterias partes denominada de
12
Criado atraveacutes da medida provisoacuteria 1911-12 13
Disponiacutevel em lthttpwwwincragovbrassentamentogt Acesso em 21082015
64
ldquoparcela lote ou glebardquo Essa compreensatildeo traz no seu bojo diversas possibilidades de
interpretaccedilatildeo sobretudo permite entender que se trata de eventuais processos estatais
na concretizaccedilatildeo da justiccedila agraacuteria oferecendo condiccedilotildees de trabalho agrave populaccedilatildeo que
se realiza se identifica e sobrevive da produccedilatildeo agriacutecola em pequena escala
Concluindo podemos afirmar que os assentamentos rurais no Araguaia mato-
grossense no que se refere a sua constituiccedilatildeo possuem caracteriacutesticas muito diferentes
do que eacute previsto nas diretrizes para a criaccedilatildeo dos assentamentos rurais definidas pelo o
Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria uma vez que os mesmos resultam
de atos de regularizaccedilatildeo e natildeo de criaccedilatildeo Diante disso precisamos articular nosso
pensamento voltando os olhares para os processos de duraccedilatildeo temporaacuteria diferente
para que possamos aproximar um pouco mais da realidade vivida
65
2 MEMOacuteRIAS DA REOCUPACcedilAtildeO HISTORICIZANDO OS
ASSENTANTAMENTOS RURAIS DE VILA RICA-MT (1980-2010)
Conforme analisado no capiacutetulo anterior eacute imprescindiacutevel a historicizaccedilatildeo do
processo de formaccedilatildeo dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT Para
tanto optou-se pelo recorte temporal 1980 a 2010 a partir da necessidade da proacutepria
anaacutelise A deacutecada de 1980 foi marcada pela emancipaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica e
tambeacutem pela formaccedilatildeo dos primeiros assentamentos rurais A anaacutelise se estendeu ateacute o
periacuteodo mais recente devido agraves fontes e aos dados oficiais necessaacuterios para
compreensatildeo do enfoque proposto
O principal objetivo deste capiacutetulo eacute compreender a formaccedilatildeo e o
desenvolvimento dos assentamentos rurais de Vila Rica-MT problematizando o papel e
a atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees e dos oacutergatildeos puacuteblicos como o INCRA Banco do Brasil
Empaer dentre outros aleacutem de instituiccedilotildees e entidades da sociedade civil mas tambeacutem
de movimentos sociais e sindicais como o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila
Rica CPT Prelazia de Satildeo Feacutelix do Araguaia e associaccedilotildees de pequenos produtores
rurais Para complementar a anaacutelise tornou-se indispensaacutevel buscar as accedilotildees e
estrateacutegias dos atores histoacutericos envolvidos na luta pela posse da terra
21 A transformaccedilatildeo das fazendas agropecuaacuterias em assentamentos rurais atraveacutes
da luta pela terra
Das sete fazendas agropecuaacuterias trecircs foram transformadas em Projetos de
assentamentos rurais em um periacuteodo inferior a duas deacutecadas Fazendas Ipecirc Aracati e
Satildeo Joseacute Algumas das narrativas oficiais sobre a colonizaccedilatildeo do municiacutepio declaram
que a Fazenda Porongaba cedeu parte da aacuterea que a colonizadora Vila Rica- MT Ltda
utilizou para realizar o loteamento do espaccedilo urbano
As aacutereas remanescentes dessas fazendas agropecuaacuterias foram sendo
reocupados atraveacutes das estrateacutegias de lutasresistecircncias utilizadas pelos colonos
posseiros parceleiros e pelos assentados14
Atraveacutes da dinacircmica de reocupaccedilatildeo e uso da
terra foram constituiacutedos oito assentamentos rurais regularizados pelo o INCRA neste
municiacutepio conforme dados da Tabela 1
14 Satildeo autodenominaccedilotildees das pessoas que residem nos assentamentos rurais de Vila Rica No
decorrer da pesquisa analisaremos como estas foram sendo construiacutedas neste contexto histoacuterico
66
Tabela 1 Assentamentos rurais de Vila Rica-MT
Fonte INCRA 2014
Na formaccedilatildeo de assentamentos rurais existem sujeitos histoacutericos que para o
INCRA satildeo considerados ldquoclientela de Reforma Agraacuteriardquo os quais se autodenominam
de maneiras diferentes ldquoparceleirosrdquo ou ldquoassentadosrdquo Nos assentamentos rurais do
Araguaia a denominaccedilatildeo mais utilizada eacute ldquoposseirordquo sobretudo quando se referem aos
primeiros tempos de formaccedilatildeo do assentamento rural no sentido de reafirmar que entre
os agricultores familiares haacute aqueles que se autodenominam posseiros como identidade
de luta pela posse da terra remetendo a um imaginaacuterio que os ligue umbilicalmente a
uma accedilatildeo tambeacutem de corajoso lutador e desbravador Ainda que seja em contraposiccedilatildeo
ao latifuacutendio o posseiro passa a se sentir um sujeito valente que ocupou resistiu e
conquistou a posse da terra Portanto uma identidade poliacutetica construiacuteda na luta pela
terra
Logo o termo posseiro aparece tambeacutem como um siacutembolo da resistecircncia aos
projetos agropecuaacuterios e agraves grandes fazendas que expropriam os trabalhadores rurais
Sem-terra uma vez que muitos jaacute se encontravam na aacuterea bem antes dos fazendeiros e
da implantaccedilatildeo dos projetos agropecuaacuterios
Conforme o relato de um assentado de Vila Rica obtido na pesquisa de
campo que realizamos em marccedilo de 2015 no Assentamento Rural Satildeo Joseacute eacute possiacutevel
afirmar que a denominaccedilatildeo de posseiro estaacute associada agraves estrateacutegias e condiccedilotildees de luta
pelo acesso agrave terra ldquo[] me vejo como posseiro Ser posseiro no Araguaia eacute assumir
que lutamos contra os fazendeiros que viviam do dinheiro emprestado do Banco sei o
Projeto de assentamento N de Famiacutelias Aacuterea (ha) Data Criaccedilatildeo
Colocircnia Bom Jesus 60 4457 25071996
Ipecirc 228 12099 28121998
Santo Antocircnio do Beleza 216 12100 10042001
Aracati 45 2110 05121996
Alvorada 49 32656 29121995
Itaporatilde do Norte 170 10641 11071996
Satildeo Joseacute da Vila Rica-MT 252 14262 28121998
Satildeo Gabriel 45 1985 28121998
Total 1065 60919 -
67
quanto foi difiacutecil viver sob a mira da morte pra ter essa terrinha e com ela poder
alimentar a minha famiacutelia []rdquo15
Trata-se de uma situaccedilatildeo de enfrentamento na luta
pela terra visando garantir a sobrevivecircncia e as condiccedilotildees miacutenimas de sustento da
famiacutelia
Assim como Castro (1996) o historiador Puhl (2003) nos chama atenccedilatildeo para
as caracteriacutesticas que definem o posseiro conceito construiacutedo a partir da percepccedilatildeo de
que esses agentes sociais tecircm ldquo[] ocupaccedilatildeo antiga de aacutereas devolutas ou sem
documentaccedilatildeo privada o uso direto da terra no trabalho de produccedilatildeo agropecuaacuteria a
residecircncia e o trabalho da famiacutelia na posse a resistecircncia agrave retirada ou expulsatildeo levada a
efeito por grileirordquo
Pereira (2013 p 11) corrobora esclarecendo que o termo posseiro possui
outros significados
[] as praacuteticas e os usos poliacuteticos desse conceito que o
produziram Eram considerados posseiros os trabalhadores
rurais que haacute muito tempo ocupavam aacutereas devolutas tidas
como posses antigas que natildeo apresentavam contestaccedilatildeo por
qualquer pessoa e nelas fizeram moradas habituais de suas
famiacutelias Contudo outra experiecircncia social comeccedila a sobrepor-
se a essas praacuteticas mais antigas Trabalhador rural sobretudo
migrante de outras regiotildees do paiacutes que lutavam pela terra quer
fossem aqueles que disputavam aacutereas de terras devolutas
consideradas novas simultaneamente com empresaacuterios
fazendeiros ou comerciantes tambeacutem migrantes quer fossem
aqueles que ocupavam imoacuteveis com tiacutetulos definitivos ou de
aforamentos passaram a ser vistos tambeacutem como posseiros Ou
seja os trabalhadores rurais apropriaram-se de uma designaccedilatildeo
ateacute entatildeo usada para significar os ocupantes de terras devolutas
consideradas antigas para ajustar-se a uma nova situaccedilatildeo ou
praacutetica social Esta apropriaccedilatildeo utilizada do conceito de
posseiro ganha uma dimensatildeo poliacutetica inusitada na luta pela
terra no Brasil
Em concordacircncia com este uacuteltimo autor asseguramos que o conceito de
posseiro pode ser compreendido enquanto resultado das praacuteticas de luta das quais os
conceitos satildeo resultados Neles os atores sociais se apropriam desse conceito para se
autonomear e ao mesmo tempo atribuir sentidos as proacuteprias atitudes de desafio ao
sistema de enfrentamento aos modelos existentes para os fazendeiros constituindo-se
enquanto uma categoria social formada por sujeitos histoacutericos de diferentes origens e
15 Joseacute Roberto Agricultor familiar em uma entrevista realizada pela autora em 2015
68
trajetoacuterias migratoacuterias os quais muitas vezes apresentam uma significativa
diferenciaccedilatildeo social
Devido agrave diversificaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave situaccedilatildeo econocircmica e cultural entre as
pessoas que satildeo denominadas de clientela da Reforma Agraacuteria em Vila Rica-MT o
criteacuterio de distribuiccedilatildeo dos lotes nos assentamentos rurais passou a ser objeto de
questionamento por parte de alguns agricultores familiares o que eacute claro no relato feito
por um dos entrevistados durante a pesquisa que realizamos no mecircs de marccedilo de 2015
junto ao Assentamento Rural Ipecirc
Pode- se dizer que o INCRA tambeacutem eacute culpado pela evasatildeo dos
assentamentos rurais pois nem sempre ele leva em
consideraccedilatildeo se a pessoa que estaacute cadastrada tem ou natildeo
viacutenculo vocaccedilatildeo para ser Agricultor Familiar Os assentados
da Reforma Agraacuteria (alguns ) fizeram o cadastro jaacute pensando
em pegar a terra e depois vender [] Logo na primeira
dificuldade jaacute vende a propriedade dele pra outro Eu penso
que precisa olhar se a histoacuteria das pessoas que demandam por
terra em assentamento estaacute ligada com a luta pela terra vejo
que assim valorizava mais o assentamento [] E na verdade
na eacutepoca de assentar essas pessoas tinha um perfil de
assentando se olhar soacute pelo aspecto de renda miacutenima Mas
muitas natildeo tinham viacutenculo com a terra e atendiam apenas
esse perfil criado de forma subjetiva soacute levando em
consideraccedilatildeo a situaccedilatildeo econocircmica Penso que natildeo estavam em
desacordo com as exigecircncias para o cadastro do INCRA pois
atendiam aquelas exigecircncias burocraacutetica mas elas natildeo eram de
perfil de produtor ou trabalhador rural Aiacute foi onde ocorreu
uma evasatildeo do assentamento Eles natildeo tinham viacutenculo com a
terra pois esse cadastro do INCRA soacute verificava se a pessoa jaacute
tinha outro tiacutetulo no nome dela outra propriedade cadastrada
no nome se possuiacutea vinculo com o serviccedilo publico tipo se era
concursado em oacutergatildeo puacuteblico Logo podia ser que essas
pessoas estivessem enquadradas como produtor ou trabalhador
rural para o INCRA mas na verdade sempre moraram na
cidade nunca haviam trabalhado com a terra nunca tinham
criado um frango sequer nunca tiraram um litro de leite
(ENTREVISTA com Gilmar agricultor familiar de Vila Rica-
MT realizada pela autora em marccedilo de 2015) Grifos da autora
No municiacutepio de Vila Rica verificamos a partir da anaacutelise de documentos
que as origens de seus assentamentos rurais foram distintas mesmo que nos dados
oficiais indicados na Tabela 1 todos eram regularizados e reconhecidos pelo INCRA
na deacutecada de 1990
Quando verificamos os dados do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do
municiacutepio de Vila Rica da Comissatildeo Pastoral da Terra e da Prelazia de Satildeo Feliz do
69
Araguaia os quais foram tambeacutem confrontados com os testemunhos orais dos
assentados identificamos que alguns dos assentamentos rurais datavam da deacutecada de
1980
Reafirmamos que suas histoacuterias estatildeo vinculadas agrave histoacuteria do Araguaia a
qual eacute marcada por uma seacuterie de conflitos no que tange agrave luta pela terra considerada
enquanto direito Direito pelo qual muitas vezes os posseiros e os indiacutegenas pagaram
com as suas proacuteprias vidas ou de seus parentes
Uma carta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT evidencia
a complexidade em torno da luta pela posse da terra Esse registro foi apresentado ao
presidente do INCRA como base para uma anaacutelise da situaccedilatildeo das terras consideradas
improdutivas as quais em sua maioria eram remanescentes da Colonizadora Vila Rica
Ltda e que a desapropriaccedilatildeo das mesmas era condiccedilatildeo necessaacuteria para a sobrevivecircncia
dos trabalhadores que as reocuparam
Figura 5 Carta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais para o INCRA (1990)
Fonte Arquivo do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT
2015
70
Ressaltamos que a exposiccedilatildeo dos argumentos dos dirigentes do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Vila Rica teve por base a compreensatildeo de que as terras
remanescentes da colonizadora eram ldquoimprodutivasrdquo segundo os criteacuterios do Estatuto
da Terra Nessa situaccedilatildeo os proprietaacuterios deixavam de cumprir a funccedilatildeo social da terra
possibilitando sua desapropriaccedilatildeo legal para fins de Reforma Agraacuteria
Apesar da ocorrecircncia de reivindicaccedilotildees formalizadas via cartas ofiacutecios e
outras formas de solicitaccedilatildeo feitas aos oacutergatildeos responsaacuteveis pela Questatildeo Agraacuteria no
Araguaia mato-grossense alguns relatos orais descreveram a reocupaccedilatildeo das fazendas
como uma accedilatildeo implementada de maneira paciacutefica por parte dos posseiros Poreacutem
houve tambeacutem atitudes e praacuteticas de violecircncia na accedilatildeo de alguns fazendeiros em relaccedilatildeo
agrave expulsatildeo dos posseiros A luta pela posse da terra no municiacutepio de Vila Rica ocorreu
de forma conflituosa Embora natildeo tatildeo violentos como em outros municiacutepios como em
Santa Terezinha em Porto Alegre do Norte e em outros onde vaacuterios posseiros foram
mortos por fazendeiros
Vale destacar que muitas pessoas que reocuparam as aacutereas de fazendas hoje
assentamentos rurais em Vila Rica eram em sua maioria membros associados ao
Sindicato dos Trabalhadores Rurais daquele municiacutepio Quando estaacutevamos em atividade
de visita ao um dos assentamentos durante a pesquisa de campo uma assentada nos
relatou queldquo[] o papel do Sindicato geralmente era o de solicitar a regularizaccedilatildeo da
terra bem como o processo de formaccedilatildeo e o de organizaccedilatildeo da base no caso os
trabalhadores pobre sem terra principalmente os filiados do STRrdquo (ENTREVISTA
com Clainir Agricultora Familiar membro da direccedilatildeo do STR realizada pela autora em
marccedilo de 2015) O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica tambeacutem fazia a
mediaccedilatildeo entre os assentados e o Poder Puacuteblico sobretudo com o INCRA Foi esse
sindicato que orientou a criaccedilatildeo das associaccedilotildees conforme o relato a seguir
[] noacutes do sindicato trabalhaacutevamos visando evitar os conflitos
e o processo de despejo pois priorizaacutevamos a montagem e a
reinvindicaccedilatildeo do processo de desapropriaccedilatildeo das fazendas a
demarcaccedilatildeo dos lotes homologaccedilatildeo cadastramento e o
assentamento das famiacutelias [] E depois os posseiros iam
pleitear as linhas de credito para habitaccedilatildeo e
alimentaccedilatildeofomento depois as demais linhas do Pronaf A
Pronaf C e outros investimentos de custeio Eacute assim que comeccedila
os assentamentos esse processo eacute geral em todo lugar Quando
71
digo que agente noacutes do sindicato evitava conflito natildeo estou
dizendo que conseguimos pois eacute importante lembrarmos que
tivemos muitos momentos complicados Houve ameaccedilas de
morte teve despejos de posseiros teve gente que perdeu tudo
que havia plantado quando foram expulsos da terra Ainda bem
que sempre podemos contar com o suporte da Igreja e da CPT
se natildeo fosse essas instituiccedilotildees noacutes estariacuteamos numa situaccedilatildeo
muito pior assentamento eacute luta nessa regiatildeo do Araguaia
Entatildeo nem se fala teve quem pagou com a vida Hoje fico
vendo muitos assentados vendendo suas terras a preccedilo de nada
e reclamando de dificuldades fico pensando o povo parece que
agraves vezes esquece a luta O INCRA eacute fundamental mas erra
tambeacutem quando coloca gente na terra sem levar em conta que
para viver no campo precisa ter aptidatildeo para trabalhar na
terra Percebo que mais esvazia o assentamento eacute quem natildeo
sabe lidar com roccedila (ENTREVISTA Ibidem)
Os serviccedilos voltados para a melhoria da infraestrutura como estradas pontes
e outras benfeitorias nos ldquoprimeiros temposrdquo de formaccedilatildeo dos assentamentos rurais
eram feitos pelos proacuteprios moradores A prefeitura alegava que natildeo dispunha de
recursos para investir em assentamentos rurais que ainda natildeo haviam sido regularizados
Essa situaccedilatildeo foi praticamente igual em todos os assentamentos rurais oriundos da
reocupaccedilatildeo de fazendas de Vila Rica-MT
Os espaccedilos puacuteblicos como escola barracatildeo da associaccedilatildeo Igreja campo de
futebol etc estatildeo geralmente localizados nas antigas sedes das fazendas Isso se repete
em todos os assentamentos rurais estudados em Vila Rica-MT
22 Os assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT
O processo de formaccedilatildeo dos assentamentos rurais no municiacutepio mato-
grossense de Vila Rica natildeo ocorreu de modo linear nem mesmo obedeceu a uma
padronizaccedilatildeo Portanto faz-se necessaacuterio problematizar a formaccedilatildeo de cada um deles
individualmente lanccedilando matildeo de diferentes fontes documentais Alguns assentamentos
rurais possuem documentos e outros tecircm sua historicidade presente somente na
memoacuteria dos assentados Daiacute a importacircncia de se conhecer as singularidades descritivas
desses ldquoadereccedilos sociaisrdquo procurando trazer para o diaacutelogo a forma constitutiva de cada
um deles
A trajetoacuteria construiacuteda pelos agricultores familiares estaacute presente em suas
memoacuterias as quais podem ser mais bem compreendidas quando nos remetemos agrave
72
concepccedilatildeo definida por Thompson (1992) segundo o qual a memoacuteria eacute constituiacuteda a
partir da habilidade que os indiviacuteduos tecircm em compreender suas experiecircncias bem
como o interesse deles em contar as suas experiecircncias de vida uma vez que as
lembranccedilas se revelam de forma mais concisa quando o relembrar dos acontecimentos
estaacute correspondendo aos seus proacuteprios interesses e necessidades
Daiacute a importacircncia em se atentar tambeacutem ao que natildeo estaacute dito e ao que natildeo
pode ser dito pelo narrador Neste caso o silenciamento sobre determinados temas
constituem relativa importacircncia para intensificar a seguranccedila que o entrevistado tem ou
quer passar nas proacuteprias narrativas Para tanto eles selecionam o que dizem e aquilo que
natildeo deve se tornar puacuteblico Um exemplo obtido atraveacutes de entrevista com um dos
assentados chamou a atenccedilatildeo pela forma como ele gesticulava ao contar sua trajetoacuteria
de vida Foi possiacutevel perceber o quanto as questotildees natildeo ditas mencionadas por
Thompson (1992) tornam-se relevantes na praacutetica de trabalhos que dependem da
metodologia das fontes orais como no caso dessa pesquisa
Ao relatar a sua trajetoacuteria de vida o depoente sentado em uma cadeira
encostando-se a uma aacutervore e com as pernas balanccedilando passava ldquoaos meus olhosrdquo a
sensaccedilatildeo de ser uma pessoa muito tranquila para falar sobre si e seus afazeres
Revelava-se estar muito orgulhoso do siacutetio que tinha mas no decorrer da entrevista foi
perceptiacutevel que quando o assunto natildeo o agradava por se tratar de algo que o marcou
como uma experiecircncia que natildeo lhe remetia para boas lembranccedilas ele parava de balanccedilar
as pernas e baixava a cabeccedila A projeccedilatildeo de futuro foi um assunto que evidentemente
natildeo o agradava quando afirmou
[] sofro muito soacute em pensar o que possa acontecer se eu
morrer primeiro ela vai ter que vender e dividir entre os filhos
pois natildeo daraacute conta de cuidar sozinha Se eacute ela quem morre
primeiro sou eu quem teraacute que vender Isso sim eacute doiacutedo pra
noacutes depois de tanta luta pra organizar o siacutetio terminar nas
matildeos de sei laacute quem Esse siacutetio pra mim natildeo tem preccedilo mas eacute
uma pena que nossos filhos natildeo pensam igual Quando eles
querem um dinheiro dizem ldquomatildee pai me manda aiacute tantordquo mas
vejo que o forte deles natildeo eacute morar no siacutetio (ENTREVISTA
com Joatildeo Neto agricultor Familiar do assentamento Satildeo Joseacute
realizada pela autora em marccedilo de 2015)
O relato possibilita a reflexatildeo sobre os diversos significados produzidos a
respeito da concepccedilatildeo e das formas de usos da terra para os agricultores familiares
como o significado da posse da terra a relevacircncia das lutas e da conquista assim como
73
a busca pela continuidade da tradiccedilatildeo na convivecircncia com o espaccedilo rural Aleacutem da
preocupaccedilatildeo praacutetica com a falta de continuidade familiar no trabalho do siacutetio existe
uma preocupaccedilatildeo com o futuro incerto capaz de apagar da memoacuteria o viacutenculo desse
agente histoacuterico com a terra Percebe-se o desejo de eternizar esse viacutenculo e o valor
sentimental dessa terra que para ele natildeo tem preccedilo
A narrativa torna possiacutevel identificar o papel dos agentes histoacutericos na
construccedilatildeo da historiografia agraacuteria de Mato Grosso As pesquisas natildeo datildeo muita
importacircncia aos assentamentos rurais mais particularmente agraves trajetoacuterias de vida dos
agricultores familiares
Por outro lado as evidecircncias mostram que os assentados exercem um papel
importantiacutessimo na formaccedilatildeo dos assentamentos rurais Nesse sentido eles natildeo podem
estar agrave ldquomargemrdquo das lutas travadas pelas instituiccedilotildees agraves quais estatildeo vinculados No
caso de Vila Rica-MT as entidades que se destacam nas narrativas sobre as lutas pela
terra satildeo a CPT o Sindicato dos Trabalhadores Rurais a Prelazia de Satildeo Feliz do
Araguaia e o INCRA
221 O Assentamento Rural Satildeo Joseacute
O Assentamento Rural Satildeo Joseacute em Vila Rica-MT resultou de uma
reocupaccedilatildeo que teve iniacutecio no ano de 1995 Foram os proacuteprios ldquoposseirosrdquo que
demarcaram os seus lotes e construiacuteram as casas provisoacuterias que eram cobertas de palha
e lona Posteriormente os ocupantes comeccedilaram a cultivar roccedilas para o consumo
proacuteprio e outras atividades como a pesca a caccedila e a extraccedilatildeo de madeira (EMPAER
2010)
Segundo relato de um dos assentados a estruturaccedilatildeo dos lotes em termos de
construccedilotildees estruturais e preparaccedilatildeo do solo para o cultivo eram realizadas atraveacutes do
trabalho dos proacuteprios assentados Joatildeo Neto diz ldquo[] eu e a minha esposa fizemos tudo
isso plantamos tudo que tem nesse siacutetio tudo escolhido por noacutes cada plantinha dessa
aqui eacute do sitio que a gente viverdquo (ENTREVISTA com Joatildeo Neto agricultor Familiar do
assentamento Satildeo Joseacute realizada pela autora em marccedilo de 2015)
Outro relato permite identificar algumas ocorrecircncias instigantes relacionadas
agrave formaccedilatildeo do Assentamento Rural Satildeo Joseacute
74
[] o Projeto de assentamento Satildeo Joseacute eacute resultado da invasatildeo
invasatildeo natildeo essa natildeo eacute a palavra apropriada para designar o
que fizemos Na verdade noacutes ocupamos uma fazenda que jaacute
natildeo estava mais produzindo Geralmente quem fala invasatildeo
satildeo pessoas que se colocam contra os assentamentos rurais
[] Em 1997 isso tudo foi ocupado por pessoas que moravam
na cidade sem-terra e filhos de pequenos agricultores [] E
foi assim que a antiga Fazenda Satildeo Joseacute se transformou em um
assentamento rural ou melhor P A Satildeo Joseacute eacute assim que a
gente costuma chamar (ENTREVISTA com Clainir Mafra
Agricultora familiar assentada no PA Satildeo Joseacute realizada pela
autora em marccedilo de 2015)
Nesta narrativa sucinta percebe-se que diferentes satildeo as denominaccedilotildees de
agentes histoacutericos em cena O argumento principal eacute que eles natildeo satildeo ldquoinvasoresrdquo e sim
ldquomoradores da cidaderdquo ldquosem terrasrdquo e ldquofilhos de pequenos agricultoresrdquo demonstrando
uma construccedilatildeo de identidade daqueles que reocuparam a Fazenda Satildeo Joseacute ligada agrave
terra e agrave necessidade de sobrevivecircncia uma vez que satildeo legiacutetimos ocupantes como os
ldquofilhos de pequenos produtoresrdquo que precisam de mais terra para se reproduzir
socialmente e continuar o viacutenculo familiar com a terra
Fazendeiros proprietaacuterios filhos de pequenos agricultores moradores da
cidade e sem-terra se colocam como posseiros que participaram da luta pela terra
Percebe-se que a formaccedilatildeo do assentamento rural se deu a partir dessa luta que ocorreu
graccedilas agrave uniatildeo dos posseiros
Na verdade a gente natildeo era bobo quando ocupamos uma aacuterea
que iraacute ser assentamento Natildeo adianta querer crescer o olho
pois o INCRA tem o seu modo de medir a terra entatildeo o certo eacute
tirar o siacutetio no tamanho certinho assim natildeo complica Noacutes
agiacuteamos em conjunto meio assim uns por todos []
(ENTREVISTA com Clainir Mafra Agricultora familiar
assentada no PA Satildeo Joseacute realizada pela autora em marccedilo de
2015)
Atraveacutes do relato citado percebemos que os posseiros se adaptavam aos
criteacuterios do INCRA e tinham na uniatildeo uma ferramenta poliacutetica capaz de fortalececirc-los e
agregar conhecimentos e experiecircncias capazes de fundamentar estrateacutegias para
conseguir o direito agrave terra A uniatildeo para a abertura das aacutereas a serem reocupadas eacute
evidenciada no seguinte relato oral
75
[] acho que eacuteramos em meacutedia umas 200 ou 250 pessoas que
ocuparam e jaacute foram demarcando suas aacutereas usando foice
facatildeo machado e motosserra alguns que tinham motosserra a
maioria era com a foice e o machado na estrada no Rio Satildeo
Marcos com aacutegua Fizemos os barracos derrubando
plantando arroz milho e pensando em formaccedilatildeo de pasto
(ENTREVISTA com Joatildeo Neto assentado Satildeo Joseacute realizado
pela autora em marccedilo de 2015)
Esse depoimento demonstra a capacidade de uniatildeo e a organizaccedilatildeo dos
posseiros A diferenciaccedilatildeo social entre eles natildeo travou sua organizaccedilatildeo O relato a
seguir mostra essa relaccedilatildeo
Muita gente pobre pobre mesmo Mas natildeo posso negar que um
ou outro que ocupou a terra como posseiro quando na verdade
natildeo tinha o perfil pois tinha dinheiro Por mais que o Sindicato
fala ldquoacompanha e orienta semprerdquo passa algum que estaacute
fora do padratildeo dos agricultores familiares Eacute assim agraves vezes
nem o sindicato e nem o INCRA tem como controlar tudo ateacute
porque as pessoas tecircm um comeacutercio ou algum outro meio de
ganhar dinheiro mas natildeo estaacute no nome dela e daiacute o que haacute de
fazer eacute complicado achar que vai controlar essas coisas tudo
(ENTREVISTA com Joatildeo Neto assentado Satildeo Joseacute realizada
pela autora em marccedilo de 2015)
Percebemos que entre os proacuteprios posseiros era evidente que nem todos
possuiacuteam o ldquoperfilrdquo de agricultores familiares ou segundo criteacuterio do INCRA se
enquadrava como ldquoclientela de Reforma Agraacuteriardquo Era recorrente a percepccedilatildeo de que
estes oacutergatildeos e entidades que acompanharam o processo natildeo tinham condiccedilotildees objetivas
de definir com precisatildeo quem tinha o perfil e quem deveria ser impedido de tomar
posse dos lotes que constituem o Assentamento Rural Satildeo Joseacute
Para aleacutem da questatildeo da diferenciaccedilatildeo dos posseiros outro fato importante eacute
que eles adquiriram lotes de qualidade duvidosa uma vez que a terra estava em situaccedilatildeo
de degradaccedilatildeo extrema poreacutem aceitaram-na visto natildeo dispor de capital financeiro para
investir em tecnologias de melhoramento do solo somado agrave falta de infraestrutura e
dificuldade de acesso para uma parte dos assentados
76
Ah Tem uma coisa que lembrei pra te contar Eacute que tem uma
parte que foi denominada de Jamaica por ser de difiacutecil acesso
era muito complicado para a gente chegar laacute Coitados dos que
foram para aquela parte de laacute sofreram o isolamento natildeo
tinha entrada por causa do rio Satildeo Marcos e assim ficaram por
um bom tempo Aiacute eacute o que digo sempre jaacute foi difiacutecil pra gente
imagina para aqueles coitados de laacute (ENTREVISTA com Joatildeo
Neto assentado Satildeo Joseacute realizado pela autora em marccedilo de
2015)
Aleacutem da diferenciaccedilatildeo entre os posseiros das dificuldades do espaccedilo social
conquistado o entrevistado destaca que natildeo ocorreram conflitos entre o proprietaacuterio da
Fazenda Satildeo Joseacute e os posseiros No entanto as dificuldades vivenciadas por eles
foram inuacutemeras sobretudo para aqueles posseiros que ocuparam as aacutereas mais distantes
da estrada
Eu falo sempre aqueles primeiros tempo era o que podemos
chamar de tempos das dificuldades Eacute como eu te disse antes
aqui natildeo teve conflito como teve em outros assentamentos
Acho que isso foi porque o fazendeiro devia para o banco pois
fez empreacutestimo para manter a fazenda assim diz o povo mas
sabe se isso eacute verdade [] Entatildeo isso fez com que natildeo
houvesse conflito entre os fazendeiros e os posseiros []
(ENTREVISTA com Joatildeo Neto assentado Satildeo Joseacute realizada
pela autora em marccedilo de 2015)
O relato revela indiacutecios de que o dono da Fazenda Satildeo Joseacute tinha manifestado
interesse em vender a aacuterea para o INCRA devido agrave contraccedilatildeo de diacutevidas Mas eacute
possiacutevel ponderar que a ecircnfase na versatildeo de que natildeo houve conflito eacute tambeacutem uma
estrateacutegia dos posseiros Durante a deacutecada de 1990 mais precisamente durante o
Governo de Fernando Henrique Cardoso foi adotada a poliacutetica governamental de natildeo
