sociologia e capitalismo: as principais problemÁticas dos
Post on 10-Jul-2022
2 Views
Preview:
TRANSCRIPT
126
SOCIOLOGIA E CAPITALISMO: AS PRINCIPAIS PROBLEMÁTICAS
DOS AUTORES CLÁSSICOS
MORAES, Leozil Ribeiro de Junior1
leozil@bol.com.br
CHRIST, Flaviane Mônica2
flaviane_christ@hotmail.com
RESUMO
O artigo discute a origem da Ciência Sociologia. Seu surgimento entrelaçado com as
questões da origem do Capitalismo. Apresenta as contribuições dos principais
pensadores da área, como Karl Marx e sua ideia de classes sociais, Max Weber e o
racionalismo do capital, sua ideia de uma ciência neutra e Émile Durkheimer com o fato
social e os elementos coercitivos. Também procura fazer uma relação com a realidade
brasileira, sobretudo com a educacional. Também discute as concepções atuais da
sociologia como as de Louis Althusser e o estruturalismo nos aparelhos ideológicos de
estado. Em Antonio Gramsci vemos a valorização da educação na transformação social,
no pensador Michel Foucault discutimos os controles feitos de dentro das ciências ao
conhecimento e na discussão social ampla. Autores brasileiros e suas contribuições
também são apresentadas e discutidas. Como as de Nelson Piletti e sua interpretação das
concepções gramscinianas e Moacir Gadotti e sua noção de ideologia. O objetivo desse
artigo bibliográfico é fazer uma revisão dos principais conceitos e concepções e buscar
apresentar no que essas podem ajudar a entender a sociedade.
Palavras-chave: Sociologia. Capitalismo. Educação.
SOCIOLOGY AND CAPITALISM: THE MAIN ISSUES OF AUTHORS
CLASSICS
ABSTRACT
The article discusses the origin of Science Sociology. His emergence interlaced with
issues of origin of Capitalism. It features contributions from leading thinkers in the area,
such as Karl Marx and his idea of social classes, Max Weber and the capital of
rationalism, his idea of a neutral science and Émile Durkheimer with the social fact and
coercive elements. Also seeks a relationship with the Brazilian reality, especially with
the education. It also discusses the current sociological concepts such as Louis
Althusser and structuralism in the state ideological apparatuses. In Antonio Gramsci see
the value of education in social transformation, the thinker Michel Foucault discussed
the controls made in science knowledge and broad social discussion. Brazilian authors
and their contributions are also presented and discussed. Such as Nelson Piletti and his
interpretation of Gramsci and Moacir Gadotti conceptions and his notion of ideology.
The aim of this bibliographical article is to review the key concepts and ideas and seek
to present in these can help to understand society.
1 Historiador pela Universidade do Oeste do Paraná(UNIOESTE), Jornalista pela Faculdade Assis
Gurgacz(FAG). Mestre pela UNIOESTE. Docente da FAF e FADAF. 2 Historiadora pela Universidade do Oeste do Paraná(UNIOESTE), Jornalista pela Faculdade Assis
Gurgacz(FAG). Mestre pela UNIOESTE. Docente da FAF e FADAF.
127
Keywords: Sociology. Capitalism. Education.
1 INTRODUÇÃO
Para entender o surgimento da sociologia como ciência, é preciso analisar como
a sociedade se desenvolveu e se organizou nos últimos séculos. De acordo com Tânia
Bastos (1996), no livro “Para entender a economia capitalista: noções introdutórias”, o
capitalismo surge de intensas relações com os processos de dissolução do feudalismo,
modo de produção predominante, do século V ao XV, na Europa.
A coerção e a apropriação do excedente produzido pelos servos e centralizado
pelos senhores feudais, foram alguns motivos que ajudam a pensar o fim dessa
organização social. Nas guildas, ou corporações, e na agricultura, havia controle da
produção. E também, os cercamentos retiraram muitos trabalhadores das terras.
E assim, as contradições começavam aparecer. Com o desenvolvimento das
trocas comerciais, alguns servos passam a receber a renda em produto, e ainda em
moedas. Eles adquiriram o direito de arrendarem e comprarem terras.
Nesse sentido, as contradições do modo de produção feudal se diluíram ao longo
de séculos, até que a burguesia chegou ao poder. Dona dos meios de produção, e do
direito de contratar os trabalhadores assalariados, começa a acumular o excedente da
produção. Essa economia teve início com a chamada acumulação primitiva de capital,
ou seja, o comércio, a escravização, a exploração das colônias – inclusive do Brasil –
possibilitaram a junção de riquezas, que formaram o capital.
O capitalismo se organizou para obtenção de lucros, com mais máquinas e
formas de produzir com intensidade. Desse modo, atua na exploração das matérias-
primas e dos trabalhadores, que geram a riqueza para os donos do capital. Ao romper
com o modo de produção feudal, novas formas de explicar e questionar as contradições
sociais, ou ainda de justificarem esse modo de vida, foi feitas pela nova ciência da
sociedade, a sociologia.
A sociologia é uma ciência que se configura no processo histórico do século
XIX. Um dos principais pensadores, Augusto Comte (1798 – 1857), a define como
“ciência da sociedade”. Ela se desenvolve a partir dos acontecimentos históricos, da
Revolução Francesa, da industrialização, da urbanização e do avanço científico que foi
fundado pelos Iluministas, em que os estudos da sociedade teriam métodos baseados nas
ciências da natureza.
128
De acordo com o pesquisador da sociologia Joel Charon (2004, p. 13) “o
objetivo era definir o que é a sociedade, e não dizer o que deveria ser”. Nesse sentido, o
autor enfatiza que o desenvolvimento da sociologia se deu por grandes preocupações,
que também moviam a Revolução Francesa, a desigualdade e a ordem. Enquanto alguns
dos primeiros sociólogos destacavam a necessidade de mudanças, outros não as viam
com muita satisfação.
Assim, o contato com outros povos, durante o período de colonização - do Brasil
inclusive - também possibilitou que novos questionamentos e comparações surgissem.
A sociedade europeia estava mais “aberta para uma nova abordagem mais crítica e
objetiva do estudo da sociedade” (CHARON, 2004, p.15). Ela passava a refletir e a
sistematizar um conhecimento sobre a vida em sociedade de maneira mais científica e
relacionada com o real.
Os primeiros pensadores da sociologia foram Mostesquieu, Saint- Simon,
Comte. Já reconhecidos como os clássicos são: Marx, Weber, Durkheim e Simmel. Os
pesquisadores sociais se moveram e se movem na busca por responder algumas
questões como: “O que é o ser humano? O que consolida a organização social? Quais
são as causas e consequências da desigualdade social?” (CHARON, 2004, p.08)
Na investigação, por analisar esses problemas, é possível entender que o homem
vive, trabalha, estuda, portanto é parte constituinte e constituidor do contexto, da vida
social. Por isso, interage, sofre influências dos padrões, da socialização e também
influencia os outros.
A sociologia é uma ciência. De acordo com Charon, é possível definir cinco
princípios que reforçam o significado científico:
1- O objetivo da ciência é compreender o universo de modo cuidadoso,
disciplinado [...]
2- A prova é a aceitação das ideias na ciência, e a prova tem de ser empírica
[...]
3- A ciência deve ser entendida como uma comunidade de estudiosos que
verificam o trabalho uns dos outros, criticam, debatem e, juntos
constroem lentamente um conjunto de conhecimentos. [...]
4- A ciência é uma tentativa de generalizar. [...] A sociologia é uma
tentativa meticulosa de fazer generalizações a respeito dos aspectos
sociais dos seres humanos.
5- A ciência é uma tentativa de explicar eventos. A boa ciência é capaz de
nos dizer por que as coisas acontecem, quais são as causas ou influências
de uma determinada classe de eventos na natureza. [...] Weber mostrou o
que o protestantismo influenciou no desenvolvimento do capitalismo [...]
(CHARON, 2004, p. 09-10)
A sociologia tem objetividade, prova, observação, comunidade de críticos,
generalização e explanação. Nem todos os pesquisadores entendem e fazem seus
129
estudos da mesma maneira. É possível encontrar temas diferenciados, como por
exemplo, para alguns sociólogos a sociedade é abstrata, não existe no real, outro grupo
enfoca a organização social, os americanos, principalmente, buscam analisar as
instituições, como a família, o governo. Há também aqueles que se pesquisam as
interações face a face, o microuniverso, que visam entender as influenciam de um
indivíduo sobre o outro.
O autor Benedito Carlos Martins, no livro “O que é sociologia”, também
compreende “a sociologia como uma das manifestações do pensamento moderno”.
