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Número 74 Agosto de 2008 Análise setorial do comércio varejista

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Número 74

Agosto de 2008

Análise setorial

do comércio varejista

Análise setorial do comércio varejista 2

Análise setorial do comércio varejista

Introdução

O comércio tem sido um dos setores com maior expansão no atual cenário econômico brasileiro. No Brasil, segundo últimos dados disponíveis existem, aproximadamente, 1.584 mil empresas comerciais que geram uma receita operacional líquida anual de R$ 1,1 trilhão. Essas empresas ocupam cerca de 7.600 mil trabalhadores e pagam, em conjunto, R$ 61,6 bilhões em salários1.

Assim como os demais setores de atividade, o comércio vem passando por transformações relacionadas a alterações no comportamento empresarial, no padrão tecnológico, nas formas de gestão, contratação e remuneração da mão-de-obra, principalmente a partir de meados da década de 90.

Esta Nota Técnica pretende realizar uma breve caracterização do Comércio Varejista, maior segmento do setor, analisando as principais transformações ocorridas neste segmento a partir dos anos 90 e apontar algumas perspectivas para os próximos anos.

O comércio varejista brasileiro até meados da década de 90

Antes dos processos de abertura econômica e de reestruturação produtiva nos anos 90, o varejo brasileiro se caracterizava por ter capital majoritariamente nacional, sendo poucas as empresas estrangeiras que operavam no país. A concorrência entre as companhias não era tão acirrada, resumindo-se basicamente às regiões, ou seja, haviam muitas lojas especializadas operando em nível local, poucas cadeias de porte médio atuando regionalmente e raras com presença nacional.

O relacionamento entre fornecedor e varejista era restrito ao âmbito comercial, limitando-se, basicamente, à realização de negociações de preços e de formas de pagamento. Com isso, o fluxo de mercadorias entre ambos era precário, não havendo ainda, uma engenharia logística sofisticada que pensasse a qualidade dos padrões de controle interno, principalmente em estoques e compras, diferentemente do que se observa atualmente.

Naquele período, o comércio era basicamente constituído por empresas de gestão familiar. Em função do baixo grau de profissionalização destas empresas, ocorriam disparidades acentuadas nos padrões de administração como, por exemplo, informalidade nas

1 Pesquisa Anual do Comércio de 2006 publicada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (PAC-IBGE),

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operações; freqüente indefinição de foco do negócio; demanda intensiva de mão-de-obra, com elevada rotatividade dos empregados e, além disso, um alto endividamento das empresas.

Devido ao período de alta inflação, sobretudo na década de 80, as empresas varejistas brasileiras possuíam um comportamento ofensivo através da remarcação constante de preços e ganhos através da lucratividade financeira, não se baseando, portanto, numa estratégia de concorrência voltada para redução de preços e custos entre empresas.

Entretanto, a partir dos anos 90, essa configuração se altera. Diversos fatores contribuem para esse processo e serão descritos a seguir.

A reestruturação do setor a partir dos anos 90

Na década de 90, a reestruturação produtiva trouxe diversas conseqüências para o mundo do trabalho brasileiro, as quais, em larga escala, continuam até hoje, tanto no que tange aos processos produtivos, como nas relações de trabalho.

O período foi marcado também por mudanças na conjuntura política e econômica como o plano de estabilização econômica - Plano Real -, a abertura comercial e financeira, as privatizações, a sobrevalorização do câmbio e juros elevados, que geraram um quadro recessivo na economia.

Inserido nesse cenário de transformações, o comércio varejista também sofreu influências e alterações. O Plano Real - implantado em julho de 1994 - reduziu drasticamente a inflação, interrompendo o processo de superinflação que desestabilizava a economia brasileira. Logo, as receitas financeiras diminuíram e as empresas foram obrigadas a se adequar à nova realidade buscando se tornarem mais competitivas. Destacam-se a introdução da gestão profissionalizada nas empresas do ramo e o ingresso de novas tecnologias no setor. A administração familiar empregada era pouco eficiente neste novo contexto, por isso, novas metodologias de gestão empresarial precisavam ser implementadas visando maior qualidade, eficiência e produtividade. A adoção intensiva de novas tecnologias facilitaria esse processo.

