andrea rabelo almeida.pdf

Upload: paula-almeida

Post on 08-Oct-2015

240 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 5/19/2018 andrea rabelo almeida.pdf

    1/23

    *Trabalho apresentado na 26. Reunio Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 01 e 04 dejunho, Porto Seguro, Bahia, Brasil.

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHO

    CENTRO DE CINCIAS HUMANAS

    DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA

    Agentes sociais e prticas de cura: estudo sobre concepes de doena e

    itinerrios teraputicos em grupos populares de So Lus MA*

    Aluna:

    ANDRA RABELO ALMEIDA

    CURSO DE CINCIAS SOCIAIS

    Prof . Dr. Ednalva Maciel Neves

    Orientao

    Projeto:

    Sade e doena: estudo antropolgico sobre concepes e prticas de cura em So

    Lus - MA

    Durao: 2,5 anos

    rea de conhecimento: Cincias humanas / AntropologiaProjeto financiado pelo Edital 10/2006 CT Infra / CNPQ / FAPEMA

    Vnculo: GRUPO DE ESTUDOS ANTROPOLGICOS EM SADE, CINCIAS E

    SOCIEDADES CONTEMPORNEAS GEASC

  • 5/19/2018 andrea rabelo almeida.pdf

    2/23

    RESUMO

    Relato de observao realizada no bairro do S Viana localizado na periferia de So

    Lus-MA onde, ao lado do sistema cultural e das concepes de sade e doena, realiza-se

    aes e itinerrios teraputicos de origem tradicionais. Alm da descrio destas atividades,

    procura examinar suas relaes com o sistema religioso e com o sistema oficial de sade,

    assim como analisar os motivos que levaram as pessoas a procurar, como clientes, agente de

    cura e as formas ali existentes de atendimento s suas necessidades. Discutir finalmente a

    posio da cura para estes agentes e questionar a eficcia da utilizao de suas prticas.

    PALAVRAS-CHAVE:Sade e doena, itinerrio teraputico e agentes de cura.

    1. INTRODUO

    O estudo se insere no campo da antropologia da sade e doena, envolvendo crenas,

    concepes de doena e tratamento, considerados a partir do sistema cultural. A cultura

    vista como um conjunto de significados partilhados e construdos pelos indivduos, que

    buscam, com o referente cultural, explicar e dar sentido ao mundo em que vivem e aos

    fenmenos que os atingem (GEERTZ, 1989).

    Estudos antropolgicos tm se preocupado com as concepes de sade e doena

    interpretando este binmio como parte da vida social dos grupos e sociedades. Infortnios e

    doenas em outros povos foram examinados por Evans-Pritchard (2005) e Malinowski (1978)

    como aspectos importantes da vida social. Estes estudos apontam para a imbricao estreita

    dos fatos relativos ordem biolgica, a ordem social e a ordem do mundo (cosmolgico)

    (Buchillet: 1991 p.25).

    Os estudos sobre sade e cultura partem do sistema de classificao das doenas,

    considerando que definio da etiologia dos distrbios orienta o tratamento e sua avaliao

    pelos grupos sociais. Segundo Malinowski (1978), os sistemas de conhecimento esto

    fundados na experincia e modelos pelos valores das sociedades, de modo que esto

    sistematizados em instituies que fornecem as orientaes diante dos acontecimentos. No

    so sistemas ilgicos ou desprovidos de racionalidade.

    Apesar dessa reflexo, Garnelo (S/d) e Langdon (1994) alegam que as investigaes

    sobre sade e doena em grupos populares adotavam os esquemas de oposies binrias

    desenvolvidas pela medicina para examinar os processos de adoecimento e itinerrios

    teraputicos. So oposies, tais como: natural/sobrenatural, magia /cincia, medicina

  • 5/19/2018 andrea rabelo almeida.pdf

    3/23

    primitiva/ medicina moderna, que tornam visveis uma atitude etnocntrica na abordagem do

    fenmeno. Trata-se de uma perspectiva vinculada ao modelo da biomedicina e orientada pelo

    paradigma da doena.

    O objeto de estudo desta pesquisa compreende, portando, a investigao sobre as

    concepes de sade e doena em grupos populares De So Lus, bem como as prticas

    negociadas nos processos de adoecimento, o que caracteriza o itinerrio teraputico.

    Deste modo, o objetivo geral desta pesquisa investigar as concepes de sade e

    doena no contexto urbano de So Lus, valorizando os saberes locais e os sistemas culturais

    de classificao da causalidade acionadas pelos grupos para conduzir suas aes teraputicas.

    Dentre os objetivos especficos, listamos: identificar os agentes sociais de cura;

    descrever os sistemas crenas e valores relacionados sade e doena; descrever os recursos

    de tratamento mobilizados; analisar os sistemas de classificao de causalidade da doena e

    dos infortnios desse grupo social.

    As origens quase sempre rurais (quase sempre rurais) e os valores culturais a

    populao urbana, de baixa renda e localizada na periferia de So Lus, oferecem um contexto

    cultural expressivo para o estudo das concepes de sade e doena. No nvel local, um

    aspecto importante a ser considerado consiste no sincretismo religioso, que tem forte

    influncia sobre os processos de negociao acerca do diagnstico da doena e do itinerrioteraputico.

    A proposio terica metodolgica da pesquisa se fundamenta no trabalho

    intensivo de observao de campo e descrio densa dos fenmenos sociais. Esta ltima

    estratgia entendida como uma descrio etnogrfica interpretativa e microscpica (GEERTZ:

    1989 p. 31). Desta forma, a metodologia empregada procura dar primazia convivncia com

    os agentes sociais, tomando a observao de campo: tais como registro fotogrfico, recolhido

    de medicamentos e levantamento de espcies de plantas utilizadas em banhos e outrosprocedimentos de cura.

    Orientada por uma reviso bibliografia continuada, a investigao busca mapear os

    agentes sociais de cura que so mobilizados no itinerrio teraputico pelos moradores, tais

    como: benzedeiras e curandeiros, ervateiros, mes e pais de santo, e outros agentes indicados.

    A estratgia construir uma rede social (BOTT: 1976 p. 36) de investigao em que o agente

    de cura acompanhado possa sugerir outros agentes, criando um sistema de informao

    fornecido pelos agentes, que atuam no bairro com o objetivo de investigar sistemas de valoresrelativos causalidade e mecanismo, tratamento e morte.

  • 5/19/2018 andrea rabelo almeida.pdf

    4/23

    A pesquisa, vinculada a antropologia da sade e da doena, se realiza no bairro do S

    Viana, principalmente pela ausncia de servios oficiais de sade e a deficincia de servios

    bsicos como educao pblica, transportes pblicos, saneamento bsico, dentre outros

    problemas e com a finalidade de assim poder beneficiar diretamente e indiretamente esta

    comunidade.