(1983, p. 11). Essa concepção se formou juntamente com uma série de mudanças que
ocorriam no mundo, naquele período, como, por exemplo, os processos que decorriam
das Revoluções Industriais e Francesas, bem como, a industrialização, e a urbanização.
Assim, as ideias e concepções científicas dos Iluministas modificaram muito a forma de
ver e analisar o mundo, pois antes eram as concepções da Igreja que predominavam e
não uma análise científica, como a sociologia se propunha.
Os interesses divergentes começaram a fazer parte dessa nova ciência.
Diferentes tradições sociológicas. Os conservadores se colocam contra a herança dos
iluministas, e se voltam para o passado, para o feudalismo, estudavam a família, a
religião, o grupo social para a manutenção. De acordo com Martins, Burke – (1729-
1797) e Maistre (1754-1821) são representantes dessa abordagem.
Comte defende a sociedade que se formava, queria que as ambiguidades, como
desigualdade e ordem, fossem vencidas pela ordem. Regras comuns deveriam ser
estabelecidas para todos os homens. Para Comte: “A sociedade deveria ter ordem e
progresso, e não só progresso” (MARTINS, 1983, p. 45).
Para Durkheim (1858-1917) o problema social não era só econômico, mas
existia uma fragilidade moral. Não havia um conjunto de ideias morais que poderiam
guiar o indivíduo na sociedade daquele momento. E assim, a sociologia estuda os fatos
sociais que se apresentam aos indivíduos como exteriores e coercitivos. Não visualiza a
criatividade dos homens frente aos dados impositivos. De acordo com Martins (1983), o
trabalho, para Durkheim, geravam uma cooperação e solidariedade.
A abordagem de Marx (1818-1883) difere de Durkheim. Marx estava envolvido
nas manifestações políticas do século XIX, na luta de classe. Para ele, os trabalhadores
eram explorados ao máximo pelos donos do capital, ou seja, a força de trabalho,
homens, mulheres e crianças, eram submentida a condições sub-humanas para o
enriquecimento da burguesia. O método de análise da sociedade era o dialético, partia
130
da base material, das condições econômicas, e do trabalho. Buscava analisar as
contradições sociais para apontar possibilidades de mudança, e não de manutenção da
sociedade. As principais obras são “O Capital”, a “A ideologia Alemã”, entre outras.
Max Weber, outro pensador clássico da sociologia, buscou discutir e conferir à
sociologia uma reputação científica. Ele enfatizou a necessidade do pesquisador não ser
influenciado pelas próprias concepções pessoais na busca por entender o social.
Defendia uma ciência neutra. A sociologia como compreensão da ação dos indivíduos e
não das instituições. Uma das principais pesquisas do autor foi sobre “A ética
protestante e o espírito do capitalismo”, momento em que estudou a vida religiosa.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 Émile Durkheim
A sociologia de Durkheim tem como uma das principais premissas o fato social.
O termo é empregado de modo genérico sem que apresentem algum interesse social.
De acordo com o autor, o dormir, beber, comer, raciocinar e todas as outras funções que
cada indivíduo exerça e que são conhecidas como fatos sociais não podem ser, pois
neste caso a sociologia não teria um objeto próprio, e ela seria como outras ciências,
como a psicologia, a biologia.
Porém, é possível perceber que há uma série de fenômenos específicos na
sociologia, quando realizamos ações ou deveres como irmãos, ou funcionários. A
realidade existe e, portanto, mesmo que os sentimentos façam parte do indivíduo eles se
constituem no mundo exterior. Para Durkheimer (2000, p. 47), o sistema monetário, de
crédito, e as atividades que cada profissional exerce, existe independente de cada um.
“Estamos, pois, diante de maneiras de agir, de pensar e de sentir que apresentam a
propriedade marcante de existir fora das consciências individuais”.
Para o autor as práticas exercidas, não são comportamentos que partem
exclusivamente do pensamento do indivíduo, ao contrário, as formas de conduta se dão
através das instituições escolares, da legislação, da família.
Esses tipos de conduta ou de pensamento, não são apenas exteriores ao
indivíduo, são também dotados de um poder imperativo e coercitivo, em
virtude do qual se lhe impõem, quer queira, quer não. Não há dúvida de que
esta coerção não se faz sentir, ou é muito pouco sentida quando com ela me
conformo de bom grado, pois então torna-se inútil.(DURKHEIM, 2000, p.
47).
131
Para o autor nos vivemos em um mundo em que as relações sociais são definidas
pelo fato social e não pelo indivíduo. Podemos até ter objetivos individuais, como, por
exemplo, não comprar aparelho eletrônico, um carro, a roupa da moda, mas ficaríamos
cada vez mais isolados da sociedade que aspira por essas conquistas. Durkheim cita o
exemplo do industrial, que pode não querer adquirir máquinas de última tecnologia, mas
isso pode levá-lo à ruína.
Estamos, pois, diante de uma ordem de fatos que apresenta caracteres muito
especiais: consistem em maneiras de agir, de pensar e de sentir exteriores aos
indivíduos, datadas de um poder de coerção em virtude do qual se lhe
impõem. Por conseguinte, não poderiam se confundir com os fenômenos
orgânicos, pois consistem em representações e em ações; nem como os
fenômenos psíquicos, que não existem senão na consciência individual e por
meio dela. Constituem, pois, uma espécie nova é a eles que deve ser dada e
reservada à qualificação de sociais. (DURKHEIM, 2000, p. 49)
Os fatos são exteriores aos indivíduos, não são naturais e nem psicológicos, são
sociais e eles se constituem através da coerção social. Essa repressão pode ocorrer de
maneira explicita ou implícita. A polícia tem o poder de coagir as pessoas em
determinadas situações entendidas como criminais, isso ocorre às claras. Já as leis, as
vigilâncias realizadas por vizinhos, vigias ou aparelhos eletrônicos ocorrem de modo
subentendido, portanto são implícitas.
A educação constitui um momento importante de coerção social. Para
Durkheim, as crianças, desde o nascimento, têm suas vidas reguladas pelos pais e pela
escola. Elas são ensinadas como devem agir em diferentes situações.
Desde os primeiros anos de vida, são as crianças forçadas a comer, beber,
dormir em horas regulares; são constrangidas a terem hábitos higiênicos, a
serem calmas e obedientes; mais tarde, obrigamo-las a aprender a pensar
demais, a respeitar os usos e conveniências, forçamo-las ao trabalho, etc, etc
(DURKHEIM, 2000, p. 49).
Assim, a educação, principalmente no capitalismo, tem como função preparar e
adaptar os homens para viverem em sociedade, seguirem às regras e normas sociais.
Assim temos: “É fato social toda maneira de agir fixa ou não, suscetível de
exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou então ainda, que é geral na extensão
de uma sociedade dada, apresentando uma existência própria, independente das
manifestações individuais que possa ter” (DURKHEIM, 2000, p.52). Ou seja, o fato
social exerce uma coerção. Isso pode ocorrer de maneira continua ou não, e se dará no
social, independente das ações individuais.
132
2.2 Karl Marx
Karl Marx nasceu na cidade alemã de Trier, em 1818. Marx teve uma ampla
participação social, nos acontecimentos que marcaram a sociedade europeia e mundial,
durante o século XIX. Foi um dos principais organizadores do movimento dos
trabalhadores, que lutam para transformarem a sociedade capitalista, daquele período.
Nesse movimento fizeram o Manifesto do Partido Comunista publicado em 1847, uma
das principais obras escritas por Marx e Engels, junto aos operários. Ela tinha como
objetivo organizar os trabalhares de todo o mundo. Uma das frases mais significativas
deste trabalho é: “Proletário de todos os países, uni-vos!”
Nesse sentido, o texto aponta para transformação social a partir do entendimento
que a sociedade se constroem e se modifica na luta de classes. “A história de todas as
sociedades que existiram até nossos dias tem sido a história da luta de classes” (MARX,
1847 p. 02). Ou seja, o motor da história para Marx se dá pelo enfrentamento das
classes opostas. Os proletórios detentores da força de trabalho e os burgueses donos dos
meios de produção.
Homem livre e plebeu, barão e servo, mestre de corporação e companheiro,
numa palavra opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido em
uma guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada uma guerra que terminou
sempre, ou por uma transformação revolucionária, da sociedade inteira, ou
pela destruição das duas classes em luta.[...] Entretanto, a nossa época, a
época da burguesia, caracteriza-se por ter simplificado os antagonismos de
classe. A sociedade divide-se cada vez mais em dois vastos campos opostos,
em duas grandes classes diametralmente opostas: a burguesia e o
proletariado. (MARX; ENGELS, 1847, p.02)
Marx considera que em diferentes modos de produção, ocorreram formas de
organização e lutas distintas. A luta de classes sempre foi o que transformou a história.
