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ALINE DIAS PAIVA
PRODUÇÃO DE ANTICORPOS POLICLONAIS PARA DETECÇÃO DE
BOVICINA HC5 POR ENSAIOS IMUNOENZIMÁTICOS
Dissertação apresentada à Universidade Federal de Viçosa, como parte das exigências do Programa de Pós-Graduação em Microbiologia Agrícola, para obtenção do título de Magister Scientiae.
VIÇOSA MINAS GERAIS – BRASIL
2007
ALINE DIAS PAIVA
PRODUÇÃO DE ANTICORPOS POLICLONAIS PARA DETECÇÃO DE
BOVICINA HC5 POR ENSAIOS IMUNOENZIMÁTICOS
Dissertação apresentada à Universidade Federal de Viçosa, como parte das exigências do Programa de Pós-Graduação em Microbiologia Agrícola, para obtenção do título de Magister Scientiae.
Aprovada: 28 de junho de 2007
_______________________________ _________________________________
Prof. Sérgio Oliveira de Paula Profª. Maria Cristina Baracat Pereira Co-orientador Co-orientadora
________________________________ ________________________________
Profª. Célia Alencar de Moraes Profª. Flávia Maria Lopes Passos
________________________________
Prof. Hilário Cuquetto Mantovani Orientador
AGRADECIMENTOS
À CAPES, pela concessão da bolsa.
À Universidade Federal de Viçosa, pela oportunidade de vivenciar o ensino, a
pesquisa e a extensão.
Ao Departamento de Microbiologia, pela possibilidade de participação no
Programa de Pós-Graduação em Microbiologia Agrícola.
Ao Professor Hilário Cuquetto Mantovani, pela orientação, dedicação,
incentivo, pelos ensinamentos e por confiar em mim e em meu trabalho.
Ao Professor Sérgio Oliveira de Paula, pela co-orientação, disponibilidade e
amizade, essenciais na conclusão desse trabalho.
À Professora Maria Cristina Baracat Pereira, pela co-orientação e pelo
carinho.
Às Professoras Célia Alencar de Moraes e Flávia Maria Lopes Passos pela
participação na banca de defesa e pelas sugestões.
A todos os professores, por contribuírem para meu crescimento intelectual e
pessoal.
Ao Professor José Mário da Silveira Mezêncio, pela orientação durante a
graduação, incentivo e pelos primeiros ensinamentos na área de Imunologia.
Ao Jorge, técnico do Laboratório de Imunologia, pela ajuda com a
imunização dos animais.
Aos estudantes de Pós-Graduação em Microbiologia Agrícola pela boa
convivência e pela amizade.
ii
Às meninas da República e aos amigos de Viçosa, pela torcida e momentos
de descontração.
Aos novos amigos, Agenor, Meire e Camila, pelos conselhos, paciência e
pelo enorme auxílio na realização desse trabalho.
A todos os queridos amigos do Laboratório de Microbiologia de Anaeróbios,
em especial Ana Andréa, Claudinha, Fernanda, Isabela, Janaína, José Carlos e
Marcelinho, pela amizade, risadas compartilhadas e ajuda na realização dos
experimentos finais.
Aos amigos dos laboratórios de Microbiologia de Alimentos, Patógenos
Alimentares, Fisiologia de Microrganismos e Proteômica por tornarem a convivência
tão agradável.
À grande amiga Ana Karina, pela cumplicidade e pela presença em todos os
momentos ao longo desses dois anos de Mestrado.
Ao Filipe, pelo companheirismo, carinho e por tornar mais feliz meu último
semestre.
Aos meus pais, Odília e Hélio, pelo amor incondicional, incentivo e por
sempre me apoiarem em minhas decisões.
E especialmente a Deus, que se faz presente em todos os momentos de minha
vida, transformando todas as fraquezas em força, agradeço por tudo que fui, pelo que
sou e pelo que ainda serei.
iii
BIOGRAFIA
ALINE DIAS PAIVA, filha de Hélio de Assis Paiva e Odília Dias Paiva,
nasceu em 08 de Junho de 1983, em Juiz de Fora - Minas Gerais.
Iniciou o curso de Nutrição, na Universidade Federal de Viçosa, em Março de
2001, pelo qual graduou-se Nutricionista em Julho de 2005.
Em Agosto de 2005 ingressou no curso de Mestrado em Microbiologia
Agrícola, na Universidade Federal de Viçosa, defendendo a dissertação em Junho de
2007.
iv
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS vii
LISTA DE TABELAS x
RESUMO xi
ABSTRACT xiii
1. INTRODUÇÃO 1
2. REVISÃO DE LITERATURA 3
2.1 Bacteriocinas 3
2.1.1 Caracterização e classificação 3
2.1.2 Síntese e transporte 7
2.1.3 Imunidade 8
2.1.4 Mecanismo de ação 9
2.1.5 Aplicação industrial de bacteriocinas 10
2.1.6 Bovicina HC5 12
2.2 Detecção de bacteriocinas 14
2.3 Imunidade e Resposta Imunológica 17
2.3.1 Tipos de imunidade 18
2.3.2 Resposta imune primária e secundária 19
2.3.3 Antígenos 20
v
2.3.4 Resposta imune a antígenos protéicos extracelulares 21
2.3.5 Anticorpos 23
2.3.5.1 Reações antígeno-anticorpo 26
2.3.5.2 Anticorpos policlonais e monoclonais 28
3. MATERIAIS E MÉTODOS 33
3.1 Microrganismos e condições de cultivo 33
3.2 Extração e determinação da atividade de bovicina HC5 34
3.3 Atividade inibitória de sobrenadantes de culturas lácticas
bacteriocinogênicas
34
3.4 Purificação de bovicina HC5 35
3.5 Produção de anticorpos policlonais 36
3.6 Determinação do título de anticorpos policlonais anti-bovicina
HC5
38
3.7 Análise da especificidade dos anticorpos 39
3.8 Análise da capacidade de neutralização da atividade inibitória de
bovicina HC5 pelos anticorpos policlonais
40
3.9 Monitoramento da produção e quantificação de bovicina HC5 40
3.10 Efeito citotóxico 41
4. RESULTADOS 43
4.1 Purificação de bovicina HC5 43
4.2 Titulação dos anticorpos policlonais anti-bovicina HC5 47
4.3 Especificidade dos anticorpos policlonais anti-bovicina HC5 50
4.4 Neutralização da atividade antimicrobiana de bovicina HC5 por
anticorpo policlonal anti-bovicina HC5
54
4.5 Produção e quantificação de bovicina HC5 em meio basal 56
4.6 Efeito citotóxico de bovicina HC5 sobre células Vero 62
5. DISCUSSÃO 67
6. CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS 76
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 78
vi
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Perfil cromatográfico do extrato de bovicina HC5 estocado
sob refrigeração por 4 semanas. 44
Figura 2. Perfil cromatográfico otimizado de purificação do extrato
de bovicina HC5. 44
Figura 3. Sobreposição dos perfis cromatográficos após otimização
do processo de purificação de extratos de bovicina HC5. 45
Figura 4. Separação de amostras de bovicina HC5 purificada e
extrato bruto liofilizado em SDS-Tricina-PAGE, 16,5 % de
acrilamida. Bioensaios com bovicina HC5 e SDS-Tricina-
PAGE. 47
Figura 5. Titulação, por ELISA indireta, do soro pré-imune dos
coelhos utilizados para a produção de anticorpos
policlonais anti-bovicina HC5. 48
Figura 6. Titulação, por ELISA indireta, dos antissoros coletados
após 10, 20 e 30 dias da primeira imunização. 49
vii
Figura 7. Titulação, por ELISA indireta, dos antissoros anti-bovicina
HC5 produzidos em coelhos New Zealand e coletados ao
final dos procedimentos de imunização.
50
Figura 8. Análise da especificidade dos anticorpos policlonais anti-
bovicina HC5, por Western blotting. 52
Figura 9. Análise da especificidade dos anticorpos policlonais anti-
bovicina HC5, por ELISA indireta. 53
Figura 10. Neutralização da atividade de bovicina HC5 pelos
anticorpos policlonais anti-bovicina HC5 produzidos em
coelho New Zealand. 55
Figura 11. Efeito da neutralização da atividade de bovicina HC5
diluída 1:256 pelos anticorpos policlonais anti-bovicina
HC5 produzidos em coelho. 56
Figura 12. Crescimento de S. bovis HC5 (A) e S. bovis JB1 (B) em
meio basal contendo glicose (16 g L-1) como fonte de
carbono e energia. 57
Figura 13. Atividade de bovicina HC5 no extrato e no sobrenadante
da cultura de S. bovis HC5 incubada por 24 h em meio
basal a 39 ºC, expressa em UA/mL, medida pelo método
de difusão em ágar (A) e por ELISA indireta, utilizando
anticorpos policlonais anti-bovicina HC5 produzidos em
coelho (B). 59
Figura 14. Absorvância das amostras de sobrenadante da cultura e
extrato de células de S. bovis JB1, incubada por 24 h em
meio basal a 39 ºC, por ELISA indireta. 60
viii
Figura 15. Correlação entre os métodos de bioensaio e ELISA
indireta para detecção de bovicina HC5 no sobrenadante
das culturas de S. bovis HC5 (A) e no extrato de células
(B).
61
Figura 16. Percentual de células Vero viáveis após tratamento com
solução fosfato de sódio (5 mM, pH 2,0) ( ), acetonitrila
40 % (+), bovicina HC5 ressuspendida em água MilliQ
estéril (□) e bovicina HC5 ressuspendida em solução
fosfato de sódio (5 mM, pH 2,0) (○). 63
Figura 17. Efeito citotóxico de bovicina HC5 sobre células Vero.
Células Vero controle, não tratadas com bovicina HC5 (A)
e células Vero após 48 h de incubação com 98 μg mL-1
(B), 100 μg mL-1 (C) e 300 μg mL-1 (D) de bovicina HC5
purificada. Aumento de 10X. 65
Figura 18. Efeito citotóxico de bovicina HC5 sobre células Vero após
adição de solução estoque de MTT. Células Vero controle,
não tratadas com bovicina HC5 (A) e células Vero
anteriormente incubadas por 48 h com 98 μg mL-1 (B), 100
μg mL-1 (C) e 300 μg mL-1 (D) de bovicina HC5, após
adição de MTT às placas. Aumento de 10X. 66
ix
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Classificação de bacteriocinas 6
Tabela 2. Funções das imunoglobulinas 25
x
RESUMO
PAIVA, Aline Dias, M.Sc. Universidade Federal de Viçosa, junho de 2007. Produção de anticorpos policlonais para detecção de bovicina HC5 por ensaios imunoenzimáticos. Orientador: Hilário Cuquetto Mantovani. Co-orientadores: Sérgio Oliveira de Paula e Maria Cristina Baracat Pereira.
Algumas bactérias produzem peptídeos antimicrobianos denominados
bacteriocinas, que apresentam ação bactericida ou bacteriostática sobre bactérias da
mesma espécie ou de espécies filogeneticamente relacionadas. Esses peptídeos têm
sido estudados principalmente devido ao potencial para aplicação na indústria de
alimentos, na medicina e na agropecuária. Bovicina HC5, uma bacteriocina
produzida por Streptococcus bovis HC5, apresenta similaridade com os lantibióticos
e possui amplo espectro de ação. Apesar do grande potencial de aplicação das
bacteriocinas, a produção destes peptídeos é frequentemente limitada pelos métodos
de detecção, quantificação e purificação utilizados. Entretanto, os ensaios
imunoenzimáticos podem ser utilizados como uma alternativa mais eficiente para a
detecção e purificação de peptídeos antimicrobianos. Este trabalho teve como
objetivo produzir anticorpos policlonais para detectar e quantificar a bacteriocina
bovicina HC5 por meio de ensaios imunoenzimáticos e determinar o efeito citotóxico
da bacteriocina sobre células Vero. A produção de anticorpos policlonais foi
realizada com o peptídeo purificado em HPLC seguido da imunização de coelhos
New Zealand e camundongos BALB/c e coleta periódica de sangue por até 60 dias.
A análise imunoenzimática foi realizada por ELISA indireta e Western blotting em
amostras coletadas de soro sanguíneo, extrato de células de S. bovis HC5 ou
xi
sobrenadante das culturas cultivadas em meio basal. Bovicina HC5 foi capaz de gerar
resposta imunológica, de intensidade moderada. Nenhuma reação inespecífica dos
anticorpos foi observada com o sobrenadante de outras culturas lácticas nos ensaios
de Western blotting e ELISA indireta, sendo detectada somente a bovicina HC5
purificada. No ensaio de difusão em meio sólido, o antissoro anti-bovicina HC5
neutralizou a atividade da bacteriocina em 75 %. Bioensaios indicaram que a
bovicina HC5 começou a ser produzida durante o crescimento exponencial de S.
bovis HC5 e a atividade biológica da bacteriocina aumentou quando a cultura atingiu
a fase estacionária de crescimento. A bovicina HC5 foi detectada no extrato de
células e no sobrenadante da cultura de S. bovis HC5 pela técnica de ELISA indireta,
a qual apresentou correlação com a atividade determinada por meio de bioensaios. A
bovicina HC5 apresentou efeito tóxico sobre células Vero em concentrações iguais
ou superiores a 100 μg mL-1. Esses resultados indicam que ensaios imunoenzimáticos
podem ser utilizados para a detecção de bovicina HC5, porém outros trabalhos
deverão ser realizados para aumentar a sensibilidade da técnica. O efeito de bovicina
HC5 sobre diferentes linhagens celulares deverá ser determinado para avaliar o
potencial tóxico deste peptídeo e sua possível aplicação na produção animal.
xii
ABSTRACT
PAIVA, Aline Dias, M.Sc. Universidade Federal de Viçosa, June, 2007. Production of polyclonal antibodies for the detection of bovicin HC5 by immunoenzymatic assays. Adviser: Hilário Cuquetto Mantovani. Co-Advisers: Sérgio Oliveira de Paula and Maria Cristina Baracat Pereira.
Some bacteria produce antimicrobial peptides called bacteriocins that show
bactericidal or bacteriostatic effect against other bacteria from the same species or
species that are phylogenetically related. These peptides have been studied mainly
due to their potential application in food industry, in medicine and in livestock
production. Bovicin HC5, a bacteriocin produced by Streptococcus bovis HC5, is
similar to the lantibiotics and has a wide spectrum of action. Despite the great
potential for practical applications, the production of bacteriocins is frequently
limited by the methods used for detection, quantification and purification. However,
immunoenzymatic assays can be used as an effective alternative to detect and purify
antimicrobial peptides. This work aimed to produce polyclonal antibodies to detect
and quantify the bacteriocin bovicin HC5 by immunoenzymatic assays and also to
determine the cytotoxic effect of this bacteriocin on Vero cells. Production of the
polyclonal antibodies was performed using HPLC-purified peptide followed by
immunization of New Zealand rabitts and BALB/c mice. Periodical blood harvests
were performed for up to 60 days. Immunoenzymatic analysis was carried out by
indirect ELISA and Western blotting with samples from blood serum, S. bovis HC5
cell extracts or supernatants from cultures grown in basal media. Bovicin HC5
generated a immune response of moderated intensity. Nonspecific reactions were not
xiii
observed between the antibody and the supernatants of other lactic acid cultures by
Western blotting and indirect ELISA analysis. Only the purified bovicin HC5 was
detected using these techniques. Agar diffusion assays indicated that the anti-bovicin
HC5 anti-serum could neutralize 75 % of the bacteriocin activity. The bioassay also
indicated that production of bovicin HC5 by S. bovis HC5 started during exponential
phase and the biological activity of the bacteriocin increased when the culture
reached stationary phase. Bovicin HC5 could be detected in the cell extract and in the
supernatant of the S. bovis HC5 culture using the indirect ELISA technique. There
was a direct relationship between the activity determined by the ELISA technique
and the bioassays. Bovicin HC5 showed toxic effect against Vero cells at
concentrations equal to or greater than 100 μg mL-1. These results indicated that
immunoenzymatic assays can be used to detect bovicin HC5, but further work is
needed to improve the sensitivity of the technique. The effect of bovicin HC5 on
different cell lineages must also be investigated to evaluate the toxicity of the peptide
and its potential application in animal production.
xiv
1. INTRODUÇÃO
A descoberta e caracterização de compostos antimicrobianos produzidos por
organismos isolados de ambientes diversos são de relevância para a indústria, uma
vez que contribuem para a inibição do crescimento de microrganismos patogênicos
ou deterioradores de alimentos (NOVOTNY JR e PERRY, 1992).
Peptídeos antimicrobianos constituem a primeira linha de defesa e fazem
parte da imunidade inata, sendo encontrados em várias espécies de organismos
eucariotos e procariotos. Algumas vezes, os peptídeos atuam contra grupos
específicos de organismos competidores; outras vezes, possuem amplo espectro de
atividade, atuando como mecanismo de defesa mais geral (NISSEN-MEYER e NES,
1997).
As bactérias apresentam vários sistemas de defesa antimicrobianos, como a
produção de antibióticos e de subprodutos do metabolismo, exotoxinas e a síntese de
peptídeos biologicamente ativos, denominados bacteriocinas (RILEY e WERTZ,
2002). As bacteriocinas são peptídeos sintetizados nos ribossomos, não são letais
para as células produtoras e apresentam ação bactericida ou bacteriostática sobre
bactérias da mesma espécie ou de espécies filogeneticamente relacionadas
(McAULIFFE et al., 2001; BALAKRISHNAN et al., 2002; HALE et al., 2004).
As bacteriocinas são sintetizadas por várias espécies de Eubacteria e por
algumas linhagens do domínio Archaea (TORREBLANCA et al., 1994), tendo sido
inicialmente caracterizadas em bactérias Gram-negativas (como as colicinas de
Escherichia coli). Dentre as bactérias Gram-positivas, as bactérias do ácido láctico
têm sido largamente exploradas como um reservatório para peptídeos
1
antimicrobianos em função do seu potencial para aplicação na indústria de alimentos,
na agropecuária e na medicina (JACK et al., 1995; HELANDER et al., 1997;
HOOVER, 1997).
Dentre os peptídeos de bactérias lácticas caracterizados, a bacteriocina
denominada bovicina HC5, produzida por Streptococcus bovis HC5, tem sido
estudada devido ao amplo espectro antimicrobiano, a estabilidade ao calor e a baixos
valores de pH (MANTOVANI et al., 2002).
A ampliação e legalização do uso de bacteriocinas ainda são limitadas por
questões como baixos níveis de produção, dificuldade de purificação e instabilidade
das bacteriocinas (GEORGALAKI et al., 2002). Desta forma, o desenvolvimento de
procedimentos de detecção, quantificação e purificação eficientes para bacteriocinas,
como os baseados em métodos imunológicos, podem facilitar sua aplicação industrial
(MARTÍNEZ et al., 1997; MARTÍNEZ et al., 1999).
Embora a imunogenicidade das bacteriocinas venha sendo testada e utilizada
para o desenvolvimento de anticorpos policlonais (PAbs) e monoclonais (MAbs), o
uso de métodos imunológicos na pesquisa sobre bacteriocinas ainda é limitado. A
informação relacionada a esse assunto é pequena e os resultados obtidos são
contraditórios e insatisfatórios (BHUNIA e JOHNSON, 1992; BHUNIA, 1994;
MARTÍNEZ et al., 1998).
O objetivo deste trabalho foi produzir anticorpos policlonais anti-bovicina
HC5, detectar e quantificar a produção da bacteriocina por meio de ensaios
imunoenzimáticos, e determinar o efeito citotóxico da bacteriocina sobre células
Vero.
2
2. REVISÃO DE LITERATURA
2.1. Bacteriocinas
2.1.1 Caracterização e classificação
As bacteriocinas exercem papel importante no sistema de defesa natural de
algumas espécies bacterianas, podendo conferir vantagens ecológicas em
comunidades bacterianas complexas (JACK et al., 1995; BALAKRISHNAN et al.,
2002). As bacteriocinas podem influenciar a dinâmica de populações bacterianas,
concedendo vantagens à linhagem produtora, em habitats onde há competição por
nutrientes, por inibir ou causar a morte de outras bactérias (WHITFORD et al.,
2001).
Bacteriocinas de bactérias Gram-positivas diferem daquelas sintetizadas por
bactérias Gram-negativas em duas características fundamentais: a produção de
bacteriocina não é um evento letal e a liberação do peptídeo é controlada por
mecanismos regulatórios específicos (não estando sob controle de mecanismos
regulatórios do hospedeiro, como ocorre para bactérias Gram-negativas) (RILEY e
WERTZ, 2002).