regulamentar as terras que tivessem sido ocupadas atraveacutes de conflitos Quando
ocorriam disputas a terra natildeo era reconhecida pelo INCRA enquanto aacuterea passiacutevel de
desapropriaccedilatildeo para transformaacute-la em um assentamento rural
Essa poliacutetica se justificava pelo dispositivo reconhecido juridicamente como
ldquousucapiatildeordquo segundo o qual o posseiro soacute teria direito a terra quando a mesma fosse
ocupada de forma ldquomansa e paciacuteficardquo16
Em um assentamento rural planejado o
primeiro ato consiste na aquisiccedilatildeo da aacuterea para depois ocupaacute-la atraveacutes da distribuiccedilatildeo
dos lotes de acordo com criteacuterios estabelecidos pelo o INCRA
16 A ldquoocupaccedilatildeo mansa e paciacuteficardquo eacute um princiacutepio consagrado pela Lei de Terras de 1850
77
Na anaacutelise de outros documentos disponibilizados pelo STR percebe-se que
por um periacuteodo superior a um ano os posseiros foram viacutetimas de ameaccedilas e boatos de
que o dono da fazenda faria o despejo accedilatildeo que natildeo chegou a se efetivar Logo o STR
Vila Rica-MT entrou com pedido de desapropriaccedilatildeo da fazenda e em seguida o
INCRA deu andamento ao processo de regularizaccedilatildeo comeccedilando a discussatildeo e o
encaminhamento para a compra de toda a aacuterea
Consta nos documentos analisados que o INCRA procurou regularizar o
assentamento rural atraveacutes de uma accedilatildeo conjunta com o STR com vista agrave necessidade
de agilizar a organizaccedilatildeo do cadastro dos agricultores familiares por meio da
Associaccedilatildeo que jaacute existia desde antes da accedilatildeo do INCRA Foi atraveacutes dela que esses
agricultores se mobilizaram para construir estradas e escola Somente depois de um ano
da reocupaccedilatildeo a prefeitura passou a operar de forma mais efetiva juntamente com o
INCRA com o objetivo consolidar o Assentamento Rural Satildeo Joseacute Depois da
regularizaccedilatildeo foi liberado o creacutedito para a aquisiccedilatildeo de gado e melhorias na
infraestrutura
Segue uma narrativa que possibilita a problematizaccedilatildeo dessa questatildeo
[] quando a gente chegou aqui no dia que cheguei tinha trecircs
cancelas trancadas Tinha o pessoal dali que natildeo queria que a
gente entrasse O gerente natildeo deixava a gente entrar mas tinha
um menininho pequenino do tamanho daquele ali Aiacute eu trazia
balinha bombom e dava pra ele Aiacute quando ele me via corria
eu vinha pra caacute era de bicicleta De Vila Rica-MT pra caacute eu
vinha de bicicleta com uma ldquocarguinhardquo na garupa Mas o
que eu vinha fazer eu trazia soacute foice Aiacute vinha e passava meio
debaixo dos arames e ia roccedilando Rocei um pedaccedilo de mato e
voltei pra Vila Fui trabalhar para ganhar dinheiro para
comer ldquoAiacute quando foi um dia falou Zeacute Roberto eu passei na
sua roccedilardquo o Joseacute Roberto falou o fogo estaacute acabando de
queimar a sua roccedilardquo Que horas Umas oito horas da noite eu
passei laacute e fogo estava acabando de queimar a sua roccedilardquo
ldquoEntatildeo natildeo queimou a roccedila natildeordquo Cheguei aqui estava tudo
queimado Aiacute o que eu fiz foi imediatamente soacute eu mesmo com
umas panelinhas e jaacute ldquobarrequeirdquo aqui e fui furar cisterna
Trouxe um rapaz para furar o poccedilo Furou o poccedilo eu vim fazer
o barriquinho Ai amiga velha aqui soacute mato (ENTREVISTA
com Joatildeo Neto assentado de Satildeo Joseacute realizada pela autora
em marccedilo de 2015)
O relato demonstra a necessidade que estes agentes histoacutericos tecircm em
enfatizar que a posse da terra dava-se com muito sacrifiacutecio dos posseiros com a ajuda
78
de outros que avisavam e auxiliavam a cuidar da roccedila Portanto a integraccedilatildeo e a
solidariedade faziam parte do cotidiano de vida deles principalmente sabendo da
necessidade que alguns tinham de sair da ldquoposserdquo para trabalhar na aacuterea urbana ou
mesmo em outras propriedades rurais em busca de sobrevivecircncia motivo pelo qual natildeo
podiam morar exclusivamente na ldquoposserdquo
Os ldquoposseirosrdquo enfrentaram dificuldades para ldquoabrirrdquo fazer o plantio e para
construir as casas em seus lotes pois sem apoio do poder puacuteblico tiveram que
desenvolver as suas proacuteprias condiccedilotildees de sobrevivecircncia seja na construccedilatildeo de
barracos casas ou cultivo das roccedilas Tambeacutem havia problemas de ordem financeira que
implicavam na condiccedilatildeo elementar de sobrevivecircncia no lote Nem todos possuiacuteam
recursos para se manter nos espaccedilos socialmente delimitados ateacute que as roccedilas
comeccedilassem a produzir para a alimentaccedilatildeo dos membros das famiacutelias
Alguns posseiros precisaram conciliar as atividades do lugar proacuteprio de
produccedilatildeo com outras atividades como derrubar a mata para dela retirar madeira e
vender para as serrarias ou trabalhar em outros siacutetios para conseguir dinheiro suficiente
para suprir as necessidades baacutesicas para o sustento da famiacutelia Durante o periacuteodo da
pesquisa de campo eram frequentes as narrativas afirmando ser o trabalho assalariado
uma praacutetica corriqueira entre a maioria dos posseiros mais pobres
Uma estrateacutegia foi o trabalho acessoacuterio nas aacutereas urbanas
[] e pra mim comer aqui trabalhava uma semana aqui e ia
trabalhar na diaacuteria para os outros Trabalhava uma semana
para o Valdemar Senna trabalhava uma semana para o
Aguiarro para o dono do hotel Marajoacute laacute no fundo E daiacute por
diante eu agraves vezes tirava madeiras para algumas pessoas
derrubava um pouquinho de mato para uma pessoa pra mim
comer a minha esposa trabalhava no coleacutegio eu fazia meus
bicos e ela empregada laacute na estadual Entatildeo ela tambeacutem me
ajudava muito Pegava o salarinho dela para comprar coisa em
casa pra comprar gaacutes pra me ajudar em casa tambeacutem Entatildeo
ldquomorreurdquo tudo assim eu e ela trabalhando para manter a
posse Noacutes pegamos primeiro uma cesta baacutesica que chamava
fomento [] eu natildeo me lembro do valor se foi se natildeo me
engano foi mil e alguma coisa (ENTREVISTA com Joatildeo
Neto assentado de Satildeo Joseacute realizada pela autora em marccedilo de
2015)
Naquele contexto tambeacutem havia posseiros que eram comerciantes servidores
puacuteblicos e ateacute antigos funcionaacuterios da Fazenda Satildeo Joseacute que tinham um maior poder
79
aquisitivo Esses eram os principais contratantes dos posseiros que precisavam vender
sua forccedila de trabalho
222 O Assentamento Rural Ipecirc
Para conseguir compreender a formaccedilatildeo do Assentamento Rural Ipecirc foi
necessaacuterio visitar o local para perceber as especificidades Isso porque o contato direto
entre pesquisador e seus entrevistados acompanhado por conhecidos foram
significativas Atraveacutes dessa proximidade foi possiacutevel aos entrevistados o uso de suas
memoacuterias que possibilitaram relembrar a condiccedilatildeo humana de luta pela sobrevivecircncia
e que fez os homens e mulheres sujeitos da proacutepria histoacuteria
Comecemos por um espaccedilo bem instigante O Assentamento Rural Ipecirc
originou-se da compra da Fazenda Ipecirc que havia sido ocupada antes numa accedilatildeo
apoiada pelo STR O INCRA apresentou a possibilidade de fazer um assentamento rural
modelo construiacutedo atraveacutes de um planejamento de acordo com as diretrizes do MDA
para a criaccedilatildeo de assentamentos rurais
A luta pela conquista do seu espaccedilo social de produccedilatildeo ocorreu em 1999
quando os posseiros ocuparam toda a aacuterea da Fazenda Ipecirc e fizeram a divisatildeo dos lotes
abrindo estradas por meio de ldquopicadatildeordquo embora maior parte da aacuterea jaacute estivesse
ocupada com pastagens
Em carta aberta escrita pela Comissatildeo Municipal de Reforma Agraacuteria na
mesma deacutecada as lideranccedilas do movimento tentavam esclarecer agrave populaccedilatildeo de Vila
Rica-MT sobre os acontecimentos e ao mesmo tempo procuraram chamar a atenccedilatildeo
das autoridades vinculadas agrave Questatildeo Agraacuteria Simultaneamente esse documento
revelou uma concepccedilatildeo da estrateacutegia e da luta pela posse da terra Tanto os dirigentes do
STR como as outras instituiccedilotildees em determinado momento viram-se na luta na
condiccedilatildeo de aliados dos oacutergatildeos governamentais como o INCRA e a prefeitura
municipal de Vila Rica-MT
Por esse documento podemos saber que a Comissatildeo Municipal de Reforma
Agraacuteria do municiacutepio era composta por representantes de instituiccedilotildees e entidades
vinculadas agrave Questatildeo Agraacuteria e visava consolidar um assentamento rural que atendesse
aos padrotildees estabelecidos pela poliacutetica de criaccedilatildeo de assentamentos pelo INCRA
80
Logo havia interesse dos oacutergatildeos governamentais e do STR para a conquista
do que viria a ser o primeiro assentamento rural do Araguaia mato-grossense Ele foi
construiacutedo a partir do imaginaacuterio idealizado pelo Plano de Reforma Agraacuteria da eacutepoca
[] A reforma agraacuteria eacute um anseio da populaccedilatildeo e necessidade
do trabalhador rural A colonizaccedilatildeo de Vila Rica-MT foi
modelo de reforma agraacuteria com a divisatildeo das grandes aacutereas em
pequenas ocupadas por produtores tambeacutem pequenos A partir
de 1998 foi instituiacuteda ldquoA Comissatildeo Agraacuteria do Municiacutepio de
Vila Rica-MTrdquo com o objetivo de coordenar agraves atividades
ligadas a Questatildeo Agraacuteria no acircmbito municipal Esta comissatildeo
em parceria com o INCRA e sociedade envolvida organizou os
trabalhos de classificaccedilatildeo dos sem terras selecionando 500 em
uma relaccedilatildeo de 1700 inscritos no Sindicato dos Trabalhadores e
Prefeitura para assentaacute-los na Fazenda Ipecirc ateacute entatildeo objeto de
desapropriaccedilatildeo para fins da reforma agraacuteria A relaccedilatildeo de
classificados feita conforme legislaccedilatildeo competente e os
meacutetodos estabelecidos pela a proacutepria comissatildeo foram
apresentados ao INCRA que fez o cadastramento no SIPRA-
Sistema de Informaccedilatildeo de Projetos da Reforma Agraacuteria Aleacutem
de organizar esta classificaccedilatildeo a comissatildeo conscientizou os
futuros assentados a evitar a invasatildeo da Fazenda e sim aguardar
as devidas providecircncias que seriam tomadas pelo INCRA para
que o assentamento fosse feito com clientes da reforma agraacuteria
trabalhadores sem-terra e que pudesse ser modelo para a
regiatildeo [] Para a decepccedilatildeo das 500 famiacutelias de trabalhadores
(as) sem-terra sipradas e de pessoas ligadas ao processo um
grande nuacutemero de estranhos entre eles fazendeiros
comerciantes e pequena parte dos sem-terra siprados17
invadiram a aacuterea da fazenda Ipecirc entre a reuniatildeo de 260399 a
300399 despeitando os que haacute dois anos honesta e
sofridamente aguardavam a tramitaccedilatildeo legal Com a chegada
dos representantes do INCRA a Comissatildeo Municipal de
Reforma Agraacuteria representantes de outras intensidades diante
do fato da invasatildeo e o processo de assentamento concluiu-se
que []- fosse solicitada com urgecircncia a retirada dos invasores
pelas autoridades em niacuteveis federal estadual e municipal
(CARTA ABERTA- STR de Vila Rica-MT marccedilo de 2015)18
Os envolvidos no processo de organizaccedilatildeo do assentamento rural ficaram
desapontados ao serem surpreendidos pela invasatildeo da aacuterea por outros agentes que natildeo
tinham sido selecionados no Sistema de Informaccedilatildeo de Projetos da Reforma Agraacuteria e
que tampouco atendiam aos criteacuterios do Programa
17 Expressatildeo utilizada para caracterizar os assentados rurais cadastrados no INCRA
18 A carta na integra estaacute disponibilizada nos arquivos do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Vila Rica- MT analisados pela autora da pesquisa em marccedilo de 2015
81
A partir do depoimento do gerente da Fazenda Ipecirc da eacutepoca eacute possiacutevel
compreender de forma mais clara as estrateacutegias adotadas pelos posseiros e pelo
fazendeiro no processo de loteamento do Assentamento Rural Ipecirc
[] Ipecirc naquela eacutepoca causou um intenso movimento de
trabalhadores desbravando a aacuterea e plantando capim A aacuterea
possuiacutea 26 mil hectares [] em 18 anos desmataram apenas
20 dessas terras ela era considerada a maior fazenda da
regiatildeo [] Em 1997 comeccedilou a fofoca de venda da aacuterea que
se prolongou por dois anos Tinha ordem de natildeo deixarem
invadir possuiacutea uma patrulha de vigia dia e noite O INCRA
inicia a negociaccedilatildeo com o gerente da eacutepoca que era
autorizado pelo proprietaacuterio A pessoa responsaacutevel ia para
Cuiabaacute- MT Satildeo Felix do Araguaia- MT Rio de Janeiro e
Uberaba em Minas Gerais para se reunir com o dono e
discutir as propostas Como demorou a desapropriaccedilatildeo as
pessoas comeccedilaram a invadir a aacuterea realizaram vaacuterias
reuniotildees com as pessoas para que mantivessem a calma
(ENTREVISTA com Ideu Ex-gerente da Fazenda Ipecirc realizada
por Regina Ceacutelia em 2006)
Ressaltamos que o relato oral apresenta uma linguagem especiacutefica que repete
a ideia de que a reocupaccedilatildeo foi uma ldquoinvasatildeordquo numa perspectiva comum entre os
proprietaacuterios de terra que natildeo compreendiam a luta pela terra Ao contraacuterio do que estaacute
expresso na Carta Aberta o ex-gerente atribui os motivos da bdquoinvasatildeo‟ agrave ldquomorosidaderdquo
na efetivaccedilatildeo do processo de desapropriaccedilatildeo da terra Apesar de tambeacutem fazer
referecircncias agraves reuniotildees que ocorreram no sentido de manter os agricultores familiares
informados sobre o processo de desapropriaccedilatildeo da fazenda para efeito de criaccedilatildeo do
assentamento rural
A consolidaccedilatildeo do assentamento rural soacute veio de fato a acontecer a partir das
denuacutencias feitas pela Comissatildeo Municipal de Reforma Agraacuteria com anuecircncia do
Sindicato dos Trabalhadores Rurais da Comissatildeo Pastoral da Terra e de outras
entidades envolvidas com a Questatildeo Agraacuteria e na luta pela terra em Vila Rica- MT
Segundo documentos19
do STR foi a partir desse fato que o INCRA entrou
com um Mandato de Seguranccedila exigindo a saiacuteda imediata dos ldquoposseirosrdquo sob a
alegaccedilatildeo de ser esta a condiccedilatildeo principal para a aquisiccedilatildeo da aacuterea e a demarcaccedilatildeo dos
lotes no assentamento rural Isso em funccedilatildeo de uma legislaccedilatildeo que regia os processos
19 Os documentos satildeo de diversas tipologias (ofiacutecios cartas atas relatoacuterios e etc)e estatildeo
disponibilizados nos arquivos do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT
82
de criaccedilatildeo dos assentamentos rurais Em 1998 jaacute havia sido declarado pelo Decreto nordm
157 que a aacuterea da Fazenda Ipecirc era de interesse social para efeito das poliacuteticas de
Reforma Agraacuteria
De acordo com o depoimento de uma assentada a qual tambeacutem era na eacutepoca
da diretoria do STR de Vila Rica-MT e estivera desde o processo inicial de formaccedilatildeo do
assentamento rural eacute possiacutevel perceber que
[] os primeiros trecircs anos do assentamento foram de
dificuldades para os assentados pois o mesmo natildeo possuiacutea
infraestrutura como estrada pontes e etc Somente 70 as
famiacutelias receberam creacutedito para fomento enquanto as demais
famiacutelias ficaram agrave mercecirc sem apoio do Poder Puacuteblico por um
bom tempo (ENTREVISTA com Clainir Agricultora Familiar
membro da direccedilatildeo do STR realizada pela autora em marccedilo de
2015)
O periacuteodo compreendido entre 2001 e 2010 foi o momento de maior
alavancada do Assentamento Rural Ipecirc pois recebeu um percentual significativo de
recursos vinculados agraves linhas de creacuteditos do Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar como Pronaf -A Pronaf - AC Pronaf - C Pronaf -D e Pronaf -
Mulher A disposiccedilatildeo desses recursos segundo informaccedilotildees obtidas atraveacutes dos
relatoacuterios da Empaer da Secretaria Municipal de Agricultura e do STR de Vila Rica-
MT estavam condicionados para determinados fins e foram destinados agrave aquisiccedilatildeo de
vacas leiteiras construccedilatildeo de curral e de 95 casas bem como agrave edificaccedilatildeo de pontes
estradas e na contrataccedilatildeo de serviccedilos de maacutequinas de esteira (EMPAER 2009)
223 O Assentamento Rural Aracati
A luta pela terra natildeo passa somente por um processo de conquista territorial
mas avanccedila para a necessidade de permanecircncia dos assentados garantida atraveacutes de
apoios e poliacuteticas puacuteblicas
A histoacuteria dos assentamentos rurais em Mato Grosso tambeacutem eacute marcada pela
violecircncia praticada contra os posseiros No caso de Vila Rica-MT os assentamentos
rurais Aracati e Itaporatilde do Norte talvez sejam os dois que mais se identifiquem com
essa caracteriacutestica uma vez que resultantes do processo de reocupaccedilatildeo da Fazenda
83
Aracati que na eacutepoca era de propriedade do senhor Rubens Mendonccedila apresentado
anteriormente como ldquoo pioneirordquo de Vila Rica-MT
A reocupaccedilatildeo da aacuterea provocou conflito entre posseiros e o proprietaacuterio da
fazenda havendo ateacute ameaccedilas de mortes Aleacutem dessas accedilotildees de conflito o proprietaacuterio
contava com o apoio do judiciaacuterio na aplicaccedilatildeo de medidas coercivas contra os
posseiros
No primeiro momento os posseiros foram despejados das terras perdendo
toda a produccedilatildeo das roccedilas jaacute cultivadas conforme descrito no relatoacuterio produzido pela
Empaer (2009 p 48)
No ano de 1980 foi feita a primeira invasatildeo da fazenda Aracaty
por 42 famiacutelias as mesmas fizeram construccedilatildeo de barracos de
plaacutesticos e palha A aacuterea invadida era mata e aberturas com
pastagens Os invasores fizeram aberturas de picadas
derrubadas e plantio de roccedilas Os pistoleiros da fazenda foram
ateacute a aacuterea invadida acionaram a poliacutecia militar e a mesma veio
ateacute o local do conflito
O conflito fundiaacuterio originado na luta pela terra tornou-se mais complexo
com a organizaccedilatildeo e a atuaccedilatildeo do STR e da CPT Em 1990 o Sindicato dos
Trabalhadores Rurais do municiacutepio denunciou internacionalmente a accedilatildeo de
empresaacuterios e fazendeiros conforme mostra a carta reproduzida a seguir
Figura 6 A Carta da Alemanha
84
Fonte Arquivo do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT
Essa articulaccedilatildeo internacional do STR de Vila Rica-MT demonstra a
capacidade de accedilatildeo mobilizadora dos grupos sociais constituiacutedos por homens e
mulheres com perfil ldquocampesinordquo os quais almejavam acesso agrave terra Revela ainda um
niacutevel de organizaccedilatildeo poliacutetica e conhecimento legal sobre os procedimentos juriacutedicos
adotados pelos oacutergatildeos federais no processo de criaccedilatildeo e regularizaccedilatildeo de assentamentos
rurais
Vale ressaltar que a situaccedilatildeo vivenciada pelos posseiros da Fazenda Aracati
ganhou repercussatildeo nacional e internacional Eacute possiacutevel verificaacute-lo pelas diversas coacutepias
das cartas enviadas ao Presidente da Repuacuteblica por vaacuterias entidades inclusive de paiacuteses
como Espanha Itaacutelia Alemanha e outros
Em 1993 a equipe do INCRA compareceu pela primeira vez na aacuterea
visando regularizaacute-la atraveacutes de um contrato de arrendamento com o proprietaacuterio da
Fazenda Aracati No entanto a regularizaccedilatildeo do assentamento rural ocorreu somente
quando a fazenda em questatildeo foi desapropriada para fins de Reforma Agraacuteria sendo
criado entatildeo o assentamento rural ocasiatildeo em que ocorreu o retorno dos posseiros que
haviam sido expulsos
Na eacutepoca foi respeitada a demarcaccedilatildeo realizada anteriormente pelos proacuteprios
posseiros na primeira fase da reocupaccedilatildeo Em consequecircncia dessa situaccedilatildeo quando natildeo
foram estabelecidos criteacuterios de demarcaccedilatildeo os lotes do Assentamento Rural Aracati
possuem ateacute hoje aacutereas diferentes
Segundo informaccedilotildees obtidas atraveacutes das anaacutelises dos documentos que estatildeo
nos arquivos disponibilizados pelo STR de Vila Rica-MT no periacuteodo de 1990 a 1992
pouco se fez em prol da infraestrutura da aacuterea ocupada pelos agricultores familiares
Apenas se verificou a edificaccedilatildeo de uma pequena escola de taacutebua cercas currais e
construccedilatildeo de estradas as quais foram feitas pelos proacuteprios moradores
224 O Assentamento Rural Satildeo Gabriel
O Assentamento Rural Satildeo Gabriel no que se refere a sua constituiccedilatildeo
possui caracteriacutesticas semelhantes ao Assentamento Rural Satildeo Joseacute uma vez que este
85
tambeacutem foi resultado do processo de ocupaccedilatildeo da fazenda Satildeo Gabriel no ano de 1999
Segundo os moradores na eacutepoca em que a fazenda foi ocupada praticamente toda aacuterea
era ainda coberta de mata virgem As primeiras picadas demarcatoacuterias foram realizadas
pelos posseiros A equipe do INCRA foi ao local somente para realizar o cadastramento
dos interessados Os lotes foram distribuiacutedos atraveacutes de sorteio viabilizando a liberaccedilatildeo
de fomento
Como em todos os demais assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-
MT no iniacutecio os assentados do Satildeo Joseacute enfrentaram muitas dificuldades como a falta
de infraestrutura sobretudo de estradas como demonstram as informaccedilotildees do relatoacuterio
produzido pelo escritoacuterio da Emapaer de Vila Rica- MT (2006 p 10)
[] no ano de 2000 foi criada a primeira associaccedilatildeo do
assentamento a Associaccedilatildeo dos Pequenos Produtores Rurais da
Comunidade Pedra Alta do Projeto de assentamento Satildeo
Gabriel ndash APPA As famiacutelias comeccedilaram a abrir derrubadas
para plantio de roccedilas e pastagens novamente receberam
fomento creacutedito habitaccedilatildeo Iniciou a primeira escola nas casas
da antiga fazenda IPEcirc assentamento vizinho O INCRA teve
presente no assentamento pra fazer a liberaccedilatildeo das casas O
assentamento foi contemplado com 18 km de estrada feitas pela
prefeitura em parceria com INCRA
Assim como ocorreu em outros Projetos de assentamentos rurais de Vila
Rica-MT a deacutecada de 2000 pode ser considerada um marco importante na histoacuteria do
assentamento Satildeo Joseacute pois naquele periacuteodo houve uma melhoria significativa da
infraestrutura em funccedilatildeo das accedilotildees dos Poderes Puacuteblicos Federal e Municipal
O periacuteodo entre os anos 2001 ateacute 2010 foi marcado por um amplo aumento
nas accedilotildees do poder puacuteblico havendo bastante capacitaccedilatildeoformaccedilatildeo para os
Agricultores Familiares e a liberaccedilatildeo de creacuteditos Pronaf A AC Tais poliacuteticas sociais
puacuteblicas segundo relato oral tinham como objetivo a compra de gado leiteiro
construccedilatildeo de curral contrataccedilatildeo de maacutequinas de esteira construccedilatildeo de casas
construccedilatildeo de pontes e estradas
Atraveacutes de projetos depois da implantaccedilatildeo do Programa Luz para Todos os
assentados conseguiram os resfriadores contemplando toda a aacuterea do assentamento
rural Uma loacutegica do aparelho do Estado era que os posseiros se tornassem produtores
de mercadorias e consumidores para que entrassem no processo de produccedilatildeo
econocircmica capitalista
86
225 O Assentamento Rural Itaporatilde do Norte
O Assentamento Rural Itaporatilde do Norte resultou de um processo de
ocupaccedilatildeo por parte de posseiros em 1986 Nesse periacuteodo houve tentativas de
desapropriaccedilatildeo prisatildeo e ameaccedila contra a vida dos posseiros Estes fatos podem ser
confirmados atraveacutes de documentos como a declaraccedilatildeo exposta a seguir em que um
dos posseiros denunciou as ameaccedilas de morte contra eles
Figura 7 Denuacutencia de Ameaccedila de Morte de posseiro
Fonte Arquivo do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT 2015
87
O documento denuncia a accedilatildeo violenta de intimidaccedilatildeo sofrida por parte de um
dos posseiros no ano de 1988 O significado dessa fonte de pesquisa permite que
conheccedilamos mais claramente o modus operandi dos pretensos proprietaacuterios da terra
assim como a forma com que tentavam manter seus domiacutenios natildeo somente no campo
da justiccedila do direito mas tambeacutem pela criaccedilatildeo de cenaacuterios em que o medo pudesse
fazer parte da rotina dos posseiros das suas esposas e familiares
A criaccedilatildeo de um ambiente tenso e conflituoso com riscos agrave vida de qualquer
um dos familiares era uma estrateacutegia utilizada pelos ldquosenhoresrdquo pretensos proprietaacuterios
da terra em conflito Apesar da situaccedilatildeo do embate e das ameaccedilas somente dez anos
depois o INCRA regularizou a situaccedilatildeo dos posseiros
Um dos principais problemas do assentamento rural eacute decorreu da
demarcaccedilatildeo dos lotes no periacuteodo sendo que o tamanho variava entre 25 a 150 ha O
tamanho do lote oscilava em decorrecircncia da forma de reocupaccedilatildeo anterior agrave
regularizaccedilatildeo e que foi seguida pelo INCRA
As parcelas menores estatildeo abaixo do miacutenimo estipulado pelo MDA que eacute de
35 hectares Segundo o Estatuto da Terra (1964) esta era a aacuterea miacutenima que garantia as
condiccedilotildees de desenvolvimento e potencializaccedilatildeo da funccedilatildeo social da terra Essa
perspectiva teve por base a ideia de que um lote menor que 35 ha natildeo tecircm condiccedilotildees de
garantir as condiccedilotildees sociais e econocircmicas de seus moradores e trabalhadores naquela
aacuterea
Ao observarmos essa questatildeo nos assentamentos rurais analisados eacute
perceptiacutevel que os assentados acabaram tendo que conciliar as atividades declaradas na
posse com outras formas de trabalhos assessoacuterios para garantir as condiccedilotildees
econocircmicas da propriedade
Em 1996 foram cadastradas 184 famiacutelias de posseiros que tinham como
objetivo adquirir recursoscreacuteditos para financiamento das atividades naquele
assentamento rural Desse total 30 natildeo estavam aptas para conseguir o creacutedito
226 O Assentamento Rural Bom Jesus
88
Refletir a partir da histoacuteria do Assentamento Rural Bom Jesus eacute trilhar mais
uma vez as trajetoacuterias de vida de vaacuterias pessoas que migraram para Vila Rica-MT em
busca de melhores condiccedilotildees de vida Essas pessoas foram atraiacutedas pela propaganda da
terra feacutertil e da abundacircncia Nas informaccedilotildees disponibilizadas pelo STR de Vila Rica-
MT os ocupantes desse assentamento eram majoritariamente migrantes oriundos dos
estados de Minas Gerais Goiaacutes Rio Grande do Sul Paranaacute Paraacute e minoritariamente
do Nordeste
Essas pessoas ao se aventurarem nas matas para desbravaacute-las acreditavam
que as terras da Amazocircnia proporcionar uma qualidade de vida almejada Essa
expectativa pode ser observada no excerto da carta-convite para a comemoraccedilatildeo do 17ordm
aniversaacuterio do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT datada de
30052004
[] Imaginando eles que iriam ter o crescimento econocircmico e
uma vida melhor para sua famiacutelia sem conhecer os riscos
quantas vidas foram ceifadas nas derrubadas Aiacute chega a
maldita maleita a tatildeo sofrida malaacuteria onde muitas famiacutelias
perderam vidas sofrimento com a dor [] E os que
conseguiam reagir com muita fraqueza sem forccedilas para
trabalhar e jaacute com diacutevidas acabaram vendendo sua terrinha e
quando acabou o dinheiro E agora o que fazer Isso jaacute era por
volta do iniacutecio de 1986 onde a opccedilatildeo foi ocupar terras
devolutas da regiatildeo pois o dinheiro tinha acabado e voltar para
traz donde vieram natildeo era possiacutevel Iniciou- se a ocupaccedilatildeo da
aacuterea do Itaporatilde do Norte e da Colocircnia Bom Jesus []20
Esse documento possibilita compreender que a narrativa oficial natildeo traduzia
as representaccedilotildees constituiacutedas pelos trabalhadores e antigos colonos Afinal na eacutepoca
da formaccedilatildeo do assentamento rural muitos posseiros convivendo com os efeitos da
colonizaccedilatildeo para todos aqueles que acreditaram nos discursos construiacutedos pelo
colonizador sobre um lugar bom de viver acabaram arriscando as proacuteprias vidas na luta
pela terra
Com o passar do tempo eles se deparam com doenccedilas dificuldades
financeiras e a desilusatildeo da riqueza da terra faacutecil Diante da falta de alternativas de
trabalho e de sobrevivecircncia os posseiros viram a possibilidade de reocupar fazendas
20 A carta na integra faz parte de coletacircnea de recorte de textos e noticiaacuterios sobre a luta dos
movimentos numa espeacutecie de livro artesanal o qual estaacute disponibilizado nos arquivos do
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica- MT
89
improdutivas como a uacutenica saiacuteda para a sobrevivecircncia conforme relatado na carta
ldquo[] e quando acaba o dinheiro o que fazerrdquo (CARTA CONVITE STR de Vila Rica
30052004)
O relato a seguir mostra as estrateacutegias dos posseiros para ocupar uma aacuterea
privada e como conseguiram a aprovaccedilatildeo do INCRA
[] Eu participei das ocupaccedilotildees em 1986-1987 no caso do
assentamento Bom Jesus que era antes a antiga Fazenda
COBEC onde 60 famiacutelias foram ocupando a aacuterea Noacutes
organizamos e ocupamos essa aacuterea e tem a Itaporatilde do Norte
que foi ocupada numa organizaccedilatildeo dos Sindicatos dos
Trabalhadores Rurais e outros movimentos sociais daqui do
municiacutepio de Vila Rica-MT mas especificamente da ocupaccedilatildeo
dessas aacutereas que eu natildeo sei falar sei do caso do Bom Jesus
que depois que organizamos a ocupaccedilatildeo recorremos ao
Sindicato e atraveacutes deste fizemos o primeiro contato com o
INCRA queriacuteamos saber se havia interesse por parte do
INCRA em negociar a compra dessa propriedade na eacutepoca o
INCRA ainda fazia a negociaccedilatildeo digo compra de aacutereas que jaacute
estavam ocupadas hoje como vocecirc sabe o INCRA natildeo faz
mais esse tipo de coisa a estrateacutegia eacute outra Hoje compra-se a
propriedade primeiro para depois entregar a antiga fazenda
aos assentados Entatildeo eu na eacutepoca tinha dezesseis anos eu
era meio perdido com essas coisas a organizaccedilatildeo foi feita
basicamente pelo o meu pai e outros companheiros nossos
(outras pessoas neacute) Soacute sei que eles fizeram um levantamento