Assim, no modo que vivemos na atualidade, ela se dá pelas disputas, contradições
presentes na opressão dos donos, os burgueses e na vivência dessas condições pelos
trabalhadores assalariados, ou melhor, a força de trabalho.
No embate esse modelo de exploração seria superado pelo socialismo, e mais
tarde pelo comunismo. O Manifesto do Partido Comunista aponta novas possibilidades
de desenvolvimento da história, em que os trabalhadores teriam condições de vida mais
igualitárias. “O objetivo imediato dos comunistas é a mesmo que de todos os demais
partidos proletários: constituição dos proletários em classe, derrubada da supremacia
burguesa, conquista do poder político pelo proletário”. (MARX; ENGELS, 1847, p. 08)
133
E assim, se libertariam de um modo que a cada dia explora novos assalariados, na busca
por acumular capital.
“Na sociedade burguesa o trabalho vivo é sempre um meio de aumentar o
trabalho acumulado. Na sociedade comunista, o trabalho acumulado é sempre um meio
de ampliar, de enriquecer e melhorar cada vez mais a existência dos trabalhadores”.
(MARX; ENGELS, 1847, p. 09). Enquanto no capitalismo a produção do trabalhador é
apropriada pelos proprietários, no comunismo essa apropriação não existiria, a produto
do trabalho ficaria com o próprio trabalhador. “O comunismo não retira de ninguém o
poder de apropriar-se de sua parte dos produtos sociais, apenas suprime o poder de
escravizar o trabalho de outrem por meio dessa apropriação” (MARX; ENGELS, 1847,
p. 10). O problema principal está na exploração do trabalho, que não deve existir em
uma sociedade mais justa.
Portanto, Karl Marx se posiciona a partir de uma análise sociologia complexa e
dialética das contradições sociais. No livro “A Ideologia Alemã”, o autor juntamente
com Engels, faz críticas ao excesso de materialismo de Feuerbach e ao idealismo de
Hegel. E apresenta a sua base de analise do mundo: o materialismo. “A nossa premissa
são os indivíduos reais, a sua ação e as suas condições materiais de existência, quer se
trate daquelas que encontrou já elaboradas quando do seu aparecimento quer das que ele
próprio criou. Estas bases são portanto verificáveis por vias puramente empíricas”
(MARX; ENGELS, 1999, p. 11). Ou seja, o homem produz suas condições de vida, mas
em uma dada realidade. “Ao produzirem os seus meios de existência, os homens
produzem indiretamente a sua própria vida material” (MARX; ENGELS, 1999, p. 11).
Existem relações dinâmicas entre a produção de existência e da vida material.
Contrariamente à filosofia alemã, que desce do céu para a terra, aqui parte-se
da terra para o céu. Isto significa que não se parte daquilo que os homens
dizem, imaginam ou pensam e nem daquilo que são nas palavras, no
pensamento, na imaginação, na representação de outrem para se chegar ao
homem de carne e osso; parte-se dos homens, da sua atividade real. É a partir
do seu processo de vida que se representa o desenvolvimento dos reflexos e
das repercussões ideológicas deste processo vital. (MARX; ENGELS, 1999,
p. 21).
Portanto, para Marx, a vida, para ser explicada, precisa partir do cotidiano, da
vida material, pois para ele não são as ideias que formam os homens, ou seja, a
consciência é determinada pela vida.
134
2.3 Althusser e a Educação como Aparelho Ideológico de Estado
Louis Althusser foi um filósofo e sociólogo francês da década de 1960. Ele
retoma a ideia de Karl Marx de que o Estado opera como uma classe, com interesses
próprios, daqueles que se assentam em seus mecanismos e estruturas. E não no interesse
coletivo, como tenta fazer parecer. Althusser ajuda a mostrar e a tira-nos de uma noção
ideológica de Educação. Na sua visão crítica há uma distância entre o que afirmado,
como documento e o que na prática ocorre.
A grande contribuição de Althusser é a concepção de que não é apenas pela
força que o Estado mantém o consenso, a aceitação pacífica e sem questionamentos.
Mas principalmente através do convencimento, através de um adestramento feito pelas
ideias. Ele chama esse conjunto de mecanismos, encarregados de gerar convencimento e
aceitação de Aparelhos Ideológicos de Estado. Seriam eles: a Educação, os Meios de
Comunicação, as Religiões e os Partidos dentre outros mecanismos que ajudam a
manter a sociedade estável e sem reivindicar mudanças.
Segundo Piletti, Althusser compreende a Educação como um projeto de difundir
as ideologias que formam as concepções e práticas dos sujeitos em sociedade, o que
provoca a reprodução das relações sociais de produção, naturalizandoa divisão em
classes sociais. A Educação ao não questionar o modelo de sociedade, faz os indivíduos
acreditarem que sua posição na engrenagem da produção capitalista seja “natural” e
inevitável.
Ou seja, a teoria de Althusser nos faz pesquisar se a Escola não ensina a
ideologia da submissão, que permite a exploração dos trabalhadores. Sobretudo num
ambiente moderno de reflexão, em os projetos educacionais cada vez mais pensam
apenas em preparar para o mercado de trabalho, ao invés de preparar para as
potencialidades humanas do pensar.
Althusser defende que a aprendizagem escolar – além das competências da
leitura, escrita e cálculo, das técnicas e da chamada cultura humanística
segmentada de acordo com a camada social a que pertencem os educandos,
se virão a ser trabalhadores ou dirigentes, por exemplo – é destinada ao
ensino do respeito à ordem social, que se inicia com o aprendizado das regras
de conduta, da moral dominante e das leis do Estado, segundo os preceitos
que interessam às classes dominantes.(PILETTI, 2010, p 70)
Ou seja, uma Educação Classista, pois os alunos da classe trabalhadora devem
assimilar a submissão e a ordem social dominante, contudo os alunos da classe
dominante aprendem as concepções de uma educação clássica para formar pensadores.
135
Ao que parece essa concepção se aproxima muito com nossa desigual divisão de escola
pública e particular. Pois na pública, vemos como exigência que a criança deve ler até
oito anos, quando na prática o que vemos é que no ensino particular, as crianças
aprendem a ler aos 4 anos.
O próprio Althusser (1985, p77) diz:“Acreditamos portanto poder apresentar a Tese
seguinte, com todos os riscos que isto comporta. Afirmamos que o aparelho ideológico de
Estado que assumiu a posição dominante nas formações capitalistas maduras, após uma violenta
luta de classe política e ideológica contra o antigo aparelho ideológico do Estado dominante, é o
aparelho ideológico escolar”
Como Althusser explica, não é o regime de democracia parlamentar, o sufrágio
universal e as lutas partidárias que a burguesia mostra como mais importante base do
regime capitalista, que de fato são determinantes na manutenção das formações sociais.
A educação é o aparelho dominante na medida em que substituiu o antigo representado
pela igreja, em suas funções de ditar sobre o que se pode pensar, o que se pode pensar.
O par Escola-Família substituiu o par Igreja-Família.
Prova sua concepção, afirmando da Escola:
Ela se encarrega das crianças de todas as classes sociais desde o Maternal, e
desde o Maternal ela lhes inculca, durante anos, precisamente durante aqueles
em a criança é mais ‘vulnerável’, espremida entre o aparelho de Estado
familiar e o aparelho de Estado escolar, os saberes contidos na ideologia
dominante (o francês, o cálculo, a história natural, as ciências, a literatura),
ou simplesmente a ideologia dominante em estado puro (moral, educação
cívica, filosofia). Por volta do 16º ano, uma enorme massa de crianças entra
‘na produção’: são os operários ou os pequenos camponeses. Uma outra parte
da juventude escolarizável prossegue: e, seja como for, caminha para cargos
do pequenos e médios quadros, empregados, funcionários, pequenos
burgueses de todo o tipo. Uma última parcela chega ao final do percurso, seja
para cair num semi-emprego intelectual, seja para fornecer além dos
‘intelectuais do trabalhador coletivo’, os agentes da exploração (capitalistas,
gerentes), agentes da repressão (militares, policiais, políticos,
administradores) e os profissionais da ideologia (padres de toda espécie, que
em sua maioria são ‘leigos’ convictos). (ALTHUSSER, 1985, p.78.)
