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1 Departamento de CiênciasBiológicas, UniversidadeEstadual de Feira deSantana. Km 03, BR 116,Campus. 44031-460 Feirade Santana BA.eraldont@hotmail.com
A zooterapia popular no Estado da Bahia: registrode novas espécies animais utilizadas como recursos medicinais
The popular zootherapy in Bahia state: registrationof new animal species used as medicinal resources
Resumo Este artigo discute o uso de animaiscomo recursos medicinais no Estado da Bahia,nordeste brasileiro. Os dados resultam de umaavaliação processual de desempenho acadêmico,uma vez que se tratou de um exercício requeridopelo professor da disciplina Etnobiologia (semes-tre 2007.2) aos estudantes do curso de Formaçãode Professores do Estado da Bahia da Universida-de Estadual de Feira de Santana, quando lhes foisolicitado que fizessem um breve registro, em suasrespectivas cidades, sobre o uso de animais medi-cinais. Participaram 41 estudantes, provenientesde 21 cidades do interior do estado. Foram regis-trados 95 animais (nomes comuns), dos quaisdezessete são novos acréscimos à lista de animaismedicinais anteriormente publicada. O registroda utilização medicinal de animais no Estado daBahia fornece uma contribuição relevante ao fe-nômeno da zooterapia, abrindo espaço para de-bates sobre biologia da conservação, políticas desaúde pública, manejo sustentável dos recursosnaturais, prospecção biológica e patente. Necessi-ta-se desenvolver mais estudos etnozoológicos tantopara compreender a importância real da zootera-pia para as comunidades tradicionais, quantopara desenvolver estratégias de manejo e uso sus-tentáveis das espécies animais, especialmente da-quelas em risco de extinção.Palavras-chave Zooterapia, Etnozoologia, Me-dicina popular, Recurso natural, Sustentabilidade
Abstract This article deals with the use of ani-mals as medicinal resources in Bahia state, North-eastern Brazil. The data come from a procession-al evaluation of academic performance, since itwas an exercise requested by the professor of thediscipline Ethnobiology (2007.2 semester) to thestudents of the course Bahia State Teachers’ Un-dergraduation of Feira de Santana State Univer-sity. They were asked to make a brief survey, intheir respective cities, on the use of animals asmedicines. Forty-one students, from 21 cities ofthe country of Bahia State, have participated withdata. A total of 95 animals (common names) wererecorded, from which 17 are new additions to thelist of medicinal animal species already published.The recording of the use of animals as folk medi-cines in the state of Bahia provides a significantcontribution to the phenomenon of zootherapy,because it opens a space to debate about conser-vation biology, health public policies, sustainablemanagement of natural resources, bioprospection,and patent. It is necessary to carry out more eth-nozoological studies both to comprehend the trueimportance of zootherapy to the traditional com-munities and to develop some strategies of sus-tainable management and use of animal species,especially for those under risk of extinction.Key words Zootherapy, Ethnozoology, Folk med-icine, Natural resource, Sustainability
Eraldo Medeiros Costa Neto 1
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Introdução
O termo zooterapia remete a diferentes significa-dos. No dicionário, ele é sinônimo de zootera-pêutica e equivale à terapêutica dos animais, ouseja, ao tratamento das doenças acometidas aosanimais1. Também pode ser entendido como si-nônimo de terapia animal assistida, na qual ani-mais domésticos e domesticados, como cães, ga-tos e cavalos, são empregados como coadjuvan-tes terapêuticos no tratamento e melhoramentode diversos estados patológicos, como, por exem-plo, deficiências mentais2. No entanto, o termoempregado no presente artigo refere-se, strictusensu, ao uso de remédios elaborados a partir departes do corpo do animal, de produtos de seumetabolismo, como secreções corporais e excre-mentos, ou de materiais construídos por ele,como ninhos e casulos, para o tratamento e pre-venção de doenças e enfermidades acometidasaos seres humanos3-5.
Há séculos que os seres humanos vêm utili-zando as mais diversas espécies animais com fi-nalidades terapêuticas6-10. Esta interação etnozo-ológica tem sido registrada nas mais diversasculturas ao todo o mundo11-20. A ampla distri-buição geográfica e o registro etnográfico do fe-nômeno da zooterapia resultaram no estabeleci-mento da hipótese da universalidade zooterápi-ca, segundo a qual toda cultura que apresentasistema médico desenvolvido utiliza animaiscomo remédios17.