    A reviso bibliogrfica sistemtica se orienta para o levantamento de estudos j

    realizados em contextos urbanos, para a identificao das principais correntes e abordagens da

    temtica da sade e doena e sobre o itinerrio teraputico.

    O trabalho de campo est centrado no princpio da convivncia com os agentes

    sociais de cura, tais como: ervateiros, raizeiros, benzedeiras, mes e pais de santo, que so

    referncia para a localidade. O estudo toma a etnografia como tcnica fundamental de coleta

    de dados pelo acompanhamento prolongado dos agentes e de seus pacientes.

    Alm disso, combinamos diferentes tcnicas de pesquisas (entrevistas diretas ou no,

    grupos focais, registro fotogrfico, etc.), visando, contudo um maior alcance sobre o objeto de

    estudo, principalmente em relao aos representantes do grupo social onde a pesquisa esta

    sendo realizada.

    Por fim, a anlise das informaes seguir a sistematizao fornecida pela

    antropologia, enfatizando: ordenao, classificao e anlise de dados coletados. Para tanto,seguiremos uma postura indiciria e tica frente aos nossos interlocutores, orientados pela

    construo da confiana entre pesquisadores e pesquisados.

    2. PARTE EXPERIMENTAL

    Para obter uma viso abrangente da sade e da doena e do itinerrio teraputico,

    faz-se necessrio o emprego de uma metodologia qualitativa de pesquisa, combinando

    tcnicas, tais como: a observao de campo atravs da constituio de uma rede social de

    informantes, que so os agentes sociais; entrevistas conversas informais; pesquisa

    bibliogrfica, etc.

    O trabalho de campo ser concentrado no bairro do S Viana, tendo como objetivo

    realizar um estudo etnogrfico com a finalidade de mapear os agentes de cura, as formas de

    organizao da populao e acompanhar as estratgias de tratamento utilizadas pelos doentes

    que procuram os agentes de cura. As atividades de campo esto voltadas para:

  • 5/19/2018 andrea rabelo almeida.pdf

    5/23

    1. Mapear os agentes de cura, identificando os diagnsticos e estratgias

    mobilizadas no itinerrio teraputico, so eles: benzedeira e curandeiro, ervateiros mes e pais

    de santo;

    2. Entrevistar os agentes de cura e seus clientes sobre a sua compreenso da sade

    e doena, em termos de definio da causalidade e estabelecimentos de processos de cura;

    3. Acompanhar o cotidiano desses agentes, observando os tratamentos, em termos

    de tcnicas, medicamentos, plantas e outros elementos utilizados nas prticas de cura;

    4. Elaborar o perfil e cultural dos agentes de cura e sua clientela, identificando

    sua insero, procedncia, filiao religiosa, sistema de parentesco e rede social de apoio.

    Outras atividades tambm so efetuadas durante esta pesquisa, tais como:

    a. Reunies de estudo realizadas quinzenalmente, incluindo a participao nas

    reunies do grupo de estudos (GEASC);

    b. Reviso bibliogrfica acerca dos temas da pesquisa;

    c. Elaborao de relatrios de pesquisa (semestral e final), redao de artigos (um

    por semestre);

    d. Participao em eventos e congressos, apresentando e debatendo textos

    relacionados pesquisa, buscando a divulgao e publicao dos resultados da pesquisa.

    Deste modo, a utilizao da tcnica de entrevista est fundamentada na idia de que

    podemos trazer para a compreenso dos fenmenos as interpretaes dos agentes sociais,

    como forma privilegiada de dar voz ao outro, e de enriquecimento da compreenso do

    objeto de estudo. A inteno recolher depoimentos que fornea informaes sobre os

    processos de adoecimento e perfil de sade e doena, assim como problemas e necessidade

    referidos pelos agentes sociais.

    A anlise das informaes segue a tradio antropolgica, mas a sua sistematizao

    constituda de quadros e tabelas elaborados metodicamente e voltados para a demonstrao

    resumida das informaes, de maneira que se podem observar categorias e prticas realizadas

    pelos agentes sociais pesquisados. De maneira geral, permitem analisar a qualidade das

    informaes obtidas e orientar os andamentos do trabalho de campo.

    Considero que o estudo sobre os fenmenos de adoecimento envolve aspectos

    relacionados s situaes de fragilidade humana e intimidade pessoal, de tal forma que exige

    uma posio tica frente aos agentes scias a serem investigados, sejam agentes de cura ou de

  • 5/19/2018 andrea rabelo almeida.pdf

    6/23

    pessoas doentes. Essa situao, por se s indica a necessidade da doao de uma descrio

    etnogrfica, orientada pelo trabalho de campo consistente e sistemtico. E, principalmente,

    que o trabalho de campo deve ser marcado pela construo da confiana entre sujeitos da

    pesquisa, balizada como aspecto central de atuao tica e consentimento de pesquisa na

    investigao pelos pesquisadores.

    3. RESULTADOS E DISCUSSES

    Os resultados obtidos se referem a: 1) Reconhecimento da rea de estudo

    (historicidade e composio geogrfico-populacional), 2) Identificao e acompanhamento de

    agentes de cura (vivente e da umbanda), 3) Identificao da clientela que procura estes

    agentes e suas motivaes (de doena ou no); 4) Identificao e acompanhamento das formas

    de organizao local (Grupo de mes, grupo de idosos, associao de moradores);

    5)Identificao dos principais problemas de sade e doena do bairro revelados por estes

    agentes; 6) atuao junto associao para ajudar os prejudicados pelas chuvas.

    Uma das primeiras leituras realizadas acerca desta pesquisa foi sobre o texto As

    correntes da antropologia na anlise da doena e da sade (S/d) da autora Luiza Garnelo,

    onde destacou a importncia da Antropologia da Doena junto ao seu objetivo de investigar as

    representaes da sade e da doena como forma de compreender as formas de organizaosocial que lhe do origem.

    Assim, at as formas mais tradicionais de medicinas tambm so veculo para

    compreender a organizao social tendo como maior preocupao fazer com que o conjunto

    das relaes sociais seja entendido como decorrncia de determinado tipo de organizao

    social e modificado quando estas foras sociais assim o exigem.

    Pensando desta forma, o exerccio da abordagem cientfica de um fragmento da

    realidade, sobretudo dos agentes sociais e as suas prticas de cura nas concepes de sade e

    doena no meio urbano de So Lus, mostrou-nos a efetiva utilizao de tcnicas diferentes de

    apreenso do objeto como, por exemplo, a histria de vida, a observao de campo e

    observao participante, entrevistas e revises bibliogrficas.