Nesse sentido, os anos escolares servem para dar a cada grupo social a ideologia
que lhe convém, sua consciência moral, profissional, cívica, apolítica bem
desenvolvida. Os agentes de exploração aprendem a comandar e dirigir. Os agentes da
repressão sabem fazer-se obedecer sem discussão, ou manipular a demagogia da retórica
dos dirigente políticos. Os profissionais da ideologia, intelectuais, aprendem a tratar as
consciências com respeito, usar a demagogia que convém, com ênfase na Moral, na
Virtude, na Transcendência, no nacionalismo.
Althusser é profundo em suas análises e complementa:
136
Peço desculpas aos professores que, em condições assustadoras, tentam
voltar contra a ideologia, contra o sistema e contra as práticas que os
aprisionam, as poucas armas que podem encontrar na história e no saber que
‘ensinam’. São uma espécie de heróis. Mas eles são raros, e muitos (a
maioria) não tem nem um princípio de suspeita do ‘trabalho’ que o sistema
(que os ultrapassa e esmaga) os obriga a fazer, ou o que é pior, põem todo seu
empenho e engenhosidade em fazê-lo de acordo dom a ultima orientação (os
famosos métodos novos!). Eles questionam tão pouco que contribuem, pelo
seu devotamento mesmo, para manter e alimentar esta representação
ideológica da escola, que faz da Escola hoje algo tão ‘natural’ e
indispensável, e benfazeja a nossos contemporâneos como a Igreja era
‘natural’, indispensável e generosa para nossos ancestrais de alguns séculos
atrás.(ALTHUSSER, 1985, p. 81)
O autor mostra como o aparelho ideológico dominante, a educação, desempenha
um papel determinante na reprodução das relações de produção, que mesmo aqueles que
estão inseridos no processo não escapam de um sistema de ideias e representações que
dominam o espírito do homem e do grupo social. Althusser inova consideravelmente ao
demonstrar, o porquê, de sermos convencidos e nem nos darmos conta de que pensamos
com concepções impostas a nós de fora. E pior como professores passamos a impor a
outros a mesma concepção.
Para ele a ideologia, paradoxalmente tenta fazer dos indivíduos objetos, seres
não pensantes ou reprodutores de ideias que não são suas, mas ela só existe por que
interpela os indivíduos como sujeitos. Ela se faz nos sujeitos, se faz pelo sujeito e para o
sujeito. Uma vez que somos todos sujeitos e vivemos naturalmente, desde nosso
nascimento na ideologia,por isso seu efeito característico é impor-se como evidência,
como verdade. Por isso a ideologia interpela os indivíduos como sujeitos. Althusser diz
que ela “age” ou “funciona” abordando os homens como seres pensantes.
Ou seja, para convencer não tenta mostrar que são ignorantes. Parte de uma
questão importante, necessária, mas chega a um resultado diferente segundo seu
interesse. Na Educação vemos as concepções ensinar para o mercado de trabalho como
a última moda pedagógica.
Bem todos concordaram com a importância de num mundo capitalista, os jovens
garantirem um emprego e estarem preparados e aptos para exercerem bem segundos as
exigências técnicas. Contudo usando uma questão que concordamos, assistiremos um
sucateamento do ensino de qualidade, exemplificado por tendência à diminuição
drástica de conteúdos humanísticos e artísticos em sala de aula. Ou por propostas que
inserem o ensino modular, como forma não de melhora, mas de tornar a educação
pública única e exclusivamente para preparar mãos de obras baratas, e não pensantes.
137
Poderíamos citar como exemplo as mídias televisivas que, descobrindo, depois
das concepções de Freud, a tendência humana ao bizarro, a morte e a sexualidade,
passam a fundamentar sua programação no festival de bestialidade. Podemos concordar
com a pluralidade e mesmo a necessidade do entretenimento, não somos contrários,
contudo ao transformar os meios de comunicação única e exclusivamente em um circo
virtual moderno, temos claro que seu papel ideológico, tem ultrapassado o de outros
aparelhos ideológicos de Estado na atualidade, como a educação analisada por
Althusser.
Nesse sentido, o professor, deve sempre que possível, estabelecer leituras
críticas de jornais, revistas e mesmo televisão e cinema como forma de provocar nos
alunos o análises dos interesses por detrás de um simples desenho animado, que por
exemplo esta incentivando o individualismo e “se dar bem” a todo custo, como é o caso
do singelo Pica-Pau.
A concordância com a desigualdade gerada pela subordinação à apropriação dos
meios de produção, numa sociedade onde parece natural, uns serem possuidores de
vastas riquezas, e também a qualificação, que me hoje soa como algo bom e desejável,
do trabalhador para ocupação de postos de competência técnica e disciplina subordinada
aos interesses das empresas, é tarefa da ideologia proposta e imposta pela Educação
segundo Piletti (2010).
Esse autor diz que Althusser ao propor que aos indivíduos não agem com
liberdade, por que inconscientemente internalizam-se ideologias pela escola, pela
família ou pela fábrica e a religião, lhe colocaram e que dá significado coerente as suas
decisões, não autonomia e independência dos valores, pois seguiriam as ideologias que
lhe foram inculcadas pela estrutura social. Essas questões precisaram refletir um pouco
mais de perto.
Pois ela levanta perspectivas complexas. Embora possamos claramente
concordar com a força de estruturas mantida pelo Estado, que ajudam na dominação ou
sujeição dos indivíduos pensantes. Não podemos levar esse pensamento ao extremo
como nos propõe Althusser. Por que a Educação como mecanismo social e
historicamente construído para promover o crescimento intelectual, moral e cultural,
pelo contato com as experiências acumuladas, não pode ser visto a partir de um ângulo
que a condena, sem uma averiguação concreta de cada caso.
Por exemplo: vimos que a Educação Jesuítica cumpriu um papel de destruição
da cultura nacional instituída antes dos europeus. Contudo vimos também que a Escola
138
proposta por Freire e outros, não pensou nos mesmos moldes a cultura das pessoas. Ao
contrário, procurou valoriza-las. Partir delas para criar conhecimentos.
Outra questão que precisamos avaliar na concepção de Althusser é que os
indivíduos como seres racionais, não são dominados tão intensamente como nos
apresenta. Seu desenho de humano remete a um prisioneiro, semelhante ao da caverna
de Platão. Essa perspectiva é ruim quando cria a concepção de que o papel do professor
e da educação é de fazer os alunos assimilar conteúdos, que enquanto dominados que
são não os tem. Novamente trabalhamos dentro de uma noção semelhante à eurocêntrica
que desclassificou os saberes indígenas, como coisa inocente ou do demônio. Pior nesse
caso é que poderemos pensar que nós enquanto intelectuais, homens do saber estão
livres da ideologia. E como únicos pensantes temos as fórmulas para as mazelas sociais.
Essa descaracterização da consciência política dos trabalhadores, sobretudo,
ficou conhecida na história do pensamento como, Estruturalismo, e que Althusser
representa ao não perceber que as pessoas no seu dia-a-dia pensam sobre a dominação
que sofrem. E mais, agem, criando resistências cotidianas, saberes sociais que
academias de ciência, universidades e escolas não podem compreender ao se julgarem
as únicas detentoras do conhecimento.
O que Althusser inaugura brilhantemente é a ideia de que, não só pela força e
coerção que se dá a adequação dos indivíduos aos padrões sociais. Althusser mostra que
ao lado das forças repressivas, das estruturas policiais e judiciarias, chamadas de
Aparelhos Repressivos de Estado, amplamente reconhecidos, por impor pela força a
ordem, mesmo que essa seja responsável por mais desigualdades e exploração de uma
classe por outra, há os Aparelhos Ideológicos de Estado, como a Escola que assumem
muitas vezes a função que cabia a Igreja na idade média.
A teoria de Althusser ajuda a pensarmos de maneira crítica a Educação. Pois não
a conceberemos mais como um lugar santo e imaculado, vindo do céu e sem interesses.
Ao contrário a veremos como construção social, cumprindo um papel político. Que
pode ser ou o de libertar ou o de escravizar o homem. Isso não está decidido
previamente em nenhum lugar, pelo contrário, como veremos, será sempre uma batalha
e um conflito. Não havendo um caminho alternativo na visão desse autor.
Sua visão abandona a noção pragmática e positivista de Emile Dukheimer de
colocando o Estado como auxiliar e substituto das famílias encarregado de fazê-lo
cumprir seus deveres. Se aponta que essa Educação não tem a tarefa de gravar
orientações na alma da juventude, no instante seguinte sugere que é a sociedade que:
139
“Portanto, é a ela que cabe constantemente lembrar ao professor que ideia e sentimentos
ele deve arraigar na criança para que a mesma entre em harmonia com seu meio social.”