No setor, a principal novidade observada no Brasil nesse período foi a entrada de capital externo, seja ela através de fusões e aquisições, seja através da abertura de capitais das empresas nacionais, que assim entraram no mundo do mercado financeiro. Isso significava a oportunidade para que capitais internacionais adquirissem participação no mercado nacional. Exemplos disso são: a Companhia Brasileira de Distribuição – que tem, entre as suas bandeiras mais conhecidas, o Pão de Açúcar – adquirida em 1999 pelo Grupo Casino, de capital francês; as Lojas Renner - adquirido pela J. C. Penney Brazil, Inc., de capital americano, em 1998 -; e o Ponto Frio - que realizou seu primeiro leilão de ações em 1996.

A multinacional Wal-Mart, dos EUA, é outro exemplo de empresa estrangeira que decidiu atuar no comércio brasileiro através da instalação física de suas lojas a partir da

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segunda metade dos anos 902. Nesta mesma época, a rede Carrefour - que já atuava no Brasil desde 1975 - passou a adquirir médias e pequenas companhias nacionais (algumas lojas da rede Lojas Americanas, além da totalidade das lojas da rede Planaltão (DF), Roncetti (ES), Mineirão (MG), Rainha, Dallas e Continente (RJ)), adotando, assim, estratégia agressiva de expansão na participação de mercado nacional. Desta forma, a troca de controle das principais redes nacionais foi uma característica forte percebida no varejo brasileiro.

Serão analisadas, a seguir, as mudanças em três segmentos importantes do varejo: shopping centers, lojas de departamento e supermercados e o surgimento do e-commerce ou comércio via Internet.

a) Shopping centers

Os shopping centers se tornaram, nos últimos anos, a principal opção de entretenimento das cidades de médio e grande porte devido a alguns aspectos fundamentais: concentração de inúmeros serviços no mesmo local, como cinemas e restaurantes, além do comércio; segurança e conforto proporcionados; facilidade no acesso e a grande disseminação da cultura do consumo entre a sociedade.

Entre 1997 a 2001, o número de empreendimentos cresceu 62%, passando de 182 para 294 shoppings. Segundo Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce), em 2004, existiam 326 shopping centers no Brasil e, em 2008, essa marca pode chegar a 382 empreendimentos, com perspectiva de continuidade de expansão para os próximos anos (Gráfico 1).

Essas gigantescas estruturas estão espalhadas pelos principais centros urbanos do país. No entanto, a maior concentração está na região Sudeste, com 55% dos estabelecimentos, sendo o estado de São Paulo principal responsável por essa participação.

Devido à escassez de terrenos nas áreas metropolitanas, há uma tendência de expansão desses empreendimentos em cidades do interior, o que pode ser uma ação importante para o desenvolvimento local. Exige, porém, ao mesmo tempo, atenção por parte dos sindicatos de trabalhadores para os impactos negativos que esse tipo de estabelecimento pode trazer, como por exemplo, a redução do número de estabelecimentos comerciais em áreas adjacentes ao shopping. Nesse sentido, as metrópoles podem servir de exemplo.

2 Após a instalação física de suas lojas no Sudeste e no Paraná, o Wal-Mart começa sua expansão a partir da aquisição de grandes redes varejistas brasileiras. Em 2004, a empresa adquire a rede Bom Preço, predominante no Nordeste do país, e depois, em 2005, adquire a rede Sonae, este já com forte predomínio no Sul do Brasil. Hoje, é a terceira maior rede varejista do país.

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GRÁFICO 1 Evolução do número de shoppings centers

Brasil – 1996 a 2008

182

211227

249

281294

303317

326335

351367

382

0

50

100

150

200

250

300

350

400

450

1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 *

Fonte: Abrasce Nota: * Dados projetados

b) Lojas de departamentos

O segmento mais atingido pelas mudanças, nos anos 90, foi o composto pelas tradicionais lojas de departamentos. As empresas, em sua grande maioria, passaram a apresentar perda de identidade em razão das freqüentes indefinições do foco de atuação.

