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FERNANDA PAULA OLIVEIRA
Professora da Faculdade de Direito de Coimbra
Pátio da Universidade 3004-545 Coimbra
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Assunto: - Licenciamento de edifício destinado a indústria
Coimbra, 07.12.2015
B. CONSULTA
Foi-nos solicitada, na sequência do Despacho do Senhor Presidente da
Câmara Municipal de Guimarães de 26 de outubro de 2015, a apreciação do
processo referente ao licenciamento da construção de um edifício destinado a
indústria (unidade industrial dirigida à gestão e valorização de resíduos,
nomeadamente plásticos), da iniciativa da empresa ECOIBÉRIA, o qual tem suscitado
ampla polémica por parte de alguns segmentos da população que pretendem o
indeferimento daquela operação urbanística alegando ilegalidades várias no ato que
eventualmente venha a ser emitido.
Pretende o senhor Presidente que se afira se existem argumentos que
permitam à Câmara Municipal, nesta fase do processo — ou seja, num momento
em que já foi aprovado o projeto de arquitetura —, inviabilizar a referida pretensão
— em especial, segundo entendemos, se pode haver indeferimento do pedido de
emissão da licença de obras de edificação por desconformidade com as condições
impostas pelas várias entidades que se pronunciaram no âmbito do procedimento
que deu origem à emissão do título de exploração e instalação da atividade industrial
n.º 888/2015.
Pretende ainda saber-se, caso a resposta à questão anterior seja positiva, que
consequências daí decorrem do ponto de vista de uma eventual responsabilidade do
Municipio perante a interessada, ECOIBÉRIA.
B. PARECER
Razão de ordem
Tendo em conta a complexidade da presente situação, iniciaremos a nossa
apreciação com o enquadramento jurídico dos procedimentos administrativos que
aqui se posicionam. Com efeito, é necessário ter presente que nos encontramos,
neste caso, perante uma situação complexa, na medida em que a pretensão principal
da interessada é a instalação de uma atividade económica (no caso uma atividade
industrial), que se encontra sujeita a um regime próprio de controlo preventivo —
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concretamente o regime do Sistema da Indústria Responsável aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 169/2012, de 1 de agosto (SIR) —, surgindo a realização da operação
urbanística (a construção do edifício) como instrumental daquela (tal construção destina-
se, precisamente, à instalação da referida atividade económica), operação essa sujeita,
por sua vez, a um regime específico — concretamente o Regime Jurídico da
Urbanização e Edificação (RJUE).
Estando em causa regimes (e procedimentos) interligados — porque
referentes à mesma pretensão global —, mas com âmbitos e objetivos distintos,
torna-se necessário explicitar devidamente que âmbitos e objetivos são esses e como
é que eles se articulam. É sobre esta questão que incidiremos a nossa primeira
atenção no presente Parecer (1.). Nesta análise não deixaremos de retirar as
conclusões preliminares que relevam para o caso em apreciação.
Debruçar-nos-emos, num segundo momento, sobre o procedimento de
licenciamento urbanístico de uma obra de edificação — procedimento que se
encontra em curso no presente momento — de forma a identificar os seus vários
momentos e, em especial, de forma a determinar o conteúdo e efeitos do ato de
aprovação do projeto de arquitetura — precisamente porque, no presente
procedimento de licenciamento, esta fase já se encontra ultrapassada O
esclarecimento destas questões permitirá apontar a resposta às questões que se
colocam em relação ao presente procedimento — que é, relembre-se, o
procedimento de licenciamento da operação urbanística e não o da atividade
económica, que já está concluído — designadamente a questão de saber de que
poderes dispõem os órgãos autárquicos no presente momento (em que o projeto de
arquitetura já está aprovado) e que consequências advêm se a pretensão acabar por
ser inviabilizada com o indeferimento da licença de construção (2.)
Terminaremos o presente Parecer formulando as conclusões que se impõem.
1. A instalação de atividades económicas como procedimentos
complexos
1.1. Distintos tipos de procedimentos
A instalação de uma atividade económica (como a indústria, o turismo, o
comércio, os serviços, etc.) surgem, por regra, como uma pretensão complexa,
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envolvendo várias valências e vertentes (ambientais, urbanísticas, etc.), as quais são
objeto de procedimentos distintos de controlo [designadamente, Avaliação de
Impacte Ambiental, RJUE, etc.] que, embora conexos, incidem sobre aspetos
parcelares daquela pretensão. Torna-se, por isso, importante cruzar e articular a
legislação relativa ao exercício da atividade (isto é, relativa à instalação e ao
funcionamento dos estabelecimentos onde tal atividade se vai desenvolver) é a ela que se
refere, com relevo na presente situação, o SIR com os procedimentos de
controlo preventivo das operações urbanísticas que, por aquele motivo, tenham de
realizar-se (quer se trate de obras, quer da utilização dos edifícios onde aqueles
estabelecimentos ou instalações vão funcionar), e que são objeto do RJUE.1
Este cruzamento ocorre sempre que, para instalar um estabelecimento
destinado ao exercício de atividade industrial seja necessário realizar obras (pense-se
na construção de raiz do edifício onde a atividade vai funcionar ou em obras de
alteração ou ampliação de um edifício já existente para o mesmo fim) ou alterar o uso
que lhe está atribuído (porque, por exemplo, o edifício ou a fração onde se pretende
instalar a atividade industrial tem um uso urbanístico distinto, por exemplo,
comércio e serviços, que não permite esta atividade). Neste caso terão de ser
desencadeados os procedimentos referentes a estas operações urbanísticas,
precisamente os que constam do RJUE e que serão, consoante o caso, a licença, a
comunicação prévia ou a autorização, sem esquecer o pedido de informação prévia que aí
assume caráter facultativo.
Há, de facto, várias formas possíveis de relacionamento entre a instalação da
atividade industrial (regulado no SIR) e o RJUE já que:
A instalação da atividade pode implicar a construção de uma nova
edificação (o que exige o controlo prévio das obras e a obtenção de uma
autorização de utilização);
A instalação da atividade pode ocorrer num edifício já existente:
com necessidade de realização obras sujeitas a controlo e com
1 Distingue-se, a este propósito, o estabelecimento industrial e o edifício onde o mesmo vai funcionar: trata-
se de dois objetos que não devem ser confundidos, tanto mais porque nada obriga a que o titular do estabelecimento (promotor da atividade, que no caso é a industrial) seja simultaneamente titular do referido edifício.
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eventual mudança de uso (controlo da obra e da utilização);
sem necessidade de realização obras, mas com eventual mudança
de uso (controlo da utilização);
com necessidade de realização obras, mas isentas de controlo
municipal (podendo, todavia, haver lugar a autorização de
utilização para mudança de uso, caso este ocorra).
