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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE VETERINÁRIA
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ANÁLISES CLÍNICAS VETERI NÁRIAS
PERFIL DE RESISTÊNCIA DE BACTÉRIAS CAUSADORAS DE OT ITE EXTERNA
EM CÃES EM PORTO ALEGRE - RS
Thais de Campos
Porto Alegre
2011
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE VETERINÁRIA
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ANÁLISES CLÍNICAS VETERI NÁRIAS
Perfil de resistência de bactérias causadoras de otite externa em cães em Porto Alegre -
RS
Autor: Thais de Campos
Monografia apresentada à Faculdade de
Veterinária como requisito parcial para a
obtenção do grau de Especialista em Análises
Clínicas Veterinárias.
Orientadora: Débora da Cruz P. Pellegrini
PORTO ALEGRE
2011
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THAIS DE CAMPOS
PERFIL DE RESISTÊNCIA DE BACTÉRIAS CAUSADORAS DE OTITE EXTERNA EM
CÃES EM PORTO ALEGRE-RS
Aprovado em 27 de maio de 2011.
Prof. Ms.Débora da Cruz Payão Pellegrini
Orientadora
Prof. Dr. Laerte Ferreiro
Membro da Banca de Avaliação
Prof. Dr. Simone Tostes
Membro da Banca de Avaliação
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PERFIL DE RESISTÊNCIA DE BACTÉRIAS CAUSADORAS DE O TITE EXTERNA
EM CÃES EM PORTO ALEGRE - RS
Autor: Thais de Campos
Orientador: Débora da Cruz Payão Pellegrini
RESUMO
A otite externa (OE) é uma doença de etiologia multifatorial que apresenta elevada freqüência em cães. Este estudo analisou 147 amostras de suabe otológico provenientes de animais com histórico de otite externa (OE) no período de maio de 2009 a setembro de 2010. Os exames realizados foram isolamento bacteriano e teste de suscetibilidade a antimicrobianos. Do total de amostras analisadas, 102 (69,4%) foram positivas para cultura bacteriana, sendo os agentes mais isolados as bactérias P. aeruginosa e Staphylococcus coagulase positivo. Amostras de animais com idade superior a 8 anos apresentaram maior freqüência de isolamento, e não foi observada diferença na freqüência de isolamento quanto ao gênero do animal. Através da realização dos testes de suscetibilidade, foi possível verificar que os antimicrobianos ciprofloxacina e cefalexina apresentaram melhor desempenho, enquanto fármacos amplamente utilizados em medicamentos tópicos como neomicina e gentamicina apresentaram baixa eficácia quando testados in vitro. Este estudo reforça a importância de exames microbiológicos e testes de suscetibilidade antimicrobiana como ferramentas de diagnóstico e tratamento de OE, possibilitando a escolha apropriada do antimicrobiano a ser utilizado, garantindo o sucesso terapêutico.
Palavras chave: Pseudomonas aeruginosa, Staphylococcus sp., otite.
4
ANTIMICROBIAL RESISTANCE OF BACTERIA ISOLATED FROM DOGS WITH
OTITIS EXTERNA IN PORTO ALEGRE - RS
ABSTRACT
Otitis externa (OE) is a multifactorial disease that has high frequency in dogs. This study examined 147 swabs from animals with otological history of OE between May 2009 and September 2010. Bacterial isolation and antimicrobial susceptibility testing. Of the total samples analyzed, 102 (69.4%) were positive for bacterial culture, being among the most isolated bacteria P. aeruginosa and Staphylococcus coagulase positive isolated mostly. Samples from animals older than 8 years had a higher frequency of isolation, and there was no difference in frequency of isolation on the gender of the animal. Through the testing of susceptibility, it was possible that the antibiotics ciprofloxacin and cephalexin hade the best performance, while drugs widely used in topical medications such as neomycin and gentamicin were less effective when tested in vitro. This study showed the importance of microbiological tests and antimicrobial susceptibility tests as tools for diagnosis and treatment of OE, allowing the appropriate choice of antimicrobial agent to be used, ensuring the therapeutic success.
Key words: Pseudomonas aeruginosa, Staphylococcus sp., otitis.
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 06
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA .................................................................................... 08
2.1 Estruturas do Canal Auditivo Externo ....................................................................... 08
2.1.1 Microclima do Canal auditivo Externo .......................................................................... 09
2.1.2 Microbiologia do Canal Auditivo Externo ..................................................................... 10
2.2 Otite Externa (OE) ....................................................................................................... 11
2.2.1 Causas Primárias das Doenças Auditivas ....................................................................... 12
2.2.2 Fatores Predisponentes ................................................................................................... 13
2.3 Sinais Clínicos ............................................................................................................... 13
2.4 Diagnóstico .................................................................................................................... 14
2.5 Fatores perpetuantes e tratamento ............................................................................. 15
3. MATERIAIS E MÉTODOS ........................................................................................ 17
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO ................................................................................. 18
5. CONCLUSÕES ............................................................................................................. 23
REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 24
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1. INTRODUÇÃO
A otite externa (OE) é uma desordem cutânea multifatorial associada a fatores
primários e predisponentes que alteram o microclima do canal auditivo externo, tornando-o
propício à proliferação microbiana (August et al., 1998; Medleau & Keith, 2003; Cole et al.,
2004). É uma doença de grande relevância clínica, pois é responsável por mais de 20% das
consultas em clínicas de pequenos animais, podendo chegar a 40% em países de clima
tropical (August et al., 1998).
