recentes alteraÇÕes do agravo retido – obrigatoriedade de sua interposiÇÃo de ... · 2016. 6....
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RECENTES ALTERAÇÕES DO AGRAVO RETIDO –
OBRIGATORIEDADE DE SUA INTERPOSIÇÃO DE FORMA
ORAL DE DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS PROFERIDAS
EM AUDIENCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO
1 INTRODUÇÃO
Seguindo na onda reformista que invadiu o mundo processual civil desde 1992,
com alterações substanciais no Código de Processo Civil, o legislador modifica
novamente a sistemática do agravo contra decisões monocráticas proferidas pelos
órgãos de primeiro grau de jurisdição, com alguns importantes reflexos também no
tocante a recorribilidade de decisões dessa natureza âmbito procedimental dos
Tribunais, tornando expressamente irrecorríveis as decisões monocráticas do
relator que convertem o agravo de instrumento em agravo retiro e as que tratem –
de forma positiva ou negativa – o pedido de tutela de urgência elaborado pelo
agravante.
Sem ao menos esperar os reflexos da última modificação a respeito do tema,
operada pela Lei 10.356/01, o legislador novamente altera algumas normas legais
que regulam o tratamento do agravo de instrumento e retido, espécies do mesmo
gênero previstas no art. 522, CPC, como instrumento recursal hábil à impugnação
de decisões interlocutórias proferidas no primeiro grau de jurisdição. As
modificações legislativas no tocante ao processo vêm ocorrendo com tal
intensidade e rapidez que nem mesmo é possível avaliar se as modificações
anteriores geraram ou não os benefícios programados pelos reformistas no
tocante a melhora da qualidade da prestação jurisdicional. Além da ausência de
tempo para tal aferição - em razão das constantes modificações da Lei - o
processo continua a conviver com a mais absoluta ausência de qualquer dado
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estatístico que possa apontar para a efetiva modificação gerada para a melhora do
funcionamento do processo com a otimização de seus resultados.
De qualquer forma, a realidade é que as mudanças continuam a ocorrer – para o
bem ou para o mal – e cabe ao operador do direito se adequar aos tempos atuais,
retirando das novas normas o máximo que conseguir em termos de efetivamente
auxiliar o processo a atingir um resultado de melhor qualidade. É nesse esteira
que seguirá o presente artigo, no qual será realizada a análise de um ponto
específico dentre as modificações e também algum exercício de futurologia, na
tentativa de antever quais serão os efetivos reflexos de tal alteração na praxe
forense.
A Lei 11.187/05, advinda do Projeto de Lei Complementar 72/2005 (Senado
Federal) – Número na Câmara PL 4.727/2004 - faz parte do chamado “Pacote
Republicano” de reformas do Código de Processo Civil. A no mínimo estranha
utilização do termo “republicano” – o que demonstra uma falta de cuidado com o
vernáculo, com conseqüente e indevida vulgarização do termo - significa tão
somente que tais projetos foram obra de acerto inédito entre os chefes dos Três
Poderes com o objetivo de aprimorar a prestação jurisdicional. As modificações se
deram em torno de dois artigos do Código de Processo Civil, pertencentes ao
Título X, Capítulo I do Livro I do Código de Processo Civil, sob o título Agravo. As
modificações operadas nos arts. 523 e 527, CPC, foram pontuais, não
modificando os artigos em sua integralidade, mas trazendo interessantes
novidades no trato do tema.
O presente artigo tratará tão somente de uma alteração específica advinda da Lei
11.187/05 de 20 de outubro de 2005. Trata-se do art. 523, § 3º, CPC, que
substancialmente passa a exigir a obrigatoriedade de interposição de agravo
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retido por via oral contra decisões interlocutórias proferidas na audiência de
instrução e julgamento.
É iniciativa rara do legislador exigir da parte – na pessoa de seu patrono,
naturalmente – o exercício de um ato processual de forma oral, sendo sempre
essa forma uma mera opção para a prática de alguns atos processuais, como
ocorre na contestação no procedimento sumário e sumaríssimo. Devido ao grande
interesse que o tema suscita, a abordagem será, como já dito, limitada a esse
aspecto da mais recente “reforma” do agravo de instrumento e retido.
2 AGRAVO RETIDO ORAL OBRIGATÓRIO EM AUDIÊNCIA DE
INSTRUÇÃO E JULGAMENTO
A primeira modificação digna de nota se refere a mudança da redação do art. 523,
§ 3º, CPC, que passa a contar com a seguinte redação:
“Das decisões interlocutórias proferidas em audiência
de instrução e julgamento caberá agravo na forma
retida, devendo ser interposto oral e imediatamente,
bem como constar do respectivo termo (art. 457), nele
expostas sucintamente as razões do agravante”.