sobre a situaccedilatildeo das fazendas em Vila Rica-MT e descobriram
que esta aacuterea estava sem produzir o dono natildeo tinha interesse
porque era uma fazenda empenhorada no banco ou seja jaacute era
uma aacuterea do banco Entatildeo os organizadores do processo de
ocupaccedilatildeo entenderam que seria mais faacutecil negociar entre o
dono e o INCRA e assim facilitaria aquisiccedilatildeo do tiacutetulo da
terra e formar o assentamento (ENTREVISTA com Ivanir
Galo Agricultor familiar do assentamento Bom Jesus e
presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-
MT realizada pela autora em marccedilo de 2015)
O relato nos possibilita cogitar a ideia de que os posseiros que reocuparam a
aacuterea da Fazenda Boa Jesus eram conhecedores tanto das diretrizes definidas pelo
INCRA para a criaccedilatildeo de assentamento rural quanto da situaccedilatildeo da Questatildeo Agraacuteria de
Vila Rica-MT Isso fica evidente principalmente ao eleger uma fazenda que estava
comprometida pelo endividamento no banco revelando uma taacutetica de efeito positivo
uma vez que facilita a accedilatildeo do INCRA na aquisiccedilatildeo da fazenda tendo em conta o
interesse do proprietaacuterio em negociar a venda
90
Outra situaccedilatildeo que nos chama atenccedilatildeo foi agrave atuaccedilatildeo dos filhos junto com os
pais na reocupaccedilatildeo da fazenda o que pode se atribuir agrave projeccedilatildeo de desmembramento
familiar ou de ampliaccedilatildeo do capital econocircmico da famiacutelia Ao mesmo tempo pode
demonstrar que os posseiros tinham a pretensatildeo de continuar uma tradiccedilatildeo vinculada a
terra passando suas heranccedilas para seus filhos poreacutem incorporando-os na luta pela
terra no trabalho com a terra e na busca pela sobrevivecircncia a partir da propriedade
rural
O relato a seguir mostra como os posseiros se apossavam de aacutereas natildeo
produtivas
[] A ocupaccedilatildeo de fazenda na eacutepoca era a uacutenica forma que as
pessoas sem-terra tinham para conseguir uma pequena aacuterea
era o que noacutes entendiacuteamos ser mais faacutecil para conseguir ter
acesso agrave terra Hoje a gente vecirc que natildeo precisa ser soacute assim
pois eacute melhor procurar comprar a fazenda e planejar o
assentamento [] Eacuteramos todos daqui mesmo de Vila Rica-
MT eacuteramos pessoas que tinha conhecimento sobre a luta pela
terra um bom entrosamento e essas pessoas trabalhavam em
prol da colonizaccedilatildeo reuniram essas famiacutelias e foram ocupar
ateacute organizamos em dois grupos no primeiro momento onde
um grupo entrou por um local e o outro grupo entrou por outro
lado da fazenda mas quando teve o desbravamento
descobrimos que estaacutevamos ocupando a mesma aacuterea porque o
acesso era muito difiacutecil a gente natildeo tinha como fazer um mapa
direito da fazenda entatildeo tivemos que entrar de 8 a12 km na
mata ateacute descobrir a aacuterea toda[] (ENTREVISTA com
Evani Galo presidente do STR de Vila Rica-MT realizada pela
autora em marccedilo de 2015)
O citado relato oral nos possibilita afirmar que havia um conhecimento
aprimorado sobre a estrutura fundiaacuteria de Vila Rica- MT Os posseiros natildeo ocupavam
aacutereas de fazendas que estavam produzindo mas optavam por estabelecer as disputas em
terras sob condiccedilotildees ilegais Por isso eles ocupavam as aacutereas improdutivas para
diminuir a possibilidade de conflito e aumentar a chance de negociaccedilatildeo entre os
proprietaacuterios e as instituiccedilotildees governamentais Para essas definiccedilotildees eles faziam
reuniotildees para escolher qual aacuterea de fazenda seria ocupada e a definiccedilatildeo de estrateacutegias na
reocupaccedilatildeo
Destacamos que a maioria dos posseiros ocupantes dos lotes do
Assentamento Rural Bom Jesus foi ldquoex-colonosrdquo do Sul que migraram para Vila Rica-
MT no iniacutecio da colonizaccedilatildeo No caso desta pesquisa denominamos como ex- colonos
91
aqueles migrantes que vieram para Vila Rica-MT em funccedilatildeo da accedilatildeo da colonizadora e
que perderam o capital financeiro devido ao endividamento no banco
Daiacute estes migrantes passaram de colonos para Sem-Terra depois tornaram-
se posseiros ou vendedores da forccedila de trabalho trabalhadores rurais e tambeacutem urbanos
Poreacutem outros posseiros eram oriundos das aacutereas de colonizaccedilatildeo ou de fazendas
agropecuaacuterias
[] a dificuldade de chegar e trabalhar era muita Natildeo tinha
aparelhos para identificar com precisatildeo a dimensatildeo da aacuterea
natildeo tinha estrada Andaacutevamos aiacute de 8 a 12 km na mata guiados
atraveacutes de picadas apenas essas picadas jaacute eram existentes
desde a eacutepoca da colonizadora E por ser essa fazenda que noacutes
ocupamos uma aacuterea vizinha da colonizadora Isso acabou
facilitando a localizaccedilatildeo Aleacutem da falta de estrada tinha a
malaacuteria a falta de transporte E eu mesmo fui uma das pessoas
que primeiro chegou ao assentamento Quando fui uns dos
primeiros fiquei 21 dias na mata ali roccedilando demarcando a
minha aacuterea Eu fiquei tentando marcar e garantir o meu
territoacuterio e foi assim a nossa luta para conseguir o pedaccedilo de
terrapedaccedilo de chatildeo pra produzir depois o meu sustento e da
minha famiacutelia [] Na eacutepoca ficou determinado entre todos
noacutes numa reuniatildeo que fizemos ateacute pra dizer que cada um de
noacutes ficaacutessemos apenas com 100 hectares [] por isso no
assentamento do Bom Jesus natildeo tem ningueacutem com mais 100
hectares E teve gente que natildeo conseguiu permanecer no
assentamento venderam e teve outros que desistiram natildeo
aguentaram aquele sofrimento todo Noacutes sempre trabalhamos
na associaccedilatildeo para que nenhum lote passasse de 100 hectares
pois jaacute era a determinaccedilatildeo do INCRA E noacutes jaacute conheciacuteamos as
regras do INCRA e trabalhaacutevamos desde a fase de organizaccedilatildeo
da ocupaccedilatildeo com elas Os dois assentamentos que manteve esse
padratildeo eacute soacute o Bom Jesus e o Itaporatilde A nossa loacutegica era no
sentido de facilitar a regularizaccedilatildeo e pra isso trabalhamos de
forma que pudesse tambeacutem aumentar o nuacutemero de famiacutelias no
assentamento Noacutes sempre respeitamos as regras
(ENTREVISTA com Evani Galo Agricultor Familiar do
assentamento Bom Jesus realizada pela autora em marccedilo de
2015)
O relato acima nos remete agrave concepccedilatildeo jaacute exposta na descriccedilatildeo da formaccedilatildeo
de outros assentamentos rurais em que os posseiros eram conhecedores das diretrizes
do INCRA em relaccedilatildeo ao processo de criaccedilatildeo e regularizaccedilatildeo dos assentamentos rurais
Isso nos leva a crer que a reocupaccedilatildeo das fazendas natildeo ocorria de forma tatildeo espontacircnea
como aparece em outras narrativas sobre assentamentos rurais Havia entre os posseiros
92
uma organizaccedilatildeo e um planejamento Isto porque promoviam accedilotildees que exigiam
atividades taacuteticas e estrateacutegicas que permeavam a disposiccedilatildeo da luta pela terra
Apesar dessas definiccedilotildees de princiacutepios organizativos da luta para evitar
ocupaccedilotildees equivocadas e desviar-se dos conflitos o entrevistado falou sobre as ameaccedilas
que sofreram no periacuteodo em que lutaram para conquistar a terra
[] teve sim ameaccedilas de despejos na eacutepoca Apesar de que
hoje a gente jaacute sabe que foi uma pessoa que usou de
oportunismo Isso eacute o mesmo que estaacute acontecendo na Fazenda
Reunidas Vocecirc natildeo precisa ter medo de falar sobre esse fato
porque eacute verdade isso que lhe conto Pode colocar no seu
relatoacuterio aiacute Esses satildeo os tais grileiros das terras do Araguaia
ficam se passando por donos das fazendas soacute para ameaccedilar e
confundir os posseiros Aconteceu assim uma pessoa de maior
poder aquisitivo ficou amedrontando as outras pessoas que
estavam ocupando a aacuterea da fazenda Noacutes estaacutevamos fazendo
os nossos serviccedilos laacute cuidando da roccedila E daiacute apareceram eles
dizendo que eram os legiacutetimos donos da aacuterea mas natildeo
conseguiram apresentar documento natildeo conseguriam
apresentar nada Noacutes desconfiaacutevamos deles No fundo
sabiacuteamos que estavam tentando nos enrolar E acabou que eles
tiveram que se retirar de laacute E noacutes atraveacutes do INCRA e do
Sindicato satildeo essas as instituiccedilotildees que assumiram a nossa
causa ficamos com a terra e estamos assentados laacute ateacute hoje
Somos 63 famiacutelias [] Na verdade 1987 eacute o periacuteodo de
ocupaccedilatildeo porque o INCRA veio atuar em 1992 quando foi
criado o assentamento Ficou esse periacuteodo aiacute todo em fase de
negociaccedilatildeo com o antigo dono da fazenda O INCRA e o
Sindicato fizeram o levantamento da aacuterea estudo geograacutefico e
assim por diante e noacutes juntos acompanhando tudo
(ENTREVISTA com Ivani Galo Agricultor Familiar do
assentamento Bom Jesus realizada pela autora em marccedilo de
2015)
Nesse caso o depoimento remete agrave accedilatildeo de outro tipo de agente social
envolvido nos conflitos agraacuterios do assentamento rural o grileiro No entanto o termo
ldquogrileirordquo eacute usado localmente para identificar aquele sujeito social que reocupa uma aacuterea
de terra natildeo com o objetivo de morar e cultivar mas ao contraacuterio para adquirir o
ldquodireitordquo sobre ela e poder comercializar posteriormente
Tambeacutem eacute possiacutevel identificar na narrativa a valorizaccedilatildeo dada ao Sindicato
dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT destacando que ele agia juntamente com o
INCRA na regularizaccedilatildeo do assentamento rural
93
Compreendemos que a formaccedilatildeo do Assentamento Rural Bom Jesus deu-se
de forma particular Os posseiros que reocuparam a aacuterea tinham dificuldade financeira
para garantir a sobrevivecircncia e isso se configurava como um impedimento de
retornarem aos seus lugares de origem e natildeo conseguindo mais vislumbrar outro meio
de sobrevivecircncia que natildeo fosse a ocupaccedilatildeo de terra ociosa
Diante das necessidades os posseiros criaram estrateacutegias inteligentes de
ocupaccedilatildeo escolhendo as aacutereas com maior chance de desapropriaccedilatildeo bem como
estrateacutegias de resistecircncia do grupo para lutar contra o grileiro
Essas estrateacutegias tambeacutem devem ser compreendidas em uma relaccedilatildeo com o
perfil dos ocupantes que incluiacutea aqueles com certo grau de instruccedilatildeo sobre as questotildees
relacionadas agrave poliacutetica de regularizaccedilatildeo de assentamentos rurais O conhecimento da
legislaccedilatildeo facilitou o acesso agraves poliacuteticas que versavam sobre a desapropriaccedilatildeo
parcelamento e uso de terras devolutas eou improdutivas que natildeo cumpriam a funccedilatildeo
social as quais devem ser utilizadas para fins de Reforma Agraacuteria
227 Assentamento Rural Santo Antocircnio do Beleza
Jaacute ressaltamos em outras passagens do texto que cada um dos assentamentos
rurais de Vila Rica-MT tem caracteriacutesticas de ocupaccedilatildeo diferentes como eacute o caso do
Assentamento Rural Santo Antocircnio do Beleza que foi ocupado por colonos que natildeo
conseguiram comprar lotes de terra da colonizadora ou perderam suas terras no
financiamento do Banco Tambeacutem participaram seus filhos que no ldquodesmembramentordquo
familiar tambeacutem se apropriaram de terras Ateacute entatildeo natildeo apareceu o dono do tiacutetulo
requerendo o direito de propriedade daquela aacuterea de terra em que foi constituiacutedo o
Assentamento Rural Bom Jesus
Tal situaccedilatildeo se deu tambeacutem pelo fato de a Colonizadora Vila Rica-MT natildeo ter
assegurado junto ao INCRA as terras aos colonos e trabalhadores rurais desprovidos
de capital para aquisiccedilatildeo de lotes da colonizadora Estes ocuparam aacutereas destinadas ateacute
entatildeo pela colonizadora para as fazendas Somente depois que a aacuterea foi ocupada em
2001 eacute que o INCRA regularizou os lotes para os ldquoocupantesrdquo
Os posseiros que reocuparam a aacuterea da Colonizadora Vila Rica-MT
denominada de Santo Antocircnio do Beleza satildeo em sua maioria oriundos dos estados do
94
Rio Grande do Sul Santa Catarina e do Paranaacute e se fixaram na aacuterea como assentados e
atualmente se identificam como agricultores familiares parceleiros colonos ou
proprietaacuterios
228 Assentamento Rural Alvorada
O Assentamento Rural Alvorada estaacute localizado na divisa do municiacutepio de
Vila Rica-MT com o estado do Paraacute Esse assentamento rural resultou da ocupaccedilatildeo da
fazenda Santaninha em 1993 poreacutem o ato de regularizaccedilatildeo data de 1995 ou seja
somente depois de dois anos das terras ocupadas eacute que foram regularizadas pelo
INCRA transformando-as em Projeto de assentamento rural
Consta em documentos (atas ofiacutecios relatoacuterios e projetos de assistecircncia
teacutecnicas)21
do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT que os primeiros
moradores do Assentamento Rural Alvorada vieram principalmente dos estados de
Mato Grosso do Paraacute e de outras regiotildees do Brasil
Melo (2011 p 43) realizou uma pesquisa sobre as atividades das
agropecuaacuterias no Assentamento Rural Alvorada denominado como PA Santaninha
afirmando que ldquo[] o periacuteodo compreendido de 1993 ateacute 2009 as principais
dificuldades do assentamento rural estavam relacionadas agrave falta de estradasrdquo De acordo
com o mesmo autor o assentamento rural estaacute localizado em uma aacuterea onde haacute
predominacircncia de relevo acidentado condiccedilatildeo que motivou os assentados a investir na
pecuaacuteria inibindo assim o avanccedilo da agricultura familiar devido agraves dificuldades para o
escoamento da produccedilatildeo agriacutecola de hortaliccedilas legumes verduras e frutas
Essa situaccedilatildeo ainda eacute um desafio para o desenvolvimento do assentamento
rural Apesar dos problemas nesse assentamento haacute escola Associaccedilatildeo de Pequenos
Agricultores possui rede de energia eleacutetrica abastecimento de aacutegua etc Nesta acepccedilatildeo
o relato de um dos assentados ilustra a concepccedilatildeo dos seus moradores quanto agraves
condiccedilotildees de vida no assentamento rural
21 Esses documentos foram analisados pela a autora da pesquisa os quais fazem parte do acervo
documental do Sindicato dos Trabalhadores de Vila Rica-MT
95
[] foi bom mudar para caacute me sinto realizado porque
consegui algo para sobreviver e cuidar da minha famiacutelia []
quando chegamos aqui quase natildeo tinha devastaccedilatildeo de mata soacute
tinha aproximadamente 25 alqueires de derrubada e era muito
difiacutecil a chegada neste local pois os primeiros meios de
transporte eram o trator porque as estradas eram bem
dificultosas atoleiros e sem pontes Atualmente as melhorias
satildeo muito grandes nas estradas nos transportes na educaccedilatildeo
na habitaccedilatildeo e na sauacutede (ENTREVISTA com Edno Venacircncio
morador do projeto de Santaninha desde o ano 1993 realizada
por Carlos Aberto de Melo em 2011)
O trecho do relato nos remete agraves dificuldades vivenciadas pelos posseiros nos
primeiros tempos de formaccedilatildeo do assentamento rural comuns aos demais
assentamentos rurais de Vila Rica-MT Satildeo os posseiros que precisam cavar e buscar as
proacuteprias condiccedilotildees de sobrevivecircncia jaacute que o poder Puacuteblico natildeo assegura a
infraestrutura baacutesica
No assentamento Alvorada as informaccedilotildees do STR e dos assentados
permitiram compreender que nesse assentamento natildeo ocorreu conflito entre posseiros e
fazendeiro Trata-se de uma aacuterea que natildeo estava vinculada somente agrave Fazenda
Santaninha Nesse assentamento a devastaccedilatildeo do meio para a formaccedilatildeo de pastagens foi
fruto da accedilatildeo dos proacuteprios posseiros
No Assentamento Rural Alvorada como em outros a questatildeo das poliacuteticas
puacuteblicas de sauacutede habitaccedilatildeo estrada e educaccedilatildeo satildeo consideradas como conquistas
importantes para a permanecircncia das famiacutelias no campo
Consideraccedilotildees gerais sobre os assentamentos rurais de Vila Rica-MT
Ao analisar a formaccedilatildeo dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica
percebemos a complexidade e as diferenciaccedilotildees existentes entre eles No entanto o que
existe em comum foi agrave luta pela posse da terra por parte de posseiros ex-colonos e
agricultores familiares Nesse processo contaram com o apoio e auxiacutelio de entidades
como a CPT e o STR do municiacutepio de Vila Rica-MT dos agentes da pastoral da
Prelazia de Satildeo Feacutelix do Araguaia hoje Diocese
A situaccedilatildeo dos assentamentos rurais de Vila Rica-MT eacute percebida como
resultado da luta dos posseiros em torno da aquisiccedilatildeo da posse e propriedade da terra
96
Ao mesmo tempo em que essa organizaccedilatildeo parte de uma localidade especifica estava
inserida em uma conjuntura de luta regional estadual nacional e mundial
Os diferentes sujeitos histoacutericos que constituiacuteram a luta pela terra com a
formaccedilatildeo dos assentamentos rurais de Vila Rica-MT deixaram de ser posseiros Os ex-
colonos trabalhadores rurais e grileiros tornaram-se agricultores familiares quando o
INCRA regularizou a aacuterea em litiacutegio transformando-a em assentamento rural
97
3 SITUACcedilAtildeO SOCIOECONOcircMICA DOS ASSENTAMENTOS RURAIS SAtildeO
JOSEacute SAtildeO GABRIEL IPEcirc E ARACATI (2006-2010)
Esse capiacutetulo tem como objetivo apresentar a situaccedilatildeo socioeconocircmica de
quatro dos oito assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT No entanto natildeo se
pretende apresentar um diagnoacutestico de sua realidade social e econocircmica mas um esboccedilo
para compreender as tendecircncias soacutecio-histoacutericas que foram obtidas atraveacutes das fontes
documentais
Ressaltamos que existem poucas fontes escritas que se referem a situaccedilotildees
socioeconocircmicas dos assentamentos rurais do Araguaia e se tratando de Vila Rica a
localizaccedilatildeo e acesso aos poucos documentos escritos foram fundamentais para a
construccedilatildeo desse capiacutetulo
As fontes escritas analisadas nesse capiacutetulo foram os ldquoPlanos de
Desenvolvimento do Assentamentordquo (Pda) incluindo os assentamentos rurais Satildeo Joseacute
Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati elaborados pela Empaer em 2010 Estes Pdas ajudaram a
compreender os muacuteltiplos contextos de constituiccedilatildeo e produccedilatildeo nos assentamentos
rurais embora envolvessem outras temporalidades
Contudo ressaltamos que natildeo utilizamos apenas o banco de dados produzido
pela equipe da Empaer pois realizamos visitas aos assentamentos rurais agrave Secretaria
Municipal de Agricultura e ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT
onde aleacutem das entrevistas tivemos acesso a outras fontes documentais que
possibilitaram ampliar a perspectiva analiacutetica deste capiacutetulo
A elaboraccedilatildeo dos Pdas se deu atraveacutes de reuniotildees com os assentados e a
realizaccedilatildeo de pesquisa de campo
As informaccedilotildees coletadas refletem a realidade do assentamento
e foram levantadas dentro de uma metodologia participativa
onde a comunidade do assentamento expocircs suas dificuldades
potencialidades e prioridades Utilizou-se tambeacutem de estudos de
campo realizado por uma equipe multidisciplinar constituiacuteda
por engenheira florestal engenheira agrocircnoma e teacutecnicos nas
aacutereas da pecuaacuteria agriacutecola ambiental e social (EMPAER-MT
2010 p 2)
Ressaltamos que as informaccedilotildees levantadas natildeo ldquorefletiram a realidaderdquo de
maneira mecacircnica mas possibilitaram a anaacutelise das informaccedilotildees obtidas enquanto
tendecircncias
98
Para compreender como cada fonte documental foi construiacuteda foi preciso
observar as fotografias que fazem parte do proacuteprio documento e que possibilitaram a
percepccedilatildeo da forma com que a equipe multidisciplinar da Empaer coletou as
informaccedilotildees que serviram de base para produccedilatildeo do diagnoacutestico de como se deu a
participaccedilatildeo dos assentados
Figura 8 Fotografias das visitas dos teacutecnicos da Empaer-MT no PA Ipecirc 2010
Fonte EMPAER-MT 2010 p 5
A Empaer recorreu a diversas estrateacutegias desde o uso dos recursos
midiaacuteticos sobretudo a Raacutedio Comunitaacuteria e visitas aos assentamentos rurais contando
com o apoio de lideranccedilas sindicais e poliacuteticas para a divulgaccedilatildeo do Programa de
Assessoria Teacutecnica Social e Ambiental agrave Reforma Agraacuteria (Ates) e conscientizaccedilatildeo
dos agricultores familiares sobre a importacircncia e implicaccedilatildeo dos Pdas
Figura 9 Fotografias da apresentaccedilatildeo do Projetob Ates na Raacutedio Comunitaacuteria Eldorado
Fonte EMPAER 2010 p 5
99
Foi a partir dessas diferentes formas de divulgaccedilatildeo e estrateacutegias que a equipe
da Empaer convenceu os assentados a participar da primeira fase do Ates que foi a
construccedilatildeo do diagnoacutestico
Os questionaacuterios e entrevistas foram realizados em diferentes momentos em
reuniotildees com a comunidade e in loco o que resultou na tabulaccedilatildeo de dados que
apresentam diferentes bases amostrais Ora observamos uma amostra de cerca de
duzentos entrevistados e ora observamos tabelas com um nuacutemero trecircs vezes maior de
famiacutelias assentadas
Ressaltamos que essa diferenccedila na base de dados eacute proacutepria da fonte
documental analisada e natildeo pudemos adulterar os nuacutemeros para natildeo comprometer a
anaacutelise da fonte documental Ainda eacute importante salientamos que apesar das diferenccedilas
amostrais presentes em diferentes dados (tabelas) os mesmos satildeo extremamente
relevantes para anaacutelise por fornecerem tendecircncias socioeconocircmicas dos assentamentos
rurais nos anos de 2009 a 2010
31 Os assentamentos rurais na perspectiva do Programa de Assessoria Teacutecnica
Social e Ambiental agrave Reforma Agraacuteria (Ates)
Os assentamentos rurais segundo a concepccedilatildeo constituiacuteda no projeto de Ates
(2008) satildeo definidos enquanto espaccedilos de promoccedilatildeo da equidade de gecircnero e
intergeraccedilotildees entre a populaccedilatildeo de agricultores familiares Por isso a recorrecircncia agraves
estrateacutegias de trabalho em forma de cooperativas imbuiacutedas da concepccedilatildeo de
agroecologia cooperaccedilatildeo e economia solidaacuteria Estes elementos foram constituiacutedos a
partir dos artifiacutecios da formaccedilatildeo continuada dos diferentes segmentos que compotildeem o
coletivo do Programa de Reforma Agraacuteria
Para tanto o Programa Ates do Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio
(BRASIL 2008 p 10) foi definido da seguinte forma
100
O Programa de Assessoria Teacutecnica Social e Ambiental agrave
Reforma Agraacuteria ndash Ates do INCRA foi criado em 2003 com o
objetivo de assessorar teacutecnica social e ambientalmente as
famiacutelias assentadas nos Projetos de assentamento da Reforma
Agraacuteria criados ou reconhecidos pelo INCRA tornando-os
unidades de produccedilatildeo estruturadas com seguranccedila alimentar
garantida inseridos de forma competitiva no processo de
produccedilatildeo voltados ao mercado e integradas agrave dinacircmica do
desenvolvimento municipal regional e territorial de forma
ambientalmente sustentaacutevel
Nessa perspectiva a assistecircncia teacutecnica implementada pelo Instituto Nacional
de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria deve levar em consideraccedilatildeo as questotildees de ordem
social ambiental culturas e tecnoloacutegica visando um modelo de desenvolvimento
pensado a partir das demandas locais regionais e nacional de forma que assegure a
sustentabilidade social ambiental e econocircmica dos assentamentos rurais
A Ates tem como ponto de referecircncia para a efetivaccedilatildeo da assistecircncia teacutecnica
na Agricultura Familiar os Pdas (2008 p 51) ldquo[] eacute portanto a principal ferramenta
de planejamento dos Projetos de assentamentos rurais voltada diretamente para o seu
desenvolvimento sustentaacutevel segundo as suas dimensotildees econocircmica social cultural e
ambientalrdquo
De acordo com o MDA os assentamentos rurais devem ser ldquoedificado a partir
de um diagnoacutesticordquo que sirva como representaccedilatildeo do quadro situacional dos
assentamentos rurais em seus aspectos fiacutesico social econocircmico cultural e ambiental
O objetivo eacute
Dotar as aacutereas de assentamento de um instrumento de
planejamento fundado em diagnoacutestico preacutevio que permita
prever todas as accedilotildees a serem desenvolvidas num determinado
horizonte de tempo de modo a possibilitar o monitoramento de
sua implementaccedilatildeo pelas equipes de Ates Garantir a efetiva
participaccedilatildeo dos assentados em todas as fases do processo de
planejamento e implementaccedilatildeo das accedilotildees nos projetos de
assentamento Inserir as accedilotildees propostas para os projetos de
assentamento no contexto das diretrizes contidas nos
planejamentos regionais e municipais assegurando a
participaccedilatildeo efetiva de todos os atores sociais governamentais e
natildeo governamentais envolvidos com o processo de reforma
agraacuteria (BRASIL MDA 2006 p 29)
Conforme o MDA o projeto tem por base a participaccedilatildeo do assentado em
todas suas fases de planejamento e implementaccedilatildeo dos assentamentos rurais
101
beneficiados A idealizaccedilatildeo do objetivo do Ates eacute ambicioso no contexto nacional mas
apresenta pouca aplicabilidade quando tomamos como referecircncia o caso de Vila Rica-
MT Tratando-se dos Pdas elaborados especificamente para os assentamentos rurais Satildeo
Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati os objetivos baacutesicos buscam assegurar que
As famiacutelias seratildeo assessoradas teacutecnica social e ambientalmente
de forma integrada e continuada nos aspectos de produccedilatildeo
industrializaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo dos produtos explorados na
aplicaccedilatildeo do creacutedito rural nas questotildees ambientais no
saneamento baacutesico na organizaccedilatildeo das famiacutelias e da produccedilatildeo
no exerciacutecio da cidadania utilizando as metodologias de Ates
(EMPAER-MT 2010 p 11)
A partir dessa proposta a equipe da Empaer realizou a primeira fase do
projeto realizando uma ampla pesquisa junto aos assentados dos quatro assentamentos
rurais de Vila Rica-MT que foram contemplados pelo Programa de Ates Este
levantamento de dados pela Empaer foi importante para identificar o perfil do
assentado a produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo no ano de 2010 Apesar de ser uma
amostragem parcial forneceu dados que permitiram analisar e problematizar questotildees
que podem se constituir enquanto indicadores ou tendecircncias
Apesar da relevacircncia do Pdas como fonte documental para a pesquisa e para
as poliacuteticas do municiacutepio de Vila Rica-MT eacute fundamental destacarmos que o Ates natildeo
foi finalizado mas suspenso pelo Governo Federal sem que os Pdas tenham sido
devidamente finalizados No entanto a equipe teacutecnica da Empaer que coletou os dados
e as informaccedilotildees desses assentamentos rurais continua utilizando esse diagnoacutestico para
o desenvolvimento de suas accedilotildees
32 O perfil dos assentados gecircnero idade e escolaridade
O perfil dos assentados dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e
Aracati conforme jaacute dito foi constituiacutedo com dados quantitativos obtidos atraveacutes dos
diagnoacutesticos que serviriam como base para a construccedilatildeo dos Pdas
Esses dados foram analisados a partir da confrontaccedilatildeo com fontes orais e
anaacutelises teoacutericas que forneceram indiacutecios qualitativos para a problematizaccedilatildeo e
102
compreensatildeo das caracteriacutesticas dos Agricultores Familiares dos assentamentos rurais
pesquisados
321 Diferenciaccedilatildeo de Gecircneros predominacircncia masculina e papel da mulher
Segundo dados da Empaer (2010) a diferenccedila numeacuterica entre homens e
mulheres nos assentamentos rurais pesquisados assim se apresentava
PA Satildeo Joseacute 179 homens e 147 mulheres
PA Satildeo Gabriel 44 homens e 39 mulheres
PA Ipecirc 153 homens e 125 mulheres
PA Aracati 40 homens e 44 mulheres
Com exceccedilatildeo do Assentamento Rural Aracati que apresentou uma pequena
vantagem no nuacutemero de mulheres em relaccedilatildeo aos demais assentamentos rurais se
observa a predominacircncia do sexo masculino sobre o feminino Uma hipoacutetese explicativa
para a existecircncia de maior nuacutemero de homens residindo nos assentamentos rurais eacute em
primeiro lugar causado pela necessidade dos filhos estudarem nas escolas urbanas
sendo que muitas vezes as matildees os acompanham em segundo lugar a possibilidade de
que cabe aos homens morar nas fases iniciais de formaccedilatildeo dos assentamentos rurais
enquanto constroem as casas estradas escola e estrutura fiacutesica
A questatildeo de gecircnero pode ser abordada em relaccedilatildeo ao trabalho ao lazer e agrave
participaccedilatildeo poliacutetica das mulheres Tratando-se de lazer os relatoacuterios do Pdas da
Empaer (2010 p 74) demonstraram que existe uma estrutura maior para os homens
conforme descriccedilatildeo abaixo
No assentamento natildeo identificamos praacuteticas de lazer voltadas
para as mulheres e idosos As atividades direcionadas para este
grupo geralmente se datildeo na esfera familiar ou religiosa O
assentamento tem times de bochas que participam do
campeonato municipal onde os jogadores tecircm que se deslocar
de um assentamento para outro
Como vimos as atividades de lazer satildeo predominantemente masculinas
sobretudo no esporte como eacute o caso dos jogos de bocha e futebol que resultam numa
circulaccedilatildeo dos assentados em outros assentamentos rurais e comunidades Agraves mulheres
restam as atividades religiosas e no lar Assim sendo satildeo os homens que tecircm mais
103
oportunidades de sair de casa e tambeacutem da comunidade diferentemente das mulheres
que ficam a maior parte do tempo no interior do lar
No que se refere agrave representaccedilatildeo poliacutetica segundo a Empaer (2009 p 59) no
Assentamento Rural Satildeo Joseacute ldquo[] foram levantadas as informaccedilotildees que natildeo haacute []
representaccedilatildeo especiacutefica para o jovem e a mulher rural fato este que tambeacutem contribui