As lojas de departamentos tiveram que desenvolver um processo de reestruturação intensa em suas estruturas para conseguirem se adaptar e sobreviver ao novo contexto extremamente competitivo, oriundo da abertura econômica. Redes conhecidas, como Mesbla e Mappin não conseguiram empreender as transformações necessárias e acabaram falindo (ambas no ano de 1999).

As empresas que sobreviveram ao processo e as que vieram a surgir, desenvolveram e puseram em prática novas formas de organização e atuação, alterando profundamente a estrutura do segmento. Essas inovações são caracterizadas por: redução do tamanho das lojas e fechamento de unidades de rua, direcionando-as para shopping centers; fortes investimentos em automação comercial e em sistemas de informações gerenciais; modernização da gestão de estoques e logística do suprimento e alteração do sortimento das lojas; eliminação de alguns departamentos, concentrando-se nos mais rentáveis; intensificação da operação através de canais alternativos como telemarketing, e-commerce, TV shop, catálogos, entre outros -

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sendo que os dois primeiros têm tido um substancial crescimento de suas participações nas vendas do setor - e, por último, concentração em algumas empresas.

c) Supermercados

Quando se fala em modernização no comércio pós anos 90, o segmento de super e hipermercados é referência em vários sentidos. O setor de auto-serviço sofreu inúmeros impactos, deixando de ser caracterizado pelo predomínio do capital nacional, por uma gestão familiar e por empresas de médio porte com atuação regional. Até 1990, para se ter uma idéia, o Carrefour era a única rede multinacional supermercadista no país.

A partir de 1995, com a internacionalização do setor, ocorreram mudanças significativas. O segmento passou a ter uma forte intensificação da concorrência com a presença do capital externo, sendo que, atualmente, das cinco grandes redes (Carrefour; Companhia Brasileira de Distribuição - CBD; Wal-Mart, G.Barbosa e Cia. Zaffari) somente uma é de capital nacional, a Cia. Zaffari (com sede no estado do Rio do Grande do Sul). Concomitantemente a esse contexto, a concentração aumentou, devido a uma estratégia agressiva das companhias (principalmente da CBD, do Carrefour e do Wal-Mart) de avanço no mercado através de fusões e aquisições. Atualmente, 60% do faturamento total das 300 maiores empresas do setor de super e hipermercados estão concentrados em somente cinco delas, segundo o ranking da Associação Brasileira de Supermercados (Abras).

Com grande poder econômico, as grandes redes varejistas obtiveram maior poder de pressão nas negociações com seus fornecedores, acarretando uma alteração substancial na correlação de forças da cadeia produtiva do setor supermercadista.

A comercialização de marcas próprias, por exemplo, foi uma das grandes modificações nessa relação. Essa estratégia consiste na venda de produtos de fabricantes independentes, com a finalidade de obter vantagem competitiva sobre os concorrentes e de aumentar o poder de barganha junto aos fornecedores de marcas tradicionais. Essa nova relação ocasionou, de certo modo, uma transferência de renda da indústria para as gigantescas varejistas e o desenvolvimento de um novo padrão nos procedimentos de operação entre supermercados e fornecedores.

A gestão passou por um processo de profissionalização com o ingresso das grandes redes varejistas estrangeiras, difundindo-se no segmento novos padrões de administração. Dessa forma, ocorreram investimentos em automação gerencial e em engenharia de logística; mudanças de layout e na disposição de mercadorias; expansão nas vendas de medicamentos, de perecíveis, de hortifrutigranjeiros; adoção das chamadas vendas-solução, cujos produtos de maior valor agregado, em geral semiprontos, tiveram suas vendas incrementadas; aumento do financiamento ao consumidor, através de parcerias com bancos; parcerias com redes de fast

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food e de produtos de conveniência; melhora na qualidade do atendimento entre outras transformações.