(DURKHEIMER, 2012, p.62).
Tese muito bem construída e fundamentada na noção de que as crenças
particulares devem ser abandonadas em favor da grande alma da pátria, e que o objetivo
da Educação é senão valorizar a existência da sociedade, pela comunhão de ideia e
sentimentos. Obviamente não mostrando que essas ideias e sentimento tem uma origem,
que ao beneficiar alguns, não se apresenta nem sequer da maioria, que dirá social, pátria
ou nação. Sua compreensão de social que paira por sobre a sociedade e pensa o bem
para todos: “Sem dúvidas, os limites dentro dos quais a sua intervenção deve se manter
são difíceis de se determinar de modo definitivo, mas o princípio de intervenção não
pode ser contestado.” (DURKHEIMER, 2012, p. 62.)
No trecho seguinte expressa que não cabe ao Estado criar a comunhão de ideias
e sentimentos, ela deve se constituir por si só e a única coisa que pode fazer é mantê-la e
torna-la mais consciente. Althusser é contra essa postura asséptica, que se apresenta sem
interesses, em esconder que a educação vem de cima para baixo, imposta, mas se
apresenta como defensora do livre pensa.
Nelson Piletti (2003) no seu livro Sociologia da Educação aborda essas questões
e fala da relação da Educação e o controle social. Aborda como a educação é paradoxal
ao tempo contribui para modificação social, mas ao mesmo tempo oprime. Se
pensássemos na própria exclusão em que milhares de jovens ao finalizarem o ensino
público médio, estão sujeitos na medida em que apenas um pequeno número desses
darão continuidade no ensino superior. Seja por questões sociais de terem que
abandonar a escola para sustentar a família, seja por que suas escolas não os prepararam
e incentivaram a dar continuidade no processo. Desse fato, podemos pensar como essa
educação, nesse caso a falta dela é excludente, e opressora.
Mas no próprio seio da educação escolar poderíamos perceber processos sutis e
disfarçados, mas do mesmo modo coercitivos. Piletti cita a reprodução:
Procura-se garantir a continuidade da ordem vigente através da reprodução,
na escola, das condições do sistema social mais amplo. Para essa reprodução
utiliza-se todos os elementos da escola: os professores são treinados para
transmitir o que receberam, sem nada acrescentar; os prédios da escola são
construídos de forma a garantir a ordem e a disciplina; as turmas são
divididas de maneira a dificultar o intercambio criativo e a facilitar a
dominação.(PILETTI, 2003, p.139)
140
Em aspectos difíceis de serem percebido como o material didático enfatiza
importância exagerada na autoridade e negligencia as capacidades de livre pensar dos
alunos. Desconsidera seus saberes anteriores. Valoriza a capacidade de decorar sem
saber no que se aplica o conhecimento aprendido.
Outro aspecto levantado por Piletti é a própria divisão econômica das escolas.
Umas destinadas a grupos sociais elevados, com escolas com recursos para dar condição
a aprendizagem como, salas ambientes, laboratórios, professores bem pagos e sempre se
aperfeiçoando, recursos tecnológicos e espaços de interação psíquica e física como
quadras esportivas, auditórios.
As classes trabalhadoras frequentam uma escola sem recursos que se reflete em
prédios feios, móveis sem condição de uso, laboratórios e bibliotecas sem condição de
uso, professores desvalorizados, obrigados a trabalharem três turnos. Há uma escola
intermediaria entre essas duas, uma das classes médias e que se mantém com uma
condição um pouco melhor, na medida em que são as famílias que pressionam e
dedicam um tratamento para manter a escola.
Piletti diz que as relações sociais capitalistas também são reproduzidas no
interior da escola. “Assim, na medida em que predomina a competição desenfreada, em
que os mais fortes tendem a suprimir e dominar os mais fracos, tal processo torna-se
também dominante na escola: estimula-se os que têm mais condições e chegam em
primeiro lugar, desprezando-se os demais, que são os que mais necessitam de estímulo.”
(PILETTI, 2003, p.140).
Outro aspecto vindo das relações políticas da sociedade, é o autoritarismo. Na
escola uns mandam, administradores, professores e funcionários. A outros cabe
obedecer sem discutir. Os desrespeitos e preconceitos tem espaço escolar uma
continuidade, ao invés de serem duramente combatidos.
A escola reproduz a desvalorização cultural que sofre toda cultura que não se
adéqua ao modelo europeu, branco e cristão. Na escola um grupo dirigente determina o
que é cultura, o que é o belo, como se faz cultura. Cabe a maioria consumir, pois não
sabem e não produzem cultura. Nesse espaço o professor é depositário de todos os
conhecimentos. Podemos citar como exemplo concreto, o desrespeito às religiões
africanas, tidas como coisa do demônio. E que ao ser descaracterizada nas escolas,
colabora para destituir o povo negro, de sua cultura. Um povo sem cultura, não é mais
um povo. Talvez, por isso nossos negros hoje não se reconhecem mais como negros.
141
Piletti cita ainda a repetição como elementos de controle social feito pela
educação. A aula monótona, repetitiva, a criação do hábito pelo ritual diário. Os mesmo
conteúdos que se repetem em séries diferentes. Repetição fortalece a ordem vigente.
Alunos se convence que um grupo manda, por que é melhor e outro obedece. A
repetição ainda tolhe a criatividade, inibe a iniciativa, desestimula a crítica e embota a
inteligência afirma Piletti. “O comportamento inteligente é sempre novo, criativo,
procurando adaptar-se de maneira sempre mais eficaz às novas situações. Aos que
querem manter a ordem vigente, fundada em privilégios, interessa estabelecer o hábito,
não desenvolver a inteligência.” (PILETTI, 2003, p. 142)
O processo de segregação da escola do restante da sociedade, seus muros que
impedem que essa se envolva com a comunidade cria a alunos alienados aos problemas
reais, que ele irá enfrentar como adulto. Em vez de prepara-lo para intervir e lutar na
comunidade, a escola o convence pelo seu exemplo, de que nada se pode fazer. As
matérias ensinadas, aponta Piletti, se distanciam da realidade. História é algo de um
passado longínquo, que não tem nada haver com nossa vida. A Geografia estuda um
espaço de regiões, que se localizam, na cabeça da criança, tão perto como outro planeta.
A matemática abstrações uteis para calcular a órbita de planetas, mas sem dizer isso
para as crianças.
Esses e outros processos representam dentro da escola como uma repressão as
crianças. Numa fase em que predomina a criatividade, o lúdico a imaginação, o jogo, a
espontaneidade, a gratuidade dos atos, a escola passa a proibir e a enquadrar as crianças
dentro de normas e modos de pensar. Impedindo-a de se tornar cidadão político, que
pensa e decide. Forma um ser passivo, dependente, sem iniciativa. O que Piletti conclui
dizendo que a escola se torna um treinamento para o autoritarismo. Ao não permitir a
participação, pela repressão ao erro, que é um iniciativa de participação. Nessa escola o
professor é o dono da verdade, e o erro não é visto como caminho do acerto e
desenvolvimento.
2.4 Gramsci e a liberdade aprisionada
Antonio Gramsci foi um Jornalista que lutou ativamente contra o fascismo
italiano nos períodos negros que antecederam a 2º guerra mundial e a perseguição as
minorias e dissidentes na Europa, no início do século XX. Perseguido e preso, foi do
cárcere que escreve e pensa sua concepção filosófica que atribui grande papel à
142
educação, não apenas a transformação social, mas na construção de uma sociedade
igualitária e livre, inspirada nas concepções socialistas e no marxismo revolucionário.
Piletti alerta que Gramsci parte da ideia de uma educação fundamentada em uma
escola unitária. Essa deve promover uma educação humana que contemple a formação
teórica, literária, filosófica, científica. Para Gramsci não pode haver a distinção do
trabalho manual, técnico e prático e o trabalho intelectual. A escola deve equilibrar a
capacidade humana manual e intelectual. Ele critica o modelo de formação que
hierarquiza o intelectual e o braçal. Gramsci considera que todo trabalho seja
intelectual, e que todo o pensamento seja trabalho também. O homem que pensa faz, e o
que faz pensa. É ontológico no homem o trabalho e o pensar. Piletti (2003, p.63) cita
um trecho do próprio Gramsci: “Em suma todo homem, fora de sua profissão,
desenvolve uma atividade intelectual qualquer, ou seja, é um filósofo, um artista, um
homem de gosto, participa de uma concepção de mundo, possui uma linha consciente de
conduta moral, contribui assim para manter ou para modificar uma concepção do
mundo, isto é, para suscitar novas maneiras de pensar.”
