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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MESTRADO EM DESIGN
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU
Metadesign no Design de Moda:
Projetando localidades em redes
Mestranda Cláudia Regina Martins
Orientadora Dr.ª Luísa Paraguai
São Paulo, 2013.
UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
Metadesign no Design de Moda:
Projetando localidades em redes
MESTRANDA CLÁUDIA REGINA MARTINS
ORIENTADORA Dr.ª LUÍSA PARAGUAI
São Paulo, 2013
UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
ESCOLA DE ARTES, ARQUITETURA, DESIGN E MODA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESIGN
Metadesign no Design de Moda:
Projetando localidades em redes
São Paulo, 2013.
Texto Dissertativo para defesa de
pesquisa apresentado como exigência
parcial para conclusão do curso de Pós-
graduação Stricto Sensu em Design no
Programa de Mestrado da Universidade
Anhembi Morumbi.
Mestranda: Cláudia Regina Martins
Orientadora: Pr.ª Dra. Luísa Paraguai
UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
CLÁUDIA REGINA MARTINS
Banca Examinadora
Profª Drª Luísa Angélica Paraguai Donati
Orientadora
Universidade Anhembi Morumbi.
Assinatura: _____________________
Profª Drª Rachel Zuanon Dias
Examinadora Interna
Universidade Anhembi Morumbi.
Assinatura: _____________________
Profº Drº Caio Adorno Vassão
Examinador Externo
Fundação Armando Álvares Penteado.
Assinatura: _____________________
São Paulo, 28 de agosto/2013.
Defesa de dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação Stricto
Sensu em Design – Mestrado, da
Universidade Anhembi Morumbi, como
requisito parcial para obtenção do título
de Mestre em Design.
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do
trabalho sem a autorização da Universidade, do autor e do orientador.
CLÁUDIA REGINA MARTINS – CACAU
Possui graduação como bacharel em Design de Moda pela Universidade
Anhembi Morumbi Escola de Artes, Arquitetura, Design e Moda – SP.
Ficha Catalográfica
M342m Martins, Cláudia Regina Metadesign no design de moda: projetando localidades em redes / Cláudia Regina Martins. – 2013. 204f. : il.; 30 cm. Orientador: Profª Drª Luísa Angélica Paraguai Donati. Dissertação (Mestrado em Design) – Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, 2013. Bibliografia: f. 181-194. 1. Metadesign. 2. Design de moda. 3. Cadeia de valor. 4. Cadeia produtiva. 5. Comunidades locais. 6. Organização em redes. I. Título. CDD 741.6
Dedico esta pesquisa a todos os que
contribuíram, direta e indiretamente, com
suas energias, ações e observações,
incentivando-me nos estudos e nas
reflexões sobre o papel do designer de
Moda no mundo.
AGRADECIMENTOS
Uma pesquisa exige tempo e dedicação, o que normalmente nos afasta dos
familiares, amigos e clientes. Agradeço a todos pela paciência e compreensão
nos diversos momentos de minha ausência por conta do meu empenho neste
trabalho.
Um agradecimento especial à professora Drª Luísa Paraguai, pela
generosidade e enorme disponibilidade ao longo das orientações, que me
levaram a momentos de reflexão e a um grande crescimento pessoal –
fundamental para este e também para os próximos projetos. Muito obrigada
pelo carinho e por me conduzir nesse caminho.
Aos professores Drª Rachel Zuanon e Drº Caio Vassão, agradeço
imensamente por aceitarem fazer parte da minha banca de qualificação e de
Defesa. Seus apontamentos foram essenciais e também serão levados para
percursos adiante.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Design
Mestrado da Universidade Anhembi Morumbi e também do Programa de
Graduação do curso de Design de Moda da Anhembi Morumbi, que
contribuíram com meu processo de aprendizado e são base da minha
formação como designer de Moda. À Instituição Anhembi Morumbi, que ao
confiar no resultado do meu empenho na graduação, concedeu-me uma bolsa
parcial de mestrado.
Um agradecimento muito especial à querida professora Me. Eloize Navalon, a
quem serei eternamente grata por ter despertado e tornado esta pesquisa
possível. À minha mãe, Antônia Alves Martins, pelo amor e apoio incondicional,
e à minha irmã Renata Alves Martins, por estar comigo em todos os momentos.
E em memória de Maria Soares Mota, Luzia Maria Martins, José Reis Martins e
Encarnação Gimenez.
“Se você quer praticar o mal, a ciência
pode lhe prover as mais poderosas
armas; mas igualmente, se você deseja
fazer o bem, a ciência também lhe põe
nas mãos as mais poderosas
ferramentas.” ―Richard Dawkins.
"Ela [Sabedoria] se mostrará a eles,
jubilosamente, nos caminhos e irá a seu
encontro, com toda a solicitude".
―Santo Agostinho.
[...] do aprofundamento e da sublimação
da particularidade do “sertão” para a
universalidade do “sertão interior”. “Uma
cidade da religião” significa ultrapassar a
etapa da interiorização, transcender o
cotidiano — como se fosse um símbolo
“sagrado” [...] tornando-se essência da
fusão orgânica desses elementos e que
age como fonte de energia para a
restauração da cosmologia. ―Daisaku
Ikeda.
Resumo
Investiga-se neste trabalho a abordagem de Metadesign em Design de Moda,
considerando como objeto de estudo as ações projetuais dos designers
Ronaldo Fraga, Walter Rodrigues, Jum Nakao e o percurso histórico da
cooperativa de artesãs Coopa-Roca. São apontados direcionamentos e
estratégias de design, evidenciando as inter-relações de fluxos de matéria e
informação com vista a proporcionar percepção de valor em redes distribuídas
organizacionais e de comunidades locais. Contextualiza-se, assim, o termo
Metadesign como ferramenta de formalização de projetos colaborativos na
criação de produto-serviço em Design de Moda.
Palavras-chave: Metadesign; Design de Moda; Cadeia Produtiva; Cadeia de
Valor; Comunidades Locais; Organizações em redes.
Abstract
The research is concerned with the context of Metadesign and Fashion Design,
considering design actions of Ronaldo Fraga, Walter Rodrigues, Jum Nakao
and the historical background of Coopa-Roca’s Artisans as objects of studies.
The investigation points out design strategies and directions, focusing on
interrelationships of material and information fluxes to understand value
perception on distributed networks of organisations and local communities. So,
Metadesign, assumed as a design tool, can formalise collaborative projects to
create product-services in Fashion Design.
Keywords: Metadesign; Fashion Design, Production Chain, Value Chain, Local
Communities, Organizations networks.
Sumário
Lista de Figuras...........................................................................................17
Lista de Quadros.........................................................................................19
Lista de Tabelas..........................................................................................19
Lista de Gráficos.........................................................................................19
Introdução.....................................................................................................21
1. Metadesign e Metaprojeto no cenário do Design de Moda................27
1.1. Metadesign: projetar processos e Metaprojeto: o projeto do
projeto...........................................................................................37
1.2. Projetar entre o global e local..............................................49
1.3.Contextos históricos para construção do cenário
emergente....................................................................................69
2. Ações metaprojetuais: interrelação das variáveis adaptáveis com
cadeia de produção.................................................................................89
2.1. Processo, produto e serviço em cadeia produtiva.................90
2.2. Estratégias de Design e valor.............................................106
2.3. Cadeia de valor: fluxos distintos de informação.................120
2.4.Tecnologia produtiva: novos materiais e certificação de
origem.........................................................................................125
3. Projetando localidades e relações sociais em redes........................139
3.1.Percepção da qualidade como interações em redes: pessoas,
artefatos e lugares......................................................................134
3.2. Territorialidades: exercícios projetuais no local...................146
3.3.Projetar processos em redes: Comunidades locais e
organizações colaborativas........................................................156
Considerações finais.....................................................................................175
Referências Bibliográficas............................................................................179
Anexos......................................................................................................................193
17
Lista de Figuras
Figura 1: Walter Rodrigues no Fórum Inspiramais e participantes.............................................26
Figura 2: Jum Nakao no Reality Project e na comunidade de Manicoré (AM)............................26
Figura 3: Sede da cooperativa Coopa-Roca em1988 e em 2013...............................................26
Figura 4: Matriz hexagonal da função.........................................................................................33
Figura 5: Matriz Vernácula..........................................................................................................34
Figura 6: Logo da Coopa-Roca, vista panorâmica da cooperativa na Rocinha (RJ) e a socióloga
Maria Tereza Leal fundadora da cooperativa recebendo prêmios da Fondation d’entreprise
Kering pour la Dignité et les Droits des Femmes (2010) e da Clinton Global Initiative
(2009)..........................................................................................................................................47
Figura 7: Etapas do problema de projeto....................................................................................52
Figura 8: Esquema sistêmico do desenvolvimento do processo metaprojetual e projeto no
processo de design.....................................................................................................................54
Figura 9: Reality Project ação projetual Jum Nakao (2012), estudantes e
artesões.......................................................................................................................................56
Figura 10: Peças e componentes desenvolvidos por stakeholders participantes do Fórum
Inspiramais (2013) coordenado por Walter Rodrigues................................................................58
Figura 11: Artesãos de Manicoré (AM) comunidade das ações de Jum Nakao (2008)..............60
Figura 12: Desfile Coopa-Roca no Ateliers de Paris (2005).......................................................61
Figura 13: Peças confeccionadas pela Coopa-Roca com as marcas Osklen e M.Officer..........63
Figura 14: Artesãs da Coopa-Roca (1981) e Tereza Leal (2005)...............................................70
Figura 15: Detalhes de técnicas tradicionais de artesanato e proposições contemporâneas em
peças desenvolvidas para o cotidiano pelas cooperadas da Coopa-Roca.................................72
Figura 16: Foto Coopa-Roca para divulgação da exposição “Retalho: Feminino Plural”
(1981)..........................................................................................................................................73
Figura 17: Foto primeiro desfile de Moda Coopa-Roca em 1994 (à direira), e proposta de Carlos
Miele em colaboração com a Coopa-Roca.................................................................................73
Figura 18: Folders e peças desenvolvidas para exposição Retalhar (2000)..............................75
Figura 19: Peças desenvolvidas em colaboração entre artesãs, designers e artistas para a
exposição Retalhar (2002)..........................................................................................................77
Figura 20: Mostra Retalhar 2007, peças em cooperação entre artesãs, artistas e designers....78
Figura 21: Convite para o primeiro desfile internacional da COOPA-ROCA no Haus der
Kulturen der Welt (Casa das Culturas do Mundo), em Berlim, Alemanha (2005) e algumas das
peças desenvolvidas com a M.Officer (2001) para Carlo Miele e desfile no Fashion Rio
(2002)..........................................................................................................................................79
Figura 22: Organograma Coopa-Roca........................................................................................80
Figura 23: Diagrama fluxos operacionais cooperativa Coopa-Roca...........................................81
Figura 24: Sass Brown, artista plástica e designer de Moda voluntária na Coopa-Roca entre
2003-2008...................................................................................................................................82
Figura 25: Camisas desenvolvidas em colaboração entre artesãs Coopa-Roca e irmãos
Campana para Lacoste (2009)....................................................................................................83
18
Figura 26: Elementos de linguagens em peça de Boontje (2004) e vestido Marcelo Sommer,
desenvolvidos em colaboração na Coopa-ROCA (2004)...........................................................84
Figura 27: Peças desenvolvidas pela cooperativa Coopa-Roca e pelo Designer de Produtos e
Artista Plástico Tord Boontje.......................................................................................................85
Figura 28: Produtos em colaboração entre Jum Nakao e as comunidades de Maricoré
(2008)..........................................................................................................................................86
Figura 29: Artesãs cooperadas, loja no Fashion Mall e nova sede da Coopa-roca em
2010............................................................................................................................................88
Figura 30: Algumas técnicas de tradições locais de artesãs do Programa Talentos do
Brasil...........................................................................................................................................91
Figura 31: Fórum Inspiramais (2013)........................................................................................102
Figura 32: Peças gráficas do Programa do Fórum de Inspirações (2013)................................104
Figura 33: Layout do website do Programa da Assintecal, Blog, aplicativos e tags.................105
Figura 34: Mapa simplificado fluxos de informação no Programa do Fórum de Inspirações
coordenado por Walter Rodrigues............................................................................................106
Figura 35: Mãos que [Re]fazem o mundo (2010), Programa Talentos do Brasil......................108
Figura 36: Desfile e Identidade Visual do Programa Talentos do Brasil...................................111
Figura 37: Layout do website e-commerce do Programa Talentos do Brasil............................112
Figura 38: Bolsas e acessórios de couro de peixe produzidos na comunidade de Coxim, croqui
e desenhos técnicos desenvolvidos por Ronaldo Fraga (2008)...............................................113
Figura 39: Peças produzidas por artesãs da comunidade de São Borja, Rio Grande do Sul e
croqui e desenhos técnicos do designer Ronaldo Fraga (2008)...............................................115
Figura 40: Catálogos da coleção Talentos do Brasil, desenvolvidos pela designer Tereza
Santos (2008, 2009, 2010) e postais referentes as comunidades pela designer Lorena Marinho
(2010)........................................................................................................................................117
Figura 41: Peças desenvolvidas pelas comunidades de bordadeiras e rendeiras do agreste da
Paraíba (2008) para o programa Talentos do Brasil, com colaboração do designer Ronaldo
Fraga.........................................................................................................................................119
Figura 42: Projeto Arte e Tramas (2013)...................................................................................121
Figura 43: Cadeia de valor: esferas de controle e influência....................................................122
Figura 44: Mosaico de alguns dos atores que participam da cadeia de valor têxtil..................123
Figura 45: Tecidos produzidos de forma manual pela “Artes e Tramas”..................................124
Figura 46: Foto comunidade de Manicoré e comunidade de artesãos.....................................135
Figura 47: Além das escolhas binárias.....................................................................................139
Figura 48: Registros do processo de desenvolvimento da coleção..........................................141
Figura 49: Peças desenvolvidas pelos artesãos em colaboração com Jun Nakao (2008) na
comunidade de Manicoré..........................................................................................................144
Figura 50: Moodboard conceitual Manicoré e algumas das peças desenvolvidas pelos
artesãos.....................................................................................................................................147
Figura 51: Ações essenciais para promover produtos e territórios...........................................149
Figura 52: Moodboad conceitual território da comunidade de Tucumã (PA)............................156
19
Figura 53: Propostas para Coleção Turista Aprendiz na Terra do Grão Pará – Verão
2012/13.....................................................................................................................................153
Figura 54: Propostas para Coleção Turista Aprendiz na Terra do Grão Pará – Verão
2012/13.....................................................................................................................................154
Figura 55: Estrutura Reality Project ação de Jum Nakao (2010), estudantes e artesãos no
SENAC de Fortaleza (CE).........................................................................................................159
Figura 56: Ação projetual Walter Rodrigues (2001), na casa das rendeiras do Morro das
marianas, patrocinada pelo Museu A casa do objeto brasileiro................................................159
Figura 57: Artesanato local da comunidade de Tucumã, fotos do território, e da cooperativa de
artesãs de biojóias “Meninas de Tucumã”................................................................................160
Figura 58: Processo geral de instauração de um novo nicho de interação..............................169
Figura 59: Quadrívio como forma de compreender a sequência de concepção isolada e sua
circulação pela sociedade, no caso processo artesanal...........................................................165
Figura 60: Fotos workshops e processos produtivos na ação projetual Ronaldo Fraga (2010) na
cooperativa Meninas de Tucumã..............................................................................................167
Figura 61: Detalhe de processo de algumas técnicas de desenvolvimento da renda no Morro
das Marianas, ferramentas almofadas, agulhas e teares usados para fazer a renda e detalhes
de uma das propostas elaboradas em colaboração com o designer Walter Rodrigues em
2001..........................................................................................................................................170
Figura 62: Fotos propostas da coleção "A hora do Brasil: Breve Manifesto pela Redescoberta
do Paraíso Brasileiro"................................................................................................................172
Lista de Quadros
Quadro 1: Quadro sintético com princípais características de diferenças e relações possíveis
entre Metadesign (VASSÃO, 2010 e GIACCARDI, 2003) e Metaprojeto (MORAES,
2010).......................................................................................................................................... 42
Lista de Tabelas
Tabela 1: Tabela comparativa entre características do design tradicional e do
metadesign..................................................................................................................................58
Tabela 2: Alguns dos eventos da Cooperativa Coopa-Roca......................................................74
Tabela 3: Pilares de Sustentabilidade.......................................................................................128
Lista de Gráficos
Gráfico 1: Contextos relacionais Copa-Roca..............................................................................66
Gráfico 2: Participação da moda nas etapas da cadeia têxtil e possibilidade de
adaptação....................................................................................................................................93
20
Gráfico 3: Ações projetuais de Walter Rodrigues na coordenação do Fórum Inspiramais
(2012)..........................................................................................................................................97
Gráfico 4: Redes e possíveis fluxos de informação nas ações de Walter
Rodrigues....................................................................................................................................98
Gráfico 5: Estrutura relacional do Programa Talentos do Brasil...............................................109
Gráfico 6: Estrela de valor define dimensões para produtos e serviços de Ronaldo Fraga no
Talentos do Brasil (2008)..........................................................................................................118
21
Introdução
Esta pesquisa investiga o Metadesign como abordagem reflexiva frente às
ações projetuais em redes colaborativas de comunidades locais. Assume-se
um contexto de produção no campo do Design marcado por fluxos inter-
relacionais cada vez mais complexos, dinâmicos e fluidos, provocado por
mudanças constantes nos diversos níveis e setores: econômico, político,
ambiental, social e cultural. Neste cenário, o designer pode contribuir como
facilitador para a compreensão, construção e implementação de novos
modelos de sistemas e modos de vida. No atual momento, novas tecnologias e
novos modos de interação nos meios de comunicação e transporte frente às
relações entre o global e o local têm transformado significativamente o
cotidiano das pessoas. Isso tudo, no âmbito do Design de Moda, diz respeito a
processos de produção e consumo de produtos e serviços, em que materiais,
processos e pessoas interagem com fluxos relacionais dinâmicos e distribuídos
pelo globo.
Há questões diversas para serem repensadas, pois muito tem sido produzido,
consumido e descartado diante das opções distintas de escolhas,
potencializadas pelas aproximações físicas entre o global e o local nos
processos de produção e circulação de bens de consumo. Por fatores como
esses, nos últimos anos houve um grande número de inovações positivas,
como a possibilidade de melhor distribuição da informação entre stakeholders
com vistas a melhores estratégias de projetos. No entanto, muitas questões
como a desigualdade social e a reorientação ecológica continuam sem
solução. Nestas situações, os designers de Moda devem repensar metas e
processos de desenvolvimento reorientando sistemas, estratégias, escolhas
etc., de maneira que promovam novas redes na cadeia de produção têxtil, para
uma percepção de qualidade e valor mais adequados, visando uma
autossuficiência não exploratória de capital social. As novas relações nesses
sistemas são complexas redes entre coisas, pessoas e lugares que incluem
stakeholders distribuídos pelo globo em contextos diversos de organização:
institucionais sociais, empresas, fornecedores, distribuidores, artesões,
comunidades locais, consumidores, etc.
22
Desta maneira, serão abordados temas como: processos entre o global e o
local na cadeia produtiva, ações projetuais em composições sócio-técnicas,
fluxo de processos e informação em cadeia de valor, a partir de ações
projetuais específicas em comunidades locais. Para tanto, foram relacionados
estudos de caso dos designers de Moda: Walter Rodrigues (2001 e 2013), na
coordenação do Fórum Inspiramais e ação projetual na comunidade do Morro
da Mariana pelo Museu A Casa do objeto Brasileiro; Jum Nakao (2008 e 2012),
em ação projetual na comunidade local de Manicoré, no Amazonas, pelo
Programa Talentos do Brasil e “Reality Project”, juntamente com estudantes de
Design de Moda do Senac e artesãos de Fortaleza; Ronaldo Fraga (2008 e
2012), em ação projetual pelo Programa Talentos do Brasil junto às
comunidades de bordadeiras do Agreste da Paraíba, de Coxim no Mato Grosso
do Sul, São Borja no Rio Grande do Sul e em Tucumã no Pará, pela Fundação
VALE, e o percurso histórico da cooperativa de artesãs Coopa-Roca (1981-
2013) da comunidade da Rocinha no Rio de Janeiro.
Propõe-se neste trabalho investigar nos contextos dessas ações projetuais a
instrumentalidade de Metadesign, a partir de Vassão (2010), na formalização e
construção de mapas conceituais para a identificação de entidades emergentes
nos ambientes complexos. Metadesign a partir de Giaccardi (2003) e Fisher
(2004) é apontado como possibilidade de ação projetual em contextos sócio-
técnicos criativos em comunidades locais para valorização de know-how. E
Metaprojeto por Moraes (2010), Celaschi e Deserti (2009) e Franzato (2012)
como análise preliminar para compor uma plataforma de conhecimentos que
oriente etapas iniciais de projeto em cenários de mercado.
A compreensão do cenário atual de globalização no Design de Moda frente às
questões de reorientação de produção e consumo na Cadeia Produtiva Têxtil
em ações projetuais em comunidades locais é pautada a partir de
apontamentos de Fletcher (2011), Black (2013), Berlim (2012), De Carli (2012),
Brown (2010) e Avelar (2009). Questões sobre o papel do Design no cenário
de processos, sociedade e complexidade na contemporaneidade foram
colocadas de acordo com Cardoso (2011), Bomfim (1997), Thackara (2008),
Bonsiepe (2011). Para processos em Cadeia de Valor e projetos em território
23
local são consideradas afirmações de Krucken (2009), Meroni (2008), Monzoni
(2012), Magnavita (2011), Luchiari (1998) e Santos (1996). Reorientação
ecológica e social tem conceitos balizados por Manzini (2008), Manzini e
Vezzoli (2008) e Papanek (1995). Sistemas em redes e cenários complexos em
Bateson (2000) e redes sociais por Castells (1994), processos relativos à
cognição e percepção em sistemas sócio-técnicos são balizados a partir de
Virilio (1996), Maturana (1997) e Varela (1999), aprendizado coletivo, Lévy
(1994) e projeto aberto, Vassão (2010).
A dissertação esta estruturada em três partes, de acordo com as estratégias
das seguintes abordagens de Metadesign:
I. "Behind: Designing Design” – “Atrás: Projetanto o projeto” aborda o
Metadesign focando em processos e estruturas em geral, mais do que objetos
e conteúdos, e sugere métodos e técnicas para projetar no nível meta e para
levar em consideração a dimensão dinâmica dos processos. Que corresponde
ao primeiro capítulo onde são analisadas as abordagens de Metadesign a partir
de Vassão (2008, 2010), Giaccardi (2003) e Fisher (2004), e Metaprojeto a
partir de Moraes (2010), Celachi & Deserti (2009), Celaschi e Franzato (2012),
com vistas a compreender possibilidades e limitações na instrumentalidade
desses, apontando métodos, técnicas e ferramentas estratégicas para a
atuação do designer de Moda nos cenários descritos anteriormente. Os
projetos tomados como objetos de estudo são pontuados pela investigação da
possibilidade de atuação de Metadesign em ações de colaboração em redes
sociais distribuídas em cadeia produtiva e comunidades locais, com
observações desses nas ações projetuais de Walter Rodrigues (2012), Jum
Nakao (2008 e 2012) e na cooperativa de artesãs Coopa-Roca (1981-2013).
II. "With: Designing Together“ – “Com: Projetando Junto” aborda o ambiente
colaborativo (designers e usuários podem colaborar para a atividade de design,
em suas especificidades temporais de projetar e usar). São as práticas
comunitárias. Essa abordagem é apresentada no segundo capítulo, quando
investiga-se a instrumentalidade de Metadesign (VASSÃO, 2010) e
Metaprojeto (2010) na sistematização de fluxos de processos, informação e
24
interação na cadeia de produção têxtil distribuídos em redes, com abordagens
de colaboração em relações tecnológicas e sociais. A cadeia de valor é
analisada visando a descrever conceitos, características, critérios e discussões
relevantes na escolha dos contextos, processos de produção e tecnologias. As
questões de valorização do território são colocadas a partir de Krucken (2009),
e plataformas de conhecimentos prévios para fases iniciais de projeto a partir
de Moraes (2010). São analisadas as ações projetuais dos designers Ronaldo
Fraga no Programa Talentos do Brasil (2008) junto às comunidades de Coxim
(MS), Agreste da Paraíba (PB) e São Borja (RS), e também a ação projetual de
Walter Rodrigues na coordenação do Programa do Fórum de Inspiração da
ASSINTECAL, junto à artesã Yasmine (2012).
III. "Between: Designing the In-Between“ – “Entre: Projetando o Entre” abordam
o ambiente das redes sociais (estruturas organizacionais e podem alterar
papéis e padrões de interação). É o Design de sistemas sócio-técnicos.
Cenários com contextos apresentados no terceiro capítulo, que aborda ações
de Metadesign (VASSÃO, 2008; VASSÃO 2010) para a compreensão de
estruturas organizacionais que podem alterar papéis e padrões de interação
em redes colaborativas nas ações projetuais de sistemas sócio-técnicos. São
apontados questionamentos sobre a importância do Design como processo de
percepção de valor e qualidade nas interações em distintas redes de intenções
e proximidades intersubjetivas, inerentes aos designers, ao mercado e às
comunidades de artesãos. É pontuada a importância do papel ético do
designer de Moda nas escolhas contextuais e projetuais referentes às
estratégias de Design para a composição social, de território, cultura e tradição
local. Neste cenário, são referenciados os projetos dos designers Walter
Rodrigues, junto à comunidade de artesãs do Morro das Marianas (PB) e
Museu A casa do objeto brasileiro em 2001; Ronaldo Fraga, junto à
cooperativa de artesãs de Tucumã (PA) e Fundação VALE em 2012; e Jum
Nakao, junto à comunidade de Manicoré (AM), no Programa Talento do Brasil,
em 2008, e o “Reality Project”, com estudantes de Design de Moda, artesãs e o
Senac de Fortaleza (CE), em 2012.
25
1. Metadesign e Metaprojeto no cenário do Design de Moda
Este primeiro capítulo aborda Metadesign focando em processos e estruturas
em geral, mais do que objetos e conteúdos. Sugere métodos e técnicas para
projetar no nível meta levando em consideração a dimensão dinâmica dos
processos. Investigam-se as proposições conceituais e instrumentalidade de
“Metadesign ou Projeto do processo” (VASSÃO, 2010) e “Metaprojeto ou
Projeto do projeto” (MORAES, 2010) e estratégias possíveis para a gestão em
projetos de Design de Moda. As abordagens de Metadesign são analisadas a
partir de Vassão (2008, 2010), Giaccardi (2003), Fisher (2004), e Metaprojeto a
partir de Moraes (2010), Celachi & Deserti (2009), Celaschi e Franzato (2012).
Para compreender as possibilidades e limitações na instrumentalidade desses,
apontam-se métodos, técnicas e ferramentas estratégicas para a atuação do
designer de Moda nos cenários de projetos tomados como objetos de estudo
de caso, pontuados pela investigação da possibilidade de atuação de
Metadesign e Metaprojeto em ações de colaboração em redes sociais
distribuídas em cadeia produtiva e comunidades locais, com observações
desses nas ações projetuais de Walter Rodrigues (2012) e Jum Nakao (2008 e
2012); e no cenário emergente da cooperativa de artesãs Coopa-Roca (1981-
2013).
Constatou-se a potencialidade dessas ações que, ao incorporarem variáveis de
escolhas técnicas e de modos de produzir flexíveis e adaptáveis durante toda a
cadeia de produção e em diferentes cenários sociais – que incluem desde
sistemas formalizadores e operacionais em projetos de Design de Moda,
empresas ou até empreendimentos sociais colaborativos etc. –, promovem
mediação e integração entre os componentes do sistema da Moda em
produção e consumo, distribuídos em diferentes redes colaborativas.
Estes cenários são apresentados nos estudos de caso em projetos dos
designers Walter Rodrigues, que coordena o Programa do Fórum Inspiramais
(2013) (figura 1) e Jum Nakao, com a ação na comunidade de Manicoré, no
Amazonas, pelo Programa Talentos do Brasil, em 2008, e “Reality Project”,
26
junto a estudantes de Design de Moda e artesãs no Senac Fortaleza de Ceará,
em 2012 (figura 2). Também será apresentado o percurso histórico entre 1981-
2013 da Cooperativa de Artesãs Coopa-Roca, do Rio de Janeiro, em
perspectiva emergente de organização social e estratégia de produção
colaborativa em grupo (figura 3).
Figura 1: Walter Rodrigues no Fórum Inspiramais (2012) e participantes. Fonte: (INSPIRAMAIS.COM.BR, 2013)
Figura 2: Jum Nakao no “Reality Project” (2012) e na comunidade de Manicoré (2008). Fonte: (JUMNAKAO.COM.BR, 2013)
Figura 3: Sede da cooperativa Coopa-Roca em1988 e em 2013. Fonte: (COOPA-ROCA.COM.ORG, 2013) e (INICIATIVACULTURAL.ORG.BR, 2013)
27
As ações projetuais de Design de Moda na cadeia produtiva têxtil frente às
novas questões de reorientação de processos quanto às atuais condições
sociais, ecológicas e ações em colaboração com comunidades que
contemplam a valorização de técnicas de artesanato e tradição local vêm
promovendo reflexões importantes sobre o direcionamento desses projetos nos
sistemas de produção e consumo dos produtos de Design de Moda.
Essas ações de Design na cadeia produtiva têxtil e em comunidades de
artesãos locais visam a processos mais adequados por meio de ações com
menor impacto negativo ambiental e promoção de desenvolvimento social, ao
se posicionarem perante as questões da conscientização desses fatores nas
etapas do projeto. Vale reconhecer a validação do sistema da Moda como
suporte da economia capitalista, da “obsolescência programada e da
obsolescência percebida” (DE CARLI, 2011), evocando comportamentos
recorrentes de consumo e a consequente demanda de produtos, que têm
tempo efêmero de vida tanto de mercado como de uso.
Nesse sentido, Sass Brown (2010) e De Carli (2011) criticam o curto ciclo dos
produtos, pensamento também explanado por Papanek (1995, p.202): “A base
econômica da moda reside no desejo de fazer as pessoas comprarem coisas
que não necessitam uma forma da técnica capitalista de obsolescência
planejada”, quando critica essas questões associadas ao Design de modos de
uso e consumo nos ciclos de vida dos produtos, evocando responsabilidade e
ética por parte dos designers para repensar seus projetos considerando esses
pontos.
Berlim (2012) levanta essa questão quando destaca que a adequação do
consumo às novas realidades parece ser dicotômica e complexa. Pois se a
lógica da Moda reside na sua autodesvalorização, como construir valor
percebido nos produtos de Moda? Assim, Parode, Remus e Visoná, (apud DE
CARLI, 2010) trazem a seguinte afirmação: “a própria essência da moda de
gerar novas tendências periodicamente, estimulando a efemeridade dos
produtos, já é uma contradição”. O impacto das escolhas de vestuário quase
nunca é considerado ou notado no mosaico de disciplinas que interagem com a
28
Moda, ou seja, é como se a aquisição, uso ou descarte de uma peça de
vestuário estivesse mais ligado a alguma área de marketing de tendências de
mercado do que com a questão do próprio projeto do Design da roupa, peça
e/ou produto, que deve levar em consideração todo o ciclo de vida do mesmo.
O fato é que, dessa maneira, para constituir uma escala de valor nos processos
de Design de Moda, questiona-se em profundidade a própria lógica desse
sistema.
A moda absorve e descarta com a mesma intensidade valores de cada época, a voracidade e a antropofagia de conceitos que se transformam em tendências e a necessidade plena de mudança que se traduz em propor novas soluções para adequar o produto têxtil, de confecção, o qual será então oferecido ao mercado (CASTILHO, 2008, p.126).
Retoma-se Papanek (1995) para se repensar o Design de Moda pela ética e
função social, onde funcionar bem é atender o contexto das necessidades
humanas e ambientais, que podem ser materiais ou não, e destaca-se
A criação e fabrico de qualquer produto – tanto durante o seu período de uso ativo como na sua posterior existência – inserem-se pelo menos seis ciclos
1 distintos, cada um dos quais com potencial dano à ecologia
[...] A resposta do design deve ser positiva e unificadora; deve ser a ponte entre as necessidades humanas, a cultura e a ecologia. [...] A relação entre design e ecologia é muito estreita e cria algumas complexidades inesperadas, exigindo muito estudo, testagem e experimentação, que podem ser melhor compreendidos pela observação de cada um destes ciclos (PAPANEK, 1995, p.31-35).
Nesse processo devem ser consideradas características específicas de acordo
com cada contexto identificado durante a análise dos cenários para a criação,
produção e desenvolvimento do produto, serviço ou sistema. Papanek (1995)
aponta que no desenvolvimento desses projetos devem-se atender as
necessidades humanas e demandas de mercados sem que sejam causados
danos ao meio ambiente e ao meio social. Nesse sentido, Bomfim (1997, p.32)
aponta que “o design seria, antes de tudo, instrumento para a materialização e
perpetuação de ideologias, de valores predominantes em uma sociedade”; e
1 Papanek (1995, p.36) classifica seis diferentes ciclos como pontos importantes que devem
ser considerados no processo de criação e desenvolvimento de qualquer produto/serviço/sistema: i – Método (Instrumentos; Materiais e Processos); ii – Associação (Família e Ambiente Inicial; Educação e Cultura); iii – Estética (Forma; Percepção; Dados eidéticos e bio-sociais); iv – Necessidade (Sobrevivência; Identidade; Formação de objetivos); v – Consequências (Ecológico-ambientais; Sociais-societárias; Uso de material e de energia); vi – Uso (Como instrumento; Como comunicação; Como símbolo).
29
embora poucos designers aceitem essa faceta mimética de suas atividades,
conscientemente ou não, “o design re-produziria realidades e moldaria
indivíduos, por intermédio dos objetos que configura”. O autor critica assim a
padronização que acontece a partir do processo cada vez mais acelerado do
meio em que se vive, operado pela globalização de mercados.
Bomfim (2001) e Papanek (1995) apontam essas ações de Design como de
grande importância, pois dizem respeito a grande parte dos artefatos que irão
circular no mundo, colocando em evidência que os autores das configurações
dos objetos para o meio devem se ver como os responsáveis por essa relação,
tanto na dimensão estética quanto ética, e pela função social do objeto,
entendendo-o como algo imaterial e mutável. Para Cardoso (2011, p.15) “o
Design nasceu com firme propósito de pôr ordem na bagunça do mundo
industrial”, provocando mudanças organizacionais e produtivas e alterando
também o funcionamento dos sistemas de bens de consumo e, em
consequência, fatores econômicos, sociais e ambientais.
Nesse contexto, Vassão (2008, p.202) destaca: “o Design nasce como
ferramenta da indústria – a qual descreve resumidamente como formalização
da produção do cotidiano”, e baseando-se no conceito de sociedades de
controle (DELEUZE, 1990) e Metadesign (VIRILIO, 1996), afirma-o como uma
sistemática sócio-técnica de dominação e controle dos indivíduos e da
sociedade (VASSÃO, 2008, p.101). Segundo o autor, a Sociedade de Controle
articula-se não como um projeto localizável em um grupo social específico, mas
como uma Meta-Máquina Social, onde é possível elaborar o Metadesign dos
costumes, uma negociação constante dos modos de vida. Bateson (1970)
chama de Ecologia de Mídias, concentrando-se nas relações e não tanto nos
objetos para elaborar configurações. Já McLuhan, nas décadas de 1960 e
1970, fala de uma ecologia que considera não o uso de uma ou outra mídia,
mas um conjunto concatenado e intercomunicado de mídias. O termo
Metadesign é proposto por Vassão (2008) como:
30
um projeto complexo, em si, negociado no meio social, em um Meta-Espaço social, que não se localiza especificamente em algum lugar, mas a partir de modos mais ou menos formalizados de conduta – alguns impostos legalmente (a legislação), outros pelos costumes tradicionais, ainda mais alguns pelas tecnologias e sua operação, e também pela super-estrutura ideológica que também demonstra contornos de super-estrutura emergente (VASSÃO, 2008, p.102).