Bactérias e fungos são normalmente detectados em pequenas quantidades em
ouvidos caninos sadios e vários estudos enfocaram o isolamento de microrganismos a partir
do meato acústico de cães saudáveis (Nobre et al., 2001; Junco & Barras, 2002). A microbiota
residente do ouvido externo canino é constituída por cocos e bastonetes Gram-positivos e
leveduras da espécie Malassezia pachydermatis (M. pachydermatis) (Bonettes, 2003). Em
geral, as bactérias que se proliferam em associação com a otite são microrganismos
oportunistas, mas que contribuem significativamente para as alterações patológicas (Quinn et
al.,1999).
Microrganismos bacterianos podem ser causa primária da OE. Sabe-se que a
microbiota normal do conduto auditivo externo canino altera-se em otopatas (Gotthelf, 2007).
No cão otopata, os microorganismos mais freqüentemente isolados em casos de OE canina
são M. pachydermatis e Staphylococcus intermedius, associados ou não a bastonetes Gram-
negativos, embora outros agentes também tenham sido descritos (Kiss et al ,1997; Cole et al.,
1998; Lilenbaum et al., 2000; Ikram, 2005). Em decorrência da ampla diversidade de agentes
etiológicos envolvidos na OE, a utilização de exames microbiológicos para identificação do
microrganismo patogênico e a verificação do perfil de suscetibilidade in vitro são medidas
indicadas para eleição de um tratamento adequado, resultando em um menor índice de
recidiva e sucesso terapêutico (Leite, 2008).
Os perfis de isolamento e suscetibilidade a antimicrobianos dos agentes bacterianos
associados com OE canina apresentam modificações sazonais e regionais. No Brasil, os dados
disponíveis são oriundos da região sudeste (Ávila et al., 2008), nordeste (Oliveira et al., 2006)
e Sul (Nobre et al., 2001; Nascente et al., 2010). O presente trabalho objetivou identificar os
microrganismos bacterianos isolados em casos de OE canina a partir de amostras otológicas
enviadas a um laboratório particular no município de Porto Alegre, no período de maio de
7
2009 a setembro de 2010, bem como avaliar o perfil de resistência a seis antimicrobianos
disponíveis comercialmente para tratamento desta enfermidade.
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2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
2.1 Estruturas do Canal Auditivo Externo
O ouvido pode ser dividido em ouvido externo, médio e interno. O ouvido externo
compreende o pavilhão auricular (orelha), o meato acústico externo - também chamado de
canal auditivo externo - e o tímpano, uma membrana delgada que separa o ouvido externo do
médio (Gotthelf, 2007). A superfície do pavilhão auricular é descrita como côncava, que fica
voltada lateralmente, ou convexa, voltada medialmente. A conformação do pavilhão auricular
depende de cada raça e sua função é transmitir o som do ambiente externo para a membrana
timpânica (Nascente et al., 2006). O pavilhão auricular é revestido em ambos os lados pelo
tecido cutâneo, que é fortemente aderido ao tecido periocondrial. Os canais auriculares são
sustentados pelas cartilagens auricular e anular podendo ter, de acordo com a raça, de 5 a 10
mm de diâmetro até 2 cm de comprimento (Heine, 2004; Noxon, 2008).
A reprodução seletiva, principalmente de raças caninas, resultou em ampla variação
no tamanho relativo e na forma dos componentes do meato acústico externo. De acordo com
Harvey e colaboradores (2004), o meato acústico externo do cão é longo (5 a 10 cm) e estreito
(4 a 5 mm). A pele do meato acústico externo é semelhante à pele de outras partes do corpo,
revestida por epitélio escamoso, mas apresenta um número reduzido de folículos pilosos e um
maior número de glândulas sebáceas e apócrinas modificadas, sendo ambos os tipos de
glândulas mais prevalentes na porção vertical do meato. Diferentes características, como a
forma e a posição da orelha, o diâmetro do meato acústico externo e a quantidade de pêlos e
de tecido mole dentro do canal variam entre as raças (Nascente et al., 2006). Gotthelf (2007)
afirma que modificações anatômicas como orelha pendular ou excesso de pelos no canal
auditivo resultam em aumento significativo da otite externa em relação a outros tipos de
orelhas.
A superfície epitelial do meato acústico externo é composta por escamas apostas,
coberta por uma camada variável e delgada de cerúmen e resíduos aderentes. A derme
subjacente é revestida por fibras colágenas e elásticas, sendo que existe um movimento
constante do cerúmen em direção ao meio exterior. As glândulas apócrinas são conhecidas
como glândulas ceruminosas e apresentam distribuição mais profunda, enquanto as glândulas
sebáceas são encontradas mais superficialmente na derme (Nascente et al., 2006; Gotthelf,
9
2007). Acredita-se que as glândulas apócrinas mantenham a consistência do cerúmen, embora
tenham pouca contribuição para os processos lipídicos. O cerúmen (cera), que reveste o meato
acústico externo é composto de secreções lipídicas das glândulas sebáceas e ceruminosas e de
células epiteliais descamadas (Nascente et al., 2006), cuja função é proteger o canal e manter
a membrana timpânica úmida e maleável (Harvey et al., 2004).
