recentes alteraÇÕes do agravo retido – obrigatoriedade de sua interposiÇÃo de ... · 2016. 6....

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www.professordanielneves.com.br RECENTES ALTERAÇÕES DO AGRAVO RETIDO – OBRIGATORIEDADE DE SUA INTERPOSIÇÃO DE FORMA ORAL DE DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS PROFERIDAS EM AUDIENCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO 1 INTRODUÇÃO Seguindo na onda reformista que invadiu o mundo processual civil desde 1992, com alterações substanciais no Código de Processo Civil, o legislador modifica novamente a sistemática do agravo contra decisões monocráticas proferidas pelos órgãos de primeiro grau de jurisdição, com alguns importantes reflexos também no tocante a recorribilidade de decisões dessa natureza âmbito procedimental dos Tribunais, tornando expressamente irrecorríveis as decisões monocráticas do relator que convertem o agravo de instrumento em agravo retiro e as que tratem – de forma positiva ou negativa – o pedido de tutela de urgência elaborado pelo agravante. Sem ao menos esperar os reflexos da última modificação a respeito do tema, operada pela Lei 10.356/01, o legislador novamente altera algumas normas legais que regulam o tratamento do agravo de instrumento e retido, espécies do mesmo gênero previstas no art. 522, CPC, como instrumento recursal hábil à impugnação de decisões interlocutórias proferidas no primeiro grau de jurisdição. As modificações legislativas no tocante ao processo vêm ocorrendo com tal intensidade e rapidez que nem mesmo é possível avaliar se as modificações anteriores geraram ou não os benefícios programados pelos reformistas no tocante a melhora da qualidade da prestação jurisdicional. Além da ausência de tempo para tal aferição - em razão das constantes modificações da Lei - o processo continua a conviver com a mais absoluta ausência de qualquer dado

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RECENTES ALTERAÇÕES DO AGRAVO RETIDO –

OBRIGATORIEDADE DE SUA INTERPOSIÇÃO DE FORMA

ORAL DE DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS PROFERIDAS

EM AUDIENCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO

1 INTRODUÇÃO

Seguindo na onda reformista que invadiu o mundo processual civil desde 1992,

com alterações substanciais no Código de Processo Civil, o legislador modifica

novamente a sistemática do agravo contra decisões monocráticas proferidas pelos

órgãos de primeiro grau de jurisdição, com alguns importantes reflexos também no

tocante a recorribilidade de decisões dessa natureza âmbito procedimental dos

Tribunais, tornando expressamente irrecorríveis as decisões monocráticas do

relator que convertem o agravo de instrumento em agravo retiro e as que tratem –

de forma positiva ou negativa – o pedido de tutela de urgência elaborado pelo

agravante.

Sem ao menos esperar os reflexos da última modificação a respeito do tema,

operada pela Lei 10.356/01, o legislador novamente altera algumas normas legais

que regulam o tratamento do agravo de instrumento e retido, espécies do mesmo

gênero previstas no art. 522, CPC, como instrumento recursal hábil à impugnação

de decisões interlocutórias proferidas no primeiro grau de jurisdição. As

modificações legislativas no tocante ao processo vêm ocorrendo com tal

intensidade e rapidez que nem mesmo é possível avaliar se as modificações

anteriores geraram ou não os benefícios programados pelos reformistas no

tocante a melhora da qualidade da prestação jurisdicional. Além da ausência de

tempo para tal aferição - em razão das constantes modificações da Lei - o

processo continua a conviver com a mais absoluta ausência de qualquer dado

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estatístico que possa apontar para a efetiva modificação gerada para a melhora do

funcionamento do processo com a otimização de seus resultados.

De qualquer forma, a realidade é que as mudanças continuam a ocorrer – para o

bem ou para o mal – e cabe ao operador do direito se adequar aos tempos atuais,

retirando das novas normas o máximo que conseguir em termos de efetivamente

auxiliar o processo a atingir um resultado de melhor qualidade. É nesse esteira

que seguirá o presente artigo, no qual será realizada a análise de um ponto

específico dentre as modificações e também algum exercício de futurologia, na

tentativa de antever quais serão os efetivos reflexos de tal alteração na praxe

forense.

A Lei 11.187/05, advinda do Projeto de Lei Complementar 72/2005 (Senado

Federal) – Número na Câmara PL 4.727/2004 - faz parte do chamado “Pacote

Republicano” de reformas do Código de Processo Civil. A no mínimo estranha

utilização do termo “republicano” – o que demonstra uma falta de cuidado com o

vernáculo, com conseqüente e indevida vulgarização do termo - significa tão

somente que tais projetos foram obra de acerto inédito entre os chefes dos Três

Poderes com o objetivo de aprimorar a prestação jurisdicional. As modificações se

deram em torno de dois artigos do Código de Processo Civil, pertencentes ao

Título X, Capítulo I do Livro I do Código de Processo Civil, sob o título Agravo. As

modificações operadas nos arts. 523 e 527, CPC, foram pontuais, não

modificando os artigos em sua integralidade, mas trazendo interessantes

novidades no trato do tema.

O presente artigo tratará tão somente de uma alteração específica advinda da Lei

11.187/05 de 20 de outubro de 2005. Trata-se do art. 523, § 3º, CPC, que

substancialmente passa a exigir a obrigatoriedade de interposição de agravo

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retido por via oral contra decisões interlocutórias proferidas na audiência de

instrução e julgamento.

É iniciativa rara do legislador exigir da parte – na pessoa de seu patrono,

naturalmente – o exercício de um ato processual de forma oral, sendo sempre

essa forma uma mera opção para a prática de alguns atos processuais, como

ocorre na contestação no procedimento sumário e sumaríssimo. Devido ao grande

interesse que o tema suscita, a abordagem será, como já dito, limitada a esse

aspecto da mais recente “reforma” do agravo de instrumento e retido.