No Brasil, os registros sobre utilização deanimais como recursos medicinais datam do sé-culo XVII, com as obras de Guilherme Piso, Ge-org Marcgrave e Johannes de Laet21,22. Provavel-mente, devido à extensão territorial do país, àalta diversidade biológica encontrada nos ecos-sistemas nacionais e ao significativo patrimôniosociocultural representado por povos indígenase populações tradicionais, uma grande varieda-de de espécies animais (mais de trezentas já fo-ram registradas!) pode ser encontrada comopossuindo alegadas propriedades medicinais e,por isso, comercializada como produtos da me-dicina popular por erveiros e ambulantes nas fei-ras livres de todo o país23.
Apenas no Estado da Bahia, um total de 180animais (tendo como base seus nomes comuns)foi registrado como recursos medicinais reco-mendados para a cura de uma grande quantida-de de condições patológicas culturalmente diag-nosticadas24. Estes recursos zooterapêuticos es-tão representados por doze categorias taxonô-micas: milípedes (0,5%), anelídeos (1,0%), anfí-
bios (1,0%), aracnídeos (1,0%), equinodermos(1,5%), crustáceos (4,0%), moluscos (6,0%), rép-teis (12,0%), aves (13,0%), peixes (17,0%), ma-míferos (20,0%) e insetos (23,0%). Uma das prin-cipais razões para o alto número de animais nafarmacopéia baiana se deve provavelmente aofato de que as pessoas acreditam no poder decura dos remédios preparados à base de maté-rias-primas animais4,5,25.
Infelizmente, muitos dos animais usadoscomo recursos zooterapêuticos estão listadoscomo espécies ameaçadas26. A diminuição donúmero de espécies, especialmente de regiões neo-tropicais, por meio da caça, enfraquecimento deecossistemas e usos culturais variados tem sidoenorme, ao ponto de que muitas se tornam ex-tintas antes mesmo que a ciência tenha tido chancede estudá-las. Daí que os estudos sobre zootera-pia e seu significado para as comunidades hu-manas devem ser realizados a fim de conseguir omelhor modo de explorar os recursos naturais,levando ao almejado uso sustentável dos animaisculturalmente utilizados para tal fim27.
Considerando a importância do uso de ani-mais medicinais no Estado da Bahia, este artigodiscute a ampliação do registro do fenômeno emtermos de localidades inventariadas e acrescentanovas espécies.
Material e métodos
Os dados resultam de uma avaliação processualde desempenho acadêmico, uma vez que se tra-tou de um exercício requerido pelo professor dadisciplina Etnobiologia aos estudantes do cursode Formação de Professores do Estado da Bahiado semestre 2007.2. A turma é formada por 45professores de ciências que atuam em escolas darede estadual de ensino, nos níveis fundamentale médio, sendo composta por 38 mulheres e setehomens. Foi-lhes solicitado que fizessem um bre-ve registro, em suas respectivas cidades, sobre ouso de animais como recursos medicinais.
O modo como cada estudante buscou as in-formações foi variado, pois enquanto alguns, emsua prática docente, pediram aos seus própriosalunos que registrassem o que sabiam sobre ani-mais usados na medicina popular, outros fize-ram curtas entrevistas com diferentes atores so-ciais, como moradores idosos, curandeiras, ser-ventes das escolas, parentes e vizinhos.
A palavra “doença” é aqui utilizada em umsentido amplo, referindo-se tanto às enfermida-des de origem personalística (provocadas por um
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agente humano ou sobrenatural) quanto àque-las de origem naturalística (provocadas pela in-tervenção de causas ou forças naturais), incluin-do-se desde estados dolorosos a perturbaçõesde ordem psíquica28. Neste trabalho, as doençasforam registradas segundo a terminologia utili-zada pelos informantes ou como foram encon-tradas na literatura.
As espécies estão listadas, quanto aos gran-des grupos, seguindo-se ordenação taxonômicade Brusca e Brusca29 para os invertebrados e dePough et al.30 para os vertebrados.
Resultados e discussão
Do total de 45 estudantes matriculados na disci-plina Etnobiologia, 43 retornaram com o exercí-cio solicitado. Destes, dois foram invalidadosporque traziam informações sobre uso de plan-tas medicinais ao invés de animais medicinais. Adistribuição dos indivíduos quanto ao gênero e alocalidade onde atuam como professores e/ouresidem é mostrada na Tabela 1. Um total de 21cidades do interior do Estado da Bahia está re-presentado, destacando-se três: São Gonçalo dosCampos (17% dos participantes), Riachão doJacuípe (14%) e Feira de Santana (12%).