Do ponto de vista anatômico, a epiderme está enrolada em um tubo, forçando a
secreção glandular das glândulas sebáceas e apócrina dentro do canal em substituição à pele,
sendo estas secreções facilmente removidas pela queratinização normal e pelo processo de
descamação da epiderme. Em seres humanos, cobaias e, presumivelmente em cães e gatos, a
epiderme superficial e o extrato córneo queratinizado migram lateralmente do tímpano. São
estes processos que mantêm o canal proximal e o tímpano livre de cerúmen e debris celulares,
contribuindo para a saúde do canal auditivo (Gotthelf, 2007).
2.1.1 Microclima do Canal auditivo Externo
Conforme Gotthelf (2007), o principal fator que afeta a microbiota no canal auditivo
externo é o microclima. Fatores como temperatura, umidade, pH e quantidade de conteúdo
lipídico no canal auditivo externo alteram o microclima permitindo a colonização bacteriana.
A temperatura do canal auditivo externo de cães saudáveis varia entre 38,2 e 38,4º C,
podendo aumentar para 38,9º C nas otites externas. Yoshida e colaboradores (2002) avaliaram
a temperatura e a umidade do canal auditivo externo de cães saudáveis e de cães com otite,
não observando diferenças significativas entre os dois grupos.
A umidade relativa normal do canal auditivo externo avaliada em alguns estudos foi
de 80,4% e o aumento desta predispõe à hiperhidratação, criando um ambiente ideal para a
proliferação bacteriana. O pH desempenha um papel importante por exercer influência na
manutenção da população bacteriana e seus produtos. O pH do canal auditivo externo no cão
saudável deve estar entre 4,6 e 7,2 (Gotthelf, 2007).
A quantidade do conteúdo e a constituição lipídica do cerúmen de cães podem variar
amplamente. Os componentes mais comuns são os ácidos graxos margárico, esteárico, oléico
e linoléico, sendo que estes dois últimos exercem atividade antibacteriana; porém, seus efeitos
frente a algumas bactérias e à M. pachydermatis são menos evidentes (Harvey et al., 2004). A
diferença de composição provavelmente indica uma variação individual de concentração e da
atividade das glândulas (Nascente et al., 2006). Segundo Gotthelf (2007), a quantidade total
10
de lipídio no cerúmen varia em cães com otite externa, devido a alterações patológicas nas
glândulas responsáveis pela formação do cerúmen. A grande quantidade de lipídios implica na
diminuição da umidade no lúmen do canal auditivo, bem como no decréscimo da secreção das
glândulas sebáceas, predispondo a infecção e inflamação auditiva.
Na otite externa crônica, as glândulas apócrinas tornam-se hiperplásicas e císticas, e
as sebáceas podem variar de hipertróficas a atróficas, produzindo menor quantidade de
lipídio.
2.1.2 Microbiologia do Canal Auditivo Externo
O meato acústico externo contém um limitado número de diferentes microrganismos,
os quais estão equilibrados entre si e com o hospedeiro (Kiss et al., 1997). Testes
diagnósticos comuns usados para avaliar o animal com doença do ouvido incluem: otoscopia,
citologia, cultura bacteriana e teste de suscetibilidade. Em um exame otoscópico do canal
auditivo normal, uma pequena quantidade de cera marrom-amarelada deve ser observada, não
podendo existir erosão, ulceração ou inflamação do revestimento epidérmico. Em um animal
saudável a membrana timpânica deve ser de fácil visualização e o canal auditivo capaz de
acomodar um cone otoscópico médio, sem pressionar lateralmente o canal (Gotthelf, 2007).
Diferentes trabalhos buscam definir a microbiota normal do meato acústico externo,
porém diferentes métodos e tipos de classificação empregados dificultam analisar os
resultados da real constituição da mesma (Nascente et al., 2006). Segundo Nobre et al.,
(1998), apesar da dificuldade em delimitar, definir e classificar a otite externa e os limites da
normalidade, considera-se a predominância da microbiota bacteriana Gram-positiva como
normal. São consideradas bactérias comensais do meato acústico externo Staphylococcus
coagulase positiva, Streptococcus não hemolíticos e a levedura Malassezia sp., porém estas
podem tornar-se patogênicas quando induzidas a multiplicação em ambiente favorável devido
a fatores predisponentes particulares de cada animal, resultando em casos de otite externa
(Nascente et al., 2006).
Em relação à avaliação citológica dos ouvidos, Gotthelf (2007) considera como
normal contagem média menor ou igual a cinco bactérias por campo em cães e igual a quatro
bactérias/campo em felinos; e contagens maiores ou iguais a 25 bactérias/campo nos cães e
maiores ou iguais a 15 bactérias/campo em felinos como indicativo de infecção bacteriana.
Este autor não recomenda a avaliação do conduto auditivo apenas através do isolamento
11
bacteriano, uma vez que o ouvido normal e com infecção aguda podem apresentar os mesmos
microrganismos.
2.2 Otite Externa (OE)
O termo otite significa a existência de processo inflamatório envolvendo tecidos de
revestimento e estruturas associadas ao ouvido, sem especificar, entretanto, os fatores
desencadeantes do evento (August, 1998). Segundo Noxon (2007) a OE é freqüentemente
uma manifestação clínica de uma afecção generalizada. As otites podem ser classificadas de
diversas maneiras: quanto à lateralidade podem ser uni ou bilaterais; quanto à evolução estas
são classificadas como agudas, crônicas e crônicas recidivantes, respondendo esta última por
até 76,7% dos casos (Farias, 2002); e quanto à localização, podem ser externas, médias e
internas, sendo a otite externa a forma mais comumente descrita em cães e gatos (Gotthelf,
2007).