para o ecircxodo dessas famiacuteliasrdquo Jaacute nos assentamentos rurais Satildeo Gabriel e Ipecirc ldquo[] a
participaccedilatildeo da associaccedilatildeo conta com presenccedila de homens mulheres e jovens poreacutem as
mulheres e jovens fazem poucas interferecircncias sobre os assuntos tratados durante as
reuniotildeesrdquo (EMPAER p 51)
De acordo com os relatoacuterios produzidos pela equipe do escritoacuterio da Empaer
em Vila Rica-MT natildeo existe uma organizaccedilatildeo feminina no sentido de criar estrateacutegias
para pleitear poliacuteticas especiacuteficas para a categoria o que diminui ainda mais a
participaccedilatildeo das mesmas Vale lembrar que as mulheres satildeo responsaacuteveis pelos afazeres
domeacutesticos (cuidando da casa e dos filhos) assim como da criaccedilatildeo de pequenos animais
domeacutesticos (porcos aves cachorros e outros) e do cultivo de hortas
No relatoacuterio do Assentamento Rural Satildeo Gabriel essa situaccedilatildeo foi descrita
pela a Empaer (2010 p 52) da seguinte forma
A maioria das mulheres aleacutem de trabalharem nos afazeres
domeacutesticos (cuidado da casa e dos filhos) tambeacutem satildeo
responsaacuteveis pela criaccedilatildeo de pequenos animais domeacutesticos e
cultivos de hortas A organizaccedilatildeo das mulheres dentro do
assentamento ainda eacute retraiacuteda Segundo dados do perfil de
entrada aplicado no assentamento natildeo foi constatado nenhum
grupo de mulheres ou qualquer outra forma de organizaccedilatildeo
social voltada para as mulheres em todo o assentamento
Ficando as mesmas condicionadas a se reunirem com os
homens e desta forma natildeo se unem para tratar de assuntos
relevantes as suas necessidades dentro do assentamento
Os afazeres domeacutesticos entram na divisatildeo sexual do trabalho como atividade
feminina assim como eacute o caso do cultivo de hortaliccedilas e criaccedilatildeo de pequenos animais
(aves porcos etc) as quais podem contar com a ajuda das crianccedilas No entanto haacute
indiacutecios de que falta uma maior organizaccedilatildeo das mulheres no sentido na reivindicaccedilatildeo
de poliacuteticas direcionadas aos seus interesses O segundo o relatoacuterio da Empaer (2010 p
52) esclarece ainda que
104
A alimentaccedilatildeo das famiacutelias eacute composta pelo que eacute produzido
nas propriedades como pequenos animais leite derivados do
leite hortaliccedilas frutas do pomar e em determinada eacutepoca do
ano tem o complemento de milho e mandioca A outra parte da
alimentaccedilatildeo da famiacutelia eacute comprada no comeacutercio do municiacutepio
Natildeo foi constatada nenhuma famiacutelia que natildeo produz um pouco
da sua base alimentar dentro da propriedade
Assim podemos afirmar que a maior parte dos produtos que serve de base
para alimentaccedilatildeo das famiacutelias tais como pequenos animais derivados do leite
hortaliccedilas frutas do pomar entre outros satildeo oriundos das atividades desenvolvidas
pelas mulheres cabendo aos homens as atividades relacionadas agrave produccedilatildeo e venda de
leite para complementaccedilatildeo da renda da famiacutelia
Nessa mesma perspectiva os dados quantitativos que se seguem demonstram
a confirmaccedilatildeo do que jaacute supramencionamos
Tabela 2 Produtos que satildeo destinados agrave Alimentaccedilatildeo da Famiacutelia
Uso de tanque PA S Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total
Pequenos animais 106 22 78 25 231
Leite 97 22 76 25 220
Pomar 105 21 78 24 228
Horta 72 15 62 17 166
Total 380 80 294 91 845
Fonte EMPAER (2010 p09)
Analisando a Tabela 2 do total de 570 famiacutelias dos quatro assentamentos
rurais participantes da pesquisa 220 criam gado leiteiro sendo essa atividade uma das
principais fontes de renda e de consumo
Enquanto 231 assentados satildeo criadores de pequenos animais 228 possuem
pomar e 166 cultivam hortaliccedilas em seus quintais Trata-se de produccedilatildeo para consumo
Logo eacute possiacutevel aferir que quem garante grande parte da renda das famiacutelias assentadas
satildeo as mulheres sendo que esse trabalho nem sempre eacute considerado rentaacutevel visto que
classificado como uma simples ldquoajudardquo no orccedilamento familiar conforme observado
adiante na discussatildeo sobre produccedilatildeo
322 Perfil etaacuterio indicadores de uma populaccedilatildeo idosa
105
Outro elemento importante identificado na pesquisa diz respeito agrave idade dos
assentados identificando o papel parcial dos jovens nos assentamentos rurais e o
envelhecimento da populaccedilatildeo
Segundo dados da Empaer (2010) a idade dos assentados dos assentamentos
rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati estatildeo distribuiacutedos em faixas etaacuterias da
seguinte forma
Tabela 3 Faixa etaacuteria dos assentados
Faixa Etaacuteria Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total
Nordm Nordm Nordm Nordm Nordm
0 a 6 24 75 10 120 18 64 1 10 53 70
7 a 15 69 215 22 270 36 128 17 210 144 190
16 a 29 67 200 13 160 81 287 20 250 181 230
30 a 60 139 430 37 450 120 426 35 430 331 430
Acima de 60 27 80 0 00 287
96 8 100 62 80
Total 326 100 82 1000 282 1000 81 1000 771 100
Fonte EMPAER 2010
De acordo com os dados na tabela 3 foi possiacutevel identificar que se somadas
As faixas etaacuterias entre 16 anos e 60 anos 66 dos assentados pesquisados estatildeo dentro
de faixas etaacuterias de populaccedilatildeo economicamente ativa ou seja os aptos agrave produccedilatildeo
agriacutecola eou pecuaacuteria Enquanto que as faixas etaacuterias de 7 a 15 anos de idade tecircm uma
representaccedilatildeo de 19 sendo que 8 estatildeo acima de 60 anos ou seja satildeo idosos e a
tendecircncia eacute que natildeo trabalhem da mesma maneira que os mais jovens
Logo esta constataccedilatildeo que leva em consideraccedilatildeo outras informaccedilotildees aleacutem
das expostas na tabela 3 nos induz a refletir sobre o envelhecimento da populaccedilatildeo do
campo onde apenas 19 satildeo jovens entre 7 a 15 anos Este pode ser considerado como
um intervalo longo situaccedilatildeo que a nosso ver complica a anaacutelise dos dados Aleacutem de
haver um indicativo de evasatildeo dos jovens nos assentamentos rurais explicada
hipoteticamente pela necessidade das novas geraccedilotildees de prosseguir nos estudos motivo
pelo qual saem dos assentamentos rurais para conseguirem obter maiores niacuteveis de
escolaridade como o Ensino Superior e ateacute mesmo o Meacutedio Outra possiacutevel explicaccedilatildeo
eacute a de que os jovens procuram por empregos em aacutereas urbanas
106
Destacamos que essa constataccedilatildeo tomou tambeacutem como paracircmetro o relatoacuterio
da Pesquisa Nacional de Residecircncia Domiciliar PNAD (2009) que aponta para o
envelhecimento da populaccedilatildeo rural no Brasil sobretudo nas aacutereas de assentamentos
rurais
Outro elemento fundamental eacute o papel poliacutetico dos ldquojovensrdquo assentados uma
vez que foram identificados como pouco participativos nas reuniotildees e atuaccedilotildees poliacuteticas
observadas pela equipe de elaboraccedilatildeo dos Planos de Desenvolvimento dos
assentamentos rurais
Aleacutem desse elemento a questatildeo da sua saiacuteda dos assentados para morar nas
cidades tambeacutem foi identificada como problema que atinge mais os jovens que buscam
oportunidade de empregos citadinos e de terem uma melhor e maior escolaridade
323 Perfil de escolaridade dos assentados
Nos dados da Empaer (2010) a escolaridades dos assentados tem a seguinte
caracterizaccedilatildeo
Tabela 4 Escolaridade dos assentados Escolaridade PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Perce
ntual
1ordf a 4ordf Seacuterie 143 29 113 39 324 46
5ordf a 8ordf Seacuterie 83 34 81 19 217 31
Segundo grau 61 12 49 16 138 20
Superior 8 1 4 7 20 3
Total 295 76 247 81 699 100
Fonte EMPAER (2010 p 9)
A Tabela 4 mostra que o niacutevel de escolaridade dos assentados eacute
significativamente baixo uma vez que das 699 pessoas participantes da pesquisa 77
natildeo cursaram o Ensino Meacutedio 324 estatildeo em niacutevel de escolaridade entre 1ordf a 4ordf seacuterie ou
seja estatildeo no anosciclo iniciais do processo de escolarizaccedilatildeo E 227 estatildeo entre 5ordf a 8ordf
seacuterie ou seja natildeo concluiacuteram sequer o Ensino Fundamental Somente 20 dos
entrevistados tecircm Ensino Meacutedio e apenas 20 pessoas dos pesquisados possuem ou estatildeo
em fase de conclusatildeo do Ensino Superior ou seja 3
107
Essa baixa escolarizaccedilatildeo entre assentados tambeacutem foi identificada em
pesquisa de Ferreira e Castrillon (2004 p 201) que ao apresentarem uma anaacutelise sobre
os impactos socioeconocircmicos dos assentamentos rurais em Mato Grosso descrevem sua
estrutura social como
Nos assentamentos pesquisados 23 8 dos titulares dos lotes
eram analfabetos 534 possuiacuteam primeiro grau incompleto
136 primeiro grau completo e 91 segundo grau ou mais
A taxa de analfabetismo dos titulares dos lotes demonstra- se
superior a taxa de analfabetismo da populaccedilatildeo rural do estado
A baixa escolaridade dos titulares dos lotes podem ser
explicados entre os outros fatores pela falta de infraestrutura
social (escola) em ambientes em que predomina intensa
mobilidade social pela necessidade do trabalho familiar entre
os jovens nas aacutereas rurais e especialmente em aacutereas de
fronteiras pela instabilidade e inseguranccedila promovidas pelo
intenso processo de luta pela terra Tais fatores quando
relacionadas diminuem as oportunidades de acesso a escola e a
serviccedilo de sauacutede as populaccedilotildees
Logo podemos observar que os dados quantitativos dos assentamentos rurais
pesquisados pela Empaer (2010) natildeo destoam de outras pesquisas em outros
assentamentos rurais do estado de Mato Grosso
Para finalizar a anaacutelise sobre o perfil dos assentados ressaltamos que
problematizar os dados relativos a gecircnero idade e escolaridade eacute fundamental para
identificar o perfil dos assentados quanto agraves caracteriacutesticas pessoais elementares que
influenciam na forma com que se relacionam e agem socialmente A educaccedilatildeo nos
assentamentos rurais pode ser problematizada atraveacutes de um fenocircmeno recente de
esvaziamento e fechamento de escolas no campo ou tambeacutem agrave falta de um curriacuteculo e
modo de organizaccedilatildeo pedagoacutegica que atenda as caracteriacutesticas especiacuteficas das aacutereas dos
assentamentos rurais
33 Condiccedilotildees de vida nos assentamentos rurais energia eleacutetrica aacutegua sauacutede
moradia e infraestrutura
O estudo levou em consideraccedilatildeo as anaacutelises sobre as condiccedilotildees nas quais
vivem as pessoas nos assentamentos rurais tendo como paracircmetro o acesso agrave luz
eleacutetrica aacutegua sauacutede moradia e infraestrutura elementos que a nosso ver satildeo
108
fundamentais para assegurar as condiccedilotildees de permanecircncia das famiacutelias nos
assentamentos rurais (no lugar) e proporcionam algum conforto e bem-estar
331 Energia Eleacutetrica
Um dos principais problemas do universo dos assentamentos rurais no Brasil
antes da implementaccedilatildeo do Programa Luz Para Todos era a ausecircncia de energia
eleacutetrica que impedia uma melhor qualidade de vida a qual impossibilitava o uso de
eletrocircnicos e eletrodomeacutesticos bem como a utilizaccedilatildeo de resfriadores para conservar e
processar o leite principal produto da renda financeira dos assentamentos rurais
estudados
Nessa perspectiva os dados quantitativos dispostos nos Pdas 2010 que satildeo
posteriores ao Programa Luz Para Todos nos mostram outra realidade
Tabela 5 Presenccedila de energia eleacutetrica nos assentamentos rurais
Energia EleacutetricaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
Natildeo tem energia eleacutetrica 5 0 3 0 8 35
A fonte eacute gerador proacuteprio 0 0 1 0 1 05
A fonte eacute a rede CEMAT 98 25 76 25 224 960
Total 103 25 80 25 233 100
Fonte EMPAER 2010
Nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati 96 dos
assentados jaacute usufruiacutea de energia eleacutetrica e somente oito das famiacutelias assentadas em
um universo de 233 responderam natildeo contar com energia eleacutetrica Essas famiacutelias sem
energia eleacutetrica moravam nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute e Ipecirc e uma possibilidade
de explicaccedilatildeo para esse fato pode ser que satildeo famiacutelias receacutem-chegadas ou que ocuparam
aacutereas mais distantes dentro dos assentamentos rurais
Tal situaccedilatildeo de uma maioria de assentados contar com energia eleacutetrica eacute
decorrente do Programa ldquoLuz para Todosrdquo do Governo Federal
332 Aacutegua
109
A aacutegua eacute um elemento essencial para a vida no entanto quando se refere agrave
aacutegua em condiccedilatildeo potaacutevel revela-se um problema mundial situaccedilatildeo que natildeo foge agrave
realidade dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT Haacute problemas com a
aacutegua potaacutevel em funccedilatildeo de vaacuterios fatores tais como questotildees culturais econocircmicas
mas sobretudo as questotildees ambientais que assolam os assentamentos rurais do Brasil
Segundo dados da Empaer (2010) o percentual da aacutegua encanada nas
residecircncias dos assentamentos rurais pesquisados em Vila Rica-MT varia conforme as
caracteriacutesticas de cada projeto de assentamento A seguir mostramos os dados
encontrados em cada um dos assentamentos rurais
PA Satildeo Joseacute 72 possuem aacutegua encanada nas residecircncias
PA Satildeo Gabriel 70
PA Ipecirc 68
PA Aracati 92
Consideramos esse nuacutemero significativo de assentados beneficiados com
aacutegua encanada pois a exceccedilatildeo do Assentamento Rural Aracati que tem 92 os
demais tecircm uma meacutedia de 70 de aacutegua encanada
Importante destacar que satildeo diversas as fontes de aacutegua nos assentamentos
rurais conforme podemos verificar
Tabela 6 Fonte de Aacutegua nos assentamentos rurais
Aacutegua encanadaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Poccedilo de alvenaria 92 19 57 11 179
Nascente protegida 5 2 11 11 29
Poccedilo descoberto 0 0 2 0 2
Cacimba 1 1 2 1 5
Coacuterrego ou rio 0 0 0 0 0
Poccedilo tubular fundo 6 0 2 1 9
Outras fontes 2 0 1 0 3
Total 106 22 75 24 227 Fonte EMPAER (201012)
110
Como podemos perceber a Tabela 6 nos mostra que 179 das propriedades
dos assentamentos rurais estudados possuem a aacutegua oriunda de poccedilos de alvenaria
sendo que 29 deles utilizam aacutegua das nascentes existentes em suas propriedades as
quais eles declararam protegecirc-las Duas pessoas usam aacutegua de poccedilos descobertos Cinco
usam aacutegua de cacimba nove de poccedilos tubulares fundos e apenas trecircs declararam utilizar
a aacutegua vinda de outras fontes
Outro fator que consideramos relevante eacute questatildeo que envolve a qualidade da
aacutegua consumida pelas famiacutelias assentadas segundo informaccedilotildees contidas na Tabela 7
Tabela 7 Qualidade da aacutegua nos assentamentos rurais
AacuteguaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Aacutegua filtrada 86 23 56 16 181
Fervida 0 0 4 1 5
In natura 22 2 19 8 51
Aacutegua tratada 0 0 1 0 1
Outras fontes 1 0 1 0 2
Total 109 25 81 25 240 Fonte EMPAER (2010 p 9)
Eacute fato que existe uma relaccedilatildeo direta entre a qualidade da aacutegua e as questotildees
ligadas agrave sauacutede Poreacutem no caso dos assentamentos rurais estudados torna preocupante
o fato de existir 51 famiacutelias que consumem aacutegua in natura situaccedilatildeo que pode estar
vinculada aos fatores socioeconocircmicos sobretudo ao senso comum de que a aacutegua
ldquolimpardquo eacute a aacutegua sem cor e sem cheiro portanto aacutegua saudaacutevel
333 Sauacutede
A sauacutede puacuteblica eacute uma das reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais que
demandam por melhores condiccedilotildees de vida nas aacutereas de assentamentos rurais tanto no
que diz respeito agrave estrutura macro quanto micro No entanto os saberes tradicionais
influenciam na concepccedilatildeo e modos de tratamento dos assentados de Vila Rica-MT
111
Segundo os dados do Plano de Desenvolvimento dos Assentamentos as
doenccedilas mais comuns satildeo hipertensatildeo leishmaniose verminose e outras como dores na
coluna nos rins dores de cabeccedila diabetes dengue e malaacuteria
Os dados quantitativos mostram a frequecircncia com que os assentados realizam
exames
Tabela 8 Frequecircncia da realizaccedilatildeo de exames de sauacutede
FrequecircnciaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Regularmente 73 18 46 20 157
De vez em quando 35 4 31 5 75
Natildeo faz 1 0 4 0 5 Fonte EMPAER 2010
Os dados da Tabela 8 evidenciam que a maior parte dos assentados realizava
exames com frequecircncia o que demonstra que os mesmos tecircm acesso e fazem uso dos
serviccedilos de sauacutede puacuteblica realizados nos assentamentos rurais No entanto 75 famiacutelias
declararam utilizar os serviccedilos de sauacutede de vez em quando sendo que apenas 5 famiacutelias
disseram natildeo fazer uso
Quando perguntado se o assentado tem acesso aos serviccedilos de sauacutede os
dados nos remetem a outras interpretaccedilotildees conforme Tabela 9
Tabela 9 Acesso aos serviccedilos de sauacutede
AcessoPA Satildeo Joseacute Satildeo
Gabriel Ipecirc Aracati Total
Tem acesso 78 22 79 23 202
Natildeo tem acesso 33 1 2 1 37
Fonte EMPAER 2010
Pelos dados 202 famiacutelias dos assentados pesquisados afirmaram que tinham
acesso aos serviccedilos de sauacutede quando confrontados com outros dados existentes nos
Planos de Desenvolvimento dos Assentamentos Rurais visto que aleacutem desses serviccedilos
haacute disponibilidade de medicamentos que geralmente satildeo distribuiacutedos gratuitamente
apoacutes a consulta meacutedica No entanto trinta e sete famiacutelias declaram natildeo terem acesso aos
serviccedilos de sauacutede tampouco aos medicamentos
112
Segundo a Empaer (2009 p 66) 211 famiacutelias de assentamentos rurais
recorrem aos procedimentos da medicina tradicional principalmente agraves plantas
medicinais para suprir suas necessidades e ldquo[] desta forma conservam uma tradiccedilatildeo
cultural repassada de matildee para filhardquo Os principais remeacutedios caseiros segundo a
Empaer satildeo ldquo[] chaacutes xaropes garrafadas caseiras para combater e prevenir algumas
doenccedilasrdquo
Os dados quantitativos da Tabela 10 reforccedilam essa concepccedilatildeo
Tabela 10 Uso do remeacutedio caseiro
UsoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Faz uso 96 22 71 22 211
Natildeo faz uso 15 1 10 3 29
Total Fonte EMPAER 2010
Os nuacutemeros indicam que apesar da maioria dos assentados terem acesso aos
serviccedilos de sauacutede grande parte deles tambeacutem faz uso de remeacutedios caseiros tradicionais
Esses dados confirmam que apesar das interaccedilotildees com serviccedilos puacuteblicos e outras
loacutegicas os assentados natildeo deixaram de utilizar os remeacutedios tradicionais Isso nos remete
agrave concepccedilatildeo de Gadelha (2007) que assegura que o mais importante na compreensatildeo
dos aspectos culturais eacute pensar para aleacutem da eficaacutecia de um determinado ritual mas eacute
tambeacutem tentar atribuir conceito sobre o poder simboacutelico utilizado por cada sociedade
para atribuir sentidos aos objetos
334 Moradia
A moradia tambeacutem eacute um dos fatores imprescindiacuteveis para a permanecircncia dos
assentados no campo No caso de Vila Rica-MT uma das caracteriacutesticas importantes do
perfil dos assentados eacute que a terra deve servir para moradia
Tabela 11 Nuacutemero de assentados que declararam morar no assentamento rural
MoradiaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Sim 268 47 235 65 615 82
113
Natildeo 58 31 37 7 133 18
Total 326 78 372 72 748 100
Fonte EMPAER 2010
Assim conforme os dados apresentados 82 dos assentados dos
assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati declaram morar nos lotes fato
que demonstra um perfil dos assentados de morar-nos proacuteprios assentamentos rurais
fortalecendo assim a concepccedilatildeo da terra enquanto condiccedilatildeo tanto de morar como de
plantar O uacutenico assentamento rural que tem uma situaccedilatildeo parcialmente e discrepante eacute
Satildeo Gabriel que tem um percentual significativo de assentados que natildeo residem nos
lotes
Essas informaccedilotildees da tabela cruzadas com outros dados mostraram que o
tempo meacutedio de moradia dos assentados eacute
PA Satildeo Joseacute 1036 anos de moradia
PA Satildeo Gabriel 792 anos de moradia
PA Ipecirc 860 anos de moradia
PA Aracati 1248 anos de moradia
A permanecircncia nos lotes foi evidenciada pelos dados o que remete agrave loacutegica
de ldquoterra para plantar e morarrdquo
Nos dados sobre infraestrutura observa-se que as casas satildeo na maioria de
alvenaria madeira serrada e em alguns casos as casas satildeo construiacutedas de pau-a-pique
335 Infraestrutura equipamentos e Tecnologias
A melhoria da infraestrutura aquisiccedilatildeo de equipamentos e novas tecnologias
estatildeo entre as principais reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais do campo por serem
considerados essenciais para o aumento da produccedilatildeo e renda dos assentados
Os dados coletados pela Empaer (2010) mostram que houve avanccedilos
significativos na questatildeo infraestrutural nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT
sobretudo a partir da implementaccedilatildeo do Programa Nacional da Agricultura Familiar
114
No entanto em relaccedilatildeo agrave aquisiccedilatildeo dos equipamentos e novas tecnologias ainda se
verifica defasagem
Algumas dessas informaccedilotildees podem ser conferidas nos quadros abaixo
No Assentamento Rural Satildeo Joseacute
A infraestrutura existente estaacute distribuiacuteda segundo os assentados da seguinte forma
- 31 natildeo possuem currais
- 20 possuem currais de arame liso 3 de madeira lisa e 58 de madeira
serrada
- 108 natildeo possuem brete
- 2 possuem brete de madeira bruta e 1 de madeira serrada
- 9 possuem barracatildeo de ordenha e 103 natildeo possuem
- 3 natildeo possuem cercas na propriedade
- 0 possuem cercas construiacutedas de arame farpado e 107 de arame liso
A existecircncia de equipamentos nas propriedades estaacute distribuiacuteda da seguinte forma
- 21 possuem equipamentos de traccedilatildeo animal e 90 natildeo possuem
- 3 possuem trator com implementos e 109 natildeo possuem
- 65 alugam trator e 47 natildeo alugam
- 17 possuem triturador ou picador de forragens e 95 natildeo possuem
Projeto de Assentamento Rural Satildeo Gabriel
A infraestrutura existente estaacute distribuiacuteda segundo os assentados da seguinte forma
- 5 possuem currais de arame liso 1 de madeira lisa e 7 de madeira
serrada
- 25 natildeo possuem brete
- 0 possuem brete de madeira bruta e 0 de madeira serrada
- 2 possuem barracatildeo de ordenha e 23 natildeo possuem
- 1 natildeo possui cercas na propriedade
- 0 possuem cercas construiacutedas de arame farpado e 24 de arame liso
A existecircncia de equipamentos nas propriedades estaacute distribuiacuteda da seguinte forma
- 4 possuem equipamentos de traccedilatildeo animal e 21 natildeo possuem
- 1 possui trator com implementos e 23 natildeo possuem
115
- 21 alugam trator e 3 natildeo alugam
- 5 possuem triturador ou picador de forragens e 19 natildeo possuem
Projeto de Assentamento Rural Ipecirc
A infraestrutura existente estaacute distribuiacuteda segundo os assentados da seguinte forma
- 24 natildeo possuem currais
- 17 possuem currais de arame liso 5 de madeira lisa e 35 de madeira
serrada
- 79 natildeo possuem brete
- 0 possuem brete de madeira bruta e 2 de madeira serrada
- 6 possuem barracatildeo de ordenha e 75 natildeo possuem
- 1 natildeo possuem cercas na propriedade
- 0 possuem cercas construiacutedas de arame farpado e 80 de arame liso
A existecircncia de equipamentos nas propriedades estaacute distribuiacuteda da seguinte forma
- 10 possuem equipamentos de traccedilatildeo animal e 71 natildeo possuem
- 6 possuem trator com implementos e 75 natildeo possuem
- 55 alugam trator e 26 natildeo alugam
- 20 possuem triturador ou picador de forragens e 61 natildeo possuem
Projeto de Assentamento Rural Aracati
A infraestrutura existente estaacute distribuiacuteda segundo os assentados da seguinte forma
- 2 natildeo possuem currais
- 8 possuem currais de arame liso 1 de madeira lisa e 14 de madeira
serrada
- 24 natildeo possuem brete
- 0 possuem brete de madeira bruta e 0 de madeira serrada
- 2 possuem barracatildeo de ordenha e 23 natildeo possuem
- 0 natildeo possuem cercas na propriedade
- 2 possuem cercas construiacutedas de arame farpado e 23 de arame liso
A existecircncia de equipamentos nas propriedades estaacute distribuiacuteda da seguinte forma
- 6 possuem equipamentos de traccedilatildeo animal e 19 natildeo possuem
116
- 0 possui trator com implementos e 25 natildeo possuem
- 20 alugam trator e 5 natildeo alugam
- 4 possuem triturador ou picador de forragens e 21 natildeo possuem
Percebe-se que a infraestrutura baacutesica nos assentamentos rurais estaacute voltada
para a criaccedilatildeo de gado como currais brete de madeira barracatildeo de ordenha e cercas de
arame liso e farpado aleacutem de outros equipamentos como resfriadores de leite e
trituradores ou picadores para a feitura de forragens para a alimentaccedilatildeo do gado
O nuacutemero e a distribuiccedilatildeo deles variam conforme os assentamentos rurais e o
perfil dos assentados No geral se percebe que os Agricultores Familiares de Vila Rica-
MT ainda recorrem com frequecircncia ao uso da forccedila humana e dos equipamentos de
traccedilatildeo animal Existem no entanto alguns equipamentos agriacutecolas de origem
mecanizada como tratores que podem ser proacuteprios ou alugados
O fato eacute que em menor ou maior nuacutemero os equipamentos e a infraestrutura
existente nos assentamentos satildeo destinados agrave produccedilatildeo e criaccedilatildeo de gado
34 A Produccedilatildeo a renda comercializaccedilatildeo e a circulaccedilatildeo na Agricultura Familiar
de Vila Rica-MT
Um dado importante a ser ponderado para a problematizaccedilatildeo da produccedilatildeo
nos assentamentos rurais diz respeito agrave renda Especificamente de onde surge a renda
dos assentados
As informaccedilotildees obtidas dos quatro assentamentos rurais de Vila Rica-MT
analisados pela pesquisa da Empaer os dados indicam que a renda dos assentados eacute
resultante das atividades que estatildeo associadas a algumas culturas agriacutecolas agrave pecuaacuteria e
agrave criaccedilatildeo de pequenos animais
Tais dados estatildeo melhor detalhados em tabelas distribuiacutedas por itens visando
assim uma melhor compreensatildeo da dinacircmica de produccedilatildeo e renda dos assentamentos
rurais
341 A renda nos quatro Projetos de assentamentos rurais de Vila Rica-MT
117
Tabela 12 Percentual de participaccedilatildeo da Renda dos assentados
RendaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati
Renda Agriacutecola eou Pecuaacuteria 7333 8789 7365 7140
Natildeo Agriacutecola
(Artesanato agroinduacutestria) 3650 7500 3062 3000
Outras rendas
(Salaacuterios Aposentadoria etc) 5280 6182 4810 5460
Fonte EMPAER 2010
A tabela 12 revela que a maior parte da renda dos assentamentos rurais
proveacutem dos rendimentos das atividades agriacutecolas e pecuaacuterias seguida por outros tipos
de rendas originaacuterios de salaacuterios e aposentadorias que alguns assentados usufruem
aleacutem de atividades de produccedilatildeo artesanal em geral confeccionada por mulheres
O projeto de assentamento rural que apresenta discrepacircncia em relaccedilatildeo aos
dados anteriores eacute o do Assentamento Rural Satildeo Gabriel que aleacutem da renda oriunda da
pecuaacuteria agricultura tem destaque nas outras fontes como atividades artesanais
agroinduacutestria e em salaacuterios e aposentadoria
342 Atividades Agriacutecolas a produccedilatildeo econocircmica e a de subsistecircncia
As atividades agriacutecolas desenvolvidas nos assentamentos foram classificadas
de duas categorias econocircmicas e de subsistecircncia Segundo os dados o quantitativo
produzido eacute descrito conforme tabela a seguir
Tabela13 Produccedilatildeo agriacutecola (em Kg)
Atividades
Agriacutecolas PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Arroz 4500 5100 1510 1500 12610
Banana 2560 200 2537 11000 1629
Feijatildeo 0 0 550 0 550
Mandioca 225802 54000 8127 111500 39942
Milho 106500 73530 3378 46850 23025 Fonte EMPAER 2010
Segundo a Tabela 13 os produtos agriacutecolas mais cultivados nos
assentamentos rurais estudados satildeo em quilograma mandioca seguida do milho e do
118
arroz uma pequena produccedilatildeo de banana Apenas o Assentamento Rural Ipecirc produz
feijatildeo
Tabela 14 Assentados que praticam Culturas de Subsistecircncia
Culturas
Econocircmicas PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Arroz 2 4 12 1 19
Banana 5 1 16 3 25
Feijatildeo 0 0 2 0 2
Mandioca 29 6 38 15 88
Milho 17 12 38 12 79 Fonte EMPAER 2010
Os dados demonstram que a mandioca e o arroz satildeo os principais produtos
agriacutecolas cultivados nos assentamentos Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati O arroz eacute
comercializado em casca sendo a mandioca o milho e em menor escala a banana os
cultivados pelo maior nuacutemero de assentados
Trata-se portanto de uma produccedilatildeo significativa tanto para comercializaccedilatildeo
quanto para subsistecircncia No entanto a pecuaacuteria ainda eacute a principal atividade econocircmica
desses assentamentos rurais
343 Pecuaacuteria e criaccedilatildeo de pequenos animais
A principal atividade de produccedilatildeo econocircmica nos assentamentos estudados eacute
a pecuaacuteria bovina leiteira a qual nos uacuteltimos anos cresceu significativamente
ultrapassando a pecuaacuteria de corte
Tabela 15 Tipo de pecuaacuteria explorada por propriedade (famiacutelias)
Tipo de
pecuaacuteria PA Satildeo Joseacute
Satildeo
Gabriel Ipecirc Aracati Total
Leite 19 10 34 12 75
Leite e corte 57 5 27 11 100
Corte 29 3 15 2 49
Total 105 18 76 25 224 Fonte EMPAER 2010
119
Os dados demostram que a maioria dos criadores de gado se dedica agrave
produccedilatildeo de leite Cruzando estes com outros dados eacute possiacutevel identificar que a
produccedilatildeo de leite eacute destinada ao mercado e tambeacutem ao consumo das famiacutelias
assentadas o que tem correlaccedilatildeo ateacute mesmo com a frequecircncia de consumo de proteiacutena
animal apresentados aa Tabela 16
Tabela 16 Frequecircncia do consumo de proteiacutena animal na alimentaccedilatildeo dos
assentados
Uso de tanquePA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total
Come carne todo dia 93 22 70 22 207
Trecircs vezes por semana 16 0 9 3 28
Uma vez por semana 0 0 1 0 1
Natildeo come carne 0 0 0 0 0 Fonte EMPAER 2010
