valores e usos do tempo dos professores
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS – CFCH FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
VALORES E USOS DO TEMPO DOS PROFESSORES: A (CON)FORMAÇÃO DE UM GRUPO PROFISSIONAL
AMANDA MOREIRA DA SILVA
RIO DE JANEIRO 2014
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS – CFCH FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
VALORES E USOS DO TEMPO DOS PROFESSORES: A (CON)FORMAÇÃO DE UM GRUPO PROFISSIONAL
AMANDA MOREIRA DA SILVA Dissertação apresentada ao Programa de pós-graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para a obtenção do título de mestre em Educação.
ORIENTADORA: LIBÂNIA NACIF XAVIER
RIO DE JANEIRO
2014
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AGRADECIMENTOS
Agradeço e dedico este trabalho à minha família que, desde sempre, mostrou-se
uma inesgotável fonte de apoio e incentivo. Agradeço em especial a minha mãe, a meu
pai e meu irmão por ajudar a guiar os meus caminhos.
Ao Victor, que neste período esteve junto a mim, com paixão, amor e humor,
renovando minhas forças, alegrando meus dias e pacificando minhas angústias.
A todos os meus amigos e amigas, presentes em todos os momentos importantes
de minha trajetória profissional e acadêmica.
Aos meus camaradas de lutas estudantis e sindicais.
Aos alunos, professores e técnicos administrativos do Programa de pós-
graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGE/UFRJ).
Aos amigos do Grupo de Pesquisa – Programa de Estudos e Documentação
Educação e Sociedade(PROEDES/UFRJ). Muito obrigada a cada um de vocês pelos
debates e pelos momentos de orientação coletiva.
À minha querida orientadora Libania Nacif Xavier pelo respeito às minhas
ideias, pelo companheirismo, dedicação e amizade.
Aos professores Roberto Leher e Amália Dias pelas sábias orientações no exame
de qualificação desta dissertação.
Agradecemos com todo carinho, aos professores e professoras da Rede Pública
Estadual do Rio de Janeiro. Pessoas generosas que disponibilizaram o seu tempo,
falando sem reservas sobre suas vidas, desejos e frustrações, contribuindo para a
realização desta pesquisa.
Ao povo brasileiro por financiar meus estudos nos mais de 10 anos de formação
dentro da Universidade Pública.
À vida.
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Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial.
Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão.
Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui pra diante vai ser diferente.
(Carlos Drummond de Andrade - Cortar o tempo)
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RESUMO SILVA, Amanda Moreira. Valores e usos do tempo dos professores: a (con)formação de um grupo profissional. Rio de Janeiro, 2014. Dissertação (Mestrado em Educação). Faculdade de Educação. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2014.
O presente trabalho se insere na área de estudos sobre a história da profissão
docente. O cerne desta pesquisa é o conceito de tempo, a partir do qual subsidiaremos
grande parte de nossas análises, tendo-o como instrumento para pensar os valores e usos
do tempo dos professores: a expropriação do tempo, a sua relação com o tempo de
trabalho, com o “tempo livre”, com o tempo de deslocamento, entre outros tempos
sociais. Resgatamos a relação entre a legislação e os sujeitos, observando como o poder
público lida com o tempo do professor, tendo como marco principal as reformas
educacionais brasileiras iniciadas na década de 1990 e seus impactos nas políticas
estaduais fluminenses, que interferiram nas condições de trabalho dos professores no
período de 1990 a 2013. Desenvolvemos nossas análises por meio da pesquisa empírica
em que teoria e evidência interagem segundo a lógica metodológica da própria história.
Nossa referência central foi o autor inglês E.P. Thompson. Seus estudos foram de
grande valia para analisarmos a categoria tempo, a legislação, o papel dos sujeitos e
suas apropriações, revelando o “fazer-se” de um grupo profissional docente. Para
compor tal cenário, foi indispensável a observação dos agentes individuais e coletivos
de modo a perceber as suas experiências vividas no tempo e no espaço em sua dimensão
histórica. Analisamos as percepções que os professores expressam a respeito dos
impactos de determinadas políticas educacionais com as quais eles tenham lidado e
observamos que a adesão ao Programa Automomia, da Fundação Roberto
Marinho/FIESP, é uma forma por meio da qual os sujeitos têm se mobilizado no sentido
de preservar sua integridade física e psíquica, buscando fugir dos problemas insurgidos
no trabalho, tais como a fragmentação do tempo, o desgaste ao ter que lidar com
diversas turmas, a dificuldade em trabalhar longe de suas residências e/ou em diversas
instituições de ensino. Muitas vezes essa mobilização não reflete em buscar soluções
mais amplas e, assim, acaba sendo uma resistência individual, onde os sujeitos se
defendem de um ambiente que os agride.
Palavras-chave: Tempo do professor, trabalho docente, políticas educacionais.
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ABSTRACT
The current paper puts in the area of study about the teacher profession history.
The girder of this research is the time concept, on the basis of if we will subsidize great
part of our analysis, having it as instrument to think about values and uses of teacher’s
time: the time expropriation, its relation with time of work, with free time, with the time
of movement to work, among other kinds of social time. We have got the relation
between legislation and subjects, observing how government authorities deal with the
teacher time, having as main mark the Brazilian educational reforms which started in
the 1990s and their impacts on politics of Rio de Janeiro state that interfered in the
employment conditions of teachers from 1990 to 2013. We have developed our analysis
by means of empirical research which theory and evidence interact according to
methodological logic of proper history. Our main reference was the English author E. P.
Thompson. His studies were valuable for us to analyze the category time, legislation,
the role of subjects and their appropriations, revealing what a group of teachers do. To
construct such scenery, it was indispensable the observation of individual and collective
agents in order to perceive their experience in time and space in their historical
dimension. We have analyzed the perceptions that teachers show concerning the
impacts of some educational politics which they have dealt and we observed the fact
they join in with the Programa Autonomia of Fundação Roberto Marinho/FIESP, is a
way that subjects have mobilized in the sense on preserving their physical and psychic
integrity, searching for running away from problems emerged at work, such as
fragmentation of time, fatigue because teachers work with many classes, the difficult
because they work far from their home and/or work at many schools. For many times
this mobilization does not ponder on searching for wider solutions, thus in the end it is
an individual resistance, where subjects protect themselves from an environment that
attacks them.
Keywords: teacher’s time, teacher’s work, educational politics.
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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade ALERJ – Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CEB – Câmara de Educação Básica CECIERJ – Fundação Centro de Ciências e Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro CIEP – Centros Integrados de Educação Pública CPF – Cadastro de Pessoas Físicas CNE – Conselho Nacional de Educação DIESP – Diretoria Especial de Unidades Escolares Prisionais e Socioeducativas DOC – Docente EJA – Educação de Jovens e Adultos ENCCEJA – Exame Nacional para Certificação de Jovens e Adultos ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio FIES – Fundo de Financiamento Estudantil FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo FRM – Fundação Roberto Marinho GLP – Gratificação por Lotação Prioritária IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica IDERJ – Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado do Rio de Janeiro INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MEC – Ministério da Educação MTE – Movimento todos Pela Educação NEJA – Nova Educação de Jovens e Adultos OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico OMC – Organização Mundial do Comércio PAR – Plano de Ações Articuladas PISA – Programa Internacional de Avaliação de Estudantes PL – Projeto de Lei PREAL – Programa de Promoção da Reforma Educativa na América Latina PRELAC – Projeto Regional de Educação para a América Latina e o Caribe PROUNI – Programa Universidade Para Todos SAEB – Sistema de Avaliação da Educação Básica SAERJ – Sistema de Avaliação do Estado do Rio de Janeiro SBHE – Sociedade Brasileira de História da Educação SEEDUC – Secretaria de Estado de Educação SEPE – Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação STF – Supremo Tribunal Federal UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
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LISTA DE TABELAS
TABELA Nº1 – Cálculo da duração da jornada de trabalho dos professores da rede
estadual do Rio de Janeiro de acordo com cada função, segundo a lei 11.738/2008....166
TABELA Nº2 – Número de escolas por Regional.......................................................166
TABELA Nº3 – Número de escolas por modalidade de ensino...................................167
TABELA Nº4 – Número de alunos e escolas por Regional.........................................167
TABELA Nº5 – Número de alunos matriculados nas diversas modalidades de
ensino.............................................................................................................................168
TABELA Nº 6 – Número de docentes na Rede Estadual.............................................168
TABELA Nº 7 – Motivos de afastamentos de docentes da Rede Estadual..................169
TABELA Nº 8 – Escolaridade dos docentes da Rede Estadual....................................169
TABELA Nº 9 – Remuneração dos docentes da Rede Estadual com os salários
aplicados em 2011 e 2012.............................................................................................169
TABELA Nº 10 – Carência de professores da Rede Estadual em novembro de
2011...............................................................................................................................170
TABELA Nº 11 – Identificação dos professores do Programa Autonomia (Regional
IV)..................................................................................................................................170
TABELA Nº 12 – Painel dos professores entrevistados com os respectivos nomes
fictícios..........................................................................................................................172
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 1. Tempo pensado 12 2. Tempo vivido 15 3. Tempo do professor 17 4. Trajetória 18 5. Aproximações de ordem teórico-metodológicas 22 6. A estrutura 24
CAPÍTULO 1: O TEMPO COMO CATEGORIA DE ANÁLISE 27 PARTE 1 1.1.1. O tempo, o passar do tempo, a utilização do tempo 28 1.1.2. O tempo como experiência 29 1.1.3. Tempo, trabalho e vida 32 1.1.4. O controle e a luta sobre o tempo 35 PARTE 2 1.2.1. O tempo como instrumento para pensar a docência 39 1.2.2. A regulação do tempo: segundos, minutos e horas na legislação 40 1.2.3. Tempo para se preparar, aprender e refletir 47 1.2.4. Tempo de ir e vir: o deslocamento 50 1.2.5. Tempo fragmentado: uma matrícula, várias escolas 52 1.2.6. O direito à preguiça: o “tempo livre” dos professores 55 CAPÍTULO 2: A DOCÊNCIA NO TEMPO E NO CONTEXTO DAS LEIS 60 PARTE 1 2.1.1. A legislação como um campo de batalhas 61 PARTE 2 2.2.1. Condições de trabalho docente e as dimensões quantitativas do ensino 66 2.2.2. Marcos das políticas públicas para a educação no estado do Rio de Janeiro 73 2.2.3. Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro: contexto de ação dos professores estudados 76 2.2.4. O contexto institucional da SEEDUC: dados recentes 77 2.2.5. A rede estadual e suas escolas 78 2.2.6. O fechamento de escolas 81 2.2.7. Alunos e professores 82
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PARTE 3 2.3.1. Plano de Metas Compromisso Todos Pela Educação e o Compromisso Fluminense 84 2.3.2. As metas da SEEDUC 87 2.3.3. O Índice de Desenvolvimento da Educação do Rio de Janeiro (IDERJ) 89 2.3.4. Remuneração variável 90 CAPÍTULO 3: O FAZER-SE DOS PROFESSORES DO PROGRAMA AUTONOMIA FRUTO DE UMA EXPERIÊNCIA NA PROFISSÃO DOCENTE 94 3.1. Tempo de pensar a formação e a experiência 95 3.2. Teorias sobre a profissão docente 99 3.3. Professores do Programa Autonomia da Metropolitana IV 105 3.4. Os usos do tempo pelo professor ao longo de sua trajetória profissional 107 3.5. Tecendo diferenças de gênero no uso do tempo 110 3.6. Fazer-se professor(a) do Programa Autonomia: diversos caminhos para um mesmo fenômeno 112 3.7. A classe (professoral) na classe: a relação com os alunos 116 3.8. De uma realidade peculiarmente agressiva surgem diferentes estratégias 120 3.9. A (con) formação dos professores: características de um grupo profissional 122 3.10. Costumes em comum: alienação, adaptação e pertencimento 126 CAPÍTULO 4: TEMPOS E CAMINHOS PERCORRIDOS: UMA DISCUSSÃO METODOLÓGICA 131 4.1. Pontos de ancoragem da análise 131 4.2. O mosaico de estratégias mobilizadas 132 4.3. Itinerário de pesquisa: a escolha do grupo de depoentes 138 4.4. Sujeitos e sujeições: a variação do zoom 144 CONSIDERAÇÕES FINAIS 147 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 153 APÊNDICES 159
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APRESENTAÇÃO
“O tempo é roído por vermes cotidianos. As vestes poeirentas de nossos dias, cabe a ti, juventude, sacudi-las.” (Maiakovski)
1. Tempo pensado
Este trabalho de pesquisa foi realizado em meio ao “olho do furacão1”. O ano de
2012 e, especialmente, o de 2013 trouxeram novos elementos para a história do nosso
município, do nosso estado e do nosso país. Vivemos um período em que a indignação
tomou conta do povo brasileiro e isso se expressou de forma explosiva. Não é a
primeira vez que isso acontece na história. Aconteceu agora, em nosso tempo. Vimos
milhões de pessoas nas ruas levantando bandeiras múltiplas, novas formas de
organização política e um aparato militar do Estado pronto a reprimir qualquer tipo de
manifestação.
Um período em que a juventude foi às ruas como protagonista de diversos
levantes, inicialmente recusando o aumento das passagens de ônibus, movimento que
foi se ampliando para o famoso “não é só por 0,20 centavos2”, e que caracterizou o
período conhecido como as “jornadas de junho”.
Governantes, políticos de todos os partidos, imprensa, cronistas políticos e até mesmo cientistas sociais foram pegos de surpresa pelas manifestações de massa que mudaram a face e o cotidiano de nossas cidades em junho. Pela rapidez com que se espraiaram, pelas multidões que mobilizaram, pela diversidade de temas e problemas postos pelos manifestantes, elas evocam os grandes e raros momentos da história em que mudanças e rupturas que pareciam inimagináveis até a véspera se impõem à agenda política da sociedade e, em alguns casos, acabem transformando em possibilidade algumas mudanças sociais e políticas que pareciam inalcançáveis (VAINER, C., 2013, p. 35).
1Adotamos a expressão por entender que se trata de uma alegoria ilustrativa do contexto singular em que se deu a escrita desta dissertação. 2 Nas ruas, o direito à mobilidade se entrelaçou fortemente com outras pautas e agendas constitutivas da questão urbana, como o tema dos megaeventos esportivos sediados pelo país (em especial a Copa das Confederações, ocorrida naquele momento) e suas lógicas de gentrificação e limpeza social.
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Poucas e incipientes são as tentativas de balanço, por se tratar de elementos tão
novos de um fenômeno tão recente, porém, uma das análises muito interessantes que
ajudam a entender tal fenômeno é aquela encampada por Ruy Braga, que faz uso do
conceito de “precariado3”. O autor caracteriza o “precariado” como uma juventude que
tem dificuldade em se organizar e que fica de fora dos gastos sociais, diferenciado
analiticamente do pauperismo (e do lumpemproletariado4), entende que “os
trabalhadores precarizados são uma parte da classe trabalhadora em permanente trânsito
entre a possibilidade da exclusão socioeconômica e o aprofundamento da exploração
econômica”. (BRAGA, 2012, p.19). Tal conceito ajuda ao analisar o fenômeno que
ficou conhecido como as “jornadas de junho”, pois grande parte do setor que se
levantou teve a característica comum de demonstrar insatisfação perante o mundo da
exclusão em que vivem. Deste modo:
se os grupos pauperizados que dependem do programa Bolsa Família e os setores organizados da classe trabalhadora que em anos recentes conquistaram aumentos salariais acima da inflação ainda não entraram na cena política, o “precariado” – a massa formada por trabalhadores desqualificados e semiqualificados que entram e saem rapidamente do mercado de trabalho, por jovens à procura do primeiro emprego, por trabalhadores recém-saídos da informalidade e por trabalhadores sub-remunerados – está nas ruas manifestando sua insatisfação com o atual modelo de desenvolvimento (BRAGA, R. 2013, p. 82).
Essa análise pode não dar conta de explicar a complexidade do fenômeno que
teve um forte impulso através das redes sociais, e englobou diversos outros setores
sociais com pautas difusas e confusas,
que se expressaram numa multifacetada manifestação de elementos de bom senso contra a ordem ao lado de representações de conteúdos conservadores e mesmo preocupantes do senso comum – como o nacionalismo exacerbado, o antipartidarismo, a retomada da extrema direita (IASI, M., 2013, p.46).
3 Uma parte do subproletariado, mas também uma massa latente de jovens que são atingidos pelo emprego informal e que por ter qualificações escassas enfrentam uma rotatividade no mercado de trabalho. 4 Por lumpemproletariado, Marx compreendia “o lixo de todas as classes” formados por indivíduos arruinados e aventureiros egressos da burguesia, vagabundos, soldados desmobilizados, malfeitores recém-saídos da cadeia, batedores de carteiras, rufiões, mendigos. Para mais detalhes, ver Karl Marx, O 18 Brumário de Luís Bonaparte (São Paulo, Boitempo, 2011).
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Estes setores entraram, mas saíram. A massa popular continuou nas ruas. Os
protestos que chacoalharam o Brasil foram resultado em boa parte da inquietação social
do “jovem precariado pós-fordista” (BRAGA, 2012, p.187), um proletariado urbano
acantonado no setor de serviços, ou seja, jovens incorporados aos milhões ao mercado
de trabalho nos últimos anos, mas de forma precária. Todos esses novos elementos da
luta de classes exigem uma análise muito cautelosa e criteriosa para entender o que
gerou tal levante e o que ocasionará no futuro. O tempo dirá.
Um fator extremamente importante a ser destacado é que
até o fim de junho nenhuma greve importante acompanhou os protestos de rua – é preciso lembrar que em 2012 houve 58% mais greves do que em 2011. Os movimentos sociais e os grupos da periferia das grandes cidades ficaram em compasso de espera. Na primeira onda de manifestações encerradas em junho, as centrais sindicais, o MST e os partidos de esquerda não lograram polarizar a vida política. Enquanto os protestos desmaiavam nas ruas já cansadas no fim do mês, algo se insinuava no ar. O roteiro previsível do teatro da polícia brasileira se tornou incerto (SECCO, L., 2013, p.78).
Após uma onda mais amena de protestos, vimos o furor da juventude atingir em
cheio os profissionais da educação do Rio de Janeiro, que também tomaram as ruas
cansados da progressiva degradação salarial e de suas condições de trabalho, iniciando
uma greve unificada das redes municipal e estadual no dia oito de agosto de 2013, que
apesar do trato oferecido pelos poderes executivo, legislativo e judiciário, conseguiu se
manter firme por dois meses, contando com amplo apoio da população e culminando no
15 de outubro de 2013, um dia do professor, que definitivamente entrou para a história
como um dia de vitória por colocar milhares de pessoas nas ruas, desta vez com uma
pauta muito bem demarcada: uma educação pública de qualidade para todos.
Assim composto o quadro, é possível definir o espaço-tempo de nossa
investigação, situando-o no interior dessa moldura, pois foi nessa conjuntura de novas
perspectivas políticas mobilizadas em nível nacional, associado a diversos movimentos
de contestação que se desenvolveu a escrita deste texto e a vivência dos sujeitos
participantes da pesquisa. Integrando essa realidade, a profissão docente, mostrou-se um
terreno privilegiado para a observação das atuais transformações.
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2. Tempo vivido
Dois anos de pesquisa. Tempo curto e diluído em meio a tantos desafios
acadêmicos, profissionais e militantes. Diversos fatores vivenciados poderiam ser
considerados desfavoráveis para uma boa escrita, tais como: trabalhar mais de 40 horas
semanais, morar longe do local de trabalho e estudo ou viver numa conjuntura nacional
de manifestações que “desnorteiam” qualquer um que não tem apenas o individual
como foco de vida.
Todo o tempo vivido foi utilizado de forma positiva, servindo como elementos
de reflexão, análise ou mesmo incorporação ao texto. Portanto, esta dissertação não
poderia ter sido escrita em momento mais propício. Foram anos marcantes, anos em que
entrei e me consolidei na profissão docente, anos em que me indignei ainda mais com as
políticas públicas da educação, anos em que muitos se indignaram. Anos em que passei
a atenuar o ritmo de militante para dar conta das tarefas das disciplinas do mestrado, dos
congressos, da pesquisa, das leituras, da escrita, do trabalho como professora da rede
estadual e municipal do Rio de Janeiro; mas que, ao mesmo tempo, em alguns
momentos, não me abstive em secundarizar as tarefas do mestrado para me dedicar a
uma greve, fazer trabalho de base nas escolas, ir às assembleias, ocupar a câmara de
vereadores, estar permanentemente nas ruas junto aos movimentos sociais enfrentando
as forças repressoras do Estado para garantir o direito elementar das pessoas que vivem
num estado democrático, o direito à livre manifestação. Tempos difíceis, mas
prazerosos.
Estas pressões enfrentadas refletem diretamente na construção desta dissertação.
De momentos de angústia, de incertezas, de alegria e de esperança em ver a categoria
dos profissionais da educação protagonizar uma greve histórica é que nasceram os
momentos de grande prazer e de muita emoção, pois cada novo elemento dessa luta era
uma injeção de ânimo para a escrita deste texto.
Manifestei muita alegria em pesquisar o tema, o espaço encontrado para
desenvolver uma pesquisa sobre a profissão docente no atual contexto é, de certa forma,
um privilégio.
Embora os trabalhos sejam autorais, e seja natural que quem escreve coloque sua
forma/concepção, essa imersão também impõe muitas dificuldades, pois cada dia foi
uma superação a fim de separar as diferentes esferas de atuação, como pesquisadora,
professora e militante. Neste sentido, como mestranda e professora, pretendo realmente
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oferecer contribuições que possam vir a ser aprofundadas, fomentando o processo de
discussão da profissão docente.
Muitas coisas são necessárias para mudar o mundo: Raiva e tenacidade. Ciência e indignação.
A iniciativa rápida, a reflexão longa, A paciência fria e a infinita perseverança,
A compreensão do caso particular e a compreensão do conjunto, Apenas as lições da realidade podem nos ensinar como transformar a realidade.
(Bertold Brecht)
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3. Tempo do professor
Dia primeiro de fevereiro de 2012, iniciou-se o ano letivo na Rede Pública
Estadual do Rio de Janeiro. Os professores que perderam sua lotação com o processo de
otimização/fechamento de turmas tiveram que comparecer à Diretoria Regional5 para
escolher novas escolas. Esse processo foi massivo e aconteceu em todas as regiões do
estado, onde centenas ou mesmo milhares de professores viveram esta situação.
Apresentando-se em suas respectivas diretorias metropolitanas, os professores tinham
que escolher seus doze tempos de aula a partir da carência atual das escolas que lhes
eram apresentadas, se discordassem, seriam alocados à revelia.
Ao chegar à Diretoria Regional, encontrei professores que, assim como eu, tinham
acabado de ingressar na rede e também professores mais antigos, muitos com mais de
dez anos de magistério, que passavam pelo mesmo processo de ruptura com seu
cotidiano de trabalho, num clima de decepção, insegurança e incerteza perante aquela
situação imposta.
Frente à falta de uma orientação sobre o quê fazer, somada à impotência e ao medo
de ficar com um horário inviável, os professores acabaram se submetendo àquela
situação, tendo que ir várias vezes à diretoria regional para tentar modificá-la. Este foi o
meu caso, que durante o mês de fevereiro, fui ao setor de quadro de horários na
Diretoria Regional diversas vezes, a fim de escolher um horário minimamente
compatível. Meu horário final se diluiu em três escolas nos bairros de Maria Paula,
Colubandê e Sacramento, localidades bem distantes do município de São Gonçalo, que
totalizam cerca de 25 km de distância de uma para as outras. Esse percurso entre as
escolas somava-se ao fato de eu já ter que percorrer cerca de 90 km de minha residência
até o local de trabalho, entre os bairros de Campo Grande no município do Rio de
Janeiro e o bairro Sacramento no município de São Gonçalo6. Nas escolas em que atuei
durante o ano de 2012, dava aulas de dois ou quatro tempos, tendo que fazer constantes
deslocamentos longos no mesmo dia, acarretando um grande cansaço físico, que
5 As Diretorias Regionais são unidades subordinadas à SEEDUC (Secretaria Estadual de Educação), responsáveis por atender às necessidades pedagógicas e administrativas da educação em áreas geográficas específicas do estado. São 14 Regionais, cada qual com uma Diretoria Pedagógica e outra Administrativa. Das 14 Regionais, sete são atuantes em municípios da Região Metropolitana e sete em municípios do interior fluminense. A atual disposição foi regulamentada pelo Decreto nº 42.837, de 04 de fevereiro de 2011, que transformou a estrutura básica da SEEDUC e deu fim à antiga organização, que possuía 30 Coordenadorias Regionais. Fonte: Secretaria do Estado de Educação. SEEDUC em números: transparência na educação. 2011 6 A distância entre os bairros dos referidos municípios podem ser vistas em https://maps.google.com.br/
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interferia diretamente na qualidade do meu trabalho. Situações parecidas e até piores se
colocaram, pois havia professores com a carga horária diluída em quatro e até cinco
escolas e que precisavam fazer esse trajeto de transporte público, geralmente escasso
nos bairros do referido município.
Com isso, nós, professores, tivemos o nosso tempo ainda mais fracionado, e
passamos a ter que lidar com uma referência espaço-tempo que inviabiliza a criação de
vínculos pessoais, institucionais e profissionais indispensáveis à realização de um
trabalho consistente, consciente e pertinente. Com essa rotina desagregada, durante o
ano letivo, fica quase inviável a criação de vínculos com a comunidade escolar, pois não
resta tempo para interagir com os colegas, com os alunos, com os pais, ou mesmo com a
Direção da Escola, tendo em vista a necessidade de ganhar tempo para estar em tantos
lugares diferentes. Chegar às escolas, dar os tempos de aula e imediatamente partir para
a outra escola, a fim de chegar no horário para cumprir os tempos de aula previstos na
jornada de trabalho, passou a ser a tarefa imposta aos professores. Isso reflete num
cotidiano desgastante, levando a relações superficiais com a comunidade escolar, esta
que, possivelmente, o professor irá abandonar no próximo ano letivo, quando buscará
uma nova escola mais próxima ou com mais tempo concentrado.
Considerando esta situação vivida, observamos que a experiência pedagógica dos
professores tem sido ligada à vivência de um tempo corrido, tarefeiro e mal
remunerado. Os dias da semana se tornam verdadeiros martírios, pois as condições de
trabalho os fazem ter uma relação extremamente extenuante com a profissão. E a cada
início de ano letivo que se aproxima, há inseguranças e dúvidas, pois a situação
vivenciada provavelmente irá modificar mais uma vez, com mais um processo de
otimização/fechamento de turmas fazendo com que os professores fiquem sujeitos a
novas alterações, fazendo com que a vida funcional desses profissionais seja
permanentemente permeada de incertezas. É da vida, do tempo perdido, que estamos
tratando.
4. Trajetória
O estudo percebe as consequências das condições de trabalho como contribuição ao
campo de estudos sobre a profissão docente e toma como tema, preferencial de reflexão
e análise, a questão da precarização do trabalho. Para tanto, define como base empírica
as condições de trabalho a que estão sendo submetidos os professores das escolas
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públicas do estado do Rio de Janeiro. A escolha do tema está diretamente ligada à
minha atuação como professora desta rede e ao meu inconformismo para com as
orientações políticas dirigidas aos professores pela Secretaria Estadual de Educação.
Tendo em vista o evidente envolvimento da pesquisadora com as questões de
pesquisa que pretendemos desenvolver, resolvi iniciar a apresentação do problema de
estudo a partir do relato de minha própria experiência profissional já anunciada e que
será detalhada a seguir, com vistas a demonstrar que este relato não é meramente
pessoal, mas reflete as condições a que estão submetidos muitos outros professores.
A minha7 trajetória como professora do ensino público tem início em 2010 quando,
ao terminar a graduação em Educação Física, fui convocada no concurso público para
professor da Educação Básica do Estado do Rio de Janeiro. A minha entrada no
magistério começa um pouco conturbada, pois eu havia feito concurso para a região da
zona oeste que fica próxima da minha residência e acabei sendo convocada, junto a
outros professores, para escolher uma vaga em outros municípios, nos quais havia
carência de vagas. A escolha não era obrigatória, mas deixar de tomar posse naquele
momento significaria perder a chance do primeiro emprego público, pois o concurso
perderia a validade e a convocação não mais aconteceria.
Dentre as opções apresentadas pela Secretaria de Educação, foi difícil escolher um
caminho geograficamente mais curto entre os apresentados, pois todos representariam
uma verdadeira viagem para o trabalho. Porém, recém-formada, encarei o desafio e
aceitei a vaga no município de São Gonçalo, no qual iniciei trabalhando em uma escola
de ensino fundamental e médio, lecionando em doze turmas diferentes e dando um
tempo de 50 minutos em cada uma, com uma disciplina para a qual eu não havia sido
graduada. Esta disciplina era intitulada “Projeto definido”. Eram muitas as piadas que
relacionavam a disciplina a um Projeto indefinido8 devido à inexistência de objetivos
apresentados para aquela mais nova invenção9 da Secretaria Estadual de Educação,
demonstrando que a disciplina não tinha nenhum valor para os alunos, pois não tinha
nenhuma implicação para a sua vida escolar.
7 É válido esclarecer que optamos por escrever este tópico da apresentação com ênfase na primeira pessoa do singular, pois entendemos que a narrativa descrita trata fundamentalmente do contexto em que se insere a autora. O texto será redigido, em algumas partes, na primeira pessoa do plural, criando a cumplicidade entre orientanda e orientadora, produzindo um vínculo entre nossas ideias, que acabaram por convergir na escrita desta dissertação. 8 Título da disciplina utilizado pelos alunos e alguns membros da comunidade escolar. 9 Resolução SEEDUC nº 4359 de 19 de outubro de 2009 que fixa diretrizes para a implantação das matrizes curriculares para a educação básica nas unidades escolares da rede pública e dá outras providências.
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A criação desta disciplina revelou, por um lado, a falta de planejamento da
Secretaria e das escolas, servindo apenas de carga horária complementar para os
professores que já estavam nas escolas ou para a alocação de professores dos concursos
que estavam para perder a validade. Por outro lado, enfrentou um descrédito dos alunos
e dos próprios profissionais da educação: dos primeiros, por não verem um propósito na
disciplina, que tinha matrícula optativa e não resultava em nenhum tipo de avaliação;
dos segundos, por enfrentarem uma resistência dos alunos e não terem uma proposta de
trabalho definida a ser feita naqueles 50 minutos em sala de aula.
No ano de 2011, o Projeto Definido extingue-se e, devido à licença médica de um
dos professores de Educação Física, provisoriamente, conquisto as vagas em seis
turmas, cumprindo minha carga horária de 12 tempos na mesma escola. Apesar da
distância que continuava enfrentando e das condições de trabalho extremamente
precárias, meu horário estava adequado às atividades a que passei a me dedicar e,
finalmente, me sentia uma professora da escola, começando a ter uma relação maior de
pertencimento àquele ambiente de trabalho.
Essa relação durou pouco, pois no início do ano de 2012, durante as férias de
janeiro, eu e mais seis professores da escola fomos comunicados via telefone, pela
direção, que precisaríamos deixar a mesma e buscar lotação em outras escolas, pois
estávamos excedentes no quadro de horários. Fato lamentado pela direção da escola,
que nos informou que havia recebido a informação da Secretaria, às vésperas, e que não
tinham outra opção a não ser cumprir as ordens recebidas.
Isso não foi um processo isolado, ele se deu em todo o estado do Rio de Janeiro, que
além de sofrer a extinção de diversas escolas públicas de ensino noturno, que atendiam
jovens e adultos em prédios compartilhados com o município, ainda contou com a
otimização/fechamento de turmas regulares nas escolas existentes e a abertura de novas
turmas do Programa Autonomia10, que existe desde 2009 e utiliza a metodologia do
10 O Programa Autonomia é o resultado de uma parceria entre o Banco Mundial, a Fundação Roberto Marinho e a SEEDUC. Se propõe a acelerar a formação dos alunos que se encontram em defasagem em relação ao fluxo idade-série, levando a que estes sejam agrupados em turmas “de aceleração”, que levarão apenas um ano para completar o ensino fundamental e 18 meses para terminar o ensino médio. Assim, o “Autonomia” diminui a distorção idade-série e a repetência escolar, elevando consequentemente o IDEB. A partir da análise dos indicadores do IDEB, o MEC ofereceu apoio técnico ou financeiro aos municípios com índices insuficientes de qualidade de ensino. O aporte de recursos se deu a partir da adesão ao Compromisso Todos pela Educação e da elaboração do Plano de Ações Articuladas (PAR). A adesão a projetos como o Autonomia, está inserido no Compromisso Todos pela Educação que propõe diretrizes e estabelece metas para o IDEB das escolas e das Redes Municipais e Estaduais de Ensino.
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Telecurso FRM-FIESP11 para aceleração da aprendizagem dos alunos com distorção
idade-série.
Atualmente, o programa atende mais de 47 mil alunos dos níveis fundamental e
médio da rede pública do estado12. A resolução nº 4295 de 04 de junho de 2009 da
SEEDUC, afirma em seu artigo 2º que
O Projeto Autonomia é implementado por meio da instalação de Telessalas, utilização do material do Novo Telecurso, professores capacitados pela Fundação Roberto Marinho, alunos regularmente matriculados e espaços existentes na escola, integrando a unidade escolar e a Rede Estadual de Educação.
É importante enfatizar a ingerência do Banco Mundial na política educacional dos
países considerados em desenvolvimento, definindo a agenda geral dos rumos que a
educação deve seguir, sendo esta, em geral, recontextualizada. Além disso, outro
importante fato é a participação em número crescente de empresas privadas na educação
pública brasileira. O Programa Autonomia é lançado dentro desse contexto de aumento
da participação do empresariado em um governo de perfil administrativo neoliberal, de
uma verdadeira evasão de professores e de um discurso de inserção de tecnologias
novas na Educação do Estado do Rio de Janeiro.
Diferentemente da Educação de Jovens e Adultos (EJA), que conta com um
professor para cada disciplina, as telessalas do Programa Autonomia utilizam apenas
um professor por turma. O resultado é que vários professores simplesmente não têm
mais turmas para lecionar e precisam mudar de escola, dividir seu tempo entre várias
unidades, encaixar-se em horários já estabelecidos, etc.
Em algumas escolas da Rede ocorreram fechamentos de turmas do ensino regular
para que em seu lugar fossem abertas turmas do Programa Autonomia, o que gerou forte
crítica do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (SEPE), pelo fato de apenas
um professor ser responsável por todas as disciplinas, sendo “reduzido a um mero
11 O Telecurso é uma iniciativa conjunta da Federação das Indústrias do estado de São Paulo (FIESP) e da Fundação Roberto Marinho. Atualmente o programa é adotado nos estados do Acre, Amazonas, Minas Gerais (na Rede Municipal de Ensino) Pernambuco e Rio de Janeiro (nas Redes Municipal e Estadual de Ensino). O índice de aprovação do Telecurso, que chega a mais de 90%, é um dos principais motivos que levam governos estaduais a adotarem este programa como política pública de ensino. (Disponível em: www.telecurso.org.br acesso em 27 de outubro de 2012) 12 Método diferenciado de ensino conquista jovens. O Fluminense. Niterói, 30/03/2013. Nacional/Mundo, p.2.
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entregador de conhecimentos prontos” (SEPE, 2012) e pela falta de comunicação entre
a SEEDUC e as escolas, que só foram informadas que possuiriam turmas do Programa
depois do final do ano letivo anterior, quando os professores já estavam de férias13.
Com a implantação de Programas como o Autonomia, com o fechamento de turmas
e escolas, a cada início de ano letivo, muitos professores da rede estadual precisam
mudar de local de trabalho e dificilmente conseguem concentrar seu horário em apenas
uma instituição, precisando desdobrar-se em diversas escolas a fim de completar a sua
carga horária. Não encontrando palavras para descrever tal sensação de insegurança
perante essas situações, busquei a partir daí entender a fragmentação do tempo do
professor, como os profissionais lidam com essas inseguranças e frustrações de não
poder manter um vínculo institucional que exige a atividade docente. Afinal, como os
professores têm lidado com tudo isso?
5. Aproximações de ordem teórico-metodológicas
As páginas que seguem são resultado de três anos de trabalho, estudo e pesquisa,
que permitiram o amadurecimento das ideias aqui contidas. Ora trabalhando dentro de
uma perspectiva histórico-conceitual, ora fazendo pesquisas exploratórias e de campo,
pude acumular experiências e uma tímida ousadia que me impulsionou a escrever algo a
respeito do que vivencio e observo no cotidiano dos professores.
Sem o objetivo de cair no ecletismo, buscaremos não fazer uma conciliação entre
autores de diversas matizes teóricas, e sim buscar uma confluência, afirmando uma
complementaridade sem contudo expressar uma diferença ou oposição de ideias.
Traremos insights interpretativos a partir das intervenções no campo empírico e das
vivências expostas pelos sujeitos. Desenvolveremos nossas análises14 por meio da
pesquisa empírica em que teoria e evidência interagem segundo a lógica metodológica
da própria história.
Nossa referência central foi o autor inglês E. P. Thompson, que consegue extrair de
suas fontes uma leitura perspicaz, que revela com sua escrita mordaz, críticas a linhas de
pensamento e escolas teóricas que são, a seu ver, falhas em reconhecer as nuances do
processo histórico. Buscarei a motivação para estudar a profissão docente com profunda 13 Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação. Nota oficial do SEPE sobre o Programa Autonomia da SEEDUC: Autonomia para quem? Disponível em: http://www.seperj.org.br/ver_noticia.php?cod_noticia=2758 acesso em 28 de novembro de 2013. 14 Para mais detalhes sobre os procedimentos metodológicos utilizados na pesquisa, ver o último capítulo: “Tempos e caminhos percorridos: uma discussão metodológica”.
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simpatia, muito inspirada naquela que Thompson nutria pelos plebeus ingleses do
século XVIII e pela forma com que se organizavam enquanto grupo social em oposição
a outros que os queriam subalternizar.
O resgate de E. P. Thompson e de sua lógica histórica, assim como de sua trajetória
intelectual e política adquire relevância nos dias de hoje e nos ajuda a analisar a
categoria docente. A presença de Thompson como referência nas obras dos
historiadores da Educação tem crescido e/ou tem sido mantida, embora ainda não seja
dos mais citados. Uma boa amostra pode ser buscada nas referências ao historiador
inglês presentes em artigos da principal revista brasileira da área, a Revista Brasileira de
História da Educação publicada pela Sociedade Brasileira de História da Educação
(SBHE). Acompanhando todos os números publicados da revista, pude constatar a
presença de referências a E. P. Thompson em apenas oito artigos, num total de 224
artigos, em 32 edições do periódico acadêmico, entre os anos de 2001 e 2013. Numa
apreciação geral, pode-se dizer que, se esse autor não é um dos “campeões de citações”
entre os artigos da revista15, mas encontramos referências que demonstram a
importância do autor para a história da educação.
Não é ocioso lembrar que noções tão frequentadas pela historiografia
educacional mais recente, tais como tempos e espaços sociais, disciplina e controle,
costumes/hábitos, ritos, sociabilidades, histórias de vida, entre outros, foram objetos das
preocupações de Thompson desde os anos 50 do século XX pelo menos, justamente na
tentativa de conferir aos marginalizados pela história oficial o seu lugar na construção
da história.
Na graduação, durante a iniciação científica, tive um contato inicial, porém
profundo, especificamente com uma das obras de Thompson: os três tomos de “A
formação da classe operária inglesa16”. Esse contato inicial, já me fez nutrir pelo autor
uma profunda admiração, seja por sua simpatia pelos “esquecidos”, seja por sua prática
historiográfica. Retomar as leituras de Thompson hoje no mestrado, em especial leituras
15 Poucos estudos de história da educação tomam a obra de Thompson e da chamada história social inglesa, mesmo como referência marginal. Pelo menos aqueles que têm circulado no Brasil. Podemos identificar o estudo de Taborda (2008) como uma das publicações recentes que trabalha diretamente com os conceitos de Thompson e faz um estudo mais sistemático sobre as contribuições do autor para a pesquisa em história da educação. Disponível em: http://www.rbhe.sbhe.org.br/index.php/rbhe/article/view/112 acesso em 11 de novembro de 2013. 16 FORTES, Alexandre. SILVA, Amanda Moreira. Revisitando um clássico da história social: a estrutura narrativa de A Formação da Classe Operária Inglesa. Rev. Univ. Rural, Sér. Ciências Humanas. Seropédica, RJ, EDUR, v.29, n.2, jul-dez, p.01-24, 2007. Disponível em: http://www.editora.ufrrj.br/revistas/humanasesociais/rch/rch29n2/01-24.pdf
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que não tive contato anteriormente, entendendo sua crítica ativa ao materialismo
histórico, seu conceito de experiência, de costumes e modos de vida, sua polêmica com
o estruturalismo de Althusser, e seus escritos sobre cultura17 popular, me fizeram
perceber a riqueza que o autor da “Formação” poderia me oferecer.
Ao descrever a “consciência de classe” e a compreensão das experiências em
termos culturais, Thompson percebe que grande parte dessa experiência se encontra
condicionada às relações produtivas dentro das quais os homens nascem e são inseridos
a ela involuntariamente. Seus estudos atenderam às diversas partes da história, da
história do trabalho à história da cultura, principalmente da história social e inspirou
pesquisas originais sobre temas que vem afligindo a nossa sociedade. Tomaremos como
base seus escritos para analisar a categoria tempo, a legislação, o papel dos professores
e suas apropriações, constituindo o “fazer-se” de um grupo profissional. Portanto, suas
obras permearão todos os capítulos dessa dissertação.
6. A estrutura
O trabalho não respondeu apenas a um plano de pesquisa rigidamente definido,
mas foi movido pelo contato com as fontes, pois o material acabou levando a novas
direções. A situação das páginas que seguem fugiu parcialmente do projeto que lhes deu
origem. Inicialmente pretendíamos fazer um estudo sobre as condições de trabalho dos
professores da rede estadual de ensino do Rio de Janeiro. Imaginamos um trabalho que
incluísse um capítulo introdutório sobre a profissão docente e suas atuais condições de
trabalho; outro que trouxesse análises documentais baseadas em fontes Secretaria de
Educação e por fim; um capítulo que desse voz aos professores da rede estadual e que se
inserem numa lógica precarizada de trabalho.
De certa forma, tal proposta ainda está presente nesta dissertação, porém um
novo horizonte da pesquisa começou a se delinear a partir do exame de qualificação,
quando, junto à orientadora e à banca examinadora do projeto, pudemos reformular
questões e delimitar o referencial teórico-metodológico. Quando comecei a escrever
sobre as condições de trabalho docente e observar as fontes orais, percebi que surgiram
novas categorias de análise que foram confirmadas com a observação empírica. A partir 17 Sobre o conceito de cultura em Thompson, é preciso fazer duas ressalvas. A primeira, lembrada pelo próprio Thompson, de que cultura é um conceito muito impreciso (como economia ou política), sendo mais uma noção geral que um conceito. A segunda, lembrada por Badaró (2012, p. 118), de que, ao contrário de classe social, o conceito de cultura não teve como campo privilegiado de emprego a tradição do materialismo histórico.
25
daí, o que era para ser introdutório se tornou praticamente o conjunto do trabalho e a
questão do tempo demonstrou ser realmente central para o entendimento do nosso
objeto de pesquisa. Então, a guinada para estudar o(os) conceito(os) de tempo se deu de
forma mais enfática, despertando a vontade de dar mergulhos mais profundos na
temática, embora o tempo da conclusão da dissertação e o tempo exíguo restante das
minhas atividades laborais só tenham me permitido ficar na superfície. Como se vê, a
centralidade do tempo extrapola o objeto estudado, estabelecendo limites ao próprio
estudo que pretende compreender a sua ação sobre a vida social.
Pretendemos permear todo o texto com narrativas sobre a experiência vivida pelos
professores, cuidando para que esta seja entrelaçada com a reflexão teórica. O estudo
terá como base relatos e problemas. Chamamos de relatos, aquela história construída
pelos viventes a partir de seus depoimentos, com base nas memórias e nas percepções
produzidas pelos professores sobre o vivido e vivenciado. E de problemas chamaremos
o estudo dos processos históricos que engendram os acontecimentos destacados como
relevantes, sobre os quais nós empreenderemos uma análise e a verificação de suas
causas.
Esta dissertação está organizada em quatro capítulos que tratam de temas diferentes
nas suas raízes, embora sejam convergentes na problemática. No capítulo um,
começaremos pelo cerne desta pesquisa, o conceito a partir do qual subsidiaremos
grande parte de nossas análises: a noção de tempo, tendo-a como instrumento para
pensar as condições de trabalho dos professores. No capítulo dois, dividido em três
partes, consideramos dois níveis de análise: na parte um, trataremos da relação entre
legislação e sujeitos; na parte dois, abordaremos os objetivos gerais da educação, tal
como são definidos pelas autoridades escolares. Interessa, também, perceber como o
poder público lida com o tempo dos professores, definindo por fim, quais serão os
recortes espaciais e temporais para os quais esta pesquisa se volta. Neste capítulo,
investigaremos as reformas educacionais brasileiras dirigidas aos professores das
escolas públicas fluminenses, no período de 1990 a 2013. Além disso, recolhemos
indícios (documentos/dados) que permitiram caracterizar as políticas atuais da
SEEDUC em sua interferência na rotina dos professores, buscando assim, demonstrar
através dos dados oficiais, a intensidade das mudanças na organização e funcionamento
da rede escolar que o estado tem provocado.
No terceiro capítulo resgatamos as experiências de um grupo de professores que me
parece ter especial relevância: os professores do Programa Autonomia. Destacamos as
26
ações cotidianas a fim de precisar de que modo os professores respeitam, adaptam e
transformam tanto os objetivos gerais da educação quanto os programas escolares no
seu processo concreto de trabalho. Buscaremos observar as condições de trabalho
docente na rede pública estadual, assim como a construção da profissão de acordo com
os relatos dos próprios professores em entrevistas concedidas para este estudo.
Analisamos as percepções que os professores expressam a respeito dos impactos de
determinadas políticas educacionais com as quais eles tenham lidado, destacando as
condições de trabalho, o grau de autonomia no desenvolvimento de seu trabalho, além
de outras questões enfatizadas nos depoimentos colhidos. E por fim, no último capítulo
arremataremos com algumas palavras sobre a metodologia adotada e o trato com as
fontes utilizadas na pesquisa.
Certamente escolher uma instituição para a pesquisa facilitaria nosso trabalho,
porém, nosso foco não foi institucional. Nós optamos, sim, por uma abordagem sócio-
profissional que não se furta em compreender as experiências dos professores e
professoras em relação às políticas educacionais e suas condições de trabalho, assim
como por meio da observação de suas formas de lidar com a realidade e de produzir
respostas aos constrangimentos a que estão submetidos.
Ora, quando se trata de procurar pontos comuns entre os indivíduos, convém
restringir um tanto o alcance das situações. Assim, escolhemos a profissão docente; uma
só rede de ensino, a estadual do Rio de Janeiro; um só nível de ensino, o ensino
secundário; e um só Programa: o Autonomia; numa região geográfica limitada.
Optamos por três gerações de professores (os com menos de cinco anos de atuação,
outros com mais de cinco e menos de 15 anos de magistério e outros com mais de 20
anos de profissão) que viveram estruturas institucionais e acontecimentos históricos
diferentes e que lecionam disciplinas diferentes. Especificamente nossa pesquisa de
campo teve como objetivo: identificar as estratégias utilizadas pelos professores antes e
depois deles aderirem ao Programa Autonomia. Trata-se de considerar o que fizeram, o
que fazem e como lidam com o próprio tempo.
Esta dissertação é minha oportunidade de explicar o que aprendi sobre o trabalho
docente e também de sugerir, com um expressivo grau de modéstia e total
reconhecimento de minhas próprias limitações e erros, os resultados da pesquisa e o
resultado do teste das hipóteses que nortearam todo o percurso.
Deixo claro, e assumo, tão conscientemente quanto possível, todo o ardor que
emprego na discussão do tema. Resguardando as dificuldades de análise ao fazer a
27
história do tempo presente, estar imersa na realidade da pesquisa e passar diretamente
pela experiência que origina o objeto do estudo; foi muito bom ter a oportunidade de
trabalhar um tema tão presente na minha experiência profissional. Certamente, isso fez
do tema de pesquisa algo mais apaixonante.
CAPÍTULO 1: O TEMPO COMO CATEGORIA DE ANÁLISE
Cada (tic-tac) es un segundo de la vida que pasa, huye, y no se repite. Y hay en ella tanta intensidad, tanto interés, que el problema es sólo saberla vivir. Que cada persona lo resuelva como pueda.
Frida Kahlo
Teremos no presente capítulo o objetivo de ensaiar uma análise do conceito de
tempo como categoria central, somado às noções de experiência, cultura, indivíduo e
sociedade, estando atentos a como essas categorias podem nos ajudar a analisar as
condições atuais do trabalhador docente. Para isso optamos por dialogar com autores
como Thompson, Marx, Elias, entre outros, que nos oferecem um aporte teórico capaz
de lançar luz sobre essas temáticas. A escolha do referencial se deu pelo fato de serem
teóricos que direta ou indiretamente se debruçaram sobre o tema central do tempo,
assim como os conceitos adjacentes citados e por considerar a forma tão sublime, real e
crítica com que tratam as referidas questões na história de nossa sociedade em suas
diferentes formas de abordagem.