1.2. Relacionamento entre os distintos procedimentos: solução
tradicional
Era o artigo 37.º do RJUE que fixava, nas suas versões iniciais, o esquema de
relacionamento supletivo entre os vários atos e procedimentos que compunham os
designados procedimentos especiais, precisamente os procedimentos de instalação e
funcionamento de atividades económicas (então, sempre da responsabilidade da
Administração central) que necessitassem de realização de operações urbanísticas
(da responsabilidade dos municípios). De acordo com esta regulamentação, os
órgãos municipais não poderiam aprovar informação prévia favorável nem deferir
pedidos de licença relativos a operações urbanísticas sem que o requerente
apresentasse documento comprovativo da aprovação da administração central, o
que significava que estes procedimentos se apresentavam como um pressuposto
lógico e necessário daqueles.
Segundo este modelo, este tipo de procedimentos especiais pressupunha a
prática de um conjunto de atos interligados: uma autorização prévia de localização pela
CCDR territorialmente competente emanada por referência aos instrumentos
urbanísticos em vigor (planos municipais, planos especiais ou licença de
loteamento); autorização da atividade económica em causa por parte do Estado;
procedimentos do RJUE referentes às operações urbanísticas tornadas necessárias para
se instalarem aquelas atividades (v.g. licenças de obras e autorizações de utilização)
da responsabilidade dos municípios; e autorização de funcionamento (ou de laboração),
novamente da responsabilidade do Estado.
Em causa estavam, assim, procedimentos complexos, compostos por um
conjunto de atos sucessivos, que se iam pronunciando sobre aspetos parcelares da
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mesma pretensão (procedimentos de guichet múltiplo em que o interessado tinha de
percorrer sucessivamente várias entidades que se iam pronunciando sobre aspetos
parciais da pretensão e que funcionavam como pré-decisões).2
E por isso se compreende que estes atos vinculassem as entidades
competentes para a decisão sobre um eventual pedido de informação prévia ou
licenciamento da operação urbanística a que respeitavam, apresentando-se como
pressuposto destas. Era precisamente nesta lógica que o artigo 37.º do RJUE
determinava que os procedimentos nele regulados (pedidos de informação prévia,
licenciamentos) apenas podiam ser decididos de forma favorável após a emissão da
autorização de instalação do estabelecimento industrial, sob pena de nulidade [alínea
c) do artigo 68.º do RJUE)].
O artigo 37.º do RJUE foi entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 26/2010,
de 30 de março, motivo pelo qual o modo de relacionamento entre o RJUE e
aquelas legislações especiais, sempre que em causa esteja a realização de operações
urbanísticas sujeitas a controlo prévio, passou a ter de ser procurado nos termos
destes diplomas específicos, como sucede com o SIR. E são os artigos 17.º a 19.º
deste regime que desempenham esta função.
2 Têm natureza jurídica de pré-decisões os atos (decisões) que, precedendo o ato final de um
procedimento ou o ato que define a situação jurídica do interessado com caráter definitivo, decidem já, perentória ou vinculadamente sobre a existência de condições ou de requisitos, ainda que parciais, de que depende a prática de tal ato. Cfr. Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Vol. I, Coimbra, 2004, p. 344.
Esta categoria genérica admite uma subdivisão, abrangendo as subcategorias dos atos prévios e dos atos parciais. Estes consistem em “decisões constitutivas antecipadas no que respeita a uma parte ou a um aspeto da decisão (autorização) final global, com efeito ou carácter permissivo” enquanto os atos prévios são aqueles que “embora decidindo sobre um aspeto particular da decisão final, é dizer, da pretensão autorizatória formulada, não produzem qualquer efeito permissivo, não autorizam o interessado a realizar (mesmo que só parcialmente) a pretensão a que aspira”.
A autorização ou aprovação de localização e a autorização de instalação tal como, aliás, atualmente a
informação prévia favorável apresentavam-se claramente como atos prévios, isto é, atos que decidiam, de forma antecipada, ainda que definitiva, uma parte da pretensão. No que diz respeito à autorização de localização, como o próprio nome indicava, a parte da pretensão que ficava definitivamente decidida era, precisamente, a relativa à localização do estabelecimento industrial (ou seja a adequação dos usos ao local da pretensão), a qual ficava definitivamente fechada. Por isso estas questões não podiam voltar a ser apreciadas no âmbito do procedimento complexo tendente à instalação e funcionamento do estabelecimento industrial, designadamente no âmbito dos procedimentos de gestão urbanística que viessem a ser desencadeados posteriormente para a instalação efetiva mesmo. Tratava-se, neste caso, da efetiva antecipação de uma decisão que, não estivesse em causa um procedimento complexo, apenas seria tomada aquando do desencadeamento dos procedimentos de controlo da operação urbanística em causa para efeitos de instalação do estabelecimento industrial.
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1.3. Relacionamento entre os distintos procedimentos: a solução no
Decreto-Lei n.º 169/2012
O SIR regula os procedimentos atinentes à instalação e funcionamento
(exploração) da atividade industrial: nesses procedimentos controlam-se os
requisitos que esta atividade económica deve cumprir para que possa ser levada a
cabo. De facto, estando em causa atividades com um potencial de perigo para
interesses públicos (como a industrial), a lei define condições que devem ser
cumpridas para que os privados possam aceder e exercer as mesmas, sendo o objeto
especifico dos procedimentos definidos no SIR a verificação da conformidade da
pretensão privada (exercício da atividade industrial) com aqueles requisitos. O ato
autorizativo final desse procedimento é, precisamente, o título de instalação e
exploração.
Nestes procedimentos não se controlam, porém, as questões do foro
estritamente urbanístico, que se colocam apenas quando para instalar e exercer a
atividade seja necessário desencadear operações urbanísticas: nestes casos determina
o artigo 17.º que têm aplicação os procedimentos regulados no RJUE.
Por sua vez, também, quando estes têm lugar, o seu âmbito não é apreciar o
cumprimento dos requisitos que se prendem com o exercício da atividade (esta
verificação é feita no âmbito dos procedimentos do SIR), mas apenas dos requisitos
do foro estritamente urbanístico/ordenamento do território.
De acordo com o disposto no artigo 17.º do SIR, a articulação entre o regime
nele definido (destinado a controlar a conformidade do estabelecimento com as
regras da atividade) com o RJUE (destinado a verificar a conformidade da operação
urbanística com as normas que lhe são aplicáveis) diferencia-se consoante esteja em
causa um estabelecimento industrial de tipo 1 e 2 ou um estabelecimento industrial
de tipo 3.
Tratando-se de estabelecimentos deste último tipo (tipo 3) — que
correspondem àqueles que detêm menor risco ambiental e têm menor dimensão —,
sempre que a sua instalação, ampliação e alteração envolvam a realização de
operações urbanísticas sujeitas a controlo prévio, deverão ser desencadeados, em
primeiro lugar, os procedimentos previstos no RJUE, só depois podendo ser
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apresentada a mera comunicação prévia (que é o “procedimento” a desencadear para
este tipo de atividade). Nos termos do n.º 3 do artigo 17.º, a mera comunicação
prévia apenas pode ser apresentada após a emissão, pelo órgão municipal
competente, do título destinado à utilização do prédio ou fração onde pretende
instalar-se o estabelecimento (ou verificado o respetivo deferimento tácito).