Como se nota na redação do dispositivo legal transcrito acima, a modificação
legislativa se deu exclusivamente em tornar o agravo retido – que já era
obrigatório nessas circunstancias – necessariamente oral, devendo ser interposto
imediatamente em audiência de instrução em julgamento, sem, portanto, contar a
parte com o prazo de 10 dias previsto de forma genérica no art. 522, CPC. A
ausência de manifestação imediata da parte interessada em agravar das decisões
proferidas em tais audiências gerará a preclusão temporal, não sendo permitida
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qualquer impugnação a respeito da matéria decidida desde que não se trate de
matéria de ordem pública, não sujeita a preclusões e que bem por isso permitem a
manifestação da parte a qualquer momento do processo.1
Antes de adentrar na questão mais importante da modificação legal, que é a
obrigatoriedade de interposição do agravo retido pela forma oral, deve ser
elogiada a complementação da redação legal com o termo “interlocutórias”
postado após o termo “decisões”, deixando claro que somente essa espécie de
decisão poderá ser objeto de agravo e jamais a sentença, que também é decisão
possível de ser proferida na audiência de instrução e julgamento, mas que desafia
o recurso de apelação (art. 513, CPC). É evidente que tal conclusão poderia ser
obtida na redação antiga por meio de uma análise sistêmica do ordenamento
processual, mas a precisão lingüística é sempre importante para a apuração da
ciência processual. 2
Na última – e recente – reforma por que passou o ora comentado dispositivo legal,
o agravo retido passou a ser obrigatório como meio de impugnação contra a
decisão interlocutória proferida em audiência de instrução e julgamento, com
exceção das hipóteses previstas pelo art. 523, § 4º, CPC (casos em que a
retenção fosse capaz de gerar ao agravante “um dano de difícil e incerta
reparação”). Pois bem, apesar da obrigatoriedade na forma de interposição do
recurso de agravo nesse caso – retido – a locução “admitir-se-á a interposição
oral” deixava bastante claro existir a ampla possibilidade de escolha ao agravante,
não da forma de agravo, mas sim da forma oral ou escrita de sua interposição.
1 Nesse sentido, com amparo em ampla doutrina, Daniel Amorim Assumpção Neves, Preclusões para o juiz –
preclusão pro iudicato e preclusão judicial no processo civil, São Paulo, Método, 2004, pp. 233-255. Em
sentido contrário, defendendo o entendimento que as matérias de ordem pública podem ser decididas de ofício
e a qualquer momento pelo juiz, mas não impugnadas sofrem a preclusão, as lições de Fredie Didier Jr.,
Pressupostos processuais e condições da ação – o juízo de admissibilidade do processo, São Paulo, Saraiva,
2005, pp. 84/94. 2 Já havia notado a omissão do texto Fabiano Carvalho, “Os agravos e a reforma do Código de Processo
Civil”, in A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil, São Paulo, Saraiva, 2002, p. 280.
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Poderia, assim, agravar imediatamente de forma oral, fazendo constar suas
razões no termo da audiência, como também poderia optar pelo agravo retido em
sua forma escrita, aproveitando-se do prazo de 10 dias que o art. 522, CPC, lhe
concedia.
Tratava-se, a evidencia, de opção da parte agravante concernente à sua tática
processual, havendo hipóteses que mais vantajoso seria a interposição oral, ainda
que sua fundamentação ficasse prejudicada, sendo feita de maneira sucinta (e
nesse caso em razão da preclusão consumativa não se admitiria a
complementação tardia do recurso), ou a interposição por escrito, com um maior
prazo para a elaboração de um recurso mais bem fundamentado. Algumas vezes,
inclusive, no calor da audiência, era concebível que a parte ainda não tivesse
formado convencimento a respeito do próprio interesse em recorrer, o que só viria
a ocorrer mais tarde, quando “a ficha caísse”, aproveitando-se, então, do prazo de
10 dias para elaboração do recurso, agora em sua forma escrita.
Mesmo com a antiga redação, que se mostrava bastante clara a respeito da opção
entre a forma oral e imediata e escrita em 10 dias para interposição do agravo
retido, parcela minoritária da doutrina passou a defender a obrigatoriedade da
interposição imediata e oral na própria audiência de instrução e julgamento3. O
entendimento não se mostrava acertado, ainda que pudesse se alegar ser a
melhor saída em termos de mudança legislativa. O mínimo de legalidade é o que
gera a segurança jurídica para os litigantes, e enxergar algo que a lei nitidamente
não diz, somente porque se acredita que seja essa a melhor interpretação à
3 Nesse sentido J. E. Carreira Alvim, Novo agravo, 4ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2002, pp. 78/79;
Alexandre Freitas Câmara, Lições de direito processual civil, vol. II, 7ª ed., 2003, pp. 99/100; Mantovanni
Colares Cavalcante, Regime jurídico dos agravos, São Paulo, Dialética, 1998, p. 94. Mais coerente com a
diferença entre o desejado e o legislado, tem-se as lições de Teresa Arruda Alvim Wambier, Os agravos o
CPC brasileiro, 3ª ed., São Paulo, RT, 2000, p. 168: “Admite-se, hoje, a interposição oral do agravo retido, de
decisões interlocutórias proferidas durante a audiência. Talvez devesse o legislador ter determinado que assim
fosse e não ter criado simplesmente uma opção para a parte”. No mesmo sentido, falando em mudança de lege
ferenda – que veio a ocorrer – as lições de Athos Gusmão Carneiro, O novo recurso de agravo e outros
estudos, 2ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1997, p. 34
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norma, não parece ser entendimento possível à luz dos princípios do contraditório
e da ampla defesa. Seria justo com a parte negar conhecimento ao agravo retido
interposto por escrito em 10 dias por intempestividade somente porque se entende
que o melhor seria obrigá-la a fazê-lo oralmente em audiência, ainda que a lei
nada mencionasse a esse respeito? A resposta é evidentemente negativa.
De qualquer forma, as opiniões de tais doutrinadores acabaram consagradas pela
atual redação do art. 523, § 3º, CPC, restando a partir da modificação legislativa
incontroversa a questão. A obrigatoriedade de interposição de forma oral é hoje a
regra e dela não poderá fugir nem as partes nem o juiz, operando-se a preclusão e
sendo intempestivo recurso retido interposto após o final da audiência. Parece ser
exagero exigir-se da parte a interposição absolutamente imediata do recurso de
agravo retido após a solução da questão, devendo-se admitir tal ingresso até o
final da audiência, ainda que a decisão tenha sido proferida em seu início ou
durante a mesma, antes desse termo final. Uma certa flexibilização se justifica em
virtude de não ser muitas vezes nítido o interesse de recorrer de certa decisão até
o final da audiência, até mesmo como conseqüência do andamento da prova
colhida oralmente. Nesse tocante se prestigia a economia processual, evitando-se
a interposição de recursos que ao final da audiência já perderam todo o sentido.