    Neste sentido, identificamos uma pessoa como agente de cura, onde nos interessou

    pelo seu modo de classificar o mundo natural e social. Segundo DURKHEIM e MAUUS

    (1999), classificar coisas orden-las em grupos distintos entre se, separados por linhas de

    demarcao nitidamente determinado. Por outro lado, classificar no apenas constituir

  • 5/19/2018 andrea rabelo almeida.pdf

    7/23

    grupos, mas sim dispor destes grupos segundo relaes especifica, onde toda classificao

    implica em uma ordem hierrquica a qual nem o mundo sensvel nem a nossa conscincia nos

    oferece o modelo.

    De acordo com estes autores, para classificar um objeto preciso estud-lo pela sua

    forma mais primitiva, enumerando os pontos em comum, dividi-lo em perodo e depois

    demonstrar como ele se desenvolve.

    Nesses termos, D. Maria Jos uma senhora negra de 106 anos, viva e aposentada

    com trs filhos e segue o catolicismo como religio, nascida no interior do municpio de

    Alcntara MA, mas desde cedo aos quatro anos veio morar com os seus padrinhos em So

    Lus e aos 14 anos comeou desenvolver a mediunidade. Atualmente reside no bairro do S

    Viana h 24 anos e j faz 88 anos que pratica suas aes de cura.

    Ela se auto define de vidente, pois alega saber qual o infortnio do seu paciente

    atravs de um copo com gua que colocado sobre uma mesa diante do seu cliente e com

    ajuda de um livro de salmos.

    O reconhecimento de D. Maria Jos como pessoa ativa em habilidade de curar

    doenas, deveu-se sua popularidade como curandeira, vidente e benzedeira que se

    espalhou de boca em boca no bairro do S Viana.

    Conforme D. Maria Jos, a sua misso se iniciou bastante cedo, durante umaviagem que fez ao municpio de Caxias MA com o seu padrinho. L, ela se sentiu mal,

    tendo febre e com isso teve que voltar para junto dos seus em So Lus. Em seu relato disse

    que desde esse dia passou a ter premunies, vises, etc.

    Apesar de todo o seu sofrimento esta senhora passou a conhecer e compreender a

    utilizao das plantas e ervas medicinais, onde obteve orientaes atravs da tradio familiar

    a qual de origem rural. O seu conhecimento maior, inclusive sobre as doenas graves, como

    o cncer, advm de um dom sobrenatural, ou seja, a vidncia o qual a orienta nos

    tratamentos dos seus pacientes.

    Isso nos leva a crer que para comearmos qualquer abordagem sobre as concepes

    de sade e doena em grupos populares da nossa sociedade, necessrio consideramos que h

    em nossas culturas um marcante sincretismo mgico-religioso entre os indivduos.

    As prticas do curandeirismo podem ser agrupadas as definies de magia desde que

    se considere a sua complexidade, a sua formao heterognea como tambm os elementos

    religiosos nelas presentes.

  • 5/19/2018 andrea rabelo almeida.pdf

    8/23

    O trabalho de D. Maria Jos reconhecido pela a populao do S Viana

    essencialmente pela sua eficcia, assim doena e cura, benzedeiras e clientes, se

    complementam como nos mostra Lvi-Strauss:

    (...) sistemas de oposio e de relao que integre todos os elementos de uma situao

    total, onde feiticeiro docente e pblico, representaes e processos, encontrem cada qual o

    seu lugar (...) o docente a passividade, alienao de se mesmo, como o informulvel a

    doena do pensamento matriz dos smbolos. A cura pe em relao esses plos opostos,

    assegura a passagem de um a outro, e manifesta, numa experincia total a coerncia do

    universo psquico ele prprio projeo do universo social (LVI-STRAUSS: 1996, p. 210).

    Assim, a eficcia social tecida no conjunto de redes simblicas de relaes de

    interpretao do mundo, de embates, que foram os sistemas cognitivos nele envolvidos

    (benzedeira, cliente, pblico, pesquisador) permanentemente se refaam.

    A eficcia de cura da benzeno coloca em conexo uma rede simblica, onde o seu

    manipulador qualificado a benzedeira, que adentra nos meandros de uma cosmologia que

    somente ganha fora porque apoiada em uma rede em que ela, a doente e as pessoas de suas

    relaes (o pblico) comeam a participar de uma linguagem que torna inteligvel a doena.

    Ao encontrarem um nexo de continuidade entre as divergncias corpo-alma,

    natureza-cultura, o interior e exterior, pensamento e ao, doena e simbolizao, a naturezada alma e corporal idade, parece desfazer-se a dualidade presentes nos mundos

    dicotomizados; os smbolos ganham uma equivalncia no pelo que eles tm de essencial

    substncia, mas guardem uma natureza homloga enquanto forma e funo.

    As prticas populares de cura esto longe de serem consideradas como apenas uma

    simples sobrevivncia folclrica de uma poca remota, elas coexistem com outras prticas

    teraputicas legitimada pelo saber cientfico, atravs de mecanismo de resistncia pautado em

    sua eficcia demanda concreta de sade.

    No meio urbano, local de nossa investigao concebemos que a heterogeneidade que

    marca a vida moderna e urbana desdobra vrias possibilidades de perpetuao das

    exploraes de cultura popular. Essas heterogeneidades presentes nas concepes de sade e

    doena marcam um campo simblico, complexo e conflituoso.

    Neste contexto as prticas de curas no so remetidas apenas cura do corpo, mas

    tambm cura do esprito, implicando-lhe numa relao estreita com a magia, com o

    sobrenatural e com o inexplicvel.

  • 5/19/2018 andrea rabelo almeida.pdf

    9/23

    Consideramos deste modo, que estudar as expresses das concepes de sade e

    doena significa marcar uma heterogeneidade. Contudo podemos depreender que esta

    nomenclatura aqui utilizada, no por acaso, pois h vrias maneiras de se praticar a cura,

    apreendidas numa classificao dentro das camadas populares.

    As denominaes dados aos agentes sociais de cura so inmeras, como por

    exemplo, benzedores, curandeiros, raizeiros, ervateiros, dentre outros. Estes profissionais de

    cura geralmente so de origem rurais e ligados ao catolicismo, possuindo nenhuma formao

    erudita, onde o seu saber perpassa pela religiosidade, pela transmisso oral e/ou pela tradio

    familiar.

    As representaes das concepes de sade e doena so muito complexas, embora o

    discurso cientfico tente coloc-las como um saber simplista que s serve para tratar de

    doenas simples como, por exemplo, o mau olhado.

    Porm, o nosso estudo demonstra que as demandas de sade ao curandeirismo so as

    mais variadas possveis, desde um simples resfriado at um cncer, por exemplo, e atingem a

    todas as camadas sociais.

    Sendo assim, os agentes de cura na maioria das vezes dispem de elementos

    encontrados na natureza, como folhas, sementes, cascas, razes, frutos e alguns elementos do

    reino mineral e animal, e tambm da sabedoria divina.O bom uso desses elementos aliados f tanto do agente de cura quanto do paciente

    na cura tende a garantir bons resultados levando-os em consideraes que a utilizao deste

    ou daqueles elementos na escala hierarquizao.