De acordo com a Tabela 16 das 236 famiacutelias que participaram da pesquisa
207 declararam que consomem carne todos os dias sendo que 28 disseram que a
consomem trecircs vezes por semana e apenas uma famiacutelia consome carne somente uma
vez por semana o que revela um consumo significativo de carne
Em relaccedilatildeo ao modo de criaccedilatildeo do gado importante destacar que conforme
os Planos de Desenvolvimento dos Assentamentos Rurais Pdas 100 dos assentados
criam gado utilizando o sistema extensivo ou seja uma praacutetica de criaccedilatildeo tradicional o
que significa dizer que satildeo habituados a criar o gado solto nas aacutereas de pastagens
naturais eou livres sem qualquer divisatildeo de cercas
Outros dados fundamentais para a compreensatildeo de forma detalhada do
potencial da produccedilatildeo de leite nos assentamentos rurais privilegiados pela pesquisa
estatildeo destacados na Tabela 17
Tabela 17 Dados de produccedilatildeo de leite nos assentamentos rurais por nordm de vacas
DadosPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati
Nuacutemero de Vacas Leiteiras 881 191 768 393
Meacutedia por assentado (n
vacas) 1223 146 1301 1637 Fonte EMPAER 2010
120
Os assentamentos rurais Aracati e Satildeo Gabriel satildeo menores em termos do
nuacutemero de propriedades e famiacutelias assentadas Os dados anteriores reforccedilam o
indicativo de que haacute uma importante produccedilatildeo de leite pois cada famiacutelia tem em
nuacutemero consideraacutevel de vacas leiteiras
A principal fonte de renda dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel
Ipecirc e Aracati eacute a produccedilatildeo de leite Mas os assentados tem necessidade de teacutecnicas para
a conservaccedilatildeo desse leite Nesse caso os resfriadores de leite embora natildeo sendo
utilizados por todos satildeo fundamentais Apresentamos a seguir detalhamento dessas
informaccedilotildees
Tabela 18 Nuacutemero de Famiacutelia que utilizam o resfriador de leite
Uso de tanquePA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total
Natildeo usam tanques 62 3 20 13 98
Usam tanques proacuteprios 3 0 2 1 6
Usam tanques comunitaacuterios 25 11 47 9 92
Fonte EMPAER 2010
Na tabela 18 observamos que o nuacutemero de famiacutelias que natildeo usam tanques
para resfriamento do leite eacute significativo lanccedilando matildeo de outros meios para o
armazenamento e ou transporte do leite ateacute o ponto final de comercializaccedilatildeo
Aleacutem de gado de corte e leiteiro os assentados dos assentamentos rurais se
dedicam agrave criaccedilatildeo de animais de pequeno porte para o consumo e comercializaccedilatildeo
poreacutem em menor escala Entre eles se destacam as aves suiacutenos caprinos ovinos
peixes e abelhas Os animais de pequeno porte como aves e porcos satildeo de criaccedilatildeo
tradicional O dado que mais chama a atenccedilatildeo eacute a criaccedilatildeo de peixes Haacute um nuacutemero
expressivo de famiacutelias que exercem a piscicultura Portanto pode-se afirmar que leite e
peixe satildeo produtos familiares destinados agrave comercializaccedilatildeo
344 Comercializaccedilatildeo e Associativismo
Pensar o desenvolvimento econocircmico local a partir da produccedilatildeo dos
assentamentos rurais nos remete agraves formas de organizaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo da
produccedilatildeo
121
Chamamos a atenccedilatildeo para a organizaccedilatildeo nos assentamentos rurais de Vila
Rica-MT pois houve uma intensa mobilizaccedilatildeo acerca das accedilotildees coletivas para o
processo de reocupaccedilatildeo e regularizaccedilatildeo da terra Poreacutem quando consolidados os
Projetos de Assentamentos Rurais os assentados perderam a referecircncia de coletividade
No que tange ao modo de produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo a tabela que segue mostra esta
defasagem
Tabela 19 Local de Comercializaccedilatildeo da Produccedilatildeo dos assentamentos
ComercializaccedilatildeoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Propriedade 80 16 67 16 179
Pequenos Comeacutercios 12 0 6 3 21
Feira 3 1 2 0 6
Atacadista 0 0 0 0 0
Supermercados 1 1 1 1 4
CONAB 0 0 1 0 1
Outros lugares 48 7 38 6 99 Fonte EMPAER 2010
Os dados nos mostram que a maior parte dos assentados comercializa os seus
produtos nos proacuteprios lotes Os assentados na maioria das vezes recorrem aos
atravessadores para comercializar os produtos os quais em sua maioria tratam-se de
comerciantes da cidade Outro nuacutemero considerado significativo comercializa em
outros lugares diferentes de comeacutercios como as feiras e no CONAB Essa situaccedilatildeo pode
estar relacionada agrave falta de organizaccedilatildeo coletiva com a criaccedilatildeo de associaccedilotildees e
cooperativas Nesse sentido a tabela que se segue mostra detalhadamente a participaccedilatildeo
ou natildeo das famiacutelias nessas organizaccedilotildees coletivas
Tabela 20 Associativismo nos assentamentos Aracati Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel e Ipecirc
AssociativismoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Natildeo participam 15 2 10 0 27
Participam em cooperativa 4 0 0 0 4
Participam em associaccedilatildeo 99 20 73 25 217
Participam em sindicatos 99 23 75 21 218
Outras modalidades 1 1 0 0 2 Fonte EMPAER 2010
122
Ressaltamos que o principal mecanismo de organizaccedilatildeo coletiva dos
Agricultores Familiares satildeo as Associaccedilotildees de Pequenos Produtores Rurais e o
Sindicato dos Trabalhadores Rurais Satildeo organizaccedilotildees mais do tipo poliacutetico
reivindicativo que de produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo Apenas 09 dos Agricultores
Familiares participam das atividades do sistema cooperativo e 04 em outras
modalidades
Em pesquisa sobre os assentamentos rurais no Araguaia o diagnoacutestico do
Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentaacutevel do Territoacuterio Rural (PTDRS)
do Baixo Araguaia-MT produzido pelo Ministeacuterio da Agricultura em 2006 haacute uma
indicaccedilatildeo de que todos os PAs do Araguaia possuem associaccedilotildees
A mesma pesquisa do PTDRS (2006 p 46) indica que os Agricultores
Familiares tecircm participaccedilatildeo nos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais e nos Conselhos
Municipais de Desenvolvimento Rural existentes em todos os municiacutepios do territoacuterio
No entanto entre os assentados existe ldquo[] um sentimento de descrenccedila e
desconfianccedila frente agraves instacircncias de organizaccedilatildeo dos produtores []rdquo Essa descrenccedila
estaacute tambeacutem associada ldquo[] agrave dificuldade em conseguir melhorias efetivas para a
populaccedilatildeo rural (acesso ao creacutedito luz eleacutetrica melhoria nas estradas) que estaacute levando
na opiniatildeo dos entrevistados agrave descrenccedila nas lideranccedilas e nas instituiccedilotildees de
representaccedilatildeo []rdquo
Em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo por meio de cooperativas o PTDRS (2006 p 46)
atribui essa falta de motivaccedilatildeo ao fato de que
Constatou-se que os municiacutepios de Satildeo Feacutelix do Araguaia
Porto Alegre do Norte e Vila Rica-MT possuiacuteam diferentes
tipos de cooperativas que acabaram falindo Apesar de natildeo
estarem diretamente relacionados com a Agricultura Familiar
estes exemplos ruins acabam influenciando na percepccedilatildeo da
populaccedilatildeo sobre as formas de cooperativas e associativas de
trabalho
Essa situaccedilatildeo eacute confirmada tambeacutem pelos relatos orais como mostra a fala
do secretaacuterio municipal de agricultura de Vila Rica-MT
123
As experiecircncias mal sucedidas das cooperativas influenciam
bastante para o descreacutedito na formaccedilatildeo de novas cooperativas
Vila Rica-MT por exemplo teve umas trecircs cooperativas
Tiacutenhamos uma que era muito forte na organizaccedilatildeo chamava
CONEMAT - Cooperativa do Nordeste de Mato Grosso
Inclusive ainda tecircm alguns preacutedios e balanccedilas espalhadas aiacute
na cidade tinha caminhotildees e supermercados mas creio que foi
por ingerecircncia de alguns presidentes que acabaram dando um
calote nos cooperados [] Temos hoje um grande nuacutemero de
produtores rurais que tecircm uma diacutevida enorme e natildeo tecircm como
pagar porque os presidentes pegaram empreacutestimos em nome
deles e foram embora levando o dinheiro dessas pessoas e por
isso muitos tecircm medo de cooperativas Por isso eacute complicado
tanto pra noacutes como para o Sindicato dos Trabalhadores Rurais
atuarmos no sentido de fomentar o sistema de cooperativa
(ENTREVISTA com Gilmar secretaacuterio Municipal de
Agricultura do municiacutepio de Vila Rica-MT realizada pela
autora em marccedilo de 2015)
Esse relato oral nos revela a dimensatildeo dos desafios vivenciados pelos
assentados e como a Secretaria de Agricultura e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais
de Vila Rica-MT enfrentaram dificuldades para mobilizar os trabalhadores para a
criaccedilatildeo do sistema de comercializaccedilatildeo por meio de cooperativas
No entanto apesar das dificuldades o sistema de cooperativa poderaacute ser uma
alternativa para ampliar o potencial da comercializaccedilatildeo dos produtos da Agricultura
Familiar Dentro desse sistema a Prefeitura Municipal passa a ser importante
comprando os gratildeos legumes e hortaliccedilas para a merenda escolar aleacutem de ser uma
instituiccedilatildeo fundamental na mediaccedilatildeo para que os Agricultores Familiares acessem a
Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB)
35 Teacutecnicas e niacutevel tecnoloacutegico dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel
Ipecirc e Aracati
Martins (2014 p 24) afirma que ldquo[] a inovaccedilatildeo depende amplamente do
modo como a trama das relaccedilotildees sociais em que ocorre define sua funccedilatildeo e as
contradiccedilotildees sociais que alimentamrdquo Isso significa que os saberes tradicionalmente
produzidos ao longo das experiecircncias de vida natildeo devem ser considerados invaacutelidos na
inserccedilatildeo das inovaccedilotildees tecnoloacutegicas
Nos assentamentos rurais estudados identificamos que os saberes e as
teacutecnicas tradicionais satildeo recorrentes no modo de produzir de lidar com a terra e na
124
constituiccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com a natureza A seguir apresentamos algumas
teacutecnicas utilizadas nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati do
municiacutepio de Vila Rica-MT
351 Teacutecnicas de uso do Solo plantio combate de pragas colheita e
armazenamento
Tabela 21 Tipos de preparo do solo por nordm de famiacutelias
Tipo de preparoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Capina e faz o plantio 20 0 16 5 41
Utiliza araccedilatildeo e gradagem 42 15 53 12 122
Faz o preparo em niacutevel 0 0 0 0 0
Fonte EMPAER 2010
De acordo com os dados da Tabela 21 muitos agricultores dos assentamentos
rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati recorrem agraves teacutecnicas tradicionais para o
preparo do solo no que se refere ao cultivo de produtos agriacutecolas e no plantio de
pastagens para o gado Poreacutem 740 utilizam araccedilatildeo e gradagem do solo
Tabela 22 Tipos de sementes cultivadas nos assentamentos rurais
Tipo de sementePA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total
Gratildeo proacuteprio 4 0 3 0 7
Sementes selecionadas22
43 14 67 19 143 Fonte EMPAER 2010
Agrave luz dos dados dispostos na Tabela 23 pode-se afirmar que os Agricultores
Familiares dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati possuem o
controle dos produtos a serem cultivados uma vez que satildeo eles quem seleciona as
sementes produzidas pela induacutestria e satildeo os proprietaacuterios dos gratildeos desqualificando a
semente crioula dos produtores
22 Aleacutem desses dados dois assentados rurais de Satildeo Joseacute afirmam que utilizam sementes ldquofiscalizadasrdquo
conforme categorizaccedilatildeo utilizada pelo IBGE
125
Segundo a Empaer (2010) sementes selecionadas pelos agricultores satildeo
aquelas consideradas de melhor qualidade sendo observados os aspectos relacionados
ao tamanho cor entre outros
Tabela 23 Tipos de plantio cultivados nos assentamentos rurais
Tipo de plantio Satildeo
Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
Mecanizado 8 3 12 1 24 135
Traccedilatildeo animal 3 1 7 0 11 60
Manual 62 11 50 19 142 800
Fonte EMPAER 2010
Na Tabela 23 podemos observar que os assentados utilizam
predominantemente o trabalho manual para o cultivo com um percentual de 80
Ainda segundo os dados 6 ainda utilizam animais como forma de traccedilatildeo para
realizaccedilatildeo dos cultivos e manutenccedilatildeo das roccedilas e pastagens Somente 135 dos
assentados lanccedila matildeo do sistema mecanizado Esses dados podem apontar o motivador
da baixa produtividade nas atividades da Agricultura Familiar ou indica a baixa
capitalizaccedilatildeo e uma tradiccedilatildeo de manejo de baixo custo
Quanto ao tipo de adubaccedilatildeo do solo realizado pelos assentados existem
vaacuterias formas das quais merecem o destaque da Tabela 24
Tabela 24 Tipo de adubaccedilatildeo do solo realizado pelos assentados por famiacutelia
Tipo de adubaccedilatildeoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
Natildeo fazem adubaccedilatildeo 65 6 41 13 125 610
Usam adubaccedilatildeo orgacircnica 2 6 11 3 22 105
Usam adubaccedilatildeo quiacutemica 20 4 21 5 50 245
Usam as duas adubaccedilotildees 2 1 3 2 8 4
Fonte EMPAER 2010
Os dados chamam a atenccedilatildeo pelo fato de que 125 famiacutelias ou seja 61 dos
assentados natildeo fazem adubaccedilatildeo Dos 39 que utilizam a adubaccedilatildeo a maior parte faz
126
adubaccedilatildeo quiacutemica (245) e somente 105 a adubaccedilatildeo orgacircnica sendo que uma
minoria de 2 realizam tanto a adubaccedilatildeo quiacutemica quanto a orgacircnica
Esse quadro situacional aponta uma tendecircncia para o aumento do uso de
produtos quiacutemicos pelos agricultores dos assentamentos rurais na medida em que
melhoram suas condiccedilotildees econocircmicas A Tabela 25 apresenta as formas de tratamentos
do solo utilizadas pelos assentados
Tabela 25 Conservaccedilatildeo do solo (por nuacutemero de Famiacutelias)
Conservaccedilatildeo dos solos PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
Natildeo fazem 90 15 67 24 196 93
Fazem plantio em niacutevel 1 1 1 1 4 2
Terraccedilo 0 0 0 0 0 0
Outros tipos de conservaccedilatildeo 2 0 9 0 11 5
Total 211 100
Fonte EMPAER 2010
Os dados satildeo preocupantes visto que 196 famiacutelias declararam natildeo adotar
qualquer teacutecnica para a conservaccedilatildeo do solo Isto explica o alto iacutendice de degradaccedilatildeo
ambiental e do solo nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT Outro item que
consideramos importante para a conservaccedilatildeo eacute a teacutecnica de rotaccedilatildeo no uso do solo
Assim a Tabela 26 mostra como os assentados lidam com essa situaccedilatildeo
Tabela 26 Rotaccedilatildeo de Culturas nos assentamentos rurais
Rotaccedilatildeo de cultura
PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Porcentagem
Fazem rotaccedilatildeo 10 4 20 10 44 20
Natildeo fazem rotaccedilatildeo 87 16 57 15 175 80
Total 219 100
Fonte EMPAER 2010
Segundo a Tabela 26 haacute evidecircncia da pouca rotaccedilatildeo de culturas o que
corresponde a (201) nos assentamentos rurais estudados Em contrapartida 80 natildeo
fazem rotaccedilatildeo de culturas A consequecircncia eacute o baixo rendimento da terra ou seja baixa
127
produtividade e esgotamento mais raacutepido Uma interpretaccedilatildeo possiacutevel sobre os dados
indicados na Tabela 26 eacute construiacuteda a partir da compreensatildeo de que a natildeo adoccedilatildeo de
rotaccedilatildeo de cultura estaacute relacionada aos haacutebitos culturais dos Agricultores Familiares
somados agrave falta de assistecircncia teacutecnica e orientaccedilotildees que demonstrem os benefiacutecios de tal
praacutetica Tambeacutem podemos observar a influecircncia da falta de um maior direcionamento
dos investimentos feitos pelo Governo Federal atraveacutes do Pronaf nos creacuteditos que satildeo
liberados conforme cultura agriacutecola e natildeo pelo sistema de produccedilatildeo O conjunto dessas
deficiecircncias de orientaccedilotildees teacutecnicas natildeo permite uma maior conscientizaccedilatildeo da
importacircncia de se praticar a rotaccedilatildeo de culturas como meio de melhor aproveitamento e
conservaccedilatildeo do solo significando manejo de informaccedilatildeo simples
Tabela 27 Tipo de combate agraves pragas (por nuacutemero de famiacutelias)
Tipo de combate PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentagem
Natildeo fazem combate as pragas 81 6 35 13 135 645
Utilizam inseticidas 12 8 39 9 68 325
Utilizam controles alternativos 0 0 3 1 4 2
Utilizam de outros meios 1 1 0 0 2 1
Total
209 100
Fonte EMPAER 2010
Os dados da Tabela 27 apontam que 645 dos assentados natildeo fazem
nenhum tipo de combate a pragas e 325 fazem uso no cultivo de produtos agriacutecolas
de inseticidas no seu combate e controle Somente 4 famiacutelias utilizam produtos e
mecanismos alternativos
Logo a Tabela 27 mostra um percentual significativo de famiacutelias que natildeo faz
controle de pragas ou utilizam outros controles indicando que a maioria dos assentados
consome produtos sem contaminaccedilatildeo de inseticidas
Tabela 28 Tipo de lavagem triacuteplice de embalagens vazias de agrotoacutexicos
Tipo de lavagem PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
Fazem a lavagem 5 3 8 5 21 15
Natildeo fazem a lavagem 57 9 48 10 124 85
Total 145 100
Fonte EMPAER 2010
128
A Tabela 28 indica um dado alarmante 124 famiacutelias dos assentamentos rurais
pesquisados em Vila Rica-MT ldquonatildeo fazem a lavagemrdquo triacuteplice de embalagens vazias de
agrotoacutexicos expondo-se a riscos de contaminaccedilatildeo Quanto ao destino das embalagens
de agrotoacutexicos vazias os dados que se seguem indicam a mesma tendecircncia de descuido
Tabela 29 Destino das embalagens de agrotoacutexicos vazias
Destino das embalagens PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
Jogam a ceacuteu aberto 13 3 28 4 48 495
Satildeo reutilizadas 2 0 2 0 4 4
Enviadas agrave central abastecimento 17 7 16 5 45 465
Total 97
100
Fonte EMPAER 2010
Os dados da Tabela 29 soacute reforccedilam a falta de cuidado em relaccedilatildeo agrave utilizaccedilatildeo
de agrotoacutexicos o que resulta na exposiccedilatildeo dos assentados a riscos agrave sauacutede Tambeacutem
podem resultar em danos ao meio ambiente como jaacute indicamos na Tabela 29
considerando que quase 50 das embalagens satildeo ldquojogadas a ceacuteu abertordquo e ainda que
4 dos assentados reutilizam essas embalagens
Seguindo a tendecircncia dos dados anteriores percebemos a falta de orientaccedilatildeo
teacutecnica em relaccedilatildeo ao uso e cuidado com produtos agrotoacutexicos
Aleacutem da falta de assistecircncia teacutecnica que compromete o cultivo e a produccedilatildeo
os dados quantitativos demonstram que a ausecircncia de mecanizaccedilatildeo eacute um dado
importante no momento da colheita
Tabela 30 Tipo de colheita por famiacutelia
Tipo de colheitasPA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
Usam colheita manual 66 15 69 19 169 995
Colheita mecacircnica 0 0 1 0 1 05
Total 170 100 Fonte EMPAER 2010
A Tabela 30 evidencia que praticamente todos os assentados participantes da
pesquisa natildeo utilizam equipamentos mecacircnicos para a colheita de seus produtos
predominando a colheita manual com uso intensivo da matildeo de obra Esse processo
129
pode ser resultante da experiecircncia de vida e haacutebitos dos agricultores familiares em
funccedilatildeo da questatildeo econocircmica jaacute que os assentamentos rurais analisados natildeo dispotildeem de
maquinaacuterios destinados ao preparo do solo plantio e agrave colheita agriacutecola ou isso se deve
ao relevo inclinado demais ou solo pedregoso
Tabela 31 Tipo de armazenamento da produccedilatildeo (por nuacutemero de famiacutelia)
Tipo de armazenamentoPA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
A ceacuteu aberto 4 2 7 0 13 8
No paiol 45 11 57 14 127 79
No silo 1 0 0 1 2 15
Na residecircncia 7 2 6 2 17 105
No galpatildeo 1 0 0 0 1 05
160 100
Fonte EMPAER 2010
O modo de armazenar tambeacutem eacute tradicional o Paiol eacute uma construccedilatildeo ruacutestica
feita de forma artesanal onde os agricultores guardam os mantimentos colhidos de suas
roccedilas os quais satildeo destinados agrave alimentaccedilatildeo das famiacutelias e dos animais Computando o
armazenamento a ceacuteu aberto feito por 81 e na residecircncia 106 significa que quase
20 dos produtos satildeo armazenados de forma inadequada
36 A questatildeo ambiental nos assentamentos rurais
As questotildees que envolvem problemas ambientais nas aacutereas rurais tecircm como
problemaacutetica principal o desmatamento a natildeo conservaccedilatildeo das matas ciliares a
poluiccedilatildeo do solo e dos rios o uso de agrotoacutexicos e o destino dos lixos produzidos
Todos esses problemas estatildeo inseridos em debates recorrentes no cenaacuterio rural
No caso de Vila Rica-MT pesquisas anteriores como as que foram realizadas
pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazocircnia (IPAM) em 2009 e por Barrozo
(2010) revelam dados alarmantes relativos agrave questatildeo ambiental Essas situaccedilotildees foram
confirmadas pelo diagnoacutestico construiacutedo pela Empaer (2010) conforme a descriccedilatildeo nas
tabelas que se seguem
Tabela 32 Situaccedilatildeo de degradaccedilatildeo de solo nos assentamentos rurais
130
Condiccedilatildeo de degradaccedilatildeo PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total
Natildeo estaacute degradado 16 5 16 6 43 18
O solo estaacute empobrecido 75 9 44 12 140 59
O solo estaacute com erosatildeo 2 0 2 2 6 3
O solo estaacute compactado 15 9 17 4 45 19
Outras formas de degradaccedilatildeo 1 0 1 0 2 1
Total 236 100
Fonte EMPAER 2010
Satildeo evidentes os problemas ambientais vivenciados pelos assentamentos
rurais de Vila Rica-MT Em 193 lotes analisados os solos se encontram em estaacutegio de
degradaccedilatildeo indicando empobrecimento erosatildeo compactaccedilatildeo e outras formas de
degradaccedilatildeo do solo
Tabela 33 Existecircncia de nascentes sem proteccedilatildeo (nuacutemero de propriedades)
Existecircncia de nascentes Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
Existem nascentes
Degradadas 26 9 17 5 57 32
Natildeo existem 51 14 41 15 121 68
Total 100
Fonte EMPAER 2010
Considerando que a aacutegua eacute um elemento essencial para a vida e para a
manutenccedilatildeo dos assentamentos rurais os dados indicados na Tabela 33 preocupam
pois em um universo de 178 propriedades analisadas 57 estaacute com as nascentes de
aacuteguas desprotegidas de mata ciliar o que representa um problema grave do ponto de
vista ambiental com risco de seca e extinccedilatildeo de nascentes e rios
Tabela 34 Existecircncia de degradaccedilatildeo de matas ciliares
Existecircncia de degradaccedilatildeo PA Satildeo
Joseacute
Satildeo
Gabriel Ipecirc Aracati Total Porcentagem
Natildeo existem matas ciliares 25 10 35 9 79 35
A degradaccedilatildeo eacute baixa 26 4 22 5 57 255
A degradaccedilatildeo eacute meacutedia 23 2 14 6 45 20
131
A degradaccedilatildeo eacute alta 29 5 7 3 44 195
Total 225 100
Fonte EMPAER 2010
A questatildeo da aacutegua nos assentamentos rurais estudados eacute uma preocupaccedilatildeo
recorrente Aleacutem das nascentes desprotegidas os coacuterregos vecircm perdendo suas matas
ciliares em funccedilatildeo do processo de desmatamento o que impede a ampliaccedilatildeo das aacutereas
de pastagens A Tabela 34 revela que 146 propriedades analisadas apresentam
destruiccedilatildeo das matas ciliares com estaacutegios que variam de alta a baixa degradaccedilatildeo As
imagens dos trecircs assentamentos rurais abaixo ilustram um pouco essa situaccedilatildeo
Figura 10- Fotografias de corpos drsquoaacutegua e mata ciliar
Eacute importante ressaltar que os assentamentos rurais de Vila Rica-MT
resultaram do processo de reocupaccedilatildeo das fazendas que estavam improdutivas mas jaacute
tinham sido abertas e desmatadas anteriormente Assim o problema ambiental jaacute existia
antes mesmo da formaccedilatildeo do assentamento rural e foi intensificado parcialmente com a
formaccedilatildeo dos mesmos
Tabela 35 Situaccedilatildeo de degradaccedilatildeo das pastagens (por nuacutemero de propriedade)
Degradaccedilatildeo de pastagens PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
Natildeo existem pastagens degradadas 17 4 16 6 43 33
O niacutevel de degradaccedilatildeo eacute baixo 36 9 40 8 93 39
132
O niacutevel de degradaccedilatildeo eacute meacutedio 43 10 21 6 80 335
O niacutevel de degradaccedilatildeo eacute alto 14 1 4 4 23 95
Total 239 100
Fonte EMPAER 2010
Vimos nos dados indicados na Tabela 35 que 43 propriedades natildeo
apresentaram niacutevel de degradaccedilatildeo nas pastagens enquanto 196 propriedades estatildeo com
as pastagens degradadas estando entre os niacuteveis alto meacutedio e baixo conforme criteacuterios
de nivelamento natildeo esclarecidos na fonte escrita
As imagens a seguir dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel e Ipecirc
nos ajudam a visualizar o niacutevel de degradaccedilatildeo e qualidade das pastagens destes
assentamentos rurais
Figura 11- Fotografias das aacutereas de pastagens nos assentamentos rurais
Fonte EMPAER 2010
As imagens nos remetem a compreensatildeo do quanto o problema de
desmatamento afetou de forma significativa o solo o que comprometeu a qualidade das
pastagens dos assentamentos rurais As imagens revelam a caracteriacutestica do solo que eacute
formado por morro com pedras e cascalhos o que dificulta a realizaccedilatildeo do processo de
mecanizaccedilatildeo das aacutereas
Tabela 36 Uso de fogo no manejo do solo (por propriedade)
Existecircncia de nascentesPA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual
133
Usam fogo 80 13 45 18 156 665
Natildeo usam fogo 28 10 36 5 79 335
Total 235 100
Fonte EMPAER 2010
Os dados expostos na Tabela 36 reforccedilam a existecircncia do problema ambiental
jaacute abordado nos paraacutegrafos anteriores Chamamos a atenccedilatildeo para o fato de que 156
famiacutelias afirmaram que costumam colocar fogo sistema chamado de coivara como
praacutetica de limpeza das pastagens e na preparaccedilatildeo do cultivo das roccedilas Enquanto apenas
79 famiacutelias disseram que natildeo fazem uso de fogo no desenvolvimento das suas
atividades agriacutecolas tampouco para limpeza de pastagens
37 Algumas consideraccedilotildees sobre os impactos de poliacuteticas puacuteblicas nos
assentamentos rurais Satildeo Joseacute satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati
Podemos afirmar que nos quatro assentamentos rurais analisados os produtos
alimentares predominantes satildeo arroz milho mandioca banana e hortaliccedilas Satildeo estes
produtos que constituem a alimentaccedilatildeo baacutesica dos agricultores familiares os quais satildeo
produzidos nos lotes familiares
Atribuiacutemos a baixa produtividade na Agricultura Familiar do municiacutepio de
Vila Rica agrave falta de equipamentos tecnoloacutegicos sobretudo maquinaacuterios que poderiam
facilitar o trabalho e aumentar a produtividade No entanto ressalvamos que essas
teacutecnicas satildeo consideradas por alguns teoacutericos como uma condiccedilatildeo de produccedilatildeo
positiva do ponto de vista da manutenccedilatildeo da identidade dos assentamentos rurais
porque ela se sustenta nos saberes tradicionais aleacutem de natildeo ser tatildeo prejudicial ao meio
ambiente
Em relaccedilatildeo agrave comercializaccedilatildeo foram identificados alguns fatores que
dificultam o processo de modo geral a exemplo da natildeo organizaccedilatildeo por meio de
cooperativas ou associaccedilotildees A problemaacutetica das estradas que muitas vezes impede ou
dificulta o transporte dos produtos ateacute os pontos locais de vendas comerciais
contribuem consequentemente para o natildeo fortalecimento das feiras populares
134
As imagens a seguir ilustram a situaccedilatildeo de algumas estradas que datildeo acesso
aos assentamentos rurais de Vila Rica-MT durante os periacuteodos chuvosos de dezembro a
abril
Figura 12- Fotografias das Estradas dos assentamentos rurais
Fonte EMPAER 2009
A peacutessima situaccedilatildeo das estradas se torna ainda mais grave se pensarmos sobre
a necessidade de fortalecer a comercializaccedilatildeo dos produtos da Agricultura Familiar
quando levamos em consideraccedilatildeo o distanciamento dos assentamentos rurais com
relaccedilatildeo agrave aacuterea urbana cuja distancia eacute retratada nos croquis
Figura 13 - Croqui do Assentamento Rural Satildeo Joseacute
135
Fonte EMPAER 2010 p19
Figura 14 - Croqui do Assentamento Rural Satildeo Gabriel
Fonte EMPAER 2010 p 18
Figura 15 - Croqui do Assentamento Rural Ipecirc
136
Fonte EMPAER 2010 p 19
Figura 16 - Croqui do Assentamento Rural Aracaty
Fonte EMPAER 2010 p 18
137
O problema das estradas afetas tambeacutem a educaccedilatildeo pois danificam os ocircnibus
e prolongam o tempo que as crianccedilas ficam nas estradas sem aula atrasando o
calendaacuterio escolar Esta situaccedilatildeo provoca a desmotivaccedilatildeo dos alunos pelos estudos e
com isso os pais acabam retirando seus filhos das escolas do campo levando-os para
estudar na cidade por acreditar no prosseguimento dos estudos graccedilas agraves melhoras de
acesso permanecircncia e sucesso escolar
Ainda em relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo percebemos uma baixa escolaridade dos
assentados Consideramos que essa conjuntura seja resultante de alguns fatores como a
carecircncia de uma maior flexibilizaccedilatildeo na organizaccedilatildeo curricular e pedagoacutegica das escolas
dos assentamentos rurais principalmente nos quesitos referentes agrave organizaccedilatildeo dos
tempos e espaccedilos de aprendizagem uma vez que mesmo com o advento da energia
eleacutetrica nos assentamentos rurais nem todas as escolas garantiram a oferta da
modalidade escolar EJA - Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos
No que tange agraves questotildees de gecircnero e idade constatou-se que natildeo haacute uma
organizaccedilatildeo quanto agrave formaccedilatildeo de associaccedilotildees ou movimentos sociais direcionados agrave
luta das mulheres tampouco dos jovens Tais circunstacircncias datildeo a entender a pouca
participaccedilatildeo das mulheres e dos jovens nos espaccedilos poliacuteticos embora ambos tenham
uma vida ativa em outras atuaccedilotildees referentes agrave divisatildeo de trabalhos nos assentamentos