Indeferida a oitiva de uma testemunha, pode ser que as outras ouvidas façam com
que a parte perca o interesse em ouvir a testemunha recusada, o que só será
conhecido ao final da audiência.
A modificação deve ser aplaudida, apesar de causar um certo temor naqueles
patronos que não tem facilidade de utilizar a palavra em audiência, em muito
devido ao péssimo preparo que adquirem na prática oral nas Faculdades de
Direito, que privilegiam a escrita em detrimento da oralidade (algumas Faculdades
chegam ao absurdo de proibir aos professores que façam prova oral...).
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De qualquer forma, a obrigatoriedade de interposição oral do agravo retido em
audiência de instrução e julgamento traz do “mundo dos mortos” a oralidade ao
processo civil, que é um princípio que tem tantas exceções que é possível até
mesmo se duvidar de sua natureza de princípio processual.4
É interessante consignar que as atividades eminentemente orais são sempre
desprezadas pelos operadores do direito, o que se pode sentir – ainda que a
mingua de dados estatísticos – na praxe forense. Havendo opção entre a forma
oral e a escrita, dificilmente o ato é praticado oralmente, tal como se verifica na
apresentação de contestação no rito sumário, substituição dos debates orais por
memoriais e o pequeno número de sustentações orais perante os tribunais.
Chegou-se até ao absurdo num caso prático do juiz “transformar” a prova
testemunhal em apresentação de declaração escrita de terceiros... É um
verdadeiro pacto implícito da mediocridade: o advogado não sabe falar e o juiz
não quer ouvir.
Tal circunstância também se verificava com o agravo retido interposto contra
decisão proferida na audiência de instrução e julgamento, em que a parte preferia
a interposição de agravo na forma escrita à oral. O legislador bem percebeu que a
mera opção entre as formas de interposição do recurso não seria suficiente para
fazer da forma oral uma regra, devido a tradicional e já exposta preferência pela
forma escrita dos atos processuais. A exigência de que os agravos retidos sejam
interpostos oralmente em audiência poderá desagradar na prática tanto aos
advogados despreparados como aos juízes impacientes; os primeiros porque
terão que falar em audiência e os segundos porque terão que ouvir tais palavras.
4 Apontando as diversas exceções legais e práticas ao princípio da oralidade, Antônio Carlos de Araújo
Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 19ª ed., Malheiros,
São Paulo, 2003, p. 326 e Humberto Theodoro Jr., Curso de direito processual civil, vol. 1, 39ª ed., Rio de
Janeiro, Forense, 2003, p. 27. Mesmo o “pai da idéia”, indica situações em que o procedimento escrito prefere
ao oral: Giussepe Chiovenda, “Procedimento oral”, trad. Osvaldo Magon, Revista Forense nº 74, Rio de
Janeiro, Forense, 1938, p. 187.
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Justamente em virtude dessa realidade, em especial no tocante a inibição natural
de alguns advogados de desenvolver seu raciocínio oralmente, a mudança poderá
trazer uma melhora ao andamento do processo com a mera desistência na
interposição do recurso. Obviamente que não é esse o objetivo da lei, mas será
possível analisar após a alteração legislativa se o número de agravos interpostos
de decisões proferidas em audiência de instrução e julgamento diminuirá. Por
outro lado é inegável que a obrigatoriedade de interposição do agravo oral em
audiência facilitará o procedimento, diminuindo o volume de “peças” no processo o
que poderá resultar em alguma medida num final mais expedito do processo e a
conseqüente melhora da prestação jurisdicional.
3 TEMPO DE DURAÇÃO DO AGRAVO RETIDO
A modificação legislativa deixou de indicar o tempo que terá o advogado para se
manifestar oralmente na interposição do agravo retido em audiência, embora a
indicação de que as razões devam ser expostas de forma sucinta indique que o
tempo de duração do agravo seja algo razoavelmente curto. A indefinição,
entretanto, é de todo desaconselhável. A omissão legislativa já vinha de antes, na
redação anterior em que o agravo oral já era uma opção das partes, mas passa a
se agravar a partir do momento em que tal forma de interposição passa a ser
obrigatória.
Não se pode confiar no bom senso – infelizmente – dos participantes da audiência
para crer que problemas não surgirão no tocante a duração do agravo interposto
oralmente. Certamente haverá situações de advogados que, por má-fé ou
despreparo, abusarão do tempo de duração da exposição oral, alongando de
forma demasiada a audiência e prejudicando toda a pauta; como também é
provável se imaginar que juizes menos pacientes pressionarão os advogados a
concluir de forma rápida seu raciocínio, de forma a prejudicar o direito
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constitucional de ampla defesa. Conflitos que poderiam ser evitados com uma
simples e básica preocupação que o legislador não teve.
Diante da ausência legal, até que o legislador se dê conta de sua omissão e faça
uma indicação expressa do tempo de duração que as partes têm para opor o
agravo retido oral, e que com isso sejam evitados indesejados conflitos entre
juízes e partes, parece possível a aplicação por extensão do disposto no art. 454,
CPC, que dispõe a respeito dos debates orais, única manifestação oral das partes
que tem um tempo de duração expressamente previsto no ordenamento
processual. Assim, as partes teriam 20 minutos prorrogáveis por mais 10 minutos
para opor o agravo retido, mesmo prazo que terá o agravado para opor as contra-
razões, assunto que será tratada no tópico a seguir.