    Podemos dizer que os ervateiros e os raizeiros so os que mais utilizam do mundo

    vegetal, onde o seu conhecimento resultado de um dom e as suas receitas so acompanhadas

    de recomendaes sobre o cuidado com o corpo e a alimentao.

    J os benzedores e benzedeiras tm como prticas de cura as rezas oraes sobre os

    pacientes. Estas pessoas benzem os seus pacientes, e o seu conhecimento advm da intuio e

    da observao junto a pessoas mais velhas que executam tais prticas no seio da famlia ou da

    comunidade predominantemente rural.

    Os curandeiros e os benzedores tm em comum algumas caractersticas relevantes,

    como o catolicismo e so detentores de um dom sobrenatural praticado principalmente por

    pessoas idosas e de origem rural. Neste sentido, estes agentes de cura se diferenciam na

    posio hierrquica presente na escala das concepes de sade e doena.

  • 5/19/2018 andrea rabelo almeida.pdf

    10/23

    Neste contexto, a posio mais elevada nas prticas de cura nas concepes de sade

    e doena em grupos populares no meio urbano segundo os estudos de FRAZO (1998) o

    curandeirismo, onde este conhece e executa todas as atividades de cura incluindo ervas, rezas,ladainhas, assumem relaes com o inexplicvel, com o mgico, em funo das quais nos

    remetem ao conceito de magia enquanto elemento constitutivo, essencial e fundamental

    dessas prticas de cura.

    Visto dessa maneira, D. Maria Jos tambm se inclui na posio mais elevada da

    pirmide, pois ela em suas aes teraputicas utiliza ervas na fabricao de xaropes e

    garrafadas, por exemplo, rezas, atos mgicos, dentre outros elementos.

    Pensando nisso, Marcel Mauss (2003), esclarece que a magia no nem inferior nem

    superior a religio, pois muitas das vezes a magia lana mo do auxlio de entidades

    sobrenaturais, intermediadas entre o mundo humano e as foras divinas.

    Mauss, neste seu trabalho procura recuperar a definio da magia dentro da tradio

    durkheimiana, do entendimento das representaes coletivas, isto , sobre o que a magia diz

    sobre o mundo, como so constitudas suas categorias e como as pessoas a utilizam e a

    atualizam.

    Assim, para ele a magia envolve agentes, atos e representaes. Os atos mgicos so

    casos de tradio, ou seja, so aqueles que atravs da continua repetio que se d a crena

    da eficcia e as de suas propriedades. A experincia social pe prova o valor das crenas e

    das tcnicas de cura.

    Atravs destas repeties, da f e da eficcia que D. Maria Jos e os seus pacientes

    possuem em seus trabalhos que ela reconhecida e respeitada na comunidade em que mora

    como tambm em outras localidades que freqenta, como no festejo que ela em conjunto com

    Curandeiro

  • 5/19/2018 andrea rabelo almeida.pdf

    11/23

    a famlia e amigos fazem todo fim de ano no municpio de Alcntara chamado de Festejo de

    Sr da Conceio.

    Tomando outros autores como pontos de referncia em nossa discusso de pesquisa

    tm David Le Breton e Viveiros de Castro. O contedo destas obras caracterizado

    principalmente por trabalharem sobre o corpo e como este utilizado como instrumento de

    mudanas sociais e culturais na sociedade moderna.

    Neste contexto, a entrevista feita por Valria Lamego direcionada a David Le Breton

    uma tima percepo de como ns nos deixamos ser modelados e manipulados

    principalmente pela mercantilizao da tecnologia, em especial pelos meios de comunicao,

    como a TV, o rdio, entre outros, modificando em especial a nossa personalidade.

    Eis uma das principais preocupaes de Le Breton, isto , estudar at que ponto o

    comportamento humano modificado pela tecnologia e como a sociedade de um modo geral,

    vem consumido tal tecnologia, e de que forma o homem pode mediar seu corpo e suas

    emoes atravs de aparelhos eletrnicos, medicamentos e outros mecanismos oferecidos pela

    nova tecnologia moderna nos dias atuais.

    Deste modo, a contextualizao desta entrevista percorre por diversos temas como

    tatuagem, piercing, in vitro e modificaes corporais entre homens e mulheres. Sendo assim,

    descreve o corpo como uma matriaprima a qual est sempre submetida mudana, cabendoao indivduo o pleno direito de fazer dele um instrumento com mltiplas utilidades.

    Todas essas manifestaes ditas por Le Breton (tatuagem, piercing,...)

    simbolicamente uma forma de diferenciao na utilizao do corpo nas sociedades

    contemporneas.

    Como diria Lyotard (2000, p. 4), (...) razovel pensar que a multiciplicidade de

    mquinas informacionais afeta e afetar a circulao dos conhecimentos, do mesmo modo que

    o desenvolvimento dos meios de circulao dos homens (transportes), dos sons e, seguida das

    imagens.

    Dessa forma estamos sempre passando por modificaes ou como diria Viveiro de

    Castro fabricaes corporais em sua obra A fabricao do corpo na sociedade xinguana.

    Apesar de retratar sobre uma sociedade diferente da nossa, Viveiros de Castro trabalha muito

    bem sobre o corpo humano e as suas mudanas na sociedade.

  • 5/19/2018 andrea rabelo almeida.pdf

    12/23

    Segundo ele, as mudanas corporais so a causa e o instrumento de transformao

    em termos de identidade social, onde a natureza humana literalmente fabricada e modelada

    pela cultura.

    Deste modo, na sociedade xinguana retratada por Viveiro de Castro existem trs

    momentos principais para a produo de novas identidades: primeiro o acesso vida, em

    segundo a capacidade de reproduzi-la e o fim da vida.

    Essa realidade no muito deferente da nossa sociedade, pois ns tambm passamos

    por diversas modelaes; primeiro a famlia, em seguida a escola, depois o emprego, e assim

    por diante, onde em cada fase dessas construmos um corpo e uma personalidade especfica,

    em outras palavras, vestimos mscaras sociais para adaptarmos as novas fases fsicas e sociais

    que ocorrem diariamente em nosso cotidiano.

    Este detalhe nos faz lembrar D. Maria Jos no que tange a adaptao do corpo aos

    diversos perodos da vida. Como j de nosso conhecimento esta senhora de 106 anos tem

    sua origem rural, ou seja, no interior de Alcntara e veio para So Lus h 24 em busca de

    melhoria tanto financeira quanto pessoal.