Bomfim (1997, p.35), sob uma ótica positiva à padronização de
comportamentos – como se fosse possível controlar esse processo –, recorre a
Wittgenstein (2003) e sua proposta de “semelhanças familiares” aplicada ao
conceito de jogo:
Algo deve ser comum a todos eles, senão não se chamariam jogos [...] E assim podemos percorrer muitos, e muitos outros grupos de jogos e ver semelhanças surgirem e desaparecerem. E é tal o resultado desta consideração: vemos uma rede complicada de semelhanças, que se envolvem e se cruzam mutualmente. Semelhanças de conjunto e de pormenor (WITTGENSTEIN apud BOMFIM, 1997, p.36).
Segundo Bomfim (1997, p.36), essa proposta de Wittgenstein poderia ser
aplicada às situações metodológicas que o Design enfrentaria em diferentes
tipos de projeto. “Algumas semelhanças permanecem, outras desaparecem e
outras ainda surgem”. E a tarefa, segundo o autor, é evidente: não pensar (com
instrumentos disciplinares das ciências clássicas), mas olhar (a realidade, o
problema em toda sua extensão)!
Sobre as mudanças na contemporaneidade, Bomfim (1997, p.29) aponta que o
volume do conhecimento acumulado pela humanidade tornou-se imenso, as
ciências se desenvolveram e se verticalizaram, tornando mais difícil o domínio
de suas descobertas e mais urgente a criação de novos elos transdisciplinares.
O contexto atual da sociedade aponta um cenário complexo com novas
relações entre tempo-espaço (BAUMAN apud MORAES, 2010) e com sistemas
de produção e consumo, exigindo profissionais mais flexíveis, com habilidades
para trabalhar em equipes multidisciplinares, em um ambiente de fluxos fluidos
e dinâmicos.
Para Manzini (2010, p.XI), esse cenário demanda uma “dupla mudança,
reconceituar o design para uma abordagem do serviço pela inovação social, e
reconceituar os serviços padronizados para serviços colaborativos”; essa
31
condição requer esforços tanto da comunidade interna do Design (designers e
equipe do projeto), orientada pelo produto na busca por desenvolvimento e
através de novos conceitos e novas ferramentas, como também pela
comunidade externa do Design (usuários/consumidores/sociedade), onde um
novo conceito orientado pelo serviço precisa ser promovido.
Segundo Manzini (2010), essas oportunidades implicam em campos de
atividades que surgirão nas próximas décadas, como: a reorientação ecológica
dos sistemas de produção e consumo (o que aumenta drasticamente a
obrigação de eficiência ecológica); a produção social de serviços (para atender
a novas demandas de coesão social); os programas regionais e eco-
desenvolvimento (para promover o uso sustentável de recursos físicos e
sociais locais). Essa afirmação do autor corrobora com o seguinte
questionamento:
O mundo está conectado em várias dimensões e em nível profundo — um sistema global de sistemas. [...] A maior conectividade criou fortes — e desconhecidas — interdependências. [...] Simplificação e padronização são estratégias-chave para reduzir a complexidade existente e futura. [...] Abordagens modulares, componentes padronizados em áreas como desenvolvimento e manufatura de produtos, ajudam as organizações a serem globalmente eficientes e localmente sintonizadas (IBM, 2006a) [...] Enfrentam-se desafios de indivíduos que tentam manter o equilíbrio entre a tradição de vantagens nacionais em meio a mercados imersos em um clima de intensa globalização [...] Para realizar mudanças positivas como em inovação social muitas vezes são confrontados fatores culturais, políticos e padrões específicos de comportamento humano (IBM, 2006b). [...] a colaboração interna e externa entre indivíduos e organizações é vista como um pré-requisito essencial para a inovação bem-sucedida para criar valor institucional (IBM, 2010). [...] O design tem se tornado amplamente conhecido como uma ferramenta estratégica de suporte ao desenvolvimento de melhores serviços para as comunidades e indivíduos, incluindo melhores sistemas de saúde e melhores cidades. [...] O design pode ser um poderoso catalizador para a mudança em longo prazo. Mas como um maior número de ‘players’, tanto no setor público como no setor privado podem ser persuadidos a se engajarem com o design? (IBM, 2008).
Lidar com a complexidade nesses sistemas e encontrar novos modelos de
projetos são alguns dos desafios dos designers na atualidade, situação que,
conforme Capra (1981), acontece, pois vive-se um momento no qual para
superar os problemas ambientais e sociais são necessárias mudanças de uma
visão de mundo mecanicista da ciência cartesiana-newtoniana para um novo
32
"paradigma'' – uma nova visão da realidade, uma mudança fundamental em
nossos pensamentos, percepções e valores. Para se alcançar tal estado de
equilíbrio dinâmico num mundo globalmente interligado, será necessária uma
estrutura social e econômica radicalmente diferente: uma revolução cultural
com uma concepção sistêmica da vida a qual o autor chama de “A teia da vida”
(CAPRA, Ponto de Mutação,1981), onde:
[...] a concepção de sistemas vivos como redes fornece uma nova perspectiva sobre as chamadas hierarquias da natureza. Desde que os sistemas vivos, em todos os níveis, são redes, devemos visualizar a teia da vida como sistemas vivos (redes) interagindo à maneira de rede com outros sistemas (redes) (CAPRA, 1996).
Conforme o autor, essa visão emergente exige novas abordagens de
estruturas sociais, ambientais, tecnológicas e econômicas que, no futuro, vão
fundamentar uma ecologia sistêmica (BATESON, 1972), na qual novos
modelos de sistemas institucionais e novos modos de vida cotidianos na
comunidade em geral vão organizar a sociedade.
Nesse sentido, Plattner (2011), afirma que projetar de forma a equilibrar as
necessidades e interesses de distintos e interdependentes componentes –
pessoas, mercado e tecnologia – exige que o designer obtenha, gerencie e
integre informações e conhecimento de especialistas de cada uma dessas
áreas. Tal necessidade leva-o a assumir um papel de coordenação desse
processo de resolução de problemas.
Projetar sob essa perspectiva múltipla implica abordar as ambiguidades desses
complexos sistemas simultaneamente, para encontrar soluções (produtos,
serviços ou sistemas). Essa perspectiva foi descrita e ilustrada por Papanek
(1995), figura 4, quando o autor propõe que no projeto de qualquer
produto/serviço/sistema sejam considerados simultaneamente contextos
específicos respectivos aos cenários do projeto.
33
Figura 4: Matriz hexagonal da função Fonte: (PAPANEK, 1995, p.36)
Nessa matriz hexagonal da função, Papanek (1995, p.35) destaca “qualquer
produto criado passa por pelo menos seis fases potencialmente perigosas
ecologicamente e que os designers devem considerá-las na avaliação e
projeção dos ciclos de vida dos produtos”, um processo que, segundo o autor,
é algo complicado e por isso exige muito estudo, testagem e experimentação.
Papanek aponta que os dados coletados nessa matriz hexagonal da função
não podem ser explicados isoladamente sem que se comprometam todas as
partes, por isso a observação simultânea dos diferentes ciclos. O autor sugere
o uso conjunto da matriz vernácula (PAPANEK, 1995, p152), figura 5, para que
sejam identificadas as interações entre esses múltiplos modificadores da teia
dinâmica das funções dos produtos, através da qual é possível ver e avaliar
cada estrutura de um artefato que flutua entre essas diversas áreas de
enfoque, e que não podem ser válidas se estudadas isoladamente. Esse é um
processo que permite ao designer desenvolver esquemas para conhecer e lidar
com a complexidade, situação que corrobora com o pensamento de Vassão
(2010, p.25) “se a complexidade pode ser conhecida isso possibilita que ela
34
seja compreendida e manipulada de maneira bastante simples em camadas ou
níveis de abstração pela abordagem de Metadesign”.
Figura 5: Matriz vernácula Fonte: (PAPANEK, 1995, p.152)
Dessa maneira, esses resultados serão o fio condutor do projeto, trazendo à
luz questões dessas seis funções e outras das mais diversas como: tradição,
perfeição, uso de materiais e métodos locais, cultura local etc. e em diferentes
contextos, que se tornam referenciais frente aos projetos e novos desafios
ecológicos e sociais. Conforme Papanek (1995, p.152), é preciso recolher o
máximo de informação e iniciar uma classificação para construir uma base de
dados e assim ser possível compreender as funções, interações e a
importância delas em cada relação. Para o autor, uma questão importante é
que, quando os projetos envolvem a comunidade, essa situação exige que
essa base de dados seja decodificada de forma clara e acessível a todos:
arquitetos, projetistas, designers, comunidade local2 e sociedade em geral.
2Segundo a Lei 9.985/2000, do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, o conceito de
comunidade local é compreendido como aquelas populações tradicionais com modo de vida e inter-relações sociais e materiais indissociáveis à diversidade biológica e à reprodução dos conhecimentos tradicionais a ela associados.
35
No que se refere à projetar nos sistemas complexos quando os processos são
guiados pela engenharia, Celaschi (2010, p.XV) afirma que “projetar é um ato
com sinônimo de dimensionar soluções quanto a questões técnicas que
normalmente vão conduzir a soluções que serão consideradas corretas”. A
natureza da subjetividade no Design é a escolha do caminho projetual,
colocando as qualidades individuais do designer como características
fundamentais desse processo. Nesse sentido, Moraes (2010) questiona:
Mas como perceber e decodificar as mensagens recebidas em um cenário complexo e dinâmico? Como discernir os conteúdos sólidos dos frágeis em um ambiente repleto de excesso de informações? Como dosar os valores intangíveis e materiais, como a estima e a emoção, sem comprometer a fruição e o valor de uso? Como considerar os fatores subjetivos e os atributos secundários sem perder a ênfase nos fatores objetivos e nos atributos primários? Essas são questões para as quais, seguramente, não encontraremos respostas na metodologia convencional, e muito menos na elaboração de briefings, como conhecemos (MORAES, 2010, p.XX).
Nesse contexto, para Vassão (2008, p.100), quando o prefixo Meta é vinculado
a um campo de pensamento – no caso desta dissertação, Design e projeto –,
esse processo possibilita “determinar as formas perenes que sustentam as
formas variáveis do mundo observável, experienciável, sensorial, da percepção
em questão”. Pois, nesse tipo de articulação por combinação das entidades,
estas funcionam como operadores projetáveis entre si. O autor destaca que
essas ações podem promover uma série de experimentações, consideradas
Metadesign, o “projeto do processo”, gerando formas e composições
surpreendentes, que serão apontadas no discorrer da dissertação. Nesse
sentido, Bürdek (2006) afirma
Um mundo cada vez mais complexo não pode ser mais dominado pelo designer individualmente. A teoria dos sistemas foi reconhecida como disciplina importante e que poderia ser útil para o design. Ela ganha hoje uma nova atualidade, quando se procura [...] pensar o design sistematicamente, quer dizer, de forma integral e em rede (BÜRDEK, 2006, p. 256).
Então Moraes (2010), Vassão (2008) e Bürdek (2006) afirmam que a
complexidade da sociedade atual demanda novas metodologias que apontem
36
métodos e possam sistematizar ações e integrar as redes de saberes e
práticas de produção:
Um modo coerente de compreender esse “projeto do processo de projeto” é como o projeto de processos e não do produto acabado, em si. Não que se despreze a concretização em um produto unitário que possa ser identificado como tal, ou que o metadesign promova uma ainda maior alienação, em uma espécie de projeto de conceitos em detrimento da realização. É justamente o contrário: reconhecer que o projeto do processo é tão uma criação, uma realização, quanto a efetivação de um processo de projeto em um objeto finalizado (VASSÃO, 2008, p.100).
No mesmo sentido, Manzini (2010, p.XI) se aproxima ao pensamento de
Vassão (2008) em Metadesign, quando afirma que o Metaprojeto surge como
uma possível referência para os cenários complexos e como linha guia para
uma fase de transição nas pesquisas e práticas projetuais, na qual não mais o
produto é colocado em evidência, mas o contexto em que esse opera ou deve
operar. No entanto, essa linha de pensamento diverge de Moraes (2010), para
quem o Metaprojeto atua como plataforma reflexiva de conhecimentos que
considera as referências materiais e imateriais, tangíveis e intangíveis,
objetivas e subjetivas, que evolvem coleta de dados territoriais, tecnológicos,
de matéria-prima local, culturas tradicionais, capacidades técnicas, sociais etc.,
sem considerar questões de caráter intersubjetivo por parte dos participantes
stakeholders nas ações.
Para Vassão (2008, p.93), o Metadesign se apresenta como abordagem de
projeto além da constituição de conhecimentos prévios para informação. Em
Metadesign, a complexidade é trabalhada a partir da formalização de entidades
emergentes nos sistemas dinâmicos e fluidos (Ibid., p.95), e a partir da análise
e articulação de ecologia de interação dessas entidades em níveis de
abstração. O que levanta uma série de questões que exigem interpretação e
trabalho conceitual (Ibid., p.100), em função de muitas definições que procuram
torná-la sinônimo de auto-poiésis (MATURANA, 1998) e como crítica social
(VIRILIO, 1996) (Ibid, p.94), exigindo uma postura de Design frente à
instrumentalidade da filosofia analítica, mas procurando se afastar de seus
critérios ideológicos fundamentais.
37
Essa é uma proposição interessante para o enredo desta pesquisa, pois
podem ser fatores de referência para promover redes e relações inéditas tanto
em relação a sistemas de redes tecno-produtivas quanto a novas redes sociais,
de produção e consumo em colaboração. Questões observadas no caso
emergente da cooperativa Coopa-Roca (1981-2013), na ação projetual do
designer Walter Rodrigues (2012) na coordenação do Programa do Fórum
Inspiramais e na ação projetual do designer Jum Nakao (2008 e 2012) na
comunidade de Manicoré (AM) e “Reality Project” (2012), em conjunto com
artesões, estudantes e Senac de Fortaleza (CE), estão inclusas no item 1.1. a
seguir, pois consideram os processos dos produtos-serviços relacionados à
cultura local e às redes sociais no cenário de globalização.
1.1. Metadesign: projetar processos e Metaprojeto: o projeto do
projeto
Em inglês, a palavra design funciona como substantivo e também como verbo. Como substantivo significa “propósito”, “plano”, “intenção”, “meta”, “esquema maligno”, “conspiração”, “forma”, “estrutura básica”, significados relacionados a “astúcia” e a “fraude”. Na situação de verbo – to design – significa “tramar algo”, “simular”, “projetar”, “esquematizar”, “configurar”, “proceder de modo estratégico” (FLUSSER, 2007, p. 181). Em uma época se falava em “projeto racional”, de “síntese formal”, de “ciência de projeto”, hoje se fala de “pesquisa projetual”, de “metaprojeto”, de “concept design”, de “engendering design”, de “análise do projeto”, etc. “Adjetivar”, definir, caracterizar, precisar, decompor e focalizar são ações indispensáveis para aprofundar, melhorar e também para construir novos instrumentos de trabalho em busca de formar os futuros designers (MANZINI, 2010, p.XIV).
Segundo Bomfim (1997, p.28), o design, dado pela configuração de artefatos
de uso e sistemas de comunicação tem sua fundamentação determinada pela
práxis, um questionamento crítico oriundo do trânsito entre áreas distintas do
conhecimento. Para o autor, essa natureza interdisciplinar do design, de
origem diferenciada, dependendo do corpo teórico em que se relacionam,
classifica-se em três grandes grupos: “os métodos indutivos e experimentais,
que se desenvolvem a partir da observação da natureza”, como a física e a
fisiologia; “os métodos dedutivos, demonstrativos”, como a lógica e a
matemática; e “os métodos especulativos”, que se fundamentam através do
38
consenso, como é o caso da estética (Ibid., p.33). Esses métodos, no entanto,
não são próprios do design, mas das ciências que os sustentam. Nesse
contexto, são apontadas importantes distinções:
“Metodologia” – ciência que estuda os métodos – deriva do grego “métodos” e “logos” [...]: trata da geração, adaptação de conceitos de diversos campos das ciências (matemática, física, biologia, psicologia etc.) na proposição de procedimentos lógicos, classifica os métodos aplicados no desenvolvimento do projeto em três categorias: Ferramentas, Técnicas e Métodos. Ferramentas são [...] instrumentos físicos ou conceituais, símbolos matemáticos, tabelas de logaritmos, listras de verificação etc. [...] e provêm de diversas ciências. Técnicas, [...] meios intermediários na solução de problemas, como Matriz, ‘Braisntorming’, Análise de Funções etc. E Métodos, [...] procedimentos lógicos auxiliares no desenvolvimento racional de projetos (BONFIM, 1984, p.2-14).
Para Bomfim (1984) e Morales (1989), os métodos podem ser classificados em
“Métodos de Primeira Geração ou Caixa Transparente”, e “Métodos de Caixa
Preta”. Os Métodos tipo “Caixa Transparente” representam a atividade projetual
através de uma sucessão linear de tarefas, que pretendem racionalizar todas
as operações necessárias para obter o resultado final (BOMFIM, 1984, p.16).
Os Métodos tipo “Caixa Preta” derivam da Cibernética3 e representam um
processo onde há input, atividade transformativa não descritível, e output. Ou
seja, as “atividades desenvolvidas entre o recebimento de uma tarefa e a
solução final são realizadas sem que se possa descrever precisamente cada
passo” (BOMFIM, 1984, p.20). Essas duas classes de métodos não são
excludentes e podem se alternar ao longo de um mesmo projeto: “há etapas
que podem ser plenamente explicitadas e justificadas com auxílio de ciências,
enquanto outras permanecem ainda obscuras, sujeitas a procedimentos
considerados até o momento como indutivos” (BOMFIM, 1997, p.33). No
entanto, o autor e Vassão (2010) apontam que:
Métodos são relatos descritivos ou prescritivos sobre o real e, se em um primeiro momento o sujeito cria o método, uma ótica e uma maneira determinadas de pensar e agir, no momento seguinte a persistência desta ótica e desta maneira de agir modelam a realidade e, por extensão, o próprio sujeito (BOMFIM, 1997, p.34).
3Cibernética é a ciência e teoria do controle da comunicação entre os seres vivos e as
máquinas, correspondendo à capacidade de poder ajustar alguma conduta futura em função do desempenho pretérito (WIENER, 1984, p. 33).
39
A etimologia da palavra “método” indica uma origem muito próxima ao Metadesign, seu prefixo “meta” se refere ao mesmo significado do movimento de transposição e “hodos” significa “caminho” ambos do grego, assim a palavra meta indica um objetivo a ser alcançado (VASSÃO, 2010, p61).
Conforme Vassão (2008, p. 218), tentativas mais recentes para elaborar o
Metadesign como um método de projeto, ou como uma abordagem projetual
consequente, determinam-se nas potencialidades dos intercâmbios entre arte,
tecnologia digital, e projeto; mas é preciso garantir a “cultura de projeto”, não
subalterna à engenharia de sistemas, às ciências exatas, à filosofia analítica, à
tecnologia e sua ideologia subjacente.
Celaschi e Deserti (2007, p.24) definem “a cultura de projeto” compreendida
como sinônimo de “design”, e descrevem tanto a “mercadologia
contemporânea” quanto o desenho, a representação e a gestão. Como
“mercadologia contemporânea” compreende-se o conjunto de saberes que
qualificam e parametrizam os bens – objetos de troca dentro das dinâmicas
que regulam os mercados; e a “cultura de projeto” situa-se na inter-relação
entre humanidades, tecnologia e engenharia, arte e criatividade, economia e
gestão (Ibid., p.24).
Pensamento que corrobora com Bonsiepe (2011, p.13) sobre inter-relações
entre Design e sociedade, que apontam interesses e conhecimentos de áreas
diversas entre ciências sociais e ciências aplicadas. O autor destaca que os
termos Design e projeto não são homônimos ou co-extensivos, referindo-se à
projeto como dimensão antropológica da criação de artefatos materiais e
simbólicos (ciência social), enquanto Design significa um modo de atividade
projetual do capitalismo tardio (ciência aplicada), podendo estar ligado a
fatores estilísticos e processos industriais.
Nesse sentido, Vassão (2008, p.218) também aponta divergências entre os
termos Metadesign e Metaprojeto e a necessidade de posicionamento frente ao
fato, apresentando diferenças entre o termo Metadesign, relacionado à
“formalização nas suas potências e limitações”, e o termo Metaprojeto,
determinado pela “pesquisa constante em design”. Vassão (2010) coloca “o
design em um estado de constante especulação quanto às possibilidades
40
futuras de seu desenvolvimento e aplicação, especificamente em design
industrial” (VASSÃO, 2008, p.218), fato que, em Metaprojeto, essa
especulação fica restrita à coleta de dados nas fases iniciais, o que faz com
que o termo meta seja tratado de maneira a não se explicitar a
instrumentalidade presente.
[...] definiremos o Metadesign a partir de três referências fundamentais: (1) o texto pioneiro de Andries Van Onck (1963) – a definição mais antiga e, talvez, a que carrega o máximo de carga operacional, ou seja, aquela que ainda pode tratar coerentemente do campo de ação do Metadesign, (2) o prefixo Meta, sua origem e percurso etimológico – seu uso nas diversas palavras em que aparece – e (3) a acepção crítica e absolutamente crucial que Paul Virilio apresenta em Arte do Motor (1996) – o Metadesign como o projeto do cotidiano, de uma esfera alienada e alienante de produção dos costumes como padrão de comportamento cujos critérios e categorias, sua validação, encontram-se além da ação de quem os vive (VASSÃO, 2008, p.94).
Pensamento que corrobora com Van Onk (apud MORAES, 2010) quando
afirma que:
O debate do fenômeno “meta”, relacionado ao design, se inicia ainda mesmo na década de 1960, quando diversos autores como Van Onck, Eco, Maldonado e Archer, refletiam sobre o conceito de metadesign: aquilo que se encontra de maneira estática nos objetos do design, é interpretado como um estado de “movimento brecado” [...] No Metadesign as linhas são como pontos em movimento. Os planos são as linhas em movimento, os corpos são como planos em movimento [...] O baricentro do interesse do metadesign encontra-se deslocado, portanto, para o estudo do movimento, enquanto design está mais interessado pela forma estática (VAN ONK apud MORAES, 2010, p.25).
Moraes (2010) explica a sua escolha pelo termo Metaprojeto:
Ao considerarmos a realidade de um “cenário complexo e mutante”, o metaprojeto, por sua vez, como por nós é abordado neste, se apresenta como um suporte possível à metodologia convencional que operava em cenário previsível e estático. Em um âmbito mais abrangente, o metaprojeto desponta como suporte de reflexão na elaboração dos conteúdos da pesquisa projetual (MORAES, 2010, p.25).
Assim, Metadesign é “um meio de construir a simplicidade a partir da
complexidade no ato projetual” (VASSÃO, 2010, p.15), no qual “O prefixo
‘meta’ aplica-se a um movimento reflexivo de auto-conhecimento para
considerar esse próprio campo de auto-reflexão” (Ibid., p.19), em um processo
dinâmico durante todo o projeto incluindo as fases de processo, finalização e
avaliação de projeto. Metaprojeto pode ser “considerado o processo dedutivo
41
das fases iniciais para compor uma plataforma de conhecimentos dos
problemas para direcionar as soluções do projeto” (MORAES, 2010, p.26).
De maneira geral, as duas abordagens tratam da questão de cultura de projeto
a partir de entidades complexas e relacionadas com reflexões contemporâneas
acerca de geração de valor, cadeia produtiva, reorientação ecológica e social,
mercados globalizados (Metaprojeto – MORAES, 2010), e também percepção
da qualidade abrangendo processos colaborativos (Metadesign – VASSÃO,
2010), situação que exige, além de reflexão disciplinar, também ponderações
filosóficas e epistemológicas. Observa-se que os dois autores desenvolvem
modelos conceituais para lidar com a complexidade. Enquanto Moraes (2010)
se baliza por processos de significação linguística em cultura de massa (ECO,
1964), próximos aos utilizados no mercado para compor e representar
plataformas de dados informacionais que dão suporte ao projeto nas fases
iniciais, Vassão (2010) constitui mapas conceituais em diagramas através de
taxonomia4 e ontologia5 em níveis de abstração, que permitem classificar as
entidades e organizar ou manipulá-las nos sistemas onde a arquitetura livre
oferece a possibilidade de uma abordagem ética. Quando aproximados esses
conceitos apresentados por Vassão aos de Giaccadi (2004), com detalhes
explicitados a seguir, promove-se colaborações e interação humana em
ambientes sócio-técnicos que envolvem criatividade. No Quadro 1 a seguir,
podem ser observadas algumas características dessas diferenças e possíveis
relações entre as duas abordagens e a aproximação de Giaccardi (2004):
4 Taxonomia é a ciência que, na biologia, organiza e classifica grupos de organismos vivos.
Quando apropriadas pelas ciências da computação, a taxonomia desempenha o papel de fornecer uma infraestrutura de classificação que permita agrupar os objetos do conhecimento (Vassão, 2008). 5 Ontologia é a parte da metafísica que trata da natureza, realidade e existência dos entes,
apropriada pelas ciências da computação em Arquitetura da informação (Vassão, 2008).
42
Quadro 1: Quadro sintético com principais diferenças e relações possíveis entre Metadesign
(VASSÃO, 2010 e GIACCARDI, 2003) e Metaprojeto (MORAES, 2010).
Fonte: Dos autores.
Reconhece-se que a abordagem de Metadesign, pela sua maior abrangência
de questionamentos, demonstra instrumentalidade pertinente a
posicionamentos de Design que podem estar colocados antes, durante e
depois do projeto e, por isso, em muitos momentos Metadesign aparece como
abordagem principal. Observa-se que Metaprojeto tem um campo de atuação
mais específico e disciplinar; é uma aproximação que se mostra positiva a
partir de Moraes (2010), nas questões do campo de Design de Moda sobre
mercados globalizados e mapas conceituais (ECO, 1964). Mas, em questões
que envolvem colaboração e comunidades locais, o Metadesign a partir de
Vassão (2010) e Giaccardi (2204) mostra-se uma abordagem mais adequada
por considerar fatores da própria sociedade de maneira mais geral (BATESON,
MATURANA e VARELA, 1970).
As duas abordagens são interessantes ao campo de Design de Moda,
estabelecido em uma complexa rede de relações nos sistemas produtivos e de
consumo da cadeia têxtil da Moda na contemporaneidade. Dessa maneira, a
investigação e escolha de projetos apresentados nesta pesquisa foram
orientados por essa ação auto-reflexiva frente às complexidades em processos
- mapas conceituais em diagramas
43
de Design no cenário atual. Serão reconhecidas algumas semelhanças, mas
também divergências nas ações de designers nos projetos em comunidades
locais, onde se encontram os elementos inerentes na prática informal tanto de
Metadesign como de Metaprojeto. São cenários estabelecidos pelas ações
projetuais em comunidades locais a partir de materialidades e imaterialidades
específicas inseridas em perspectiva local e global nas fases da cadeia
produtiva e envolvimento social colaborativo e de forma sustentável.
Na abordagem de projetos colaborativos em comunidades locais, Vassão
(2008) aponta que, para lidar com a complexidade estabelecida coletivamente,
é crescente ser possível fazer um projeto além do par ideologicamente
estabelecido problema/solução, pergunta/resposta.
Metadesign representa uma mudança cultural a partir do projeto como "planejamento" para projetar como "semeadura". Através de práticas colaborativas e de transformação do design pode suportar novos modos de interação humana e sustentar uma expansão do processo criativo, novas formas de compreensão e planejamento com o objetivo de produzir mais sistemas abertos de interação em evolução. Ao invés de um novo modelo de design, metadesign representa um modo construtivo de design: um aprimoramento do processo criativo na convergência de "arte" e "ciência" (GIACCARDI, 2005, 15).
Para Vassão (2008), Giaccardi (2003) em sua pesquisa sobre Metadesign
apresenta um campo sócio-técnico interligado à emergência das mídias digitais
e processos criativos. Nesse sentido, Giaccardi e Fischer (2004), colocam que
“o desafio do design não é uma questão de se desvencilhar da emergência,
mas de incluí-la e fazer dela uma oportunidade para soluções mais criativas e
adequadas”, em decorrência Giaccardi (2003) aponta o Metadesign como três
estratégias:
1. "Behind: Designing Design" (Atrás: Projetanto o projeto) aborda o
Metadesign – "foca em processos e estruturas em geral, mais do que
em objetos e conteúdos. Metodologicamente, sugere métodos e técnicas
para projetar no nível meta – dimensão dinâmica dos processos".
2. "With: Designing Together" (Com: Projetando Junto) aborda o ambiente
colaborativo – "designers e usuários podem colaborar para a atividade
44
de design, em suas especificidades temporais de projetar e usar –
práticas comunitárias".
3. "Between: Designing the In-Between" (Entre: Projetando o Entre)
aborda o ambiente das redes sociais – "estruturas organizacionais que
podem alterar papéis e padrões de interação – design de sistemas
sócio-técnicos" (GIACCARDI, 2003, p.339)..
A autora propõe que, nesses processos, seja possível a criação de contextos
de projetos como uma meta-estrutura de automatização de alguns estratos do
projeto, em que o conceito é de espaços de Design com base em três níveis
interdependentes de projeto, apresentando princípios de Design específicos
para cada nível identificados nas três proposições anteriores. E é a partir desta
abordagem que essa dissertação foi estruturada; no primeiro capítulo
apresentam-se os processos e estruturas dinâmicas referentes à estratégia de
"Behind: Designing Design" (Ibidem), com cenários observados na cooperativa
Coopa-Roca e ações do designer Jum Nakao junto aos estudantes de Design
de Moda no Senac de Fortaleza (2010) e na comunidade de Manicoré (2008).
No segundo capítulo são analisadas perspectivas de estratégia "With:
Designing Together" (Ibidem), nos ambientes colaborativos e práticas
comunitárias do Programa do Fórum Inspiramais (2012) na sua cadeia
produtiva têxtil e na relação com a artesã Yasmine promovidas pela ação
projetual do designer Walter Rodrigues. Nessa mesma perspectiva também
são observadas ações do designer Ronaldo Fraga (2008) junto ao Programa
Talentos no Brasil nas comunidades de Coxim (MS), São Borja (RS) e
bordadeiras do agreste da Paraíba. No terceiro capítulo são investigadas
proposições estratégicas de acordo com a abordagem "Between: Designing the
In-Between" (Ibidem), com análise do ambiente das redes sociais, estruturas
organizacionais e sistemas socio-técnicos nas ações promovidas pelos
designers Ronaldo Fraga (2010) junto à comunidade de Tucumã no Pará, do
designer Walter Rodrigues (2006) junto à comunidade do Morro das Marianas
(PB) e do designer Jum Nakao (2008 e 2010) respectivamente, junto à
comunidade de Manicoré (MA) e estudantes de Design de Moda e artesãs no
Senac de Fortaleza.
45
Nessas perspectivas apontadas por Giaccardi (2003), Metadesign funciona
como um "modo de Design" em uma ideia não teleológica do Design, que a
mesma denomina como "sócio tecnologia do know-how6". Para Vassão (2008,
p.205), nessa proposição é como se a forma que controla os fluxos fosse a
Interface, sendo necessário que o estatuto da forma seja mantido distinto do
estatuto do conteúdo e que os dois não possam se misturar. Mas o autor (Ibid,
p.205) aponta: “sob a perspectiva de McLuhan, forma é conteúdo (“o meio é a
mensagem“), e assim esse estatuto seria mantido de maneira forçosa”, e então
sob a ótica de Giaccardi (2003) “o Metadesign seria um modo (e não modelo)
de design, na convergência da arte e da ciência”, o que exige um
desenvolvimento conceitual mais amplo, em que:
[...] é possível coletar nesse campo contraditório uma qualidade interessante. Talvez esteja aí a possibilidade de uma promiscuidade conceitual benéfica à liberação do processo de projeto. Por outro lado, sob escrutínio conceitual mais atento, nos parece que essas abordagens se subscrevem ao que denominamos “ideologia da informação”, que seletivamente formaliza o mundo e o desformaliza, de acordo com aquilo que pode ser oportuno a uma lógica disciplinar pré-estabelecida em outro estrato (meta-estrato) (VASSÃO, 2008, p.21).
Nesse contexto, Munari (1981, p.18) descarta que “o método projetual para o
designer não é algo absoluto e definitivo; é modificável, quando encontra
valores objetivos que melhoram o projeto”. E são positivas as convergências de
proposições de Metadesign com abordagens reflexivas nas metodologias de
Design, ampliando-se para além de projeto de artefatos, moradias ou cidades,
entendendo que a concepção de que todas as dimensões da vida
(MATURANA, 1998 e VIRILIO, 1996) podem ser projetadas. Dessa maneira,
apontam-se as ações projetuais de Metadesign em redes da cadeia produtiva
têxtil com fluxos inter-relacionados e processos colaborativos criativos
(autopoiésis) em ações de Design de Moda nas comunidades locais, casos que
serão apresentados na extensão desta pesquisa.
6 Know-how é um termo em inglês que significa literalmente "saber como". Trata-se do conjunto
de conhecimentos práticos (fórmulas secretas, informações, tecnologias, técnicas, procedimentos, etc.) adquiridos por uma empresa, organização ou profissional, que traz para si vantagens competitivas. Por exemplo, possui know-how a organização que consegue dominar o mercado por apresentar conhecimento especializado sobre algum produto ou serviço que os concorrentes não possuem. In Fran Martins, Op. Cit. p.598, Know How é uma “arte de fabricação” de indivíduo com conhecimentos processuais que devidamente aplicados dão como resultado um benefício a favor de quem o emprega.
46
1.2. Projetar entre o global e o local
A identidade cultural, como sistema de representação das relações entre indivíduos e grupos, envolve o compartilhamento de patrimônios comuns como a língua, a religião, as artes, o trabalho, os esportes, as festas, entre outros. Não é fixa e imutável, mas um processo dinâmico, de construção continuada, que se alimenta de várias fontes no tempo e no espaço. No contexto de globalização, as tramas estão mais complexas e as identidades culturais têm contornos mais fluidos e relacionais. Estão sendo deslocadas, fragmentadas, como expõe Stuart Hall (1997), tornando-se uma celebração móvel. (PESQUISA ECONOMIA E CULTURA DA MODA NO BRASIL, 2011, p.13).
A ação projetual de Design de Moda em rede na cadeia de produção e de
forma colaborativa nas comunidades locais reflete os aspectos sociais e
políticos do atual momento, promovendo relações diretas e indiretas no
cotidiano das pessoas, com atuações vinculadas tanto ao comportamento de
consumo quanto aos processos em produção de artefatos. Conforme Moraes
(2010, p.7), com a globalização houve um nivelamento da capacidade
produtiva entre os países, o que promoveu produção de consumo com bens
massificados com estéticas híbridas e conteúdos frágeis, colocando em cheque
os conceitos de ética e estética, nos sentidos de comportamento social,
produtivos, meio ambiente e consumo.