No caso de bactérias lácticas, as bacteriocinas são geralmente peptídeos
hidrofóbicos, estáveis ao calor e degradadas pela ação de enzimas proteolíticas do
trato intestinal humano, características que conferem interesse especial, em função
do potencial biopreservativo em alimentos, possibilitando o aumento da vida de
prateleira dos produtos e podendo substituir ou atuar em combinação com métodos
3
tradicionais de conservação de alimentos (SHILLINGER et al., 1996; ONDA et al.,
2003).
A primeira bacteriocina sintetizada por bactérias lácticas a ser caracterizada
foi a nisina, em 1928. Desde então, várias outras bacteriocinas já foram identificadas
(HURST, 1981). A nisina é sintetizada por algumas linhagens de Lactococcus lactis
subsp. lactis, sendo a bacteriocina mais extensamente estudada dentre aquelas
produzidas por bactérias do ácido láctico (SUÁREZ et al., 1996). Trata-se de uma
bacteriocina com 34 aminoácidos e largo espectro de ação, que exibe atividade
contra várias células vegetativas de microrganismos patogênicos e deterioradores de
alimentos, incluindo Bacillus, Staphylococcus, Clostridium e Listeria, além de
algumas bactérias Gram-negativas (KLAENHAMMER, 1988; HARRIS et al.,
1992).
As bacteriocinas constituem um grupo heterogêneo de peptídeos em termos
de tamanho, alvos microbianos, modos de ação e mecanismos de imunidade.
Anteriormente, eram classificadas em quatro grupos, de acordo com suas
características bioquímicas e estruturais: grupo I, lantibióticos, com resíduos de
aminoácidos não usuais, tais como lantionina, 3-metil lantionina, 2,3-dideidroalanina
e 2,3-dideidrobutirina, formados pós-tradução; grupo II, peptídeos pequenos,
termoestáveis, não modificados e denominados de não lantibióticos; grupo III,
proteínas grandes (peso molecular acima de 30 kDa), termolábeis; grupo IV,
proteínas que formam grandes complexos contendo mistura indefinida de proteínas,
lipídeos e carboidratos, que são requeridos para exibir atividade biológica
(KLAENHAMMER, 1993; MONTVILLE e CHEN, 1998; MOLL et al., 1999).
Recentemente, um novo esquema de classificação foi proposto por COTTER
et al. (2005), agrupando as bacteriocinas em duas classes distintas: lantibióticos
contendo lantionina (Classe I) e bacteriocinas não lantibióticos, que não apresentam
lantionina (Classe II). Esse esquema de classificação também alterou a denominação
das bacteriocinas anteriormente classificadas como bacteriocinas da Classe III,
designando-as de bacteriolisinas e constituindo um grupo à parte; como nenhum
membro da Classe IV foi ainda identificado, este grupo não foi proposto na nova
classificação (Tabela 1).
Os lantibióticos são pequenos peptídeos (19-38 aminoácidos, com peso
molecular inferior a 5 kDa), termoestáveis e extensamente modificados pós-
traducionalmente, resultando na formação de aminoácidos não usuais, como
4
lantionina, metil lantionina, deidrobutirina e deidroalanina, os quais formam pontes
covalentes, resultando em “anéis” internos e conferindo características estruturais
específicas. Substituições pós-traducionais, de D-alaninas por L-serinas também
podem ocorrer (COTTER et al., 2005; DEEGAN et al., 2006).
A maioria das bacteriocinas da classe I já identificadas permanece ativa após
tratamento térmico e quando estão presentes em alimentos; são degradadas por
enzimas proteolíticas do trato gastrintestinal e parecem não ser tóxicas para animais
(DAESCHEL, 1985; BHUNIA et al., 1988).
Os lantibióticos podem ser divididos em classes de acordo com sua estrutura
e modo de ação. Em geral, os lantibióticos catiônicos anfifílicos alongados (Classe
Ia, como a nisina) apresentam estrutura mais flexível quando comparados às demais
bacteriocinas e promovem a formação de poros nas células sensíveis, levando à
dissipação do potencial de membrana (Δψ) e, ou do gradiente de pH, com
conseqüente efluxo de pequenos metabólitos (OKEREKE e MONTVILLE, 1992). Já
os lantibióticos globulares (Clase Ib, como a mersacidina) não apresentam carga
líquida e exercem sua ação por interferirem em reações enzimáticas essenciais nas
células-alvo. Entretanto, alguns lantibióticos podem apresentar ambos os
mecanismos de ação, sendo atualmente proposto a subdivisão em 11 grupos, baseada
no alinhamento das seqüências de pró-peptídeos não modificados (COTTER et al.,
2005).
Bacteriocinas da classe II são peptídeos pequenos, com peso molecular menor
que 10 kDa (37-48 aminoácidos), termoestáveis e hidrofóbicos, mas não são
submetidas a intensas modificações pós-traducionais. A maioria das bacteriocinas
dessa classe atua induzindo um aumento na permeabilização da membrana de células
alvo, com conseqüente perda de moléculas intracelulares (DEEGAN et al., 2006).
Diferentes grupos de bacteriocinas da Classe II são sugeridos, mas sua
natureza heterogênea dificulta a subclassificação (DIEP e NES, 2002). De acordo
com a nova classificação, essa categoria inclui: Classe IIa, com peptídeos pediocin-
like ou ativos contra Listeria, com uma sequência N-terminal conservada Tyr-Gly-
Asn-Gly-Val e duas cisteínas formando uma ponte dissulfeto na metade N-terminal
do peptídeo; Classe IIb, que inclui bacteriocinas compostas por dois peptídeos
diferentes, essenciais para sua atividade bacteriocinogênica completa (as seqüências
primárias de aminoácidos de tais peptídeos são diferentes, cada uma é sintetizada por
seus próprios genes adjacentes e somente um gene de imunidade é necessário);
5
Classe IIc, compreende peptídeos ativados por tiol, que requerem resíduos de cisteína
reduzida para tornarem-se ativos, e apresentam regiões N e C terminais
covalentemente ligadas, resultando em estruturas cíclicas; as demais bacteriocinas
são comumente agrupadas na Classe IId, que inclui peptídeos únicos e lineares
(CLEVELAND et al., 2001; DIRIX et al., 2004; COTTER et al., 2005).
As bacteriocinas da classe III pertencem à classe denominada bacteriolisinas
(proteínas líticas). Seu mecanismo de ação é distinto do mecanismo de ação das
bacteriocinas, já que promovem a lise de células sensíveis catalisando a hidrólise da
parede celular; além disso, nem sempre apresentam genes específicos de imunidade
acompanhando o gene estrutural da bacteriocina (COTTER et al., 2005).
Tabela 1- Classificação das bacteriocinas (adaptado de COTTER et al., 2005).
Grupo Características Exemplos
Classe I
Lantibióticos; pequenos peptídeos (< 5
kDa) contendo lantionina e β-metil
lantionina;
Inclui lantibióticos com um ou dois
peptídeos; mais de 11 subclasses tem
sido propostas.
Peptídeos únicos:
nisina, mersacidina,
lacticina 481;
Dois peptídeos:
lacticina 3147,
citolisina.
Classe II Bacteriocinas que não apresentam
resíduos de lantionina em sua estrutura;
Classe heterogênea de pequenos
peptídeos, incluindo as subclasses: IIa
(pediocin-like); IIb (dois peptídeos); IIc
(estruturas cíclicas); IId (peptídeos
lineares, únicos).
Classe lla: pediocina
PA-1, leucocina A;
Classe llb: lactacina F;
Classe llc: enterocina
AS48, reuterina 6;
Classe lld: lactococina
A, divergicina A.
Bacteriolisinas Proteínas líticas não bacteriocinas;
Grandes, termossensíveis e, geralmente,
hidrolases de mureína.
Lisostafina,
enterolisina A.
6
2.1.2 Síntese e transporte
Enquanto outras substâncias inibitórias, incluindo enzimas bacteriolíticas e
produtos metabólicos, como ácidos orgânicos, diacetil e peróxido de hidrogênio, são
formadas durante o crescimento bacteriano (JACK et al., 1995), as bacteriocinas
geralmente são sintetizadas por células bacterianas ao final da fase exponencial de
crescimento e início da fase estacionária, podendo funcionar como uma estratégia
competitiva das células produtoras (ten BRINK et al., 1994; HÉCHARD e SAHL,
2002; DEEGAN et al., 2006).
Todas as classes de bacteriocinas são sintetizadas nos ribossomos, entretanto
o resultado da transcrição pode ser modificado, como ocorre com as bacteriocinas da
classe I, que são modificadas pós-tradução para produzir a forma ativa. Tais
modificações são necessárias para a secreção e transporte da bacteriocina através da
membrana da célula (ENGELKE et al., 1992).
Os genes que codificam as bacteriocinas estão geralmente em operons, que
podem estar localizados no cromossomo bacteriano, em um plasmídeo ou transposon
(ALTENA et al., 2000). Normalmente, as bactérias possuem genes que codificam a
bacteriocina (genes estruturais), proteínas que auxiliam no processamento da
bacteriocina para a forma ativa, proteínas responsáveis pelo transporte da
bacteriocina através da membrana (KLEIN et al., 1992), proteínas regulatórias
(KLEIN et al., 1993) e proteínas que conferem imunidade à bactéria produtora
(DIEP et al., 1996; QIAO et al., 1996).
No caso das colicinas produzidas por Escherichia coli, além dos genes
estruturais e de imunidade, há um gene de lise, que codifica uma proteína envolvida
na liberação de colicina através da lise da célula produtora. A produção de colicina
ocorre principalmente sob condições de estresse e é mediada pelo regulon SOS. Seu
modo de ação compreende a formação de poros na membrana celular e a atividade de
nuclease contra DNA, rRNA e tRNA (RILEY e WERTZ, 2002).
A regulação da produção de bacteriocinas pode ser mediada por um sistema
de transdução de sinal, como parte de um mecanismo de quorum sensing. Juntamente
com a bacteriocina, são sintetizadas as proteínas relacionadas ao sistema regulatório
de três componentes: HPK (histidina quinase); IF (fator de indução) e RR (regulador
de resposta). O IF é requerido como um sinal para a indução da transcrição dos genes
alvo, é sintetizado na forma de um pré-peptídeo, mas transportado e processado na
7
forma ativa. Em alguns casos, o fator de indução pode ser a própria bacteriocina
(McAULIFFE et al., 2001).
As moléculas indutoras se ligam a HPK, que ativa RR por fosforilação. Esse
regulador ativa os genes responsáveis pela síntese da bacteriocina. A pré-
bacteriocina, juntamente com a proteína de imunidade são sintetizadas, a
bacteriocina é processada e exportada para o exterior da célula (ENNAHAR et al.,
2000).
A maioria das bacteriocinas das classes I e II é transportada para o meio
extracelular por um sistema de transporte ABC (ATP binding cassete), que possui
uma seqüência N-terminal com cerca de 150 aminoácidos, responsável pela clivagem
proteolítica da bacteriocina durante o processo de secreção. Os transportadores ABC
que secretam lantibióticos com diferentes seqüências líder não possuem atividade
proteolítica N-terminal e a remoção da seqüência líder para a ativação da
bacteriocina é feita por proteases codificadas juntamente com a bacteriocina, como a
enzima NisP no sistema de secreção da nisina (CLEVELAND et al., 2001).
Algumas bacteriocinas da classe II (cerca de 4 ou 5) podem ser secretadas por
um sistema sec dependente (ENNAHAR et al., 2000).
2.1.3 Imunidade
A imunidade da célula que sintetiza a bacteriocina é uma das características
que distingue as bacteriocinas dos antibióticos, embora o mecanismo de ação das
proteínas de imunidade ainda não tenha sido completamente elucidado
(CLEVELAND et al., 2001). Os genes que codificam as proteínas de imunidade são
expressos juntamente com o gene estrutural da bacteriocina e protegem a célula
produtora da ação antimicrobiana do seu próprio peptídeo (HÉCHARD e SAHL,
2002). Geralmente, a imunidade é conferida por uma única proteína com seqüência
pouco conservada entre diferentes tipos de bactérias. As proteínas de imunidade
parecem estar associadas à membrana citoplasmática de bactérias produtoras de
bacteriocina (YARMUS, 2000).
Em alguns lantibióticos, vários genes estão envolvidos na imunidade: um
transportador ABC composto de duas proteínas (para as bacteriocinas subtilina,
epidermina e lacticina) e uma lipoproteína adicional (no sistema da nisina e subtilina)
(YARMUS, 2000). No caso de Lactococcus lactis subsp. lactis produtor de nisina, a
8
imunidade é conferida pelas proteínas NisI, E, F e G; NisI é uma lipoproteína que se
liga à nisina na superfície externa da membrana celular, prevenindo sua inserção. As
funções das demais proteínas não estão bem esclarecidas, mas parecem ser
transportadores ABC que expulsam a nisina da célula ou promovem sua degradação
(ENGELKE et al., 1994).
No que se refere às bacteriocinas da classe II, as proteínas de imunidade, além
de conferirem imunidade aos produtores da bacteriocina, parecem proteger
parcialmente as células contra outras bacteriocinas da classe II. Tal fenômeno sugere,
a princípio, uma conexão entre duas noções distintas de resistência e imunidade de
bacteriocinas (ENNAHAR et al., 2000).
2.1.4 Mecanismos de ação
Como as bacteriocinas são moléculas positivamente carregadas e apresentam
aminoácidos hidrofóbicos, interações eletrostáticas com grupamentos fosfato de
carga negativa nas membranas das células alvo contribuem para a ligação inicial.
Evidências sugerem que a porção hidrofóbica de algumas bacteriocinas se insere de
maneira inespecífica na membrana da célula alvo, formando poros (CHEN et al.,
1997); outras bacteriocinas interagem com receptores específicos nas membranas das
células alvo (LINS et al., 1999) ou ainda são capazes de inibir a síntese da parede
celular e a atividade de enzimas como RNAse ou DNAse (CLEVELAND et al.,
2001).
No estágio de ligação específica ou inespecífica na membrana celular da
célula alvo, as bacteriocinas são sensíveis a uma possível ação de enzimas
proteolíticas. Em seguida, ocorre a inserção da bacteriocina na membrana causando a
dissipação da força próton-motora e a agregação de monômeros resultando na
formação de poros, por onde a célula perde material intracelular, podendo culminar
com a perda de viabilidade da célula alvo (MONTVILLE e CHEN, 1998).
No caso da nisina, o alvo primário envolve a interação específica com o
lipídeo II (precursor do peptideoglicano) e formação de poros na membrana
plasmática do microrganismo sensível, com conseqüente perda do potencial de
membrana e extravasamento de material intracelular, como aminoácidos, potássio,
fosfato inorgânico e ATP (MONTVILLE e CHEN, 1998; ENNAHAR et al., 2000;
HELANDER e MATTILA-SANDHOLM, 2000). O lipídeo II facilita a inserção da
9
nisina na membrana celular por agir como uma espécie de âncora (BREUKINK et
al., 1999).
Um mecanismo alternativo para a atividade bactericida de membros da
família dos lantibióticos, como a mutacina 1140, não requer proteínas receptoras;
essas moléculas são capazes de seqüestrar a molécula lipídeo II dos sítios onde a
biossíntese da parede celular ocorre, ao se ligarem ao pirofosfato N-terminal do
lipídeo II (HASPER et al., 2006).
Bacteriocinas pertencentes à classe II, especificamente à subclasse IIa,
tendem a dissipar a força próton motora (PMF) via colapso do potencial de
membrana (∆Ψ) e, ou de pH (∆ pH), promovendo a morte da célula por impedir a
ocorrência de reações de síntese de energia (MCAULIFFE et al., 2001).
Provavelmente, bacteriocinas da subclasse IIa necessitam de uma molécula alvo na
superfície das células sensíveis para serem ativadas (ENNAHAR et al., 2000;
HÉCHARD e SAHL, 2002).
Algumas características podem influenciar significativamente a atividade da
bacteriocina sobre a célula alvo: fatores intrínsecos dos alimentos, tais como
composição química, pH, concentração de sal, atividade de água, presença de nitrito
e nitrato; estrutura e quantidade de bacteriocina disponível; potencial de membrana;
estrutura e nível de expressão das proteínas de imunidade; distância entre a molécula
de bacteriocina e a célula alvo; quantidade de células alvo e, ou células capazes de
adsorver à bacteriocina (LIU e HANSEN, 1990; BLOM et al., 1997).
2.1.5 Aplicação industrial de bacteriocinas
As bacteriocinas têm sido frequentemente estudadas como ferramentas
biológicas potencialmente úteis na indústria de alimentos, assegurando a qualidade
microbiológica dos produtos e reduzindo a prevalência de toxiinfecções alimentares.
As bacteriocinas podem ser utilizadas como um obstáculo extra na tecnologia de
barreiras por apresentar sinergismo com outros tratamentos de conservação de
alimentos, de modo a prevenir o crescimento de bactérias patogênicas e
deterioradoras de alimentos, especialmente quando a contaminação pode ocorrer
após o processo de produção (DEEGAN et al., 2005).
Para garantir a aprovação do uso da bacteriocina como conservante de
alimentos, a mesma deve ser identificada e caracterizada quimicamente e seu uso e
10
eficácia devem ser demonstrados; o processo de obtenção deve ser descrito, bem
como os ensaios usados para quantificação e padronização do peptídeo. Além disso,
dados toxicológicos e o destino da molécula após ingestão devem ser reportados
(FDA, 1993). Após um novo conservante de alimentos ser considerado seguro e
eficiente, é importante ainda assegurar a longevidade de seu uso, prevenindo a
proliferação de células resistentes (CLEVELAND et al., 2001).
A aplicação de bacteriocinas no biocontrole de alimentos pode ocorrer por
uso de culturas starter produtoras de bacteriocinas de espectro inibitório desejado,
para produção de bacteriocinas in situ, ou adição direta de bacteriocinas, sintéticas ou
purificadas a partir do sobrenadante da cultura das estirpes produtoras (MARTÍNEZ
et al., 1999). Como as purificações geralmente são extensas e custosas, o uso de
culturas starter em alimentos pode ser mais vantajoso (GEORGALAKI et al., 2002).
Nos Estados Unidos, o uso de culturas starter produtoras de bacteriocinas
pode não requerer regulamentação especial se a cultura de microrganismos é
considerada Generally Recognized as Safe (GRAS), devido ao seu histórico de uso
seguro pelas indústrias alimentícias (U.S. Government Printing Office, 1990). Se
uma bacteriocina purificada é utilizada como conservante de alimentos, a substância
pode ser confirmada como GRAS de acordo com o Code of Federal Regulations,
mas o Food and Drug Administration (FDA) pode ainda requerer justificação de sua
afirmação como GRAS para que seu uso seja permitido (CLEVELAND et al., 2001).
Nisina é a única bacteriocina reconhecida como GRAS pelo FDA (FDA,
1988) e aprovada pela Organização Mundial de Saúde para uso como conservante de
alimentos em mais de 50 países (DELVES-BROUGHTON, 1990). Atualmente, a
nisina é utilizada em vários setores da indústria alimentícia. Nos Estados Unidos, a
nisina é utilizada em queijos pasteurizados, como um agente anti-botulínico, e em
ingredientes líquidos de ovo pasteurizado. Em diversos outros países a nisina é
utilizada em produtos processados como leite e derivados pasteurizados, carnes,
enlatados e bebidas, produtos de panificação e alimentos infantis, para melhorar a
qualidade e a vida de prateleira dos produtos (TURTELL e DELVES-
BROUGHTON, 1998). No Brasil, a nisina é aprovada para uso em todos os tipos de
queijo, obedecendo o limite máximo de 12,5 mg/kg de alimento (SIRAGUSA et al.,
1999). A dose diária aceita como segura para o consumo humano é de 2,9 mg por
pessoa, com o limite máximo de ingestão de 33.000 Unidades Internacionais/kg de
peso (FDA, 1988; CLEVELAND et al., 2001).
11
O uso desta bacteriocina em alimentos se deve ao fato da nisina não ser
tóxica, além de ser destruída por enzimas pancreáticas. São duas as variantes naturais
de nisina já identificadas: nisina A e nisina Z, que variam em atividade e solubilidade
(MULDERS et al., 1991).
Uma vez que a atividade de nisina é dificultada em alguns alimentos, em
virtude do pH elevado, inabilidade de distribuição uniforme, interferência de
componentes nutricionais dos alimentos e também devido ao surgimento de células
resistentes entre populações sensíveis, o uso e o efeito citotóxico de outras
bacteriocinas com aplicações potenciais em alimentos também têm sido examinado
(CLEVELAND et al., 2001).
As bacteriocinas podem ser utilizadas ainda como uma alternativa ao uso
indiscriminado de antibióticos de largo espectro de ação, tanto na medicina (humana
e veterinária) como na agropecuária, em função de seu espectro de ação mais
específico. Por serem frequentemente utilizados para fins terapêuticos, profiláticos e
como promotores de crescimento, os antibióticos resultam em forte pressão seletiva
para a seleção de bactérias multiresistentes às drogas disponíveis no mercado
(STEWART et al., 1998).