Tratando-se de estabelecimentos de tipo 1 e 2, o requerente pode apresentar à
câmara municipal competente, antes de iniciado o procedimento de controlo da
atividade (que no Decreto-Lei n.º 169/2012 correspondia, respetivamente, ao
procedimento de autorização prévia ou de comunicação prévia com prazo3), pedido
de informação prévia sobre a operação urbanística, cuja decisão final pode ser emitida
mesmo antes da decisão da entidade coordenadora sobre o pedido de autorização
prévia ou da comunicação prévia com prazo da atividade.
Se optar por não fazer o pedido de informação prévia (que é facultativa) o
requerente pode desencadear os procedimentos do RJUE, mas a câmara municipal
só pode decidir sobre estes depois de proferida a decisão favorável ou favorável
condicionada no âmbito dos procedimentos do SIR.
Ou seja, e em suma, no caso de estabelecimentos de tipo 1 e 2, enquanto o
pedido de informação prévia do RJUE pode ser iniciado e, inclusive, decidido antes
da decisão dos procedimentos do SIR, o pedido de licenciamento da operação
urbanística, ainda que possa ser iniciado antes dos procedimentos tendentes ao
exercício da atividade (autorização prévia ou comunicação prévia com prazo),
apenas pode ser decidido após decisão favorável (ou favorável condicionada) destes
procedimentos.
Deste modo se conclui que:
No caso de estabelecimentos industriais de tipo 3, os procedimentos do
RJUE são um pressuposto indispensável para o desencadeamento dos
procedimentos do SIR para efeitos da instalação do estabelecimento;
No caso de estabelecimentos de tipo 1 e 2, pode ser desencadeado e
3 Dizemos “correspondia”, porque o SIR foi entretanto objeto de alteração pelo Decreto-Lei n.º
73/2015, de 11 de maio, tendo os procedimentos referidos no texto passado a corresponder aos procedimentos de instalação e exploração com vistoria prévia (para os estabelecimentos industriais de tipo 1) e de instalação e exploração sem vistoria prévia (para os estabelecimentos de tipo 2).
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decidido um pedido de informação prévia do RJUE antes de iniciados os
procedimentos do SIR, mas estes são um pressuposto indispensável para a
decisão do licenciamento do RJUE.
O que é referido no ponto anterior apenas não tem aplicação em relação
às autorizações de utilização: com efeito, uma vez que, havendo obras, a
autorização de utilização é sempre obtida em momento posterior ao
licenciamento destas (servindo para verificar se as obras foram executadas
de acordo com o projeto aprovado), e uma vez que a licença das obras
apenas pode ocorrer em momento posterior à autorização prévia ou ao
deferimento, expresso ou tácito, da comunicação prévia com prazo, por
maioria de razão a autorização também apenas poderá ser obtida após
estas. Nestes casos a autorização de utilização funciona como condição de
eficácia do ato praticado ao abrigo do SIR.4
1.4. Aplicação ao caso em apreço
Tendo em conta que, no caso em apreço, está em causa um estabelecimento
industrial de tipo 2, o procedimento aplicável à sua instalação e funcionamento foi o
de comunicação prévia com prazo (artigo 30.º e ss. do SIR).
O disposto no artigo 32.º, n.º 8, que identifica os motivos de indeferimento
desta comunicação, é elucidativo sobre o que se controlou neste domínio: (1) o
cumprimento dos condicionamentos legais e regulamentares em vigor relativos às
características e especificações da instalação industrial; (2) o cumprimento das
exigências referentes: (a) à emissão de gases com efeito de estufa; (b) à utilização de
recurso hídricos, (c) às operações de gestão de resíduos ou (d) à atribuição do
número de controlo veterinário, quando aplicável; (3) o cumprimento das questões
de localização definidas pela CCDR quando o interessado tenha decidido antecipar
para o procedimento do SIR a decisão quanto à localização.
Como determina a lei, apenas após ter obtido o título atinente à instalação e
exploração da atividade industrial, podem ser decididos os procedimentos urbanísticos
4 Compreende-se, assim, a condição imposta pelo IAPMEI anexa ao título de instalação e
exploração n.º 888/2015-1, de que o início da atividade do estabelecimento da ECOIBÉRIA depende da emissão de título de autorização de utilização.
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do RJUE, que se destinam a apreciar questões distintas das analisadas anteriormente
(exceto quanto à localização se ela tiver sido, a pedido do interessado, apreciada pela
CCDR nessa sede, o que não sucedeu no caso em apreço).
Sendo distintos os âmbitos de apreciação destes procedimentos e sendo
distintos os interesses públicos que em cada um deles se pretende salvaguardar,
resulta claro que as condições impostas no título de instalação e exploração se
dirigem à atividade industrial, em nada contendendo com o licenciamento urbanístico,
destinado a verificar as questões de ordenamento do território e urbanísticas (cfr.
artigo 24.º do RJUE).
Em suma, no caso em apreço está em causa um estabelecimento industrial de tipo 2
que foi sujeito ao procedimento legalmente exigido para a sua instalação: o
procedimento de comunicação prévia com prazo. Esse procedimento foi levado a
cabo nos termos legalmente exigidos (Decreto-Lei n.º 169/2012, de 1 de agosto na
versão então em vigor) e o referido estabelecimento industrial obteve, neste âmbito,
na sequência de decisão favorável sobre o respetivo pedido, título de instalação e
exploração (título n.º 888/2015-1) emitido pelo IAPMEI em 16 de outubro de 2015.
O que significa que a ECOIBÉRIA dispõe já de título de instalação e funcionamento
da atividade industrial que pretende levar a cabo, obtido no âmbito de um
procedimento destinado a verificar (controlar) o cumprimento dos requisitos
atinentes ao acesso e exercício da atividade.
Porque, e na medida em que, para a instalação da referida atividade a
ECOIBÉRIA tem de construir de raiz um edifício, foi desencadeado, como devia, o
procedimento devido — no caso, o licenciamento de obras de edificação —, sendo
no domínio deste que o órgão competente (câmara municipal) se terá de pronunciar
sobre as questões urbanísticas/de ordenamento do território. É neste preciso
procedimento que nos encontramos no caso em apreço, e é esta decisão (licença de
construção) que agora tem de ser proferida.
Na medida em que estão em causa procedimentos destinados a apreciar
questões diferentes, nada impede que a pretensão da ECOIBÉRIA, ainda que já
disponha de título de instalação e funcionamento, seja inviabilizada no presente
momento: bastará, para que tal aconteça, que a edificação que se pretende levar a
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cabo não cumpra as normas legais e regulamentares que lhe são aplicáveis,
designadamente as de planeamento.
