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Apontamentos CP DC 99 2000

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Apontamentos de Cincia Poltica e Direito Constitucional

parte II

Direito Constitucional

Captulo I

Teoria Geral da Constituio1. objecto da disciplina de Direito Constitucional

O Direito Constitucional a parcela da Ordem Jurdica que rege o prprio Estado enquanto comunidade e enquanto poder, conforme esclarece Jorge Miranda. A matria regida pelo Direito Constitucional pode, desta forma, ser genericamente definida como a respeitante estrutura, aos fins e s funes do Estado, bem como organizao, titularidade, exerccio e controlo do poder poltico a todos os nveis.. Este ncleo de matrias traduz a essncia do fenmeno poltico, da que autores como Marcello Caetano, Jorge Miranda e Marcelo Rebelo de Sousa refiram que o Direito Constitucional corresponde ao estatuto jurdico do poltico ou do Estado.

Chama-se tambm Direito Poltico ao Direito Constitucional. Todavia, enquanto com esta designao se pensa mais na regulao jurdica, no estatuto, na forma de Direito que a Constituio, com aquela designa-se preferencialmente ao objecto da regulamentao. Deve preferir-se a designao de Direito Constitucional, no s por referncia ao constitucionalismo, mas tambm para no restringir o seu mbito ao Direito do Estado-poder, esquecendo o Estado-comunidade toda a Constituio tanto Constituio poltica como Constituio social.

2. o poder poltico e o direito

O poltico o global, o que respeita a todos, abrange, coordena e sintetiza a pluralidade de grupos, interesses e situaes. Mais do que um ramo a par de outros, o Direito Constitucional o tronco da Ordem Jurdica estatal. , afinal, no Estado organizao de governantes e governados ou comunidade de cidados que se patenteia o fenmeno poltico mais claramente. O Estado a sociedade poltica dos ltimos sculos, sendo encarado como Estado-comunidade ou Estado-poder.

No Direito Constitucional s entra o que engloba a estrutura da comunidade e do poder poltico (o que constitutivo ou constitucional do Estado) e possui significado poltico. No o que toca aos particulares, grupos e poderes sociais mas polticos enquanto tais. Entra a sociedade enquanto ser poltico, no na mltipla teia de relaes que se desenvolvem margem da actividade pblica.

Na medida em que a Constituio estabelece pressupostos de criao, vigncia e execuo das normas do resto do ordenamento jurdico, determinando amplamente o seu contedo, converte-se em elemento de unidade do ordenamento jurdico da comunidade do seu conjunto. Logo, no apenas os indivduos, mas tambm o Estado e as demais instituies que exercem autoridade pblica devem obedincia ao Direito. Se exagerada a posio dos autores que assimilam o fenmeno estadual ao fenmeno normativo, pelo menos claro que o Estado no pode ser compreendido sem Direito.

Encontra-se sempre um elemento jurdico traduzido na criao de direitos e deveres, de faculdades e de vinculaes. Os governantes tm o direito de mandar e os governados o dever de obedecer. No h uma ideia de poder sem uma ideia de Direito e a autoridade dos governantes em concreto tem de ser uma autoridade constituda constituda por um conjunto de normas fundamentais, pela Constituio, como quer que esta se apresente.

Do mesmo modo, o povo e o territrio no so o povo e o territrio do Estado seno em termos de Direito, e o poder de cada Estado atinge to-s o seu povo e o seu territrio.

H ainda a observar que, no desenvolvimento da sua actividade, o Estado e as restantes entidades pblicas tm de se mover segundo regras jurdicas. Jorge Miranda conclui lapidarmente que a sujeio do Estado ao Direito, inclusive ao seu prprio Direito Positivo eis a base do Direito Pblico e, antes de mais, do Direito Constitucional.

3. o Direito Constitucional e a organizao jurdica e poltica de uma colectividade estadual

O Direito Constitucional um ramo do Direito, que a maioria dos autores considera nuclear no campo do Direito Pblico, formado por normas jurdicas. O Direito Constitucional Geral visa a elaborao de uma verdadeira Teoria da Constituio, no sentido de uma dogmtica integrante das diversas concretizaes dos Direitos Constitucionais Particulares que incidem sobre o regime constitucional de Estados concretos. Um conceito-chave da Teoria da Constituio o de Constituio, objecto material por excelncia da cincia do Direito Constitucional.

Segundo Marcello Caetano, Constituio de um Estado o sistema das normas que estatuem sobre os rgos do poder poltico, suas atribuies, seus limites, suas relaes entre si.