Foram registrados 95 animais utilizados comorecursos zooterapêuticos, segundo os nomes co-muns. Deles, são extraídas diversas matérias-pri-mas empregadas na elaboração de remédios po-pulares visando à cura de um grande número deenfermidades e doenças (Tabela 2). Saliente-se,contudo, que muitas das doenças e enfermidadesregistradas pelos estudantes fazem parte do con-texto cultural onde as informações foram obti-das. Sua interpretação e possíveis paralelismos compatologias conhecidas pela ciência médica ociden-tal requerem estudos mais aprofundados23.
À lista de animais medicinais conhecidos parao Estado da Bahia, foram acrescentados dezesse-te novos registros de recursos zooterapêuticos,mesmo que alguns destes façam parte da faunaexótica, como o elefante e o tigre. Os novos regis-tros estão indicados na Tabela 2 com o sinal deasterisco (*), sendo eles: um anfíbio (rã), doisinsetos (lagarta-de-fogo e morotó-de-coqueiro),dois peixes (moréia-preta e tubarão), dois mo-luscos (ostra e caracol-vermelho), cinco aves (ara-ponga, coruja, ganso, garrincha e pica-pau) e cin-co mamíferos (elefante, jegue, ovelha, preá, tigre).
O número de recursos zooterapêuticos (ani-mais) citados por estudante variou de três a 21.Se considerado o número de recursos zootera-
pêuticos registrados por localidade, observa-seque cinco deles são os mais bem representadosnos 21 municípios inventariados: carneiro (76%),lagartixa (71%), galinha (66%), sapo (57%) eurubu (52%). Há ocorrência de recursos de múl-tiplo uso, uma vez que deles são obtidas mais detrês matérias-primas que se recomendam paraelaborar remédios populares: a galinha (Gallusdomesticus) e o urubu (Coragyps atratus e Ca-thartes aura), que fornecem seis matérias-pri-mas cada, e o boi (Bos taurus), do qual se utili-zam cinco recursos. A aplicação dos remédiosvaria de acordo com a natureza da enfermidade,do objetivo de uso e dos ingredientes utilizados.A maior parte dos remédios populares é admi-nistrada na forma de chás, seguindo-se os defu-madores e o uso tópico. Beber a água na qual osanimais inteiros ou suas partes (por exemplo, opreá, Cavia sp., cujo caldo se recomenda paracasos de tuberculose) foram cozidos é procedi-mento recomendado para a cura de determina-das doenças. Poucas são as receitas que prescre-vem o consumo do animal (por exemplo, a car-ne cozida do urubu, que é indicada para o trata-mento da tuberculose e da epilepsia). Alguns
Tabela 1. Distribuição dos participantes da pesquisa quanto àlocalidade e o gênero.
Cidades
AlagoinhasAngueraAntônio CardosoCachoeiraCoração de MariaFeira de SantanaGovernador MangabeiraIchuIpiauIpuaçuIraráRiachão do JacuípeSantanópolisSanto AmaroSanto EstevãoSão Gonçalo dos CamposSão Sebastião do PasséSão FélixSerra PretaTanquinhoTeodoro SampaioTotal
Sigla
ALANACCACMFS
GMICIPIAIRRJSTSASESGSBSFSPTQTS
Masculino
1
1
1
14
Feminino
111114111115111732111
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modos de preparo e de administração são exem-plificados a seguir:
. Geléia de mocó (Kerodon rupestris) – cozi-nhar o mocó até sua carne soltar-se dos ossos.Depois, passar numa peneira para que não fiquenem uma ponta de osso. A seguir, bater no liqui-dificador e levar ao fogo com açúcar até o ponto
de geléia. Coloca-se em uma compoteira e todosos dias se deve comer um pouco. Recomendadopara casos de úlcera e gastrite;
. Fezes de elefante (Loxodonta sp. ou Elephassp.) – secar as fezes e fazer um xarope para trata-mento de derrame. Também são usadas comodefumador. “É tão bom que quando aparece cir-
Tabela 2. Espécies animais citadas como recursos zooterapêuticos pelos estudantes do curso Formação de Professores cursandoa disciplina Etnobiologia (semestre 2007.2) da Universidade Estadual de Feira de Santana (BA).
Taxonomia
AnnelidaOligochaeta
MolluscaBivalvia
Crassostrea sp.Gastropoda
EchinodermataAsteroidea
ArthropodaCrustacea
Decapoda
HexapodaBlattodea
Periplaneta americanaIsopteraLepidoptera
OrthopteraAcrididae
Gryllus sp.