Aliás, é por isso mesmo que o próprio título de instalação e exploração da
atividade (título n.º 888/2015-1) faz depender os seus efeitos (início da exploração
do estabelecimento industrial) da emissão do título de autorização de utilização
(alvará) do edifício ou certificado o respetivo deferimento tácito (obtido no âmbito
dos procedimentos regulado no RJUE).
Não se estranhe que assim seja precisamente porque, como repetidamente
afirmamos, se trata de procedimentos com âmbitos de apreciação diferenciados.
É certo que uma solução legal como esta — que remete a decisão dos
procedimentos urbanísticos para um momento posterior aos procedimentos de
controlo da atividade — pode traduzir-se num desperdício de investimentos por
parte do promotor desta, já que de nada lhe servirá dispor de título de instalação e
exploração se não for viável a sua instalação na localização pretendida. Foi
precisamente tendo em conta esta realidade que o legislador veio, por um lado,
admitir a antecipação da consulta das entidades e, por isso, da apreciação da
localização dos estabelecimento industrial de tipo 1 ou 2, para os procedimentos de
autorização prévia ou comunicação prévia com prazo do SIR e, por outro lado
(como alternativa), a possibilidade de o interessado desencadear antes dos
procedimentos do SIR, um procedimento de informação prévia (no âmbito da qual
questione a viabilidade de o empreendimento ter a localização que pretende), cuja
decisão não está dependente da emissão do título de instalação e exploração e, por
isso, pode (deve) ser emitida antes deste.
Do afirmado decorrem duas conclusões com relevo no presente caso:
que o título de instalação e exploração da atividade em causa (título n.º
888/2015-1)não confere à ECOIBÉRIA o direito a obter o deferimento do
pedido de licenciamento da obra de edificação;
O procedimento de licenciamento da obra de edificação não se destina a
verificar o cumprimento das condições impostas título de instalação e
exploração da atividade (o momento adequado para isso é no âmbito de
vistorias de conformidade ao funcionamento do estabelecimento,
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realizadas nos termos do SIR).
Esta nossa última conclusão leva a responder, desde logo, de forma negativa à
questão suscitada pelo senhor Presidente da Câmara de saber se poderia o pedido de
licenciamento das obras de edificação ser indeferido por desconformidade do
projeto com as condições impostas pelas várias entidades que se pronunciaram no
âmbito do procedimento que deu lugar à emissão do título de exploração e
instalação da atividade industrial n.º 888/2015. Com efeito, não só o licenciamento
das obras não se destina a verificar o cumprimento das condições impostas no título
de instalação e funcionamento da atividade, como as condições impostas neste se
dirigem ao exercício da atividade e não às obras do edifício onde o mesmo se vai
instalar.
2. Processo de licenciamento de obras ao abrigo do RJUE
2.1. As fases do licenciamento de obras de edificação
O procedimento de licenciamento de obras de edificação encontra-se dividido
em dois momentos (subfases): a primeira, atinente à apreciação e aprovação do projeto de
arquitetura; a segunda, referente à apresentação dos projetos de engenharia de
especialidades (que têm de ser apresentados em determinados prazos sob pena de
caducidade do ato de aprovação do projeto de arquitetura), conduzindo, caso estes
não coloquem problemas específicos, ao licenciamento da obra.
O papel dos municípios no âmbito do procedimento de licenciamento é a de
proceder ao controlo das condições urbanísticas da sua realização, isto é, ao
controlo do cumprimento, pelas mesmas, dos instrumentos de planeamento e das
regras técnicas de construção que se destinam a salvaguardar o correto ordenamento do
território, portanto, das normas constantes de planos de municipais ordenamento do
território, de medidas preventivas, de servidões administrativas e restrições de
utilidade pública e, ainda, de quaisquer outras relativas ao aspeto exterior e à inserção
urbana e paisagística das edificações, bem como sobre o uso proposto. Estes aspetos
(e apenas eles) são objeto de verificação no âmbito da apreciação e aprovação do
projeto de arquitetura, conforme decorre do n.º 1 do artigo 20.º, sob pena de
indeferimento do pedido (artigo 24.º).
Isto significa que aos municípios apenas cabe avaliar nos procedimentos de
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licenciamento fazendo-o no âmbito da apreciação dos projetos de arquitetura ,
os aspetos urbanísticos da obra numa perspetiva do correto ordenamento do
território, atendendo-se, por isso, e exclusivamente, à dimensão exterior dos edifícios e
à integração urbana e paisagística das demais operações urbanísticas5.
Este entendimento, que vinha sendo acentuado nas várias versões do RJUE
— por isso se isentou de controlo preventivo as intervenções nos edifícios que
tenham um impacto meramente interno6, à exceção das que ocorram em edifícios
classificados7 —, admitia, porém, alguns desvios impostos por normas especiais,
como era o caso, a título de exemplo, do regime jurídico das acessibilidades, sendo o
próprio Decreto-Lei n.º 163/2006, de 8 de agosto, a prever um regime especial de
controlo pela Administração das exigências nele dispostas (a maior parte a cumprir
no interior dos edifícios), chegando mesmo a estabelecer mecanismos de
sancionamento disciplinar caso esse controlo não fosse efetuado.
Era também nesta lógica — de reservar para a Administração municipal o
controlo das operações de um ponto de vista estritamente urbanístico, feito no
âmbito exclusivo da apreciação do projeto de arquitetura, que é onde as questões
urbanísticas têm reflexo — que o RJUE vinha já dispensando a apreciação, por
parte dos serviços municipais, dos projetos de especialidades (fase subsequente à
aprovação do projeto de arquitetura) desde que os mesmos viessem acompanhados
de declaração de responsabilidade dos autores desses projetos, nos termos definidos
no n.º 8 do artigo 20.º (sendo os mesmos elementos instrutórios necessários do
pedido). A dispensa de apreciação destes projetos pelos serviços municipais não
significava, porém, a dispensa de sujeição de tais projetos a consulta, certificação,
autorização ou parecer legalmente exigidos por parte de entidades, normalmente
externas (que se responsabilizavam pela verificação do cumprimento das normas
aplicáveis), nem a dispensa de os juntar ao processo de licenciamento em curso no
município. Com o Decreto-Lei n.º 26/2010 deu-se um passo em frente,
5 Para mais desenvolvimentos cfr. o nosso «“Água mole em pedra dura…”, de novo o acto de
aprovação do projeto de arquitectura», anotação ao Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (2.º Juízo) de 28/10/2009, P. 4110/08, Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 84, novembro/dezembro de 2010.