Segundo Gotthelf (2007), a otite externa é um problema muito comum em cães,
sendo menos freqüente em gatos. Estima-se que acometa de 5 a 20% dos cães e de 2 a 6% dos
gatos conduzidos a avaliação veterinária (Leite, 2008; Aquino et al., 2004; Rosychuk &
Luttgen, 2005; Fernández et al., 2006). Em felinos a otite é geralmente relacionada à etiologia
parasitária (Nascente et al., 2006), enquanto em cães é freqüentemente relacionada a uma
enfermidade dermatológica (Jacobson, 2002).
Na otite externa há uma inflamação do canal auricular externo resultando em
hiperplasia das glândulas ceruminosas, aumento de produção de cerúmen, fibrose resultante
do espessamento da derme e epiderme, redução da largura do canal devido ao espessamento
das dobras, podendo resultar em calcificação da cartilagem auricular (Werner, 2003; Rosser,
2004). Segundo Medleau & Keith (2003) as inflamações precoces caracterizam-se por
eritema e tumefação do epitélio de revestimento. A pele torna-se facilmente traumatizada ou
ulcerada e secundariamente infectada, com surgimento de exsudato purulento ou
hemorrágico. Exsudato aderente seroso e castanho claro pode ser observado em infecções
estafilocócicas ou estreptocócicas, enquanto exsudato amarelo pode ser indício de infecções
por bactérias Gram-negativas como Proteus sp, Pseudomonas sp. ou Escherichia coli. Na
presença de levedura, o exsudato apresenta um aspecto aderente, seroso e castanho (Gotthelf,
2007).
12
Casos crônicos ou negligenciados levam, muitas vezes, a uma otite externa crônica.
Nos casos de OE crônica, o revestimento epitelial do conduto auditivo externo reage à
inflamação e a hiperplasia resulta em aumento no número de ceranócitos e aparecimento de
epiteliócitos (Medleau & Keith , 2003; Harvey et al., 2004; Nascente et al., 2006).
2.2.1 Causas Primárias das Doenças Auditivas
As doenças de pele podem ser caracterizadas como causas primárias da doença
otológica devido ao efeito direto no revestimento epitelial do canal auditivo (Ginel et al.,
2002; Gotthelf, 2007; Noxon, 2007). De acordo com Rosychuk & Luttgen (2005), os fatores
primários da otite são aqueles capazes de iniciar uma inflamação nas orelhas normais, como
por exemplo, os distúrbios de hipersensibilidade (dermatite atópica ou por contato com
diversos agentes como trofoalérgenos, saliva de artrópodes), farmacodermia, corpos
estranhos, ectoparasitas, disqueratose e distúrbios das glândulas sebáceas (otite ceruminosa ou
seborréica), otite idiopática inflamatório-hiperplásica no Cocker Spaniel, doenças auto-
imunes - incluindo o complexo pênfigo, o lúpus eritematoso sistêmico e cutâneo - dermatoses
carências. Estudo realizado por Zur e colaboradores (2011) concluiu que cães que apresentam
endocrinopatias podem apresentar otite mais grave do que os que não apresentam nenhum
tipo de doença endócrina. Gotthelf (2007) cita o hipotireoidismo como causa primária de
doenças do ouvido, responsável por muitas alterações de pele e também do canal auditivo,
que permitem uma colonização por invasores secundários como bactérias e leveduras. Em
certas raças como Shar- Pei, Poodle, Cocker Spaniel, Golden Retriever, Chow Chow e Pastor
Alemão, onde se observa predisposição ao hipotireidismo, a otite externa parece ser o maior
desafio para os médicos veterinários. De acordo com Medleau & Keith (2003) algumas
neoplasias que acometem cães e gatos podem ser causas primárias de OE entre elas estão:
adenoma ou adenocarcinoma de glândula ceruminosa, adenoma ou carcinoma de glândula
cebácea, carcinoma de células escamosas e papilomas.
A otite externa também pode ser uma extensão de outras doenças do pavilhão
auricular envolvendo ouvido médio e/ou interno, sendo a identificação e controle dos fatores
primários importantes ao controle da OE (Noxon, 2007).
13
2.2.2 Fatores Predisponentes
O exame cuidadoso dos canais auditivos em cães com otite externa pode revelar
diversos problemas pré-existentes. Pelo fato de o revestimento do canal auditivo ser pele
modificada, as mesmas lesões encontradas na pele do tronco podem ser encontradas no canal
auditivo. Certas condições podem ser responsáveis pela alteração na anatomia e fisiologia do
canal auditivo, aumentando o risco de desenvolver otite externa (Gotthelf, 2007).
De acordo com Rosychuk & Luttgen (2005) e Noxon (2007), os fatores
predisponentes são aqueles que tornam a orelha mais suscetível à inflamação iniciada por
fatores primários, mas que isolados raramente causariam otite. Segundo Gotthelf (2007),
algumas condições encontradas no conduto auricular de cães e gatos e consideradas fatores
predisponentes que favorecem o desenvolvimento de otite externa são: estenose, excesso de
pêlos, excesso de produção de cerúmen, trauma de qualquer natureza no conduto auricular,
obstrução por tumor, pólipos ou granulação excessiva do tecido. Essas alterações anatômicas
e fisiológicas criam climas favoráveis para a proliferação de microrganismos infecciosos.
Altas temperaturas, umidade, grandes quantidades de substrato favorecem o crescimento de
bactérias e leveduras, sendo também considerados fatores predisponentes.