Diptera Musca domestica
ColeopteraPalembus dermestoides
Curculinidae (?)
HymenopteraMutillidaeApoica pallensVespidae
Nome comum
Minhoca
Ostra*Lesma
Caracol-vermelho*
Estrela-do-mar
Caranguejo
Camarão
BarataCupimLagarta-de-fogo*
GafanhotoGrilo
Mosca
Besouro-do-amendoimMorotó-de-coqueiro*
Formiga-onçaEnxu-de-chapéuMarimbondo
Matéria-prima
Inteiro
Inteiro (caldo)Inteiro
Gosma
Inteiro
Inteiro
OlhosBanha (gordura)Inteiro
InteiroCupinzeiroFato (massa visceral)
Líquido da pernaPerna
Inteiro
Inteiro
Inteiro
InteiroInteiroNinhoPicada
continua
Finalidade zooterapêutica
Asma
AfrodisíacoDepressão, ansiedade, asma,gastrite, furúnculo, rachaduranos pés, acne, verrugaManchas de pele, cicatrizante,acne, rachadura nos pésAlcoolismo
Asma
Inchaço nos olhosInfecçõesAlcoolismo
Asma, cólicas, cicatrizanteAsmaPara combater os sintomascausados pelo contato com ospelos urticantes
TerçolRetenção de urina, infecçãourinária
Furúnculo
Afrodisíaco
Inchaços, reumatismo
AsmaDerrameAsma, papeiraReumatismo
Locais citados
CM, RJ, SG, CA
TSTQ, Rj, SG, FS,CA, IP, IC, ST
SF
SF, GM
RJ, FS
FS, SF
SP, RJ, AC, SG, IRSG, CA
SG
FSRJ, FS
FS, TS
SG
SA
SGRJ
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co por aqui as pessoas vão recolher as fezes parafazer o remédio”;
. Caldo de lagartixa (Gekkonidae) – escaldaruma lagartixa e tomar o líquido em casos de sa-rampo;
Taxonomia
Dinoponera sp.Atta sp.Atta sp.FormicidaeTrigona spinipesMelipona scutellaris
Melipona sp.Apis mellifera scutellata
PiscesOsteichthyes
SyngnathidaeHippocampos sp.
CharacidaeSerrasalmus sp.
ErythrinidaeHoplias malabaricus
GadidaeGadus sp.
Gobiidae. . .
Electrophoridae Electrophorus sp.
. . .Condrichthyes
Carcharhinidae. . .
AmphibiaAnura
BufonidaeBufo sp.
Nome comum
Formiga-congaTanajuraFormiga-da-mandiocaFormigaAbelha-arapuáAbelha-uruçu
Abelha-mandaçaiaAbelha-italiana
Cavalo-marinho
Piranha
Traíra
Bacalhau
Moréia preta *
Peixe-elétricoCambotáPeixe
Tubarão *
Sapo
Matéria-prima
InteiroInteiroInteiroInteiroNinho (pedra)Mel
MelMel
PicadaSamborá (massade pólen)
Inteiro
Fel
GosmaBanha
Óleo de fígado
Inteiro
Óleo (banha)InteiroEspinhas
Banha
Banha
Inteiro (recém-abatido)Couro
continua
Finalidade zooterapêutica
Dor de ouvidoCirculaçãoDor de gargantaProblemas de visão, reumatismoPneumonia, derrameInflamação nos olhos, dor decabeça, gripe, sinusiteFortificanteFadiga, cansaço, gripe, picada deinsetos, hipertensãoReumatismoGripe
Asma
Icterícia
AlcoolismoDor de ouvido, inflamaçãoocular
Fortificante
Alcoolismo
Dores muscularesAsma, tuberculoseAlcoolismo
Problemas de circulação, doresem geral
Problemas de fígado, gargantainflamada, dor de ouvido,feridas, artrite, gonorréia, sífilis,reumatismo, asma, para retirarespinhos, câncer, fraturas ósseas,furúnculoFeridas crônicas
Sarampo, catapora, bronquite,cicatrizante
Locais citados
ICIP
ANRJ, AS
CM, RJ, STSP, FS, TS
FSSG, GM, IR,SB, RJ, TS
SF, GM, IR, SB
FS
TQ, RJ, FS, IC
CA
SF
RJ, GM, IR, SBAC, SG, GM
SG
GM, IR, IA
SP, AC, TQ,CM, RJ, SG,FS, GM, IR,SE, IC, AL
Tabela 2. continuação
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Tabela 2. continuação
Taxonomia
Leptodactylidae. . .
