ansiedade social 2008 [texto]

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Ansiedade Social: perspectiva desenvolvimental - 1 - Índice Pág. 1. Introdução ………...………………………………………………………........1 2. Ansiedade e Ansiedade Social………………………………………………….3 3. Comorbilidade ……………………………………………….…………………6 4. Modelos Compreensivos da Ansiedade Social ………………………………..8 4.1. Modelo Cognitivo-Comportamenta……………………...………….8 4.2. Modelo Evolucionários ………………………………….………… 9 5. Enfoque Desenvolvimental …………………………………………………...12 5.1. Compreensão Evolutiva da Ansiedade e dos Medos ………….… .12 5.2. Mudanças na Ansiedade Social no Curso do Desenvolvimento …..12 5.3. Factores de Risco e Factores de Protecção ………………………..14 5.3.1. Factores Genéticos ………………………………………15 5.3.2. Temperamento …………………………………………...15 5.3.3. Família …………………………………………………...16 5.3.4. Pares ……………………………………………………..17 5.3.5. Experiências sociais traumáticas ………………………...18 5.3.6. Doença na Infância ………………………………………18 5.3.7. Posição na fratria ………………………………………...19 6. Impacto da Ansiedade Social na Qualidade de Vida ……………………… 20 7. Conclusão…………………………………………………...………………… 22 ANEXOS: Anexo 1 - Critérios de diagnóstico da CID10 para a Fobia Social Anexo 2 - Critérios de diagnóstico para 300.23 Fobia Social [F40.1] DSM-IV- TR Anexo 3 – Apresentaçao: Diapositivos

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Texto muito bem explicativo para ansiosos sociais e sociofóbicos. Todos os fobicos deveriam ler. Essencial.

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  • Ansiedade Social: perspectiva desenvolvimental

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    ndice Pg.

    1. Introduo ...........1 2. Ansiedade e Ansiedade Social.3 3. Comorbilidade .6 4. Modelos Compreensivos da Ansiedade Social ..8

    4.1. Modelo Cognitivo-Comportamenta....8

    4.2. Modelo Evolucionrios . 9

    5. Enfoque Desenvolvimental ...12 5.1. Compreenso Evolutiva da Ansiedade e dos Medos . .12

    5.2. Mudanas na Ansiedade Social no Curso do Desenvolvimento ..12

    5.3. Factores de Risco e Factores de Proteco ..14

    5.3.1. Factores Genticos 15

    5.3.2. Temperamento ...15

    5.3.3. Famlia ...16

    5.3.4. Pares ..17

    5.3.5. Experincias sociais traumticas ...18

    5.3.6. Doena na Infncia 18

    5.3.7. Posio na fratria ...19

    6. Impacto da Ansiedade Social na Qualidade de Vida 20 7. Concluso... 22

    ANEXOS:

    Anexo 1 - Critrios de diagnstico da CID10 para a Fobia Social

    Anexo 2 - Critrios de diagnstico para 300.23 Fobia Social [F40.1] DSM-IV-

    TR

    Anexo 3 Apresentaao: Diapositivos

  • Ansiedade Social: perspectiva desenvolvimental

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    1. Introduo

    Investigaes recentes demonstram que a maioria dos adultos que sofre de uma

    perturbao do humor ou de ansiedade teria desenvolvido os sinais iniciais da doena

    durante a infncia ou adolescncia (McClure & Pine, 2000). Assim, entender como as

    perturbaes da Ansiedade emergem e evoluem atravs do curso desenvolvimental e

    perceber como estas perturbaes se relacionam com as manifestaes normais da

    Ansiedade, reveste-se de uma importncia crucial.

    Ao longo do nosso trabalho, tomaremos de emprstimo algumas assunes-base

    de que a Psicopatologia do Desenvolvimento se serve para descrever e explicar diversas

    perturbaes, e us-los-emos como orientao para a caracterizao da Ansiedade

    Social, que ser o nosso objecto particular de anlise e reflexo.

    Em traos gerais, servindo-nos do princpio da Multideterminao causal,

    defenderemos que na origem da Ansiedade Social est sempre a interaco dinmica e

    transaccional entre mltiplos factores, ou, reproduzindo McClure e Pine (2000), uma

    perturbao da ansiedade s emerge de um complexo desafio jogado entre

    vulnerabilidades e factores de proteco de uma determinada pessoa, num determinado

    e nico contexto espcio-temporal. A importncia do contexto relevada sobretudo

    porque um dado factor etiolgico produz diferentes efeitos consoante o sistema ou

    contexto no qual ele opera (princpio da Multifinalidade, de Von Bertallanfy).

    Inversamente, consideraremos que tambm um conjunto diferenciado de factores pode

    resultar em manifestaes semelhantes de Ansiedade Social (princpio da

    Equifinalidade) (McClure & Pine, 2000).

    Enfatizaremos ainda a existncia de uma continuidade entre as faces normal e

    patolgica da Ansiedade Social, o que implica considerar que a Ansiedade parte

    integrante da existncia humana, com funes adaptativas, e s sob certas circunstncias

    se manifesta de modo disfuncional, desviante, inadaptativo. Assim, subjacente a este

    pressuposto, est tambm a crena numa continuidade entre a adaptao e a

    inadaptao. Segundo uma perspectiva evolucionria e desenvolvimental, tudo o que

    inadaptativo ter sido, numa primeira fase, um esforo de adaptao. Deste modo,

    entenderemos os sintomas/sinais da Ansiedade Social como tentativas de adaptao. Por

    outro lado, o percurso desenvolvimental marcado no s por continuidades mas

    tambm por descontinuidades, mudanas de trajectria que marcam de forma

    significativa as histrias de vida dos indivduos. Assim rejeitamos a ideia da linearidade

  • Ansiedade Social: perspectiva desenvolvimental

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    dos percursos de vida e preferimos substitu-la pela imagem de um emaranhado de

    cruzamentos de comportamentos adaptativos e inadaptativos, em que impera o conceito

    de preponderncia.

    Por fim, mas no menos importante, destacamos o prprio Desenvolvimento

    como factor da Ansiedade Social. O papel do Desenvolvimento deve ser considerado na

    emergncia de qualquer perturbao, uma vez que o significado e o impacto dos

    sintomas variam nos diferentes pontos das trajectrias desenvolvimentais. O que

    patolgico num determinado momento da vida pode ser normativo e funcional noutro.

    Assim, as decises diagnsticas na Perturbao da Ansiedade Social devem ser tomadas

    sobre o pano de fundo das mudanas normativas desenvolvimentais.

    Apropriamo-nos, em suma, de uma perspectiva desenvolvimental para

    conseguirmos uma abordagem completa e integradora da Ansiedade Social, considerada

    por ns no s na sua vertente patolgica mas, com igual importncia, na sua face

    funcional.