Para Jorge Miranda, o conjunto de normas que recortam o contexto jurdico correspondente comunidade poltica como um todo e a situam os indivduos e os grupos em face uns dos outros e frente ao Estado-poder e que, ao mesmo tempo, definem a titularidade do poder, os modos de formao e manifestao da vontade poltica, os rgos de que esta carece e os actos em que se concretiza.

Por sua vez, para Marcelo Rebelo de Sousa ser o conjunto das normas jurdicas fundamentais que regulamentam: a) a estrutura, fins e funes do Estado; b) a organizao, a titularidade, o exerccio e o controlo do poder poltico a todos os nveis; c) a fiscalizao do acatamento das normas referentes s matrias mencionadas, em particular a fiscalizao do seu acatamento pelo prprio poder poltico.

Quanto a Carlos Blanco de Morais, considera que a Constituio se configura como a ordem jurdica de domnio de uma colectividade estadual.

Destas normas decorre todo o sistema jurdico definidor dessas matrias, da que as normas constitucionais tendam a prevalecer sobre as demais normas jurdicas, existindo mecanismos destinados apreciao da conformidade destas em relao ao contedo daquelas.

4. introduo ao poder constituinte e acepo de constituio como Ordem Jurdica de domnio de uma colectividade estadual

1. Jusnaturalismo e Neojusnaturalismo

I A concepo jusnaturalista parte de um conjunto de valores e princpios de Direito Natural, universais e abstractos, que deveriam ser acolhidos na Constituio, sendo a atitude dos constituintes sobretudo cognoscitiva. Sendo a Constituio escrita a revelao das normas de Direito Natural, ela tenderia a ser universal e intemporal no seu contedo, mudando s as formas de concretizao da deciso. Essa ordem superior seria o padro de validade do Direito decidido, a justa medida da deciso.

Manifestou-se segundo as premissas do jusracionalismo nas Constituies liberais, tendo sido influenciada depois por outras tendncias. Tradicionalmente de matriz crist, foi tambm explicada mais recentemente segundo uma perspectiva laica. Exemplos elucidativos destas concepes foram as Declaraes Universais de Direitos coexistentes com as Constituies do fim do sculo xviii e incio do sculo xix, que partiam do pressupostos da natureza suprapositiva desses direitos.

Trata-se de um conceito de Constituio como meio de subordinao do Estado a um Direito superior e de tal forma que, juridicamente, o poder poltico no existe seno devido e nos termos previstos na Constituio.

Os seus crticos advertem que se trata, todavia, de uma doutrina-rtulo, tendo j justificado tanto o esclavagismo como a abolio da escravatura. Mais: difcil conformar a imutabilidade e a universabilidade com as disparidades existentes entre as sociedades islmicas e as sociedades ocidentais. Finalmente, algo ingnua pressupe valores inatingveis que levam a que qualquer norma jurdica constitucional que os contradiga deva ser considerada inconstitucional.

II O Neojusnaturalismo uma das posies da doutrina contempornea que resulta da crtica ao conceptualismo formalista em que tantas vezes caram os constitucionalismos moderno. Doutrina de Gustav Radbruch e Helmut Coing, esta orientao foi adoptada por Francisco Lucas Pires e Rogrio Ehrardt Soares na escola de Coimbra e por Jorge Miranda na de Lisboa.

A resposta ao formalismo positivista apenas poderia ser a procura de um critrio material que permitisse distinguir o juridicamente vlido do no vlido atravs de uma verdadeira Filosofia dos Valores ou de uma indagao sobre a natureza das coisas. A Constituio deveria, ento, conter os princpios ticos, em funo dos quais se h-de apreciar a validade substancial de todas as restantes normas jurdicas. Segundo Francisco Lucas Pires, necessrio incutir um sentido existncia poltica, necessrio que a limitao do poder se transforme em afirmao positiva e imperativa de valores. Assim, a superioridade da Constituio procederia do facto de constituir a objectividade de certo ethos e no apenas da sua posio superior das restantes normas. A Constituio a Constituio da liberdade atravs da justia e a sua funo central consiste em promover uma arbitragem e uma garantia.

Rogrio Ehrardt Soares defende que a Constituio aordenao fundamental de um Estado e representa um compromisso sobre o bem comum e uma pretenso de ligar o futuro ao presente. Gomes Canotilho ir acrescentar criticamente a esta abertura para o futuro um projecto material vinculativo, cuja concretizao cabe a rgos constitucionalmente mandatados para tal, na linha do marxismo.