As orelhas caídas, comuns em várias raças caninas como Cocker Spaniel, Labrador
Retrivier e Springer Spaniel podem predispor à otite por prejudicarem a ventilação do canal
auditivo, aumentando o grau de umidade interna. Várias raças que possuem crescimento
excessivo de pêlos na orelha, como Poodle e várias terrier, também são mais predispostas a
OE, pois o acúmulo de pêlos e secreções pode obstruir o canal auditivo (Gotthelf, 2007).
Um achado comum em cães com otite externa é o estreitamento do canal auditivo. A
estenose aumenta a gravidade da doença auditiva, tornando o exame e o tratamento da otite
externa mais difícil (Medleau & Keith, 2003; Murray et al., 2003; Gotthelf, 2007).
2.3 Sinais Clínicos
Os principais sinais clínicos observados na otite externa, durante a inspeção direta do
animal, incluem: eritema, edema, descamação, alopecia do pavilhão auricular, inclinação da
cabeça, prurido, ulceração, dor à palpação dos condutos auditivos, otohematomas, dermatite
úmida na região auricular e exsudação. O ato de balançar a cabeça, traumatismos no pavilhão
14
auricular, presença de secreção auricular, às vezes fétida, escoriações e crostas no canal
auditivo são comuns nos casos de OE, especialmente quando estão presentes corpos estranhos
ou inflamação aguda (Medleau & Keith, 2003; Rosser, 2004; Rosychuk & Luttgen, 2005;
Gotthelf, 2007; Noxon, 2007).
2.4 Diagnóstico
De acordo com Noxon (2007), a utilização de ferramentas diagnósticas para
identificar os fatores primários, predisponentes e perpetuantes é de extrema importancia.
Segundo Medleau & Keith (2003) o diagnóstico da OE baseia-se em histórico e sinais
clínicos. Rosychuk & Luttgen (2005), consideram que o caminho mais produtivo para o
diagnóstico e terapia apropriada da otite externa começa com a anamnese, acompanhada de
exames dermatológico, físico e otoscópico. Durante a otoscopia deve ser observada a
presença de: parasitas, grau de inflamação, tamanho dos canais auditivos, quantidade e
natureza do exsudato, alterações proliferativas e aparência da membrana timpânica (Scott et
al., 2001; Ford & Mazzaferro, 2007).
Embora a avaliação citológica do exsudato auricular não estabeleça um diagnóstico
definitivo, esta é extremamente importante uma vez que determina os agentes infecciosos
presentes no canal auditivo, fornecendo um ponto de partida ao clínico para o tratamento com
base na presença de leveduras ou bactérias (Rosychuk & Luttgen, 2005; Angus,2007). A
citologia é considerada um teste diagnóstico simples, prático e barato que fornece um
resultado rápido. Para a avaliação citológica deve-se colher a amostra com suabe estéril e
realizar um esfregaço sobre uma lâmina de vidro. Este material sobre a lâmina deve ser fixado
no calor, corado com Giemsa ou algum método de coloração rápida e examinado ao
microscópio. Freqüentemente este exame revela a presença de cocos (Staphylococcus e/ou
Streptococcus), bastonetes (Proteus e/ou Pseudomonas ou outros Gram-negativos), leveduras
(Malassezia ou Candida) ou ainda infecções mistas e presença de leucócitos (Rosychuck &
Luttgen, 2005; Angus, 2007; Gotthelf, 2007).
Muitos microorganismos têm desenvolvido resistência ao uso rotineiro de
antimicrobianos, e devem ser identificados. A cultura e os testes de suscetibilidade são
recomendáveis quando há suspeita de alguma linhagem bacteriana resistente, sendo
recomendado em todos os casos de otite externa (Rosychuck & Luttgen, 2005).
15
Segundo Medleau & Keith (2003) a histopatologia da pele é recomendada em casos
suspeitos de neoplasia, assim como a radiografia ou tomografia computadorizada devem ser
utilizadas nos casos em que há evidencias de esclerose e opacificação comuns nas otites
médias.
2.5 Fatores perpetuantes e tratamento
Fatores perpetuantes são aqueles responsáveis pela continuação da resposta
inflamatória, mesmo quando os fatores primários não estão mais presentes ou ativos. Estes
fatores impedem que o canal auditivo cicatrize corretamente e incluem: infecções por
bactérias ou leveduras, tratamentos inapropriados, uso excessivo de limpadores auriculares ou
medicamentos, bem como a ocorrência de otite média. Rosychuk & Luttgen (2005)
consideram como fatores perpetuantes a colonização bacteriana (Staphylococcus epidermidis,
Staphylococcus intermedius, Micrococcus e coliformes fecais), M. pachydermatis, alterações
patológicas crônicas progressivas (hiperqueratose, hiperplasia, edema, hiperplasia ou
hipertrofia das glândulas apócrinas, estenose do conduto auditivo, fibrose e calcificação,
excesso de dobras cutâneas, otite média, hipersensibilidades de contato e tratamento
inadequado (Gotthelf, 2007).
Os microrganismos Gram-positivos comumente isolados do conduto auditivo de cães
são: Staphylococcus aureus (S. aureus), S. intermedius, Streptococcus sp.,Corynebacterium
sp. Dentre as Gram-negativas isoladas destacam-se a Pseudomonas sp., Proteus sp.,
Klebsiella sp., Escherichia coli e a Pasteurella sp. (Ikram, 2005; Gotthelf , 2007).