ReptiliaChelonia
TestudinidaeGeochelone sp.
ChelidaePhrynops sp.
Phrynops sp.
Cheloniidae. . .
SquamataTeiidae
Tupinambis sp.
IguanidaeIguana iguana
TropiduridaeTropidurus sp.
Gekkonidae. . .
CrotalidaeCrotalus durissus
BoidaeBoa constrictor
. . .
CrocodiliaCrocodilidae
Caiman sp.
AvesAnatidae
Anas sp.
Nome comum
JiaRã *
Jabuti
Cágado
Cágado d’água
Tartaruga
Teiú
Camaleão
Lagarto
Lagartixa
Cascavel
Jibóia
Cobra
Jacaré
Pata
Matéria-prima
CarneFígadoBanha
Inteiro
SangueInteiroFígadoBanha
Banha
Banha
Banha
BanhaInteiro
Inteiro
Inteiro
Couro
Banha
ChocalhoCouro
Banha
InteiroSangueFígado
Banha
Couro
Ovo
continua
Finalidade zooterapêutica
AlergiaDepressãoFeridas, câncer
Asma
Erisipela, vitiligo, reumatismoAsmaVitiligoGripe, retirar espinhos, dor degargantaDor de ventre, vermífugo, dor deouvido, inflamação
Reumatismo, machucados
Feridas crônicas, inchaços,reumatismo, inflamações, dor deouvido, criança que demora aandar
FeridasAsma
Cicatrizante
Sarampo recolhido, dor degarganta, coceira, catapora,varíola, asma (puxado), cólicasDerrame, sarampo
Dores de coluna, acne,reumatismoAsmaAsma
Artrite, artrose, reumatismo,dores em geral, erisipela, cólicas,para retirar espinhosAntiofídicoAntiofídicoAntiofídico
Asma, facilitar primeira dentiçãoem bebês
Bronquite, asma (puxa), dor degarganta, gripe, inflamação nosnervos
Locais citados
TQRJ, SG
AC, SB
SP, AC, TQ, RJ,SG, FS, TS, IA
RJ, SE
SB, IA
RJ, SG, IC
CM, SE
RJ
SP, TQ, CM,RJ, SG, FS, CA,SF, GM, IR, TS,SE, IA, ST, AN
RJ, FS, TS, SE,IA
IC, RJ, SG, CA,SB, TS, SA
RJ, SG, SF,GM, IR
FS, TS, IA
SP, CM, RJ,SG, FS, TS, ST,
AL, IC
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Tabela 2. continuação
Taxonomia
Anser anserPicidae
. . .Stringidae
. . .Cuculidae
Crotophaga ani
ColumbidaeColumba liviaColumbina sp.
CorvidaeCyanocorax cyanopogon
TinamidaeNothura boraquiraCrypturellus noctivaguszabele
PhasianidaeGallus domesticus
Numida mellagusMellaguis gallopavo
PsittacidaeAmazona aestiva
RheidaeRhea americana
CathartidaeCathartes auraCoragyps atratus
CotingidaeProcnias nudicollis
TurdidaeTroglodytes musculus
MammaliaMarsupialia
DidelphidaeDidelphis sp.
Nome comum
Ganso *
Pica-pau *
Coruja *
Anum-preto
PomboRolinha-fogo-apagou
Cancão
CodornaZabelê
Galinha
PintoGalinha-d’angolaPeru
Papagaio
Ema
Urubu
Araponga*
Garrincha*
Saruê
Matéria-prima
Pena
Bico
Ovo
SangueInteiro
SangueInteiroSangue da cabeça
Pena
OvoPena
Banha
Ovo (inteiro)Ovo (casca)Gema (crua)MoelaPenaInteiroOvo (casca)FezesBanha
Fezes
Banha
Fígado
Inteiro
PenaCoraçãoOvoBanhaCarne
Ninho
Couro
continua
Finalidade zooterapêutica
Asma (puxado)
Impotência sexual
Insônia
AsmaEnjôo de mulher grávida
Fortalecer o anjo da guardaAbrir o apetite da criança, enjôoProblema de audição
Mofina, problemas neurológicos
PancadasEpilepsia
Expectorante,descongestionante, catarro,gripe, falta de ar, cicatrizanteBronquite, recuperar as forçasOsteoporose, ajuda na gravidezExpectoranteAsma, defruçoDerrameAsma, problemas de falaFortalecimento dos ossosDerrame, asma, cólicasAlcoolismo
Derrame, asma, dor de ouvido
Surdez
Alcoolismo, asma
Epilepsia, tuberculose, doençasinfecciosasDerrame, asmaAlcoolismoAsmaDores de colunaTuberculose
Epilepsia
Apressar o parto
Locais citados
TS
FS
SB
TQ, IC, RJ
GM, IRTQ, RJ, FS
SP, RJ, FS
TQRJ
AC, RJ, SG, FS,CA, SF, GM,
SB, TS, SA, SE,ST, AL, IC
TQ, CA, GMRJ
RJ, SG
RJ, SG, CA, ST
RJ
SP, RJ, SG, CA,SF, GM, IR, SB,
TS, SE, IA
FS
RJ
FS
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Tabela 2. continuação
Taxonomia
XenarthraDasypodidae
Dasypus sp.