Nesse contexto, para Fletcher (2011), é preciso sensibilidade e ponderação por
parte dos designers sobre como compor os objetivos das comunidades locais e
os atrativos mercadológicos. O autor aponta que, para analisar as ações de
Design nessas comunidades com valorização da cultura local tendo em vista
mercados de Moda, essa atividade precisa ser contextualizada no atual
momento de globalização, com fluxos diversos de informação, materiais,
capacidades e processos produtivos relacionados entre o local e global, que
exigem conhecimentos de Design para entender como isso acontece tanto na
macrofigura como na microfigura dos contextos, para que então
potencialidades, processos e habilidades locais necessários possam ser
identificados e promovidos. Conforme pode ser analisado no percurso da
cooperativa de artesãs Coopa-Roca do Rio de Janeiro, na comunidade da
Rocinha, ilustrada na figura 6. O grupo de artesãs é um exemplo de estrutura
organizacional em comunidade local com influências de fluxos da globalização
nas ações propostas em colaboração com grupos de artistas, designers e
47
estudantes do Brasil e de diversas partes do mundo. O caso da cooperativa é
um exemplo de gestão organizacional e de estratégia de Design, analisado e
premiado por escritórios de Design e Fundações sociais de diversos países:
Figura 6: Logotipo da Coopa-Roca, vista panorâmica da cooperativa na Rocinha (RJ) e a socióloga Maria Tereza Leal, fundadora da cooperativa, recebendo prêmios da Fondation d’entreprise Kering pour la Dignité et les Droits des Femmes (2010) e da Clinton Global
Initiative (2009). Fonte: (INICIATIVACULTURAL.ORG.BR, 2013)
Nesse sentido, Moraes (2010, p.XXI), afirma que: “o Metaprojeto nasce,
portanto, da necessidade de existência de uma ‘plataforma de conhecimentos’
que sustente e oriente a atividade projetual em um cenário fluido e dinâmico
que se prefigura em constante mutação”. Segundo Desis (apud MANZINI,
2010, p.XIII), os processos de Design são complexas redes de interações entre
indivíduos e organizações, em escalas locais e globais, que usam de
criatividade e empreendedorismo para obter valores compartilhados.
48
A ideia de atendimento simultâneo de fatores ou de requisitos projetuais não é
nova. Ela está presente na obra de outros autores, como Papanek (1995),
apresentado no item anterior desta pesquisa com seu uso das matrizes da
função e vernácula. Esse pensamento também foi colocado por Maldonado
(1990, p.11), ao afirmar que “não é com menos, mas sim com mais (e
certamente distinto) conhecimento técnico-científico que podemos ultrapassar
os aspectos negativos que o mesmo, na sua utilização, originou”. Visões que
devem conduzir a uma abordagem sistêmica que consideram o modo como os
requisitos projetuais, ergonômicos ou tecnológicos se relacionam e se afetam.
Essa compreensão, escreve Branzi (2006, p.106), coloca em questionamento a
possibilidade de inter-relação de naturezas distintas: “[...] nas grandes
metrópoles atuais apresenta-se um cenário altamente diversificado, em que
lógicas produtivas e sistemas linguísticos opostos convivem sem maiores
contradições”. Segundo Moraes (2010, p.5), “são essas lógicas produtivas e
sistemas linguísticos opostos que ajudam a configurar esta realidade de
cenário de complexidade” 7.
Na sociedade global, os processos produtivos, a fim de obterem êxito
econômico, necessitam de atualizações constantes. A sobrevivência dos
segmentos de Design de Moda em comunidades locais demanda uma
adaptação, ao invés de imposição, às diferentes culturas; segundo Black
(2012), é uma situação que envolve questões ambientais, trabalhistas, de
acordo com cada localidade, e considerações dos produtos com elementos do
local que deverão responder as expectativas globais.
Com ampliação da ideia de projeto nesses cenários de complexidade (aumento
da circulação da informação, globalização nos mercados, rede de cadeias
produtivas locais, identidade cultural, tradição local etc.), há a demanda de
métodos para gestão de desenvolvimento de produtos, que exigem alto nível
7 “À primeira vista, a complexidade é um tecido (complexus: o que é tecido em conjunto) de
constituintes heterogêneos inseparavelmente associados: coloca o paradoxo do uno e do múltiplo. Na segunda abordagem, a complexidade é efetivamente o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações, acasos, que constituem o nosso mundo fenomenal” (MORIN, 1991, p.17).
49
de integração entre as equipes, mesmo as externas (comunidades de artesãs,
prestadores de serviços, escritórios de Design e designers free-lancers,
fornecedores de serviços, cooperativas etc.), de modo a reduzir o tempo de
tomada de decisões, minimizar erros e antecipar o lançamento de produtos no
mercado. Nesse cenário, a abordagem de Metadesign visa a refletir sobre a
legibilidade desses processos de criação e tomadas de decisão para projetar
nesses contextos, frente às questões que envolvem ética e sustentabilidade.
Isso pode ser observado no depoimento de Jum Nakao (2011), quando afirma
que:
O mundo não precisa de mais roupas, o mundo precisa de pessoas melhores. Mas como transformar as pessoas? Acredito que o caminho seja a educação e a cultura. Em moda somos todos muito iletrados, alfabetizados apenas no sentido de sermos consumidores, mas totalmente sem capacidade de leitura e interpretação. Existe uma grande diferença entre alfabetizar e educar. Tenho me dedicado à esta educação, pois de que adianta poesia se a escrita não é compreendida? (NAKAO, 2011, p.49).
Contexto em que, segundo Bomfim e Rossi (1990), a questão da Metodologia
Projetual favorece estudos sobre métodos específicos enfatizando fases ou
atividades do projeto, além de integração com diversas disciplinas não
projetuais, como a estética, implicando em ampliação do repertório dos
designers em sua prática profissional.
Dessa maneira, a proposição do projeto seria: antes compartimentada, passa a
depender da integração entre as áreas profissionais envolvidas em todas as
suas etapas, admitindo-se áreas de Ciências Sociais e Conhecimentos
Aplicados em um mesmo projeto. Na produção dos artefatos, são necessários
conhecimentos diversos relativos à técnica produtiva e simbologia cultural, que
exigem qualidades específicas dos projetistas, de acordo com as áreas de
cada fase. Além disso, oportunidades e desafios da globalização, da tecnologia
da informação e, simultaneamente, a emergência da questão ambiental, levam
às novas abordagens projetuais com o intuito de minimizar os impactos
negativos nos sistemas ambiental, econômico e social para garantir a
sobrevivência e expansão das instituições sociais e organizações industriais.
50
Essas transformações no escopo do projeto estabelecem-se em propostas de
Design voltadas para além do desenvolvimento de produtos, passando-se a
discutir criticamente os processos, serviços e produção nos níveis estratégicos
das organizações (MAGALHÃES, 1997), na sustentabilidade ambiental
(MANZINI e VEZZOLI, 2002), na visão estratégica nos negócios (SANTOS,
2000; MARTINS e MERINO, 2008) e na preocupação com a sistematização do
processo de desenvolvimento de produtos (ROOZEMBURG e EEKELS, 1995;
BAXTER, 1998; ULRICH e EPPINGER, 2008).
Dessa maneira, pelo aumento das etapas e do número de participantes, a
divisão dos problemas em subproblemas passou a não ser suficiente, de modo
que, para o projeto ser levado a bom termo, é necessário que sejam
explicitadas e abordadas as relações (vínculos, associações, dependências
entre os sistemas em redes relacionados à produção, consumo, colaboração,
etc.) entre os elementos desse cenário complexo. Cenário em que, conforme
Kazazian (2005), para um resultado positivo é necessário reconhecer que
todos os participantes estão em um sistema de interdependência e um
problema em uma das fases do projeto pode desencadear demandas para
outros colaboradores, participantes, e/ou usuários do sistema.
Segundo Valiati (et al., 2011), o sistema que regula a cadeia produtiva da Moda
atravessa um período de mudanças devido ao processo de globalização e à
abertura de novos mercados. Há ainda o deslocamento da produção em
decorrência dos altos custos operacionais; a exasperação da concorrência; a
redução do ciclo de vida dos produtos de Moda; o incremento veloz das
tecnologias e as modificações complexas na estrutura dos mercados, cenário
descrito por Black (2012):
A cadeia de suprimentos da moda é longa e complexa, abrangendo matérias-primas distribuídas em todo o globo, produtos acabados e venda. Mais de 40 milhões de pessoas em todo o mundo participam na confecção de vestuário e têxteis, em muitos países em desenvolvimento que dependem em grande parte das exportações de vestuário para a renda. A indústria da moda representa, apesar de alguma automação, uma das poucas indústrias em que restam artesãs onde as habilidades manuais individuais ainda desempenham um papel significativo (BLACK, 2012, p.139).
51
A abordagem reflexiva sobre os processos conceitua o contexto dos cenários,
considerando fatores produtivos, criativos, sociais, materiais, imateriais,
mercadológicos, ambientais, de usabilidade, distribuídos em cadeias e redes
de valor etc. Esse tipo de gestão de Design não produz output de um modelo
projetual único com soluções técnicas pré-estabelecidas, mas se amplia em um
conjunto de atividades compreendidas em sua concepção, de maneira que a
forma e as funções contidas no produto tornam-se o ponto de partida e não o
fim do projeto. Para Moraes (2010, p.18) “no cenário atual a forma dos
produtos não é mais uma questão objetiva e funcional estando ligada aos
fatores semânticos, psicológicos e subjetivos, e a função está em satisfazer
necessidades primárias, secundárias, objetivas e subjetivas dos usuários”.
Nesse sentido, levando em consideração a forma e função do produto/serviço,
o designer conceitua cenários possíveis para localizar neles as linhas guias
dos problemas, buscando sintetizar de maneira reflexiva etapas do projeto de
acordo com cada cenário. Assim discorre Marconi e Lakatos (apud MORAES,
2006)
Portanto, as coisas não são analisadas na qualidade de objetos fixos, mas objetos em movimento: nenhuma coisa está ”acabada”, encontrando-se sempre em vias de se transformar, desenvolver. O fim de um processo é sempre o começo de outro, as coisas não existem isoladas, destacadas uma das outras, e independentes, mas como um todo unido, coerente (MARCONI; LAKATOS apud MORAES, 2006, p.2).
Segundo Moraes (2010), o metaprojeto antecede o ato projetual, caracteriza-se
por uma análise anterior à fase projetual com reflexão crítica sobre o próprio
projeto a partir do cenário contextual relacionado ao objeto central e seus
fatores produtivos, tecnológicos, mercadológicos, materiais, ambientais,
socioculturais e estético-formais. Moraes (2006) destaca:
Considerada a aplicação dos princípios do metaprojeto, e de posse dos resultados das análises efetuadas, deve ser elaborado um quadro conclusivo, onde vem apresentado as principais características para uma “nova proposta conceitual (concept) ou análise corretiva (diagnose)”, no desenvolvimento ou redesenho do produto proposto. Onde a aplicação do metaprojeto é, portanto, uma síntese do esforço empreendido na decomposição e decodificação dos cenários possíveis, procurando por fim, promover uma maior e melhor qualidade dos artefatos (MORAES, 2006, p.8).
52
De acordo com esse pensamento, Scaletsky e Parode (2008) afirmam que a
etapa metaprojetual é uma fase de diagnóstico que busca estabelecer
coerência e ligações produtivas para que seja possível iniciar a fase de projeto
de modo mais seguro e eficiente. Quanto ao problema de projeto e
direcionamento das ações no processo de Design, essa etapa caracteriza-se
por possibilitar questionamentos e reflexões acerca do objetivo do projeto,
estabelecendo uma proposição de resultados objetivos e conceituais. Para
Franzato e Celaschi (2012), a etapa metaprojetual apresenta-se em quatro
fases distintas: entrada, pesquisa contextual, pesquisa aberta e sistematização,
caracterizadas por análises e questionamentos. Após a etapa metaprojetual,
inicia-se a etapa projetual através da geração de alternativas, finalização e
avaliação. O que diferencia esse método é a abordagem analítica e
investigativa, e a pesquisa contextual no universo da empresa, produto, usuário
e mercado.
Celaschi e Deserti (2007) colocam que Metaprojeto é a fase de observação da
realidade e modelação sintética da mesma que contém o esforço do designer
em analisar e conhecer o campo problemático no qual deve atuar. E por tal
razão, essa etapa é ligeiramente anterior à fase de transformação da realidade,
definindo-se o percurso do projeto diante da inserção em um contexto
específico de recursos, prazos, momento histórico, natureza etc. O Metaprojeto
apoia-se na reflexão constante sobre a definição dos problemas pela
investigação e análise a partir dos objetivos e demandas projetuais, conforme
ilustra a figura 7
Figura 7: Etapas do problema de projeto Fonte: Adaptado de Best (2006)
53
Para o Design de Moda, essa proposição é interessante, pois pode promover
mudanças positivas nos métodos processuais ao incorporar os contextos
específicos como parte das soluções projetuais, que podem ser de cunho
ambiental e/ou pela rede de fornecedores distribuídos, como no caso das
cadeias produtivas descentralizadas em escala global. Nas ações com
artesãos em comunidades locais, como nos casos dos designers Walter
Rodrigues, Ronaldo Fraga e Jum Nakao, a proposição projetual precisa ser
simultânea ao acontecimento dos processos colaborativos, o que implica não
em atualização, mas em constância.
Os designers de moda fazem escolhas, baseados principalmente em critérios estéticos ou financeiros. Na tentativa de avaliar o impacto ambiental, eles têm de negociar acerca de diversos fatores, tais como os custos de transporte de peças de vestuário e suas matérias-primas em relação ao impacto que a eliminação das vestes (BLACK, 2012, p.95).
Conforme os autores, a possibilidade da escolha de materiais e de processos
compor conhecimentos reflexivos prévios pode auxiliar no desenvolvimento de
projetos. Nesse sentido, Scaletsky e Parode (2008) e Franzato e Celaschi
(2012), apontam que o Metaprojeto estabelece a lógica de fases preliminares
necessárias de pesquisa para análise do problema para uma posterior
investigação de solução. Assim, a partir do pressuposto de Best (2006), figura
8, lê-se que a etapa de Metaprojeto ocorre desde o inicio até a fase de
sistematização. Após, tem início a etapa de projeto, seguindo a lógica do
processo de Design, e por isso alguns autores como Moraes (2010, p.25)
também o denominam como “o projeto do projeto”. Dessa forma, inseriu-se ao
proposto por Celaschi e Deserti (2007), conforme a figura 8, as etapas
metaprojetuais.
54
Figura 8: Esquema sistêmico do desenvolvimento do processo metaprojetual e projeto no processo de Design
Fonte: Adaptado de Celaschi e Deserti (2007)
Segundo Celaschi (2010, p.XV), no método metaprojetual o designer
posiciona-se “como ator primário do projeto e suas características pessoais
constituem parte fundamental do processo. Assim, substituir o designer
55
significa seguramente obter um resultado diferente”. O autor considera que o
Metaprojeto caracteriza-se pelas observações do entorno – indivíduos,
contextos de uso e de trocas sociais – e pela construção de modelos
simplificados. Destacam-se nessas duas fases, as qualidades e o caráter do
designer como fundamentais, na medida em que seu repertório cultural é
fundamental na fase de observação do entorno, tornando-o capaz de
reconhecer fenômenos dos mais diversos relacionados aos processos
produtivos em sistemas de cadeias de produção e redes de colaboração em
comunidades; e exigindo capacidade de conhecer e praticar de modo integrado
diferentes linguagens de representação – visual, sonora, impressa, audiovisual
– que serão também fundamentais para construir os modelos de síntese.
No cenário de Design de Moda contemporâneo, atua-se em meio às
contradições de um mercado competitivo e globalizado, com questionamentos
quanto à sua cadeia produtiva no que se refere à sustentabilidade dos
sistemas econômico, ambiental e social. Segundo Black (2012, p.92), foi
apenas durante a última década que a consciência das questões ambientais e
éticas no Design de Moda traduziu-se em ações combinadas e visíveis por
parte dos designers; a cadeia produtiva, que antes baseava-se em confiança
com poucos participantes, hoje, devido à complexidade desse sistema,
demanda por desenvolvimento de métodos para uma melhor integração das
redes nos sistemas de processos produtivos e consumo como redes de
fornecedores de matéria prima, redes de processos sócio-técnicos, redes
colaborativas em comunidades locais, equipes de Design etc.
Nesses cenários, Giaccardi (2005, p.15) aponta que Metadesign pode ser visto
não apenas como uma abordagem de projeto informando a metodologia
durante o seu desenvolvimento, mas também pode promover práticas
colaborativas em sistemas e cadeias de processos, evocando novos modos de
interação humana. E por que não pensar, conforme Giaccardi e Fisher (2004),
que pode ser processo de criação? Como, por exemplo, pode ser observado
nas novas relações promovidas para artesãos e estudantes na ação projetual
de Jum Nakao (2012), em conjunto com o Senac de Fortaleza (CE). O designer
idealizou o “Reality Project”, no qual deveriam ser confeccionadas vinte
56
propostas de vestuários a partir de técnicas, materiais, tradições e conceitos da
cultura nordestina para serem apresentadas durante o Dragão Fashion Week
Brasil8 (2012). O projeto consistiu em um evento no qual o público presente e
espectadores via web poderiam acompanhar em tempo real o processo de
criação que ocorria entre os participantes, dispostos em uma estrutura
transparente durante o prazo cinco dias do evento (figura 9). Essa ação exigiu
que Jum Nakao (2012) elaborasse uma estrutura de projeto que diz respeito a
espaço físico e sensorial, com disposições e normas de conduta para promover
a interação entre os participantes da ação criativa. Assim, artesãos e
estudantes de Design de Moda tinham como objetivo fazer emergir nessa
atividade processos de criação e produção que levassem a resultados com
traços que referenciassem materiais, cultura e tradição locais desses
participantes e também do próprio território local – a região nordeste.
Figura 9: “Reality Project”, ação projetual Jum Nakao (2012), estudantes e artesãos. Fonte: (JUMNAKAO.COM, 2013)
8 Semana de Moda da região nordeste do Brasil. Um evento da indústria de moda local, com
duração de aproximadamente uma semana, permite designers e produtores de moda em geral
mostrem suas últimas coleções. Fonte: (http://dfhouse.com.br/2013/dragao-fashion-brasil/)
57
Reforçando esse pensamento, Giaccard e Fisher (2004) descrevem, na tabela
1 a seguir, as comparações entre método tradicional e o que a autora adjetiva
como Metadesign, favoráveis a esses sistemas abertos:
Tabela 1: Tabela comparativa entre características do Design tradicional e do Metadesign Fonte: Adaptado de Giaccardi e Fisher (2004).
Proposições desse contexto podem ser observadas também nos projetos de
Design de Moda em colaboração com comunidades locais que agenciam a
produção de artefatos (peças de vestuário) e as qualidades incorporadas em
etapas distribuídas pela cadeia produtiva, em cenários de sistemas ambientais
e sociais, que se apresentam interdependentes e em constante transformação.
Isso pode ser observado na ação de Walter Rodrigues (2013) no Programa do
Fórum Inspiramais, na figura 10 (iniciativa da Assintecal9, que terá detalhes
analisados no capítulo 2), em que o designer coordena fluxos de informação e
processos na cadeia produtiva têxtil com stakeholders participantes distribuídos
em diversos estados do Brasil, assim cada componente pode ser desenvolvido
com peças separadas e em regiões diferentes. O designer promove também
ações projetuais em comunidades locais de artesãs (questões que terão mais
detalhes analisados nos capítulos 2 e 3 desta dissertação):
9 Associação Brasileira de Empresas de Componentes para Couro, Calçados e Artefatos.
58
Figura 10: Peças e componentes desenvolvidos por stakeholders participantes do Fórum Inspiramais (2013), coordenado por Walter Rodrigues.
Fonte: (INSPIRAMAIS.COM.BR, 2013)
Nesse contexto, segundo as características apontadas por Giaccardi (2005), o
Metadesign torna-se um espaço aberto de negociações que incorpora o
contexto (entidades emergentes) como parte da solução, e não como um
esforço de contê-lo. Os projetos de designers com comunidades colaborativas
sugerem-se como esse espaço compartilhado entre atores sociais – sem a
obrigação de etapas e resultados definidos previamente com a construção de
soluções diversas e adaptações constantes. Segundo Vassão (2008), para que
esse tipo de ação seja projetada conforme a abordagem de Metadesign
proposta pela autora, é necessário que o sistema esteja em constante
interação entre os participantes das ações, como apontado na coordenação
projetual do designer Walter Rodrigues (2012) na cadeia produtiva têxtil do
Fórum Inspiramais (2012), com fluxos de informações e processos distribuídos
entre os stakeholders.
Para Moraes (2010), a abordagem Metaprojetual se estabelece nas fases
iniciais para compor a plataforma de conhecimentos que irá guiar a ação do
designer, em movimento bresado10 frente aos objetos estáticos de Design em
geral (VASSÃO, 2008); enquanto o Metadesign para Giaccardi (2005) se
10
Aquilo que se apresenta de maneira estática nos objetos de Design é interpretado como um estado de “movimento bresado”; [sic, fresado]. No Metadesign é o estado de solidificação de um material que segue o estado de suspensão num meio coloidal (VASSÃO, 2008, p.96).
59
apresenta essencialmente durante as ações de interação em processos
colaborativos, ou seja, essas atividades que envolvem sistemas sócio-técnicos
caracterizam-se necessariamente pela manipulação direta ou indireta das
ações dos participantes e agenciamentos de possíveis relações que
acontecem em uma meta-estrutura negociada no espaço social (VIRILIO,
2000) de todos os stakeholders envolvidos.
Ações projetuais nesse sentido podem ser observadas na ação de Jum Nakao
(2008) em Manicoré (AM), em um projeto que envolve famílias de artesãos de
comunidades locais (figura 11). Aqui, considerar os contextos e cenários
significa contemplar culturas, saberes e tradições com integrantes diversos,
ficando difícil mensurar valores que possam ser plausíveis em proposições
projetuais nesse tipo de avaliação. Giaccardi (2005, p.15) aponta que através
de práticas de Metadesign podem-se constituir projetos que suportem modos
de interação humana, sustentando a expansão do processo criativo.
Segundo Manzini (et al., 2007), é possível nomear essas ações locais como
comunidades criativas, pois, como grupos organizados, procuram a solução e
criação de novas possibilidades para problemas comuns com soluções mais
promissoras quando as interações são do tipo bottom-up (MANZINI, 2008,
p.75). Um exemplo é o projeto Creative Communities no item “Collaborative
Services: Family-like Services”, quando as donas de casa criam sistemas para
levar e/ou buscar as crianças na escola. No entanto, a longo prazo, essas
ações se disseminam mais facilmente quando as interações acontecem
segundo o tipo top-down e peer-to-peer (Ibid, p.83). Para o autor, a partir de
um processo de construção colaborativa é possível elaborar conhecimento,
garantindo a promoção da sustentabilidade social e ambiental em situações do
cotidiano, em movimentos de ações sociais e/ou cooperativas, mas isso
depende de mecanismos complexos de interação entre os participantes (Ibid,
p.75). Assim, o designer precisa identificar contextos locais nos quais
reorientações sociais e materiais possam ser aplicadas como ações
facilitadoras – inovações, como as ações de Jum Nakao (2008) em Manicoré
(AM). (Os detalhes do projeto serão apontados no capítulo 3 desta
dissertação).
60
Figura 11: Artesãos de Manicoré (AM), comunidade das ações de Jum Nakao (2008). Fonte: (JUMNAKAO.COM.BR, 2013)
Para Brown (2010), algumas dessas atividades em comunidades locais que
articulam Moda e sustentabilidade caracterizam-se como ação social e política
e, portanto, assumem um papel questionador – como o da Arte –, ao criticar
condições da sociedade na atualidade. O Design, baseado em instrumentos,
conhecimentos e métodos, procura reordenar os processos produtivos e de
distribuição com as demandas de grupos interessados. Assim como acontece
nas ações na cooperativa de artesãs Coopa-Roca, que promovem a
articulação destas em contextos de circuitos de desfiles de Design de Moda e
Exposições de Arte em níveis nacional e internacional. Isso evidencia as
potencialidades das artesãs no valor de seus conhecimentos tradicionais no
cotidiano da comunidade, e também a situação precária das cooperadas frente
às condições de sobrevivência na comunidade da Rocinha (RJ).
Nas ações há o intuito de compor conhecimentos e expertises distintos – Arte,
Moda, Design e tradições das comunidades –, adequando o produto local ao
mercado global, mas procurando manter os aspectos específicos das técnicas
manuais da cultura local, como pode ser observado na figura 13, nas propostas
61
desenvolvidas em colaboração pelas artesãs da Coopa-Roca, artistas e
designers de Moda para um desfile no Ateliers de Paris, em 2005.
Figura 12: Desfile Coopa-Roca no Ateliers de Paris (2005) Fonte: (FRANCEBRAZIL.COM/FASHION, 2013)
Essas ações, quando visam o mercado, não são facilmente geridas, pois, como
Fletcher (2011, p.110) escreve, “artesão, arte e economia ocupam mundos
diferentes e, portanto, têm objetivos diferentes – um espiritual e outro
mundano”. Assim, é preciso sensibilidade, ética11 e ponderação por parte dos
designers, para compor os objetivos das comunidades locais com as
demandas mercadológicas e resultados estéticos desejados.
A estética é tida como um reflexo do comportamento do homem enquanto ser social, aqui entendido como grupo coletivo, das apreciações referentes à conduta humana, isto é: a ética que acaba por influenciar a estética da nossa cultura material. Pode-se dizer então
11
Ética s.f. 1. Filosofia. Disciplina que procura determinar a finalidade da vida humana e os meios de alcançá-la, preconizando juízos de valor que permitem distinguir entre o bem e o mal; 2. Princípios morais por que um indivíduo rege a sua conduta pessoal ou profissional; código deontológico; 3.Moral; 4. Ciência da moral. Do grego éthiké (epistéme), “a ciência relativa aos costumes”, pelo latim ethica (Fonte: Grande Dicionário de Língua Portuguesa, Porto Editora, 2004).
62
que exista uma estética militar, indígena ou eclesiástica, por exemplo, fruto da sua ética e do seu comportamento (MORAES, 2010, p.74).
Nesse sentido, Papanek (1971) levanta fortes debates sobre a ética no Design,
invocando a responsabilidade para os designers de projetar soluções para o
mundo real, apontando que tudo pode ser intervencionado pelo Homem
através da prática do Design para a criação de uma ordem significativa, seja
esta motivada por ação consciente, analítica, ponderada ou mesmo intuitiva.
Essas perspectivas descrevem que projetar, segundo Papanek (1995), exige
postura e conduta ética e destaca importantes questões como:
– 1. O código de ética serve apenas os seus próprios interesses?
– 2. O código de conduta protege realmente o público?
– 3. O Design do projeto responde às necessidades humanas além das
demandas de funcionalidade e aspectos estéticos?
– 4. O projeto responde às demandas dos mercados considerando a função
social do Design na sociedade?
– 5. O processo/produto/serviço, contexto de uso, consumo ou descarte desses
causa algum dano ao ecossistema ambiental, ou interfere na cultura local?
– 6. Os não membros/projetistas/usuários podem optar sobre as escolhas de
projeto?
– 7. As regras/etapas/escolhas/contextos/cenários e questionamentos dos
processos são colocados de forma clara a todos membros e não membros do
projeto?
Papanek (2000) aponta os designers como profissionais responsáveis pelo
futuro de uma coletividade (massa) e, portanto, capazes de causar importantes
e profundas alterações no mundo através do seu trabalho. Defende que as
suas responsabilidades morais e sociais devem estar presentes em todo o
percurso do projeto, e que a responsabilidade em relação às consequências da
criação, produção, processo social, descarte etc. de um
produto/serviço/sistema deve ser compartilhada com todos os stakeholders.
Assim, a ação que vai reger a conduta do projeto é fruto de um conjunto moral
com caráter social (ethos) de um coletivo com costumes, culturas, hábitos e
valores determinados na própria sociedade. Dessa maneira, para analisar as
ações de Design de Moda nessas comunidades tendo em vista a valorização
63
da cultura local e os mercados de Moda, esta atividade precisa ser
contextualizada no atual momento de globalização e particularidades locais.
Há alguns anos atrás, dizia-se que a globalização iria destruir as diferenças locais, homogeneizando o espaço e a sociedade. Hoje, o debate não se coloca mais nestes termos. Tanto as peculiaridades locais, os localismos, os regionalismos emergiram deste global, quanto a própria globalização econômica passou a valorizar as diferenças dos lugares, fazendo desta diferenciação um atrativo para o capital (LUCHIARI, 1998, p.16).
Para Fletcher (2011, p.110), “trabalhar com artesãos faz que todos esses
elementos se relacionem com os processos de design de forma imediata e
vital”. Para a autora, os artesãos desconhecem as regras de mercado e as
preferências dos consumidores, enquanto o designer pode propor à
comunidade local composições – articulando entre a cultura tradicional e as
especificidades das culturas globalizadas. Parece possível desenvolver
produtos que expressem as tradições dos artesãos e, ao mesmo tempo, se
ajustem a novos estilos de vida do mercado. Como pode ser observado nas
propostas desenvolvidas pelas artesãs da cooperativa da Coopa-Roca em
parceria com designers de Moda de marcas conceituadas, como Osklen e
M.Officer (figura 13).
Figura 13: Peças confeccionadas pela Coopa-Roca com as marcas Osklen e M.Officer. Fonte: (COOPA-ROCA.ORG.BR, 2013)
64
Segundo De Carli (2012, p.173), “conhecer a história de cada lugar e seus
particularismos culturais, tradições e técnicas cultivadas de geração em
geração, permite valorizar e vislumbrar o chamado genius loci, expressão latina
que significa o talento do lugar”. Morace (2009, p.15) defende essa expressão
como “o motor primeiro de uma globalização ‘sadia’: aquela que ao lado do
caráter dos indivíduos, considera o caráter dos lugares”. Nesse cenário,
Bonsiepe (2011), aponta que:
O uso de recursos locais (motivos gráficos, combinações cromáticas, materiais e processos de produção intensivos em mão de obra) em relação ao Design e à Identidade podem ser vistos, de maneira exemplar, em países periféricos. Em grande parte essas atividades pertencem ao setor informal da economia e geralmente aplicam processos simples e não intensivos de capital. (BONSIEPE, 2011, p.64).
Esse patrimônio cultural do lugar é formado pelas práticas do cotidiano –
técnicas e tradições. Krucken (2009, p.32) reconhece-as pelo conceito de
“terroir”, que significa “o produto, o território e a sociedade que o produz” e “o
espaço geográfico no qual os valores patrimoniais são fruto de relações
complexas das características culturais, sociais, ecológicas e econômicas,
tecidas ao longo do tempo”. Pensamento também de Bonsiepe (2011), quando
afirma que há muitas questões incluídas nos projetos que envolvem a
cooperação com artesãos:
Além dos problemas da subsistência, a relação com o ambiente e a natureza tem um papel importante para o artesanato. Os motivos da flora, fauna e astronomia servem como ponto de partida para lendas e tradições que depois se materializam nos produtos. A destruição do ambiente e a eliminação de animais e plantas são uma ameaça para a continuidade dessa cultura. Por isso a ecologia não é somente uma questão <bio-físico-química>, mas uma questão cultural de importância fundamental para a permanência e o desenvolvimento dos artesãos (BONSIEPE, 2011, p.78).
No cenário atual, o setor de Design de Moda tem passado por profundas
alterações pelo efeito da mundialização, confrontando-se com fluxos de trocas,
que vão da escala local para global e vice-versa. Nesse sentido, é importante
destacar que essa relação “é o resultado de um feixe de relações que soma as
particularidades (políticas, econômicas, sociais, culturais, ambientais) às
65
demandas do global que o atravessa” (LUCHIARI, 1998, p.16). Conforme
aponta Ortiz (2009):
O processo de mundialização é um fenômeno social total que permeia o conjunto das manifestações culturais. Para existir, ele deve localizar-se, enraizar-se nas práticas cotidianas dos homens, sem o que seria uma expressão abstrata das relações sociais. Com a emergência de uma sociedade globalizada, a totalidade cultural remodelada, portanto, sem a necessidade de raciocinarmos em termos sistêmicos, a ‘situação’ na qual se encontravam as múltiplas particularidades (ORTIZ, 1994, p.31).
Para Avelar (2009, p.81), “a cultura global é carregada de um fluxo contínuo de
signos e significados”, assumindo formas distintas e pluralizadas em
decorrência da miscigenação cultural. Dessa maneira, “a ‘diferença’ é algo
complexo que pode ser compreendida de muitas maneiras” (Avelar, 2009, p.86)
e ser estabelecida em comportamentos de origem mais conservadora com
“rejeição enfática às diferenças”, sendo que aquilo que é diferente acaba por se
afirmar sobre a diferença. Ou em um discurso mais igualitário, onde há o
“respeito às diferenças” e não se pretende estabelecer o discurso do que seria
o óbvio – a igualdade e a homogeneização –, há uma “aceitação das
diferenças”. Para Castells (1999), essas interações são uma consequência do
processo de hibridação cultural dentro de uma coletividade, que ocorre dentro
de um padrão do reconhecimento ou não reconhecimento do outro, em
decorrência de uma comunicação efetiva ou não. Alguns desses contextos
relacionais podem ser observados no caso da cooperativa Coopa-Roca, onde
essas interações se estabelecem de forma complexa, e os participantes são
colocados em modo a interagir na zona de conflitos das diferenças. Como pode
ser observado na ilustração do gráfico 1, organizado a partir do modelo de
Franzato e Celaschi (2012), nos quais os contextos relacionais das diferenças
são colocadas em contraponto:
66
Gráfico 1: Contextos relacionais Copa-Roca. Fonte: Adaptado de Franzato e Celaschi (2012).
A Moda antecipa esse movimento híbrido por sua capacidade de identificar
grupos sociais e incorporá-los ao exercitar a prática projetual na dinâmica da
própria coletividade. Nesse sentido, os pensamentos de Fletcher (2011) e
Luchiari (1998) corroboram essa ideia:
Os designers que trabalham diretamente com artesão do campo devem tornar-se “biculturais”, capazes de alcançar um equilíbrio entre as considerações acerca de ornamentos e as expectativas, realidades e potenciais de pessoas e organizações envolvidas (FLETCHER, 2011, p.110). As práticas de consumo atuais conjugam o café expresso, o fast-food, os equipamentos eletrônicos, as marcas dos carros e as grifes das roupas aos souvenires locais, ao artesanato, aos remanescentes florestais e culturais. Esta é a realidade em que vivemos. Ela é híbrida (LUCHIARI, 1998, p.18).
Não é rara a associação entre globalização e homogeneização ou
padronização, uma consequente transformação do lugar pelo enfraquecimento
de identidade e da perda de singularidades. A Moda tem sido apontada nesse
processo exercendo diferentes papéis, dependendo do enfoque que lhe é
dado. Ela pode ser fator homogeneizante, quando se fala de processos de
criação de símbolos e imagens globalizados, como nas cadeias de lojas com
67
rede internacionais pela proliferação do mesmo padrão de atendimento e
serviço. Em contrapartida, pode disseminar um fazer artesanal de tradição local
em nível global, como nas ações dos designers e artistas plásticos em
colaboração com as artesãs da cooperativa Coopa-Roca e nas ações do
designer Jum Nakao (2008), que serão analisadas no item a seguir, e outros.