rurais
Consideramos como um dos principais desafios relacionados agrave permanecircncia
dos agricultores familiares nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Aracati e
Ipecirc o fato de os jovens se sentirem desmotivados a continuar no campo Muitos saem
para a cidade na ilusatildeo que iratildeo encontrar emprego que lhes proporcione renda fixa e
melhor qualidade de vida
As condiccedilotildees dos assentados avanccedilaram em qualidade a partir da
implementaccedilatildeo do Programa Luz Para Todos uma vez que a energia eleacutetrica
possibilitou a utilizaccedilatildeo de equipamentos que facilitaram o seu cotidiano embora a aacutegua
potaacutevel ainda seja vista como um elemento complicador no que se refere ao seu
tratamento
Na sauacutede destacamos que haacute atendimento pelo Sistema Uacutenico de Sauacutede
(SUS) embora limitado pois os uacutenicos profissionais da sauacutede que atuam diretamente
138
nos assentamentos rurais satildeo os Agentes de Sauacutede Ou seja quando haacute sinalizaccedilatildeo de
problemas na sauacutede dos assentados estes tecircm que recorrer agrave assistecircncia de sauacutede
localizada na zona urbana o que requer meio de locomoccedilatildeo proacuteprio ou puacuteblico
No que se refere agraves demandas de moradia e infraestrutura nos assentamentos
rurais pesquisados destacamos que a maioria das casas foi construiacuteda ou reformada
com recursos oriundos do Pronaf No entanto nem todos os assentados usufruiacuteram do
financiamento para a construccedilatildeo de suas casas pois muitos deles tiveram que arcar com
os proacuteprios recursos Por isso muitas casas ainda satildeo de taacutebua Houve casos em que as
empresas contempladas na licitaccedilatildeo natildeo concluiacuteram as obras conforme previsto no
contrato
Contudo ressaltamos que os desafios vivenciados pelos agricultores
familiares de Vila Rica-MT satildeo inuacutemeros a exemplo da a pouca infraestrutura a
insuficiecircncia dos investimentos por parte do Poder Puacuteblico quanto agrave liberaccedilatildeo de creacutedito
direcionado agrave Agricultura Familiar reduzido uso de tecnologia a ausecircncia de uma
assistecircncia teacutecnica efetiva a falta de matildeo de obra jovem uma vez que a idade meacutedia dos
assentados segundo dados da EMPAER (2009 p 45) eacute de 507 anos ldquo[] uma das
possiacuteveis causas para o ecircxodo dos jovens eacute a falta de opccedilatildeo para dar continuidade aos
estudos e a falta de oportunidades de geraccedilatildeo de renda dentro dos assentamentos ruraisrdquo
Ainda sobre a infraestrutura ressaltamos que os maiores investimentos tanto
por parte do Pronaf como de outras fontes dos agricultores familiares foram aplicados
na atividade de pecuaacuteria por considerarem mais rentaacutevel Essa questatildeo estaacute mais
detalhada no capiacutetulo IV
Eacute preciso ainda atentarmos mais para aos problemas de ordem ambiental
porque se constataram situaccedilotildees de desmatamentos nas nascentes e matas ciliares sem
falar da degradaccedilatildeo do solo e das pastagens condiccedilotildees que implicam na natildeo ampliaccedilatildeo
da Agricultura Familiar enquanto potencial para alavancar o desenvolvimento regional
139
4 AS POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS NOS ASSENTAMENTOS SAtildeO JOSEacute SAtildeO
GRABRIEL IPEcirc E ARACATI
Este capiacutetulo objetiva identificar quais foram as poliacuteticas puacuteblicas
implementadas nos assentamentos rurais do municiacutepio Vila Rica-MT no periacuteodo de
1996 a 2015
Construiacutemos uma anaacutelise norteada por algumas questotildees que serviram de
base para a reflexatildeo acerca do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar (Pronaf) bem como de outras Poliacuteticas Puacuteblicas voltadas para o atendimento
das necessidades da populaccedilatildeo do campo como eacute o caso da sauacutede educaccedilatildeo e
habitaccedilatildeo
Nesse sentido destacamos alguns questionamentos relacionados aos
procedimentos de execuccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas destinadas aos assentamentos rurais
Qual foi o impacto do Pronaf nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT Quais satildeo as
outras poliacuteticas e accedilotildees dos oacutergatildeos puacuteblicos no apoio e incentivos da Agricultura
Familiar no Araguaia mato-grossense Quais os mecanismos de controle e inspeccedilatildeo
adotados pela Secretaria Municipal de Agricultura de Vila Rica-MT para monitorar e
fomentar a produccedilatildeo da Agricultura Familiar nos assentamentos rurais Existem ou natildeo
estrateacutegias constituiacutedas entre os Agricultores Familiares movimentos sindical e social
ligados agrave Agricultura Familiar para enfrentar as ldquoinvestidasrdquo do agronegoacutecio nas aacutereas
de assentamentos rurais Quais satildeo os desafios e os avanccedilos dos assentamentos rurais
de Vila Rica-MT na visatildeo dos agricultores familiares dos assentamentos pesquisados
Para a compreensatildeo dessas questotildees foi necessaacuteria uma anaacutelise dos dados
oficiais de fontes escritas e orais com o auxiacutelio de perspectivas teoacutericas presentes nos
estudos sobre as temaacuteticas que envolvem o universo das poliacuteticas puacuteblicas destinadas
aos assentamentos rurais sobretudo o Pronaf
41 O debate sobre o Pronaf
Compreender tanto as formas de uso da terra quanto as de produccedilatildeo dos
agricultores familiares assim como a identificaccedilatildeo do papel da Agricultura Familiar no
desenvolvimento do territoacuterio do Araguaia eacute tambeacutem constituir conhecimento e
reflexatildeo acerca dos avanccedilos e entraves vivenciados pelos agentes histoacutericos no processo
140
de implementaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas direcionadas aos Projetos de assentamentos
rurais no Brasil sobretudo na consolidaccedilatildeo do Pronaf
Por isso fizemos apontamentos em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo dos assentamentos
rurais e ao mesmo tempo assinalamos as estrateacutegias adotadas pelos agricultores
familiares para sobreviverem agraves artimanhas do sistema burocraacutetico especialmente
quanto agraves formas de acesso ao creacutedito rural
Por outro lado para analisar o papel das poliacuteticas puacuteblicas enquanto objeto
de estudo os investimentos do Pronaf nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT
tomando como referecircncias as estrateacutegias adotadas pelos agricultores para serem
beneficiados pelas linhas de creacutedito problematizaram-se os avanccedilos e os entraves nas
condiccedilotildees de implementaccedilatildeo dessas poliacuteticas atraveacutes de reflexotildees teoacutericas e estudos de
caso Para tanto realizamos uma revisatildeo bibliograacutefica sobre a temaacutetica que historiciza o
artifiacutecio de criaccedilatildeo do Pronaf enquanto poliacutetica puacuteblica
Gazola e Schneider (2004 p 21) concebem que a criaccedilatildeo do Pronaf
representou uma resposta por parte do Estado brasileiro ao surgimento de uma nova
categoria social que demanda accedilotildees do Poder Puacuteblico e que levam em consideraccedilatildeo as
especificidades dessa nova categoria social ldquo[] os Agricultores Familiares que ateacute
entatildeo eram designados por termos como pequenos produtores produtores familiares de
baixa renda ou agricultura de subsistecircnciardquo
A partir dessa percepccedilatildeo podemos afirmar que anteriormente natildeo havia uma
designaccedilatildeo especiacutefica para os agentes histoacutericos que viviam da produccedilatildeo familiar na
agricultura enquanto categoria social Tratava-se de diversas denominaccedilotildees que eram
baseadas em criteacuterios econocircmicos e embutiam uma ideia de desqualificaccedilatildeo como por
exemplo ldquopequeno produtorrdquo
O conceito de Agricultura Familiar surgiu como uma alternativa para
suprimir as diversas denominaccedilotildees em relaccedilatildeo agrave forma e agrave concepccedilatildeo de produccedilatildeo das
populaccedilotildees que vivem no campo e que recorrem apenas agrave forccedila de trabalho dos
membros da famiacutelia Foi conceituada por Abramovay (1997 p 3 apud SALVODI
CUNHA 2010 p 10) como ldquo[] aquela em que a gestatildeo a propriedade e a maior
parte do trabalho vecircm de indiviacuteduos que mantecircm entre si laccedilos de sangue ou de
casamentordquo Os autores citados asseguram que essa definiccedilatildeo natildeo poderaacute ser vista como
unacircnime e muitas vezes pouco operacional
141
Salvodi e Cunha (2010 p 10) apesar de ponderarem que essa definiccedilatildeo natildeo
deve ser concebida como unacircnime entre os teoacutericos da Questatildeo Agraacuteria ressaltam que
eles adotam-na como conteuacutedo no sentido de evidenciar a nova categoria social que
envolve ldquo[] a propriedade da terra relaccedilotildees de trabalho e a gestatildeo das atividades
produtivasrdquo Para eles todos esses elementos satildeo criteacuterios usados para diferenciar por
se tratar de relaccedilotildees entre agentes sociais com parentesco de sangue ou alianccedilas via
matrimocircnio
Abramovay (1997) Salvodi e Cunha (2010) consideram que a base da
Agricultura Familiar estaacute portanto centrada no elemento relacional e natildeo
necessariamente na sua posiccedilatildeo diante de categorias econocircmicas ligadas agrave produccedilatildeo e agraves
formas de trabalho que dependem especificamente da matildeo de obra familiar
Destacamos que tal definiccedilatildeo eacute um constructo analiacutetico fundado a partir de
um referencial teoacuterico Isso eacute compreensiacutevel pois diferentes setores sociais a partir das
representaccedilotildees institucionais constroem categorias sociais Logo a categoria
ldquoAgricultura Familiarrdquo foi construiacuteda a partir de concepccedilotildees analiacuteticas e teoacutericas que
servem tanto para determinadas finalidades praacuteticas como para fins de acesso ao creacutedito
rural
Ressalvamos ainda que estes trecircs elementos baacutesicos - gestatildeo propriedade e
trabalho familiar se fazem presentes em todas as definiccedilotildees de Agricultura Familiar
sobretudo na definiccedilatildeo do Pronaf que insere a loacutegica da famiacutelia que tem a gestatildeo sobre
sua propriedade e busca o creacutedito
O Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio (2015) apresenta uma espeacutecie de
passo a passo para o acesso ao Pronaf
O acesso ao Pronaf inicia-se na discussatildeo da famiacutelia sobre a
necessidade do creacutedito seja ele para o custeio da safra ou
atividade agroindustrial seja para o investimento em maacutequinas
equipamentos ou infraestrutura de produccedilatildeo e serviccedilos
agropecuaacuterios ou natildeo agropecuaacuterios Apoacutes a decisatildeo do que
financiar a famiacutelia deve procurar o sindicato rural ou a empresa
de Assistecircncia Teacutecnica e Extensatildeo Rural (Ater) como a
EMATER para obtenccedilatildeo da Declaraccedilatildeo de Aptidatildeo ao Pronaf
(DAP) que seraacute emitida segundo a renda anual e as atividades
exploradas direcionando o agricultor para as linhas especiacuteficas
de creacutedito a que tem direito (MDA)23
23 Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-creditoruralsobre-o-
programasthashoPkG5KqCdpuff gt Acesso em 14092015
142
O Pronaf eacute apontado por alguns estudiosos da Questatildeo Agraacuteria no Brasil
como um marco da interferecircncia positiva do Estado na agricultura Eacute a partir dele que
ocorre a inclusatildeo da categoria social denominada de agricultores familiares no conjunto
das poliacuteticas puacuteblicas destinadas ao meio rural
Ressaltamos que antes do Pronaf existia o Programa de Valorizaccedilatildeo da
Pequena Produccedilatildeo Rural (Provape) criado em 1994 atraveacutes de uma operaccedilatildeo
financeira executada apenas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES)
Schneider Mattei e Cazella (2004) concebem que o Provape foi o embriatildeo da
mais importante poliacutetica puacuteblica criada para atender os agricultores familiares Segundo
os mesmos autores ele natildeo obteve os resultados esperados levando-se em consideraccedilatildeo
apenas os recursos que foram aportados Isso pode ser explicado parcialmente pelo fato
de o sistema de creacutedito e financiamento brasileiro natildeo ter sido adequado ao perfil do
puacuteblico para o qual se destinava o Provape
Ainda em conformidade com Schneider Mattei e Cazella (2004) eacute possiacutevel
afirmar que o Provape serviu apenas como ponto de partida para aquela que de fato
viria ser a primeira poliacutetica puacuteblica destinada agrave categoria de agricultores familiares
Em 1995 o Provape passou por uma transformaccedilatildeo tanto no que se refere agrave
concepccedilatildeo de poliacutetica puacuteblica voltada para os agricultores familiares comono que se
refere a sua aacuterea de abrangecircncia
Foram essas modificaccedilotildees acrescidas ao programa Provape que constituiacuteram
em 1996 o Pronaf o que de acordo com Schneider Mattei e Cazella (2004 p 3)
significa dizer que ldquo[] desse ano em diante o programa tem se firmado como a
principal poliacutetica do Governo Federal para os agricultores familiaresrdquo
Esses autores creditam ser o Pronaf uma poliacutetica puacuteblica constituiacuteda como
apoio econocircmico e produtivo para Agricultura Familiar brasileira A partir dele foram
criadas outras como eacute o caso do Programa Nacional de Aquisiccedilatildeo de Alimentos (PAA)
a Lei da Agricultura Familiar o Seguro Rural a nova forma de Assistecircncia Teacutecnica e
Extensatildeo Rural (ATER) e o Programa Nacional de Alimentaccedilatildeo Escolar (PNAE) que
embora jaacute existisse desde 1950 foi reestruturado a partir da criaccedilatildeo do Pronaf
Este inicialmente tinha como propoacutesito atuar em quatro grandes aacutereas 1)
Financiamento no Custeio e Investimento Agriacutecola 2) Fortalecimento de Infra Estrutura
143
rural 3) Negociaccedilatildeo e Articulaccedilatildeo de Poliacuteticas Puacuteblicas e 4) Formaccedilatildeo de Teacutecnicos
Extensionistas e de agricultores familiares
Nos primeiros anos de implantaccedilatildeo do Pronaf os juros para quem acessasse
essa linha de creacutedito para financiamento e investimento era de 12 ao ano o que pode
ser considerado um valor muito alto Esse fato talvez seja uma das principais
justificativas de poucos agricultores familiares terem pleiteado o creacutedito
Por outro lado havia tambeacutem a falta de conhecimento sobre o proacuteprio
programa Segundo Gazola e Schneider (2004) foram vaacuterios os entraves enfrentados
nos primeiros anos de implantaccedilatildeo do Pronaf sendo que dos recursos destinados agraves
safras de 1995-1996a maioria beneficiou agricultores familiares do Sul do paiacutes
sobretudo os produtores de fumo
Mas antes de avanccedilarmos sobre outras questotildees envolvendo o Pronaf eacute
importante analisarmos os muacuteltiplos contextos em que esse programa foi criado
42 O papel dos Movimentos sociais na criaccedilatildeo do Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar na deacutecada de 1990
Bianchini (2015 p18) afirma que a deacutecada de 1990 foi sinalizada pela
constituiccedilatildeo de novas estrateacutegias no campo econocircmico sobretudo em relaccedilatildeo aos
aspectos comerciais tecnoloacutegicos financeiros e de investimentos aleacutem de ter sido o
periacuteodo de maior inserccedilatildeo do Brasil na economia internacional
Outra caracteriacutestica desse periacuteodo segundo o mesmo autor foi a criaccedilatildeo do
Mercado Comum do Sul (Mercosul) o qual visava materializar uma maior integraccedilatildeo
entre o Brasil Uruguai Argentina e Paraguai a partir da reduccedilatildeo das tarifas
alfandegaacuterias
O Mercosul alterou tambeacutem a poliacutetica cambial com o objetivo de promover
a expansatildeo das importaccedilotildees e ampliaccedilatildeo dos investimentos internacionais nas aacutereas
agroindustriais Por outro lado restringiu a participaccedilatildeo de cooperativas nesse setor
fortalecendo ainda mais as empresas privadas
A partir da concepccedilatildeo de Bianchini (2015) pode-se afirmar que diante das
novas configuraccedilotildees impostas ao cenaacuterio econocircmico brasileiro assistiu-se no Brasil ao
desmoronamento de um modelo econocircmico em que a base de sustentaccedilatildeo eram os
144
incentivos fiscais concedidos pelo Governo os quais atendiam apenas alguns setores
rurais
O que se vecirc nesse periacuteodo foi a movimentaccedilatildeo dos diferentes atores sociais
De um lado se encontram os grupos detentores de grande capital econocircmico querendo
a qualquer custo atrair a atenccedilatildeo das autoridades poliacuteticas em torno dos interesses do
capital na agricultura e por outro lado a intensificaccedilatildeo nas mobilizaccedilotildees por parte de
outros atores conclamando por uma construccedilatildeo de poliacuteticas diferenciadas para atender a
Agricultura Familiar a realizaccedilatildeo da Reforma Agraacuteria a ampliaccedilatildeo dos direitos dos
trabalhadores rurais e a criaccedilatildeo de um modelo de agricultura fundamentado na
sustentabilidade social e ambiental
Bianchini (2015 p 19) ao se referir ao papel das instituiccedilotildees e organizaccedilatildeo
dos movimentos sociais em defesa da Reforma Agraacuteria constituiacutedos na deacutecada de 1980
assegura que
Nesse cenaacuterio poacutes-crise do modelo agriacutecola a partir dos anos
80 com o teacutermino do regime militar e a promulgaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo de 1988 as organizaccedilotildees de agricultores
empresariais se rearticularam na Confederaccedilatildeo Nacional de
Agricultura (CNA) na Uniatildeo Democraacutetica Ruralista (UDR) e
na Associaccedilatildeo Brasileira do Agronegoacutecio (ABAG) As
organizaccedilotildees de Agricultores Familiares se fortalecem na
Confederaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
(CONTAG) criam-se novas organizaccedilotildees como o Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) a Via Campesina
o Departamento Nacional dos Trabalhadores Rurais da CUT
(DNTR) que daria origem agrave Federaccedilatildeo dos Trabalhadores da
Agricultura Familiar (Fetraf) Surge um novo cenaacuterio novos
embates e estabelece-se um novo arranjo institucional
Em consonacircncia agrave citaccedilatildeo afirmamos que os atores sociais do campo estatildeo
divididos em dois grandes grupos de um lado os grandes proprietaacuterios de terras e
representantes do agronegoacutecio e do outro as populaccedilotildees desprovidas de capital
financeiro representadas pelos trabalhadores rurais pequenos agricultores ribeirinhos e
comunidades tradicionais Esses grupos recorreram agrave organizaccedilatildeo dos Sindicatos a
exemplo daquele dos Trabalhadores ou dos Produtores Rurais e das confederaccedilotildees em
busca da sensibilizaccedilatildeo das autoridades poliacuteticas em torno da defesa de seus interesses
No que se refere aos movimentos sociais dos trabalhadores rurais e pequenos
agricultores natildeo se pode perder de vista que a deacutecada de 1990 foi marcada por intensas
mobilizaccedilotildees desses sujeitos sociais em torno de poliacuteticas puacuteblicas que pudessem
145
viabilizar a melhoria das condiccedilotildees de vida no campo sobretudo no que tange agrave criaccedilatildeo
de um sistema de creacutedito rural e a expansatildeo do programa de distribuiccedilatildeo de terras em
formato diferenciado para atender as especificidades dos pequenos agricultores
Bianchini (2015) considera possiacutevel assegurar que tanto o Provape como o
Pronaf resultaram de accedilotildees e pressotildees dos movimentos sociais que por meio das
diversas manifestaccedilotildees que contribuiacuteram diretamente para a definiccedilatildeo das diretrizes do
Pronaf como eacute o caso do ldquoGrito da Terra Brasilrdquo movimento promovido pela
Confederaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) Federaccedilatildeo dos
Trabalhadores da Agricultura (Fetag) e pelos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais
(STTRs) que em geral reuniram milhares de trabalhadores em seus atos puacuteblicos em
sua grande maioria lideranccedilas dos diversos movimentos ligados agraves questotildees da
Agricultura Familiar Reforma Agraacuteria e de outras bandeiras relacionadas ao universo
dos trabalhadores rurais
Bianchini (2015) indica ainda outro acontecimento que proporcionou maior
visibilidade do debate acerca da luta por uma poliacutetica de creacutedito rural diferenciada e que
fosse capaz de mobilizar a integraccedilatildeo da produccedilatildeo familiar o Seminaacuterio ndash Creacutedito de
Investimento uma luta que vale milhotildees de vidas realizado na cidade Chapecoacute em
Santa Catarina no ano de 2003 sob a organizaccedilatildeo do Foacuterum Sul dos Rurais vinculado agrave
Central Uacutenica dos Trabalhadores - CUT
Esse seminaacuterio teve como funccedilatildeo marcar ldquo[] que o creacutedito seria a bandeira
central do movimento sindical e naquele momento poderia desencadear outras poliacuteticas
ATER Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional Infraestrura e Habitaccedilatildeordquo (BIANCHINI
2015 p 24)
Ainda com base na concepccedilatildeo desse autor pode-se dizer que as discussotildees
provocadas durante o seminaacuterio de Chapecoacute aleacutem de possibilitar um repensar sobre a
questatildeo do creacutedito diferenciado para os pequenos agricultores apontaram tambeacutem
outras possibilidades de conquista no sentido de buscar uma poliacutetica que fosse capaz de
casar o Creacutedito Fundiaacuterio com a Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional Infraestrutura e
Habitaccedilatildeo ldquo[] Esta foi a marca que timbrou a criaccedilatildeo do Pronaf a luta por creacutedito
diferenciado capaz de realizar a reconversatildeo das unidades de produccedilatildeo familiarrdquo
(BIANCHINI 2015 p 24)
146
43 O Pronaf e seus objetivos
O MDA assegura que o objetivo do Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (Pronaf) eacute ldquo[] financiar projetos individuais ou coletivos que
gerem renda aos agricultores familiares e assentados da Reforma Agraacuteria O programa
possui as mais baixas taxas de juros dos financiamentos rurais aleacutem das menores taxas
de inadimplecircncia entre os sistemas de creacutedito do Paiacutes (MDA 2015)rdquo 24
Estamos diante da definiccedilatildeo do oacutergatildeo puacuteblico responsaacutevel por colocar os
ldquoagricultores familiaresrdquo e ldquoassentados de Reforma Agraacuteriardquo enquanto puacuteblico alvo do
programa possibilitando-os ter acesso a creacuteditos com a preacute-condiccedilatildeo de natildeo ter uma
renda maior que R$ 360 mil reais por ano
O agricultor familiar deve avaliar o projeto que pretende
desenvolver Os projetos devem gerar renda aos Agricultores
Familiares e assentados da reforma agraacuteria Podem ser
destinados para o custeio da safra a atividade agroindustrial
seja para investimento em maacutequinas equipamentos ou
infraestrutura A renda bruta anual dos Agricultores Familiares
deve ser de ateacute R$ 360 mil (MDA 2015)25
As diretrizes do MDA que orientam a elaboraccedilatildeo dos projetos de
financiamentos do Pronaf asseguram que os agricultores familiares satildeo os protagonistas
no planejamento das accedilotildees que seratildeo desenvolvidas desde que levem em consideraccedilatildeo
os criteacuterios estabelecidos por cada linha de creacutedito
Segundo o MDA (2015) o Pronaf possui algumas linhas de creacutedito para
atender esse objetivo
bull Pronaf Custeio
-se ao financiamento das atividades agropecuaacuterias e de
beneficiamento ou industrializaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo de
produccedilatildeo proacutepria ou de terceiros enquadrados no Pronaf
bull Pronaf Mais Alimentos - Investimento
Destinado ao financiamento da implantaccedilatildeo ampliaccedilatildeo ou
modernizaccedilatildeo da infraestrutura de produccedilatildeo e serviccedilos
agropecuaacuterios ou natildeo agropecuaacuterios no estabelecimento rural
ou em aacutereas comunitaacuterias rurais proacuteximas
bull Pronaf Agroinduacutestria
24Disponiacutevelemlthttpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-creditoruralsobre-o-
rogramasthashoPkG5KqCdpuf gt Acesso em 14092015 25
Disponiacutevelemlt httpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-creditoruralcomo-funciona-o-
pronafsthashJ7csT8kgdpuff gt Acesso em 14092015
147
Linha para o financiamento de investimentos inclusive em
infraestrutura que visam o beneficiamento o processamento e a
comercializaccedilatildeo da produccedilatildeo agropecuaacuteria e natildeo agropecuaacuteria
de produtos florestais e do extrativismo ou de produtos
artesanais e a exploraccedilatildeo de turismo rural
bull Pronaf Agroecologia
Linha para o financiamento de investimentos dos sistemas de
produccedilatildeo agroecoloacutegicos ou orgacircnicos incluindo-se os custos
relativos agrave implantaccedilatildeo e manutenccedilatildeo do empreendimento
bull Pronaf Eco
Linha para o financiamento de investimentos em teacutecnicas que
minimizam o impacto da atividade rural ao meio ambiente bem
como permitam ao agricultor melhor conviacutevio com o bioma em
que sua propriedade estaacute inserida
bull Pronaf Floresta
Financiamento de investimentos em projetos para sistemas
agroflorestais exploraccedilatildeo Destina extrativista ecologicamente
sustentaacutevel plano de manejo florestal recomposiccedilatildeo e
manutenccedilatildeo de aacutereas de preservaccedilatildeo permanente e reserva legal
e recuperaccedilatildeo de aacutereas degradadas
bull Pronaf Semiaacuterido
Linha para o financiamento de investimentos em projetos de
convivecircncia com o semi-aacuterido focados na sustentabilidade dos
agroecossistemas priorizando infraestrutura hiacutedrica e
implantaccedilatildeo ampliaccedilatildeo recuperaccedilatildeo ou modernizaccedilatildeo das
demais infraestruturas inclusive aquelas relacionadas com
projetos de produccedilatildeo e serviccedilos agropecuaacuterios e natildeo
agropecuaacuterios de acordo com a realidade das famiacutelias
agricultoras da regiatildeo Semiaacuterida
bull Pronaf Mulher
Linha para o financiamento de investimentos de propostas de
creacutedito para a mulher agricultora
bull Pronaf Jovem
Financiamento de investimentos de propostas de creacutedito para
jovens agricultores e agricultoras
bull Pronaf Custeio e Comercializaccedilatildeo de Agroinduacutestrias
Familiares
Destinada aos agricultores e suas cooperativas ou associaccedilotildees
para que financiem as necessidades de custeio do
beneficiamento e industrializaccedilatildeo da produccedilatildeo proacutepria eou de
terceiros
bull Pronaf Cota-Parte
Financiamento de investimentos para a integralizaccedilatildeo de cotas-
partes dos Agricultores Familiares filiados a cooperativas de
produccedilatildeo ou para aplicaccedilatildeo em capital de giro custeio ou
investimento
bull Microcreacutedito Rural
Destinado aos agricultores de mais baixa renda permite o
financiamento das atividades agropecuaacuterias e natildeo
agropecuaacuterias podendo os creacuteditos cobrirem qualquer demanda
que possa gerar renda para a famiacutelia atendida Creacuteditos para
Agricultores Familiares enquadrados no Grupo B e agricultoras
148
integrantes das unidades familiares de produccedilatildeo enquadradas
nos Grupos A ou AC26
Ainda para o MDA (2015) o creacutedito do Pronaf eacute operacionalizado pelos
agentes financeiros que compotildeem o Sistema Nacional de Creacutedito Rural (SNCR) os
quais estatildeo agrupados pelas unidades financeiras (Banco do Brasil Banco do
Nordeste e Banco da Amazocircnia) vinculadas aos (BNDES Bancoob Bansicredi e
associados agrave Federaccedilatildeo Brasileira de Bancos (Febraban)
A partir dessas opccedilotildees de creacutedito o nuacutemero de agricultores familiares que
tem aderido ao programa aumentou bem como a abrangecircncia do Pronaf no Brasil
Segundo dados do MDA (2015)
As contrataccedilotildees do Creacutedito ndash Pronaf apresentam crescimento
sustentado ao longo dos anos Em 19992000 o Pronaf abrangia
3403 municiacutepios passando para 4539 no ano seguinte o que
representou um aumento de 33 na cobertura de municiacutepios
ou seja a ampliaccedilatildeo de mais de 1100 municiacutepios em apenas
um ano A ampliaccedilatildeo de municiacutepios atendidos continuou em
cada ano agriacutecola sendo que em 20052006 houve a inserccedilatildeo de
quase 1960 municiacutepios em relaccedilatildeo agrave 19992000 Em
20072008 foram atendidos 5379 municiacutepios o que
representou um crescimento de 58 em relaccedilatildeo agrave 19992000
com a inserccedilatildeo de 1976 municiacutepios27
Portanto atraveacutes desses dados oficiais sobre o Pronaf foi possiacutevel identificar
seus objetivos e o que ele considera como caracteriacutestica de sua efetivaccedilatildeo e ampliaccedilatildeo
Cruzando os dados do Araguaia mato-grossense e aqueles dos assentamentos
rurais pesquisados com os dados oficiais obtivemos uma noccedilatildeo das implicaccedilotildees dos
investimentos do Pronaf no local sobretudo no que se refere ao municiacutepio de Vila Rica-
MT uma vez que eacute onde estatildeo localizados os assentamentos rurais analisados nesta
pesquisa
44 O Pronaf no espaccedilo do Araguaia Mato-grossense
26 Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-creditorurallinhas-de-
crC3A9ditosthashupVEXpBldpufgt Acesso em 14092015 27
Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-
creditoruralevoluC3A7C3A3o-do-pronafgt Acesso em 14092015
149
Em 2006 foi produzido um diagnoacutestico pela equipe teacutecnica do Territoacuterio da
Cidadania do MDA com o objetivo de elaborar o Plano Territorial de Desenvolvimento
Rural Sustentaacutevel do Araguaia mato-grossense ocasiatildeo em que foi constituiacutedo um
banco de dados sobre a situaccedilatildeo dos assentamentos rurais da aacuterea tomando como
referecircncia o perfil socioeconocircmico de cada assentamento rural e utilizando diversas
estrateacutegias e fontes documentais para constituiacute-lo
Analisando os dados do diagnoacutestico produzido pelo MDA constatamos que a
Agricultura Familiar possui um lugar de destaque no desenvolvimento socioeconocircmico
do Norte Araguaia
Paret (2012) informa existir 85 assentamentos rurais constituiacutedos no territoacuterio
Araguaia-Xingu sendo que 25 deles estatildeo localizados no municiacutepio de Confresa-MT
Os demais estatildeo distribuiacutedos entre os outros municiacutepios com destaque para Ribeiratildeo
Cascalheira Satildeo Feacutelix do Araguaia e Aacutegua Boa28
Ao todo satildeo 22328 famiacutelias assentadas numa aacuterea que corresponde apenas
a 8 da dimensatildeo territorial denominada por Paret (2012) como Araguaia-Xingu Nesse
mesmo sentido Barrozo (2009 p 96) avalia que
Os assentamentos rurais do Araguaia se caracterizam pela a