Embora a otite externa não represente uma ameaça à vida do animal, é uma afecção
dolorosa e considerada uma das doenças mais frustrantes na escolha de um tratamento efetivo,
uma vez que a resposta ao tratamento pode ser complicada devido à multifatoriedade da
doença (Balbi & Ramadinha, 1994; Gotthelf, 2007). O sucesso do tratamento depende da
correta identificação do agente causador da otite externa através de exames laboratoriais
(Motta et al., 2000).
O tratamento inicial de OE objetiva o controle da doença inflamatória ativa
(Noxon,2007). A proliferação de microorganimos infecciosos, secundária ao processo
inflamatório da doença, complica o quadro clínico da otite externa. Dessa forma é de extrema
16
importância que as causas primárias sejam corretamente identificadas e tratadas (Gotthelf,
2007).
A maioria das medicações tópicas indicadas para o tratamento de otite externa
contém glicocorticóides em combinação com antifúngicos e/ou antibióticos. (Scott et al.,
2001; Rosychuk & Luttgen, 2005). Os corticóides são indicados no tratamento da otite
externa por reduzirem tanto a intensidade do prurido quanto a inflamação do epitélio do canal
auditivo. A prescrição de altas doses de corticóides sistêmicos tem sido utilizada por vários
dias em casos de edema e estenose do canal auditivo (Gotthelf, 2007).
Os antimicrobianos podem ser formulados com outros fármacos tópicos como
antifúngicos, corticosteróides, inseticidas e anestésicos tópicos. Os aminoglicosídeos –
neomicina, polimixina B e gentamicina, são antibióticos tópicos potentes, com boa atividade
contra patógenos geralmente encontrados na otite externa, porém são ototóxicos e devem
evitados em animais que não apresentam membrana timpânica. As fluoroquinolonas são
também utilizadas em formulações, porém seu uso deve ser prescrito nos casos de infecções
por Pseudomonas com perfis de multiresistência, não devendo ser a primeira opção de
escolha nos casos de otite bacteriana externa (Scott et al., 2001; Gotthelf, 2007; Leite, 2008;).
Outra substância amplamente utilizada no tratamento é o trometamina-ácido etileno
diaminotetracético (tris-EDTA) em solução salina, útil principalmente nas otites externas
causadas por bactérias Gram-negativas por afetar a membrana celular bacteriana deixando-a
mais porosa, permitindo a ação do antimicrobiano (Scott et al 2001.; Leite, 2008).
O uso de antimicrobianos tópicos ao invés de drogas sistêmicas pode diminuir a
ocorrência de casos resistentes de otite externa (Leite, 2008). Segundo Gotthelf (2007), a
aplicação de pomadas diretamente no ouvido com excesso de cerúmen e debris celulares não
permite a total penetração do medicamento na pele do canal onde há a infecção.
Os agentes antifúngicos são necessários nos casos onde há o envolvimento de
leveduras como Malassezia sp. e Candida sp. e fungos como dermatófitos. A M.
pachydermatis e os dermatófitos geralmente respondem bem ao miconazol tópico a 1% ou
clotrimazol. Rosychuk & Luttgen (2005) relatam a eficácia da combinação de gentamicina,
clotrimazol e betametasona quando há associação entre M. pachydermatis e bactérias no
processo de OE.
17
3. MATERIAIS E MÉTODOS
Entre maio de 2009 e setembro de 2010 foram recebidas em um laboratório privado
de referência na cidade 147 amostras de exsudato otológico de cães, de diversas raças e
idades, apresentando sintomatologia de otite externa. As amostras foram colhidas do meato
acústico afetado com auxílio de suabes estéreis e analisadas com o objetivo de isolar e
identificar os microrganismos, submetendo-os posteriormente aos testes de suscetibilidade a
antimicrobianos.
Para o isolamento bacteriano, as amostras foram inoculadas em Agar sangue
(suplementados com 5 % de sangue de carneiro) e em Agar MacConkey e incubadas a 37˚C
por 24 a 48 horas em aerobiose. As espécies bacterianas foram identificadas de acordo com a
morfologia das colônias, coloração de Gram, produção de pigmento, presença de hemólise no
ágar sangue e testes bioquímicos de rotina (Quinn et al., 1999; Murray et al., 2002; Ikram,
2005).
Para avaliação dos testes de suscetibilidade a antimicrobianos foi utilizado o método
de disco-difusão em ágar estabelecido pelo Clinical and Laboratory Standards Institute (CLSI,
2008), sendo avaliados os seguintes antimicrobianos: Cefalexina (Cfx), Enrofloxacina (Eno);
Gentamicina (Gen); Neomicina (Neo), Tobramicina (Tob) e Ciprofloxacina (Cip). A
preparação do inóculo foi realizda através da suspensão de três a cinco colônias isoladas em
solução salina à 0,85% na turbidez equivalente a 0,5 da escala de MacFarland. A inoculação
no ágar Mueller Hilton foi realizada através do auxílio de um suabe de algodão e após um
período de cerca de 5 minutos os discos de antimicrobianos foram aplicados. As placas foram
incubadas por 24 horas a uma temperatura de 35oC.
18
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Do total de 147 amostras, 102 (69,39%) foram positivas para cultura bacteriana,
havendo associação entre dois microrganismos em 07 amostras (4,76%). Não foi observado
isolamento bacteriano nas demais amostras analisadas.