2 AGRAVO RETIDO ORAL OBRIGATÓRIO EM AUDIÊNCIA DE

INSTRUÇÃO E JULGAMENTO

A primeira modificação digna de nota se refere a mudança da redação do art. 523,

§ 3º, CPC, que passa a contar com a seguinte redação:

“Das decisões interlocutórias proferidas em audiência

de instrução e julgamento caberá agravo na forma

retida, devendo ser interposto oral e imediatamente,

bem como constar do respectivo termo (art. 457), nele

expostas sucintamente as razões do agravante”.

Como se nota na redação do dispositivo legal transcrito acima, a modificação

legislativa se deu exclusivamente em tornar o agravo retido – que já era

obrigatório nessas circunstancias – necessariamente oral, devendo ser interposto

imediatamente em audiência de instrução em julgamento, sem, portanto, contar a

parte com o prazo de 10 dias previsto de forma genérica no art. 522, CPC. A

ausência de manifestação imediata da parte interessada em agravar das decisões

proferidas em tais audiências gerará a preclusão temporal, não sendo permitida

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qualquer impugnação a respeito da matéria decidida desde que não se trate de

matéria de ordem pública, não sujeita a preclusões e que bem por isso permitem a

manifestação da parte a qualquer momento do processo.1

Antes de adentrar na questão mais importante da modificação legal, que é a

obrigatoriedade de interposição do agravo retido pela forma oral, deve ser

elogiada a complementação da redação legal com o termo “interlocutórias”

postado após o termo “decisões”, deixando claro que somente essa espécie de

decisão poderá ser objeto de agravo e jamais a sentença, que também é decisão

possível de ser proferida na audiência de instrução e julgamento, mas que desafia

o recurso de apelação (art. 513, CPC). É evidente que tal conclusão poderia ser

obtida na redação antiga por meio de uma análise sistêmica do ordenamento

processual, mas a precisão lingüística é sempre importante para a apuração da

ciência processual. 2

Na última – e recente – reforma por que passou o ora comentado dispositivo legal,

o agravo retido passou a ser obrigatório como meio de impugnação contra a

decisão interlocutória proferida em audiência de instrução e julgamento, com

exceção das hipóteses previstas pelo art. 523, § 4º, CPC (casos em que a

retenção fosse capaz de gerar ao agravante “um dano de difícil e incerta

reparação”). Pois bem, apesar da obrigatoriedade na forma de interposição do

recurso de agravo nesse caso – retido – a locução “admitir-se-á a interposição

oral” deixava bastante claro existir a ampla possibilidade de escolha ao agravante,

não da forma de agravo, mas sim da forma oral ou escrita de sua interposição.

1 Nesse sentido, com amparo em ampla doutrina, Daniel Amorim Assumpção Neves, Preclusões para o juiz –

preclusão pro iudicato e preclusão judicial no processo civil, São Paulo, Método, 2004, pp. 233-255. Em

sentido contrário, defendendo o entendimento que as matérias de ordem pública podem ser decididas de ofício

e a qualquer momento pelo juiz, mas não impugnadas sofrem a preclusão, as lições de Fredie Didier Jr.,

Pressupostos processuais e condições da ação – o juízo de admissibilidade do processo, São Paulo, Saraiva,

2005, pp. 84/94. 2 Já havia notado a omissão do texto Fabiano Carvalho, “Os agravos e a reforma do Código de Processo

Civil”, in A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil, São Paulo, Saraiva, 2002, p. 280.

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Poderia, assim, agravar imediatamente de forma oral, fazendo constar suas

razões no termo da audiência, como também poderia optar pelo agravo retido em

sua forma escrita, aproveitando-se do prazo de 10 dias que o art. 522, CPC, lhe

concedia.

Tratava-se, a evidencia, de opção da parte agravante concernente à sua tática

processual, havendo hipóteses que mais vantajoso seria a interposição oral, ainda

que sua fundamentação ficasse prejudicada, sendo feita de maneira sucinta (e

nesse caso em razão da preclusão consumativa não se admitiria a

complementação tardia do recurso), ou a interposição por escrito, com um maior

prazo para a elaboração de um recurso mais bem fundamentado. Algumas vezes,

inclusive, no calor da audiência, era concebível que a parte ainda não tivesse

formado convencimento a respeito do próprio interesse em recorrer, o que só viria

a ocorrer mais tarde, quando “a ficha caísse”, aproveitando-se, então, do prazo de

10 dias para elaboração do recurso, agora em sua forma escrita.

Mesmo com a antiga redação, que se mostrava bastante clara a respeito da opção

entre a forma oral e imediata e escrita em 10 dias para interposição do agravo

retido, parcela minoritária da doutrina passou a defender a obrigatoriedade da

interposição imediata e oral na própria audiência de instrução e julgamento3. O

entendimento não se mostrava acertado, ainda que pudesse se alegar ser a

melhor saída em termos de mudança legislativa. O mínimo de legalidade é o que

gera a segurança jurídica para os litigantes, e enxergar algo que a lei nitidamente

não diz, somente porque se acredita que seja essa a melhor interpretação à

3 Nesse sentido J. E. Carreira Alvim, Novo agravo, 4ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2002, pp. 78/79;

Alexandre Freitas Câmara, Lições de direito processual civil, vol. II, 7ª ed., 2003, pp. 99/100; Mantovanni

Colares Cavalcante, Regime jurídico dos agravos, São Paulo, Dialética, 1998, p. 94. Mais coerente com a

diferença entre o desejado e o legislado, tem-se as lições de Teresa Arruda Alvim Wambier, Os agravos o

CPC brasileiro, 3ª ed., São Paulo, RT, 2000, p. 168: “Admite-se, hoje, a interposição oral do agravo retido, de

decisões interlocutórias proferidas durante a audiência. Talvez devesse o legislador ter determinado que assim

fosse e não ter criado simplesmente uma opção para a parte”. No mesmo sentido, falando em mudança de lege

ferenda – que veio a ocorrer – as lições de Athos Gusmão Carneiro, O novo recurso de agravo e outros

estudos, 2ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1997, p. 34

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norma, não parece ser entendimento possível à luz dos princípios do contraditório

e da ampla defesa. Seria justo com a parte negar conhecimento ao agravo retido

interposto por escrito em 10 dias por intempestividade somente porque se entende

que o melhor seria obrigá-la a fazê-lo oralmente em audiência, ainda que a lei

nada mencionasse a esse respeito? A resposta é evidentemente negativa.