4 A POSTURA DO AGRAVADO DIANTE DA INTERPOSIÇÃO ORAL DO
AGRAVO RETIDO
O legislador mais uma vez demonstrou um injustificado desinteresse pela forma
de reação do agravo diante da interposição do agravo retido, despreocupação já
demonstrada quando se passou a admitir como mera opção a forma oral, mas que
agora se torna ainda mais importante em razão da obrigatoriedade dessa forma de
interposição do agravo retido contra as decisões proferidas em audiência de
instrução e julgamento. Para se justificar a melhor conclusão da problemática à luz
da modificação legislativa, é importante se apontar as opiniões doutrinárias à luz
da antiga redação do art. 523, § 3º, CPC.
Durante a curta vigência da antiga redação do artigo ora comentado a doutrina se
divida entre aqueles que entendiam que o agravado era obrigado a se manifestar
já na audiência e aqueles que, ao contrário, defendiam que o recorrido teria o
prazo de 10 dias para contra-razoar o agravo, o que evidentemente nesse caso
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seria feito de forma escrita. E havia argumentos convincentes em ambas as
posições doutrinárias.
Aqueles que entendiam que as contra-razões deveriam ser apresentadas
imediatamente na própria audiência amparavam-se nos princípios da celeridade e
economia processual, afirmando que sendo necessária ao juiz a oitiva da parte
contrária para se retratar de sua decisão, deveria ter a oportunidade de fazê-lo na
própria audiência, o que só seria possível com a apresentação das contra-razões
já nesse momento. Assim se posicionou José Carlos Teixeira Giorgis, defendendo
que entendimento contrário:
“abalaria as razões que justificaram a instituição do agravo verbal,
impedindo que o prolator decidisse logo a questão suscitada, em
busca da economia processual e da efetividade processuais, pois
então restariam os temas atacados para solução posterior, com
visível prejuízo da concentração”.5
Por outro lado, os defensores do entendimento de que o prazo para a resposta
deveria ser de 10 dias se apoiavam no argumento de que a exigência da imediata
apresentação de resposta na própria audiência feriria o princípio do contraditório e
da ampla defesa, retirando da parte agravada um prazo garantido por lei.
Afirmavam que esse entendimento não feriria a isonomia entre as partes,
considerando-se que a interposição por via oral teria sido uma opção da parte
agravante, que bem poderia ter se utilizado da forma escrita no prazo de 10 dias
subseqüentes a audiência. Sendo uma mera opção do recorrente, não seria
5 Cfr. “Notas sobre o agravo”, in Ajuris, v. 23, n. 67, p. 26. No mesmo sentido José Horácio Cintra Gonçalves
Pereira, Agravo no direito brasileiro, São Paulo, Juarez de Oliveira, 1999, p. 53; Teresa Arruda Alvim
Wambier, Os agravos no CPC brasileiro, op. cit., p. 168; J. E. Carreira Alvim, Novo agravo, op. cit., pp.
76/77; Alexandre Freitas Câmara, Lições de direito processual civil, op. cit., p. 99, Misael Montenegro Filho,
Curso de direito processual civil, vol. 2, São Paulo, Atlas, 2005, p. 168; Luiz Orione Neto, Recursos Cíveis,
São Paulo, Saraiva, 2002, p. 335.
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legítimo exigir do recorrido a apresentação de contra-razões já na audiência,
podendo também ele optar entre contra-razoar imediatamente ou somente nos 10
dias previsto no art. 527, V, CPC.6
Antes de adentrar especificamente na problemática anteriormente mencionada,
cumpre analisar se há obrigatoriedade de abertura de prazo para as contra-razões
imediatamente após a apresentação do agravo retido, pouco importando ter sido o
recurso interposto em sua forma oral ou escrita. Essa questão, mesmo diante da
antiga redação do artigo legal ora comentado já era tormentosa, dividindo a
opinião da doutrina, em especial nas hipóteses em que o juiz não pretendesse se
retratar de sua decisão. A justificativa ancorava-se no respeito à natureza eventual
de apreciação do agravo retido, que mesmo interposto, poderá não chegar a ser
apreciado, seja em virtude (i) da não interposição de apelação contra a sentença,
(ii) da interposição de recurso de apelação não recebido pelo juiz de primeiro grau,
ou ainda, (iii) pela ausência de pedido expresso de julgamento do recurso do
apelante em suas razões de recurso ou do apelado nas contra-razões. A partir do
momento em que se constata que o agravo retido poderá não chegar a ser
apreciado, significaria economia processual postergar-se o momento de
apresentação de contra-razões para o momento final da demanda, quando então
se teria certeza da apreciação pelo Tribunal de tal recurso. Pensamento em
sentido contrário exigiria do agravado trabalho inútil em elaborar suas contra-
razões em nítido detrimento do desenvolvimento mais rápido e simples do
procedimento.7
6 Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado, 7ª ed., São Paulo, RT,
2003, p. 903; Luís Henrique Barbante Franze, O agravo frente aos pronunciamentos de primeiro grau no
processo civil, 2ª ed., Juruá, Curitiba, 2003, p. 123; Gilson Delgado Miranda e Patrícia Miranda Pizzol,
“Agravo retido”, in Dos recursos – temas obrigatórios e atuais, vol. 2, coord. Rodrigo Reis Mazzei, Vitória,
Instituto Capixaba de Estudos, 2002, p. 161. 7 No rumo do texto, Leonardo José Carneiro da Cunha, Inovações no processo civil, São Paulo, Dialética,
2002, pp. 93/94. Em sentido contrario, José Carlos Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo
Civil, vol. V, 11ª ed., Rio de Janeiro, Forense, p. 497: “A audiência do agravado é sempre obrigatória, nada
importando que o órgão judicial venha depois a reformar ou manter seu pronunciamento – o que, em qualquer
dos dois casos, deve fazer em termos expressos, fundamentadamente”.