Dada a diversidade de bacteriocinas produzidas na natureza é provável que se
encontrem peptídeos ativos contra diferentes microrganismos patogênicos. O
desenvolvimento e uso de tais antimicrobianos de espectro de ação mais específico,
pode reduzir o uso de antibióticos e, consequentemente, a intensidade de seleção para
resistência e os efeitos colaterais sobre bactérias não patogênicas da microbiota
normal (RILEY e WERTZ, 2002).
2.1.6 Bovicina HC5
Streptococcus bovis, isolado do rúmen bovino, é uma bactéria Gram-positiva,
anaeróbia facultativa, altamente amilolítica, ácido-tolerante, com tempo de geração
curto e requerimentos nutricionais simples, que fermenta amido primariamente a
ácido láctico. É de interesse particular em virtude de seu papel no desenvolvimento
de acidose láctica em bovinos alimentados com dietas ricas em alimentos
concentrados (STEWART et al., 1997). Pertence à classe de estreptococos do grupo
D de Lancefield (WHITEHEAD e COTTA, 2000) e estirpes isoladas de humanos
12
têm sido associadas ao câncer de cólon, endocardite e meningite (ELLMERICH et
al., 2000; SONGY et al., 2002).
Dentre o gênero Streptococcus, a bactéria Streptococcus bovis HC5 é capaz
de inibir uma variedade de bactérias Gram-positivas do rúmen e de outros habitats, o
que possibilita sua aplicação como agente para a modificação de populações
microbianas nestes ambientes. A atividade antibacteriana de S. bovis HC5 é devida a
uma bacteriocina, denominada bovicina HC5 (MANTOVANI et al., 2002).
A bovicina HC5 apresenta massa molecular de aproximadamente 2440 Da e
uma seqüência amino-terminal peculiar (VGXRYASXPGXSWKYVXF). Quatro
resíduos de aminoácidos da região N-terminal ainda não foram identificados, o que
sugere que a bovicina HC5 possua aminoácidos modificados pós-traducionalmente,
uma característica que lhe confere similaridade aos lantibióticos (MANTOVANI et
al., 2002).
A bacteriocina permanece associada às células durante o crescimento
bacteriano, podendo ser liberada por solução ácida de NaCl (100 mM, pH 2,0), sem
que ocorra lise significante das células. O extrato bruto da bacteriocina é resistente à
α-quimiotripsina, proteinase K e ao aquecimento (121 ºC por 20 min), propriedades
que podem ser vantajosas para sua aplicação comercial (MANTOVANI et al., 2002).
Seu provável mecanismo de ação consiste na formação de poros na membrana da
célula-alvo, causando a perda de potássio intracelular (MANTOVANI et al., 2002;
HOULIHAN et al., 2004).
A bovicina HC5 apresenta amplo espectro antimicrobiano e é capaz de inibir
uma variedade de linhagens bacterianas, sem que ocorra adaptação. A atividade da
bovicina HC5 já foi demonstrada contra Clostridium aminophilum (MANTOVANI e
RUSSELL, 2002), Clostridium sporogenes (MANTOVANI et al., 2002; FLYTHE e
RUSSELL, 2004), Listeria monocytogenes (MANTOVANI e RUSSELL, 2003),
Bacillus cereus, Bacillus thuringiensis e Clostridium ssp. (de CARVALHO et al.,
2007), sendo que a adaptação destes microrganismos à bacteriocina não foi
observada.
Estudos testando a efetividade da bovicina HC5 em alimentos ainda não
foram realizados e, de acordo com MANTOVANI e RUSSELL (2003), a bovicina
HC5 pode ser mais potente e apresentar espectro de ação mais amplo do que a nisina.
13
2.2 Detecção de bacteriocinas
Bioensaios que avaliam o efeito inibitório de preparações de bacteriocinas
sobre um microrganismo indicador são comumente utilizados para detecção e
quantificação da atividade da bacteriocina. Os métodos mais comuns são os testes de
atividade biológica, como a microtitulação (DABA et al., 1994) e o teste de difusão
em ágar, que é a ferramenta analítica mais utilizada (TRAMER e FOWLER, 1964).
A importância desses métodos biológicos no campo de estudos com bacteriocinas é
inquestionável, entretanto os bioensaios são métodos indiretos, uma vez que
mensuram a atividade inibitória contra um microrganismo alvo, além de
apresentarem acurácia limitada, baixa especificidade e sensibilidade (BLOM et al.,
1997).
Outros métodos de detecção de bacteriocinas são baseados no uso de
cromatografia líquida de alta eficiência de fase reversa (RP-HPLC) e de troca iônica,
além de eletroforese de zona capilar (PFEIFFER e ORBEN, 1997). Resultados
melhores para detecção e quantificação de bacteriocinas têm sido obtidos com a
emergência de técnicas rápidas, diretas e sensíveis mediante utilização de métodos
imunológicos (SUÁREZ et al., 1996; BOUKSAIM et al., 1999).
Métodos altamente específicos, baseados em imunoquímica, têm sido
desenvolvidos e utilizados rotineiramente como ferramentas analíticas em muitas
áreas de pesquisa, desde 1970. Atualmente, os anticorpos são ferramentas
importantes em muitos campos de pesquisa e indispensáveis no laboratório, sendo
usados em imunoensaios (como ferramenta diagnóstica), cromatografia de afinidade,
como imunomarcadores, em pesquisa visando a descoberta de novas proteínas e
caracterização de estruturas antigênicas complexas, identificação de produtos
gênicos, análise de domínios funcionais de enzimas, avaliação da eficácia potencial
de vacinas peptídicas sintéticas e purificação de proteínas (JEAN et al., 1995;
HENDRIKSEN e HAU, 2003).
A produção de anticorpos específicos para bacteriocinas pode prover métodos
alternativos, sensíveis e específicos, não só para o monitoramento da produção de
bacteriocinas, mas também para o isolamento rápido e a imunolocalização destas em
estirpes bacterianas e, ou alimentos nos quais tenham sido naturalmente produzidas
ou adicionadas (BOUKSAIM et al., 1998). Os anticorpos podem também ser
utilizados para detecção, quantificação e purificação de bacteriocinas em diferentes
14
substratos pelo uso de ensaios imunoquímicos e estratégias de cromatografia de
imunoafinidade, além de serem úteis para a investigação de detalhes sobre a estrutura
e função de bacteriocinas (MARTÍNEZ et al., 1997; NANDAKUMAR et al., 1999).
A escassez de métodos imunológicos provavelmente deve–se às dificuldades
encontradas na aquisição de anticorpos policlonais e monoclonais específicos. Dentre
os obstáculos presentes, os mais importantes são a necessidade de bacteriocinas
purificadas e a massa molecular relativamente baixa (< 5000 Da) desses compostos,
o que as torna fracamente imunogênicas ou, até mesmo, não imunogênicas.
Adicionalmente, características peculiares das moléculas de bacteriocinas, como a
ocorrência de motivos com seqüências hidrofílicas conservadas, sua hidrofobicidade,
a formação de anéis dissulfurados intracadeias e, no caso dos lantibióticos, a
presença de aminoácidos modificados, podem interferir na sensibilidade e
especificidade dos anticorpos e no desenvolvimento de imunoensaios (SUÁREZ et
al., 1996).
Somente na década de 90 é que pesquisas com a utilização de anticorpos
policlonais e monoclonais começaram a ser conduzidas com bacteriocinas. Desde
então várias técnicas imunoenzimáticas têm sido padronizadas para utilização com
diferentes bacteriocinas, como nisina, enterocina, pediocina e propionicina. Com
anticorpos policlonais, por exemplo, já foram desenvolvidas técnicas de ELISA do
tipo sanduíche (FALAHEE et al., 1990), ELISA competitiva direta (SUAREZ et al.,
1996) e ELISA não competitiva direta (LEUNG et al., 2002), para detecção e
quantificação de nisina pura, em meios de cultura ou adsorvida a superfícies.
Técnicas de ELISA direta competitiva, ELISA indireta competitiva e não
competitiva também foram utilizadas para detecção de pediocina PA-1 (MARTÍNEZ
et al., 1998).
Ensaios imunoenzimáticos baseados em anticorpos monoclonais também
foram reportados para nisina (como flow-injection ELISA (NANDAKUMAR et al.,
2000) e ELISA competitiva (DAOUDI et al., 2001)), para pediocina AcH (BHUNIA
e JOHNSON, 1992) e pediocina RS2 (BHUNIA, 1994).
A geração de anticorpos específicos para bacteriocinas tem sido baseada no
uso da molécula completa como imunógeno, sozinha ou conjugada a proteínas
carreadoras (bacteriocinas, assim como outros haptenos, muitas vezes necessitam ser
conjugadas a proteínas carreadoras para tornarem-se imunogênicas). A molécula de
bacteriocina completa como imunógeno, sem conjugação à proteína carreadora, foi
15
utilizada para geração de anticorpos policlonais anti-nisina (FALAHEE et al., 1990;
STRÍNGER et al., 1995; SUÁREZ et al., 1996) e anti-pediocina AcH (BHUNIA et
al., 1990; FALAHEE et al., 1990) e para geração de anticorpos monoclonais anti-
pediocina RS2 (BHUNIA, 1994). Proteínas carreadoras foram utilizadas na geração
de anticorpos policlonais anti-nisina Z (BOUKSAIM et al., 1999) e anti-nisina A
(FALAHEE et al., 1990; SUÁREZ et al., 1996) e em procedimentos para geração de
anticorpos monoclonais anti-nisina Z (DAOUDI et al., 2001).
Entretanto, o uso da molécula de bacteriocina completa como imunógeno
pode gerar anticorpos com reação cruzada com seqüências consenso de aminoácidos
comuns, não sendo únicos e específicos para a bacteriocina contra as quais foram
sintetizados (MARTÍNEZ et al., 1998). Tal fato foi observado por LEVERSEE e
GLATZ (2001) com anticorpos policlonais anti-propionicina PLG-1, que
apresentaram reação cruzada com o sobrenadante de outras 52 culturas bacterianas,
inclusive não bacteriocinogênicas; SUÁREZ et al. (1996) também detectaram
reações cruzadas de anticorpos policlonais anti-nisina A com o sobrenadante de uma
estirpe produtora de nisina Z e com esse lantibiótico puro.
A utilização de peptídeos sintéticos, em uma faixa de 10 a 15 aminoácidos,
pode levar à produção de anticorpos mais específicos, com menor reatividade
cruzada, capazes de reconhecer proteínas nativas e desnaturadas (HARLOW e
LANE, 1988). Tais peptídeos devem ser conjugados a uma proteína carreadora
(geralmente keyhole limpet hemocyanin (KLH), ovoalbumina ou albumina bovina
sérica (BSA)) para se tornarem imunogênicos, como observado para a geração de
anticorpos policlonais contra fragmentos C ou N-terminais, sintetizados
quimicamente, das bacteriocinas enterocina A (MARTÍNEZ et al., 2000), enterocina
P (GUTIÉRREZ et al., 2004), divercina V41 (RICHARD et al., 2004), pediocina
PA-1 (MARTÍNEZ et al., 1997; MARTÍNEZ et al., 2000) e nisina A (SUÁREZ et
al., 1996).
Anticorpos monoclonais e policlonais têm sido utilizados também para o
desenvolvimento de colunas de cromatografia de imunoafinidade para a purificação
de bacteriocinas, como enterocina P (GUTIÉRREZ et al., 2004), divercina V41
(RICHARD et al., 2004) e nisina (BOUKSAIM et al., 1999; NANDAKUMAR et
al., 2000); para detectar e quantificar a produção de bacteriocinas em meios de
cultura sintéticos ou complexos, como já realizado para divercina V41 (RICHARD et
al., 2004), nisina A (SUÁREZ et al., 1996), nisina Z (BOUKSAIM et al., 1999),
16
pediocina PA-1 (MARTÍNEZ et al., 1998) e pediocina RS2 (BHUNIA, 1994); para
imunolocalização da bacteriocina em células produtoras e sensíveis, visando elucidar
o mecanismo de ação do peptídeo, como realizado por BOUKSAIM et al. (1999)
com anticorpos policlonais anti-nisina Z; para avaliar a co-produção heteróloga de
bacteriocinas, como enterocina A e pediocina PA-1 por Lactococcus lactis
(MARTÍNEZ et al., 2000).
Muitas bacteriocinas têm sido caracterizadas bioquimicamente e
geneticamente e, embora já exista um conhecimento básico sobre sua função
estrutural, biossíntese e modo de ação, muitos aspectos desses compostos
permanecem desconhecidos. A efetividade e a segurança da nisina como conservante
de alimentos, por exemplo, já estão bem demonstradas, entretanto o uso potencial de
outras bacteriocinas, como a bovicina HC5, permanece sob investigação.
Desta forma, métodos para a determinação de bovicina HC5 são essenciais
para o monitoramento de sua produção e para a purificação em larga escala,
considerados fatores limitantes para o uso comercial e estudo dos mecanismos de
ação das bacteriocinas em geral.
2.3 Imunidade e Resposta Imunológica
O termo imunidade é derivado da palavra latina immunitas, que se refere à
proteção contra processos legais que os senadores romanos tinham durante o seu
mandato. Historicamente, imunidade significa proteção contra doenças, em particular
contra doenças infecciosas. Entretanto, até mesmo substâncias estranhas não
infecciosas são capazes de desencadear uma resposta imunológica. Desta forma, uma
definição mais abrangente de imunidade seria uma reação a substâncias estranhas,
incluindo microrganismos e macromoléculas, independentemente das conseqüências
fisiológicas ou patológicas de tal reação (ABBAS e LICHTMAN, 2005).
As células e moléculas responsáveis pela imunidade formam o sistema
imunológico, e sua resposta coletiva e coordenada à introdução de substâncias
estranhas é chamada de resposta imunológica ou resposta imune (LEVINSON e
JAWETZ, 1998).
17
2.3.1 Tipos de imunidade
A imunidade pode ser natural (inata ou nativa) ou adquirida (adaptativa ou
específica). A imunidade natural consiste em mecanismos de defesa celulares e
bioquímicos que já existiam antes do contato com um determinado agente estranho
ao organismo; é inespecífica e inclui as defesas do hospedeiro, como as barreiras
físicas e químicas (epitélios e substâncias antibacterianas nas superfícies epiteliais),
as células fagocitárias (neutrófilos, macrófagos) e células NK (natural killers),
proteínas do sangue (as proteínas da cascata do complemento e mediadores da
inflamação) e citocinas. Esses mecanismos reagem apenas contra estruturas que são
comuns a grupos de microrganismos, não apresentando respostas contra substâncias
não-infecciosas, além de responderem rapidamente e essencialmente da mesma
maneira a quaisquer infecções (FEARON e CARROLL, 2000).
A imunidade adquirida apresenta especificidade extraordinária para distinguir
as diferentes moléculas e uma habilidade de se “lembrar” e responder com mais
intensidade a exposições subseqüentes do mesmo agente estranho, sendo capaz de
reconhecer e reagir com substâncias microbianas ou não. Os componentes da
imunidade adquirida incluem os linfócitos e seus produtos (PANCER e COOPER,
2006).
A imunidade adquirida pode ser ativa ou passiva. A imunidade ativa é a
resistência induzida após o contato com agentes estranhos ao organismo: o
hospedeiro produz uma resposta imune ativa, consistindo de anticorpos e da ativação
de linfócitos T. A imunidade passiva é a resistência com base em anticorpos pré-
formados em outros organismos (LEVINSON e JAWETZ, 1998).
Existem dois tipos de resposta imunológica ativa: a imunidade humoral e a
imunidade celular, que são mediadas por diferentes componentes do sistema
imunológico. A imunidade humoral é mediada pelos anticorpos, moléculas presentes
no sangue e nas secreções das mucosas, que são produzidas pelos linfócitos B; é o
principal mecanismo de defesa contra microrganismos extracelulares e suas toxinas.
A resposta imune humoral é iniciada nos órgãos linfóides periféricos, como o baço
(no caso de antígenos circulantes no sangue), linfonodos (para antígenos que
penetram no organismo através da pele ou de outro epitélio) e tecidos linfóides da
mucosa (para antígenos que são inalados ou ingeridos) (ABBAS e LICHTMAN,
2005).
18
A imunidade celular é mediada pelos linfócitos T; é responsável pela defesa
contra fungos, parasitas e tumores, na rejeição de órgãos transplantados e nas
infecções por microrganismos intracelulares (vírus e algumas bactérias), que são
capazes de sobreviver e proliferar no interior de células fagocitárias e outras células
do hospedeiro, onde estão protegidas dos anticorpos. Os constituintes do sistema
imunológico responsáveis pela imunidade mediada por células incluem diversos
tipos celulares (macrófagos, células T auxiliares, células NK, células T citotóxicas)
(JANEWAY et al., 2005).
2.3.2 Resposta imune primária e secundária
Resposta imune primária é aquela que se estabelece quando um antígeno
penetra, natural ou artificialmente, pela primeira vez em um organismo. No interior
do organismo, o antígeno encontra uma célula imune antígeno-sensível, que inicia
um processo de proliferação e diferenciação, culminando com a síntese de anticorpos
específicos (FERRI et al., 1977).
Desde a introdução do antígeno até o aparecimento de anticorpos circulantes
existe uma fase de latência ou período de retardo de cerca de 7-10 dias, no qual há
proliferação e diferenciação das células imunologicamente competentes. Após este
período, que varia com as características individuais do hospedeiro, com a natureza,
dose e via de administração do antígeno, há o aparecimento de anticorpos
circulantes. A concentração sérica de anticorpo continua subindo por várias semanas
e então declina, podendo chegar a níveis muito baixos (LEVINSON e JAWETZ,
1998).
Após o estímulo primário, os anticorpos que aparecem precocemente
(principalmente da classe IgM) possuem pequena afinidade pelo antígeno que o
induziu, enquanto os anticorpos que aparecem mais tardiamente (da classe IgG)
apresentam maior afinidade média (FERRI et al. 1977).
Quando ocorre uma segunda exposição ao mesmo antígeno, meses ou anos
após a primeira exposição, é estabelecida a resposta imune secundária, caracterizada
pela necessidade de menor dose limiar de antígeno, período de latência menor (cerca
de 3-4 dias) e síntese rápida de anticorpos, em nível mais alto e persistente. A
mudança de classe do anticorpo sintetizado e a maturação da afinidade também
aumentam com repetidas exposições aos antígenos. Durante a resposta secundária, a
19
quantidade de IgM produzida é similar àquela produzida na resposta primária,
embora maiores quantidades de anticorpos IgG, com alta afinidade média, sejam
produzidos (ABBAS e LICHTMAN, 2005).
Os termos resposta primária e secundária estão primariamente associados à
formação de anticorpos, mas o tempo de resposta das células T também segue o
mesmo padrão. Após uma exposição inicial ao antígeno, a célula T específica
prolifera formando um pequeno clone de células (resposta primária) e após uma
exposição subseqüente ao mesmo antígeno, o pequeno clone de células expande
formando muitas células T específicas (resposta secundária) (SPRENT e SURH,
2002).
2.3.3 Antígenos
Antígenos são moléculas que reagem com anticorpos ou receptores de
antígenos nas células T, enquanto imunógenos são moléculas capazes de induzir uma
resposta imune específica. Os antígenos podem ser classificados em antígenos T
dependentes (ou dependentes do timo) e T independentes. A resposta imune a
antígenos T dependentes, como as proteínas, requer que linfócitos T auxiliares
reconheçam esses antígenos e ativem os linfócitos B. A resposta aos antígenos não-
protéicos, como polissacarídios, lipídeos e ácidos nucléicos, não necessita da
participação dos linfócitos T auxiliares específicos (ABBAS e LICHTMAN, 2005).
Cada antígeno ou imunógeno apresenta um número variado de determinantes
antigênicos ou epitopos, sítios estruturalmente definidos, de composição
tridimensional, que se ligam aos anticorpos e receptores específicos dos linfócitos,
para indução da resposta imune. Cada determinante possui um tamanho
correspondente a 4-6 aminoácidos ou resíduos de açúcar. Estima-se que o sistema
imunológico de uma pessoa possa discriminar de 107 a 109 determinantes antigênicos
diferentes, pela existência de diversos clones linfocitários que diferem na estrutura de
seus receptores de antígenos e em sua especificidade; todos os membros de cada
clone expressam receptores antigênicos com a mesma especificidade e que são
diferentes dos receptores de outros clones (CATTY, 1989a).
20
2.3.4 Resposta imune a antígenos protéicos extracelulares
O início e o desenvolvimento de uma resposta imunológica induzida por um
peptídeo requerem que o antígeno seja capturado e apresentado a linfócitos
específicos, papel desempenhado pelas células apresentadoras de antígenos (APC).