Nesse contexto, em contrapartida à globalização e cosmopolitismo emerge a
tendência de acirramento de identidades12 coletivas, “que seguem os contornos
pertinentes à cada cultura, bem como às fontes históricas da formação de cada
identidade”, incluindo-se movimentos de resistência de crença religiosa, da
nação, da etnia, da família, e outros (CASTELLS, 1999, p.17). Onde ”uma
maior globalidade corresponde a uma maior individualidade” (SANTOS, 1996,
p.252), compreende-se a crescente valorização das tradições de comunidade
locais em nível global.
Para Castells (1999, p.22), identidade é “a fonte de significado e experiência de
um povo, […] processo de construção de significado com base em um atributo
cultural, um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, que prevalecem
sobre outras fontes de significado”. Para o autor, o exercício de resistência
comunal identifica na “comunidade local” um processo de valorização de
tradições culturais no cotidiano das mesmas. O fenômeno da globalização
pode promover a valorização e a divulgação das diferenças culturais, sociais,
étnicas, históricas, geográficas etc., e a emergência de novos fatores
relacionados com o pertencimento a alguma identidade local. A sobrevivência
dos segmentos de Design de Moda em comunidades locais demanda uma
adaptação às diferentes culturas ao invés de imposição, em questões que se
concentram em técnicas artesanais e conhecimentos tradicionais. Conforme
12
“A palavra identidade vem de idem (versão latina do grego tó autò, “o mesmo”), que resulta no latim escolástico identitas, permanência do objeto, único e idêntico a si mesmo apesar das pressões de transformação interna e externa. Identidade – ou conformidade, por semelhança ou igualdade, entre coisas diversas – é, assim o caráter do que se diz ‘um’, embora seja ‘dois’ ou ‘outro’, por forma e efeito” (SODRÉ, 1999, p.33). “Seja pessoal ou nacional, a identidade afirma-se primeiro como um processo de diferenciação interna e externa, isto é, identificação do que é igual e do que é diferente, e em seguida como um processo de integração ou organização das forças diferenciais, que distribui os diversos valores e privilegia um tipo de acento” (SODRÉ, 1999, p.45).
68
Bonsiepe (2011), é preciso atenção ao identificar padrões culturais relativos às
tradições e território local. Ele destaca:
[...] Frequentemente a produção artesanal é compreendida de forma reducionista ou limitada, em virtude de uma visão puramente estético-formal. Isso pode ser explicado usando-se o exemplo dos patterns de losangos aplicados em produtos têxteis, cerâmicos, cabaças e de madeiras [...] contatam-se visíveis dificuldades de interpretação desses patterns [...] com interpretações erradas por pessoas vindas de fora e não familiarizadas com a cultura local [...] Para compreender o significado recomenda-se fazer uma lista das suas diferentes manifestações (BONSIEPE, 2011, p.64).
É uma proposição interessante para identificar elementos nas tradições e
território locais. Vassão (2010) traz a padronização na abordagem de
Metadesign,:
Os patterns são considerados atualmente um modo muito acessível de compartilhar-se soluções de projeto de modo ágil e colaborativo. [...] Tais patterns seriam abstrações das soluções para os problemas levantados, independentes da linguagem específica em que seriam, por fim, programados. [...] permite trabalhar os problemas por meio de padrões aproximados, acessíveis cognitivamente ao programador, independente do seu nível de conhecimento – ampliando as vias de colaboração entre profissionais dos mais diversos extratos (VASSÃO, 2010, p.108).
Dessa maneira, o designer observa dos cenários, colhe informações e cataloga
de maneira eficiente os padrões materiais e imateriais, que envolvem, por
exemplo, algum material específico do território, alguma tradição ou saber
expressos na cultura local para posteriores propostas de projeto. Algumas
dessas questões serão analisadas no item a seguir, nas ações emergentes da
cooperativa de artesãs Coopa-Roca e do designer Jum Nakao (2008) na
comunidade de Manicoré (AM). Outras serão abordadas no cápitulo 3, que traz
ações de Design em redes colaborativas locais.
69
1.3. Contextos históricos para construção do cenário emergente
Algumas das ações de Design de Moda por meios colaborativos em
comunidades locais podem ser observadas nos processos de projetos de três
designers brasileiros: Walter Rodrigues, Ronaldo Fraga e Jum Nakao. Esses
designers, entre os anos de 2002 a 2013, foram convidados pelo Museu do
Objeto Brasileiro, por fundações como o Sebrae13, Senai14, Senac15, Vale16, e
pelos Programas Talentos do Brasil17 e Fórum Inspiramais da Assintecal18 a
participar de projetos para apoio e valorização da atividade artesanal e fomento
dos talentos locais. Segundo os dados das propostas e dos projetos dos
designers citados, a realização dessas ações tem como objetivo o
desenvolvimento de artefatos em colaboração nas comunidades, com a
proposta de levar princípios de Design para as artesãs, potencializando
elementos da cultura local e práticas artesanais para desenvolver produtos de
mercado.
Proposições como essas aconteceram com mais força entre os anos de 2005 e
2008, mas desde 1982 pode-se citar como exemplo emergente o caso da
Cooperativa de Artesãs Coopa-Roca. Este é um caso de um sistema complexo
em si, com ações negociadas no meio social, um Metameta-espaço social
(VIRILIO, 1996), formalizado a partir dos modos de conduta – alguns impostos
pelos costumes tradicionais, outros pelas tecnologias, mas também pela
superestrutura ideológica que emerge da própria sociedade (VASSÃO, 2008).
A Coopa- Roca é um exemplo positivo de meta-estrutura social emergente que,
ao ter observadas e compartilhadas as emergências identificadas nesses
13
Sebrae: Agência de apoio ao empreendedor e pequeno empresário. www.sebrae.com.br 14
Senai: Serviço nacional de aprendizagem industrial. www.portaldaindustria.com.br/senai 15
Senac: Instituição de educação profissional aberta a toda a sociedade, com a missão de desenvolver pessoas e organizações para o mundo do trabalho. www.senac.br 16
Vale: Fundação que procura fortalecer o capital humano e contribuir para o desenvolvimento social e econômico das comunidades, potencializando os investimentos sociais da Vale. www.fundacaovale.org 17
Talentos do Brasil - Iniciativa do Ministério do Desenvolvimento Agrário com o objetivo de estimular a troca de conhecimentos entre designers e artesãos, valorizando a identidade cultural das mulheres manufatureiras, com o objetivo de geração de empregos e renda salarial, através do valor agregado aos seus trabalhos. www.talentosdobrasil.com.br 18
Assintecal: Associação Brasileira de Empresas de Componentes para Couro, Calçados e Artefatos. www.assintecal.org.br
70
sistemas complexos, há a promoção de melhores soluções de Design. Vassão
(2010) destaca
[...] a proposta de entidades complexas dotadas de propriedades emergentes possui relações interessantes com processos colaborativos, tanto como uma forma de torná-los tratáveis (abrindo a complexidade de uma entidade à maciça ação de um conjunto extenso de pessoas), como também por um processo de identificação (as comunidades e as sociedades são elas mesmas, entidades complexas dotadas de propriedades emergentes) (VASSÃO, 2010, p.77).
A Cooperativa da comunidade da Rocinha (RJ) foi criada no início da década
de 1980, com a missão de ampliar o orçamento familiar e manter o cuidado dos
filhos e das atividades domésticas pelas próprias artesãs (figura 14). A história
da Coopa-Roca começou a ser desenhada em 1981, quando uma jovem
moradora do Leblon, a socióloga Tereza Leal (figura 14), motivada pela leitura
do educador Paulo Freire, decidiu conhecer de perto a vida cotidiana do morro:
Comecei visitando a empregada de uma amiga, que passou a me apresentar às vizinhas. O envolvimento com a comunidade acabou fazendo com que eu iniciasse uma oficina de reciclagem para crianças. Um dia, consegui uma doação de retalhos de tecidos e pedi a uma das moradoras que me ajudasse a fazer bonequinhas de pano. Ela se negou a deixar os retalhos nas mãos das crianças e disse que tinha uma ideia melhor para aproveitá-los e chamou amigas para fazer almofadas, tapetes e colchas. Estava plantada a semente. (LEAL, 2007).
Figura 14: Artesãs da Coopa-Roca (1981) e Tereza Leal (2005) Fonte: (PBS.ORG/OPB/THENEWHEROES, 2013)
71
Segundo resultados em análise SWOT19 (Anexo 1), conforme apontamentos de
Tereza Leal, a cooperativa de artesãs da comunidade da Rocinha, apesar de
estar situada em um ambiente urbano, apresenta grande potencial relativo à
culturas tradicionais com circulação de técnicas artesanais das cidades de
origem das artesãs, vindas de diversas regiões do país, principalmente do
nordeste. A proposta inicial era elaborar produtos artesanais resgatando
técnicas tradicionais, como o fuxico, o crochê, o bordado, o nozinho e o
patchwork, com a sobra do corte industrial de confecções. As artesãs
começaram produzindo peças para uso cotidiano como colchas, tapetes e
almofadas de retalhos, vendidos a amigos e vizinhos (figura 15). A partir da
proposição de aliar as técnicas tradicionais ao uso de materiais e processos
contemporâneos, emergiram possibilidades de interação com outros setores
culturais. Manzini (2008) classifica esse tipo de iniciativa como ações
catalizadoras que transformam os ambientes em cenários férteis para melhores
soluções de Design. Sobre as ações projetuais nesses cenários de
organizações colaborativas, o autor destaca
Mesmo que as comunidades criativas e as inovações sociais difusas não sejam totalmente planejáveis, nos parece ser efetivamente possível ajudá-las a nascer, bem como facilitar sua existência. Isso significa que intervenções de suporte, ou soluções habilitantes, podem ser concebidas em diferentes escalas envolvendo diversos grupos de atores (MANZINI, 2008, p.83).
19
A Análise SWOT (ou Análise FOFA ou PFOA) observa Potencialidades, Fraquezas, Oportunidades e Ameaças nos cenários em questão.
72
Figura 15: Detalhes de técnicas tradicionais de artesanato e proposições contemporâneas em peças desenvolvidas para o cotidiano pelas cooperadas da Coopa-Roca.
Fonte: (INICIATIVACULTURAL.ORG.BR, 2013).
A inserção da cooperativa no circuito cultural se deu a partir da exposição
“Retalho: feminino, plural”, realizada no Instituto Nacional do Folclore em 1987.
A figura 16 traz a imagem de divulgação veiculada na época e reúne um grupo
de artesãs da Coopa-Roca e Tereza Leal. No mundo da Moda, aconteceu no
Rio de Janeiro, em abril de 1994, um momento de vanguarda propiciando o
73
início para propostas das “Semana de Moda”20 no Brasil, com parcerias da
cooperativa com marcas como a do designer Carlos Miele (figura 17).
Figura 16: Foto Coopa-Roca para divulgação da exposição “Retalho: Feminino Plural” (1981). Fonte: (INICIATIVACULTURAL.ORG.BR, 2013).
Figura 17: Foto do primeiro desfile de Moda Coopa-Roca em 1994 (à direita), e proposta de Carlos Miele em colaboração com a Coopa-Roca.
Fonte: (INICIATIVACULTURAL.ORG.BR, 2013) e (BLOGLOG.GLOBO.COM, 2013)
20 A Semana de Moda é um evento da indústria da moda, com duração de aproximadamente uma semana, o que permite que os designers de moda mostrem suas últimas coleções. As semanas de moda mais proeminentes são realizadas em quatro capitais da moda do mundo: Londres, Nova York, Milão e Paris. A primeira Semana de Moda Brasileira aconteceu em São Paulo em 1995. (BRAND, 2005, p.9); (pt.wikipedia.org wiki Semana de Moda ).
74
A tabela 2 a seguir apresenta algumas das exposições e eventos que a
cooperativa participou, com o percurso e definições das ações das artesãs:
Eventos realizados com a participação da Coopa-Roca
1994 – 1º Desfile de Moda na Fundição Progresso, Rio de Janeiro
2000 - 1ª Edição da Exposição REtalhar
2001 - London Fashion Week
2002 - São Paulo Fashion Week
2002 - Participação especial na exposição Morro Labirinto, do Instituto Goethe
do Rio de Janeiro, no Museum, Utrecht, Holanda
2002 - Fashion Rio, no Rio de Janeiro
2002 - Exposição REtalhar, em São Paulo e no Rio de Janeiro
2003 - Workshop e Performance, no Teatro Volksbuhne, Alemanha
2003 - São Paulo Fashion Week
2004 - Brazil 40 Degrees, no Selfridges, Londres
2004 - São Paulo Fashion Week
2005 - Exposição Aller-Retour Paris-Rio, no Ateliers de Paris
2005 - Desfile Couture Equitable, Brésil/Brésils Parc de la Vilette, Paris
2006 - Exposição Global Fashion, Local Tradition, no Central
2007 - Exposição Retalhar Centro Cultural Branco do Brasil
Tabela 2: Alguns dos eventos da Cooperativa Coopa-Roca
Fonte: (COOPA-ROCA.ORG.BR , 2013) e ( IPEA.GOV.BR/DESAFIOS, 2013)
Destacam-se dentre esses eventos a primeira edição da exposição Retalhar
em 2000. O evento aconteceu no Parque das Ruínas, no Rio de Janeiro, e
também na unidade de Moda do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
(Senac) de São Paulo.
O nome remete não só a retalho, a primeira matéria-prima utilizada pelas artesãs, mas ao significado do verbo, que é "talhar novamente". Queríamos dar uma nova forma ao nosso trabalho. Sendo assim, convidamos artistas plásticos, designers e estilistas para pensar novos produtos com as técnicas artesanais da Coopa-Roca. O sucesso da mostra foi tamanho que a cooperativa conseguiu fechar suas duas primeiras parcerias comerciais, com o designer Fernando Jaeger e a Osklen de Oscar Metsavanth, e M.Officer de Carlos Miele. (LEAL, 2007).
75
Nesse contexto, Manzini (2008, p.75) aponta que “muitas vezes as
comunidades criativas surgem de iniciativas de baixo para cima”, mas que
“para que haja a possibilidade de sua existência em longo prazo depende-se
de mecanismos complexos, que envolvem troca de informações com outras
organizações similares ou intervenção de instituições, organizações cívicas ou
empresas em iniciativas que acontecem de cima para baixo”.
Como pode ser observado do contexto histórico da Coopa-Roca, nos seus
primeiros eventos os trabalhos eram realizados só pelas artesãs, com
proposições de peças que referenciavam o dia a dia delas. Nas edições de
exposições a partir da mostra “REtalhar”, foram convidados parceiros variados
para o desenvolvimento das peças. A primeira edição da exposição foi
realizada em 2000, na galeria do Parque das Ruínas, no Rio de Janeiro, e na
galeria do Senac Esmod, em São Paulo, com apoio da Secretaria de Cultura
da Prefeitura do Rio de Janeiro e Senac São Paulo. Os convidados foram:
Amaury Veras, Anne Deleport, Caco Borges, Carlos Miele, Chicô Gouvêa,
Fernando Jaeger, Gringo Cardia, Israel Nunes, João Maurício Pegorim, Jorge
Barrão, Lenny, Lia Siqueira, Luiz Stein, Romualdo Vieira de Mello, Rubens
Gerchman, Tunga. Algumas das peças da realização podem ser observadas
na figura 18.
Figura 18: Folders e peças desenvolvidas para exposição REtalhar (2000). Fonte: (PROXIED.CHANGEMAKERS, 2013)
76
O sucesso da exposição foi tanto que gerou as principais parcerias comerciais
para a cooperativa e mais outras três edições em São Paulo e no Rio de
Janeiro em 2002. A segunda edição foi realizada no Sesc Belenzinho, em São
Paulo, e no Rio Design e Centro Cultural Justiça Federal, no Rio de Janeiro,
com o patrocínio do Sesc São Paulo e Sebrae, apoio da Secretaria de Cultura
da Prefeitura do Rio de Janeiro e do Instituto Goethe do Rio de Janeiro. Foram
convidados: Alfaias, Antônio Dias, Carlos Miele, Carlos Vergara, Couro Vegetal
da Amazônia, Ernesto Neto, Fernando Jaeger, Fred Gelli, Fumi Hashimoto,
Hermann Hiller, Jacqueline De Biase, Janet Costa, João Maurício Pegorim, Lia
Renha, Maria Cândida Sarmento, Michael Wesely, Papel Craft, Renato Renato
Inbroisi, Rosângela Rennó, Solange Meneghel, Tok&Stok. A seguir, podem ser
observadas algumas das peças desenvolvidas para essa exposição, figura 19.
77
Figura 19: Peças desenvolvidas em colaboração entre artesãs, designers e artistas para a exposição REtalhar (2002).
Fonte: (INICIATIVACULTURAL.ORG.BR, 2013) e (1.FOLHA.UOL.COM.BR, 2013)
A exposição REtalhar de 2007 foi no Centro Cultural do Banco do Brasil no Rio
de Janeiro (figura 20), quando vinte designers e artistas plásticos foram
convidados para desenvolver o projeto com a cooperativa. Dentre artistas e
78
designers de Moda, estavam: Lenny Niemeyer, Oskar Metsavaht e Carlos
Miele, Luis Zerbini, Pedro Lobo Alexandre Herchcovitch, Antonio Bernardo,
Batman Zavareze, Carlos Miele, Cordelia Fourneau, Cristina Salgado, Dautore,
Ernesto Neto, Interni, Luiz Zerbini, Murillo Meirelles, Osklen, Regina Kato,
Renato Bezerra de Mello, Sobral, Tátil Design, Tord Boontje e Sass Brown21. A
seguir, algumas das peças desenvolvidas em cooperação pelas artesãs,
artistas e designers são apresentadas, e pode-se observar como foram
incorporados os fazeres manuais e as características dos procedimentos com
os retalhos, em propostas elaboradas para instalações e peças de vestuário
feminino:
Figura 20: Mostra Retalhar 2007, peças em cooperação entre artesãs, artistas e designers. Fonte: (INICIATIVACULTURAL.ORG.BR, 2013) e (MULHER.UOL.COM.BR, 2013)
Dentre as exposições que a cooperativa participou também se destaca a
mostra que aconteceu na Holanda entre 2005 e 2006, intitulada “Global
Fashion, Local Tradition”, no Centraal Museum. A exposição reuniu trabalhos
21 Sass Brown, na ocasião, participou como artista plástica. Hoje, ela é reconhecida e bem conceituada como designer de Moda Sustentável.
79
com a mesma proposta de aproximar artesãos, designers e artistas plásticos
localizados em diferentes partes do globo e deu origem a um livro com o
mesmo nome, que tem como intuito principal catalogar e disseminar os
diferentes padrões culturais e saberes tradicionais de culturas locais dos
trabalhos apresentados em nível global. Atualmente, as artesãs da Coopa-
Roca continuam desenvolvendo projetos com as mesmas características, em
parceria com designers de Moda de marcas conceituadas como a Osklen,
Marcelo Sommer e M.Officer (figura 21).
Figura 21: Convite para o primeiro desfile internacional da Coopa-Roca no Haus der Kulturen der Welt (Casa das Culturas do Mundo), em Berlim, Alemanha (2005) e algumas das peças
desenvolvidas com a M.Officer (2001) para Carlo Miele e desfile no Fashion Rio (2002). Fonte: Brand (2005); (MAIS.UOL.COM.BR, 2013) (ANABEATRIZBARROSFAN.COM, 2013)
80
Outra importante observação é a gestão democrática da cooperativa, conforme
descreve uma das artesãs e Tereza Leal, e também está ilustrado no
organograma da cooperativa (figura 22).
Todas as decisões são tomadas em conjunto. Nosso caminho é construído com base nas necessidades do grupo. Há eleições para a admissão de novas cooperadas e para a escolha da diretoria. O voto de todas as mulheres tem o mesmo peso, e estimulamos a renovação do quadro (PAZ, 2007). Uma característica da Coopa Roca que salta aos olhos é o seu modelo de gestão democraticamente horizontalizado. Não há qualquer tipo de hierarquia, mas sim de organização, com as devidas responsabilidades. O trabalho começou com apenas cinco mulheres; já atingiu mais de 100 nos momentos de maior demanda de produção, mas sabe-se que, se houver trabalho, esse número pode ser muito maior. Certa vez, para se atender a um grande pedido da Lacoste, houve uma ampla divulgação na Comunidade para recrutamento de novas interessadas em participar. O resultado foi a inscrição de 250 mulheres em apenas três dias. (LEAL, 2011).
Figura 22: Organograma Coopa-Roca. Fonte: (INICIATIVACULTURAL.ORG.BR, 2013)
Essa característica de gestão horizontalizada destacada por Leal é semelhante
ao que Vassão (2010) descreve como rizoma formalizado em um diagrama:
Uma forma de organização não centralizada, desprovida de centro; suas entidades podem até mesmo variar de importância, mas isso não é determinado permanentemente ou sequer depende de sua posição no diagrama – um agenciamento não hierárquico (VASSÃO, 2010, p.51).
Segundo Vassão (2010, p.45), os diagramas são estruturas topológicas que
vão além de formas de representação, pois identificam processos relacionais
81
de organização desses sistemas, e características emergentes como repetição,
dependência, função operacional etc. A entidade abstrata localizada nesse
processo se define como pattern. A identificação desse padrão no sistema
promove a percepção e ação sobre os princípios projetuais de maneira
aproximada, aberta a interpretação de quem o lê. Como destaca Vassão (2010,
p.49), “Por esse motivo ele é um objeto compartilhado para a colaboração
criativa, e promove a circulação de conceitos pelas comunidades e pela
cultura”. O diagrama (figura 23) representa como algo concreto os fluxos
operacionais da cooperativa Coopa-Rooca que se estabelecem de forma
complexa, compondo uma rede social descentralizada.
Figura 23: Diagrama de fluxos operacionais da cooperativa Coopa-Roca. Fonte: Desenvolvido a partir de modelo de Vassão (2010, p.50)
82
Analisados sob a ótica da abordagem sobre os fluxos de informações e
processos, podem ser encontrados padrões de comportamento divergentes
apresentando operações diferentes do restante. As três setas indicam os
designers (1) Sass Brown, (2) Irmãos Campana e (3) Tord Bootje.
1. Sass Brown (figura 24) era artista plástica quando participou da 2ª edição da
exposição REtalhar. Depois dessa experiência, passou a prestar consultoria
voluntária para a Coopa-Roca entre 2003 e 2008, período em que passava
dois meses durante o verão e um mês durante invernos brasileiros na
cooperativa para auxiliar as artesãs em pesquisas, trazendo padrões para
projetos que envolviam arte, artesanato e criatividade. Esses projetos eram
desenvolvidos para designers de Moda como Alexandre Herchcovitch, Carlos
Miele e Marcelo Sommer. Atualmente, Sass Brown é diretora residente no
Fashion Institute of Technology. Suas pesquisas são desenvolvidas para área
de ensino, tendo foco em Design de Moda e sustentabilidade.
Figura 24: Sass Brown, artista plástica e designer de Moda voluntária na Coopa-Roca entre
2003-2008. Fonte: (ECOFASHIONTALK.COM, 2013)
2. Em 2009, a cooperativa associou-se aos irmãos Campana, produzindo e
aplicando 300 mil jacarés em uma coleção especial de polos da grife Lacoste –
uma interação diferente porque não envolveu diretamente o Design de Moda, e
sim Design de Produto para uma proposição de Moda.
83
Figura 25: Camisas desenvolvidas em colaboração entre artesãs da Coopa-Roca e irmãos Campana para a Lacoste (2009).
Fonte: (INICIATIVACULTURAL.ORG.BR, 2013)
3. A parceria da cooperativa Coopa-Roca com o designer de produtos e artista
plástico Tord Boontje destaca-se como uma das mais promissoras. Além da
participação em uma das edições da exposição REtalhar, houveram muitas
outras parcerias de destaque:
• Selfridges – Brazil 40 Degrees - evento realizado em Londres, em 2004, em
homenagem ao Brasil. O projeto foi apoiado pelo British Council, com
participação das grifes Agent Provocateur, Paul Smith e do designer Tord
Boontje.
• Tokyo Design Week 2004 - exposição das luminárias desenvolvidas em
parceria com o designer holandês Tord Boontje.
• Moss Design - exposição das luminárias em parceria com o designer
holandês Tord Boontje 2005, em Nova York.
• Milan Design Week 2005 - exposição das luminárias desenvolvidas em
parceria com o designer holandês Tord Boontje.
• Vitrines Ann Taylor - Projeto desenvolvido em parceria com Tord Boontje para
a campanha contra o câncer de mama “The Breast Cancer Awarness”, em
2004.
84
Na figura 26 abaixo, observa-se que tanto a cooperativa quanto o designer
desenvolveram uma linguagem comum: a discussão do cotidiano e a
incorporação de elementos orgânicos. Cada uma das partes passa a
desenvolver esses elementos em proposições futuras.
Figura 26: Elementos de linguagens em peça de Boontje (2004) e vestido Marcelo Sommer, desenvolvidos em colaboração na Coopa-Roca (2004). Fonte: (TORDBOONTJE.COM, 2013) e (RFI.FR, 2013)
As ações em colaboração procuraram identificar as características dos
contextos para serem compartilhadas entre todos os participantes. Isso faz com
que a emergência, entidade de patterns identificadas nesses cenários
(BONSIEPE, 2011) – no caso técnicas de artesanato manual de crochê
desenvolvidas para vestimentas femininas pelas artesãs da Coopa-Roca –
sejam incorporadas como uma oportunidade para melhores soluções de
projeto (VASSÃO, 2010), como fez o designer Tord Boontje nas peças de
cúpulas para lustres de cozinhas e salas de jantar. Em trabalhos posteriores
(figura 27), observa-se que tanto a cooperativa quanto o designer
desenvolveram uma linguagem visual e técnica comuns, presentes tanto nos
85
padrões de processos produtivos como nos de criação. Eles podem ser
observados na representação dessas peças, constituídas a partir de técnicas
manuais e repetição de elementos confeccionados primeiro em pequenas
partes separadamente para posterior união. Na questão de linguagem visual,
há também a representação orgânica e composição variada de cores em um
mesmo elemento. Nas questões de linguagem cultural, observa-se a discussão
do cotidiano nas instalações de Boontje e nas peças desenvolvidas pelas
artesãs da Coopa- Roca.
Figura 27: Peças desenvolvidas pela cooperativa Coopa-Roca e pelo designer de produtos e artista plástico Tord Boontje.
Fonte: (HANDEYEMAGAZINE.COM, 2013); (TORDBOONTJE.COM, 2013) e (PULPEDICOES.COM, 2013)
Ação semelhante é a do designer Jun Nakao (2008), figura 28, convidado pelo
Programa Talentos do Brasil (iniciativa do Ministério do Desenvolvimento
Agrário, que terá detalhes analisados no capítulo a seguir) a desenvolver o
projeto junto à comunidade de Manicoré (AM). Observando-se o resultado nas
peças voltadas para objetos do cotidiano e algumas peças para as pessoas da
própria comunidade, constata-se que ações dessa natureza são projetáveis.
Percebe-se, nessa ação, a escolha do designer em incluir as necessidades
cotidianas dos colaboradores, e não pontuar o contexto do projeto pelo
mercado – o que abre a questão de que, talvez para uma estratégia que
envolve inovação, os processos projetuais desenvolvam-se a partir das
86
necessidades dos próprios participantes. As ações da cooperativa Coopa-Roca
e os contextos relativos às necessidades das artesãs trouxeram também a
questão de como se trabalhar a partir das sobras de material. Essas questões
foram incorporadas pelos designers e artistas plásticos convidados, que
atuaram como facilitadores da inserção de processos contemporâneos junto às
técnicas tradicionais das artesãs. Isso marcou um diferencial, apresentado nas
exposições e nos desfiles.
Figura 28: Produtos em colaboração entre Jum Nakao e as comunidades de Maricoré (2008). Fonte: (JUMNAKAO.COM.BR, 2013)
A análise dos contextos nos cenário dessas ações projetuais com processos
colaborativos de designers de Moda e comunidades locais leva a refletir sobre
a abordagem do Design como uma atividade mediadora de processos
dinâmicos nos mais diversos contextos. Incluir os processos colaborativos nos
projetos de Design de Moda, segundo Nakao (2008), “promove a troca de
saberes, trazendo para o design o conhecimento da tradição e, para o
artesanato, a ampliação do acesso aos mercados, buscando-se uma atividade
auto-sustentável”. Essa afirmação aproxima-se com a de Pamponet (2013),
quando este fala sobre projeto social:
87
Todos os processos de aprendizagem envolvem obrigação de saída. Ninguém tem a expectativa de trabalhar lá. Faz parte do trato como aprendiz, desde o início, que ele terá que ficar pronto para viver por própria conta depois. É um componente que eleva a exigência de produção para eles (PAMPONET apud NACCACHE, 2013 p.158).
Leal (COOPA-ROCA.ORG.BR, 2007) destaca que a visibilidade midiática
colocou a Coopa-Roca no circuito da Moda com um “selo social”: através das
ações projetuais, promove-se, além da inclusão social das artesãs nos
mercados de Moda, o desenvolvimento social de aprendizagem, já que as
artesãs desenvolvem uma reflexão crítica sobre o seu papel na sociedade,
descobrem novas habilidades e como estas podem ser inseridas nos cenários
de Moda e no próprio cotidiano. O caso de trabalhos da Coopa-Roca com
artesãs trouxe um “componente inovador” (relação antes não existente entre
designers e artesãs) para os processos de projetos de Design de Moda, que
passaram a ser influenciados pela possibilidade de cooperação com
organizações e cooperativas. A pluralidade de saberes tradicionais é uma
característica brasileira que, diante da diversidade cultural, vem sendo
incorporada como elemento potencializador de processos projetuais. Nesse
sentido, Giaccardi e Fischer (2004) destacam:
Num mundo que não é previsível, improvisação e inovação são mais do que um luxo, são uma necessidade. O desafio do design não é uma questão de se desvencilhar da emergência, mas de incluí-la e fazer dela uma oportunidade para soluções mais criativas e adequadas.
(GIACCARDI e FISCHER, 2004).
Compartilhar os saberes entre diversos sistemas (designer/moda-
artesão/comunidade) pode constituir um novo valor atualizado pelos interesses
dos designers de Moda, agregar valor das culturas tradicionais em seus
produtos (e, no caso das comunidades, difundir um saber tradicional) e apontar
novas perspectivas no campo de ação mercadológica. Hoje, depois de trinta
anos confeccionando produtos artesanais para diversas marcas, a Coopa-Roca
construiu uma nova sede e abriu sua primeira loja própria no Fashion Mall,
shopping bem conceituado do Rio de Janeiro (figura 29). Nesse trajeto,
observa-se positivamente a emancipação da cooperativa com uma atividade de
organização auto-sustentável, na medida em que as artesãs não estabelecem
88
uma relação de dependência comercial com os designers, como acontece
normalmente.
Figura 29: Artesãs cooperadas, loja no Fashion Mall e nova sede da Coopa-Roca em 2010. Fonte: (INICIATIVACULTURAL.ORG.BR, 2013)
89
2. Ações metaprojetuais: inter-relação das variáveis adaptáveis com
cadeia de produção
Este capítulo aborda o ambiente em que designers e usuários podem colaborar
para a atividade de Design com práticas comunitárias em suas especificidades
temporais de projetar e desenvolver processos. Investigam-se
instrumentalidade e possíveis aproximações dos conceitos de Metadesign
(VASSÃO, 2008, 2010) e Metaprojeto (MORAES, 2010; CELASCHI e
DESERTI, 2006) enquanto modos de fluxo de informação nos processos
produtivos na cadeia de valor de Design de Moda na sistematização de fluxos
dos processos (informação e interação na cadeia de produção têxtil
distribuídos em redes, com abordagens de colaboração em relações
tecnológicas e sociais). Analisa-se o conceito de cadeia de valor visando
descrever características, critérios e discussões relevantes na escolha dos
contextos, processos de produção e tecnologias.
As questões de valorização do território são colocadas a partir de Krucken
(2009), e plataformas de conhecimentos prévios para fases iniciais de projeto a
partir de Moraes (2010). A partir de Monzoni (2012) e Krucken (2009), procura-
se descrever contextos, características e critérios para a sistematização dos
processos informacionais na construção da identidade cultural. Quanto aos
processos de produção tecnológica da cadeia têxtil, reorientação econômica,
social e ecológica, acrescentam-se também as proposições de Manzini (2008).
São analisadas as ações projetuais dos designers Ronaldo Fraga no Programa
Talentos do Brasil (2008), junto às comunidades de Coxim (MS), Agreste da
Paraíba (PB) e São Borja (RS), e também a ação projetual de Walter
Rodrigues, na coordenação do Programa do Fórum Inspiramais da Assintecal e
junto à artesã Yasmine (2012). Tomando as ações dos designers Walter
Rodrigues e Ronaldo Fraga no Programa Talentos do Brasil (2008) e no Fórum
Inspiramais (2013), respectivamente, evidenciam-se o compartilhamento da
informação nas fases processuais, a cadeia de produção, os serviços
prestados pelos colaboradores, e as estratégias de percepção de valor e
qualidade. Destaca-se a ação de Walter Rodrigues e estratégias para
90
alternativas processuais junto à rede do Fórum Inspiramais, associados da
Assintecal, Abicalçados, Mix by Brasil, entre outros, evidenciando a ação em
comunidades locais e trazendo como referência o caso da artesã Yasmine, do
projeto “Artes e Tramas”.
Pesquisaram-se ações projetuais que abordam benefícios materiais, ou seja,
que promovem maior valor de mercado aos produtos/serviços desenvolvidos,
principalmente os valores relativos à sustentabilidade ambiental e social,
ampliando as proposições de consumo e apresentando a cadeia de produção –
materiais e tecnologias e as inter-relações culturais – local e global. Para
Krucken (2009), essas ações de Design que promovem o conhecimento
relativo aos processos da cadeia produtiva e em comunidades locais visam a
estimular uma participação ativa do consumidor, que, por meio das suas
escolhas, pode apoiar o desenvolvimento sustentável em processos
reorientados por questionamentos ecológicos e sociais. Segundo Meroni
(2008), ao planejar estratégias para valorizar produtos e serviços relacionados
a uma determinada origem geográfica, o designer propõe abordagens
sistêmicas promovendo a valorização do território – da cultura e da identidade
local, dos recursos ambientais e saberes tradicionais associados.
2.1. Processo, produto e serviço em cadeia produtiva
A cadeia produtiva da moda [...] engloba desde atividades manufatureiras de base até serviços avançados de distribuição: heterogeneidade estrutural e tecnológica; segmentação produtiva; relações de subcontratação; bifurcação entre as atividades produtivas (materiais) e as funções corporativas (imateriais). Atualmente atravessa um período de profundas mudanças, face ao processo de globalização e a abertura de novos mercados. Os componentes mais sensíveis dessas transformações são: deslocamento da produção devido aos altos custos operacionais; exasperação da concorrência; redução do ciclo de vida dos produtos de moda; incremento veloz das tecnologias e modificações complexas na estrutura dos mercados (PESQUISA ECONOMIA E CULTURA DA MODA, 2011, p.8).
Atualmente, a cadeia produtiva de Design de Moda insere-se na produção do
produto têxtil e particularmente, algumas vezes, viabilizada pela capacitação
humana, que agrega valor não somente por atributos técnicos, mas também
simbólicos e culturais. É o caso das peças produzidas pelas artesãs do
91
programa Talentos do Brasil, que apresentam elementos de artesanato com
tradição local e identidade regional (figura 30), valorizando técnicas
manufatureiras de rendas e bordados manuais, técnicas para trançar a palha e
o curtume de couro de peixe, técnicas de modelagem em cerâmica,
marchetaria, traçados em ráfia etc.