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É evidente que, se o juiz pretendesse se retratar de sua decisão, nos termos do
artigo 523, § 2º, CPC, deveria antes ouvir o agravado, porque decisão de
retratação sem tal oitiva significaria ofensa ao princípio do contraditório. Ainda que
não tivesse certeza da retratação – que será formada em absoluto somente após
a manifestação do agravado – o juiz, diante de uma mera possibilidade em
considerar os argumentos lançados pelo agravante para se retratar, deveria ouvir
o agravado. Seria mais ou menos como diz o ditado “seu gato subiu no telhado...”,
um aviso de que há chance de retratação, o que inclusive sinalizaria ao agravado
que seu trabalho para convencer o juiz do contrário deveria ser bem feito.
E o que muda com a nova redação do art. 523, § 3º, CPC? Mesmo na redação
anterior do dispositivo legal, em que a forma de interposição do agravo retido das
decisões interlocutórias proferidas em audiência – oral ou escrita – ainda era uma
opção do autor, a mera possibilidade de interposição oral já demonstrava que a
dicotomia de tratamento frente a possibilidade de retratação era de extrema
importância. Sempre pareceu mais consentâneo com o sistema a obrigatoriedade
de apresentação de contra-razões orais sempre que a parte agravante optasse
por recorrer na própria audiência. Era preferível ao bom andamento processual um
certo sacrifício da isonomia (o agravado estava condicionado a uma escolha do
autor) e por vezes até do contraditório (pego de surpresa pela atitude da parte
agravante, que poderia ter sido planejada anteriormente) em prol da economia e
celeridade processual. Mas tais sacrifícios, derivados da aplicação da regra da
proporcionalidade, não se justificariam diante da impossibilidade do juiz, a priori,
se retratar de sua decisão. Não havia qualquer razão para o juiz exigir as contra-
razões na própria audiência, retirando um prazo previsto expressamente em lei, se
com isso nada ganhasse o processo, o que ocorria sempre que o juiz não tivesse
qualquer probabilidade de se retratar.
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Atualmente a obrigatoriedade de interposição por via oral do agravo retido na
hipótese prevista pelo artigo ora comentado pouco muda nos termos da
problemática enfrentada, quando muito corrobora ainda mais os argumentos
defendidos pela corrente doutrinária que já entendia necessária a apresentação de
contra-razões orais sempre que o juiz estivesse diante de uma probabilidade de se
retratar. Afasta-se, evidentemente, qualquer sacrifício ao princípio da isonomia
entre as partes, porque o autor deixou de ter a opção de agravar em escrito em 10
dias, de forma que, impelido a agravar imediatamente da decisão proferida, não
teria sentido afirmar que a mesma obrigatoriedade ser estendida ao réu seja
ofensiva à isonomia. Aliás, pelo contrário. As partes estarão sendo tratadas com
paridade de armas exigindo-se de ambas a apresentação de suas razões na
própria audiência.
Reforce-se a idéia de que tal postura, mesmo com a redação atual, só se justifica
diante de situação em que ocorra a probabilidade do juiz se retratar de sua
decisão, não havendo qualquer sentido lógico, nem mesmo ganho para o
processo, exigir-se do agravado a apresentação de contra-razões orais na própria
audiência se não houver qualquer possibilidade de retratação. Mesmo para
aqueles que defendem a obrigatoriedade de apresentação imediata de contra-
razões após a intimação do ingresso do agravo, nenhum benefício teria à
audiência a oitiva do agravado, o que só faria com que o seu tempo de duração se
alargasse sem qualquer proveito útil de tal fato. Parece, entretanto, que não
havendo a possibilidade de retratação, em prol da economia processual e
facilitação dos atos processuais, a oitiva do agravado deve ficar reservada para o
momento final do processo, quando o recurso deixar o campo da eventualidade e
se tornar uma realidade no tocante à sua apreciação pelo órgão competente.
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5 A QUESTÃO DO PRAZO E A CONVERSÃO DO AGRAVO DE
INSTRUMENTO EM RETIDO
Foge ao objeto do presente artigo considerações mais profundas a respeito da
modificação operada no art. 523, § 4º, CPC, embora pareça que a mudança
somente explicite algo que já existia no sistema; de que o agravo só deve ser
admitido em sua forma de instrumento nas hipóteses em que a retenção gere um
dano de difícil ou incerta reparação ao agravante. De qualquer forma, para os
estreitos objetivos buscados com o presente artigo, consigne-se que permanece a
possibilidade do relator do recurso de agravo de instrumento monocraticamente
convertê-lo à forma retida, sendo com relação a tal decisão a única novidade sua
irrecorribilidade expressa (nova redação do art. 527, §)
Na redação anterior do art. 523, § 3º, CPC, em que a interposição do agravo
contra decisão interlocutória de forma oral era uma mera opção das partes, não
era correto – ainda que desejado – afirmar que a parte agravante não teria,
também nesse caso, 10 dias para ingressar com seu recurso. Diante disso, era
absolutamente correto afirmar-se que, em qualquer situação o agravo, sendo
retido – e nesse caso oral ou escrito – e o de instrumento, tinham um prazo
comum de 10 dias. Essa realidade não mais persiste com a redação atual do
dispositivo legal ora comentado, que estabeleceu a obrigatoriedade de
interposição do agravo retido por meio oral das decisões interlocutórias proferidas
em audiência de instrução e julgamento. Há, atualmente, prazos diferenciados
para a interposição de agravo por via escrita ou oral facultativa (todas as decisões
proferidas em outras audiências que não a de instrução e julgamento e fora das
audiências) – instrumento e retido – e por via oral obrigatória.