  • Ansiedade Social: perspectiva desenvolvimental

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    2. Ansiedade e Ansiedade Social

    Para entendermos o conceito de Ansiedade Social ser necessrio, primeiro,

    definir o de Ansiedade. Etimologicamente, a palavra Ansiedade vem do vocbulo latino

    anx que significa sufocar ou estrangular, facto que est associado sensao de sufoco

    frequentemente sentida pelos indivduos ansiosos (Sacadura, 2002).

    A Ansiedade pode ser definida como um estado emocional negativo que tem

    subjacente sintomas fsicos, tais como a falta de ar ou a taquicardia, e sintomas

    psicolgicos, por exemplo, preocupao, angstia, nervosismo. Estes sintomas surgem

    por causa de determinadas expectativas de ocorrncia de perigos perante os quais o

    sujeito se sinta indefeso. Deste modo, quando se avalia um estmulo como ameaador,

    desencadeia-se uma resposta de medo, que activada quando uma pessoa se

    percepciona exposta, quer fsica, quer psicologicamente, a uma determinada ameaa:

    quando o medo activado, a pessoa sente ansiedade (Sacadura, 2002, p. 14).

    A resposta ansiosa faz parte do sistema adaptativo de sobrevivncia, sendo um

    legado evolucionrio cuja importncia no deve ser subestimada, j que desempenha

    importantes funes em muitas situaes. O medo uma emoo simples que pode

    estar ligada a qualquer situao especfica. Esta emoo pode ajudar a defender o

    indivduo de ocorrncias perigosas sendo, por isso, uma reaco adaptativa. Todavia, h

    situaes em que o medo deixa de ser adaptativo: h um medo circunscrito a

    determinada pessoas, objectos ou circunstncias, que a maioria dos outros seres

    humanos usualmente no manifesta e que se torna ilgico (Gouveia, 2000).

    A Ansiedade pode desempenhar assim dois papis principais. Um motivador e

    mobilizador, com carcter protector e adaptativo, e outro inadaptativo, quando a pessoa

    faz uma avaliao distorcida de um determinado estmulo como muito perigoso. Por

    conseguinte, sente um elevado grau de ansiedade e tenta reduzir os perigos, evitando-os.

    Este evitamento no permite uma percepo mais realista do estmulo, nem uma

    desconfirmao do excessivo perigo a ele associado (Idem).

    Considera-se que a Ansiedade existe ao longo de um continuum. De modo

    semelhante, tambm a Ansiedade Social, especificamente, pode ser adaptativa ou

    inadaptativa. adaptativa quando, em situaes sociais, existe em grau ligeiro,

    comum maioria dos indivduos, no impede um funcionamento social adequado e

    pode at ter um efeito benfico no desempenho social porque tem funes reguladoras

    da integrao do indivduo no grupo e da sua organizao hierrquica. Por outro lado,

  • Ansiedade Social: perspectiva desenvolvimental

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    ela inadaptativa se considerada nos extremos: a ausncia total de nveis normais de

    ansiedade pode ser sinnimo de psicopatia (Widiger, 2001, cit. in Cunha 2005),

    enquanto que quando ela demasiado elevada tambm interfere com o seu

    funcionamento social e em alguns casos conduz mesmo ao evitamento e isolamento

    social.

    A Perturbao de Ansiedade Social caracteriza-se pelo medo exagerado de ser

    foco de ateno e desaprovao por parte dos outros, isto , de avaliao negativa

    (Marks, 1970 et al, cit in Cunha, 1996). evocada pela perspectiva de avaliao inter-

    pessoal em contextos sociais, que desencadeiam frequentemente fenmenos de

    activao vegetativa. A nvel somtico, os sintomas que os fbicos sociais

    experimentam, com maior frequncia, nas situaes receadas, so: palpitaes

    cardacas, sudao, tremor, rubor e urgncia de mico. J ao nvel cognitivo, o

    pensamento centra-se em temas de fracasso, falta de competncias para causar

    impresses positivas, preocupaes com a aparncia e com a possibilidade de ser

    avaliado negativamente. A ateno est auto focada e h um aumento da conscincia de

    si mesmo, podem surgir enviesamentos negativos na auto-percepao e auto-avaliao do

    seu desempenho social, e expectativas negativas acerca das consequncias sociais de

    futuras interaces. Podem ainda ocorrer espontaneamente imagens negativas e

    distorcidas de si mesmo em que o fbico se v a partir de uma perspectiva de

    observador (Gouveia, 2000). Esta perturbao de extrema importncia clnica porque

    interfere com imensos aspectos da vida quotidiana (Serra, 1987), sendo uma condio

    comum e crnica que afecta uma grande parte da populao.

    A Ansiedade Social elevada pode ser vista de trs formas, segundo Alden e

    Crozier (2001; cit. in Cunha, 2005): (1) manifestao extrema de um trao de timidez

    (James, 1890; cit. in Cunha, 2005); (2) perturbao na estrutura da personalidade ou de

    carcter (Perturbao Evitante da Personalidade); (3) Fobia Social, enquanto sndroma

    clnico (Cunha, 2005).

    No raro encontrarmos na literatura os termos Perturbao de Ansiedade

    Social e Fobia Social tratados indiscriminadamente, e esta postura que adoptaremos ao

    longo deste trabalho. Habitualmente, seguindo a tradio do DSM e da CID 101, usado

    o termo Fobia Social como descritor preferencial para o quadro clnico resultante de

    uma Ansiedade Social excessiva e patolgica. No entanto, Pinto Gouveia e outros

    1 Critrios de diagnstico em anexo, neste trabalho.

  • Ansiedade Social: perspectiva desenvolvimental

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    autores optam por usar o termo Perturbao de Ansiedade Social, uma vez que acentua

    o aspecto de ansiedade e desconforto em situaes sociais, em deterimento do

    evitamento fbico, que nem sempre existe.

  • Ansiedade Social: perspectiva desenvolvimental

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    3. Comorbilidade

    A Fobia Social coexiste com distrbios do Eixo I e Eixo II e a percentagem de

    pessoas que tm fobia social sem outro tipo de perturbao comrbida de apenas 19%

    (Gato, 2003). Contudo, ainda pouco claro se a Fobia Social um factor etiolgico no

    desenvolvimento de outros distrbios, ou se a Fobia Social e os distrbios comrbidos

    resultam de um factor predisponente comum (Gouveia, 2000).