Discutiremos as potencialidades de algumas ideias contidas em determinadas
obras dos referidos autores, especialmente tentando encontrar nas produções teóricas o
lugar de onde cada autor está lendo e escrevendo para, a partir daí, dialogar com cada
um deles. Assim, buscaremos resgatar de forma crítica e reflexiva, conceitos e contextos
nos quais as relações entre tempo, trabalho, experiência, cultura, indivíduo e sociedade
foram sendo construídas e transformadas.
Portanto, o objetivo deste capítulo é desenvolver um aporte teórico mais
conceitual, que ajude no discorrer da dissertação, orientando a análise empírica que
pretendemos desenvolver. Desta forma, não objetivaremos fazer um capítulo teórico
inicial puro e outros baseados apenas na parte empírica, mas, ao contrário, pretendemos
estabelecer uma relação dialética, colocando a teoria em diálogo com a empiria, todo o
tempo, de forma que os conceitos ajudem na interpretação, refutação ou contestação das
hipóteses apresentadas e do material empírico levantado. Assim, todo o trabalho estará
28
permeado de questionamentos e a interpretação será buscada a partir do que os sujeitos
da pesquisa apresentarem.
PARTE 1
1.1.1. O tempo, o passar do tempo, a utilização do tempo...
Na busca por compreendermos qual a relação dos professores com o seu tempo,
antes nos questionamos sobre a relação do indivíduo e da sociedade com o tempo,
fomos buscar algumas definições que pudessem ajudar a analisar o tempo na trajetória
profissional dos docentes.
Ao discorrer “Sobre o Tempo”, Nobert Elias (1998) trouxe uma contribuição
fundamental que servirá de pontapé inicial para a discussão a qual nos propomos. Em
sua importante obra, nos limitaremos ao quesito que tange à observação da função
social do tempo como meio de orientação e de regulação social. Observamos que ele
desenvolve uma teoria sociológica de vasto alcance, porém, não versa nem sobre o
tempo de trabalho nem sobre o tempo livre. Para dar conta desses tempos que nos
interessam mais diretamente ao analisar a profissão docente, recorreremos a outros
autores que se apresentarão no decorrer do texto.
A concepção de tempo social, de Elias, servirá de base para a exposição que
seguirá no presente capítulo. O tempo de que falaremos não é o tempo dicotomizado,
que didaticamente se costuma separar, numa tentativa de compreendê-lo: os tempos
social e físico. Concordamos com o autor, quando afirma que estes dois tempos,
separados no tempo da intimidade de nosso ser, não fazem sentido. Elias propõe uma
alternativa de superação da dicotomia das ciências, prefere analisar o tempo num
contexto sociológico e, para isso, traz uma ideia básica e necessária para entender o
tempo: não se trata do homem e da natureza, como fatos separados, senão do homem na
natureza. Com isso, fica facilitado o empenho de investigar o que significa o tempo, por
entender que a dicotomia do mundo em natureza (área de estudo das ciências naturais) e
sociedades humanas (área de estudo das ciências humanas e sociais) conduzem a uma
cisão de mundo, que segundo o autor é produto artificial de um desenvolvimento
científico dicotômico.
Trouxemos esta contribuição de Elias porque não se trata aqui de compreender o
tempo de forma isolada, pois este há de ser considerado no contexto da sociedade. Se a
29
sociedade não é formada por homens independentes do mundo exterior, o tempo deve
ser produzido em interação com outros elementos da vida social, em articulação. Foi
graças a Elias, que argumentando sobre o “tempo físico” o articulou ao “tempo social” e
se posicionou diante dessa nova faceta, podendo assim trazer importantes contribuições
para a historiografia da educação.
Nesse empenho, traremos Thompson (2011), que nos ajuda a compreender até
que ponto, e de que maneira, a mudança no senso de tempo afetou a disciplina de
trabalho, e até que ponto influenciou a percepção interna de tempo dos trabalhadores.
Ao analisar a transição para a sociedade industrial madura, o autor observa a
reestruturação rigorosa dos hábitos de trabalho e de que forma isso se relaciona com a
mudança da noção interna do tempo. O que Thompson examina não são apenas as
mudanças na técnica de manufatura, que exigem maior sincronização do trabalho e
maior exatidão nas rotinas do tempo em qualquer sociedade, mas como essas mudanças
são experienciadas na sociedade capitalista industrial nascente. O autor se preocupa
simultaneamente com a percepção do tempo em seu condicionamento tecnológico e
com a medição do tempo como meio de exploração da mão de obra, o que nos interessa
bem de perto.
1.1.2. O Tempo como experiência
O tempo é um instrumento criado pelo ser humano, capaz de coagir os
indivíduos a se orientarem de acordo com as noções criadas, “uma instituição cujo
caráter varia conforme o estágio de desenvolvimento atingido pelas sociedades”
(ELIAS, 1998, p.15). A partir da fundamental contribuição de Thompson (2011) ao
analisar a cultura europeia, entendemos que a transição para a sociedade industrial foi
acompanhada de mudanças na percepção do tempo, acarretando uma reestruturação
rigorosa dos hábitos de trabalho e a adoção de uma nova disciplina de trabalho que
culminou numa mudança na percepção e numa nova experiência do tempo.
Tal como Elias, Thompson considera o aspecto cultural que perpassa a noção de
tempo, trazendo exemplos de como diferentes povos atuam na organização de sua
temporalidade, utilizando-se de elementos recorrentes em sua cultura para medir e
dividir o tempo. Para exemplificar as diversas formas de aferição do tempo nas diversas
sociedades e buscar a noção de tempo desvinculada de nossa realidade ocidental
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capitalista, traremos a contribuição da etnologia de Evans-Pritchard (1978) que faz uma
análise da estrutura social Nuer18, na qual o sistema social é um sistema dentro do
sistema ecológico, ou seja, as relações sociais deste povo nilota são diretamente
influenciadas por limitações ecológicas.
Evans-Pritchard demonstra com vários exemplos como os Nuer têm maior
facilidade em falar do tempo em relação às atividades que executam, em vez de falarem
abstratamente ou em números. Ao observar esse povo na década de 1930 a 1950,
culminando em uma conhecida trilogia, o autor analisa, entre outros fatores, o senso de
tempo dos Nuer:
Os Nuer não possuem uma expressão equivalente ao ‘tempo’ de nossa língua e, portanto, não podem, como nós podemos, falar do tempo como se fosse algo de concreto, que passa, pode ser perdido, pode ser economizado, e assim por diante. Não creio que eles jamais tenham a mesma sensação de lutar contra o tempo ou de terem de coordenar as atividades com uma passagem abstrata do tempo, porque seus pontos de referência são principalmente as próprias atividades, que, em geral, têm o caráter de lazer. Os acontecimentos seguem uma ordem lógica, mas não são controlados por um sistema abstrato, não havendo pontos de referência autônomos aos quais as atividades devem se conformar com precisão. Os Nuer têm sorte (EVANS-PRITCHARD, 1978, p.116).
Para efeito de compreensão, podemos perceber que os Nuer pensam com muito
mais facilidade em função das tarefas que realizam do que em unidades puras de tempo,
há um verdadeiro descaso pelo tempo dos relógios, sua relação é muito maior com os
ritmos naturais.
Não há unidades de tempo dentro do mês, dia e noite. As pessoas indicam a ocorrência de um acontecimento há mais de um dia ou dois fazendo referência a algum outro acontecimento que tenha ocorrido ao mesmo tempo ou contando o número dos “sonos” ou dos “sóis”. Existem termos para hoje, amanhã, ontem, etc., mas não possuem qualquer precisão (IBIDEM, p.113).
Elias também traz exemplos de tipos primitivos de determinação do tempo,
baseados no sol e na lua, que segundo ele “representam um nível de síntese ou de
abstração relativamente baixo” (ELIAS, 1998, p.75). Essas modalidades de
determinação do tempo que repousam sobre um acontecimento pontual, como na
observação de uma lua nova, por exemplo, representam uma determinada forma de
experiência do tempo.
18 Grupo de povos africanos que falam línguas nilóticas e habitam a região sul do vale do rio Nilo.
31
É preciso destacar, que ao analisar o tempo há sempre o risco de cair no
etnocentrismo19 ou no anacronismo20, neste caso, como em muitos outros, produzimos e
reproduzimos o conhecimento em função de nossa sociedade e de nosso tempo. É
sempre bom resgatar que em outros contextos a naturalização do tempo como
conhecemos causaria estranhamento. Fabian (1983), referência importante para os
debates teóricos e epistemológicos sobre os limites e as possibilidades da interpretação
antropológica, se dedica em “Time and the other” a fazer uma análise histórica para
demonstrar a criação, transformação, e diferenciação dos usos do tempo. Para Fabian, o
conhecimento produzido possui uma contradição fundamental: de um lado a
Antropologia está baseada na pesquisa de campo, que consiste em uma prolongada
interação como outro, mas a construção do conhecimento utiliza-se de um discurso
sobre “o Outro” fundado em uma distância espacial e temporal. Para Fabian, o que se
produz é uma situação em que o outro é colocado em temporalidade alguma. Afirma
que é preciso imaginação e coragem para imaginar o que iria acontecer com o Ocidente
se sua fortaleza no tempo fosse subitamente invadida pelo tempo do Outro. (FABIAN,
1983)
Assim sendo, trazemos exemplos de outras atitudes que se aproximam ou
afastam de nós em termos de compreensão de tempo, entendendo não como ausência de
tempo, mas como o “tempo do Outro”. Sem objetivar aqui superar os limites de uma
temporalidade linear, ou de problematizar mais a fundo a característica de nosso modelo
de cientificidade e de representação/percepção do tempo, trouxemos outros exemplos de
construções sociais nas quais a utilização do tempo tem sido realizada. Antes da
sociedade industrial havia uma irregularidade característica dos padrões de trabalho,
onde percebemos o tempo organizado por tarefas. Conforme exemplificou Thompson:
Em Madagáscar, o tempo podia ser medido pelo “cozimento do arroz” (cerca de meia hora) ou pelo “fritar de um gafanhoto” (um momento). Registrou-se que os nativos de Cross River que dizem: “o homem morreu em menos tempo do que leva o milho para assar” (menos de quinze minutos). [...]. No Chile do século XVII, o tempo era medido em “credos”, um terremoto (1647) como tempo de “dois credos”, e o cozimento de um ovo, por uma “ave Maria” rezada em voz alta (THOMPSON, 2011, p. 269-270).
19 Etnocentrismo: atitude emocional que sustenta o grupo, a raça ou a sociedade a que uma pessoa pertence, superiores a outras entidades raciais, sociais ou culturais. Esta atitude encontra-se associada ao desprezo pelo estrangeiro ou pelo forasteiro, assim como pelos seus costumes. Disponível em: http://chafic.com.br/chafic/moodle/file.php/1/Biblioteca_Virtual/Temas_educacionais/Dicionario_de_Sociologia.pdf 20 Anacronismo: erro que consiste em situar numa época personalidades, acontecimentos, costumes ou estilos próprios de outra. Disponível em: Dicionário enciclopédico ilustrado. São Paulo: Larousse, 2007.
32
Sobre a orientação por tarefas que surge nesses contextos, sejam eles primitivos,
em alguns contextos rurais e vilarejos, Thompson propõe três questões:
Primeiro, há a interpretação de que é mais humanamente compreensível do que o trabalho de horário marcado. O camponês ou o trabalhador parece cuidar do que é uma necessidade. Segundo, na comunidade em que a orientação pelas tarefas é comum parece haver pouca separação entre “o trabalho” e “a vida”. As relações sociais e o trabalho são misturados – o dia de trabalho se prolonga ou se contrai segundo a tarefa – e não há grande senso de conflito entre o trabalho e “passar o dia”. Terceiro, aos homens acostumados com o trabalho marcado pelo relógio, essa atitude para com o trabalho parece perdulária e carente de urgência (THOMPSON, 2011, p.271-272).
1.1.3. Tempo, trabalho e vida
Certamente, as mudanças na complexidade das sociedades, a divisão do trabalho
e a diferenciação funcional dos indivíduos fazem com que a operação de determinação
do tempo tome uma direção específica. A experiência do tempo é vivida, sentida e
percebida de diversas formas em cada momento histórico e varia de acordo com cada
cultura. Formularemos aqui, unicamente, uma problematização prévia, um ponto de
partida sobre a concepção do tempo e sua utilização em nossa sociedade.
Elias (1998) afirma que as mudanças que afetam a operação de determinação do
tempo tomam uma direção específica quando as sociedades incorporam um número
cada vez maior de indivíduos, e quando se orientam para uma crescente diferenciação
funcional. Na mesma linha, porém num outro viés de análise, Thompson (2011) afirma
que quando o tempo começa a “se transformar em dinheiro, o dinheiro do empregador”,
e se contrata a mão de obra real, fica “visível a transformação pelas tarefas no trabalho
de horário marcado” (p.272), ainda que essa regulação do tempo de trabalho preceda a
difusão do mecanismo do relógio.
Nesse sentido, o tempo e as medidas temporais decorrem dos processos de
urbanização, comercialização e mecanização da produção, provocando profundas
alterações na sociedade. E por isso trazem maior dependência dos instrumentos criados
para medir o tempo e menor dependência de medidas baseadas nos fenômenos da
natureza. Pelo que se pode observar, o tempo passa a ser elemento imprescindível na
coordenação e integração das relações sociais, isto porque as atividades a serem
33
sincronizadas na modernidade são maiores e em redes mais complexas. Com a maior
dependência das medidas temporais, há uma ênfase excessiva na temporalidade,
ocasionando a sensação de escassez do tempo. Nesse contexto, resgatamos o
questionamento: “Como pode um conceito geralmente considerado decorrente de um
altíssimo nível de síntese exercer uma coerção tão intensa nos homens?” (ELIAS, 1998,
p.39)
O autor retrata como o tempo adquire novos contornos e novas concepções são
introduzidas na vida dos seres humanos, como por exemplo, os relógios e os calendários
que passam a determinar o tempo numa continuidade evolutiva, acarretando uma
reestruturação rigorosa de hábitos de trabalho e uma nova vida para o trabalhador é
exigida. Conforme expõe Elias, os calendários já passaram por inúmeras reformas até
chegarem aos modelos atuais, dias e meses do calendário se constituem em um modelo
repetitivo da não repetição da sequência de fatos. Tais formas de se medir tempo
trouxeram uma certa previsibilidade e padronização diante da irreversibilidade do
mundo.
Para avançar na compreensão do tema, Elias traz uma nova contribuição para a
discussão a respeito da medição do tempo. Assim ele expressa:
O que chamamos de “tempo” nada mais é do que o elemento comum a essa diversidade de processos específicos que os homens procuram marcar com a ajuda de relógios ou calendários. Mas, como a noção de “tempo” pode servir para determinar, de acordo com o antes e o depois, processos muito variados, os homens têm facilmente a impressão de que o “tempo” existe independentemente de qualquer sequência de referência socialmente padronizada ou de qualquer relação com processos específicos. “Estamos medindo o tempo” dizem eles, quando se esforçam por sincronizar, por datar alguns aspectos apresentados por processos específicos e tangíveis, em termos potenciais ou efetivos (ELIAS,1998, p.84).
Antes da revolução industrial “o padrão de trabalho sempre alternava momentos
de atividade intensa e de ociosidade quando os homens detinham o controle de sua vida
produtiva” (THOMPSON, 2011, p. 282). Ao analisar a aferição do tempo como meio de
exploração da mão de obra, afirma:
O que estamos examinando neste ponto não são apenas mudanças na técnica de manufatura que exigem maior sincronização de trabalho e maior exatidão nas rotinas do tempo em qualquer sociedade, mas essas mudanças como são experienciadas na sociedade capitalista industrial nascente. Estamos preocupados simultaneamente com a percepção do tempo em seu condicionamento tecnológico e com a medição do tempo como meio da exploração da mão de obra (THOMPSON, 2011, p.289).
34
É importante destacar nesta discussão, ainda que sumariamente, a revolução
teórica de Marx: a questão do tempo-mercadoria. Ainda que Marx não tenha se
indagado diretamente a respeito da questão “o que é o tempo?”, ou melhor, mesmo não
tendo situado a questão nestes termos, incontestavelmente Marx trouxe muitas
contribuições para o conhecimento científico do tempo. Rejeitando a concepção de
tempo abstrato, linear e dissociado dos acontecimentos concretos, fez sobressair o seu
caráter político, econômico e cultural, descobertas que culminaram com o conceito de
sobrevalor (mais-valia).
Marx descobriu que o tempo é a realidade quantitativa do trabalho, base do processo de extração da mais-valia (o trabalhador é concebido como tempo de trabalho personificado, determinação quantitativa do trabalho), metamorfoseada como fetiche na mercadoria. Rompendo com os preceitos da economia clássica de Smith e Ricardo, Marx examinou a teoria do valor trabalho em uma perspectiva inteiramente nova. Com efeito, em sua formulação, o trabalho é a única fonte capaz de produzir valor, por meio do sobrevalor, isto é, pelo excedente de valor produzido pelo assalariado durante seu tempo de trabalho global, uma vez que ele tenha reproduzido o valor de sua força de trabalho (salário) (J-P. LEFEBVRE, 1985, apud LEHER 2008, p.150).
Recorrendo ao próprio Marx, partimos da premissa fundamental de que o tempo
de trabalho se subdivide em tempo de trabalho necessário e tempo de trabalho
excedente. O tempo de trabalho necessário seria aquela fração de tempo de trabalho que
é necessária à própria manutenção do próprio trabalhador. Já o tempo de trabalho
excedente existe quando o trabalhador não detém mais os meios de produção e a outra
fração do seu tempo total de trabalho é dedicada ao detentor desses meios, o capitalista.
O que Marx aponta é que nas diversas formações sociais que antecederam o
capitalismo, o trabalho excedente correspondia às necessidades dos homens,
predominando apenas o valor de uso dos produtos, sem que haja cobiça por trabalho
excedente, como no capitalismo.
Para exemplificar, recorremos ao exemplo de trabalho de um camponês, citado
por Marx:
O trabalho necessário do camponês valáquio para sua própria manutenção está fisicamente separado de seu trabalho excedente para o boiardo. Executa o primeiro em seu próprio terreno e o segundo na terra senhorial [...]. Na corvéia, o trabalho excedente está claramente separado do trabalho necessário (MARX, 2003, p. 275).
35
Isso não ocorre no modo de produção capitalista, uma vez que “o trabalho
excedente e o trabalho necessário se confundem” (MARX, 2003, p. 275), ou seja,
encontram-se atrelados durante a jornada de trabalho. Ao comprar a força de trabalho do
trabalhador, o capitalista o faz por um determinado período de tempo, que configura a
jornada diária de trabalho. Entretanto, o tempo necessário para que este trabalhador
produza a quantidade de mercadorias que corresponde, em valores de mercado, ao
suficiente para sua subsistência e de sua família (assegurando a reprodução da força de
trabalho, também ela uma mercadoria), não esgota toda a jornada de trabalho contratada
pelo empregador. Ele continua trabalhando e produzindo até o final de sua jornada. Este
excedente de trabalho gera mercadorias, que contém, em si, uma determinada
quantidade de valor. A este valor a mais, que é apropriado pelo capitalista, Marx
chamou de “mais-valia”.
No caso da sociedade industrial, que se complexificava durante o século XIX, o
relógio assumiu um papel de destaque, na medida em que permitia uma sincronização
do trabalho. Deparamos aqui com o problema específico da relação entre o tempo e os
novos instrumentos de aferição do tempo. Para Thompson (2011, p.354), o tempo e as
medidas temporais formaram a disciplina necessária para o desenvolvimento do
capitalismo industrial. Revolução industrial, ascensão da burguesia ao poder,
ressignificação de tempo e espaço na vida urbana e expansão do capitalismo, suscitaram
a necessidade de maior sincronização e integração entre tempo e trabalho. Isso
favoreceu a difusão e o desenvolvimento mais intenso dos relógios que, por sua vez,
provocaram mudanças nos tempos dos trabalhadores e da sociedade. Na cultura da
Europa Ocidental do século XIX, o relógio aos poucos vai tomando o espaço do tempo-
natureza.
1.1.4. O controle e a luta sobre o tempo
O tempo tende a exercer a sua função de dominação, seja pelo controle do
passado, por meio da memória social, seja pelo controle do futuro, através de profecias
e de promessas de redenção após a morte, ou, ainda para beneficiar a produção
capitalista. O que importa destacar é que o (controle do) tempo é historicamente
utilizado pelas classes dominantes.
36
Nos estágios primitivos, essa função é comumente exercida por certas figuras dominantes, como sacerdotes ou reis. Em particular, a atividade de coordenação, que pressupõe o conhecimento do “momento favorável” em que convém fazer as coisas, foi, durante muito tempo, a função social específica dos sacerdotes. Estes não têm que trabalhar para produzir seu próprio alimento e, desse modo, dispõem de mais tempo para observar os movimentos e mudanças dos corpos celestes. (...) Durante a longa história do desenvolvimento das sociedades humanas, os sacerdotes quase sempre foram os primeiros especialistas da determinação ativa do tempo. Numa fase posterior, quando surgiram as sociedades-Estado, mais vastas e mais complexas, os sacerdotes passaram, de um modo geral, a dividir com as autoridades leigas a função de fixação do momento das grandes atividades sociais e, em muitos casos, essa partilha deu margem a tensões múltiplas. Depois, quando a luta entre sacerdotes e reis pela supremacia deu vantagem a estes últimos, o estabelecimento do calendário tornou-se, tal como a cunhagem da moeda, um monopólio do Estado (ELIAS, 1998, p.45).
Elias (1998) destaca que a necessidade de uma cronologia unitária e ordenada
variou conforme o crescimento e o declínio das unidades políticas, conforme o tamanho
e o grau de integração de seus povos e seus territórios, e também conforme o grau
correspondente de diferenciação e extensão de suas redes comerciais e industriais. “As
instituições jurídicas dos Estados exigiam sistemas unificados de mensuração do tempo,
adaptados à diversidade e à complexidade dos negócios que eles tinham que regular.”
(p.46)
A apropriação do tempo regulado, o conhecimento sobre o tempo e as possíveis
interferências diretas sobre a modificação dele, seja através da modificação dos
calendários ou através dos relógios, primordialmente, pertenciam aos setores que
gozavam de maior status social. Percebemos claramente como as autoridades
eclesiásticas e políticas eram detentoras do monopólio da determinação do tempo.
Foi certamente Carlos IX, rei da França, quem decidiu, em 1563, após alguma discussão, impor uma única data – ou seja, o dia 1º de janeiro – para o começo do ano. O edito entrou em vigor em 1566 e rompeu com a tradição mais ou menos oficial, que associava o começo do ano com a festa da Páscoa. O ano de 1566, que começou em 14 de abril e terminou em 31 de dezembro, teve apenas oito meses e 17 dias. Os meses de setembro, outubro, novembro e dezembro, que até então haviam designado – em função do calendário romano, que fazia o ano começar em março, e como seu nome indica – o sétimo, oitavo, nono e décimo meses do ano, transformaram-se, de maneira bastante absurda, no nono, décimo, décimo primeiro e décimo segundo meses. Essa inovação deparou com viva resistência, embora, hoje em dia, mal cheguemos a notar seu caráter incongruente (ELIAS, 1998, p.46).
A igreja era encarregada da administração do tempo na Idade Média. Concebia-o
como propriedade restrita a Deus e, portanto, qualquer forma de apoderação do tempo
37
pelo homem, com o propósito de obter lucros, era condenável. Mas, posteriormente,
verificamos que essa dominação do tempo realizada pela Igreja veio se chocando com
as transformações nas relações econômicas. Nesse contexto:
Da mesma forma que o camponês, o mercador está submetido, na sua atividade profissional, em primeiro lugar ao tempo meteorológico, ao ciclo das estações, à imprevisibilidade das intempéries e dos cataclismos naturais. Neste aspecto, e durante muito tempo, ele só necessitou de submissão à ordem da natureza e de Deus e só teve como meio de ação, a oração e as práticas supersticiosas. Mas quando se organiza uma rede comercial, o tempo torna-se objeto de medida. (LE GOFF, 1979, p. 51)
Thompson (2011b) ao analisar a apropriação do tempo pelos empresários
capitalistas no século XVIII, relaciona essa apropriação ao controle da medição do
tempo. Quando surgiram, na metade do século XVIII, os relógios, pertenciam
majoritariamente às classes dominantes: “a gentry, aos mestres, aos fazendeiros e aos
comerciantes”, “talvez a complexidade do formato e a preferência pelo metal precioso
fossem uma maneira deliberada de acentuar o seu simbolismo de status.”
(THOMPSON, 2011b, p.277). A classe dos possuidores de tempo, de dinheiro e de
relógios encontrava diversos mecanismos para expropriar os trabalhadores do
conhecimento do tempo e assim burlar o andamento do tempo aferido, adiantando e
atrasando os ponteiros dos relógios das fábricas a fim de extrair mais tempo de trabalho
dos trabalhadores, conforme Thompson exemplificou através do relato de uma
testemunha anônima.
Na realidade não havia horas regulares: os mestres e os gerentes faziam conosco o que desejavam. Os relógios nas fábricas eram frequentemente adiantados de manhã e atrasados à noite; em vez de serem instrumentos para medir o tempo, eram usados como disfarces para encobrir o engano e a opressão. Embora isso fosse do conhecimento dos trabalhadores, todos tinham medo de falar, e o trabalhador tinha medo de usar relógio, pois não era incomum despedirem aqueles que ousavam saber demais sobre as ciências das horas. (Chapters in the life a Dundee factory boy, 1887, p.10 apud Thompson, p. 294, 2011)
Com o advento da Revolução Industrial e uma maior sincronização do trabalho,
esta elitização do domínio do tempo mudou, “a ênfase estava mudando do “luxo” para a
“conveniência”. “O pequeno instrumento que regulava os novos ritmos da vida
38
industrial era ao mesmo tempo uma das mais urgentes dentre as novas necessidades que
o capitalismo industrial exigia para impulsionar o seu avanço.” (IBIDEM, p.297).
O que Thompson se detém a analisar em relação a maior exatidão nas rotinas do
tempo, maior sincronização do trabalho na sociedade industrial nascente, o leva a se
preocupar simultaneamente com a percepção do tempo em seu condicionamento
tecnológico e com a medição do tempo como meio de exploração da mão de obra. Em
função disso, o operário perde completamente o controle sobre seu dia de trabalho. Há
uma supressão total do trabalho orientado por costumes, tradições, ou experiências para
aumentar a eficiência e produtividade. Toda essa disciplina industrial do tempo atuou
como uma pressão externa, e foi fortemente acompanhada de uma disciplina moral dos
capitalistas a fim de internalizar nos trabalhadores os novos hábitos, fazendo uma forte
investida contra os antigos hábitos de trabalho.
Por meio de tudo isso – pela divisão do trabalho, supervisão do trabalho, multas, sinos e relógios, incentivos em dinheiro, pregações e ensino, supressão das feiras e dos esportes – formaram-se novos hábitos de trabalho e impôs-se uma nova disciplina de tempo (THOMPSON, 2011, p.297).
A interiorização da disciplina em relação ao tempo ditada pela Igreja e pelos
patrões partia de uma verdadeira retórica moral. Tratava da disposição incondicional
para o trabalho e do desprezo ao ócio. Esse era o receituário que deveria ser seguido
pelos trabalhadores na vida individual e coletiva. Compreendido como uma mercadoria,
o tempo não deveria sofrer “desperdícios”, o tempo deveria ser todo “empregado para o
dever”. Em contraposição a moralização do tempo de trabalho, Lafargue dizia em 1880:
Mas para que tenha consciência de sua força, é preciso que o proletariado pisoteie os preconceitos da moral cristã, econômica e livre – pensadora; é preciso que volte a seus instintos naturais, que proclame os Direitos a Preguiça [...] (Lafargue, 2000, p. 84).
O grande erro para Lafargue era os proletários quererem infligir aos capitalistas
as dez horas de trabalho, anunciava que um regime de preguiça seria necessário para
matar o tempo que mata o trabalhador, fazendo-se necessário que a classe operária não
levantasse para reclamar os Direitos do Homem ou o Direito ao Trabalho, mas para
forjar uma lei que proibisse todos os homens de trabalhar mais de três horas por dia.
Denunciou que a produtividade vinha para empobrecer os homens, que os tempos livres
39
não vieram com o advento da indústria e que a redução da jornada de trabalho realizada
pelo governo da Inglaterra, que proibiu por lei trabalhar mais de dez horas por dia,
serviu para aumentar a produção inglesa mantendo a Inglaterra como a primeira nação
industrial do mundo.
Contudo, observamos que com o advento da nova disciplina de trabalho, os
trabalhadores passaram a lutar não contra o tempo, mas sobre ele. Segundo Thompson
(2011), a primeira geração de trabalhadores nas fábricas aprendeu com seus mestres a
importância do tempo; a segunda geração formou os seus comitês em prol de menos
tempo de trabalho no movimento pela jornada de dez horas; a terceira geração fez
greves pelas horas extras ou pelo pagamento de um percentual adicional (1,5%) pelas
horas trabalhadas fora do expediente. “Eles tinham aceito as categorias de seus
empregadores e aprendido a revidar os golpes dentro desses preceitos. Haviam
aprendido muito bem a sua lição, a de que tempo é dinheiro.” (THOMPSON,2011,
p.294).
PARTE 2
1.2.1. O tempo como instrumento para pensar a docência21
A partir da discussão feita até o momento no presente capítulo, argumentaremos
a partir de agora a respeito da apropriação do tempo pelos detentores do poder político e
econômico, assim como do padrão de organização do tempo de trabalho dos
professores, destacando as estratégias mobilizadas pelos professores para lidar com a
fragmentação do tempo ao longo de suas trajetórias profissionais. Podemos indagar
como o poder público lida com o tempo dos professores, buscando compreender os
objetivos de tal fragmentação, assim como os efeitos gerados nas condições de trabalho
da categoria docente e as suas estratégias na luta sobre o controle do tempo.
21 Toda a discussão será feita em relação ao tempo do professor. Nos dedicaremos ao tempo de trabalho (sala de aula e planejamento), tempo de descanso, tempo de deslocamento citadino, tempo de transeunte, tempo de lazer, entre outros tempos sociais com os quais os professores estão envolvidos. Considerando que existe toda uma discussão em torno do tempo e espaço escolar (disciplinas, horários de aulas, tempo pedagógico), estes não serão focos de análise. Para ver mais sobre esse tema, existe o artigo de FARIA FILHO e VIDAL “Os tempos e espaços escolares no processo de institucionalização da escola primária no Brasil”. Revista Brasileira de História da Educação, nº14, 2000. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n14/n14a03 acesso em 16 de novembro de 2012.
40
Thompson nos trouxe a contribuição a respeito da reestruturação do tempo na
sociedade industrial. Para ele, essa reestruturação não era uma questão de técnicas
novas, mas de uma percepção mais aguçada dos capitalistas quanto ao uso minucioso do
tempo. Em relação à disciplina do trabalho, Thompson cita o Law Book [Livro de leis]
da Siderurgia Crowley, uma unidade manufatureira de grande escala, observando que:
“Já em 1700, estamos entrando na paisagem familiar do capitalismo industrial
disciplinado, com a folha de controle do tempo, o controlador do tempo, os delatores e
as multas.” (p.291). O capitalista “achava necessário projetar todo um código civil e
penal, que chegava a mais de 100 mil palavras para governar e regular a sua força de
trabalho rebelde.” (p.289).
Mais de trezentos anos depois da criação do Livro de leis de Crowley, vale um
esforço teórico para nos aproximarmos do nosso objeto de estudo: os professores.
Trabalhadores não fabris, com suas particularidades, regidos pelo poder público, com
estatutos e leis específicas, mas com um tempo regrado, regulado e minuciosamente
calculado em seu cotidiano de trabalho, com minutos, segundos e horas presentes na
legislação, que sofrem constantes mudanças em busca de uma regulação e que
enfrentam de um lado, a resistência dos governantes ao implementá-las, buscando
expropriar o tempo do professor; e do outro, dos próprios professores ao encontrar
mecanismos que lhes permitam não seguir à risca as condutas impostas pelas normas
legais. Fazendo um paralelo com essa discussão, observamos um uso regrado do tempo,
minuciosamente calculado pelo poder público, a fim de extrair do professor o máximo
de aproveitamento de sua carga horária de trabalho. Ao mesmo tempo, observamos que
o professor cria suas próprias estratégias para lidar com esses mecanismos de regulação.
1.2.2. A regulação do tempo: segundos, minutos e horas na legislação
Quando se estipula que vai se pagar certa quantia por determinado trabalho dos
professores, há que se explicitar qual é a quantia e qual é o trabalho. O trabalho é tanto a
quantidade de horas de exercício do ofício como é também a descrição dessas mesmas
horas, ou seja, de como elas se dividem, dentro ou fora da sala de aula.
41
A Lei nº 11.738/200822 (art.2º) - na alínea “e”, inciso III do caput do art. 60 do Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal sancionada no dia
16 de julho de 2008, - regulamenta as normas unificadas para o salário base de todos os
professores, em todos os entes federados, bem como uma regra única para a composição
da jornada de trabalho docente em todo o país. Segundo a referida Lei “na composição
da jornada de trabalho deve-se observar o limite máximo de 2/3 (dois terços) da carga
horária para o desempenho das atividades de interação com os educandos”. Logo, 1/3 da
jornada será dedicado à preparação de aulas e às demais atividades fora da sala da aula.
Esta lei encontrou resistência dos governos e foi questionada judicialmente por alguns
governadores de estado23, por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI
4.16724). Foi julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2011 e na decisão, os
ministros declararam a Lei constitucional, deixando claro no julgamento que "é
constitucional a norma geral federal que reserva o percentual mínimo de 1/3 da carga
horária dos docentes da Educação Básica para dedicação às atividades extraclasse". São
consideradas como atividades extraclasse aquelas destinadas à preparação e avaliação
do trabalho didático, à colaboração com a administração da escola, às reuniões
pedagógicas, à articulação com a comunidade e ao aperfeiçoamento profissional, de
acordo com a proposta pedagógica de cada escola.
Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)25 em seu Artigo 67º
no inciso V, prevê “período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na
carga de trabalho”. Posteriormente, no inciso VI, prevê: “Condições adequadas de
trabalho”, dentro da orientação geral de que “os sistemas de ensino promoverão a
valorização dos profissionais da educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos
estatutos e dos planos de carreira do magistério público”.
22 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11738.htm acesso em 22 de outubro de 2012. 23 A lei que fixa a carga horária e um piso nacional para os professores foi questionada na Justiça pelos estados do Ceará, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Os cinco estados que questionaram a constitucionalidade da lei 11.738/ 2008 alegam que ela fere o princípio de autonomia das unidades da federação prevista na Constituição. Também argumentam que a lei não leva em consideração o orçamento e a quantidade de trabalhadores de cada unidade da federação. 24 ADI 4.167, disponível para consulta na página do STF. 25 Lei 9394/96. Disponível em http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf acesso em 21 de abril de 2013.
42
Com base na Constituição Federal e na LDB, o CNE26 (Conselho Nacional de
Educação) estudou a concepção e implantação da Lei nº 11.738/2008 e expôs por meio
do parecer CNE/CEB nº 1827, uma tabela28 com a composição da jornada de trabalho
dos professores, dela extraímos o cálculo da jornada dos professores de 40 horas, 30
horas, 24 horas, 16 horas, referentes às carreiras docentes DOC I existentes no estado do
Rio de Janeiro no ano de 2012/2013. De acordo com a lei, a jornada de trabalho dos
docentes deveria ser composta conforme exposto na tabela nº 1 (ver apêndice B, tabela
nº1, p. 166). Observamos que para o cumprimento de uma jornada de 40 horas semanais,
o professor deve realizar 26,66 horas de atividades com educandos e 13,33 horas de
atividades extraclasse. Para a carreira de 30 horas esse número fica em 20 para
atividades com os educandos e 10 para atividades extraclasse.
Porém, essa regulação do tempo de trabalho do professor é diferente no
Programa Autonomia. Neste, os professores29 têm uma carga horária de 24 horas
semanais, sendo quatro horas de planejamento. Conforme a lei, 16 horas deveriam ser
destinadas às atividades em sala de aula e 8 de atividades extraclasse. Para a carreira
Docente I, as 16 horas de trabalho deveriam se dividir em 10,66 de atividades em sala
de aula e 5,33 de atividades extraclasse. Hoje os profissionais da rede estadual que
ocupam as 75.170 funções docentes ativas, nas 1.447 escolas da Rede30, a maioria faz
parte da carreira DOC I, com carga horária de 16 horas semanais, destes 53.370
docentes são exigidos, 12 tempos em sala de aula e 4 horas de atividades extraclasse.
A figura abaixo, publicada pelo jornal Folha de São Paulo, em 16 de novembro
de 2011, mostra uma tabela com a situação de implementação da lei nº 11.738/2008 nos
estados:
26 O Conselho Nacional de Educação é um órgão independente, com funções consultivas, cujo(a) presidente é eleito(a) pela Assembleia da República. Disponível em: Site do CNE, http://www.cnedu.pt/cne/default.htm, acesso em 21 de julho de 2013. 27 Existem outros pareceres do CNE que tratam da questão do tempo. Estão disponíveis em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12868, visitado em 21 de julho de 2013. 28 Tabela completa disponível no parecer CNE/CEB nº 18/2012, em www.portal.mec.gov.br 29 Esses professores não possuem uma carreira específica, assim como não há concurso específico para o quadro de docentes do Programa Autonomia. Para participar do programa basta ser professor da Rede. Podem se inscrever para desempenhar a função de professor regente do programa: professores docentes I com carga horária de 16h semanais; professores docente I e II com carga horária de 40h semanais, desde que complemente 6 tempos no Ensino Regular / Educação de Jovens e Adultos; professores Docentes II com carga horária de 22h e de 40h semanais, desde que estejam em regime de aproveitamento conforme Decreto 42.883/2011 e Resolução SEEDUC n° 4.686/2011. Disponíveis em: Site da SEEDUC, http://www.rj.gov.br/web/seeduc, visitado em 15 de agosto de 2013. 30 Dados citados a partir do último relatório anual da SEEDUC de 2011, a ser analisado no próximo capítulo.
43
Figura 1: Situação dos professores no país de acordo com a lei 11.738/2008 (Folha de São Paulo, 2011).
Segundo a tabela, formada a partir dos dados das respectivas secretarias de
educação, no que se refere à jornada fora de sala de aula, o estado do Rio de Janeiro
aparece como um estado que cumpre a lei e garante os 33% da jornada fora de sala de
aula. Porém, o que se manifesta como realidade na rede estadual é o descumprimento da
lei federal nº 11.738 que estipula 1/3 da carga horária do professor para atividades
extraclasse – e que também cria o piso nacional do magistério. Não está sendo
44
respeitado o 1/3 do trabalho do professor fora da sala de aula para estudos, formação,
preparação das tarefas, correção de provas, trabalhos e todas as outras atividades
essenciais ao exercício do magistério.
Observamos como o Estado burla a lei no tempo de planejamento, onde se
contabiliza todos os resquícios de tempo para chegar a 1/3 de planejamento e justificar
com as 4 horas (em relação aos docentes de 16 horas). Para chegar ao cálculo, a
Secretaria de Educação contabiliza no tempo de planejamento os 10 minutos que restam
de cada aula (que tem tempos de 50 minutos), o tempo de recesso ou mesmo o horário
do recreio, admitindo ser possível planejar durante os intervalos das aulas ou em outros
momentos em que o tempo diminuto não oferece condições para planejamento.
De acordo com a legislação, a jornada de trabalho deve ser composta com 2/3 de
carga horária para atividades em sala de aula e 1/3 para atividades extraclasse,
independentemente do tempo de duração de cada aula, definido pelos sistemas de
ensino. O que vale é a hora-aula31 e não se a aula possui 45, 50, 60 minutos, ou qualquer
outra unidade de tempo. Além disso, períodos do tempo de aula podem ser usados para
outras funções como preenchimento de chamadas, ordem e silêncio necessários em sala
de aula, enfim, tudo depende da dinâmica que o professor estabelece com seus
estudantes, em cada aula. A rigor, nem mesmo uma definição temporal é necessária
para uma hora-aula, pois a aprendizagem do conteúdo pode se dar em 30 minutos ou em
três horas. Portanto, para cumprir seus objetivos, a base da jornada de trabalho do
professor necessita de diferentes ritmos e prazos, exigindo, para exibir eficácia, uma
margem de longo prazo e certa flexibilidade aliada à persistência e continuidade. A
garantia do tempo mínimo foi legalmente estabelecida como direito do aluno e dever do
estabelecimento de ensino.
Essa questão foi objeto do Parecer CNE/CEB nº 8/200432 formulado pelo
Conselheiro Carlos Roberto Jamil Cury, que esclarece o seguinte:
(...) as 800 horas na Educação Básica, os 200 dias e as horas de 60 minutos na carga horária são um direito dos estudantes e é dever dos estabelecimentos cumpri-los rigorosamente. Este cumprimento visa não só equalizar em todo o território nacional este direito dos estudantes, como garantir um mínimo de
31 A fim de desfazer uma possível sinonímia entre os vocábulos hora e hora-aula, a partir da nova LDB, Lei 9.394/96 e do Parecer CNE/CEB 05/97 é definido com clareza que o conceito de hora responde ao padrão nacional e internacional de 60 minutos distinguindo-a do de hora-aula que é de competência do projeto pedagógico do estabelecimento de ensino. 32 Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CEB08.pdf acesso em 22 de julho de 2013.
45
tempo a fim de assegurar o princípio de padrão de qualidade posto no artigo 206 da Constituição Federal e reposto no Art. 3º da LDB. Dentro do direito dos estudantes, o projeto pedagógico dos estabelecimentos pode compor as horas-relógio dentro da autonomia escolar estatuindo o tempo da hora-aula. Assim a hora-aula está dentro da hora-relógio que, por sua vez, é o critério do direito do estudante, que é conforme ao ordenamento jurídico.
Por outro lado, diz o Parecer:
O direito dos estudantes é o de ter as horas legalmente apontadas dentro do ordenamento jurídico como o mínimo para assegurar um padrão de qualidade no ensino e um elemento de igualdade no país. Já a hora-aula é o padrão estabelecido pelo projeto pedagógico da escola, a fim de distribuir o conjunto dos componentes curriculares em um tempo didaticamente aproveitável pelos estudantes, dentro do respeito ao conjunto de horas determinado para a Educação Básica, para a Educação Profissional e para a Educação Superior.
O Parecer citado aqui, que é corretíssimo e continua atual, não disciplina a forma
como os sistemas de ensino devem organizar as jornadas de trabalho de seus
professores, mas apenas e tão somente qual é a quantidade de tempo que garante aos
estudantes os direitos que lhes são consagrados pela LDB. Sendo assim, não há
qualquer problema que determinado sistema componha jornadas de trabalho de
professores com duração da hora-aula em 50 ou 40 minutos, desde que as escolas e a
própria rede estejam organizadas para prestar aos estudantes a totalidade da carga
horária a qual eles fazem jus. Poderá, então, haver redes que necessitem de mais
professores do que outras para ministrar a mesma disciplina, porque em determinados
sistemas, licitamente, diga-se de passagem, a lei garante aos docentes uma jornada
composta de horas-aula cuja unidade é menor do que a hora; em outros pode ocorrer
justamente o contrário.
Um raciocínio simplista, que se queira emprestar ao parecer do Conselheiro
Carlos Roberto Jamil Cury, não levaria em conta que a hora-aula precisa ter uma
unidade de tempo menor do que a hora porque, senão, fatalmente, haveria menos
disciplinas lecionadas a cada ano. Este modo de pensar apresenta mais serventia à lógica
da diminuição de gastos estatais com educação do que à lógica da promoção de uma
educação de qualidade para as classes menos favorecidas, que é quem se utiliza, com
maior preponderância, da educação pública em nosso país.
Então, com base na lei e na aplicação dos governantes, concluímos que há uma
expropriação do tempo de planejamento do professor, consequentemente mais tempo
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lhe é exigido em sala de aula, o que reduz a contratação de novos professores e
sobrecarrega os professores em exercício da função. Muito tempo de trabalho deixa de
ser pago aos professores na forma de planejamento, obrigando-os a cumprirem essas
horas em sala de aula. Levando em conta que o tempo de planejamento exige que o
professor esteja fora da sala de aula, o cumprimento da lei exigiria um grande número
de novos contratados para dar conta da grade de horários das escolas, o que por si só, é
um argumento forte para que os governantes não cumpram a referida lei.
O sistema de ensino do Rio de Janeiro, assim como outros do país, fazem uma
interpretação enviesada da Lei nº 11.738/2008, no que se refere à composição da
jornada de trabalho. Esta interpretação, nitidamente, está mais calcada em questões de
ordem financeira do resultado de sua aplicação do que propriamente da análise e
atendimento ao conteúdo do texto jurídico normativo.
Pois bem, se previsto na lei, caberia aos trabalhadores da educação exigirem dos
gestores públicos a efetivação do 1/3 de hora-atividade33, uma vez que está vigente e
obrigatória para todo o país. O Estado do Rio de Janeiro não cumpre a lei do piso, entre
outros aspectos, no que se refere a 1/3 de planejamento, devido a isso, em maio de
2013, o Departamento Jurídico do Sindicato dos Profissionais da Educação (SEPE-RJ),
obteve uma decisão favorável da justiça sobre o 1/3 de planejamento, que discute o
cumprimento de um terço da carga horária para atividades fora da interação com os
alunos na Rede Estadual. Abaixo um trecho da sentença:
No caso em tela, o argumento do Estado de que dez minutos de cada aula seriam destinados ao planejamento, bem como as semanas nas quais não há aula, poderiam compensar eventual carga horária faltante para completar o 1/3 exigido, não merece prosperar. A lei exige a destinação de 1/3 da carga horária semanal. Isso é adequado e fundamental para a preparação das aulas daquela semana e atualização dos professores. Assim, as semanas sem aulas, nas quais os professores não estão de férias não podem ser computadas para esse fim. A lei também exige 1/3 da carga horária. O fato da hora-aula ter cinquenta minutos não se pode admitir que os dez minutos restantes sejam considerados como tempo de planejamento, principalmente, porque este planejamento exige do professor um tempo maior e contínuo para ser efetivo. Assim, é o caso de precedência do pedido para condenar o réu a adequar a carga horária dos seus professores às exigências da Lei. Esta sentença não pode servir de carta branca para contratações sem licitação, nem para contratações em regime de urgência. Assim, é o caso de conferir ao Estado o prazo de um ano para se adequar às normas descritas na fundamentação desta
33 Em 15 de agosto de 2013 foi deflagrada uma greve dos profissionais da Educação do Estado do Rio de Janeiro, um dos pontos da pauta de reivindicações é o cumprimento de 1/3 da carga horária para planejamento.
47
sentença. Em face do exposto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO para condenar o Estado a regularizar a distribuição da jornada de trabalho do todos os professores do quadro de educação básica no ensino público para o exercício de no máximo 2/3 (dois terços) da carga horária para o desempenho das atividades de interação com os educandos, sendo resguardado o mínimo de 1/3 para as atividades complementares de planejamento, estudo e avaliação, para o início do ano letivo e seguintes, bem como, para aplicar a Lei do Piso Salarial Nacional aos profissionais da rede de ensino estadual, nos termos previstos na Lei nº 11.738/2008, no prazo de um ano, sob pena de configuração de ato de improbidade administrativa, na forma do art. 11, inc. II, da Lei 8.429/1992. (...)” (13ª Vara de Fazenda Pública no processo 0006850-48.2012.8.19.0001).
Como a decisão é desfavorável ao estado, por força da lei, houve o chamado
duplo grau de jurisdição obrigatório, que significa a remessa do processo à 2ª instância
para avaliação da sentença pelo Tribunal (independentemente de interposição de
recurso). Com relação ao prazo de um ano concedido pela sentença, o SEPE enviou
recurso para que fosse melhor esclarecido que a decisão seria para o início do ano letivo
de 2014.
1.2.3. Tempo para se preparar, aprender e refletir
Não resta dúvida de que, quotidianamente, a lei é utilizada pelas autoridades
ligadas ao executivo, em suas várias instâncias, na tentativa de realizar a partir dela,
algumas funções. Os secretários de educação, as direções de escola e as coordenações
sempre fazem cobranças, baseados na lei com um discurso, que por vezes, chega a ser
extremamente legalista. Cobrar sobretudo dos professores, o cumprimento da lei é parte
fundamental da prática e da retórica dos ocupantes dos cargos de fiscalização. No
mesmo movimento, joga-se, na ilegalidade, boa parte das atividades e práticas dos
professores.
Isso é muito comum em relação ao tempo de planejamento pedagógico. São
inúmeras denúncias de que os professores recorrem a ilegalidades quando não cumprem
o seu tempo de planejamento, ignorando que o cumprimento da lei seja praticamente
impossível nas condições de exercício da função. Na verdade, esta é uma via de mão
dupla: tanto os legalistas e diretores querem impor a legalidade nos atos dos
professores, quanto estes utilizam dos artifícios da lei como estratégias para obter
resultados que atenuem o desgastante cotidiano de trabalho.
48
Para além da discussão técnica que se faz necessária em relação às horas
destinadas ao planejamento, podemos observar de acordo com alguns depoimentos a
dificuldade dos professores em destinar tempos de suas jornadas profissionais para
pensar sua prática, refletir e realmente planejar. Isso exigiria um ritmo de trabalho
menos desgastante e uma remuneração adequada para que o tempo fora da sala de aula
realmente pudesse ser colocado em prática para os devidos fins.