Figura 30: Algumas técnicas de tradições locais de artesãs do Programa Talentos do Brasil. Fonte: (TALENTOSDOBRASIL.COM.BR, 2013)
Quando se pretende melhorar precárias condições de vida mediante projetos de cooperação, não é suficiente trabalhar apenas com design. Devem ser incluídas outras medidas de apoio como concessão de microcréditos e a comercialização. Frequentemente os artesãos vivem à beira da extrema pobreza, não podendo sequer comprar matéria-prima para a produção. (BONSIEPE, 2011, p.77).
O Programa Talentos do Brasil é uma iniciativa do Ministério do
Desenvolvimento Agrário Brasileiro, por meio da Secretaria da Agricultura
Familiar, que tem como objetivo estimular a troca de conhecimentos,
valorizando a identidade cultural das mulheres manufatureiras e promovendo a
geração de renda. O programa propõe que os grupos de artesãos recebam
treinamento com consultorias de designers com foco na prática local e
autogestão.
Segundo Krucken (2009), essas pequenas produções locais geralmente não
são absorvidas pelo mercado, pois produzem produtos não adequados à
92
padronização massiva – por exemplo, quanto aos produtos (inviabilidade de
padronização de tamanho de manequim) e questões de logísticas (geralmente
as comunidades ficam em lugares afastados dos centros). As iniciativas, como
a do Programa Talentos do Brasil, reforçam o pensamento de Krucken (2009,
p.63) sobre “a importância de se buscar soluções integradas, articulando todos
os elos que formam as redes de produtores e consumidores”. Entende-se que
a sobrevivência desse sistema depende do exercício de solidariedade,
caracterizado pela dependência recíproca ou interdependência.
Nesse sentido, Manzini (2010, p.IX) destaca que o contexto econômico atual
coloca em evidência uma problematização crítica sobre os cenários dos
sistemas de produção e consumo, apontando o surgimento de uma “Próxima
Economia”. Para Manzini (2008, p.12), os designers, compreendendo tal
dimensão, “podem conscientemente dar rumo a um futuro sustentável com
passos de caráter sistêmico e colocando em prática estratégias para
descontinuidades desses sistemas”, e ressalta algumas diferenças:
“a próxima economia não é baseada em bens de consumo, mas
na interação entre pessoas, produtos e lugares”. Por exemplo: sistemas de
geração de forças distribuídos, novas cadeias de alimentos, sistemas de
locomoção inteligentes, programas de desenvolvimento urbano e regional,
serviços colaborativos de prevenção e cuidados com a saúde.
“a próxima economia não é orientada pelo produto, mas
principalmente pelo serviço”, baseada em redes sociais e tecnológicas, em
que as pessoas, produtos e lugares interagem para obter um valor de
reconhecimento comum.
“a próxima economia não é limitada à economia de mercado, mas
emerge dos quatro domínios econômicos convergentes: o mercado, o
estado, as verbas públicas e os negócios domésticos”.
“a próxima economia depende principalmente da inovação social”.
Nesse contexto, o cenário do Design de Moda brasileiro demonstra a
necessidade de mudanças e melhorias no entendimento sobre as tecnologias
existentes, demandas de consumo, contingente humano organizacional e
93
técnico, inovação em serviços, e até questões mais complexas como não
pautar os produtos pelas tendências internacionais de mercado.
Segundo dados apresentados na pesquisa “Economia e Cultura da Moda:
Perspectivas para o Setor” (2011, p.51), a Moda como conceito, ou seja,
enquanto tendência de comportamentos podem influenciar diversas etapas da
cadeia produtiva do têxtil. É o que acontece quando algum tipo de técnica
manual de artesanato, como tricô e crochê, são incorporadas nas propostas de
coleções apresentadas nas semanas de Moda, ou ainda quando, por exemplo,
as indústrias de têxteis e corantes químicos são orientadas quanto a melhores
processos e produção de insumos com qualidades menos nocivas ao meio
ambiente. Outros setores também podem influenciar no âmbito das pesquisas
em Design, no desenvolvimento estratégico para organização e inovação, na
caracterização das peças de vestuários e dos tecidos etc. Por exemplo,
quando alguma característica do saber tradicional ou cultura local promove
novas relações entre os stakeholders, agregando valor de capital social aos
processos produtivos. O gráfico 2 a seguir ilustra algumas dessas inter-
relações possíveis na cadeia produtiva têxtil:
Gráfico 2: Participação da Moda nas etapas da cadeia têxtil e possibilidade de adaptação. Fonte: Adaptado da pesquisa “Economia e Cultura da Moda: Perspectivas para o Setor” (2011)
94
Dessa maneira, na cadeia de produção, o Design de Moda pode ser regido por
propósitos de valor do designer-marca-instituição-organização, e ser
influenciado por fatores da indústria de base-usuário-consumidor-mercado-
sociedade. Ou seja, pode tanto oferecer as tendências que serão seguidas
pelos consumidores/usuários/colaboradores/sociedade, quanto atender às
demandas sugeridas por todos. A compreensão das limitações e das
possibilidades da cadeia produtiva promove um melhor entendimento da
mesma e, em consequência, promove também o conhecimento para uma
melhor gestão dos processos no desenvolvimento dos produtos e no
direcionamento dos fluxos das informações entre os stakeholders, que incluem
fornecedores, produtores, consumidores etc.
Segundo Valiati (et al., 2011, p.21), “a complexidade de uma cadeia produtiva
está fortemente ligada a um ambiente de criatividade, inovação e símbolos”
que implicam a tarefa de Design de propor alternativas para a construção da
mesma. Assim, expandir a compreensão da cadeia produtiva de Design de
Moda em um ambiente de pluralização de elos criativos, em um país como o
Brasil – de culturas diversas –, com vistas a produzir produtos de Moda, é um
caminho que só pode ser trilhado a partir da compreensão da direção e
amplitude dos fluxos (elos) que estruturam os caminhos de produção na cadeia
(Ibid, p.21). No âmbito de Design de Moda que pretende abordar o fator
identidade local, capital humano e tradição local, artesanato local, matéria-
prima regional etc. como valor agregado nos produtos, é preciso identificar
quais caminhos levaram aos elos e quais são os caminhos que os promovem.
Dessa maneira, o ponto de partida para a compreensão da estrutura e fluxos
desses caminhos é “localizar em quais níveis da cadeia estão as forças de
potências produtivas e de integração entre os atores envolvidos referenciados
em escala local, nacional e global” (KRUCKEN, 2010, p.35).
Em uma sociedade globalizada, a complexidade cultural intensifica-se cada vez
mais, exigindo repensar os processos de sistematização para detectar
aspectos de qualidade que sejam originais, ricos em significados e possíveis
de serem compartilhados em elementos de Design de Moda para a percepção
do valor agregado (KRUCKEN, 2009b). Vassão (2008, p.213) afirma que a
95
abordagem de “produzir processos”, quando antes se produziriam produtos,
está no centro das questões de desenvolvimento da sociedade global atual.
Para o autor, encontrar os “princípios ativos” de uma determinada área de
interesse para a ação comercial envolve o isolamento desses princípios e sua
conversão em entidade registrável e reproduzível alhures (Ibid., p.213). Sobre
uma abordagem de Metadesign para a sistematização com fluxos fluidos e
dinâmicos, o mesmo destaca:
É justamente quando se torna necessário que se controle, limite os movimentos, converta-se um campo originalmente plástico em um campo estável (mesmo que dinâmico), que se possibilite a ação racional e linearmente estruturada, é que os níveis de abstração se envolvem em um esforço de coagulação, retenção de movimento, permitindo a conversão de um fluxo em um conjunto de dutos, direcionando o movimento de peças, entidades, coisas, enfim, na montagem/composição de um produto, este já considerado como estável em sua identidade e existência (VASSÃO, 2008. p.213).
Da mesma maneira que o autor aproxima as proposições de Giaccardi (2003),
mapeadas nas relações entre arte, mídia interativa e Metadesign como modos
de Design, estende-se esta proposição ao artesanato na relação entre o local e
o global, de caráter fluido e dinâmico, dependente do contexto de processo,
uso e/ou consumo. Mas há também questões teleológicas, como aponta
Bonsiepe (2011). Ao assumir o folclore regional e o patrimônio público e
cultural de alguma cidade como elemento visual representativo da cultura
nacional, é possível que a comercialização torne-se também representativa,
como acontece, por exemplo, com objetos de artesanato africano que são
confeccionados para comércios com fins turísticos. Essa situação não
caracteriza de fato uma valorização da cultura, território e tradição local – não
há valor por não haver um amadurecimento em branding. Portanto, apresenta-
se frágil assumir a padronização e reprodução de elementos do artesanato em
escala.
Por isso, a abordagem de Metadesign em processos locais pode identificar
entidades e constituir plataformas de “metadados”, possibilitando que a
informação contida seja contextualizada como um tipo de padronização não
pautada pela uniformidade, mas pela relação de diferenciação estabelecida na
96
escolha dos patterns (que podem ser dos mais diversos). Isso torna possível
observar a diversidade das práticas locais nas comunidades, identificar
emergências e organizar modularidades, visando a aproximar características
de cada comunidade, tradição, local, território, artesão etc., de modo a incluí-
las no processo produtivo.
Nesse cenário, o designer precisa, diferentemente do modelo tradicional,
eleger como prioridade os processos e a viabilização das possibilidades e
promover inter-relações entre os colaboradores em diferentes níveis da cadeia
produtiva. Manzini (2010, p.XI) destaca a “próxima economia” como o campo
de atuação “Que em particular inclui serviços e redes colaborativas”. Para o
autor, os designers devem se considerar parte das redes e colaborar com
outros parceiros, compartilhando competências especificas. Esse pensamento
aproxima-se da seguinte afirmação: “o conhecimento de design é um
conhecimento que designers e não designers (indivíduos, comunidades,
instituições, empresas) podem usar em seus processos” (CHANGING THE
CHANGE, 2008).
Esse fato pode ser observado no gráfico 3, constituído a partir de modelo de
Franzato e Celaschi (2012). As ações projetuais de Walter Rodrigues na
coordenação do Fórum Inspiramais, restritas às etapas de Pesquisa, Análise, e
Síntese, referentes aos contextos informacionais da pesquisa conceitual e
processos da cadeia produtiva, vão compor uma plataforma de conhecimentos
que serão repassados para todos os colaboradores: consumidores e não
consumidores, comunidades envolvidas nos processos produtivos, empresas,
instituições e sociedade.
97
Gráfico 3: Ações projetuais de Walter Rodrigues na coordenação do Fórum Inspiramais (2012). Fonte: Adaptado de Franzato e Celaschi (2012)
Nas ações do designer Walter Rodrigues junto a Abicalçados (2013), o produto
final é parte de um sistema que integra serviços e promove inter-relação entre
stakeholders distribuídos em diferentes localidades e fases. Por exemplo, uma
mesma peça tem sua fibra têxtil obtida em uma localidade, a fiação e
tecelagem em outras, a confecção com outro colaborador, as fases de
beneficiamento, trabalho manual, confecção de componentes manufaturados e
assim por diante, em diferentes locais. Isso exige que o designer ocupe uma
função de coordenação, elaborando a coleta de dados e distribuição das
informações de maneira integrada entre todos. Pode-se observar alguns
desses stakeholders participantes da rede no gráfico 4 a seguir:
98
Gráfico 4: Redes e possíveis fluxos de informação nas ações de Walter Rodrigues. Fonte: Da autora.
Este gráfico foi constituído a partir de Vassão (2010, p.56) para uma
visualização do planejamento e execução de projetos complexos. Assim, o
gráfico proposto anteriormente representa as fases das ações de Walter
Rodrigues dentro do conceito de projeto e a dimensão da estrutura
identificando os fluxos de informação relacionados entre os participantes que
fazem parte do Programa do Fórum Inspiramais. Os grifos em azul
correspondem à área de concentração das ações de interações do designer
que estão diretamente ligadas às 2.785 empresas do setor. O grifo na cor
verde destaca as empresas que recebem a equipe de designers que
colaboram com Walter Rodrigues, para que sejam elaboradas as peças
expostas no Fórum Inspiramais. O grifo na cor rosa destaca a posição da
artesã Yasmine, e demostra como Walter Rodrigues e os outros atores
interagem nos caminhos até que a inter-relação da artesã com as empresas do
setor sejam processadas. Os grifos em preto correspondem a todas as
entidades que fazem parte do programa e os caminhos possíveis para fluxos
de interação. O grifo central destacado em um círculo vermelho diz respeito ao
número de visitantes que normalmente frequentam a feira, geralmente
99
participantes externos que terão o primeiro contato com as pautas colocadas
em questão no próprio dia de apresentação do Fórum Inspiramais, aberto para
o público em geral, com palestras, oficinas, componentes e peças
desenvolvidas expostas.
No contexto organizacional, os gráficos promovem uma visão compartilhada
das competências estratégicas de forma integrada. Através da representação
da gestão dos recursos entre os stakeholders “há a possibilidade de melhoria
dos processos relacionados para otimizar a situação presente e potencializar a
situação futura” (KRUKEN; COSTA, 2005). Nesse sentido, as autoras
destacam: “Os gráficos desempenham um papel importante no contexto
organizacional, tanto como processo de construção de conhecimento coletivo
como representação codificada deste conhecimento” (KRUCKEN; COSTA,
2005).
Essa perspectiva de gestão da informação é reforçada pela atividade
econômica mundial que se deslocou gradativamente do foco na produção
industrial para a era da informação. O fim do século XX é caracterizado por um
novo tipo de riqueza: o “Conhecimento” (CHIAVENATO, 1996; PINK, 2005). O
recente desenvolvimento da miniaturização na eletrônica e dos processos de
digitalização no ambiente da internet possibilitam processos de geração e de
circulação da informação, que questionam modos centralizados para articular
trocas dialógicas entre produtor e receptor. Com isso, a informação passa a ser
um elemento estratégico para as organizações, e a velocidade de
disseminação é mais um fator de estímulo à valorização do produto ou
processo produtivo em escala global (CHIAVENATO, 1996). Conforme Krucken
(2009, p.42), “o paradigma do design caminha em direção à produção flexível,
sendo preciso redefinir o papel do design e sua prática. Inicialmente voltadas
ao produto físico, hoje envolvem produtos, processos, serviços e informações
categorizados e desenvolvidos sistematicamente”.
O Fórum Inspiramais é uma iniciativa da Associação Brasileira de
Componentes para Couro, Calçados e Artefatos (Assintecal). O projeto é um
programa conceitual, coordenado pelo designer Walter Rodrigues, com o
100
objetivo de fornecer informações referentes às pesquisas da estação vigente
para empresas/comunidades/consumidores/etc. dos setores de componentes
para calçados, couro e confecção. A proposta tem como objetivo o incentivo ao
desenvolvimento de produtos diferenciados, buscando implementar no setor a
cultura do Design e inovação com ênfase na pesquisa e no desenvolvimento
de uma identidade própria em novos produtos. A pesquisa apresentada pelo
programa é desenvolvida pelo Núcleo de Design da Assintecal, coordenado por
Walter Rodrigues e uma equipe de quinze designers. As quatro etapas básicas
são:
1. Comportamento/ Tendência mundiais/ Para onde olhamos?/
Grandes marcas/ Comportamento de rua/ Referências de Coolhunters.
2. Como essas referências foram utilizadas no móvel, confecção,
joias, gemas, calçado, automotivo etc. (nacional e internacional).
3. Como essas referências mundiais podem constituir uma relação
para diferenciação nos produtos nacionais utilizando as referências brasileiras
(nesta etapa, são apresentados exemplos de desenvolvimento para todos os
stakeholders com tecidos, saltos, metais, solados, enfeites, cabedais, cor,
forma, textura etc.).
4. Pesquisa local. A pesquisa procura descobrir como adaptar essas
informações para cada localidade, de maneira que cada uma constitua uma
base de dados local. Esse conteúdo deverá estar nas apresentações do
Preview para enfatizar o DNA de cada localidade. (Dados coletados em
documentos impressos apresentados para stakeholders no relatório do
programa do Fórum Inspiramais, 2013).
A pesquisa é aplicada através de consultoria, onde membros da equipe do
Núcleo de Design realizam quatro visitas nas
comunidades/empresas/instituição, apresentando a pesquisa inicial para os
responsáveis de criação e auxiliando no desenvolvimento de seis novos
materiais. Esses materiais são então apresentados para o segmento de
componentes para couro, calçado e confecções na próxima edição do Fórum
Inspiramais. Mais do que antecipar os elementos vigentes para a coleção, a
ação de coordenação e disseminação desses fluxos de informação tem um
101
alcance setorial estratégico, pois estimula os fabricantes de matérias-primas,
comunidades locais e fornecedores de grandes indústrias brasileiras a
estruturarem sua pesquisa de forma integrada.
Segundo Krucken (2009, p. 45), essas características de ciclo de produção e
gestão direcionam o trabalho do designer e estão “implicando modelos
colaborativos, contínuos e abertos e ou que incluam o usuário” (nessa
perspectiva, entende-se como usuários desse sistema os stakeholders e não
apenas os consumidores finais). Esse contexto demanda estratégias para
organizar a variedade de fornecedores locais que formam uma cadeia
produtiva; é preciso formular conceitos e critérios para as propostas e escolha
dos colaboradores nos projetos, segundo relações constituídas em um mundo
globalizado. Para a autora, é preciso desenvolver uma visão de projeto levando
em consideração produtos, serviços e comunicação de forma conjunta e
sustentável – para assim promover valor também no processo produtivo.
Manzini (2004) questiona o que vem a ser um produto, o que seria projetar, e
qual a função do designer no mundo fluidificado apontado por Bauman (2001).
Assim, o produto-evento22 deve ser compreendido como um artefato temporal,
estruturado pela interação de diversos atores (colaboradores do sistema de
serviços ligados ao produto), que cooperam na cadeia produtiva e podem
agregar valores ao produto. No Design de Moda, abre-se a questão sobre a
função do designer não ficar restrita à autoria do produto final, mas
compreender a coordenação dos processos como uma demanda ética quanto
à criação e autoria (observação que será questionada no capítulo 3 desta
dissertação). Neste sentido, Vassão (2008) destaca:
O Metadesign permite a banalização dos processos de formalização, procura tornar acessíveis conceitos como modularização, níveis de abstração, níveis de complexidade, níveis de formalização, e a própria formalização em si [...] envolve os “metamovimentos” de projeto, envolve o projeto dos processos, e não apenas produtos em específico. Identificamos as técnicas de projeto de sistemas que podem ser úteis a uma noção não específica de projeto: programação como
22
Segundo Manzini (2004), o produto-evento deve ser visto como um artefato em quatro dimensões, onde a quarta dimensão é o tempo. Como essa mudança ocorre graças à interação de diversos atores que cooperam para produzir um determinado valor, então os eventos ligados a essa produção de valor passam a ser o objeto do projeto de Design.
102
especificação de procedimentos e ordenamento de um ecossistema, criação de ontologias e estruturas de meta-dados, taxonomias, diagramas, topologia e visualização de complexidade (VASSÃO, 2008, p.202).
Para Vassão (Ibid., p.199), “os fluxos de informação e estratégias dos
processos precisam ser formalizados e apresentados de forma a conseguir
demonstrar o que se deseja fabricar ou construir de maneira acessível ao leigo,
ou ao colega de projeto sem que haja um engessamento dos fluxos”. Nas
ações de Walter Rodrigues no Fórum Inspiramais, a comunicação do processo,
conforme pode ser observado na figura 31, acontece de maneira clara e
concisa, na qual as peças desenvolvidas pelos stakeholders são expostas. A
equipe de designers pode ser encontrada em uma oficina de criação, e
qualquer visitante da feira pode participar, mas a presença dos próprios
stakeholders promove uma comunhão das informações sobre os processos
projetuais já desenvolvidos, e abrem-se possibilidades de contatos
operacionais e uma maior integração entre os participantes do setor.
Figura 31: Fórum Inspiramais (2013). Fonte: (INSPIRAMAIS.COM.BR, 2013)
103
Na fase de desenvolvimento, as peças gráficas funcionam como parte dos
procedimentos do projeto. Segundo Vassão (2008, p.199), pode-se assumir as
próprias como sub-componentes de uma máquina de projeto, o Meta-Espaço
em Níveis de Abstração. “Essa dimensão operacional do desenho e da
representação gráfica os coloca em fricção direta com a concretude de
conexões que conduzirão a uma realidade fabricada (Ibid., 2008)”. O autor
destaca:
“Meta-Espaço e Meta- Objeto” são os circuitos de projeto que não se resumem ao simples “projeto-execução”, mas desenvolvem-se em circuitos com mais oscilações, como o projeto que conta com avaliação pós-ocupação, já envolve o Modelo como parte integral da realidade construída, em um meta-espaço no qual a coisa construída e o modelo convivem, interligados por complexos e dinâmicos movimentos de realização e alteração (VASSÃO, 2008, p.201).
Essas peças gráficas ou máquinas de controle (VASSÃO, 2008) no projeto do
programa do Fórum de Inspirações da Assintecal se apresentam como:
peças gráficas variadas: uma peça com pesquisa
conceitual referente à identidade local das regiões brasileiras dos
stakeholders envolvidos no projeto relacionando-os em um
movimento de integração; um catálogo com fotos dos materiais e
partes de peças desenvolvidas pelos próprios stakeholders para a
estação vigente; um catálogo com informações de contato de todos
os stakeholders e envolvidos no projeto; uma peça gráfica conceitual
com uma expectativa de público-alvo, ou consumidor final (ver figura
32).
exposições de protótipos conceituais relacionando os
dados obtidos em peças produzidas (ver figura 32).
o programa disponibiliza também plataformas digitais, um
website, um blog, canal em grupos de redes sociais e aplicativo (ver
figura 33).
palestras com especialistas e representantes de interesses
ligados à sustentabilidade, como, por exemplo, nas retóricas sobre:
“Cultura como pilar para a sustentabilidade” com a palestrante Marta
Porto; “Certificação socioambienatal” com o palestrante Carlos
104
Eduardo Frinckmann Young; “A dimensão social da sustentabilidade
– o pilar que tem centralidade nas pessoas” com o palestrante
Reinaldo Bulgarelli etc.
Figura 32: Peças gráficas do programa do Fórum de Inspirações (2013). Fonte: Documentos impressos Fórum de Inspirações (2013).
105
Figura 33: Layout do website do programa Inspiramais da Assintecal, Blog, aplicativos e tags. Fonte: (INSPIRAMAIS.COM.BR, 2013)
Nesse tipo de procedimento, identificam-se padrões (características da
identidade regional, cultura e saber tradicional de determinado local), que
alimentam dados a serem codificados em patterns – entidades estéticas que
garantem unidade visual ao projeto. Estes também podem viabilizar os
standards (estrutura codificada de proposição do modo de uso), homologando
campos de atuação e propriedades de aplicação. Nesse sentido, Vassão
(2008) destaca:
Há uma diferença fundamental entre o Pattern (objeto abstrato, meta-objeto) e o Standard (normatização do uso de tais objetos abstratos ou meta-objetos). O standard opera como a sobrecodificação do pattern, ele faz a conversão de um conhecimento imanente em conhecimento transcendente, via a normatização que procura uma mobilidade absoluta a uma entidade que é singular. Os patterns estão localizados não só a um espaço de problemas – na acepção daquele meta-espaço formal que organiza as possibilidades de solução de um projeto – mas também nas comunidades que os lançam (VASSÃO, 2008, p.267).
Vassão (2008, p.200) aponta que “proposições de modelos de uso deste tipo
de sistema de informação podem ser estabelecidas por diagramas tratados
como modelos ativos. Os agregados de diagramas concretamente adernam
fluxos de informação e conectam-se a sistemas de controle do ambiente”.
Nesse caso, para representar em diagrama o programa do Fórum Inspiramais
106
seria necessário uma série de mapas conceituais com as proposições de ações
referentes a cada etapa do projeto de processos. Na figura 34 a seguir, pode
ser observado um modelo simplificado de um destes mapas, adaptado de
Vassão (2010).
Figura 34: Mapa simplificado de fluxos de informação no programa do Fórum de Inspirações coordenado por Walter Rodrigues.
Fonte: Desenvolvido pelos autores, adaptado de Vassão (2010)
2.2. Estratégias de Design e valor
Se o processo ou serviço centraliza a prática do Design, é necessário um
método que permita a reflexividade na ação do projeto. Nessa perspectiva
sistêmica, segundo Ramirez (apud KRUCKEN, 2005), projetar dentro de uma
rede de valor, ou de uma constelação de valor, significa projetar com visão
estratégica para além das certezas atuais (pois os valores serão constituídos
com a integração dos sistemas e validação deste valor frente ao
consumidor/usuário).
Segundo Krucken (2009), para que exista produção de valor, a rede deve ser
ramificada no território local e internacional, em conexão com o mercado/aldeia
global e a empresa/instituição local. Fato que pode ser observado no projeto
Talentos do Brasil, uma iniciativa do Ministério do Desenvolvimento Agrário, em
107
parceria com o Sistema Brasileiro de Apoio às Pequenas e Micro Empresas
(Sebrae), com apoio da Caixa Econômica Federal, Associação Brasileira da
Indústria Têxtil (ABIT), Associação Brasileira das Empresas Estaduais de
Assistência Técnica e extensão Rural (ASBRAER), Ministério do Turismo e do
Pacto de Cooperação Brasil e Alemanha Deutsche Gesellschaft für Technische
Zusammenarbeit (GTZ).
O Programa Talentos do Brasil foi criado para estimular a troca de
conhecimentos entre comunidades de artesãos brasileiros localizadas em
áreas rurais, possibilitando a geração de emprego. Hoje o projeto reúne 2.000
pessoas, que participam de 18 grupos organizados em cooperativas em 12
estados brasileiros. Os grupos de artesãos são formados, em sua maioria, por
mulheres, e têm como base o artesanato e o trabalho “feito a mão”, com
valorização de matéria prima local (palha de palmeiras, como o buriti e o tururi,
coco e palha de babaçu, cipós, couro de peixe, sementes, sisal, sobras de
madeira, bagacilho de cana, algodão orgânico, lã de carneiro, crina de cavalo e
pedras preciosas etc.). Há parcerias com designers, que auxiliam os artesãos
no desenvolvimento das peças. Destaca-se a ação projetual do designer de
Moda Ronaldo Fraga (2008), junto às comunidades de Coxim (pele de peixe)
no Mato Grosso do Sul, Agreste da Paraíba (renda labirinto) e São Borja (lã e
crina de cavalo), no Rio Grande do Sul.
O conceito das coleções produzidas parte da cultura e da produção simbólica
de tradição local de cada região onde vivem os artesãos. Segundo dados do
website da Cooperunica23, “natureza, sustentabilidade e espírito comunitário
local” são as palavras-chave do programa. Para esta pesquisa, a coleção
observada tem produção no ano de 2008 e vigência para o público consumidor
em 2010. O conceito de criação originou-se na migração dos pássaros no
território brasileiro (figura 35), onde cada parada das aves representa uma das
comunidades. Esse conceito desdobra-se em torno das cores, da raridade e da
23
Cooperativa Nacional Marca Única. Foi criada em 2009, para dar apoio jurídico aos integrantes do Programa Talentos do Brasil. Está entre os nove empreendimentos que expõem seus produtos, cadastrados na Rede Brasil Rural (RBR). A estrutura da Cooperunica foi planejada para expandir os produtos no mercado com capacidade de produção e entrega dos produtos, permitindo que o cliente possa comprar mais de 2 mil produtos com CNPJ único. Fonte: http://planetaorganico.com.br/site/index.php/talentos-do-brasil-em-paris/
108
beleza dos pássaros pertencentes à fauna nacional e também a partir da
mitologia em histórias, contos, lendas e canções folclóricas tradicionais. A
coleção recebeu o nome “Coleção Passarada 2010, [Em Cada Canto, um
Canto]” e a comercialização das peças desenvolvidas é representada pela
Cooperativa Nacional Marca Única (Cooperunica).
Figura 35: Mãos que [Re]fazem o mundo (2010), Programa Talentos do Brasil. Fonte: (COOPERUNICA.COM.BR, 2013)
A passarada nos remete à liberdade almejada pela artesã, que busca alcançá-la por meio do trabalho valorizado. O lar é o “ninho” da família, mas representa também a produção local, que, grandiosa por sua riqueza cultural, se torna maior ainda, conquistando espaços e ampliando horizontes (MÃOS QUE [RE] FAZEM O MUNDO, 2010).
A diferença na elaboração do Programa Talentos do Brasil está na condição de
uso dos códigos e dos fluxos de informação relacionais, pré-estabelecidos de
maneira que simultaneamente se tenha a missão de integrar as comunidades
participantes em uma mesma lógica estrutural (commoditização), formalizando
a integração e, ao mesmo tempo, procura-se manter características individuais
(patterns). Cada comunidade local contribui para a elaboração do valor
agregado (standard) no processo da peça desenvolvida, favorecendo o
109
fortalecimento da identidade nacional e potencializando a convivência da
diversidade cultural. Trata-se de um método de formalização para a
programação dentro de sistemas em nível de abstração, orientada a meta-
objetos relacionados em meta-espaços, que, quando encapsulados, permitem
que se possa projetar, desenvolver e implementar estratégias na gestão de
sistemas complexos. Vassão (2008) aponta:
A gestão de sistemas é uma variação deste método em níveis de abstração, implicando uma modularização extrema dos componentes. Esse é um dos requisitos da virtualização da riqueza industrial e agrícola, e o termo genérico é a “commoditização”: para que se possa negociar com liquidez uma riqueza qualquer é necessário que ela possa ser mensurada e composta, combinada, para que se possa equipará-la a outras riquezas. As demandas por regularização de “qualidade” para que se possa commoditizar um produto ou setor da economia dizem respeito a exatamente isto: que se possa modularizar as entidades, que se possa torná-las contáveis e equiparáveis, mais do que se atinja algum nível de qualidade específico. Para aqueles que estão familiarizados com as críticas à lógica instrumental e à reificação, é óbvia a dimensão cerceadora e reducionista deste princípio. No entanto, é sua aplicação que contribuiu decisivamente para o desenvolvimento do capitalismo avançado, especialmente sob a influência da cibernética e da teoria dos sistemas (VASSÃO, 2008, p.132).
O gráfico 5 a seguir, constituído a partir de Vassão (2010, p.47), apresenta a
estrutura relacional do Programa Talentos do Brasil e da Cooperunica junto às
comunidades e designers convidados. Destacam-se apenas as três
comunidades em que houve ações de colaboração do designer Ronaldo Fraga
(2008):
Gráfico 5: Estrutura relacional do Programa Talentos do Brasil. Fonte: Desenvolvido pela autora a partir de Vassão (2010, p.47)
110
McKenna (apud KRUCKEN, 2005) argumenta que um produto só tem valor do
ponto de vista do usuário ou consumidor. Assim, o fornecedor prospecta um
valor potencial do produto, que será consolidado e/ou transformado pelo
consumidor. Dessa forma, deve-se incluir a participação do mesmo na análise
da criação de valor, sem o qual o processo não faz sentido. A "co-produção de
valores" é abordada também por Normann e Ramírez (apud KRUCKEN, 2005,
para descrever "as relações recíprocas entre atores (prestadores de serviços
que constituem os produtos), que caracterizam a economia de serviços".
Segundo os autores, as empresas – neste caso, o Programa Talentos do Brasil
– concorrem no mercado com ofertas e não com produtos, o que inclui
processos industriais, produtos e serviços disponibilizados ao usuário
organizados no tempo e no espaço, e através das relações entre os atores. O
Programa Talentos do Brasil, em parceria com a Cooperunica, disponibiliza sua
oferta em diferentes meios, conforme a figura 36. Os produtos desenvolvidos
pelas comunidades são apresentados em eventos, desfiles e comercializados
em feiras, e também disponibilizados em um website e-commerce (figura 37).
O único elemento que não consta na oferta é o nome do designer responsável
pela ação na comunidade.
É importante enfatizar a relevância da ação do designer no desenvolvimento
desses processos produtivos. Essa ação é justificada nas fases iniciais, de
modo que sua identidade não é evidenciada ao consumidor final, pois o
objetivo não é ofertar um produto como vínculo do designer, mas a
comunidade de origem. Ressalta-se que a ação é motivadora na valorização
da tradição e identidade cultural da comunidade local de origem referenciada
em tal produto e, nesse contexto, o objetivo do designer é promover um melhor
entendimento sobre as propostas do projeto, estimular troca de conhecimentos
e auto-organização nos grupos. Conforme aponta Giaccardi (2003)
111
Sob essa perspectiva, o reconhecimento e a definição de um novo espaço de design significa uma tentativa de mudar de um "saber que" a uma atitude de um esforço "know-how
24”. Este movimento de espera
representa uma mudança de uma cultura do design como "planejamento" para uma cultura do design como "semeadura” (ou de emergência), onde os produtos da cultura, serviços e sistemas são concebidos como um todo integrado (GIACCARDI, 2003, p.250).
Figura 36: Desfile e Identidade Visual do Programa Talentos do Brasil. Fonte: (TALENTOSDOBRASIL.COM.BR, 2013)
24
Know-how é o conjunto de conhecimentos práticos (fórmulas secretas, informações, tecnologias, técnicas, procedimentos etc.) adquiridos por uma empresa ou um profissional, que traz para si vantagens competitivas. Está diretamente relacionado com inovação, habilidade e eficiência na execução de determinado serviço. É um produto valioso resultante da experiência. E está geralmente associado a algum ambiente organizacional. (BARBOSA, 1979).
112
Figura 37: Layout do website e-commerce do Programa Talentos do Brasil. Fonte: (MDA.GOV.BR, 2013)
Dessa maneira, conforme Giaccardi (2003, p.251), o ponto decisivo é aprender
uma nova abordagem para “como fazer” em vez de estabelecer "o que fazer".
Qualquer capacidade adquirida através de Metadesign deve ser compartilhada
como ética know-how (VARELA, 1999); quando as escolhas de ações nos
processos estão direcionadas para o propósito de "como fazer", esse
entendimento pode transcender melhor para o desenvolvimento do grupo.
Sob esse ponto de vista, são as ofertas – e não os produtos físicos – que
representam o elemento chave na análise do valor. Segundo os autores
Normann e Ramírez (2005) e Krucken (2009), as ofertas demarcam as linhas
de um território composto por distintos atores; ou seja, a oferta adquirida e
experimentada pelo consumidor resulta do esforço conjunto (consciente ou
não) destes parceiros envolvidos.
113
Isso pode ser observado no caso da bolsa e acessórios em couro de peixe
(figura 38), desenvolvidos pela comunidade de Coxim, Mato Grosso do Sul, em
colaboração com o designer Ronaldo Fraga (2008). Mantendo-se a
característica exótica do couro do peixe, tanto o valor estético como também os
valores relativos à escolha dos materiais e processos da cadeia produtiva
(como valorização de matéria-prima local e produção artesanal) são
explicitados no produto físico. As peças são produzidas a partir do couro do
peixe in natura, adquirido na região e sem o tratamento químico de cromo. A
matéria-prima usada para curtimento é com base de extrato vegetal da flor da
acácia, apenas as tintas para tingimento não são naturais. Segundo as artesãs,
levam-se em média 24 horas apenas nas etapas de preparação do couro para
só depois iniciar a fase de desenvolvimento de confecção da peça25.
Figura 38: Bolsas e acessórios de couro de peixe produzidos na comunidade de Coxim, croqui e desenhos técnicos desenvolvidos por Ronaldo Fraga (2008).