MyrmecophagidaeMyrmecophagus tridactyla
CarnivoraCanidae
Canis familiaris
Dusicyon sp.
MustelidaeConepatus semistriatus
FelidaePanthera tigris
Cetacea. . .
SireniaTrichechidae
Trichechus sp.Proboscidea
ElephantidaeLoxodonta sp.Elephas sp.
RodentiaErethizontidae
Coendou cf. prehensilisCaviidae
Kerodon rupestris
Cavia sp.Artiodactyla
CervidaeMazama sp
SuidaeSus scrofa domesticus
BovidaeBos taurus
Nome comum
Tatu
Tamanduá-bandeira
Cachorro
Raposa
Gambá
Tigre*
Baleia
Peixe-boi
Elefante*
Luís-cacheiro
Mocó
Preá*
Veado
Porco
Leitoa
Boi
Matéria-prima
Rabo
Couro
Fezes
CarneFígadoBanha
Carne
Osso
Pênis
Óleo (banha)
Óleo (banha)
Fezes
Couro (espinho)
BanhaFezesGeléiaInteiro (Caldo)
Tutano dacanelaCouroBanha
Leite
Fezes
UrinaFígadoBuchoFel
continua
Finalidade zooterapêutica
Dor de ouvido, surdez
Asma
Catapora, asma, sarampo
Furúnculo, feridas, tosseAnemia, falta de ar, diabetesReumatismo
Dores reumáticas
Doenças de pele, convulsões,maláriaAfrodisíaco
Dores musculares, luxação
Dores reumatismo, torção,fortificante
Derrame
Derrame
SurdezDores nos ossosGastrite, úlcera, câncerCoqueluche
Reumatismo, dor de ouvido
HemorróidasSangue pisado, cicatrizante,sarnicida, pancadasAlcoolismo
Para afastar insetos, pararetirar forças negativas,sarampo, coceira, frieira,rachadura nos pésQueda de cabeloAnemiaVitiligo, frieiraDores no corpo, retirarespinhos, reumatismo
Locais citados
AC, RJ, SG, TS,AL, IC
IP
SP, CM, FS,SE, ST
IC, AL, AC,CM, SG, IR,
SB, TS
FS
SB
GM, SE
RJ, GM
CA
RJ, CA,
RJ, ST, AN
RJ
RJ
TQ, SG, IC, TS
SP, AC, RJ, FS,SF, IP, SB, TS
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oletiva, 16(Supl. 1):1639-1650, 2011
. Fígado da raposa (Dusicyon sp.) – comer ofígado, cozido sem sal, para tratar diabetes.
O fenômeno zooterápico faz parte de um sis-tema médico tradicional bastante complexo, noqual estão incluídas, entre outras práticas popu-lares de cura e prevenção de doenças, as simpati-as e as profilaxias mágicas, tais como patuás,bentinhos, amuletos, talismãs, gestos e transfe-rências31. Os conhecimentos sobre utilizaçãomedicinal de animais são transmitidos de gera-ção a geração, especialmente por meio da tradi-ção oral, e estão bem integrados com outros as-pectos da cultura da qual fazem parte32. Dessemodo, o uso de substâncias animais deve sercompreendido segundo uma perspectiva cultu-ral, uma vez que sistemas médicos são organiza-dos enquanto sistemas culturais. Por outro lado,deve-se considerar a possibilidade de que deter-minado zooterápico, recomendado para trataralguma enfermidade específica, não surta efeitoterapêutico porque simplesmente não possuiprincípio ativo capaz de produzir tal efeito ou,existindo, não estar em concentração eficaz após
o preparo, acarretando prejuízos e riscos à saúdede quem acredita na eficácia do produto.