O ritmo natural de tempo do trabalho de um professor deveria ser bem diferente
do que assistimos hoje. Entre os professores da Rede Estadual de Ensino, diversas
pressões tem incidido para que esse ritmo seja cada vez mais alterado de uma forma que
precariza cada vez mais o trabalho docente. A hora-atividade não pode ser tratada como
uma questão trabalhista, dissociada de uma dimensão pedagógica. O tempo do professor
poderia ser considerado de forma diferenciada, mas ultimamente o trabalho docente se
encontra cada vez mais inserido numa lógica fechada de produção e resultados, com
cronogramas precisos (datas de provas, conselhos de classe, dias letivos, metas a serem
atingidas), que impedem uma maior flexibilidade na busca do conhecimento e na
qualidade do trabalho. Por hora, tomaremos como base trechos de depoimentos de
alguns professores que nos trazem pistas de como a ausência do tempo para o
planejamento influencia a qualidade de seu trabalho e o desenvolvimento de uma boa
aula:
Muitas vezes, isso (o tempo de planejamento) não funciona, aí que eu falo da demanda ser muito pesada, pois isso requer muito tempo, para haver um planejamento de qualidade seria necessária a dedicação exclusiva do professor (em uma escola). E isso não acontece, muitas vezes ele está aqui nessa escola, mas daqui a duas horas, meia hora ele está em outra, trabalhando com outro tipo de aluno, outra escola diferente (Antônio, 30 anos de idade, seis anos de magistério).
É muito complicado você parar para planejar uma aula, porque te falta tempo. Você trabalha muito pra conseguir um rendimento legal pra sua vida. O que interfere no trabalho do professor é a falta de dinheiro mesmo, para você seguir na área do magistério é a maior dificuldade, eu acho... (Fábio, 29 anos de idade, 12 anos de magistério).
Quando dá eu faço (o planejamento). Mas vou ser sincera que eu não faço muito não. As aulas do Autonomia já são planejadas, e assim, numa forma muito fácil de lidar. Por mais que seja Química, Física ou coisas que
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desconheço, que não são da minha área, mas tem a teleaula que é bem explicadinha, então dá pra levar. Planejar aula eu não planejo não. Planejo prova, quando tem que fazer; agora aula em si, eu não planejo não. Não planejo porque não dá certo. Planejamento é fictício, tudo que você faz não dá tempo, acontece alguma coisa. Agora quando dá tempo, que é muito difícil, ainda assisto a teleaula antes, dou uma lida no que é a matéria, quando dá. Mas é muito difícil (Christiane, 32 anos, seis anos de magistério).
Quando você consegue se adaptar à metodologia (do Programa Autonomia) e você leva isso para as outras turmas, você acaba até descansando nas outras. Então, de uma certa forma você aproveita e você acaba usufruindo disso. Você acaba usufruindo positivamente e creio eu que os alunos também (Janete, 49 anos de idade, 27 anos de magistério).
Ao observarmos que o tempo de planejamento é reivindicado na lei e
descumprido pelo governo, ao mesmo tempo, os depoimentos dos professores nos
alertam que a utilização do tempo de planejamento hoje existente não tem sido usado
necessariamente para planejar. O tempo destinado ao planejamento se coloca como
insuficiente para os professores, pois o tempo em que deveriam planejar está sendo
destinado muitas vezes a outros trabalhos, em outras escolas, sejam públicas, privadas
ou mesmo em outras ocupações fora do magistério. O que ocorre é que resta pouco, ou
nenhum tempo do professor destinado a essa prática e o fator forte de influência seria a
baixa remuneração, onde todo o tempo que possuem é utilizado ao máximo “dando
aulas” a fim de obter uma remuneração um pouco melhor.
O Programa Autonomia já possui sua metodologia pronta, sendo suficiente que o
professor implemente-a; as teleaulas já vem planejadas, sendo necessário que o
professor execute-as, apresentando e debatendo (ou não) as questões propostas com os
seus alunos. Esse tipo de metodologia é um fator de forte influência para que os
professores deixem de fazer o planejamento, uma prática inerente e fundamental à
docência. Desse modo, o professor é dispensado do trabalho de elaboração, tornando-se
mero executor de um plano traçado por outrem.
Muitos professores não parecem seguir completamente todo o tratado advindo
do Programa, outros, porém, seguem-no à risca, sem reflexões anteriores. Conforme o
depoimento de Christiane, que assume que não faz o planejamento, o considera fictício,
e o faz quando dá, o planejamento é algo secundário, ela diz que assiste à teleaula junto
com o aluno em sala e que por considerar as teleaulas didaticamente inteligíveis ela
dificilmente assiste as aulas anteriormente ou prepara os seus conteúdos e estratégias
didáticas previamente.
50
Os professores que trabalham com mais de uma modalidade de ensino, como
Janete que trabalha no Programa Autonomia, no ensino regular de nível médio e no
Nova EJA34, ou seja, em três modalidades bem distintas, a ausência de tempo para o
planejamento é latente. No caso em questão, seria necessário planejar inúmeras aulas
semanalmente para diversas turmas dentro das diferentes modalidades e, apesar de
preparar materiais nos finais de semana, conforme ela mesma afirmou em seu
depoimento, na prática, acaba usufruindo das aulas prontas, da metodologia do
Programa Autonomia para as outras modalidades, descansando e assim evitando a
preparação de algumas aulas, segundo ela, trabalhando de forma positiva e proveitosa
também para os alunos.
A menos que haja uma dedicação exclusiva do professor a uma escola ou a uma
modalidade de ensino, o tempo de planejamento acaba sendo uma prática esporádica,
ineficiente, insuficiente e que não condiz com os objetivos do que seria um tempo
necessário para pensar, refletir e preparar boas aulas, sendo assim o trabalho docente
não se realiza de forma autônoma, plena e eficiente. A definição de uma jornada de
trabalho compatível com a especificidade do trabalho docente está diretamente
relacionada à valorização do magistério e à qualidade do ensino, uma vez que a
utilização do tempo fora da sala de aula para realizar outras atividades ligadas ao
planejamento do ensino interfere positivamente na qualidade das aulas e no desempenho
do professor.
1.2.4. Tempo de ir e vir: o deslocamento
É um fator comum na Rede Estadual de ensino encontrarmos professores que
trabalham muito distante de suas residências. Isso se dá pelo fato dos concursos nem
sempre oferecem vagas para todos os municípios, fator que gera um grande contingente
de professores aprovados para regiões distantes, que acabam sendo convocados e
aceitando essas vagas. Outro fator, menos comum, mas que também ocorre, é o
professor fazer o concurso para a região onde mora, e na data convocação, na
inexistência de vagas este professor ser convidado para atuar em outra região mais
distante. Geralmente este último caso ocorre quando o concurso está perto de perder a
34 Segundo a SEEDUC, o NovaEJA é uma nova política de Educação de Jovens e Adultos, com metodologia e currículo específicos, material didático próprio, recursos multimídia e aulas dinâmicas e metodologia para ser trabalhada com alunos em defasagem idade-série em parceria com a Fundação CECIERJ. Fonte: http://projetoseeduc.cecierj.edu.br/principal/nova-eja.php
51
validade, sendo assim, não aceitar a vaga oferecida, significa perder a matrícula
conquistada. Devido à estabilidade do emprego público, muitos professores fazem
concurso para áreas distantes de suas residências ou acabam aceitando a proposta da
Secretaria de Educação de assumir sua matrícula em outra região, esperando, mais
tarde, poder atuar próximo de sua residência, o que acaba provocando um grande
desgaste em sua vida profissional.
O relato de Janete nos desperta neste ponto, quando afirma que no seu décimo
ano de atuação no magistério, já atuando com uma matrícula no estado, em Seropédica,
foi convocada para assumir a sua segunda matrícula na rede estadual do Rio de Janeiro
e foi trabalhar no município de Pinheiral, no Sul Fluminense, localidade para a qual não
havia feito o concurso.
Eu fiz o concurso para Piraí. Aí só tinha vaga para Pinheiral, que era uma cidade mais pra perto de Volta Redonda. Longe de Piraí e mais perto de Volta Redonda. (pausa). Eu ia terça e quarta, foram os horários que eu consegui. Então eu ia terça e voltava, que eu tinha um filho menor, né?! Aí depois ia quarta e voltava. Então realmente era muito cansativo. Aí eu comecei a conhecer pessoas lá e eu comecei a dormir. Então eu ia na terça, dormia lá e voltava na quarta feira, e isso foram dois anos e meio (Janete, 49 anos de idade, 27 de magistério).
Tendo em vista que as referidas cidades são bem distantes uma das outras e que,
além disso, Janete naquele momento morava no município de Itaguaí, a entrevistada
nos conta as dificuldades encontradas em relação ao deslocamento:
Nossa! De Pinheiral eu gastava... Eu saia da minha casa cinco (horas) da manhã pra chegar lá oito e meia, oito e quarenta. Era três horas e quarenta (minutos). Só tinha uma condução. Então eu saia de Itaguaí às cinco horas em ponto, pegava um ônibus... Porque eu morava na reta de Itaguaí. Da reta ia até Itaguaí, de Itaguaí eu ia até o Belvedere, que sete e dez em ponto passava um ônibus pra Pinheiral. Só tinha aquele. Aí o outro ônibus só tinha depois das dez horas, se eu perdesse, não adiantava, eu não conseguiria chegar mais na escola (IDEM).
Por ser muito distante de sua residência, Janete acabou desistindo da matrícula
ao não conseguir pedir remoção para outra localidade. Continuou com sua primeira
matrícula em Seropédica e dois anos depois fez um novo concurso, onde posteriormente
foi chamada para trabalhar no bairro de Campo Grande, próximo ao local onde passara
a morar. Em relação ao deslocamento, a entrevistada afirma que sua vida só ficou
52
tranquila em 2006, ou seja, dezoito anos depois de entrar no magistério, quando
finalmente conseguiu concentrar suas duas matrículas em uma escola e ir a pé para o
trabalho. Neste caso, observamos que, na docência, antiguidade pode ser posto para uma
melhor colocação em relação a locais de trabalho e para uma carga horária mais
concentrada.
1.2.5. Tempo fragmentado: uma matrícula, várias escolas
É de comum acordo que para um trabalho pedagógico se realizar de forma
consistente é preciso que haja dedicação do professor a um número pequeno de turmas e
que ele atue preferencialmente em uma única instituição. Isto porque só desta maneira é
possível criar uma relação de conhecimento, pertencimento e interação, fundamentais à
prática pedagógica.
Porém, a realidade é que um professor da educação básica dificilmente tem uma
única matrícula e geralmente acumula vários empregos na esfera pública ou privada a
fim de alcançar uma remuneração razoável. Nesse sentido, a fragmentação do tempo de
trabalho de um professor pode ser alvo de infinitos estudos e discussões35.
No inciso XVI do art. 37 da Constituição Federal, onde há as disposições gerais
da administração pública, afirma-se que é vedada a acumulação remunerada de cargos
públicos, excetuando, entre outros casos, a de dois cargos de professor quando houver
compatibilidade de horários. Deste modo, de acordo com o texto constitucional, os
professores do ensino básico não podem acumular mais de dois cargos em esferas
públicas, sejam elas, federal, estadual ou municipal.
Observamos que ao mesmo tempo que a Lei maior impede que o professor tenha
mais de duas matrículas públicas, estados e municípios permitem que os professores
façam horas extras dupla ou triplamente. Na rede estadual do Rio de Janeiro, através do
regime de GLP (Gratificação por Lotação Prioritária)36, é permitido que o professor
35 Em busca realizada no banco de teses da CAPES com a combinação das palavras chave: “Condições de trabalho, tempo de trabalho e trabalho docente” foram encontrados 25 estudos no ano de 2007, 32 em 2008, 31 em 2009, 28 em 2010, 37 em 2011 e 46 em 2012, resultando numa média crescente ao longo dos anos. Muitas dissertações e teses se referem ao mal estar docente, qualidade de vida e burnout. 36 A GLP é uma gratificação que o professor pode perder a qualquer momento, pois as vagas ocupadas são de professores licenciados e/ou afastados. O dinheiro da gratificação não vai para a aposentadoria e demais benefícios aos quais o professor tem direito na matrícula.
53
amplie até 24 tempos37 da sua carga horária em sala de aula, alcançando 36 tempos de
atividade de interação com os educandos.
Percebemos então que a restrição ao acúmulo de mais de duas matrículas não se
dá, necessariamente, para que o professor obtenha mais tempo fora de sala de aula para
planejar seus cursos, pois ele pode, legalmente, ficar a semana toda em sala de aula
fazendo “hora extra” ou GLP, ou mesmo ter outros empregos na rede privada de
educação tanto quanto a sua disponibilidade permita. Observamos através deste fator
que existem várias formas de o poder público aproveitar as lacunas na Lei que acabam
gerando práticas extremamente prejudiciais como essas.
Relembremos o relato exposto na apresentação desta dissertação, onde
expusemos a fragmentação do tempo de acordo com a experiência da autora enquanto
professora da Rede estadual do Rio de Janeiro. Aquela realidade apresentada é bem
parecida com a de muitos professores que, além de trabalharem em mais de uma
matrícula, seja ela no estado, em outro município ou em escolas particulares, ainda têm
sua carga horária de uma única matrícula dividida em várias escolas. Essa irregularidade
geral situada no âmbito de um ciclo irregular da semana de trabalho é um fator que
provoca muitas lamentações por parte dos professores.
No depoimento abaixo, de um professor que só atua na rede estadual,
observamos a fragmentação do tempo de trabalho e os gastos com deslocamento, fator
que o levou a aderir ao Programa Autonomia recentemente.
Nos primeiros três anos de trabalho eu saia de casa e pegava um ônibus e um trem para Queimados, dava aula durante o dia todo no Colégio (Estadual) São Cristóvão, depois pegava dois ônibus pra ir pra Manguariba onde dava aula a noite no Colégio (Estadual) Gandhi, depois eu pegava mais um ônibus para ir pra casa. (Nesse período) Também trabalhei no (Colégio Estadual) Cesarão38. Isso trabalhando dois dias no estado. Com a compra do carro eu vi que andava 200 km por semana para trabalhar. Hoje trabalho só em Cosmos, no (Colégio Estadual) Jornalista Artur da Távola, com o Programa Autonomia. Trabalho cinco dias por semana e faço 100 km por semana (Professor Fábio, 29 anos, 12 anos no magistério).
O depoimento da professora Christiane também nos revela a mesma situação:
37 Tabela completa com a carga horária permitida aos professores através de GLP, disponível no manual de alocação de professores da SEEDUC, disponível em: http://download.rj.gov.br/documentos/10112/736278/DLFE-45111.pdf/manualQHI_05DEJANEIRO.pdf 38 Nome fictício da escola, por solicitação do professor, que afirmou ter saído desta escola não só pela distância mas por divergências com o diretor.
54
Trabalhei no CIEP 188, que fica localizado numa área totalmente rural, sua rua de acesso não possui asfalto. Levava um tempo médio de 40 minutos para chegar nesta escola, já o CIEP 354, se localiza numa área de risco eminente e era longe, eu levava cerca de 1 hora e 20 (minutos) para chegar lá. Hoje nesta escola que atuo com o (Programa) Autonomia, utilizo carro com um tempo médio de viagem de 15 minutos (Professora Christiane, 32 anos, seis anos de magistério).
A divisão da matrícula em várias escolas tem sido um fator muito presente na
Rede Estadual do Rio de Janeiro que tem se dado devido ao fechamento de turmas,
escolas ou implementação de novas modalidades de ensino, onde muitos professores
perdem turmas, consequentemente a lotação e acabam tendo que dividir sua carga
horária de uma única matrícula em várias escolas, ou seja, seus doze tempos em sala de
aula passam a ser diluídos em duas, três, quatro ou mais escolas.
Considerando esta uma realidade muito presente na Rede Estadual, a emenda de
nº1739, de autoria dos deputados Marcelo Freixo, Robson Leite e Inês Pandeló,
acrescentava ao PL 2200/1340, que concedeu novo reajuste aos profissionais da
educação, que “a matrícula do profissional da educação deverá corresponder à lotação
em apenas uma escola”. O objetivo proposto pela emenda era superar um fator de
precarização existente hoje na rede: a fragmentação do tempo do professor que precisa
trabalhar em três, quatro ou mais escolas, muitas vezes fora do município em que reside.
Logo após a proposta ter sido colocada, o veto à emenda foi solicitado pelo secretario de
educação Wilson Risolia e a emenda foi vetada pelo governador Sérgio Cabral em 18 de
junho de 2013.
Toda essa fragmentação do tempo, além de levar o professor a um intenso
desgaste físico, ainda gera um tempo maior de deslocamento que não é remunerado,
pois, o auxílio transporte41 pago pela Secretaria de Educação, além de ter critérios
pouco claros, desconsidera o fato de o professor trabalhar em uma ou mais escolas, ou
ter uma ou duas matrículas na rede estadual. A fragmentação da matrícula na rede têm
levado muitos professores a aderirem ou optarem por atuar junto ao Programa
Autonomia quando lhes é oferecida esta oportunidade, pois este Programa lhe garante a
39 Emenda aditiva nº37, em regime de urgência, em discussão única ao Projeto de Lei nº2200/2013. 40 Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, publicado em 15 de maio de 2013 41A partir de fevereiro de 2013, de acordo com o decreto nº 42788 de 06 de janeiro de 2011, a SEEDUC
passou a pagar o auxílio transporte no valor que varia de R$ 57,00 a R$ 110,00 aos servidores da secretaria estadual de educação. O valor é pago por CPF e não por matrícula, portanto o docente que possua duas matrículas na Rede Estadual recebe apenas por uma matrícula.
55
concentração da matrícula numa única escola, além de uma gratificação decorrente do
aumento da carga horária.
1.2.6. O direito à preguiça: o “tempo livre42” dos professores
Conforme vimos anteriormente, o estudo do tempo é bastante enriquecedor para
a compreensão das sociedades e dos modos de vida humana, na medida em que vida e
tempo mesclam-se, relacionam-se, determinam-se. A história do lazer – ocupação de um
“tempo livre” ou disponível – está inegavelmente associada à história dos tempos
sociais, seus usos, suas percepções, representações, bem como às lutas travadas para
medi-los e controlá-los.
O direito à preguiça, obra panfletária que já nos referimos, tem uma clara
mensagem política: fazer a crítica materialista do trabalho assalariado ou do trabalho
alienado. A preguiça seria, então, uma condição para que o proletariado se libertasse ao
mesmo tempo em que se desenvolvesse física, psíquica e politicamente. Lafargue
(2000) reivindicou em 1880, o direito à preguiça porque ele queria estender um espaço
de lazer que era disponível apenas para alguns privilegiados.
A redução da jornada de trabalho aparece já no final do século XIX, como uma
das propostas para atenuar a alienação do trabalho. O desenvolvimento tecnológico e o
uso racional das máquinas pareciam, então, uma solução para que os trabalhadores se
livrassem da exploração que sofriam do trabalho, na medida em que teriam suas
jornadas reduzidas, ao menos potencialmente, a três horas diárias. Para Lafargue (2000),
essa drástica redução da jornada de trabalho poderia fazer o trabalho voltar a ser uma
fonte de prazer para o homem. A redução da jornada de trabalho era vista, tanto por
Lafargue como por Marx, como saída para aumentar o “tempo livre” dos trabalhadores.
Fica claro que o trabalhador durante toda a sua existência nada mais é que força de trabalho, que todo seu tempo disponível é, por natureza e por lei, tempo de trabalho a ser empregado no próprio aumento do capital. Não tem
42 A expressão “tempo livre” foi utilizada entre aspas para sinalizar que é preciso relativizar o uso da palavra “livre”. Quando se usa a palavra “livre” para qualificar um tempo, presume-se que algo precisa ser pensado como seu oposto. Seria um tempo livre liberto do quê? De uma prisão? De um inimigo? De uma obrigação social? De normas ou regras? Quando se pensa com mais profundidade nessas “oposições” sociais à liberdade, chega-se a conclusão que é preciso entender o sentido de liberdade. O que é liberdade? O que é ser livre ou o que significa ter um tempo específico para ser livre? Essa discussão, por demais abrangente, não será feita nesta dissertação, utilizaremos a expressão “tempo livre” para o tempo disponível fora das obrigações e do trabalho.
56
qualquer sentido o tempo para educação, para o desenvolvimento intelectual, para preencher funções sociais, para o convívio social, para o livre exercício das forças físicas e espirituais, para o descanso dominical [...]. Mas, em seu impulso cego, desmedido, em sua voracidade por trabalho excedente, viola o capital os limites extremos, físicos e morais, da jornada de trabalho. Usurpa o tempo que deve pertencer ao crescimento, ao desenvolvimento e à saúde do corpo. Rouba o tempo necessário para se respirar ar puro e absorver a luz do Sol. Comprime o tempo destinado às refeições para incorporá-lo sempre que possível ao próprio processo de produção, fazendo o trabalhador ingerir os alimentos [...] como se fosse mero meio de produção. [...] O capital não se preocupa com a duração da vida da força de trabalho (Marx, K. 1989, p.300-1).
Partindo dessas reflexões, acreditamos ser necessário analisar criticamente como
tem se dado as formas de utilização do “tempo livre43” por parte dos professores. Os
depoimentos que apresentaremos a seguir demonstram uma mistura de concepção do
que seria o “tempo livre” e diferentes formas de apropriação desse tempo.
Um fator comum nos depoimentos foi associar o final de semana ao “tempo
livre”. Visto que, são dias que o trabalhador docente não está em sala de aula, embora
alguns afirmem planejar aulas, estudar ou se aperfeiçoar nestes dias. O depoimento de
Nilda, que está próxima de se aposentar, parece emblemático neste ponto:
Eu não tenho mais lazer. Eu gosto só de ficar na internet. Mas geralmente, final de semana eu planejo aula de toda a semana, da semana inteira, e durante a semana não dá tempo, tem que cuidar de casa é complicado. O lazer acabou (Professora Nilda, 51 anos, 24 de magistério).
A professora associa diretamente o final de semana a um período que deveria ser
reservado ao “tempo livre” com atividades de lazer, porém com a vida atarefada que
possui, incluindo as tarefas domésticas, este tempo tem sido negligenciado em função
de um cotidiano, durante a sua semana de trabalho, que não permite que ela faça o
planejamento de suas aulas. Ao dizer que gosta só de ficar na internet, associa as
navegações na rede como uma forma de distração e ocupação do “tempo livre”, se
referindo como um “lazer” menor ou um não-lazer, pois, como ela mesma afirma, não
possui mais formas de lazer em sua vida.
Outro depoimento que chama a atenção neste ponto é de uma outra professora
que também está próxima de se aposentar. Neste caso, ela afirma não possuir muito
43 Nas entrevistas, geralmente ao final, a pergunta feita foi “Como você utiliza o seu tempo livre?” Alguns professores associaram a questão ao tempo de lazer, ao tempo sem trabalho, ao tempo fora da sala de aula ou demarcaram o final de semana como sinônimo de “tempo livre”.
57
“tempo livre”, que tem ocupado, praticamente, todo o seu tempo com o trabalho, mas
que almeja o “tempo livre”, assim que deixar a docência, embora afirme que não irá
deixar de ter uma vida produtiva, mesmo que seja atuando em outras áreas, associando
desta forma que a sua realização pessoal após a aposentadoria será através da realização
de atividades que até então não pôde colocar em prática.
Esse ano tá complicado. Ano que vem eu vou me aposentar. Então nessa reta final eu tô realmente ocupando o meu tempo. [...] Ultimamente tô sem horário livre. Esse ano eu peguei bastante turmas, então agora eu tô trabalhando mais um pouco. Meu ritmo sempre foi acelerado, sempre foi forte, batidão. Parei durante muito tempo, fiquei afastada, readaptada e agora voltei ao ritmo normal, que é não ter lazer. Como eu vou me aposentar ano que vem eu tô me dedicando mais esse ano. É o último ano. Aí sim, eu vou pra minha casa em Mangaratiba, ficar lá, vou fazer o curso que quero, de costura... Eu sempre fui muito agitada. Parar não! (Professora Janete, 50 anos, 26 anos de magistério). O meu lazer por enquanto é ficar em casa... internet, televisão... Entendeu? Quero ir ao cinema mas eu não consigo, tô tão cansada fim de semana que, sabe, acabo nem indo. Eu falo “Ah, vou sair”, mas eu prefiro dormir por conta do cansaço (IBIDEM).
Esta professora que sempre teve um ritmo acelerado de trabalho ficou de licença
médica por sete meses, recentemente, segundo ela devido a carga de trabalho muito
pesada que tinha. Quando voltou ficou readaptada de função por um ano, trabalhando na
biblioteca da escola. Quando voltou para a sala de aula, Janete parece seguir o mesmo
ritmo anterior, mas segundo ela, por um curto período, visto que irá se aposentar em
breve.
Janete associa o “tempo livre” ao tempo destinado ao ócio ou a outras atividades
como assistir televisão ou ficar na internet, diz que gosta de ir ao cinema, mas que não
tem conseguido fazer isso atualmente, preferindo dormir por conta do cansaço.
Exemplos semelhantes de utilização do “tempo livre” encontramos no depoimento de
Christiane.
Tenho tempo livre porque eu faço o meu tempo livre. Não abdico de ter sábado e domingo em casa. Durmo, vou ao cinema, vou no shopping, saio para tomar uma cerveja. [...] Eu trabalho de segunda a sexta. Faço com que o meu final de semana seja para mim, de descanso para poder aguentar a semana, porque durante a semana eu estou em cinquenta lugares ao mesmo tempo. Hoje eu já dei aula em Valqueire, já dei aula no Pechincha, tô em
58
Paciência e vou voltar pra Valqueire. Amanhã eu tô lá dentro de Jacarépagua, tô no Pechincha de novo, tô no Valqueire e tô em Paciência. Então, dia de semana eu rodo que nem louca, mas final de semana é pra mim. Eu faço o meu tempo livre pra ter esse tempo pra mim, se não, não dá. Dinheiro né? A Gente ganha pouco, então a gente acaba tendo que trabalhar assim, então eu prefiro não trabalhar final de semana, eu prefiro descansar. Eu faço o meu tempo livre, me dou esse prazer (Professora Christiane, 32 anos, 5 anos de magistério).
Ir ao shopping, ir ao cinema (geralmente nos Shoppings) foram citados
coincidentemente por essas duas professoras. Christiane cita determinadas atividades
em seu tempo livre nas quais busca uma atividade de lazer que lhe renove as energias
para aguentar o intenso ritmo semanal. Tudo isso nos remete a uma reflexão realizada
por Padilha (2006), quando faz uma análise dos espaços de lazer da sociedade
contemporânea, vasculhando o espaço e os meandros do bazar cultural mundializado
que seriam os Shopping Centers e nos sugere importantes reflexões.
De um lado o capitalismo de hoje impõe à classe média uma ditadura do lazer, ou seja, faz-se necessário ocupar o tempo livre de qualquer maneira, uma vez que o ócio – no sentido de não fazer nada ou de simplesmente contemplar – é condenado num sistema que depende da produtividade acelerada. Assim, as atividades de lazer entram no mesmo ritmo da produção e são oferecidas prontas aos seus consumidores, sob o pretexto de que o ser humano moderno, não preparado para desfrutar do seu tempo livre, possibilitado pelo avanço do capitalismo, seria incapaz de inventar o seu próprio lazer. Dessa relação entre trabalho e lazer nasce a concepção compensatória, ou seja, se o trabalho aliena e cansa, deve-se oferecer aos trabalhadores uma atividade de lazer que supostamente compense tal alienação, de forma a recuperá-lo para o trabalho no dia seguinte. Gera-se um círculo fechado na lógica do capital do qual não escapam nem o tempo de trabalho nem o tempo de não-trabalho. Por isso, viver a plenitude de um tempo livre numa sociedade controlada pela racionalidade econômica do mercado fica cada vez mais difícil (PADILHA, V. 2006, p.27-8).
Bruno é professor, mas também possui atividades paralelas num programa de
rádio, afirma que o seu “tempo livre” é nesta ocupação, associando essa atividade mais
como um lazer do que com um trabalho. Além disso, afirma utilizar o “tempo livre”
para estudar e fazer outras atividades que o trabalho de professor exige.
Meu tempo livre atualmente é na rádio. Eu tenho um programinha de música, informações e serviços. Outra parte do tempo fico em casa estudando porque esses projetos, tanto o Autonomia, quanto o Nova EJA requerem que você se desdobre nos estudos. Você tem que preparar aula, você tem que participar de reunião. Então meu tempo livre, não é muito livre não. Durante a semana eu
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tiro pelo menos duas horas, até três horas no computador, entendeu? É... Participando das atividades propostas, estudando as questões que eles colocam... Então livre mesmo só sábado e domingo. Mas mesmo final de semana eu tenho que prestar conta aos meus tutores e a plataforma que me cobra atividades (Professor Bruno, 53 anos, 15 anos de magistério).
Mais uma vez, observamos o “tempo livre” associado quase que
obrigatoriamente ao final de semana, porém, mais uma vez o vemos ocupados por
diversas atividades realizadas pelos professores. Bruno ressalta que os projetos nos
quais ele trabalha lhe exigem muito. Ele precisa preparar aulas, participar de reuniões e
pela primeira vez, dentre os depoimentos, vimos a associação da utilização da internet
não para lazer mas para trabalho, embora continue com a mesma percepção de que a
utilização da internet faz parte do “tempo livre” ou seja, se dá fora do trabalho,
dissociando as atividades de planejamento e estudos das atividades laborais.
Sobre o necessário tempo de descanso, trouxemos mais uma vez para essa
discussão trechos do depoimento de Janete, pois sua trajetória, ao longo dos 27 anos de
magistério, nos oferece elementos que evidenciam um percurso com um tempo bastante
regrado em seu cotidiano de trabalho. Com uma rotina de trabalho difícil, e já ter tirado
licença por depressão, já passou por diversas escolas, já foi readaptada, e hoje
novamente em sala de aula, próxima de sua aposentadoria afirma que trabalha muito,
prepara aulas e corrige provas em seu único tempo disponível que é aos fins de semana,
mas ultimamente vem proclamando o seu “direito à preguiça”.
O único dia que eu tiro pra descansar é quarta feira. O dia todo. Eu não faço nada. É meu dia de nada. Eu trabalho a noite, mas durante o dia é o dia que eu tiro pra dormir e descansar. Domingo depois das quatro (horas) da tarde também, mas domingo de manhã eu ainda trabalho. Domingo agora eu trabalhei por causa do conselho de classe, fechando nota... Direto! Ontem, hoje também... Hoje ainda tirei uma folga porque amanhã tem conselho, então eu tirei minha folga à tarde hoje, mas eu trabalho bastante. A semana toda eu conto bastante horas (de trabalho), sem contar as horas na escola. As tardes, algumas tardes, eu tirei para descansar. Então eu trabalho de manhã, a noite, só terça que eu trabalho a tarde. Então, segunda, quarta, quinta, sexta, sábado, passo praticamente o dia todo, dando ou preparando aula... Algumas noites de sábado também viro a madrugada até tarde, aí domingo engreno e a noite paro pra ver minha televisão que eu gosto (Janete, 49 anos de idade, 27 de magistério).
É bom lembrar que entre as possibilidades de ocupação deste tempo disponível,
os professores, na maioria das vezes e em proporções diferentes, acabam optando ou por
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lazeres programados e direcionados ao consumo de bens e serviços ou pela passividade
de entregar-se ao mundo divertido e mágico da televisão ou da internet.
CAPÍTULO 2: A DOCÊNCIA NO TEMPO E NO CONTEXTO DAS LEIS
No presente capítulo buscaremos analisar o contexto material/econômico e as
condições objetivas de trabalho dos professores. Para isso tomaremos como base as
reformas educacionais da década de 1990, as políticas que têm como marco o IDEB
(Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), o Compromisso Todos Pela
Educação e o que chamamos de “Compromisso Fluminense” com as novas políticas
educativas e suas interferências no trabalho docente. Nosso objetivo aqui foi lançar um
olhar sobre as condições às quais os professores estão submetidos, analisando a relação
entre as políticas educacionais vivenciadas por eles e a dinâmica de seus processos de
trabalho, que podem ter gerado a adesão de diversos sujeitos a Programas educacionais
como o Autonomia.
O contexto que teve como marco as reformas educacionais da década de 1990
foi fortemente marcado pela meritocracia44 e por mudanças muito amplas no âmbito do
trabalho docente. Localizaremos os professores dentro desse contexto político/social
mais amplo, buscando mostrar a intensidade com que o Estado provocou mudanças na
organização e funcionamento da rede escolar, para novamente explicitar como isso
interfere no tempo do professor e na “con(formação)” de um grupo profissional.
Partindo do entendimento de uma concepção ampla da legislação, por meio da
qual, pretendemos explorar documentos oficiais, dados estatísticos e programas
educativos. O presente capítulo pretende analisar a legislação educacional - Decretos,
Leis, Regulamentos, Programas de ensino e o contexto material/econômico, ou seja, as
condições objetivas de trabalho dos professores, a fim de expor as políticas
educacionais vivenciadas pelos sujeitos da pesquisa. Mostraremos a intensidade com 44 A palavra meritocracia é definida no nível ideológico, “como um conjunto de valores que postula que as posições dos indivíduos na sociedade devem ser consequência do mérito de cada um. Ou seja, do reconhecimento público da qualidade das realizações individuais”. (BARBOSA 2003, p.22). Segundo a autora, a palavra meritocracia aparece diluída nos debates sobre desempenho e avaliação, justiça social, reforma administrativa do Estado e o neoliberalismo. Na realidade, o termo se refere a uma das mais importantes ideologias e critérios de hierarquização social das sociedades modernas, atinge as diferentes dimensões de nossa vida social e no âmbito do espaço público. No entanto, seu uso científico no campo educacional vem sendo cada vez mais frequente (KREIMER, 2000). Para mais detalhes, ver: VIEIRA, C. M. et al. Reflexões sobre a meritocracia na educação brasileira. Revista Reflexão e Ação, Santa Cruz do Sul, v.21, n. esp., p.316-334, jan./jun.2013. Neste artigo, os autores analisam o sentido etimológico do termo mérito, buscando compreender o significado atribuído aos termos meritocracia e meritocracia escolar no contexto da Reforma do Aparelho do Estado.
61
que o Estado provoca mudanças na organização e funcionamento da rede escolar e
como isso interfere no trabalho docente e no tempo do professor.
A escolha do período, que engloba as últimas décadas, foi muito influenciada
pela recorrente referência a este na literatura sobre a precarização do trabalho docente e
por considerarmos que os anos 1990 no Brasil são caracterizados como um marco da
implementação de políticas marcadamente neoliberais, acarretando perdas consideráveis
para a educação e também para o trabalho docente. No Rio de Janeiro, nas escolas
públicas estaduais, observamos que o trabalho docente foi submetido a mudanças
significativas, principalmente em decorrência das políticas baseadas na meritocracia e
na remuneração por resultados. Os efeitos dessas políticas são inúmeros, e atinge desde
aspectos relacionados à pressão emocional e ao estresse, até aspectos que ocasionam
alterações nas relações sociais, tais como uma maior competição entre os professores, a
redução da sociabilidade na vida escolar, o aumento do trabalho burocrático e ações
profissionais cada vez mais individualizadas.
É bem verdade que o conhecimento prévio de algumas dessas políticas orientou
nossa seleção de depoimentos, mas o conjunto de políticas a serem consideradas no
estudo foi composto, também, a partir dos depoimentos dos professores, já que este será
o fio condutor de nossa análise. Recorreremos mais uma vez as análises de Thompson,
pois, entendemos que o historiador inglês nos instiga a contextualizar o papel da
legislação sobre os rumos da educação e do trabalho docente a partir da análise das
políticas governamentais e das reformas educacionais que incidem sobre os sujeitos que
as vivenciam no seu tempo de atuação profissional.
PARTE 1
2.1.1. A legislação como um campo de batalhas
A legislação educacional está intimamente ligada a determinadas formas de
concepção de educação, concepções estas que emanam das instâncias governamentais, e
que são apropriadas, de maneiras as mais diversas, seja pelos diferentes sujeitos ligados
à produção das leis, seja por aqueles que serão os executores da mesma. Diversas são
também, as maneiras de se enquadrar, desviar ou contestar as leis por quem se encontra
sob a órbita de determinadas normas legais em seu cotidiano. Talvez esta seja uma boa
chave de leitura para uma aproximação das inúmeras Leis e Reformas de ensino como
62
estratégias governamentais de intervenção e de como os diferentes grupos delas se
apropriam no campo educativo.
Em relação às leis, tem sido comum encontrar análises que se baseiam em duas
perspectivas: uma que pretende uma análise por demais particularizada e diacrônica,
que acaba centrando o foco no presente, se esquecendo que as leis são construções
humanas, eivadas de disputas entre forças e interesses divergentes, portanto, o seu
caráter oficial, representa apenas uma parte do processo histórico que a engendrou;
outra que propõe um sobrevôo e se enquadra num mesmo esquema interpretativo
experiências diversas da relação dos indivíduos com as leis. A fecundidade da obra de
Thompson reclama o zelo permanente com o diálogo entre as duas perspectivas e mais
uma vez é na perspectiva thompsoniana que iremos nos debruçar. A seguinte passagem
de Thompson nos abre o caminho:
Ao investigar a história não estamos passando em revista uma série de instantâneos, cada qual mostrando um momento do tempo social transfixado numa única e eterna pose: pois cada um desses instantâneos não é apenas um momento do ser, mas também um momento do vir-a-ser: e mesmo dentro de cada seção aparentemente estática, encontrar-se-ão contradições e ligações, elementos subordinados e dominantes, energias decrescentes ou ascendentes. Qualquer momento histórico é ao mesmo tempo resultado de processos anteriores e um índice da direção de seu fluxo futuro (THOMPSON, 1981, p.59).
Ao situar o debate sobre a legislação educacional no tempo presente, resgatamos
a fundamental concepção teórica de Thompson a respeito da forma com que se deve
encarar o debate sobre a lei. Podemos afirmar que desde A formação da classe operária
inglesa, a lei aparece nos trabalhos do Thompson, simultaneamente como problema
político e teórico. Desde então, a lei não aparece como puro arbítrio, ou simples
mecanismo de domínio direto de uma classe sobre outra; ela surge como um campo de
batalhas.
É verdade que, na história, pode-se ver a lei a mediar e legitimaras relações de classe existentes. Suas formas e seus procedimentos podem cristalizar essas relações e mascarar injustiças inconfessas. Mas essa mediação, através das formas da lei, é totalmente diferente do exercício da força sem mediações. As formas e a retórica da lei adquirem uma identidade distinta que, às vezes, inibem o poder e oferecem alguma proteção aos destituídos de poder. Somente quando assim são vistas é que a lei pode ser útil em seu outro aspecto, a ideologia. Além disso, a lei em ambos os aspectos, isto é, enquanto regras e procedimentos formais e como ideologia, não pode ser proveitosamente analisada nos termos metafóricos de uma superestrutura
63
distinta de uma infraestrutura. Embora isso abarque uma grande parcela evidente de verdade, as regras e categorias jurídicas penetram em todos os níveis da sociedade, efetuam definições verticais e horizontais dos direitos e status dos homens e contribuem para a autodefinição ou senso de identidade dos homens. Como tal, a lei não foi apenas imposta de cima sobre os homens: tem sido um meio onde outros conflitos sociais têm se travado (THOMPSON, 1987, p.358).
É possível afirmar que Thompson esteja operando com dois modos diferentes, e
muitas vezes antagônicos, de apreensão do universo da lei. Ora a lei aparece como
mediação dos conflitos de classe, ora aparece como expressão da dominação de uma
classe sobre a outra. Essa variação depende do contexto. De todo modo, o tão pequeno
quanto denso item intitulado “O domínio da lei” incluído nas conclusões de seu livro
Senhores e caçadores se consagrou como uma profunda mudança de abordagem sobre
esta questão em relação às tendências até então predominantes no interior da tradição
marxista estruturalista, pois nele Thompson analisa os atores sociais envolvidos e nos
revela a dimensão da dinâmica social do domínio da lei. Por isso, a lei não pode ser
vista simplesmente como ideologia ou como aparato do Estado, ou mesmo como
instrumento da classe dominante. Enfim, ela deve ser vista, também, como mediação
dessas mesmas relações, de paternalismo e deferência, de domínio e subordinação.
Assim, a lei tem suas características próprias, sua história própria e sua própria lógica de
desenvolvimento. A linha geral da argumentação de “O domínio da lei” é polemizar
com o marxismo estruturalista, para o qual a lei “como tal é nitidamente um instrumento
da classe dominante de facto.” (Thompson, 1987, p. 349).
Ao adensar a polêmica com os estruturalistas, Thompson reafirma que seu
interesse pelos direitos e transgressões à lei por uns poucos homens no início do século
XVIII é antes de tudo um interesse por trivialidades. Critica a tradição marxista mais
antiga que acredita que:
O domínio da lei é apenas uma outra máscara do domínio de uma classe. O revolucionário não precisa ter nenhum interesse pela lei, a não ser como um fenômeno do poder e da hipocrisia da classe dominante: seu objetivo deveria ser o de simplesmente subvertê-la (THOMPSON, 1987, p.350).
Ao criticar essa visão do reducionismo estrutural que joga fora toda a luta pela
lei, e dentro das formas da lei, Thompson afirma que essa visão lançaria homens e
mulheres “num perigo imediato” (p.358) e trazendo o debate para o século XX, diz que
64
“negar ou minimizar esse bem, neste século perigoso em que continuam a se ampliar os
recursos e as pretensões do poder, é um erro temerário de abstração intelectual.”
(p.357). Thompson insiste no ponto negligenciado por alguns marxistas estruturalistas e
não chega “a uma conclusão simples (lei = poder de classe), mas a uma conclusão
complexa e contraditória” (p.356), na qual a Lei, por um lado, torna-se um instrumento
que realmente mediava relações de classe existentes, para proveito dos dominantes; por
outro, mediava essas relações de classe através de formas legais, que impunham
restrições às ações dos dominantes. Sendo assim:
A lei (concordamos) pode ser vista instrumentalmente como mediação e reforço das relações de classe existentes e, ideologicamente, como sua legitimadora. Mas devemos avançar um pouco mais em nossas definições. Pois de dizemos que as relações de classe existentes eram mediadas pela lei, não é o mesmo que dizer que a lei não passava da tradução dessas mesmas relações em termos que mascaravam ou mistificavam a realidade. Muitíssimas vezes isso pode ser verdade, mas não é toda a verdade (IBIDEM, p.353).
Thompson aceita parte da crítica marxista-estrutural, confirmando as funções
classistas e mistificadoras da lei, porém, rejeita seu reducionismo inconfesso. Ao
analisar o século XVIII e a Lei Negra45 questiona a validade de se separar a lei como
um todo e colocá-la em alguma superestrutura tipológica:
A lei, considerada como instituição (os tribunais, com seu teatro e procedimentos classistas) ou pessoas (os juízes, os advogados, os Juízes de Paz), pode ser muito facilmente assimilada à Lei da classe dominante. Mas nem tudo o que está vinculado “a lei” subsume-se a essas instituições. A lei também pode ser vista como ideologia ou regras e sanções específicas que mantém uma relação ativa e definida (muitas vezes um campo de conflito) com as normas sociais; e, por fim, pode ser vista simplesmente em termos de sua lógica, regras e procedimentos próprios – isto é, simplesmente enquanto lei. E não é possível conceber nenhuma sociedade complexa sem lei (IBIDEM, p.351)
Além de ver a lei como um campo de disputas, de conflitos e de interesse de
diferentes setores da sociedade, Thompson também lembra que fazer a lei ser/parecer
45 Lei 9 George I c. 22, que veio a ser conhecida como “A Lei Negra”, decretada em maio de 1723. Uma lei para a punição mais eficaz de pessoas perversas e mal-intencionadas usando armas e disfarces, e praticando agressões e violências às pessoas e propriedades dos súditos de Sua Majestade, e para o encaminhamento mais rápido dos infratores à justiça. (Caput da Lei 9 George I. C.22)
65
justa é de certa forma e em determinadas conjunturas, de interesse dos setores
dominantes, pois:
A maioria dos homens tem um forte senso de justiça, pelo menos em relação aos seus próprios interesses. Se a lei é manifestamente parcial e injusta, não vai mascarar nada, legitimar nada, contribuir em nada para a hegemonia de classe alguma. A condição prévia essencial para a eficácia da lei, em sua função ideológica, é a de que mostre uma independência frente a manipulações flagrantes e pareça ser justa (IBIDEM, p.354).
O que parece fundamental nas sugestões de Thompson, é perceber a relação
entre costume e lei. E essa relação é sempre instável e mutável. Exemplo disso é dado
pelo fato de que registrar os costumes, às vezes oralmente herdados, era uma maneira de
garantir, na lei, os direitos costumeiros. E, para assegurar a manutenção dos direitos, o
costume podia se tornar muito complexo e sociologicamente sofisticado. Ou seja, não
havia nada estático nem no costume nem, tampouco, na lei. Exatamente por isso, a lei
não aparece como um instrumento de domínio de uma classe sobre outra, mas como um
campo de lutas, aberto e indefinido, em que a complexidade dos costumes desempenha
um papel decisivo.
Para analisar as influências da lei de ambos os lados, dos dominados e
dominantes, Thompson partiu da experiência de humildes moradores das florestas e
seguiu através de evidências contemporâneas, as linhas que ligavam-nos ao poder. “Em
certo sentido as próprias fontes me obrigaram a encarar a sociedade inglesa em 1723 tal
como elas mesmas a encaravam, a partir de ‘baixo’.” (THOMPSON, 1987, p.17). A
validade dessas reflexões certamente lançaram um novo olhar sobre a Inglaterra de
1723, mas o que um debate sobre a Inglaterra do século XVIII nos ajuda a pensar os
professores do século XXI?
Thompson nos mostrou neste estudo, que ao forjarem leis duras e opressivas, a
classe dominante buscava servir aos seus próprios interesses, mas ao mesmo tempo, a
lei também impunha restrições ao poder, forçando “os dominantes a agir apenas por vias
permitidas pelas suas formas jurídicas.” (p.359). Ao lançar essa luz sobre o debate,
faremos o movimento de compreender a legislação educacional na forma como são
colocadas pelos órgãos oficiais, mostrando a intensidade com que o Estado provoca
mudanças na organização e funcionamento da rede escolar e como isso interfere no
trabalho docente e no tempo do professor, como o poder público busca implementar a
66
lei visando servir aos seus próprios interesses, e ao mesmo tempo, colocamos como a lei
também impõe restrições ao poder. A partir da perspectiva dos de “baixo” veremos as
apropriações desse universo da “lei” na educação do estado do Rio de Janeiro.
PARTE 2 2.2.1. Condições de trabalho docente e as dimensões quantitativas do ensino
As variáveis que nos permitem caracterizar certas dimensões quantitativas do
ensino, como: o tempo de trabalho diário, semanal, o número de horas em classe, o
número de alunos por turma, o salário, o número de escolas que um professor precisa
atuar, etc., geralmente servem para definir o quadro legal no qual o ensino é
desenvolvido; elas são utilizadas pelos estados e municípios para contabilizar o trabalho
docente, avaliá-lo e remunerá-lo. Organismos como a OCDE (Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Economico) ou UNESCO (Organização das Nações
Unidas para Educação, Ciência e Cultura) utilizam destas mesmas variáveis para fazer
comparações entre professores de diferentes países.
O Proyecto Regional de Educación para América Latina y El Caribe (Prelac),
definiu, em 2005, o docente como protagonista na mudança educacional. Isso baseado
nas inúmeras mudanças que a sociedade vem sofrendo e que passa a exigir da educação
diferentes papéis antes assumidos por outras organizações, como a família, a igreja e a
própria vizinhança. O que o documento indica é que se espera, a partir de todas essas
mudanças, que a escola desempenhe outra função e, para tanto, faz-se necessário que os
profissionais que nela atuam sejam preparados diferentemente, tendo em vista que
deverão atuar em uma realidade multicultural, na qual a heterogeneidade e a diferença
passam a ser a grande tônica.
Nesse contexto, exige-se do trabalho docente muito mais do que as tarefas
restritas aos aspectos didáticos e pedagógicos. Espera-se, segundo a lógica do Prelac,
que, em face dessas transformações sociais e políticas, o papel dos docentes vá além do
espaço antes ocupado por ele. Além da função de ensinar em classes multiculturais, de
assumir as tarefas de enfermeiro, psicólogo e assistente social, é esperado desse
profissional que se envolva nas tarefas de gestão e de planejamento em uma tarefa
coletiva que inclua seus pares, os alunos e a própria comunidade. Além da defesa do
protagonismo docente, advoga-se ainda a tese de que as reformas educacionais
67
implantadas na América Latina, nos anos de 1990, não vingaram no seu todo em função
do não-envolvimento dos docentes nas mesmas.
Ao longo das últimas décadas, a maior parte dos países – tanto da América
Latina como de outras regiões do mundo – empreendeu46 profundos processos de
transformações educacionais. O relatório da UNESCO de 2004, busca fazer um Perfil
dos Professores do Brasil levantando características dessa categoria profissional em
todo o país. Ao reconhecer os importantes avanços da expansão quantitativa da oferta
escolar, em todos os níveis, as mudanças nos estilos de administração e gestão,
“destinados a conceder maiores níveis de autonomia aos estabelecimentos escolares e
maiores níveis de responsabilidade pelos resultados (accountability)” (UNESCO, 2004,
p.11), os novos conteúdos curriculares e as novas tecnologias de informação nas
escolas, temos a seguinte ponderação logo no prefácio do documento:
Contudo, os resultados não são tão satisfatórios quando se observa o desempenho de aprendizagem dos alunos. As medições nacionais e internacionais confirmam que os progressos são muito lentos e que existem desigualdades muito significativas nos resultados de aprendizagem dos alunos de diferentes origens sociais. Embora seja verdade que o êxito da aprendizagem é consequência de fatores muito diversos e complexos, é aceitável sustentar que uma das explicações do baixo impacto das reformas nos processos de ensino-aprendizagem tenha sua raiz no “fator docente”, entendido como o conjunto de variáveis que definem o desempenho dos mestres, professores e diretores das escolas: condições e modelos de organização do trabalho, formação, carreira, atitudes, representações e valores (IBIDEM, p.11).