De qualquer forma, as opiniões de tais doutrinadores acabaram consagradas pela

atual redação do art. 523, § 3º, CPC, restando a partir da modificação legislativa

incontroversa a questão. A obrigatoriedade de interposição de forma oral é hoje a

regra e dela não poderá fugir nem as partes nem o juiz, operando-se a preclusão e

sendo intempestivo recurso retido interposto após o final da audiência. Parece ser

exagero exigir-se da parte a interposição absolutamente imediata do recurso de

agravo retido após a solução da questão, devendo-se admitir tal ingresso até o

final da audiência, ainda que a decisão tenha sido proferida em seu início ou

durante a mesma, antes desse termo final. Uma certa flexibilização se justifica em

virtude de não ser muitas vezes nítido o interesse de recorrer de certa decisão até

o final da audiência, até mesmo como conseqüência do andamento da prova

colhida oralmente. Nesse tocante se prestigia a economia processual, evitando-se

a interposição de recursos que ao final da audiência já perderam todo o sentido.

Indeferida a oitiva de uma testemunha, pode ser que as outras ouvidas façam com

que a parte perca o interesse em ouvir a testemunha recusada, o que só será

conhecido ao final da audiência.

A modificação deve ser aplaudida, apesar de causar um certo temor naqueles

patronos que não tem facilidade de utilizar a palavra em audiência, em muito

devido ao péssimo preparo que adquirem na prática oral nas Faculdades de

Direito, que privilegiam a escrita em detrimento da oralidade (algumas Faculdades

chegam ao absurdo de proibir aos professores que façam prova oral...).

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De qualquer forma, a obrigatoriedade de interposição oral do agravo retido em

audiência de instrução e julgamento traz do “mundo dos mortos” a oralidade ao

processo civil, que é um princípio que tem tantas exceções que é possível até

mesmo se duvidar de sua natureza de princípio processual.4

É interessante consignar que as atividades eminentemente orais são sempre

desprezadas pelos operadores do direito, o que se pode sentir – ainda que a

mingua de dados estatísticos – na praxe forense. Havendo opção entre a forma

oral e a escrita, dificilmente o ato é praticado oralmente, tal como se verifica na

apresentação de contestação no rito sumário, substituição dos debates orais por

memoriais e o pequeno número de sustentações orais perante os tribunais.

Chegou-se até ao absurdo num caso prático do juiz “transformar” a prova

testemunhal em apresentação de declaração escrita de terceiros... É um

verdadeiro pacto implícito da mediocridade: o advogado não sabe falar e o juiz

não quer ouvir.

Tal circunstância também se verificava com o agravo retido interposto contra

decisão proferida na audiência de instrução e julgamento, em que a parte preferia

a interposição de agravo na forma escrita à oral. O legislador bem percebeu que a

mera opção entre as formas de interposição do recurso não seria suficiente para

fazer da forma oral uma regra, devido a tradicional e já exposta preferência pela

forma escrita dos atos processuais. A exigência de que os agravos retidos sejam

interpostos oralmente em audiência poderá desagradar na prática tanto aos

advogados despreparados como aos juízes impacientes; os primeiros porque

terão que falar em audiência e os segundos porque terão que ouvir tais palavras.

4 Apontando as diversas exceções legais e práticas ao princípio da oralidade, Antônio Carlos de Araújo

Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 19ª ed., Malheiros,

São Paulo, 2003, p. 326 e Humberto Theodoro Jr., Curso de direito processual civil, vol. 1, 39ª ed., Rio de

Janeiro, Forense, 2003, p. 27. Mesmo o “pai da idéia”, indica situações em que o procedimento escrito prefere

ao oral: Giussepe Chiovenda, “Procedimento oral”, trad. Osvaldo Magon, Revista Forense nº 74, Rio de

Janeiro, Forense, 1938, p. 187.

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Justamente em virtude dessa realidade, em especial no tocante a inibição natural

de alguns advogados de desenvolver seu raciocínio oralmente, a mudança poderá

trazer uma melhora ao andamento do processo com a mera desistência na

interposição do recurso. Obviamente que não é esse o objetivo da lei, mas será

possível analisar após a alteração legislativa se o número de agravos interpostos

de decisões proferidas em audiência de instrução e julgamento diminuirá. Por

outro lado é inegável que a obrigatoriedade de interposição do agravo oral em

audiência facilitará o procedimento, diminuindo o volume de “peças” no processo o

que poderá resultar em alguma medida num final mais expedito do processo e a

conseqüente melhora da prestação jurisdicional.

3 TEMPO DE DURAÇÃO DO AGRAVO RETIDO

A modificação legislativa deixou de indicar o tempo que terá o advogado para se

manifestar oralmente na interposição do agravo retido em audiência, embora a

indicação de que as razões devam ser expostas de forma sucinta indique que o

tempo de duração do agravo seja algo razoavelmente curto. A indefinição,

entretanto, é de todo desaconselhável. A omissão legislativa já vinha de antes, na

redação anterior em que o agravo oral já era uma opção das partes, mas passa a

se agravar a partir do momento em que tal forma de interposição passa a ser

obrigatória.