A literatura registra que a investigação etno-biológica sobre remédios tradicionais provenien-tes de recursos naturais é um recurso valioso nacrescente arte da bioprospecção para compostoscom potencial farmacológico23. No entanto, osrecursos faunísticos extraídos da natureza e co-mercializados como produtos da medicina po-pular podem produzir reações adversas sériasdevido às más condições de preparo e conserva-ção das matérias-primas de interesse zooterápi-co. Desse modo, é primordial que os naturoterá-picos à base de partes corpóreas dos animais(pena, osso, couro, bico, etc.), materiais fabrica-dos por eles (ninhos, casulos) ou produtos de seumetabolismo (peçonha, fezes, urina) sejam sub-metidos a uma análise de risco/benefício.
Várias doenças infecciosas podem ser trans-mitidas dos animais aos seres humanos (zoono-ses). Alves e Rosa27,33 chamam a atenção para apossibilidade de transmissão de infecções ou en-fermidades das preparações animais aos usuári-
Tabela 2. continuação
Taxonomia
Ovis aries
Capra hircusPerissodactyla
Equidae
Equus caballus
Equus asinus
Lagomorpha Leporidae
Oryctolagus cuniculus
Nome comum
Vaca
Carneiro
Ovelha*
Cabra
Cavalo
Jegue*
Jumenta-preta
Coelho
Matéria-prima
Leite
Urina
FezesSebo
LeiteFezesLeite
CrinaSuorCasco
Leite
Fezes
Finalidade zooterapêutica
Coqueluche, gripe, tosse alérgica,desnutrição infantilTosse, bronquite, coqueluche, quedade cabelo, tuberculoseDoenças de pele, gripe, asmaReumatismo, juntas endurecidas,dores nos joelhos, rachadura nospés, torção, fraturas ósseas,favorecer os primeiros passos dacriança, retirar espinhosAnemiaRestabelecer as forças do corpoAlergia, raquitismo, tuberculose,criança que demora a andar
VerrugasAsmaAsma (puxado)
Coqueluche (tosse convulsa),bronquite, tuberculose
Conjuntivite, problemas oculares,problemas de coluna
Locais citados
AC, SB, RJ, SG,FS, SF, IP
AC, TQ, RJ,SG, FS, CA,GM, IR, SB,
TS, SA, SE, IA,ST, AL, IC
RJ, IP
TQ, RJ, GM, IR
AC, RJ, TS
CM, RJ, SG, IP,ST, TS
TQ, RJ, CA
TQ, RJ
* Primeira citação para o estado da Bahia.
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os de zooterápicos, devendo-se este fato ser seri-amente considerado. Por exemplo, vários órgãose tecidos, incluindo ossos e bílis, podem ser umafonte de infecção por salmonella, causando diar-réia crônica e choque endotóxico33. Estes autoresenfatizam que a possibilidade de transmissão deoutras infecções e zoonoses sérias e amplamentedistribuídas, como a tuberculose e a raiva, de-vem ser consideradas se os tecidos do animal deorigem desconhecida forem manuseados e usa-dos como remédios tradicionais. Além disso, exis-te a possibilidade de haver reações tóxicas ou alér-gicas aos produtos animais.
Por outro lado, os produtos medicinais deorigem animal (zooterápicos) geralmente sãocomercializados sem levar em conta as condi-ções sanitárias dos mesmos. Tal fato pode, mui-tas vezes, acarretar o agravamento dos sintomasque aquele mesmo “medicamento” deveria com-bater, ou então provocar danos em outros ór-gãos e sistemas do usuário (paciente), podendolevá-lo a óbito. É importante, pois, realizar estu-dos microbiológicos para se detectar o nível depatogenicidade microbiana do uso medicinal deprodutos e/ou remédios tradicionais à base dematéria-prima animal.
Os animais, tanto quanto as plantas, demons-tram possuir princípios ativos de interesse para amedicina. Descobrir novas fontes de drogas a par-tir de informações populares requer dos pesqui-sadores formados nas técnicas e métodos da ciên-cia ocidental que se despojem de seu etnocentris-mo e encarem o fenômeno da zooterapia sem pre-conceitos, investigando laboratorialmente as es-pécies indicadas como medicinais para compro-var se compostos de valor farmacológico esta-riam, de fato, presentes5, 4,23,24. O fenômeno dazooterapia vem despertando o interesse de pesqui-sadores de diferentes domínios da ciência, que tantoregistram essa prática cultural quanto procuramcompostos que tenham ação farmacológica5,23,24.Esse interesse vai mais além quando se leva emconsideração os benefícios que compostos deri-vados de animais oferecem em termos de valormonetário e bem-estar humano. Por exemplo, aangiotensina, um anti-hipertensivo, traz para acompanhia Squibb cerca de 1,3 bilhão de dólarespor ano em vendas, além de contribuir para obem-estar e longevidade de milhares de pessoas23.