As APCs com maior grau de especialização são as células dendríticas, e outros tipos
celulares, como os linfócitos B, desempenham a função de APCs em diferentes
estágios da resposta imunológica (DOHERTY, 2007).
Os antígenos, ao penetrarem no organismo, são reconhecidos e fagocitados
pelas células mononucleares ou interagem diretamente com os anticorpos ligados à
membrana das células B inativas (IgM ou IgD). Dentro do citoplasma de uma célula
APC, o antígeno é processado (degradação proteolítica) e seus epitopos se associam
às moléculas da Classe II do Complexo de Histocompatibilidade Principal (Major
Histocompatibility Complex – MHC). As moléculas do MHC da classe II são
estabilizadas pela ligação aos peptídeos e o complexo é transportado à superfície da
célula, onde o antígeno, em associação com a proteína de classe II, é apresentado ao
receptor das células T auxiliares CD4+ (RCT) (SPRENT e SURH, 2002).
O complexo antígeno-proteína MHC de classe II, apresentado pelas células
APC, interage com RCT. A ativação e a proliferação clonal desses linfócitos T
auxiliares ocorrem como resultado da produção de linfocinas, como a interleucina-1
(produzida por macrófagos), interleucina-2 (fator de crescimento de células T,
produzida por linfócitos), interleucina-4 (fator de crescimento de células B) e
interleucina-5 (fator de diferenciação de células B). Quando o RCT interage com o
complexo antígeno-proteína MHC de classe II, a proteína CD4 presente na superfície
da célula T auxiliar também interage com as proteínas da classe II do MHC. Além da
ligação da molécula de CD4 com a proteína de classe II do MHC, outras proteínas
interagem para ajudar a estabilizar o contato entre as células T e as APCs (SZABO et
al., 2003).
As citocinas secretadas pelas células T auxiliares estimulam a proliferação e
diferenciação não só das próprias células T, mas também de células B, macrófagos e
outros leucócitos. Após estimulação antigênica e ação de várias linfocinas, os
linfócitos B maduros se diferenciam em células denominadas plasmócitos, que
sintetizam e secretam anticorpos ativamente. Os plasmócitos se desenvolvem nos
órgãos linfóides e nos locais em que ocorrem respostas imunológicas. A maioria
21
sobrevive por pouco tempo e não se renova, mas alguns podem migrar para a medula
óssea e sobreviverem por um longo período após a eliminação do antígeno
(KATHRYN et al., 2003).
A mudança da cadeia pesada do isótipo e a maturação da afinidade são
fenômenos característicos da resposta imune humoral a antígenos protéicos (EISEN,
2001).
Inicialmente, todos os plasmócitos produzem anticorpos IgM em resposta à
exposição àquele antígeno; mais tarde, rearranjos das regiões constantes das cadeias
pesadas permitem a elaboração de anticorpos com a mesma especificidade
antigênica, mas de diferentes classes de imunoglobulinas, de modo que os anticorpos
sintetizados exerçam diferentes funções efetoras; esse processo é chamado mudança
de isótipo de cadeia pesada e ocorre nos tecidos linfóides periféricos (McHEYZER-
WILLIAMS e McHEYZER-WILLIAMS, 2005). O controle da mudança de isótipo é
dependente da concentração de várias interleucinas (IL-4 aumenta a produção de IgE
enquanto a IL-5 aumenta a IgA) e da interação da proteína CD40 da célula B (co-
estimuladora) com a proteína ligante CD40 na célula T auxiliar (SZABO et al.,
2003).
As células B ativadas também produzem anticorpos que se ligam ao antígeno
com alta capacidade e afinidade crescente, combatendo antígenos persistentes ou
recorrentes; esse processo é conhecido como maturação de afinidade (SPRENT e
SURH, 2002). A ligação de anticorpos é melhorada, porque ocorrem mutações no
DNA das células imunocompetentes, que codificam para os sítios de ligação ao
antígeno. Algumas mutações resultam na inserção de diferentes aminoácidos na
região hipervariável resultando em uma melhor interação, tornando a ligação
antígeno-anticorpo muito mais forte. A subpopulação de células plasmáticas com
essas regiões hipervariáveis melhoradas, são preferencialmente (e frequentemente)
selecionadas pelo antígeno e, portanto, constituem a maioria da população de células
produtoras de anticorpos (MAYNARD e GEORGIOU, 2000; NEMAZEE, 2000).
Em função de estímulos ainda pouco conhecidos, alguns linfócitos B e T
estimulados por antígenos são capazes de se diferenciarem em células de memória,
que atuam como intermediárias das respostas secundárias. As células de memória
podem sobreviver em um estado funcionalmente dormente ou de ciclo lento por
longos períodos, mesmo após a eliminação do antígeno (ZINKERNAGEL et al.,
1996).
22
As células de memória expressam proteínas em sua superfície que as
diferenciam das células inativas e dos linfócitos efetores recém-ativados, além de
apresentarem receptores de antígeno de alta afinidade (DUTTON et al., 1998).
Os linfócitos B de memória expressam outros isótipos de imunoglobulinas na
membrana (principalmente IgG), enquanto as células B inativas expressam somente
IgM ou IgD (McHEYZER-WILLIAMS e McHEYZER-WILLIAMS, 2005).
Comparadas às células T inativas, os linfócitos T de memória expressam altos níveis
de moléculas de adesão, tais como as integrinas e CD44, que promovem a migração
das células de memória para os locais de infecção ao longo do corpo (SPRENT e
SURH, 2002).
As células de memória são heterogêneas em muitos aspectos. Algumas
migram de preferência para os linfonodos, onde representam uma reserva de
linfócitos específicos, que são capazes de desencadear uma resposta imune caso o
antígeno seja reintroduzido no organismo. Outras células de memória residem nas
mucosas ou circulam no sangue, de onde podem ser recrutadas para qualquer local de
infecção e desencadear respostas efetoras rapidamente para eliminar o antígeno
(DUTTON et al., 1998).
2.3.5 Anticorpos
No início do século XX, Karl Landsteiner e outros investigadores
demonstraram que, além das toxinas, substâncias bacterianas também podiam induzir
respostas imunológicas humorais. Desses estudos surgiu o termo anticorpos, para
designar as proteínas plasmáticas que mediavam a imunidade humoral e eram de
fundamental importância para a identificação e eliminação de antígenos específicos,
que penetravam no organismo (HENDRIKSEN e HAU, 2003).
As glicoproteínas do plasma ou do soro são tradicionalmente separadas, por
sua diferença de solubilidade, em albumina e globulina. A maioria dos anticorpos é
encontrada no terceiro grupo de globulinas de migração mais rápida, chamadas de
gamaglobulinas. Outro nome comum para os anticorpos é imunoglobulina (Ig), que
se refere à imunidade conferida pela fração de gamaglobulina (ABBAS e
LICHTMAN, 2005).
Quando o plasma ou o sangue formam um coágulo, os anticorpos
permanecem no líquido residual, que é chamado de soro. O soro que contém uma
23
quantidade detectável de moléculas de anticorpos específicos para determinado
antígeno é normalmente chamado de antissoro (ABBAS e LICHTMAN, 2005).
A eliminação do antígeno geralmente requer a interação do anticorpo com
componentes do sistema imunológico natural, incluindo moléculas como as proteínas
do complemento, células fagocitárias, células NK, mastócitos e eosinófilos, que
apresentam receptores específicos para ligar moléculas de anticorpos. As funções
efetoras mediadas pelos anticorpos incluem a neutralização dos microrganismos ou
de toxinas microbianas, ativação do sistema do complemento, opsonização dos
antígenos, hipersensibilidade imediata e citotoxicidade celular dependente de
anticorpo (LEVINSON e JAWETZ, 1998).
As imunoglobulinas são glicoproteínas constituídas de cadeias polipeptídicas
leves (L) e pesadas (H). Os termos “leves” e “pesadas” referem-se ao peso
molecular: cadeias leves possuem peso molecular de cerca de 24 kD, e as cadeias
pesadas, 50-70 kD. A molécula de anticorpo mais simples possui estrutura básica
simétrica, constituída por duas cadeias leves e duas cadeias pesadas idênticas, ligadas
por pontes dissulfídicas (LEVINSON e JAWETZ, 1998).
Cadeias L e H são subdivididas em regiões variáveis e regiões constantes,
compostas de dobras tridimensionais de segmentos repetidos chamados domínios,
cada um constituído de aproximadamente 110 aminoácidos. As regiões variáveis são
assim denominadas porque contêm regiões em que a sequência de aminoácidos é
variável e distingue os anticorpos feitos por um clone de células B dos anticorpos
feitos por outros clones (JANEWAY et al., 2005).
Os domínios variáveis das cadeias leves e pesadas estão justapostos para
formar os sítios de ligação ao antígeno; os domínios constantes da cadeia pesada
formam os sítios que interagem com outras moléculas efetoras e células do sistema
imunológico, participando, assim, como mediadora da maioria das funções
biológicas dos anticorpos; as regiões constantes da cadeia leve não participam de
funções efetoras e não se ligam a membranas celulares. A porção C-terminal das
cadeias H é a responsável por ancorar os anticorpos na membrana plasmática dos
linfócitos B (ABBAS e LICHTMAN, 2005).
As regiões variáveis das cadeias L e H possuem três seqüências de
aminoácidos extremamente variáveis (hipervariáveis) na porção N-terminal, a qual
forma o sítio de ligação ao antígeno. Somente 5-10 aminoácidos, em cada região
hipervariável, formam o sítio de ligação ao antígeno. A maior parte das diferenças
24
nas seqüências entre os diversos anticorpos está confinada a essas três pequenas
extensões nas regiões V. Como essas seqüências formam uma superfície
complementar à estrutura tridimensional do antígeno que é reconhecido, as regiões
hipervariáveis também são chamadas de regiões determinantes de
complementaridade (CDRs). A partir da porção N-terminal VL ou VH, essas regiões
são chamadas de CDR1, CDR2 e CDR3, respectivamente. A região CDR3 dos
segmentos VL e VH são as mais variáveis (MAYNARD e GEORGIOU, 2000).
Todas as moléculas de anticorpos possuem as mesmas características
estruturais básicas, mas apresentam grande variedade nas regiões que se ligam aos
antígenos. Os sítios de ligação ao antígeno da maioria dos anticorpos são superfícies
planas que podem acomodar epitopos conformativos ou lineares de macromoléculas,
composto de cerca de 6 aminoácidos (ABBAS e LICHTMAN, 2005).
Isótipos e subtipos de anticorpos possuem regiões constantes das cadeias
pesadas diferentes e, consequentemente, desempenham funções efetoras diferentes.
Em mamíferos, os anticorpos podem ser divididos em classes e subclasses distintas
com base nas diferenças estruturais das regiões C das cadeias H. As classes, ou
isótipos, são denominadas IgA, IgD, IgE, IgG e IgM, cada uma com características e
atividades específicas (MAYNARD e GEORGIOU, 2000).
As principais funções dos diferentes anticorpos estão sumarizadas na tabela 2.
Tabela 2- Funções das imunoglobulinas (adaptado de JANEWAY et al., 2005).
Imunoglobulina Principais funções IgG Principal anticorpo na resposta secundária; opsoniza bactérias;
fixa o complemento; neutraliza toxinas bacterianas e vírus; atravessa a placenta.
IgA Previne a ligação de bactérias e vírus nas membranas mucosas; não fixa complemento.
IgM Fixa complemento; não atravessa a placenta; é o receptor de antígeno na superfície das células B.
IgD Encontrada na superfície de muitas células B; funções pouco conhecidas.
IgE Medeia a hipersensibilidade imediata, causando a liberação de mediadores por mastócitos e basófilos quando expostos a um antígeno (alérgeno); principal defesa do hospedeiro contra infecções por helmintos; não fixa complemento.
25
2.3.5.1 Reações antígeno-anticorpo
O reconhecimento do antígeno pelo anticorpo envolve uma ligação não-
covalente reversível, altamente específica. Vários tipos de interações não covalentes
podem contribuir para a ligação antígeno-anticorpo, incluindo forças eletrostáticas,
ligações de hidrogênio, forças de van der Waals e interações hidrofóbicas
(LEVINSON e JAWETZ, 1998).
Segundo CATTY (1989a), as reações antígeno-anticorpo apresentam algumas
características básicas:
a) Especificidade
Os anticorpos podem apresentar uma grande especificidade para um antígeno
em particular, distinguindo pequenas diferenças em sua estrutura química.
Entretanto, pode ocorrer a chamada reação cruzada, onde alguns anticorpos
produzidos contra um antígeno são capazes de reconhecer e se ligar a outro antígeno,
estruturalmente semelhante.
b) Diversidade
Característica que reflete a capacidade de ligação de um grande número de
anticorpos a diferentes antígenos.
c) Afinidade A exatidão do encaixe estereoquímico entre o sítio de ligação ao anticorpo e
seu determinante antigênico complementar é chamada de afinidade do anticorpo. A
afinidade é normalmente representada por uma constante de dissociação (Kd), que
indica a concentração do antígeno necessária para ocupar os sítios de ligação de
metade das moléculas de anticorpo presentes em uma solução de anticorpos (quanto
menor a Kd, maior a afinidade da interação).
Pelo processo de maturação de afinidade, a Kd de um anticorpo pode variar na
resposta imunológica primária e na secundária (por exemplo, Kd de 10-7 a 10-9 M
passaria, na resposta secundária, para 10-11 M ou menos).
26
Diversos testes imunodiagnósticos, baseados nas características físicas e
biológicas das reações antígeno-anticorpo, podem ser realizados em laboratório,
como os ensaios imunoenzimáticos (ELISA) e Western blotting.
a) Ensaio imunoenzimático (ELISA - Enzyme- Linked Immunosorbent Assay)
(CATTY, 1989b)
No final do século XX (1970), a pesquisa por métodos simples e sensíveis
para detecção e quantificação de antígenos ou anticorpos em amostras diversas levou
ao desenvolvimento de ensaios com reagentes acoplados a enzimas em fase sólida. A
técnica baseia-se na marcação, por conjugação química, de uma enzima a um
antígeno ou a um anticorpo conhecido; o material marcado com a enzima reage com
a amostra; a subseqüente interação com o substrato da enzima produz uma coloração,
que pode ser visualizada e, ou medida por densidade óptica.
Por causa de sua sensibilidade e simplicidade combinadas, imunoensaios com
enzimas em fase sólida podem ser largamente utilizadas para screening de amostras
teste de pequenos volumes. O avanço da técnica de ELISA possibilitou um grande
impacto sobre a epidemiologia e o diagnóstico de doenças infecciosas, sendo
também utilizada rotineiramente para screening de anticorpos monoclonais, para
detecção e medida de hormônios e drogas, para determinação de isótipos de
anticorpos específicos e complexos imunes.
Problemas de especificidade não são diferentes, nem maiores, do que aqueles
de outros imunoensaios e, da mesma forma que outros ensaios, esses problemas
podem ser minimizados pelo uso de reagentes de boa qualidade e de procedimentos
padronizados.
A técnica de ELISA apresenta variações, como ELISA indireta, ELISA
direta, ELSA sanduíche. A técnica de ELISA indireta é a mais popular no que se
refere ao screnning de amostras de soro para avaliação da presença de anticorpos
específicos e exerce papel importante em estudos epidemiológicos de muitas
infecções. O anticorpo se liga ao antígeno em fase sólida e é detectado por anti-
globulina conjugada. Pode ser utilizado antissoro policlonal e anti-globulina
conjugada. É capaz de detectar concentrações tão baixas como 10 ng mL-1 de
anticorpo, sendo útil para titulação de anticorpos, testes de especificidade, estudos de
isotipos de anticorpos e screening de rotina de clones de hibridoma para produção de
anticorpos monoclonais.
27
A técnica de ELISA sanduíche é favorecida por sua simplicidade, combinada
a especificidade e sensibilidade, além da sua fácil conversão para “dot-ELISA” ou
formato “dip-stick”. O anticorpo na fase sólida é exposto à amostra teste, se liga ao
antígeno e um segundo anticorpo detecta o antígeno ligado. Pode ser utilizado
anticorpo policlonal ou monoclonal. Pode detectar concentrações de 10 ng mL-1 de
antígeno. Potencialmente muito sensível, é capaz de, teoricamente, detectar uma
única molécula de antígeno.
b) Western blotting
Usado para confirmar se um resultado positivo em ELISA é um verdadeiro
positivo ou um falso positivo, para avaliar especificidade de anticorpos e também
para identificar e purificar antígenos. As proteínas são separadas eletroforeticamente
em um gel, resultando em bandas distintas, que são transferidas do gel para uma
membrana de nitrocelulose, seguido pela adição de antissoro. Se os anticorpos
estiverem presentes, se ligarão à proteína e será detectado pela adição de anticorpos
contra IgG marcado com radioatividade ou com enzimas. Pode ser utilizado
anticorpo policlonal ou monoclonal. Apresenta sensibilidade maior que 10 ng mL-1
de antígeno. O método revela a pureza, o peso molecular e a natureza do antígeno,
podendo ser utilizado para definir e comparar especificidade de anticorpos
(LEVINSON e JAWETZ, 1998)
2.3.5.2 Anticorpos policlonais e monoclonais
Anticorpos que surgem em um animal em resposta a antígenos típicos (ou a
uma mistura de antígenos) são heterogêneos (formados por diferentes clones de
linfócitos B), apresentam diferentes graus de afinidade e especificidade, sendo
capazes de responder a vários epitopos de um antígeno; nesse caso, o antissoro é dito
policlonal. Anticorpos que surgem em um único clone celular (por exemplo, no
tumor de células plasmáticas, ou mieloma) são homogêneos, isto é, o antissoro é
monoclonal. Anticorpos monoclonais podem também ser produzidos em laboratório
pela fusão de células de mieloma com uma célula produtora de anticorpo
(LEVINSON e JAWETZ, 1998).
Quando se faz a escolha entre a geração de anticorpos policlonais (PAbs) ou
monoclonais (MAbs) devem ser consideradas a aplicação desejada, o custo e o tempo
28
disponível para sua produção. Em pesquisa, enquanto muitas questões podem ser
resolvidas utilizando-se PAbs, os MAbs são preferíveis para propostas diagnósticas e
quando se deseja uma produção em larga escala (LEENAARS et al., 1996).
De maneira experimental, o antissoro policlonal é o resultado convencional
da imunização de um animal, geralmente coelho, carneiro ou cabra. A produção de
anticorpos depende da estimulação de células sensíveis ao antígeno nos tecidos
linfóides do animal imunizado e da presença contínua do imunógeno, de modo a
possibilitar extensa proliferação policlonal de plasmócitos e uma competição entre
células por quantidades limitadas de antígeno, para que somente células com alta
afinidade pelos determinantes antigênicos sejam capazes de responder (JANEWAY
et al., 2005).
Como diferentes testes requerem diferentes propriedades do antissoro, não
existe um procedimento padrão para imunização de animais que garanta uma
produção ideal de anticorpos. Segundo HENDRIKSEN e HAU (2003), um
procedimento de imunização inclui vários fatores críticos, que podem influenciar os
resultados da imunização e o bem estar dos animais, incluindo o tamanho do
antígeno a ser administrado, o uso de adjuvante, a escolha dos animais, a rota de
imunização, o volume e a freqüência das imunizações, e as coleta periódicas de
sangue.
a) Tamanho do imunógeno
A intensidade da resposta imune está diretamente relacionada ao tamanho do
antígeno e à diferença filogenética entre o animal doador do antígeno e o receptor.
Moléculas de peso molecular entre 5 – 10 kDa geralmente necessitam de uma
proteína carreadora, entretanto o método de conjugação pode levar ao
desenvolvimento de anticorpos específicos para determinantes da própria proteína
carreadora. Moléculas maiores, com alto grau de conformação e rigidez estrutural,
tendem a ser mais fortemente imunogênicas, com múltiplos determinantes
antigênicos (POULSEN et al., 1990).
b) Uso de adjuvantes
Os adjuvantes (do latim adjuvare, que significa auxiliar, ajudar) consistem de
substâncias cujas propriedades físicas e, ou biológicas quando aplicados com
imunógenos afetam, em diferentes graus, a resposta imune. São usados desde 1926,
29
sendo úteis para indução experimental de uma resposta de linfócitos T a um antígeno
protéico (AGUILAR e RODRÍGUEZ, 2007). Antígenos protéicos administrados sob
a forma aquosa, sem adjuvantes, deixam de induzir respostas dos linfócitos T ou
induzem um estado de falta de responsividade, chamado tolerância (SPRENT e
SURH, 2002).
