entrevista sergio niza
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Educação. Temas e Problemas | n.º 1 | Ano 1 | 2005 Que Rumos para a Educação?
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VOZES COM HISTÓRIA(S) NA EDUCAÇÃO
SÉRGIO NIZA: A CONSTRUÇÃO DE UMA DEMOCRACIA NA ACÇÃO EDUCATIVA
Américo Peças
“Teremos de concentrar-nos na substância da Cultura e do Conhecimento (e não em formalismos didácticos) e na substância da Democracia para a organização social do nosso trabalho pedagógico. Para isso propusemos formar-nos pela construção ética e cooperada das nossas vidas, na escola como na sociedade que, assim, vamos transformando.”
Sérgio Niza (2003)
1. Sérgio Niza: Breve Nota Biográfica
Sérgio Niza nasceu em Campo Maior, vila raiana do Alto Alentejo, em 1940.
Fez os seus estudos em Campo Maior, em Estremoz e no Liceu Francês, em Lisboa,
antes de ingressar na Escola do Magistério de Évora (1960-63) para ali obter o diploma
de professor do ensino primário. Logo no primeiro ano de exercício profissional (1963-
64), na Escola Primária do Rossio, em Évora, Sérgio Niza ensaiou, com os seus alunos,
a concepção de um município escolar a partir da proposta de Educação Cívica de
António Sérgio. Revelava-se, logo aí, a visão de educação escolar como iniciação e
exercício da intervenção democrática, que constitui um dos pilares do pensamento
pedagógico de Sérgio Niza.
Trabalhou depois no Centro de Investigação Pedagógica da Fundação Calouste
Gulbenkian, a convite de Rui Grácio, que já tinha sido seu professor, colaborando
activamente em projectos de formação contínua de educadores profissionais. De Rui
Grácio guarda Sérgio Niza a memória fundadora e inspiradora de que é possível “uma
escola outra”.
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Em Fevereiro de 1965 Sérgio Niza constituiu, com outros cinco professores, o
Grupo de Trabalho de Promoção Pedagógica no Sindicato Nacional de Professores
(S.N.P.), no âmbito dos cursos de aperfeiçoamento profissional promovidos por Rui
Grácio. O gérmen do que viria a ser a matriz do Movimento da Escola Moderna
Portuguesa emergia já ali claramente: o grupo analisava e reflectia sobre as práticas de
ensino a partir dos produtos de aprendizagem dos alunos, partilhava e debatia textos
para aprofundamento teórico dessa praxis e produzia instrumentos auxiliares do trabalho
pedagógico. No Boletim do S.N.P. (vol.V-3, 1965, pp 40-42) Sérgio Niza discorria
assim sobre essa experiência: “A escola ‘para a vida e pela vida’ é, agora, a vida de
professores e alunos, com a sua realidade própria de um grupo social, sem artifício, ou
sem situações artificiosamente criadas para o ensino. A cooperação em todos os quadros
da nova comunidade escolar (…) é o apelo da realidade de hoje.”.
Sérgio Niza passou ainda pelo Centro Helen Keller, escola pioneira na
integração de crianças deficientes visuais, onde tomou pela primeira vez contacto com
as propostas de Célestin Freinet. Do pedagogo francês marca-o sobretudo a sedução do
Movimento, porque para Sérgio Niza “a grande ideia de Freinet é essa, a de ligar
pessoas que façam de si uma força, que se animem, e que fundem uma necessidade de
encontro”.
No Centro Helen Keller trabalhou com João dos Santos, psicanalista e
pedopsiquiatra, cuja reflexão sobre a escola o ajuda a sublinhar, o que já era por si
intuído: a positividade fecunda da relação pedagógica autêntica, fundada na afeição e no
respeito por todas as crianças. E neste contexto estimulante emerge outro dos eixos que
definem a obra de Sérgio Niza: a determinação activa contra a exclusão e a defesa
inabalável “da orientação inclusiva das escolas, defesa a que chamamos correntemente
escola inclusiva ou adaptativa, isto é, uma escola capaz de se adaptar com eficácia
curricular à diversidade dos seus alunos, pela diferenciação do trabalho pedagógico”
(Niza, 2004).
Em 1966, participando com Rosalina Gomes de Almeida, em Perpignan, no
Congresso da Federação Internacional dos Movimentos da Escola Moderna (FIMEM),
traz consigo a responsabilidade da criação do grupo português da Escola Moderna. A
partir daqui Sérgio Niza assumirá o Movimento da Escola Moderna (MEM) como o
espaço vital de desenvolvimento pessoal e profissional.
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Nos anos 80, sob o seu impulso, decorre no Movimento um fecundo debate
interno com o objectivo de clarificar a sua cultura pedagógica e de reforçar uma
identidade própria. Esse questionamento vai provocar o deslocamento progressivo das
concepções empiristas e pedocêntricas que inspiravam as técnicas Freinet. O MEM
orienta-se decisivamente para uma perspectiva do desenvolvimento das aprendizagens
por interacção sociocentrada, inspirada nos contributos de Vigotsky e de Jerome Bruner,
perspectiva que atravessa e sustenta, com elevada congruência, o trabalho de formação
cooperada e o modelo pedagógico de intervenção escolar que os professores do MEM
prosseguem e aprofundam.
Implicando cada vez maior número de profissionais, de todos os graus de ensino,
e suportado numa prática obsessiva da democracia e da cooperação como matrizes
epistémicas e organizacionais, o MEM é hoje uma referência incontornável na história
da pedagogia.
Sérgio Niza foi bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian (1966-1969)
desenvolvendo investigação pedagógica no quadro do INP-Institut National
Pédagogique (hoje Institut National de Recherche Pédagogique) em Paris.
É membro do Conselho Científico Pedagógico da Formação Contínua de
Professores.
É Director do Centro de Formação de Professores do Movimento da Escola
Moderna.
É Director da Revista “Escola Moderna”.
Como Professor Convidado tem leccionado na Universidade de Évora, na
Universidade do Minho e na Universidade Moderna.
É Professor Auxiliar Convidado, desde 1982, no ISPA-Instituto Superior de
Psicologia Aplicada.
2. Em diálogo com Sérgio Niza
Falar com Sérgio Niza é uma experiência exaltante. Na tradição dos grandes pedagogos,
a sua visão de escola reivindica e inspira uma visão do homem e do mundo. Dos
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homens no mundo. Dos homens como co-autores e construtores do mundo. É uma visão
que nos convoca para uma paideia fundada na democracia e fecundada pela
radicalidade democrática, onde pela solidariedade e pela cooperação nos podemos,
todos, edificar em cidadania esclarecida e emancipada.
Sérgio Niza faz-nos habitar cada palavra: desoculta-lhe os sentidos, derruba os muros
que a oprimem, rasga-lhe janelas, reinventa-lhe horizontes. Por isso o seu discurso é
denso de significados e intenso de consequências. “Não se comunica com palavras, só
se comunica com textos”, disse-nos. Eis aqui o texto com que nos fala.