Uma inovação importante, que trouxe significativas conseqüências, foi a incorporação de novas e avançadas tecnologias no setor. Exemplos disso são a automação e a telemática - utilização de equipamentos que combinam a tecnologia da informação com as de telecomunicações – e, atualmente, discute-se a introdução do RFID (Radio Frequency Identification). Esta última caracteriza-se pela utilização de chips nos produtos comercializados em substituição aos códigos de barra, para que estes sejam identificados através de sensores localizados na loja. Desta forma, tornar-se-ia desnecessária a utilização de operadores de caixas. A gigante rede varejista Wal-Mart já está experimentando esta tecnologia em algumas de suas lojas nos Estados Unidos.

Outra recente inovação das grandes redes varejistas é a expansão dos “supermercados de proximidade”. A estratégia consiste em competir com o pequeno mercado de bairro, ou até mesmo estabelecer “parcerias” com estes, implantando lojas de até cinco checkouts cujo objetivo é chegar ao consumidor que realiza compras rápidas. Com a manutenção dos índices de inflação em patamares baixos, o consumidor brasileiro atual não necessita fazer grandes estoques de compras em casa, assim tem ido com mais freqüência ao mercado e realizado compras mais reduzidas.

As bandeiras Dia% (pertencente à rede Carrefour), Extra Perto e Extra Fácil ( Grupo Pão de Açúcar) e Wal-Mart Todo Dia (Wal-Mart), por exemplo, são os principais focos de investimentos das grandes redes varejistas para os próximos anos.

Vale ressaltar também que os supermercados foram os principais defensores da abertura do comércio aos domingos e feriados, sendo um dos principais responsáveis, além dos shoppings, pelo crescimento da jornada de trabalho dos trabalhadores.

d) E-commerce

O investimento em novas formas de operação de vendas foi uma das inovações realizadas com a reestruturação produtiva. Em consonância a essa linha de ação, surgiu um segmento novo e especial no comércio, cuja participação nas vendas e no faturamento do setor tem se expandido de maneira expressiva a cada ano: o e-commerce. Essa denominação significa, nada mais nada menos, que comércio eletrônico ou comércio via internet.

A internet vem se apresentado como um instrumento extremamente versátil, dinâmico e com altíssimo grau de dispersão na sociedade. No Brasil, o número de internautas quadruplicou em sete anos: passou de 9,8 milhões, em 2000, para 39 milhões, em 2007, segundo o Ibope/NetRatings, que mede o mercado brasileiro de internet.

Em conformidade com essa nova ferramenta tecnológica, o comércio viu uma oportunidade significativamente rentável para a sua estratégia de crescimento das vendas.

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Sem necessidade de um número alto de empregados e com uma estrutura física mínima para o funcionamento, além do conforto, comodidade e segurança proporcionados ao consumidor, o e-commerce se mostrou um canal alternativo muito eficiente e lucrativo para as vendas das companhias do setor.

Grandes redes, como Lojas Americanas, Magazine Luiza, Pão de Açúcar e Carrefour, têm olhado cada vez mais, e com maior atenção, para esse novo segmento, melhorando suas páginas eletrônicas na internet e ofertando serviços de entrega em domicílio. No primeiro trimestre de 2008, o faturamento do setor foi de R$ 1,84 bilhão, 49% acima do resultado contabilizado para o mesmo período de 2007, quando ficou em R$ 1,23 bilhão, segundo a consultoria E-bit. Em 2007, o varejo via internet faturou R$ 6,3 bilhões, registrando um crescimento de 43% em relação a 2006, e teve 9,5 milhões de brasileiros realizando compras eletrônicas.

A principal questão que o desenvolvimento do e-commerce trouxe para os trabalhadores foi o impacto sobre o emprego, visto que essa atividade requer um número reduzido de funcionários em comparação às estruturas tradicionais, já que não há a necessidade de vendedores, nem tampouco de caixas para cobrança do produto.

O desafio é novo e requer atenção, já que o número de brasileiros que tem computador e, além disso, com acesso à internet ainda é pequeno. Isso significa dizer que com o crescimento da economia e conseqüente aumento da inclusão digital, a expansão do e-commerce é promissora.

Impactos sobre o trabalhador

No que tange às relações de trabalho, essas mudanças têm trazido invariavelmente, impactos significativos na vida do trabalhador: terceirização, e diversas formas de flexibilização implementadas foram políticas intensa e extensamente praticadas no setor do comércio e geraram precarização das relações de trabalho e um aumento das taxas de desemprego. A justificativa apresentada era a maior eficiência, diminuição de custos, incremento da produtividade e geração de emprego.