    Relativamente aos distrbios do Eixo I, os que apresentam maior comorbilidade

    com esta perturbao so os Distrbios Ansiosos (Distrbio de Pnico: 45%; Distrbio

    de Ps-Stress traumtico: 15,8%), Distrbios Depressivos (Depresso Major: 17%) e

    Abusos de Substncias (entre 10% a 25%) (Gato, 2003). Na maior parte dos casos de

    comorbilidade com Depresso Major, a Fobia Social precede a Depresso. Este tipo de

    comorbilidade demonstra uma probabilidade de tentativa de suicdio seis vezes maior

    do que na populao normal (Ibidem). Est empiricamente provado que a comorbilidade

    de Distrbio de Ps-Stress Traumtico claramente diferente da fobia social que surge

    na ausncia de experincias traumticas (Idem). A comorbilidade com o abuso de

    substncias tambm muito alta. Segundo o National Comorbility Survey, h uma

    comorbilidade de 23,9% com situaes de abuso e dependncia do lcool e de 10,9%

    para o abuso sem dependncia. O abuso do lcool mais elevado do que noutros

    distrbios de ansiedade (Ibidem).

    Outras perturbaes psiquitricas comrbidas relevantes so: Distrbio de

    Ansiedade Generalizada, Perturbao Obsessivo-Compulsiva, Perturbao Dismrfica

    Corporal, Perturbaes Alimentares, Fobias Simples e Distrbio Bipolar (ibibem).

    Em suma as evidncias revelam que a fobia social um factor de risco para o

    desenvolvimento de outras perturbaes psiquitricas do Eixo I, principalmente no que

    diz respeito Perturbao Major (Ibidem).

    Quando falamos de comorbilidade da Fobia Social com patologias do Eixo II,

    destacamos o estudo de Turk et al (1998) no qual constaram que 44,4% dos indivduos

    apresentavam diagnstico comrbido com Distrbio Evitante da Personalidade. Outros

    estudos mostram que a severidade dos sintomas maior no Distrbio Evitante da

    Personalidade, inclusive nos critrios ansiedade social e funcionamento social. Coloca-

    se a questo se a diferena entre Fobia Social e Distrbio Evitante da Personalidade

    quantitativa ou qualitativa, e se plausvel existir um diagnstico diferenciado.

  • Ansiedade Social: perspectiva desenvolvimental

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    Apesar da considervel comorbilidade associada, a ansiedade social continua

    sub reconhecida e, consequentemente, o seu tratamento no ser ainda suficiente

    (Westenberg & Boer, 1999).

  • Ansiedade Social: perspectiva desenvolvimental

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    4. Modelos Compreensivos da Ansiedade Social

    4.1 Modelo Cognitivo-Comportamental

    Os modelos Cognitivo-Comportamentais procuram explicar os processos que

    ocorrem no ansioso social na altura da interaco e que funcionam como factores de

    manuteno do Distrbio de Ansiedade Social. Embora implicitamente, estes modelos

    enfatizam a importncia de predisposies inatas e aspectos desenvolvimentais na

    construo do auto-esquema, caracterizado por uma viso de si mesmo desvalorizada e

    de ineficcia para lidar com as situaes sociais; de antecedentes evolucionrios ou

    desenvolvimentais envolvidos no desenvolvimento da perturbao (Gouveia, 2000).

    Dois importantes aspectos a ter em conta pelos modelos explicativos da gnese e

    desenvolvimento da Ansiedade Social so a heterogeneidade e a complexidade das

    representaes de si mesmo e do outro, que podem tornar um indivduo vulnervel ao

    desenvolvimento de Ansiedade Social.

    Deste modo, os factores cognitivos so fundamentais para uma melhor

    compreenso da Ansiedade Social, nomeadamente, os esquemas precoces mal-

    adaptativos, tais como a desvalorizao da viso de si mesmo e a carncia de aptides

    necessrias aos desafios sociais. Estes esquemas so definidos por Young como

    contendo suposies incondicionais acerca de si mesmo e dos outros que orientam o

    processamento de informao ambiental de uma forma disfuncional (Young, 1990 cit.

    in Cunha e Gouveia, 1999).

    Cunha e Gouveia, em 1999, levaram a cabo um estudo que tinha como objectivo

    analisar o auto-conhecimento declarativo de indivduos com Ansiedade Social alta,

    comparando-o com o de indivduos com baixa Ansiedade Social. Procuraram, ento,

    resposta a trs questes fundamentais: (1) qual a relao entre a Ansiedade Social e os

    Esquemas Mal-Adaptativos; (2) qual a relao entre Ansiedade Social e Esquemas

    Interpessoais (representaes genricas das suas interaces com os outros); e (3) qual o

    conjunto de esquemas interpessoais e de esquemas precoces mal-adaptativos presentes

    nos indivduos com Ansiedade Social alta. As concluses a que chegaram apoiam a

    hiptese de que os esquemas dos indivduos vulnerveis ao desenvolvimento de quadros

    de Ansiedade Social so indissociveis da viso de si mesmo e do outro (Cunha e

    Gouveia, 1999).

  • Ansiedade Social: perspectiva desenvolvimental

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    4.2 Modelos Evolucionrios

    A anlise feita luz de uma perspectiva evolucionria, enriquece a compreenso

    da Ansiedade Social, ao explicar a sua funo adaptativa e funcional. De modo

    semelhante, tambm ao nvel das manifestaes clnicas da Ansiedade Social, os

    modelos desenvolvimentais podem constituir uma base integradora para as

    contribuies de diversos modelos tericos explicativos (Clark & Wells, 1995; Trower

    & Gilbert, 1989, cit. in Gouveia, 2000).

    Na sua forma mais geral, os modelos evolucionrios sugerem que, tal como em

    outros primatas, a Ansiedade Social, nos humanos, desenvolveu-se como uma

    consequncia das hierarquias de dominncia-submisso, resultantes do sistema de

    organizao social de grupo, tornando-se parte do nosso patrimnio gentico. Assim, a

    Ansiedade Social ajuda-nos a avaliar o grau de ameaa ou dominncia que os outros

    representam, permitindo-nos viver sem lutas permanentes, atravs de um balano entre

    a agresso e inibio (Gouveia, 2000).

    Os modelos evolucionrios assumem, portanto, como postulado bsico, que

    todos os organismos vivos possuem um instinto para sobreviver. Assim sendo, a

    psicopatologia interpretada enquanto resultado da activao de estados cerebrais que

    evoluram atravs de processos de seleco natural e vivncia e adaptao ao meio. A

    espcie humana desenvolveu vrias opes de resposta ao meio, psicobiologicamente

    preparadas. Entre estas opes de respostas encontram-se os chamados sistemas de

    Defesa2 e de Segurana3 que so especialmente relevantes na adaptao ao meio

    ambiente. De facto, para sobreviver, qualquer espcie necessita de ter um sistema que

    lhe permita detectar, reconhecer e responder a ameaas, assim como um sistema que lhe

    permita reconhecer estmulos que sinalizem segurana e possibilidade de explorar o

    meio ambiente sem perigo. Deste modo, a interaco entre estes dois sistemas permite

    compreender que a activao ansiosa possa ser evocada, no s pela existncia de uma

    ameaa ou perigo (funo do Sistema Defensivo), mas tambm nas situaes em que

    experimentada uma diminuio de segurana (Sistema de Segurana) (Gilbert &

    Trower, 2001; Pinto-Gouveia, 2000b; cit in Gato 2003)..