Embora reconheçam que o êxito da aprendizagem dos alunos dependem de
fatores diversos e complexos, que não chegam a ser explicitados, observamos uma
atribuição ao “fator docente” como raiz de explicação para o baixo impacto das
reformas educacionais na educação básica. Conforme observou Dalila Oliveira:
Após o ciclo das orientações e diretrizes educacionais, dos anos de 1980 e de 1990, voltadas para a gestão, o currículo, a avaliação e o financiamento, dentre outras, advindas dos organismos multilaterais47, observa-se, em muitos estudos e pesquisas realizados por esses agentes internacionais, uma tese recorrente de que os ‘professores fazem a diferença’ e que devem assumir certo ‘protagonismo’ nas reformas educacionais. A partir de então, os
46Utilizamos propositalmente a palavra “empreendeu”, para fazer uma alusão ao termo “empreendedorismo”, pois as reformas implementadas tiveram um forte caráter da lógica empresarial. 47 OCDE, Banco Mundial, OMC, UNESCO, PREAL.
68
professores se tornaram alvo das políticas de inspiração neoliberal, mediante surgimento de diretrizes, programas e ações orientadas para a regulação e o controle profissional por meio da aferição e remuneração por desempenho, bem como a definição de competências e de certificações profissionais (OLIVEIRA, J. F. 2010, p.67).
É nesse cenário de mudanças na sociedade e na educação, com reflexos diretos
na escola, que as políticas educacionais passam a ser pensadas e implementadas no
Brasil. Políticas que colocam no professor, cada vez mais, a responsabilidade sobre o
sucesso ou o fracasso escolar dos estudantes nos exames, nos índices e nas metas de
qualidade estabelecidas em âmbito nacional e internacional. A avaliação do rendimento
escolar é uma das atribuições da União no processo de coordenação da política nacional,
o que não impede que estados e municípios também possam ter iniciativas de avaliação
do desempenho escolar em seus respectivos sistemas de ensino, o que já vem ocorrendo
na última década, mesmo que a União tenha criado e implantado exames e indicadores
de abrangência nacional. Nessa direção, destacam-se os seguintes exames implantados
pelo governo federal para a Educação Básica – SAEB (1994), Exame Nacional do
Ensino Médio – Enem (1998), Exame Nacional de Certificação de Competências de
Jovens e Adultos – Encceja (2002), Prova Brasil (2005), Provinha Brasil (2007). [...]
Todos esses exames sofreram alterações ao longo do processo de execução, nos
diferentes governos, mas estão todos sendo realizados em conformidade com sua
periodicidade.
Os resultados desses exames, sobretudo externos, ensejaram os governos a
voltarem sua atenção para a qualidade do ensino, colocando o docente como elemento
chave desse processo e definindo ações que pudessem contribuir para uma melhor
atuação desses profissionais, “o que vem incluindo mudanças na formação (inicial e
continuada), no ingresso da profissão e na carreira, dentre outros”. (OLIVEIRA, D. A. e
VIEIRA, L. F., p.69, 2012)
Observamos que com a inclusão dos testes padronizados, aprofundam-se os
processos de controle e regulação do trabalho docente agora vinculado ao desempenho
dos estudantes nos exames nacionais e concessão de bônus e avaliação de caráter
meritocrático. Como assinalou Freitas (2012):
Pautadas unicamente em resultados de avaliação de rendimento dos estudantes, tais políticas tendem a reforçar o caráter de mera instrução do ensino e a concepção meritocrática, hierárquica, subordinada e tutorial do
69
trabalho docente ainda presente na grande maioria das propostas de formação continuada oferecidas aos educadores. As ações indicadas no âmbito do apoio ao trabalho docente são extremamente tímidas, para não dizer equivocadas, para fazer face aos imensos desafios postos para a escola e a educação pública na atualidade (FREITAS, H. C. L., 2012, p.97-98).
Para o estabelecimento de uma política de profissionalização e valorização dos
educadores, que defina os caminhos e que fortaleçam a construção da identidade
profissional dos docentes da educação básica, Tardif e Lessard (2011) destacam, entre
outros pontos, a recuperação da dignidade do trabalho docente pela implementação da
Lei do Piso Nacional Salarial Profissional, na sua integralidade, prevendo-se a
concentração do professor com dedicação integral e exclusiva a uma escola e o
estabelecimento de 1/3 das horas para as atividades de preparação e avaliação do
trabalho docente.
Os autores afirmam a importância de que essas condições não sejam vistas
unicamente como exigências que determinam unilateralmente a atividade docente; elas
são do mesmo modo recursos utilizados pelos atores para chegar a seus fins. Nesse
sentido, a análise do trabalho docente não pode limitar-se a descrever condições oficiais,
mas deve também empenhar-se em demonstrar como os professores lidam com elas, se
as assumem e as transformam em recursos em função de suas necessidades profissionais
e de seu contexto cotidiano de trabalho com os alunos. (TARDIF, M., LESSARD, C.,
2011, p.112).
A análise sobre as condições de trabalho deve se situar no tempo e no espaço, ou
seja, no contexto histórico-social e econômico que as engendram. Considera-se, dessa
maneira, de acordo com o referencial marxiano de análise, que as condições de trabalho
são derivadas da forma determinada de organização do trabalho no capitalismo.
Diversos trabalhos acadêmicos48 procuram demonstrar as condições de trabalho docente
seja na perspectiva da proletarização (ENGUITA, 1991; APPLE e TEITELBAUN,
1991; KREUTZ, 1986; WENZEL, 1994); da ambivalência, apresentando características
de proletarização e profissionalismo (HYPÓLITO, 1991); em relação à carga de
trabalho (LESSARD et al, 2010); ou mesmo considerando as condições de saúde dos
docentes que traduzem em síndrome de bournout e exaustão profissional (ESTEVE et
al, 2004). Estes estudos listam certo número de fatores associados ao “mal estar” no
ensino demonstrando que as ambiguidades são permanentes e que os enfoques são
48 Fizemos uma breve recuperação dos conceitos sem qualquer pretensão à originalidade.
70
diversos a fim de encontrar diferentes perspectivas. O aumento da carga de trabalho, a
insatisfação no trabalho devido a sua precarização, a perda de autonomia, entre outros
fatores, incidem sobre a vontade de deixar a profissão ou em sua manutenção sem
satisfação profissional.
No dicionário Trabalho, profissão e Condição Docente (2010) dois verbetes
tratam do tema. Assunção e Oliveira (2010) ao tratarem da condição de trabalho
docente partem do conceito de condições de trabalho em geral, presente na obra de
Marx que trata sobre o processo de trabalho e observam que o conceito de condições de
trabalho está intimamente vinculado às condições de vida dos trabalhadores. No
segundo verbete, de Migliavacca (2010), a expressão condições de trabalho do
professor se refere a aspectos sociais, políticos, culturais e educacionais que, em um
período histórico dado, delimitam o marco estrutural em que se desenvolve o processo
de trabalho do professor, portanto, segundo a autora, está muito distante da
“identificação de uma suposta essência universal imanente ao trabalho docente”, já que
depende de uma contextualização histórica particular.
As condições de trabalho docente se referem à forma como está organizado o
processo de trabalho nas unidades educacionais. Tais condições compreendem aspectos
relativos à forma como o trabalho está organizado, ou seja, a divisão das tarefas e
responsabilidades, a jornada de trabalho, os recursos materiais disponíveis para o
desempenho das atividades, os tempos e espaços para a realização do trabalho, até as
formas de avaliação de desempenho, horários de trabalho, procedimentos didático-
pedagógicos, admissão e administração das carreiras docentes, condições de
remuneração, entre outras. A divisão social do trabalho, as formas de regulação,
controle e autonomia no trabalho, estruturação das atividades escolares e a relação do
número de alunos por professor, também podem ser compreendidas como componentes
das condições de trabalho docente. Ball (2005; 2008) analisa tal processo desde uma
perspectiva do caráter performático e regulador das políticas educativas que, ao alcançar
os docentes, por meio de um endereçamento interpelativo das reformas gerencialistas,
visam a um controle da subjetividade para forjar identidades docentes. Oliveira (2007)
também desenvolve o tema da autointensificação do trabalho docente, demonstrando
como os processos de intensificação, pela crescente precarização do trabalho e pelo
aumento das funções e atividades docentes, advindos das novas formas de organização
do trabalho impostas pelas reformas, vão se transformando em processos de
autointensificação. (DUARTE, 2010).
71
A temática é retomada nos artigos de Garcia e Anadon (2009). As autoras tratam
de demonstrar relações entre as reformas educativas e a autointensificação do trabalho
docente, indicando que a precarização do trabalho na educação básica, as novas
demandas nos modos de gestão do trabalho escolar, envolvendo o currículo e o ensino,
juntamente com as políticas oficiais de formação e profissionalização, estimulam uma
nova moral, que impõe, por sua vez, uma nova identidade docente, baseada na
responsabilização e na culpa. É um processo de subjetivação que, associado à
intensificação, atinge as emoções docentes, resultando num processo de intensificação.
Este processo liga-se a outra questão fundamental para análise do trabalho docente, que
é a jornada de trabalho. Ao abordar o tema, Sady Dal Rosso nos oferece algumas pistas
importantes. Segundo o sociólogo,
Nos dias de hoje, a questão da duração da jornada transformou-se num problema social e de pesquisa de primeira ordem, por causa do impacto sobre a saúde dos trabalhadores. Há profissionais da educação que realizam jornadas entre 60 e 70 horas semanais. Com isso, avolumam-se os problemas de saúde física e emocional na categoria. Muitos docentes também se submetem a horas de trabalho não pago na preparação de aulas, correção de provas, no atendimento a familiares dos alunos e em atividades coletivas nas escolas. A jornada é uma questão relevante por uma razão adicional, a saber, a luta pelo tempo livre. Dispor de tempo livre significa alargar o espaço de escolhas e de decisão para realizar atividades edificantes. Retomar a elaboração da teoria do valor trabalho, de modo que a classe trabalhadora tenha em mãos um princípio para a ação crítica é uma iniciativa desejável e necessária aos dias de hoje (DAL ROSSO, S. 2010. CDROM).
A jornada de trabalho se expressa primeiramente pelo componente de duração,
que compreende a quantidade de tempo que o trabalho consome das vidas das pessoas,
mas também se caracteriza pela intensificação do trabalho que tem a ver com o
investimento das energias das pessoas com o trabalho. Refere-se ao desgaste com o
trabalho. Neste caso, Assunção e Oliveira (2009), afirmam que a ampliação da jornada
de trabalho pode ser analisada como um elemento que resulta na intensificação do
trabalho, seja por meio da extensão da jornada diária, seja pela redução das
porosidades49 na jornada de trabalho. Trata-se de um aumento das horas e da carga de
trabalho sem qualquer remuneração.
49 A porosidade na jornada de trabalho é um conceito típico do fordismo, sendo considerada como buracos contidos na jornada de trabalho que se referem aos momentos em que o trabalhador vai ao sanitário, os tempos nos quais conversa com um colega pelos corredores, o tempo de descanso, etc.
72
Deve-se considerar que, no caso dos docentes, o número de horas semanais
efetivamente trabalhadas costuma ultrapassar o número de horas-aula informadas.
Segundo Souza (2008), trata-se do diferencial entre tempo de ensino e tempo de
trabalho, este último maior, englobando também o tempo empregado em preparação das
aulas, correção de provas, estudos, realizados fora do horário escolar, que deveriam ser
acrescidos ao tempo de ensino para melhor dimensionar a jornada de trabalho dos
docentes.
A intensificação do trabalho que ocorre no interior da jornada remunerada é
bastante preocupante por se tratar, em geral, de estratégias mais sutis e menos visíveis
de exploração. Um fator indicativo de jornada ampliada de trabalho e intensificação do
trabalho se refere ao número de unidades educacionais em que o sujeito docente
trabalha. Nesses casos, o professor não se identifica com uma escola em particular,
assume um número de aulas que não lhe permite conhecer e gravar o nome da maioria
de seus alunos e acaba sem tempo para preparar aulas, estudar e se atualizar, dedicando
boa parte de seus finais de semana a cuidar de questões do trabalho sobre as quais se
encontra impedido durante a semana.
Observamos este aspecto muito presente entre os professores do Ensino Médio,
que costumam ter menos tempo concentrado em uma única escola. Segundo Oliveira e
Vieira (2012), em base aos dados do Survey50 que envolveu investigação simultânea em
sete estados da federação envolvendo 664.985.280 sujeitos docentes, quando questionou
a quantidade de unidades educacionais que os sujeitos trabalham, observou-se:
Na educação infantil e, sobretudo, na creche, encontramos a frequência mais alta entre os que trabalham em apenas uma unidade educacional: 81% estão na creche, 66% na pré-escola, 51% no ensino fundamental e 37% no ensino médio. Por outro lado, é no ensino médio que observamos a frequência mais alta, 20,9%, dos que trabalham em três ou mais unidades educacionais (OLIVEIRA, D. A.; VIEIRA, L. F. 2012, p.175).
50O Survey refere-se aos dados da pesquisa Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil, em cooperação técnica com o Ministério da Educação – Secretaria de Educação Básica, realizados por equipes locais de professores que lideram grupos de pesquisas. A pesquisa foi orientada por quatro grandes hipóteses: a ocorrência de ampliação da jornada de trabalho real dos docentes, sem o reconhecimento formal; ampliação de funções e responsabilidades docentes; intensificação e autointensificação do trabalho e a emergência de nova divisão técnica do trabalho nas unidades educacionais. O livro “Trabalho na educação básica: a condição docente em sete estados brasileiros” organizado por Oliveira e Vieira, analisam os resultados obtidos nas três metas pretendidas pelo projeto de pesquisa, sendo elas: a organização de um panorama dos docentes da educação básica no Brasil, a partir de dados disponíveis em fontes oficiais (INEP, IBGE, e MTE); a revisão de literatura sobre o tema e o survey.
73
Além disso, no que diz respeito aos professores do ensino médio, “verificou-se
correlativamente que são esses os sujeitos que informam com maior frequência
trabalhar em duas ou mais unidades, como também são esses que apresentaram mais
alta frequência de licenças médicas.” (IBIDEM, p.177)
Segundo informações da pesquisa coordenada por Codo (1999) com
trabalhadores em educação básica, a carga mental elevada no trabalho, preponderante
em profissionais com mais de um vínculo empregatício e que trabalham em mais de um
nível de ensino, o que provavelmente “implica em mais deslocamento, maior esforço de
adaptação entre ambientes diferentes, preparação de atividades distintas” (IBIDEM,
p.285) aparece associada a sintomas como exaustão emocional e despersonalização, ou
seja, sentimentos de desânimo e desligamento afetivo, que se retroalimentam.
Ações de diversas naturezas em relação à profissionalização docente
necessitariam evidenciar melhorias nas perspectivas de carreira e alterar o imaginário
coletivo relativo a esta profissão, tanto na sociedade em geral, como entre os próprios
professores, o que passa, segundo Vaillant (2007), “por devolver a esses profissionais a
confiança em si mesmos, o que pode ser conseguido com políticas adequadas que
perdurem no tempo” (p.8-9). É preciso considerar aqui o que Fanfani (2005) destaca:
“docentes não são autômatos sociais cujas ações obedecem unicamente a estímulos
externos, tais como as leis, decretos, circulares e regulamentos” (p.270-80). As políticas
públicas não podem ignorar este fato, pois mudanças de perspectivas e valores se
constroem em vasos comunicantes e não meramente por um regulamento.
2.2.2. Marcos das políticas públicas para a educação no estado do Rio de Janeiro
A análise histórica da educação não deve sobrevalorizar as possibilidades de
ação governamental ou de determinados momentos históricos. As questões são bem
mais complexas e necessitam ser esclarecidas através de uma multiplicidade de
perguntas e de olhares. Ao abordar o processo de construção social da profissão docente
em múltiplos contextos, Xavier (2013) afirma que:
Ao refletirmos sobre o processo de construção social da profissão docente, somos impelidos a buscar captar os atributos que configuram aquilo que se
74
poderia considerar central na definição do “ser professor”. As entradas para tal são múltiplas, tendo em vista a variedade de espaços institucionais, de níveis de ensino e de conhecimentos disciplinares que delineiam os espaços de atuação, assim como as habilidades e os conhecimentos que configuram o exercício da profissão. (XAVIER, 2013, p.13)
A autora afirma que muitos estudiosos da “condição docente” procuram
“delimitar os cortes institucionais e disciplinares ou os segmentos de ensino específicos
nos quais os docentes atuam, de modo a estabelecer os limites, nem sempre
generalizáveis, de suas análises”. (IBIDEM, p. 13) Contudo, há algumas questões gerais
que afetam os “profissionais do ensino” de modo mais amplo. “Nós nos referimos aos
condicionantes históricos que interferem nas relações laborais, em particular aqueles
que se encontram associados às relações estabelecidas entre os docentes e a política.”
(IBIDEM, p.13-4). A autora refere-se, também, à política em sentido amplo, entendida
em termos de relações de poder.
Estivemos atentas à observação da política cotidiana, mas neste capítulo,
enfatizaremos, também, as políticas governamentais e seus rebatimentos no trabalho
cotidiano dos professores. Tendo feitas essas ressalvas, há de se destacar que o critério
político não pode ser ignorado. Deste modo, quando se estudam as políticas educativas
no estado do Rio de Janeiro51, nas últimas três décadas, é possível identificar três
momentos principais, que contém especificidades próprias, nos quais se detectam
importantes linhas demarcatórias que nos ajudam a delimitar as políticas específicas de
cada período.
Poderíamos classificar numa análise um tanto superficial, três marcos nas
políticas públicas da educação fluminense nas últimas décadas: 1) A implantação dos
CIEP’s (Centros Integrados de Educação Pública), no final da década de 1980 e início
dos anos 1990; 2) O Programa Nova Escola e a primeira tentativa de inserção da
meritocracia nos início dos anos 2000; e 3) O Plano de Metas, política educacional dos
anos 2010, que se insere na lógica do Plano de Metas Compromisso Todos Pela
Educação, período que denominaremos aqui de Compromisso Fluminense. Na verdade,
o segundo e o terceiro marco, não devem ser vistos como o término e início de um novo
ciclo na política educacional fluminense, mas antes como um processo em andamento
51 Este tema já foi previamente analisado em SILVA, A.M (2012) na monografia de especialização intitulada “A precarização do trabalho docente numa microrrealidade de Educação Pública Fluminense”. Por hora, nos limitaremos a sugerir algumas reflexões gerais, evitando as referências excessivamente técnicas ou teóricas sobre o tema.
75
que tem sua gênese nos anos 2000 e que, no Brasil, encontrou sua mola propulsora no
Compromisso Todos Pela Educação.
O momento fundador do período recortado pertence à implementação dos
CIEPS idealizados por Darcy Ribeiro e implementados pelo governador Leonel Brizola.
Há aqui uma maior tendência de abertura e de democratização da escola, com
importantes medidas no sentido do prolongamento da escolaridade obrigatória e do
ensino em tempo integral que são marcas da reforma escolar após a abertura
democrática. A arquitetura da escola fluminense no final da década de 1980 e início dos
anos 1990 foi em grande medida, traçada por estes “engenheiros”, além disso, o
programa deixou marcas profundas na educação fluminense, inclusive na memória dos
profissionais que viveram àquela época, conforme constatamos em estudo anterior
numa pesquisa empírica com professores da rede estadual do Rio de Janeiro:
O programa dos CIEPs imprimiu uma forte marca na memória dos professores. [...] Ao serem questionados a respeito de um programa de governo do qual se recordavam nos últimos anos, pareceu não haver muita clareza em relação aos planos (governamentais), onde não houve nenhuma citação direta a alguma política educacional, exceto o programa dos CIEPS, que foi bastante lembrado por alguns professores, sem mencioná-lo de uma forma positiva ou negativa e sim como uma política educacional da qual se recordavam. (SILVA, A.M. 2012, p. 59)
Na década de 2000, poderíamos destacar como um momento marcante a
implementação do Programa Nova escola52. Vale notar que este é o primeiro sistema de
avaliação no Brasil que aponta um responsável para o sucesso ou fracasso da escola,
isto porque ao criar um incentivo (gratificação) para o professor, este se torna o
principal responsável, na ótica do poder público, pelo desempenho dos estudantes em
testes cognitivos de avaliação educacional. O Programa Nova Escola, além de atribuir
as gratificações aos professores e funcionários das instituições, é muito mais que um
projeto de avaliação, é uma política pública de educação que abrange as questões de
aprendizado, fluxo escolar e gestão escolar com que o Estado do Rio de Janeiro
52 Decreto Estadual nº. 25.959 de 2000, sob a coordenação da Secretaria de Estado de Educação, foi instituído com o objetivo de “melhorar de forma contínua a qualidade da educação com a racionalização de recursos financeiros, materiais e humanos envolvidos no desenvolvimento do processo educacional”. Para fins do Decreto, o Programa Nova Escola deveria compreender o Sistema Permanente de Avaliação das Escolas da Rede Pública Estadual de Educação, devendo abranger a gestão escolar e o processo educativo. A partir dos resultados, o programa concederia aos professores e demais profissionais gratificações proporcionais às suas realizações educacionais.
76
abandona o discurso de escola integral. São os incentivos destinados aos professores e
demais profissionais das escolas, ou seja, gratificações proporcionais às suas realizações
educacionais53 que dão a tônica à educação fluminense.
Ressalte-se que, a avaliação externa realizada, tem como objetivos a utilização
de indicadores de eficiência e de associar a remuneração do professorado e demais
integrantes da equipe escolar ao rendimento dos alunos em testes de aprendizagem.
Nestes moldes, a avaliação (de desempenho com gratificação por produtividade) baseia-
se num sistema punitivo com máscara de estimulante e incentivador. Infelizmente, este
modelo não pretende acabar com os problemas, pretende apenas responsabilizar a
equipe escolar pelo insucesso. Pautadas unicamente em resultados de avaliação de
rendimento dos estudantes, tais políticas tendem a reforçar o caráter de mera instrução
do ensino e a concepção meritocrática e hierárquica.
Uma vez que, podemos considerar, que a política educacional deste estado, nos
últimos 30 anos, tem três momentos marcantes: um na década de 80, onde foram
formulados e implementados os CIEPS, o outro no ano 2000, quando o Nova Escola foi
implantado no estado tendo por objetivo realizar a avaliação externa das Escolas
Estaduais; objetivamos por hora, trazer a discussão do momento mais recente,
localizando o contexto situado iniciado nos anos 2010, quando implementa-se o Plano
de Metas; deste modo, buscaremos as influências de tais aspectos sobre o trabalhador
docente.
2.2.3. Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro: contexto de ação dos
professores estudados
Neste tópico, fizemos uma apresentação das recentes políticas para a educação
no estado do Rio de Janeiro e uma caracterização do contexto de ação ao qual os
professores estão submetidos. Os dados e fontes de pesquisa utilizados para traçar este
panorama foram relatórios, documentos oficiais e dados disponibilizados pela Secretaria
de Educação do Rio de Janeiro54, Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro
53 Podemos destacar como estudo importante sobre o Programa Nova Escola o trabalho de Souza (2007) com a dissertação intitulada “Avaliação X relações de poder: um estudo do Projeto Nova Escola/ Rio de Janeiro”, defendida em Juiz de Fora/2007. 54 Em 2009, foi sancionada a Lei de Responsabilidade Educacional (Lei 5.451/09), a partir da qual, o Poder Executivo, através da Secretaria de Estado de Educação (SEEDUC), deve apresentar anualmente à Comissão de Educação da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro relatório com todos os indicadores educacionais da rede pública estadual até 120 dias após o término de cada ano letivo. Portanto, os dados
77
(ALERJ), entre outros órgãos governamentais, estaduais e nacionais, como os dados
obtidos no site do INEP.
Com isso traçamos um perfil da rede estadual de ensino e buscamos, a partir daí,
entender em quais condições os professores atuam. A partir dessa exposição, nós
analisamos as políticas dirigidas a estes grupos de professores para, no próximo
capítulo, identificar as respostas que eles estão dando aos desafios impostos no seu
contexto de trabalho. Procuramos captar as características do contexto oficial (objetivo)
dos professores, estabelecidas pela Secretaria de Educação (SEEDUC), de acordo com a
sua situação funcional. Para isso fizemos uma descrição e análise da Rede Estadual de
Ensino do Rio de Janeiro dialogando com as recentes reformas educacionais, com o
objetivo de observar o contexto de ação estipulado pelos órgãos governamentais, no
qual se inserem os sujeitos que pretendemos estudar.
A partir desta caracterização55, verificamos, com base nas entrevistas, por meio
das quais eles nos informam sobre as suas percepções em relação aos constrangimentos
e oportunidades que circulam em seu ambiente de trabalho, as suas perspectivas futuras
e os recursos/instrumentos que trazem de suas trajetórias pregressas - formação,
histórias de vida e trajetórias profissionais, ou seja, da sua experiência individual e
coletiva. Contamos assim, com a observação do modelo que a SEEDUC e o MEC
desejam impor aos professores; para observar as possibilidades de negociação
encontradas nos contextos onde eles executam o seu trabalho, interagindo com seus
alunos, com seus pares e com a equipe de direção dessas escolas.
2.2.4. O contexto institucional da SEEDUC: dados recentes
Antes de apresentar os dados, é preciso destacar que todos eles são baseados em
documentos oficiais que foram produzidos com determinada intenção ou sob
determinadas condições legais. Nós optamos por reproduzir esses dados estatísticos
sobre o sistema educacional do Rio de Janeiro, sem buscar a comparação com outras
fontes estatísticas, como por exemplo, as do sindicato, tendo em vista que a ordem de
grandeza que interessa para a análise aqui empreendida é justamente aquela noticiada
pelos órgãos oficiais. obtidos, em sua maioria, foram até o ano de 2011, quando saiu o último relatório. De acordo com a lei, estes dados poderão ser obtidos anualmente. Lei disponível em: http://download.rj.gov.br/documentos/10112/374647/DLFE33105.pdf/LeiN5451de22demaiode2009.pdf 55 Esta caracterização foi a primeira parte realizada desta pesquisa, nosso ponto de partida.
78
Os dados foram verificados e novamente ressignificados, pois em alguns
momentos ficou claro o objetivo da SEEDUC em evidenciar alguns dados e ocultar
outros. Antes de tudo, é necessário fazer uma crítica a essas fontes, analisar as suas
especificidades, considerar os seus limites e analisar a sua origem. Contudo, estas não
deixaram de ser importantes fontes que lançaram luz à nossa investigação e ao nosso
tema de pesquisa, pois os dados foram selecionados e destacados com o objetivo de
permitir uma descrição mais abrangente do nosso objeto de estudo.
2.2.5. A Rede estadual e suas escolas
De acordo com o relatório divulgado pela secretaria de educação, ao final de
2011 existiam 1.447 escolas, e um total de 17.108 salas de aula56 em efetiva utilização
na rede estadual e cada diretoria regional57 abrangia de 5% a 10% das escolas. As
maiores regionais58, considerando o número de unidades escolares sob sua
responsabilidade, são aquelas localizadas na capital, dentro disso a Metropolitana IV,
que abrange 9% do total das escolas (127 escolas59). Esta diretoria perde em número de
escolas apenas para a Metropolitana III com 143 escolas.
O ensino na rede é ofertado em cinco turnos diferentes: manhã, tarde, noite,
ampliado e integral. As modalidades de ensino60 na rede estadual são agrupadas em
nove categorias: (1) Ensino Fundamental Regular, (2) Ensino Médio Regular (3) Projeto
Autonomia, (4) Ensino Médio Integrado, (5) Ensino Técnico, (6) Curso Normal, (7),
EJA Ensino Fundamental, (8) EJA Ensino Médio e (9) Outros. Essa última categoria
inclui as subdivisões Ensino Infantil, Cursos e Qualificações.61
Considerando que uma mesma escola pode oferecer diversas modalidades de
ensino, em uma análise dessa natureza, é possível que uma unidade escolar seja contada
56 Fonte: Censo escolar de 2011 – MEC/INEP/SEEDUC. 57 As diretorias regionais são unidades subordinadas à SEEDUC, responsáveis por atender às necessidades pedagógicas e administrativas da educação em áreas geográficas específicas do estado. São 14 Regionais, cada qual com uma Diretoria Pedagógica e outra administrativa. Há ainda uma décima quinta unidade, denominada Diretoria Especial de Unidades Escolares Prisionais e Socioeducativas (Diesp). Das 14 regionais, sete são atuantes em municípios da Região Metropolitana e sete em municípios do interior fluminense. 58 Na tabela nº 2 (ver apêndice B, tabela nº 2, p. 166) podemos observar o número de escolas por regional. 59Fonte: Superintendência de Planejamento e Integração de Redes. 60 Na tabela nº 3 (ver apêndice B, tabela nº 3, p. 167) podemos observar o número de escolas por modalidade, com destaque para a metropolitana IV (grifado) onde ocorreu nossa pesquisa. 61 Essas categorias estão presentes no sistema Conexão Educação, uma ferramenta de gestão da secretaria de educação, através do qual acompanha o desenvolvimento das atividades docentes e de gestão no cumprimento de suas metas.
79
mais de uma vez, caso ela ofereça, simultaneamente, diferentes modalidades. O
somatório das modalidades de toda a rede é igual a 3797, o que significa que, em média,
cada unidade escolar oferece entre duas e três modalidades.
Observamos através dos dados que o estado ainda concentra muito de sua
atenção no Ensino Fundamental, sendo que a participação do Ensino Fundamental
Regular no total de modalidades (26%) é muito próxima à fatia que cabe ao Ensino
Médio Regular (28%). A EJA (Educação de Jovens e Adultos) representa metade do
percentual do Regular. Essas três modalidades juntas respondem por 80% do total.
Nos 20% restantes, a modalidade que mais se destaca é o Projeto Autonomia62,
com 9% de participação. Além de representar uma parceria público-privada e contratar
apenas um professor para cada turma, esse tipo de Projeto tem o potencial de
melhorar dos indicadores que compõem o IDEB ao acelerar a formação dos alunos, que
levarão apenas um ano para completar o ensino fundamental e 18 meses para terminar o
ensino médio. O Projeto Autonomia diminui a distorção idade-série e a repetência
escolar, elevando consequentemente o índice.
Baseado na dinâmica dos acontecimentos, estes seriam fatores que tornam bem
possível o crescimento da oferta desta modalidade de ensino nos próximos anos, pois
ano a ano observa-se o alto investimento do poder público em ampliar projetos dessa
natureza. Em 2012, o governador do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral,
disponibilizou mais de 12 milhões de reais63 para a Fundação Roberto Marinho, que
desenvolve o Projeto Autonomia nas escolas estaduais. Ao receber esse tipo de recurso
adicional de seus patrocinadores, esse tipo de parceria permite inclusive que se
ofereçam turmas menores e percebe-se que esse modelo de “pedagogia” tem ganhado
força e investimento, especialmente no Estado do Rio de Janeiro. No que diz respeito ao
trabalho docente, as observações de Hypólito, abaixo reproduzidas são de grande valor
para nosso estudo. O autor observa que,
Os efeitos sobre o trabalho docente em termos de trabalho pedagógico e de ensino têm sido devastador e muito preocupante. [...] Com a contratação de consultorias privadas, aquisição de pacotes pedagógicos, sistemas de ensino, cursos para treinamento de professores, programas contratados de gestão – terceirização de modelos de gestão, o trabalho docente passa a ser mais diretamente controlado, do ponto de vista técnico e ideológico, por
62 No relatório analisado o “Autonomia” ainda era denominado de Projeto e não de Programa como a partir de 2013. 63 Diário Oficial de 07/03/12, p.22.
80
instituições que, além de exercerem o controle sobre o que ensinar e sobre como ensinar, obtêm lucro com a venda de seus produtos e com a execução de seus métodos e conteúdos. Esse lucro, embora não seja obtido diretamente com a contratação de docentes, é extraído a partir do trabalho de docentes de escolas públicas – contratados, concursados ou efetivos – que recebem do Estado um salário fixo por um trabalho que tem sido intensificado com esses métodos e cujo excedente acaba ficando com as empresas privadas. Há necessidade de se retomar a discussão da mais-valia, já que estamos vivendo outra realidade no serviço público escolar, em que o Estado atua diretamente para a acumulação de capital agenciando o trabalho que será imediatamente explorado. Trata-se de acumulação imediata do capital (HYPÓLITO, A. M., 2012, p. 218-19).
O autor expõe dois modelos de mercantilização da educação pública escolar,
baseados em relações econômicas por muito caracterizadas como quase-mercado, em
que aparecem dois tipos de privatização: endógena e exógena. A endógena se
caracteriza pelo modelo no qual o setor público mimetiza o modo de gestão do setor
privado, assume tal modelo de governança e adere à filosofia da lógica administrativo-
empresarial do mercado. Esse modelo de privatização está cada vez mais presente na
administração pública e penetra com muita profundidade e abrangência na
administração escolar e educacional. Perpassa as escolas e todo o sistema educacional,
com os sistemas de controle e avaliação, desempenho por competências,
descentralização adminstrativo-financeira, pagamento por desempenho, modelos de
gestão baseados na eficiência, contrato de metas e outras formas de gestão que muito se
distanciam dos avanços da gestão democrática alcançados por algumas escolas públicas.
A privatização exógena é aquela que transfere serviços públicos para
instituições privadas, seja por intermédio das parcerias público-privadas, pelos modelos
de terceirização de serviços, pela contratação de trabalhadores temporários, ou seja, pela
contratação e/ou aquisição de sistemas de ensino.
Em ambos os casos o modo de gestão que se consolida visa a naturalização de conceitos caros à história da democratização da escola e da educação, tais como qualidade, avaliação, desempenho escolar. Atribui a esses conceitos um sentido único e universal que, de fato, é um sentido muito particular que se universaliza por meio de um processo de hegemonia e de articulação de sentidos (IBIDEM, p.217-218).
81
2.2.6. O fechamento de escolas
Nos últimos anos, a Rede Estadual tem passado por um amplo processo de
fechamento de turmas e escolas, devido à “racionalização” dos custos. Nos relatórios
oficiais não foi possível encontrar o número exato de escolas fechadas por outros
motivos que não devido ao processo de municipalização.
Seguindo a municipalização prevista no Plano Estadual de Educação, a
SEEDUC apresenta em relatório oficial um balanço atual do desfecho das escolas
estaduais que funcionam em prédios da prefeitura do Rio de Janeiro e compartilham
espaço com outras unidades. No início de 2011, haviam 268 escolas da rede estadual
nessa situação. Ao longo do ano, 17 unidades foram descompartilhadas, com seus
alunos e servidores transferidos para unidades estaduais. Durante o ano de 2012, mais
21 escolas foram descompartilhadas e 48 repassadas à administração municipal.
A municipalização diz respeito apenas aos alunos do Ensino Fundamental. Os alunos do Ensino Médio que estudam em prédios compartilhados e os servidores lotados nessas escolas estão sendo transferidos para unidades estaduais próximas e de fácil acesso, à distância de 70 a 1.500 metros das unidades de origem, ou para novas unidades inauguradas (SEEDUC em números, p.20).
Esta declaração da SEEDUC, apesar de contida no papel, na prática não procede,
pois o fechamento de escolas está gerando um amplo processo de alunos estudando em
escolas distantes de suas residências, funcionários que precisam mudar de escola e
professores perdendo sua lotação. Com esse processo, os docentes precisam procurar
novas escolas a fim de encaixar-se na grade horária estipulada, precisando se desdobrar
em três ou mais escolas, que dificilmente são tão próximas conforme a distância
estipulada pela secretaria de educação.
Segundo o relatório, o ano de 2011 iniciou-se com 268 escolas da rede estadual
funcionando em prédios da prefeitura do Rio de Janeiro e compartilhando espaço com
outras unidades. Ao longo do ano, 17 unidades foram descompartilhadas, com seus
alunos e servidores transferidos para unidades estaduais. Até o início de 2012, segundo
a SEEDUC, mais 21 escolas terão seu processo de descompartilhamento concluído nos
mesmos moldes e 48 serão repassadas à administração municipal.
82
Em relação à área de competência de Estados e Municípios, cabe citar as
disposições da LDB (Lei nº 9.394/96), art.10, no qual define que os estados incumbir-
se-ão de: “definir, com os municípios, formas de colaboração na oferta do ensino
fundamental, as quais devem assegurar a distribuição proporcional das
responsabilidades, de acordo com a população a ser atendida e os recursos financeiros
disponíveis em cada uma dessas esferas do poder público.” Além de “assegurar o ensino
fundamental e oferecer, com prioridade, o ensino médio a todos que o demandarem.”
A SEEDUC tem a meta de municipalizar os anos iniciais do Ensino
Fundamental até 2015. A partir dos dados apresentados acima, observamos que apesar
de o estado ainda ofertar grande parte do ensino fundamental, há um processo acelerado
de municipalização, baseado no critério da desresponsabilização que não tem se dado de
forma coerente e tem gerado um processo arbitrário de remanejamento de professores e
funcionários.
2.2.7. Alunos e professores
Em novembro de 2011, existiam 1.043.555 alunos matriculados na rede estadual
de ensino. As regionais com maior número de escolas não são, necessariamente, as que
possuem mais alunos. Considerando as cinco regionais com maior número de alunos e
as cinco com maior quantidade de escolas, nota-se que apenas duas aparecem em ambos
os grupos: Metropolitana IV e VII64.
Dados que evidenciam a precarização do trabalho docente, não ganham destaque
nos documentos oficiais. Não foi possível encontrar dados como carga horária de
professores, número de escolas que um professor atua com uma única matrícula, turmas
fechadas para implantação do Programa Autonomia, escolas extintas, processo de
enturmação65 e aumento da carga burocrática ao trabalho do professor. Neste sentido,
levantamos, a seguir, alguns pontos que possam contribuir para a nossa análise.
Em outubro de 2011, a rede contava com 75.170 funções docentes ativas.66 A
maioria (71%) faz parte da carreira DOC I com carga horária de 16 horas semanais.
Outros 21% são da carreira DOC II e têm carga horária de 22 horas semanais. Além
desses, 8% dos professores ativos possuem carga horária de 40 horas semanais. 64 Estes dados podem ser encontrados na tabela nº 4 (ver apêndice B, tabela nº 4, p. 167). 65 Constituição de novas turmas a partir do enxugamento e extinção de outras. 66O total de docentes nesse caso refere-se ao total de matrículas e não de pessoas.Vale lembrar que um docente pode ter mais de uma matrícula.
83
Há um grande número de docentes na rede estadual, conforme evidenciado na
tabela nº 7 (ver apêndice B, tabela nº 7, p.169), porém, muitos destes docentes
encontram-se afastados por diversos motivos, correspondendo a 9,6% do total de
docentes ativos67. Os motivos das licenças são diversos, dentre os docentes afastados
em 2011, num total de 7204, 78% encontram-se afastados para tratamento ou
prorrogação de tratamento de saúde.68
Ao analisar as tabelas nº 2 e nº 5 (ver apêndice B, tabelas nº 2, p. 166 e nº 5, p.
168), observamos que apesar de a metropolitana IV não ser a regional que concentra o
maior número de escolas com o Projeto Autonomia, é a que possui o maior número de
alunos matriculados nesta modalidade de ensino. O que reflete em salas de aulas mais
cheias para os professores que atuam com esta modalidade, na região.
Em relação à formação, conforme podemos observar na tabela nº 8 (ver apêndice
B, tabela nº8, p.169), a maioria dos professores da rede (78,9%) tem graduação, outros
15,7% possuem pós-graduação.69 Contudo, o percentual com mestrado ou doutorado é
muito baixo (cerca de 2,7%). Isso nos leva à hipótese que os docentes que atingem uma
formação em nível de pós-graduação acabam deixando o magistério estadual. Poucos,
inclusive, permanecem na educação básica, em grande parte devido a pouca atratividade
dos salários.
Na tabela nº 9 (ver apêndice B, tabela nº 9, p. 169), podemos observar a
remuneração dos docentes, com os salários aplicados em 2011 e 2012. Embora tenha
sido propagandeado pelo governo como aumento salarial, o aumento em 2012 foi
referente à incorporação do Programa Nova Escola70, um direito adquirido desde 2009.
Porém, ao invés dessa incorporação terminar em 2015, como previsto inicialmente pelo
governo do estado, na forma de parcelas anuais; houve várias reivindicações e
manifestação dos professores para que a incorporação acontecesse de uma única vez, o
que acabou acontecendo como resultado da greve dos profissionais da educação de
2011.
67 Cálculo efetuado com os dados apresentados pela SEEDUC, em base ao número de matrículas docentes. Considerando a quantidade de docentes que possuem duas matrículas, a porcentagem de professores de licença em relação ao número total, seria ainda maior. 68 Maiores detalhes na tabela nº 7 (ver apêndice B, tabela nº 7, p. 169). 69 A escolaridade dos docentes é auto-declarada no Sistema Conexão Educação. 70 Programa que analisamos anteriormente, concebido e implantado pelo governo do Estado do Rio de Janeiro em 2000.
84
Outro aspecto historicamente presente na rede é a carência de profissionais.
Conforme as estatísticas da SEEDUC, a carência real71 medida em número de docentes,
em 30 de novembro de 2011, era de 106872. Uma estratégia para reduzir a carência é a
ampliação da carga horária dos professores que já atuam na rede para cobrir as turmas
com carência de professores. O pagamento de Gratificação por Lotação Prioritária
(GLP) é pago aos profissionais que optam por aumentar a sua carga horária e se
responsabilizar por novas turmas. Os professores recebem essa gratificação pelas horas
extras, mas esse valor não tem validade para efeitos de aposentadoria e demais
benefícios aos quais o professor tem direito na matrícula.
PARTE 3
2.3.1. Plano de Metas Compromisso Todos Pela Educação e o Compromisso
Fluminense
A lógica em que se insere o Compromisso Todos Pela Educação é parte de uma
recente reforma educacional no Brasil que foi se consolidando, por meio da
implementação da legislação educacional, em conformidade com as proposições da
reforma administrativa, pois, ambas tiveram como foco a avaliação periódica, externa e
interna, da qualidade dos serviços prestados pela administração pública, como dimensão
das formas de participação dos usuários nesses serviços. De acordo com Barroso
(2003), essas medidas adotadas no âmbito das reformas estavam articuladas ao modelo
gerencial introduzido a partir da reforma administrativa do Estado e que vai influir na
redefinição do modo de organização, financiamento e gestão dos sistemas públicos de
ensino e das unidades escolares. Nesse sentido, essas reformas se efetivaram por meio
do processo de descentralização, na direção de transferir poderes e funções da esfera
nacional e regional para a local, reforçando a representação da escola como uma
unidade de gestão e de mudanças e o discurso de participação da comunidade nesse
processo. Nessa lógica, a direção, os docentes e os funcionários, devem ser os
responsáveis por suas decisões no interior da escola, pelo seu sucesso ou fracasso. 71 A carência real em novembro de 2011, segundo a SEEDUC, pode ser vista na tabela nº 10 (ver apêndice B, tabela nº 10, p. 170). 72 Segundo o SEPE (Sindicato Estadual de Profissionais da Educação), a SEEDUC tenta mascarar a carência de profissionais com dados distorcidos sobre os profissionais cedidos a pedido de outros órgãos. Segundo o sindicato, esta estimativa se aproxima dos 10 mil. Fonte: www.sepe.org.br
85
As reformas na administração pública, segundo Abrúcio (1997), introduziram a
descentralização na oferta de serviços como forma de aumentar a sua eficiência e
eficácia, princípios importados das empresas privadas, impondo uma administração
mais racional e centrada em resultados. Na perspectiva gerencial, Carvalho (2009)
considera que a busca por resultados leva os governos a orientar suas decisões, alcançar
as metas estabelecidas, levantar indicadores para o repasse de verbas públicas, recorrer
mais a incentivos e menos à imposição de regulamentos. O autor acredita que esse
padrão de gestão permite dar voz aos clientes no controle dos serviços públicos,
revitalizando a participação da comunidade.
Nesse sentido, ganham reforço as políticas de accountability, ou seja, medidas
de prestação de contas “que permitam aos usuários e gestores responsabilizar os
‘prestadores’ de determinado serviço por aquilo que é oferecido à sociedade” (ADRIÃO
e GARCIA, 2008, p.781). Os resultados dessas políticas têm levado “à adoção de
mecanismos de premiação ou ‘punição’ às instituições-fim, gestores públicos ou
funcionários que não tenham atingido o padrão estabelecido” (IBIDEM, p. 781).
Nesta lógica, cresceu e se consolidou no Brasil uma concepção de avaliação do
trabalho escolar que tem o seu foco na verificação do desempenho dos alunos, medidos
por meio de testes padronizados, o seu foco. Segundo Souza (2010), pode-se demarcar
dois momentos em relação à avaliação de larga escala no Brasil, antes e depois da
criação da Prova Brasil em 2005 e do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica –
IDEB em 2007. Na análise desta autora, com a criação desse instrumento e desse índice
de avaliação se tem o controle de resultados por escolas e redes, o que possivelmente
tem gerado mobilização das diferentes instâncias do sistema educacional que, por sua
vez, podem impactar a gestão das redes de ensino e a gestão do trabalho escolar.
Anterior a eles, os resultados eram pouco utilizados contrariando os propósitos
anunciados pelos entes federativos para as avaliações e as intervenções propagadas a
partir dos problemas que fossem apontados.
Segundo Adrião e Garcia (2008) as escolas consideradas como instituições-fim
passam a ser vistas como lócus privilegiado para as intervenções corretivas dos sistemas
e os dirigentes escolares e os professores, responsabilizados pelos resultados das
avaliações. Nas palavras das autoras,
As novas formas de regulação encontradas no Estado avaliador estão apegadas em uma autoridade assentada no conhecimento adquirido a partir
86
das evidências reveladas pelos resultados das avaliações. Nesse sentido, o Estado regula os atores sociais e legitima a tomada de decisões políticas. Há, dessa forma, o domínio da racionalidade técnica a partir da ênfase dada à eficácia, ao rendimento e ao desempenho (IBIDEM, p.239-40).
Observamos que os resultados das avaliações, inicialmente pouco utilizados
pelos gestores escolares, passam a ter impacto na administração das escolas com a
criação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB, em 2007. Esse
índice se transformou em uma ferramenta estratégica de gestão, pois tem sido com base
nele que se traçam as metas que a escola deve atingir. Nessa perspectiva, a direção da
escola assume o papel central de mobilizar os professores para o cumprimento das
metas e dos objetivos, tornando-os co-responsáveis pelos resultados.
Em abril de 2007, o governo federal baixou o Decreto nº 6.09473, cujo objetivo é
de implementar o Plano de Metas Compromisso Todos Pela Educação, “visando a
mobilização social pela melhoria da qualidade da educação básica”. No artigo 2º desse
Decreto, nos incisos de XII a XVII estão postas as diretrizes que o governo federal, em
regime de colaboração com os estados, municípios e o distrito federal, traçou no tocante
aos docentes. No artigo 2º, inciso XIII, deixa claro que é preciso “implantar plano de
carreira, cargos e salários para os profissionais da educação, privilegiando o mérito, a
formação e a avaliação do desempenho”.
Essas diretrizes envolvem a realização de programas de formação inicial e
continuada; a implantação do plano de carreira, cargos e salários, nos quais o mérito, a
formação e a avaliação de desempenho devem ser privilegiados; a valorização do
profissional da educação através do mérito que inclui o desempenho, a dedicação, a
assiduidade e a pontualidade, responsabilidade, cursos de atualização e
desenvolvimento profissional; o envolvimento do professor na discussão e elaboração
do projeto político pedagógico da escola; etc.
Nesse mesmo decreto, em seu artigo 3º, indica-se a criação do Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), que passou a ser, junto com o Programa
Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), o grande indicador do desempenho
escolar e o parâmetro indireto da avaliação dos docentes, na medida em que os
resultados desse indicador passaram, na ótica dos governantes, a representar também a
eficácia ou não do desempenho docente.
73 Decreto nº 6094, de 24 de abril de 2007, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6094.htm
87
Sintonizando ao tempo das reformas implementadas nos países da América Latina desde final da década de 1980, nosso país implementou, nos anos de 1990, um conjunto de mudanças no sentido de adequar o sistema educacional ao processo de reestruturação produtiva decorrente das mudanças no mundo do trabalho em curso e à nova configuração do papel do Estado. O processo de ajuste estrutural, com o enxugamento dos recursos públicos para a educação e para as políticas sociais, bem como a privatização, no contexto das reformas do Estado da década de 1990, criaram, em nosso país, novas formas de direcionamento dos recursos públicos: sua distribuição, centralização e focalização para as experiências que promovessem os princípios das reformas sociais então em pleno desenvolvimento (FREITAS, 2012, p.91).
2.3.2. As metas da SEEDUC
Desde meados dos anos 2000, a educação pública em todo o território nacional é
avaliada com base no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), que
combina dois resultados: proficiência dos alunos e taxa de aprovação. A proficiência em
português e matemática é aferida por exames padronizados criados pelo Governo
Federal, aplicados a cada dois anos, que são a Prova Brasil e o SAEB. Essas avaliações
devem ser feitas, no final do ano, pelos alunos que frequentam a última série/ano do
segmento (5º ano ou 9º ano do Ensino Fundamental Regular e 3ª série do Ensino
Médio). Com isso, tem-se um retrato do nível de aprendizado na saída dos segmentos. O
segundo resultado que forma o IDEB é a média das taxas de aprovação em cada
série/ano que compõe o segmento, o que nos oferece uma idéia do tempo médio gasto
para completar o segmento. O IDEB é calculado para cada escola e com isso podemos
ter uma visão dos municípios e dos estados.