criaccedilatildeo de gado e pela baixa produccedilatildeo de alimentos Em quase
todos os assentamentos dos municiacutepios de Santa Terezinha
Vila Rica-MT Satildeo Joseacute e Santa Cruz do Xingu Confresa Porto
Alegre Canabrava Satildeo Feacutelix do Araguaia os assentados do
Araguaia tecircm como principal atividade econocircmica do lote a
criaccedilatildeo de gado bovino
Considerando o que Barrozo (2009) e Paret (2012) e os dados contidos no
relatoacuterio do MDATerritoacuterio da Cidadania (2006) dizem afirmamos que a pecuaacuteria eacute
tida como a principal fonte de renda dos assentados dessa aacuterea Aleacutem da venda dos
bezerros os agricultores familiares vendem tambeacutem leite para os pequenos laticiacutenios
que ficam espalhados pela aacuterea
Essa produccedilatildeo se tornou viaacutevel por um conjunto de fatores que vatildeo desde a
instalaccedilatildeo de energia eleacutetrica que possibilitou que o produto pudesse ser armazenado
em tanques resfriadores passando pelo fomento do Pronaf ateacute a instalaccedilatildeo de laticiacutenios
na aacuterea que absorvem a produccedilatildeo regional
28 Destacamos que dos 14 municiacutepios que compotildeem o territoacuterio denominado por Paret (2012)
como Araguaia Xingu apenas Luciara natildeo possui assentamentos rurais Rural (INCRA 2015)
150
A partir dos dados destacados pelos autores e pela descriccedilatildeo feita pelo o
Instituto de Defesa Agropecuaacuteria de Mato Grosso - Indea (2015)29
percebe-se que nos
uacuteltimos anos houve um crescimento notaacutevel da criaccedilatildeo de gado leiteiro nessa aacuterea
Essa situaccedilatildeo serve como justificativa ao fato de haver nos assentamentos rurais do
Araguaia uma aacuterea maior destinada agraves pastagens e uma menor concentraccedilatildeo de
atividades voltadas para o cultivo de pomares hortas agricultura e outras atividades
econocircmicas
O Araguaia Mato-grossense atualmente possui como principais cadeias
produtivas a pecuaacuteria e a soja Percebe-se que a Agricultura Familiar tambeacutem estaacute
inclusa nesse modelo de produccedilatildeo no entanto Paret (2012 p 53) faz uma ressalva em
relaccedilatildeo agrave ela uma vez que esta ldquo[] apresenta uma maior diversidade produtiva que vai
desde a horta a todo tipo de plantaccedilatildeo de frutas (plantadas ou do extrativismo)
tubeacuterculos mel ovos pequenos animais leite entre outros []rdquo
As atividades agriacutecolas nos assentamentos rurais do Araguaia Mato-
grossense foram estudadas por Barrozo (2009 p 99) para quem embora os assentados
atribuam uma grande importacircncia agrave criaccedilatildeo de gado tambeacutem cultivam roccedilas visando o
auto-sustento da famiacutelia ldquo[] Os principais produtos cultivados em quase todos os
assentamentos satildeo a mandioca o milho o arroz e a canardquo
Ainda em conformidade com Barrozo (2009) natildeo existem grandes pomares
com diversidade de frutas cuja produccedilatildeo tenha a finalidade de comercializaccedilatildeo mas
satildeo encontradas em muitos assentamentos pequenas produccedilotildees frutiacuteferas de manga
banana abacaxi goiaba caju tamarindo limatildeo pequi etc
Esse quadro de produccedilatildeo agriacutecola apresentado pelo mesmo autor foi
constatado tambeacutem no relatoacuterio do MDATerritoacuterio da Cidadania (2006 p 33) segundo
o qual as atividades agriacutecolas no espaccedilo do Araguaia Mato-Grossense satildeo assim
descritas
Dentre as culturas produzidas destacam-se a mandioca o arroz
o milho e o abacaxi presentes em praticamente todo o territoacuterio
e tambeacutem direcionadas ao mercado local e principalmente para
o autoconsumo [] Estas atividades constituem-se em
iniciativas particulares e natildeo reflete de forma real a situaccedilatildeo de
grande parte dos agricultores do territoacuterio
29Disponiacutevel em lthttpwwwterritoriosdacidadaniagovbrdotlrnclubsterritriosruraisone-
community gtAcesso em 02052015
151
Quanto agrave implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas direcionadas aos
assentamentos rurais Paret (2012 p 53) verificou a existecircncia de grandes obstaacuteculos
enfrentados pelos agricultores familiares a exemplo das dificuldades em acessar tanto
os recursos do Pronaf quanto de outros programas considerados de apoio como eacute o caso
do Programa Nacional de Aquisiccedilatildeo de Alimentos (PNAA) e do Programa Nacional de
Alimentaccedilatildeo Escolar (PNAE)
Os entraves ocorridos durante o processo de implementaccedilatildeo das poliacuteticas
puacuteblicas nos assentamentos rurais no Araguaia Mato-grossense sobretudo no caso do
Pronaf foram percebidos por Barrozo (2009 p 96) em pesquisa realizada para o
Ministeacuterio do Meio Ambiente (MMA) atraveacutes do programa GESTAR O autor escreve
que durante suas visitas aos assentamentos rurais era bastante comum os agricultores
familiares exporem suas insatisfaccedilotildees tanto com a atuaccedilatildeo dos teacutecnicos do INCRA
quanto com as condiccedilotildees impostas no processo de adesatildeo ao Pronaf Nesse sentido
descreve
[] os assentados reclamam do Pronaf que seria um pacote
fechado exigindo que o recurso seja em horas maacutequinas para
preparar a terra para a lavoura com a indicaccedilatildeo da empresa para
prestar serviccedilo e compra de ferramentas com indicaccedilatildeo da loja
As vacas leiteiras de qualidade ruim para leite custam R$
60000 cada uma tendo que comprar de criador indicado
Alguns assentados fazem acusaccedilotildees de que eacute feito um desconto
do Pronaf corresponde ao um percentual do financiamento que
seria destinado agrave assistecircncia teacutecnica Os teacutecnicos dizem que natildeo
podem se deslocar por falta de veiacuteculos ou de combustiacutevel
Percebemos uma insatisfaccedilatildeo de assentados quanto agraves restriccedilotildees e imposiccedilotildees
burocraacuteticas do Pronaf que retiram dos mesmos a autonomia de escolher locais raccedilas
de animais e marcas de produtos adquiridos com a verba do programa adiciona-se a
preocupaccedilatildeo com a extensatildeo teacutecnica que enfrenta dificuldades financeiras e de
logiacutestica
Na mesma oacutetica Paret (2012 p 53) avalia os problemas enfrentados pelos
agricultores familiares no acesso aos recursos do Pronaf e agrave atuaccedilatildeo do Incra ldquo[] do
ponto de vista institucional a conduccedilatildeo da Reforma Agraacuteria pelo Incra eacute marcada por
longas demoras na resoluccedilatildeo de processos e inuacutemeros casos de corrupccedilatildeordquo
Paret (2012) aborda ainda outra situaccedilatildeo que dificulta o desenvolvimento dos
assentamentos rurais do Araguaia Mato-grossense qual seja o fato de muitos
152
agricultores familiares natildeo terem recebido os creacuteditos moradia e a inexistecircncia de uma
assistecircncia teacutecnica mais efetiva
Os graacuteficos apresentado na Figura 17 e seguinte apresentam criteacuterios de
distribuiccedilatildeo e investimento dos recursos do Programa Nacional de Agricultura Familiar
nos assentamentos rurais
Figura 17 Graacutefico com dados da evoluccedilatildeo dos creacuteditos Pronaf
Fonte Paret 2012 (p 30)
Figura 18 Graacutefico com dados da distribuiccedilatildeo dos creacuteditos Pronaf
Fonte Paret 2012 (p 33)
153
Os dados dispostos nos das figuras 17 e 18 indicam que nos assentamentos
rurais no Araguaia mato-grossense a deacutecada de 2000 foi destaque na evoluccedilatildeo do
percentual de investimento de recursos pelo Pronaf
Percebemos uma oscilaccedilatildeo no volume de recursos na deacutecada de 2000 sendo
que nos anos de 2003 e 2004 apresentaram crescimento Em 2008 a 2010 aumentou
novamente o percentual de recursos disponibilizados com aumento daqueles destinados
agrave pecuaacuteria sobretudo em 2010 quando superaram os investimentos destinados agrave
agricultura
Quando se observam os dados indicados na Figura 18 percebe-se que entre
os onze municiacutepios apresentados como Araguaia Xingu o municiacutepio de Vila Rica-MT
em comparaccedilatildeo aos demais praticamente natildeo recebeu recursos do Pronaf destinados agrave
agricultura sobressaindo apenas os destinados agrave linha de creacutedito direcionada para a
pecuaacuteria
Nesse sentido Lima e Noacutebrega (2009) reforccedilam que os financiamentos
efetivados a partir de 1999 no municiacutepio de Vila Rica-MT foram direcionados para
agropecuaacuteria Em 2007 100 dos financiamentos do municiacutepio foram direcionados
somente agrave pecuaacuteria somando um total de 86 milhotildees de reais em investimentos
Lima e Noacutebrega (2009 12) afirmam ainda que
Entre 1996 e 2006 a aacuterea de pastagens aumentou em cerca de 50
mil hectares e o aumento do nuacutemero de cabeccedilas de gado mais
do que triplicou chegando em 2006 a quase 650 mil cabeccedilas A
densidade de cabeccedilas de gado por hectare passou de 08 para
21 um aumento bem acentuado Entre 2000 e 2007 as aacutereas
das lavouras de milho dobraram de tamanho [] existem dados
controversos no censo 2006 que indica mais de 150 mil hectares
de aacutereas de lavouras no entanto no ano de 2007 natildeo havia
muito mais do que 10mil hectares plantados somando todas as
culturas provavelmente muitas destas aacutereas de lavouras estatildeo
abandonadas
Para esses autores o aumento expressivo da pecuaacuteria em Vila Rica-MT nos
uacuteltimos anos pode ter contribuiacutedo para a reduccedilatildeo do desmatamento no municiacutepio em
funccedilatildeo ateacute mesmo do volume de recursos injetados o que justifica o desenvolvimento
das atividades ligadas agrave pecuaacuteria enquanto a agricultura praticamente ficou estagnada
entre o periacuteodo de 2000 a 2007
154
Desse modo concluiacutemos que mesmo havendo entraves na execuccedilatildeo do
Pronaf ele gerou impactos significativos no que se refere ao desenvolvimento
econocircmico do Araguaia colocando os assentamentos rurais na condiccedilatildeo de
protagonistas na geraccedilatildeo de renda sendo a pecuaacuteria a principal atividade econocircmica
45 O Pronaf nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati
Consideramos pertinente uma anaacutelise acerca dos efeitos do Pronaf nos
assentamentos rurais de Vila Rica-MT visando identificar os impactos desse programa
no desenvolvimento socioeconocircmico local Destacamos que embora haja oito
assentamentos rurais a pesquisa tomou como paracircmetro apenas os recursos aportados
pelos agricultores familiares dos assentamentos rurais de Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e
Aracati
Ao escolhecirc-los tomados aqui como objeto de anaacutelise dos resultados das
poliacuteticas puacuteblicas direcionadas aos Assentados da Reforma Agraacuteria do municiacutepio de
Vila Rica levou-se em consideraccedilatildeo o fato de terem sido contemplados com o
Programa de Assessoria Teacutecnica Social e Ambiental agrave Reforma Agraacuteria- Ates no ano
de 2006 como ilustra a Tabela a seguir
Tabela 37 Creacutedito Rural - nordm de Famiacutelia
Fonte EMPAER 2010
A Tabela 37 demonstra que mais de 90 dos agricultores familiares
participantes da pesquisa tiveram acesso ao Pronaf Os assentamentos Satildeo Joseacute e Ipecirc
foram os mais beneficiados porque possuem o maior nuacutemero de assentados Outra
questatildeo que nos chamou a atenccedilatildeo em relaccedilatildeo ao acesso ao credito eacute o iacutendice de
inadimplecircncia que natildeo chega a 1
Creacutedito RuralPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracat
i
Total
Usam o creacutedito rural 96 18 72 22 20
8
Natildeo usam por
Inadimplecircncia
0 0 2 0 2
Natildeo usam por outros
Motivos
8 3 5 3 19
155
Tabela 38 Finalidade do Creacutedito Rural - nordm de Famiacutelias
Finalidade creacutedito
PA
S Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total
Custeio agriacutecola 10 3 12 3 28
Custeio pecuaacuterio 91 13 69 17 190
Investimento agriacutecola 2 0 3 0 5
Investimento pecuaacuterio 68 11 51 19 149
Agroinduacutestria 0 1 0 0 1
Fonte EMPAER 2010
As informaccedilotildees contidas na Tabela 38 confirmam o que jaacute foi apresentado
nos Graacuteficos 01 e 02 e Figuras 17 e 18 em que os investimentos dos recursos do Pronaf
nas atividades agriacutecolas natildeo chegaram a 10 dos que tomaram o creacutedito enquanto que
somando o valor destinado ao custeio e ao investimento na pecuaacuteria atingiu 908
Poreacutem apenas 03 desses recursos foram aplicados nas atividades agroindustriais
Tabela 39 Tipo de Pronaf por nuacutemero de Famiacutelias
Finalidade Creacutedito Rural S Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total
Pronaf A 95 17 71 20 203
Pronaf AC 65 12 60 15 152
Outros tipos de Pronaf 5 2 4 1 12
Fonte EMPAER 2010
Na Tabela 39 que trata da tipologia das linhas de creacutedito do Pronaf
constatamos o que jaacute foi evidenciado pela tabela anterior Observamos que 203 famiacutelias
dos assentamentos rurais pesquisados acessaram o Pronaf A destinado agraves atividades de
investimentos ampliaccedilatildeo ou modernizaccedilatildeo da estrutura de produccedilatildeo beneficiamento e
serviccedilos nas propriedades enquanto 152 famiacutelias acessaram o Pronaf AC cujo creacutedito
destina-se ao custeio das atividades de agropecuaacuteria ou natildeo agropecuaacuterias Somente 12
famiacutelias foram beneficiadas por outras modalidades de Pronaf
46 Outras Poliacuteticas Puacuteblicas nos assentamentos Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e
Aracati
156
461 Programa Luz para todos
Ao discutirmos os impactos das poliacuteticas Puacuteblicas precisamos analisar os
efeitos da instalaccedilatildeo da rede eleacutetrica nos assentamentos rurais - Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel
Ipecirc e Aracati - a partir da implantaccedilatildeo do Programa Luz Para Todos instituiacutedo pelo
Decreto 4873 de novembro de 2003 com o objetivo de garantir o acesso agrave energia
eleacutetrica a dez milhotildees de pessoas que viviam no campo no periacuteodo de 5 anos ou seja de
2003 a 2008 Foi o mesmo elaborado e executado atraveacutes de parceria entre o Ministeacuterio
de Minas e Energia Eletrobraacutes concessionaacuterias e cooperativas de eletrificaccedilatildeo rural As
accedilotildees deveriam ser feitas em regime de cooperaccedilatildeo entre os Governos Municipais
Estaduais e Federal
A intenccedilatildeo inicial era superar a ldquoexclusatildeo eleacutetricardquo conforme descrito em
uma reportagem feita pelo Ministeacuterio de Minas e Energia (MME) no portal da empresa
Furna30
(2015 p 1)
[] O mapa da exclusatildeo eleacutetrica no paiacutes revela que as famiacutelias
sem acesso agrave energia estatildeo majoritariamente nas localidades de
menor Iacutendice de Desenvolvimento Humano e nas famiacutelias de
baixa renda Cerca de 90 delas tecircm renda inferior a trecircs
salaacuterios-miacutenimos [] Para por fim a essa realidade o governo
definiu como objetivo que a energia seja um vetor de
desenvolvimento social e econocircmico dessas comunidades
contribuindo para a reduccedilatildeo da pobreza e aumento da renda
familiar
Para o Ministeacuterio de Minas e Energia (2015 p 1) ldquo[] a chegada da energia
eleacutetrica facilita a integraccedilatildeo dos programas sociais do Governo Federal aleacutem do acesso
a serviccedilos de sauacutede educaccedilatildeo abastecimento de aacutegua e saneamentordquo E como o nuacutemero
de pessoas que viviam sem energia eleacutetrica era bem superior agrave estimativa feita pelo
Governo Federal houve a necessidade de ampliar o periacuteodo para a execuccedilatildeo do
Programa Luz Para Todos o qual foi reformulado e estendido ateacute dezembro de 2014
ldquo[] Com a publicaccedilatildeo do Censo de 2010 pelo IBGE veio agrave informaccedilatildeo de que ainda
existiam na zona rural brasileira 715939 famiacutelias sem energiardquo (MME 2015 p 1)
30Furnas eacute uma empresa de economia mista subsidiaacuteria da Eletrobraacutes e vinculada ao Ministeacuterio de
Minas e Energia dedicada a geraccedilatildeo e transmissatildeo de energia eleacutetrica
DisponiacutevellthttpwwwfurnascombrfrmEMQuemSomosgt Acesso em 10102015
157
Nesta mesma acepccedilatildeo quando comparado com os assentamentos rurais
pesquisados em Vila Rica- MT um dos agricultores familiares entrevistado disse
[] A questatildeo da energia melhorou as condiccedilotildees de vida nos
assentamentos assim no sentido de possibilitar a compra de
uma televisatildeo uma geladeira um freezer um aparelho de som
Agora eacute o que eu sempre digo o foco do programa natildeo eacute esse
a ideia eacute melhorar as condiccedilotildees de trabalho para aumentar a
produccedilatildeo da Agricultura Familiar natildeo digo que o Programa
Luz Para Todos natildeo era comprar essas coisas de
eletrodomeacutesticos ateacute porque esses eletrodomeacutesticos nos
possibilitam viver com um pouco de conforto isso melhora a
nossa vida tambeacutem Poreacutem o Luz Para Todos visava melhorar
a produccedilatildeo e foi o que muitos assentados compraram
maacutequinas de ralar mandioca bomba da aacutegua para fazer
irrigaccedilatildeo ordenhadeira (maacutequina de tirar leite de vaca)
triturador de raccedilatildeo a proacutepria geladeira e o freezer pois
possibilita armazenar os alimentos confeccionados pelos
agricultores como eacute o caso do queijo linguiccedila polpas de
frutas e tantos outros produtos que estatildeo sendo vendidos na
feira nos mercados e em outros lugares Outro setor que tem
ganhado bastante com a implantaccedilatildeo do Programa Luz Para
Todos eacute aacuterea do comeacutercio e da manutenccedilatildeoconserto de
eletrodomeacutestico (ENTREVISTA com Gilmar agricultor
familiar e secretaacuterio de agricultura do municiacutepio de Vila Rica
realizada pela autora em marccedilo de 2015)
Em conformidade com o relato a implementaccedilatildeo do Programa Luz Para
Todos nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT possui um significado muito aleacutem da
entrada dos agricultores familiares nesse novo modelo de produccedilatildeo social e cultural
facilitando a inclusatildeo desses sujeitos histoacutericos na sociedade da Informaccedilatildeo e da
Comunicaccedilatildeo proporcionada pelos recursos midiaacuteticos
Os efeitos da eletricidade nesses assentamentos refletiu diretamente no
aumento da produtividade na Agricultura Familiar o que poderaacute ser mais um fator de
melhoria da renda das famiacutelias assentadas e ao mesmo tempo possibilitaraacute o
aquecimento da economia local
Ressaltamos ainda que a energia eleacutetrica advinda do Programa Luz Para
Todos produz efeitos positivos para a Educaccedilatildeo do campo possibilitando a ampliaccedilatildeo
dos tempos e modos de organizaccedilatildeo pedagoacutegica das escolas que passaram a ofertar
aulas no periacuteodo noturno sem falar nos artifiacutecios do ensino e da aprendizagem uma vez
fortalecido com a inserccedilatildeo das tecnologias da Informaccedilatildeo e Comunicaccedilatildeo Conforme
relata um dos assentados entrevistado
158
Depois que instalou energia melhorou ateacute pra escola pois
agora os filhos dos assentados estatildeo tendo uma educaccedilatildeo
melhor ateacute o ambiente melhorou pois tem ventilador algumas
escolas tecircm ar condicionado Todas tecircm geladeira freezer
bebedor com aacutegua gelada Assim agora podem ateacute as pessoas
mais velhas que soacute podem estudar no periacuteodo da noite teratildeo
oportunidade de ir pra escola O que eacute complicado em relaccedilatildeo
agrave energia no campo eacute que se a gente natildeo souber controlar o uso
da energia potencializar eletricidade para melhorar a
produtividade e a renda das famiacutelias assentadas chegaraacute o
final do mecircs teratildeo o prejuiacutezo conta de energia para pagar Tem
assentado que possui dificuldade para pagar a conta de energia
todo mecircs Mas por outro lado os assentados que deixavam de
vender seus produtos porque eram pouquinhos ajuda agora
porque com a geladeira o freezer vai fazendo e guardando
hoje congela uma linguiccedila um queijo guardam um doce ovos
E depois traacutes junta tudo e traacutes para vender na cidade No caso
ajudou porque eu mexo com polpas de frutas a minha maior
fonte de renda eacute essa Entatildeo eu vou juntando do meu siacutetio e
compro de outros assentados (ENTREVISTA com Ivanir Galo
assentado e presidente do STR de Vila Rica- MT realizada pela
autora em marccedilo de 2015)
O relato acima chama atenccedilatildeo para o papel que a eletricidade assumiu no
desenvolvimento da economia dos assentamentos rurais de Vila Rica uma vez que ela
possibilitou tambeacutem o armazenamento e conservaccedilatildeo dos produtos de ldquofabricaccedilatildeo
caseirardquo Desse modo o entrevistado reconheceu que alguns assentados encontravam
dificuldade para quitar a conta de energia mas o destaque dado na narrativa eacute para as
possibilidades de ampliaccedilatildeo da renda dos agricultores familiares a partir do uso dos
equipamentos tecnoloacutegicos
462 Arco Verde e a questatildeo ambiental
Em conformidade as anaacutelises apontadas no Capiacutetulo III a questatildeo ambiental
constituiu e constitui ainda um dos gargalos vivenciados nos assentamentos rurais do
municiacutepio de Vila Rica-MT visto o alto iacutendice de degradaccedilatildeo das aacutereas de pastagens
nascentes e vegetaccedilatildeo nativa
Essa situaccedilatildeo eacute causada por diversos fatores No entanto a poliacutetica de incentivo
agrave pecuaacuteria bovina por sua vez tem gerado certa sonolecircncia nas praacuteticas de degradaccedilatildeo
ambiental embora em muitos casos tenha inviabilizado a sustentabilidade da
159
produccedilatildeo deixando o caminho livre ao esvaziamento venda e arrendamento dos lotes
para a produccedilatildeo de soja
Por outro lado as atividades ligadas agrave extraccedilatildeo madeireira pouco contribuiacuteram
para o desenvolvimento econocircmico do municiacutepio Nesse quadro os assentamentos
rurais foram os lugares onde mais foram praticados desmatamentos
Tal situaccedilatildeo nos assentamentos rurais eacute relatada pelo Secretaacuterio Municipal
de Vila Rica-MT o qual afirma terem eles provocado seacuterios problemas ao ponto de
demandar uma accedilatildeo de intervenccedilatildeo por parte Poder Puacuteblico atraveacutes de uma integraccedilatildeo
entre oacutergatildeos dos Governos Federal Estadual e Municipal que se viram obrigados a
tomar medidas de puniccedilatildeo entre outras
[] Os municiacutepios que foram enquadrados na eacutepoca na
verdade eles entraram no Arco de Fogo Os municiacutepios que
mais desmatavam na microrregiatildeo norte Araguaia eram Vila
Rica-MT Querecircncia e Satildeo Feacutelix esses municiacutepios tiveram ser
punidos (pelo Governo Federal) deixando de receber recursos
que eram liberados antes como eacute o caso do Pronaf e outros
recursos foram bloqueados entatildeo houve um bloqueio de
recurso pra esses municiacutepios soacute que aiacute em vez de resolver o
problema veio trazer mais problema porque gerou um caos
sem os recursos como que os assentados iam trabalhar para
produzir o sustento das suas famiacutelias [] aiacute foi criado um
Programa chamado Arco Verde que era para trabalhar mais a
questatildeo de recuperar parte dos prejuiacutezos causados a natureza
onde cada municiacutepio assumiu uma agenda de compromisso
juntamente com os trecircs entes federal estadual e municipal
todos os segmentos assumiram a sua responsabilidade e o
municiacutepio (ENTREVISTA com Gilmar agricultor familiar e
secretaacuterio municipal de agricultura de Vila Rica-MT realizada
pela autora em marccedilo de 2015)
Segundo informaccedilotildees disponibilizadas pelo Secretaacuterio Municipal de
Agricultura e pelo presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT-
MT vaacuterios municiacutepios do estado de Mato Grosso foram convocados para desenvolver
accedilotildees com o objetivo de combater o alto iacutendice de queimada e desmatamento atraveacutes
do Programa do Governo Federal Arco de Foco No caso do Araguaia os municiacutepios
que foram enquadrados na eacutepoca foram Vila Rica-MT Querecircncia e Satildeo Feacutelix do
Araguaia Esses municiacutepios tiveram suspensos alguns dos recursos do Governo Federal
os quais foram bloqueados entre outras linhas de creacutedito do Pronaf - Programa de
Apoio agrave Agricultura Familiar
160
O secretaacuterio municipal de agricultura do municiacutepio de Vila Rica-MT alertou
em seu relato para a questatildeo das queimadas e do compromisso de desmatamento zero
assumido pelo municiacutepio
[] e o municiacutepio de Vila Rica-MT assumiu a responsabilidade
de desmatamento zero poreacutem dentro dos assentamentos eacute
loacutegico diminuiu 95 mas agente enfrentou e ainda enfrenta
alguns problemas com desmatamento dentro dos
assentamentos mas aiacute jaacute natildeo eacute falta de informaccedilatildeo porque
informaccedilatildeo sempre tem o problema eacute que alguns produtores
acham que por ser uma aacuterea do governo federal ele natildeo seraacute
penalizado punido e multado por ser assentado e por isso
teimam Mas com a questatildeo do CAR e do Geo que o tiacutetulo seraacute
perante o laudo todos teratildeo que recuperar soacute que com esse
novo Coacutedigo Florestal ele amenizou isso bastante os
produtores que tecircm ateacute quatro moacutedulos fiscais satildeo a maioria
aqui na Vila Rica-MT os que tecircm a propriedade muito pequena
natildeo precisam de reservas legais desde que aacuterea jaacute esteja
consolidada jaacute aberta e tudo mais ateacute Julho de 2008 entatildeo
daiacute pra frente quem desmatou vai ser descoberto atraveacutes de
uma imagem sateacutelite eles seraacute identificado entatildeo eacute assim eles
natildeo foram penalizados ainda mas seratildeo (ENTREVISTA com
Gilmar agricultor familiar e secretaacuterio municipal de agricultura
de Vila Rica-MT realizada pela autora em marccedilo de 2015)
Diante do bloqueio dos recursos o Poder Puacuteblico sobretudo o municipal
bem como o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT tiveram que
desenvolver accedilotildees que mobilizassem os assentados para que atuassem no sentido de
erradicar as derrubadas e queimadas em Vila Rica-MT
Como o Programa Arco de Fogo natildeo obteve ecircxito foi criado outro programa
denominado Arco Verde o qual visava a intensificaccedilatildeo dos trabalhos voltados mais
para a questatildeo da recuperaccedilatildeo de parte dos prejuiacutezos causados agrave natureza Cada
municiacutepio assumiu uma agenda de compromisso responsabilizando-se juntamente com
o ente federal e estadual onde iriam atuar para erradicar as praacuteticas de queimadas nas
aacutereas de assentamentos rurais
463 Programa Balde Cheio
Quando o Programa denominado como ldquoBalde Cheiordquo foi implantado em
Mato Grosso houve a alegaccedilatildeo de que ele gerara resultados positivos em 12 Estados do
161
Brasil Este programa resultou de pesquisas desenvolvidas pela Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuaacuteria Embrapa
Em Mato Grosso o projeto foi integrado ao Programa Estadual da Cadeia do
Leite considerando que o objetivo do Estado era aumentar a produccedilatildeo de leite nas aacutereas
de assentamentos rurais
[] Mato Grosso possui 150 mil pequenos proprietaacuterios a
maioria dedicando-se ao leite A meta eacute aumentar a produccedilatildeo
mato-grossense dos atuais 16 milhatildeo de litros diaacuterios para
cinco milhotildees de litros por dia Fernando Lamas ressalta que
esse aumento seraacute alcanccedilado por meio do aumento de
produtividade ldquosem expansatildeo de aacutereas e sem derrubar uma soacute
aacutervorerdquo
[] O trabalho das duas unidades da Embrapa contaraacute com a
parceria do Ministeacuterio da Agricultura Pecuaacuteria e
Abastecimento (Mapa) e do Governo de Mato Grosso que
arcaratildeo com a maior parte dos custos [] (EMBRAPA 2015
p 1)31
Segundo informaccedilotildees disponibilizadas no portal da Secretaria de Estado de
Agricultura de Mato Grosso participaram do processo de execuccedilatildeo do Programa a
Empresa Mato-Grossense de Pesquisa Assistecircncia e Extensatildeo Rural ndash Empaer o
Instituto de Defesa Agropecuaacuteria - Indea as prefeituras e as empresas em sistema de
cooperativa dos municiacutepios que aderiram ao Projeto Balde Cheio
Esse conjunto de teacutecnicas eacute complementado com o uso de
planilhas de controle zooteacutecnico e econocircmico a utilizaccedilatildeo de
um quadro dinacircmico de controle reprodutivo de higiene e de
qualidade do leite a identificaccedilatildeo dos animais a melhoria no
padratildeo geneacutetico do rebanho a anotaccedilatildeo de dados climaacuteticos
(chuva e temperatura maacutexima e miacutenima) e a aplicaccedilatildeo de
praacuteticas associativistas Aleacutem disso o uso de instrumentos de
controle gerencial tais como planilhas de controle e de anaacutelise
de custo de produccedilatildeo e de controle zooteacutecnico tem
possibilitado tornar rentaacutevel a atividade leiteira nas pequenas
propriedades familiares e consequentemente transformaacute-las em
atividade fixadora do homem no campo (EMBRAPA 2015 p
1)
Conforme Borges Guedes Ceacutezareb e Assis (2015 p 1) o Projeto Balde
Cheio serviria como motivaccedilatildeo para os agricultores familiares aumentar a produccedilatildeo de
leite nos assentamentos jaacute que a tecnologia embutida no projeto articulava as teacutecnicas
31 Disponiacutevel em lthttptererecpaoembrapabrportalnoticiasvisualizaphpid=307gt Acesso em
15042015
162
de produccedilatildeo extensivas com a conservaccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da fertilidade do solo a partir
do uso de fertilizantes orgacircnicos e manejo intensivo de pastagens tropicais adubadas
Durante a temporada da seca (veratildeo) as aacutereas de passagens satildeo melhoradas
atraveacutes de irrigaccedilatildeo manejo rotacional e do uso de cana-de-accediluacutecar integrada com ureacuteia
assim como a realizaccedilatildeo de exames de tuberculose no gado
No caso de Vila Rica-MT o Projeto Balde Cheio foi implantado pela a
Secretaria Municipal de Agricultura em parceria com o INCRA a Empaer e de outras
entidades como o Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Rural Senar Serviccedilo Brasileiro
de Apoio agrave Micro e Pequena Empresa (Sebrae) e Serviccedilo Nacional de Aprendizagem
Industrial (Senai) O Senar o Sebrae e o Senai que atuaram ministrando cursos no
processo de formaccedilatildeo dos assentados
Segundo o diagnoacutestico produzido pela a Empaer (2009 p 60)
[] na produccedilatildeo houve uma grade melhoria no gado leiteiro
quantidade e qualidade do leite assim se tornou o ponto forte
do assentamento fazendo a entrega no resfriador dentro do
assentamento que eacute vendido para o uacutenico laticiacutenio do
municiacutepio Essa produccedilatildeo cresceu graccedilas ao efeito do Projeto
Balde Cheio
Os dados do diagnoacutestico revelaram um melhoramento da produtividade e na
qualidade do leite produzido
464 Os Programas de Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional e Teacutecnica do
assentado