    Deste modo, D. Maria Jos ao chegar no S Viana, bairro onde mora at hoje, teve

    que se habituar a novos costumes, a uma nova cultura, em fim teve que modelar-se a uma

    nova maneira de viver, porm isso no significa que tenha perdido as suas crenas catlicas,sua personalidade, sua cultura e as suas concepes de prticas de cura que havia adquirido

    antes de morar em So Lus, prova disso que at hoje ela ainda prtica atividades de

    vidncia como ela mesmo gosta de falar.

    Ao contrrio do que se pensa, D. Maria Jos procurou e ainda procura est sempre

    em sintonia com a realidade e as inovaes produzidas pela sociedade moderna, pois ela

    consciente de que o mundo esta sempre em transformao e cabe a ela se atualizar e se

    informar sobre tais mudanas, em especial sobre as doenas causadas por esses crescimentostecnolgicos caracterstico principalmente da sociedade contempornea.

    Dando continuidade, outra caracterstica destacada por Viveiro de Castro diz respeito

    tribo Yawalapiti e o seu ritual de recluso simbolizando a mudana fsica e social do corpo

    dos nativos, onde tem como caracterstica principal o isolamento do indivduo, com a

    finalidade de construir um novo corpo tendo como smbolo uma nova fase onde o individuo

    passa da fase da adolescncia para adulta.

  • 5/19/2018 andrea rabelo almeida.pdf

    13/23

    Essa discusso nos faz lembrar D. Maria Jos e como ela utiliza o seu corpo para

    praticar suas aes teraputicas. Antes de D. Maria Jos ser o que ela hoje (uma agente de

    cura), ela tambm passou por vrias recluses at conseguir dominar o seu dom de vidncia,

    como tambm compreender a sua misso de curar pessoas e trabalhar com os conhecimentos

    naturais (plantas medicinais, ervas...), os quais at hoje ela utiliza para cuidar das pessoas quea procuram.

    Em acordo com Viveiros de Castro, podemos definir a vida de D. Maria Jos atravs

    de trs processos, ou seja, o natural, o cultural e o sobrenatural. Natural porque ainda

    possuindo o dom da mediunidade no deixa de viver a sua vida social e cotidiana, cultural por

    manter vivas suas crenas principalmente o catolicismo; e o sobrenatural, pois segundo ela,

    admiti ter o poder de enxergar a doena do paciente atravs do seu dom, isto , a vidncia.

    Desse modo, com estas leituras podemos perceber quanto construo do corpo

    influenciado seja pelo meio exterior e interior do indivduo, como tambm torna clara a

    utilizao do corpo nas aes teraputicas, pois atravs das manifestaes corporais

    empregadas pelos agentes sociais de cura possvel entendermos e estabelecermos uma

    escala de diferenciao entre eles e as suas prticas teraputicas.

    Em outra leitura feita sobre as representaes das aes teraputicas temos como

    autora Paula Montero onde sua obra tem como ttulo da Doena desordem: A magia na

    Umbanda (1985), onde destaca especialmente o pluralismo teraputico, como tambm traz

    tona informaes sobre o significado das terapias alternativas presente no territrio brasileiro.

    No que tange as terapias alternativas a autora cita quatro: medicinas alternativas,

    medicinas de folk, medicina popular e as terapias marginais, onde segundo ela, o referencial

    para essas designaes a medicina oficial.

    Com esse pensamento, ela pretende investigar o crescimento dessas terapias em reas

    metropolitanas, porm o ponto central da sua pesquisa voltado principalmente para a prticateraputica umbandista, que segundo ela conseqncia das primeiras prticas teraputicas do

    Brasil, isto , o curandeiro e o benzedeiro.

    A razo para desenvolver esta pesquisa surgiu de indagaes da autora como: Que

    sentido pode ter a cura mgica em uma sociedade como a nossa que elegeu a razo como

    critrio de verdade?... Como uma camada popular, excluda dos meios de produo e de

    propriedade pode ser capaz de produzir um sistema cultural prprio e relativamente

    autnomo?.

  • 5/19/2018 andrea rabelo almeida.pdf

    14/23

    Deste modo, a idia central que orienta o seu estudo sobre as representaes da

    doena a de que as produes culturais das classes subalternas no se opem como um todo

    coerente cultura dominante, posto que no constitua sistemas simblicos autnomos,

    inteiramente independentes na sua elaborao das leis que regem a produo da cultura

    hegemnica.

    Trazendo novamente D. Maria Jos como ponto de referncia, possvel perceber

    em nossas conversas que ela no se ope nem a cultura dominante nem a medicina oficial,

    pois segundo ela ambas uma forma de aperfeioamento para as suas atividades teraputicas,

    pois absorve novos conhecimentos sobre a origem e tratamento de novas doenas e os seus

    respectivos tratamento.

    Assim, Paula Montero defende que o discurso da doena elaborado pelas religies

    populares e se constri pelo discurso oficial ditado pela sociedade, ele exprime assim as

    contradies objetivas que encerram a sua produo.

    Segundo a autora, as zonas geogrficas e o tipo de organizao produtiva durante o

    perodo colonial influenciaram bastante na construo do quadro cultural brasileiro, e em

    conseqncia as prticas teraputicas populares neste perodo tambm vo se diferenciar

    geograficamente em funo dos elementos culturais que associaram e interpretaram e assumir

    formatos diferenciados em funo da organizao scio econmico da regio que se

    exerceram.

    Uma caracterstica interessante da pesquisa de Paula Montero a diviso geogrfica

    que fez para estudar as prticas teraputicas populares, isto , ela deu nfase para o interior e

    para a faixa litornea do Brasil, com o intuito de caracterizar os agentes de cura e suas

    prticas de teraputicas em funo dos elementos culturais em torno dos quais se organizou

    nas cidades e nas comunidades interioranas do Brasil.

    Neste contexto, a autora destacou a difuso entre a medicina europia e os saberesindgena presentes nas prticas teraputicas durante os sculos XVI e XVII, e constatou

    tambm a pouca influncia da cultura negra neste perodo no meio rural, porm em pequenos

    centros urbanos no interior do pas essa influncia mudaria, pois segundo ela a cultura negra

    passaria ser mais percebida principalmente pelos grandes proprietrios de terra e senhores de

    escravos onde a presena de negros era bem maior.

    Fazendo uma grosseira analogia entre o negro da zona rural e o negro da zona urbana

    com base no discurso da autora, a primeira denominao tem como caracterstica a adeso donegro ao catolicismo e aos conhecimentos indgenas dando espao para o surgimento do

  • 5/19/2018 andrea rabelo almeida.pdf

    15/23

    curandeiro e o benzedor que segundo Paula Montero tem como finalidade promover a cura e o

    bem entre os indivduos.

    J a segunda denominao, o negro valoriza mais a sua cultura afro cultuando os seus

    deuses e passam a ser conhecidos como feiticeiros, onde para eles toda doena provm de um

    feitio que caracterizado principalmente por ser voltado para a prtica do mal.