Não se pode confiar no bom senso – infelizmente – dos participantes da audiência

para crer que problemas não surgirão no tocante a duração do agravo interposto

oralmente. Certamente haverá situações de advogados que, por má-fé ou

despreparo, abusarão do tempo de duração da exposição oral, alongando de

forma demasiada a audiência e prejudicando toda a pauta; como também é

provável se imaginar que juizes menos pacientes pressionarão os advogados a

concluir de forma rápida seu raciocínio, de forma a prejudicar o direito

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constitucional de ampla defesa. Conflitos que poderiam ser evitados com uma

simples e básica preocupação que o legislador não teve.

Diante da ausência legal, até que o legislador se dê conta de sua omissão e faça

uma indicação expressa do tempo de duração que as partes têm para opor o

agravo retido oral, e que com isso sejam evitados indesejados conflitos entre

juízes e partes, parece possível a aplicação por extensão do disposto no art. 454,

CPC, que dispõe a respeito dos debates orais, única manifestação oral das partes

que tem um tempo de duração expressamente previsto no ordenamento

processual. Assim, as partes teriam 20 minutos prorrogáveis por mais 10 minutos

para opor o agravo retido, mesmo prazo que terá o agravado para opor as contra-

razões, assunto que será tratada no tópico a seguir.

4 A POSTURA DO AGRAVADO DIANTE DA INTERPOSIÇÃO ORAL DO

AGRAVO RETIDO

O legislador mais uma vez demonstrou um injustificado desinteresse pela forma

de reação do agravo diante da interposição do agravo retido, despreocupação já

demonstrada quando se passou a admitir como mera opção a forma oral, mas que

agora se torna ainda mais importante em razão da obrigatoriedade dessa forma de

interposição do agravo retido contra as decisões proferidas em audiência de

instrução e julgamento. Para se justificar a melhor conclusão da problemática à luz

da modificação legislativa, é importante se apontar as opiniões doutrinárias à luz

da antiga redação do art. 523, § 3º, CPC.

Durante a curta vigência da antiga redação do artigo ora comentado a doutrina se

divida entre aqueles que entendiam que o agravado era obrigado a se manifestar

já na audiência e aqueles que, ao contrário, defendiam que o recorrido teria o

prazo de 10 dias para contra-razoar o agravo, o que evidentemente nesse caso

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seria feito de forma escrita. E havia argumentos convincentes em ambas as

posições doutrinárias.

Aqueles que entendiam que as contra-razões deveriam ser apresentadas

imediatamente na própria audiência amparavam-se nos princípios da celeridade e

economia processual, afirmando que sendo necessária ao juiz a oitiva da parte

contrária para se retratar de sua decisão, deveria ter a oportunidade de fazê-lo na

própria audiência, o que só seria possível com a apresentação das contra-razões

já nesse momento. Assim se posicionou José Carlos Teixeira Giorgis, defendendo

que entendimento contrário:

“abalaria as razões que justificaram a instituição do agravo verbal,

impedindo que o prolator decidisse logo a questão suscitada, em

busca da economia processual e da efetividade processuais, pois

então restariam os temas atacados para solução posterior, com

visível prejuízo da concentração”.5

Por outro lado, os defensores do entendimento de que o prazo para a resposta

deveria ser de 10 dias se apoiavam no argumento de que a exigência da imediata

apresentação de resposta na própria audiência feriria o princípio do contraditório e

da ampla defesa, retirando da parte agravada um prazo garantido por lei.

Afirmavam que esse entendimento não feriria a isonomia entre as partes,

considerando-se que a interposição por via oral teria sido uma opção da parte

agravante, que bem poderia ter se utilizado da forma escrita no prazo de 10 dias

subseqüentes a audiência. Sendo uma mera opção do recorrente, não seria

5 Cfr. “Notas sobre o agravo”, in Ajuris, v. 23, n. 67, p. 26. No mesmo sentido José Horácio Cintra Gonçalves

Pereira, Agravo no direito brasileiro, São Paulo, Juarez de Oliveira, 1999, p. 53; Teresa Arruda Alvim

Wambier, Os agravos no CPC brasileiro, op. cit., p. 168; J. E. Carreira Alvim, Novo agravo, op. cit., pp.

76/77; Alexandre Freitas Câmara, Lições de direito processual civil, op. cit., p. 99, Misael Montenegro Filho,

Curso de direito processual civil, vol. 2, São Paulo, Atlas, 2005, p. 168; Luiz Orione Neto, Recursos Cíveis,

São Paulo, Saraiva, 2002, p. 335.

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legítimo exigir do recorrido a apresentação de contra-razões já na audiência,

podendo também ele optar entre contra-razoar imediatamente ou somente nos 10

dias previsto no art. 527, V, CPC.6

Antes de adentrar especificamente na problemática anteriormente mencionada,

cumpre analisar se há obrigatoriedade de abertura de prazo para as contra-razões

imediatamente após a apresentação do agravo retido, pouco importando ter sido o

recurso interposto em sua forma oral ou escrita. Essa questão, mesmo diante da

antiga redação do artigo legal ora comentado já era tormentosa, dividindo a

opinião da doutrina, em especial nas hipóteses em que o juiz não pretendesse se

retratar de sua decisão. A justificativa ancorava-se no respeito à natureza eventual

de apreciação do agravo retido, que mesmo interposto, poderá não chegar a ser

apreciado, seja em virtude (i) da não interposição de apelação contra a sentença,

(ii) da interposição de recurso de apelação não recebido pelo juiz de primeiro grau,

ou ainda, (iii) pela ausência de pedido expresso de julgamento do recurso do

apelante em suas razões de recurso ou do apelado nas contra-razões. A partir do

momento em que se constata que o agravo retido poderá não chegar a ser

apreciado, significaria economia processual postergar-se o momento de

apresentação de contra-razões para o momento final da demanda, quando então

se teria certeza da apreciação pelo Tribunal de tal recurso. Pensamento em

sentido contrário exigiria do agravado trabalho inútil em elaborar suas contra-

razões em nítido detrimento do desenvolvimento mais rápido e simples do

procedimento.7

6 Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado, 7ª ed., São Paulo, RT,