Dentre as 102 amostras que apresentaram crescimento bacteriano, foram
identificados 8 gêneros bacterianos, sendo Pseudomonas aeruginosa o agente isolado com
maior freqüência, seguido dos seguintes agentes: Staphylococcus coagulase-positiva (SCP),
Proteus mirabilis, Staphylococcus coagulase-negativa (SCN), Streptococcus sp., Escherichia
coli, Klebsiella pneumoneae, Enterobacter aerogenes e Corynebacterium sp. (Tabela 2). Nas
infecções polimicrobianas, os principais microorganismos associados foram Staphylococcus
coagulase positiva/Pseudomonas aeruginosa e Proteus mirabis/Pseudomonas aeruginosa,
ambas as associações encontradas em 02 amostras.
Conforme Koneman (2008) P. aeruginosa é a espécie do gênero Pseudomonas mais
freqüentemente isolada em amostras clínicas, capaz de produzir várias substâncias com alto
potencial para colonizar e infectar tecidos úmidos e feridas cutâneas exsudativas. Segundo
Oliveira (2000) este microorganismo tem a capacidade de produzir enzimas dermonecróticas
e letais.
O tratamento das infecções causadas por P. aeruginosa pode ser difícil, fato este que
pode estar associado à ocorrência de otite crônica recidivante devido a administração de
terapias inadequadas. Infelizmente alguns clínicos somente procuram utilizar ferramentas
diagnósticas para confirmação do diagnóstico após o insucesso terapêutico. De acordo com
Farias (2002) os casos de otite crônica recidivantes correspondem a 76,7% dos casos de
doenças no canal auditivo. A alta prevalência do isolamento de Pseudomonas sp. foi
semelhante-se aos achados de Barrasa e colaboradores (2000) e Kumar e colaboradores
(2010) que isolaram em seu estudo Pseudomonas sp. em 52,8% e 39% dos casos de OE,
respectivamente.
19
Tabela 2. Número e percentual de agentes isolados nas 102 amostras de suabes otológicos com crescimento bacteriano
Agentes isolados Total %
Enterobacter aerogenes 1 0,98%
Escherichia coli 7 6,86%
Klebsiella pneumoniae 1 0,98%
Proteus mirabilis 16 15,69%
Pseudomonas aeruginosa 32 31,37%
Staphylococcus coag. neg 7 6,86%
Staphylococcus coag. pos 31 30,39%
Streptococcus sp. 7 6,86%
Total geral 102 100,00%
Segundo Oliveira e colaboradores (2006), microrganismos do gênero Staphylococcus
sp. apresentam baixa patogenicidade, porém podem ser causadores de infecções em vários
sistemas orgânicos. Apesar da pouca importância dada a este microrganismo, vários estudos
destacam o potencial enterotoxigênico de cepas virulentas que produzirem toxinas com
propriedades de superantígenos, enfatizando a magnitude deste agente para a saúde pública
pelo estreito relacionamento entre humanos e cães (potencial zoonótico). A mesma
importância deve ser dada às bactérias dos gêneros Pseudomonas sp. e Proteus sp., ambos
considerados microorganismos integrantes da flora normal, que podendo causar quadros
patológicos (Hirsh & Zee, 2003; Koneman., 2008).
Entre as 33 raças avaliadas, a otite externa foi observada com maior freqüência nos
cães das raças Poodle (12,73%) e Cocker Spaniel Inglês (11,56%). Este resultado foi
semelhante ao encontrado em outros estudos, onde os pesquisadores observaram maior
prevalência em animais de raças que possuíam pavilhão auricular pendular e pêlos no interior
do meato acústico externo (Leite, 2008; Nobre et al., 2001; Yoshida et al., 2002).
Em relação à faixa etária, houve isolamento bacteriano em 76,19% (n=48) dos
suabes otológicos provenientes de 63 animais com idade superior a oito anos de idade,
seguido de 70,73% (n=29) de 41 animais com idade entre quatro e sete anos e 58,97% (n=23)
de 39 cães com idade inferior a quatro anos. Ao agrupar as idades, foi possível verificar que
um número maior de amostras foi obtido em animais com idade superior a oito anos de idade
(animais senis), onde os agentes P.aeruginosa e SCP foram os mais freqüentes. Vários
trabalhos citam a senilidade com um fator predisponente para otite pelas alterações
20
observadas na produção do cerúmen e maior descamação da epiderme (Gotthelf, 2007). De
acordo com Harvey e colaboradores (2004), há uma grande diversidade quanto a citações
sobre a faixa etária mais acometida nos casos de otite externa canina, devido às diferentes
estratificações e categorias consideradas por cada autor.
Já quanto ao gênero, não foi observada diferença entre o número de casos em machos
e fêmeas. Este achado está em concordância com outros estudos de Mota (2000), Machado et
al. (2003) e Leite (2008). Segundo Nascente e colaboradores (2010), a avaliação de fatores
predisponentes à otite não pode se restringir a definição do gênero ou faixa etária mais
acometida, uma vez que outros fatores encontram-se extremamente associados à ocorrência
de otite externa, como erros de manejo, limpeza inadequada do canal auditivo além de
características anatômicas, como orelha pendular.
Quanto aos testes de suscetibilidade a antimicrobianos, 75 (73,53%) dos 102
isolados bacterianos apresentaram resistência a pelo menos um dos seis antimicrobianos
testados e 36,27% apresentou resistência a três ou mais antimicrobianos, caracterizando a
multiresistência doa agentes. Os perfis de multiresistência das bactérias Pseudomonas
aeruginosa e Staphylococcus coagulase negativa (SCP) frente aos seis antimicrobianos
avaliados estão discriminados nas tabelas 3 e 4.