Mesmo nas micro e pequenas empresas, as quais empregam a maior quantidade de trabalhadores do setor, houve redução do estoque de emprego, já que muitas não conseguiram sobreviver à competitividade acirrada advinda da abertura econômica realizada. Vale lembrar que não foram apenas os empreendimentos de médio e pequeno porte que sucumbiram à competitividade, empresas grandes como Mappin, Mesbla e Casas Centro, também não sobreviveram.

A remuneração também foi afetada significativamente e sofreu alterações na direção de maior flexibilização. Buscou-se repartir o risco do negócio com os trabalhadores,

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aumentando a parcela do salário que depende diretamente do desempenho da empresa (remuneração variável) através do cumprimento de metas.

Em relação às horas trabalhadas, o aumento foi substancial, e as mais extensas jornadas de trabalho, na comparação entre os diferentes setores de atividade econômica, são praticadas no comércio. No primeiro semestre de 2008, em algumas regiões metropolitanas do Brasil, a jornada realizada chega a ser acima das 50 horas semanais, segundo a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), desenvolvida pelo convênio entre DIEESE, Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados e governos e instituições regionais.

Além disso, a informalidade, um dos principais problemas do setor, cresceu muito na década de 90. Conquistas importantes como o registro na carteira de trabalho, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), as férias, o 13º salário, a seguridade social (aposentadoria, seguro desemprego, previdência social etc.), entre outras conquistas dos trabalhadores a partir da Constituição de 1988, tornaram-se realidade para um número cada vez menor de trabalhadores.

O trabalhador brasileiro se deparou com a instabilidade no emprego, ameaçado pelo crescimento do desemprego, e aumento na intensidade do trabalho. Os ganhos resultantes do aumento da produtividade, por sua vez, não foram incorporados aos salários.

Abertura do comércio aos domingos e feriados

De todas as transformações ocorridas nos anos 90, decorrentes da abertura econômica brasileira e da reestruturação produtiva realizada no comércio varejista, a abertura do comércio aos domingos pode ser considerada como uma das mais significativas para os trabalhadores do setor. A ação que liberou o funcionamento do comércio aos domingos resultou na introdução do artigo 6º, quando da reedição da Medida Provisória (MP 1.359-34, de 07/08/97), que tratava da Participação dos Trabalhadores nos Lucros e Resultados das Empresas, transformada, mais tarde, na Lei 10.101 de 19 de dezembro de 2000. A falta de regulamentação tirou o direito ao descanso semanal de grande parcela dos comerciários ou, na melhor das hipóteses, transferiu-o para um dia da semana, dificultando o convívio dos trabalhadores com seus familiares.

Desde então, muitos debates, atos, manifestações e reuniões foram realizadas entre as entidades representativas dos trabalhadores e das empresas do setor, o governo e a sociedade civil. Dos principais argumentos arrolados pelos defensores da abertura do comércio aos domingos, como geração de emprego, aumento de arrecadação tributária, aumento do faturamento e maior comodidade à população, apenas esse último foi e continua sendo consenso.

Os fatos parecem demonstrar, e isso está cada vez mais claro, que a motivação para a defesa intransigente da flexibilização do horário de funcionamento do comércio aos domingos

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não era a geração de emprego e, menos ainda, a elevação da arrecadação. Na verdade, o que estava em jogo era um processo de desregulamentação por meio de uma legislação que liberasse a abertura, sobretudo para o grande varejo, ou seja, para as grandes redes e cadeias do comércio. Este processo ampliou a capacidade destas grandes redes de superarem a competição com o pequeno comércio e assim estenderem seu domínio sobre o mercado. Além disso, também gerou alterações mais profundas na vida social, acentuando a mercantilização do lazer, ao tornar shopping centers locais de lazer familiar aos finais de semana.