A rede pública estadual de Ensino fluminense, responsável por um contingente
significativo de estudantes de Ensino médio, atinge o auge do fracasso em 2009, quando
o estado do Rio de Janeiro teve o segundo pior IDEB do país: 2,8. Ficando atrás apenas
do Piauí e sendo a média nacional 3,674. Após a constatação do IDEB abaixo dos
parâmetros estipulados pelo Governo Federal, houve novas orientações para a política
educacional fluminense, propostas pelo novo secretário de educação Wilson Risolia,
que, ao assumir o cargo, anuncia o Plano de Metas para a Educação, cabendo frisar que
o Plano se insere na política do estado brasileiro voltada para o campo da educação – o
74 Dados disponíveis no site do INEP: http://sistemasideb.inep.gov.br/resultado/
88
Compromisso Todos pela Educação – que, conforme já destacamos, propõe diretrizes e
estabelece metas para o IDEB das escolas e das redes municipais e estaduais de ensino.
Ao assumir o cargo, Risolia anunciou um “plano de metas” visando colocar o
Rio de Janeiro “numa posição relevante na Educação”. Tratando a educação como um
“negócio”, definiu medidas de premiação em dinheiro para professores e diretores que
atingissem as metas, isto é, bonificação para os méritos alcançados e adequando o
ensino das escolas estaduais às demandas do estado.
Em 2009, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, o Rio de Janeiro ocupava a 17ª posição no ranking do IDEB e sua principal dificuldade estava no indicador de fluxo. A posição do estado em taxa média de aprovação era 21ª, enquanto que, em proficiência, era 14ª. Já o IDEB em 2009 para os Anos Finais do Ensino Fundamental, rendeu ao estado a 20ª posição. Em ambas as dimensões, de fluxo e proficiência, a rede estadual do Rio de Janeiro apresentou desempenho fraco (22ª e 20ª posição, respectivamente). Para o Ensino Médio, a situação fluminense é ainda mais preocupante: 26ª colocação e, nesse caso, o principal problema está no fluxo, uma vez que a taxa média de aprovação coloca o estado na última posição (SEEDUC em números, 2011, p.55).
Segundo dados da SEEDUC e a ampla divulgação feita na mídia, o Rio de
Janeiro passou do penúltimo lugar para o 15º no ranking do IDEB 2011.
Juntamente com o estado de Goiás, foi o estado que apresentou a maior evolução. Além disso, o Estado do Rio teve a 2ª maior variação de IDEB de 2011; a 2ª maior variação de Fluxo Escolar do Ensino Médio; a 1ª maior variação da Taxa de Proficiência no Ensino Médio; e a 3ª maior variação da Taxa de Rendimento Escolar no Ensino Médio. (IBIDEM)
O que observamos neste ponto é que as estatísticas oficiais anunciam e
propagandeiam o salto que a educação estadual obteve no último cálculo do IDEB,
porém não destacam os mecanismos através dos quais se chegou a tal resultado. Torna-
se bastante questionável um salto qualitativo na educação de um ano para o outro, além
do mais, para saltar tantas posições no ranking da educação é preciso mais
investimentos no setor, o que não há nenhuma evidência que tenha ocorrido na rede
estadual no referido período. O objetivo da SEEDUC é levar o Rio de Janeiro à 5ª
posição em 2014. Para acompanhar essa evolução, a Secretaria definiu metas, com as
89
quais se pretende chegar a cada biênio, metas que são mais ousadas do que as definidas
pelo próprio Inep75.
2.3.3. O Índice de Desenvolvimento da Educação do Rio de Janeiro (IDERJ)
As metas do IDEB permitem acompanhar o efeito das novas ações
implementadas; porém, são verificadas apenas de dois em dois anos, uma vez que essa é
a periodicidade das provas organizadas pelo Governo Federal. Para acompanhar o nível
geral de proficiência da rede a cada ano, a secretaria conta também com exames
estaduais que seguem a mesma metodologia da Prova Brasil e do SAEB.
O Rio de Janeiro, desde 2008, aplica anualmente em toda a rede os exames do
SAERJ (Sistema de Avaliação do Estado do Rio de Janeiro). Todas as escolas da rede
estadual participam da avaliação, por meio de aplicação de testes respondidos por todos
os alunos que estejam cursando o ensino regular, matriculados no 5º ou 9º ano do
Ensino Fundamental e na 3ª série do Ensino Médio. Também participam os alunos
matriculados nas fases equivalentes da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e pelos
alunos concluintes do Programa Autonomia.
Juntando a proficiência medida pelo SAERJ e as taxas de aprovação obtidas
após o encerramento do ano letivo, constrói-se um índice estadual, semelhante ao IDEB,
denominado IDERJ (Índice de Desenvolvimento da Educação do Rio de Janeiro). Com
base nesse índice, são definidas também metas anuais para a educação do estado.
O Sistema de Avaliação da Educação do Estado do Rio de Janeiro (SAERJ)
existe desde 2008 e foi criado com o objetivo de promover uma análise do desempenho
dos alunos da rede pública do Rio de Janeiro nas áreas de Língua Portuguesa e
Matemática. Nos apoiando na análise de Assunção e Oliveira (2009), observamos que o
controle exercido sobre os docentes tem se dado em formas cada vez mais sutis por
parte da gestão dos sistemas educativos; os “pacotes educacionais”, as tecnologias
pedagógicas, os livros didáticos; os calendários, horários e as diversas modalidades de
supervisão de seu tempo e trabalho, inclusive com o emprego de novas tecnologias. O
docente deve responder a instâncias hierárquicas de gestão e também a pressões internas
por parte da direção e coordenação de sua unidade, bem como ao controle externo que é
exercido pelos pais de alunos e pela comunidade em geral. Os mecanismos de controle
75 O INEP estipula as metas para cada unidade da federação com projeções até 2021. Disponível em : http://portal.inep.gov.br/web/portal-ideb/planilhas-para-download. Acessado em 08/12/2012.
90
se constituem em critérios para avaliação de desempenho institucional e individual. Os
resultados das avaliações, em alguns casos, têm determinado os salários ou outras
formas de remuneração (bônus e premiações), as progressões na carreira e até mesmo a
dispensa de pessoal contratado.
2.3.4. Remuneração variável
O sistema nacional de avaliação é bastante recente. Foi em meados da década de
1980 que o governo começou a discutir programas de implantação do sistema de
avaliação. Numa época em que se debatia o processo de democratização do país, as
questões que naquele momento eram focalizadas diziam respeito ao acesso à escola e a
qualidade do ensino oferecida pelos diferentes sistemas, tanto na esfera pública quanto
na privada. A partir desses debates, o MEC, por meio do INEP, foi incentivado a
desenvolver processos de avaliação sistêmica no âmbito federal, na perspectiva de
oferecer diretrizes para as políticas de educação no país. Da mesma forma alguns
Estados Brasileiros seguiram implementando programas de avaliação educacional.
Esses programas apontaram então a necessidade urgente de construção de uma nova
cultura de avaliação nos meios educacionais, de modo que os processos deixassem de
ser encarados como meios de classificação de alunos e de escolas e passassem a atuar
como diagnóstico das situações de aprendizagem e otimização das possibilidades de
melhoria da qualidade de ensino.
Dentro da atual dinâmica das metas foi criado o Programa de Bonificação por
Resultados. Segundo relatório da SEEDUC, o programa permitiu “beneficiar” com até
três vencimentos base os servidores que alcançaram ou superaram as metas definidas
para 2011. Em 2011 (ano de referência), o programa “beneficiou 342 escolas e mais de
14.500 matrículas76.”
A rede conta com 75.170 funções docentes e o Programa de bonificação
“beneficiou” 14.500 matrículas (levando em consideração que diversos servidores
possuem duas matrículas), sendo que neste número também estão incluídos os
funcionários77 em geral. Sem a possibilidade de analisar dados concretos, quando
76 Neste número estão incluídos funcionários em geral e não apenas professores. 77 No relatório divulgado não foi divulgado o número de funcionários de apoio, levando em conta que esse setor conta com um grande número de funcionários terceirizados, talvez não seja de interesse da SEEDUC divulgar esses dados em um relatório.
91
inexistentes, supomos com base nos números, que se exclui da folha de pagamento mais
de 50 mil profissionais, portanto, o número de pessoas beneficiadas se torna ínfimo
perto do total de servidores. Tendo em vista a quantidade de escolas e a quantidade de
servidores, o acréscimo salarial “beneficiou” poucos e já começa a acontecer o previsto
numa política baseada na meritocracia: competição e desigualdade.
Além disso, consolidam-se maneiras de pensar e de agir que irão delimitar as
fronteiras de ação política, pois temos por um lado, a continuidade de uma visão
meritocrática e por outro a atomização dos profissionais da educação em busca de suas
gratificações individuais. Esse é o resultado da gratificação por produtividade acoplada
a avaliação por desempenho.
Somado a isso, a premiação pelo desempenho da escola através do IDEB leva os
professores ao estresse. São cobranças e ameaças de todos os lados – dos colegas para
alcançar as metas impostas de cima para baixo, pensando no salário extra78 no ano
seguinte; da direção da escola que tem o cumprimento das metas como principal
objetivo; dos gerentes das regionais de ensino que, através das ameaças de corte do
salário, de notificações e de abertura de inquérito administrativo, tentam impor a forma
gerencial na condução das políticas educacionais e no processo de ensino e
aprendizagem; das Secretarias de Educação que, de forma autoritária, e muitas vezes
camuflada, ditam as regras que são aplicadas, ferindo os direitos dos trabalhadores da
educação conquistados nas legislações.
A bonificação ou remuneração variável foi a forma encontrada pelo capitalismo
para reconhecer o mérito na realização do trabalho, aumentar a exploração e o controle
sobre o trabalhador. Para o capital, aqueles com maior capacidade de trabalho e de gerar
resultados, merecem as glórias e mais dinheiro. Para os que “fracassam”, o
esquecimento e baixos salários.
De acordo com Araújo (2012), a política de pagamento de bônus, através do 14º
salário, tem como base o seguinte princípio capitalista:
Quanto mais resultados, melhor, independente dos riscos para o futuro das crianças, jovens e adultos. O vírus do imediatismo atacou a construção consistente e progressiva da qualidade social da educação. Aplicar os critérios do setor financeiro, que sempre atuou priorizando o salário fixo baixo, com alto potencial de ganho variável, é um grande equívoco (IBIDEM, p.337).
78 Chamado de 14º salário, geralmente pago em meados do ano.
92
Concordamos com o autor, e acreditamos que os governos precisam fazer uma
autoavaliação, refletir sobre suas práticas, para evitar que o “sucesso” de algumas
unidades escolares não comprometa todo o sistema público de ensino e o direito social
do conjunto da população a uma escola pública com qualidade social em todas as etapas
e em qualquer canto do país. Ao mesmo tempo em que padroniza critérios de avaliação,
o governo abraça a retórica da diversidade e da inclusão de todos na escola.
Essa “autoavaliação” foi feita por Diane Ravich que analisa detalhadamente as
mudanças em seu pensamento educacional ao longo de sua vida acadêmica e de sua
atuação como formuladora de políticas públicas no interior do aparelho de Estado
americano. Como doutora e pesquisadora da Universidade de Nova York, e tendo
assumido em 1991, o cargo de secretária adjunta da Secretaria Nacional de Educação do
governo George H. W. Bush, a pesquisadora reforça o caráter ideológico dessas
concepções e seus vínculos com as ideias privatizantes trazidas pela ascensão
neoliberal.
Os novos reformadores corporativos demonstram sua precária compreensão da educação construindo falsas analogias entre a educação e o mundo empresarial. Eles pensam que podem consertar a educação aplicando princípios de negócios, organização, administração, lei e marketing e pelo desenvolvimento de um bom sistema de coleta de dados que proporcione as informações necessárias para incentivar a força de trabalho – diretores, professores e estudantes – com recompensas e sanções apropriadas (RAVICH, 2011, p.13).
A autora demonstra ao longo do texto as evidências que a levaram a mudar de
posição e afirmar a falência de um projeto decantado por gestores, fundações
empresariais e editoriais da mídia e evidencia com rigor acadêmico como essas políticas
estão corrompendo os valores educativos. Em Vida e morte do grande sistema escolar
americano a autora expõe o fracasso da educação americana baseada nos parâmetros do
mercado e a tentativa de economização da educação.
A responsabilização, agora um senso comum que todos aplaudiam, havia se tornado mecanicista e até mesmo contrária à boa educação. A testagem, eu percebi com desgosto, havia se tornado uma preocupação central nas escolas e não era apenas uma mensuração, mas um fim em si mesma. Eu comecei a acreditar que a responsabilização, conforme estava escrito na lei federal, não
93
estava elevando os padrões, mas imbecilizando as escolas conforme os estados e distritos lutavam para atingir metas irrealistas (IBIDEM, p.27-28).
E prossegue seu relato:
Eu via minhas esperanças por uma melhor educação se convertendo em uma estratégia de mensuração que não tinha visão educacional subjacente alguma. No fim, eu percebi que as novas reformas tinham tudo a ver com mudanças estruturais e com a responsabilização, e nada que ver com a substância do aprendizado. A responsabilização não faz sentido quando ela sabota os objetivos maiores da educação (IBIDEM, p.31-32).
Dentro do aparato de estado, testando e acreditando inicialmente nas políticas de
responsabilização implementadas, a autora percebeu que “os professores sentiam que
estavam sendo avaliados com base não em quão bem eles ensinavam, mas em quão bem
eles estavam seguindo as regras do jogo.” (IBIDEM, p.71) Desta forma, percebeu que
os incentivos e sanções não eram as alavancas adequadas para melhorar a educação;
“incentivos e sanções podem ser bons para empresas, para quem o lucro é a prioridade
absoluta, mas não são bons para escolas” (IBIDEM, p.122) e começou a ver a cultura da
testagem que estava se espalhando em cada escola de cada comunidade, cidade ou
estado, de uma forma totalmente negativa.
As nossas escolas não irão melhorar se nós esperarmos que elas ajam como empresas privadas buscando o lucro. Escolas não são negócios; elas são um bem público. O objetivo da educação não é produzir maiores escores, mas sim educar as crianças para que elas se tornem pessoas responsáveis com mentes bem desenvolvidas em um bom caráter. As escolas não deveriam ter que apresentar lucros na forma de escores com valor agregado. O incessante foco nos dados que se tornou lugar-comum nos últimos anos está distorcendo a natureza e a qualidade da educação. Existem muitos exemplos de competição saudável nas escolas, com as feiras de ciências, concursos de redação, debates, torneios de xadrez e eventos esportivos. Mas a competição entre escolas para obter maiores escores é de uma natureza diferente; no atual clima, é certo que isso fará com que os professores gastem mais tempo preparando os estudantes para os testes estaduais, e não para um escrita rica, uma leitura crítica, experimentos científicos ou estudos históricos (IBIDEM, p.254).
94
CAPÍTULO 3: O FAZER-SE DOS PROFESSORES DO PROGRAMA
AUTONOMIA FRUTO DE UMA EXPERIÊNCIA NA PROFISSÃO DOCENTE
No capítulo anterior, analisamos a forma com que se tem configurado as
condições de trabalho docente, as políticas nacionais dirigidas aos professores nos
últimos anos, assim como suas influências em âmbito estadual e como estas são
dirigidas ao conjunto de professores da rede estadual de ensino do Rio de Janeiro. Após
expor o contexto de ação dos docentes, buscamos olhar o professor dentro das políticas
a fim de compreender o fazer-se do grupo de professores que atua junto ao Programa
Autonomia no contexto educacional do Rio de Janeiro.
Ao observar a dinâmica de trabalho e as formas que as justificam, verificamos
que tais aspectos, principalmente o que concerne à fragmentação do tempo de trabalho,
têm levado muitos professores do ensino médio regular a se tornarem professores do
referido Programa. Demonstramos nos capítulos anteriores o contexto pelo qual passam
esses professores e o processo que acaba transformando-os em professores que aplicam
a metodologia da Fundação Roberto Marinho/Fiesp. Nosso objetivo no presente
capítulo foi identificar as respostas que os profissionais estão dando aos desafios
impostos no seu contexto de trabalho a partir de sua própria experiência e assim
buscamos trazer à tona elementos que serviram para a formação de um contingente de
professores que hoje atuam junto ao Programa Autonomia.
Ao pautar nossas análises no historiador inglês que guiou nossos caminhos ao
longo de toda a dissertação, por hora nos deteremos mais especificamente em suas
análises sobre o fazer-se da classe, utilizando as categorias de consciência de classe e
experiência. Com o risco de abusar dos conceitos usados pelo autor para um fenômeno
específico, talvez possamos dizer que tratamos do fazer-se dos professores do Programa
Autonomia fruto da expressão de uma experiência na profissão docente. Procuramos ver
a questão do fazer-se dos sujeitos históricos, como eles se constituíram e como as
mudanças e padrões, índices do IDEB, metas, meritocracia e toda essa recente dinâmica
educacional têm mudado a experiência, os costumes, o comportamento e o
relacionamento dos professores com as políticas, suas formas de lidar com o trabalho e
como essas mudanças influenciam nas suas opções profissionais. Para tanto, neste
capítulo buscamos compreender a experiência dos professores nos novos Programas e
modalidades de ensino dando ênfase ao modo com que esses profissionais enxergam e
lidam com o Programa Autonomia.
95
Iniciaremos o capítulo com as discussões teóricas a fim de situar o leitor e a
leitora de acordo com as visões propostas. Dentro dos procedimentos metodológicos
adotados, nos baseamos principalmente na observação junto aos professores e
professoras, nos questionários aplicados e nas entrevistas semi-estruturadas.
Buscamos, a partir dos dados da pesquisa, observar as estratégias que os sujeitos
têm utilizado para contornar a fragmentação do tempo de trabalho, fator que tem sido
enfatizado pelas políticas atuais. Analisamos também como tem se dado os
usos/contornos do tempo pelos docentes e como isso interfere no seu modo de vida. A
partir do olhar do professor, destacamos as estratégias que eles utilizam para contornar
as políticas e como se dá a resistência às políticas governamentais. Percebemos que
essas atitudes, muitas vezes, passam a ser individualizadas e o processo de resistência a
um desgastante cotidiano de trabalho acaba estimulando adesões a determinados
projetos ou programas, que servem de estratégia de sobrevivência entre os professores,
ao mesmo tempo em que canaliza as metas governamentais em relação à educação
fluminense.
Entre a determinação e a apropriação, entre a estrutura e o processo, entre a
singularidade e a generalização, sobressai a experiência. Portanto, buscamos articular os
relatos e ênfases dos professores ao contexto das políticas educacionais citadas. Estas
serão analisadas como dispositivos de controle e de cumprimento de metas
governamentais, por um lado, mas também serão consideradas em suas relações e,
sobretudo, com os modos pelos quais os professores se relacionam com essas políticas
no exercício de sua profissão. Para isso continuaremos a utilizar, especialmente, os
depoimentos de seis profissionais que acompanhamos durante o percurso desta
pesquisa, pois abrindo espaço para narrativas pessoais, pretendemos ver, com mais
tranquilidade, as estratégias pessoais que os professores utilizam.
3.1. Tempo de pensar a formação e a experiência
Os estudos de E. P. Thompson que resultaram no clássico “A formação da classe
operária inglesa79”, dão ênfase na dimensão cultural da classe e à reconstituição de
79 O título original do livro é The Making of the English Working Class e o título brasileiro tornou-se A formação da classe operária inglesa. No entanto, conforme alertado em nota na 6ª edição: “A palavra ‘formação’ perde em muito o conteúdo subjetivo e processual de “making”: ao substantivar o gerúndio de ‘to make’, o autor pretende, efetiva e conscientemente, ressaltar esse movimento de “autofazer-se” das classes sociais ao longo da história.
96
importantes aspectos da vida comunitária dos trabalhadores “pré-industriais”. A
discussão sobre a noção de classe social que foi resumida no prefácio de “A formação”
traz o conceito de classe como processo e relação e não como uma categoria estática;
que se define a si mesma tanto quanto é definida; cuja consciência se constrói na
identificação de interesses comuns e opostos aos de outra classe. Ao criticar a definição
de classe social utilizada por escolas teóricas que o antecederam, Thompson traz
importantes contribuições para o entendimento de classe social, baseado em novos
aspectos que ficam explícitos na “Formação da classe operária inglesa”. Em estudos
anteriores, foi possível perceber que Thompson critica as formas de definição de classe
mais comumente utilizadas por várias escolas teóricas até então e diz que “a classe é
uma relação, e não uma coisa”, sendo definida pelos próprios homens enquanto vivem a
história. Portanto, “a intenção do livro é oferecer uma contribuição para compreender a
classe como uma formação social e cultural.” (FORTES, A.; SILVA, A.M. 2007, p.2).
Ao criticar a história feita de cima, onde apenas os vitoriosos (no sentido
daqueles cujas aspirações anteciparam a evolução posterior) são lembrados, Thompson
ao analisar a classe operária inglesa do início do século XIX, tenta resgatar:
O pobre tecelão de malhas, o meeiro luddita, o tecelão do ‘obsoleto’ tear manual, o artesão ‘utópico’ e mesmo o iludido seguidor de Joanna Southcott, dos imensos ares superiores de condescendência da posteridade. Seus ofícios e tradições podiam estar desaparecendo. Sua hostilidade diante do novo industrialismo podia ser retrógrada. Seus ideais comunitários podiam ser fantasiosos. Suas conspirações insurrecionais podiam ser temerárias. Mas eles viveram nesses tempos de aguda perturbação social, e nós não. Suas aspirações eram válidas nos termos de sua própria experiência; se foram vítimas acidentais da história, continuam a ser, condenados em vida, vítimas acidentais (THOMPSON, 2011a, p.14).
Ao resgatar os sujeitos históricos comuns, Thompson busca dar importância às
ações dos sujeitos sem secundarizar as estruturas sociais às quais estão submetidos,
desta forma, o autor nunca se afastou da tradição marxista do materialismo histórico
dialético. Recorremos à MATTOS (2012) que percorreu em seu livro um caminho de
discussão da obra de E. P. Thompson centrado na relação do historiador inglês com o
marxismo, ou melhor, com a tradição de “crítica aberta e razão ativa” do materialismo
histórico. O autor afirma que o fundamental na obra de Thompson é a busca por definir
classe social como processo e relação. “Para Thompson a classe tanto faz quanto é feita,
97
pois em nenhum momento o historiador inglês nega o papel determinante das relações
de produção sobre a experiência de classe”. (MATTOS, 2012, p.224)
Tratava-se de um lado, da rejeição às teses da história econômica de matriz liberal, pautada pelo quantitativismo a-histórico, pela definição da capacidade de consumo como centro da dimensão econômica da classe, pela ênfase nas escolhas individuais e pela recusa a admitir a exploração de classes. (...) De outro lado, apresentava-se a recusa ao marxismo vulgar, que derivava diretamente, sem qualquer mediação, a consciência e a ação coletiva da classe de seu lugar nas relações de produção – algo que Thompson procurará superar pela ênfase no conceito de experiência (MATTOS, 2012, p.24-25).
Por isso, as definições de Thompson ajudavam a pensar a situação objetiva das
classes, ainda que rejeitando determinismos, tal como se vê na seguinte passagem de
Sader (1988), que ao tomar o conceito de experiência de Thompson como central para
sua reflexão sobre a emergência dos movimentos sociais em fins dos anos 1970, afirma:
Embora as pessoas se encontrem, de saída, numa sociedade estruturada já de determinada maneira, a constituição histórica das classes depende da experiência das condições dadas, o que implica tratar tais condições no quadro das significações culturais que as impregnam. E é na elaboração dessas experiências que se identificam interesses, constituindo-se então coletividades políticas, sujeitos coletivos, movimentos sociais. (SADER, 1988, p.45)
Em suas obras A miséria da teoria ou um planetário de erros (1981) e A
formação da classe operária inglesa (2011a), Thompson critica as posturas
historiográficas positivista e o marxismo ortodoxo. O historiador inglês centraliza seus
estudos na realidade empírica, recuperando as experiências dos sujeitos (em seu caso, as
classes operárias inglesas) para entender as suas ações em determinados contextos. Em
suas análises, Thompson procura promover o retorno dos homens e mulheres concretos
como sujeitos da história, pois:
homens e mulheres também retornam como sujeitos, dentro deste termo – não como sujeitos autônomos, “indivíduos livres”, mas como pessoas que experimentaram suas situações e relações produtivas determinadas como necessidades e interesses e como antagonismos, e em seguida “tratam” essa experiência em sua consciência e sua cultura [...] das mais complexas maneiras [...] e em seguida (muitas vezes, mas nem sempre, através das
98
estruturas de classe resultantes), agem, por sua vez, sobre sua situação determinada (THOMPSON, 1987, p. 182).
Thompson critica a redução do conceito de classe social a uma categoria
estática, não-histórica e afirma que:
Nenhuma categoria foi mais incompreendida, atormentada, transfixada e des-historizada do que a categoria de classe social; uma formação histórica autodefinidora, que homens e mulheres elaboram a partir de sua própria experiência de luta, foi reduzida a uma categoria estática, ou a um efeito de uma estrutura ulterior, das quais os homens não são os autores mas os vetores (IBIDEM, p. 57).
Em A miséria da teoria ou um planetário de erros, o autor tece sua crítica ao
pensamento de Althusser e aos modelos teóricos que abstraem sem descer a nenhuma
experiência concreta. Para Thompson, é preciso levar em consideração o agenciar80
humano e trazer, à narrativa, os sujeitos da história. Esses sujeitos são homens e
mulheres, indivíduos que, nas experiências do cotidiano, constroem identidades sociais,
a exemplo da classe. Não são sujeitos abstratos e homogêneos, sem rosto e com
vontades determinadas por estruturas como queiram os estruturalistas com seu
“economicismo vulgar” (IBIDEM, p.186).
Para realizar tal mediação entre determinação das relações de produção e a
consciência característica da agência de classe, Thompson valorizou o conceito de
experiência. Por meio de tal conceito, a análise de Thompson buscava um nexo entre o
modo de produção e a consciência. “Experiência” seria o termo ausente nas teses em
que a teoria autoproclamada marxista assumia tons mais próximos do idealismo e do
determinismo. Com o conceito de experiência, Thompson acreditava ser capaz de
realizar a mediação entre a determinação das relações de produção e a consciência
característica da agência da classe.
Em todos os seus estudos sobre a classe, Thompson procurou apresentar uma relação complexificada entre a determinação das relações sociais de produção e a dimensão cultural da consciência de classe, em que os homens aparecem
80 O termo “agenciar” provém de “agência”, tradução comumente adotada no Brasil para o termo agency, associado à noção de que os homens são sujeitos de sua própria história, embora em condições que não escolhem, seria uma das mais fortes influências historiográficas que a obra de Thompson legou. (MATTOS, 2012, p. 27)
99
como ‘sujeitos de sua própria história’, mas nunca como sujeitos individuais, livres ou autônomos (MATTOS, 2012, p. 195).
As análises de Thompson em relação à constituição da classe operária inglesa no
século XIX – que deve ser entendida no seu fazer-se, no acontecer histórico – nos
fornecem elementos que podem ajudar a entender a “formação” de um grupo de
professores e professoras. Sendo assim, seguimos novos caminhos da análise
thompsoniana para entender o fazer-se de um grupo profissional, compreendendo a
dinâmica que gerou a formação de uma parcela de professores que atuam junto a
Programas como o Autonomia.
Nosso caminho de pesquisa foi trilhado a partir de tais análises, pois, como nos
coloca Thompson (1981), deve-se compreender o contexto no qual os sujeitos
produzem sua consciência de classe, para compreender as ações empreendidas por estes.
Assim, não se pode desvincular as práticas de um (a) professor (a) que leciona em um
Programa como o Autonomia do movimento/contexto que o condiciona. Assim, em
comum acordo com tais análises, partiremos da perspectiva de que o que as pessoas
comuns fazem é digno de interesse e atenção.
A metodologia utilizada por Thompson na análise histórica refere-se às situações
reais, contextos históricos reais e pessoas reais, ou seja, é uma discussão que busca
analisar e sistematizar uma dada realidade, levando em conta seus atores, aqueles que
vivenciam a realidade enquanto se fazem dentro de uma classe. Somente assim é
possível analisar os processos. Isso quer dizer que, para que compreendamos o fazer-se
professor (a) do Autonomia, devemos levar em conta o que estes sujeitos entendem de
sua prática, como sentem, agem, e nesta perspectiva, procuramos dar voz aos
professores.
3.2. Teorias sobre a Profissão Docente
É fecunda a proposição thompsoniana de que é tarefa do pesquisador explicar
um evento em como e por que ele se moveu em uma determinada direção e também os
princípios e tendências fundamentais deste processo. Tendo como acordo esta proposta,
serão somadas aos nossos argumentos as principais tendências teóricas que tentam
explicar a condição docente e traremos alguns depoimentos para ilustrá-los. Entender a
formação de um grupo profissional exige antes, expor em que condições gerais se
100
inserem esses trabalhadores no contexto profissional, considerando que o trabalho
docente ainda é um grande enigma, pois não há uma unanimidade social em torno de
expectativas viáveis sobre o seu ofício. Acreditamos que um estudo sobre professores
que aderem a determinado Programa educacional, poderia desvendar algo desse enigma.
Assistimos, na última década, a um esforço crescente dos pesquisadores em
mapear a problemática da profissão docente. Em comum, existe a percepção de que o
trabalho do professor se caracteriza hoje pela intensificação e complexidade do próprio
trabalho. Com relação ao primeiro aspecto, não se trata apenas de aumento de tempo do
trabalho, mas também da ampliação das tarefas as quais os professores são chamados a
desempenhar, seja pelas mudanças na composição social do público escolar, seja pela
implementação de reformas educacionais com visíveis impactos no cotidiano do
trabalho em sala de aula.
O depoimento de Fábio ilustra bem este aspecto, quando fala das suas amplas
funções, que estão para além da tarefa de instruir e ensinar. Este professor, apesar da
pouca idade, já tem uma longa carreira no magistério e afirma que:
A questão hoje se trata de ver a escola não como aprendizado, mas de educação do aluno, onde o aluno deve ser educado, como se nós professores fossemos os pais, mães, tios e tias deles. E isso não é nossa posição. A função do professor não é essa! Apesar de contribuir, isso não é a nossa essência. Isso é função do pai e da mãe. Mas em função da carga horária muito grande desses pais, eles nem encontram os seus filhos. Então acaba caindo na nossa conta, o que atrapalha o nosso trabalho e a própria formação desse jovem, desse cidadão, dessa criança (Professor Fábio, 29 anos, 12 de magistério).
Este aspecto citado pelo professor expõe as respostas amplas, às quais são
induzidos o trabalhador docente, que, para além de ensinar, precisa ser um pouco
psicólogo, assistente social, pai, mãe, ou seja, uma sobrecarga de funções que somada às
muitas exigências e ao aumento do tempo de trabalho têm tornado o trabalho do
professor ainda mais intensificado, atribuindo responsabilidades que não são
necessariamente suas. De acordo com Tardif e Lessard (2011), se tomarmos
especificamente, por exemplo, o tempo de trabalho, a literatura internacional vem
chamando a atenção para a ampliação do número de horas comparativamente a outras
categorias profissionais em função da diversificação das atividades dos professores.
Entendemos que com o emprego das reformas educacionais pelo governo
brasileiro, nos anos 1990, o vínculo da educação à lógica produtiva e ao mercado
retornou mais visível ainda, implicando na transferência de conceitos da área
101
empresarial para a educação escolar. O modelo por competências, gerado no campo
jurídico, estendeu-se ao mundo empresarial e mais uma vez provoca mutações na
prática pedagógica escolar.
Essa lógica das competências instiga a concorrência, a meritocracia e o
individualismo, e dentro disso, o gerencialismo tem sido, segundo Ball (2005), o
principal mecanismo utilizado nas reformas educacionais em todo o mundo, responsável
pela criação de uma estrutura empresarial competitiva que acaba expondo a vida
emocional e o comportamento dos professores, além de fazê-los se sentirem
responsáveis pelo sucesso ou fracasso do aluno. Assim, afirma Ball (2005) que o
professor, assim como o pesquisador e o acadêmico estão sujeitos a uma miríade de
julgamentos, mensurações, comparações e metas; informações que são coletadas
continuamente, registradas e publicadas com frequência na forma de rankings.
Além dessa concorrência e incentivo a uma melhor performance do professor,
assistimos, ainda, a um amplo processo de intensificação do trabalho, de uma
quantidade maior de horas trabalhadas, intensificada pelo achatamento dos salários
desses profissionais. Mais uma vez, traremos o depoimento do jovem e experiente
professor, que retrata essa relação da falta de tempo com o nível salarial:
O que mais falta hoje é uma boa estrutura dentro das escolas, material para trabalhar... Toda a estrutura a nível físico da escola e um bom incentivo para o professor. O salário do professor hoje é muito defasado. É muito complicado você parar para planejar uma aula, por que te falta tempo. Você trabalha muito pra conseguir um rendimento legal pra sua vida. A falta de dinheiro, para você seguir na área do magistério, é a maior dificuldade. O salário defasou muito de dez anos pra cá. Minha família é toda de professores. O meu pai ingressou na rede estadual e tinha uma história que se ganhava cinco ou seis salários mínimos como professor. Meu pai sustentava a gente muito bem com duas matrículas no estado. E isso não acontece hoje. O salário do professor é muito defasado, muito aquém de uma pessoa formada no ensino superior. É muito menos do que ganha um arquiteto, um médico, um engenheiro... A valoração do professor é muito baixa. E isso piorou muito (Professor Fábio, 29 anos, 12 de magistério).
Segundo Apple (1995), a intensificação representa uma das formas mais
tangíveis pelas quais as conquistas dos trabalhadores docentes são degradadas. Ela tem
vários “sintomas”, do trivial ao mais complexo – desde não ter tempo sequer para ir ao
banheiro, tomar uma xícara de café, até ter uma falta total de tempo para conservar-se
em dia com sua área. Além disso, é possível perceber, também, professores e
professoras completamente envolvidos com suas atividades fora de seu horário de
102
trabalho e, com muita frequência, durante sua hora de lanche. Em muitos momentos,
chegam à escola antes do horário de início e saem depois do horário de término, além
de, muitas vezes, gastarem horas de trabalho em casa, durante a noite. Alguns autores,
dentre eles o próprio Apple (1995), afirmam que um dos efeitos mais significativos da
intensificação do trabalho docente pode estar relacionado à questão da redução da
qualidade do trabalho, consequentemente, da educação.
Diante das inúmeras tarefas impostas às escolas pelos atuais processos
descentralizadores, os professores se vêem face a uma situação onde não há tempo para
se problematizar o que se está sendo produzido e nem a forma como está sendo
produzido. Existe tanta coisa a fazer que simplesmente cumprir o que é especificado
exige quase todos os esforços do professor, executando uma intensa quantidade de
tarefas que na maior parte das vezes não foi elaborado ou decidido por ele, não
existindo tempo para se parar para pensar e discutir sobre essas tarefas.
Outro fator que tem sido apontado nos estudos é o sentimento de perda de
prestígio do qual reclama o professor, que o faz se sentir desvalorizado diante da
constante responsabilização pelo baixo rendimento escolar dos alunos. Com a
massificação do ensino e a falta de perspectivas para a grande maioria dos alunos, o
professor acaba se sentindo perdido, pois se sente tolhido em sua função de formar as
novas gerações para o futuro. Antônio ao refletir sobre esta questão, afirma:
Os alunos de hoje têm um entendimento de escola como um espaço ampliado da casa dele, da rua deles. Eles não reconhecem o professor como alguém que pode ajudá-los, que pode acrescentar algo à sua vida. Eu me pergunto o tempo inteiro como eles percebem a escola para formação deles, o que vai acontecer com eles depois de terminar o ensino médio... Eles não têm perspectivas de melhorias após a formação. E o professor estaria meio perdido nesse espaço (Professor Antônio, 30 anos, cinco de magistério).
Aferidos por avaliações internas e externas, e pela decantada má qualidade da
escola pública, os professores se sentem controlados e, muitas vezes ignorados pelas
políticas educacionais. Tudo isso, segundo Ball (2005), consequência da aplicação de
duas importantes tecnologias da política de reforma educacional: a performatividade e o
gerencialismo. Para o autor, tais tecnologias utilizam técnicas e artefatos para controlar
o professor, aumentar sua produtividade e estabelecer parâmetros de comparação entre
eles.
103
A performatividade é uma tecnologia, uma cultura e um método de regulamentação que emprega julgamentos, comparações e demonstrações como meios de controle, atrito e mudança. Os desempenhos de sujeitos individuais ou de organizações servem de parâmetros de produtividade ou de resultado, ou servem ainda como demonstrações de “qualidade” ou “momentos” de promoção ou inspeção. Eles significam ou representam merecimento, qualidade ou valor de um indivíduo ou organização dentro de uma área de julgamento, tornando os “silêncios audíveis”. A questão de quem controla a área a ser julgada é crucial e um dos aspectos importantes do movimento da reforma educacional global são as disputas localizadas para se obter o controle e introduzir mudanças na área a ser julgada e em seus valores.[...] A performatividade é alcançada mediante a construção e publicação de informações e de indicadores, além de outras realizações e materiais institucionais de caráter promocional, como mecanismos para estimular, julgar e comparar profissionais em termos de resultados: a tendência para nomear, diferenciar e classificar. (BALL, 2005, p. 543)
Entre as críticas de inspiração marxista, os autores vêm advertindo para o perigo
das reformas estarem contribuindo para a desqualificação dos professores e para sua
proletarização, pois a natureza do trabalho passa a ser estreitamente controlada e os
programas definidos em termos de objetivos, estratégias de ensino, etc. Nessa revisão de
literatura, nota-se uma censura à pressão crescente que se vem fazendo sobre a
performatividade da atividade docente e seus corolários, o estabelecimento de escolas
eficazes e aos bônus pagos aos professores das classes com alto desempenho.
Todos esses processos acabam por desvalorizar competências pedagógicas
construídas ao longo de trajetórias duráveis e consistentes, mas que são frequentemente
desqualificadas pela “mudança da hora”. Com as políticas de avaliação e
responsabilização, os professores cada vez mais têm um sentimento de fragmentação
identitária ligado às tensões entre propostas oficiais e suas concepções pessoais. Essa
tensão alimenta o que Oliveira (2010) denomina desprofissionalização.
Na perspectiva de pensar a construção da profissão docente no Brasil, a autora
insiste na ideia de que quanto mais variadas são as funções a que o professor é chamado
a responder, mais cresce o sentimento de desprofissionalização, de perda de identidade,
na constatação de que ensinar às vezes não é o mais importante. Segundo a autora,
situações como essa contribuem para que uma parcela da sociedade passe a suspeitar do
professor, como alguém sem a competência esperada e necessária para ensinar. “A
própria busca permanente de mensuração do desempenho dos alunos acaba levando a
um sentimento de que é preciso fiscalizar a escola e o trabalho dos professores.”
(OLIVEIRA, 2010, p.24).
104
Assistimos com muita ênfase nos últimos anos, as políticas de um Estado
avaliador, que valoriza os instrumentos de medição quantitativa como indicadores de
rendimento do sistema educativo, expressos em testes para medir a aprendizagem dos
alunos e a formação de professores. Todo esse quadro ajuda a entender por que tanto
tem se discutido a proletarização do magistério, caracterizada pela perda de controle do
trabalhador (professor) do seu processo de trabalho, contrapondo-se “à
profissionalização como condição de preservação e garantia de um estatuto profissional
que leve em conta a autorregulação, a competência específica, rendimentos, licença para
atuação, vantagens e benefícios próprios, independência.” (OLIVEIRA, 2004, p. 1138).
Em relação à discussão de proletarização, observamos adesões ao termo por
alguns pesquisadores (APPLE, 1991; ENGUITA, 1991; JAÉN, 1991; LAWN, 2001) e
também críticas (HYPÓLITO, 1991; SAVIANI, 1984). A proletarização no ensino seria
o processo pelo qual o trabalhador não tem controle sobre o trabalho que executa:
muitas vezes não participa da sua concepção e avaliação e desenvolve o que outros
estabeleceram para ele apenas cumprir. Além disso, o trabalho se realiza sem as
condições necessárias e o trabalhador não recebe a remuneração devida. Na
proletarização, o professor não domina o processo de trabalho, isto é, apenas cumpre
ordens, como é o caso da simples aplicação de pacotes de ensino, controlando mais e
cada vez instruindo menos.
Apple e Teitelbaun (1991) destacam a separação entre concepção e execução,
onde a pessoa que está realizando o trabalho perde a visão do processo global e perde o
controle sobre seu próprio trabalho, uma vez que alguém fora da situação imediata tem
agora maior controle tanto sobre o planejamento quanto sobre o que deve ser realmente
realizado. Afirmam ainda que esta perda de autonomia direta ou indiretamente, acaba
refletindo em alienação do trabalho, e diz que não há nenhuma fórmula melhor para a
alienação e o desânimo que a perda de controle do próprio trabalho.
Observamos que diversos autores buscam analisar a discussão sobre a adequação
(ou não) do emprego das mesmas categorias utilizadas na análise do processo de
trabalho na fábrica para uma interpretação das relações de trabalho na escola. Estas
diferentes formas existentes de análise do trabalho escolar são baseadas muito em
conceitos desenvolvidos por Marx na questão do trabalho produtivo/improdutivo, para
afirmar se há uma proletarização da categoria docente. Em relação a isso, recorremos ao
próprio Marx, que afirma que não é nem o conteúdo do trabalho desempenhado nem o
setor da economia em que desempenha esse trabalho que definirá o caráter produtivo do
105
trabalho ou do trabalhador. Para isso, Marx faz questão de exemplificar o trabalho
produtivo com figuras como a do artista ou a do professor:
Uma cantora que entoa como um pássaro é um trabalhador improdutivo. Na medida em que vende seu canto, é assalariada ou comerciante. Mas a mesma cantora, contratada por um empresário, que a faz cantar para ganhar dinheiro, é um trabalhador produtivo, já que produz diretamente capital. Um mestre-escola que é contratado com outros, para valorizar, mediante seu trabalho, o dinheiro do empresário da instituição que trafica com o conhecimento, é trabalhador produtivo (MARX, 1978, p.76).
Se o caráter produtivo do trabalho e do trabalhador não se define pelo emprego
na fábrica, tampouco a classe trabalhadora aparece como restringida aos que exercem
trabalho produtivo. Pelo contrário, é a condição proletária e o assalariamento que a
definem. Marx lembra, neste mesmo livro, que nem todo trabalhador assalariado é
produtivo, mas que mesmo os que exercem profissões antes associadas a uma auréola
de autonomia (como os médicos, advogados, professores, etc.) cada vez mais se viam
reduzidos ao assalariamento e caíam – “desde a prostituta até o rei” (MARX, 1978,
p.73) – sob as leis que regem o preço do trabalho assalariado.
3.3. Professores do Programa Autonomia da Metropolitana IV81 A tabela nº 11 (ver apêndice B, tabela nº 11, p. 170) expõe os dados dos
questionários passados aos professores no curso de formação do Programa Autonomia
da Metropolitana IV. O instrumento de pesquisa foi entregue para 63 professores;
destes, 62% são mulheres, 20,6% homens e 17,4% não se identificaram. Dentre eles,
havia apenas um professor com mais de 60 anos; 17,4% dos professores estão na faixa
etária entre 50 e 60 anos, 30,1% estão na faixa etária dos 40 a 49 anos, 35% estão na
faixa dos 30 a 39 anos e 12,6% dos professores estão na faixa etária de 20 a 29 anos.
Entre os questionados, situamos 6,3% de professores com mais de 30 anos de
magistério; 20,6% dos professores possuem entre 20 e 29 anos no exercício da
profissão; 28,5% possuem entre 10 e 19 anos no magistério e 44,4% dos professores
possuem menos de 10 anos de exercício da docência.
81 A regional Metropolitana IV abrange as seguintes localidades: Jabour, Realengo, Inhoaíba, Santa Cruz, Bangu, Jardim Bangu, Anchieta, Ricardo de Albuquerque, Magalhães Bastos, Pedra de Guaratiba, Barra de Guaratiba, Paciência, Padre Miguel, Vila Kennedy, Jardim Palmares, Senador Camará, Vila Aliança, Sepetiba, Santíssimo, Deodoro, Santa Margarida, Vila Militar, Cosmos, Costa Barros, Barros Filho, Benjamim Dumont, Campo dos Afonsos, Campo Grande, Grumari, Guadalupe, Guilherme da Silveira, Honório Guegel, Jardim Maravilha, Jardim Sulacap, Mallet, Padre Anchiete, Parque Columbia, Pavuna, São Fernando, Senador Augusto Vasconcelos. (Fonte: Site da SEEDUC).
106
Visto que o Programa Autonomia admite professores de qualquer disciplina, foi
solicitado que os professores informassem a sua área disciplinar. Sendo assim,
constatamos que a maioria dos professores presentes pertence à área de Letras: Língua
Portuguesa/ Português- Literatura e Língua estrangeira (Português-inglês ou português-
espanhol); representando 46% dos professores do Projeto Autonomia dessa região. A
segunda área disciplinar de maior incidência entre os professores foi a Educação Física,
contemplando 15,9% de professores desta área de atuação, seguida de 14,2% de
professores de matemática, 12,6% de ciências biológicas, 8% de geografia, 4,7% de
história e apenas uma professora de química.
Em relação à instituição de formação dos professores do Programa Autonomia
desta região, a grande maioria teve sua formação em instituições privadas, sendo 63,5%
dos professores formados por essas instituições de ensino superior. Outros 30% tiveram
sua formação em instituições de ensino superior públicas e 6,3% afirmaram terem
concluído sua formação em ambas, parte em uma instituição pública e parte em
instituição privada.
A docência sempre carregou um diferencial em relação às horas de trabalho,
onde em geral, professores deveriam ter uma carga horária reduzida, em comparação a
outros trabalhadores, devido à peculiaridade do ensino, a necessidade de planejamento,
aperfeiçoamento, formação, etc. No entanto, a situação mais denunciadora da
precarização da situação do trabalho do docente em anos recentes se dá no número de
horas semanais trabalhadas.
O trabalho dos docentes que atuam junto ao Programa Autonomia é de 24 horas
semanais, sendo quatro horas diárias em sala de aula, cinco dias por semana com mais
quatro horas de planejamento. Para atender às exigências do Programa, o docente de 16
horas deve complementar a carga horária com GLP (Gratificação por Lotação
Prioritária), que são as horas-extras.82 No entanto, dentre os sujeitos da pesquisa, que
atuam junto ao Programa Autonomia, 42,9% reportaram trabalhar 40 horas semanais ou
mais, outros 22,2% disseram trabalhar entre 25 e 39 horas e apenas 15,8% disseram que
trabalham 24 horas semanais (tempo equivalente a carga horária semanal necessária ao
Programa e que, portanto, só desenvolvem esta atividade). Um fato curioso é que 17,5%
dos professores afirmaram trabalhar menos de 24 horas semanais, ou seja, disseram que
82 Fonte: Site da Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro, no link Conexão Professor. Visitado em 21/03/2013.
107
trabalham 20 horas, desconsiderando a sua carga horária de trabalho destinada ao
planejamento e fora de sala de aula.
Um dos objetivos do questionário foi buscar identificar a localidade em que o
professor mora e a proximidade com a escola em que atua, buscando verificar a hipótese
de pesquisa na qual os professores que atuam junto ao Programa Autonomia, em geral
residem próximo das escolas; partindo do pressuposto de que muitas vezes à adesão
desses professores ao Programa é a possibilidade de transferência de uma escola mais
distante para uma escola mais próxima de sua residência. A hipótese se confirmou neste
caso, pois dentre os professores entrevistados, apenas sete 11,1% atuam na
metropolitana IV e moram em outras regiões do estado, 41,2% dos professores
trabalham em escolas nos próprios bairros em que residem e todos os demais
professores trabalham e moram em bairros vizinhos que fazem parte da mesma
metropolitana.
Neste caso, devemos ter cuidado, em termos razoáveis, em como encarar a
generalização. O fato de dizer, por exemplo, que 89% dos professores da referida
amostra trabalha em escolas próximo às suas residências devido a uma possibilidade de
atuar junto ao Programa Autonomia, pode ser válido, mas camufla o fato de que essas
adesões são objetivamente de natureza diferente, têm antecedentes diferentes e são
percepcionadas de forma muito diversa pelos professores. No mesmo sentido, a adesão
ao Programa comporta uma constelação de facetas que varia de uma pessoa para outra,
mesmo que várias pessoas dêem uma resposta parecida quando questionadas ao que diz
respeito a sua adesão ao Programa.
Pois bem, a partir desses dados iniciais levantados, buscamos os sujeitos da
pesquisa, entrando em contato com professores e professoras que se dispuseram a
conceder as entrevistas83. Buscaremos através das narrativas destes professores e
professoras situar o contexto de atuação, assim como as condições de trabalho e a
referência espaço-tempo aos quais eles estão submetidos na rede estadual de ensino do
Rio de Janeiro. Esse procedimento ajudará, também, a conhecer como os professores
justificam a sua adesão ao Programa, como avaliam esse novo lugar profissional e como
eles concebem a estruturação do tempo em sua profissão.
3.4. Os usos do tempo pelo professor ao longo de sua trajetória profissional 83 Na tabela nº 12 (ver apêndice B, tabela nº 12, p. 172), encontramos um resumo da identificação dos sujeitos entrevistados, com seus respectivos nomes fictícios.