Num livro muito comentado, José Gil afirma que o medo e a falta da ideia de futuro,
que nos caracterizam como povo, determinam o que ele chama de “não inscrição” na
História, o que faz com que, em Portugal, nada aconteça. O teu percurso de mais de 40
anos, como profissional e cidadão, exemplarmente comprometido com a educação,
contrariam a tese do filósofo. A precocidade com que, já em 1965, com 25 anos de
idade, enunciavas a importância do diálogo para o aperfeiçoamento pedagógico,
resulta do amplexo estimulante em que te constituíste e construíste professor.
Talvez me venha, do que dizes, a dolorosa consciência do tanto que faz falta às
crianças que fracassam na escola. De como poderão não gostar, de como poderão não se
apaixonar por outras coisas de outras culturas, coisas que não sejam a cultura do
quotidiano delas, e esse trânsito não se pode fazer sozinho. Isso decorre sempre de
contactos, de relações. No fundo, as aprendizagens, como diriam hoje os
socioculturalistas pós-vigotskianos, como a inteligência, são distribuídas. Precisamos de
ter suportes variados, que vão desde as pessoas até aos instrumentos intelectuais, aos
objectos culturais, aos ambientes, às formas de organização. Tudo isso é que nos ajuda a
aprender e a construir a nossa inteligência, e nós cuidamos pouco e mal disso na
educação escolar.
Eu tenho muito essa consciência pelas facilidades que me proporcionaram e
pelas possibilidades que pude criar com os outros. As coisas não prosseguem sempre
em linha recta, e atravessam desníveis também. Quer dizer que há rumos que nós
traçamos e que podemos traçar cedo nas nossas vidas. Os rumos não se podem traçar
tarde de mais, porque depois os caminhos são muito lentos.
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Os caminhos da cultura e da educação, que se fundem, requerem continuidades
muito grandes. Transformações, mas continuidades. Raramente saltos! E não suportam
derivas incontroladas, senão perdemo-nos. E perdemos a herança. Nós somos animais,
entre outros animais na natureza. Nós não somos deuses. Precisamos deles, criámo-los,
mas não somos deuses. Temos de tirar partido das nossas limitações. Disso é que temos
de ter muita consciência. O que é preciso é ir melhorando os caminhos
progressivamente, com uma grande capacidade crítica. E não ir fazendo reformas
retóricas neste quadro do reformismo liberal, parlamentarista, do homem liberal da
idade moderna, que raramente se traduzem em acções transformadoras.
Tendo a idade contemporânea começado há já tanto tempo, é como se
coleccionássemos referenciais permanentemente incumpridos. Em Portugal, parece que
nós não passámos pela construção do homem liberal, do indivíduo, de todas essas
dimensões das Luzes. Cumprimos mal tudo isso. E agora vemo-nos confrontados como
povo com uma história mal cumprida. Não aproveitámos o conhecimento, as liberdades,
a possibilidade de descobrir os direitos individuais e já estamos envolvidos numa ideia
em construção que não é nada ainda, porque se chama apenas um depois. Chamar a um
tempo histórico pós, já é um caso inquietante. Dizer pós-moderno significa também que
a modernidade foi tão determinante que o que vem a seguir é apenas o que aconteceu
depois de então. O facto de a pós-modernidade parecer ser apenas um estar indignado,
estar zangado com os valores da modernidade, demonstra a insuficiência do seu
contributo para construir uma história e uma cultura afirmadamente contemporâneas.
Porque é sobretudo reactivo. Mas teremos de dizer o que queremos. Porque os da idade
moderna sabiam bem o que queriam. Produziram um conjunto de trabalhos, de ideias e
de reflexões, por vezes contraditórias mas magníficas.
No entanto a reflexão crítica actual, às vezes contundente, vigorosa, radical, tem
sido frutuosíssima. O que eu acho é que a proposta pós-moderna é analítica mas
raramente mobiliza para a construção. A nominalização é incontornável na nossa cultura
europeia. Os nomes têm de ser nomes que identifiquem e afirmem. Designar um
programa por depois de não é desafiador. É como se fosse uma mistura de protesto e de
saudade. Não é interessante. Protestar e ter saudade não é mobilizador.
Eu prefiro que continuemos a falar da nossa contemporaneidade. Esse conceito
contém as perspectivas modernas, as perspectivas pós-modernas, e outras que possam
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estar presentes e em diálogo. Dá ao mesmo tempo a noção de tempo presente, do valor
que tem o tempo presente. Aquilo que temos de fazer agora para resolver os problemas
do agora. Porque só os sabemos resolver com o saber que fomos acumulando. E esse
saber é história. É a cultura em história, em memória. E só desse lugar podemos avançar
com as projecções a que chamamos futuro, os projectos de evolução e mudança.
Esse ancoramento na história e na cultura vem marcar toda a tua visão da escola e da
pedagogia.
Eu sou um culturalista. Com tudo o que isto possa ter de positivo e de negativo.
Eu ancoro todas as significações na dimensão sincrónica e diacrónica da cultura. Hoje
diríamos das culturas, seja a cultura dos quotidianos das pessoas, seja a cultura
tradicionalmente chamada humanística e a cultura científica. E aí com a grande marca
de António Sérgio e de Rui Grácio e com a importância que Rui Grácio, que foi meu
professor de filosofia, dava à epistemologia das ciências. Marcou-me muito o estudo da
génese do conhecimento, a reflexão sobre o conhecimento e sobre a construção da
ciência.
A Escola para mim é um instrumento poderosíssimo para regular e construir a
pluralidade cultural e fazer caminho para a unidade da ciência. E se se perde essa
dimensão, perde-se tudo. Sempre entendi um professor como um intelectual, como um
trabalhador intelectual. Os trabalhadores têm instrumentos, têm utensílios de trabalho
privilegiados, que também são instrumentos caracterizadores e construtores da própria
profissão. Inquieta-me muito que os professores não tenham consciência de que os seus
instrumentos profissionais são os instrumentos de trabalho intelectual. E que um dos
seus instrumentos mais poderosos, também um dos artefactos mais poderosos da
invenção humana, é a escrita. Os professores têm medo da escrita, não estão à vontade
na escrita, têm medo de perceber que ela é decisiva para a construção das aprendizagens
dos alunos, parecem ignorar que o falar e o escrever é que constroem o conhecimento. É
através da acção de construção de textos pela fala e pela escrita, que se constrói também
o conhecimento. Esta falta de consciência leva a que só o professor é que fala. Mas se o
aluno não pode falar o conhecimento, está impedido de utilizar uma estratégia
fortíssima para a construção do conhecimento. Se o aluno não escreve o conhecimento,
se só responde a perguntas, como é que constrói a escrita do conhecimento? E dos
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próprios professores nem falo, porque esses não têm hábitos de escrever sobre o
conhecimento, logo, como podem progredir no conhecimento!?... São coisas muito
sérias dos tempos que correm.
Daí vem a necessidade de construir uma nova cultura da profissão. Temos de
desenvolver a nossa cultura profissional, a nossa cultura de pedagogos, porque os
professores que deixam de ser pedagogos podem transformar-se em funcionários. Os
professores têm de aspirar sempre, não só a ser práticos, mas a pensar e a construir
discursos sobre as suas próprias práticas: isso é ser pedagogo! Ser pedagogo é ter uma
prática social da educação e ter um discurso e uma escrita sobre a educação e sobre a
profissão. Essa possibilidade de pensar, projectar, dialogar a profissão é que funda a
profissão.