2003, p. 903; Luís Henrique Barbante Franze, O agravo frente aos pronunciamentos de primeiro grau no

processo civil, 2ª ed., Juruá, Curitiba, 2003, p. 123; Gilson Delgado Miranda e Patrícia Miranda Pizzol,

“Agravo retido”, in Dos recursos – temas obrigatórios e atuais, vol. 2, coord. Rodrigo Reis Mazzei, Vitória,

Instituto Capixaba de Estudos, 2002, p. 161. 7 No rumo do texto, Leonardo José Carneiro da Cunha, Inovações no processo civil, São Paulo, Dialética,

2002, pp. 93/94. Em sentido contrario, José Carlos Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo

Civil, vol. V, 11ª ed., Rio de Janeiro, Forense, p. 497: “A audiência do agravado é sempre obrigatória, nada

importando que o órgão judicial venha depois a reformar ou manter seu pronunciamento – o que, em qualquer

dos dois casos, deve fazer em termos expressos, fundamentadamente”.

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É evidente que, se o juiz pretendesse se retratar de sua decisão, nos termos do

artigo 523, § 2º, CPC, deveria antes ouvir o agravado, porque decisão de

retratação sem tal oitiva significaria ofensa ao princípio do contraditório. Ainda que

não tivesse certeza da retratação – que será formada em absoluto somente após

a manifestação do agravado – o juiz, diante de uma mera possibilidade em

considerar os argumentos lançados pelo agravante para se retratar, deveria ouvir

o agravado. Seria mais ou menos como diz o ditado “seu gato subiu no telhado...”,

um aviso de que há chance de retratação, o que inclusive sinalizaria ao agravado

que seu trabalho para convencer o juiz do contrário deveria ser bem feito.

E o que muda com a nova redação do art. 523, § 3º, CPC? Mesmo na redação

anterior do dispositivo legal, em que a forma de interposição do agravo retido das

decisões interlocutórias proferidas em audiência – oral ou escrita – ainda era uma

opção do autor, a mera possibilidade de interposição oral já demonstrava que a

dicotomia de tratamento frente a possibilidade de retratação era de extrema

importância. Sempre pareceu mais consentâneo com o sistema a obrigatoriedade

de apresentação de contra-razões orais sempre que a parte agravante optasse

por recorrer na própria audiência. Era preferível ao bom andamento processual um

certo sacrifício da isonomia (o agravado estava condicionado a uma escolha do

autor) e por vezes até do contraditório (pego de surpresa pela atitude da parte

agravante, que poderia ter sido planejada anteriormente) em prol da economia e

celeridade processual. Mas tais sacrifícios, derivados da aplicação da regra da

proporcionalidade, não se justificariam diante da impossibilidade do juiz, a priori,

se retratar de sua decisão. Não havia qualquer razão para o juiz exigir as contra-

razões na própria audiência, retirando um prazo previsto expressamente em lei, se

com isso nada ganhasse o processo, o que ocorria sempre que o juiz não tivesse

qualquer probabilidade de se retratar.

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Atualmente a obrigatoriedade de interposição por via oral do agravo retido na

hipótese prevista pelo artigo ora comentado pouco muda nos termos da

problemática enfrentada, quando muito corrobora ainda mais os argumentos

defendidos pela corrente doutrinária que já entendia necessária a apresentação de

contra-razões orais sempre que o juiz estivesse diante de uma probabilidade de se

retratar. Afasta-se, evidentemente, qualquer sacrifício ao princípio da isonomia

entre as partes, porque o autor deixou de ter a opção de agravar em escrito em 10

dias, de forma que, impelido a agravar imediatamente da decisão proferida, não

teria sentido afirmar que a mesma obrigatoriedade ser estendida ao réu seja

ofensiva à isonomia. Aliás, pelo contrário. As partes estarão sendo tratadas com

paridade de armas exigindo-se de ambas a apresentação de suas razões na

própria audiência.

Reforce-se a idéia de que tal postura, mesmo com a redação atual, só se justifica

diante de situação em que ocorra a probabilidade do juiz se retratar de sua

decisão, não havendo qualquer sentido lógico, nem mesmo ganho para o

processo, exigir-se do agravado a apresentação de contra-razões orais na própria

audiência se não houver qualquer possibilidade de retratação. Mesmo para

aqueles que defendem a obrigatoriedade de apresentação imediata de contra-

razões após a intimação do ingresso do agravo, nenhum benefício teria à

audiência a oitiva do agravado, o que só faria com que o seu tempo de duração se

alargasse sem qualquer proveito útil de tal fato. Parece, entretanto, que não

havendo a possibilidade de retratação, em prol da economia processual e

facilitação dos atos processuais, a oitiva do agravado deve ficar reservada para o

momento final do processo, quando o recurso deixar o campo da eventualidade e

se tornar uma realidade no tocante à sua apreciação pelo órgão competente.