108
A fase inicial, marcada pela entrada na profissão, para muitos autores
(HUBERMAN, 1995; CAVACO, 1995; ESTEVE, 1999), é um momento bastante
difícil para o professor. Cabe a tais professores, na maioria das vezes, trabalharem com
as turmas consideradas mais difíceis, cumprir os horários menos atrativos e se deslocar
aos lugares mais distantes. “Os primeiros anos parecem efetivamente deixar marcas
profundas na maneira como se pratica a profissão” (CAVACO, 1995, p.114).
Conceitualmente, há diversas maneiras de estruturar o ciclo de vida profissional
dos professores. Huberman (1992) opta por uma perspectiva clássica, a da “carreira”.
Considera, como exemplo, as sequências ditas “de exploração” e “de estabilização”, que
supostamente se verificam no início de uma carreira. O desenvolvimento da carreira é,
assim, um processo e não uma série de acontecimentos. Para alguns, este processo pode
parecer linear, mas, para outros, há patamares, regressões, becos sem saída, momentos
de arranque, descontinuidades.
Iniciamos nossas observações com depoimentos de seis professores a respeito de
sua fase inicial de carreira e sua relação com o tempo, mas antes há uma dificuldade na
metodologia a ser destacada, por exemplo: agarrar-se a um docente de 30 anos, através
de um grupo que tem realmente 30 anos; e a um outro grupo com docentes de 50 anos
de idade ou mais, que recria a época dos seus 30 anos e cuja capacidade de
rememoração pode ser nitidamente menos precisa do que aqueles que estão atuando
nesta etapa da docência. Considerando esta ponderação, trouxemos alguns depoimentos
que traduzem essa fase inicial de carreira.
Quando questionados a respeito de sua atuação profissional desde sua entrada no
magistério até os primeiros cinco anos de carreira, os professores apresentam as
seguintes percepções:
Comecei em 90... Só que eu trabalhava sem vínculo nenhum. Eu já dava aula, mas sem vínculo. Quando eu entrei para o magistério oficialmente, eu fui para escola particular. Trabalhei em Santa Cruz, Barra (da Tijuca), Campo Grande84... Ah e detalhe! Complementando a faculdade pra fazer o curso de bacharel. Às vezes eu vinha da Barra direto pra faculdade em Padre Miguel... Foi muito complicado, foi muito difícil. Diria que até 95 foi assim. De 90 a 95 foi essa confusão toda. Às vezes eu chegava da Barra (da Tijuca) pra trabalhar em Santa Cruz no pré-vestibular, entrava comendo um sanduíche dentro da sala, já dando aula e comendo (Professora Nilda, 51 anos, 24 de magistério).
84 A professora refere-se a bairros da zona oeste do Rio de Janeiro distantes uns dos outros.
109
A professora Nilda, ao falar de sua trajetória inicial no magistério, destaca que
essa fase foi a mais difícil de sua carreira, diz que não possuía vínculo ao afirmar que só
trabalhava em escolas particulares. Essa professora associou a falta de vínculo
empregatício a ausência de carteira assinada, estando assim, fora das leis trabalhistas.
Percebemos aqui uma fase inicial de carreira bastante conturbada, onde trabalhar em
muitas instituições de ensino é, também, ter vínculos superficiais com os ambientes de
trabalho.
A entrada de Nilda no ensino público se deu depois deste período retratado por
ela como uma confusão, na qual precisava fazer amplos percursos de ônibus de uma
escola para outra, todas distantes de sua casa e ainda precisava conciliar com os estudos.
Já a trajetória inicial de Janete pareceu um pouco menos conturbada, neste caso,
os seus primeiros cinco anos de atuação como professora se desenvolveram na rede
pública estadual do Rio de Janeiro e também em escolas particulares. Assim como
Nilda, Janete classificou o seu trabalho no ensino privado como um período mais difícil
de sua atuação profissional, dizendo que deixou de atuar nas escolas particulares quando
passou no concurso para a rede estadual.
Quando eu passei para o Estado em 1988 eu saí dos colégios particulares, então, nos primeiros cinco anos foi uma coisa assim bem tranquila. O colégio particular é bem mais difícil, acho bem mais exigente. O (Colégio) Belisário era um colégio particular de referência aqui né, era um grande colégio aqui em Campo Grande e existia uma cobrança muito grande do professor. Quando eu passei para o Estado foi uma coisa mais tranquila, foi um concurso muito disputado na época e eu gostei de onde eu fui, eu fui trabalhar em Seropédica. Eu morava no centro de Campo Grande e trabalhava em Seropédica. A princípio eu ia de ônibus e a condução era difícil, mas o colégio era muito grande, muito bom. Como era um colégio que tinha ensino fundamental e ensino médio, na época segundo grau, os alunos eram bem adaptados à escola, então eu gostava desse tipo de coisa, a convivência na escola era grande, então os alunos não tinham muito problema de comportamento porque eles já tinham resolvido isso no ensino fundamental, então já tinha uma adaptação ao espaço e era bem mais fácil trabalhar (Janete, 50 anos, 26 anos de profissão).
Ao tratar do mal-estar docente, Esteve (1999) propôs três grupos distintos de
professores que, segundo ele, são típicos do início da carreira: os denominados
insatisfeitos com conduta flutuante, que vão trabalhando e se desviando dos problemas
na tentativa de protegerem-se; os que se realizam na profissão docente e aqueles que
procuram se envolver minimamente com as tarefas inerentes à profissão. Dentro desses
110
aspectos iniciais da carreira docente, o depoimento de Antônio, um professor em início
de carreira, nos traz a seguinte percepção:
O que mudou desde a minha entrada no magistério, foram as decepções, os problemas. À medida que você vai passando a ser um profissional, você vai percebendo algumas coisas que no início você achava que deveria modificar, que deveria fazer intervenção, mas depois você vê que o problema é muito mais complexo (Professor Antônio, 30 anos, cinco de magistério).
Huberman (1992), estudando o ciclo de vida dos professores, observou que o
início da carreira representa o momento de entusiasmo, da descoberta e do
encantamento, embora marcado por dificuldade e insegurança. Observamos isso no
depoimento de Antônio que, ao ingressar no magistério, disse que se identificava muito
com a profissão, que almejava uma intervenção social através do seu trabalho, fator que
junto à estabilidade era o seu principal objetivo. Ao dizer que o problema é muito mais
complexo, Antônio expressa a sensação de que os professores hoje se encontram
perdidos em meio a um espaço que não lhe dá condições de promover uma prática
transformadora.
3.5. Tecendo diferenças de gênero no uso do tempo
Neste tópico daremos destaque a uma trajetória marcada e influenciada
diretamente pela tríade mulher-mãe-trabalhadora, portanto não destacaremos
depoimentos de homens, pois não será o objetivo fazer comparações. Sabemos que a
utilização do tempo das mulheres é diferenciada, pois, na maioria das vezes precisam
dar conta de uma dupla ou tripla jornada. Thompson afirma que o tempo das mulheres
mães é diferenciado, muito orientado pelas tarefas – especialmente ao que se refere aos
cuidados com os filhos - pois “parte do trabalho com as crianças e em casa se revelava
naquele momento como necessário e inevitável, e não uma imposição externa”.
(THOMPSON, 2011b, p.288) Nesse caso, o autor se referia a mães do século XVII,
mulheres do trabalhador rural, que além dos afazeres domésticos, tinham que cuidar dos
filhos, da volta dos homens ao lar, das crianças que choravam na madrugada, numa
intensa labuta cotidiana; ao contrário do marido, que podia descansar durante a noite,
elas não podiam, não tinham o mesmo tempo para descansar.
111
Podemos corroborar com a ideia do autor quando ele mesmo afirma que aquela
realidade continua sendo verdade até os dias de hoje, e que a forma de lidar com o
tempo pelas mulheres mães é muito mais orientado pelas tarefas:
Apesar do tempo da escola e do tempo da televisão, o ritmo do trabalho feminino em casa não se afina totalmente com a medição do relógio. A mãe de crianças pequenas tem uma percepção imperfeita do tempo e segue outros ritmos humanos. Ela ainda não abandonou de todo as convenções da sociedade “pré-industrial” (IBIDEM, p.288).
É verdade que o que Thompson falava em relação ao século XVII não fica muito
distante do cotidiano de muitas mulheres do século XXI, pois com a entrada massiva
das mulheres no mundo do trabalho, as cobranças em relação aos cuidados com a
família e filhos não mudaram, ainda são tidos como um trabalho fundamentalmente
feminino e que, portanto, exigem das mães trabalhadoras uma rotina muito mais
desgastante e um uso do tempo muito mais fracionado e destinado aos cuidados dos
filhos e da casa. O depoimento desta professora, ao relatar o início de sua trajetória no
magistério, nos traz elementos importantes para compreender não só o fenômeno da
dupla jornada na categoria docente, mas também da variedade de escolas em que atuava
e portanto da intensificação do trabalho que promove uma aceleração de tempo da
professora, que é levada a abrir mão do descanso semanal para poder sustentar o seu
filho.
Olha, quando eu comecei, foi quando meu filho nasceu... Nessa época eu trabalhava em nove escolas particulares. Dando mamar no peito... (sorriso e pausa) Peguei uma anemia braba, perdi 28 kgs, foi muito cansativo... Dava aula de geografia, inclusive eu trabalhei em pré-vestibular e ritmo de pré-vestibular, sabe como é... Então às vezes eu não trabalhava só dia de semana. Teve uma das escolas, em Itaguaí, que eu trabalhava sábado o dia inteiro, domingo o dia inteiro no Projeto (de vestibular da) UERJ, pra ganhar mais um dinheiro né? Porque eu criava o meu filho sozinha. Então era o (único) dinheiro que entrava dentro de casa pra dar qualidade de vida (Professora Nilda, 51 anos, 24 anos de magistério).
E prossegue relatando:
Depois de passar esse momento difícil, aí eu passei no município (do Rio de Janeiro) em 1995. Fiquei dois anos trabalhando, aí eu perdi a minha mãe e
112
meu filho manifestou uma hiperatividade, pirou mesmo com a hiperatividade de eu chegar ao ponto de dizer: “ele tá me pedindo socorro, eu vou parar.” Aí parei. Todo mundo me condenou, por eu largar a matrícula, mas... era eu ou meu filho e eu tinha que tá junto com ele. E valeu a pena ter largado. Aí nesse período que eu fiquei em casa eu dava aula em casa, só em casa... A diretora dessa escola mandava muito aluno pra mim. Aí vinha aluno do (Colégio) Rosário, aluno do (Colégio) Santa Isabel, do (Colégio) Santa Mônica85, eu tinha várias turmas separadas, por escolas, que eram metodologias diferentes. Ainda tinha isso... Modalidades totalmente diferentes! Fiquei praticamente uns oito anos desempregada, dando aula em casa... (pausa com emoção). Aí em 2004 eu entrei na primeira matrícula do estado, e em 2007 entrei na outra. Hoje as minhas duas matrículas estão no Autonomia (IDEM).
O depoimento desta professora nos revela uma trajetória profissional dificultada
e com interferências diretas pelo fato ser mãe e ter criado seu filho sozinha, pois isso a
levou a se desdobrar em várias escolas para conseguir o sustento da casa e abandonar
uma matrícula pública para se dedicar aos cuidados de seu filho. Nilda só se estabilizou
dezessete anos depois de sua entrada no magistério, quando conquistou suas duas
matrículas na rede estadual. Por fim, a professora se refere ao trabalho no Programa
Autonomia como uma grande realização pessoal, pois permitiu concentrar seu tempo e
sua dedicação a apenas uma modalidade de ensino e em apenas uma escola, fator que
não havia conseguido em toda a sua trajetória profissional.
3.6. Fazer-se professor(a) do Programa Autonomia: diversos caminhos para um mesmo fenômeno
Quando os professores e professoras foram questionados a respeito dos motivos
que os levaram a aderir ao Programa Autonomia, encontramos diversos caminhos, dos
mais simples aos mais complexos. Muitos desses confirmaram a hipótese de que a
adesão ao Programa tem se dado para fugir da fragmentação do tempo de trabalho,
trabalhar mais próximo de casa e/ou para concentrar a matrícula em apenas uma escola.
Neste caso, a adesão ao Programa evidencia: 1) fuga ao fracionamento do tempo e dos
espaços em que atuavam; 2) a perspectiva de ter aumento salarial; 3) a crença de que o
Programa contribui para melhorar a qualidade do ensino; 4) outros faotres.
Dentre todos os professores entrevistados, observamos a confirmação destes
pontos, embora os caminhos para essa adesão tenha se dado das mais diferentes formas
possíveis. Dentre os professores em início de carreira, em meados ou no fim de carreira,
85 Escolas particulares localizadas na região.
113
um fator se faz comum: eles desejam encontrar mecanismos de fuga à precarização que
se reflete na busca de um maior tempo concentrado (preferencialmente em uma única
escola) e um aumento da remuneração. Isso também é visto por todos os professores
entrevistados como um elemento primordial para um ensino de qualidade. Sendo assim,
elencamos a partir dos depoimentos dos seis entrevistados um pouco de sua trajetória
anterior e os motivos que os levaram a aderir ao Programa:
O meu ingresso no Projeto86 foi devido a ser novo na rede estadual de ensino e estar trabalhando só com o ensino regular o que me dava uma remuneração muito baixa. Com o Projeto houve um aumento de carga horária e esse aumento de carga horária daria uma certa estabilidade87. Depois mudou, mas no início foi essa a minha intenção de ingressar no projeto (Professor Antônio, 30 anos, cinco de magistério).
Eu entrei com as duas matrículas (no Programa Autonomia). A primeira matrícula eu entrei por que ganhava muito pouco. Eu queria aumentar a questão salarial e aqui a gente ganha uma gratificação. Na segunda matricula já foi pra trabalhar num local mais próximo de casa, onde eu trabalhava antes eu gastava muito com passagem. Então, acabou sendo uma questão salarial, foi pra diminuir meu gasto com deslocamento e passagem (Professor Fábio, 29 anos, 12 de magistério). Eu entrei dando aula pro 6º, 9º e 8º ano, no primeiro ano. No segundo ano eu peguei duas turmas de 3º ano e uma de 7º ano. [...] No início eram oito tempos aqui e quatro numa escola em Bangu, aí surgiram os 12 tempos aqui e eu optei por ficar aqui. Por mais que Bangu fosse mais perto, a escola era mais violenta, era à noite e eu fui assaltada dentro da escola. Aí eu desisti. Eu optei por ficar aqui em Paciência que era mais longe, mas tinha os 12 tempos. [...] Depois com o fechamento de turma e falta de vagas a gente ia perder vaga na escola aí implantaram no colégio o Autonomia, a diretora para não me perder me encaixou no Autonomia aqui nessa escola (Professora Christiane, 32 anos, cinco de magistério). Trabalhei em três escolas. Porque quando você entra, você pega o horário que tá pronto, você não consegue fazer teu horário, então na primeira matrícula quando eu entrei, entrei em três escolas, em 2004, já no final do ano. Peguei três escolas, uma inclusive era conveniada com a Igreja lá em Itaguaí e aí essa minha matrícula na verdade é da (Diretoria) Metropolitana de lá, só que aí eu já mudei minha origem porque eu vim pra cá pelo projeto. (Professora Nilda, 51 anos, 24 de magistério).
86 Alguns professores ainda se referem ao Programa Autonomia como Projeto Autonomia, geralmente por atuarem no Programa desde o início, quando ainda era um Projeto. 87 O professor cita o aumento salarial como algo positivo, embora reconheça que o aumento (gratificação) proveniente da adesão ao Programa não seja compatível com o aumento da carga horária exigida.
114
Observamos nesse conjunto de depoimentos que fatores comuns são colocados
em função da adesão ao Programa Autonomia, nenhum dos entrevistados afirmou ter
aderido ao Programa por acordo com a metodologia ou por acreditar que trabalhar com
o Programa seria importante profissionalmente. Ao contrário, todas as adesões se deram
pelos motivos já elencados, além disso, todos os professores entrevistados gostariam de
trabalhar em menos escolas, talvez em uma somente, o que demonstra que a condição
anterior não era desejável.
Antônio e Fábio, jovens professores, disseram que um dos pontos para a adesão
foi a questão salarial, visto que a remuneração anterior com a carga horária de 16 horas
era muito baixa88. Embora ambos reconheçam que a gratificação proporcionada não é
compatível com a carga horária dedicada, destacam o “aumento” salarial como algo
necessário e oportuno para suas vidas. Fábio ainda destacou a questão dos gastos com
deslocamento, pois trabalhava longe de casa e assim gastava muito tempo e dinheiro
com locomoção, e até então a SEEDUC não pagava sequer um auxílio para transporte.
Fábio e Nilda têm em comum o fato de terem conseguido mudar o local de trabalho
através do Programa Autonomia, trazendo sua matrícula ou sua origem de um local
mais distante para uma escola mais próxima de suas casas.
Outro fator presente e muito comum é a adesão ao Programa devido ao
fechamento de turmas nas escolas em que atuam os professores. O depoimento de
Christiane nos serve como ilustração deste aspecto. Esta professora afirmou que perdeu
tempos na escola em que trabalha e isso acarretaria na fragmentação do tempo de
trabalho, pois passaria a ter que atuar em duas ou mais escolas; no entanto, a diretora da
escola lhe ofereceu a oportunidade de trabalhar com o Programa Autonomia, o que foi
aceito pela professora que, somente desta forma, conseguiu permanecer na mesma
escola até os dias de hoje.
O único professor que apresentou elementos que divergem do conjunto de
entrevistados foi Bruno. Este professor apresenta outro tipo de relação com o
magistério, pois sempre teve outras atividades complementares e a profissão docente
durante grande parte de sua vida não foi sua ocupação principal. A relação dele com a
profissão é bem diferente das expostas pelos outros professores e professoras,
manifestando condutas e percepções particulares. Durante a sua atuação, Bruno foi mais
seletivo nas escolhas, fez concursos apenas para regiões próximas de sua residência,
88 Conforme a tabela nº 9 (ver apêndice B, tabela nº 9, p. 169), o vencimento base para um professor de 16h em início de carreira, no ano de 2011, era de R$ 877, 91.
115
sempre se locomoveu de transporte particular até as escolas e nunca apresentou
problemas em relação ao trabalho, pois nunca teve uma carga horária extenuante em
sala de aula. Conforme podemos observar em seu depoimento:
Sempre trabalhei próximo de casa, nunca fiz concurso para longe de casa, justamente pensando nessa questão da locomoção. Sempre fiz concurso para metro IV, que é a área que eu moro. Nunca tive problema de locomoção para ir pra escola trabalhar, dar aula. Essa questão da locomoção nunca atrapalhou as minhas atividades como professor (Professor Bruno, 53 anos, 15 de magistério).
Em relação ao paralelo feito entre sua atuação no ensino regular e no Programa Autonomia, o professor afirma:
Olha, no regular ensino médio eu trabalhava muito menos, ia duas vezes na escola. Seis horas (tempos) num dia, seis horas (tempos) num outro dia qualquer, de manhã ou à tarde. A carga horária de língua portuguesa e matemática sempre foram maiores, então, a gente pegava poucas turmas. Eu pegava duas turmazinhas só, então eu trabalhava muito menos. Eu passei a trabalhar mais, a estudar mais, quando eu entrei no Projeto... (corrige) Programa Autonomia. Aí a minha carreira, o meu magistério, exigiu mais de mim, porque eu, atrelado a esses programas, às novas pedagogias, eu tive que estudar mais, eu tive que me formar mais, eu tive que participar mais de atividades fora de sala de aula, eu tive que levar muito trabalho pra casa, né? E o Programa Autonomia são todos os dias, quatro horas por dia... [...] Então quer dizer, minha carga horária aumentou expressivamente em relação ao início da minha carreira como professor no regular, que eu ia duas vezes por semana na escola e nem levava serviço pra casa, eu não tinha outras atividades além de dar minha aula de língua portuguesa e literatura, corrigir minhas provas, lançar minhas notas, ir no conselho e acabou. Agora não, agora eu me empenho muito mais, eu trabalho muito mais, eu estudo muito mais, e eu prefiro! Porque eu sempre gostei de estudar, eu sempre gostei de me embrenhar nessas novas tecnologias, nessas novas pedagogias, pra mim é muito interessante esse tipo de atividade. [...] No ensino no regular eu ia na escola, dava minhas aulinhas e depois ia pra casa... Eu tinha comércio, então nessa época eu me dedicava mais ao meu comércio... Que é o contrário de hoje. Hoje eu me dedico mais a minha profissão de professor (IDEM).
Bruno, em seu início de carreira, expressou outro tipo de relação com o
magistério. Devido ao fato de a profissão docente não ser sua ocupação principal ele
deixou de passar por muitas situações, quase obrigatórias para os professores em fase
inicial, como fragmentação do tempo de trabalho, trabalhar longe de casa, enfrentar
dificuldades com locomoção, etc. Por ter outra ocupação, se permitia esperar um melhor
momento e uma melhor condição para ingressar na carreira. Ao afirmar que hoje em dia
se empenha muito mais e dedica mais o seu tempo a profissão de professor devido a não
116
possuir mais sua atividade de comerciante, acaba atribuindo essa maior dedicação ao
fato de atuar junto ao Programa Autonomia, afirmando inclusive que prefere trabalhar
com essa modalidade de ensino.
3.7. A classe (professoral) na classe: a relação com os alunos
No ensino médio regular, os turnos são tantos e as turmas são tão cheias que os
professores dificilmente chegam a conhecer seus próprios alunos. Além de executar
diversas tarefas que nem sempre têm relação entre si, observa-se, ainda, um crescimento
da burocracia dentro das próprias tarefas do dia a dia e nesse contexto a relação
professor-aluno é prejudicada. O que sobressai no trabalho dos professores do Programa
Autonomia, contrariando as expectativas, é a sua relação com os alunos. Tal relação é
tão decisiva que sobrepõe os próprios conteúdos no processo de ensino. Por outro lado,
as estruturas de organização do trabalho docente, nos diferentes contextos escolares em
que os professores do Programa Autonomia atuam, revelam condições sob as quais se
percebem aspectos positivos e negativos.
Eu vejo como o maior ponto positivo do projeto, o fato de conhecer os alunos. Como atuo nos dois setores, eu consigo mensurar as diferenças entre o projeto e o regular, no dia a dia, no cotidiano. As dificuldades às vezes mudam de aspecto, porém o fato de conhecer o seu aluno, isso muda bastante. No regular, os alunos passam o ano numa escola e terminam chamando a professora de “aquela mulher”. Coisa que no Projeto não acontece, você vê o aluno todos os dias na sala de aula. Os alunos conhecem bem o professor, é um vínculo que se estabelece e às vezes se torna até perigoso porque às vezes se confundem e o professor acaba ampliando esses laços de amizade para fora do colégio. É perigoso, mas mantenho o discernimento. Isso é muito positivo, é muito importante para a educação. [...] No projeto você percebe para onde o seu aluno vai caminhar após o ensino médio, você percebe as dificuldades da turma e do aluno; melhor do que no ensino tradicional (regular) onde muitas vezes o conteúdo é jogado. Alguns dizem que no Projeto o conteúdo é jogado, é ensinado por alguém que não tem o conhecimento da disciplina, isso é um pouco de verdade, mas no regular, acaba que no fim das contas, o aluno tem um contato de uma hora e meia, duas horas com o professor que joga o conteúdo para a turma, não conhece muito bem a turma, a turma não conhece o professor, não tem aquele vínculo que torna possível o aprendizado e aí (neste caso) acaba tendo mais valor o projeto (Professor Antônio, 30 anos, cinco de magistério).
Um dos pontos que os professores destacam em relação a atuação no Programa
Autonomia é a relação professor-aluno, que, devido ao contato cotidiano com a mesma
turma, conhecem-se pelo nome, numa relação recíproca. Além da questão da vivência e
de um maior contato pessoal, os professores também destacaram outros pontos que
117
consideram positivos ou negativos numa comparação entre o contato com os alunos no
ensino regular e no Programa Autonomia.
Eu levo muito vídeo, muito filme, propaganda, algumas coisas da internet que eu pego... O Facebook eu utilizo como um meio de comunicação com os alunos... Então eu fui me adaptando às modernidades e eu achei que foi positivo, o resultado tem sido bom. Os alunos do Autonomia eles têm deficiência, mas com o auxílio, com um pouco de atenção que a gente acaba dando, que são cinco dias por semana, a gente consegue suprir bastante coisa. [...] Aqui você fica muito tempo com o aluno. Você tem uma doação muito grande. O (ensino) regular você tem aqueles dois tempos por semana, aqueles dois dias por semana né? E a aula acaba mais rápido. Aqui como você fica cinco dias com o aluno, você acaba doando mais, mas também exige muito mais de você. Você tem que tá todo dia criando coisas, montando coisas diferentes (Professora Janete, 50 anos, 26 de magistério)
Nunca tive problema com aluno não. Mas no Projeto Autonomia, por você ficar mais tempo com o aluno, dar aula de todas as disciplinas, tá todo dia com eles, a relação é mais afetiva mesmo. A relação é bem íntima porque a gente tá muito tempo junto, né? A gente passa uma maior parte do tempo junto. A relação é afetiva mesmo. Não que o regular não seja, mas o Autonomia faz com que fique mais junto. Em questões de aluno, o Autonomia é melhor, em questões de horário o regular é melhor por não trabalhar todo dia (Professora Christiane, 32 anos, cinco de magistério). O aluno tem uma dinâmica de aula muito melhor do a que a dinâmica do regular. Todas as aulas são temáticas, então o aluno começa com um problema naquela aula e até o final daquela aula ou de outras aulas ele tem que resolver aquele problema. Então o ensino passa a ter um significado pra ele. O significado, a curiosidade aflora e esses alunos começam a buscar mais aquilo que a gente quer propor que eles aprendam. Outra questão também é o uso de materiais didáticos que temos aqui que são melhores e em maior quantidade do que temos no ensino regular. Isso ajuda muito também... [...] isso se dá por conta do Projeto. As turmas (do Autonomia) têm um amparo para isso. Elas vão ter um acesso mais facilitado à sala de informática. Todas as aulas elas vão poder usar aquilo não como um momento especifico pra recreação, mas para o próprio estudo. [...] Pontos negativos do Projeto é que você fica engessado. Um professor dinamiza todas as áreas do conhecimento. Eu como professor de Educação Física tenho que dinamizar aula de matemática, biologia, física... Em alguns momentos isso inviabiliza um conhecimento maior por parte do aluno. Acho que esse é o principal ponto negativo (Professor Fábio, 29 anos, 12 de magistério). Nós pegamos alunos que, desde o regular, passaram muitas vezes três anos com professores especialistas nas disciplinas e que não conseguiram passar pra ele aquele conteúdo. Eu já tive aulas, por exemplo, de biologia, matemática, onde os alunos que vieram do regular eram maus alunos e com o Projeto não eram mais maus alunos, passaram a respeitar um pouco mais a escola e o professor. Todos os dias ali com ele sem ele saber aquele conteúdo e eu pude contribuir para ele. Agora em relação ao mercado de trabalho, o ENEM, vestibular, aí é outra história... (Professor Antônio, 30 anos, cinco de magistério).
118
Eu acho que eu trabalho melhor no Autonomia do que no Regular. O trabalho é melhor, é mais compensador. O tempo que eu tenho dentro da sala de aula é maior, eu posso buscar qualidade pra eles. No regular eu não via essa possibilidade, apesar de tentar, muitas vezes. Mas é mais complicado, até porque as turmas são maiores, é mais difícil (Professora Nilda, 51 anos, 24 de magistério). Além de tudo que você desenvolve, sempre tem um projeto complementar, né? E você pode desenvolver trabalhos manuais pra que eles possam ganhar um trocadinho, entendeu? Porque eu fui muito levada, minha mãe sempre me botou em aula disso, aula daquilo, e eu aprendi um pouquinho de cada coisa, e tudo isso eu consigo passar pra eles no Projeto... E aquilo que eles vêem, vão crescendo, têm condições de ganhar dinheiro. Enquanto não chega lá no ápice, que é a proposta, porque eu crio essa visão de que eles podem chegar a uma universidade... Não é difícil, ainda mais hoje que o governo oferece tanta proposta de facilidade... Entendeu? Eu acho que dá pra eles serem alguém na vida... Enquanto isso não acontece, vende um imãzinho de geladeira aqui, vende um bordadinho ali, vende uma telinha pintada, alguma coisa assim, sei lá... [...] Tudo tem uma finalidade porque você trabalha em comunidade, com poder aquisitivo baixo... A vida não tá fácil pra ninguém. De alguma forma ele vai se virar, ele vai dar os pulos dele pra conseguir tirar um dinheirinho... (Professora Nilda, 51 anos, 24 de magistério).
Conforme os depoimentos, observamos que os professores afirmam que o Programa
Autonomia é uma modalidade melhor para trabalhar, não só devido ao maior contato
com os alunos e mais tempo com a mesma turma, mas também devido ao maior acesso
a materiais didáticos e recursos. Conforme afirmou Fábio, as turmas do Autonomia têm
mais acesso ao laboratório de informática, onde podem “usar não como um momento
específico para recreação, mas para o próprio estudo”. Essa declaração nos traz algumas
indagações. Se o Programa é uma Parceria Público Privada, por que os alunos acabam
usufruindo mais dos recursos e do espaço escolar do que os alunos do ensino regular?
Por que existem maiores facilidades aos recursos e turmas menos cheias no Programa
Autonomia? Todas as respostas para essas perguntas encontramos no dia a dia das
escolas, baseadas nas prioridades governamentais das políticas privatistas.
As expectativas dos professores em relação aos alunos são bem diferenciadas,
porém, o que observamos é uma extração calculada do que pode ser minimamente
conseguido dentro das condições de trabalho e ensino que eles se encontram. Ao afirmar
que foi se adaptando às modernidades, a professora Janete coloca uma visão de que o
Programa Autonomia é uma inovação, uma prática diferenciada que exige muito mais
dela enquanto professora, pois precisou se adaptar as novas tecnologias dentro e fora de
119
sala de aula. Fábio fala das dificuldades em ministrar todas as disciplinas; Antônio diz
que os alunos aprendem apenas o elementar e que têm muitas dificuldades em entrar no
“mercado de trabalho”, fazer o ENEM ou vestibular; ou seja, as aulas do telecurso na
visão deste professor não dão preparo suficiente para o aluno conseguir um bom
emprego ou ingressar no ensino superior.
Já na visão de Nilda, os alunos podem sim ter uma perspectiva de futuro, esta
professora defende claramente a visão liberal de que é “possível chegar lá” caso se
esforcem o suficiente. Porém, ela mesma impõe limitações quando afirma que eles
podem conseguir ingressar no ensino superior nas “propostas de facilidade” oferecidas
pelo governo, fazendo referência a programas assistenciais como o PROUNI (Programa
Universidade Para Todos) que oferece bolsas de estudo nas universidades privadas ou
FIES (Fundo de Financiamento Estudantil), que se destina a financiar a graduação dos
estudantes mediante pagamento após conclusão dos estudos. Além disso, Nilda destaca
uma visão assistencial, muito característica do Programa Autonomia, onde afirma que
incentiva os alunos a fazerem trabalhos artesanais para “conseguir tirar um dinheirinho”
já que vivem em comunidades carentes, têm pouca perspectiva profissional e pouca ou
nenhuma qualificação.
Nilda reafirma sua posição e seu olhar sobre o Programa e a respeito de seus
alunos quando, em seu depoimento, afirma uma visão missionária de sua profissão e
uma visão assistencial do Programa:
Minha primeira turma de projeto foi dentro de uma comunidade que era cercada por três facções diferentes... E eu fui buscar aluno dentro da boca de fumo, dei varada nas pernas... dei varada! E disse pras pessoas: _Pode me denunciar! Pode, eu não quero nem saber! E hoje esse aluno faz direito... Essa turma não gostava de estudar. Antigamente o Projeto Autonomia focava só nesses alunos que as diretoras ficavam meio assim de formar as turmas, aí pegavam aquele refugo da escola, aluno de porta, aluno de fundo de sala e formava a turma... E eu dizia: _Pode mandar! Pode mandar que eu to esperando. E assim eu formei 17 alunos. De 35 eu formei 17. Peguei três na boca de fumo, uma na prostituição, e fui conseguindo. Eu gosto de ensinar no projeto porque você tem essa chance... (Professora Nilda, 51 anos, 24 anos de magistério).
Visão que diverge bastante da exposta por Christiane, que adota medidas mais
pragmáticas para suas escolhas profissionais. Esta professora optou por trabalhar longe
de casa, pois o mais importante para ela é que o colégio seja longe de qualquer zona de
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conflito e área de risco, apesar das implicações que isso gera, tais como um maior gasto
com transporte e um maior dispêndio de tempo.
Minha rotina é estressante sim. O trânsito estressa, dirigir estressa. Agora tem duas vertentes, às vezes eu penso em trabalhar mais perto de casa, porque a metro IV é grande, poderia trabalhar até em Bangu porque é perto da minha casa, mas esse colégio aqui não é ruim. A direção não é ruim, a clientela não é ruim, o local também não é ruim. Meu medo é esse, ir pra outra escola, por mais que seja perto... Trabalhar numa escola dentro de uma comunidade violenta também não dá. Tanto é que eu fui assaltada dentro do colégio, botaram uma arma na minha cabeça, dentro do colégio. Então eu penso muito nisso... Entendeu? Largar aqui e cair num colégio super perigoso às vezes não compensa. Às vezes o dinheiro também não compensa. O estado não paga o valor que deveria pagar de transporte. No projeto autonomia essa é uma questão que os professores levantam. Eles não pagam pra gente os cinco dias trabalhados. O auxílio transporte é o mesmo valor, recebemos como se trabalhássemos dois dias na semana. Entendeu? 50 e poucos reais. Eles fazem uma base de cálculo como se o professor viesse dois dias. Só que eu trabalho cinco (Professora Christiane, 32 anos, cinco de magistério).
Os depoimentos de Nilda e Christiane nos trazem um aspecto muito presente na
realidade das escolas públicas fluminenses: a violência. A universalização do ensino e a
localização das escolas públicas em áreas violentas acabem trazendo diversos riscos
para alunos e professores, e estes últimos encaram o problema de diversas maneiras,
conforme observamos. O fator a ser considerado é a ausência de políticas públicas
eficazes de combate a violência estrutural no estado do Rio de Janeiro.
3.8. De uma realidade peculiarmente agressiva surgem diferentes estratégias
O relato de um cotidiano desgastante foi feito pela professora Janete de
Literatura e Língua Portuguesa que atua no Programa Autonomia, no Nova EJA e no
ensino regular, portanto em três modalidades de ensino diferentes e que exigem
diferentes esforços. Ao lidar com diferentes contextos e com diferentes disciplinas e, no
caso da atuação junto ao Programa Autonomia, ela expõe algumas estratégias de
aproveitamento do tempo ao lidar com os conteúdos lecionados. Isto põe em pauta uma
necessidade sentida e expressa por diversos professores, mas que, ao nosso ver, acaba
transgredindo os princípios que fundamentam cada um desses programas pedagógicos.
No ano passado, como eu só tinha o (Programa) Autonomia e eu tava vindo de uma readaptação eu gostei bastante, foi bem tranquilo. Apesar de alguns probleminhas, no início, para a adaptação, com uma metodologia diferente da que eu tava acostumada. Como eu sou muito jurássica, no meu tempo de
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magistério o aluno ainda fazia concurso para entrar no ensino médio... Mas eu gostei da metodologia, foi diferente. Como eu já tava parada durante algum tempo e retornei pra sala de aula, foi bom, eu gostei. Foi inovador! Esse ano como tenho o Nova EJA e tenho o regular eu peguei um pouco do Autonomia, pego um pouco do Nova EJA e levo isso para o regular, então hoje as coisas ficaram bem mais dinâmicas (Professora Janete, 50 anos, 26 de magistério).
Essa “autonomia” ao lidar com os diferentes conteúdos pode ser boa para a
professora, ou até mesmo para os alunos, porém não é indicada pela secretaria de
educação que desenvolve materiais, dinâmicas e currículos mínimos específicos para
cada nível e modalidade de ensino. A estratégia da professora de tornar as coisas mais
dinâmicas significa uma atitude de aproveitamento de materiais, aulas e
consequentemente de economia do tempo a fim de enfrentar o cotidiano de trabalho de
uma forma menos desgastante, reduzindo o tempo de planejamento para as diferentes
turmas e modalidades de ensino com as quais lida. Essa mistura de princípios,
atividades e conteúdos demonstram, a nosso ver, como os professores recriam, de
acordo com suas idiossincrasias, as propostas pedagógicas com as quais se envolve,
recriando, incessantemente, as metodologias e conteúdos de ensino.
Santos (2009) buscou identificar em sua pesquisa, estratégias que professores
constroem frente ao exercício da docência. Busca refletir de que modo os docentes
enfrentam adversidades como a não aprendizagem, o comportamento indisciplinado dos
alunos, a falta de material didático-pedagógico e o cansaço ou a indisposição para
ministrar as aulas. Essas estratégias – denominadas de enfrentamento e de fuga –são
atividades que reduzem o desgaste dos professores, o que leva à banalização do
processo educacional.
As estratégias são criativas, pois os professores têm de construir alternativas procurando superar as dificuldades. Instituir estratégias de fuga não significa algo menos criativo. Significa uma necessidade de “afastamento” da dinâmica escolar visando ao menor esforço. Ambos os movimentos se dão a partir de uma luta estabelecida pelo sujeito buscando encontrar o bem-estar e o equilíbrio frente à atividade realizada. No movimento de convivência com as adversidades do cotidiano escolar, o que está em jogo é o que provoca maior ou menor desgaste, maior ou menor bem-estar ao professor, ainda que isso comprometa o desempenho do processo educativo. Sai de cena a ideia de que o mais importante é o processo de educação e entra em cena o que oferece melhores possibilidades de equilíbrio biopsicoafetivo ao professor. Todo indivíduo opta pelo seu bem estar. Se a escola não oferece as condições mínimas adequadas de educação, a luta será pela sobrevivência e pelo bem-estar. Cabe ao professor cumprir o prescrito ou, então, criar um modelo paralelo de gestão (SANTOS, 2009, p.301).
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Muitas vezes os professores e professoras citam meios de atuação cotidianos que
segundo eles mesmos caracterizariam, possuem uma maior flexibilidade. Neste caso,
caracterizando a docência como trabalho flexível, Tardif e Lessard (2011) afirmam que:
Ensinar, de certa maneira, é sempre fazer algo diferente daquilo que estava previsto pelos regulamentos, pelo programa, pelo planejamento, pela lição, etc. Enfim, é agir dentro de um ambiente complexo e, por isso, impossível de controlar inteiramente, pois, simultaneamente, são várias as coisas que se produzem em diferentes níveis de realidade: físico, biológico, psicológico, simbólico, individual, social, etc. Nunca se pode controlar perfeitamente uma classe na medida em que a interação em andamento com os alunos é portadora de acontecimentos e intenções que surgem da atividade ela mesma (TARDFIF, M., LESSARD, C. 2011, p.43).
Chamam atenção desse modo, para um componente do “fazer-se” professor que
é dada pelo estilo pessoal de cada um e, também, pela relação, sempre dinâmica e
subjetiva entre os professores e seus alunos/turma. Cabe destacar, ainda, a operação de
apropriação e recriação dos programas pedagógicos que, ainda que standartizados,
muitas vezes são resignificados pelos professores, no contexto da aplicação prática.
3.9. A “(con)formação” dos professores: características de um grupo profissional
Ao tratar da situação dos professores como “executantes”, Tardif e Lessard
(2011) relacionam diretamente com a organização social do trabalho nas sociedades
modernas, típicas das economias capitalistas, na qual a posição dos trabalhadores se
define globalmente pela ausência de controle sobre o processo de trabalho, seus
conteúdos e seu desenvolvimento. Contudo, os autores destacam que mesmo no
trabalho industrial especializado ao extremo, essa ausência de controle nunca chega a
ser completa, pois os trabalhadores assumem concretamente a realização do processo de
trabalho e podem, portanto, atuar de diversas maneiras sobre ele: torná-lo mais lento,
resistir a ele, etc. Portanto, a margem de manobra dos professores seria ainda maior,
pois eles gozam de uma certa autonomia para realizar o seu trabalho. Neste sentido, sua
posição de executantes não se confunde com a dos trabalhadores industriais,
“atomizados” sobre a esteira de produção. Apesar disso, essa dupla posição – ao mesmo
tempo de executantes e autônomos – se traduz também em tensões e dilemas, podendo,
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conforme os professores invistam em um ou outro pólo (execução ou autonomia),
desbocar em diferentes maneiras de assumir e viver sua identidade profissional.
Mesmo quando os docentes utilizam instrumentos já elaborados por outros – manuais, programas, material didático, etc. – eles o retrabalham, os interpretam, os modificam a fim de adaptá-los aos contextos concretos e variáveis da ação cotidiana às suas preferências. Isto permite compreender, entre outras coisas, por que os professores são tão ávidos por novos materiais pedagógicos, novas habilidades, novos procedimentos, pois seus instrumentos se gastam na medida em que são usados, perdem sua força de impacto e precisam, portanto, ser remodelados, substituídos, adaptados. Enquanto o martelo continua intacto depois do golpe, o livro, o filme, o exercício, o desenho, uma vez passados aos alunos, normalmente têm seu valor de uso reduzido a nada e tornam-se obsoletos. Esse fenômeno de amortização das ferramentas ainda é mais exacerbado pelas inúmeras mudanças que, de acordo com os professores, têm afetado os alunos ao longo dos últimos anos (TARDIF, LESSARD, 2011, p.175).
Segundo os mesmos autores, os programas, na verdade, não são utilizados e
aplicados mecanicamente, pois dependem da margem de manobra e da experiência dos
professores que os utilizam. Na realidade, um programa, por mais preciso que seja, é
sempre apenas um programa, ou seja, um projeto; sempre haverá uma distância entre o
programa e a sua realização concreta em classe, as diferenças entre os alunos, os
recursos disponíveis, o tempo que passa... “Os professores, queiram ou não, são
obrigados a interpretar os programas e adaptá-los continuamente às situações
cotidianas.” (IBIDEM, 2011, p.208)
Dentro desta perspectiva, poderíamos considerar os professores do Programa
Autonomia, executores dotados de autonomia? As linhas que estruturaram o presente
tópico seguem com os depoimentos concedidos pelos professores entrevistados em
relação às estratégias pessoais que encontraram para lidar com o Programa, assim como
as suas percepções sobre a metodologia utilizada:
(O Programa Autonomia) melhorou o meu nível de conhecimento... Eu hoje me considero capacitada em (sic) desenvolver muita coisa porque de uma certa forma como mediador eu não tenho necessidade de ser o professor porque você não tem habilidade pra isso. Mas aí, você vê o teu aluno com aquela necessidade, você trouxe ele pro lado de cá, ele agora quer estudar... O que vou oferecer pra ele se eu for só mediador? Não! Eu vou buscar ajudar e vou pro quadro ajudar ele a resolver as coisas. Entendeu? Porque se aquela oportunidade que ele teve no regular ele não conseguiu se adaptar, mas ele se adaptou a essa modalidade, então cabe a mim fazer o melhor que eu puder. E o que eu passar, para eles já é muita coisa... O mínimo para eles é máximo. [...] Eu me empenho, eu busco livros, eu estudo e venho desenvolver e se
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tenho dificuldades eu chamo o professor da disciplina e falo “me ajuda aqui!” (Professora Nilda, 51 anos, 24 de magistério). Eu fiz um curso de informática educativa pela plataforma (CECIERJ), atrelada a UERJ, que também me trouxe bastante conhecimento em relação a essa questão. Eu já cheguei aqui no programa autonomia já na frente de muita gente... Do próprio NEJA também. Na época eu fiz muitos cursos de extensão, então, de uma certa forma, eu trabalho e estudo muito mais hoje, com esses novos projetos. [...] E agora nesse programa novo que é o NEJA, eu pretendo me dedicar mais ainda à carreira de professor. Porque esse projeto ele te obriga a estudar. Você tem que estudar para você alcançar a pontuação para que você possa receber mais tarde o certificado de pós graduado, então ele é 99% online, através da plataforma CECIERJ e uma vez por mês nós nos encontramos. [...], pra gente colocar algumas questões práticas, porque tem algumas coisas que não dá pra fazer online, né? (Professor Bruno, 53 anos, 15 de magistério). Dentro do Projeto Autonomia, nessa relação de poder ou não poder fazer em sala de aula, eu sou muito livre para fazer qualquer coisa, que num colégio tradicional não era tanto, em colégio privado eu era proibido de fazer, em colégio regular do estado eu já tive direção pedindo para não fazer por que iria criar uma polêmica muito grande na escola. Então, dentro de sala de aula, no Projeto Autonomia, é possível fazer qualquer tipo de invenção pedagógica, desde que seja com a ideia que o aluno tenha que aprender alguma coisa, um significado pedagógico (Professor Fábio, 29 anos, 12 de magistério). Bom, eu tenho autonomia na forma de abordar como eu quiser os conteúdos. Agora, ao mesmo tempo que tenho autonomia na forma de abordar os conteúdos como quero, eu tenho os conteúdos já previamente selecionados para trabalhar com os alunos. Os conteúdos das disciplinas, eu escolho como e o quê oferecer para os alunos. Por exemplo, ao abordar um conteúdo de história, você tem várias formas de abordar aquele conteúdo, você pode dar um viés político, um viés meramente informativo, você pode passar aquele conteúdo e não fazer intervenção, não gerar uma reflexão sobre aquele assunto. [...] Tem que haver adaptação. (O Programa) Não é bem adequado à idade-série, à turma especificamente. O professor tem que adequar (Professor Antônio, 30 anos, cinco de magistério).
Entre os professores abordados na pesquisa, a maioria deles segue o programa.
Por outro lado, alguns professores admitem não seguir todo o programa: eles
consideram os objetivos principais, mas definem eles mesmos seu próprio caminho,
muitas vezes baseando-se em seu conhecimento anterior, cuidando de adaptá-lo a nova
metodologia.
Os conhecimentos curriculares, ou seja, os conhecimentos relativos às matérias,
não parecem ser problemáticos para a grande maioria dos professores interrogados na
pesquisa, pois afirmam que são “mediadores”, portanto não precisariam
125
necessariamente dominar os conteúdos que são apresentados pelo Programa. Mas
destacam alguns casos problemáticos que se relacionam ao ensino de uma matéria nova
ou para a qual o professor teve pouca formação. Em geral, afirmam que todo
conhecimento, por mais elementar que seja, já é muito para aquele aluno. Conforme
disse a professora Nilda: “o mínimo pra eles é máximo”. Podemos propor várias
hipóteses para explicar esse fenômeno. 1) os professores têm, realmente, a certeza de
saber mais do que seus alunos, em todas as áreas do conhecimento; 2) eles não duvidam
de sua competência disciplinar; 3) as relações com os alunos e a gestão das classes
ocupam de tal modo a visão pedagógica que os saberes a transmitir são deixados de lado
em relação aos problemas realmente urgentes, como os de relações humanas e de
realização de objetivos pedagógicos num contexto, na maioria das vezes, muito difícil.
4) os professores preferem dedicar-se mais ao programa que à sua competência
disciplinar.
A maneira de transmitir a matéria é própria de cada um deles. Enquanto alguns
seguem o programa à letra, outros experimentam diversas formas de transmissão, nem
sempre respeitando todo o programa, mas sem perder de vista o essencial das noções a
transmitir e das habilidades a desenvolver. Manter o interesse e, assim a atenção dos
alunos é uma das tarefas centrais dos professores. Ora, esse interesse é afetivo, e traduz
a capacidade, o desejo dos alunos para envolver-se e continuar numa tarefa.
Saber ajustar a matéria para que os alunos compreendam é também ser capaz de
abordar temas em função de seus interesses. Como já dissemos antes, os professores
nunca aplicam total e perfeitamente os programas, mas os adaptam e os transformam de
acordo com as situações concretas do trabalho cotidiano. Para realizar os objetivos do
Programa é preciso lidar com o imprevisto, fazer outra coisa, algo fora do que está
previsto. O Programa Autonomia tem o peso de uma roupagem burocrática mas, ao
mesmo tempo, exige que os professores tenham habilidades de verdadeiros
profissionais, capazes de desviar-se de rotinas para improvisar conforme a
complexidade das situações.
No âmbito dos objetivos do Programa Autonomia, o seu desenvolvimento revela
duas coisas: os professores fazem tudo que está ao seu alcance para realizar os objetivos
oficiais, mas ao mesmo tempo, improvisam constantemente os meios e os processos que
levem a isso. Para os professores interrogados e observados, o programa é exigente,
pois determina objetivos a atingir, objetos de aprendizagem e de avaliação sendo,
portanto, necessário respeitá-los e atingi-los. Nesse sentido, os professores seguem o
126
programa concebido como um quadro geral de ações formais que definem objetivos.
Mas, ao mesmo tempo, eles improvisam constantemente, não necessariamente por
prazer, mas porque o processo de realização dos objetivos é impreciso e deixado à sua
responsabilidade.
Fundamentalmente, temos visto que essa atividade está fortemente envolvida por
um conjunto de objetivos definidos, enquadrada e planejada em programas que exigem
de seus executores, ao mesmo tempo, uma grande autonomia, ou seja, uma capacidade
de trabalho suscetível de modificar o programa e adaptá-lo às diversas exigências das
situações cotidianas. Os professores são levados a encarar dilemas fundamentais:
respeitar e realizar um programa, sem afastar-se de suas atividades cotidianas; seguir
um programa padronizado, considerando as diferenças entre os alunos.