    Outro fato interessante que de grande importncia para a nossa pesquisa a relao

    que a autora faz sobre o curandeiro e o benzedeiro. As prticas teraputicas do primeiro esto

    distribudas em rezas, ladainha, oraes e o uso de ervas medicinais. J s aes teraputicas

    do benzedor, se caracterizam essencialmente por se utilizar de rezas e gestos sobre o corpo do

    indivduo.

    Em sntese as prticas teraputicas do curandeiro e do benzedor se distinguem das

    prticas do feiticeiro por suas atividades se destinarem para o bem enquanto as do feiticeiro

    para as foras malficas.

    Essas definies at o final do sculo XVIII eram bastante difundidas no territrio

    brasileiro, porm no sculo XIX essa realidade mudou com a chegada das novas tecnologias

    industriais trazendo para o pas mudanas tanto nos aspectos scio-cultural quanto polticos.

    Uma das transformaes trazidas por este novo perodo o estreitamento do espao

    social de atuao da medicina no oficial, obrigando-a nesse processo, a transformar as suasprprias concepes de doena e cura e a modificar intensamente suas prticas teraputicas

    para se manterem vivas diante das novas tecnologias.

    Outro fator que contribuiu decisivamente para que tais prticas se dispersassem mais

    rapidamente neste sculo foi o processo de urbanizao que a partir dos anos 30 desloca-se

    definitivamente o eixo produtivo e poltico do pas do campo para a cidade destruindo assim a

    rede de relaes sociais que permitia no meio rural a conservao e a transmisso de saberes

    relativos ao reconhecimento das doenas e ao repertrio dos remdios.

    Dessa maneira, o antigo sistema explicativo das doenas torna-se cada vez mais

    permevel influncia de novos sistemas, mais orgnicos e nascidos nos limites dos

    horizontes colocados pela nova ordem social urbana como, por exemplo, o espiritismo

    umbandista, em outras palavras o curandeiro d pouco a pouco lugar ao que a autora chama

    de curandeiro esprita.

  • 5/19/2018 andrea rabelo almeida.pdf

    16/23

    Diferentemente dos curandeiros e benzedores o curandeiro esprita ou espiritismo

    umbandista tem sua origem nos grandes centros urbanos do Brasil preenchendo lacunas

    deixadas por aqueles.

    Os curandeiros espritas tambm dominam o conhecimento do mundo natural e o

    domnio dos segredos das ervas, porm possuem uma caracterstica que nem o curandeiro

    nem o benzedor no possuem que a sua capacidade de entrar em comrcio com espritos, e

    com tais poderes se dizem capazes de curar as novas doenas providas das transformaes

    econmicas e sociais do processo de urbanizao da sociedade moderna.

    Deste modo, segundo a autora o curandeiro busca uma eficcia emprica ao operar

    adequadamente com o repertrio das doenas e dos remdios, mas o faz baseado em

    conhecimentos e observaes experimentais sobre as qualidades dos elementos naturais

    possuindo tambm uma relao de intimamente com o mundo sobrenatural que o distingue

    dos outros homens, mas sempre ele que age com seu conhecimento sobre a doena e no as

    divindades.

    A benzedeira se distingue do curandeiro na medida em que ela age sobre a doena

    apenas simbolicamente atravs da rezas e gestos sobre o corpo seu paciente. O seu campo de

    atuao mais restrito devido tratar de doenas com pouca gravidade como, por exemplo,

    vermes e maus-olhados.

    Assim, embora atuao da benzedeira se distinga da atuao do curandeiro pelo seu

    carter eminentemente mgico, os dois agem dentro de um mesmo universo de conhecimento

    que tem como perspectiva uma ao direta e emprica sobre uma doena conhecida, uma vez

    que o diagnstico e suas causas so freqentemente determinados em funo de um saber que

    comum ao grupo como um todo.

    De maneira diferente, o ritual teraputico umbandista no visa como a medicina

    rstica uma doena especifica geograficamente situada no corpo, mas uma totalidade queengloba tanto o fsico quanto o lado espiritual do indivduo.

    De modo geral, a terapia umbandista responde de maneira mais adequada, segundo

    Paula Montero a essas exigncias na medida em que redefine inteiramente o espao social de

    atuao da medicina popular: o ritual teraputico umbandista abandona o carter emprico que

    definia a atuao de raizeiros e benzedeiros, voltada para a supresso de doenas conhecidas

    de antemo, e passa a operar inteiramente no domnio do simblico: plantas e ervas e gestos

    atuam na umbanda pelo seu poder de evocao, pela fora mstica que representem perdeu-se

  • 5/19/2018 andrea rabelo almeida.pdf

    17/23

    completamente aquele sabor que reconhecia determinadas entidades mrbidas e orientava sua

    teraputica em funo os efeitos empricos de ervas e vegetais sobre o corpo humano.

    Nestas relaes entre curandeiro, benzedores e curandeiro esprita colocadas pela a

    autora percebemos diferenas e semelhanas sobre as aes teraputicas de D. Maria Jos,

    pois suas prticas tambm so voltadas para uma totalidade, onde cuida tanto do corpo quanto

    do esprito do seu paciente com auxlio do seu dom da mediunidade.

    As suas tcnicas vo alm da mediunidade, seus trabalhos so realizados com base

    nas suas experincias e observaes nos tratamentos das doenas, onde os elementos naturais

    como ervas e rezas fazem parte das tcnicas das suas aes teraputicas de D. Maria Jos.

    Por fim, podemos perceber que as prticas teraputicas desta senhora engloba

    caractersticas do curandeiro, do benzedeiro e do espiritismo umbandista (no entanto, ela no

    incorpora espritos ou entidades em suas prticas teraputicas) destacado pela a autora

    tornando a nossa pesquisa muito mais complexa e intrigante no que diz respeito sobre a sua

    classificao na escala hierrquica dos agentes sociais de cura no bairro do S Viana.

    Em busca de novos agentes de cura, eu na companhia de Denise Azevedo Costa

    (membro do GEASC) fui casa de D. Terezinha de Jesus indicada pela amiga da me desta.

    D. Terezinha uma Sr negra de 61 anos e reside no bairro do S Viana h 23 anos, dois anos

    a menos que D. Maria Jos.Nasceu em So Bento - MA, porm aos 14 anos foi morar no Rio de Janeiro com

    parentes onde desde essa idade j trabalhava como domstica em casa de famlia. Por vrias

    vezes retornou ao Maranho e em uma dessas decidiu morar definitivamente residindo

    inicialmente no bairro do Joo Paulo com seus trs filhos.

    Apesar da idade que possui D. Terezinha ainda no aposentada, e sobrevive das

    suas atividades umbandista, da ajuda dos seus filhos e netos. Segundo ela, a sua vida

    espiritual teve incio aos sete anos e assim como D. Maria Jos sofreu bastante, pois no

    aceitava a sua misso.