    2 Mais primitivo. fundamentalmente baseado na dominncia ou poder das hierarquias. Os processos de ateno so dirigidos aos membros dominantes do grupo e ansiedade dos membros subordinados para com os dominantes. 3 Formado pelos subsistemas de vinculao e modo hednico. Neste sistema, o conflito e a agresso so inibidos pelos membros atravs da manifestao dos sinais de tranquilizao, promovendo comportamentos de aproximao pelos outros membros do grupo.

  • Ansiedade Social: perspectiva desenvolvimental

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    Dentro desta perspectiva terica psicobiolgica, Gilbert e Trower desenvolveram

    um modelo no intuito de integrar aspectos filogenticos e individuais e explicar os

    processos evolucionistas envolvidos no fenmeno da Ansiedade Social (Gilbert &

    Trower, 2001; Trower & Gilbert, 1989; cit in Gato, 2003). Segundo estes, a Ansiedade

    Social seria a ansiedade que emerge no contexto de relao com indivduos da mesma

    espcie, estando relacionada com a natureza das ameaas que existem nesse mesmo

    contexto. Resulta da activao de mecanismos evolucionrios para lidarem com a

    ameaa intra-espcie, contribuindo para a evoluo dos grupos sociais (Gato, 2003).

    Ao contrrio das outras espcies, o comportamento social humano

    caracterizado pelo seu carcter hednico. Neste modo de funcionamento social, os

    comportamentos agressivos so inibidos pelo elemento dominante atravs de sinais de

    apaziguamento, aumentando, consequentemente, os comportamentos de aproximao.

    O modelo hednico representa uma forma extremamente evoluda de interaco social

    dependendo de um sistema de reforo positivo, em que os humanos procuram a

    apreciao e no tanto a dominncia ou submisso, como acontece nas outras raas em

    que o seu funcionamento social tem um carcter agnico (Trower & Gilbert, 1989; cit.

    in Pinto-Gouveia, 2000).

    Neste contexto, o fbico social ser algum que apresenta uma viso de si

    mesmo como inferior, ou dos outros como hostis, e, ainda, com um fraco

    desenvolvimento das competncias sociais, fazendo com que haja menor probabilidade

    de as suas interaces sociais serem fonte de prazer e de reforo.

    A teoria psicolgica da auto-regulao, subjacente a este modelo, postula a co-

    existncia de dois processos psicolgicos fundamentais no funcionamento humano: um

    sistema de avaliao para perceber, inferir e avaliar a desejabilidade social; e um

    sistema de coping para responder avaliao e mudar para um estado desejado. Nesta

    perspectiva, a Ansiedade Social estaria, portanto, associada a um tipo de esquema

    cognitivo que conduziria a interpretaes da realidade social em termos de hierarquia de

    dominncia, designando este esquema de dominncia supra-ordinante, uma vez que

    ele que dita a natureza das percepes e conceptualizaes da realidade social (Pinto-

    Gouveia, 2000).

    Resumindo, o modelo prev que indivduos com ansiedade social generalizada,

    tendero a utilizar comportamentos de submisso ou de evitamento social (consoante a

    avaliao da situao). Os indivduos sem ansiedade social tendero a utilizar

  • Ansiedade Social: perspectiva desenvolvimental

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    comportamentos amistosos e de cooperao, podendo utilizar estratgias de

    dominncia quando o seu sistema de defesa activado (Gouveia, 2000, p. 166).

  • Ansiedade Social: perspectiva desenvolvimental

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    5. Enfoque Desenvolvimental

    5.1. Compreenso Evolutiva da Ansiedade e dos Medos

    A maioria das investigaes feitas nesta rea parece apontar para o facto de os

    medos poderem ter uma sequncia previsvel de aparecimento, manuteno e

    diminuio. Isto porque parecem surgir em determinadas alturas do desenvolvimento

    humano em que funcionam como factores protectores, de defesa ou de alarme, para

    ajudar o indivduo a desempenhar funes tpicas de um perodo especfico, diminuindo

    ou desaparecendo quando deixam de ser funcionais (Baptista, 2000).

    O modelo evolutivo e desenvolvimental apresentado prev, ento, as fases de

    aparecimento dos diversos tipos de medo e das suas perturbaes. Porm, desde os anos

    70 que se sabe que as situaes capazes de desencadear ansiedade so reduzidas

    (Seligman, 1971), dado que a biologia impe limites memria associativa,

    aprendizagem e influncia da cultura. Neste sentido, o modelo prope a existncia de

    uma interaco entre a situao temida e o perodo desenvolvimental, devendo,

    portanto, existir alturas ptimas para a intensificao de determinados medos e das suas

    respectivas perturbaes. Esta interaco condiciona a influncia do ambiente social

    (Idem).

    A este propsito, a literatura indica que a idade de incio das diversas

    perturbaes ansiosas no aleatria, variando entre determinados perodos

    relativamente fixos do desenvolvimento. Esta parece indicar desregulaes dos medos

    funcionais correspondentes, que aparecem em determinados perodos

    desenvolvimentais, e que se mantm inadequadamente depois de terem cumprido a sua

    funo (Ibidem).

    Segundo a perspectiva desenvolvimental, nas crianas, os medos decrescem

    medida que aumenta a idade. Para alm disto o medo dos acontecimentos directos com

    o que no familiar, que caracteriza os primeiros anos de vida, substitudo por um

    estado de medo gerado pela antecipao de determinadas situaes, comum na

    adolescncia, onde muitos medos so antecipatrios (Ibidem).

    5.2. Mudanas na Ansiedade Social no Curso do Desenvolvimento

    Apesar de a maioria das crianas ansiosas no desenvolverem perturbaes

    durante a adultez, a maior parte dos adultos com perturbaes da ansiedade

  • Ansiedade Social: perspectiva desenvolvimental

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    experienciaram ansiedade durante a infncia (McClure & Pine, 2000). Torna-se, assim,

    necessrio analisar a evoluo dos padres de ansiedade ao longo do desenvolvimento,

    luz do o princpio da continuidade heterotpica, que descreve que qualquer processo

    patolgico ser exibido de maneira diferenciada ao longo do desenvolvimento.