6 Cfr. alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º do RJUE. 7 Alínea d) do n.º 2 do artigo 4.º do RJUE.
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dispensando-se não apenas a apreciação dos projetos de especialidade pelos serviços municipais
nos termos supra referidos, mas também da junção ao processo das consultas, certificações,
aprovações ou pareceres sobre os mesmos emitidos, desde que, nos termos do n.º 9 do artigo
13.º do RJUE, o respetivo projeto fosse acompanhado de termo de responsabilidade
subscrito por técnico autor de projeto legalmente habilitado que atestasse o seu
cumprimento.8
A solução referida apreciação apenas, por parte dos órgãos municipais, das
questões externas do projeto de arquitetura e não apreciação das especialidades é
reforçada com a alteração efetuada ao RJUE pelo Decreto-Lei n.º 136/2014, de 9 de
setembro ao determinar, por um lado, que “[a]s declarações de responsabilidade dos autores
dos projetos de arquitetura, no que respeita aos aspetos interiores das edificações (…) constituem
garantia bastante do cumprimento das normas legais e regulamentares aplicáveis, excluindo a sua
apreciação prévia, salvo quando as declarações sejam formuladas nos termos do n.º 5 do artigo
10.º” (n.º 8 do artigo 20.º) permitindo, deste modo, que, mesmo nos casos
especiais a que nos referimos supra (designadamente no âmbito do regime das
acessibilidades), o município não tenha de se ater a questões internas da edificação9
e ao prever, por outro lado que “[o]s projetos (…) de especialidades (…), quando
acompanhados por termo de responsabilidade subscrito por técnico autor de projeto legalmente
habilitado nos termos da lei (…), ficam dispensados da apresentação na câmara municipal de
consultas, certificações, aprovações ou pareceres externos, sem prejuízo da necessidade da sua
obtenção quando legalmente prevista”.10
8 A exceção a esta regra ficou a valer apenas para os projetos de eletricidade e do gás (cfr. a Lei
n.º 28/2010, de 2 de setembro). 9 Em consonância com esta solução, o Decreto-Lei n.º 136/2014 (artigo 5.º) procede a uma
alteração do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 163/2006, de forma a articular ambos os regimes. 10 Esta é uma solução que visa reforçar a simplificação procedimental (e a desburocratização), tornando
inexigível a junção ao processo de licenciamento de elementos (autorizações, pareceres e certificações)
desnecessários no seu âmbito, já que, ainda que aí constem, a Administração municipal não está
habilitada a proceder ao respetivo controlo, nem o efetua. Fundamental é, assim, no que aos projetos de
especialidade diz respeito, que o município garanta a existência no processo de quem se
responsabilizasse por eles; e esse alguém é, ou a entidade que o autoriza (emite parecer ou o certifica), ou
o técnico legalmente habilitado que se responsabiliza pela sua obtenção. Um ou outro destes
documentos apresenta-se, deste modo, como elemento instrutório indispensável para o prosseguimento
do procedimento, com vista à emissão do ato final de licenciamento, e que, não sendo apresentados,
geram a rejeição liminar do processo.
FERNANDA PAULA OLIVEIRA
Professora da Faculdade de Direito de Coimbra
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2.2. Do ato de aprovação do projeto de arquitetura: natureza e funções
Correspondendo a apreciação do projeto de arquitetura à primeira fase do
procedimento de licenciamento, muitas foram as dúvidas que se colocaram a
propósito da função e da natureza jurídica deste ato.
No que concerne à respetiva natureza jurídica, a doutrina vem unanimemente
concluindo, de há muito (tendo apenas posteriormente sido secundada pela
jurisprudência), pela recondução deste ato à categoria genérica das pré-decisões,
assumindo a configuração de um ato prévio e não de um ato parcial, dada a ausência de
efeitos permissivos deles decorrentes.
Por seu turno, não restam dúvidas de que o ato de aprovação do projeto de
arquitetura desempenha no procedimento de licenciamento uma função muito
específica, que é a de decidir as condições urbanísticas da realização da obra (por isso, tal
apreciação corresponde a uma fase autónoma daquele procedimento, que
condiciona todo o andamento posterior do mesmo). Daí que a doutrina tenha
afirmado que a licença corresponde a um ato complexo que engloba vários atos
autónomos, sendo um deles a aprovação do projeto de arquitetura11. Por intermédio
deste ato a Administração municipal aprecia as condições (urbanísticas) que a obra
deve respeitar, decidindo sobre elas de forma definitiva por não estar previsto no
decurso do procedimento uma nova pronúncia sobre estas questões. Por isso se
afirma que a aprovação do projeto de arquitetura é um ato constitutivo de direitos (pelo
menos do direito a que estas questões não voltem a ser postas em causa e discutidas
no decurso do procedimento de licenciamento se aquela apreciação for válida),
sendo vinculativo para a câmara municipal aquando da deliberação final (isto é, da
prolação do ato de licenciamento).
Se a doutrina era, mais ou menos unânime, o mesmo não se podia dizer da
jurisprudência. Só com o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (2.º
11 Vide, a este propósito, o nosso “Duas questões no direito do urbanismo: aprovação de projecto
de arquitectura (acto administrativo ou acto preparatório) e eficácia de alvará de loteamento (desuso?)”, anotação ao Acórdão do STA de 5/5/1998, P. 43 497, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 13, janeiro/fevereiro de 1999; MÁRIO ARAÚJO TORRES, “Ainda a (in)impugnabilidade da aprovação do projecto de arquitectura”, in CJA, n.º 27, maio/junho de 2001; JOÃO GOMES ALVES, “Natureza jurídica do acto de aprovação do projecto de arquitectura”, anotação ao Acórdão do STA de 5/5/1998, P. 43 497, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 17, setembro/outubro de 1999; e ANTÓNIO DUARTE DE ALMEIDA, “A natureza da aprovação do projeto de arquitectura e a responsabilidade pela confiança no Direito do Urbanismo”, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 45, maio/junho de 2004.
FERNANDA PAULA OLIVEIRA
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15 15
Juízo), de 28 de outubro de 2009, P. 4110/08, se veio a confirmar a inversão da até
aí dominante jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA), que
sempre havia afirmado uniformemente que o ato de aprovação do projeto de
arquitetura se apresentava como um ato preliminar do procedimento de licenciamento
(que embora contribuísse, em parte, para o conteúdo do ato de licenciamento, não
assumia “autonomia funcional” nem, por este motivo, eficácia imediatamente lesiva
em face de terceiros), e que “a deliberação que se limita a aprovar o projeto de arquitetura e a
legitimar a prossecução do procedimento não se traduz num ato constitutivo de direitos…”12. Isto
muito embora se denotasse já uma tendência para o STA começar a trilhar um
caminho distinto, pois já vinha afirmando ser aquele o ato que se destina, de forma
final, a pronunciar sobre a conformidade da obra com os instrumentos de
planeamento aplicáveis (cfr. Acórdão de 12 de março de 2007, proferido no âmbito
do P. 620/07) e equiparando-o ao ato de licenciamento para efeitos
indemnizatórios, considerando que “…a deliberação camarária que… aprova o projeto de
arquitetura, não sendo embora o ato final do procedimento de licenciamento… é, no entanto,
constitutiva de direitos para o próprio particular requerente, criando em favor deste expectativas
legítimas no licenciamento, que a partir daí… já não poderá ser recusado com fundamento em
qualquer desvalor desse mesmo projeto…” (cfr. Acórdão do STA de 16 de maio de 2001,
P. 46 227).
Com efeito, de acordo com aquele Acórdão do Tribunal Central
Administrativo Sul de 28 de outubro de 2009 (no mesmo sentido, vide, a título de
exemplo, o Acórdão deste mesmo Tribunal de 28 de outubro de 2008, proferido no
P. 4399/08): “I. Relativamente aos requisitos referidos no art. 20.º, n.º 1, do RJUE, sobre que
incide a apreciação do projeto de arquitetura, a pronúncia da Administração é final e vinculativa.