No entanto, depois de anos de muita discussão entre os atores envolvidos, em 2007 (como resultado dos trabalhos do GT de Trabalho aos Domingos do Fórum Nacional do Trabalho) foi editada a Medida Provisória nº 388, a qual, depois de votada no Congresso Nacional naquele mesmo ano, virou a Lei nº 11.603, de 2007. Tal lei alterou o artigo 6º da Lei nº 10.101, de 2000, e garantiu um domingo de descanso aos trabalhadores no comércio a cada dois domingos trabalhados e a negociação com os sindicatos das condições de trabalho. Longe de ser uma solução final para a questão, a Lei nº 11.603, de 2007, significa um avanço no processo de regulamentação do trabalho no comércio aos domingos, já que de alguma forma normatiza a prestação do trabalho nesse dia, antes sem nenhum tipo de critério.

Cabe mencionar que, mesmo antes de a Lei 11.603, de 2007, entrar em vigor, muitos sindicatos conquistaram a regulamentação da abertura aos domingos através de lei municipal.

O comércio varejista brasileiro atual

Após os processos de mudanças e adaptações motivados pela conjuntura política e econômica da década de 90, o comércio varejista chegou aos anos 2000, muito diferente do período anterior.

O setor desenvolveu algumas inovações que também podem ser entendidas como tendências do setor. Entre elas, destacam-se: convergência dos formatos de lojas; padronização de procedimentos de operação entre fornecedores e varejistas; avanço da tecnologia da informação; definição e reformulação da imagem e do marketing; maior automação comercial; busca de eficiência operacional; crescimento de canais alternativos de vendas; diferenciação baseada em qualidade e criatividade nos serviços e no atendimento ao consumidor; modernização de gestão, profissionalização e gerência por categoria de produtos; ampliação das formas de crédito, através da aceitação de cartões de crédito próprios ou de administradoras e dos crediários; terceirização das atividades de financiamento ao consumidor, tendo os bancos comerciais como importantes parceiros; e por fim, otimização da área de vendas.

O cartão de fidelidade foi uma novidade no dia-a-dia dos consumidores implantada no período recente. A administração desses cartões ficou, em grande parte, sob responsabilidade dos bancos, através de convênios, contratos e parcerias firmadas com as empresas varejistas.

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Serviços que antes eram típicos do sistema financeiro passaram a ser ofertados e administrados pelo varejo, como vendas dos cartões fidelidade, crédito, financiamento e pagamento de contas.

Com o crescimento econômicos dos últimos anos e aumento da capacidade de consumo da população (via aumento do salário mínimo, acesso ao crédito, e aos programas sociais do governo Lula, como o Bolsa Família, por exemplo), as empresas passaram a oferecer melhores condições de pagamento/financiamento para produtos de consumo popular e, muitas delas, direcionaram seus investimentos para a Região Nordeste do país.

Essas novas características, alicerçadas em uma nova situação social, política e econômica vivida pelo país, especialmente nos últimos quatro anos, têm oferecido bons resultados para o varejo nacional. O ano de 2007, por exemplo, foi marcado por um vigoroso crescimento econômico impulsionado pelo dinamismo do mercado interno. O Produto Interno Bruto (PIB), calculado pelo IBGE, vem crescendo a 23 trimestres consecutivos e, no último ano, a elevação foi de 5,4% em relação a 2006.

Esse quadro foi tão favorável que, no último ano, o setor varejista obteve um dos seus melhores resultados. Segundo os dados da Pesquisa Mensal de Comércio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (PMC/IBGE), o volume de vendas no comércio varejista teve uma expansão de 9,62%, em 2007, em relação ao ano anterior (Tabela 1). O resultado representa um crescimento recorde, a mais alta marca de toda série histórica do IBGE, iniciada em 2001. Seguindo a mesma evolução do volume de vendas, a receita nominal no comércio varejista do país teve um crescimento de 11,84%, em 2007.