Ora os professores portugueses, na sua maior parte, não se conseguiram descolar
dos padrões de imitação, de repetição, da lição à maneira clássica. Isto continua a
remeter-nos para a própria génese da profissão. Os professores foram chamados para
dar a conhecer os livros sagrados. E fizeram-no pelo lado da leitura e da cópia, pelo lado
do que a Igreja permitia. Copiar e saber de cor algumas dessas coisas. E interpretar.
Uma interpretação não como uma hermenêutica verdadeira, mas uma interpretação que
tinha um limite: o limite canónico, a interpretação canónica. O aluno não tinha a
liberdade para compreender ou interpretar porque estava sempre a imaginar até onde era
permitido compreender. Um conjunto de grandes constrangimentos, é claro.
O método simultâneo proposto por La Salle no século XVII para a educação dos
pobres, e que se baseava na ideia de ensinar a muitos como se fossem um só, continua a
impregnar o que hoje se chama a gramática da escola. Essa indiferença à diversidade
dos alunos vem a revigorar-se no século XIX com os primórdios do ensino obrigatório,
o alargamento a que os ingleses chamam de escola de massas. Mas o problema grave é a
massificação da relação ensino-aprendizagem. A escola de massas é um bem
democrático. O problema é a relação massificadora e a anulação das identidades. A
ideia de ensinar a muitos como se fossem um só é, de facto, recusarmo-nos a uma
relação com o outro.
Como é que há uma linha condutora do século XVII, da escola dos pobres, que
atravessou os séculos e se mantém? Apesar de termos tido contributos notáveis,
aflorações riquíssimas nos séculos XIX e XX, tudo fomos pondo de lado, continuando
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esse devir regressivo com os instrumentos mais simples, mais modestos e mais erróneos
da profissão.
Por isso não há que estranhar que os professores nem percebam o que é
podermos falar de aprendizagens com os alunos, porque eles constroem e organizam,
quer o currículo, quer a vida quotidiana da escola, em função deles próprios. Um
professor para organizar a escola nunca pensa nos alunos. Pode pensar no número de
alunos, por exemplo, mas é a pensar em si que ele está. Nunca pensa que está a prestar
um serviço, que vende um serviço aos alunos. Um professor recusa-se a pensar que
vende o seu trabalho e que o seu trabalho é um serviço. Um serviço intelectual que
presta àqueles alunos.
É perceptível, nesse quadro que traçaste, a determinação de muitas das atitudes dos
professores e a determinação da profissão.
Não é tanto num plano determinista que estou a falar. Estou sim a fazer uma
reflexão sobre coisas que a história nos assinala que aconteceram e que se incorporaram
na cultura. Aquilo que os professores, porque constitui a sua pele, já não vêem. É como
o provérbio chinês que Bruner evoca, dirigindo-se aos professores: os peixes de um
aquário não vêem a água do aquário. Esta nossa profissão tão antiga, é um pesado
manto de estratificações, mas nós não nos apercebemos delas. Fugimos sempre a uma
tomada de consciência e à explicitação do que se passa, porque por um lado nos cria
medo, e por outro lado é como se quebrasse o nosso estatuto de autoridade. Porque há
nos professores uma noção de falsa autoridade. Isso vem ainda da confusão sobre a
ideia de autor, que provém da génese religiosa das escolas: os autores eram os que
escreviam sobre, os que interpretavam, e eram as interpretações aceites pelas Igrejas do
Livro que faziam autoridade. Era preciso, para construir um discurso, ir ao discurso
deles.
Isto modernamente é muito interessante, porque nos revela bem, ao mesmo
tempo, como no cerne do discurso há sempre uma interdiscursividade, uma
intertextualidade, isto é, não há textos originais. Cada texto nosso, quer sejam as nossas
falas, quer sejam as nossas escritas, é sempre construído com falas e escritas de outros.
Ao tempo, nos primórdios, eram só os autores que constituíam autoridade, os que
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podiam ser apropriados para construir os nossos discursos, como ainda acontece entre
alguns académicos.
Os jesuítas tinham como convicção que o saber é poder. Esta fusão do saber em
poder, foi muito bem interiorizada pelos professores. Se eles sabem, têm poder. Têm de
afirmar e confirmar esse poder sobre os outros. Há aqui uma confusão entre o saber
como cultura, que constrói o homem, e o saber como instrumento que domina. E os
nossos professores perseguem às vezes mais o saber como instrumento de dominação,
do que o saber como instrumento de emancipação e desenvolvimento humanos.
Se é verdade que a Escola nunca foi à frente do processo histórico e cultural, hoje
choca-nos, ainda mais, a incapacidade que a Escola revela em integrar o discurso
científico moderno e em edificar-se na praxis social aberta que caracteriza a
modernidade. Num texto que escreveste recentemente, afirmavas que “o modo como os
professores e as escolas organizam o seu trabalho e desempenham os objectivos
públicos esperados, vem desencantando todos, de forma cada vez mais
constrangedora”. A Escola não tem futuro?
De facto a escola como instituição degradou-se tanto, e tem tão pouca
consciência do que vale para o bem e para o mal, para destruir pessoas ou para valorizar
os próprios professores e para valorizar o seu trabalho, o seu processo de produção
cultural, que provavelmente temos de redefinir as funções da escola. Tenho discutido
isto muito com António Nóvoa e a mágoa que para ele, como para tantos de nós, é o
descrédito da escola pública. E ele pensa que corremos perigos gravíssimos, porque
como trabalha tanto no Brasil, faz-lhe muita impressão que a escola pública no Brasil
seja a escola apenas para os mais pobres. É uma coisa tremenda e brutal. Porque todos
os que podem fazem tudo, como vão fazendo os portugueses, para ter os filhos numa
escola particular. Para os defender da violência, para os defender dos roubos, para os
defender dos meninos pobres… para os acantonar também e delegar a sua
responsabilidade educativa no serviço que compram.
A questão nuclear é a de saber como é que se pode fazer para não perdermos a
escola pública. Para não se perder a escola pública será necessário que os professores
percebam os novos valores e poderes de que dispõem na sociedade actual. E não agirem
como agem contra si próprios, de forma suicida. Porque funcionam num registo
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masoquista. Masoquista para a evolução da sua profissão, e num registo sádico na
relação com os alunos, porque ficam no desespero de não saber o que fazer da profissão
por construir. Essa construção só poderá acontecer com a colaboração e a partilha contra
o autismo em que se enclausuram.
No diálogo que tenho mantido com António Nóvoa cheguei à conclusão de que
teremos de acentuar mais a responsabilidade pública da educação. E voltar a rever, em
conjunto, em sociedade, os vários papéis educativos: quer das famílias, quer das
organizações privadas, quer das várias organizações públicas a vários níveis (desde os
municípios, juntas de freguesia, Estado central, etc.). Rever os tempos e as acções e,
provavelmente, rever também as responsabilidades da escola. Porque o que está a
acontecer é uma inflação brutal de funções e responsabilidades todas atiradas para a
escola, confundindo educação com escola, como se a escola devesse realizar a educação
toda. A escola é incapaz disso, nunca foi criada verdadeiramente para tal desígnio e será
absolutamente incapaz de, historicamente, realizar essa tarefa.