21
Tabela 3. Perfil de multiresistência a antimicrobianos entre os isolados de Staphylococcus coagulase positiva (SCP).
Perfil Total
ENO 1
TOB 1
ENO-CIP 1
ENO-NEO 1
GEN-CFE-NEO 2
GEN-ENO-CIP 1
GEN-NEO-TOB 1
GEN-CFE-NEO-TOB 2
GEN-ENO-NEO-CIP 1
GEN-ENO-TOB-CIP 1
GEN-ENO-NEO-TOB-CIP 3
Suscetíveis a todos antimicrobianos testados 16
Total 31
Tabela 4. Perfil de multiresistência a antimicrobianos entre os isolados de Pseudomonas aeruginosa.
Perfil Total
CFE 5
CFE-ENO 3
CFE-TOB 2
CFE-NEO 5
CFE-ENO-NEO 4
GEN-CFE-TOB 1
GEN-CFE-NEO 2
CFE-ENO-NEO-TOB 2
GEN-CFE-NEO-TOB 3
GEN-CFE-ENO-NEO 2
CFE-ENO-NEO-CIP 1
CFE-ENO-NEO-TOB-CIP 1
GEN-CFE-ENO-NEO-CIP 1
Total 32
22
Pseudomonas aeruginosa foi resistente à maioria dos antibióticos testados. De
acordo com Lyskona e colaboradores (2007) a multiresistência é um achado comum
especialmente para este microrganismo (Brothers et al, 2002; Teresa-Tejedor, 2003; Morris,
2004). Este dado é relevante por demonstrar um aumento na prevalência de resistência
bacteriana aos antimicrobianos. Os antimicrobianos que apresentaram menor resistência
foram ciprofloxacina (9,37%; n=3/32), seguido de tobramicina e gentamicina, ambos com
28,12% (n=9/32), e enrofloxacina (43,75%; n=14/32). Em medicina veterinária, os
aminoglicosídeos e as quinolonas são considerados fármacos de eleição em casos de otite
externa com isolamento de P. aeruginosa (Barrasa et al., 2000; Farias, 2002). A eficácia de
enrofloxacina foi inferior quando comparada a ciprofloxacina. Este dado é importante uma
vez que a enrofloxacina tem sido amplamente utilizada no tratamento de infecções de
pequenos animais (Seol et al, 2002 e Lyskona, 2007).
No antibiograma, os antimicrobianos mais eficazes em ordem crescente para SCP
foram cefalexina (12,90%; n=4/31), ciprofloxacina (22,58%; n=7/31), tobramicina (25,80%;
n=8/31), enroflaxacina (29,03%; n=9/31), neomicina (32,25%; n=10/31) e gentamicina
(35,48%; n=11/31). Os resultados de suscetibilidade foram semelhantes a outros estudos
realizados para quinolonas (Junco e Barrasa, 2002). Oliveira et al. (2006) não encontraram
cepas de SCP apresentando resistência à cefalosporinas. O crescente aumento das cepas
apresentando resistência à neomicina e gentamicina provavelmente estão relacionados ao
grande emprego destes princípios em medicamentos destinados ao uso tópicos auriculares.
As variações descritas no perfil de resistência podem ser atribuídas principalmente ao acesso
dos animais a clínicas veterinárias e, conseqüentemente, ao arsenal de antimicrobianos
empregados.
Os resultados acima descritos referem-se a análises fenotípicas realizadas in vitro.
Infelizmente não é possível afirmar que os medicamentos terão o mesmo desempenho in vivo;
uma vez eles que podem ser influenciados por outros fatores como a biodisponibilidade dos
fármacos, continuidade do tratamento, dose terapêutica recomendada e limpeza do conduto
auditivo. A não conclusão dos protocolos de tratamento implica diretamente em altos índices
de OE recidivantes e seleção de microrganismos resistentes.
23
5. CONCLUSÕES
A otite externa é um dos principais problemas encontrados pelo clínico na rotina
ambulatorial. Através deste estudo foi possível verificar que 69% das amostras colhidas de
animais com histórico de OE obtiveram isolamento bacteriano; sendo os agentes P.
aeruginosa e Staphylococcus coagulase positivo encontrados em maior freqüência. As
amostras provenientes de animais com idade superior a 8 anos apresentaram maior freqüência
de isolamento, sendo também os agentes citados acima associados a OE com maior
freqüência nesta faixa etária. Não foi observada diferença na freqüência de isolamento quanto
ao gênero do animal.
Através da realização dos testes de suscetibilidade, foi possível verificar que os
antimicrobianos que apresentaram melhor desempenho para os isolados de P.aeruginosa e
SPC foram, respectivamente, ciprofloxacina e cefalexina. Princípios amplamente utilizados
em medicamentos tópicos desenvolvidos para o tratamento de otite externa como neomicina e
gentamicina apresentaram baixa eficácia quando testados in vitro. Este dado reforça a não
responsividade destes fármacos, resultado em casos de OE recidivantes.
A observação cada vez mais freqüente de isolados bacterianos apresentando perfis de
multiresistência demonstra a grande relevância destes para a saúde pública, principalmente ao
considerar a estreita convivência entre humanos e animais de companhia.
Dessa maneira, este estudo destaca a importância da solicitação de exames
microbiológicos e testes de suscetibilidade antimicrobiana in vitro pelos clínicos como
ferramenta de diagnóstico e tratamento de OE, pois estes possibilitam a escolha apropriada do
antimicrobiano a ser utilizado, garantindo o sucesso terapêutico.
24
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