A escola é percebida pelo Gramsci como responsável por aprofundar e melhorar
essas funções intelectuais. Ela ajudaria a cria o homem teórico e prático. Mas na época
de Gramsci havia uma supervalorização de um ensino técnico e profissional com
objetivos práticos e utilitários o que em sua visão servia para manter e aprofundar as
desigualdades sociais.
Sobretudo ao não ser humanista e crítica a educação tecnicista corrobora para
criar a não reflexão das questões sociais criando um consenso que ajuda na dominação
social. Gramsci fala sobre isso com o termo hegemonia. Para ele é capacidade de uma
classe dirigir uma sociedade, determinando política e culturalmente seus destinos. A
grande inovação desse autor, foi de perceber e estudar que a submissão dos dominados
não é apenas exercido pela força e coerção. Mas pela criação de consenso por meio do
trabalho educativo realizado por igreja, sindicatos, meios de comunicação, escolas.
Essa hegemonia difunde apenas as ideologias dos dominantes e conseguem fazer
as pessoas não apenas aceitar certas visões de mundo, como as defende como sua. Por
exemplo: embora todos saibam que os professores são muito desvalorizados em nossa
sociedade, seja salarialmente como em condições de trabalho. Basta perceber que
muitos se desdobram em dois ou até três turnos de trabalho. Mesmo assim, na
eminência de uma greve ou paralisação, as mídias tendem a se posicionar contrários, e
então parte do apoio social passa também a não apoiar os profissionais da educação.
143
Carlos Alberto Torres ao explicar essas concepções de Gramsci fala da
construção da hegemonia das classes dominante sobre as classes subordinadas: “Essa
relação de hegemonia é uma relação de imposição, mas também de adoção. De adoção,
por parte dos setores operários, de normas e valores que não correspondem à sua própria
classe. Para Gramsci essa relação educativa é uma relação de persuasão.” Então as
ideias dominantes em nossa sociedade são resultado de uma educação, persuasão, das
classes mais baixas, mas são ideias dos dominantes.
É isso que aponta Torres como resultado da estabilidade do sistema político.
Desse modo, única maneira ocorrer uma mudança social radical, sem exploradores e
explorados, seria a classe dominada criar sua própria intelectualidade e cultura. Não
aceitando mais as visões de mundo impostas. Essa perspectiva inova, sobretudo, por que
foge das interpretações economicistas, de que para mudar a sociedade era preciso tomar
os meios de produção e depois educar as pessoas para uma sociedade sem classes.
Como ocorreu nas revoluções russa e cubana, com visões stalinistas. De que primeiro
vem mudanças estruturais e depois superestruturais, de consciência.
O estudo de Gramsci contribui para o entendimento de que a filosofia da classe
dominante cria por complexas vulgarizações a emergência do senso comum, como
filosofia das massas. Seu objetivo é entender como a classe dominante consegue o
consentimento das classes subordinadas, para então entender como seria possível a
mudança para uma nova ordem.
Torres explica que há dois tipos de intelectuais em nossa sociedade, os
superiores e produtores das ideias que entram em todos os setores sociais e os
intelectuais escolásticos, mais numerosos. Esses são os professores e sacerdotes que
vinculam as ideias com as práticas das massas.
O autor cita as palavras de Gramsci: “É que a criação desse conformismo social
– lembre-se de que não é simples conformismo de estar de acordo e sim aceitar esse
passado e reintegra-lo àquele futuro que se está construindo – começa com os
intelectuais e particularmente com o sistema escolar, mas é uma tarefa muito
complexa.”(TORRES, 1993, p.82)
Complexa, sobretudo por que nem mesmo os grupos hegemônicos concordam
entre si inteiramente, Gramsci mostrou como há disputas internas dentro do bloco que
domina. Deste modo, a educação também se realiza de forma contraditória e cheia de
conflitos. O que se evidencia em propostas e concepções diferentes dentro da educação.
Propostas críticas de não aceitar ser apenas reprodutores de ordens vindas de cima.
144
Também é preciso lembrar sempre que os estudos de Gramsci foram a partir da
realidade social e política da Itália sob o regime fascista. Ele mesmo sempre avisou que
suas ideias não poderiam ser aplicadas mecanicamente em qualquer sociedade. Mais do
que verdade, são indicações que devem se aprofundadas e verificadas. O que deve ficar
é que precisamos sempre pensar nas associações entre a política e a educação. Evitando
um pensamento inocente ou apolítico de que são coisas diferentes e excludentes.
Do mesmo modo, sua contribuição de denunciar a educação como domesticação
para indústria, em detrimento de uma cultura mais ampla. E sua análise de como a
escola muitas vezes não procura formar dirigente e seres intelectuais, como forma de
manter as desigualdades e a posição subalterna dos trabalhadores. Contribui para a
hegemonia dominante, pela legitimidade das desigualdades ao não se pensar nelas, ou
ao se dizer que elas não importam.
“Gramsci concebe, pois, a necessidade de uma educação tecnológica, ligada às
necessidades práticas, mas simultaneamente formadoras dos saberes mais abrangentes
sobre a humanidade. Que promove a participação política organizada na vida social.”
(PILETTI, 2003, p.67)
Precisamos como intelectuais - pensadores de nossas práticas - e educadores,-
formadores de intelectuais trabalhadores - , estar atentos para antigas propostas de
manter as classes trabalhadores como não capazes de serem intelectuais orgânicos de
seus futuros. E desse modo nos tornarmos apenas uma peça mecânica nas engrenagens
da hegemonia do Estado.
Alberto Tosi Rodrigues3 (2007, p.77) analisa o pensamento de Gramsci:
Ora, se para conquistar a hegemonia política e ideológica é necessário
‘ganhar a batalha das ideias’, evidentemente os intelectuais desempenham um
pape-chave nesse processo. Pois os intelectuais organizam a cultura. Eles
definem os parâmetros pelos quais os homens concebem o mundo em que
vivem, veem a divisão de poder e de riqueza de uma sociedade, e também
definem se os homens percebem como justa ou injusta essa situação.
Por isso Gramsci valoriza a educação e papel desempenhado pelos educadores,
na medida em que, é preciso uma reforma das mentalidades e concepções de mundo.
Pois a apropriação da cultura e do saber pelas classes dominantes é também a base da
exploração. Sendo preciso ganhar a batalha do conhecimento, para obter o consenso em
torno de uma visão de mundo. Para Gramsci o intelectual capaz de organizar a cultura
3 RODRIGUES, Alberto Tosi. Sociologia da Educação. Rio de janeiro: Lamparina,
2007, 6 ed.
145
só pode surgir da formação escolar, que equilibre o desenvolvimento da capacidade de
trabalhar e o desenvolvimento intelectual, afirma Rodrigues (2007).
Nesse sentido, o papel de educador, se torna o do intelectual orgânico, aquele
que surge em ligação direta com os interesses da classe que representa. Na escola
pública e para a classe trabalhadora, seremos aqueles que lutam para criar as concepções
de mundo vindas da realidade dessa classe. Valorizando as interpretações de mundo e
análises da própria classe.
2.5 Foucault e o Discurso
O filosofo francês contemporâneo Michel Foucault, foi um pensador que
provocou grandes transformações no pensamento moderno ao propor que as práticas
sociais possuem uma genealogia, ou seja, uma história conflituosa de tensões. E não
uma evolução sempre em sentido de melhora, como a História Positivista tenta nos
fazer crer.
Por exemplo, em seu livro a História da Loucura, demonstra como o conceito de
loucura, todas as noções que temos dela e seus tratamentos foram criado no início do
século XIX. E nesse início foi uma forma de controle social das classes trabalhadoras.
Qualquer pessoas que não aceitasse o pensamento da maioria, de trabalho semiescravo,
em jornadas de 16 horas na indústria, poderia sofrer as sansões legais de ser internado
num espaço que representava mais uma prisão do que um espaço de tratamento.
Prostitutas, bêbados, homossexuais e aqueles dissidentes eram submetidos a torturas
que variavam de sangrias a tratamentos de choque, de operações de lobotomia a serem
forçados a deixarem o convívio social em hospícios distantes do olhar da cidade.
O mais interessante, que tudo isso ocorria com as graças e apoio da ciência
médica. Foucault demonstra assim como as ciências de um modo geral não são aquilo
que imaginamos a princípio, como detentoras da verdade e dedicadas ao bem da
sociedade. O autor denuncia justo o contrário, a ciência como construtora de discursos,
que se apresenta como verdade.