É necessário um dia termos a lucidez de pensar o que é que é estritamente
necessário realizar na escola. Sem querer que a escola eduque as comunidades e eduque
tudo, como se a escola tivesse uma função mitómana de missionária. A escola não pode
ter uma função missionária, tem que ter uma função cultural bem caracterizada. Para
quê? Para lhe podermos pedir contas. A escola tem, provavelmente, que reduzir
funções. Não nos podemos andar a enganar uns aos outros, criando uma nuvem de
poeira à volta das responsabilidades das instituições.
Por exemplo, quando pensamos na socialização, que é o aspecto formador da
escola, inevitavelmente a escola terá sempre uma forma de socializar. Só que é hoje
uma forma por vezes bárbara de socialização, e a escola tem de encontrar uma forma
civilizada de socializar para a vida em democracia. A escola tem de aprender os valores
da democracia. Em vez de se propor dar lições de democracia, tem de experienciar e
vivenciar a democracia no seu seio. É a proposta de socialização pela democracia. Não
pela democracia representativa, mas pela partilha directa e distribuída a nível de todos
os locais, de todos os docentes da escola. Bem concentrada no essencial das linhas dessa
socialização.
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No fundo a sustentabilidade da escola passa por uma agenda que, neste momento, é
credibilizada pelas próprias necessidades sociais e económicas, mas sem negar a
dimensão generosa, a dimensão utópica em que se edifica.
Devia edificar-se, porque a escola nunca foi verdadeiramente generosa. Foi
apenas em alguns momentos de experiência. Nós nunca tivemos uma escola
verdadeiramente democrática. Mesmo que nos lembremos da escola republicana, e se
falarmos da escola republicana não nos podemos lembrar de Portugal, onde foi tão
frustre, temos de lembrar, por exemplo, a escola republicana francesa, que também ela
não conseguiu edificar-se como republicana e democrática no seu interior. Os
professores foram sempre mais reis e as escolas foram sempre mais monarquias ou
oligarquias do que repúblicas. É quase sempre tudo muito dissimulado, o que na escola
se passa. Demorámos muito tempo a querer ver esse engendramento de ocultação do
que se passava na escola e as relações entre o poder e o saber.
Nisso Foucault é violentíssimo, mas vale a pena querer perceber aquela
violência para se perceber que as coisas não são pacíficas, e que em nome de não sei o
quê se fazem coisas terríveis. É claro que ele o faz como quem quer mostrar uma
fotografia ali a nu. Foi aquela que ele encontrou. Se isso nos magoa, que nos magoe. Ele
não faz aquelas fotografias para nos magoar, faz para gerar um espaço de luminosidade.
Permitirmo-nos ver. Fazer uma aproximação. Tornar visível alguma coisa que parecia
ser posta ao invés, muito manipulada, para parecer tudo por bem, nestas relações entre o
saber e o poder.
O que era importante discutirmos era como é que se pode gerar ou regenerar este
acordo público, a responsabilidade pública que temos na educação com as gerações que
vão nascendo. Os homens e as mulheres em criança pertencem a comunidades, a
regiões, a grandes regiões. Pertencem e deveriam pertencer-lhes no plano da
responsabilidade. Não é pertença no plano da propriedade! Pertence-nos a
responsabilidade de os ajudar, de os defender, de os ajudar a descobrir uma herança e de
os ajudar a evoluir. Mas isso é uma função de todos. Não é hoje apenas uma função do
Estado, não é hoje apenas uma função da Família, não é hoje apenas uma função da
Escola. Mas seria bom discutirmos a clarificação dessas funções: cada um faz o quê?
Quando é que entra esse actor em cena para engendrar a história? Isso é que não está
claro, está cada vez menos claro.
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Eu reduziria provavelmente o tempo e o currículo da Escola. E não se trata aqui
“ to back to basic”, voltar atrás às coisas básicas, porque não é disso que se trata. Trata-
se de hierarquizar a cultura, clarificando o que são os instrumentos, os recursos, as
fontes, os operadores, os agentes, os professores, os alunos, etc. É preciso clarificar
essas coisas, analisá-las e não nos deixarmos arrastar por este mercado disciplinar,
veiculado sobretudo pelo poder dos territórios disciplinares das Universidades. Aí as
Universidades fazem muito mal à cultura, quando podiam fazer bem.
As disciplinas não têm igual valor funcional quando eu quero resolver problemas
determinados. Elas podem ser complementares, mas há umas que não são inteiramente
complementares, algumas são raízes da árvore do saber. Delfim Santos dizia que a raiz
da árvore do conhecimento é a Pedagogia, porque “é ela que gera, é geradora e geratriz
do conhecimento”. É a Pedagogia que permite difundi-lo, é ela que permite reconstruí-
lo nas pessoas e com as pessoas. Eu diria que o instrumento construtor do conhecimento
é a comunicação interactiva, através de um campo de linguagem. Então o modo oral e o
modo escrito complementar de uma língua em que se funda a escola, como língua
oficial, são os instrumentos que não podem ter o mesmo valor, o mesmo tempo e o
mesmo tipo de trabalho das ciências da natureza. Não porque as ciências da natureza
sejam de estatuto menor, mas porque os instrumentos intelectuais que permitem integrar
e apropriar as outras disciplinas são a língua e, a seguir, a matemática. Às vezes parece-
nos um exagero eleger estes dois, mas eles são os instrumentos da construção mental,
do desenvolvimento mental e da inteligência. São eles que nos ajudam a arrumar, a
construir, a desconstruir e a reconstruir os conhecimentos culturais.
Eu colocaria a questão neste sentido em que, como já se disse em tempos, há de
facto saberes instrumentais organizadores do trabalho intelectual, processos de
desenvolvimento do trabalho intelectual e do trabalho artístico, e depois há qualquer
coisa que é já da ordem da herança dos conhecimentos. Era necessário reapropriarmo-
nos da entrada nesses conhecimentos, também pela via instrumental, quer dizer, entrar
neles com os seus instrumentos e com os seus processos próprios. Não se pode separar o
conhecimento da Física dos processos de construção da Física, porque os processos de
construção da Física introduzem na aprendizagem da Física uma espécie de disciplina
interior, de organização mental, que são ao mesmo tempo uma ética. É a congruência,
cada vez mais conquistada e que vai cada vez mais longe, entre os métodos e os
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processos que criam a Física e que desenvolvem a Física. Esta congruência reivindica
que o conhecimento de uma ciência se faça utilizando os procedimentos próprios dessa
ciência. Há aqui um casamento, um engendramento, que faz com que seja impossível
separar uma coisa da outra. Se nós estamos a tratar a Física como um texto, como um
discurso, então é apenas um discurso sobre a Física. Jamais nós entenderemos o
engendramento próprio, interno, à história da construção da própria Física e logo, se não
pudermos estar por dentro dessa cultura da Física, dificilmente iremos longe na Física.
Lemos textos sobre Física, mas nunca saberemos o que é a Física.