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5 A QUESTÃO DO PRAZO E A CONVERSÃO DO AGRAVO DE

INSTRUMENTO EM RETIDO

Foge ao objeto do presente artigo considerações mais profundas a respeito da

modificação operada no art. 523, § 4º, CPC, embora pareça que a mudança

somente explicite algo que já existia no sistema; de que o agravo só deve ser

admitido em sua forma de instrumento nas hipóteses em que a retenção gere um

dano de difícil ou incerta reparação ao agravante. De qualquer forma, para os

estreitos objetivos buscados com o presente artigo, consigne-se que permanece a

possibilidade do relator do recurso de agravo de instrumento monocraticamente

convertê-lo à forma retida, sendo com relação a tal decisão a única novidade sua

irrecorribilidade expressa (nova redação do art. 527, §)

Na redação anterior do art. 523, § 3º, CPC, em que a interposição do agravo

contra decisão interlocutória de forma oral era uma mera opção das partes, não

era correto – ainda que desejado – afirmar que a parte agravante não teria,

também nesse caso, 10 dias para ingressar com seu recurso. Diante disso, era

absolutamente correto afirmar-se que, em qualquer situação o agravo, sendo

retido – e nesse caso oral ou escrito – e o de instrumento, tinham um prazo

comum de 10 dias. Essa realidade não mais persiste com a redação atual do

dispositivo legal ora comentado, que estabeleceu a obrigatoriedade de

interposição do agravo retido por meio oral das decisões interlocutórias proferidas

em audiência de instrução e julgamento. Há, atualmente, prazos diferenciados

para a interposição de agravo por via escrita ou oral facultativa (todas as decisões

proferidas em outras audiências que não a de instrução e julgamento e fora das

audiências) – instrumento e retido – e por via oral obrigatória.

Interposto o recurso de agravo de instrumento de decisão proferida em audiência

de instrução e julgamento, e entendendo o relator não ser hipótese de manter o

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recurso em sua forma originária, em virtude de não verificar qualquer dano

irreparável ou de difícil reparação com a retenção, como deverá proceder? A

resposta simplista a tal questionamento seria a aplicação in continenti do disposto

no art. 527, II, CPC, determinando-se a conversão em agravo retido, agora por

decisão irrecorrível, e conseqüente remessa dos autos ao primeiro grau para que

sejam apensados aos autos principais. Mas nesse caso específico será legítimo

perguntar: se a decisão recorrida era impugnável por agravo retido, e tal recurso

deve ser interposto em audiência, não teria ocorrido intempestividade em sua

propositura de maneira escrita após o encerramento da audiência e dentro do

prazo de 10 dias?

A discussão é interessante porque envolve a ordem de apreciação dos requisitos

de admissibilidade do recurso de agravo de instrumento. O cabimento será

sempre o primeiro – e dependendo do caso – o único requisito a ser analisado

pelo relator do recurso? Seria crível converter um agravo de instrumento em retido

no caso do relator perceber manifesta intempestividade, clara deserção, ou a

ausência de qualquer outro requisito de admissibilidade que não diga respeito à

dicotomia entre agravo de instrumento e retido? O próprio art. 527, CPC, parece

responder a tais questionamentos ao estabelecer, na ordem de seus incisos, a

possibilidade do relator negar conhecimento ou até mesmo provimento ao recurso

nas hipóteses previstas pelo art. 557, CPC (inciso I), antes da possibilidade de

conversão do agravo de instrumento em retido (inciso II).

Essa constatação, entretanto, não resolve o problema sugerido porque o problema

de tempestividade não se apresentará a priori, considerando-se que uma vez

respeitado o prazo de 10 dias (art. 522, CPC), o agravo de instrumento (essa sua

forma original de interposição) será tempestivo, e se algum vício de

intempestividade puder ser alegado, isso somente ocorrerá após a conversão do

recurso em agravo retido.

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Seria possível se afirmar que tal recurso, no momento próprio, possa não ser

conhecido sob o argumento que a não interposição em audiência gerou a

preclusão temporal, sendo o agravo, portanto, intempestivo?

Duas ponderações devem ser feitas antes da resposta à questão acima ser dada.

De um lado, não será justo com o recorrente o entendimento de que seu recurso é

intempestivo, porque ao ingressar com o mesmo, optando – ainda que de forma

inadequada à luz do entendimento do juiz relator – pela forma de instrumento, o

ordenamento processual lhe garantia o prazo de 10 dias. Como o que se presume

é a boa-fé, até que se prove o contrário, deve-se entender que a parte agravante

acreditava que a retenção pudesse de fato lhe causar um dano irreparável ou de

difícil reparação e por conseqüência interpôs o agravo na sua forma de

instrumento. A norma aberta, com requisitos com grande dose de subjetividade

para o cabimento do agravo de instrumento, corrobora com a presunção de boa-fé

do recorrente, que não poderia ser prejudicado com a conversão e subseqüente

não conhecimento de seu recurso por intempestivo, o que afrontaria de maneira

bastante clara o princípio da ampla defesa.

Esse entendimento, entretanto, trará um grande prejuízo para os objetivos

traçados pelo legislador em termos de tornar a recorribilidade das decisões

interlocutórias proferidas em audiência de instrução e julgamento obrigatoriamente

oral, em especial para aqueles advogados com pouco ou nenhuma familiaridade

com o procedimento oral. Sabendo de antemão que não interposto o recurso

oralmente, ainda poderá fazê-lo por via escrita em 10 dias, ainda que tenha nesse

caso que ingressar com agravo de instrumento (que será convertido em retido), o

patrono poderá não se animar a ingressar com o agravo retido, frustrando assim a

expectativa do legislador. Será inclusive causa de piora do sistema, considerando-

se que, à luz da redação antiga do art. 523, § 3º, CPC, havendo a opção entre a

forma escrita e oral de interposição do agravo retido nesses casos, seria

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plenamente possível a interposição em 10 dias do próprio agravo retido,

reconhecidamente menos nefasto ao bom andamento do processo que o agravo

de instrumento. Hoje em dia tal opção não existe mais, e se o patrono se calar na

audiência, a única forma de evitar a preclusão das questões decididas será, ainda

que não totalmente convicto de ser essa a forma adequada de impugnação,

ingressar com o agravo de instrumento.