3.10. Costumes em comum: alienação, adaptação e pertencimento
Neste tópico, partimos de algumas perguntas iniciais: aqueles que entram no
programa têm mais chances de oferecer resistência ou têm mais chances de abraçar o
programa? Estariam os professores do Autonomia fazendo um trabalho alienado por
executarem um programa pré-defindo? Qual a relação desses professores com o
Programa? Eles seriam professores adaptados e estariam cumprindo o papel de meros
executores? Ou, ao contrário, se sentem estimulados pelos desafios e/ou condições de
trabalho que o Autonomia proporciona?
Devido a separação entre concepção e execução, onde o Programa vem
concebido e aos professores (mediadores) cabe implementá-los, partiremos da
concepção do que seria um trabalho alienado ou estranhado89 de acordo com a visão
marxista. Ao discutir o complexo conceito marxiano de “alienação”, MATTOS (2012)
destaca que:
É na própria materialidade das relações de trabalho (e de exploração) que os homens perdem o controle sobre o que produzem, sobre como produzem e sobre porque produzem. E, enquanto não recuperarem esse controle, não poderão atribuir sentido pleno ao trabalho – que medeia suas relações com a natureza e os outros homens – e, portanto, a vida (MATTOS, 2012, p.132).
89 Trataremos alienação e estranhamento como sinônimos, sabendo que, embora exista uma distinção entre esses termos nos Manuscritos econômicos e filosóficos de 1844, escritos por Marx, o entendimento de alienação terá como base o conceito de estranhamento: prevalece a ideia da perda da identidade em relação a si mesmo.
127
Recorrendo ao próprio Marx, damos destaque a seguinte constatação:
A alienação do trabalhador em seu produto não significa apenas que o trabalho dele se converte em objeto, assumindo uma existência externa, mas ainda que existe independentemente, fora dele mesmo, e a ele é estranho, e que com ele se defronta como uma força autônoma. A vida que ele deu ao objeto volta-se contra ele como uma força estranha e hostil (Marx, 1970, p.91).
Marx considera a alienação do trabalhador sob dois aspectos: o da relação com
os produtos do seu trabalho e no processo de produção, sendo assim: A alienação aparece não só como resultado, mas também como processo de produção, dentro da própria atividade produtiva. Como poderia o trabalhador ficar numa relação alienada com o produto de sua atividade se não se alienasse a si mesmo no próprio ato da produção? O produto é, de fato, apenas a síntese da atividade, da produção. Consequentemente, se o produto do trabalho é alienação, a própria produção deve ser alienação ativa – alienação da atividade e a atividade da alienação. A alienação do objeto do trabalho simplesmente resume a alienação da própria atividade do trabalho (IBIDEM, 1970, p. 104).
Não por acaso Marx utilizou por mais de uma vez o exemplo do trabalho
artístico para explicar a distinção entre trabalho produtivo – submetido ao domínio do
capital, e, portanto, gerador de trabalho não pago – e o trabalho improdutivo. Produtivo
e improdutivo sob o ângulo do capital, não do operário, deve-se ressaltar. Isso se
esclarece em suas Teorias da mais-valia, quando explica, utilizando exemplos muito
semelhantes aos já citados no primeiro capítulo, na discussão do conceito de tempo,
que:
O mesmo tipo de trabalho pode ser produtivo ou improdutivo, Quando Milton, por exemplo, escrevia O paraíso perdido, recebendo por ele cinco libras, era um trabalhador improdutivo. Em troca, é um trabalhador produtivo o escritor que trabalha para o seu editor ao modo de trabalho fabril. Milton produziu O paraíso perdido como o bicho-da-seda produz a seda: por um impulso da natureza. Depois vendeu a sua obra por cinco libras. Mas o literato-proletário que, por encomenda de seu editor, produz livros (por exemplo, manuais de economia política), é um trabalhador produtivo, pois a sua produção se encontra, desde o começo, subsumida ao capital e é realizada exclusivamente para aumentar seu valor (MARX E ENGELS apud MATTOS, 2012, p.137).
Podemos caracterizar a alienação com relação ao processo de trabalho e em
relação aos meios de produção. A alienação com relação ao próprio processo de
128
trabalho, característica do modo de produção capitalista industrial, radica na carência de
poder, por parte do trabalhador, para determinar o procedimento pelo qual obterá os
objetivos fixados para seu trabalho. Representa a perda do controle sobre a própria
atividade durante o tempo de trabalho. Marx situou a alienação do trabalho assalariado
também na ausência de posse por parte do trabalhador dos meios de produção. Da
mesma forma, podemos afirmar que os professores não possuem seus meios de
trabalho, quando seu trabalho fica subordinado a uma teleaula em uma telesala.
Um caminho para compreender tal processo foi aberto pelas análises de Antonio
Gramsci. De início, podemos atentar para aquela distinção observada por Gramsci entre
a operação e a função intelectual nas sociedades capitalistas. Criticando a tentativa de
encontrar o que seria intrínseco à atividade intelectual, Gramsci defendeu que o correto
seria analisá-la no interior do conjunto das relações sociais. Por isso, afirmou que “todos
os homens são intelectuais, mas nem todos os homens têm na sociedade a função de
intelectuais.” (GRAMSCI, 2001, p.18).
Com isto posto, podemos perceber que a lógica implementada através da
metodologia da Fundação Roberto Marinho/Fiesp favorece e induz a que os professores
sejam adaptados e alienados. Observamos isso desde a separação entre concepção e
execução, intrínseca a metodologia das teleaulas; até a forma com que os professores
abraçam o programa e criam nele uma relação de pertencimento a algo que lhe é
estranhado. Os depoimentos que seguem nos trazem algumas percepções a respeito
dessa discussão:
Eu não tenho dificuldades, porque tem uma capacitação. Como você assistiu. Tem a capacitação... No início foi um pouco difícil né? Você pular de paradigma é complicado. Mas depois quando você se adapta, quando você vai se adaptando àquilo ali, a coisa vai fluindo numa boa. Os alunos também estão adaptados dentro da metodologia né e a coisa vai fluindo, vai acontecendo e eu acabo levando isso, como eu já disse, para os meus outros alunos (Janete, 50 anos, 26 anos de profissão). Os alunos do regular eu tô vendo hoje com outros olhos. O Autonomia me deu essa possibilidade, então o resultado tem sido bem mais positivo do que antes. Quando eu não tinha o Autonomia, quando eu não tinha as capacitações, não tinha todo esse trabalho... Então, eu sentiria muita falta disso. Acho que se eu sair do Autonomia e perder as capacitações, não tiver mais nenhum tipo de curso, eu vou sentir bastante falta (IDEM).
129
É muito prazeroso você mostrar uma visão de qualquer coisa para alguém que não a tinha anteriormente. Você ver uma pessoa aprendendo o que quer que seja é muito legal. E eu descobri isso não foi nem na época que eu me formei, foi agora a pouco no (Projeto) Autonomia, onde você pega alunos com uma defasagem idade-série muito grande, alunos que não conheciam matérias básicas de matemática, de raciocínio lógico, de português. E mesmo eu sendo da Educação Física eu consigo dinamizar e eles começam a entender que eles podem aprender qualquer tipo de assunto que eles queiram... Aí isso, assim... Me apaixonou muito. Saber que eu posso fazer alguém aprender alguma coisa (Professor Fábio, 29 anos, 12 de magistério).
Um fator curioso que se soma à discussão sobre a alienação do trabalho docente
tem relação com a carga horária de trabalho declarada. Conforme exemplificado na
tabela nº 12 (ver apêndice B, tabela nº 12, p. 172), os professores declararam suas
cargas horárias excluindo o tempo de planejamento semanal de diversas formas. O
professor Antônio declarou trabalhar 32 horas semanais, sendo que possui uma
matrícula no estado (Programa Autonomia) com 24 horas e outra no município do Rio
de 16 horas, o que totaliza 40 horas e não 32 conforme declarou. Caso parecido
aconteceu com a professora Janete que ao possuir duas matrículas no estado, sendo uma
delas no programa autonomia e uma no ensino regular, afirmou trabalhar 36 horas,
contabilizando 16 horas no ensino regular mais 20 horas no Programa Autonomia,
excluindo as quatro horas destinadas ao planejamento. O Professor Fábio e a professora
Nilda também omitiram oito horas de planejamento de suas duas matrículas enquanto
professores do Autonomia, declarando trabalhar 40 horas e não 48 conforme deveria
ser. Apenas um professor, que atua no Programa Autonomia, declarou trabalhar 24
horas quando questionado a respeito de sua carga horária de trabalho semanal no
Programa. Este fator da perda de percepção do que é o trabalho docente e todo o tempo
destinado a ele pode nos trazer elementos reveladores no que diz respeito a perda do
controle do trabalho e do tempo por parte dos professores.
Dentro de todas as percepções expostas, podemos observar que, ao mesmo
tempo em que ser professor do Programa Autonomia impõe uma série de adaptações,
insere os professores numa lógica de execução e alienação, também coloca novos
parâmetros para que se possam refletir sobre suas práticas, produzir novos significados,
bem como novas exigências sobre o seu trabalho e o seu desenvolvimento profissional.
Podemos perceber através dos depoimentos dos seis professores e professoras alguns
mecanismos encontrados para utilizar os modelos que lhes são impostos e os materiais
didáticos que lhes são distribuídos. A análise dos relatos e a vivência, neste contexto,
130
permitem-nos concluir que a participação destes docentes no Programa Autonomia
transforma sua atividade docente, assim como sua consciência enquanto professor (a).
Seu grau de pertença, tão bem elucidado na fala da professora Nilda, e o seu orgulho de
ser professora do Autonomia são fundamentais neste processo de constituição desse
novo grupo profissional.
Percebemos que, no seu fazer-se, esses docentes estão criando um forte
sentimento de pertencimento e de naturalização das práticas propostas. Como se pode
ver no depoimento que segue, num cenário em que as oportunidades de crescimento
profissional são reduzidas – sobretudo em função da urgência na qual os professores
tem trabalhado – a participação em um Programa coerente em termos de suas metas,
ainda que os professores não tenham participado de sua formulação, produzem um
sentimento que a professora Janete expressa como sendo de crescimento, ainda que de
modo lateral e alienado de sua concepção.
Eu senti necessidade de me reciclar. Tudo mudou, né Amanda? Ontem a gente conversou justamente sobre isso... O tempo que eu era criança a televisão era com válvula, hoje em dia é de LED, então não tem como eu pegar a metodologia que eu aprendi em 1983/4 e usar em 2013, são 30 anos depois, né... Tá muito estagnado. Então a metodologia do Autonomia ajudou, ajudou a ter uma reciclagem. [...] Eu espero mais alguma coisa para eu poder saltar. Se eu vou continuar mais algum tempo eu tenho que acompanhar (Professora Janete, 50 anos, 26 de profissão).
Conforme nos coloca Thompson (2011), esta consciência não é externa a este
profissional, concordamos e afirmamos que em relação ao nosso objeto de estudo, esta
consciência se produz neste processo de fazer-se professor (a) do Programa Autonomia
fruto de uma experiência na profissão docente. Os caminhos percorridos pelos
professores, as escolhas, as imposições, as adesões, as fugas, as estratégias de
acomodação, conformidade e enfrentamento deixam marcas que não podem ser
ignoradas para a compreensão de suas escolhas profissionais.
131
CAPÍTULO 4: TEMPOS E CAMINHOS PERCORRIDOS: UMA DISCUSSÃO
METODOLÓGICA
Elegendo como objeto de estudo a problemática da profissão docente hoje no
estado do Rio de Janeiro, nosso primeiro movimento, para efeito desta dissertação, foi
fazer uma discussão a respeito da metodologia e fontes empregadas com a intenção de
demonstrar que é possível entrelaçar as fontes sem tomá-las como verdade absoluta.
Documentos, leis, entrevistas, estudos sobre a temática foram utilizados,
complementando-se, entendendo que todas as fontes estão permeadas de subjetividade e
que todas têm o mesmo patamar de importância.
Evitamos o discurso da autoridade com as citações de autores, utilizamos
estudos que nos ajudaram a analisar o corte temporal e o problema de pesquisa, sem
perder de vista as características daquele presente em que as obras foram escritas. Da
mesma forma, os depoimentos, e os documentos, não foram utilizados como
autoexplicativos. Utilizamos os autores, as entrevistas, os questionários e os
documentos, de modo exploratório, sem esgotar nenhum ponto da análise. Analisamos
programas e ações de governo, expressas na legislação estadual e federal, procurando
não apagar as ações dos sujeitos sociais e as estruturas às quais eles estão submetidos.
Assim, tivemos a legislação, os estudos teóricos e empíricos, e a voz dos sujeitos, em
permanente diálogo.
4. 1. Pontos de ancoragem da análise
Pode-se analisar as condições de trabalho dos professores de um ponto de vista
administrativo, ou seja, definida em função das normas oficiais (decretos, leis, propostas
pedagógicas) emanadas geralmente da secretaria de educação ou de órgãos federais.
Pode-se também partir de uma análise do cotidiano, ou seja, como se realiza no
processo concreto do trabalho. As análises aqui contidas procuraram considerar estas
duas perspectivas complementares, sobretudo registrando o ponto de vista dos
professores sobre seu próprio trabalho e como eles lidam com o tempo90.
Analisamos as condições de trabalho dos docentes e sua relação com o tempo,
considerando que uma grande parte dos professores tem mais de um emprego e precisa
90 A discussão teórica em torno da categoria tempo foi feita no primeiro capítulo.
132
cumprir dois ou três contratos de trabalho para receber um salário razoável. Nos
interessou a dificuldade e a diversidade da carga de trabalho e as tensões que ela gera
nos professores.
Ao evitar o discurso de autoridade de um autor e transpor este mesmo cuidado
para o uso das entrevistas, a dissertação foi construída mesclando a discussão teórica
com as entrevistas. Procuramos também fazer um uso menos ingênuo da abordagem da
história oral, pois como todo e qualquer documento, os depoimentos precisam ser
problematizados.
A natureza de nossas fontes implicam, pois, não apenas a necessidade de referi-
los constantemente, ao “lugar” a partir do qual foram produzidas, mas também, e
fundamentalmente, buscar entendê-las em suas dinâmicas e materialidades próprias.
Não tivemos por objetivo elaborar um tratado de história oral, porém é preciso expor os
fatores que influenciaram o contexto da entrevista. O ritmo da fala, da pausa, as
condições da entrevista, podem expressar um clima, uma lembrança ou até mesmo um
desconforto que interfere e modifica o discurso do entrevistado e uma descrição mais
cuidadosa deste aspecto é fundamental, pois os depoimentos orais envolvem a
subjetividade do entrevistado e do entrevistador. Além disso, as fontes orais são
produzidas para atender os objetivos da pesquisa e, desse modo, tendem a enfatizar os
objetivos da mesma.
Outro aspecto que nós levamos em consideração foi a relação prévia com alguns
professores e a problematização do cenário para que a análise se desse de uma forma
menos ingênua, levando a que os depoimentos não aparecessem ao longo do texto,
como se fossem neutros, isentos de constrangimentos e de intencionalidades. A
intenção, também, não foi homogeneizar as falas, pois não tivemos como objetivo
perder o múltiplo, ao contrário, cada experiência foi citada de forma a corroborar ou
refutar nossas hipóteses, sempre com o objetivo ampliar os possíveis ângulos de análise
da questão.
4. 2. O mosaico de estratégias mobilizadas
As análises e discussões aqui propostas tiveram como objetivo compreender as
redes de relações, destacando as estratégias que os professores e professoras constroem
para lidar com a fragmentação do tempo de trabalho e o modo como contornam as
dificuldades. O material de análise foi construído a partir de entrevistas, diário de
campo, e análise de documentos. Assim, buscamos nas falas dos sujeitos e nas
133
observações no seu cotidiano de trabalho, novos elementos para a pesquisa. Ao mesmo
tempo, aprofundamos nas entrevistas, questões relacionadas à investigação, no contexto
da observação e da análise documental, fazendo dos nossos estudos uma permanente
reflexão dialética91. A análise do material foi feita, portanto, em base a: entrevistas-
teste, questionários, documentos, observação, diário de campo, novos questionários,
novas entrevistas, não necessariamente nessa exata ordem.
Foram idas e vindas em busca de fontes. Começamos por entrevistas-teste,
depois utilizamos questionários objetivos, buscando a identificação de um grupo maior
de professores e professoras, seguimos com novas entrevistas e novos questionários
mais específicos e mais ligados à temática do tempo de trabalho dentro da trajetória
profissional. O fato de algumas entrevistas terem sido realizadas primeiramente,
possibilitou o confronto entre as informações nelas contidas e as informações nos
documentos, o que permitiu que novamente fossem confrontados com as entrevistas
posteriores. Todas essas fases tiveram suas diferenças e podemos afirmar que nesse
percurso, houve um processo de amadurecimento da pesquisadora, o que não nos dá
margem para excluirmos a importância de nenhuma delas.
As informações extraídas a partir da análise dos documentos que organizam o
trabalho pedagógico foram: relatório anual da SEEDUC, LDB, site do INEP, dados do
estado do Rio de Janeiro disponibilizados na imprensa oficial, constituição federal, entre
outros documentos e leis92. Utilizamos diversos documentos de origem legal, com base
na lei ou sob seu raio de influência, neste caso, nos inspiramos na concepção ampla de
legislação que Faria Filho (1998) defende. “Não posso deixar de compreendê-los como
a realização e a expressão dos imperativos legais, ou seja, como lei.” (p.94). No nosso
caso, aplicamos esta concepção quando utilizamos os documentos e relatórios da
Secretaria de Educação do Rio de Janeiro, pois “são produzidos em obediência à
legislação em vigor, ou, em outros casos, representam a própria legislação” (p.95).
Ao utilizar essa concepção ampla de legislação, vimos os documentos como
fontes construídas por sujeitos, que carregam marcas de intencionalidades, que não são
neutras e que não têm mais valor por serem de natureza oficial, isto é, governamental,
ou por ser uma fonte escrita, contrapondo a concepção de que os documentos se 91 Na perspectiva da dialética marxista, sugerimos que, em vez de nos inquirirmos sobre qual a fonte de maior valor em absoluto, deveríamos perguntar-nos como diferentes fontes poderão articular-se no estudo de um determinado objeto. 92 A análise documental de como a legislação e as políticas educacionais implementadas pós-IDEB alteraram as condições de trabalho dos professores, assim como o poder público lida com o tempo do professor, foram fatores aprofundados no segundo capítulo.
134
impõem por si próprios, como acreditam os embebidos no mais pueril espírito
positivista. Neste ponto, resgatamos Le Goff quando diz que “o documento não é
qualquer coisa que fica por conta do passado, é um produto da sociedade que o fabricou
segundo as relações de forças que aí detinham o poder.” (LE GOFF, 1996, p. 07).
Nas primeiras décadas do século XX, os pioneiros de uma nova história,
ampliam a concepção de documento:
Esta revolução é, ao mesmo tempo, quantitativa e qualitativa. O interesse da memória coletiva e da história já não se cristaliza exclusivamente sobre os grandes homens, os acontecimentos, a história que avança depressa, a história política, diplomática, militar. Interessa-se por todos os homens, suscita uma nova hierarquia mais ou menos implícita dos documentos (IBIDEM, p.4).
Portanto, o que ficou de resgate para nossa discussão, foi não hierarquizar os
documentos, não ver as fontes documentais como mais ou menos importantes e
perceber que dados produzidos pelo governo, por si só, já impõem muitos limites.
Precisamos enxergar além do que está colocado nos documentos, pois para a análise
histórica, suas lacunas e omissões são tão importantes quanto o seu conteúdo explicito.
Ao buscar uma análise que não excluísse a influência de dominação da
legislação nem o papel dos sujeitos sociais, resgatamos Thompson (1987), que ao
analisar o contexto inglês do século XVIII, nos alerta para a importância de relacionar a
prática legislativa e os produtos da mesma, ou seja, ver as leis com as relações sociais
mais amplas nas quais elas se inserem e as quais elas contribuem para produzir. O
historiador inglês nos lembrou a importância do costume, portanto, era o conjunto de
práticas estabelecidas e experiências coletivas compartilhadas que moldava o
equilíbrio das relações sociais, pois o costume antecedia à lei e acabava por determinar
tanto a sua forma quanto o seu conteúdo final. O que parece fundamental, nas sugestões
de Thompson, é perceber a relação entre o costume e a lei. Thompson de maneira
alguma nega que haja uma função classista na lei, porém, ela não pode ser reduzida a
apenas isso ou a uma mera tipologia de estruturas e superestruturas.
Voltando ao nosso objeto, uma questão para a qual nós atribuímos importância
foi a relação tensa, instável e mutável entre os imperativos legais e os aspectos próprios
da prática pedagógica. Neste caso, as políticas em vigor na educação nos permitiram ao
mesmo tempo perceber a disposição de uma lógica de controle sobre o professor e de
produção de dados estatísticos, porém também nos permitiram perceber as questões de
135
interesse do professor que criam estratégias de sobrevivência em meio ao desgastante
cotidiano de trabalho93. Ou seja, quando um professor adere ao Programa Autonomia,
ele certamente está fazendo parte de uma engrenagem, aderindo a uma metodologia que
lhe retira a autonomia pedagógica. Mas até que ponto essa adesão não tem se dado para
escapar de certos limites impostos em seu trabalho cotidiano, parte de uma lógica
educacional que lhe desgasta e lhe condiciona?
Seguindo a mesma concepção de Faria Filho (1998) demos ênfase “aos vários
aspectos ligados às formas quotidianas de uso da legislação pelos sujeitos, enquanto
indivíduos ou grupos”. (p.116). Tendo em vista que a análise da legislação isoladamente
não foi suficiente, ou seja, foi preciso um intenso trabalho de cruzamento de fontes.
Neste aspecto, inserimos em conjunto a discussão da história oral, pois
“entrevistas sempre revelam eventos desconhecidos ou aspectos desconhecidos de
eventos conhecidos: elas sempre lançam nova luz sobre áreas inexploradas da vida
diária das classes não hegemônicas.” (PORTELLI, 1997, p.31). Ao abordar a
importância das fontes orais para o conhecimento científico, o autor problematiza
também a supervalorização das fontes orais:
Na realidade, as fontes escritas e orais não são mutuamente excludentes. Elas têm em comum características autônomas e funções específicas que somente uma ou outra pode preencher (ou que um conjunto de fontes preenche melhor que a outra). Desta forma, requerem instrumentos interpretativos diferentes e específicos. Mas a depreciação e a supervalorização das fontes orais terminam por cancelar as qualidades específicas, tornando estas fontes ou meros suportes para fontes tradicionais escritas, ou cura ilusória para todas as doenças (IBIDEM, p.26).
Os depoimentos não são neutros, nem auto-explicativos. As fontes orais são
produzidas em circunstâncias que influenciam o depoente. Portelli (1997) nos ajuda a
pensar como os sujeitos são influenciados pelas pretensões do pesquisador, assim como
o pesquisador controla o discurso histórico, pois há uma seleção de pessoas que serão
entrevistadas, um forma e contexto ao testemunho, uma seleção e publicação que não
são isentas de intencionalidades. Os discursos são apropriados e o pesquisador que
determina o que entra ou não no texto de forma a corroborar ou não as suas hipóteses,
portanto, infere, seleciona e conclui, buscando sentido nas falas dos depoentes.
93 Esse “fazer-se” da categoria docente, os mecanismos que eles mobilizam para lidar com o tempo e com as políticas governamentais foram aprofundados no terceiro capítulo desta dissertação.
136
Fontes orais contam-nos não apenas o que o povo fez, mas o que queria fazer, o que acreditava estar fazendo e o que agora pensa que faz. Fontes orais podem não adicionar muito ao que sabemos, por exemplo, o custo material de uma greve para os trabalhadores envolvidos; mas contam-nos bastante sobre seus custos psicológicos. Emprestando uma categoria literária dos formalistas russos, podemos dizer que fontes orais, especialmente de grupos não-hegemônicos, são uma integração muito útil de outras fontes tão distantes quanto a fábula – a sequência lógica, casual da história – alcança, mas elas se tornam únicas e necessárias por causa do seu enredo – o caminho no qual os materiais da história são organizados pelos narradores de forma a contá-la. A construção da narrativa revela um grande emprenho do relator com a sua história (IBIDEM, p.31).
Quando nos propusemos a utilizar as entrevistas como fonte de pesquisa, nos
remetemos à história oral com consciência de que esta opção requer extremo cuidado
por parte do pesquisador. Foi preciso ter em mente que a entrevista é um documento e
como tal deve ser alvo de análises criteriosas. Suas informações não aspiram ao estatuto
de verdades absolutas. De fato as distorções e falhas de memória nos relatos do
depoente devem ser investigadas tomando em consideração um conjunto de reflexões
mais amplas, levando o pesquisador a se perguntar o motivo pelo qual esse concebe o
passado ou o presente de uma determinada maneira, e o quanto esta “versão” se
aproxima ou não da de outros entrevistados.
Para esta pesquisa foram elaborados diversos roteiros de entrevista94. Os
primeiros foram muito extensos, e a fraqueza das perguntas acabaram não gerando uma
boa dinâmica para o entrevistado. Após idas e vindas, transcrições e redefinições dos
objetivos do trabalho, a ida a campo foi feita com outra mentalidade. As perguntas
foram feitas das formas mais amplas possíveis, pois a intenção era que os professores
refletissem a respeito de sua trajetória profissional e com isso nos oferecessem
depoimentos plausíveis para sustentações a respeito das dinâmicas de suas trajetórias
que nos dessem suporte para analisar a relação desses sujeitos com o tempo.
Ao construir e reconstruir o roteiro de entrevistas foi de grande valia as
orientações de Paul Thompson em seu “manual’ de história oral. Pois, esta leitura aliada
às práticas da entrevista, ajudou a perceber que quanto menos o testemunho fosse
moldado pelas perguntas do entrevistador, melhor. Contudo, a entrevista completamente
livre também não pode existir.
94 Os roteiros de entrevista estão no Apêndice A.
137
Apenas para começar, já é preciso estabelecer um contexto social, o objetivo deve ser explicado, e pelo menos uma pergunta inicial precisa ser feita; e tudo isso, juntamente com os pressupostos não expressos, cria expectativas que moldam o que vem a seguir (THOMPSON, 2002, p.258).
Portanto, o caminho da fala passaria a ser dado pelo próprio entrevistado. Neste
caso, ficou visível o amadurecimento da pesquisadora, das primeiras entrevistas até as
últimas, que passava a ir disposta somente a ouvir e não forçava um rumo. Ao avançar
nesse aspecto:
Podemos dizer que a postura envolvida com a história oral é genuinamente hermenêutica: o que fascina numa entrevista é a possibilidade de tornar a vivenciar as experiências do outro, a que se tem acesso sabendo compreender as expressões de sua vivência. Saber compreender significa realizar um verdadeiro trabalho de hermeneuta, de interpretação. (...) No caso de entrevistas de história oral, ele também requer uma preparação criteriosa, que nos transforme em interlocutores à altura de nossos entrevistados, capazes de entender suas expressões de vida e de acompanhar seus relatos (ALBERTI, p.19).
Mais uma vez resgatamos E. P. Thompson, que em seus estudos, revelou como a
classe operária inglesa formou-se, revelando, desta forma, que explicações
generalizantes nem sempre correspondem às situações específicas. Essa concepção, ao
ser tomada para o presente estudo, nos levou a utilizar as entrevistas de história oral
para ver as formas pelas quais as pessoas ou grupos efetuaram e elaboraram
experiências, incluindo situações estratégicas e decisões individuais. Neste ponto,
poderíamos incluir como ocorre a adesão a certos Programas Educacionais como o
“Autonomia”. “Em linhas gerais, essas noções significaram o seguinte: entender como
pessoas e grupos experimentaram o passado torna possível questionar interpretações
generalizantes de determinados acontecimentos e conjunturas.” (ALBERTI, p.26)
Assim sendo, o objetivo era que a entrevista se desse de forma livre, tomando-se sempre
o cuidado de não induzir o entrevistado a uma resposta esperada. As entrevistas foram
gravadas com durações que variaram de 30 a 40 minutos e foram cuidadosamente
transcritas, levando em conta as expressões espontâneas que foram citadas.
Considerando que não seria possível falar de todo o conteúdo das entrevistas,
foram extraídas partes dos depoimentos a fim de dialogar com as referências
bibliográficas, destacando os temas e as questões mais diretamente ligados aos
interesses de pesquisa. Problematizações foram feitas a partir de trechos de falas dos
138
entrevistados, buscando um diálogo com fontes documentais, numa permanente e
interminável reflexão dialética entre as fontes.
Por fim, cabe registrar que, apesar de considerarmos que as trajetórias dos
professores, sua relação com o tempo e como se deu a adesão a determinado Programa
educacional sejam parte importante da história da educação no Rio de Janeiro, nós
optamos por usar nomes fictícios para os depoentes, de modo a não expor os indivíduos
e acentuar, na medida do possível, as trajetórias de pessoas que protagonizaram as
experiências aqui relatadas.
4. 3. Itinerário de pesquisa: a escolha do grupo de depoentes
A primeira etapa da pesquisa se deu através de entrevistas, nelas busquei fazer
um primeiro contato com professores que atuam no Programa Autonomia na região
escolhida. Realizei duas entrevistas-teste em 2012, ainda antes do exame de
qualificação e, portanto, com ideias ainda não muito bem elaboradas. Minha intenção
era apenas ouvir os professores a respeito de seu cotidiano de trabalho, me aproximar e
obter informações a respeito das datas do curso de formação do Programa e outras
atividades em que pudesse encontrar todos os professores reunidos e fazer um
mapeamento geral daqueles sujeitos.
Da mesma forma que fui a campo95 com algumas impressões dos entrevistados,
após um contato mais próximo, os professores entrevistados certamente também
criaram impressões sobre mim, seja como professora, como pesquisadora, com outras
atuações profissionais ou como militante. Todos esses fatores não podem ser ignorados
como fatores de influência na hora de um relato ou mesmo ao responder a um
questionário de pesquisa.
A primeira entrevista foi realizada com um professor que já conhecia
previamente, desde a graduação. Ele passou a atuar no Programa Autonomia para fugir
da fragmentação do tempo de trabalho, concentrar uma matrícula em apenas uma escola
e para trabalhar mais próximo de casa, portanto, um sujeito que confirmava a minha
hipótese inicial: a de que a adesão ao Programa Autonomia não tem se dado por uma
questão meramente econômica devido à incorporação da gratificação, ou por uma
crença na metodologia do projeto, e sim que essa adesão estaria se dando 95 Neste subtópico o pronome utilizado também será a primeira pessoa do singular, visto que foi uma experiência partilhada da pesquisadora com os entrevistados.
139
fundamentalmente para fugir da fragmentação do tempo de trabalho e distância
geográfica entre trabalho e residência a qual os professores têm sido submetidos na
Rede Estadual do Rio de Janeiro.
Estabeleci contato com esse professor, marquei uma entrevista, fui até a sua
escola e lá busquei as informações a partir de um primeiro roteiro, amplo, mas que não
deixou de ser importante naquele momento. A partir desse primeiro contato, marquei
uma nova entrevista com outro professor, realizando-a posteriormente. Após esses dois
contatos iniciais, fui convidada a participar de um curso de formação do “Programa
Autonomia” da metropolitana IV e tendo em vista que lá estariam todos os professores
reunidos, fiz um questionário96 curto que buscasse a identificação daqueles professores.
Finalmente, na semana de quatro a oito de fevereiro de 201397, aconteceu o
curso de formação98 do Programa Autonomia com professores e professoras da
Metropolitana IV. O curso aconteceu num espaço privado que oferece cursos
preparatórios para concursos no bairro de Campo Grande, no município do Rio de
Janeiro. Ocorreu de segunda a quinta-feira nos turnos manhã e tarde e foi organizado
em três turmas, com cerca de 30 professores (ou orientadores de aprendizagem) cada
uma. Dentre os presentes, havia professores novos e antigos no Programa Autonomia,
porém, conforme se faz necessário, todos atuantes na rede estadual.
Os professores da rede pública e participantes do Programa foram capacitados
segundo a metodologia proposta pela FRM. Cada sala contou com a presença de dois
facilitadores da Fundação, que faziam as dinâmicas e davam as orientações a respeito do
módulo a ser trabalhado. Além da exposição dos módulos, o curso teve uma dinâmica
bem informal e um clima bem descontraído, com vídeos, brincadeiras e até bailes de
carnaval, visto que aconteceu em vésperas deste feriado.
Compareci ao curso na quinta feira, o último dia. Assim que cheguei expus os
motivos da pesquisa e me apresentei à responsável local, que imediatamente ligou para
a responsável geral para pedir a autorização para que eu pudesse fazer a pesquisa. Neste
momento, pensei que fosse haver algum tipo de impedimento por parte dos
organizadores, porém a responsável voltou com a notícia positiva, dizendo que eu
poderia passar os questionários, com a condição de entrar na sala, me apresentar e
explicar aos professores os motivos da pesquisa. 96 Os questionários utilizados na pesquisa estão no apêndice A. 97 Informações registradas em diário de campo (04 a 08 de fevereiro de 2013). 98 A cada módulo os professores do Programa Autonomia passam por um curso de formação, geralmente semestral.
140
Depois da autorização, ela pediu que eu aguardasse o turno da tarde, pois assim
permitiria que eu entrasse nas salas para falar com os professores. Aguardei o horário
estipulado e entrei nas três salas, me apresentando e explicando rapidamente os motivos
da pesquisa. A recepção foi ótima, os facilitadores do curso foram muito solícitos, me
concederam o espaço, entrei em cada sala, me apresentei e expus os objetivos da
pesquisa sobre o tempo dos professores e as condições de trabalho docente dos
professores da rede estadual, tudo de forma muito objetiva. Os professores e professoras
em geral, se mostraram interessados e satisfeitos em poder participar e contribuir com a
pesquisa. Muitos professores já me conheciam previamente, seja como professora da
Rede Estadual99, seja como militante100, seja como Promotora Cultural101. Desta forma,
passei os questionários de pesquisa nas três salas e solicitei que aqueles que pudessem
gentilmente me conceder a entrevista deixassem seu contato no final do questionário.
Os professores responderam o questionário naquele momento, o que levou menos de
dez minutos em cada sala.
Por fazer parte de um primeiro contato com aqueles sujeitos, o questionário era
composto de apenas uma página que continha perguntas como: Nome (opcional), tempo
de serviço na profissão, curso de licenciatura/área disciplinar, instituição de formação,
se possuíam pós-graduação, a carga horária de trabalho semanal, o bairro/município
onde reside e a escola/bairro que atua com o Programa Autonomia. Lembrei a todos que
poderiam colocar nomes fictícios para as escolas, caso não quisessem expô-las. Isso não
aconteceu, todos os professores e professoras colocaram os nomes reais das escolas,
alguns apenas deixaram o próprio nome, que era opcional, em branco. Ao final desse
curto questionário, eu pedia que os professores deixassem seu contato (email e
telefone), caso se dispusessem a me conceder uma entrevista futura.
Minha ideia foi conhecer os sujeitos102 para posteriormente partir para as
entrevistas com alguns dos professores que se dispuseram a colaborar com a pesquisa.
Trabalhamos com os números dos questionários, mas não de uma forma homogênea e
99 Embora esteja lotada na Metropolitana II, já atuei na metropolitana IV fazendo GLP. 100 Alguns me conheciam da atuação no movimento estudantil ou do movimento sindical. 101 Atuei como promotora cultural do Programa “Cinema Para Todos” de 2009 a 2012, uma parceira da Secretaria de Cultura com a Secretaria de Educação. Através do Programa visitei inúmeras escolas da Região Metropolitana IV, o que me fez ter contato com diversos professores de inúmeras escolas. Considero este fator importante, por ter facilitado a pesquisa em alguns momentos, inclusive a entrada nas escolas. Porém, para a entrevista, busquei professores que não tive contato enquanto promotora cultural, por julgar que isso pudesse ser um fator de influência nos discursos, devido à ligação do Programa “Cinema Para Todos” com a Secretaria de Educação e Cultura. 102 Tabela com a identificação dos sujeitos (ver apêndice 4, tabela nº10, p.170).
141
explicativa, e sim a partir deles, selecionamos e buscamos alguns sujeitos para um
contato mais próximo.
Após um espaço de tempo, de cerca de dois meses, enviei email para todos os
professores que haviam deixado o contato, avisando que enviaria um novo questionário
para que me respondessem também por email. Dos 41 email enviados, 15 foram
respondidos, afirmando que responderiam ao questionário assim que eu enviasse.
Neste novo questionário103 um pouco mais extenso, procurei ver de forma mais
detalhada a trajetória profissional desses docentes durante seu tempo de atuação no
magistério, buscando ver a sua relação como tempo de trabalho e se minha hipótese
inicial poderia ou não se confirmar: que os professores estão aderindo a Programas
como o “Autonomia” para fugir da fragmentação do tempo de trabalho.
Muitos professores disseram que responderiam o questionário assim que eu o
enviasse, porém, ao enviar, apenas dois questionários retornaram preenchidos. Esse não
retorno pode ter se dado devido ao momento que enviei, ao esquecimento dos
professores, ao desânimo com tamanho e quantidade de páginas que continha, à
insegurança em revelar os dados (embora eu tivesse deixado claro que não precisariam
se identificar ou colocar os nomes). Enfim, vários fatores podem ter levado os
professores e professoras a não efetuarem o preenchimento.
As expectativas não eram muito grandes, eu não esperava realmente que por
email os professores respondessem questões a respeito de sua trajetória profissional para
alguém desconhecido, foi apenas uma tentativa de economizar tempo. Porém, uma
pesquisa qualitativa, a meu ver, não se faz com contatos frios por telefone ou email e
sim com contatos pessoais, onde se podem deixar os sujeitos mais à vontade e mais
confiantes em dar um depoimento ou expor sua trajetória profissional.
Não quis insistir no correio eletrônico, pois considerei uma forma ineficiente
para meus objetivos e visto que os professores e professoras se mostraram o tempo todo
disponíveis para a entrevista, resolvi procurá-los pessoalmente. Restabeleci contato com
alguns professores, liguei para alguns deles agendando uma visita e fui até as escolas
em que atuam para conversar com os mesmos e entregar-lhes pessoalmente o segundo
questionário e marcar a entrevista. Expliquei como poderiam responder e dei a eles o
tempo que julgassem necessário para me entregar, não pedi que respondessem na hora
justamente porque buscava uma reflexão dos professores a respeito de sua trajetória.
103 Apêndice A (Modelo de questionário enviado por email a todos os professores).
142
Apesar de ser um questionário com questões fechadas, havia partes onde eu pedia que o
professor fizesse um resumo de determinado período de sua atuação profissional, nos
primeiros cinco anos, entre dez e quinze anos e nos últimos anos. Levaram para casa e
propus o prazo de uma semana para retornar nas escolas para buscar o questionário. Ao
voltar às escolas, nenhum professor havia respondido, demonstrando mais uma vez não
a falta de interesse ou de compromisso, mas a falta de tempo para refletir. Todos
fizeram o preenchimento104 na hora em que cheguei, o que pode ter comprometido a
reflexão que eu buscava que eles tivessem ao respondê-los.
Para esta etapa os professores não foram escolhidos aleatoriamente, busquei dois
professores com menos de cinco anos de magistério, um professor e uma professora
entre dez e quinze anos de atuação e duas professoras com mais de vinte anos de
magistério e nenhum deles me conhecia previamente, a não ser como pesquisadora.
Com esses professores foram marcadas entrevistas, com o objetivo de aprofundar o que
já haviam exposto no questionário.
A coerência argumentativa teve por base esse recorte e consideramos que
justificá-lo é sempre tão importante quanto chegar a algumas conclusões. A
heterogeneidade em relação ao tempo de serviço na escolha dos depoentes não
objetivou alcançar a um resultado previamente traçado dos depoimentos, visou apenas
um olhar sobre diferentes concepções. Ao estabelecermos parâmetros de seleção
relacionados com o tempo de serviço e o envolvimento desses professores em políticas
específicas (tais como o Programa Autonomia), o corte temporal abrangeu professores
que ingressaram no magistério público estadual no final dos anos 1980, durante os anos
1990 e aqueles que ingressaram mais recentemente, a partir dos anos 2010. Realizou-se,
na verdade, um estudo que correspondeu ao gênero dos "falsos estudos longitudinais",
na terminologia de Huberman (1995: 57), ou seja, "um estudo transversal (utilizando
grupos diferentes) de um fenômeno longitudinal (uma carreira profissional)".
Entrevistei professores após a entrega dos questionários porque na fala eles
tendiam a expor muitas questões relevantes que no papel não colocavam, ao mesmo
tempo, o questionário deu uma impressão do que eu esperava da entrevista e de certa
forma os preparava e também me preparava para tal. Muitas circunstâncias da trajetória
profissional foram lembradas na entrevista e não foram expostas no questionário,
104Apesar da aparente clareza do instrumento de pesquisa, alguns professores, ao responder o questionário, me fizeram perguntas sobre o que seriam nível e modalidade de ensino, além de outras dúvidas.
143
inclusive algumas escolas trabalhadas foram omitidas no questionário e na fala foram
colocadas com ênfase.
Essas memórias, esquecimentos, omissões também nos remetem a Portelli
(1997) quando afirma que “essas modificações revelam o esforço dos narradores em
buscar sentido no passado e dar forma às suas vidas, e colocar a entrevista e a narração
em seu contexto histórico.” (p.33)
Outro autor que contribui muito para esse debate a respeito da memória é
Pollack (1992) quando reconhece que falar sobre a própria vida nada tem de natural.
“Uma pessoa a quem nunca ninguém perguntou quem ela é, de repente ser solicitada a
relatar como foi a sua vida, tem muita dificuldade para entender esse súbito interesse. Já
é difícil fazê-la falar, quanto mais falar de si.” (p.213)
Ao perceber que nos depoimentos os professores expuseram e enfatizaram
questões que não foram ditas num primeiro momento. Para efeitos de compreensão,
recorreremos mais uma vez a Portelli quando analisa as narrativas:
Um informante pode relatar em poucas palavras experiências que duraram longo tempo ou discorrer minuciosamente sobre breves episódios. Estas oscilações são significativas, embora não possamos estabelecer uma norma geral de interpretação: apoiar-se em um episódio pode ser um caminho para salientar sua importância, mas também pode ser uma estratégia para desviar a atenção de outros pontos mais delicados (PORTELLI, 1997, p.29).
Paul Thompson se refere a esses temas relacionados à subjetividade de forma
exaustiva em seu livro. Ao exemplificar como uma entrevista deve ser na prática, traz
vários aspectos relacionados aos cuidados com as fontes orais e afirma que:
Muitas vezes os depoimentos orais são tidos como fontes subjetivas por nutrirem-se da memória individual, que às vezes pode ser falível e fantasiosa. No entanto, a subjetividade é um dado real em todas as fontes históricas, sejam elas orais, escritas ou visuais. O que interessa em história oral é saber porque o entrevistado foi seletivo, ou omisso, pois essa seletividade com certeza tem o seu significado (THOMPSON, 2002, p.18).
Após as entrevistas, veio a etapa das transcrições, que foram realizadas sem
perder de vista que:
144
A transcrição transforma objetos auditivos em visuais, o que inevitavelmente implica mudanças e interpretação. (...) A expectativa da transcrição substituir o teipe para propósitos científicos é equivalente a fazer crítica de arte em reproduções, ou crítica literária em traduções. A mais literal tradução é dificilmente a melhor, e uma tradução verdadeiramente fiel sempre implica certa quantidade de invenção. O mesmo pode ser verdade para a transcrição de fontes orais (PORTELLI, 1997, p.27).
Os sinais de alerta que o autor nos dá, evidentemente que, se seguidos à risca, o
uso de depoimentos se tornaria quase insustentável, porém, é importante destacar os
aspectos que influenciam o fazer-se das fontes e é isso que tentamos expor aqui.
4.4. Sujeitos e sujeições: a variação do zoom105
Em todas as ocasiões procuramos ficar atentos, para que pudéssemos, a exemplo
do que preconiza Alberti (2002), buscar o estabelecimento de relações entre o geral e o
particular. Para isso, fizemos com que nossas análises procurassem comparar
testemunhos diferentes, tomando a forma como nossos entrevistados apreendem e
interpretam o passado e o presente como um dado objetivo para compreendermos
melhor o objeto cuja análise propomos.
Com o movimento de ir do “oficial” ao “não-oficial”, das estruturas que cercam
o trabalho docente ao relato dos próprios docentes que vivenciam em seu cotidiano as
políticas implementadas pelos governos de turno, buscamos observar objetivamente
como o governo do Estado do Rio de Janeiro vem construindo as identidades dos
professores, compartilhando da concepção de Lawn (2001), que defende que as
alterações na identidade são manobradas pelo Estado, através do discurso, traduzindo-se
num método sofisticado de controle e numa forma eficaz de gerir a mudança e o
desenvolvimento do ensino público e estatal.
Paralelamente, vimos como os professores vêm resistindo e implementando
estratégias próprias (individuais e coletivas) em busca de sua própria identidade.
Observamos quais estratégias os professores têm mobilizado para contornar as políticas
e como tem se dado a resistência, olhando assim o professor imerso na implementação
da política educacional e não a política pura e simplesmente.
Fizemos na presente dissertação uma variação do foco de análise, aproximamos
e afastamos, fizemos uma variação da escala analítica com a sensibilidade necessária
105 Tipo de lente fotográfica e cinematográfica de distância focal variável.
145
para balizar a argumentação. Analisamos o macro (as políticas) e como isso interfere no
dia a dia do professor no estado do Rio de Janeiro, sempre “variando as escalas”
(REVEL, 1998). Não buscamos trazer respostas definitivas e sim questionamentos,
aspectos novos, que vão além do que já é dito. Mostramos a lei, a reforma, os projetos,
sem excluir as diferentes apropriações realizadas pelos professores.
A escolha do individual não é vista aqui como contraditória a do social: ela deve tornar possível uma abordagem diferente deste, ao acompanhar o fio de um destino particular – de um homem, de um grupo de homens – e, com ele, a multiplicidade dos espaços e dos tempos, a meada das relações nas quais ele se inscreve (IBIDEM, 1998, p.21).
Observamos todos os limites de um “individualismo metodológico” e do
encolhimento do campo de observação, já que este é parte de uma estrutura social – ou
de uma “experiência” coletiva que é sempre preciso procurar definir as regras de
definição e funcionamento. Com isso, não fizemos desse debate uma oposição e sim
buscamos a sua complementaridade. Seguindo o trajeto aberto por E. P. Thompson,
buscamos na noção de experiência o caminho a ser trilhado, construindo-o com
contextos e indivíduos. Reconhecendo que, “em meio a conjunturas, em meio a
estruturas, há pessoas que se movimentam, que opinam, que reagem, que vivem.”
(ALBERTI, p.14). Esse olhar mais “micro” estabelece conexões entre trajetórias
profissionais específicas com questões extremamente amplas como as políticas
educacionais.
Buscamos resgatar duas dimensões: a da legislação e a dos sujeitos responsáveis
pela intervenção social. Procuramos ver as fontes como um produto social, sem excluir
a tensão social da produção de documentos oficiais, nem supervalorizar sejam os
documentos, sejam as fontes orais. Fomos a essas fontes para conversar com elas, pois
nosso objetivo não foi necessariamente “encontrar” e sim criar um diálogo que
confirmasse e, se fosse o caso, que inclusive refutasse nossas hipóteses.
Passamos pelas condições de trabalho estabelecidas, sem negá-las ou deixar de
questioná-las, mas demos margem para constatar além do que já sabemos, vendo como
a manifestação das políticas interfere na realidade do professor. Não fomos aos
professores do Programa Autonomia considerando que são todos “alienados”, que
aceitaram passivamente uma metodologia que retira sua autonomia pedagógica, nem
tampouco, considerando que esses professores sempre atuam como sujeitos plenamente
146
racionais no que tange aos seus interesses e necessidades individuais. Estivemos
dispostas a entender o sujeito, sem esperar extrair de seus depoimentos, apenas aquilo
que queríamos ouvir. Vimos como os sujeitos criam estratégias de sobrevivência em
meio às estruturas que são submetidos. Buscamos demonstrar como os professores
encontram mecanismos de sobrevivência em meio às suas condições de trabalho.
Alertamos para que os relatos não sejam tomados à letra, como se a soma dos
múltiplos descritores que utilizamos para descrever a educação estadual e as respectivas
percepções constituíssem um retrato fiel dessas realidades. Esses depoimentos são, com
efeito, outra coisa: um instrumento de reflexão sobre as políticas educativas e um
exercício de construção de vínculos possivelmente idênticos ou parecidos em todo o
estado do Rio de Janeiro, ou mesmo em todo o território nacional. Partimos de uma
reflexão dialética, fomos da realidade encontrada para o diálogo com as fontes
documentais e com as teorias da mesma forma que procuramos respostas novamente
nos relatos, comparando a partir de diferentes perspectivas, interfaces e condicionantes
das dimensões temporais, dos ritmos cotidianos, próprios as temporalidades da
docência.
Nesta pesquisa houve uma angústia em colocar o ponto final, isso se deu na
relação com a empiria todo o tempo. Acompanhamos professores desde o início do
mestrado, e isso se deu até momentos bem próximos a escrita da dissertação. O trabalho
nunca foi considerado concluído, se houvesse mais tempo, seriam feitas não só mais
entrevistas, como uma maior quantidade de encontros com os mesmos professores a fim
de aprofundar questões a respeito de suas respectivas trajetórias. Porém, cientes da
impossibilidade de falar de tudo buscamos sensibilizar o contexto a fim de que certezas
anteriores não impedissem uma análise que também pudesse jogar por terra, hipóteses
pré-estabelecidas. E assim caminhamos para a conclusão destes passos.