O que é que fazemos hoje na escola? Ouvimos discursos e lemos discursos sobre
o conhecimento. Pomos os alunos a decorar palavras ou conceitos da teoria ou dos
discursos da Física ou da Biologia. Ler discursos é diferente de poder imaginar como é
que por dentro se movem e se constroem essas coisas. Por isso, num texto que produzi
recentemente sobre a escrita, fui buscar de novo Roland Barthes para sublinhar, o mais
contundentemente possível, que nas questões do mundo da escrita é decisivo ser
escritor, posicionarmo-nos como escritores, porque posicionando-me como escritor eu
não poderei deixar de ser leitor. Mas se eu me posicionar como leitor, como nas antigas
escolas bíblicas, eu nunca chego a percepcionar como é que se constrói um texto.
Identifico e contemplo esse texto como um milagre, como uma maravilha, como uma
coisa única, como o faria um analfabeto, um iletrado.
Uma pessoa letrada tem de colocar-se hoje do lado da construção da escrita. Por
dentro dos processos de construção. Colocar-se assim em todos os saberes, que é o
colocar-se do lado de quem constrói, de quem produz a Física, de quem produz o
conhecimento biológico, de quem produz as Artes. Não apenas os discursos sobre as
Artes, sobre a Biologia ou sobre a Física. Se nos colocamos do lado da construção dos
mecanismos, do motor da construção, da produção, nós queremos avançar para
conhecer mais.
Meirieu enuncia “Pedagogia como inteligência das situações educativas”. Mas o
discurso pedagógico dominante está marcado pela opacidade tecnocrática, parece
incapaz de se assumir com relevância social e cultural. A Pedagogia como ciência é
vista com desconfiança, quando não ironicamente perspectivada como pseudo-ciência.
Porque é que a Pedagogia tem tanta dificuldade em se inscrever como ciência
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respeitada, sobretudo no campus académico e na agenda política? Que obstáculos se
colocam hoje à edificação da Pedagogia como ciência?
Nós preocupamo-nos muito sobre o lugar da Pedagogia em referência às
Ciências da Educação. Se nós pensarmos mais a sério, numa área vital, como é vital a
educação, então a melhor analogia era pensar na medicina, que trata da vida e da morte.
A medicina não se importa nada de não ser ciência. A medicina não é uma ciência. A
medicina é uma prática social da saúde. E o que alimenta a medicina e faz avançar a
medicina são muitas disciplinas e muitos saberes concertados, as Ciências Médicas. É a
iluminação sobre essa prática social, com esse conhecimento altamente exigente,
rigoroso, experimental, que faz com que os médicos sejam cada vez melhores
profissionais, e que possam recorrer, sempre que possível, à convergência de exames de
especialidade para se fazer “um juízo em síntese”, para avançar, para tomar uma decisão
que decorra da cooperação.
A Pedagogia é uma prática social indispensável. As Ciências da Educação são muito
úteis para clarificar as decisões que temos que tomar na Pedagogia. A Pedagogia não
tem de ser científica. Tem é de ser assumida plenamente como um valor inestimável. É
uma área de prática social indispensável, mas que se conquista pelo domínio dessa
prática fundada na reflexão dialógica com opções teóricas multidisciplinares e de acção.
Aprender, como na Medicina, a fazer diagnósticos e saber o que faz falta a uma criança,
em vez de a empurrar da escola, em vez de a excluir da sociedade. Os médicos não
podem fazer isso. Os professores também deviam ser proibidos de o fazer no plano da
deontologia. Têm é de aprender a conhecer os alunos, e aprender com eles a construir as
suas aprendizagens, que seria o equivalente a construir a sua saúde. Nós devíamos fazer
muita investigação, e nela participarmos, como acontece com os médicos na Medicina,
para trabalharmos melhor com os alunos, ajudando-os a aprender.
Então como é que interpretas aquele excerto de António Nóvoa quando diz que a
Pedagogia deve iluminar as Ciências da Educação?
Eu creio que para António Nóvoa pedagogo é alguém que tem uma prática
educativa comprometida socialmente, onde ensinar significa garantir aprendizagens e o
feedback de saber se se ensinou ou não se ensinou, e se o aluno aprendeu ou não
aprendeu. Onde o professor-pedagogo se envolve também na continuidade da profissão,
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isto é, na formação, para que a vá mudando, o que passa por uma reflexão constante e
pela produção de saberes que venham dessa cultura de estar assim. Percebe-se então que
há uma prática social com saberes, uns mais descritivos, outros mais interpretativos,
mais teoréticos, tentativas de compreensão. Seria o centro onde se passa o drama, a
acção educativa, o drama educativo.
Penso que o que António Nóvoa quer dizer é que as Ciências da Educação têm
que conviver com o drama, têm que conviver com a Pedagogia. Como se disséssemos
que as Ciências Médicas têm que conviver com a Medicina, com a prática social da
Medicina, que têm que conviver com o acto médico. Porque se não conviverem com o
acto médico elas não servem para nada, porque não servem para fazer avançar o acto
médico e a Saúde. As Ciências da Educação têm de conviver com o acto pedagógico.
Os cultores das Ciências da Educação, manifestamente em Portugal, não têm muita
consciência de que o seu trabalho é o de fazer avançar as práticas educativas.
Produzem-se alguns trabalhos, poucos, talvez, mas sem a consciência de que há ali uma
centralidade funcional, social, indispensável. De que há um compromisso social das
Ciências da Educação com o próprio acto educativo.
Então, na tua perspectiva, o problema não é tanto a discussão da Pedagogia como
ciência, mas a ausência de uma prática científica e de uma prática investigacional no
campus escolar.
Não há uma prática guiada deontologicamente: uma reflexão ética sobre a gestão
do acto de aprendizagem-ensino. Do lado da reflexão e do compromisso ético-político,
para organizar e gerir as modalidades e os processos de aprendizagem. Eu não tenho
preconceitos contra o ensino. Porque para mim ensino não é dar lições, mas é o poder
partilhar com outro aquilo que eu já aprendi e particularmente ao nível da construção do
Conhecimento, dos seus instrumentos de aprendizagem e do seu uso social autêntico.
Como Vigotsky disse prodigiosamente, naquele texto sobre o homem do
riquexó, eu diria também: o que é lamentável é que os professores tenham chegado ao
século XXI e continuem a ser como o homem do riquexó, isto é, como esbanjam tanta
força muscular a puxar pelo carro sem o guiar. Como é que os professores se tornaram
em “animais de carga”, quando a função da orientação e a função da energia gasta, essas
duas funções do trabalho, ao longo do tempo, se foram transformando? Os homens e as
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mulheres emanciparam-se da brutalidade do trabalho, passando a ter motores que
puxam e carregam, passando eles a orientar apenas o processo desse trabalho.