A situação descrita não favorecerá tão somente aqueles que temem falar em

audiência, mas qualquer patrono que inadvertidamente não tenha recorrido de

forma oral em audiência de instrução e julgamento de decisão interlocutória. O

prazo preclusivo da audiência, portanto, com a possibilidade de ingresso do

agravo de instrumento em 10 dias de forma escrita, mesmo que já se antevendo a

conversão em agravo retido, se torna prazo “para inglês ver”, podendo ser

contornado na prática forense em virtude do disposto no art. 527, II, CPC. Diante

dessa situação, seria possível se evitar tal “manobra” da parte que não pretende

agravar oralmente ou simplesmente perde o prazo para tanto?

É evidente que situações extremas, em que reste manifesta a má-fé da parte

agravante, ancorando-se na lealdade processual e boa-fé, seria em princípio até

possível deixar de conhecer o agravo convertido em retido por intempestivo como

forma de não proteger a indesejável “chicana processual”. Tal postura já é

inclusive adotada pelo Superior Tribunal de Justiça no tocante à suspensão do

prazo recursal com a interposição dos embargos de declaração, nos termos do art.

538, caput, CPC. O entendimento consagrado em tal Tribunal é de que mesmo

não conhecido os embargos de declaração, ainda que manifestamente

protelatórios, a única conseqüência será a condenação ao pagamento de multa

nos termos do art. 538, par. único, CPC, a não ser na excepcional hipótese de

manifesta intempestividade, em que se presume a má-fé da parte embargante e o

prazo para interposição de outros recursos não lhe será devolvido.

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Basta imaginar a parte que, diante do vencimento do prazo para a apelação, no

último dia interpõe embargos de declaração com a perspectiva de receber tal

prazo integralmente de volta.8

A possibilidade de não se conhecer o agravo retido interposto como de

instrumento de decisão proferida na audiência de instrução e julgamento quando

percebida a má-fé da parte agravante tem, entretanto, um sério obstáculo.

Interpretando-se a nova redação do art. 523, § 4º, II, CPC, o agravo de

instrumento somente seria cabível de decisões “não suscetíveis de causar à parte

lesão grave e de difícil reparação”, requisito que evidentemente carrega grande

carga de subjetividade, sendo extremamente difícil no caso concreto se determinar

com certeza má-fé da parte agravante. Como será possível se afirmar,

peremptoriamente, que a parte recorrente sabia desde o momento em que

interpôs o recurso que não havia a presença do requisito e que a propositura do

agravo de instrumento era só uma manobra para driblar a preclusão gerada por

sua omissão na audiência de instrução? Repete-se, como a boa-fé se presume, e

não contrário, somente a prova robusta a evidenciar tal manobra poderia gerar o

não conhecimento do recurso, o que se mostrará extremamente difícil no caso

concreto. E o problema se intensifica se for levada em conta a cultura do

advogado brasileiro em agravar de instrumento e não de forma retida.

A visão mais correta, portanto, fundando-se no princípio consagrado no mundo

jurídico de que a boa-fé se presume e não o contrário, será conhecer o agravo

retido convertido nas circunstancias já expostas, o que criará um “contorno legal”

8 Nesse sentido a maioria da doutrina: Luis Guilherme Aidar Bondioli, Embargos de declaração, São Paulo,

Saraiva, 2005, p. 478; Luís Eduardo Simardi Fernandes, Embargos de declaração, São Paulo, RT, 2003, pp.

70/71; Gilson Delgado Miranda, Código de Processo Civil interpretado, coord. Antonio Carlos Marcato, São

Paulo, Atlas, 2004, p. 1600. Na jurisprudência, consultar Theotônio Negrão e José Roberto f. Gouvêa, Código

de Processo Civil e legislação processual em vigor, 37ª ed., São Paulo, Saraiva, 2005, p. 631. Em sentido

contrário, entendendo que a interrupção do prazo só ocorre se o recurso for conhecido, as lições de José

Carlos Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, 11ª ed., Rio de Janeiro, Forense,

pp. 559/560.

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para a obrigatoriedade de interposição de agravo oral em audiência de instrução e

julgamento. O receio é de que com a justificativa de se evitar manobras eivadas

de má-fé, os Tribunais passem a deixar de conhecer o agravo retido por

intempestivo, jogando na vala comum as partes que sinceramente acreditavam no

cabimento do agravo sob sua forma de instrumento daqueles que somente

agravaram dessa forma porque foi perdido o novo prazo legal estabelecido pela

atual redação do art. 523, § 3º, CPC. Para coibir a má-fé estar-se-ia atingindo

todos indistintamente, incluindo-se as partes que atuaram com boa-fé.

E o receio é absolutamente justificável frente a equivocado – e bastante criticado

pela doutrina – posicionamento do Superior Tribunal de Justiça na aferição dos

requisitos exigidos para a aplicação do princípio da fungibilidade recursal.

Segundo a jurisprudência desse Tribunal para que não ocorra má-fé (um dos

requisitos da fungibilidade), a parte recorrente poderá optar por qualquer dos

recursos dentre os quais haja séria dúvida quanto ao cabimento, mas deverá

sempre fazê-lo no menor prazo. Assim, havendo uma dúvida fundada a respeito

do cabimento de apelação ou agravo contra determinada decisão, seria admitido o

ingresso de qualquer um desses recursos, desde que a parte recorra em 10 dias.

O entendimento não tem qualquer nexo lógico, pecando por presumir a má-fé,

mas não é esse a sede para criticá-lo como merece, bastando uma leitura da

melhor doutrina sobre o tema para se perceber da impropriedade do

posicionamento exposto.9

De qualquer forma, criticável ou não, é esse o entendimento do Tribunal

responsável pela última palavra em nosso sistema jurisdicional a respeito da lei

federal, não podendo ser simplesmente desprezado. O temor é a aplicação da

mesma forma de pensar para o problema ora enfrentado, considerando-se que a

9 Na doutrina, com postura crítica, expondo equivocadas as decisões do Superior Tribunal de Justiça: Flávio

Cheim Jorge, Teoria geral dos recursos cíveis, Rio de Janeiro, Forense, 2003, pp. 239/240 e Nelson Nery Jr.,

Teoria geral dos recursos, 6ª ed., São Paulo, RT, 2004, pp. 169/170.