    Por no cumprir com suas obrigaes os espritos a maltratavam bastante, a batiam

    dentre outras judiaes e sempre caa, ou seja, ela sempre incorporava sem ao menos est

    preparada para receber a entidade. Procurou diversas maneiras de se curar, no s aqui no

    Maranho, mas como tambm no Rio de Janeiro com ajuda dos seus tios.

  • 5/19/2018 andrea rabelo almeida.pdf

    18/23

    Aqui no Maranho procurou a Casa das Minas, chegou a bater caixa nos festejos

    do Divino Esprito Santo, danou em tambor de criola, porm no foi o suficiente para pagar a

    sua obrigao como umbandista.

    Quando foi morar no bairro do Joo Paulo, construiu um salo esprita onde atravs

    de rezas, danas, incorporaes e atividades como jogar cartas e bzios foi uma forma tanto

    de sobrevivncia, (para cada um desses trabalhos ela cobra uma quantia financeira) como de

    obrigao para a sua divindade e misso.

    Neste salo, a sua me quando viva a acompanhava e lhe ajudava durante as sesses

    espritas e festas que promovia para as suas divindades as quais so muitas. Ela diz ter

    Iemanj como madrinha, e devido ela praticar a umbanda branca a qual caracterizada por

    praticar o bem, no entanto ela tambm procurada para fazer trabalhos que possam prejudicar

    a algum, porm ela os rejeita, pois se denomina do bem e a sua religio (umbanda branca e o

    catolicismo) no permite tais aes.

    A sua freguesia no Joo Paulo era segundo ela bastante grande, porm teve que se

    mudar, devido uma das suas filhas ter se casado, entretanto no tinha uma casa para morar

    com o marido, ento D. Terezinha resolveu doar o seu terreno a sua filha e comprou outro no

    S Viana. Neste construiu a sua nova casa e um novo salo esprita, pois atravs dele que ela

    paga as suas obrigaes.

    Com essa mudana, no s a sua freguesia diminui bruscamente, mas como tambm

    as pessoas que lhe ajudavam a organizar as festas e sesses. A sua vida se tornou mais difcil,

    quando a sua me faleceu, a pessoa que mais lhe ajudava.

    Alm de lidar com espritos D. Terezinha diz ter contato com plantas medicinais para

    cuidar de doenas e mau-olhado, por exemplo, porm suas atividades diferentemente do que

    Paula Montero (1985) descreveu na sua obra so quase que exclusivamente para cuidar do

    esprito do que do corpo.

    Em algumas sesses ela chega a incorporar para cuidar das enfermidades do seu

    cliente, os quais so oriundos de vrias redes sociais e localidades distantes.

    Com esse contato com D. Terezinha podemos ver semelhanas e diferenas com

    relao a D. Maria Jos. No que tange a semelhanas, ambas so de origem rural, vindas de

    famlias humildes, saindo da sua terra para buscar melhorias em cidades mais desenvolvidas

    sempre com ajuda da famlia.

  • 5/19/2018 andrea rabelo almeida.pdf

    19/23

    Ambas comearam a sua vida espiritual muito cedo tendo como caracterstica

    principal a rejeio da sua misso, pois as suas vises lhe causaram medo durante as suas

    infncias.

    As diferenas entre ambas so bem ntidas, pois as atividades de D. Terezinha so

    basicamente voltadas para a cura do esprito do indivduo. Para tratar e cuidar dos seus

    pacientes ela quando precisa incorpora, joga cartas, bzios e pouco trabalha com ervas, pois

    no possui plantaes no seu quintal para produzir remdios caseiros a quem lhe procura.

    J D. Maria Jos, atravs da sua religio e do seu dom, ou seja, o catolicismo e a

    mediunidade ela cuida tanto do corpo como do esprito do seu paciente, e para isso no

    incorpora e faz muito uso de ervas, garrafadas, oraes, ladainhas e o seu dom da vidncia

    tm como funo auxiliar na identificao da causa e a soluo para curar a doena dos seus

    pacientes.

    Finalizando, para ambas a f o fundamento para a cura se concretizar no s do

    paciente, mas como tambm do agente de cura. Toda essa f tem como base o catolicismo,

    onde ambas so devotas de forma muito intensa. fcil ser encontradas imagens de diversos

    santos e divindades nas duas residncias, como tambm livros de oraes e guias para a

    preparao de remdios caseiros.

    Os resultados deste ltimo semestre de pesquisa foram bastante significativos paracompreendermos sobre o significado da utilizao do corpo como instrumento de

    diferenciao e classificao nas prticas teraputicas.

    Como disse Le Breton o corpo uma matria prima a qual est sempre submetida

    a mudanas, onde manifestaes como, por exemplo, as prticas de cura uma forma

    simblica de diferenciao na utilizao do corpo nas sociedades contemporneas.

    Visto dessa maneira compreensvel entender que tanto D. Maria Jos quanto D.

    Terezinha de Jesus fazem questo de caracterizar as suas atividades de cura, isto , pois assim

    elas se afastam de qualquer semelhana com outros agentes de cura que possam prejudicar a

    sua imagem perante a sua clientela.

    O sistema cultural e o sistema religioso so um dos principais guias dessas duas

    senhoras, sendo assim, possvel perceber nas suas falas que o catolicismo e a tradio

    familiar a base dos seus conhecimento para que elas realizem suas atividades de cura, mas

    alm disso h a presena da mediunidade como carter mgico das suas prticas de cura que

  • 5/19/2018 andrea rabelo almeida.pdf

    20/23

    at ento no se encontra esclarecido de forma plena devido ao pouco conhecimento sobre

    este assunto.

    Neste contexto, as prticas de cura desenvolvida por estas senhoras so construdas

    essencialmente pelo meio social, cultural e sobrenatural e, o que as diferencia so os seus

    conhecimentos e como os utiliza para realizar as suas atividades de cura.

    Sobre este aspecto, Paula Montero nos mostra questes muito pertinentes sobre a

    utilizao da cura mgica e como estes agentes sociais aplicam nos dias atuais, sendo que hoje

    a medicina oficial prevalece sobre a nossa sociedade.

    Segundo ela, estes agentes culturais no se opem e nem constituem sistemas

    simblicos autnomos independentes da medicina oficial, pois o discurso sobre as prticas de

    cura elaborado tanto pelas religies populares quanto pelo discurso oficial ditado pela

    sociedade.

    Este argumento coerente quando levado a campo, pois tanto D. Maria Jos quanto

    D. Terezinha de Jesus no se contrapem aos estudos da medicina oficial pelo contrrio a

    utilizam e a recomendam em meio as suas consultas quando o problema muito grave como

    cncer por exemplo.