Interposto o recurso de agravo de instrumento de decisão proferida em audiência
de instrução e julgamento, e entendendo o relator não ser hipótese de manter o
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recurso em sua forma originária, em virtude de não verificar qualquer dano
irreparável ou de difícil reparação com a retenção, como deverá proceder? A
resposta simplista a tal questionamento seria a aplicação in continenti do disposto
no art. 527, II, CPC, determinando-se a conversão em agravo retido, agora por
decisão irrecorrível, e conseqüente remessa dos autos ao primeiro grau para que
sejam apensados aos autos principais. Mas nesse caso específico será legítimo
perguntar: se a decisão recorrida era impugnável por agravo retido, e tal recurso
deve ser interposto em audiência, não teria ocorrido intempestividade em sua
propositura de maneira escrita após o encerramento da audiência e dentro do
prazo de 10 dias?
A discussão é interessante porque envolve a ordem de apreciação dos requisitos
de admissibilidade do recurso de agravo de instrumento. O cabimento será
sempre o primeiro – e dependendo do caso – o único requisito a ser analisado
pelo relator do recurso? Seria crível converter um agravo de instrumento em retido
no caso do relator perceber manifesta intempestividade, clara deserção, ou a
ausência de qualquer outro requisito de admissibilidade que não diga respeito à
dicotomia entre agravo de instrumento e retido? O próprio art. 527, CPC, parece
responder a tais questionamentos ao estabelecer, na ordem de seus incisos, a
possibilidade do relator negar conhecimento ou até mesmo provimento ao recurso
nas hipóteses previstas pelo art. 557, CPC (inciso I), antes da possibilidade de
conversão do agravo de instrumento em retido (inciso II).
Essa constatação, entretanto, não resolve o problema sugerido porque o problema
de tempestividade não se apresentará a priori, considerando-se que uma vez
respeitado o prazo de 10 dias (art. 522, CPC), o agravo de instrumento (essa sua
forma original de interposição) será tempestivo, e se algum vício de
intempestividade puder ser alegado, isso somente ocorrerá após a conversão do
recurso em agravo retido.
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Seria possível se afirmar que tal recurso, no momento próprio, possa não ser
conhecido sob o argumento que a não interposição em audiência gerou a
preclusão temporal, sendo o agravo, portanto, intempestivo?
Duas ponderações devem ser feitas antes da resposta à questão acima ser dada.
De um lado, não será justo com o recorrente o entendimento de que seu recurso é
intempestivo, porque ao ingressar com o mesmo, optando – ainda que de forma
inadequada à luz do entendimento do juiz relator – pela forma de instrumento, o
ordenamento processual lhe garantia o prazo de 10 dias. Como o que se presume
é a boa-fé, até que se prove o contrário, deve-se entender que a parte agravante
acreditava que a retenção pudesse de fato lhe causar um dano irreparável ou de
difícil reparação e por conseqüência interpôs o agravo na sua forma de
instrumento. A norma aberta, com requisitos com grande dose de subjetividade
para o cabimento do agravo de instrumento, corrobora com a presunção de boa-fé
do recorrente, que não poderia ser prejudicado com a conversão e subseqüente
não conhecimento de seu recurso por intempestivo, o que afrontaria de maneira
bastante clara o princípio da ampla defesa.
Esse entendimento, entretanto, trará um grande prejuízo para os objetivos
traçados pelo legislador em termos de tornar a recorribilidade das decisões
interlocutórias proferidas em audiência de instrução e julgamento obrigatoriamente
oral, em especial para aqueles advogados com pouco ou nenhuma familiaridade
com o procedimento oral. Sabendo de antemão que não interposto o recurso
oralmente, ainda poderá fazê-lo por via escrita em 10 dias, ainda que tenha nesse
caso que ingressar com agravo de instrumento (que será convertido em retido), o
patrono poderá não se animar a ingressar com o agravo retido, frustrando assim a
expectativa do legislador. Será inclusive causa de piora do sistema, considerando-
se que, à luz da redação antiga do art. 523, § 3º, CPC, havendo a opção entre a
forma escrita e oral de interposição do agravo retido nesses casos, seria
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plenamente possível a interposição em 10 dias do próprio agravo retido,
reconhecidamente menos nefasto ao bom andamento do processo que o agravo
de instrumento. Hoje em dia tal opção não existe mais, e se o patrono se calar na
audiência, a única forma de evitar a preclusão das questões decididas será, ainda
que não totalmente convicto de ser essa a forma adequada de impugnação,
ingressar com o agravo de instrumento.
A situação descrita não favorecerá tão somente aqueles que temem falar em
audiência, mas qualquer patrono que inadvertidamente não tenha recorrido de
forma oral em audiência de instrução e julgamento de decisão interlocutória. O
prazo preclusivo da audiência, portanto, com a possibilidade de ingresso do
agravo de instrumento em 10 dias de forma escrita, mesmo que já se antevendo a
conversão em agravo retido, se torna prazo “para inglês ver”, podendo ser
contornado na prática forense em virtude do disposto no art. 527, II, CPC. Diante
dessa situação, seria possível se evitar tal “manobra” da parte que não pretende
agravar oralmente ou simplesmente perde o prazo para tanto?