    Nas crianas, h uma mudana de enfoque das preocupaes com a separao

    para as preocupaes sobre a avaliao, medida que as crianas evoluem para a

    adolescncia e adultez, como foi comprovado em vrias investigaes. A principal

    preocupao interpessoal desta idade a ansiedade de separao, que emerge por volta

    dos 6/8 meses de idade, atinge o seu pico por volta dos 15 meses e decresce ao longo do

    tempo (Idem). Podemos afirmar ento, com alguma segurana, que o estdio

    desenvolvimental representa um dos principais factores para distinguir a ansiedade

    normal de separao e a ansiedade de separao patolgica por exemplo, quando a

    ansiedade de separao se estende ao perodo de entrada na idade escolar ou at

    adolescncia, quando era esperado que se extinguisse (Idem).

    Aos 2 ou 3 anos idade, as crianas tm j capacidade para expressar sentimentos

    negativos quando so criticadas, e por volta dos 8 anos comeariam a antecipar

    avaliaes negativas (Gato 2003). Alguns autores distinguem dois tipos de embarao

    caractersticos de fases desenvolvimentais distintas (Lewis et al, 2002, Ibidem): o

    embarao de exposio, mais tpico nas crianas mais novas (22 a 35 meses de idade)

    caracteriza-se pela vergonha da exposio do self quando o indivduo objecto da

    ateno dos outros; o embarao de avaliao evidente no contexto de percepo do

    fracasso ou de feedback negativo e aparece mais tarde no desenvolvimento, por volta

    dos trs anos de idade. Ainda assim, no certo o momento em que aparece o medo da

    avaliao negativa por parte dos outros.

    Esta evoluo no casual, antes reflecte a ocorrncia de mudanas ao longo

    deste perodo desenvolvimental, tais como a aquisio da auto-conscincia e da

    capacidade de avaliar a performance individual por critrios externos (McClure & Pine,

    2000).

    So fortes as evidncias que sustentam a hiptese de que as preocupaes

    interpessoais aumentam numa fase mais avanada da infncia e na adolescncia. Entre

    os adolescentes, as preocupaes com a avaliao social so bastante prevalentes, o

    que, segundo algumas pesquisas, sobretudo verdadeiro para o sexo feminino.

    Silverman e cols. (Idem) identificaram que as preocupaes mais recorrentes dos jovens

    se relacionavam com o desempenho escolar (ter boas notas, ser chamado perante a

  • Ansiedade Social: perspectiva desenvolvimental

    - 15 -

    turma), sade e segurana e tambm assuntos interpessoais relevantes como a rejeio

    pelos pares, desprezo, atribuio de culpas, aparncia ou preocupao com os

    sentimentos dos outros.

    No incio da fase adulta, h tambm muitas situaes sociais que causam

    ansiedade, tais como: a entrada na universidade ou no mundo do trabalho, maior

    independncia, maior responsabilidade pessoal e maior presso para a obteno de

    resultados satisfatrios (Gato, 2003). Assim, so particularmente comuns os medos, as

    preocupaes em falar em pblico, desempenhar uma performance em frente aos outros,

    falar para um pequeno grupo, lidar com representantes da autoridade ou interagir com

    pessoas desconhecidas (McClure & Pine, 2000).

    Devido a estas mudanas desenvolvimentais, os perodos crticos para o incio

    da fobia social so a adolescncia e o incio da adultez (Gato, 2003), sendo que em

    cerca de metade dos casos, a perturbao se inicia na adolescncia (Idem).

    Contudo, s uma minoria dos medos sociais dos adultos so severos ou crnicos

    o suficiente para preencherem os critrios da Fobia Social. Esta patologia

    significativamente mais comum entre os indivduos tmidos do que entre os sujeitos no

    tmidos, mas revelou-se relativamente incomum tanto num grupo como noutro (Heiser,

    Turner & Beidel, 2003; Ibidem).

    5.3. Factores de Risco e Factores de Proteco

    O desenvolvimento da Fobia Social influenciado por uma interaco complexa

    de factores biolgicos e ambientais, num processo multideterminado de desafios,

    vulnerabilidades e foras que se revela to ou mais importante de considerar do que o

    prprio resultado final. Assim, em vez de factores causais unitrios, podemos apenas

    referirmo-nos a uma conjugao de diferentes variveis que se entrecruzam de forma

    no linear e interagem s vezes de forma bidireccional. A etiologia da ansiedade social

    assume, assim, um carcter multifactorial e de previso probabilstica em que

    importante tambm focar a diversidade de contextos em que estes factores podem

    actuar. Podemos chamar factores de risco aos factores genticos ou ambientais que, de

    modo directo, aumentam a probabilidade de que o indivduo desenvolva uma

    determinada perturbao. Eles modelam a sua aco atravs de interaces com outros

    factores que modificam a resposta do indivduo situao de risco, como os

  • Ansiedade Social: perspectiva desenvolvimental

    - 16 -

    mecanismos de vulnerabilidade e os mecanismos de proteco. Respectivamente, estes

    factores podem intensificar ou atenuar a reaco de um indivduo a um factor que

    tenderia a conduzir a um resultado maladaptativo (Rutter, 1990). Factores de proteco

    so os factores que esto fortemente associados s reduzidas probabilidades de

    resultados negativos entre pessoas/situaes de alto risco. A proteco no uma

    questo de acontecimentos agradveis ou qualidades sociais desejveis que o indivduo

    possui (Rutter, 1990). Reside, principalmente, num envolvimento bem sucedido com o

    risco. Os mecanismos envolvidos na proteco podem ser diferentes dos mecanismos

    envolvidos no risco e no so uma simples ausncia da vulnerabilidade.

    Para uma anlise desenvolvimental, centrar-nos-emos, principalmente, na

    identificao dos factores que conferem risco ou proteco para o desenvolvimento

    desta patologia. A considerao do contexto em que os sintomas e perturbaes da

    ansiedade se desenvolvem tambm fundamental, uma vez que diferentes tipos de

    experincias/ acontecimentos de vida se relacionam sua maneira com diferentes tipos

    de psicopatologias (McClure & Pine, 2000).

    5.3.1. Factores Genticos

    H evidncias empricas que sustentam que os factores genticos desempenham

    um papel importante no desenvolvimento da fobia social.

    Nos estudos de famlia, no obstante algumas inconsistncias, obtiveram-se

    resultados de fobia social significativamente mais elevados nos familiares directos de

    fbicos sociais, comparados com os familiares de outros grupos clnicos e de controlo.

    Entre os estudos, verificou-se no s que o risco da fobia social era aproximadamente

    trs vezes mais alto para os familiares dos fbicos sociais do que para os familiares dos

    controlos saudveis (Fyer et al, 1993; cit in Cunha, 2005), como tambm outros estudos

    h que evidenciam uma tendncia (contudo no completamente fundamentada

    estatisticamente) simtrica, em que so as crianas dos pais com fobia social que

    demonstram um risco mais alto para a fobia social do que os filhos de pais saudveis

    (Mancini e cols, 1996, Idem).