Pensar sobre o papel das poliacuteticas puacuteblicas nos assentamentos rurais nos
remete para uma reflexatildeo a respeito do papel da Educaccedilatildeo do Campo uma vez que na
luta pela terra requer tambeacutem a necessidade da escola Natildeo basta apenas que os
agricultores familiares tenham conquistado a terra para morar e produzir Faz-se
indispensaacutevel ter uma escola para que os seus filhos possam estudar sem precisar sair
do campo
Por estar inserida na pauta de lutas dos movimentos sociais que demandam a
Reforma Agraacuteria a Educaccedilatildeo do Campo no Brasil vem cada vez mais ganhando
consistecircncia e visibilidade na agenda das autoridades poliacuteticas acadecircmicas e nos
diversos segmentos do sistema educacional constituindo-se importante enquanto
poliacutetica puacuteblica para fortalecer os assentamentos rurais
163
Segundo Casali (2004) as discussotildees em torno da Educaccedilatildeo do Campo tecircm
sido direcionadas aos problemas de infraestrutura como construccedilatildeo de escolas
transporte escolar formaccedilatildeo de professores entre outras questotildees que tecircm provocado
um intenso debate entre os gestores puacuteblicos e os movimentos sociais vinculados aos
modos de vida no campo
O autor supramencionado afirma que para os movimentos sociais a estrutura
fiacutesica natildeo eacute o uacutenico problema da escola do campo A questatildeo eacute mais complexa quando
levados em consideraccedilatildeo os aspectos poliacuteticos e culturais do ensino e da aprendizagem
escolar bem como as especificidades de vida e os modos de organizaccedilatildeo social e
educacional para a populaccedilatildeo do campo
A primeira Conferecircncia Nacional intitulada ldquoPor Uma Educaccedilatildeo Baacutesica do
Campordquo realizada no periacuteodo de 27 a 31 de julho de 1998 na cidade de Luziacircnia
estado de Goiaacutes foi um marco importante para as lutas sociais do campo sendo que a
partir dela constituiacuteram-se alguns princiacutepios baacutesicos que fundamentaram a luta por
escolas do campo Segundo Caldart (2003 p 60)32
satildeo trecircs princiacutepios
[] 1 O campo no Brasil estaacute em movimento Haacute tensotildees lutas
sociais organizaccedilotildees e movimentos de trabalhadores e
trabalhadoras da terra que estatildeo mudando o jeito da sociedade
olhar para o campo e seus sujeitos
2 A Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo estaacute sendo produzida neste
movimento nesta dinacircmica social que eacute tambeacutem um
movimento sociocultural de humanizaccedilatildeo das pessoas que dele
participam
3 Existe uma nova praacutetica de Escola que estaacute sendo gestada
neste movimento Nossa sensibilidade de educadores jaacute nos
permitiu perceber que existe algo diferente e que pode ser uma
alternativa em nosso horizonte de trabalhador da educaccedilatildeo de
ser humano
Assim agrave luz dessa concepccedilatildeo pode-se dizer que a emergecircncia assinalada para
a complexidade da Educaccedilatildeo Campo perpassa pela construccedilatildeo de um projeto poliacutetico-
pedagoacutegico que contemple as matrizes culturais sociais e histoacutericas das populaccedilotildees do
campo
Nessa mesma perspectiva compreendemos a dimensatildeo do papel e significado
que os agricultores familiares atribuem agrave Educaccedilatildeo do Campo para o fortalecimento dos
32 Disponiacutevel em lthttpwwwiaufrrjbrppgeaconteudoconteudo-2009-1Educacao-
II3SFA_ESCOLA_DO_CAMPO_EM_MOVIMENTOpdf gt Acesso em 10052015
164
assentamentos rurais de Vila Rica-MT o que pode ser ilustrado a partir da trajetoacuteria de
vida do senhor Ademar que eacute filho de um dos primeiros colonos que migraram para
Vila Rica-MT na deacutecada de 1980 em busca de melhores condiccedilotildees hoje professor
efetivo pela Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo de Vila Rica-MT
[] Olha eacute muito incriacutevel Eu nasci na roccedila estudei na roccedila
me formei morando na roccedila (porque eu jaacute sou formado como
pedagogo) Estudei Pedagogia em moacutedulo nunca precisei
mudar da roccedila e nem tive vontade tipo assim pra ir para uma
faculdade estudar de tempo integral na cidade porque o meu
projeto de vida foi sempre morar na roccedila Hoje faccedilo poacutes-
graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo do Campo E desde quando comecei
na escolinha multisseriada eu jaacute lutava por educaccedilatildeo na roccedila
Fiz parte da nucleaccedilatildeo do processo de nucleaccedilatildeo de escola no
Aracati na eacutepoca Ajudei alavancar a discussatildeo e a criaccedilatildeo
das turmas de 5ordf seacuterie na zona rural de Vila Rica-MT porque a
gente natildeo tinha oferta pois atendiacuteamos ateacute a quarta seacuterie e
como percebemos que chegavam muitos alunos em niacutevel de
estudar a 5ordf e a 6 ordf seacuterie (ENTREVISTA com Ademar
professor e agricultor familiar do assentamento Satildeo Joseacute Vila
Rica-MT 2015 realizada pela autora em setembro de 2015)
Talvez diferentemente de outros relatos de professores das escolas do
campo Ademar nos revela uma trajetoacuteria de vida marcada pelo ideal de estudar e de se
formar sem precisar sair do campo Ele faz do ideal de vida a constante luta pela
permanecircncia no campo luta por escola e pela ampliaccedilatildeo dos estudos de outros
assentados
Ele nos leva a uma reflexatildeo sobre a Educaccedilatildeo do Campo constituiacuteda a
partir da leitura do refratildeo da muacutesica do cantor e compositor Gilvan ldquoNatildeo Vou Sair do
Campordquo a qual se parece como uma bandeira de luta do Movimento Nacional por uma
Educaccedilatildeo do Campo como ldquo[] natildeo vou sair do campo pra poder ir para a escola
Educaccedilatildeo do Campo eacute direito e natildeo esmolardquo
Ao relembrar a sua trajetoacuteria como professor Ademar nos mostra que a
concepccedilatildeo e a funccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo satildeo construccedilotildees socioculturais Quando
faz uma reavaliaccedilatildeo das accedilotildees dos professores pais alunos e gestores na conduccedilatildeo das
poliacuteticas puacuteblicas ele reconhece que o processo de nucleaccedilatildeo das ldquoescolinhasrdquo pouco
contribuiu para a melhoria da educaccedilatildeo no municiacutepio e tampouco para fortalecer os
assentamentos rurais de Vila Rica-MT Nesse sentido prossegue
165
A partir daiacute comeccedilou em todo o municiacutepio exemplo Cachangaacute
e nos assentamentos Soacute que a partir daiacute a gente comeccedilou a
observar os efeitos da nucleaccedilatildeo Vimos que depois que fecha a
escolinha que fica perto das propriedades ou seja aquela
comunidade fica entristecida e desaminada para continuar
morando no assentamento Aos poucos vai se acabando o
viacutenculo de comunidade e eacute assim que comeccedila o ecircxodo rural
Aqui em Vila Rica-MT a gente sentiu isso a partir da hora que
fechou as escolinhas foi como se saiacutessemos acabando as
comunidades e se comunidade acaba o povo do assentamento
vai se distanciando uns dos outros Pela situaccedilatildeo que vivemos
tenho observado que a escola eacute o espaccedilo de encontro da
comunidade natildeo eacute soacute o espaccedilo de ensinar e aprender os
conteuacutedos escolares a funccedilatildeo eacute para aleacutem disso Voltando agrave
questatildeo da nucleaccedilatildeo lembro que quando sai do assentamento
a escola de laacute tinha uns 150 alunos o Aracati fechou a sua
uacutenica escola e com o tempo possa ser que suma a comunidade
de laacute tambeacutem jaacute que hoje tecircm tatildeo poucas famiacutelias de fato
morando laacute em vista do que era antes Jaacute pensou como
imaginar um assentamento sem uma escola (ENTREVISTA
com Ademar professor e agricultor familiar do assentamento
Satildeo Joseacute Vila Rica-MT 2015 realizada pela autora em
setembro de 2015)
Com base no relato do professor Ademar eacute possiacutevel identificar de maneira
viva como a escola eacute importante para o assentamento rural uma vez que ela tambeacutem se
constitui enquanto espaccedilo de encontro dos agricultores familiares ocasiatildeo em que
dialogam compartilham se organizam e praticam a socializaccedilatildeo de forma mais intensa
Logo quando o professor fala que ldquonatildeo eacute soacute o espaccedilo de ensinar e aprenderrdquo
percebemos as muacuteltiplas funccedilotildees desse espaccedilo chamado Escola do Campo
Diante disso o fechamento de uma escola dentro do assentamento rural tem
significados negativos uma vez que envolve a privaccedilatildeo de oportunidades e qualidade de
vida dos alunos e pais que dependem do transporte escolar para se deslocarem para uma
escola distante Aleacutem disso significa o fechamento de um posto de trabalho do
professor que seraacute igualmente removido Significa ainda desmotivaccedilatildeo para a
comunidade do assentamento rural ao ver perdido um espaccedilo de socializaccedilatildeo e uma
instituiccedilatildeo que representa oportunidade de melhoria de vida para seus moradores
No Brasil historicamente as nucleaccedilotildees das escolinhas satildeo realizadas pelos
gestores da educaccedilatildeo sem levar em conta os interesses e ideais dos pais e dos alunos
sob o discurso que vai melhorar a qualidade do ensino eliminando as turmas muacuteltiplas
(seacuteries fases anos e ciclo)
166
Essa situaccedilatildeo mostra a perda do sentimento de pertencimento entre a escola e
a comunidade distanciando os pais das accedilotildees escolares sem falar da falta de motivaccedilatildeo
por parte dos alunos para com os estudos jaacute que a escola distante das casas aumenta o
percurso para os estudantes
Do relato do professor Ademar destacamos que os sujeitos histoacutericos do
campo exercem um papel importante na conduccedilatildeo das Poliacuteticas Puacuteblicas voltadas agraves
necessidade das populaccedilotildees dos assentamentos rurais A luta eacute permanente pela
universalizaccedilatildeo da educaccedilatildeo como argumenta o mesmo entrevistado
Eu defendo que a escola que serve para os Agricultores
Familiares eacute aquela que fica dentro do assentamento Acredito
que um projeto de assentamento forte eacute aquele que tem uma
escola pensada e construiacuteda em conjunto com aquele povo que
vive ali Agraves vezes fico bastante incomodado com a conduccedilatildeo
que se tem dado para a Educaccedilatildeo do Campo Eacute como se as
poliacuteticas natildeo estivessem sendo executadas no sentido de
melhorar o ensino e a formaccedilatildeo dos jovens no campo Penso
que a gente precisa se preocupar mais com o futuro dos jovens
que vivem nos assentamento A escola e noacutes professores
precisamos trabalhar essas questotildees de forma que surta um
efeito positivo no sentido de motivar os jovens a continuar
morando nos assentamentos Para isso precisamos avanccedilar em
algumas poliacuteticas Vejo que deveremos ser mais incisivos para
que o Estado faccedila a oferta do Meacutedio Teacutecnico integrado e que
essa oferta seja a partir de um curriacuteculo voltado para as
necessidade e particularidades das pessoas que dependem dos
assentamentos rurais como meio de sobrevivecircncia e geraccedilatildeo de
renda (ENTREVISTA com Ademar professor e agricultor
familiar do assentamento Satildeo Joseacute Vila Rica-MT 2015
realizada pela autora em setembro de 2015)
O relato do professor Ademar tambeacutem chama atenccedilatildeo pelo desabafo quanto agrave
forma como estaacute sendo realizada a Educaccedilatildeo do Campo em Vila Rica-MT ldquo[] eacute como
se as poliacuteticas natildeo estivessem sendo executadas no sentido de melhorar o ensino e a
formaccedilatildeo dos jovens no campo Penso que a gente precisa se preocupar mais com o
futuro dos jovens que vivem nos assentamentos []rdquo (ENTREVISTA com Ademar
professor e agricultor familiar do assentamento Satildeo Joseacute Vila Rica-MT 2015 realizada
pela autora em setembro de 2015)
A educaccedilatildeo por si soacute natildeo assegura a permanecircncia dos agricultores familiares
na terra poreacutem quando integrada ao projeto de desenvolvimento do assentamento
tornaraacute o seu fortalecimento possiacutevel
167
Os projetos pedagoacutegicos das escolas do campo devem contemplar as matrizes
culturais do homem do campo considerando a construccedilatildeo a partir da memoacuteria coletiva e
da histoacuterica da comunidade dada por meio da oralidade buscando assim reconstruir e
conservar a cultura da populaccedilatildeo que vive no campo de forma a fazer uma educaccedilatildeo em
prol da cidadania O relato de Ademar traz ainda os princiacutepios que o curriacuteculo da escola
do campo deveria seguir
O curriacuteculo deve contemplar questotildees como agroecologia a
pecuaacuteria de leite a produccedilatildeo orgacircnica Precisamos formar
uma nova consciecircncia entre os jovens visando que estes
passem a enxergar o potencial da Agricultura Familiar Eu sei
disso e penso que vocecirc tambeacutem ateacute porque existem pesquisas
que jaacute comprovaram isso que eu estou lhe falando Eacute o campo
quem sustenta a cidade e natildeo o contraacuterio Se houver falta de
produccedilatildeo nos assentamentos rurais aqui em Vila Rica-MT logo
a cidade sofreraacute um impacto imediatamente As poliacuteticas
puacuteblicas existentes para a populaccedilatildeo rural devem ser de fato
destinadas agrave melhoria das condiccedilotildees de vida eacute para promover
qualidade de vida das pessoas que estatildeo no campo
(ENTREVISTA com Ademar professor e agricultor familiar do
assentamento Satildeo Joseacute Vila Rica-MT 2015 realizada pela
autora em setembro de 2015)
Nessa perspectiva educativa apresentada pelo professor Ademar afirmamos
que eacute um dos principais desafios para a Educaccedilatildeo do Campo consolidar concepccedilotildees e
praacuteticas nos curriacuteculos que integrem as matrizes culturais das populaccedilotildees do campo
O desafio natildeo estaacute restrito apenas agrave parte obrigatoacuteria da Educaccedilatildeo Baacutesica
mas tambeacutem as etapas do Ensino Meacutedio assim como Superior
465 Programa Nacional de Sauacutede no Campo
No Brasil os Programas de Sauacutede Puacuteblica direcionados para a populaccedilatildeo
rural satildeo decorrentes das reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais do campo No entanto
quando se debruccedila sobre a literatura nos deparamos com a escassez de pesquisas
voltadas para essa questatildeo sobretudo no que se refere agrave sauacutede nos assentamentos rurais
O foco da pesquisa natildeo eacute a poliacutetica puacuteblica de sauacutede em si mas os efeitos
dela na melhoria da qualidade de vida dos agricultores familiares A Sauacutede Puacuteblica eacute um
dos componentes da bandeira de luta dos movimentos sociais do campo assegurando
que a mesma seja constituiacuteda a partir das especificidades que envolvem os modos e
168
concepccedilotildees do povo do campo A poliacutetica de sauacutede deve levar em consideraccedilatildeo os
saberes tradicionais destes sujeitos histoacutericos Este eacute o caso dos que recorrem
constantemente ao uso de plantas medicinais no tratamento de doenccedilas
A partir da Portaria de nordm 2866 de dezembro de 2011 o Ministeacuterio da Sauacutede
(MS) teve como principal funccedilatildeo estabelecer paracircmetros de funcionamento e regulaccedilatildeo
dos serviccedilos de sauacutede para a populaccedilatildeo do campo partindo dos princiacutepios do Sistema
Uacutenico de Sauacutede (SUS) A Poliacutetica Nacional de Sauacutede Integral das Populaccedilotildees do
Campo e da Floresta (PNSIPCF) define que
[] O MINISTRO DE ESTADO DA SAUacuteDE no uso da
atribuiccedilatildeo que lhe confere o inciso II do paraacutegrafo uacutenico do art
87 da Constituiccedilatildeo considerando os princiacutepios do Sistema
Uacutenico de Sauacutede (SUS) especialmente a equidade a
integralidade e a transversalidade e o dever de atendimento das
necessidades e demandas em sauacutede das populaccedilotildees do campo e
da floresta Considerando o Decreto nordm 7508 de 28 de junho de
2011 que regulamenta a Lei nordm 8080 de 19de setembro de
1990 e dispotildee sobre a organizaccedilatildeo do SUS o planejamento da
sauacutede a assistecircncia agrave sauacutede e a articulaccedilatildeo Interfederativa
especialmente o disposto no art 13 que assegura ao usuaacuterio o
acesso universal igualitaacuterio e ordenado agraves accedilotildees e serviccedilos de
sauacutede do SUS Considerando a Portaria GMMS nordm 2460 de 12
de dezembro de 2005 que instituiu o Grupo da Terra no
Ministeacuterio da Sauacutede com o objetivo de elaborar a Poliacutetica
Nacional de Sauacutede Integral das Populaccedilotildees do Campo e da
Floresta aprovada pelo Conselho Nacional de Sauacutede em 1ordm de
agosto de 2008 Considerando a diretriz do Governo Federal de
reduzir as iniquidades por meio da execuccedilatildeo de poliacuteticas de
inclusatildeo social (MS 2013 p 19)
Nos trechos do texto-base da Poliacutetica Nacional de Sauacutede Integral das
Populaccedilotildees do Campo e da Floresta proposto pelo Ministeacuterio da Sauacutede (2013 p 20)
seu principal objetivo eacute o de promover a sauacutede das populaccedilotildees do campo e da floresta a
partir de accedilotildees que partilhem as particularidades no que se refere a gecircnero cor etnia e
orientaccedilatildeo sexual de forma que facilite o acesso aos serviccedilos de sauacutede E com isso
espera-se que seja diminuiacutedo o iacutendice de ldquo[] riscos e agravos agrave sauacutede decorrente dos
processos de trabalho e das tecnologias agriacutecolas e a melhoria dos indicadores e da
qualidade de vidardquo (BRASIL 2013)
O Ministeacuterio da Sauacutede (2013 p 20) definiu os agricultores familiares
enquanto categoria social como uma populaccedilatildeo que vive no campo e se organiza a
partir dos seguintes princiacutepios
169
[] - (a) natildeo deter a qualquer tiacutetulo aacuterea maior do que 4
(quatro) moacutedulos fiscais b) utilizar predominantemente matildeo-
de-obra da proacutepria famiacutelia nas atividades econocircmicas do seu
estabelecimento ou empreendimento c) ter renda familiar
predominantemente originada de atividades econocircmicas
vinculadas ao proacuteprio estabelecimento ou empreendimento)
dirigir seu estabelecimento ou empreendimento com sua
famiacutelia sendo que incluem-se nesta categoria silvicultores
aquicultores extrativistas e pescadores que preencham os
requisitos previstos nos itens b c e d deste inciso
Nota-se que esse Ministeacuterio recorreu agrave definiccedilatildeo de agricultores familiares
instituiacuteda nas diretrizes nacionais do Pronaf em que essa categoria eacute constituiacuteda a partir
de criteacuterios econocircmicos e da dinacircmica de relaccedilotildees de trabalho e do modo de produccedilatildeo
466 Habitaccedilatildeo
Segundo o Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio (2015) o Programa
Nacional de Habitaccedilatildeo Rural (PNHR) consiste em auxiliar os Agricultores Familiares e
trabalhadores rurais na construccedilatildeo de suas casas Inserido dentro do Programa Nacional
de Habitaccedilatildeo (Minha Casa Minha Vida) eacute financiado pelo Orccedilamento Geral da Uniatildeo ndash
OGU As suas accedilotildees devem ser planejadas e executadas As diretrizes e subsiacutedios dos
demais programas do Governo Federal satildeo destinados ao combate agrave pobreza rural
Sobretudo o Programa Cisternas que tem como objetivo a construccedilatildeo de cisternas nas
propriedades rurais as quais satildeo utilizadas para a captaccedilatildeo e armazenamento de aacutegua
oriunda das chuvas
O recurso do PNHR tem como principal finalidade a ldquo[] aquisiccedilatildeo de
Material de construccedilatildeo conclusatildeo ou reformaampliaccedilatildeo de Unidade Habitacional rural
e de cisternas para a captaccedilatildeo e armazenamento da aacutegua da chuva []rdquo (BRASIL 2010
p05) em que o alvo satildeo as regiotildees onde as chuvas ocorrem com certa irregularidade e
as secas satildeo recorrentes
Em nota divulgada pela Confederaccedilatildeo Nacional dos trabalhadores na
Agricultura ndash CONTAG e outros movimentos sociais como o Movimento dos
Pequenos Agricultores ndash MPA Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra ndash
MST Movimento dos Atingidos por Barragens ndash MAB Movimento Camponecircs Popular
ndash MCP Federaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar
170
do Brasil ndash Fetraf ndash (BRASIL 2015 p 1)33
asseguram que o Programa Nacional de
Habitaccedilatildeo Rural criado em 2009 eacute resultado da luta dos movimentos do campo em
que o propoacutesito da nota eacute afirmar que
A preservaccedilatildeo deste Programa passa pelo diaacutelogo estabelecido
no interior do GT Rural com todos os sujeitos envolvidos
Governo Agentes Financeiros e Entidades Organizadoras dos
movimentos representativos do campo e eacute confiando nesse
diaacutelogo que repudiamos o que foi evidenciado pelo INCRA na
uacuteltima reuniatildeo do GT Rural no dia 28 de novembro onde foi
explicitada a intenccedilatildeo de repassar (a partir de janeiro de 2014)
mediante Chamada Puacuteblica a possibilidade de entidades
puacuteblicas e privadas executarem o PNHRA maior parte das
casas de alvenaria foi feita com recursos financiados pelo
INCRA atraveacutes do creacutedito habitaccedilatildeo liberado O recurso
liberado do creacutedito habitaccedilatildeo natildeo foi suficiente para realizar a
construccedilatildeo das casas por completo e com acabamento
necessaacuterio Desta forma algumas casas ficaram inacabadas
necessitando de reboco pintura piso e sanitaacuterio
Para os movimentos do campo eacute necessaacuterio que a equipe de Governo as
Agecircncias de Financiamentos e as entidades de representaccedilatildeo dos Movimentos sociais
mantenham um diaacutelogo permanente entre as partes envolvidas no processo para que se
tenha um resultado satisfatoacuterio na execuccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas para os sujeitos
sociais do campo
Justamente por isso existe uma tentativa de evitar que a construccedilatildeo das casas
destinadas agrave populaccedilatildeo do campo seja bdquoprivatizada‟ ou seja concentrada nas matildeos de
uma soacute entidade seja ela puacuteblica ou privada o que tem se mostrado ldquototalmente
repudiadordquo como possibilidade
Apesar disso eacute notaacutevel o quanto essas poliacuteticas puacuteblicas produziram novos
impactos influenciando diretamente no desenvolvimento dos assentamentos rurais de
Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati fornecendo-lhes melhores condiccedilotildees de vida no
que se refere ao acesso agrave sauacutede educaccedilatildeo moradia e infraestrutura
Todavia percebemos que natildeo haacute uma articulaccedilatildeo entre a organizaccedilatildeo e a
construccedilatildeo de um planejamento estrateacutegico baacutesico para implementar poliacuteticas puacuteblicas
33 Disponiacutevel em
lthttpwwwfetraforgbrsistemackfilesPauta20unitaria20HABITACAO20RURALgt
Acesso em 28102015
171
que pudessem ser implementadas em uma accedilatildeo integrada e envolvendo os diferentes
agentes sociais e assim resolver as supostas fragilidades
Natildeo apreendemos indicativos na reflexatildeo dessas poliacuteticas que conduzem para
a melhoria das condiccedilotildees de produccedilatildeo e possibilidades de comercializaccedilatildeo e circulaccedilatildeo
dos produtos da Agricultura Familiar apontados no capiacutetulo trecircs como um dos
principais desafios dos assentamentos rurais pesquisados
Contudo natildeo se pode perder de vista que satildeo as dificuldades vivenciadas
nesses assentamentos que fazem com que os assentados recorram cada vez mais agrave venda
da forccedila de trabalho nas fazendas ou nos demais setores primaacuterios distanciando-se da
condiccedilatildeo de produtores da Agricultura Familiar e tornando-se compradores de produtos
baacutesicos da alimentaccedilatildeo como arroz feijatildeo mandioca e carnes de aves e porcos
172
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Os estudos e as poliacuteticas relacionadas agrave Agricultura Familiar no Brasil
segundo Abramovay (2006) devem levar em consideraccedilatildeo que esta eacute constituiacuteda a
partir de trecircs niacuteveis distintos em primeiro lugar eacute necessaacuterio fazer um levantamento das
produccedilotildees cientiacuteficas e pesquisas que envolvem a ldquoexpectativa intelectualrdquo os quais natildeo
podem perder de vista a existecircncia de uma grande diversidade nas formas de produccedilatildeo
da Agricultura Familiar brasileira Haacute uma demanda de questotildees a serem analisadas e
um mapeamento a ser elaborado frente agrave vasta literatura e pesquisas realizadas sobre a
diversidade do universo da Agricultura Familiar considerando as diferentes
experiecircncias dos sujeitos histoacutericos que a vivenciam Somente a partir dessa postura
intelectual seraacute possiacutevel estabelecer uma estimativa da potencialidade econocircmica dos
assentamentos rurais do Brasil
O segundo niacutevel ao qual se refere Abramovay (2006) seria a implantaccedilatildeo
das poliacuteticas puacuteblicas que se intensificaram a partir da criaccedilatildeo do Pronaf inter-
relacionadas com outras poliacuteticas puacuteblicas e programas sociais que contribuiacuteram para a
eficiecircncia dos assentamentos rurais nesse novo modelo de organizaccedilatildeo social no campo
A partir da deacutecada de 1990 as accedilotildees foram intensificadas com a criaccedilatildeo dos projetos de
assentamentos rurais resultantes do Programa de Reforma Agraacuteria do Governo Federal
Natildeo se pode negar que tanto estas como um conjunto de outras poliacuteticas
tiveram um papel fundamental no processo de geraccedilatildeo de diferentes demandas
Surgiram novas oportunidades de reocupaccedilatildeo das terras e de invenccedilatildeo de novas praacuteticas
para milhares de famiacutelias que estavam totalmente desprovidas de capital e dos meios de
produccedilatildeo para garantir a sua reproduccedilatildeo social enquanto agricultores familiares
Outra questatildeo tratada pelo autor estaacute relacionada ao plano social A
Agricultura Familiar no Brasil corresponde ao processo contiacutenuo de aptidatildeo de
elementos que arrastam os ldquoarranjosrdquo dos movimentos sociais e sindicais que tecircm como
princiacutepio de organizaccedilatildeo a luta pela posse da terra visando a afirmaccedilatildeo em que a
ascensatildeo e o desenvolvimento econocircmico de um determinado territoacuterio dar-se-aacute
somente por meio do fortalecimento e da consolidaccedilatildeo da Agricultura Familiar
Tais questotildees demonstram a importacircncia das poliacuteticas puacuteblicas para a
manutenccedilatildeo a reproduccedilatildeo social e o fortalecimento da Agricultura Familiar destacando
173
que essa forma de produccedilatildeo eacute fundamental para o desenvolvimento regional sobretudo
para o fornecimento de alimentos
A eliminaccedilatildeo da Agricultura Familiar eacute uma preocupaccedilatildeo recorrente entre os
teoacutericos da Questatildeo Agraacuteria Ao analisar o processo de expansatildeo da soja em Mato
Grosso Barrozo (2010 p 45) considera que apesar do Estado se destacar como o
celeiro do Brasil sobretudo na produccedilatildeo e exportaccedilatildeo de gratildeos e algodatildeo ldquo[] para
onde iratildeo os milhares de Agricultores Familiares sem capital sem escolarizaccedilatildeo e sem
qualificaccedilatildeo teacutecnicaprofissional que ainda permanecem no campordquo
Algumas reflexotildees e concepccedilotildees apresentadas por Barrozo (2010) e
Abramovay (2006) subsidiaram as anaacutelises relativas agrave compreensatildeo dos problemas que
perpassam a Questatildeo Agraacuteria atual no Brasil e especificamente nos assentamentos
rurais de Vila Rica-MT e dos seus agricultores familiares Diante desse cenaacuterio analisar
as Poliacuteticas Puacuteblicas oriundas de demandas dos movimentos sociais Sindicatos dos
Trabalhadores Rurais e diferentes agentes histoacutericos tornou-se fundamental para
compreender o universo da Agricultura Familiar no municiacutepio de Vila Rica-MT nas
deacutecadas de 1990 a 2010
Esta pesquisa ajudou-nos compreender que os estudos sobre os assentamentos
rurais devem ser problematizados no sentido de se pensar a complexidade do processo
de sua criaccedilatildeo uma vez que eles natildeo foram instituiacutedos apenas enquanto um ato
administrativo do INCRA criando o assentamento rural e selecionando as famiacutelias que
seriam beneficiadas Os assentamentos rurais de Vila Rica-MT resultaram dos conflitos
e demandas sociais envolvendo diferentes atores histoacutericos que lutaram pelo direito de
acesso agrave terra Dos oito assentamentos rurais de Vila Rica apenas um foi planejado
pelo INCRA Todos os demais resultaram da reocupaccedilatildeo espontacircnea da terra pelos
posseiros
Outra questatildeo que nos chamou atenccedilatildeo na pesquisa foi o processo de
transformaccedilatildeo da situaccedilatildeo de posseiros para a de agricultores familiares lembrando que
agricultor familiar eacute uma categoria social instituiacuteda a partir da criaccedilatildeo do Programa de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) Considera-se agricultores familiares as
famiacutelias que trabalham em atividades rurais que natildeo possuem aacutereas acima de que 4
(quatro) moacutedulos fiscais A maioria utiliza matildeo de obra da proacutepria famiacutelia na produccedilatildeo
174
econocircmica do lote detendo um percentual da renda familiar originada de atividades
econocircmicas do seu estabelecimento ou empreendimento (INCRA 2006)
No caso de Vila Rica vaacuterios dos colonos que compraram terra da
Colonizadora Vila Rica-MT sofreram uma transformaccedilatildeo significativa alguns perderam
essa terra e se tornaram posseiros ao ocupar uma nova aacuterea Muitos colonos perderam a
terra porque natildeo conseguiram pagar a diacutevida com o Banco do Brasil contraiacuteda para
financiar a compra dos lotes e instrumentos utilizados nas atividades agriacutecolas A perda
da terra obrigou tais colonos a trabalhar como assalariados sendo que parte deles
ocupou terras na aacuterea dos assentamentos rurais Bom Jesus e Santo Antocircnio do Beleza
regularizada posteriormente pelo INCRA e seus ocupantes se tornaram agricultores
familiares sobretudo ao acessar o Pronaf
Consideramos importante destacar que os assentamentos rurais do municiacutepio
de Vila Rica-MT revelam-se produtivos e promissores do desenvolvimento regional
assumindo um lugar de destaque na economia local sobretudo no que se refere agrave
produccedilatildeo de leite
No mais destaca-se que os assentamentos rurais de Vila Rica e do Araguaia
Mato-grossense satildeo espaccedilos carentes de outras pesquisas e reflexotildees sobre a
importacircncia da Agricultura Familiar no que diz respeito agrave seguranccedila alimentar da aacuterea e
que natildeo foi foco da presente pesquisa
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