Fonte: Catálogo Talentos do Brasil (2008, 2009, 2010) e (RONALDOFRAGA.COM/BLOG, 2013)
Nesse sentido, Manzini (2008), aponta fatores de suma importância que dizem respeito às transformações necessárias na cadeia de valor nos sistemas de ordens física (fluxos materiais e energéticos); econômica e institucional (a relação entre atores sociais); ética, estética e cultural (os valores e juízos de qualidade que lhe darão legitimidade social) (MANZINI, 2008, p.19).
25
As técnicas para curtimento do couro de peixe em Coxim foram desenvolvidas pelas artesãs locais em colaboração com o programa do Sebrae de apoio ao empreendedor, à micro e pequena empresa, que teve início em 1997. Alguns detalhes dos processos são explicitados no documento “Histórias de sucesso: história e serviço: artesanato” (2007), do Sebrae.
114
E ainda nas várias escalas do tempo (o que pode ser feito rapidamente e o que
requer um período de tempo maior) e do espaço (da “micro escala” – de um
único produto e serviço, para “macro escala” – dos sistemas sócio-técnicos
globais). Ou seja, para acontecer a descontinuidade sistêmica na escala
macro, ela deve ser precedida por muitas descontinuidades locais. Como pode
ser observado no projeto do Programa Talentos do Brasil, em escala micro, as
ações de Design em comunidades locais de artesãs promovem
descontinuidades sistêmicas diversas em escolhas de processos com valores
artesanais e culturais, e quando integradas no sistema do programa
Cooperunica as comunidades refletem as descontinuidade na escala macro em
nível nacional e internacional.
De acordo com Meroni (2008), o Design estratégico atribui um sistema de
regras, crenças, valores e instrumentos aos corpos sociais e de mercado,
tornando-os assim mais aptos para evoluir, bem como para defender e
desenvolver identidade própria para agregar valor. Fato que, conforme Forty
(2007) evidencia aspectos sociais e culturais na produção de Design como
bens manufaturados compartilhados apresentando um processo nada linear,
nem totalmente controlável. Ou seja, há vários resultados e escolhas possíveis
para definir o processo de materialização de um produto, por exemplo, uma
malha de tricô da figura 39 pode ser feita em escala de pequena quantidade
com trabalho artesanal e tradição local. Isso acontece na comunidade do
Programa Talentos do Brasil das artesãs de São Borja, Rio Grande do Sul, que
desenvolvem as peças com lã pura de carneiro e ovelha e tingem os fios de
forma artesanal. Ou escolhe-se produzir em escala industrial, considerando
energia, mão de obra especializada, prazo de entrega, questões estéticas,
conforto, durabilidade, comunidade local envolvida, valor cultural, questões
ambientais, entre outras, e será a escolha estratégica desses processos que irá
aferir valor ao produto.
115
Figura 39: Peças produzidas por artesãs da comunidade de São Borja, Rio Grande do Sul e croqui e desenhos técnicos do designer Ronaldo Fraga (2008).
Fonte: Catálogo Talentos do Brasil (2008, 2009, 2010) e (RONALDOFRAGA.COM/BLOG, 2013)
Nesse tipo de projeto em comunidade local, conforme Krucken (2009b), a
abordagem projetual se baseia na valorização do patrimônio material e
imaterial em tradições e culturas construídas ao longo do tempo, específicas de
um determinado território. A autora destaca que é preciso que esses atributos
116
sejam percebidos de forma favorável pelos consumidores. Nessa situação, o
Design pode contribuir significativamente buscando formas de tornar visível à
sociedade a história por trás dos produtos, formalizando nestes informações
que possibilitem aos indivíduos rastrear e identificar suas qualidades. Para
tanto, Krucken (2005) destaca que, nesse cenário, três conceitos são
essenciais para o projeto: valor, identidade e estratégia. Como afirmado por
Normann e Ramírez (2005) e Krucken (2009), a essência do fazer Design e da
mercadologia26 assume que produzir industrialmente e operar no contexto de
mercado é, antes de tudo, entregar valor ao cliente. Para os autores, a
capacidade de inovação do produto toma o significado como centro das
dinâmicas de troca. Portanto, produzir hoje diz respeito a definir e desenvolver
identidades plausíveis e significantes para os consumidores. Essa estratégia
implica em uma postura ética do projetista e designer frente ao seu trabalho (e
talvez, do designer frente ao mundo).
No programa Talentos do Brasil, o valor está nas peças de vestuário e
acessórios integrados e inferidos pela Cooperunica e suas estratégias de
valorização das tradições artesanais e matéria-prima locais. Essas ações estão
explicitadas também em catálogos e postais (figura 40), com a finalidade de
evidenciar ao consumidor final características particulares de cada comunidade
envolvida. As designers convidadas para essa etapa foram Tereza Santos,
para a concepção dos catálogos das peças produzidas, e Lorena Marinho, que
desenvolveu coleções de postais com imagens de cada comunidade e grupo
26
Mercadologia representa um neologismo, introduzido na língua portuguesa na tentativa de traduzir o marketing. Marketing, em português, seria mercadizando ou mercadização, mas tem sido traduzido como mercadologia, que em português significa estudo de mercado. Por isso, é importante ressaltar que mercadologia não é marketing. Mercadologia é o conjunto de atividades que visam a servir adequadamente o mercado a que seus produtos se destinam, operando lucrativamente e reagindo flexivelmente a competições, com o propósito de conquistar a maior parte possível do mercado consumidor. “A mercadologia estuda o mercado”, planeja a distribuição do produto, de acordo com suas previsões, providencia sua aplicação e orienta as forças de vendas. Essas medidas são guiadas por certos fatores ligados estreitamente às exigências do consumidor como: necessidades, preferência, gosto, hábitos de compra, economia etc. Marketing designa uma atividade comercial voltada para a orientação do fluxo de mercadorias ou serviços do produtor ao consumidor. Ou seja, trata-se de uma atividade que movimenta todos os sistemas econômicos em um conjunto de operações pelas quais uma empresa trata de assegurar a colocação de seus produtos no mercado. Ou então um conjunto de ferramentas que tem por finalidade aproveitar oportunidades ou criar necessidades no mercado. É uma atividade que está ligada à comercialização e representa outro conjunto de medidas que torna o produto comercializável (GIULIANI, 2003).
117
de artesãs em fases dos processos de trabalho, da região de moradia e do
produto finalizado.
Figura 40: Catálogos da coleção Talentos do Brasil, desenvolvidos pela designer Tereza Santos (2008, 2009, 2010) e postais referentes às comunidades, desenvolvidos pela designer
Lorena Marinho (2010). Fonte: (TEREZASANTOS.COM.BR/CATEGORIA/PORTFOLIO, 2013) e
(LOMARDU.COM/?/PORTFOLIO, 2013)
Assim, o Design orientado para estratégia de mercado propõe-se como uma
disciplina complexa, que ao mesmo tempo define o processo de idealização
sugerindo caminhos de significação, e define a programação do processo de
pesquisa e projetação que se quer utilizar para atingir determinado resultado.
Conforme Celaschi e Deserti (2007), a fase metaprojetual proporciona, antes
de tudo, a redefinição do problema, agregando outros valores para além do
aspecto funcional e estético. A problematização desse tipo de projeto envolve
uma pluralidade de atores e sujeitos interessados em um conjunto amplo de
variáveis, valorizando o funcionamento, o controle e as intenções do processo
(que são, invariavelmente, tópicos de natureza social).
Sobre a constelação de valor, Krucken (2009, p.28) entende “os valores
estabelecidos de forma integrada e articulados ao longo da experiência com o
118
produto ou o artefato”. A autora apresenta um modelo de gráfico que foi a
referência para constituir o gráfico 6, que representa os valores atribuídos às
peças da figura 41, desenvolvidas pelas comunidades de bordadeiras e
rendeiras do Agreste da Paraíba (2008) no programa Talentos do Brasil, com a
colaboração de Ronaldo Fraga.
Gráfico 6: Estrela de valor que define dimensões para produtos e serviços de Ronaldo Fraga, no Talentos do Brasil (2008).
Fonte: Adaptado de Krucken (2009, p.28)
119
Figura 41: Peças desenvolvidas pelas comunidades de bordadeiras e rendeiras do agreste da Paraíba (2008) para o programa Talentos do Brasil, com colaboração do designer Ronaldo
Fraga. Fonte: Catálogo Talentos do Brasil (2008), (RONALDOFRAGA.COM/BLOG, 2013)
e (FFW.COM.BR, 2013)
Krucken (2009, p.27) destaca que valores antes compreendidos como
secundários hoje são “fatores determinantes e diferenciais competitivos
alçados à condição de atributos primários, como valor de estima; fatores
emotivos, estéticos e psicológicos; qualidade percebida; certificação de origem;
conceito de terroir” (reconhecimento da comunidade, tradição local e do
território onde se produz).
120
2.3. Cadeia de valor: fluxos distintos de informação
O conceito mais conhecido e utilizado até hoje para cadeia de valor foi criado
por Michael Porter no final dos anos 1980. Segundo Porter (apud MONZONI,
2012, p.13), a cadeia de valor atua como parte das discussões que a definem
como “o conjunto de atividades que adicionam valor a um produto ou serviço
desde as etapas iniciais de projeto/produção até o atendimento ao consumidor
final”. Na década de 1980, uma questão chave para os trabalhos de Porter era
introduzir nas empresas um olhar integrador, onde a visão de processo
começasse a substituir a fragmentação típica das áreas funcionais e dos
departamentos. Se ampliado e contextualizado para os dias atuais, esse
conceito pode colaborar com os desafios e oportunidades da aplicação do
Metadesign no contexto do projeto “Artes e Tramas”, do programa do Fórum
Inspiramais.
Observa-se a estratégia do designer Walter Rodrigues em promover o fluxo
das informações processuais distribuídas na cadeia de valor, relacionando
cenários distintos de maneira a integrar processos distribuídos. Neste projeto, o
designer, provido da informação de que uma grande empresa estava com
resíduos têxteis em estoque fora de circulação, promoveu o encontro da
mesma com a artesã Yasmine (figura 42), que passou a elaborar esses
materiais em teares manuais de forma a ressignificá-los. Trata-se de uma ação
do Mix by Brasil, no qual uma equipe de designers dedica-se a incentivar a
valorização do artesanato em comunidades locais com a possibilidade de
contatos com os outros participantes. Como no caso de Yasmine, que primeiro
participou do evento como artesã e hoje fornece material enquanto empresa.
121
Figura 42: Projeto Arte e Tramas (2013). Fonte: (INSPIRAMAIS.COM.BR, 2013)
Ações como essas, integradas à abordagem de Metadesign, definem a cadeia
de valor como a gestão de matérias-primas e serviços de fornecedores e
prestadores de serviços até o cliente final e vice-versa, considerando
explicitamente o aprimoramento dos impactos sociais e ambientais. Ou seja, o
designer assume um papel de facilitador, considerando aspectos econômicos,
sociais e ambientais em suas práticas de gestão e relacionamento com os
colaboradores, tornando-os parceiros na construção dos processos. Segundo
Monzoni (2012), a cadeia de valor inclui todos os parceiros anteriores
(nomeada cadeia de suprimentos, como fornecedores, produtores, prestadores
de serviço) e posteriores (distribuidores e clientes finais) ao processo de
produção.
Olhar a cadeia de valor do ponto de vista da sustentabilidade significa também
substituir a linearidade pela circularidade na sua gestão. Ou seja, substituir a
lógica “pega-faz-descarta”, pela “pede emprestado-usa-devolve”, que considera
os limites da capacidade do planeta. Conforme ilustra a figura 43.
122
Figura 43: Cadeia de valor: esferas de controle e influência. Fonte: (GRI apud MONZONI, 2012).
A cadeia de valor considera também os fluxos de informação (conteúdos
relativos a todas as fases dos processos, que devem ser explicitados a todos
os participantes), tal como é definida por Handfield e Nichols (2012):
A cadeia de valor compreende todas as atividades associadas com o fluxo e a transformação de bens a partir do estágio de matérias-primas (extração) até o consumidor final, bem como os fluxos de informação associados a tais processos. Materiais e informação circulam tanto para cima quanto para baixo na cadeia de valor. A gestão da cadeia de valor é a integração de tais atividades através de melhores relações ao longo da cadeia, com o intuito de alcançar uma sustentável vantagem competitiva (HANDFIELD e NICHOLS apud MONZONI, 2012, p.14).
Assim, com o intuito de conciliar geração de valor com o menor custo possível
e maior satisfação para o usuário, o designer deve considerar a
sustentabilidade como contexto capaz de assegurar diferenciação para o
produto. Segundo Krucken (2009), ao escolher um produto, algumas pessoas
buscam informações que possibilitam rastrear e identificar suas qualidades. A
comunicação de elementos históricos, ambientais, culturais e sociais permite
ao consumidor conhecer a história do produto, relacioná-lo à origem e
produção, e, assim, apreciar seus atributos de forma mais ampla. Nesse
sentido, a busca pela transparência dos processos de produção também é
123
essencial para o desenvolvimento de cadeias de valor sustentáveis, onde o
Design opera como um grande aliado na valorização de identidades e
territórios. Nesse contexto, Krucken (2009, p.61) propõe um modelo de cadeia
de valor (figura 44), no qual as conexões entre atores e fluxos de informação
promovem maior comunicação e sinergia e consequente clareza para o
consumidor final.
Figura 44: Mosaico de alguns dos atores que participam da cadeia de valor têxtil. Fonte: Adaptado de Krucken (2009)
No projeto “Arte e Tramas” (2013), figura 45, Walter Rodrigues, ao relacionar
informações e processos entre diferentes atores, promoveu sinergia na cadeia
de valor com a aproximação da artesã Yasmine Noguerol Bernardes, da cidade
de Novo Hamburgo (RS), com empresas têxteis. Como dito anteriormente, a
artesã reprocessou o material manualmente aferindo um valor diferente do
original. Na figura 45, da esquerda para direita, veem-se os tecidos produzidos
com resíduos de couro e lãs, com organza, e com resíduos de camurça,
tecidos com brilho e rústico, que fazem parte do catálogo de produtos do
programa.
124
Figura 45: Tecidos produzidos de forma manual pela “Artes e Tramas”. Fonte: (CENTRODECOMPONENTES.COM.BR, 2013)
Nesse sentido, o Metadesign pode ser uma ferramenta importante
desenvolvendo indicadores que podem auxiliar o designer a avaliar um produto
ou serviço e a inferir essas ações em percepção de valor para os
consumidores. As informações devem trazer transparência em relação aos
itens que apoiam esta avaliação, como a identificação dos ingredientes, dos
processos de fabricação, da origem, do impacto ambiental, da embalagem, dos
valores adotados pelos produtores, dos serviços ambientais associados ao
produto/serviço, dentre outros. O designer deve projetar e pensar estratégias
para dar visibilidade à origem de produtos e serviços e aproximar produtores e
consumidores, contribuindo para a integração da identidade territorial e o
desenvolvimento de comunidades locais com outros setores, como o turismo,
meio ambiente, antropologia, biologia etc.
125
2.4. Tecnologia produtiva: novos materiais e certificação de origem
Os produtos limpos podem requerer também a existência de tecnologias limpas, mas requer certamente uma nova capacidade projetual (é possível mesmo chegar a produtos limpos sem especiais sofisticações tecnológicas?). Dentro desse quadro destaca-se o papel do design, que pode ser sintetizado como atividade que une o tecnicamente possível com o ecologicamente necessário, promovendo novas propostas, social e culturalmente apreciáveis (MORAES, 2010, p.60).
Segundo Vezzoli (2009), a dimensão ambiental no Design apresenta três
fatores de fundamental importância para o desenvolvimento do projeto:
“utilização de materiais e processos de baixo impacto ambiental; consideração
no modelo do ciclo de vida do produto e design orientado para a
sustentabilidade ambiental”. Moraes (2010) acrescenta que nesse modelo de
prática de Design proposto por meio de orientação voltada para a
sustentabilidade ambiental, é preciso uma mudança de comportamento tanto
por parte dos designers como dos consumidores.
Hoje é fato que um grande número de empresas está anexando como um
componente (intangível) certificados de origem sustentável, que agregam valor
aos produtos condicionados a processos com tecnologias limpas27 ou ação
com grupos sociais. Essa necessidade pode ser observada, por exemplo, no
caso da Abicalçados (Associação Brasileira das Indústrias de Calçados), que
mantém parcerias com alguns designers, dentre os quais Dijon de Moraes,
Walter Rodrigues e Ronaldo Fraga, para fundamentação de pesquisas e
propósitos projetuais.
27
O conceito de tecnologia limpa foi desenvolvido pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA, 1989), como uma abordagem para a conservação dos recursos e gestão ambiental, com o objetivo de incrementar o conhecimento sobre o conceito e promover sua adoção de produção mais limpa pela indústria. Produção Limpa implica em evitar (prevenir) a geração de resíduos. Produção Limpa afeta direta e objetivamente o processo, produto, embalagens, descarte, destinação, manejo de lixo industrial e restos de produtos, comportamento de consumidores e política ambiental da empresa. As metas da Produção Limpa são baseadas em critérios harmônicos, padrões internacionais elevados e na visão global do mundo e do mercado (FURTADO, 1998).
126
Diante da necessidade da incorporação da sustentabilidade nas empresas, a
Abicalçados e a Assintecal estruturaram o Programa Origem Sustentável28, que
compreende um sistema de certificação desenvolvido especialmente para as
empresas da cadeia produtiva da Moda. Os principais objetivos desse
programa são: propiciar aos fabricantes de calçados, fornecedores e varejo um
maior engajamento em questões de sustentabilidade; ampliar as oportunidades
no mercado de exportação para países que possuem regulamentação
orientada à aquisição de produtos sustentáveis; alinhar a indústria de
componentes de calçados brasileira com iniciativas internacionais de
sustentabilidade como SAC, Biocalce, DOW Jones Sustainability Index, ISE-
Bovespa entre outras (CARTILHA ORIGEM SUSTENTÁVEL, 2013).
A cartilha Origem Sustentável descreve a busca por uma abrangência ampla
ao programa e o estabelecimento de critérios, denominados “indicadores” de
certificação, organizados segundo quatro pilares de sustentabilidade
(ABICALÇADOS, 2013) definidos como: (i) econômico – relacionado à
competitividade do negócio e à relação entre as empresas e seus stakeholders
(clientes, fornecedores etc.); (ii) ambiental – inclui ações de interação e
proteção do meio ambiente com os recursos renováveis, a eco-eficiência, a
gestão de resíduos e riscos que não comprometem o capital da natureza; (iii)
social – ações que podem afetar todos os membros da sociedade, incluindo-se
aí direitos humanos e trabalhistas, emprego, distribuição de renda,
envolvimento comunitário, equilíbrio social, diminuição da pobreza e da
violência, transparência e postura ética; (iv) cultural – no contexto deste Selo,
referem-se às técnicas artesanais, materiais locais, tradições e história, para a
inserção de elementos da cultura local, regional ou nacional em produtos,
28
Em 2011, a Assintecal submeteu um projeto junto ao Programa de Liderança em Sustentabilidade (MIT L-Lab) do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) sobre os desafios de implantação e adoção do “selo verde”. O projeto foi aprovado e, em janeiro de 2012, um grupo de alunos do MIT L-Lab desembarcou no Brasil para estudar o mercado calçadista brasileiro, sob a orientação da diretora do LASSU, Tereza Cristina Carvalho. Eles visitaram cerca de 12 empresas calçadistas em cidades como São Paulo, Cerquilho, Sorocaba, no estado de São Paulo, e em Novo Hamburgo e Rio Grande do Sul. São empresas que produzem insumos, solventes, botões, fivelas até os montadores do produto final. Segundo Tereza Cristina Carvalho, o Selo de Sustentabilidade para o setor calçadista foi concebido para valorizar as marcas brasileiras no mercado internacional, mas também para promover o engajamento das empresas detentoras destas marcas com a sustentabilidade (http://www5.usp.br/14620/selo-de-sustentabilidade-criado-na-poli-favorece-exportacao-de-calcados/).
127
serviços ou atividades da empresa. Inclui ações por meio das quais as
empresas, comunidades e pessoas que manifestam sua identidade preservam
e cultivam conhecimentos (know-how), tecnologias, tradições e costumes
(cultura) de geração para geração, incluindo o acesso à educação e a bens
culturais.
A certificação do selo de origem sustentável ocorre conforme o nível de
indicadores que o fabricante apresenta segundo esses pilares. Está
estruturada em níveis com o objetivo de ser um programa inclusivo, ou seja,
todas as empresas poderão obter o selo, porém cada uma conforme o estágio
de incorporação da sustentabilidade em seus processos. Segundo dados
disponíveis no Portal do website do Programa29, “O Selo Origem Sustentável
contempla 5 (cinco) níveis: branco (o Pedido de Adesão do fabricante é aceito,
mediante assinatura do Termo de Compromisso); bronze (pontuação em
questionário de auto-avaliação, certifica a empresa com o nível bronze); prata
(ao responder o questionário de auto-avaliação, a empresa obtém indicação
para o nível prata, confirmada por auditoria específica); ouro (ao realizar a
auto-avaliação, a unidade fabril obtém a pontuação necessária, comprovada
por auditoria específica); diamante (ao realizar a auto-avaliação, a empresa
obtém a pontuação necessária, com evolução de no mínimo dois anos,
comprovada por auditoria)”. Na tabela 3 a seguir, o detalhamento dos
indicadores dentro de cada pilar.
29
Portal do website do Programa do Selo Origem Sustentável: <http://www.origemsustentavel.org.br/site/apresentacao.php>
128
Tabela 3: Pilares de sustentabilidade. Fonte: Adaptado de ABICALÇADOS (2013)
O programa Origem Sustentável, realizado pela Abicalçados e Assintecal, é
patrocinado pelo Sebrae e tem como parceiros o Instituto by Brasil,
Universidade de São Paulo (USP) e Massachusetts Institute of Technology
(MIT). As auditorias30 para definir em que nível de selo a empresa se enquadra
30
A auditoria é o principal instrumento operacional sistêmico, analítico, de natureza pericial, para avaliar o estágio de atendimento à legislação (conformidade) e gerar informações para tomada de decisões em gestão e negócios da organização (FURTADO, 1998).
129
– prata, ouro ou diamante – ficam sob a responsabilidade da SGS (System &
Service Certification) e ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas). O
Instituto by Brasil31 é a entidade gestora que exerce o credenciamento de
instituições certificadoras e a emissão do Selo Origem Sustentável; possui
como entidades parceiras a Assintecal e a Abicalçados, responsáveis pela
divulgação do Selo e pela mobilização de seus associados para participação
do programa (empresas que produzem e vendem componentes, calçados ou
artefatos vinculados à indústria da Moda).
Nesse cenário, a emergência de inovação nas questões de certificação de
origem dos produtos implica a aplicação da abordagem metaprojetual para
repensar o modelo de sistema de gestão, para que os stakeholders também
auto-avaliem seus processos em busca constante de melhorias. Conforme
relatou Walter Rodrigues (2013), há um padrão (patterns) de comportamento
por parte das empresas que configuram processos (standards) visando à
sustentabilidade, mas ainda não há uma commoditização dos processos de
sustentabilidade nos selos. No entanto, para o designer, esse processo está
em curso. Segundo Merlin (2010, p.10), os standards devem garantir
confiabilidade das metodologias utilizadas, transparência nas transações,
qualidade e contribuição para o desenvolvimento sustentável. Atualmente, os
diferentes tipos de standard são fatores decisivos para as escolhas e tomadas
de decisão entre os stakeholders.
Para Voltolini (2010), por se tratar de uma fase ainda preliminar dessa
consciência socioambiental no Brasil, esse fator exige que as empresas
estejam abertas às constantes mudanças, pois os modelos internacionais
existentes nem sempre são adaptáveis às condições brasileiras. Para o autor,
os chamados “selos verdes” são quase sempre apontados como uma solução
para esse quadro, mas estão ainda em fase de implementação. Em sua grande
maioria, esses selos oferecem algumas indicações mais confiáveis para o
indivíduo tomar uma decisão de consumo responsável sem ter que se tornar
um pesquisador em ecologia. O autor destaca que, embora os indicativos não
31
O Instituto by Brasil, fundado em 2006 em Novo Hamburgo (RS), é uma sociedade civil sem fins lucrativos que possui o compromisso com o desenvolvimento científico, tecnológico e cultural da indústria de componentes para couro, calçados e artefatos.
130
sejam as únicas medidas possíveis para se conferir valor sustentável em um
produto/serviço, é válida sua eficácia, ainda que esta varie conforme os
diferentes segmentos da economia. Isso confirma a importância das etiquetas
socioambientais como um fator crítico no reconhecimento do consumidor,
indicando quem é responsável, como e o por quê de determinado processo.
Voltolini (2010) também aponta a importância dos selos na educação e indução
ao consumo consciente, e por isso eles devem ser criteriosos e bem
comunicados.
Nesse sentido, Moraes (2010, p.64) contesta que a prática de Design orientada
para a sustentabilidade ambiental passa pelo conceito de cadeia de valor em
diferentes abordagens e que é preciso repensar e “integrar o conceito de
responsabilidade ambiental em nossas relações com os objetos e com o
ambiente artificial como um todo”. Chamar o consumidor para aceitar um novo
modo de viver é uma ação para os designers, que além de conceber produtos,
apontam novos sistemas com referências de novos valores na projeção do Life
cycle desses produtos.
Os níveis desses sistemas com modos de vida são tão complexos que
parecem estar fora de controle: “complexos demais para se compreender,
quanto mais para lidar e redirecionar” (THACKARA, 2008, p.23). Não se trata
de desacelerar tudo, mas possibilitar situações que sustentem uma infinita
variedade de formas rápidas e lentas de viver (Ibid., p.65). “Na primeira parte
da era industrial, progresso e desenvolvimento significavam a produção
contínua de tecnologia e mais produtos” (Ibid., p.12). O fato é que, neste início
do século XXI, tudo isso se configura como um grande desafio para os
designers, pois “os designers devem fazer com que os sistemas de
manutenção da vida que nos cercam sejam mais inteligíveis e desvendáveis”
(Ibid., p.37), pois “no conflito de informações demais e conhecimento de
menos, o mundo vai ficando mais complexo e as pessoas se dispõem cada vez
menos a tentar fazer sentido nas coisas” (CARDOSO, 2011, p.11).
Um dos maiores desafios que enfrentamos na transição para a sustentabilidade é o pensamento orientado aos sistemas integrados. Aprendemos sobre o comportamento de sistemas complexos que o pequeno não é pequeno. Não precisamos pensar grande ou agir
131
grande para mudar grandes sistemas. Pelo contrário: pequenas ações de design podem ter grandes consequências, possivelmente positivas (TACKARA, 2008, p.36).
Tecnologia e informação nunca estiveram tão acessíveis; uma parte
considerável da população mundial desfruta de condições de consumo com
níveis sem precedentes. Todos os dias são noticiadas novas descobertas e
inovações, que se transformam em produtos, que vão compor os cotidianos
das pessoas. São movimentos que se mostram positivos para o mercado e
talvez para economia, mas quase sempre não para o meio ambiente – e
algumas vezes são nocivos até para os humanos.
Como aponta Tackara (2008), a complexidade dos sistemas que regem a vida
na contemporaneidade causa uma confusão na percepção dos indivíduos
sobre suas próprias escolhas do cotidiano, fato que representa um dos maiores
desafios para os designers desse milênio, que vão significar os artefatos
nesses novos sistemas (TACKARA, p.139). Para o autor, uma transição
positiva seria para um mundo menos voltado às coisas e mais centrado nas
pessoas, com abordagens de novas formas sociais de convívio com ênfase em
ações sociais em detrimento de ações tecnológicas (Ibid., p.169). Essa é uma
situação em que o designer deve compor diversidades para que a ação
projetual não se vincule a uma discussão sobre alguns valores sociais e
culturais em detrimento de outros, mas construa o sistema de forma criativa,
onde as próprias pessoas sejam capazes de interagir com ele e encontrar os
caminhos para os resultados em contextos específicos (Ibid. p.251). Essa
condição pode ser observada nas redes constituídas nas ações dos designers
Ronaldo Fraga (2010), Walter Rodrigues (2001) e Jum Nakao (2012) junto às
organizações e comunidades locais, que terão detalhes do processo
explicitados no capítulo a seguir.
132
133
3. Projetando localidades e relações sociais em redes
Este terceiro capítulo aborda o ambiente das redes sociais em estruturas
organizacionais que podem alterar papéis e padrões de interação e Design de
sistemas sócio-técnicos. Neste sentido são apresentados cenários em ações
de Metadesign (VASSÃO, 2008; VASSÃO 2010) para a compreensão dessas
estruturas organizacionais e são apontados questionamentos de Design,
percepção de valor e qualidade nas interações em distintas redes de intenções
e proximidades intersubjetivas, inerentes aos designers, mercado e às
comunidades de artesãos. Pontua-se a importância do papel ético do designer
de Moda nas escolhas projetuais e estratégias para composição social, de
território, cultura e tradição local.
O projeto de Design que contextualiza a identidade territorial, diferentemente
de outros, problematiza a integração de aspectos da produção material em
artefatos e serviços com saberes, que, nos estudos de casos desta pesquisa,
referem-se à manufatura de artefatos artesanais e experiência em processos
de produção e consumo, marcados pela cultura e tradição local. Em primeiro
lugar, existe uma dimensão ética e política no entendimento das maneiras de
gerenciar (e projetar) o território. Em outras palavras, se o interesse privado
não deve estar acima do bem comum, não é possível deixar que sejam
unicamente as lógicas de mercado a regular este espaço (REYES e BORBA,
2008). Em segundo lugar, o território em um contexto contemporâneo de
globalização promove sua espacialidade e temporalidade, não mais somente
conformado pelos limites físicos e administrativos, mas dentro de uma lógica
comunicacional – possíveis fluxos de informação. Os autores de referência
neste tema serão Krucken (2009), Manzini (2008), Moraes (2010) e Vezzoli
(2012).
Krucken (2009) afirma que, no início deste milênio, houve um aumento da
demanda por produtos autóctones (relativo ao lugar de origem), promovendo
produções regionais e suas materializações em artefatos. Sugere-se a
afirmação do local no processo de globalização. Nesse sentido, investigam-se
neste capítulo as ações projetuais de Jum Nakao em 2008 junto à comunidade
134
de Manicoré (AM), e de Ronaldo Fraga com a coleção “Turista Aprendiz na
Terra do Grão” (2010), desenvolvida em colaboração com uma cooperativa de
artesãs do Pará. Para Hall (2006), a ideia de uma identidade única e duradoura
esvanece-se na contemporaneidade, e apresenta-se dinâmica, em construção
constante socialmente. Isso possibilita, segundo Manzini (2008), novos papéis
sociais e profissionais, em que designers têm seu campo de ação ampliado,
considerando em seus projetos aspectos étnicos, culturais, religiosos e de
formação histórica, dentre outros fatores, conforme será analisado nos projetos
“A Mão na Moda” (2001) de Walter Rodrigues, junto às comunidades locais das
rendeiras do Morro da Mariana, e “Reality Project” (2012) de Jum Nakao em
colaboração com estudantes de Design de Moda e artesãs do Ceará.
3.1. Percepção da qualidade como interações em redes: pessoas,
artefatos e lugares
Vivencia-se uma crise de percepção, desencadeada pelo desenvolvimento das
tecnologias perceptuais, como a da informação com o advento da internet e
comunicação móvel ou locomoção de coisas e pessoas pelo globo, com
possibilidade de uso desses meios frequentemente no cotidiano de grande
parte da população mundial. Para Virilio (1993), os meios de massa para
comunicação e transporte promovem uma interpretação do mundo ao mesmo
tempo massificada e particular, que relativiza diferenças entre o global e o
local. Nessa perspectiva, os projetos e ações dos designers em comunidades
estudados nesta pesquisa estão protagonizando questões que apresentam
constantes ambiguidades. Uma dessas ambiguidades, aponta Magnavita
(2011, p.77), diz respeito à maioria dos projetos lançados pelo Ministério da
Cultura que visam ao desenvolvimento e à inserção dos indivíduos de
comunidades carentes no mercado de trabalho e à distribuição de renda. São
propostas válidas, mas que, segundo o autor, não são alcançadas.
Para o autor, esquece-se o caráter pedagógico da atividade e a resistência à
produção do marketing cultural homogeneizado para importar o modelo que
chama de “Economia Criativa”. Assim, reconhece-se a criatividade como a
135
nova mina de ouro, um bem imaterial inesgotável, que serve de mercadoria a
serviço do capitalismo pós-industrial, e destaca:
[...] à produção artesanal, passou a ser de certa forma “industrializada” (produção seriada de certos produtos confeccionados por máquinas), mesmo fora dos locais que lhe deram origens e inserida em rede de mercados, tornando assim homogênea essa produção enquanto setor complementar da indústria turística. Quanto à preservação da Memória, ela se realiza como atitude de respeito à herança cultural, todavia, também ela se insere no ciclo de programas e circuitos da indústria turística (a segunda no mundo depois da indústria bélica), portanto, como especial mercadoria (Ibid., p.77).
Nesse contexto, a ação projetual de Jum Nakao (2008), fomentada pelo
programa Talentos do Brasil na comunidade de Manicoré (AM), figura 46, é um
exemplo de projeto desenvolvido de forma bastante positiva. O município fica
situado às margens do rio Madeira, e a principal fonte de renda provém da
produção agrícola, de cultivo da banana, melancia e da produção de farinha. O
Grupo Floresta, que reúne cerca de 50 famílias de agricultores da comunidade,
foi o escolhido para participar do programa.
Figura 46: Foto da comunidade de Manicoré e comunidade de artesãos. Fonte: (aam.org.br prefeituras 353-prefeitura-municipal-de-manicore , 2013)
e (JUMNAKAO.COM.BR, 2013)
Esses programas e iniciativas são caracterizados como sustentáveis e
socialmente responsáveis, pois em grande parte, essas atividades pertencem
ao setor informal da economia e geralmente aplicam processos simples e não
intensivos de capital. Para Bonsiepe (2011), esse tipo de cenário exige uma
postura ética por parte do designer, pois de maneira clara nada se fala sobre a
capacidade dessas iniciativas fomentarem a autonomia dos artesãos, evitando
assim a ideia de assistencialismo. Nesse sentido, o autor elenca que o tema do
136
artesanato e Design pode ser desenvolvido pelas seguintes posturas, que
podem aparecer em forma pura ou misturada:
1. “Enfoque conservador”. Busca proteger o artesão da influência do logos,
rejeitando aproximação com o Design, pois querem mantê-lo imune às
influências contemporâneas; aproxima-se das intenções dos antropólogos;
2. “Enfoque estetizante”. Considera os artesãos representantes da cultura
popular e eleva seus trabalhos ao status de arte, utilizando o termo arte
popular em referência à arte erudita;
3. “Enfoque produtivista”. Considera os artesãos como mão de obra qualificada
e barata, utilizando suas capacidades para produzir objetos assinados pelos
designers e artistas. Tal prática tende a perpetuar relações de dependência;
4. “Enfoque culturalista ou essencialista”. Considera os projetos locais dos
artesãos com base ou ponto de partida para verdadeiro Design latino-
americano ou indo-americano;
5. “Enfoque paternalista”. Considera os artesãos, em primeiro lugar, como
clientela política de programas assistencialistas e exerce uma função
mediadora entre a produção e a comercialização (marketing), em geral, com
altas margens de lucros para os vendedores;
6. “Enfoque promotor de inovação”. Advoga a autonomia dos artesãos para
melhorar suas condições de subsistência, muitas vezes precárias. Nesse caso,
a participação ativa dos produtores é requerida (BONSIEPE, 2011, p.63).