147
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O instante da conclusão é um tanto ou quanto inquietante. Afinal, quando nos
sentimos mais confiantes para renovar hipóteses e especular acerca de investigações
futuras, somos forçados a abandonar o palco a fim de inventariar nossos muitos dilemas
ou sumariar nossos parcos achados. Ao finalizar este trabalho, reafirmamos algumas
convicções e colocamos outras em suspeita. O que ficou disso tudo é dialético, pois
surgiram a todo o tempo outras possibilidades: novas fontes, novos documentos, novos
sujeitos que se somavam aos nossos objetivos centrais.
A estrutura dos escritos aqui contidos refletiu diretamente a dinâmica como
foram produzidos. Um texto fragmentado, com capítulos divididos em partes pareceu
revelar na forma da dissertação o próprio conteúdo de pesquisa: a fragmentação do
tempo do professor. Assim, trouxemos nestas considerações as problemáticas pontuadas
no processo de pesquisa e algumas modestas conclusões.
Ao percebermos que hoje há um processo de fragmentação do tempo do
professor levando a uma descaracterização do trabalho docente, nos indagamos como
tem se dado a utilização do tempo pelo poder público e como os professores têm
enfrentado um cotidiano de trabalho que se torna ainda mais desgastante devido ao fato
de ter que trabalhar em diversas escolas. A hipótese central, que deu início a pesquisa,
era que muitos professores do ensino médio têm aderido ao Programa Autonomia para
fugir da precarização e fragmentação do tempo, pois, com este Programa, o professor
pode trabalhar com apenas uma turma, numa única escola e, além disso, pode conseguir
mais facilmente uma transferência para uma escola mais próxima de sua residência,
deixando assim de ser um professor itinerante. Essa hipótese central se confirmou,
porém, veio permeada de diversas nuances, muitas contrárias às nossas expectativas.
Tomamos, primeiramente, o tempo como categoria de análise para assim
percebê-lo como um instrumento para pensar o trabalho dos professores. Vimos, neste
ponto, que historicamente o tempo é utilizado como uma forma de controle e dominação
pelas classes dominantes. Quem detém o poder político-econômico controla o tempo e
isso se evidencia na expropriação do tempo dos trabalhadores. Nesse sentido, vimos a
forma com a qual o poder público lida com o tempo do professor, tendo em vista os
professores no tempo presente e no contexto das leis, considerando estas como um
verdadeiro campo de batalhas entre o governo e os trabalhadores. Não negamos as
imposições do poder público, mas também mostramos como os professores resistem e
148
se apropriam da legislação para encontrar uma melhor forma de resistência e
sobrevivência em seu cotidiano. Assim, demonstramos como se dá a tensão entre a
implementação da legislação pelo poder público e a execução das mesmas pelos
professores. Vimos como a legislação tem o papel de condicionar os indivíduos, mas ao
mesmo tempo observamos como os professores podem se apropriar do universo das
legislações, programas educacionais ou propostas pedagógicas e contorná-las de acordo
com os seus objetivos.
Não negamos o aspecto estrutural, por isso realizamos um levantamento de
dados “oficiais”, que implicam nas condições de trabalho dos professores. Ao mostrar
em que condições de trabalho os docentes vem sendo submetidos nas últimas décadas,
levantamos alguns marcos das políticas públicas para a educação no estado do Rio de
Janeiro e algumas dimensões quantitativas do ensino na rede estadual que nos
ofereceram um panorama do contexto de ação em que se inserem os docentes
pesquisados. Desta forma, observamos como se dá a relação entre o Plano de Metas
Compromisso Todos Pela Educação e o que chamamos de Compromisso Fluminense,
ou seja, as metas estipuladas pela Secretaria de Educação, os mecanismos para atingi-
los e como isso reflete no cotidiano dos professores por meio da busca por resultados.
Observamos que as últimas décadas foram marcadas pela degradação
profissional para o magistério. Foram muitos os estudos que mostraram a perda de
autonomia dos docentes pelos processos de massificação do ensino trazida pela
expansão da escolaridade, o arrocho salarial combinado à deterioração das condições de
trabalho, em muitos casos afetando a saúde dos trabalhadores. Os estudos explicitam a
precarização das condições de trabalho, a angústia dos docentes em ver a distância dos
conhecimentos escolares em relação às experiências vividas pelas crianças e
adolescentes na sociedade atual, o desgaste de ter que trabalhar em várias instituições
para manter o poder aquisitivo, a intensificação do trabalho, a falta de tempo para
descanso, a ausência do privilégio do “tempo livre” e a clareza de que poderiam fazer
muito mais do que fazem. A diferença entre uns e outros está nas estratégias de reação
que cada grupo adota.
Nesta pesquisa, encontramos uma série de contradições entre as demandas
das políticas educacionais oficiais e as práticas/concepções desenvolvidas pelos
professores no seu cotidiano de trabalho. Os professores não se viam totalmente
apartados das funções conceptuais do seu trabalho, como defendem alguns teóricos da
“proletarização” (ENGUITA, 1991; APPLE e TEITELBAUN, 1991; KREUTZ, 1986;
149
WENZEL, 1994), ao contrário, garantem um relativo controle sobre o ensino que
desenvolvem, limitando as tentativas do Estado e do capital em conformar o trabalho
escolar às suas demandas. O “simples” fato de que o poder público deseja encontrar
formas “mais eficientes” de organizar o ensino não garante que isto será efetivado sobre
um professorado que tem uma história de práticas de trabalho e de autoorganização. Os
efeitos reais dessas tentativas para reter o controle do trabalho pedagógico podem levar
a resultados ideológicos bastante contraditórios.
Ao revelarmos como se deu o fazer-se de um grupo profissional fruto de uma
experiência no exercício da profissão docente, demonstramos os usos/contornos do
tempo pelos professores ao longo de sua trajetória profissional, elegendo para isso
alguns docentes com diferentes tempos de atuação profissional. Assim percebemos
diferentes estratégias para lidar com a fragmentação do tempo, as quais podem culminar
na adesão ao Programa Autonomia como uma forma de fuga à precarização.
Antônio, Christiane, Fábio, Bruno, Nilda e Janete foram protagonistas. Esses
professores, por meio de seus depoimentos, nos ofereceram, qualitativamente,
elementos para analisar as condições de trabalho de um grupo profissional.
Evidentemente que, uma análise com um número reduzido de professores não nos
permite generalizações, porém este não era mesmo o nosso objetivo. Buscamos
demonstrar a formação de um grupo profissional parte de uma categoria complexa,
dinâmica e diversificada que é a dos professores. Para tanto, demonstrar suas trajetórias
anteriores, suas apropriações e ressignificações do Programa com o qual lidam em
determinada etapa de sua vida profissional foi de fundamental importância, inclusive
para refutar a hipótese de que ser professor do Autonomia é ser um professor totalmente
adaptado e que não tem nenhum controle sobre o seu trabalho.
O Programa Autonomia contribui sim para a alienação do trabalho docente,
pois há uma clara separação entre concepção e execução. Para a Fundação responsável
pelo Programa, o professor é visto como um entregador de pacotes de ensino, ou em
outros termos, um mediador da aprendizagem, ou seja, dentro dessa lógica educacional,
o professor deixa de ser um formulador de conhecimentos e de metodologias de ensino,
elemento central no processo ensino-aprendizagem. Eles recebem materiais prontos,
vindos da Fundação Roberto Marinho e ministram de forma generalista todas as
disciplinas escolares, mesmo aquelas para as quais não tem formação específica. O
planejamento das aulas, função inerente à docência, é relegado a segundo plano, pois a
proposta pedagógica já vem pronta por meio dos módulos do Programa que tem como
150
material prioritário as tele-aulas, levando, ao nosso ver, a uma descaracterização do que
seria o trabalho docente.
No entanto, apesar de todos esses aspectos que condicionam os professores, ao
mesmo tempo, eles têm uma relativa autonomia dentro de sala de aula no processo de
construção do conhecimento, o que ficou evidenciado em alguns depoimentos. Isso só
foi possível perceber porque não buscamos informações ou evidências que valessem por
si mesmas, mas sim fazer um registro subjetivo de como um professor ou professora,
olha para trás e enxerga a própria vida profissional, seja ela longa ou curta, e assim
compreender as estratégias de um grupo profissional que adere a determinado programa
educacional.
Desta forma, os dados obtidos foram de encontro a algumas ideias pré-
concebidas, pois a impressão anterior, antes de entrevistar os professores do Programa
Autonomia, era de professores “executores”, apenas; com nenhuma margem de
autonomia pedagógica. Porém, vimos que dentro de todas as limitações impostas, os
sujeitos ainda conseguem e ou/necessitam adaptar os programas à realidade que estão
inseridos. Vimos que o trabalho é controlado, porém requer, ao mesmo tempo, uma boa
dose de autonomia e de responsabilidade pessoal. A própria imprecisão dos programas e
objetivos exige que os professores os interpretem, e lhes dêem, eles mesmos, um
sentido. O Programa Autonomia, primeiramente, determina sua identidade profissional,
fazendo deles executantes de programas concebidos e definidos por outros. Porém,
mesmo como executores, eles gozam de certa dose de autonomia pedagógica, embora
esta seja bastante limitada e dificultada.
Além disso, observamos que a adesão a determinado Programa Educacional, é
uma forma por meio da qual os sujeitos têm se mobilizado no sentido de preservar sua
integridade física e psíquica, buscando fugir dos problemas insurgidos no trabalho, tais
como a fragmentação do tempo, o desgaste ao ter que lidar com diversas turmas, a
dificuldade em trabalhar longe de suas residências e/ou em diversas instituições de
ensino. Muitas vezes essa mobilização não reflete em buscar soluções mais amplas que
reflitam na luta sindical ou política, sendo assim, acaba se tornando uma resistência
individual, onde os sujeitos se defendem de um ambiente que os agridem. Vimos a
(con)formação de um grupo profissional, justamente neste contexto, de dúvidas, de
incertezas, de precarização, onde muitos docentes buscam uma alternativa individual de
mudança de suas condições de trabalho, baseado numa relação de conformidade, pois
151
não se busca modificar os aspectos estruturais que estão gerando a situação que
vivenciam.
O conjunto de depoimentos sobre as trajetórias individuais de professores que
partilham a experiência de atuar junto ao Programa Autonomia revelou algumas
estratégias comuns que nos permitem perceber a dimensão coletiva das escolhas.
Mostrou não só os limites e constrangimentos a que foram expostos anteriormente
durante sua trajetória profissional, mas também o campo de possibilidades que se lhes
apresentou e no qual eles traçaram as suas estratégias pessoais.
Os professores entrevistados não foram vistos apenas como depoentes, mas sim
como interlocutores na busca por compreender as questões postas. Seus depoimentos
foram tratados como relatos de colegas de profissão que a partir de uma observação
sistemática da realidade empírica, fizeram a pesquisadora rever certezas anteriores. O
interesse central foi observar os impactos da experiência da fragmentação do tempo e os
mecanismos de fuga encontrados pelos professores; como os professores se relacionam,
organizam e percebem o seu próprio tempo; e como os usos do tempo se apresentam na
cultura docente, definindo posições, valorando contribuições, facilitando ou dificultando
o trabalho, acrescentando ou subtraindo a autonomia profissional.
Muitos professores, ao aderirem ao Programa Autonomia encontram nele
uma forma de reinventar o seu trabalho, criando uma relação de pertencimento àquela
nova metodologia, pois ao comparar com as condições de trabalho anteriores, em
diversas turmas e em diversas escolas, as novas condições, apesar das limitações
colocadas, seriam consideradas muito melhores do que aquelas que outrora
vivenciaram. Sendo assim, podemos finalizar com algumas considerações e indagações
baseadas em um trecho do depoimento de Fábio que afirmou que suas condições de
trabalho no Autonomia são melhores do que no ensino regular porque as turmas do
referido Programa têm mais acesso aos espaços da escola, aos materiais didáticos, as
turmas são menos cheias, e por ser assim, o trabalho se torna menos desgastante.
Ora, se as condições de trabalho no Programa Autonomia são consideradas
melhores pelos professores, se muitos professores optam por atuar no Programa devido
a facilidade de concentrarem sua matrícula em uma única escola, se trabalham com
turmas menores, ou seja, em condições ainda não ideais, porém, menos desgastantes do
que as vivenciadas em sua trajetória profissional anterior; por quê estas mesmas
condições não são dadas ao ensino regular? Por quê os professores não podem ter
melhores condições de trabalho na escola pública, inclusive criando os programas que
152
consideram pertinentes ao seu contexto de trabalho sem a intervenção das parcerias
público-privadas? As respostas a estas perguntas são reveladas cotidianamente nas
prioridades governamentais baseadas em políticas privatistas e na desvalorização do
ensino público.
Por fim, destacamos que o objetivo central deste trabalho não foi mostrar o grau
de alienação ou autonomia dos professores e sim uma forma com a qual estes
profissionais têm lidado com a fragmentação do tempo a fim de minimizar o processo
de proletarização que, a nosso ver, se encontra em curso. Por isso, não discutimos a
fundo o Programa Autonomia em suas implicações didáticas ou político-ideológicas, e
sim mostramos como esse Programa tem sido apropriado pelos professores de forma a
fugir de condições de trabalho que o agridem física e emocionalmente.
Por mais que o Programa Autonomia separe as funções de concepção e
execução, devido ao fato dos materiais serem idealizados por uma Fundação e os
professores-mediadores não participem da elaboração de tais materiais, alguns
profissionais não seguem à risca e conseguem encontrar formas próprias de trabalhar
com seus alunos. Portanto, a relação mecânica entre Programa Autonomia e alienação
do trabalho docente não dá conta de explicar a complexa realidade da sala de aula e o
contato entre alunos e professores. Com isso, não negamos os aspectos estruturais, ao
contrário, ressaltamos os aspectos que condicionam o professor dentro da lógica
colocada pelo poder público em parceria com o privado, porém, não paramos neste
ponto as nossas análises.
Tendo em vista nossas limitações (no tempo) para a conclusão deste trabalho,
podemos dizer que abrimos portas para análises futuras sobre a profissão docente e os
valores e usos do tempo dos professores: a expropriação do tempo, a sua relação com o
tempo de trabalho, com o “tempo livre”, com o tempo de deslocamento, entre outros
tempos sociais, além das trajetórias profissionais e das características de determinado
grupo profissional dentro da categoria docente. Análises estas que, independentemente
de sua proporção, nunca se darão por completas.
Em tempo, o número de entrevistas poderia ter sido maior, as buscas em
documentos mais amplas, o tema mais ambicioso, porém, confundir os desejos com o
seu fim é esquecer que o seu trabalho examina apenas uma fração da complexa
realidade que é o trabalho docente.
153
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na educação, 2011.
SECRETARIA DO ESTADO DE EDUCAÇÃO, Lei de responsabilidade educacional,
2011.
159
APÊNDICES
APÊNDICE A: QUESTIONÁRIOS E ROTEIROS DE ENTREVISTAS 1. Modelo de questionário entregue no primeiro contato com os professores: Prezado(a) professor (a), Sou professora do Colégio Estadual Dr. Rodolpho Siqueira (metro II) e, no momento, estou cursando mestrado em Políticas e Instituições Educacionais na UFRJ. O questionário abaixo é referente à minha pesquisa sobre as condições de trabalho docente no estado do Rio de Janeiro. Gostaria de contar com a colaboração dos colegas presentes na obtenção dos dados. Agradeço desde já a colaboração de todos e informo que o resultado da pesquisa será divulgado em 2014 para os interessados.
Professora Amanda Moreira
NOME (OPCIONAL): IDADE: TEMPO DE SERVIÇO NA PROFISSÃO: CURSO DE LICENCIATURA/ÁREA DISCIPLINAR: INSTITUIÇÃO DE FORMAÇÃO: PÓS-GRADUAÇÃO ( ) Sim ( ) Não CARGA HORÁRIA DE TRABALHO SEMANAL: BAIRRO/MUNICÍPIO ONDE RESIDE: ESCOLA/BAIRRO ONDE ATUA COM O PROJETO AUTONOMIA: Minha pesquisa será qualitativa, logo os dados serão obtidos através de depoimentos concedidos gentilmente por professores e professoras da rede. A entrevista não será longa, levará de 20 a 30 minutos. Se puder concedê-la, irei à sua escola em seu horário de trabalho. Se tiver interesse em participar, deixe aqui seu contato. TELEFONE: E-MAIL:
Obrigada!
160
2. Modelo de questionário enviado por email a todos os professores:
Prezado (a) Professor (a), esta é a segunda parte da pesquisa que venho desenvolvendo, da qual você já contribuiu com os dados fornecidos em um questionário distribuído no curso de formação do Projeto Autonomia em fevereiro deste ano. Neste momento busco compreender os usos do tempo pelos professores e conto com a sua participação. Para isso apresento as questões que seguem.
Desde já agradeço, mais uma vez, a sua colaboração.
Amanda Moreira Professora da Rede Estadual e Municipal do Rio de Janeiro
Mestranda UFRJ
Identificação Nome (opcional): Idade: Sexo: [ ] F [ ] M
Nível / Modalidade de Ensino em que atua: Disciplina que ensina: Formação Profissional: [ ] Normal [ ] Pedagogia [ ] Superior [ ] Pós-graduação Instituição de formação: Tempo de serviço na profissão: Possui outro vínculo empregatício? [ ]Sim [ ]Não Qual? Bairro que reside: Carga horária de trabalho semanal:
Escolas em que atua Nome: Tipo: [ ]Estadual [ ]Municipal [ ]Particular [ ]Confessional [ ] Outra Nível: Modalidade de Ensino: Localização: Nome: Tipo: [ ]Estadual [ ]Municipal [ ]Particular [ ]Confessional [ ] Outra Nível: Modalidade de Ensino: Localização: Nome: Tipo: [ ]Estadual [ ]Municipal [ ]Particular [ ]Confessional [ ] Outra Nível: Modalidade de Ensino: Localização: Nome: Tipo: [ ]Estadual [ ]Municipal [ ]Particular [ ]Confessional [ ] Outra Nível: Modalidade de Ensino: Localização: Nome: Tipo: [ ]Estadual [ ]Municipal [ ]Particular [ ]Confessional [ ] Outra_____________ Nível: Modalidade de Ensino: Localização:
Esta parte do questionário tem por objetivo analisar a rotina de trabalho de um professor nos
dias de hoje, para isso peço que elenque as escolas em que você atua:
161
Escolas que atuou nos primeiros cinco anos de trabalho (início de carreira) Nome: Tipo: [ ]Estadual [ ]Municipal [ ]Particular [ ]Confessional [ ] Outra Nível: Modalidade de Ensino: Localização: Período em que lá atuou: Permanece nesta escola? Sim [ ] Não [ ] Por que saiu da escola? Nome: Tipo: [ ]Estadual [ ]Municipal [ ]Particular [ ] Confessional [ ] Outra Nível: Modalidade de Ensino: Localização: Período em que lá atuou: Permanece nesta escola? Sim [ ] Não [ ] Por que saiu da escola? Nome: Tipo: [ ]Estadual [ ]Municipal [ ]Particular [ ]Confessional [ ] Outra Nível: Modalidade de Ensino: Localização: Período em que lá atuou: Permanece nesta escola? Sim [ ] Não [ ] Por que saiu da escola? Nome: Tipo: [ ]Estadual [ ]Municipal [ ]Particular [ ]Confessional [ ] Outra Nível: Modalidade de Ensino: Localização: Período em que lá atuou: Permanece nesta escola? Sim [ ] Não [ ] Por que saiu da escola? Nome: Tipo: [ ]Estadual [ ]Municipal [ ]Particular [ ]Confessional [ ] Outra Nível: Modalidade de Ensino: Localização: Período em que lá atuou: Permanece nesta escola? Sim [ ] Não [ ] Por que saiu da escola?
É possível fazer um resumo da sua rotina de trabalho nesse período? Cite a distância aproximada entre a sua residência e as escolas que você atuava neste período e o tipo de locomoção (a pé, carro, ônibus, trem, metrô, outros).
Nesta última parte do questionário tenho por objetivo entender os espaços e tempos na docência, analisando os deslocamentos geográficos e o tempo dos professores ao longo de sua trajetória profissional. Assim, buscarei a possibilidade de fazer um roteiro - geográfico e cronológico - das escolas em que você já trabalhou.
162
Resumo da sua rotina de trabalho nos primeiro cinco anos:
Em meados de sua carreira (entre cinco e quinze anos de magistério) você atuava em quantas
escolas? Nome: Tipo: [ ]Estadual [ ]Municipal [ ]Particular [ ]Confessional [ ] Outra Nível: Modalidade de Ensino: Localização: Período em que lá atuou: Permanece nesta escola? Sim [ ] Não [ ] Por que saiu da escola? Nome: Tipo: [ ]Estadual [ ]Municipal [ ]Particular [ ]Confessional [ ] Outra Nível: Modalidade de Ensino: Localização: Período em que lá atuou: Permanece nesta escola? Sim [ ] Não [ ] Por que saiu da escola? Nome: Tipo: [ ]Estadual [ ]Municipal [ ]Particular [ ]Confessional [ ] Outra Nível: Modalidade de Ensino: Localização: Período em que lá atuou: Permanece nesta escola? Sim [ ] Não [ ] Por que saiu da escola? Nome: Tipo: [ ]Estadual [ ]Municipal [ ]Particular [ ]Confessional [ ] Outra Nível: Modalidade de Ensino: Localização: Período em que lá atuou: Permanece nesta escola? Sim [ ] Não [ ] Por que saiu da escola? Nome: Tipo: [ ]Estadual [ ]Municipal [ ]Particular [ ]Confessional [ ] Outra Nível: Modalidade de Ensino: Localização: Período em que lá atuou: Permanece nesta escola? Sim [ ] Não [ ] Por que saiu da escola?
163
Resumo da sua rotina de trabalho entre 10 e 15 anos: No final de carreira (do vigésimo ano de trabalho em diante) você tem atuado em quantas escolas?
Nome: Tipo: [ ]Estadual [ ]Municipal [ ]Particular [ ]Confessional [ ] Outra Nível: Modalidade de Ensino: Localização: Período em que lá atuou: Permanece nesta escola? Sim [ ] Não [ ] Por que saiu da escola? Nome: Tipo: [ ]Estadual [ ]Municipal [ ]Particular [ ]Confessional [ ] Outra Nível: Modalidade de Ensino: Localização: Período em que lá atuou: Permanece nesta escola? Sim [ ] Não [ ] Por que saiu da escola? Nome: Tipo: [ ]Estadual [ ]Municipal [ ]Particular [ ]Confessional [ ] Outra Nível: Modalidade de Ensino: Localização: Período em que lá atuou: Permanece nesta escola? Sim [ ] Não [ ] Por que saiu da escola? Nome: Tipo: [ ]Estadual [ ]Municipal [ ]Particular [ ]Confessional [ ] Outra Nível: Modalidade de Ensino: Localização: Período em que lá atuou: Permanece nesta escola? Sim [ ] Não [ ] Por que saiu da escola? Nome: Tipo: [ ]Estadual [ ]Municipal [ ]Particular [ ]Confessional [ ] Outra Nível: Modalidade de Ensino:
É possível fazer um resumo da sua rotina de trabalho
nesse período? Cite a distância aproximada entre a
sua residência e as escolas que você atuava neste
período e o tipo de locomoção (a pé, carro, ônibus,
trem, metrô, outros).
164
Localização: Período em que lá atuou: Permanece nesta escola? Sim [ ] Não [ ] Por que saiu da escola?
Resumo da sua rotina de trabalho nos últimos anos: A partir desta etapa de pesquisa, iremos partir para a contribuição com relatos orais de professores e professoras do Projeto Autonomia da metropolitana IV. Se você tiver disponibilidade, irei até a escola onde trabalha para entrevistá-lo (a). Você quer contribuir com a terceira e última etapa da pesquisa? [ ]SIM [ ]NÃO
É possível fazer um resumo da sua rotina de
trabalho nesse período? Cite a distância
aproximada entre a sua residência e as escolas que você atua e o tipo de locomoção (a pé,
carro, ônibus, trem, metrô, outros).
165
3. Primeiro roteiro de entrevista semi-estruturada Para você quais as principais características de uma boa escola e de um bom professor?
Quais as razões te levaram a ingressar no magistério? Como você se tornou professor?
Essas razões ainda continuam as mesmas?
Quais as dificuldades que você enfrenta no exercício da sua profissão?
Durante sua atuação na rede estadual você destacaria alguma mudança positiva ou
negativa?
Como você aderiu ao Programa Autonomia? O que te levou a participar?
Quais os pontos positivos e negativos no Programa?
O Programa tem dificultado ou facilitado o seu trabalho?
Como que é a preparação para atuar no Programa?
O Programa tem contribuído para a aprendizagem dos alunos?
O Programa é adequado ao aluno?
Quais as diferenças que você destaca na sua prática docente como professor da sua
disciplina e hoje no Programa Autonomia?
Você considera ter autonomia pedagógica?
Você esta satisfeito com o seu trabalho?
Se você pudesse citar algumas medidas básicas que melhorassem as suas condições de
trabalho, quais seriam?
4. Segundo roteiro de entrevista semi-estruturada Professor (a), fale um pouco de sua trajetória no magistério, dos primeiros anos até a
atualidade. Tente recordar as escolas em que atuou, como fazia o trajeto entre elas e
como era sua atuação profissional.
Se você pudesse fazer um resumo da sua rotina no ensino regular e no Projeto
Autonomia, o que destacaria?
Como você utiliza o seu tempo de trabalho e de lazer?
166
APÊNDICE B: LISTA DE TABELAS TABELA Nº 1: Cálculo da duração da jornada de trabalho dos professores da rede estadual do Rio de Janeiro de acordo com cada função, segundo a lei 11.738/2008 Função / duração total da jornada Interação com estudantes Atividades extraclasse
Docente 40 horas 26,66 (*) 13,33 Docente 30 horas 20,00 10,00 Docente 24 horas 16,00 8,00 Docente 16 horas 10,66 5,33
(*) Observe-se que são 26,66 unidades, de acordo com a duração definida pelo sistema ou rede de ensino (60 minutos, 50 minutos, 45 minutos ou qualquer outra que o sistema ou rede tenha decidido). Esta tabela foi elaborada, efetuando-se o cálculo matemático das jornadas de trabalho das funções docentes existentes na SEEDUC, dentro da lei 11.738/2008. A lei ainda não é cumprida pelo governo estadual.
TABELA Nº 2 - Número de escolas por regional:
Regionais Número de escolas por regional % de escolas por regional Baixadas Litorâneas 103 7% Centro Sul 102 7% DIESP 19 1% Médio Paraíba 97 7% Metropolitana I 105 7% Metropolitana II 93 6% Metropolitana III 143 10% Metropolitana IV 127 9% Metropolitana V 85 6% Metropolitana VI 121 8% Metropolitana VII 111 8% Noroeste Fluminense 67 5% Norte Fluminense 107 7% Serrana I 75 5% Serrana II 92 6% Total geral 1447 100% Fonte: Superintendência de Planejamento e gestão/SEEDUC. Disponível em SEEDUC em números: transparência em educação, 2011. Disponível online: http://download.rj.gov.br/documentos/10112/912504/DLFE-47638.pdf/LIVRODEGOVERNANCA2.pdf
167
TABELA Nº 3 - Número de escolas por modalidade de ensino. Regional Ensino
Fundamental Regular
Ensino Médio
Regular
Projeto autonomia
Ensino Médio
Integrado
Ensino Médio
Técnico
Curso Normal
EJA (Ensino Fundamental)
EJA (Ensino Médio)
Outros
Baixadas Litorâneas
92 81 28 0 10 9 50 47 23
Centro Sul
93 82 25 0 12 11 46 45 26
DIESP 2 1 0 0 0 0 23 18 0 Médio Paraíba
82 76 29 0 11 8 31 23 25
Metropolitana I
104 84 24 0 4 6 30 21 18
Metropolitana II
88 53 19 2 2 5 36 28 13
Metropolitana III
14 100 29 0 5 3 45 16 3
Metropolitana IV
21 96 25 2 6 1 38 29 6
Metropolitana V
82 68 5 0 2 5 19 14 7
Metropolitana VI
23 81 21 3 8 2 43 19 6
Metropolitana VII
105 89 37 0 11 4 24 27 15
Noroeste Fluminense
59 59 22 0 20 11 26 32 25
Norte Fluminense
96 80 22 0 6 12 51 53 20
Serrana I 65 62 16 2 6 8 31 27 6 Serrana II 80 65 23 1 9 12 33 27 19 Total geral 1006 1077 331 10 112 97 526 426 212 Participação geral da modalidade
26% 28% 9% 0,3% 3% 3% 14% 11% 6%
Fonte: Superintendência de Planejamento e Integração de Redes/SEEDUC. Grifo nosso. . Disponível em SEEDUC em números: transparência em educação, 2011. Disponível online: http://download.rj.gov.br/documentos/10112/912504/DLFE-47638.pdf/LIVRODEGOVERNANCA2.pdf. TABELA Nº 4 – Número de alunos e escolas por regional: Regional Alunos Escolas
Número por regional
% por regional Número por regional
% por regional
Baixadas Litorâneas 79.983 8% 103 7% Centro Sul 63.500 6% 102 7% DIESP 5.454 1% 19 1% Médio Paraíba 66.795 6% 97 7% Metropolitana I 100.999 10% 105 7% Metropolitana II 76.622 7% 93 6% Metropolitana III 76.174 7% 143 10% Metropolitana IV 97.144 9% 127 9% Metropolitana V 78.941 8% 85 6% Metropolitana VI 74.502 7% 121 8% Metropolitana VII 110.896 11% 111 8% Noroeste Fluminense 31.685 3% 67 5% Norte Fluminense 72.369 7% 107 7% Serrana I 70.074 7% 75 5% Serrana II 38.367 4% 92 6% Total 1.043.555 100% 1447 100% Fonte: Superintendência de Planejamento e Integração de Redes/SEEDUC. Grifo nosso. . Disponível em SEEDUC em números: transparência em educação, 2011. Disponível online: http://download.rj.gov.br/documentos/10112/912504/DLFE-47638.pdf/LIVRODEGOVERNANCA2.pdf
168
TABELA Nº 5 - Número de alunos matriculados nas diversas modalidades de ensino:
Regional Ensino Funda-mental
Regular
Ensino Médio
Regular
Projeto Autonomia
Ensino Médio
Integra-do
Ensino Médio
Técnico
Curso Normal
EJA Ensino Funda-mental
EJA Ensino Médio
Outros Total
Baixadas Litorâneas
30.033 (8%)
25.986 (6%)
1063 (7%)
0 (0,0%)
1.026 (10%)
2455 (8%)
9346 (9%)
9950 (9%)
124 (6%)
79.983
Centro Sul 25.454 (7%)
19.211 (5%)
936 (6%)
0 (0,0%)
928 (9%)
2187 (7%)
7786 (7%)
6899 (7%)
149 (7%)
63.550
DIESP 353 (0,1%)
4 (0,0%)
0 (0,0%)
0 (0,0%)
0 (0,0%)
0 (0,0%)
4619 (4,4%)
478 (0,5%)
0 (0,0%)
5.454
Médio Paraíba 24.462 (7%)
24.249 (6%)
1163 (8%)
0 (0,0%)
1140 (11%)
1937 (6%)
6749 (6%)
6998 (7%)
97 (5%)
66.795
Metropolitana I 52.660 (14%)
31.418 (8%)
1200 (8%)
0 (0,0%)
545 (5%)
3294 (11%)
5064 (5%)
6614 (6%)
204 (10%)
100.999
Metropolitana II 40.749 (11%)
17.758 (4%)
1026 (7%)
326 (19%)
247 (2%)
1856 (6%)
6772 (6%)
7688 (7%)
200 (10%)
76.622
Metropolitana III 2.016 (1%)
48.439 (12%)
1542 (10%)
0 (0,0%)
348 (3%)
3069 (10%)
13152 (12%)
7608 (7%)
0 (0,0%)
76.174
Metropolitana IV 10.153 (3%)
62.889 (15%)
1870 (12%)
710 (41%)
1381 (13%)
2323 (7%)
5594 (5%)
12224 (12%)
0 (0,0%)
97.144
Metropolitana V 38.468 (11%)
27.950 (7%)
307 (2%)
0 (0,0%)
133 (1%)
1898 (6%)
5135 (5%)
4972 (5%)
78 (4%)
78.941
Metropolitana VI 5.030 (1%)
45.811 (11%)
1473 (10%)
489 (28%)
944 (9%)
1314 (4%)
10539 (10%)
8842 (8%)
60 (3%)
74.502
Metropolitana VII 53.467 (15%)
37.321 (9%)
1600 (11%)
0 (0,0%)
1829 (17%)
2932 (9%)
5601 (5%)
8125 (8%)
21 (1%)
110.896
Noroeste Fluminense
13.845 (4%)
8.552 (2%)
540 (4%)
0 (0,0%)
696 (7%)
1308 (4%)
3424 (3%)
2944 (3%)
376 (18%)
31.685
Norte Fluminense 28.574 (8%)
21.440 (5%)
426 (3%)
0 (0,0%)
435 (4%)
2254 (7%)
9113 (9%)
9458 (9%)
669 (32%)
72.369
Serrana I 20.257 (6%)
27.117 (7%)
1210 (8%)
158 (9%)
607 (6%)
2866 (9%)
8661 (8%)
9190 (9%)
8 (0,0%)
70.074
Serrana II 18.732 (5%)
9.744 (2%)
863 (6%)
38 (2%)
349 (3%)
1314 (4%)
3982 (4%)
3262 (3%)
83 (4%)
38.367
Total geral 364.253 (100%)
407.889 (100%)
15.219 (100%)
1.721 (100%)
10.068 (100%)
31.007 (100%)
105.537 (100%)
105.252 (100%)
2069 (100%)
1.043.555
Participação geral da modalidade
35% 39% 1% 0,2% 1% 3% 10% 10% 0,2% 100%
Fonte: Superintendência de Planejamento e Integração de Redes/SEEDUC. Grifo nosso. Disponível em SEEDUC em números: transparência em educação, 2011. Disponível online: http://download.rj.gov.br/documentos/10112/912504/DLFE-47638.pdf/LIVRODEGOVERNANCA2.pdf
TABELA Nº 6 – Número de docentes da Rede estadual: Cargos Outubro de 2011
Ativos % de ativos DOC I 54.680 65% 16 horas 53.258 64% 40 horas 1.422 90% DOC II 20.490 50% 22 horas 15.677 50% 40 horas 4.813 50% Total geral 75.170 60%
Fonte: Superintendência de Gestão de Pessoas/SEEDUC. Extraída da tabela nº15 de SEEDUC em números: transparência em educação, 2011. . Disponível online: http://download.rj.gov.br/documentos/10112/912504/DLFE-47638.pdf/LIVRODEGOVERNANCA2.pdf
169
TABELA Nº 7 – Motivos de afastamento dos docentes da Rede Estadual: Afastamentos 2011 Total % Número de Docentes afastados 7204 100% Tratamento de saúde 2521 35,0% Tratamento de saúde – prorrogação 3133 43,5% Maternidade 1139 15,8% Outros 411 5,7% Fonte: Superintendência de gestão de pessoas, extraída da tabela 18 do relatório SEEDUC em números: transparência em educação, 2011. Disponível online: http://download.rj.gov.br/documentos/10112/912504/DLFE-47638.pdf/LIVRODEGOVERNANCA2.pdf
TABELA Nº 8 – Escolaridade dos docentes da Rede Estadual:
Escolaridade Total % Ensino Médio 1035 2,0%
Superior 40.922 78,9% Especialização 6733 13%
Mestrado 1244 2,4% Doutorado 155 0,3%
Não declarado 1710 3,3% Fonte: Superintendência da tecnologia da informação, extraído do gráfico 13 do relatório SEEDUC em números: transparência em educação, 2011. Disponível online: http://download.rj.gov.br/documentos/10112/912504/DLFE-47638.pdf/LIVRODEGOVERNANCA2.pdf
TABELA Nº 9 - Remuneração dos docentes da Rede Estadual com os salários aplicados em 2011 e 2012:
Cargo Referência Set/2011 Maio/2012 Vencimento base em reais
Professor DOC I 16 horas
3 877,91 1001,82 4 983,26 1122,03 5 1001,25 1256,67 6 1233,40 1407,16 7 1381,41 1576,38 8 1547,18 1765,54 9 1732,84 1977,40
Professor DOC II 22 horas
3 877,91 1001,82 4 938,26 1122,03 5 1.101,25 1256,67 6 1.233,40 1407,16 7 1381,41 1576,32 8 1547,18 1765,54 9 1732,84 1977,40
Professor EX-FAEP DOC II 40h
3 1755,82 2003,63 4 1966,51 2244,06 5 2202,50 2513,35 6 2466,80 2814,96 7 2762,81 3152,75 8 3094,35 3531,08 9 3465,67 3954,80
Professor EX-FAEP DOC I 40h
3 2194,77 2504,53 4 2458,14 2805,09 5 2753,12 3141,69 6 3083,50 3518,70 7 3453,52 3940,93 8 3867,94 4413,85 9 4332,09 4943,52
Fonte: Lei nº 6026/2011 e Lei 1.423/2012. Tabela composta a partir dos dados extraídos de SEEDUC: lei de Responsabilidade Educacional, disponível online em http://download.rj.gov.br/documentos/10112/714869/DLFE-
54518.pdf/LEIDERESPONSABILIDADEEDUCACIONAL.pdf
170
TABELA Nº 10 - Carência de professores em novembro de 2011:
Disciplinas Carência em número de professores
Número de professores que recebem GLP
Número de professores
habilitados para a disciplina
Número de professores regentes habilitados para a
disciplina (???) Artes 186 201 7793 2560
Biologia 28 114 4720 3130 Ciências Físicas e
biológicas 82 255 6560 3928
Educação Física 65 111 5213 4100 Filosofia 226 395 3225 2065
Física 100 533 4855 3006 Geografia 123 581 6104 4527 História 73 264 6747 4829
Língua estrangeira 186 222 18329 5255 Língua Portuguesa/
Literatura 54 321 16058 9485
Matemática 98 659 12070 9714 Química 84 347 3675 2636
Sociologia 176 371 3362 2283 Atividades integradas
(anos iniciais) 31 66 25837 2050
Formação profissional e curso
normal
95 236 76348 2269
Total 1608 4675 200896 61810 Fonte: Superintendência de Tecnologia da Informação/SEEDUC. Reproduzida na íntegra. Disponível em SEEDUC em números: transparência em educação, 2011. Disponível online: http://download.rj.gov.br/documentos/10112/912504/DLFE-47638.pdf/LIVRODEGOVERNANCA2.pdf
TABELA Nº 11: Identificação dos professores do Programa Autonomia (Regional IV)
Nome Idade Tempo
de serviço
na docência
Área disciplinar
Instituição de
Formação
Pós-graduação
Carga horária
de trabalho semanal
Bairro onde mora
Escola/ bairro que trabalha com o Projeto Autonomia
- 63 40 Matemática FEUC Sim 20h Santa Cruz
CIEP 392 Mário de Andrade /Santa Cruz
- 58 38 Português – literatura
UFF Sim 20h Campo Grande
CE Barão do Rio Branco/ Santa Cruz
Núbia Andrade
- 30 Língua Portuguesa
UFRJ Sim 32h Bangu - / Bangu
Aline M. Rodrigues
57 30 Português- literatura
Estácio de Sá
Não 24h Cosmos CE Jornalista Artur da Távola / Cosmos
André F. de Oliveira
52 27 Geografia e História
FEUC Sim 40h Campo Grande
CE Rainha Vitória / Campo Grande
Líllian Greice
47 26 Língua Portuguesa
Faculdade de Filosofia de Campo Grande
Não 10h Bangu CE Marechal Alcides Etchgoyen/ Bangu
Anna Cláudia de Castro
46 26 Ciências Biológicas
UFRRJ/ UNIG
Sim 56h Campo Grande
CE Liberdade/ Santa Cruz
- 46 25 Educação Física
Universidade Castelo Branco
Sim 40h Marechal Hermes
CE Guadalupe/ Guadalupe
Marilene 52 25 Geografia UEPB Sim 40h Campo Grande/Bangu
CE Leopoldina da Silveira/ Bangu
Sandra Gomes
46 25 Língua Portuguesa
Faculdades Integradas Simonsem
Sim 40h Realengo CIEP 382 Brizolão Aspirante Francisco Mega/ Vila Militar
Gisela Cruz 49 25 Lingua Portuguesa/ Literatura
FEUC Sim 36h Inhoaíba CE Jornalista Artur da Távola/ Cosmos
Alcenira Vitoriana
48 23 Português/ Literatura
FEUC Sim 20h Inhoaíba CE Rosária Trotta/ Campo Grande
171
Rodrigues Lourdes Lira C. D. Coelho
47 22 Português/ Inglês
Faculdades Integradas Simonsem
Sim 60h Realengo - / Realengo
Carla Andréa Bastos
40 22 Ciências com habilitação em matemática
Faculdade de Filosofia de Campo Grande
Sim 36h Campo Grande
CIEP 433 Togo Renan Soares Kanela/ Santa Margarida
Luciana C. V. Dutra
37 21 Português/ Inglês
FEUC Não 38h Jacarepaguá
CE Jorge Zarur/ Vila Kennedy
Isabel Cristina
52 20 Português/Literatura
Universidade Castelo Branco
Sim 20h Campo Grande
CE Irineu José Ferreira/ Campo Grande
Maria Clara 50 20 Letras UERJ/ Castelo Branco
Não 60h Senador Camará
CE Stuart Edgard Angel Jones/ Senador Camará
Sandra 37 18 Matemática UFRRJ Sim 32h - CIEP 225 Mário Quintana / Campo Grande
Raquel F. de Queiroz
35 18 Ciências Biológicas
Universidade Castelo Branco
Sim 36h Guaratiba CIEP 362- Roberto Burle Marx/ Guaratiba
Juciara de Abreu
45 18 Língua Portuguesa
Faculdade de Filosofia de Campo Grande
Sim 50h Campo Grande
CAIC Nações Unidas/ Inhoaíba
Célia Zarot 49 16 Lingua Portuguesa/ Literatura
UFRJ Não 56h Tijuca CE Prof. Manuel Maurício de Albuquerque/ Anchieta
- - 16 Letras UERJ Não 24h Realengo - Tadeu de Freitas
53 15 Lingua portuguesa
Universidade Gama Filho
Não 24h Santa Cruz
CE Jornalista Artur da Távola/ Cosmos
Edna Pêzego
42 15 Ciências Biológicas
UFRRJ Sim 40h Santa Cruz
CE Barão do Rio Branco/ Santa Cruz
Katia Papera 50 15 Educação Física
Universidade Castelo Branco
Sim 24h Santíssimo
CIEP 223- Olympio Marques dos Santos/ Campo Grande
Luciana Consoli
40 14 Lingua Portuguesa/ Inglês
FEUC Sim 20h Campo Grande
CE Profº Vilma Atanázio/ Campo Grande
Juliana S. Lemgrube
35 12 Educação Física
UFRRJ Não 40h Vila Valqueire
CE Agostinho Neto / Realengo
- 39 11 História UERJ Sim 40h Campo Grande
CE Jeannatte C. Mannarino
- 37 10 Português/ Língua estrangeira
UFRJ Não 48h Praça da Bandeira
CIEP 312 Raul Ryff / Paciência
Willian 36 10 Português/ Literatura
Gama Filho Não 75h Bangu CE Madre Tereza de Calcutá/ Realengo
Leila 48 10 Matemática FEUC Sim 40h Campo Grande
CIEP 165 Brigadeiro Sérgio Carvalho/ Campo Grande
Luciane Paixão
32 10 Português- Inglês
Universidade Castelo Branco
Sim 60h Vila Valqueire
CIEP 312 Raul Ryff/ Paciência
Valéria Ribeiro
38 10 Química UFRRJ/ Souza Marques
Sim 48h Campo Grande
CE Profº Ozéas Gomes Laranjeira/ Santa Cruz
Maria Luíza F. Kassab
43 10 Português- Literatura
UERJ/ FEUC
Sim 50h Campo Grande
CE Jornalista Artur da Távola/ Cosmos
Elton Cunha 29 10 Educação Física
UFRRJ Sim 48h Campo Grande
CE Jornalista Artur da Távola/ Cosmos
- 30 9 Português- Inglês
Moacir Bastos
Sim 35h Campo Grande
CE Profº Alba Cañizares/ Inhoaíba
- 34 9 Matemática FEUC Sim 20h - CE Profº Diuma Madeira / Parque Anchieta
Eliane 49 9 Ciências/ Matemática
FEUC - 24h Campo Grande
CIEP 362 Roberto Burle Marx/ Guaratiba
João Paulo 32 8 Educação Física
Unisuam Sim 24h Madureira CE Escultor Heitor Leão Velloso/ Pavuna
Simone 38 8 Letras UNESA Não 20h Campo Grande
CE João Proença/ Campo Grande
Renata P. Almeida
34 8 Biologia Universidade Castelo Branco
Sim 30h Santíssimo
CE Barão do Rio Branco/ Santa Cruz
Keli 32 8 Matemática Moacyr Bastos
Não 24h Bangu CE Marieta Cunha da Silva/ Bangu
- 35 7 Português UFF Não 32h - CE Collecchio/ Bangu Christian 33 7 Matemática Moacyr Sim 50h - CE Cora Coralina/ Campo
172
Simon Bastos Grande Rafael Moraes
32 7 Educação Física
UFRRJ Sim 72h Campo Grande
CE Amazonas/ Campo Grande
Marcio Fernandes
40 7 Geografia Moacyr Bastos
Sim. 40h Guaratiba CIEP 362 Roberto Burle Marx/ Guaratiba
Luciano Marcio de Paula
43 6 Geografia Simonsen Sim 40h Bangu CE Milton Campos/ Bangu
Ricardo 40 6 Goegrafia Moacyr Bastos
Não 36h Paciência CE Daltro Santos/ Bangu
Isabela T. Arruda
29 6 Educação Física
UFRRJ Sim 40h Campo Grande
CE Coelho Neto/ Ricardo de Albuquerque
Tonia F. Godoi
26 6 Matemática Moacyr Bastos
Sim 36 Campo Grande
CE Jornalista Artur da Távola/ Cosmos
Maria de Fátima
59 5 Matemática FEUC Não 36h Campo Grande
CE Venezuela/ Campo Grande
Paulo F. Marinho
26 5 História UERJ Sim 60h Santa Cruz
CE Vânia do Amaral/ Santa Cruz
Marcelo Mendes
26 5 Educação Física
UFRRJ Sim 32h Campo Grande
CE Vinicius de Moraes/ Pavuna
Leonardo Tinoco
27 5 Educação Física
UFRRJ Não 40h Campo Grande
CE Profº Daltro Santos/ Bangu
Alessandra Germano
40 5 Educação Física
Universidade Castelo Branco
Sim 24h Jabour CE Stuart Edgard Angel Jones/ Senador Camará
Gelvanete V. da Rocha
33 5 Português- Espanhol
Unisuam Sim 24h Bangu CE Monsenhor Miguel de Santa Maria Mochón/ Bangu
Lucilea 50 5 Lingua Portuguesa
Moacyr Bastos
Sim 20h Campo Grande
CE Jornalista Artur da Távola/ Cosmos
Mára Regina M. de Souza
54 5 Português- Inglês
FEUC Sim - Campo Grande
CE Raja Gabaglia/ Campo Grande
- 39 4 Ciências biológicas
Estácio de Sá
Não 40h Pedra de Guaratiba
CIEP 305 Heitor dos Prazeres/ Pedra de Guaratiba
Thaís de Mello
25 4 Português- Inglês
Universidade Castelo Branco
Sim 32h - CE Nações Unidas/ Bangu
Angela Leite Lopes
30 4 Português- literatura
Estácio de Sá
Sim 24h Campo Grande
CE Engenheiro João Tomé/ Padre Miguel
Jéssica Costa de Andrade
23 2 Ciências biológicas
Gama Filho Sim 20h Campo Grande
CE Profº Felipe dos Santos Reis/ Campo Grande
- 38 2 Português-espanhol
FEUC - 20h Cosmos CE Jornalista Artur da Távola/ Cosmos
* Os dados desta tabela foram compostos pelos dados dos professores do Programa Autonomia da metropolitana IV presentes no curso de formação, excetuando os faltosos. Os dados contidos foram reproduzidos na íntegra, exatamente como foram escritos pelos professores e os espaços em branco significam que os professores e professoras não responderam determinado trecho do questionário.
TABELA Nº 12: Painel dos professores entrevistados com os respectivos nomes fictícios: Professores entrevistados
Idade Tempo de magistério Graduação Instituição Carga horária de trabalho semanal declarada*
Antônio 30 anos 5 anos Educação Física- UFRRJ
32 horas ((uma matrícula no estado - Autonomia e uma no município)
Christiane 32 anos 5 anos Letras – Universidade Castelo Branco
60 horas (uma matrícula no estado – Autonomia e aulas particulares)
Fábio 29 anos 12 anos Educação Física – UFRRJ
40 horas (duas matrículas no estado, ambas no Autonomia)
Bruno 53 anos 15 anos Letras – Universidade Gama Filho (UGF)
24 horas (uma matrícula no estado - Autonomia)
Nilda 51 anos 24 anos Geografia - SIMONSEN 40 horas (duas matrículas no estado, ambas no Autonomia)
Janete 50 anos 26 anos Letras – Fundação Educacional Unificada Campograndense (FEUC)
36 horas (duas matrículas no estado, sendo uma no Autonomia e uma no ensino regular)
*Em relação à carga horária de trabalho semanal a tendência dos professores é desconsiderar o tempo de planejamento, só contabilizando como carga horária de trabalho aquele tempo gasto em sala de aula em interação com os alunos.
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