Os adjuvantes acentuam a resposta imune a um imunógeno por vários
mecanismos: induzem inflamação local, estimulando o influxo de APCs a locais de
exposição ao antígeno; possibilitam a liberação lenta do imunógeno a partir do local
da imunização; ativam as APCs para aumentar a expressão de co-estimuladores e
produzir citocinas; podem atuar sobre APCs para prolongar a persistência de
complexos peptídeo-MHC na superfície celular (BALDRICK et al., 2002). Os
adjuvantes mais comumente utilizados para procedimentos de imunização são o
adjuvante completo de Freund (ACF) e o adjuvante incompleto de Freund (AIF)
(CATTY, 1989b).
O adjuvante completo de Freund (ACF) é composto por uma mistura de óleo
mineral (Bayol F), uma suspensão de células de Mycobacterium butyricum,
Mycobacterium smegmatis ou Mycobacterium tuberculosis mortas por calor e o
emulsificante Arlacel A. É o adjuvante mais efetivo e mais utilizado para produção
de rotina de antissoro em animais, para antígenos solúveis e emulsificados de células.
O uso de adjuvante completo de Freund permite a persistência a longo prazo da
resposta imune devido ao efeito de depósito do adjuvante no local da imunização, já
que as vesículas de óleo ficam retidas no granuloma por longos períodos, enquanto o
material imunogênico sofre uma degradação lenta, apresentando uma meia vida de
cerca de 14 dias. ACF nunca deve ser injetado duas vezes em um animal e,
normalmente, é administrado na primeira imunização. Injeções repetidas de ACF
podem levar a severas reações teciduais e também ao choque anafilático. Com a
formação de granuloma e a tendência do ACF em gerar reações auto-imunes, esse
adjuvante não pode ser utilizado em humanos (HENDRIKSEN e HAU, 2003).
O adjuvante incompleto de Freund (AIF) consiste de uma emulsão de óleo em
água, composta por óleo mineral (Bayol F) a 85-90% e um detergente (Arlacel A;
mannide monooleate) a 10-15%. Imunógenos em fase aquosa podem ser
emulsificados com AIF para prover um depósito de imunização principal, visando
uma resposta de produção de anticorpos intensa a longo prazo, havendo captação e
perda gradual do imunógeno a partir do sítio de injeção. Contudo, a resposta com
30
AIF é comumente menos confiável e mais baixa, devido à ausência de granulomas
ou da menor persistência do imunógeno nos sítios de depósito (KITTELL et al.,
1991).
c) Escolha dos animais
O coelho é, tradicionalmente, a espécie mais utilizada para a produção de
anticorpos, mas a escolha depende dos propósitos da imunização e de fatores como
volume de antissoro necessário, facilidade para obtenção das amostras de sangue,
relação filogenética entre a espécie doadora do antígeno e a receptora, características
e finalidade do anticorpo a ser sintetizado (ABRAHAM et al., 1994).
Deve ser dada preferência a animais adultos jovens, que respondem melhor a
agentes imunoestimulatórios, já que a resposta imune é pequena em animais jovens e
declina com o avanço da idade. As idades mínimas recomendadas para a produção de
anticorpos policlonais são: 6 semanas para ratos e camundongos; 3 meses para
coelhos e guinea pigs; 3-4 meses para galinhas; 6-7 meses para cabras; 6-9 meses
para carneiros (HENDRIKSEN e HAU, 2003).
Animais da mesma espécie apresentam respostas individuais a um antígeno,
portanto, mais de um animal deve ser utilizado e seu soro testado separadamente.
Embora não existam razões científicas para a não utilização de animais machos, as
fêmeas são escolhidas, por serem geralmente mais dóceis (ABRAHAM et al., 1994).
A produção de anticorpos poli e monoclonais requer o uso de um número
considerável de animais e, em função da invasividade dos procedimentos
experimentais, os animais são protegidos por legislação específica, que regula o uso
de animais de laboratório. No caso dos anticorpos policlonais, os animais são
imunizados para induzir uma resposta imune humoral otimizada, enquanto para
anticorpos monoclonais, os animais são necessários para a obtenção de linfócitos B
antígeno-específicos e para a produção de ascite (HENDRIKSEN e HAU, 2003).
d) Rota, volume e freqüência das imunizações A rota de injeção do antígeno determina, em parte, os órgãos linfóides
ativados e o tipo de resposta a ser induzida. Animais podem ser imunizados por via
intradérmica (i.d.), subcutânea (s.c.), intramuscular (i.m.), intraperitoneal (i.p.) ou
31
intravenosa (i.v.). A escolha da rota de injeção deve ser influenciada pela natureza
física do imunógeno e pela rotina de imunização (LEVINSON e JAWETZ, 1998).
Pequenas doses de antígeno devem ser usadas, já que altas doses ativam um
grande número de clones de células B de baixa afinidade, enquanto pequenas doses
de antígeno ativam somente clones de células B de alta afinidade (ABBAS e
LICHTMAN, 2005).
Geralmente, uma única imunização não é suficiente para a produção de
anticorpos, sendo necessárias imunizações sucessivas, para o estabelecimento de
células de memória. As imunizações nunca devem ser realizadas no mesmo sítio da
injeção prévia, nem em granulomas ou regiões intumescidas. Como indicação geral,
a próxima imunização deve ser realizada assim que o título de anticorpos atinja um
platô ou comece a declinar (3-4 semanas após a primeira imunização, para antígenos
aquosos; 4 semanas quando um adjuvante é utilizado). O número de imunizações
sucessivas deve ser limitado a 2-3, mas no caso de antígenos de baixo peso
molecular, um maior número de imunizações pode ser necessário (HENDRIKSEN e
HAU, 2003).
e) Coleta de sangue
Uma coleta de sangue antes do início das imunizações deve sempre ser
realizada, pelo fato de cada animal apresentar respostas individuais quando desafiado
com um antígeno (CATTY, 1989a).
Para uma produção otimizada de antissoro devem ser realizadas coletas
periódicas de sangue após cada imunização, visando monitorar o título de anticorpos
no soro, mudanças na especificidade e avidez. Os resultados dos testes influenciam
as imunizações subseqüentes e podem ser um guia essencial para selecionar os
melhores animais produtores de anticorpos (LEVINSON e JAWETZ, 1998).
f) Estoque do antissoro obtido
Embora o antissoro estéril permaneça viável quando estocado a 4 ºC por
longos períodos, o congelamento é recomendável, sendo o mínimo de – 20 ºC.
Contudo, nessas condições, o componente aquoso sublima e congela na superfície,
enquanto as proteínas podem agregar em precipitados insolúveis na parte inferior.
Enzimas do soro continuam degradando as proteínas quando estocadas a – 20 ºC, por
isso, temperaturas de – 60 ºC ou abaixo são ideais (CATTY, 1989a).
32
3. MATERIAIS E MÉTODOS
O presente trabalho foi desenvolvido no Laboratório de Microbiologia de
Anaeróbios do Departamento de Microbiologia, na Universidade Federal de Viçosa.
3.1 Microrganismos e condições de cultivo
Streptococcus bovis HC5 foi cultivado em condições anaeróbias a 39 ºC, por
18 h, em meio basal, contendo (por litro): 16 g de glicose; 0,292 g de K2HPO4; 0,292
g de KH2PO4; 0,48 g (NH4)2SO4; 0,48 g de NaCl; 0,1 g de MgSO4.7H2O; 0,064 g de
CaCl2.2H2O; 0,5 g de hidrocloreto de cisteína; 4 g de Na2CO3; 0,1 g de tripticase e
0,5 g de extrato de levedura.
Foram utilizados Alicyclobacillus acidoterrestris DSMZ 2498 e Lactococcus
lactis ATCC 19435 como microrganismos indicadores da atividade da bacteriocina,
em testes de difusão em meio sólido. Lactococcus lactis ATCC 19435 foi cultivado
em condições aeróbias, a 30 ºC, em meio MRS (DE MAN et al., 1960), contendo
(por litro): 10 g de proteose peptona; 10 g de extrato de carne; 5 g de extrato de
levedura; 1 g de Tween 80; 2 g de citrato de tri-amônio; 0,205 g de MgSO4; 0,056 g
de MnSO4; 2,62 g de K2HPO4; 20 g de sacarose e 5 g de acetato de sódio.
Alicyclobacillus acidoterrestris DSMZ 2498 foi cultivado em condições aeróbias, a
40 ºC, em meio AAM – meio para A. acidoterrestris (YAMAZAKI et al., 2000) –,
contendo por litro: 1 g de extrato de levedura; 0,2 g de (NH4)2SO4; 0,5 g de
MgSO4.7H2O; 0,25 g de CaCl2.2H2O; 0,6 g de KH2PO4 e 1 g de glicose.
33
3.2 Extração e determinação da atividade de bovicina HC5
A extração de bovicina HC5 foi realizada conforme descrito por
MANTOVANI et al. (2002). Culturas de S. bovis em fase estacionária foram
submetidas a tratamento térmico (70 oC, 30 min) para inativação das células e
peptidases do envelope celular. As células foram separadas por centrifugação (1742
g, 15 min, 5 oC) (Sorvall® RT 6000 D, GMI, Minnesota, EUA), lavadas com 50
mL de solução fosfato de sódio (5 mM, pH 6,4) e novamente centrifugadas; os
pellets foram ressuspendidos em 50 mL de solução ácida de NaCl (100 mM, pH 2,0)
e incubados por 2 h à temperatura ambiente, sob agitação constante; a suspensão de
células foi novamente centrifugada (1742 g, 15 min, 5 oC) e o sobrenadante livre de
células, liofilizado; o material liofilizado foi então ressuspendido em 10 mL de
solução fosfato de sódio (5 mM, pH 2,0).
A atividade da bacteriocina foi determinada pelo teste de difusão em meio
sólido, conforme descrito por HOOVER (1993), utilizando A. acidoterrestris DSMZ
2498 ou L. lactis ATCC 19435 como microrganismo indicador (107 UFC/mL). As
placas foram inoculadas com 100 μL de cultura de A. acidoterrestris DSMZ 2498
pelo método de spread plate ou com 100 μL de cultura de L. lactis ATCC 19435
pelo método de pour plate. A seguir, foram realizadas diluições seriadas da bovicina
HC5 (incrementos de 2 vezes), em solução fosfato de sódio (5 mM, pH 2,0), e
aplicados 25 μL de cada diluição em poços de 5 mm perfurados em meio sólido; as
placas foram incubadas overnight a 4 ºC para difusão da bacteriocina. Em seguida, as
placas com A. acidoterrestris DSMZ 2498 foram incubadas por até 36 h a 40 ºC e as
placas com L. lactis ATCC 19435 foram incubadas por 24 h a 30 ºC; a atividade da
bacteriocina foi determinada pelo recíproco da maior diluição onde foi possível
visualizar halos de inibição ≥ 5 mm de diâmetro (a partir da borda do poço), sendo
expressa em unidades arbitrárias por mL (UA/mL) (LEWUS e MONTVILLE, 1991).
3.3 Atividade inibitória de sobrenadantes de culturas lácticas
bacteriocinogênicas
A atividade antimicrobiana dos sobrenadantes das culturas lácticas PD 4.7, ID
3.1 e ID 8.5, foi determinada pelo método de difusão em ágar, já descrito para
bovicina HC5, utilizando L. lactis ATCC 19435 como microrganismo indicador (107
34
UFC/mL). O teste de difusão em ágar também foi realizado com o sobrenadante da
cultura de Streptococcus bovis JB1, como controle negativo.
3.4 Purificação de bovicina HC5
A bacteriocina bovicina HC5 foi purificada por cromatografia líquida de alta
eficiência de fase reversa (RP-HPLC, Waters), utilizando coluna C-18 (6,0 x 150
mm, 5 μm Shimadzu), equilibrada com TFA 0,1 %. Foram aplicados 1,5 mL da
bacteriocina após liofilização e ressuspensão em solução fosfato de sódio (5 mM, pH
2,0). Inicialmente, as proteínas foram eluídas a um fluxo de 1 mL min-1 na solução
de equilíbrio, passando para uma concentração de 10 % do solvente B (acetonitrila
80 % e TFA 0,1 %), durante os primeiros 10 min, seguindo-se a eluição em um
gradiente de 10 a 60 % do solvente B, durante 40 min; após 50 min de corrida, a
concentração do solvente B atingiu 100 % e a coluna foi lavada por 25 min. A
absorvância foi monitorada a 214 e a 280 nm.
Todas as frações eluídas foram coletadas e avaliadas quanto à atividade
antimicrobiana, por meio dos testes de atividade em meio sólido, descritos
anteriormente. Definida a fração com atividade, o método de purificação foi alterado,
com o objetivo de reduzir o tempo de cada corrida cromatográfica. As proteínas
passaram a ser eluídas a um fluxo de 1 mL min-1 na solução de equilíbrio, na
concentração de 35 % do solvente B, durante os primeiros 8 min, e um gradiente de
35 a 50 % do solvente B, durante 12 min; após 20 min de corrida, a concentração do
solvente B atingiu 35 %, restaurando a condição inicial de equilíbrio; a coluna não
foi lavada e as corridas foram sequenciais. A absorvância continuou sendo
monitorada a 214 e a 280 nm.
A purificação do peptídeo foi confirmada por SDS-Tricina-PAGE (Sodium
Dodecyl Sulfate Tricine Polyacrilamide Gel Electrophoresis) (16,5 % de acrilamida)
(SHÄGGER e VON JAGOW, 1987). As proteínas foram separadas a 100 V, por 2 h,
usando aparato de eletroforese mini-PROTEAN II da Bio-Rad. O gel foi lavado por
1 min em água Milli Q e fixado em três soluções: fixador 1, solução de ácido
ortofosfórico 2 % e etanol 30 % (3vezes, por 30 min cada; 50 mL de solução para
cada gel, em cada incubação); fixador 2, ácido ortofosfórico 2 % (3vezes, por 10 min
cada; 50 mL de solução para cada gel, em cada incubação); fixador 3, ácido
ortofosfórico 2 %, etanol 18 % e sulfato de amônio 12 % (p/v) (1 vez, por 30 min; 50
35
mL de solução para cada gel, em cada incubação). Ao gel imerso no fixador 3, foram
adicionados 500 μL de solução de Coomassie blue G-250 (2,0 %) e a coloração
procedeu até que as bandas fossem visualizadas (cerca de 5 h) (NEUHOFF et al.,
1988). Foi utilizado padrão de baixa massa molecular (SIGMA-ALDRICH), com
bandas de 31,0; 20,4; 19,7; 16,9; 14,4; 6,1; 3,5 kDa.
A atividade biológica da bacteriocina em SDS-Tricina-PAGE foi avaliada
pelo teste de biorevelação. Uma camada de meio MRS semi-sólido (20 mL),
contendo L. lactis ATCC 19435 como microrganismo indicador (107 UFC/mL), foi
disposta sobre o gel de poliacrilamida em placa de Petri, que foi incubada a 30 ºC,
por até 24 h (BHUNIA et al., 1987).
3.5 Produção de anticorpos policlonais
Foram utilizados quatro coelhos brancos, fêmeas, da raça New Zealand, com
mais de 60 dias de vida e cinco camundongos BALB/c com cerca de 7 a 8 semanas.
Os animais receberam dieta comercial (SOCIL®) e água ad libitum ao longo do
experimento, sendo monitorados quanto à aparência geral e reações nos locais de
imunização.
A fração ativa eluída em RP-HPLC foi submetida a tratamento térmico para
evaporação da acetonitrila e do TFA (90º C, 1h e 30 min), e estocada a – 20 ºC até o
momento do preparo das amostras para imunização.
Dois coelhos e os camundongos foram imunizados com uma mistura da
bovicina HC5 e adjuvante de Freund. À bacteriocina foi adicionado igual volume de
adjuvante completo de Freund (para a primeira imunização) ou adjuvante incompleto
(para as imunizações subseqüentes) e a mistura foi homogeneizada com uma seringa
(BHUNIA, 1994).
Os outros dois coelhos foram imunizados com uma mistura de adjuvante
incompleto de Freund e bacteriocina excisada do SDS-Tricina-PAGE. Foi preparado
SDS-Tricina-PAGE (SHÄGGER e VON JAGOW, 1987), com canaleta contínua,
para cada imunização e para cada coelho; a banda referente à bacteriocina foi
excisada do gel, fragmentada e macerada em almofariz, com 2,0 mL de PBS (pH
7,2), até a formação de uma mistura homogênea. A essa mistura foi adicionado igual
volume de adjuvante incompleto de Freund, para todas as imunizações, e
homogeneizada com uma seringa.
36
Os coelhos e camundongos foram imunizados conforme descrito por
AUSUBEL et al. (1997). Os coelhos foram imunizados por via subcutânea (dois
pontos no dorso) e intramuscular (patas traseiras), com 2,0 mL de solução de
antígeno e adjuvante (0,5 mL por sítio de imunização). Os camundongos foram
imunizados por via subcutânea, em um único ponto na região abdominal, com 0,2
mL de solução de antígeno e adjuvante. As imunizações dos coelhos foram
realizadas a cada 10 dias, totalizando 5 aplicações, enquanto os camundongos foram
imunizados por 6 vezes, a cada 10 dias.
Cerca de 15 mL de sangue de cada coelho foram coletados a partir da veia
marginal da orelha esquerda, antes de iniciar as imunizações, para que fosse obtido o
soro pré-imune dos animais. O local que seria sangrado foi raspado com lâmina de
aço e aplicada pequena quantidade de xilol na extremidade da orelha, para
possibilitar a dilatação da veia; o local onde foi realizado o corte foi esfregado, acima
e abaixo, com vaselina; a extremidade da lâmina de aço foi utilizada para atravessar a
veia marginal da orelha e a veia foi comprimida contra a cabeça, acima do corte; o
sangue foi coletado em frasco de vidro com bastão de vidro. Após atingir o volume
de sangue desejado, um algodão embebido em álcool 70 % foi comprimido
firmemente contra o corte para retirada do xilol, até estancar o sangramento. Após o
retorno às gaiolas, os coelhos foram examinados por alguns minutos para verificar se
o corte na veia marginal da orelha estava em boas condições (CATTY, 1989a).
A partir da segunda imunização, cerca de 10 mL de sangue dos coelhos foram
coletados, também através da veia marginal da orelha, antes de cada imunização. O
soro dos animais foi monitorado para acompanhamento da produção de anticorpos e
5 dias após a quinta imunização (45 dias de experimento), os animais foram
submetidos à eutanásia e o sangue foi coletado a partir da veia jugular.
No caso dos camundongos BALB/c, as amostras de sangue foram coletadas a
cada 6 dias, a partir da 4ª imunização, totalizando-se 4 coletas. Os animais foram
inicialmente sedados com éter etílico e o sangue foi coletado por punção na veia
ocular direita, com pipeta Pasteur de vidro.
Todas as amostras de sangue dos animais permaneceram à temperatura
ambiente (37 ºC) por cerca de 1 hora ou até que o coágulo formado estivesse solto da
parede do recipiente de vidro. O sangue foi armazenado sob refrigeração (4 ºC)
overnight, para a retração do coágulo e separação do soro; o soro, com um mínimo
de células vermelhas, foi coletado com uma pipeta automática, transferido para tubos
37
de microcentrífuga e centrifugados a 10000 rpm, por 15 min (Eppendorf®,
Centrifuge 5415C, Hamburg, Germany), à temperatura ambiente, para remoção de
outras células sanguíneas. Para evitar repetidos descongelamentos, as amostras foram
estocadas em alíquotas de 2,0 mL, a – 20 ºC até o momento das análises (AUSUBEL
et al., 1997).
3.6 Determinação do título de anticorpos policlonais anti-bovicina HC5
O título de anticorpos foi determinado por testes do soro diluído em PBS
(2,226 g de NaH2PO4, 11,915 g de Na2HPO4, 87,6 g de NaCl (pH 7,2)), contra
bovicina HC5 purificada (10 μg mL-1 em PBS), usando a técnica de ELISA indireta,
conforme descrito por LEVERSEE e GLATZ (2001), com modificações. As
amostras de bovicina HC5 purificadas foram colocadas em microplacas de
poliestireno, de fundo chato e 96 orifícios (Corning, Corning, EUA). As placas foram
incubadas overnight a 4ºC, lavadas duas vezes com tampão salina fosfato (2,226 g de
NaH2PO4, 11,915 g de Na2HPO4, 87,6 g de NaCl (pH 7,2)) e 0,05 % (v/v) de Tween
20 (PBST), bloqueadas com solução 1,0 % de albumina em PBST, por 2 h à
temperatura ambiente e, em seguida, lavadas três vezes com PBST.