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TABELA 1 Evolução do Índice de volume de vendas e

receita nominal de vendas no Comércio Varejista Brasil – 2007

(em %)

Volume de Vendas Receita Nominal

Mês Variação mensal (1)

Variação acumulada no ano (2)

Variação mensal (1)

Variação acumulada no ano (2)

janeiro -29,27 8,45 -29,18 8,28 fevereiro -7,76 8,78 -7,72 8,76 março 14,16 9,75 14,59 9,78 abril -2,59 9,20 -2,36 9,37 maio 6,99 9,49 7,36 9,83 junho -4,39 9,80 -4,06 10,49 julho 0,47 9,73 0,84 10,71 agosto 4,08 9,80 4,57 11,09 setembro -2,34 9,62 -2,35 11,19 outubro 4,06 9,63 4,43 11,44 novembro 2,10 9,71 2,30 11,67 dezembro 35,33 9,62 36,53 11,84 Fonte: IBGE - Pesquisa Mensal de Comércio Elaboração: DIEESE Obs.: índices sem ajuste sazonal. Notas: (1) base: igual mês anterior (2) base: igual período do ano anterior

São vários os fatores que ajudam a explicar tal comportamento. A forte expansão da oferta de crédito teve um papel fundamental neste processo, tanto pela extensão dos prazos de pagamento oferecidos pelo comércio, quanto pelo seu barateamento, e só foi possível devido aos baixos patamares da inflação. O volume de crédito disponível já equivale a 36,5% do PIB (dado de maio de 2008), percentual quase equivalente ao valor recorde da série histórica do Banco Central (36,8% do PIB), registrado em janeiro de 1995. Além disso, o aumento do emprego e da massa salarial; a valorização do salário mínimo e o aumento do consumo de produtos importados devido à valorização do real frente ao dólar contribuíram com o crescimento das vendas do comércio neste ano.

Em relação ao emprego, o número de postos de trabalho com carteira assinada gerados no Brasil bateu recorde em 2007, tendo sido a maior marca desde o início da série histórica do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), mantido pelo Ministério do Trabalho e Emprego. O setor de comércio foi um dos principais responsáveis por este resultado. Neste ano, foram registrados 405.091 novos postos de trabalho formais no setor, o maior número já computado pelo Caged desde 1992, ano em que foi implantada a pesquisa. Este valor representa um crescimento de 20,3% em relação à marca apurada em 2006, que foi de 336.794.

Apesar do número recorde de empregos formais gerados em 2007, a remuneração das vagas abertas não é motivo de comemoração. Os 405.091 postos de trabalho com carteira

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assinada criados no ano apresentavam remuneração de, no máximo, dois salários mínimos, o que representa em valores nominais ao final de 2007, R$ 760,00. Isto significa que, os empregos criados são de baixa remuneração.

O contexto econômico favorável ao emprego influenciou fortemente os resultados das negociações coletivas no ano de 2007. Das 715 negociações salariais analisadas pelo SAS-DIEESE – Sistema de Acompanhamento de Salários do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos – 96% asseguraram, no mínimo, a incorporação das perdas ocorridas desde a data-base anterior. É o quarto ano consecutivo em que mais da metade das negociações analisadas consegue repor seu poder aquisitivo quando o reajuste obtido é comparado ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), calculado pelo IBGE, parâmetro tradicionalmente utilizado nas reivindicações salariais. Além disso, desde a criação do SAS-DIEESE, em 1996, esse é o mais longo período em que predominam negociações que asseguram aumentos reais de salário.

Nas categorias profissionais vinculadas ao Comércio, 72 negociações, a situação não foi diferente, já que a maioria das negociações conseguiu aumentos reais. Em 2007, 89% das negociações do setor obtiveram aumentos reais.

Considerações finais e perspectivas do setor

Mudanças recentes no quadro econômico trouxeram questionamentos sobre o futuro da economia mundial e brasileira. O debate conjuntural voltou a ser dominado pela questão da inflação. E não é para menos, visto que o aumento de preços, especialmente de alimentos, apresenta-se como um fenômeno mundial, com conseqüências desastrosas para os mais pobres.

A alta da inflação tornou mais nebuloso o cenário econômico. Os bons resultados auferidos pelo setor no último ano podem não seguir no mesmo ritmo e patamar daqui para frente.

Como resposta para o ligeiro aumento da inflação, o Banco Central voltou a aumentar a taxa de juros. Este ciclo de alta dos juros, iniciado em abril último, pode levar a Selic para mais de 14% no final deste ano. No entanto, os reflexos mais fortes dessa política monetária serão sentidos somente no último trimestre do ano, por conta da defasagem da política em relação aos resultados.