    Sobre a relao que a autora faz sobre o curandeiro, o benzedeiro e o curandeiro

    esprita ou espiritismo umbandista na sua obra, importante ressaltar o valor dela para otrabalho de campo no que diz respeito ao quadro de hierarquizao das prticas de cura que

    existe entre os agentes sociais de cura.

    A autora estabelece semelhanas e diferenas entre esses agentes de cura, os quais

    so muito pertinentes para a nossa pesquisa no que tange as suas classificaes de ordem

    nominais e as suas tcnicas que utilizam nas suas atividades de cura.

    Em outras palavras, podemos perceber que muito so as formas de classificao para

    as prticas de cura como tambm para quem as praticas implicando assim uma escala

    hierrquica a qual construda com base nas tcnicas, nos instrumentos, nos conhecimentos

    dos agentes de cura, pela rede social, pelo sistema religioso, pelo sistema cultual, pela disputa,

    pela f, e muitos outros fatores que contribui para a formao das prticas populares de cura.

    Contudo, visvel que o campo de estudo das prticas de cura muito extenso e

    complexo, o qual engloba diversas reas de conhecimento e de atuao. No fcil ir a campo

    quando este mltiplo de informaes tornando a pesquisa rica, mas que requer muito

    cuidado, pois estamos lidando com seres humanos com pensamentos e atitudes prprias

  • 5/19/2018 andrea rabelo almeida.pdf

    21/23

    cabendo a ns pesquisadores um comportamento srio e tico diante do nosso objeto de

    pesquisa.

    4. CONCLUSES

    A relevncia do estudo est em dar visibilidade aos sistemas culturais locais

    vinculados sade e doena, envolvendo valores acionados pelos grupos, identificando

    recursos e agentes de cura, pois a investigao sobre as concepes de sade e doena em

    grupos populares de So Lus, bem como as prticas de cura negociadas no processo de

    adoecimento o que mais caracteriza o itinerrio teraputico.

    Neste primeiro semestre de pesquisa, obtivemos resultados como a confirmao do

    sincretismo religioso como caracterstica principal e fundamental das prticas de cura nobairro do S Viana, o sistema cultural tambm muito singular nessas prticas, de origem

    predominantemente rural os agentes de scias de cura ainda preservam saberes providos do

    seu local de origem, onde mesmo residindo em um local urbano as suas atividades continuam

    vivas e resistentes perante a qualificao tecnolgica imposta pela sociedade moderna.

    No que tange ao itinerrio teraputico, os resultados foram bastes significativos. Com

    a observao de campo e com as entrevistas junto aos agentes de cura e a sua clientela

    podemos perceber que o paciente ao notar que possui algum infortnio primeiramente eleprocura um curandeiro para depois vir procurar a medicina oficial. Esse diagnstico foi de

    certa maneira inesperado, pois em conversas informais em outras localidades o itinerrio

    teraputico era realizado de forma contrrio, no entanto quando voltamos os nossos estudos

    para o bairro do S Viana, mais precisamente com a agente de cura D. Maria Jos pudemos

    identificar tal mudana no percurso do itinerrio teraputico.

    Com ajuda da reviso bibliogrfica foi possvel conhecer um pouco mais sobre o

    contexto histrico das aes teraputicas no Brasil atravs da obra de Paula Montero (1985) e

    as suas principais caractersticas.

    Em termos de amadurecimento e crescimento profissional, esta pesquisa me

    proporcional uma excelente oportunidade de por em pratica as teorias e discusses expostas

    em sala de aula durante este semestre.

    No que tange pontos negativos, poderia citar a resistncia tanto dos pacientes quanto

    dos agentes de cura durante as entrevistas. Outro ponto negativo faz referncia

  • 5/19/2018 andrea rabelo almeida.pdf

    22/23

    periculosidade do bairro do S Viana, nos impedindo de ir a campo em determinadas hora do

    dia dificultando assim o livre transito nesta localidade.

    J os pontos positivos so conseqncias principalmente da excelente orientao

    dada durante todo esse semestre de pesquisa, a boa convivncia com os membros do grupo de

    estudo (GEASC) como tambm com os agentes de cura e os seus pacientes mesmo com toda

    a sua resistncia, foi possvel construir um conjunto de relaes de amizade, confiana,

    cumplicidade e respeito.

    5. REFERNCIAS

    CASTRO, Eduardo B. Viveiros: A fabricao do corpo na sociedade xinguana.

    BOTT, Elizabeth. Famlia e rede social. Rio de Janeiro: Ed. Francisco Alves. 1976.

    BUCHILLET, Dominique (Org.). Medicinas tradicionais e medicina ocidental na Amaznia.

    Belm: museu Paraense Emlio Goeldi/CEJUP. 1991.

    DURKHEIM, mile. Representaes individuais e representaes coletivas In: Sociologia e

    Filosofia. Rio de Janeiro Ed. Forense Universitria.

    DURKHEIM, mile e MAUSS, Marcel. Sobre as formas primitivas de classificao. In:

    MAUSS, Marcel. Ensaios de Sociologia. So Paulo: editora Perspectiva, 1999.

    EVANS-PRITCHARD, E. E. Bruxaria, orculos e magia entre os Azantes. Rio de Janeiro:

    Jorge ZAHAR Editor, 2005.

    Entrevista com D. Le Breton In: Veredas/ Centro Cultural Banco Do Brasil. Ano 6 n66.

    FRAZO, Madian de Jesus. Dadora de vida a homens doentes: estudo sobre as prticas da

    medicina popular em So Lus MA. So Lus: UFMA/CCH/Curso de Cincias Sociais 1998

    (Monografia de concluso de curso).

    GARNELO, Luiza. As correntes da antropologia na anlise da doena e da sade. S/d,

    Mimeo.

    GEERTZ, Clifford. A interpretao das culturas. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan,

    1989.

    LANGDON, Esther Jean. Representaes de doena e itinerrio teraputico dos Siona da

    Amaznia colombiana. In: SANTOS, R. V.: COIMBRA, C. E. Sade e povos indgenas. Rio

    de Janeiro: Ed. FLOCRUZ, 1994.

  • 5/19/2018 andrea rabelo almeida.pdf

    23/23

    LVI-ESTRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996.

    LYOTARD, Jean- Franois. A condio ps-moderna. Rio de Janeiro: Jos Olimpio, 2000.

    MALINOWSKI, Bronislaw. Argonaltas do Pacfico Ocidental: um relato do empreendimento

    e da aventura dos nativos nos arquiplagos da Nova Guin Melansia. So Paulo: Abril

    cultural. 1978.

    MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia. So Paulo: Cosac & Naify, 2003.

    MONTERO, Paula. O processo de desagregao das teraputicas tradicionais. In: Da

    doena desordem: a magia na umbanda. Rio de Janeiro: Graal, 1985.