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conversão do agravo de instrumento em retido é justamente uma forma prevista

expressamente em lei de aplicação do princípio da fungibilidade. Não entendendo

ser cabível o agravo de instrumento, o juiz o recebe como agravo retido, já que a

atual redação do art. 523, § 4º, II, é clara o suficiente para se entender que

somente caberá agravo de instrumento de decisões suscetíveis de causar à parte

lesão grave e de difícil reparação, e das outras (à exceção das previstas pelo

inciso II do mesmo artigo, alheias à presente discussão) caberá, por exclusão,

agravo retido. Oxalá não caiam os Tribunais, inclusive e especialmente o Superior

Tribunal de Justiça, no mesmo erro. Mas que há tal perigo, não resta qualquer

dúvida.

6 ANOTAÇÕES CONCLUSIVAS E EXERCÍCIO DE FUTUROLOGIA

Como já afirmado no início do presente artigo, comentar sobre leis imediatamente

promulgadas sempre exigirá algum exercício de futurologia, com previsões que

nem sempre acabam por se confirmar na prática. Afora a extrema dificuldade de

verificação dos reais efeitos na praxe forense das modificações legislativas – mais

uma vez, afirme-se, em razão da falta de dados estatísticos completos e

confiáveis – nem sempre se pode ter certeza de como os operadores do direito

reagirão diante de uma modificação legislativa. Ainda assim, vale o desafio de

momentaneamente se tornar um “vidente processual”.

A obrigatoriedade de interposição do agravo retido oralmente em audiência de

instrução e julgamento é salutar ao processo, vindo de encontro com os princípios

da concentração dos atos processuais, um dos pilares do princípio da oralidade.

Em tese, o procedimento sofrerá menos reflexos complicadores, o que levará o

processo a um encerramento mais expedito e por conseqüência melhorará a

qualidade da tutela jurisdicional. Alguns reflexos, entretanto, poderão se mostrar

manifestamente contrários aos objetivos buscados pela alteração, prejudicando o

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andamento do processo e, por vezes, piorando o serviço jurisdicional como um

todo.

Durante a exposição das idéias alguns desses reflexos possíveis já foram objeto

de comentário. O despreparo de grande número de advogados a falar em

audiência poderá ensejar a manobra prevista no item anterior, de continuar a

ingressar por escrito em 10 dias com o agravo de instrumento mesmo sabendo

que seu destino será a conversão em agravo retido. Ao menos a questão resolvida

na decisão impugnada não precluirá. Para evitar tal situação, os Tribunais poderão

deixar de conhecer os agravos retidos convertidos quando opostos sob a forma de

instrumento contra decisão proferida em audiência de instrução e julgamento, o

que certamente atingirá um número razoável de litigantes de boa-fé.

Outros problemas poderão surgir na prática com a interposição oral. Em primeiro

lugar será essencial a mudança de postura de muitos juízes que não apreciam o

diálogo em audiência, comandando-a da forma mais seca e minimalista possível

para que atinja um final rápido. Pedida a palavra pelo advogado para agravar

retido oralmente, o patrono da parte deverá poder fazê-lo sem qualquer espécie

de pressão, ainda que seja possível uma fixação prévia de prazo razoável para

que isso ocorra (chegamos a sugerir a aplicação extensiva do art. 454, caput,

CPC). E deve-se levar em conta que, apesar de raro, será possível a interposição

de mais de um agravo retido por audiência, situação que poderá ainda se tornar

mais complexa havendo no processo litisconsórcio com patronos diferentes. Aos

advogados será exigido um melhor preparo para os atos orais, mas esse ponto

nada diz respeito à qualidade do serviço jurisdicional, sendo um problema para o

cliente resolver com seu patrono. Registre-se que a ausência de regulamentação

de como ocorrerá a interposição oral do agravo poderá conduzir a desagradáveis

situações de conflitos entre advogados e juízes...

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Há ainda a complicação com relação aos trabalhos jurisdicionais, atualmente

bastante ruins em razão de causas múltiplas, dentre elas o esfacelamento

administrativo do Poder Judiciário. Em algumas varas são designadas audiências

de instrução e julgamento com intervalos de meia hora cada uma, às vezes nem

isso. O que irá ocorrer com a pauta se na primeira audiência do dia – muitas vezes

iniciada bem depois do horário designado – uma das partes resolver agravar de

forma retida e oralmente? E se ambas pretenderem fazê-lo? E se houver

litisconsórcio? Poder-se-ia alegar que tais problemas não podem ser

considerados, mas não parece que o advogado atuante irá simplesmente

desprezá-los, quando perceber que sua audiência começará bem depois do

horário determinado, isso quando vier a ocorrer. O mesmo se diga dos terceiros

que colaboram com a Justiça como testemunhas, que perderão tardes inteiras no

Fórum, em regra mal acomodadas, podendo até mesmo nem ser ouvidas (como

infelizmente já ocorre hoje em dia, sem a obrigatoriedade de agravo oral em

audiência).

Essas são apenas algumas considerações preliminares referentes à nova

obrigatoriedade de interposição de agravo retido oral de decisões interlocutórias

proferidas em audiência de instrução e julgamento. O futuro dirá quais deles têm

algum sentido e se a modificação foi de fato benéfica ao sistema, atingindo o

objetivo de melhorar a qualidade da prestação jurisdicional. É certo que mais uma

vez a comunidade jurídica se baseará no “chutômetro”, em experiências pessoais,

sentindo mais uma vez falta da ausência de dados estatísticos, ou quem sabe

também isso mude com o passar do tempo. Essa é a expectativa de todos que

acreditam ser possível realmente modificar as regras processuais para oferecer ao

consumidor da Justiça um serviço de melhor qualidade.