    5.3.2. Temperamento

    No estudo da Ansiedade Social, tem assumido especial relevncia a Inibio

    Comportamental, entendida como uma predisposio temperamental das crianas para

  • Ansiedade Social: perspectiva desenvolvimental

    - 17 -

    reagir consistentemente a acontecimentos novos/no familiares com moderao,

    constrangimento, medo, precauo ou afastamento (Cunha, 2005). A inibio

    comportamental tem sido estudada por muitos investigadores que sugerem que ela,

    associando-se com uma reactividade aumentada do sistema lmbico, representa um

    precursor nas perturbaes de ansiedade nas crianas e, mais particularmente, nas

    perturbaes de Ansiedade Social. De facto, vrios e diferentes estudos j mostraram a

    evidncia emprica de uma forte associao entre inibio comportamental e a

    Perturbao de Ansiedade Social, realando que a primeira poderia muitas vezes

    predizer a segunda (Idem).

    5.3.3. Famlia

    A influncia da famlia na maneira de ser de uma criana pode ser exercida

    atravs de vrias maneiras possveis, assumindo-se, por isso, como um dos aspectos

    mais importantes a considerar na etiologia da Ansiedade Social.

    Vinculao: um dos principais chaves das teorias da vinculao a suposio de uma relao significativa entre as experincias de vinculao durante a

    infncia e a capacidade em estabelecer ligaes afectivas na idade adulta. Cr-se que a

    vinculao est na base da formao de modelos internos dinmicos, responsveis pelas

    representaes inconscientes e relativamente rgidas que o indivduo desde cedo

    constri de si, do mundo e das suas relaes com os outros. Funcionando como guias

    para a interpretao das experincias e para a orientao do comportamento noutras

    relaes, estes esquemas tendem, assim, a perpetuar a qualidade da vinculao (Soares,

    1996; cit in Cunha, 2005). Alguns estudos foram feitos tentando relacionar o padro de

    vinculao na infncia (classificado de acordo com a tipologia proposta por Ainsworth e

    colaboradores) com o grau de Ansiedade Social demonstrado por adolescentes e

    adultos. Apesar de estudos demonstrarem que nem todos os fbicos sociais tiveram uma

    vinculao insegura, sendo capazes de se sentir seguros e confortveis numa relao

    ntima, a maior parte dos resultados revelou que a Ansiedade Social estava

    negativamente relacionada com os estilos de vinculao segura e positivamente

    relacionada com os estilos inseguros de vinculao (Idem)

    Em suma, de acordo com os estudos referidos, podemos considerar que, mais do

    que uma causa, a vinculao insegura parece ser um factor de risco para o

  • Ansiedade Social: perspectiva desenvolvimental

    - 18 -

    desenvolvimento de perturbaes ansiosas, assim como a vinculao segura pode ser

    protectora.

    Prticas educativas: Os estilos educativos parentais correlacionam-se com o comportamento/desenvolvimento da criana. Vrias investigaes analisam,

    particularmente, o modo como as prticas parentais reflectem aceitao e calor ou

    rejeio e criticismo; controlo e proteco ou autonomia; e como usam a punio e a

    disciplina. Diversos estudos retrospectivos mostraram que os fbicos sociais tendem a

    percepcionar os seus pais como tendo sido sobreprotectores, pouco-calorosos,

    rejeitantes, menos apoiantes e com maior probabilidade de ter usado estratgias de

    vergonha do que os controlos normais (Ibidem). Esta relao poder ser explicada se

    interpretarmos a sobreproteco como forma de passar a mensagem de que a criana

    precisa de ser protegida porque o mundo perigoso. Isto poder criar na criana a

    crena de ela no capaz de se defender sozinha, de lidar com a situao, o que

    constitui um dos principais esquemas presentes na Perturbao de Ansiedade Social

    (Ibidem). Contudo, de notar que no se pode falar de uma relao causal linear entre

    ansiedade e prticas parentais, pois estar sempre presente uma interaco entre

    caractersticas da criana e estilos educativos parentais, num processo circular.

    Modelamento e exposio restrita: A limitada exposio a situaes sociais pode ensinar criana que o melhor ela evitar essas situaes e restringe a sua

    oportunidade de desenvolver relaes com os pares para potenciar aptides sociais. Para

    alm disto, atravs do modelamento de preocupaes sociais (como a sobrevalorizao

    da opinio dos outros), os pais podem estar a ensinar aos seus filhos que as situaes

    sociais so perigosas e devem ser evitadas. Vrios estudos conduzidos com sujeitos com

    Fobia Social ou com Personalidade Evitante (Cunha, 2005) demonstram que, de uma

    maneira geral, eles consideram que os seus pais sobrevalorizam a opinio dos outros,

    so menos sociveis, isolam-se mais e so menos encorajadores da socializao (Gato,

    2003).

    5.3.4. Pares

    Haver uma relao bidireccional entre a Ansiedade Social e as relaes com os

    pares. Por um lado, a Ansiedade Social pode resultar de relaes pobres com os pares,

  • Ansiedade Social: perspectiva desenvolvimental

    - 19 -

    como experincias negativas, aversivas ou de excluso. Por outro, a Ansiedade Social

    pode, ela prpria, ter um efeito negativo nas interaces sociais subsequentes,

    promovendo o isolamento social, comportamentos de evitamento, e conduzindo, assim,

    ao aumento de problemas nas relaes com os pares e ausncia de oportunidades para

    uma experincia de socializao normal (Cunha, 2005). Muitos estudos revelaram que

    os sujeitos que foram rejeitados pelos pares, negligenciados ou excludos das

    actividades dos pares revelavam maior Ansiedade Social.

    5.3.5. Experincias sociais traumticas

    Algumas experincias sociais traumticas podem causar fobia social. Mas, na

    verdade, nem todos os traumas sociais causam esta perturbao, bem como, nem todos

    os fbicos scias se recordam de uma situao traumtica na sua vida.

    Segundo o estudo de Ost e Hugdahl, (1981; cit. in Gato 2003) 58 % dos fbicos

    sociais adultos relacionam o incio da sua ansiedade social com experincias sociais

    evocadoras de ansiedade elevada e estudos (Stemberger; Idem) sugerem que estas

    experincias podem levar ao desenvolvimento de fobias sociais atravs de processos de

    condicionamento clssico, segundo o qual a Ansiedade Social seria uma resposta

    condicionada. Neste sentido, um determinado estmulo social (por exemplo, falar em

    pblico ou em grupo) estaria relacionado a estimulao aversiva (por exemplo, ser

    humilhado ou gozado).