É evidente que situações extremas, em que reste manifesta a má-fé da parte
agravante, ancorando-se na lealdade processual e boa-fé, seria em princípio até
possível deixar de conhecer o agravo convertido em retido por intempestivo como
forma de não proteger a indesejável “chicana processual”. Tal postura já é
inclusive adotada pelo Superior Tribunal de Justiça no tocante à suspensão do
prazo recursal com a interposição dos embargos de declaração, nos termos do art.
538, caput, CPC. O entendimento consagrado em tal Tribunal é de que mesmo
não conhecido os embargos de declaração, ainda que manifestamente
protelatórios, a única conseqüência será a condenação ao pagamento de multa
nos termos do art. 538, par. único, CPC, a não ser na excepcional hipótese de
manifesta intempestividade, em que se presume a má-fé da parte embargante e o
prazo para interposição de outros recursos não lhe será devolvido.
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Basta imaginar a parte que, diante do vencimento do prazo para a apelação, no
último dia interpõe embargos de declaração com a perspectiva de receber tal
prazo integralmente de volta.8
A possibilidade de não se conhecer o agravo retido interposto como de
instrumento de decisão proferida na audiência de instrução e julgamento quando
percebida a má-fé da parte agravante tem, entretanto, um sério obstáculo.
Interpretando-se a nova redação do art. 523, § 4º, II, CPC, o agravo de
instrumento somente seria cabível de decisões “não suscetíveis de causar à parte
lesão grave e de difícil reparação”, requisito que evidentemente carrega grande
carga de subjetividade, sendo extremamente difícil no caso concreto se determinar
com certeza má-fé da parte agravante. Como será possível se afirmar,
peremptoriamente, que a parte recorrente sabia desde o momento em que
interpôs o recurso que não havia a presença do requisito e que a propositura do
agravo de instrumento era só uma manobra para driblar a preclusão gerada por
sua omissão na audiência de instrução? Repete-se, como a boa-fé se presume, e
não contrário, somente a prova robusta a evidenciar tal manobra poderia gerar o
não conhecimento do recurso, o que se mostrará extremamente difícil no caso
concreto. E o problema se intensifica se for levada em conta a cultura do
advogado brasileiro em agravar de instrumento e não de forma retida.
A visão mais correta, portanto, fundando-se no princípio consagrado no mundo
jurídico de que a boa-fé se presume e não o contrário, será conhecer o agravo
retido convertido nas circunstancias já expostas, o que criará um “contorno legal”
8 Nesse sentido a maioria da doutrina: Luis Guilherme Aidar Bondioli, Embargos de declaração, São Paulo,
Saraiva, 2005, p. 478; Luís Eduardo Simardi Fernandes, Embargos de declaração, São Paulo, RT, 2003, pp.
70/71; Gilson Delgado Miranda, Código de Processo Civil interpretado, coord. Antonio Carlos Marcato, São
Paulo, Atlas, 2004, p. 1600. Na jurisprudência, consultar Theotônio Negrão e José Roberto f. Gouvêa, Código
de Processo Civil e legislação processual em vigor, 37ª ed., São Paulo, Saraiva, 2005, p. 631. Em sentido
contrário, entendendo que a interrupção do prazo só ocorre se o recurso for conhecido, as lições de José
Carlos Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, 11ª ed., Rio de Janeiro, Forense,
pp. 559/560.
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para a obrigatoriedade de interposição de agravo oral em audiência de instrução e
julgamento. O receio é de que com a justificativa de se evitar manobras eivadas
de má-fé, os Tribunais passem a deixar de conhecer o agravo retido por
intempestivo, jogando na vala comum as partes que sinceramente acreditavam no
cabimento do agravo sob sua forma de instrumento daqueles que somente
agravaram dessa forma porque foi perdido o novo prazo legal estabelecido pela
atual redação do art. 523, § 3º, CPC. Para coibir a má-fé estar-se-ia atingindo
todos indistintamente, incluindo-se as partes que atuaram com boa-fé.
E o receio é absolutamente justificável frente a equivocado – e bastante criticado
pela doutrina – posicionamento do Superior Tribunal de Justiça na aferição dos
requisitos exigidos para a aplicação do princípio da fungibilidade recursal.
Segundo a jurisprudência desse Tribunal para que não ocorra má-fé (um dos
requisitos da fungibilidade), a parte recorrente poderá optar por qualquer dos
recursos dentre os quais haja séria dúvida quanto ao cabimento, mas deverá
sempre fazê-lo no menor prazo. Assim, havendo uma dúvida fundada a respeito
do cabimento de apelação ou agravo contra determinada decisão, seria admitido o
ingresso de qualquer um desses recursos, desde que a parte recorra em 10 dias.
O entendimento não tem qualquer nexo lógico, pecando por presumir a má-fé,
mas não é esse a sede para criticá-lo como merece, bastando uma leitura da
melhor doutrina sobre o tema para se perceber da impropriedade do
posicionamento exposto.9
De qualquer forma, criticável ou não, é esse o entendimento do Tribunal
responsável pela última palavra em nosso sistema jurisdicional a respeito da lei
federal, não podendo ser simplesmente desprezado. O temor é a aplicação da
mesma forma de pensar para o problema ora enfrentado, considerando-se que a
9 Na doutrina, com postura crítica, expondo equivocadas as decisões do Superior Tribunal de Justiça: Flávio
Cheim Jorge, Teoria geral dos recursos cíveis, Rio de Janeiro, Forense, 2003, pp. 239/240 e Nelson Nery Jr.,
Teoria geral dos recursos, 6ª ed., São Paulo, RT, 2004, pp. 169/170.