Embora o quadro econômico se apresente preocupante, a expansão do comércio varejista continua bastante robusta. Os motivos da alta continuam a ser o crescimento da renda e a expansão do crédito.

Segundo dados da Pesquisa Mensal do Comércio (PMC/IBGE), o volume de vendas no comércio varejista cresceu 11% e a receita nominal 15,8% no primeiro quadrimestre de

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2008 em relação ao mesmo período do ano passado. Entre os segmentos pesquisados, destaques para Equipamentos e materiais para escritório, informática e comunicação (27,6%) e Veículos e motos, partes e peças (23,4%).

A previsão de alguns especialistas é de que o ciclo de elevação dos juros esfrie a demanda no segundo semestre. Há alguns indícios de que o fenômeno já começou a ocorrer. Os estoques de automóveis, por exemplo, estão aumentando, segundo informações do setor, e as filas de compra para alguns modelos, caíram. O certo é que até maio, no entanto, o comportamento do crédito não sinalizava arrefecimento da demanda. O volume total de crédito do sistema financeiro, em maio, havia crescido 32,4% em doze meses, alcançando R$ 1.044 bilhão, equivalente a 36,5% do PIB. A inadimplência do crédito referencial em maio, considerados os atrasos com mais de 90 dias, ficou em 4,2%, o que representou estabilidade em relação ao mês anterior e diminuição de 0,6 ponto percentual, em comparação com maio de 2007. Por segmento, as taxas de inadimplência corresponderam a 7,3% para pessoas físicas, com elevação mensal de 0,2 pp (a elevação é menor em relação a maio de 2007, de apenas 0,1pp) e a 1,8% para pessoas jurídicas, observando estabilidade em relação ao mês anterior.

O emprego também segue o mesmo ritmo que em 2007. A taxa de desemprego nas regiões metropolitanas é a menor desde 1998 (14,6% em junho de 2008). Além disso, segundo a PED-Metropolitana referente a junho, a massa de rendimentos dos ocupados, nos últimos 12 meses, findos em maio deste ano, se expandiu em expressivos 9,2%, resultado do crescimento tanto do nível de ocupação quanto do rendimento médio real.

No âmbito das negociações salariais, apesar dos patamares mais elevados de inflação, as categorias com datas-base no primeiro quadrimestre de 2008 continuaram assegurando a recomposição dos salários. Dados preliminares do SAS-DIEESE revelam que mais de 90% dos resultados das negociações nesse período registraram reajustes salariais iguais ou superiores ao INPC/IBGE, sendo que mais de 80% deles com aumentos reais. No entanto, trata-se de um retrato parcial, passível de alteração até a publicação do balanço consolidado do semestre. No comércio, todos os resultados registrados foram superiores ao INPC/IBGE, ou seja, obtiveram ganhos reais em relação à inflação.

No entanto, as expectativas para os próximos dois anos, em conseqüência dessa nova conjuntura, já não são tão positivas como as dos anos anteriores. A manutenção do patamar da taxa de juros afetará diretamente o crescimento em 2009, uma vez que tende a reduzir o ritmo dos investimentos e do consumo das famílias. Se o comércio é considerado o termômetro da economia, por ser o primeiro setor de atividade a refletir o desempenho econômico, seja positiva ou negativamente, a queda no ritmo das vendas com a alta dos juros serão sentidas nos próximos meses.

Análise setorial do comércio varejista 15

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Direção técnica Clemente Ganz Lúcio – diretor técnico Ademir Figueiredo – coordenador de estudos e desenvolvimento Francisco J.C. de Oliveira – coordenador de pesquisas José Silvestre Prado de Oliveira – coordenador de relações sindicais Nelson Karam – coordenador de educação Claudia Fragozo dos Santos – coordenadora administrativa e financeira Equipe técnica responsável Andréa Muchão Catia T. Uehara Clóvis Scherer Daniela B. Sandi Denis Oshima Roberto Diego Romano Fabiana Carla da Silva Campelo Iara Heger (revisão)