II. Por isso, embora a aprovação do projeto de arquitetura seja um ato prévio do procedimento de
licenciamento de obras de edificação, ela define determinados elementos que o ato final do
procedimento tem de acolher. II. Assim, porque a questão da conformidade da pretensão com o
plano é verificada no momento da apreciação do projeto de arquitetura é irrelevante a alteração
posterior do PDM para efeitos de emissão da licença de construção, salvo se este dispuser noutro
12 Para uma abordagem genérica desta jurisprudência, cfr. MARIA CRISTINA GALLEGO DOS
SANTOS, “Apreciação e aprovação do projecto de arquitectura – o esquiço, o projecto e a complexidade da norma – artigo 20.º do RJUE”, in O Urbanismo, o Ordenamento do Território e os Tribunais, coordenação FERNANDA PAULA OLIVEIRA, Coimbra, Almedina, 2010, pp. 191 e segs.
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sentido”.
Assim se confirmou uma viragem definitiva na linha jurisprudencial, passando
a permitir abordar-se de uma perspetiva diferente as várias questões que se
colocavam em relação ao ato de aprovação do projeto de arquitetura: a da sua
impugnabilidade judicial13; a do respetivo carácter constitutivo de direitos para o
requerente; a da forma como o mesmo se comporta quando ocorre, em momento
posterior à sua prática e antes da prolação do ato final de licenciamento, a alteração
das normas urbanísticas aplicáveis (precisamente a questão em apreciação no
acórdão cujo sumário transcrevemos acima); e a da possibilidade de indemnização
nas situações em que este ato é colocado em causa por plano superveniente ou pela
prática de um ato administrativo posterior que determinem a sua caducidade,
anulação, declaração de nulidade ou revogação.
Tudo isto porque o ato de aprovação do projeto de arquitetura se apresenta,
de facto, como o ato pelo qual os municípios procedem ao controlo das condições
urbanísticas da realização das obras de edificação, isto é, procedem à verificação do
cumprimento, pelas mesmas, dos instrumentos de planeamento (incluindo os planos
especiais) e das regras técnicas de construção. Decididas estas questões com a
aprovação do projeto de arquitetura — e com esta aprovação aquelas questões
ficam definitivamente decididas —, o procedimento de licenciamento continua com
a apresentação dos projetos das especialidades, em relação aos quais os instrumentos
de planeamento já nada têm a dizer, não se aplicando, por isso, nesta fase
subsequente.
Por isso se afirma hoje que o ato de aprovação do projeto de arquitetura,
embora pronunciando-se apenas sobre um dos projetos da obra, se apresenta como
13 O Acórdão do STA de 9 de dezembro de 2009, P. 19/09 (2.ª subsecção do contencioso
administrativo), veio afirmar que “constitui ato administrativo impugnável, o ato que aprovou projeto de arquitectura praticado no âmbito de um processo de legalização de uma obra de construção, que havia sido levada a efeito em desconformidade com um anterior licenciamento, o qual permitiu a implantação daquela obra de molde a não permitir um correto arejamento, iluminação natural e exposição à luz solar de um prédio vizinho”, denotando uma inflexão jurisprudencial decorrente da consideração do artigo 51.º, n.º 1, do CPTA, à luz do qual o tribunal afere da recorribilidade do ato, levando a que se reconheça a aprovação do projeto de arquitetura como um ato prévio, com conteúdo decisório, que produz efeitos externos e lesivo de interesses de terceiros.
O caso subjacente a este aresto tinha no entanto uma especificidade que justificou a solução que lhe foi dada por este tribunal à revelia das decisões anteriores: tratava-se de uma legalização, portanto, de uma situação em que a obra se encontrava já concretizada, sendo, por isso, evidente a lesividade do ato de aprovação do projeto de arquitetura em face de terceiros.
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o ato central do procedimento de licenciamento (cuja apreciação antecede e condiciona os
restantes projetos, ainda que tenham sido entregues em simultâneo), traduzindo-se,
afinal, no único ato onde, no procedimento de licenciamento, o município formula
um juízo próprio e autónomo em relação à obra, ficando todos os restantes aspetos da
edificação (referentes aos projetos das especialidades) fora do seu poder de
apreciação e, por isso, da sua responsabilidade.
O que significa que, aprovado o projeto de arquitetura, seguem-se os restantes
aspetos da obra: aqueles que têm projeção nos respetivos projetos das
especialidades; em todo o caso, precisamente porque já não estão em causa questões
urbanísticas, mas questões eminentemente técnicas, a apreciação subsequente passa
à margem do município, sendo a sua aprovação, parecer ou certificação, em regra,
da responsabilidade de entidades externas, cabendo ao município apenas garantir
que os projetos de especialidades são atempadamente entregues (sob pena de
caducidade do ato de aprovação do projeto de arquitetura com a consequente
extinção do procedimento de licenciamento) e objeto de consulta, aprovação,
parecer ou certificação legalmente exigidos.
Assim, estando aprovado o projeto de arquitetura e tendo as entidades
competentes aprovado, emitido parecer ou certificação legalmente exigidos sobre os
projetos das especialidades, o ato final do procedimento — a licença de construção
— surge como um ato devido que não contém uma pronúncia autónoma e inovadora,
limitando-se a confirmar a existência de anteriores atos (aprovação do projeto de
arquitetura e aprovações, pareceres ou certificações dos projetos das especialidades),
procedendo a uma mera confederação de todos eles.
2.3. Da aplicação ao caso em apreço
i. Tendo em consideração o que foi referido anteriormente — que o ato de
aprovação do projeto de arquitetura é um ato administrativo (ainda que prévio), que
define de forma definitiva as questões urbanísticas/de ordenamento do território da
obra, apresentando-se, por isso, do ponto de vista jurídico, como um ato constitutivo
de direitos para o respetivo destinatário a que se aplica, em consequência, o regime
previsto para os atos constitutivos de direitos — e tendo presente que na situação
aqui em análise este ato foi já praticado pela Câmara Municipal, terá de concluir que,
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se este órgão pretender inviabilizar agora aquela edificação, não pode ignorar a
decisão que já tomou, motivo pelo qual terá, necessariamente, de rever o ato
praticado, isto é, de reapreciar a decisão tomada e afasta-la.