É no plano da orientação e da mobilização das aprendizagens que a profissão
devia acentuar-se e não repetindo o que está nos manuais como quem está a puxar o
riquexó. É tudo contra a inteligência. A vida de um professor é uma vida extenuante,
porque se colocou no lado errado da profissão. Faz trabalho de escravo, porque não o
faz com a cabeça, faz com o corpo todo. É ele que gasta todo o tempo, dá as lições,
estuda para dar as lições e os alunos, para trabalharem, vão para casa, onde ninguém os
pode ajudar. Quando a pessoa que os poderia ajudar era o professor. É para isso que é
pago. Esta inversão de sentido dos processos de trabalho é das coisas mais
incompreensíveis na nossa profissão, arrepia pensá-lo, e às vezes até nos faz ter
vergonha dela. Como é que nos esvaziámos de lucidez e inteligibilidade? Uma profissão
que poderá ser tão exaltante se nos soubermos colocar na perspectiva da organização do
trabalho das aprendizagens dos alunos.
Por isso é que eu costumo dizer que a organização forma. A organização educa.
E a organização ajuda a distribuir os apoios à aprendizagem. Porque ninguém pode
aprender sozinho (por vezes apenas confrontado com o manual). Tem de se passar por
vários recursos, que são os amigos, que são os companheiros, que são os mais velhos, às
vezes são os mais novos, que é o seu professor ou outros professores, que é a biblioteca,
que é o laboratório. São todos esses instrumentos de apoio. Por isso é que as
aprendizagens são distribuídas. Ou, dito como Salomon diz, “conhecimento
distribuído”. O conhecimento não é concentrado numa pessoa, é distribuído pelos
livros, pelas pessoas, pelos espaços, pelos laboratórios, pelo tempo. É outra visão das
coisas, uma concepção distribuída do conhecimento e da sua aprendizagem e do acto
solidário de compartilhá-los. Já temos esse saber acumulado. Existe disponível. Importa
utilizá-lo.
Até como prática profissional.
Claro, existe, até com a demonstração de que é possível, de que é rentável. Os
irmãos Jonhson & Jonhson, num livro sobre a violência (Como reduzir a violência nas
escolas), vão mais longe do que as suas conhecidas teses sobre aprendizagens
cooperativas. Os autores concluíram que as potencialidades do trabalho em grupo se
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alargavam para a própria instituição. Eles chamam a atenção para os estudos dos
investigadores nas empresas e de como chegaram à conclusão de que 80% dos
comportamentos humanos, numa organização, se devem à forma como ela está
organizada. Apenas 20% se devem a outras coisas. Uma instituição, vivendo as regras
da cooperação, colocando a ênfase na vida comunitária, estimulando vigorosamente a
comunicação no interior dessa comunidade, permite que os níveis de violência desçam.
Nós temos medo de falar de organização na escola. Na escola é sempre a mesma coisa!
Por isso é que o conceito de diferenciação pedagógica é um bicho-de-sete-cabeças, é
uma coisa difícil de realizar. Mas é a única forma de romper com a organização
simultânea e com a ditadura do método simultâneo. Romper com isso é uma outra
cultura organizacional que produzirá novos comportamentos, comportamentos que
decorrem dessa nova organização.
Numa reflexão recente sobre a matriz da organização social do trabalho pedagógico
dos professores do Movimento da Escola Moderna Portuguesa, defendias que temos de
caminhar “para o grau zero da transposição didáctica”. O que queres dizer com esta
intensa metáfora?
O que eu já fui dizendo tem muito a ver com o grau zero da transposição
didáctica. Esse é o desafio! Essa é aparentemente a utopia que não devia ser nada de
utópico se olhássemos a questão com uma profunda seriedade. Porque significa
simplesmente que nós sabemos que há uma cultura espontânea, que são as coisas que os
homens e as mulheres se vão ensinando uns aos outros para sobreviverem, ou para
conviverem e para viverem em sociedade. Vamos instituindo essas culturas, desde as
maneiras de comer às maneiras de estar, às maneiras de dormir, às maneiras de fabricar
as casas, de construir textos chocarreiros e coisas várias para nos divertirmos, toda a
cultura popular e toda a cultura espontânea, todas as teorias que todas as crianças têm
sobre tudo do mundo e da vida. É um mundo inestimável de saberes e de imaginação,
de divertimento, de coisas gostosas e contáveis e outras brutais e desconfortáveis. De
tudo isso é feita a cultura. Essa cultura merece respeito. Porque levou milénios a ser
construída.
Depois há uma outra construção de cultura que nós chamamos mais sofisticada,
porque tem um tipo de elaboração e de construção com exigências de prova e de rigor.
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Ou outras formas culturais de discurso que nós construímos sobre o mundo e sobre a
vida que tenham convergências, nem que sejam pragmáticas, com isso a que chamamos
real. Esses discursos culturais sobre as Ciências e as Artes têm-se construído
predominantemente a partir das Universidades.
Muitas vezes repudiamos o conhecimento que as crianças constroem sobre o
quotidiano, as suas teorias espontâneas, porque as julgamos pobres e sem valor, sem
dignidade epistemológica. O que tem dignidade é a produção científica, os textos e os
ensaios produzidos na academia. O que acontece na escola é que nós prescindimos das
aprendizagens já feitas pelos alunos. É como se eles quando entrassem na escola
entrassem no vazio. Quer dizer, tudo para trás se apagou e portanto tudo se vai passar a
partir de um princípio imaginário.
Os professores, ao quererem veicular ou iniciar os alunos no conhecimento
científico, artístico, etc., fazem transformações, acomodações, manipulações desse
conhecimento, que por sua vez já passou por várias decantações. Já foi passado pelos
seus professores, que não eram verdadeiramente investigadores, e que já o traduziram, e
regressamos à interpretação da interpretação, como se voltássemos ao tempo da escola
conventual.
O que os professores vão fazer são interpretações. Dizer coisas já interpretadas
sobre o conhecimento. E então gera-se este espaço entre dois saberes, o saber
espontâneo e o saber do conhecimento. Este lugar entre dois passa a ser um campo de
ninguém, porque muitas vezes essas manipulações vão criando uma coisa que é o
conhecimento académico, que é um terceiro conhecimento, e que às vezes é um
obstáculo para chegar ao conhecimento verdadeiro. A transposição didáctica
transformou-se no objecto epistémico da escola, um falso objecto de cultura científica
ou artística.
A transposição como teoria é útil, porém, para investigar. Podemos estudar um
campo teórico da biologia e constituir uma equipa de especialistas nessa área com o
propósito de observarem, ao longo de um tempo, como é que se acede a esses saberes,
como é que esses conhecimentos passam para as escolas; e aferir se esses saberes assim
transpostos são correctos ou incorrectos, verdadeiros ou falsos. Seria muito útil para ver
quais são as operações intermédias que os professores utilizam quando dizem que estão
a dar uma teoria.
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Nós apercebemo-nos que muitos professores, e a escola toda, sobretudo os
manuais, se vão deslocando progressivamente do conhecimento científico. Aquilo que
estão a oferecer já não é ciência. É uma coisa para a escola. São as coisas da escola. E
levar uma vida a ler coisas da escola é que é lamentável, porque destrói muito as
pessoas e esbanja muitas energias. Por isso é que eu costumo dizer que o que nós temos
de conquistar é o grau zero da transposição. Temos de fazer a entrada nas ciências não
falseando a ciência. Não transformando em conhecimento académico o conhecimento
científico. Mas procurar fazer coincidir o conhecimento académico com o conhecimento
científico e com os demais conhecimentos culturais.