    , porm, importante reflectir que a referncia a recordaes de experincias

    sociais traumticas que determinam o incio da Ansiedade Social, podero ser apenas

    recordaes selectivas determinadas pela pr-existncia da Ansiedade Social.

    5.3.6. Doena na infncia

    A doena na infncia poder ser um factor de risco para o desenvolvimento

    da Perturbao da Ansiedade Social, j que, nos casos mais graves, pode levar a que a

    criana se afaste das outras crianas, se sinta diferente delas, podendo ser discriminada

    (dependendo da doena) e sinta maior presso para recuperar o tempo perdido na escola.

  • Ansiedade Social: perspectiva desenvolvimental

    - 20 -

    5.3.7. Posio na fratria

    Segundo Greenberg & Stravinsky (1985; cit. in Gato, 2003) 63 % dos

    homens e 35 % das mulheres cujo problema principal era Ansiedade Social ou

    evitamento social eram filhos nicos ou primeiros filhos. Outras investigaes

    corroboram este estudo sendo que Zimbardo (1996; Idem) avanou com a hiptese de

    este factor dever-se presso para o sucesso, da qual muitas vezes estas crianas e

    adolescentes so alvo, levando a timidez. So, contudo, necessrias mais investigaes

    para perceber qual o peso deste factor na ansiedade social (Ibidem).

  • Ansiedade Social: perspectiva desenvolvimental

    - 21 -

    6. Impacto da Ansiedade Social na Qualidade de Vida

    Segundo o critrio E do DSM IV - TR O diagnstico apropriado somente se

    o evitamento, medo ou antecipao ansiosa do confronto com a situao social ou de

    desempenho interferir significativamente com a rotina diria da pessoa, funcionamento

    ocupacional, vida social ou se a pessoa sente um claro mal-estar com a fobia (p.456).

    Com esta citao podemos concluir que s se justifica fazer um diagnstico de

    Perturbao de Ansiedade Social quando esta afecta significativamente a qualidade de

    vida do indivduo nas suas diversas vertentes. De facto, a Perturbao de Ansiedade

    Social extremamente limitadora a vrios nveis, causando grande sofrimento e

    dilacerando a qualidade de vida, principalmente porque o evitamento social tpico

    desta psicopatologia.

    A qualidade de vida do fbico social gravemente afectada devido ao medo e

    evitamento experimentados em situaes sociais. Na rea do trabalho, eles tm maior

    dificuldade em arranjar emprego devido sua incapacidade de se exporem s

    entrevistas, mudam mais vezes de emprego e mostram menor produtividade, o que os

    leva a estar financeiramente mais dependentes. Relativamente ao convvio social,

    possuem menos anos de escolaridade, evitam falar em grupos, em pblico ou com

    superiores ou colegas e vivem mais isolados. Finalmente, ao nvel afectivo, tm maior

    dificuldade em encontrar outra pessoa para namorar ou casar devido muito

    provavelmente ansiedade experimentada na relao com o prximo e, por isso, so

    normalmente solteiros, divorciados ou separados (Davidson et al., 1993; Schneier et at.,

    1992; Wittchen & Belloch, 1996; cit in Gouveia, 2000).

    Quanto mais precoce o incio da Fobia Social, maior a probabilidade de

    desenvolvimento de distrbios comrbidos e pior prognstico, um indicador de baixa

    qualidade de vida (Davidson et al., 1993; cit in Gouveia, 2000).

    Centrando-nos agora nos nveis desenvolvimentais mais baixos, conclumos que

    tambm nestes a qualidade de vida est fortemente afectada. Nas crianas, o

    desempenho escolar e pessoal est muito comprometido, bem como o seu

    desenvolvimento futuro. Na vida quotidiana dos adolescentes, tarefas simples podem

    assim tornar-se um grande obstculo, nomeadamente falar para a turma, juntar-se a um

    grupo, praticar certos desportos ou falar abertamente. As tarefas desenvolvimentais

    esto ento gravemente afectadas. Nesta fase de desenvolvimento, a Fobia Social

  • Ansiedade Social: perspectiva desenvolvimental

    - 22 -

    constitui ainda um factor de risco para a Depresso Major, consumo de lcool e outras

    substncias psicoactivas que reduzem a ansiedade (Gouveia, 2000).

    A Fobia Social um distrbio que tem um curso crnico com uma durao

    superior a 20 anos. Resultados do estudo epidemiolgico de Davidson et al. (1993; cit in

    Gouveia, 2000) sugerem que apenas cerca de 27% dos indivduos com Fobia Social

    recuperam das suas dificuldades (Idem).

  • Ansiedade Social: perspectiva desenvolvimental

    - 23 -

    7. Concluso A Psicopatologia do Desenvolvimento pode ser definida como o estudo do

    comportamento desviante, valorizando e avaliando os efeitos genticos, ontogenticos,

    bioqumicos, cognitivos, afectivos, sociais ou quaisquer outros com influncia

    desenvolvimental no comportamento (Rolf & Read, 1984, p.9). Assim, esta disciplina

    prope-se a estudar a psicopatologia em relao com as principais mudanas que

    ocorrem tipicamente ao longo do ciclo de vida, sugerindo uma moldura conceptual de

    estudo em vez de ditar uma explicao terica especfica para os distrbios, suas causas

    ou consequncias (Achenbach, 1990). Deste modo, pensamos ter conseguido uma

    abordagem completa e transversal da Ansiedade Social ao longo do ciclo de vida.

    Partimos de uma caracterizao nosogrfica da Perturbao de Ansiedade Social

    para alcanarmos uma definio clara e objectiva (um marcado e constante medo de

    situaes sociais ou de desempenho, onde o fbico social se possa sentir embaraado),

    no sentido de compreender a sua manifestao nas suas vertentes cognitiva, emocional,

    vegetativa e motora. Tambm achmos pertinente, neste contexto, adoptar uma

    abordagem evolucionria da Ansiedade Social para demonstrar que, alm de ser

    exclusiva da espcie humana, apresenta inclusive um cariz adaptativo, visto que permite

    a adaptao dos indivduos ao grupo social.

    No sentido de compreender a funo do medo e de perceber quando, porqu e

    como surge a Perturbao de Ansiedade Social, basemo-nos em modelos Cognitivo-

    Comportamentais e Evolucionrios, que os conceptualizam num continuum (extremado

    pelo carcter funcional/adaptativo e pelo carcter patolgico/inadequado) e defendem o

    seu importante papel na sobrevivncia da espcie e adaptao ao meio ambiente.