Essa revisão poderá ser feita por uma das seguintes formas:
Mediante declaração de nulidade do ato e indeferimento do pedido de
licenciamento, se a aprovação do projeto de arquitetura estiver ferida de um
vício gerador de nulidade;
Mediante anulação administrativa, caso aquele ato esteja ferido de vícios que
determinam a respetiva anulabilidade, só o podendo, contudo, fazer nos
termos do artigo 168.º do CPA no que respeita à anulação dos atos
constitutivos de direitos;
Mediante revogação do ato, por considerar que a sua aprovação já não é
oportuna ou conveniente para o interesse público, aplicando-se, neste caso, o
regime previsto no artigo 167.º do CPA para a revogação dos atos
constitutivos de direitos.
Sobre as duas primeiras situações — onde que está em causa um juízo sobre a
invalidade do ato — consideramos que dificilmente as mesmas podem ser invocadas
no presente momento.
Com efeito, todas as normas que têm sido invocadas no caso em apreço como
tendo sido violadas (tendo presente que, de todas elas, apenas gera nulidade a
violação do Plano Direito Municipal), são normas conferem um amplo espaço de
apreciação à Câmara Municipal (isto é, que conferem à Câmara Municipal
discricionariedade administrativa14) o que significa que a invocação de invalidade
com base na sua violação apenas pode ser baseada em vícios de discricionariedade que,
quanto a nós, não é manifesto que existam no caso em apreço.
Efetivamente, nem a decisão foi tomada com erro de facto (que existira se a
decisão se tivesse baseada em factos inexistentes ou falseados), nem com erro
14 Em causa estão, de facto, normas que lançam mão de conceitos indeterminados que remetem a
Administração para a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa, como é o caso dos conceitos “afetar negativamente a envolvente do ponto de vista ambiental, paisagístico e funcional”, “criar condições de incompatibilidade, designadamente por darem lugar a ruídos, fumos ou condições de insalubridade”; de “perturbarem as condições de trânsito e de estacionamento”, de “gerarem situações urbanísticas ou técnicas deficientes, desajustadas ou lesivas da qualidade ambiental”, etc.
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manifesto de apreciação (que ocorre quando, embora a decisão se tenha baseado em
factos verdadeiros, se torna evidente que a Administração avaliou ou qualificou de
forma manifestamente desacertada e inaceitável a realidade), nem existe uma violação
manifesta de qualquer princípio jurídico.15
Refira-se que apenas nestas situações poderia um Tribunal Administrativo, no
controlo que fosse chamado a fazer da atuação administrativa, anular o ato em causa
(ou declarar a sua nulidade): tratando-se do exercício de poderes discricionários, o
poder de controlo judicial é atenuado de forma a dar cumprimento ao princípio da
separação de poderes: um controlo de mera fiscalização e não de reexame.
Foi precisamente neste sentido que conclui o Ministério Público junto do
Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga ao reconhecer que, embora a decisão
pudesse ter sido outra, a que foi tomada não só não ofende o Plano Diretor
Municipal como “… se contém nas margens do poder discricionário da Administração — artº
3º nº 1 do C.P.T.A. — e que, por isso, não pode nem deve ser sindicada pelo tribunal….” .
É certo que estando em causa uma declaração administrativa da nulidade do
ato (ou uma sua anulação administrativa) não se colocariam iguais limites que à
declaração judicial. Mas, na medida em que todas as questões foram já devidamente
colocadas e ponderadas pelo órgão competente e levaram, ainda assim, a uma
decisão favorável à pretensão16, uma nova decisão, em sentido desfavorável, com
base nas mesmas normas que anteriormente levaram a um juízo distinto, poderia ser
visto como uma violação manifesta do princípio da boa-fé e da proteção da
confiança dos particulares, geradora de invalidade desta nova decisão.
15 Mesmo o princípio da igualdade, que parece ter sido invocado quando se comparou o atual
deferimento com um anterior indeferimento de um projeto de loteamento, surge aqui violado na medida em que a Câmara Municipal forneceu uma fundamentação adequada e convincente para que a referida solução fosse distinta. Com efeito, os serviços apresentaram fundamentação adequada que permite justificar que as mesmas normas (os mesmos critérios) podem levar a soluções distintas em função da natureza e das características das operações urbanísticas em causa, afirmando (e bem) que o ato final de gestão urbanística é sempre o equilíbrio e o compromisso entre as várias realidades presentes no território (seja a legal, ambiental e urbanística, a económica, cultural e social), medindo sempre o impacto e o benefício em presença para a formulação da decisão final. E, como os serviços municipais confirmam, foram devidamente ponderados no caso em apreço os distintos interesses em presença: o económico (investimento); o social (postos de trabalho a criar); o funcional (questões ambientais).
16 Refira-se que a explicitação dos argumentos que levaram à aprovação do projeto de arquitetura foi feita de forma clara e expressa na resposta que dada pelo órgão autárquico ao Ministério Público em sede de impugnação judicial daquele ato. Com efeito, para efeitos de defesa do Município, foi elaborado um documento técnico, enviado ao Ministério Público, com uma apreciação exaustiva dos vários argumentos que levaram à aprovação do projeto de arquitetura, rebatendo, até, as várias denuncias feitas.
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Resulta do afirmado que no presente momento o afastamento do ato
praticado (aprovação do projeto de arquitetura) apenas poderia ser deliberado pela
Câmara Municipal com fundamento na sua inoportunidade atual para o interesse
público, isto é, por razões de mérito, inconveniência ou inoportunidade. E neste
caso, o “afastamento” da aprovação do projeto de arquitetura seria feito mediante
revogação.
Estando, porém, em causa, um ato constitutivo de direitos, a revogação, não
sendo afastada, está sujeita a um conjunto de condicionalismos identificados no n.º
2 do artigo 167.º do CPA. E não se verificando manifestamente, no caso em apreço,
as situações a que se referem as alíneas a), b) e d), também não nos parece que se
possa invocar a alínea c) para fundamentar a revogação na medida em que não nos
parece existir dados supervenientes à decisão inicial. Pelo contrário, os dados são os
mesmos e já foram todos devidamente ponderados.
ii. Ainda que a Câmara Municipal entendesse haver motivos para declarar a
nulidade, anular ou revogar o ato de aprovação do projeto de arquitetura, deve ter
presente que tal decisão pode ter consequências indemnizatórias. É isso que
decorre, desde logo, do disposto do n.º 2 do artigo 70.º do RJUE ao prever a
“responsabilidade por prejuízos resultantes de operações urbanísticas executadas com base em atos
de controlo prévio ilegais, nomeadamente em caso de revogação, anulação ou declaração de nulidade
de licenças ou autorizações de utilização, sempre que a causa de revogação, anulação ou declaração
de nulidade resulte de uma conduta ilícita dos titulares dos seus órgãos ou dos seus funcionários e
agentes”.