Uma obra interessante de Foucault é A ordem do Discurso. Nesse livro ele
escreve que não gostaria de ter de falar o que pretende falar. Gostaria que uma voz
tomasse a palavra e ele simplesmente deveria se deixar levar. “[...] não queria ser
obrigado a entrar nessa ordem incerta do discurso; não queria ter nada que ver com ele
naquilo que tem de peremptório e de decisivo; queria que ele estivesse muito próximo
146
de mim como uma transparência calma. Que as verdades se erguessem e eu como barco
a deriva.” Ao perguntar o porquê temos esse medo das palavras, demonstra que as
palavras são muito perigosas, elas possuem poderes: “[...] poderes e perigos que sequer
adivinhamos; inquietação por suspeitarmos das lutas, das vitórias, das feridas, das
dominações, das servidões que atravessam tantas palavras em cujo uso há muito se
reduziram as suas rugosidades.”
Apenas suspeitamos de que as palavras são construções históricas de luta. Não
são apenas nomes das coisas, foram construídas e tiveram suas definições em séculos de
confrontos, por quem definia a verdade pela palavra. Por exemplo, a palavra Bruxa,
tem nela milhares de mulher morta na fogueira da inquisição. A palavra pecado, além de
algo não desejável em termos sociais, carrega também culpas, que muitas vezes
representam apenas uma interpretação errônea na história. Pois era pecado na idade
média, as pessoas tomarem banho.
Foucault alerta que na sociedade há mecanismos de controlar o discurso e as
palavras, selecionando organizando e distribuindo aquelas que podem ser ditas. Esses
mecanismos tem o papel é de exorcizar o poder das palavras. Disfarçar sua
materialidade terrível e poderosa. Sua capacidade de construir e destruir.
O autor enumera alguns desses procedimentos para impedir as pessoas de falar.
O primeiro seria a Exclusão: “Temos consciência de que não temos o direito de dizer o
que nos apetece, que não podemos falar de tudo em qualquer circunstância, que quem
quer que seja, finalmente, não pode falar do que quer que seja.” Sempre que você
pretende expressar sua opinião, há uma voz interna ou social dizendo que você não
pode, não tem o direito de falar, ou não esta seguindo o ritual. Por exemplo, na ciência
que estudamos e que estamos adentrando, precisamos antes dominar as concepções dos
autores dessa área, apenas podemos cita-los. Não podemos discordar deles.
Outro procedimento de impedir o discurso é o Interdito. Que é separação entre
razão e loucura. Ou seja, uma censura, que aquele que se posiciona discordando sofre.
Lembre-se das vezes que você ao expressar uma visão diferente de qualquer assunto, foi
taxado de louco, ou no mínimo exótico e diferente.
Um terceiro sistema de exclusão é a oposição de verdadeiro e falso. A definição
de verdade pela ciência tem uma história. Foucault chama de a vontade de verdade, no
mundo grego o ritual que acompanha a verdade era mais importante que a própria
verdade. No século XX o pragmatismo, o observável e mensurável. Uma verdade que
147
precisa ser útil, justificar os investimentos materiais e técnicos. Mas essas questões não
discutimos, acreditamos que não há poder na definição de verdade, não há interesses.
Foucault mergulha dentro das ciências e diz que a Disciplina, enquanto um
corpo de conhecimentos, limita também. Expressa que a disciplina se define por um
domínio de objetos, um conjunto de métodos, um corpo de proposições consideradas
verdadeiras, um jogo de regras e de definições, de técnicas e de instrumentos. Que
embora apareça com um sistema anônimo e a disposição de que pretende usar, existe
um controle feito por aqueles que institucionalmente dominam os postos mais altos
dentro das universidades e governos.
A disciplina dá as regras do é a verdade e do que pode entrar dentro da
investigação do que é verdadeiro. Foucault cita o exemplo de Mendel, sua teoria de
sexualidade nas plantes não fazia sentido no século XIX. E como tal ele fora posto de
fora do circulo da verdade científica. Muito embora a sua tese fosse verdade. Ou seja,
uma ideia ou proposição precisa passa por exigências para fazer parte de uma
Disciplina, e essas exigências dizem respeito mais a adequação de uma forma de pensar
e um método do que da verdade.
Foucault fala ainda de rituais necessários para ser aceito dentro do corpo de
qualquer ciência. Gestos, comportamentos e circunstâncias necessários a quem faz parte
e pode expressar uma verdade. Quem não domina esse rituais não pode falar, pois eles
determinam a eficácia e validade do que é dito. Isso cria as sociedades do discurso, uma
maneira de constranger o discurso, delimitando apenas um grupo como porta voz
daqueles conhecimentos. Por exemplo: somente médicos podem receitar remédios. Os
chás receitados por nossas avós são colocadas no nível da crendice, não funcionam. Mas
quando a medicina passa a dominar o assunto, assistimos os médicos receitando os chás.
Rituais da fala e sociedades do discurso criam juntas uma apropriação do
conhecimento social. Uma educação como possibilidade de se conhecer, mas também
marcada pelas diferenças sociais, pois há um custo. Ao que Foucault diz que todo o
sistema de educação é uma maneira política de manter ou modificar a apropriação dos
discursos, com os saberes e poderes que eles trazem consigo.“A História mostrou que o
discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação,
mas é aquilo pelo qual e com o qual se luta, é o próprio poder de que procuramos
assenhorearmo-nos.”
Importante lembrar que Foucault está dizendo tudo isso dentro do College de
France, uma instituição de ensino secular. É a sua aula inaugural. E denuncia a pressão
148
que sente por falar. Diz que sua fala é apensa possível por que ritualmente é a
instituição que lhe dá permissão. Aproveita e tece uma crítica profunda sobre como o
saber é controlado, constrangido e direcionado por uma ciência pragmática e utilitarista,
que usa o discurso da objetividade, imparcialidade e neutralidade apenas como forma de
convencer de que não está a serviço de interesses de grupos, governos e poderes.
Assim, também nós como professores, precisamos nos colocar como senhores
do nosso saber. Questionando procedimentos, convenções, normas e regras que não
permitam a construção do conhecimento de forma livre, e para formar o pensamento
livre por parte de nossos alunos.
2.6 Ideologia e Educação
Ideologia é um conceito importante dentro de uma concepção crítica de
educação. Exprime outros conceitos e práticas que corroboram tanto para dominar como
para libertar as pessoas. Ideologia está ligada a palavra ideia. Seria apenas um conjunto
de noções sobre qualquer coisa de nossa vida? Ou a visão pessoal de cada ser pensante?
Moacir Gadoti (2008) definindo sua pedagogia do conflito diz que pensa a
ideologia como pensamento teórico estruturado que exprime uma falsa visão histórica,
para ocultar um projeto social, político e econômico da classe dominante. Para esse
ideologia se aproxima de mentira. Mas mais no sentido de ocultação. “Esta ocultação
exprime-se dentro de uma sociedade dada, através de distorções, de manifestações, de
dominação e repressão.” (GADOTTI, 2008, p.31)
Mas importante pensar que ideologia não é apenas pensamento puramente
teórico, antes são práticas sociais e políticas que podem se expressar de forma de ideias.
Por exemplo, o Estado ao manter aparelho repressivo, um aparato judicial, policial e
militar, concretamente forças as pessoas a se adequarem as formas padrão de conduta e
pensamento.
Podemos lembrar dos cercamentos descritos por Marx, que eram leis dos séculos
XVII e XVIII que obrigavam as pessoas a trabalharem. O crime de vadiagem poderia
ser punido até com a morte. Aliado a instituição da propriedade privada, que cercou,
titulou e impediu os usos antigos de terras comunais, forçaram concretamente, pela
sobrevivência, a falta de alimentos, ao trabalho assalariado nas primeiras fábricas.
Assim as leis são ao mesmo tempo aparelhos repressivos e ideológicos.
149
Gadotti diz que funciona melhor toda ideologia, ocultação e distorção, que seu
aparelho de propagação não se mostra ligado às doutrinas políticas da classe dominante.
Por exemplo, não percebemos que uma novela, pode pelo consumismo que incentiva,
estar ajudando no endividamento de jovens, e que os força a entrar no mercado de
trabalho prematuramente e sem qualificações necessárias ao seu desenvolvimento. Ao
contrário, coloca-os em situações de trabalho em que muitas vezes tem de escolher entre
esse e a escola. A postura neutra, de que não tem nada haver com política, a
passividade, forma melhor pessoas que não se revoltam, que não pensam sobre suas
realidades. O telespectador apenas precisa fruir. O que lhe é mostrado é para não pensar.