A perspectiva cultural deve ser levada em con-sideração em todo debate sobre uso sustentávelde recursos naturais23,25,34. Uma vez que os indi-víduos constituem componentes essenciais dapaisagem e suas atividades são fundamentais parao uso compatível em longo prazo, as políticas de
conservação biológica devem ser guiadas por umviés sociocultural, o qual inclui o modo como ospovos percebem, utilizam, alocam, transferem emanejam seus recursos naturais35. Desse modo,recomenda-se discutir os conhecimentos e práti-cas tradicionais relacionados com a zooterapiadentro de um contexto multidimensional do de-senvolvimento sustentável, uma vez que o uso deanimais devido ao seu valor medicinal é uma dasformas de utilização da diversidade biológica36.
Sob o ponto de vista ambiental, o uso demedicamentos tradicionais à base de animaispode ameaçar a biodiversidade. Desse modo, aprática da zooterapia é relevante porque implicapressão adicional sobre populações animais crí-ticas. Na maior parte das vezes, usuários e com-pradores de recursos zooterápicos não sabem quedeterminados animais estão ameaçados e em ris-co de extinção. Um exemplo tipifica a questão:dos 55 recursos zooterápicos medicinalmenteutilizados pelos pescadores do povoado de Siri-binha, em Conde, sete encontram-se listadospelo IBAMA26 como animais ameaçados de ex-tinção. São eles: jacarés (Caiman cf. latirostris),tartarugas marinhas (Chelonia mydas, Carettacaretta, Lepidochelys olivacea e Eretmochelys im-bricata), lontra (Lutra longicaudis) e preguiça(Bradypus sp.). Embora tenham sua caça, perse-guição e abate proibidos pela Lei Federal no 5.197,de 3 de janeiro de 1967, estes animais continuama ser usados, de forma clandestina, tanto tróficaquanto medicinalmente. Jacarés e lontras, porexemplo, fornecem duas matérias-primas cada,enquanto que a preguiça fornece apenas uma.Das tartarugas, animais de uso múltiplo, extra-em-se quatro matérias-primas, que são empre-gadas na elaboração de seis remédios prescritospara a cura de doze enfermidades5.
O registro da utilização medicinal de animaisno Estado da Bahia fornece uma contribuiçãorelevante ao fenômeno da zooterapia, abrindoespaço para debates sobre biologia da conserva-ção, políticas de saúde pública, manejo sustentá-vel dos recursos naturais, prospecção biológica elei de patentes. Sugere-se a realização tanto deestudos bioquímicos quanto farmacológicospara descobrir se de fato princípios ativos estãopresentes nos corpos destes animais, e que pos-sam promover o desenvolvimento de novas dro-gas para a indústria. Necessita-se, também, de-senvolver mais estudos etnozoológicos tantopara compreender a importância real da zoote-rapia para as comunidades tradicionais, quantopara desenvolver estratégias de manejo e uso sus-tentáveis das espécies animais, especialmente da-
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quelas em risco de extinção24. Uma alternativapara diminuir a demanda por produtos naturaisde uso medicinal deveria ser o de buscar nos la-boratórios a forma sintética de determinadocomposto ao invés de coletar populações intei-ras na natureza, levando-as à exaustão.
Ainda considerando a sustentabilidade da prá-tica zooterápica, governo e órgãos de saúde e am-bientais devem garantir a coparticipação dos usu-ários e pessoas interessadas no uso de recursosanimais com fins medicinais em todo o processo
de discussão, que envolve desde a obtenção damatéria-prima e modos de preparação e admi-nistração do zooterápico, passando pelos siste-mas populares de cura de uma dada doença diag-nosticada conjuntamente por médicos e curan-deiros. Aqui, deve-se pensar em programas deeducação ambiental e de saúde pública cultural-mente embasados, respeitando o conhecimentotradicional e tornando os praticantes da zootera-pia coautores e corresponsáveis pelo tratamento.
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Artigo apresentado em 08/08/2008Aprovado em 17/03/2008Versão final apresentada em 20/05/2008
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