Anticorpo primário (200 μL de antissoro de coelho, em diluições seriadas em
PBS, de 1:16 a 1:4096) foi adicionado aos orifícios e as placas foram incubadas à
temperatura ambiente, por 3 h. A seguir, as placas foram lavadas cinco vezes com
PBST e o anticorpo secundário (200 μL de anti-IgG de coelho conjugado com
peroxidase (SIGMA-ALDRICH), diluído 1:16000 em PBS) foi adicionado. As
placas foram incubadas por 1 hora à temperatura ambiente, lavadas quatro vezes com
PBST e uma vez com PBS, adicionada a solução de o-fenilenediamina, em
concentração de 0,66 mg mL-1 com 0,012 % (v/v) de H2O2. As placas foram
incubadas à temperatura ambiente, no escuro, por 30 min, e os soros positivos foram
evidenciados pelo desenvolvimento de coloração amarela resultante da ação da
peroxidase sobre o substrato. A reação foi interrompida pela adição de ácido
clorídrico 3 M e a absorvância foi analisada a um comprimento de onda de 492 nm,
em leitor de ELISA (ThermoPlate®, Modelo TP-Reader, tipo B).
Foi considerado positivo todo soro em que a leitura de absorvância obtida foi
maior do que a absorvância a 492 nm dos soros negativos, mais dois desvios-padrão
38
(DP). O título foi definido como o recíproco da maior diluição que apresentou
absorvância, pelo menos, 50 % maior do que a absorvância média para todas as
diluições do soro pré-imune (LEUNG et al., 2002). Todas as análises foram
realizadas em triplicatas.
3.7 Análise da especificidade dos anticorpos
A avaliação da especificidade dos anticorpos policlonais anti-bovicina HC5
foi avaliada por meio de ensaios de Western blotting e de ELISA indireta, em relação
ao sobrenadante da cultura de S. bovis HC5, de três culturas lácticas
bacteriocinogênicas (PD 4.7; ID 3.1; ID 85) e de uma cultura de S. bovis JB1, não
bacteriocinogênica.
Os ensaios de Western blotting foram realizados conforme descrito por
AUSUBEL et al. (1997), com modificações. Após eletroforese, as proteínas foram
transferidas para membranas de nitrocelulose com poros de 0,2 μm (SIGMA-
ALDRICH), utilizando o equipamento de eletrotransferência Bio-Rad Trans-Blot,
com amperagem constante de 0,35 A, por 40 min, a 4 ºC. As membranas foram
bloqueadas com TBST 1X (20 mM Tris base, 0,5 M NaCl (pH 7,5), 0,1 % Tween
20) e 5 % de caseína, por 1h 30 min; lavadas rapidamente com TBST 1X e outras
três vezes com 50 mL de TBST 1X (durante 15 min) e incubadas overnight com
anticorpo policlonal anti-bovicina HC5, desenvolvido nesse trabalho (antissoro de
coelho diluído 1:200 em TBST). As membranas foram lavadas três vezes com 50 mL
de TBST 1X, durante 15 min/cada, incubadas, por 2 h, com anticorpo secundário
(anti-IgG de coelho conjugado com peroxidase (SIGMA-ALDRICH), diluído
1:16000, com a mesma solução tampão) e lavadas outras três vezes com 50 mL de
TBST 1X, durante 15 min/cada. A ligação dos anticorpos à bovicina HC5 foi
visualizada com o substrato cromogênico o-fenilenediamina: as membranas foram
mergulhadas em solução de o-fenilenediamina e peróxido de hidrogênio, por 30 min,
e lavadas com água destilada para interromper a reação. Todas as incubações e
lavagens foram realizadas à temperatura ambiente, sob agitação constante (100 rpm).
Foi utilizado padrão pré-corado de massa molecular muito baixa (SIGMA-
ALDRICH), com bandas de 26,6; 17,0; 14,2; 6,5; 3,496; 1,06 kDa.
Os ensaios de ELISA indireta foram realizados conforme descrito
anteriormente, em triplicatas. O sobrenadante das culturas avaliadas foi considerado
39
reativo com antissoro anti-bovicina HC5 se a absorvância a 492 nm foi, pelo menos,
10 vezes maior do que a média do valor de absorvância não específica (0,01)
(LEVERSEE e GLATZ, 2001).
3.8 Neutralização da atividade inibitória de bovicina HC5 pelos anticorpos
policlonais
A habilidade do antissoro policlonal em neutralizar a atividade da bovicina
HC5, foi verificada conforme descrito por LEVERSEE e GLATZ (2001). Diluições
seriadas (1:2 a 1:1024) da bacteriocina em PBS (pH 7,2) foram misturadas com igual
volume de antissoro não diluído (15 μL) e incubadas por 1 h e 30 min em banho-
maria a 37 ºC. Em seguida, foi realizado o teste de atividade, conforme descrito
anteriormente, utilizando L. lactis ATCC 19435 como microrganismo indicador.
Soro pré-imune e água MilliQ estéril foram utilizados como controles negativos e
todos os testes foram realizados em duplicatas.
3.9 Monitoramento da produção e quantificação de bovicina HC5
Após serem caracterizados, os anticorpos policlonais anti-bovicina HC5
foram utilizados para determinar a produção de bovicina HC5 e para quantificar a
bacteriocina durante o crescimento de S. bovis HC5, em condições anaeróbias, em
meio basal, a 39 ºC, por 24 h (RICHARD et al., 2004).
Para avaliar a produção de bovicina HC5 ao longo do período de incubação
foram coletadas amostras da cultura a cada 15, 30 ou 60 min, de acordo com a fase
de crescimento microbiano, sendo utilizada a técnica de ELISA indireta
(LEVERSEE e GLATZ, 2001). Os dados de produção de bovicina HC5 foram
correlacionados com os dados de D.O.600nm (Electron Corporation®, Spectronic
20D+) para determinação da fase de crescimento na qual o peptídeo foi produzido, e
comparados aos testes de atividade baseados em difusão em meio sólido.
Para a quantificação da bacteriocina produzida, amostras do sobrenadante da
cultura de S. bovis HC5 foram processadas simultaneamente com amostras de
concentrações conhecidas de bovicina HC5, para obtenção da curva padrão. Foram
realizadas diluições seriadas das amostras do sobrenadante da cultura em PBS (pH
40
7,2) e avaliadas pela técnica de ELISA sanduíche, conforme descrito por AUSUBEL
et al. (1999), com modificações. Microplacas de poliestireno, de fundo chato e 96
orifícios foram sensibilizadas com anticorpo policlonal anti-bovicina HC5 produzido
em coelhos (200 μL/well, diluído 1:64 em PBS). As placas foram incubadas à 4º C
overnight, lavadas duas vezes com PBST e bloqueadas com solução 1,0 % de
albumina em PBST. As amostras da cultura de S. bovis HC5 foram diluídas 1:40 em
PBS contendo 0,5% de albumina bovina e em cada placa foram testadas 43 amostras
pareadas e dois controles positivos e negativos. As amostras foram incubadas por 2 h
à temperatura ambiente, lavadas três vezes com PBST e adicionado anticorpo
policlonal anti-bovicina HC5 produzido em camundongos (200 μL/well, diluído 1:64
em PBS); as placas foram incubadas por 2 h à temperatura ambiente, lavadas cinco
vezes com PBST e, em seguida, adicionado anticorpo secundário conjugado com
peroxidase (anticorpo de cabra anti-porção Fc de anticorpo de camundongo
(SIGMA-ALDRICH), diluído 1:15000 em PBS). As placas foram incubadas à
temperatura ambiente, lavadas quatro vezes com PBST e uma vez com PBS, e
adicionado o substrato o-fenilenendiamina, que evidenciou os soros positivos pelo
desenvolvimento de coloração amarela resultante da ação da peroxidase sobre o
substrato. As placas foram incubadas à temperatura ambiente, no escuro, por 30 min
e a reação foi interrompida pela adição de ácido clorídrico 3 M; a absorvância foi
analisada a um comprimento de onda de 492 nm, em leitor de ELISA.
Como controle negativo foi utilizado o microrganismo S. bovis JB1, não
produtor de bacteriocina. Foi considerado positivo todo soro em que a leitura de
absorvância obtida foi maior do que a absorvância a 492 nm dos soros negativos
mais dois desvios-padrão (DP). Todos os testes foram realizados em duplicatas.
3.10 Efeito citotóxico
Para avaliar o efeito citotóxico in vitro da bovicina HC5 foram utilizadas
células Vero (linhagem celular derivada de rim do macaco verde Africano,
Cercopithecus aethiops) mantidas em meio essencial mínimo (MEM) (SIGMA-
ALDRICH), pH 7,2, e o método colorimétrico baseado na redução do 3-[4,5-
dimetiltiazol-2-il]-2,-difeniltetrazolium brometo (MTT) (SIGMA-ALDRICH) por
enzimas mitocondriais (MOSMANN, 1983).
41
Monocamadas de células Vero com tapetes celulares semiconfluentes em
microplacas de 96 orifícios foram tratadas com concentrações de bovicina HC5, que
variaram de 2,14 a 300 μg mL-1, e incubadas, por 48 h, em estufa (Shell Lab,
IR2424) a 37 ºC e atmosfera de 5 % de CO2. Após esse período, as células foram
lavadas duas vezes com tampão fosfato (pH 7,2) e adicionada solução estoque de
MTT (0,5 mg mL-1) a todos os orifícios da placa. As placas foram novamente
incubadas em estufa umidificada a 37 °C por 4 h; o sal formado foi solubilizado pela
adição de isopropanol-HCl 0,04 N (100 μL de HCl 0,04 N em isopropanol) aos
orifícios da placa e misturado rapidamente para dissolver os cristais de coloração
azul escura; após 1 h à temperatura ambiente, a densidade óptica foi determinada em
leitor de ELISA (Qiagen®, Titertek Multiskan PLUS MK II, Hilden, Germany),
utilizando comprimento de onda de 560 nm.
As microplacas foram também monitoradas sob microscópio óptico invertido
após 24, 36 e 48 h de incubação com a bovicina HC5, para determinar o efeito desta
sobre a morfologia e a viabilidade celular (perda da monocamada, granulação e
vacuolização no citoplasma), em relação ao aspecto das células controle, não
tratadas.
A percentagem de células tratadas viáveis foi calculada em relação ao
controle não tratado (% de células tratadas viáveis = DOexp/DOcélula controle x 100) e
determinada a CT50 (concentração de bovicina HC5 necessária para reduzir a
densidade óptica em 50 %) (TODOROV et al., 2005).
Para avaliar a interferência de outros fatores sobre o potencial citotóxico da
bacteriocina, foram testados também os efeitos da solução fosfato de sódio (5 mM,
pH 2,0) (utilizada para ressuspender a bacteriocina após liofilização), da acetonitrila
na concentração de 40 % (gradiente de eluição da bacteriocina em RP-HPLC) e da
bovicina HC5 ressuspendida em água MilliQ estéril, sobre culturas de células Vero,
utilizando-se a mesma metodologia supracitada. Todos os testes foram realizados em
triplicatas.
42
4. RESULTADOS
4.1 Purificação de bovicina HC5
Amostras de extratos liofilizados contendo bovicina HC5 obtida de células de
S. bovis HC5 em fase estacionária e estocados sob refrigeração (4 oC) por 4 semanas
foram inicialmente separadas por cromatografia líquida de alta eficiência de fase
reversa (RP-HPLC) com gradiente crescente de acetonitrila. Vinte frações eluídas
entre os tempos de retenção de 10 e 50 min foram coletadas para análise de atividade
antimicrobiana. Duas frações (frações 13 e 19) inibiram o crescimento de L. lactis
ATCC 19435 em bioensaio de difusão em meio sólido, sendo que a atividade
antimicrobiana da fração 19 foi 70 % maior do que a observada com a fração 13. A
fração 13, eluída com 42 % do tampão B, apresentou tempo de retenção de 35 min e
45 segundos, enquanto a fração 19 foi eluída aos 45 min e 40 segundos do início do
perfil cromatográfico, quando a concentração de tampão B era de 54 % (Figura 1).
Com base nesses resultados, o protocolo de purificação da bovicina HC5 foi
otimizado, utilizando-se amostras armazenadas a – 20 ºC, possibilitando a obtenção
de uma única fração com atividade antimicrobiana, eluída com 50 % de tampão B e
tempo de retenção de 18 min (Figura 2). Todas as corridas realizadas a partir de
então apresentaram o mesmo padrão de espectro cromatográfico, podendo ser
sobrepostas (Figura 3).
43
Figura 1. Perfil cromatográfico de fase reversa em HPLC, do extrato de bovicina
HC5 estocado sob refrigeração por 4 semanas. São mostrados o gradiente de tampão
B e as absorvâncias a 214 e a 280 nm.
Figura 2. Perfil cromatográfico de fase reversa em HPLC otimizado para a
purificação de extratos de bovicina HC5. São mostrados o gradiente de tampão B e
as absorvâncias a 214 e a 280 nm.
44
Figura 3. Sobreposição dos perfis cromatográficos após otimização do processo de
purificação de extratos de bovicina HC5 (seis repetições). São mostrados o gradiente
de tampão B e a absorvância a 214 nm.
Tipicamente, obteve-se atividade de 20480 UA/mL com os extratos
liofilizados de bovicina HC5 (250 µg de proteína mL-1) e de 40960 UA/mL com a
bacteriocina purificada (600 µg de proteína mL-1), utilizando-se A. acidoterrestris
DSMZ 2498 como indicador. Quando L. lactis ATCC 19435 foi utilizado como
célula-alvo, obteve-se atividade de 10240 UA/mL para os extratos liofilizados e de
20480 UA/mL para a bovicina HC5 purificada, indicando que L. lactis é menos
sensível à bovicina HC5.
Para avaliar a possível interferência dos solventes orgânicos acetonitrila e
TFA na atividade das amostras de bovicina HC5 purificada, testou-se o efeito de
cada solvente sobre o crescimento de L. lactis ATCC 19435. A acetonitrila inibiu o
crescimento do microrganismo indicador quando a concentração foi igual ou maior
do que 40 %. Neste último caso, observou-se a formação de halos de inibição de
aproximadamente 7 mm de diâmetro. Amostras de TFA não apresentaram atividade
antimicrobiana na concentração de 0,1 %.
Ensaios anteriores de difusão em meio sólido indicaram que a atividade de
bovicina HC5 não é afetada significativamente pelo tratamento térmico
(MANTOVANI et al., 2002). Assim, sabendo-se da interferência da acetonitrila
sobre a atividade de bovicina HC5 e considerando que os pontos de ebulição de
acetonitrila e TFA são 82 ºC e 72 ºC, respectivamente, as amostras de bovicina HC5
45
purificadas foram submetidas a tratamento térmico a 90 ºC por 1h e 30 min para a
evaporação dos solventes. A determinação da atividade de bovicina HC5 após o
tratamento térmico indicou que a atividade biológica da bacteriocina não foi afetada
pelo calor, embora tenha sido observada diminuição de até 10 % nos diâmetros dos
halos de inibição.
A purificação do peptídeo foi confirmada pela separação das amostras por
SDS-Tricina-PAGE, onde foi possível visualizar uma única banda, de massa
semelhante à esperada para a bovicina HC5. Observaram-se 2 bandas protéicas
adicionais, de menor intensidade e massa molecular aproximada de 14,4 e 16,9 kDa,
nas amostras dos extratos liofilizados da bacteriocina, antes da etapa de purificação.
É possível observar ainda pequena contaminação dos extratos obtidos de S. bovis
HC5 com proteínas extracelulares e peptídeos derivados do meio de cultivo (Figura
4).
Quando a banda correspondente à bovicina HC5 foi excisada do gel de
poliacrilamida, transferida para uma placa de petri e coberta com uma camada de
meio MRS semi-sólido contendo aproximadamente 107 UFC/mL de L. lactis ATCC
19435, observou-se a inibição do crescimento do microrganismo indicador,
indicando que a atividade biológica da bovicina HC5 foi mantida no gel. Nenhum
dos componentes do SDS-Tricina-PAGE ou das soluções de coloração pelo método
de Coomassie Blue G-250 alteraram essa atividade antimicrobiana. Partes do gel de
poliacrilamida que não apresentaram bandas, foram excisadas e tratadas de forma
similar e não apresentaram halos de inibição sobre o microrganismo indicador
(Figura 4).
46
Figura 4. Separação em SDS-Tricina-PAGE, 16,5 % de acrilamida, das amostras de
bovicina HC5 purificada (linha A) e extrato bruto liofilizado (linha B). O gel foi
corado com Coomassie blue G-250. As duas bandas que foram visualizadas na
amostra do extrato de bovicina HC5 liofilizado estão indicadas por setas e
apresentam massa molecular aproximada de 14,4 e 16,9 kDa. Linha C - banda de
bovicina HC5 purificada, excisada de SDS-Tricina-PAGE; linha D – fragmento
excisado de SDS-Tricina-PAGE que não apresentou banda; M - padrão de baixa
massa molecular. Os bioensaios foram realizados com sobrecamada de meio MRS
semi-sólido contendo o microrganismo indicador L. lactis ATCC 19435; as placas
foram incubadas a 30 ºC, por até 24 h.
4.2 Titulação dos anticorpos policlonais anti-bovicina HC5
Somente um coelho e dois camundongos utilizados para a produção de
anticorpos policlonais apresentaram reações imunes exacerbadas, com formação de
granulomas após a primeira imunização por via subcutânea, na qual foi utilizada
adjuvante completo de Freund. O granuloma persistiu até o final do experimento
(cerca de 45 dias para o coelho e 60 dias para os camundongos).
O soro pré-imune de cada um dos animais foi coletado antes da primeira
imunização e titulado por ELISA indireta para avaliação de reações inespecíficas dos
anticorpos pré-formados contra a bovicina HC5 e para a titulação do antissoro dos
animais, coletado ao final das imunizações. Observou-se variação de reações
47
inespecíficas no soro pré-imune de cada animal, sendo as maiores leituras de
absorvância detectadas no soro do coelho 2 e as menores, no soro do coelho 3
(Figura 5).
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0 1000 2000 3000 4000 5000
Coelho 1Coelho 2Coelho 3Coelho 4
Abs
orvâ
ncia
(492
nm
)
Fator de diluição
Figura 5. Titulação do soro pré-imune dos coelhos utilizados para a produção de
anticorpos policlonais anti-bovicina HC5. Os animais 1 e 2 foram imunizados com
bovicina HC5 excisada do gel de poliacrilamida e homogeneizada com adjuvante
incompleto de Freund, enquanto os animais 3 e 4 foram imunizados com bacteriocina
e adjuvante de Freund (completo para a primeira imunização e incompleto para as
demais). Os resultados representam a média das absorvâncias a 492 nm (n = 2) do
soro pré-imune de cada animal diluído em tampão salina fosfato (pH 7,2) e
detectados por ensaio de ELISA indireta.
A titulação do antissoro coletado após as imunizações indicou que a produção
de anticorpos policlonais foi ascendente, atingindo um platô após 30 dias da primeira
imunização, como demonstrado pelo aumento do título de anticorpos nos soros dos
coelhos (Figura 6). Tal informação foi utilizada para a determinação da data em que
os animais sofreriam eutanásia e a coleta final de antissoro seria realizada.
48
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0 1000 2000 3000 4000 5000
Coleta 1Coleta 2Coleta 3
Abs
orvâ
ncia
(492
nm
)
Fator de Diluição
Figura 6. Titulação dos antissoros coletados após 10, 20 e 30 dias (coletas 1, 2 e 3,
respectivamente) da primeira imunização. As placas de ELISA foram sensibilizadas
com amostras de bovicina HC5 purificada (10 μg mL-1) e o antissoro de cada animal
foi diluído em tampão salina fosfato (pH 7,2), de 1:2 até 1:4096. A concentração de
anticorpos policlonais anti-bovicina HC5 foi determinada pela técnica de ELISA
indireta. Os resultados representam a média das absorvâncias a 492 nm dos soros
obtidos ao longo dos procedimentos de imunização dos quatro coelhos avaliados.
O antissoro dos coelhos imunizados com bacteriocina purificada, excisada do
gel de poliacrilamida e homogeneizada com adjuvante incompleto de Freund
(coelhos 1 e 2) e dos coelhos imunizados com bacteriocina purificada e adjuvante
completo (primeira imunização) ou incompleto de Freund (imunizações
subseqüentes) (coelhos 3 e 4) apresentaram títulos de 1024 e 2048, respectivamente
(Figura 7). Não foi possível titular o antissoro de camundongo, já que todas as
diluições seriadas realizadas com o antissoro desses animais apresentaram a mesma
leitura de absorvância a 492 nm (cerca de 0,63).
49
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0 1000 2000 3000 4000 5000
Coelho 1Coelho 2Coelho 3Coelho 4
Abs
orvâ
ncia
(492
nm
)
Fator de diluição
Figura 7. Titulação do antissoro anti-bovicina HC5 produzido em coelhos New
Zealand e coletado ao final dos procedimentos de imunização. As placas de ELISA
foram sensibilizadas com amostras de antissoro, diluídas em tampão salina fosfato
(pH 7,2) de 1:16 a 1:4096. Os valores apresentados representam as médias das
absorvâncias a 492 nm de amostras em duplicatas.