Gadotti (2008, p.31) resume, “Nesse sentido podemos chamar de ideológico
todo pensamento, todo discurso que, interpretando o mundo, o representa de maneira
falsa, distorcida, cujos componentes essenciais ocultam suas raízes, suas origens
econômicas, políticas e sociais”. Na perspectiva do autor ideologia, não é sinônimo de
doutrina, ou forma de pensar, mas toda maneira de pensar, conhecimento ou filosofia
que sendo doutrinário, não é crítico, justificando a sua lógica e ideias pelo passado,
pelas verdades adquiridas, e geralmente inquestionáveis. Portanto haveria uma
organização do pensamento, que não é ideológico.
Portanto a educação apenas não é ideológica, ocultadora das relações sociais de
exploração e de desigualdades, quando essa não se coloca como neutra, mas ao
contrario se coloca no papel de sujeito social. Nesse papel o educador deve renunciar a
visão de que ele é alguém que apensa faz a educação. Não, ele deve ser aquele que
pensa a educação. Só quando se interroga sobre as finalidades de seu trabalho, as
implicações de seus conhecimentos, as condições de sua existência e da comunidade
que o cerca, é que ele passa atuar com reflexão. Aqui Gadotti se distancia de Althusser,
pois não vê a educação apenas como construtora de ideologia, mas como ato político,
social e econômico, uma práxis capaz de escapar da ideologia.
Pois mesmo num modelo de escola que segue uma pedagogia da dominação e da
opressão, há a chance e espaço para a semente da libertação. Desde que encaremos
nosso trabalho na perspectiva de Gadotti:
Nossa tarefa de educador consiste justamente em tornar esse espaço livre,
reduzido pela dominação, espaço dominante: fazer com que a liberdade
triunfe sobre a dominação. Por aí percebe-se que o trabalho do educador não
é apenas ensinar ou transmitir conhecimentos, nem fechar-se em seu trabalho
puramente ‘educativo’. Se ele deve lutar por esse espaço de liberdade, sua
luta deve ser prosseguida além da sala de aula, fora da escola. (GADOTTI,
2008, p 35.)
150
Tarefa ligada a formação da consciência crítica, conscientização. Educar é para
Gadotti conscientizar. Isso significa a “[...] decifração do mundo, é esse ir além das
aparências, atrás das máscaras e das ilusões, pagando o preço da crítica, da luta, da
busca, da transgressão, da desobediência, enfim da libertação”(2008, p.35). Contudo, se
o sistema de educação é um obstáculo a conscientização, como viemos discutindo, um
sistema ideológico, logo,educar é lutar contra a educação, contra a educação dominante
que desvaloriza os saberes das pessoas comuns. Pois essa é crítica, parte da sua
realidade e interpretação do mundo.
Gadotti aponta também, que não basta falar e pensar sobre uma nova educação.
É preciso dar concretamente os primeiros passos na direção de outra educação. Talvez
com medidas simples, como a valorização de nossos alunos, de seus saberes e
dificuldades. Não apenas olha-lo na sua capacidade, mas nas suas dificuldades. Pois,
Práxis é justamente uma relação entre teoria e prática. Uma relação essencialmente
mediadora, onde uma interfere e constrói a outra.
Nosso trabalho de pensadores não nos permite nos abstrair da vinculação entre a
realidade política, social, econômica e cultural em nome de uma pseudoneutralidade
científica. “Como se a objetividade, o rigor científico, o respeito pela realidade, fossem
sinônimos de neutralidade. Como se o educador, o filósofo, o artista, o cientista, não
fizessem, eles também, parte do que buscam, analisam, criam. Como se a práxis
pudesse explicar-se por ela mesma e não pelas finalidades que a motivam.” (GADOTTI
2008, p.36)
Sair do mundo das ideias e ir para a prática, não significa abandonar as ideias,
mas aplica-las e criar novas ideia a partir da prática, se verificamos um descompasso.
Principalmente se colocar como alguém que quer contribuir para mudar a educação, é
para Gadotti a radicalidade de nosso papel de educador. Quando a educação rompe com
a ideologia.
3 Considerações Finais
A sociologia e a educação são áreas do conhecimento que complementam na
realidade social. A ampla importância da educação, para a sociedade, fez com que os
sociólogos, como Durkheim e Manhheim, constituíssem uma parte específica de estudo:
a Sociologia da Educação (KUPPA, 1994).
151
A autora Kruppa, no livro “Sociologia da Educação”, enfatiza que a sociologia
pode contribuir para a compreensão das “relações entre educação e sociedade”, e por
isso, é necessário “que os alunos e professores estudem conceitos de interação social,
educação, socialização, cultura, instituições sociais e conhecimento” (KRUPPA, 1994,
22). Para que entendam as diferentes vivências dos processos e que não há uma só
cultura, mas culturas no plural, e que essas possuem historicidade. E que os homens são
históricos, capazes de acumular conhecimentos e experiências, com ajuda da escrita, da
oralidade e da memória.
Assim, alguns temas centrais na Sociologia da Educação, e que a autora Kruppa
aborda no livro dela, são: “educação, socialização, cultura e, especialmente, o
aparecimento da escola enquanto instituição social, a educação escolar e a sociedade, a
educação fora da escola, conteúdos culturais do processo educativo fora e dentro da
escola” (KRUPPA, 1994, 22). Dentro desse contexto também surgem análises sobre
evasão e repetência.
De acordo com Kruppa (1994, p. 22): “a educação, a socialização e a cultura são
processos sociais amplos, isto é, ocorre independente da escola, embora também sejam
aspectos diferentes de um mesmo processo social, é preciso estabelecer as relações entre
a educação escolar e a educação fora da escola”. Há complexidade entre a educação, a
cultura e a sociedade, essas podem ocorrem na escola, mas também em espaços
alternativos, por isso é preciso entender a educação escolar, mas também a educação
que ocorre fora do ambiente escolar, como a educação familiar, religiosa e outras, que
são essenciais na constituição da sociedade.
A socialização - processo educativo que torna o indivíduo parte da sociedade -
ocorre a partir das influências que os homens recebem dos outros homens, e das
instituições, ao mesmo tempo em que influem sobre os outros. Por isso a sociologia e a
educação se aproximam tanto e como afirma Kruppa (1994, p. 23):
O processo educativo que procura tornar o indivíduo um membro da
sociedade é chamado de socialização. A socialização e, por decorrência, a
educação dependem da capacidade que os homens têm de influírem uns nos
comportamentos dos outros, modificando-se mutuamente, no processo de
interação social. Em outras palavras, é a capacidade de os homens reagirem,
de serem capazes de atuar junto a outros homens, aprendendo e ensinando,
que torna possível a educação.
A socialização é um intenso processo de ensinar e aprender, de influências
mutua entre os indivíduos e o social. “A socialização e a interação social, são elementos
do processo educativo, são também as condições e o resultado da vida social”
152
(KRUPPA, 1994, p. 23). Portanto, a escola é constituinte da sociedade como sociedade
constitui a escola.
REFERÊNCIAS
ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado: nota sobre os aparelhos
ideológicos de Estado (AIE). Rio De Janeiro:Edições Graal, 1985, 2º edição.
BASTOS, Vânia. Para entender a economia capitalista: noções introdutórias. Ed. 3º. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 1996.
DURKHEIM, Émile. O que é fato social. In: Durkheim: sociologia. RODRIGUES, José
Albertino. São Paulo: Ática, 2000.
DURKHEIMER, Émile. Educação e Sociologia. 3.ed – Petrópolis, RJ, Vozes, 2012.
GADOTTI, Moacir. Educação e Poder: introdução à pedagogia do conflito. 15º Ed. São
Paulo: Cortez, 2008.
KRUPPA, Sonia M. Portella. Sociologia da Educação. São Paulo: Cortez, 1994. P. 23
MARTINS, Benedito Carlos. O que é sociologia. São Paulo, Brasiliense, 1983.
MARX; ENGLES. O Manifesto do Partido Comunista. Disponível em:
<http://www.psb40.org.br/bib/b30.pdf.> Acesso em 25 de agosto de 2014.
MARX, K; ENGELS, F. A Ideologia Alemã. Fonte Digital: Ed. Ridendo Castigat
Mores, 1999.
MEKSENAS, Paulo. Sociologia da Educação: Introdução ao estudo da escola no
processo de transformação social.Edições Loyola: São Paulo, 2002.
PILETTI, Nelson. PRAXEDES Walter. Sociologia da Educação: Do positivismo aos
estudos culturais. São Paulo: Ática, 2010.
TORRES, Carlos Alberto. Sociologia Política da Educação. São Paulo: Cortez, 1993.
top related