É preciso sensibilidade e ética por parte do designer para compreender
necessidades e potencialidades dessas comunidades locais, e reconhecer a
Cultura enquanto condensação de saberes, poderes e subjetivações em
processos de criatividade na formação social. Para Magnavita (2011), essa
riqueza criativa que emerge do mundo da representação do universo macro da
fenomenologia, da direta percepção que se relaciona com as quatro ilusões do
mundo32 apontadas por Deleuze (1988), passa pela captura e apropriação de
uma massa considerável de trabalho intelectual e afetivo, em troca de tarifas
32 A Identidade do Conceito que provém da expressão genérica da matemática A = A, enquanto
“coisas em si”, essências; a Analogia do juízo (a arquitetura é um organismo); Oposição dos predicados (arquitetura e não arquitetura) e Semelhança do percebido (essa arquitetura parece com... sempre faz uma referência a algo vivenciado), (MAGNAVITA, 2011).
137
consideradas muito baixas em relação ao lucro que dela se aufere. Essa
prática é considerada uma forma “libertária” de lucrar, mas inclui a “auto-
realização” do trabalhador envolvido na ação que, todavia, nem sempre é
evidenciada (nem mesmo a cooperação e/ou associação no trabalho em
equipe que as sedes envolvem). Disso, conforme Magnavita (2011), pode-se
então concluir que “o capitalismo vem sofisticando o lucro em uma nova corrida
à procura da valiosa mina de inesgotável reserva: a criatividade humana,
traduzida em Economia Criativa”.
Não se trata, escreve Agamben, de valor de uso, porque o que está exposto é, como tal, subtraído à esfera do uso; nem se trata de valor de troca, porque não mede, de forma alguma, uma força-trabalho (BENJAMIN, 1985, p.78).
Essa discussão é colocada por Lévy (1994, p.115) nos quatro “espaços
antropológicos do saber”, onde a (1) Terra, espaço-tempo nômade, cosmo em
que os seres humanos estão em comunicação constante no desenvolvimento
da linguagem, processos técnicos e instituições sociais; (2) Território, neolítico,
um espaço atemporal, em que se estabelece efetivamente o mundo sedentário
da “civilização”; (3) Espaço das mercadorias, da revolução industrial, que
adquire autonomia em relação ao Território, não abole os espaços anteriores,
mas os sujeita e os organiza segundo próprios objetivos; (4) Espaço do saber,
período atual, um não lugar que ainda não existe por não se constituir com
autonomia, cosmopolita com esfera de artifícios subjetivos e cognitivos,
pluralizados, desregulares, nômades, configurados pelas novas tecnologias.
Os espaços vividos são relativistas: curvam-se e deformam-se em torno dos objetos que eles contêm e que os organizam. As pessoas, as imagens, as palavras e os conceitos são mais ou menos estruturantes de acordo com a intensidade afetiva que se liga a eles [...] Experimentamos todos os dias esses espaços que nascem das interações entre pessoas. Mas existem outros mais vastos, na escala de instituições, de grupos sociais, de grandes conjuntos culturais, e que põem em jogo não só os humanos, mas elementos não-humanos de todas as origens: sistemas de signos, dispositivos de comunicação, armas, ferramentas, elétrons, vírus, moléculas... (Ibid., p.125).
Nesse contexto, as ações projetuais nas comunidades locais, conforme Virilio
(1996), colocam o Design em vias de produzir “máquinas abstratas patrimoniais
diferenciadas, sem centralidades ou hierarquias, edificadas apenas no Saber e
Poder Local que se institui na coletividade” (MAGNAVITA, 2003). Como
138
apontado por Magnavita (2003), são locais que apresentam específicas pré-
existências patrimoniais de bens culturais integrados aos processos do mundo
globalizado, garantindo as diferenças enquanto se reinventam em permanente
transformação. Dessa maneira, o processo de globalização pode constituir
totalidades, que se integram com o local nas diferenças produzidas.
As imprevisíveis relações estabelecidas entre elementos de naturezas
heterogêneas criam redes globais ou locais, que pressupõem uma
multiplicidade de conexões. Segundo Magnavita (2011, p.72), essas interações
contaminam configurações histórica e cultural, incluindo os desejos, crenças e
tradições de seus cidadãos. Uma situação de paradoxo coloca os projetos de
Design nessas redes de comunidades locais em estado constante de
contradição, pois pretendem buscar relações de equilíbrio e igualdade entre as
diferenças da lógica de mercado e os valores de cultura local. É preciso um
engendramento do criativo, que tende cada vez mais a se tornar uma
mercadoria padronizada, tanto pelas indústrias culturais quanto pelas políticas
públicas; o criativo torna-se um bem passível de consumo em larga escala,
através da estetização e espetacularização do fazer criativo (CIDADE E
CULTURA, 2011).
E sustentados pela falácia de que o julgamento sobre a qualidade e a pertinência dos bens culturais é subjetivo, sujeito à variação dos gostos pessoais e que, portanto, nenhum agente do poder público poderia levá-lo adiante sem violar os princípios da moralidade pública e da impessoalidade, os formuladores das leis de incentivo alegam que só a mão invisível do mercado cultural poderia fazê-lo de maneira equilibrada. O argumento é falacioso exatamente porque trata como bem cultural apenas o que pode ser, simultaneamente, conversível em mercadoria de consumo de massa (PORTELA, et al., 2011, p.8).
Assim, no cenário das ações de designers em comunidades locais, parece que
o único usuário que infere valor no processo projetual dos sistemas é o
consumidor final, localizado nessa massa de consumidores – segundo Portela
(et.al., 2011), essa é uma proposição no mínimo contraditória, pois os
consumidores em diferentes contextos inferem valor sobre os processos.
Nesse sentido, Fisher (1999, p.12) afirma que “Meta-design é o design para
designers, não para os consumidores”. Para o autor, pode-se “aprender e
desfrutar de muitas coisas em um papel de consumidor (por exemplo, ouvir
uma palestra, assistindo a um jogo de tênis, ou a participar de um concerto)”.
139
De maneira que se participa de um processo mesmo apenas assistindo a este,
sendo um erro supor que ser um consumidor ou ser um designer tem que ser
uma escolha binária. Esse é um processo contínuo que vai desde consumidor
passivo, para consumidor ativo, para usuário final, para usuário, poder do
usuário, de domínio desenhista, à designer do sistema. Todo o caminho até
meta-designer. O autor afirma que a experiência de consumo pode trazer
perspectivas importantes ao processo de concepção, e nesse sentido, o
consumidor pode atuar como co-desenvolvedor, inferindo assim valor no
processo/produto/serviço. Fisher (1999) aponta que no Metadesign há uma
interação contínua entre os limites definidos como usuário e consumidor,
conforme a figura 47.
Consumido <-----------------------------------------------------------------------> Designer
consumidor passivo
consumidor ativo
usuário final
usuário
usuários de energia
designer de domínio
meta-designer
Figura 47: Além das escolhas binárias. Fonte: Adaptado de Fisher (1999)
Para Vassão (2008, p.171), uma maneira de lidar com o conhecimento
incompleto é envolver o objeto proposto em um máximo de experimentos; o
que, em gestão de sistemas, trata-se de capitalizar o envolvimento das
comunidades de usuários, consumidores, designers e todos participantes. No
caso das ações de Jum Nakao na comunidade de Manicoré em 2008 (figura
48), significa envolver todos os stakeholders desde os próprios designers,
artesãos, fornecedores de matéria-prima, distribuidores, consumidores
passivos e consumidores ativos no projeto, para que tenham na diversidade
das experiências a valorização da cultura local. Assim, as ações dos
stakeholders são “experiências cognitivas participativas determinadas na
140
estrutura organizacional e configuração do contexto” (MATURANA, 2011, p.73),
e essas experiências definem os pontos importantes para o desenvolvimento
coletivo e sistêmico do projeto.
Dessa forma, pode-se entender a troca de conhecimentos entre os artesãos e
designers, realizada durante os cursos de capacitação promovidos pelo
programa Talentos do Brasil, como processo de criação de novas ideias para
as coleções. Há aulas de técnicas de modelagem, de corte e costura, de
Design, de mercado etc. Toda produção do grupo de artesãos é feita à mão,
apenas com o auxílio do tear e máquina de costura caseira. Os homens retiram
a matéria-prima bruta da floresta Amazônica e as mulheres atuam na
confecção das peças. Além disso, as sobras de látex colhido pelos homens
para produção de borracha são aproveitadas pelas artesãs na fabricação de
delicadas peças de artesanato. Nas tramas das fibras naturais, entrelaçadas
pelas cores de fitas coloridas, as artesãs transformam a juta, o cipó titica e o
cipó ambé, assim como as sementes da região em chapéus, bolsas, brincos,
colares e pulseiras. A integração da experiência das mulheres no trabalho
artesanal, da habilidade dos homens que retiram a matéria-prima da mata, do
conhecimento de Desgin de Jum Nakao e o apoio do Programa Talentos do
Brasil são um grande estímulo para o grupo Floresta (figura 48).
141
Figura 48: Registros do processo de desenvolvimento da coleção. Fonte: (JUM NAKAO, 2013) e (TALENTOS DO BRASIL, 2008).
[...] tecnologia pode ser vivida como um instrumento eficaz para ação intencional, ou como um valor que justifique ou orienta um modo de vida em que tudo é subordinado ao prazer vivido em fazê-lo (MATURANA, 1997, p.9).
[...] assim, pode-se fortalecer os laços que tornam uma camada de abstração absolutamente coesa e submissa à outra, que a contém em um processo produtivo. É esse o procedimento possível de Metadesign, em seu sentido mais abrangente: o de fortalecer laços e caminhos de conformação de uma coletividade em função da produção de riqueza [...] e o padrão parece ser sempre o mesmo: organizar sistemas que tirem proveito das características emergentes de um processo. (VASSÃO, 2008, p.174).
Para Giaccadi (2003, p.206), nesse tipo de relação os participantes colaboram
com a co-criação dos baseados principalmente na interação entre os mesmos.
Vale esclarecer que colaboração, co-criação e cooperação não podem ser
142
confundidos com alguma forma de consulta, co-produção ou co-
desenvolvimento, no sentido de fortalecimento da competitividade em
publicidade, marketing ou branding; procedimentos comuns entre as empresas
que passam a envolver consumidores, comunidades e fornecedores no
desenvolvimento de novos conceitos/produtos/serviços.
Conforme Franco (2012), nas redes que se estabelecem nesse tipo de
sistemas sociais, todos os stakeholders participam, mas nem todos colaboram
e cooperam com o ambiente de interação (sistema), que é de onde emerge a
criação. Segundo o autor, só há criação em sistemas sociais abertos (questão
que será analisada nos itens adiante) quando a estrutura e a dinâmica
acontecem por regulação de emergência, gerando abundância de espaços de
fluxos interativos num processo para ensejar a precipitação da inteligência
coletiva.
A co-criação é um processo composto por tentativas recorrentes de estabelecer e restabelecer congruências múltiplas e recíprocas entre ideias que mutam quando interagem, nem sempre se aproximando e se fundindo, mas frequentemente se distanciando e que podem ser novamente modificadas na interação para se combinar e reagir “quimicamente” umas com as outras em novas combinações gerando novas “substâncias” (novas ideias substantivas), (FRANCO, 2012, online).
Nesse contexto, em Metadesign o objetivo não é o produto final, mas os
processos. Assim, nas experiências de consumo até o usuário final devem ser
evidenciados aspectos cognitivos para que estes validem e infiram valor sobre
a qualidade dos processos no sistema como um todo. Para Krucken (2009), a
compreensão da qualidade é um processo subjetivo, determinado por questões
culturais. Segundo a autora, a qualidade de um produto só pode ser percebida
e avaliada por meio do seu uso, consumo, ou experiência, sendo que a
percepção da qualidade de um produto/serviço é o resultado conjunto de seis
dimensões de valor:
“Valor funcional ou utilitário”, com atributos objetivos pela
adequação ao uso. Diz respeito ao produto, composição, origem,
propriedades, segurança de consumo e aspectos ergonômicos;
143
“Valor emocional”, de caráter subjetivo, está ligado às percepções
sensoriais e compreende fatores ligados à compra uso/consumo do
produto. Incorpora também a dimensão memorial;
“Valor ambiental”, vinculado principalmente à prestação de
serviços ambientais por meio do uso sustentável dos recursos naturais;
“Valor simbólico e cultural”, está associado ao desejo de
manifestar a identidade social, pertença em grupo ético, posicionamento
político etc. É fortemente influenciado pelo contexto sociocultural (época,
local) e pelos fenômenos contemporâneos, está relacionado ao “espírito do
tempo”;
“Valor social” relaciona-se aos aspectos sociais que permeiam os
processos de produção, comercialização e consumo dos produtos. Os
valores morais dos cidadãos e a reputação das organizações na sociedade;
“Valor econômico”, de caráter objetivo, baseia-se na relação
custo-benefício em termos monetários (KRUCKEN, 2009, p.27).
Esses valores se estabelecem de forma integrada e se articulam ao longo da
experiência que se vive com o produto ou artefato. Devem ser estabelecidos
claramente para que o consumidor compreenda a mensagem em toda a
magnitude; conforme pode ser observado no processo de desenvolvimento e
resultado das ações projetuais de Jun Nakao em 2008, na comunidade de
Manicoré (figura 49, a seguir):
144
Figura 49: Peças desenvolvidas pelos artesãos em colaboração com Jun Nakao (2008) na comunidade de Manicoré.
Fonte: (JUN NAKAO, 2008) e (TALENTOS DO BRASIL, 2008).
Percebe-se um direcionamento no processo em que as peças ao mesmo
tempo são direcionadas para o mercado de Moda, mas também discutem
necessidades do cotidiano da comunidade. Isso salienta um posicionamento
ético por parte do designer, pois cada comunidade vive uma realidade diferente
e a qualidade do projeto está em evidenciar e entregar valor a todos os
participantes. Nesse sentido, em analogia a um provérbio Chinês, Fisher (1999)
destaca, parafraseando uma crítica de Freire (2002):
Dê um peixe a um homem e ele se alimentará por um dia. Ensine-o a pescar e o alimentará pelo resto da vida (Fisher, 1999, p.9).
Naturalmente, reinsisto, o empresário moderno aceita, estimula e patrocina o treino técnico de seu operário. O que ele necessariamente recusa é a sua formação que, envolvendo o saber técnico e científico indispensável, fala de sua presença no mundo. Presença humana, presença ética, aviltada toda vez que transformada em pura sombra (FREIRE, 2002, p.63).
Como aponta Nakao (2011), em análise SWOT (anexo 2) para a pesquisa
“Economia e Cultura da Moda”, o Brasil é um país monumental, com diálogos
145
abertos e múltiplos, conectados com as questões contemporâneas e rico em
recursos naturais. Mas a Moda brasileira apresenta-se acostumada aos rótulos,
subjugados a uma elite que prefere transcrever tendências de mercados
internacionais. O autor aponta a necessidade de inovação na tecnologia, no
desenvolvimento humano para recodificar culturas existentes e ler os símbolos;
e também há necessidade de educar os consumidores, pois, para produzir um
trabalho autoral, implica-se demanda.
Nas questões relacionadas ao mercado, Moraes (2010) aponta a necessidade
de interpretação do estilo de vida local como componente diferencial nos
produtos que competem hoje em nível global, proporcionando aos
consumidores novas experiências de consumo. Segundo o autor, nesse
cenário, devem ser considerados fatores socioculturais de maior relevância
como possível referência para a concepção do produto/serviço e de igual forma
o uso sustentável dos recursos naturais. Como pré-análise devem ser
consideradas: fruição coletiva dos produtos pelos usuários, tecnologias e
materiais disponíveis, descobertas científicas, movimentos artísticos,
comportamentos e costumes, tendências da Moda, ritmos musicais, causas
que podem influenciar o redesenho de um artefato na busca pela inovação.
No caso de ações projetuais de designers de Moda em comunidades locais,
Moraes (2010) demonstra linhas de como projetar com a diversidade de
culturas, etnias e de cenários territoriais, em uma ordem dos sistemas
globalizados, que considera os usuários em cenários diversos
(topologia/clima/cultura) para a produção e consumo dos produtos/serviços. E
aponta a importância de resignificar tradições e culturas locais nesses projetos
em novos cenários globalizados para que sejam sustentáveis em longo prazo.
146
3.2. Territorialidades: exercícios projetuais do local
Segundo Moraes (2010), nas ações projetuais devem ser notados para análise
do território os fatores socioculturais de maior relevância. O autor destaca que
devem ser considerados:
[...] a capacidade de produtores, designers e mesmo de cada país, na interpretação do estilo de vida local (local culture e local lifestyle), para que seja inserido como componente diferencial, de caráter sólido, nos produtos que competem em nível global, proporcionando aos consumidores, novas experiências de consumo. [...] a identidade local por meio do conceito de valorização do território (terroir), [...] que abrange o capital simbólico do produto; nisso devem ser inseridas também as relações socio-culturais e as característica do território, as quais foram se consolidando ao longo dos tempos [...] tradições, manifestações culturais, festividades e alimentação [...] o patrimônio material e imaterial de caráter marcante e simbólico e que determina por vez o produto local (MORAES, 2010, p.72).
Nesse processo, são contemplados também os públicos internos, que são os
stakeholders (colaboradores) primários das políticas de gestão do território e,
portanto, de projeto. Assim, a perspectiva do branding territorial (BONSIEPE,
2011) utiliza-se dos repertórios de atributos tecnológicos, patrimoniais, sociais
etc. das cidades/territórios, que podem servir como base para a construção de
marcas locais (GAIO e GOUVEIA, 2007). É muito importante, a esse respeito,
trazer a diferença entre identidade e imagem. Segundo Reyes e Borba (2008),
a primeira (identidade) é uma projeção de dentro para fora, podendo ser
descrita como o conjunto de características intrínsecas do território e suas
formas de expressão. A segunda (imagem) é a maneira como as pessoas, que
podem ser segmentadas em grupos, veem a cidade/território, e suas
representações. Nessa perspectiva, uma gestão de marca, ou branding
territorial eficaz, não pode prescindir da identidade do lugar. De outra forma,
correria o risco de criar ou promover uma imagem contraditória, onde o esforço
comunicacional não encontraria correspondência nas características do
território.
Segundo Gaio e Gouveia (2007), as cidades são experienciadas
cotidianamente por um conjunto amplo e diversificado de públicos e são por
estes “usadas” e “usáveis”, através da grande variedade de serviços que
prestam. Entretanto, dependendo das situações e oportunidades como, por
147
exemplo, um evento excepcional, a gestão de um grande fluxo de público
externo pode se tornar o estímulo principal para um projeto territorial, como no
caso das ações de Jum Nakao na comunidade de Manicoré em 2008 (figura
50).
Figura 50: Moodboard conceitual Manicoré e algumas das peças desenvolvidas pelos artesãos. Fonte: (JUM NAKAO, 2008), (TALENTOS DO BRASIL, 2008) e (aam.org.br/prefeituras/353-
prefeitura-municipal-de-manicore , 2013)
As peças são desenvolvidas a partir dos códigos da cultural local, como festas
e comemorações da região – no caso traços miscigenados da cultura indígena,
o evento da festa da colheita da melancia e costumes como as fitas de
bandeirolas nas edificações. Essas evidências culturais são identificadas,
decodificadas e reconfiguradas nas peças produzidas pelas artesãs. Outra
característica importante é a escolha de matérias-primas da região para
148
utilização na cadeia produtiva, como as sementes nativas e madeira de sobras
das grandes madeireiras da região.
No campo da reflexão metodológica sobre Metadesign no contexto territorial,
algumas considerações devem ser feitas. Em primeiro lugar, o território não
pode ser efetivamente projetado, por ser também um objeto projetante; por
isso, os momentos da idealização e da execução não podem estar
distintamente separados no projeto territorial (REYES e BORBA, 2008). Em
segundo lugar, como consequência disso, a pesquisa requer a imersão no
território da equipe e a instauração de um relacionamento e integração com os
stakeholders (colaboradores territoriais) e os sujeitos locais. Assim, segundo
Reyes e Borba (2008), as fases de um projeto de Design territorial podem ser
redesenhadas no modelo Metadesign:
(1) Uma primeira fase de observação e pesquisa, conduzida mediante uma
abordagem multidisciplinar;
(2) Uma segunda fase, onde os dados coletados são reelaborados e restituídos
através de representações, principalmente gráficas. Nessa fase, são utilizadas
boa parte das ferramentas de Design, como, por exemplo, mapas conceituais,
gráficos de polaridades, moodboards, análises SWOT etc. Os principais
outputs dessa fase são cenários e briefings/contrabriefings projetuais;
(3) Uma terceira fase de síntese e geração de ideias projetuais. A modalidade
de trabalho utilizada nessa fase é a do conceito da marca.
(4) Uma última fase, onde os conceitos propostos ao longo do projeto são
efetivamente desenvolvidos.
Nesse contexto, de acordo com os modelos de projeto de Design tradicional,
há o controle sob os resultados das intenções projetuais – projetar seria
determinar um futuro, por meio de técnicas e tecnologias. No entanto, segundo
Vassão (2010, p.68), “sob a perspectiva do Metadesign o projeto indicará
apenas os meios e caminhos, assim como os objetos devem ser ajustados,
segundo o entendimento que se faz da complexidade envolvida nas lógicas
sociais e culturais, tratada como o objeto do projeto concentrados nas
características das emergências”.
149
“Essa atividade pode ser compreendida como a montagem e ajuste destas
máquinas abstratas, observando as consequências da operação do aparato
proposto“ (VASSÃO, 2010, p.72). No caso das comunidades, diz respeito a
todos os mapas conceituais e proposições citadas anteriormente, feitos a partir
dos dados coletados na região. Sob a perspectiva de Metadesign, o designer
propõe o projeto e depois reflete sobre o funcionamento do processo para
abordar possíveis ajustes e novas configurações, de acordo com as
emergências localizadas. Nesse sentido, Vassão (2010) destaca:
O Metadesigner tem a opção de adotar uma perspectiva de projeto que ainda insiste em exercer um controle estrito sobre os caminhos e os resultados de sua proposta, ou aceitar e aproveitar, as entidades emergentes que se manifestam à medida que sua criação se desenvolve e é implementada (VASSÃO, 2010, p.78).
Krucken (2009) levanta pontos importantes a serem considerados nesse
processo, destacando que é um grande desafio desenvolver produtos e
serviços com fortes associações simbólicas e emocionais que apresentem
raízes culturais e relacionem questões do território para serem pensadas nas
fases do projeto, como ilustrado pela autora na figura 51 a seguir:
Figura 51: Ações essenciais para promover produtos e territórios. Fonte: (KRUCKEN, 2009, p.108)
150
Algumas dessas fases relacionadas às ações de designers para promover o
território local com preocupações sociais podem ser observados no projeto da
ação do designer Ronaldo Fraga, no desenvolvimento da sua coleção “Turista
Aprendiz na Terra do Grão Pará – Verão 2012/13”. Esse projeto foi concebido
em parceria com a cooperativa de Biojoias de Tucumã, comunidade do Pará
com promoção da Fundação Vale.
O processo de ocupação da área onde fica o município de Tucumã teve origem
na década de 1970; na época, um dos grandes objetivos do governo federal
era promover a ocupação de vazios demográficos. A comunidade fica no norte
do país, em áreas de baixa produção agrícola, sendo a maioria dos produtos
consumida na região produzidos no centro-sul do Brasil. A economia está
assentada no setor primário, especialmente nas madeireiras e algumas
relacionadas à agropecuária, extrativa vegetal e mineral. O nome de Tucumã
se deve a abundância desta palmeira na região, usada em grande parte dos
produtos do artesanato local, conforme pode ser observado na figura 52, a
seguir:
151
Figura 52: Moodboad conceitual do território da comunidade de Tucumã (PA). Fonte: <http://prefeituradetucuma.pa.gov.br/>
< http://tvcultura.cmais.com.br/srbrasil> <http://coronelbessa.blogspot.com.br>
Nessa ação projetual de 2010, o designer Ronaldo Fraga optou por conceituar
não somente as peças que seriam confeccionadas na cooperativa das artesãs,
mas todas as peças do projeto, incluindo produção e desfile, como as linhas
guias (Moraes, 2010) ou o bias do projeto (Vassão, 2010), pautados pela
pesquisa de campo na região. Os processos na cadeia produtiva tiveram
influências diretas do artesanato local e dos conhecimentos das artesãs (que
serão analisados em detalhes no item a seguir). Entre os materiais utilizados
pelas artesãs para produzir as biojoias para o desfile, estão as sementes de
açaí, jupati, morototó, jarina, dedo de índia, paxiubinha e ouriço de castanha,
além de fragmentos de madeiras como amarelão, ipê, cumarú, muracatiara,
152
tatajuba, roxinho e sobra de madeireiras. E também foram feitas peças com
técnicas de marchetaria com sobras das madeireiras da região. Em junho de
2012, as peças foram apresentadas na semana de Moda de São Paulo, na
Bienal do Parque Ibirapuera.
Antes de apresentar a coleção no desfile, o designer Ronaldo Fraga invoca
elementos simbólicos da cultura local colocando músicas da região do Pará e
declama ao vivo um texto, fazendo uma alusão ao poema "Evocação do
Recife", de Manuel Bandeira. Em analogia à ação realizada por ele e sua
equipe junto às artesãs na região de Tucumã no Pará, o texto também está no
release da coleção e pode ser ouvido no website do designer, declamado por
Gaby Amarantos, e em anexo 3 no final desta dissertação. A seguir um trecho:
Ô Manuel... Nestas andanças por este Brasil, tenho visto e vivido coisas estupendas! [...] Aqui Manuel, as pessoas são seres marchetados em madeira de lei. Os beijos amortecem como o jambu, os corpos têm cheiro de manga e as almas... Bom, as almas... Carregam mistério das águas profundas. [...] Daria todos os açaís do mundo para vê-lo enfeitiçado por este lugar. O mesmo feitiço amazônico que transforma mulher bonita em castanheira, flores em pássaros, pepitas de ouro em sementes da mata. Impossível, Manu, descrever em palavras escritas ou faladas os assombros e desassombros deste lugar [...] (FRAGA, 2012).
Pode-se observar como o designer teve a preocupação de materializar a
coleção interpretando a tradição da região e valorizando e preservando os
símbolos culturais (imateriais e materiais) e identidade local. A figura 53 revela
algumas peças de acessórios da coleção, e propostas apresentas no desfile.
153
Figura 53: Propostas para coleção “Turista Aprendiz na Terra do Grão Pará – Verão 2012/13”. Fonte: (FFW.COM.BR, 2013)
154
Também pode ser observada a preocupação do designer em discutir o cenário
atual de globalização e a inserção de novas tecnologias no artesanato regional.
As peças confeccionadas em linhos não apresentam processos com alvejantes
e não há também o uso de corantes, porém há componentes com tecnologia
fotovoltaica, iluminados no ambiente sem luz, produzidas em indústrias locais
(figura 54).
Figura 54: Propostas para coleção “Turista Aprendiz na Terra do Grão Pará – Verão 2012/13”. Fonte: (ROSIS, 2012)
Sobre as ações de designers em comunidades locais com artesãs, Ronaldo
Fraga, em 2011, em análise SWOT (anexo 4), destaca que esse tipo de projeto
pode romper positivamente as diferenças entre artesãos e designer, entre
distintos saberes – do tradicional local e da Moda nacional. Mas, ao mesmo
tempo, corresse-se o risco da competição de mercado promover uma
descaracterização de valores da cultura ou um predomínio das intenções de
produção em massa. Conforme também aponta Moraes (2008), em entrevista
(anexo 5):
Quando o designer faz a interface com o artesanato, ele deve ser capaz de se abstrair da lógica produtiva e industrial e se aproximar da lógica artesanal. Muitos conseguem fazer isso com mais precisão e arte, outros deixam transparecer a lógica e o ritmo da indústria na produção artesanal. Tudo depende da cultura de cada designer, de sua consciência política e social, somente assim ele poderá proporcionar uma contribuição relevante ao artesanato mesmo tendo como base uma formação capitalista que aponta para a grande produção e para o consumo de massa. Até agora, no que pude perceber, essa troca fortaleceu mais aos designers (como aprendizagem) que aos artesãos (MORAES, 2008).
155
Segundo Moraes (2008), a princípio são duas forças distintas, mas que podem
interagir entre si. O artesanato pode ser validado no projeto na sua
manifestação autopoiética, com referência em Maturana e Varela (1997) – do
próprio fazer e gerir-se. O que parece imperfeição e falta de padronização são
valores inerentes às produções artesanais, e carregam a força da cultura
popular espontânea.
[...] Nós, seres humanos, como os sistemas vivos somos determinados pela estrutura, e tudo o que se aplica para estruturar sistemas determinados também se aplica a nós. O que é peculiar a nós, seres humanos, porém, é que existe a linguagem como o espaço operacional em que nos damos conta de nossa vida como tal. Ou seja, nós existimos no fluxo de viver juntos em coordenações recursivas de comportamento que determinam nossa existência cultural (MATURANA e VARELA, 1997).
Segundo Moraes (2008), a produção industrial tem outra lógica, outro ritmo em
outra escala de produção. A máquina busca eliminar o que seriam as
imperfeições e o homem manifesta-se nos conceitos e modalidades de uso,
estabelecidos pelo projeto.
Vassão (2010, p.79) afirma que, observando os nichos de interconexões entre
as práticas em questão, é possível identificar emergências entre objeto,
contexto, situações e interator/usuário/consumidor; estes são os laços mais
arraigados e possibilitam não a determinação direta dos processos de criação,
mas alguma manipulação através da formalização das emergências dos
contextos em questão.
Emergência, aquilo que “emerge”, “aparece sem aviso”. Indica situações urgentes que exigem atenção imediata. Em sentido rigoroso ligado a cibernética
33, indica todo tipo de característica ou
comportamento emergente sem que se tenha previsto, proposto ou se quer imaginado quando o sistema foi criado ou implementado. A característica emergente mais destacada é a capacidade de auto-organização, ou seja, do sistema tornar-se mais organizado com o passar do tempo, associada aos seres vivos, pois como a vida é capaz de se auto-organizar, envolve estabilização de metabolismos, e regeneração dos tecidos, a reprodução e a evolução, opera como uma “ilha de organização”, em meio a um mar de entidades menos organizadas (VASSÃO, 2010, p.70).
33 Cibernética é a ciência e teoria do controle da comunicação entre os seres vivos e as
máquinas, correspondendo à capacidade de poder ajustar alguma conduta futura em função do desempenho pretérito (WIENER, 1984, p.33.).
156
Segundo o autor a complexidade dos sistemas dotados de propriedades
emergentes pode variar muito, mas a sua constituição fundamental pode ser
muito simples, pois o que gera a complexidade na larga escala do sistema é o
acúmulo de muitas interações. Ou seja, interações podem provocar mudanças
de estado ou de funcionamento do sistema, envolvendo auto-organização no
contexto sociocultural. A partir do Metadesign, é possível articular sistemas de
objetos produzidos colaborativamente para então projetar procedimentos e
regras – modos de operar. E, para tanto, precisam-se investigar maneiras
adequadas de gerenciar o conhecimento continuamente em transformação,
envolvendo o objeto proposto no máximo de ações de experimentos, das mais
diversas maneiras e situações. Especificamente nesta pesquisa, entende-se
que os projetos desenvolvidos em comunidades locais trataram de capitalizar o
envolvimento e as interações dos atores nas ações e atividades desenvolvidas
(no caso designer, artesãs, fornecedores e consumidores).
3.3. Projetar processos colaborativos em redes
A criatividade e as atitudes colaborativas não podem, por definição, ser impostas. As comunidades criativas são organizações sociais muito delicadas e cada intervenção externa coloca seu equilíbrio em risco [...] profundamente enraizados em lugares e comunidades específicas e a idéia de reproduzi-los em diferentes contextos [...] e serem replicados sem perder suas qualidades originais (MANZINI, 2008, p.83).
Como proposição projetual de compreender e exercitar a complexidade,
Vassão (2010, p.23) recupera a abordagem projetual do Metadesign,
referenciando a abordagem formalista da Escola de Design de Ulm, pela
“Arquitetura Livre”. Nesse contexto, construir o campo de ação, o espaço de
projeto, o contexto no qual e como o mesmo poderá ocorrer. O autor delimita
assim quatro características principais:
“níveis de abstração” (realidade e projeto como objetos
organizados sem módulos funcionais);
“projeto procedimental” (definição e adoção de procedimentos que
realizam espaços);
157
“propriedades emergentes” (não determinismo e determinismo
indireto/procedimentos que centralizam um processo socialmente
descentralizado);
“topologia” (proposta e análise a partir de arranjo topológico).
A possibilidade de incorporar agregados (participantes e/ou colaboradores
externos), composições sócio-técnicas de grande complexidade, implica em
incorporar ações sociais e técnicas externas ao projeto, de maneira dinâmica.
Vassão (2010) afirma que este seria um fenômeno emergente a princípio não
constituído por causas externas. Nesse sentido, o autor propõe uma releitura e
uma ampliação dos princípios de Stallman34, não restrita ao software livre:
(1) Acessibilidade cognitiva – o acesso ao código fonte que permite a compreensão de um programa e sua alteração. (2) Compartilhar componentes – o que uma comunidade ou indivíduo cria pode ser muito útil ou interessante para outros. (3) Formação de comunidade – os projetos envolvem a emergência autodeterminada de comunidades. (4) Reputação e reconhecimento – indicação da genealogia, atribuir reputação e reconhecimento público aos atores envolvidos para que se garanta coesão da comunidade envolvida. (5) Corpo como principal referência de projeto – as propostas de alguma maneira devem responder: “Como o corpo participa do processo?”. O bias instrumental do Metadesign deve ser contrabalançado pelo primado da percepção, do corpo e da informalidade (VASSÃO, 2010, p.111).
Essa proposição interessa aplicar ao campo de Design de Moda, ao pensar em
novas redes de projetos colaborativos em comunidades locais, sendo este o
objetivo desta pesquisa. O próprio sistema Moda é por essência colaborativo e
enfrenta a impossibilidade de uma realização última, já que por sua natureza
precisa continuamente reinventar-se (auto-regular, atualizar, inovar). Nesse
sentido, também é interessante aproximar os conceitos de Design de Moda e
Metadesign trazidos por Youngblood (1986), como “a criação do contexto em
vez do conteúdo”. O autor afirma que as redes de telecomunicação, programas
34 A iniciativa de tornar os softwares livres partiu do programador Richard Stallman em 1983.
Entendendo que software é uma peça que pode ser tratada como parte da Indústria Cultural e não apenas anexo menor do hardware, Stallman defende a livre circulação de códigos de uso e possibilidades de mudanças e aperfeiçoamentos destes por parte dos usuários (VASSÃO, 2010, p.77). Software é o nome que se dá a parcela da computação que é composta de instruções e dados, hardware é parte ferramental, física e fixa da máquina computacional.
158
de computador e tecnologias interativas são exemplos de Metadesign, pois são
ambientes nos quais se pode controlar o contexto de suas produções culturais.
Atua-se, portanto, sobre o contexto onde o problema se encontra inserido e
não sobre o problema diretamente – a ideia de Metadesign como uma
abordagem indireta dos problemas.
Aproximando ao Design de Moda, entende-se que as proposições das ações
dos designers nas comunidades colaborativas não objetivam o resultado do
produto final, mas as definições de contextos. Dessa maneira, o contexto é o
que direciona os processos nos projetos. Fato que pode ser observado na ação
do designer Jum Nakao, em 2010, em conjunto com os estudantes e artesãs
(CE), figura 55, quando desenvolveu estratégias para gerenciar os contextos
de processos produtivos de uma coleção de Design de Moda. Com
transmissão simultânea via web durante cinco dias de um evento na semana
de Moda do Dragão Fashion (2012), evidenciaram-se os processos e as
escolhas projetuais dos participantes em tempo real.