4.3 Especificidade dos anticorpos policlonais anti-bovicina HC5
A especificidade dos anticorpos policlonais anti-bovicina HC5 produzidos em
coelhos foi avaliada pelas técnicas de Western blotting e ELISA indireta, utilizando-
se o antissoro que apresentou o maior título e a menor reatividade no soro pré-imune
(coelho 3).
Os sobrenadantes das culturas de S. bovis HC5, S. bovis JB1 e de outras três
culturas de bactérias lácticas (PD 4.7; ID 3.1; ID 8.5), foram inicialmente testados
quanto à atividade antimicrobiana contra L. lactis ATCC 19435. Os sobrenadantes
das três culturas de bactérias lácticas apresentaram halos de inibição somente quando
não diluídos; o sobrenadante de S. bovis JB1 não apresentou atividade
antimicrobiana e o da cultura de S. bovis HC5 foi capaz de inibir o crescimento do
microrganismo indicador quando avaliado puro e diluído 1:2.
50
No Western blotting, os anticorpos policlonais anti-bovicina HC5
reconheceram somente as bandas referentes à bovicina HC5 na amostra purificada.
Não foram observadas reações com o sobrenadante da cultura de S. bovis HC5 ou
com o extrato de bovicina HC5. Também não foram observadas reações
inespecíficas com os sobrenadantes das culturas lácticas bacteriocinogênicas ou com
proteínas do sobrenadante da cultura de S. bovis JB1, uma estirpe de Streptococcus
não bacteriocinogênica, mas filogeneticamente relacionada ao S. bovis HC5 (Figura
8).
Quando avaliados pela técnica de ELISA indireta, o sobrenadante das culturas
foi considerado reativo com antissoro anti-bovicina HC5 se a absorvância foi, pelo
menos, 10 vezes maior do que a média do valor de absorvância não específica (0,01).
Nessa técnica também não foram observadas reações inespecíficas com o
sobrenadante das culturas lácticas testadas, sendo que, como ocorrido no Western
blotting, somente as amostras de bovicina HC5 purificadas foram reconhecidas pelos
anticorpos policlonais anti-bovicina HC5 (Figura 9).
51
Figura 8. Análise da especificidade dos anticorpos policlonais anti-bovicina HC5
por Western blotting (A). Amostras de extrato bruto de bovicina HC5 (canaleta 1,
160 μg mL-1), bovicina HC5 purificada e liofilizada (canaleta 2, 1200 μg mL-1 de
proteína), bovicina HC5 purificada (canaleta 3, 300 μg mL-1 de proteína) e dos
sobrenadantes das culturas de S. bovis HC5 (canaleta 4), S. bovis JB1 (canaleta 5),
bactérias PD 4.7 (canaleta 6), ID 3.1 (canaleta 7) e ID 8.5 (canaleta 8), foram
separados em gel de poliacrilamida, transferidos para membrana de nitrocelulose e
sondados com o antissoro anti-bovicina HC5 diluído 200 vezes. O marcador pré-
corado de massa molecular muito baixa é apresentado à esquerda. SDS-Tricina-
PAGE com as proteínas separadas no gel antes da transferência para a membrana de
nitrocelulose (B).
52
0
0,05
0,1
0,15
Bov
HC5
(PL)
Bov
HC5
(P)
Bov
HC5
(S)
JB1
(S)
PD 4
.7 (S
)
ID 3
.1 (S
)
ID 8
.5 (S
)
Abs
orvâ
ncia
(492
nm
)
Figura 9. Análise da especificidade dos anticorpos policlonais anti-bovicina HC5,
por ELISA indireta. Amostras de bovicina HC5 purificada e liofilizada (Bov HC5
PL), bovicina HC5 purificada (Bov HC5 P) e dos sobrenadantes das culturas de S.
bovis HC5 (Bov HC5 S), S. bovis JB1 (JB1 S), bactérias PD 4.7 (PD 4.7 S), ID 3.1
(ID 3.1 S) e ID 8.5 (ID 8.5 S) foram avaliados.
53
4.4 Neutralização da atividade antimicrobiana de bovicina HC5 por anticorpo
policlonal anti-bovicina HC5
Quando a bovicina HC5 purificada foi diluída com igual volume (15 μL) de
água MilliQ estéril ou soro pré-imune, não foi observada diminuição da atividade
antimicrobiana sobre o microrganismo indicador L. lactis ATCC 19435, sendo
mantida a atividade em 20480 UA/mL (Figura 10A e B).
Para o teste de neutralização foi utilizado o antissoro do coelho 3, que
apresentou maior título de anticorpos policlonais e menor reatividade no soro pré-
imune. O antissoro de coelho foi capaz de neutralizar aproximadamente 75 % da
atividade da bovicina HC5, havendo formação de halos de inibição somente até a
diluição 1:128 (5120 UA/mL) das amostras testadas (Figura 10C).
54
A
C B
Figura 10. Neutralização da atividade de bovicina HC5 pelos anticorpos policlonais
anti-bovicina HC5 produzidos em coelho New Zealand. Diluições seriadas das
amostras de bovicina HC5 foram misturadas com igual volume de água Milli Q
estéril (A), soro pré-imune (B) e antissoro anti-bovicina HC5 (C). A atividade da
bovicina HC5 foi determinada em meio MRS (30 μL de volume final de amostras em
cada poço) inoculado com aproximadamente 107 UFC/mL de L. lactis ATCC 19435.
As placas foram incubadas a 30 ºC, por até 24 h.
55
A neutralização da atividade de bovicina HC5 pelos anticorpos policlonais
também foi avaliada com a diluição de 256 vezes individualmente, já que esta
diluição apresentou atividade na amostra de bacteriocina purificada e misturada ao
soro pré-imune, sendo completamente inibida quando em contato com o antissoro
anti-bovicina HC5, não sendo possível a visualização dos halos de inibição do
crescimento do microrganismo indicador L. lactis ATCC 19435 (Figura 11).
Figura 11. Efeito da neutralização da atividade de bovicina HC5 diluída 1:256 pelos
anticorpos policlonais anti-bovicina HC5 produzidos em coelho. A amostra de
bacteriocina diluída foi misturada com igual volume de soro pré-imune (esquerda),
água Milli Q estéril (centro) e antissoro anti-bovicina HC5 (direita). Foi utilizado o
método de difusão em ágar e 30 μL de volume final em cada poço.
Aproximadamente 107 UFC/mL do microrganismo indicador L. lactis ATCC 19435
foram inoculados em meio MRS e as placas foram incubadas a 30 ºC, por até 24 h.
4.5 Produção e quantificação de bovicina HC5 em meio basal
S. bovis HC5 e S. bovis JB1 cresceram em meio basal com velocidade
específica de crescimento de 1,51 h-1 e 2,27 h-1, respectivamente. S. bovis HC5
também apresentou fase lag de aproximadamente 2 h (Figura 12A), enquanto a
linhagem JB1 iniciou o crescimento exponencial imediatamente após a inoculação
(Figura 12B). Após 24 h de incubação, obteve-se densidade óptica de 2,49 para S.
bovis HC5 e 3,56 para S. bovis JB1.
56
a
0,1
1
10
0 5 10 15 20 25
Den
sida
de Ó
ptic
a (6
00 n
m)
Tempo (horas)
A
0,1
1
10
0 5 10 15 20 25
Den
sida
de Ó
ptic
a (6
00 n
m)
Tempo (horas)
B
Figura 12. Crescimento de S. bovis HC5 (A) e S. bovis JB1 (B) em meio basal
contendo glicose (16 g L-1) como fonte de carbono e energia. O crescimento foi
monitorado pela leitura da densidade óptica a 600 nm.
57
A determinação de bovicina HC5 no extrato de células e no sobrenadante da
cultura de S. bovis HC5 indicou que a bacteriocina começou a ser produzida durante
o crescimento exponencial e aumentou quando a cultura atingiu a fase estacionária
de crescimento.
Pelo método de difusão em ágar, a maior atividade de bovicina HC5 foi
detectada após 24 h de incubação, tanto no extrato (3200 UA/mL) como no
sobrenadante da cultura (960 UA/mL) (Figura 13A). Entretanto, não foi observada
tendência de estabilização da produção da bacteriocina, sendo possível haver
aumento da atividade após o tempo final de amostragem utilizado nestes
experimentos. Nenhuma atividade antimicrobiana contra L. lactis ATCC 19435 foi
detectada nos extratos e no sobrenadante da cultura de S. bovis JB1, uma estirpe
sabidamente não bacteriocinogênica utilizada como controle negativo neste
experimento.
Para a detecção de bovicina HC5 por método imunológico baseado em
anticorpos policlonais, utilizou-se a técnica de ELISA indireta e o mesmo antissoro
do coelho 3, empregado na análise de Western blotting e nos ensaios de
neutralização. Como observado nos bioensaios em meio sólido, a atividade de
bovicina HC5 detectada pelo ensaio de ELISA indireta no extrato de células foi
maior do que aquela detectada no sobrenadante das culturas. Com o método de
detecção utilizando anticorpos policlonais a presença de bovicina HC5 seguiu uma
dinâmica um pouco diferente daquela da atividade de bacteriocina pelo método de
difusão em ágar utilizando A. acidoterrestris DSMZ 2498 como microrganismo
indicador. A bovicina HC5 começou a ser identificada no sobrenadante e no extrato
da cultura de S. bovis HC5 com 2 h de crescimento (absorvância a 492 nm maior do
que o dobro do valor encontrado para o tempo zero), correspondente ao início da fase
exponencial de crescimento bacteriano. Os maiores valores de absorvância foram
atingidos no tempo de 3 h e 15 min no extrato (região média da fase exponencial) e
de 3 h no sobrenadante (início da fase exponencial de crescimento), sendo detectada
diminuição das leituras de absorvância após 3,5 e 4 h de incubação, atingindo um
platô a partir de 6 h de cultivo (Figura 13B).
Não foi detectada reação positiva dos anticorpos policlonais anti-bovicina
HC5 contra proteínas do extrato e do sobrenadante de S. bovis JB1 (média de
absorvância de 0,064 para o extrato de células e de 0,071 para o sobrenadante da
cultura) cultivado nas mesmas condições de S. bovis HC5 (Figura 14).
58
b a
0
500
1000
1500
2000
2500
3000
3500
0 2 2.5 3 3.2 3.5 4 6 12 24
Sobrenadante
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0 2 2,5 3 3,2 3,5 4 6 12 24
SobrenadanteExtrato
Abs
orvâ
ncia
(492
nm
)
Tempo (horas)
Figura 13. Atividade de bovicina HC5 no extrato e no sobrenadante da cultura de S.
bovis HC5 incubada por 24 h em meio basal a 39 ºC, expressa em UA/mL, medida
pelo método de difusão em ágar (A) e por ELISA indireta (B). Barras abertas e
fechadas representam a bovicina HC5 no sobrenadante da cultura e no extrato de
células, respectivamente.
A
B
Extrato
Bov
icin
a H
C5
(AU
/mL)
Tempo (horas)
0
500
1000
1500
2000
2500
3000
3500
0 2 2.5 3 3.2 3.5 4 6 12 24
Sobrenadante
Bov
icin
a H
C5
(UA
/mL)
Extrato
Bov
icin
a H
C5
(AU
/mL)
Tempo (horas)
Bov
icin
a H
C5
(UA
/mL)
59
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0 1 2 4 6 12 24
SobrenadanteExtrato
Abs
orvâ
ncia
(492
nm
)
Tempo (horas)
Figura 14. Absorvância das amostras de sobrenadante da cultura e extrato de células
de S. bovis JB1, incubada por 24 h em meio basal a 39 ºC, por ELISA indireta,
utilizando anticorpos policlonais anti-bovicina HC5 produzidos em coelho. Barras
abertas e fechadas representam amostras de sobrenadante da cultura e do extrato de
células, respectivamente.
A detecção de bovicina HC5 pelo bioensaio e pela técnica de ELISA indireta,
apresentou melhor correlação no sobrenadante da cultura de S. bovis HC5 (r2 =
0,80533) do que no extrato de células (r2 = 0,57755) (Figura 15A e 15B).
60
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0 200 400 600 800 1000
Abs
orvâ
ncia
(492
nm
)
Bovicina HC5 (UA/mL)
y = 0,15391 + 0,000070917x
R2 = 0,80533
A
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0 500 100015002000250030003500
Abs
orvâ
ncia
(492
nm
)
Bovicina HC5 (UA/mL)
y = 0,24611 + 0,00001521x
R2= 0,57755
B
Figura 15. Correlação entre os métodos de bioensaio e ELISA indireta para detecção
de bovicina HC5 no sobrenadante das culturas de S. bovis HC5 (A) e no extrato de
células (B). A detecção pelo bioensaio foi expressa em UA/mL e pela absorvância a
492 nm no caso de ELISA indireta.
61
Não foi possível a quantificação de bovicina HC5 pela técnica de ELISA
sanduíche, utilizando anticorpos policlonais anti-bovicina HC5 produzidos em
camundongos e coelhos, uma vez que as leituras de absorvância de todas as amostras
do sobrenadante e do extrato da cultura de S. bovis HC5 em meio basal resultaram
em valores muito próximos.
4.6 Efeito citotóxico de bovicina HC5 sobre células Vero
A determinação da concentração máxima não tóxica de bovicina HC5 foi
realizada utilizando-se método colorimétrico de redução do sal de tetrazolium
(MTT). Pequena alteração da integridade celular foi observada quando células Vero
foram incubadas com solução fosfato de sódio (5 mM, pH 2,0) ou acetonitrila 40 %,
indicando baixo efeito citotóxico. Nestes ensaios, aproximadamente 85 % das células
tratadas permaneceram viáveis quando comparadas ao tratamento controle.
A adição de bovicina HC5 nas concentrações de 150 e 300 μg mL-1 (20480
UA/mL), causou redução maior que 50 % no percentual de células viáveis, sugerindo
efeito citotóxico da bacteriocina em concentrações elevadas. Não foram observadas
diferenças quanto ao efeito do solvente (água MilliQ estéril ou solução fosfato de
sódio, 5 mM, pH 2,0) sobre o efeito tóxico da bovicina HC5 (Figura 16).
Diante desses resultados, o efeito tóxico da bovicina HC5, ressuspendida em
solução fosfato de sódio (5 mM, pH 2,0) e purificada em RP-HPLC, foi avaliado nas
concentrações de 100 a 150 μg mL-1, com incremento de 10 μg mL-1, sendo
observado efeito citotóxico nas concentrações abaixo de 120 μg mL-1. O efeito tóxico
do peptídeo foi então avaliado nas concentrações de 75 a 120 μg mL-1, com
incremento de 1 μg mL-1 (Figura 16).
62
0
20
40
60
80
100
120
0 50 100 150 200 250 300 350
Cél
ulas
Viá
veis
(%)
Bovicina HC5 (µg/mL)
Figura 16. Percentual de células Vero viáveis após tratamento com solução fosfato
de sódio (5 mM, pH 2,0) ( ), acetonitrila 40 % (+), bovicina HC5 ressuspendida em
água MilliQ estéril (□) e bovicina HC5 ressuspendida em solução fosfato de sódio (5
mM, pH 2,0) (○). As células controle (não tratadas) representam 100 % de células
viáveis (x). As células foram inicialmente mantidas em câmara umidificada a 37 ºC
por 48 h, sendo então adicionada bovicina HC5 em diferentes concentrações. Os
resultados apresentados são médias das leituras de absorvância a 560 nm em leitor de
ELISA (n = 3).
Quando o efeito citotóxico da bovicina HC5 foi avaliado nas concentrações
de 75 a 120 μg mL-1, observou-se que em concentrações iguais ou maiores que 90 μg
de bovicina HC5 mL-1 as células Vero tratadas apresentavam modificações
morfológicas, quando analisadas sob microscopia de luz (Figura 17B). Apesar disso,
verificou-se que mais de 80% das células tratadas ainda permaneceram viáveis nas
condições testadas. Abaixo da concentração de 90 μg mL-1, não foram observadas
modificações morfológicas e cerca de 100 % das células Vero tratadas
permaneceram viáveis.
A concentração máxima não tóxica determinada para a bovicina HC5 foi de
100 μg mL-1, correspondente à CT50, ou concentração necessária para reduzir a
63
densidade óptica em 50 %. Acima da concentração de 100 μg mL-1 foram observadas
alterações na morfologia das células (como retração e vacuolização do citoplasma,
condensação e lateralização do núcleo), morte e desprendimento do tapete celular
(Figura 17C e D). O efeito tóxico observado com 24 h de incubação da bovicina HC5
com as células Vero se manteve quando as células foram analisadas com 36 e 48 de
incubação.
Após adição de MTT às células tratadas e não tratadas com bovicina HC5 foi
observada redução do MTT por quase todas as células tratadas com 98 μg mL-1 de
bovicina HC5, pela metade das células tratadas com 100 μg/mL e por praticamente
nenhuma das células tratadas com 300 μg mL-1 de bacteriocina (Figura 18).
64
A B
D C
Figura 17. Efeito citotóxico de bovicina HC5 sobre células Vero. Células Vero
controle, não tratadas com bovicina HC5 (A) e após 48 h de incubação com 98 μg
mL-1 (B), 100 μg mL-1 (C) e 300 μg mL-1 de bovicina HC5 (D). Aumento de 10X. É
possível a visualização de alterações morfológicas nas células (como retração e
vacuolização do citoplasma, condensação e lateralização do núcleo), morte e
desprendimento do tapete celular nos tratamentos com concentrações iguais ou
superiores a 100 μg mL-1 de bovicina HC5.
65
A B
C D
Figura 18. Efeito citotóxico de bovicina HC5 sobre células Vero após adição de
solução estoque de MTT. Células viáveis absorvem e reduzem o MTT, que adquire
coloração roxa no interior das células. Células mortas não apresentam essa
capacidade. Células Vero controle, não tratadas com bovicina HC5 (A), células Vero
anteriormente incubadas por 48 h com 98 μg mL-1 (B), 100 μg mL-1 (C) e 300 μg
mL-1 de bovicina HC5 (D), após adição de MTT às placas. Aumento de 10X.
66
5. DISCUSSÃO
Procedimentos de purificação de bacteriocinas geralmente são custosos e
demorados, envolvendo vários passos seqüenciais. A maioria das técnicas envolve a
precipitação da bacteriocina com grandes quantidades de sulfato de amônio. Nesse
trabalho, a bovicina HC5 foi purificada com um passo único, por meio de
cromatografia líquida de alta eficiência, em coluna de fase reversa (RP-HPLC)
(Figura 2).
A produção experimental de anticorpos, monoclonais ou policlonais, contra
bacteriocinas têm possibilitado o desenvolvimento de imunoensaios específicos para
vários peptídeos antimicrobianos, especialmente nisina e pediocina, as duas
bacteriocinas mais intensamente estudadas. A reação do organismo contra
determinando imunógeno é o resultado de interações específicas dos componentes do
sistema imune com o agente estranho, que podem culminar na síntese de anticorpos
específicos contra o antígeno. Entretanto, nenhum ensaio imunológico havia sido
realizado utilizando-se bovicina HC5 como imunógeno.
No presente trabalho, a bovicina HC5 foi capaz de gerar resposta
imunológica, com produção de anticorpos específicos, em coelhos New Zealand e
camundongos BALB/c, retendo a integridade antigênica quando inoculada com
adjuvante de Freund e quando excisada do SDS-Tricina-PAGE. Não foram
observados efeitos tóxicos resultantes da inoculação do peptídeo em nenhum dos
animais imunizados.
67
Como o tamanho do imunógeno é um dos fatores que podem influenciar a
resposta imune (CATTY, 1989a) e diante do fato de que a bovicina HC5 é um
peptídeo de baixa massa molecular (cerca de 2440 Da), provavelmente, o
desenvolvimento da resposta imune contra a bacteriocina foi possível devido às
imunizações sucessivas, com elevadas doses de peptídeo de alto grau de pureza,
realizadas ao longo do experimento.
Foram avaliados dois métodos de imunização visando a otimização da
produção de anticorpos policlonais anti-bovicina HC5. O método mais comum de
imunização é a adição de igual volume de adjuvante de Freund (completo ou
incompleto) às amostras de imunógenos. Entretanto, a utilização de bacteriocina em
géis de poliacrilamida já foi reportada por BHUNIA (1994) na imunização de
camundongos BALB/c, para a produção de anticorpos monoclonais específicos para
pediocina RS2; segundo o autor, a matriz de poliacrilamida atuaria como um
carreador para a bacteriocina, induzindo a produção de anticorpos.