    Segundo o modelo Cognitivo-Comportamental, o fbico social algum que, em

    situaes sociais, interpreta erroneamente os estmulos como ameaadores, activando

    sempre estes esquemas cognitivos disfuncionais aquando da presena, real ou virtual, de

    estmulos socais. J os Modelos Evolucionrios, afirmam que pelo carcter hednico

    do funcionamento social humano, que o indivduo sente necessidade de agradar ao outro

    da sua espcie e de receber reforos pelo seu comportamento adequado. Assim, a Fobia

    Social advm, ento, da presso intra-espcie para ser aceite e bem sucedido num grupo

    social, temendo situaes de avaliao negativa por parte dos outros e de discriminao.

    No obstante, a tnica do nosso trabalho foi colocada, essencialmente, ao nvel

    desenvolvimental. Isto porque o conhecimento clnico dos princpios da psicopatologia

  • Ansiedade Social: perspectiva desenvolvimental

    - 24 -

    desenvolvimental trar inmeras aplicaes para a interveno psicolgica. Por

    exemplo, ao conhecermos o sentido da continuidade da Perturbao de Ansiedade

    Social, da infncia at idade adulta, torna-se mais fcil fazer predies e, ento,

    apostar numa interveno precoce. Para alm disto, ao saber identificar os factores de

    proteco na vida de um fbico social, o terapeuta pode ajud-lo a lidar melhor com o

    risco e com os seus problemas, diminuindo e at neutralizando a sintomatologia e o

    impacto negativo na vida deste, inerente a esta perturbao.

    Concluindo, uma vez que os estmulos fbicos (desencadeante e de manuteno)

    desta perturbao se encontram ao nvel das interaces sociais, muitos so os receios e

    as limitaes com que o fbico social se depara, consoante o seu nvel

    desenvolvimental. Assim, considermos importante abordar o impacto negativo que esta

    provoca na qualidade de vida destes doentes. Decidimos, ainda, pesquisar os dados

    acerca da elevada comorbilidade existente entre esta e outras patologias, o que pode

    contribuir para um agravamento ainda mais evidente da qualidade de vida dos fbicos

    sociais.

  • Ansiedade Social: perspectiva desenvolvimental

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  • Ansiedade Social: perspectiva desenvolvimental

    - 27 -

    ANEXOS

  • Ansiedade Social: perspectiva desenvolvimental

    - 28 -

    Anexo 1

    Critrios de diagnstico da CID10 para a Fobia Social

    A. Cada um dos seguintes deve estar presente:

    (1) Medo marcado de ser o centro da ateno, ou medo de se comportar

    de forma embaraosa ou humilhante;

    (2) Evitamento marcado de ser o centro da ateno, ou medo de se

    comportar de forma embaraosa ou humilhante.

    Estes medos manifestam-se em situaes sociais, tais como comer ou falar em pblico,

    encontrar pessoas conhecidas em pblico ou entrar em situaes de pequenos grupos

    (e.g., festas, reunies, salas de aula).

    B. Pelo menos dois sintomas de ansiedade na situao temida tal como definido em

    F40.0, critrio B, devem manifestar-se em algum momento desde o aparecimento da

    perturbao, juntamente com pelo menos dois dos seguintes sintomas:

    (3) ruborizar ou tremer;

    (4) medo de vomitar;

    (5) urgncia ou medo de defecar ou urinar.

    C. A perturbao emocional significativa causada pelos sintomas ou pelo evitamento,

    e o indivduo reconhece que estes so excessivos ou pouco razoveis.

    D. Os sintomas restrigem-se a, ou predominam nas situaes temidas ou quando esto

    imaginadas.

    E. Aspecto mais comummente utilizado para excluso. Os sintomas apresentados nos

    critrios A e B no so resultado de delrios, alucinaes ou outras perturbaes

    relacionadas (F20-F29), perturbaes do humor [afectivos] (F30-F39), ou perturbao

    obsessivo-compulsiva (F42), e no so secundrias a crenas culturais. (adaptado de CID-10, World Health Organization, 1992)

  • Ansiedade Social: perspectiva desenvolvimental

    - 29 -

    Anexo 2

    Critrios de diagnstico para 300.23 Fobia Social [F40.1] DSM-IV-TR

    A. Medo acentuado e persistente de uma ou mais situaes sociais e de

    desempenho nas quais o sujeito est exposto a pessoas desconhecidas ou

    possvel observao de outras. O sujeito teme poder vir a comportar-se (ou

    mostrar sinais de ansiedade) de modo humilhante ou embaraador. Nota: em

    crianas tem de existir evidencia da capacidade para estabelecer relaes sociais

    apropriadas para a idade com pessoas conhecidas e a ansiedade deve ocorrer

    tambm com crianas da sua idade e no somente nas interaces com adultos.

    B. A exposio situao social temida provoca quase sempre ansiedade, que

    pode assumir a forma de um Ataque de Pnico situacional ou situacionalmente

    predisposto. Nota: em crianas, a ansiedade pode ser expressa por choros,

    birras, imobilidade ou receio nas situaes sociais com pessoas desconhecidas.

    C. A pessoa reconhece que o medo excessivo ou irracional. Nota: em crianas

    esta caracterstica pode estar ausente.

    D. As situaes sociais ou de desempenho so evitadas ou enfrentadas comintensa

    ansiedade ou mal-estar.

    E. O evitamento, antecipao ansiosa ou mal-estar nas situaes sociais ou de

    desempenho interferem significativamente com as rotinas normais da pessoa,

    funcionamento ocupacional (ou acadmico), relacionamentos ou actividades

    sociais ou existe mal-estar acentuado por ter a fobia.

    F. Em sujeitos com idade inferior a 18 anos, a durao de pelo menos 6 meses.

    G. O medo ou o evitamento no so provocados por efeitos fisiolgicos directos de

    uma substancia (por exemplo, drogas de abuso, medicao) ou um estado fsico

    geral e no so melhor explicados por outra perturbao mental (por exemplo,

    Perturbao de Pnico, Com ou Sem Agorofobia, Perturbao da Ansiedade de

    Separao, Perturbao Disfrmica Corporal, Perturbao Global do

  • Ansiedade Social: perspectiva desenvolvimental

    - 30 -

    (DSM-IV-TR, American Psychiatric Association)

    Desenvolvimento ou Perturbao Esquizide da Personalidade).

    H. Se um estado fsico geral ou uma outra perturbao mental estiverem presentes,

    o medo do Critrio A no est relacionado com eles, por exemplo, o medo no

    de Gaguejar, de tremer na doena de Parkinson ou de exibir um

    comportamento alimentar anormal na Anorexia ou Bulimia Nervosa.

    Especificar se:

    Generalizada: se os medos incluem a maioria das situaes (considerar igualmente o diagnostico adicional da Perturbao Evitante da Personalidade.