Responsabilidade que, no caso de revogação propriamente dita (por razões de
mérito, inconveniência ou inoportunidade) é reforçada no n.º 5 do artigo 167.º do
CPA ao determinar que “na situação prevista na alínea c) do n.º 2, os beneficiários de boa-fé
do ato revogado têm direito a ser indemnizados, nos termos do regime geral aplicável às situações de
indemnização pelo sacrifício, mas quando a afetação do direito, pela sua gravidade ou intensidade,
elimine ou restrinja o conteúdo essencial desse direito, o beneficiário de boa-fé do ato revogado tem
direito a uma indemnização correspondente ao valor económico do direito eliminado ou da parte do
direito que tiver sido restringida”.
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C. CONCLUSÕES
Tendo em conta tudo quanto foi afirmado, podemos formular o seguinte
quadro conclusivo que não dispensa a leitura atenta do presente Parecer:
A.
1 .º Não devem confundir-se os procedimentos tendentes à instalação dos
estabelecimentos industriais — procedimentos que se encontram regulados no
Sistema da Indústria Responsável (SIR) —, com os procedimentos a que se
encontram sujeitas as operações urbanísticas necessárias para que os referidos
estabelecimentos se possam instalar — os procedimentos regulados no
Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE);
2 .º Trata-se de regimes (e procedimentos) interligados — porque referentes à
mesma pretensão global —, mas com âmbitos e objetivos distintos: o primeiro
destina-se a controlar o cumprimento das condições do exercício da atividade; o
segundo a controlar o impacto da operação urbanística no ordenamento do território.
3 .º No caso em apreço, está em causa a instalação de um estabelecimento industrial de
tipo 2 a que se aplicou o procedimento de comunicação prévia com prazo prevista
no artigo 30.º e ss. do SIR;
4 .º O artigo 32.º, n.º 8 deste regime legal, que identifica os motivos de
indeferimento desta comunicação, é elucidativo sobre o que se controlou neste
âmbito:
o cumprimento dos condicionamentos legais e regulamentares em vigor
relativos às características e especificações da instalação industrial;
o cumprimento das exigências referentes à emissão de gases com efeito
de estufa; à utilização de recurso hídricos, às operações de gestão de
resíduos e à atribuição do número de controlo veterinário, quando
aplicável;
o cumprimento das questões de localização definidas pela CCDR
quando o interessado tenha decidido antecipar para o procedimento do
SIR a decisão quanto à localização.
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5 .º De acordo com o disposto no artigo 17.º do SIR, os procedimentos
urbanísticos do RJUE apenas podem ser decididos após obtenção do título
atinente à instalação e exploração da atividade industrial;
6 .º Sendo distintos os âmbitos de apreciação dos procedimentos do SIR e do
RJUE, e sendo distintos os interesses públicos que em cada um deles se
pretende salvaguardar, resulta claro que as condições impostas no título de
instalação e exploração se dirigem à atividade industrial, em nada contendendo
com o licenciamento urbanístico, destinado a verificar as questões de
ordenamento do território e urbanísticas (cfr. artigo 24.º do RJUE) e que
apenas deve ser decidido em momento posterior;
7 .º Donde resulta que o título de instalação e exploração n.º 888/2015-1 de que é
titular a ECOIBÉRIA não lhe confere o direito a obter o deferimento do pedido
de licenciamento da obra de edificação;
8 .º Mas donde resulta também que o licenciamento da obra de edificação não se
destina a verificar o cumprimento das condições impostas no título de
instalação e exploração da atividade; para o efeito existem as vistorias de
conformidade ao funcionamento do estabelecimento, realizadas nos termos do
SIR.
9 .º Conclui-se, assim, que não pode o pedido de licenciamento das obras de
edificação ser indeferido por desconformidade do projeto com as condições
impostas pelas várias entidades que se pronunciaram no âmbito do
procedimento que deu lugar à emissão do título de exploração e instalação da
atividade industrial n.º 888/2015.
B.
10.º O ato de aprovação do projeto de arquitetura é um ato administrativo (ainda que
prévio), que define de forma definitiva as questões urbanísticas/de ordenamento
do território da obra;
11.º Apresenta-se, por isso, do ponto de vista jurídico, como um ato constitutivo de
direitos para o respetivo destinatário a que se aplica, em consequência, o regime
previsto para os atos constitutivos de direitos;
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12.º Tendo este ato já sido praticado pela Câmara Municipal de Guimarães no quie
se refere à pretensão da ECOIBÉRIA, se este órgão pretender inviabilizar agora
aquela edificação, terá de rever a sua decisão.
13.º Essa revisão poderá ser feita por uma das seguintes formas:
Mediante declaração de nulidade do ato e indeferimento do pedido de
licenciamento, se a aprovação do projeto de arquitetura estiver ferida de
um vício gerador de nulidade;
Mediante anulação administrativa, caso aquele ato esteja ferido de vícios
que determinam a respetiva anulabilidade, só podendo, contudo, ser feito
nos termos do artigo 168.º do CPA no que respeita à anulação dos atos
constitutivos de direitos;
Mediante revogação do ato, por se considerar que a sua aprovação já não
é oportuna ou conveniente para o interesse público, aplicando-se, neste
caso, o regime previsto no artigo 167.º do CPA para a revogação dos
atos constitutivos de direitos.
14.º No caso em apreço não resulta claro nem óbvio que a decisão tomada seja
inválida (nula ou meramente anulável);
15.º Foi neste sentido que conclui o Ministério Público junto do Tribunal
Administrativo e Fiscal de Braga ao reconhecer que embora a decisão pudesse
ter sido outra, a que foi tomada não só não ofende o Plano Diretor Municipal
como “… se contém nas margens do poder discricionário da Administração — artº 3º nº
1 do C.P.T.A. — e que, por isso, não pode nem deve ser sindicada pelo tribunal….” .
16.º Acresce que uma declaração administrativa de nulidade ou uma anulação
administrativa do ato — na medida em que todas as questões foram
devidamente colocadas e ponderadas pela Câmara Municipal e levaram, ainda
assim, a uma decisão favorável à pretensão —, poderia ser vista como
manifestamente violadora do princípio da boa-fé e da proteção da confiança
da ECOIBÉRIA, geradora da sua invalidade.
17.º Já uma revogação (por razões de mérito, inconveniência ou inoportunidade),
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porque se trata de um ato constitutivo de direitos, só poderá ser deliberada
verificados que estejam os condicionalismos identificados no n.º 2 do artigo
167.º do CPA, o que não resulta claro na presente situação;
18.º Em todo o caso, ainda que a Câmara Municipal entendesse haver motivos
para declarar a nulidade, anular ou revogar o ato de aprovação do projeto de
arquitetura, sempre esta decisão poderá ter consequências indemnizatórias.
19.º É isso que decorre do disposto do n.º 2 do artigo 70.º do RJUE reforçado
pelo n.º 5 do artigo 167.º do CPA.
Este é, salvo melhor, o nosso parecer
(Fernanda Paula Oliveira)
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