As instituições de formação de professores têm aí uma responsabilidade evidente.
O que aconteceu nas instituições de formação de professores é que se tomou o
conceito de transposição de Yves Chevallard (La Transposition Didactique) como um
conceito de verificação do real. Chevallard, numa perspectiva sociológica, vai ver como
é que fazem os professores para ensinar os alunos e afirma que eles fazem uma
transposição a partir da ciência. E nós entendemos os deslocamentos que os professores
fazem na transposição didáctica. O conceito de transposição didáctica passa assim a ser,
no entendimento de muitos, um conceito integrante da própria didáctica. Temos de nos
perguntar até que grau de desvio ou de manipulação ainda é aceitável confundir a
transposição didáctica de um conhecimento com esse Conhecimento.
Alguns conceitos são úteis para fazer evoluir a forma de organizar as
aprendizagens dos alunos, que é disso que se deve tratar principalmente. O conceito de
transposição didáctica é um conceito traiçoeiro, porque é um acto de verificação do que
acontece, não é para dizer que tem sempre que acontecer assim. Nós devíamos era
encontrar formas de entrada num domínio da cultura, de maneira a manipular ao
mínimo as situações, ajudando os alunos a construírem o conhecimento dentro desse
racional, no interior dessa gramática, no campo lógico dessa disciplina. E nós não
propiciamos isso. Vejamos o que se passa no interior dos processos de ensino e de
aprendizagem: o aluno não é um produtor, não é um construtor; o aluno é um leitor, um
contemplador, um papagaio, um imitador, e tem é de acertar nas respostas a textos dos
manuais.
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É uma grande aventura, mas cada um de nós terá de ser mais culto nas ciências,
para as agarrar por dentro, porque se as agarramos só por fora não podemos ajudar os
nossos alunos a construírem/reconstruírem o conhecimento científico.
Gostava que falasses sobre o Movimento da Escola Moderna (MEM): que contributo,
que herança está a construir o MEM para a educação em Portugal, e não só, porque já
ultrapassou fronteiras? Qual a especificidade desse contributo?
A primeira especificidade é um desafio produzido numa comunidade de
profissionais da educação que, ao construírem continuadamente a profissão, procuram
produzir uma prática educativa alternativa à que viveram. Não é um desafio contra a
escola tradicional no sentido em que se dizia nos anos 60. É mesmo um desafio contra a
gramática corrente da escola. É um questionamento vigoroso ao modo como se estrutura
a relação e a organização das práticas escolares, as relações da aprendizagem com o
ensino: que poderemos nós dizer, na tradição escolar, sobre as relações entre o ensino e
o que aprendemos? O importante, para nós no MEM, são as relações entre as
aprendizagens dos alunos e os momentos em que o professor interage, como pessoa que
pode ensinar. Ensinar, neste sentido de aproximar os alunos de instrumentos mais
adequados, de processos, de saberes, de os ajudar a organizarem-se com eles. O
professor não tem de dirigir, no sentido pleno. Tem de orientar, cooperar, não deixar
fragilizar o aluno, não o deixar cair, não o penalizar. No fundo tem de ajudar o aprendiz
a vencer o esforço e as dificuldades da aprendizagem. Ajudar os alunos a garantir essa
conquista oferecendo-se como mediador esclarecido.
Os professores do MEM, enquanto se vão auto-formando em cooperação,
contribuem também com o desafio de poder construir um contraponto, uma escola
outra, tendendo para 180º de diferença. É a escola do outro lado do espelho, glosando
essa imagem poderosa de Alice que passa através do espelho. A aposta é sermos Alice a
atravessar para o outro lado do espelho. É a nossa aposta mais forte. Essa conquista
nunca está terminada. E nunca deve ser terminada porque senão transformava-se numa
didáctica normativa. Temos de nos desafiar teoricamente para estarmos actualizados e
para puxar, permanentemente, pelas nossas construções.
Também é próprio do MEM assumirmos, como professores, os nossos pequenos
contributos, e escolhermos uma “tribo”, uma família intelectual, e não alimentar
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inquietações quanto a isso. A nossa força vem daí. Hoje o conhecimento só se pode
construir “em tribo”. Entre comunidades. Não há uma comunidade científica, há
comunidades científicas, há comunidades de saberes, há comunidades de práticas. Nós
temos obrigação de escolher os nossos autores. Temos obrigação ética de escolher os
textos que estudamos. Dizer: “estes textos são da nossa família; os teus textos são da tua
família; se eu tiver tempo vou também ler os teus textos, para nos entretermos a
dialogar e a falar; mas eu tenho uma vida curta e a minha família escreveu muitos
textos, falou muito, e eu tenho de descobrir melhor a minha família”. É pelo
fundamento e pela congruência que avançamos. Prezamos obsessivamente esse valor de
congruência de família intelectual. Porque temos de rentabilizar o tempo. Uma coisa
qualquer não é possível, porque nós nos dissemos à partida que os processos, os meios
de trabalho, têm de ser inteiramente congruentes com os fins, com os valores que
defendemos, e esses são os grandes valores da democracia que estamos a construir.
Com atrasos e com descaminhos, mas nos planos dos valores incorporados temos feito
progressos, mesmo que eles não sejam interiorizados por tanta gente como nós
gostávamos, para que a família pudesse ser maior.
Não tem de haver aqui um espírito imperialista nem missionário. Nós não temos
de catequizar ninguém, não obrigamos ninguém a ser como nós, mas temos de ter a
porta aberta para todos os que queiram - e, com eles, nós partilhamos as nossas coisas.
No MEM nunca andámos atrás das pessoas. Nem lhes dissemos “agora inscrevam-se no
MEM”. Jamais! Isto não é fechar a porta, e alguns pensaram que era fechar a porta. Isto
é recusarmo-nos a fazer dessas militâncias missionantes, como quem possui a verdade.
Nós é que trabalhamos, e damo-nos melhor com os nossos modelos de trabalho,
estamos melhor com as crianças com os nossos modelos de trabalho, sentimo-nos mais
perto dos valores democráticos nos nossos modos de trabalhar.
Nós acreditamos que a democracia é difícil, é muito imperfeita, mas no plano
dos valores e das relações, nas aprendizagens que fazemos para nos aperfeiçoar como
seres humanos, é um bom cadinho, um bom caldeamento. A nossa aposta é que as
relações entre professores e alunos sejam o mais integralmente coerentes com os valores
que defendemos, valores como os da reciprocidade, da justiça, da diferença, da
intimidade, o respeito por essas coisas todas que estão nas leis mas que ninguém tenta
interiorizar e trazer à vida e às relações com os outros. É a regra da cooperação levada
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mais longe, assumindo os grupos como comunidades de conhecimento e de
aprendizagem. Estamos ali para descobrir, em comum e em cooperação, o mundo e a
vida e, em comum e em cooperação, reinstituir as suas significações.
Um outro contributo também muito importante é a estrutura. Estruturamos o
trabalho de maneira cooperativa. E motivamo-nos e avançamos no conhecimento,
comunicando. Se aquilo é um bem comum, nós temos de pôr em comum todo esse bem
comum. Tudo o que produzimos, produzimo-lo para a comunidade, e se possível
fazemos chegar mais longe, a outras comunidades, a outras turmas.