Mesmo tendo sido comprovada a imunogenicidade da bovicina HC5, a
resposta imune gerada apresentou intensidade moderada, já que o título dos
anticorpos foi de 1024 no antissoro dos coelhos imunizados com a bacteriocina
purificada, excisada do SDS-Tricina-PAGE e misturada ao adjuvante incompleto de
Freund, e de 2048 no antissoro daqueles coelhos imunizados com bovicina HC5
purificada e adjuvante de Freund (completo na primeira imunização e incompleto nas
imunizações seguintes) (Figura 7). A conjugação da bovicina HC5 a uma proteína
carreadora, como ovoalbumina ou KLH (keyhole limpet hemocyanin) poderia ter
possibilitado resposta imune mais intensa do que a obtida nesse trabalho, entretanto,
os anticorpos anti-bovicina HC5 conjugada poderiam ter gerado reações
inespecíficas em grau mais elevado.
Uma molécula de anticorpo pode se ligar ao determinante imunogênico
contra o qual foi gerado com variados graus de afinidade, dependendo da
complementaridade do sítio de ligação do anticorpo com o determinante antigênico.
Em determinadas situações, um anticorpo induzido pelo contato com certo
determinante antigênico é capaz de reconhecer e se ligar a outros antígenos, um
fenômeno denominado de reatividade cruzada. No caso de um antissoro policlonal, é
grande a heterogeneidade de afinidade e especificidade apresentada pelos anticorpos,
principalmente quando os anticorpos são gerados contra antígenos pequenos
(MAYNARD e GEORGIOU, 2000).
68
A bovicina HC5 é sintetizada pela bactéria láctica S. bovis HC5, mas
nenhuma reatividade cruzada foi apresentada pelos anticorpos policlonais anti-
bovicina HC5 com proteínas no sobrenadante de culturas de outras bactérias lácticas,
nos ensaios de Western blotting e ELISA indireta (Figuras 8 e 9). A ausência de
reatividade cruzada pode ser explicada pela baixa concentração de anticorpos no
antissoro ou pela inexistência de determinantes antigênicos comuns ou de estrutura
semelhante entre os encontrados na bovicina HC5 e os peptídeos antimicrobianos
sintetizados pelas culturas lácticas avaliadas.
Resultados similares foram obtidos por GUTIÉRREZ et al. (2004), com
anticorpos policlonais produzidos contra fragmentos C-terminal e N-terminal de
enterocina P (EntP) sintetizados quimicamente e conjugados à proteína carreadora
KLH. Os anticorpos anti-enterocina P, quando avaliados por ELISA indireta
competitiva e não competitiva, apresentaram reação cruzada com o sobrenadante de
uma estirpe produtora de sakacina A, uma bacteriocina relacionada à enterocina P,
não reagindo com o sobrenadante de culturas produtoras de outras bacteriocinas da
classe IIa (como pediocina PA-1, sakacina P, enterocina A, nisina A); no Western
blotting, os anticorpos reconheceram somente a banda correspondente à enterocina P
purificada.
MARTÍNEZ et al. (1998) também obtiveram pouca ou nenhuma reatividade
cruzada de anticorpos policlonais anti-fragmento C-terminal de pediocina PA-1,
conjugado à proteína carreadora KLH, com o sobrenadante de outras culturas lácticas
produtoras ou não de bacteriocinas, avaliados pelas técnicas de ELISA direta e
indireta. Ainda segundo MARTÍNEZ et al. (2000), os anticorpos policlonais anti-
fragmento C-terminal de enterocina A produzida por Enterococcus faecium T136,
não apresentaram reatividade cruzada com outras bacteriocinas da classe IIa, como
sakacina P, sakacina A, enterocina P e pediocina PA-1.
Entretanto, RICHARD et al. (2004) descreveram a produção de anticorpos
policlonais contra um fragmento C-terminal de divercina V41 quimicamente
sintetizado conjugado à proteína carreadora KLH, onde os anticorpos foram capazes
de reconhecer divercina V41 e mostraram reação cruzada com pediocina e enterocina
P, duas bacteriocinas pertencentes à classe IIa, quando avaliados por Western
blotting.
Os anticorpos policlonais anti-bovicina HC5 neutralizaram a atividade da
bacteriocina purificada quando esta se encontrava em diluições iguais ou acima de
69
256 vezes (concentração inicial de 600 μg de bovicina HC5 mL-1) (Figuras 10 e 11).
Tais resultados sugerem que anticorpos específicos contra bovicina HC5 estão
presentes no antissoro obtido, mesmo que em baixa concentração, e que esses
anticorpos interagem com moléculas de bovicina HC5 biologicamente ativas. Como
a neutralização da atividade de bovicina HC5 só é possível quando antígenos e
anticorpos atingem a mesma concentração (zona de equivalência) e formam os
complexos imunes, é possível prever a concentração de anticorpos no antissoro
testado. Considerando que um anticorpo possui dois sítios de ligação ao antígeno e
que a neutralização da atividade ocorreu com a bacteriocina diluída 256 vezes (2,34
μg mL-1), provavelmente, a concentração é de 1,17 μg de anticorpos policlonais anti-
bovicina HC5 mL-1 de antissoro testado.
Caso etapas adicionais de purificação e concentração de anticorpos anti-
bovicina HC5 tivessem sido realizadas, poderiam ter sido obtidos resultados
melhores, como os descritos para a neutralização de anticorpos policlonais anti-
propionicina PLG-1, no qual o antissoro foi capaz de neutralizar 100 % da atividade
antimicrobiana da bacteriocina em ensaios de difusão em ágar, utilizando 50 μg mL-1
de propionicina PLG-1 purificada (LEVERSSE e GLATZ, 2001).
De acordo com o método de difusão em ágar, a bacteriocina começou a ser
produzida durante o crescimento exponencial e não na transição entre a fase
exponencial e início da fase estacionária de crescimento, sendo que a atividade
biológica da bovicina HC5 aumentou quando a cultura atingiu a fase estacionária
(Figura 13).
Esse resultado é semelhante ao obtido para a produção de nisina, que tem
início durante a fase mid-log e aumenta até que as células atinjam a fase estacionária
(BUCHMAN et al., 1988). Esse padrão de expressão de bacteriocina não depende do
ciclo celular em si, mas sim da densidade populacional de células bacterianas. A
nisina A, por exemplo, atua como molécula sinalizadora, regulando sua própria
expressão, a qual é controlada por um mecanismo de transdução de sinal de dois
componentes, típico de sistemas de quorum sensing em bactérias Gram-positivas
(BUCHMAN et al., 1988). Resultados divergentes foram obtidos por SUÁREZ et al.
(1996) que mostraram produção máxima de nisina A entre 14 e 18 h, coincidindo
com o início da fase estacionária, a partir da qual foi demonstrada redução na
concentração de nisina A no sobrenadante da cultura.
70
A utilização de anticorpos policlonais possibilitou a detecção de bovicina
HC5 no sobrenadante e no extrato da cultura de S. bovis HC5 em meio basal, pela
técnica de ELISA indireta (Figura 14). A pequena diferença observada no padrão de
resposta entre ELISA indireta e o ensaio de difusão em ágar sugere que os anticorpos
policlonais anti-bovicina HC5 reconheceram peptídeos ou proteínas sintetizadas
durante a fase de crescimento exponencial, que não apresentam atividade
antimicrobiana ou com atividade abaixo do limite de detecção do ensaio em meio
sólido, que podem ser pré-bacteriocinas, complexos de bacteriocinas com outras
moléculas ou proteínas que apresentam reatividade cruzada com os anticorpos
testados. Além disso, os dois ensaios determinam diferentes “tipos” de bovicina
HC5: enquanto o imunoensaio avalia a presença de bovicina HC5 imunologicamente
reativa (formas ativas, inativas e imaturas), o bioensaio detecta somente a presença
de bovicina HC5 biologicamente ativa, capaz de difundir livremente no ágar e inibir
o crescimento do microrganismo sensível.
A reação dos anticorpos policlonais anti-bovicina HC5 com formas
biologicamente não ativas de bovicina HC5, as quais apresentam epitopos
conservados, pode resultar em uma superestimação da quantidade de bacteriocina
presente em uma dada amostra, o que representa uma limitação para a aplicação de
imunoensaios quantitativos para bacteriocinas e outros peptídeos (DAOUDI et al.,
2001).
Essa maior reatividade inicial apresentada por ELISA indireta quando
comparada ao bioensaio também foi detectada em culturas de Propionibacterium
thoenii P127 produtoras de propionicina PGL-1, que mostrou atividade em
bioensaios somente após 217 h de incubação, enquanto o sobrenadante das primeiras
5 h de crescimento bacteriano apresentou respostas positivas por ELISA indireta
(LEVERSSE e GLATZ, 2001). Níveis significantes de nisina A também foram
detectados após 6 h de crescimento da cultura pelo imunoensaio e em 8 h pelo
bioensaio (SUÁREZ et al., 1996).
Esses resultados diferem daqueles apresentados por RICHARD et al. (2004)
para a produção de divercina V41 produzida por Carnobacterium divergens V41, em
meio MRS e MRS sem Tween, por ELISA indireta e teste de difusão em ágar. Em
MRS, a atividade de bacteriocina teve início após 5 h de crescimento exponencial e
aumentou até o início da fase estacionária. A produção de divercina V41 no meio
sem Tween teve início mais cedo, exatamente no início da fase exponencial,
71
enquanto em MRS essa produção foi atrasada em 3 h. Quando avaliada por ELISA
indireta, a produção de divercina V41 teve início com 8 h após a inoculação da
estirpe. Em MRS, a quantidade de divercina V41 aumentou durante a fase
exponencial e reduziu durante a fase estacionária, enquanto em MRS sem Tween a
quantidade de divercina aumentou até atingir um nível estável.
Foi encontrada boa correlação entre a detecção de bovicina HC5 no
sobrenadante de culturas de S. bovis HC5 em meio basal pelas técnicas de difusão em
meio sólido e ELISA indireta (r2 = 0,80533). Resultados semelhantes foram obtidos
por LEUNG et al. (2002) a partir da análise de soluções contendo diferentes
concentrações de nisina (r2 = 0,982), embora a correlação tenha diminuído quando a
nisina foi detectada em filmes poliméricos.
Quando o bioensaio foi correlacionado com a detecção por ELISA indireta no
extrato de células a correlação obtida foi menor (r2 = 0,57755). Tal fato pode ter
ocorrido em função de interações inespecíficas dos anticorpos ou alteração da ligação
com a bacteriocina, em função da presença de NaCl utilizado para ressuspender as
células (Figura 15).
Já com a técnica de ELISA sanduíche, utilizada para a quantificação da
bacteriocina no sobrenadante e no extrato da cultura de S. bovis HC5 em meio basal,
não foram obtidos resultados satisfatórios, não sendo possível a quantificação de
bovicina HC5 em nenhuma das amostras testadas. Tal fato pode ser explicado por
dois fatores: presença de pequeno número ou proximidade de epitopos em uma única
molécula de bacteriocina. Em ambos os casos, o reconhecimento mútuo da molécula
de bovicina HC5 pelos anticorpos de coelho e camundongo ficaria comprometido,
quer pela escassez de epitopos para serem reconhecidos, quer pela interferência
espacial da ligação de um anticorpo ao primeiro determinante antigênico sobre a
ligação do anticorpo a um segundo epítopo. Em casos mais raros, a ligação do
primeiro anticorpo pode causar uma mudança conformacional na estrutura do
antígeno, impossibilitando a ligação do segundo anticorpo por impedimento
alostérico do sítio de ligação (ABBAS e LICHTMAN, 2005). Diante dessas
possibilidades, é possível também que um anticorpo esteja interagindo com outro
(coelho X camundongo) e não com a bacteriocina, por tratar-se de um peptídeo de
baixa massa molecular.
Considerando que S. bovis HC5 possui requerimentos nutricionais simples e
alta velocidade específica de crescimento em várias condições, a obtenção de
72
bovicina HC5 é facilitada em relação às demais bacteriocinas produzidas por
bactérias lácticas fastidiosas. Diante do potencial dessa bacteriocina para utilização
em escala industrial, torna-se necessário avaliar o potencial citotóxico deste peptídeo,
o qual foi realizado no presente trabalho.
De acordo com o método colorimétrico de redução do metiltetrazolium
(MTT), a bovicina HC5 apresentou efeito tóxico com 24 h de incubação com células
Vero, mas somente em altas concentrações (igual ou acima de 90 μg mL-1). A leve
sensibilidade das células Vero à solução fosfato de sódio (5 mM, pH 2,0) e à
acetonitrila 40 % (aproximadamente 15 % de morte das células) pode ter
influenciado o efeito citotóxico exercido pela bovicina HC5 ressuspendida em
solução fosfato de sódio (5 mM, pH 2,0). Entretanto, os dados obtidos com a
bovicina HC5 ressuspendida em água MilliQ estéril sugerem que a causa do efeito
citotóxico observado foi resultante da ação de bovicina HC5 sobre as células Vero,
sendo possível a observação de vacuolização do citoplasma e desprendimento da
monocamada confluente de células, característicos de efeito citotóxico. A CT50
determinada para a bovicina HC5 foi de 100 μg mL-1 (Figuras 16, 17 e 18).
Como a bovicina HC5 purificada e em doses muito mais elevadas não
apresentou nenhum efeito tóxico evidente após a imunização subcutânea de
camundongos BALB/c e injeção subcutânea e intramuscular em coelhos New
Zealand, o efeito citotóxico observado parece estar restrito a linhagens celulares
específicas.
A ação conhecida de toxinas bacterianas e bacteriocinas têm sido restrita a
células eucarióticas e bactérias, respectivamente, provavelmente em função de
interações específicas entre os receptores celulares e a substância em estudo. A única
bacteriocina reportada por ser lítica para células eucarióticas e procarióticas é a
citolisina produzida por Enterecoccus faecalis (BOOTH et al., 1996).
HETZ et al. (2001) estudaram a habilidade da bacteriocina microcina E492,
produzida por Klebsiella pneumoniae RYC492, em induzir apoptose em diferentes
linhagens de células humanas. Microcina E492, como bovicina HC5, é uma
bacteriocina formadora de poros e de baixa massa molecular (7887 Da). O efeito
citotóxico de 680 UA/mL (cerca de 14 μg mL-1) de microcina E492 foi demonstrado
sobre células HeLa (56 + 6 % de células vivas), Jurkat (4 + 3 % de células vivas) e
RJ2.25 (57 + 11 % de células vivas), mas nenhum efeito foi observado sobre células
KG-1 (91 + 1 % de células vivas) ou sobre uma cultura de células endoteliais de
73
tonsilas humanas (99 + 1 % de células vivas), sugerindo que existe uma interação
específica da bacteriocina com componentes na superfície das células alvo.
Em concentrações de 5 μg mL-1 a 10 μg mL-1, a microcina E492 induziu
mudanças morfológicas e bioquímicas típicas de apoptose, como retração da célula,
fragmentação do DNA, exposição extracelular de fosfatidilserina, ativação de
caspases e perda do potencial de membrana mitocondrial. Em altas concentrações (>
20 μg mL-1) um fenômeno necrótico foi observado (HETZ et al., 2001).
SAITO et al. (1979) avaliaram o potencial citotóxico de uma bacteriocina
produzida por Mycobacterium smegmatis e de peso molecular de 75 Da sobre células
HeLa-S3. De acordo com esses autores, somente após 96 h de incubação das células
com a bacteriocina é que o número de células aderidas tratadas apresentou redução
na viabilidade, passando de 9,8 x 106 no controle, para 5,4 x 105 e 1,3 x 105 nos
grupos tratados com 64 e 128 UA/mL de bacteriocina, respectivamente, havendo
alterações morfológicas nessas células, como a retração das células e a presença de
vacúolos no citoplasma.
Segundo FARKAS-HIMSLEY et al. (1995), a bacteriocina colicina,
produzida por Escherichia coli, também apresentou efeito tóxico sobre muitas
linhagens celulares, incluindo células Vero, porém a CT50 determinada para a
colicina foi de 5 ng mL-1, muito menor do que a demonstrada para a bovicina HC5
nesse estudo (100 μg mL-1).
Uma bacteriocina de 3950 Da, produzida por Enterococcus mundtii ST4V e
ativa contra bactérias Gram-negativas, Gram-positivas e alguns vírus, foi avaliada
quanto ao potencial citotóxico sobre células Vero. Concentrações elevadas como
1600 μg de bacteriocina mL-1 não alteraram a viabilidade das células Vero
(TODOROV et al., 2005).
Quando avaliados pelo método de MTT, peptídeos catiônicos como cecropina
A (peptídeo antibacteriano, com 35-39 aminoácidos), magainina I e II, indolicidina
não apresentaram efeito tóxico sobre células Vero em concentrações acima de 100
μM, enquanto o tratamento com melitina (peptídeo antibacteriano, com 26
aminoácidos, isolado de veneno de abelha), em concentrações acima de 5 μM,
resultaram em arredondamento das células e destruição da monocamada celular. A
CT50 determinada para melitina foi de 8,51 μM e a atividade antiviral foi observada
em concentrações de 40 e 400 μg de bacteriocina mL-1 (MATANIC e CASTILLA,
2004).
74
Os resultados apresentados no presente trabalho indicaram que somente
concentrações elevadas de bovicina HC5 exerceram efeito tóxico sobre células Vero,
porém o mecanismo de ação da bacteriocina sobre estas e outras linhagens celulares
ainda precisa ser investigado. Toxinas bacterianas formadoras de poros, como
hemolisina e leucotoxinas, exercem efeito letal pela ligação a um receptor na
superfície celular identificado como LFA-1, um membro da família das integrinas
(LALLY et al., 1999). Não existem evidências de que a bovicina HC5 necessite se
ligar a receptores específicos na superfície celular das células-alvo, mas a
identificação de sítios de ligação potenciais deverá ser considerada em experimentos
futuros.
75
6. CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS
- Bovicina HC5 foi imunogênica para coelhos New Zealand e camundongos
BALB/c, sendo a produção de anticorpos policlonais anti-bovicina HC5 mais
eficiente em coelhos New Zealand;
- O protocolo de imunização dos coelhos com bacteriocina purificada e
adjuvante de Freund foi mais eficiente do que as imunizações realizadas com
bacteriocina purificada, excisada do gel de poliacrilamida e adjuvante incompleto de
Freund;
- Anticorpos policlonais anti-bovicina HC5 foram capazes de reconhecer a
bovicina HC5 purificada, por ELISA indireta e Western blotting;
- Não foram observadas reações inespecíficas dos anticorpos policlonais anti-
bovicina HC5 com sobrenadantes de outras culturas lácticas bacteriocinogênicas
avaliadas;
- Somente na fase inicial de produção de bovicina HC5 a técnica de ELISA
indireta foi mais sensível na detecção de bovicina HC5, no extrato de células e no
sobrenadante de S. bovis HC5, quando comparada ao método de difusão em meio
sólido;
- Nas condições utilizadas, não foi possível quantificar a produção de
bovicina HC5 por S. bovis HC5, em meio basal, utilizando anticorpos anti-HC5
produzidos em coelhos New Zealand e camundongos BALB/c;
- Bovicina HC5 apresentou efeito citotóxico sobre células Vero em
concentrações iguais ou maiores que 100 μg mL-1.
76
Todas as metodologias descritas neste trabalho poderão ser usadas como
modelos para estratégias de imunização e para o desenvolvimento de técnicas de
imunoensaios, para detecção rápida e sensível de peptídeos antimicrobianos de
interesse.
Aplicações específicas potenciais dos anticorpos anti-bovicina HC5 incluem
o preparo de coluna cromatográfica de imunoafinidade para o desenvolvimento de
um método de purificação de bacteriocina em larga escala e em poucos passos. Além
disso, possibilita a identificação rápida e o isolamento de estirpes produtoras de
bovicina HC5 a partir de várias fontes, a detecção de bovicina HC5 em meios
complexos, a imunolocalização de bovicina HC5 em estirpes bacterianas produtoras
e sensíveis e o estudo do mecanismo de ação da bacteriocina e da expressão de
múltiplas bacteriocinas em hospedeiros heterólogos.
Trabalhos adicionais são necessários para avaliar se a bovicina HC5 apresenta
valor comercial, mas suas características, como largo espectro de ação, ligação
específica às células sensíveis, fácil dissociação da superfície da célula produtora e
estabilidade em ambientes acídicos, aliado ao fato do S. bovis HC5 ser uma bactéria
de rápido crescimento, com requerimentos nutricionais simples, aerotolerante,
filogeneticamente e fisiologicamente distinta de linhagens humanas patogênicas,
tornam a bovicina HC5 uma bacteriocina com grande potencial para uso na indústria
de alimentos, na medicina e na agropecuária.
77
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