Ocorrência que também pode ser observada não ação do designer Walter
Rodrigues, em 2001, figura 56, quando foi convidado pelo Museu do Objeto
Brasileiro para desenvolver peças em colaboração com a comunidade de
rendeiras do morro da Mariana (PI). Como tentativa de promover a valorização
e preservar e resgatar culturas tradicionais da região, o designer não
estabelece todas as regras, e precisa adaptar-se às normas estabelecidas. No
projeto de Ronaldo Fraga, em 2010, figura 57, junto às comunidades do Pará
(RN), o contexto foi delimitado pelos elementos de cultura e tradições do
território, que possibilitaram ao designer descobrir e usar técnicas de
artesanato, matéria-prima regional e direcionamentos conceituais do projeto.
159
Figura 55: Estrutura do “Reality Project”, ação de Jum Nakao (2010) com estudantes e artesãos no Senac de Fortaleza (CE).
Fonte: (JUM NAKAO, 2013)
Figura 56: Ação projetual de Walter Rodrigues (2001) na casa das rendeiras do Morro das Marianas, patrocinada pelo Museu A Casa do Objeto Brasileiro.
Fonte: (ACASA.ORG.BR, 2013)
160
Figura 57: Artesanato local da comunidade de Tucumã, fotos do território e da cooperativa de artesãs de biojoias “Meninas de Tucumã”.
Fonte: Registros em vídeo Ronaldo Fraga (2012) e <http://www.prefeituradetucuma.pa.gov.br/>
Dessa maneira, percebe-se que cada projeto teve um percurso diferente; os
participantes designers, artesãos e atores envolvidos precisaram responder às
regras e etapas de processos de acordo com os cenários pré-estabelecidos em
contextos distintos. Essa situação evidencia a afirmação de Manzini (2008)
sobre uma atividade colaborativa em comunidade criativa não poder ser
imposta.
Nesse contexto, Youngblood (1986) vê no Metadesign uma via expressiva para
a articulação de ideias de forma não centralizada, na qual os designers criam
situações dependentes do contexto, atuando como facilitadores e contando
com as contribuições de outros. O autor aponta o designer como um
estrategista, que deixa de ser o autor individual e compõe com o processo
projetual.
O design para inovação social é atualmente um dos propulsores das pesquisas em design para a sustentabilidade [...], a redução do peso de nossas atividades no ambiente passa por uma regeneração do tecido social e por uma redescoberta do valor da convivencialidade, como os termos comunidades criativas e organizações colaborativas nos indicam. Esse enfoque dado a convivencialidade propõe aos
161
designers, e demais pesquisadores, desafios projetuais e conceituais inéditos (MANZINI, 2008, p.15).
Nas pesquisas realizadas pelo grupo de Manzini (DESIS) para explorar o
potencial da inovação social, de caráter tecnológico e de produção, foram
detectados comportamentos de consumo em ações fundamentadas no apoio
mútuo, auto-organização, confiança e interação. Denominado de “serviços
colaborativos”, apresentam-se como características principais as qualidades
interpessoais, sociais e ambientais. Esses sistemas são considerados
protótipos de formas criativas de lidar com os problemas da vida cotidiana
como habitação, transporte etc. Segundo Manzini (2006), essas novas
propostas são consideradas inovações sociais, pois demonstram mudanças na
maneira pelas quais os indivíduos ou comunidades agem para resolver
problemas ou gerar novas oportunidades. “É nessa complexa teia de
interações que as redes de design estão constituindo. E é graças a elas que
espera-se que passos concretos em direção a sustentabilidade sejam
efetivamente tomados” (MANZINI, 2008).
Para Manzini (2010, p.XIII), no molde da “próxima economia os designers
devem estar capacitados a colaborar com uma variedade de interlocutores,
gerenciando os conhecimentos de leitura da macrofigura das mudanças e a
microfigura das características do contexto local e dinâmicas vigentes”.
Os novos processos de design são complexas interações do design: novas redes de design em que indivíduos, empresas, organizações sem fins lucrativos, instituições locais e globais usam na criatividade e empreendedorismo para obter alguns valores compartilhados (DESIS apud MORAES, 2010, p.XIII).
Isso significa que o designer vai interagir com outros não profissionais em um
modelo de parceria, usando conhecimentos e ferramentas específicas do
Design para facilitar a convergência de ideias e soluções potenciais. Portanto,
segundo Manzini (2010, p.XIII), “nesse cenário fluido, dinâmico e complexo
emergem novas abordagens projetuais evidenciando a necessidade de
métodos para oferecer uma plataforma de conhecimentos acessível a todos os
participantes que conformam as inter-relações do design”. Supõe-se que desse
162
cenário surjam possibilidades com variadas soluções para produtos e serviços,
que ao mesmo tempo vão possibilitar outros sentidos para o Design e usuários.
Para Krucken (2009, p.48), “as ações em comunidades com alguma
criatividade local promovem a inovação voltada para a sustentabilidade com
alto grau de participação social exigindo dos designers visão sistêmica para
integrar competências de diversos atores; eles assumem o papel de facilitador,
ou agente ativador, de ações colaborativas, promovendo interações na
sociedade”. Nessa perspectiva, Monzoni (2012, p.55) destaca que, para trazer
inovações, os contextos organizacionais – no caso, as comunidades criativas –
devem ser participativos e favoráveis às mudanças, estabelecendo um bom
relacionamento com seus stakeholders (artesãos). Ao implementarem um
programa de gestão (etapas projetuais) que busca integrar a sustentabilidade a
partir do planejamento estratégico (decisão de contextos), ações e metas são
pautadas pelo equilíbrio entre as dimensões econômicas, sociais e ambientais.
Nesse contexto, Vezzoli (2012, p.51) coloca que, para “uma abordagem de
configuração de atores envolvidos, o projeto de interação e associação entre
os respectivos participantes reagem para uma específica demanda social para
satisfação”. Por esse motivo, é preciso
permanecer críticos, reflexivos, adotando metas e critérios apropriados, o que evidencia a grande importância de estudar e desenvolver métodos e ferramentas, gerenciar e orientar o processo do design destinado à sustentabilidade (Ibid., p.52).
Qualquer tecnologia, processo, produto, serviço disponibilizam-se enquanto
uma interação. E segundo Vassão (2010), caso ocorra alguma alteração
tecnológica, o nicho continua conformado enquanto expectativa de interação;
os laços existem, pois segundo o autor, os nichos de interação se conformam e
se reformam, alterando-se de acordo com as múltiplas e constantes variações
da Ecologia de interação.
Para compreender o funcionamento dos nichos de interação, Vassão (2010,
p.80) sugere observar as relações entre virtual, atual, possível e real em dois
“quadrívios”, desenvolvidos a partir de Lévy, Deleuze e Guattari (LÉVY, 1998).
Tratam-se de quatro dimensões de entrechoques culturais que se conformam
163
como contextos de interação interessantes para a compreensão da
complexidade:
“Possibilidade: a partir de uma identificação criativa de possibilidade, de
agenciamento possível de tecnologias e interações em um objeto,
serviço ou produto. A percepção deste agenciamento é feita em primeira
pessoa, o(s) propositor(es) experimentam a inovação diretamente ou um
experimento direto suscita inovação e raramente há uma demanda
oriunda no meio social”.
“Experimentação e luxo: a adoção do processo ocorre por
experimentação em primeira pessoa. O ‘convencimento’ é fruto da
percepção imediata do produto ou serviço e pode ocorrer por meio de
campanhas ou por disseminação entre os envolvidos. As relações entre
as partes envolvidas são pouco formalizadas, e muito da inovação se
configura e reconfigura a partir das apropriações e alterações de
interação uso consumo que os interatores promovem”.
“Disseminação no cotidiano: a percepção imediata da inovação é
percebida na difusão do conceito de uso que circula pela sociedade em
um objeto abstrato compacto e de fácil reprodução. Ocorre um processo
de experimentação com formalização gradual das relações entre as
partes em demandas mais qualificadas”.
“Necessidade: a inovação passa a ser associada a um número cada vez
maior de atividades e funções, pessoais e sociais, torna-se um dado e
não mais apenas uma possibilidade interessante, entendida como fato
consumado de um contexto, função ou situação, onde a retirada de tal
processo/serviço/produto de circulação causará transtorno considerável
dependendo do papel no nicho de interação que desempenha”
(VASSÃO, 2010, p.80).
Esse primeiro quadrívio (figura 58) corresponde a um processo que se repete
com regularidade, quanto aos mais diversos processos, produtos e/ou serviços;
sua identificação inverte a relação tradicional estabelecida pelo Design, de que
o projeto é uma resposta a uma necessidade pré-estabelecida. Conforme
Vassão (2010, p.82), é o contrário: o Design cria a necessidade (FLUSSER,
164
2007), onde seu agenciamento inicial é fruto da identificação de uma
possibilidade, a emergência.
Figura 58: Processo geral de instauração de um novo nicho de interação. De possibilidade (agenciamento original), a inovação torna-se experimentação (exploração das possibilidades
postas em ação) e gradualmente dissemina-se pela sociedade (torna-se perceptível e acessível a um grupo social maior) e, por fim, torna-se necessidade (torna-se parte integral da
Ecologia de Interação). Fonte: VASSÃO (2010, p.82)
O segundo quadrívio (figura 59), segundo Vassão (2010), representa o modo
como o processo, produto ou serviço é proposto para ser questionado
tacitamente ou explicitamente pelo contexto social de uso concreto, onde:
165
Figura 59: Quadrívio como forma de compreender a sequência de concepção isolada e sua circulação pela sociedade, no caso processo artesanal auto-poético em escala industrial.
Fonte: Constituído a partir de modelo Senac (VASSÃO, p.83)
(A) Inicialmente, há identificação das possibilidades que são articuladas
no agenciamento do produto ou serviço, como um campo amplo e
variável de intenções baseadas em percepções concretas quanto aos
seus elementos: tecnologia, processo de interação, percepção do objeto
de interação.
(B) Em um segundo momento é feita a especificação técnica do
processo, produto ou serviço, tendo em vista a sua produção em série.
Essa descrição é feita em linguagens formais (desenho técnico) e são
entidades possíveis, que podem ser tornadas reais.
(C) Quando a entidade é efetivamente produzida ou tornada concreta o
produto pode ser distribuído ou o serviço disponibilizado no domínio do
real. No caso de um produto é uma cópia realizada através de projeto e
produção serializada ou não. Há espaço para imprevistos e
emergências, mas estão debeladas pelo controle escrito que há nessa
passagem do possível para o real, sendo a variabilidade compreendida
como defeito e não potência para inovação.
(D) O processo, produto ou serviço é adquirido/acessado/consumido
pelo usuário/interator/consumidor, podendo surgir potencialidades
latentes além das previstas, implicando em novas interpretações que
irão reconfigurar o mesmo.
166
(e) Fechamento e início do ciclo. Os propositores iniciais reconhecem as
emergências de modo imprevisto pelas comunidades de
usuários/interatores/consumidores; uma dificuldade a ser corrigida que
se tornará oportunidade para mais um ciclo de inovação (VASSÃO,
2010, p.83).
Nesse contexto, a ação do designer Walter Rodrigues junto à Associação das
Rendeiras dos Morros da Mariana, no Piauí (2002), de Jum Nakao, junto aos
artesãos e estudantes de designer de Moda em Fortaleza, no Ceará (2010), e
de Ronaldo Fraga (2012), junto à cooperativa Meninas de Tucumã, no Pará,
proporcionam a análise de estratégias de Metadesign nos processos de
criação desenvolvidos. Os resultados são dados pela colaboração, exigindo
que os participantes disponibilizem competências culturais e perceptivas para
desenvolver os objetos e processos em questão.
Isso promove uma série de fatores sustentáveis nos projetos que são externos
às influências mercadológicas, como a contextualização histórica e cultural dos
atores envolvidos. Ao analisar cada ação projetual separadamente, percebe-se
que as estratégias processuais foram escolhidas de acordo com as
características do grupo de atores participantes e de cada contexto em
especial, e o desenvolvimento do processo de acordo com medidas que se
mostraram necessárias em cada grupo.
A ação projetual de Ronaldo Fraga (2010) junto à cooperativa Meninas de
Tucumã (figura 60) aconteceu no período de quatro meses e foi marcada pela
escolha projetual com bias determinadas pelas características regionais do
território e artesanato local. Para implementar o desenvolvimento dos
processos na cooperativa, Ronaldo Fraga contou com auxílio de uma equipe
composta pela psicanalista Mônica Godoy, pelos designers Marcelo Maia,
coordenador de produção, Miriam Pappalardo, designer de jóias, e pelo
videomaker Marcelo Belém. As atividades do projeto concentraram-se em
workshops com o intuito de trazer conhecimentos teóricos e práticos de Design
e técnicas produtivas. Foi apresentada também a preocupação de que as
artesãs desenvolvessem um olhar crítico para reconhecimento de
167
possibilidades locais no território e de auto-conhecimento para identificar e
desenvolver o próprio potencial criativo. Conforme destacam Godoy (2012) e
Fraga (2012):
A nossa proposta com esse trabalho é que o alcance dele vá para além da cooperativa de Tucumã, além da confecção das biojoias. A construção deste simbólico, desse universo cultural, dessa apropriação de uma identidade é exatamente o trabalho que estamos tentando fazer nas entrelinhas da confecção das peças [...] na medida em que um sujeito consegue se constituir como um sujeito digno com valor com planos para o futuro, com orgulho do próprio passado, isso transforma a sociedade, isso não transforma a vida de uma só pessoa (GODOY, 2012). A matéria fina e bruta de um projeto como este é fartura da falta, da falta de uma série de coisas, falta entende-se como dificuldade, um Brasil que está distante de outro Brasil (FRAGA, 2012).
Figura 60: Fotos dos workshops e processos produtivos na ação projetual de Ronaldo Fraga (2010) na cooperativa Meninas de Tucumã.
Fonte: Vídeo de processos Ronaldo Fraga (2012)
Para analisar o contexto do projeto de Walter Rodrigues, é preciso retomar o
cenário em que se encontravam as comunidades da região. A Casa, o Museu
do Objeto Brasileiro, através de sua diretora Renata Melão, com a
coordenação da artista plástica Silvia Sasaoka, iniciaram um projeto em 2000,
com a associação de artesãs, financiado pelo Ministério da Cultura com apoio
168
do Sebrae-PI (Piauí) e curadoria de Suzana Avellar, intitulado “A Mão na Moda
- Uma História Brasileira”. A ideia surgiu de um projeto de artesanato solidário
do Museu, em colaboração com duas estudantes de Design de Moda da
Academia de Design de Eindhoven, Holanda, e foi desenvolvido em maio de
2000 na cidade de Serrita, em Pernambuco.
O objetivo era trabalhar com a Moda como uma área possível de geração de
renda para comunidades artesãs. Segundo Borges (apud PEROBA, 2008),
esse projeto foi mal sucedido, pois os estudantes-visitantes trouxeram o
material pré-fabricado, ao invés de desenvolverem estes a partir das demandas
locais identificadas. Essa ação capacitou o Museu a investir em outro projeto,
“A Mão na Moda”, com curadoria de Suzana Avellar. A comunidade escolhida
foi a das rendeiras do Morro da Mariana35, catalogada no Sebrae-PI. As
rendeiras trabalhavam a renda de bilro, "artesanato originário da Itália, trazido
pelos portugueses durante a época do Brasil colônia" (AVELLAR apud
PEROBA, 2008).
O designer Walter Rodrigues foi convidado a desenvolver o projeto junto à
comunidade. O museu enviou uma museóloga e um videomaker para
acompanhar e documentar o projeto, ao longo de um ano. A visita à
comunidade modificou a cor das linhas usadas para confeccionar os motivos e
a utilização de espessuras diferentes de fios. É importante destacar que Walter
Rodrigues manteve o padrão dos desenhos e a prática das rendeiras,
alterando a função dos bicos de renda para a forma da roupa; ou seja,
manteve-se as características dos bicos usados em peças de decoração e
utensílios do cotidiano, como panos de prato e toalhas de mesa, alterando-se
as cores de linhas e adicionando as peças de forma adequada ao moldes do
corpo feminino. Algumas peças foram apresentadas na Semana de Moda de
São Paulo em 2001, pelo designer Walter Rodrigues. Esse tipo de ação
evidencia uma situação em que o processo de desenvolvimento depende de
um conhecimento de tradição local, no caso as técnicas de rendas artesanais.
35 O grupo escolhido foi o das rendeiras do Morro da Mariana. O nome surgiu como uma homenagem à Mariana, uma rendeira que ficou famosa na região. O Morro da Mariana faz parte do município de Ilha Grande de Santa Isabel, no estado do Piauí, norte do Brasil, a 350 km da capital Teresina.
169
Esse tipo de técnica é difícil de ser catalogada por se tratar de um saber
popular, uma prática comum do cotidiano. Além da tarefa de materializar esse
saber popular para posteriores consultas e contribuições culturais no museu,
Walter Rodrigues teve que contextualizar a ação com as artesãs no momento
atual. O museu atuou como mediador do processo de legitimação do valor da
relação colaborativa designer/artesãs, metodologia formal e o saber cultural.
Com a colaboração do designer de Moda Walter Rodrigues, elas passaram a
inserir alguns elementos dos princípios projetuais no fazer manual tradicional.
Esse fato gerou maior valor de mercado de Moda aos trabalhos e também a
disseminação da cultura tradicional local em escala global, com prêmios e
exposições em alguns museus e peças desenvolvidas para muitos designers
brasileiros e alguns internacionais, como pode ser observado (figura 61).
170
Figura 61: Detalhe de processo de algumas técnicas de desenvolvimento da renda no Morro das Marianas, ferramentas, almofadas, agulhas e teares usados para fazer a renda e detalhes de uma das propostas elaboradas em colaboração com o designer Walter Rodrigues em 2001.
Fontes: (ACASA, 2013)
171
Propósitos metaprojetuais parecidos também foram evidenciados por Jum
Nakao, idealizador do “Reality Project” (2012) com estudantes de Moda de
Fortaleza (figura 62), durante a 13ª edição do Dragão Fashion Brasil 2012, com
a promoção do Senac-CE. Jum Nakao deveria auxiliar os estudantes de Design
de Moda a identificarem elementos culturais e materiais do nordeste, com
paramentos metodológicos, para formalizar e materializar uma coleção com o
tema "Breve Manifesto pela Redescoberta do Paraíso Brasileiro”. A proposta
era de 22 peças de vestuário, que deveriam ser confeccionadas em
colaboração com artesãs e colaboradores locais. Houve a participação de vinte
pessoas entre estudantes, artesãs e colaboradores. Durante cinco dias, todos
os participantes da 13ª edição do Dragão Fashion puderam acompanhar o
processo de criação, que foi filmado e transmitido em tempo real via internet.
Nessa ação, Jum Nakao optou por formalizar a estrutura do espaço e precisou
tratar com situações distintas para promover os agenciamentos entre os pares,
pois a composição híbrida do grupo implicava em formações diferentes. A ação
ainda apresentou outro diferencial que é a presença dos espectadores em
tempo real, tanto na feira quando via web; este fato, segundo Fisher (1999),
caracteriza os mesmos como um outro consumidor do sistema.
172
Figura 62: Fotos propostas da coleção "A hora do Brasil: Breve Manifesto pela Redescoberta do Paraíso Brasileiro"
Fonte: (JUMNAKAO.COM, 2013)
[...] Em um inteligente coletivo a comunidade assume o objetivo a negociação permanente da ordem estabelecida, de linguagem, do papel de cada um, o discernimento e a definição de seus objetos, a reinterpretação de sua memória. Nada é fixo, o que não significa que se trate de desordem ou de absoluto relativismo, pois os atos são coordenados e avaliados em tempo real, segundo um grande número de critérios constantes reavaliados e contextualizados. Interagindo com diversas comunidades os indivíduos que animam o Espaço do saber, longe de ser os membros intercambiáveis de castas imutáveis, são ao mesmo tempo singulares, múltiplos, nômades e em vias de metamorfose (ou de aprendizado) permanente (LÉVY, 1994, p.31).
173
Em um contexto como esse, diferentes tipos de conhecimentos são colocados
como objetos possíveis de agenciamento para criar valor no desenvolvimento
de processos projetuais – no caso, as ações dos designers nas comunidades
locais. Lévy (1994, p.110) apresenta um guia para a construção do saber em
ambientes coletivos, como escolher entre diferentes orientações possíveis, ou
mesmo prospectar outras. O autor propõe um critério de escolha ético-político,
uma visão organizadora, em que devem ser encorajados os dispositivos que
contribuem para produção de uma inteligência ou de uma imaginação coletiva.
Segundo esse princípio geral, devem ser encorajados de preferência:
os instrumentos que favorecem o desenvolvimento do laço social pelo
aprendizado e pela troca de saber;
os agenciamentos de comunicação capazes de escutar, integrar e restituir a
diversidade, em vez daqueles que reproduzem a difusão midiática tradicional;
os sistemas que visam os surgimento de seres autônomos, qualquer que seja
a natureza dos sistemas (pedagógicos, artísticos etc.) e dos seres (indivíduos,
grupos humanos, obras, seres artificiais);
as engenharias semióticas que permitem explorar e valorizar, em benefício da
maioria, os jazidos de dados, o capital de competências e a potência
simbólica acumulada pela humanidade (Ibid.).
Nesse cenário de complexidade, demandas constantes de avaliação e
experimentos em condições controladas, pontuam e configuram as relações
entre os participantes. Assim, entende-se que as ações projetuais dos
designers nas comunidades, ao agenciarem aproximação pelas entidades
emergentes nos sistemas, vão conferir valores aos processos, resultantes da
ação criativa de cada artesão onde a unidade da coleção depende do controle
do designer sobre estes agenciamentos. Assume-se, portanto uma abordagem
de projeto com manipulação indireta, na qual, conforme Vassão (2010, p.78),
há autores que falam de abandonar o controle e deixar que o processo
amadureça com grau amplo de autonomia, mas sob observação oportuna
(Ibid., p.79), processo no qual o imprevisto é algo a ser promovido e utilizado
como atitude ética frente à alteridade, aceitando aquilo que emerge da própria
sociedade e cultura ao invés de tentar determiná-las.
174
175
Considerações finais
Esta pesquisa é consequência de projetos anteriores, em especial do trabalho
de conclusão de curso em graduação de Design de Moda, em que se
questionava o desenvolvimento de vestimentas e produtos de Moda orientados
por questões de sustentabilidade. Nesta dissertação de mestrado, foi possível
aprofundar questionamentos de ações de Design sobre os processos
produtivos e ações sociais na cadeia têxtil que visam a posicionamentos mais
adequados quanto às questões de fluxos de informações, materiais e
processos em cadeia produtiva têxtil, ações projetuais sócio-técnicas, inclusão
social e desenvolvimento humano. Observou-se nesta pesquisa cenários de
ações de Design de Moda em cadeia produtiva têxtil e ações projetuais de
designers em comunidades locais, em contextos de globalização com sistemas
distribuídos em redes com materiais, pessoas e informação em constantes
transformações, frente a questionamentos sobre reorientações econômica,
ecológica e social. Nesses cenários, os designers são colocados frente às
questões de escolhas de processos e estratégias nos projetos, tornando-se
facilitadores de interações entre stakeholdes diversos e distribuídos em
diferentes redes, localidades e realidades (que pode ser uma comunidade de
artesãos de determinada região ou um fornecedor com tecnologia específica
na cadeia têxtil). Essas características configuraram panoramas complexos em
ambientes de decisões dinâmicos, aos quais os designers são frequentemente
colocados a agir e compor os projetos. Dessa maneira, apontou-se a
instrumentalidade de Metadesign em desdobramentos de ações projetuais para
promover melhor fluxo de informação e interação na cadeia produtiva têxtil e
em comunidades locais com artesãs. Constatou-se a eficácia do Metadesign
como instrumento formalizador de questões abstratas em módulos gráficos e
mapas conceituais para manipulação de fluxos de informação e processos em
sistemas tecnológicos e sociais, distribuídos com fluxos relacionais que vão do
local ao global.
Entendeu-se que Metadesign e Metaprojeto são abordagens reflexivas, que se
valem do prefixo meta, a partir de Van Onck (1965), para instrumentalizar
ações projetuais com propósitos processuais distintos. Nesse sentido,
176
procurou-se esclarecer as diferenças, possibilidades e limitações de ambas as
abordagens em que: Metadesign refere-se a uma abordagem com questões
filosóficas, além da cultura de projeto, podendo assim se estender para outra
dimensão da sociedade como, por exemplo, a própria linguagem humana.
Metaprojeto mantém-se nas questões tecnológicas e sociais relacionadas aos
escopos de projeto ligados à mercadologia e indústria.
A partir de Vassão (2010), Metadesign apresentou-se como um contexto de
questionamento frente às demandas epistemológicas nos projetos, onde foram
considerados fatores filosóficos e éticos direcionados ao controle de sistemas
inter-relacionais em nível de cadeia produtiva com stakeholders e fluxos
informacionais distribuídos em diferentes localidades, e também para
questionar a percepção da qualidade na interação entre pessoas, coisas e
lugares. Essas situações foram observadas na ação de Walter Rodrigues como
coordenador dos fluxos na cadeia produtiva têxtil do programa do Fórum
Inspiramais e na ação projetual com a artesã Yasmine, ambos em 2012.
Compreendeu-se que, quando formalizados e modularizados esses ambientes,
tornam-se tratáveis e possíveis de projetar a partir da identificação das
entidades emergentes. Nesse sentido, foram apontadas ferramentas
procedimentais para formalização, modularização e encapsulamento em níveis
de abstração, como o diagrama de rizoma e os diferentes fluxos na distribuição
das redes de interação. Procedimentos foram apresentados no organograma
de rizoma de fluxo relacional da cooperativa Coopa-Roca, fluxograma do
Programa Talentos do Brasil (2008), fluxograma do Fórum Inspiramais (2013),
fluxograma do Programa Origem Sustentável (2013) e quadrívio para
compreender os nichos de interação nas ações de Ronaldo Fraga em Tucumã
(PA) em 2012.
Sobre ações de Design de Moda na cadeia produtiva em comunidades locais,
a partir de Moraes (2010), constatou-se ser eficaz a instrumentalidade de
Metaprojeto quando em procedimentos referentes a questionamentos
mercadológicos e processos produtivos industriais. Como o autor não
questiona assuntos ligados à cognição e percepção social, esse fato torna as
plataformas de dados propostas por Moraes (2010) ideais para compor mapas
177
conceituais, direcionados ao branding e know-how do território local, mas não
para questões enativas. Dessa forma, é pertinente utilizar ferramentas e
métodos apontados pelo autor, como análises SWOT e moodboard, para
análise de processos na cadeia produtiva tecnológica e cadeia de valor, mas
que não se estendeu para questões de interações e processos criativos em
colaboração nas redes sociais locais. Os mapas conceituais a partir de
Metaprojeto podem ser observados nas análises das comunidades locais com
ações de Manicoré (AM), Tucumã (PA), do Morro das Marianas (PB), e análise
SWOT de Tereza Leal, Ronaldo Fraga e Jum Nakao. Sobre inferir valor nos
processos na cadeia produtiva, Krucken (2009) faz importantes apontamentos
quanto às escolhas e estratégias de Design, visando a uma melhor distribuição
da informação entre os stakeholders e tornar perceptível valor e qualidade do
território nos produtos e serviços oferecidos aos consumidores.
As questões relacionadas às ações de Design de Moda em comunidades
locais que interferem na interação de redes colaborativas sociais, dadas pelas
tradições e costumes locais dos artesãos, foram colocadas a partir de
Giaccardi (2003) e Fisher (2004) como situação em que o contexto e estruturas
relacionais dos participantes formalizam as mensagens. Cenário em que
Vassão (2010) apontou que Metadesign torna-se um modo e não um modelo
de Design, sendo possível um projeto aberto onde os designers tornam-se
facilitadores de processos sociais coletivos auto-regulados, mediando
aplicações de ferramentas e formalizações que tornam menos complexa e mais
clara a interação nos grupos. Como foi observado nas ações de Walter
Rodrigues (2011), Ronaldo Fraga (2012) e Jum Nakao (2012).
No decorrer da pesquisa constataram-se alguns pontos críticos que merecem
sérias reflexões futuras. Um deles é a questão dos selos de certificação, em
que precisam ser repensados os processos de maneira a incluir todos os
participantes dos sistemas na validação dos procedimentos escolhidos. Os
selos não devem funcionar apenas como etiqueta informativa, mas devem
também promover conscientização nos consumidores frente aos
questionamentos de sustentabilidade ecológica e social tão necessários na
atualidade. Outra questão importante refere-se às ações projetuais de
178
designers de Moda em comunidades locais que visam a proporcionar
valorização de culturas e tradições regionais. Muitas vezes, pode-se confundir
valores mercadológicos com desenvolvimento social local, fazendo com que
questões importantes como a auto-sustentabilidade dos sistemas sócio-
técnicos visando à auto-suficiência para os artesãos não sejam explicitadas, o
que impossibilita que esse sistema funcione a longo prazo. Alguns
procedimentos apresentaram escolhas projetuais que direcionam os processos
dos projetos para práticas sociais de desenvolvimento humano em lugar do
mercado. Apontamentos interessantes para essa questão foram identificados
nos projetos de Jum Nakao (2008 e 2012), Ronaldo Fraga (2012) e Walter
Rodrigues (2001) a partir dos critérios de abordagens de Metadesign, citados
por Vassão (2010). A formalização dos fluxos relacionais nas redes são
colocados em cenários a partir de direcionamentos deterministas indiretos de
projeto, situação semelhante a de Walter Rodrigues na coordenação do Fórum
Inspiramais, em que o designer não tem controle direto sobre os processo mas
agencia interações e sugere contextos de produção através das peças
gráficas. Essa ocorrência possibilita procedimentos em projetos abertos que
também podem acontecer a partir da observação dos contextos e das
interações nas comunidades, como fez Ronaldo Fraga e Jum Nakao, que
elaboraram as etapas processuais dos projetos de acordo com as entidades
emergentes localizadas em cada grupo e localidade.
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Anexo1
Análise SWOT Coopa-Roca para a pesquisa: “Economia e Cultura de Moda”
(2011)
Anexo 2
Análise SWOT Jum Nakao para a pesquisa: “Economia e Cultura de Moda”
(2011)
Anexo 3
Poema de Ronaldo Fraga para a Coleção Turista Aprendiz na Terra do Grão Pará – SPFW –
Verão 2012/13
Em analogia ao trabalho que realizou na região do Pará, Ronaldo Fraga faz alusão ao poema
"Evocação do Recife", de Manuel Bandeira, recitado durante o desfile e presente no release da
coleção. Pode ser visto e ouvido no site do designer, declamado por Gaby Amarantos:
Ô Manuel...
Nestas andanças por este Brasil, tenho visto e vivido coisas estupendas! Agorinha mesmo
minhas retinas beberam a manhã mais linda do Rio Amazonas... mas nada que me traz
saudades hoje e que me extasia ver, me provocará um dia o desejo de rever com precisão
absoluta e fatalizada o que as terras do Grão Pará já o fazem.
Quero o Pará como se quer um amor sobressaltado, como de sobressaltado de paixão esta
terra tomou-me, deixando-me doente de desejo. Aqui, Manuel, as pessoas são seres
marchetados em madeira de lei. Os beijos amortecem como o jambu, os corpos têm cheiro de
manga e as almas... bom, as almas... carregam mistério das águas profundas. Você, como
mestre da escrita, meu querido poeta, conhecerá esta como a terra do superlativo, onde ao
procurar o belo e o feio encontrarás o tenebroso e o maravilhoso. Tudo cantado e encantado
por uma certa Matita Pereira.
Daria todos os açaís do mundo para vê-lo enfeitiçado por este lugar. O mesmo feitiço
amazônico que transforma mulher bonita em castanheira, flores em pássaros , pepitas de ouro
em sementes da mata. Impossível, Manu, descrever em palavras escritas ou faladas os
assombros e desassombros deste lugar. E é neste lugar do sem palavras que sua ausência o
faz mais presente! Só me resta nesta embriaguez de paixão vestir o meu linho branco e depois
da chuva sentar no terraço do Grande Hotel, com vista para as mangueiras que encobrem o
teatro da Paz e chupitar um sorvete de cupuaçu sem pressa de mais nada...
Você que conhece o mundo, conhece coisa melhor que isso, Manuel?? Com saudade, um
abraço deste turista aprendiz,
Sob licença poética reescrevo aqui esta carta imaginária, que possivelmente Mario de Andrade
teria enviado a Manuel Bandeira, caso este tivesse conhecido Fafá de Belém, Dira Paes, Paulo
Chaves, Dona Onete, Mestre Verequete e Mestre Catiá, Lino Villaventura e André Lima, as
meninas de Tucumã, e escutado as óperas de Waldemar Henrique ou se jogado em uma
aparelhagem com Gaby Amarantos. (Ronaldo Fraga, 2012).
Pode ser acessado e escutado quando declamado por Gaby Amarantos em:
http://www.ronaldofraga.com.br/turista/ Acesso em 27/07/2013
Anexo 4
Análise SWOT de Ronaldo Fraga para a pesquisa: “Economia e Cultura de
Moda” (2011)
Anexo 5
Trecho entrevista com Dijon de Moraes (2008)
"Design e Cultura por Dijon de Moraes" (entrevista concedida a Fernanda Cury,
Cláudia Regina Martins e Cecille Figueredo)
Após nosso encontro com Dijon de Moraes no evento P&D (2008), ele
gentilmente nos concedeu a entrevista abaixo, deixando clara a estreita ligação
existente entre Design e cultura, e lançando reflexões acerca do trabalho
desenvolvido pelos designers.
[trecho respectivo à pergunta de número 9]
P9: O que você pensa acerca da parceria entre designers e artesãos? A troca fortalece a
ambos?
A princípio são duas forças distintas, que podem sim interagir entre si. O artesanato pode ser
explorado na sua manifestação mais original, que é deixar a marca da mão do artesão no
produto. Isto é o que determina a imperfeição e a falta de padronização desejável no
artesanato, são valores inerentes às produções artesanais e fruto de uma cultura popular
espontânea.
A produção industrial tem outra lógica, outro ritmo e outra escala de produção. A máquina
busca eliminar as imperfeições e a mão do homem se manifesta através do Design, de seus
conceitos e de suas modalidades de uso ali previamente estabelecidos pelo projeto.
Quando o designer faz a interface com o artesanato, ele deve, a meu ver, ser capaz de abstrair
da lógica produtiva e industrial e se aproximar da lógica artesanal. Muitos conseguem fazer
isso com mais precisão e arte, outros deixam transparecer a lógica e o ritmo da indústria na
produção artesanal. Tudo depende da cultura de cada designer, de sua consciência política e
social, somente assim ele poderá proporcionar uma contribuição relevante ao artesanato,
mesmo tendo como base uma formação capitalista que apontava para a grande produção e
para o consumo de massa. Até agora, no que pude perceber, a troca fortaleceu mais aos
designers (como aprendizagem) que aos artesãos.
Postado por Cecille Figueredo, Cláudia Regina {Cacau}, Fernanda Cury às
06:54
http://novosboemios.blogspot.com.br/2008/12/design-e-cultura-por-dijon-de-
moraes.html
Acesso em 27/07/2013
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