A estrutura pedagógica assenta e fecunda-se na organização democrática em
directo, sem votações (a não ser as que se revelam indispensáveis), sem delegados e
representantes. Os valores da democracia constroem-se em directo, não se constroem
em delegação. Essa é a estrutura da democracia parlamentar burguesa do século XIX.
Nós estamos a falar da educação. E da democracia na educação. De uma demopedia
para já! Que está quase toda por fazer. Mas sabemo-la pensar e podemo-la fazer. O
professor, no MEM, encaminhado por uma reflexão ética compartilhada, prescinde de
muitos dos poderes que a sociedade lhe dá abusivamente como instrumento educativo.
Estamos a falar de uma estratégia pedagógica de formação democrática, estamos a falar
na instituição dos valores, de como se instituem e se interiorizam, de como se
incorporam em nós esses valores, de maneira a que os vivamos espontaneamente e que
os passemos a usar como se fossem naturais. É disso que se trata.
A comunicação não é os outros ouvirem o que eu tenho para dizer, mas os outros
poderem dizer o que entenderam da minha intervenção. É por isso que eu prefiro o
conceito de ensino interactivo, introduzido pelos sociocognitivistas, porque o ensino
interactivo tem como base a comunicação, o diálogo para aprender.
A apropriação do conhecimento faz-se pela construção e pela acção, pela fala ou
pela escrita, e não é possível construir aprendizagens sem falar e escrever as
aprendizagens. A construção do conhecimento, historicamente, foi sempre feita assim:
dialogando, escrevendo. É necessário criar ambientes onde os alunos possam falar,
possam dizer o conhecimento, escrever o conhecimento e pô-lo a circular,
principalmente na sua comunidade, para perceberem, desde logo, como conhecer é
socialmente útil. Eu não estou a aprender para amanhã. Eu estou a aprender para já.
Tudo o que eu aprender tenho de partilhá-lo com os outros para ajudar os outros, e se
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estou a fazer um estudo eu apresento-o aos outros e submeto-o ao juízo dos outros. É ali
que ganha sentido. Não é ao professor que eu vou ensinar. O professor é uma figura um
pouco imaginária. O aluno tem de produzir para as pessoas reais, com o professor
também lá dentro e que o ajuda a ir mais longe.
E como os nossos alunos costumam ter êxito, os pais gostam muito de nós. Os
pais, vendo que nós trabalhamos muito com os filhos deles, ajudam-nos imenso a vários
níveis.
Heidegger escreveu que “o homem, para continuar autenticamente humano, deve
habitar o mundo como poeta”, isto é, ser autor, criador de uma Obra. Revês-te nesta
afirmação?
É uma maneira bonita e romântica de dizer. Mas eu diria, do nosso lado de
professores, que temos de ajudar os nossos alunos a habitar o mundo como quem
conheceu a humanidade, as possibilidades que os homens e as mulheres se deram, os
malefícios que provocaram, os desequilíbrios e as coisas más que fizeram também. Tem
que ter tudo isso para eles poderem participar como parte construtora da humanidade, e
como tal, construtores da cultura que a humanidade constrói. Nesse sentido é que eu
acho que os nossos alunos, como nós, têm de se sentir como autores, se o sentido de
autor não for o sentido de propriedade intelectual, mas sim de autor-actor. Alguém que
produz e actua. É nesse sentido que eu prefiro ligar àquele princípio tão relevante da
exteriorização de Bruner: as pessoas têm de criar obras, produtos, que é onde se revela,
publicamente, o esforço compartilhado da construção da cultura. A melhor maneira de
refundar uma pedagogia das competências da acção ou do social, é através das
produções. É podendo produzir obras. Podendo produzir textos. Podendo produzir
experiências. Podendo produzir arte. Ao nível que se puder. Mas passar por isso e ter,
não só a leitura, mas também a escrita disso. Quer dizer, a autoria. Sendo actor. Ou
sendo co-autor, no sentido em que é comparticipado sempre, porque nada na construção
de uma obra pode ser só de alguém. Há sempre uma ligação fortíssima que nega o nosso
individualismo na cultura. Nós sozinhos nunca conseguiríamos fazer nada.
Precisaremos sempre do esforço de alguém, no plano da cooperação, nem que seja o
papel que alguém fez para eu escrever. A obra é compartilhada e comparticipada.
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A questão de viver o mundo como um poeta é, para mim, mais o sentido do
“fabricar”, do construir em liberdade, compor em liberdade a partir de todas as outras
coisas de que gostei e apropriei. E desordená-las e reordená-las. É assim a poesia: uma
boa maneira de nos desordenarmos e reordenarmos. Redescobrir o texto de outro modo,
através da força que a palavra pode ter como texto. Condensar o texto na palavra. Não
estou a falar da palavra no sentido evangélico de Paulo Freire. Eu não uso a palavra no
sentido do “Verbo”. Para mim, uso a palavra mais no sentido de nominalizar, de
substantivar os sentimentos e os actos, de dar nomes às coisas para as apreender. Porque
na comunicação não se comunica com palavras, só se comunica com textos. É com
mensagens que têm princípio, meio e fim. Mesmo quando eu digo só metade, o fim já lá
está… Como na poesia, afinal.
Sérgio Niza: Referências Bibliográficas Seleccionadas
Niza, S. (2005). A escola e o poder discriminatório da escrita, in Fundação Calouste Gulbenkian (ed.), Língua Portuguesa, Presente e Futuro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. Niza, S. (2004). A acção de diferenciação pedagógica na gestão do currículo, in Conselho Nacional de Educação (org), Educação e Direitos Humanos. Lisboa: Conselho Nacional de Educação. Niza, S. (2002). C/ João Formosinho. Prática Profissional dos Cursos de Formação Inicial de Professores. Lisbos: ME-INAFOP. Niza, S. (1999). Uma escola para a democracia, in Debates - Presidência da República, A educação e o futuro. Lisboa: INCM. Niza, S. (org) (1999). Criar o gosto pela escrita. Formação de Professores. Lisboa: Ministério da Educação. Niza, S. (1998). O modelo curricular de educação pré-escolar da Escola Moderna portuguesa, in Formosinho, J. (org) Modelos curriculares para a educação de infância. Porto: Porto Editora.
Niza, S. (1998). A organização social do trabalho de aprendizagem no 1º ciclo do Ensino Básico. Inovação, Vol. 11, n.º1. Lisboa: IIE.
Niza, S. (1997). Formação Cooperada. Lisboa: Educa.
Niza, S. (1996). Necessidades especiais de educação: da exclusão à inclusão na escola comum. Inovação, Vol. 9, n.º 1 e 2. Lisboa: IIE.
Niza, S. (1992). Pilares de uma prática educativa (p. 7-9), Lembrar os 25 anos do Movimento da Escola Moderna Portuguesa (p. 31-37), Em comum assumimos uma educação democrática (p. 39-47) , in Vilhena, G; Soares, J. & Henrique, M (org), Nos 25 anos do Movimento da Escola Moderna Portuguesa. Lisboa: Movimento da Escola Moderna.
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