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conversão do agravo de instrumento em retido é justamente uma forma prevista
expressamente em lei de aplicação do princípio da fungibilidade. Não entendendo
ser cabível o agravo de instrumento, o juiz o recebe como agravo retido, já que a
atual redação do art. 523, § 4º, II, é clara o suficiente para se entender que
somente caberá agravo de instrumento de decisões suscetíveis de causar à parte
lesão grave e de difícil reparação, e das outras (à exceção das previstas pelo
inciso II do mesmo artigo, alheias à presente discussão) caberá, por exclusão,
agravo retido. Oxalá não caiam os Tribunais, inclusive e especialmente o Superior
Tribunal de Justiça, no mesmo erro. Mas que há tal perigo, não resta qualquer
dúvida.
6 ANOTAÇÕES CONCLUSIVAS E EXERCÍCIO DE FUTUROLOGIA
Como já afirmado no início do presente artigo, comentar sobre leis imediatamente
promulgadas sempre exigirá algum exercício de futurologia, com previsões que
nem sempre acabam por se confirmar na prática. Afora a extrema dificuldade de
verificação dos reais efeitos na praxe forense das modificações legislativas – mais
uma vez, afirme-se, em razão da falta de dados estatísticos completos e
confiáveis – nem sempre se pode ter certeza de como os operadores do direito
reagirão diante de uma modificação legislativa. Ainda assim, vale o desafio de
momentaneamente se tornar um “vidente processual”.
A obrigatoriedade de interposição do agravo retido oralmente em audiência de
instrução e julgamento é salutar ao processo, vindo de encontro com os princípios
da concentração dos atos processuais, um dos pilares do princípio da oralidade.
Em tese, o procedimento sofrerá menos reflexos complicadores, o que levará o
processo a um encerramento mais expedito e por conseqüência melhorará a
qualidade da tutela jurisdicional. Alguns reflexos, entretanto, poderão se mostrar
manifestamente contrários aos objetivos buscados pela alteração, prejudicando o
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andamento do processo e, por vezes, piorando o serviço jurisdicional como um
todo.
Durante a exposição das idéias alguns desses reflexos possíveis já foram objeto
de comentário. O despreparo de grande número de advogados a falar em
audiência poderá ensejar a manobra prevista no item anterior, de continuar a
ingressar por escrito em 10 dias com o agravo de instrumento mesmo sabendo
que seu destino será a conversão em agravo retido. Ao menos a questão resolvida
na decisão impugnada não precluirá. Para evitar tal situação, os Tribunais poderão
deixar de conhecer os agravos retidos convertidos quando opostos sob a forma de
instrumento contra decisão proferida em audiência de instrução e julgamento, o
que certamente atingirá um número razoável de litigantes de boa-fé.
Outros problemas poderão surgir na prática com a interposição oral. Em primeiro
lugar será essencial a mudança de postura de muitos juízes que não apreciam o
diálogo em audiência, comandando-a da forma mais seca e minimalista possível
para que atinja um final rápido. Pedida a palavra pelo advogado para agravar
retido oralmente, o patrono da parte deverá poder fazê-lo sem qualquer espécie
de pressão, ainda que seja possível uma fixação prévia de prazo razoável para
que isso ocorra (chegamos a sugerir a aplicação extensiva do art. 454, caput,
CPC). E deve-se levar em conta que, apesar de raro, será possível a interposição
de mais de um agravo retido por audiência, situação que poderá ainda se tornar
mais complexa havendo no processo litisconsórcio com patronos diferentes. Aos
advogados será exigido um melhor preparo para os atos orais, mas esse ponto
nada diz respeito à qualidade do serviço jurisdicional, sendo um problema para o
cliente resolver com seu patrono. Registre-se que a ausência de regulamentação
de como ocorrerá a interposição oral do agravo poderá conduzir a desagradáveis
situações de conflitos entre advogados e juízes...
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Há ainda a complicação com relação aos trabalhos jurisdicionais, atualmente
bastante ruins em razão de causas múltiplas, dentre elas o esfacelamento
administrativo do Poder Judiciário. Em algumas varas são designadas audiências
de instrução e julgamento com intervalos de meia hora cada uma, às vezes nem
isso. O que irá ocorrer com a pauta se na primeira audiência do dia – muitas vezes
iniciada bem depois do horário designado – uma das partes resolver agravar de
forma retida e oralmente? E se ambas pretenderem fazê-lo? E se houver
litisconsórcio? Poder-se-ia alegar que tais problemas não podem ser
considerados, mas não parece que o advogado atuante irá simplesmente
desprezá-los, quando perceber que sua audiência começará bem depois do
horário determinado, isso quando vier a ocorrer. O mesmo se diga dos terceiros
que colaboram com a Justiça como testemunhas, que perderão tardes inteiras no
Fórum, em regra mal acomodadas, podendo até mesmo nem ser ouvidas (como
infelizmente já ocorre hoje em dia, sem a obrigatoriedade de agravo oral em
audiência).
Essas são apenas algumas considerações preliminares referentes à nova
obrigatoriedade de interposição de agravo retido oral de decisões interlocutórias
proferidas em audiência de instrução e julgamento. O futuro dirá quais deles têm
algum sentido e se a modificação foi de fato benéfica ao sistema, atingindo o
objetivo de melhorar a qualidade da prestação jurisdicional. É certo que mais uma
vez a comunidade jurídica se baseará no “chutômetro”, em experiências pessoais,
sentindo mais uma vez falta da ausência de dados estatísticos, ou quem sabe
também isso mude com o passar do tempo. Essa é a expectativa de todos que
acreditam ser possível realmente modificar as regras processuais para oferecer ao
consumidor da Justiça um serviço de melhor qualidade.
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