Jorge Miranda tempera-a com laivos institucionalistas, caracterizando-a, enquanto parcela do ordenamento jurdico do Estado, como elemento conformado e conformador de relaes sociais, bem como resultado e factor de integrao poltica. Todavia, revela-se mais do que isso, vindo a ser a expresso imediata dos valores jurdicos dominantes na comunidade poltica. Como refere o autor, a interaco em que se move todo o Direito Positivo com os princpios ticos transcendentes, por um lado, e as estruturas, a situao concreta, o dinamismo da vida de um povo mostra-se aqui muito mais forte, devido trplice funo institucionalizadora, estabilizadora e prospectiva do sistema das normas constitucionais e sua especfica aco sobre as demais normas e sobre todos os actos do poder.

2. Positivismo Normativo

Esta concepo dominaria o Direito Pblico sobretudo germnico desde a segunda metade do sculo xix at ao Congresso dos Professores Alemes de Direito Pblico, em Mnster (1926).

Atingiu um rigorismo formalista extremo na Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen, obra em que este autor expe uma ideia de Ordem Jurdica como um sistema articulado de normas. O sistema foi configurado geometricamente na imagem de uma pirmide dividida em patamares hierarquicamente dispostos do topo base, imagem que explicaria a estaticidade e a dinmica normativas.

O elemento de unidade e justificao seria uma norma fundamental pressuposta (a Grundnorm kelseniana). Esta norma a Constituio, mas entendida em dois sentidos. Em sentido positivo, representa o escalo de Direito Positivo mais elevado; em sentido lgico-jurdico, uma norma fundamental hipottica dado no poder ser posta por uma autoridade cuja competncia teria ainda de se fundar numa norma ainda mais elevada. No h, todavia, contra a posio de alguns crticos, total separao entre a componente normativo-sistmica e o elemento humano-social, dada a reconduo das normas no pressupostas a actos de vontade humana e o seu objecto regulao da vida colectiva.

A validade-legitimidade de cada norma derivaria do facto de a sua criao respeitar as regras de produo fixadas numa norma anterior e superior o Direito regularia a sua prpria criao, tendo em conta que uma norma jurdica determinaria os termos da criao de outras. Cada escalo normativo abaixo da Grundnorm seria consequncia e instrumento de aplicao de uma norma superior e fundamento e parmetro de validade de produo jurdica de outra inferior.

Quanto ao Estado, advogam uma posio monista, sustentando a existncia de um s ordenamento caracterizado pelo seu carcter originrio. A soberania seria, assim, caracterstica de toda a Ordem Jurdica vlida. Ainda assim, a Ordem Jurdica Internacional constituiria outro ordenamento de carcter derivado ou autonomamente edificado.

Desta viso quase deificada de Constituio decorrem como corolrios, como aponta Marcelo Rebelo de Sousa, a ideia de que no existem limites ao Estado no previstos na Constituio, a considerao de que a Constituio deve ser escrita, e a viso dos direitos e liberdades individuais como reflexos da soberania, como auto-limitaes dos poderes do Estado ou como reservas de lei, e no como realidades jurdicas autonomamente oponveis ao Estado, pela sua inerncia pessoa humana.

Os aspectos positivos desta construo radicam no seu racionalismo e na importncia dada ao elemento normativo. No entanto, muitas so as crticas que lhe so feitas. A sua teoria criou-lhes dificuldades na explicao da essncia do poder constituinte, como na justificao da relevncia de factores sociais no condicionamento da validade das normas jurdicas, relevncia que se traduzia no plano da eficcia das normas vigentes.

Sendo a Constituio o princpio lgico de todo o sistema jurdico, seria independente de consideraes sociais ou polticas que lhe servissem de contexto ou determinassem o seu contedo. Defendendo a neutralidade da Ordem Jurdica e a pureza do Direito como uma realidade autnoma do mundo do ser, o Direito seria independente de qualquer contedo axiolgico ou voluntarismo, sendo apenas definido pela forma.

Os seus excessos metodolgicos, como lhes chama Marcelo Rebelo de Sousa, levantam crtica dos seus racionalismo, universalismo e formalismo que os levara a subvalorizar o contedo dos quadros jurdicos, bem como a influncia do elemento humano e social (que a cria a Constituio de facto) na sua gnese e vigncia. Este esquema racionalista, fundamentado mas incompleto, esquece ainda que nem todas as normas jurdicas hierarquicamente superiores contm processos de produo das normas inferiores.

3. HistoricismoPositivismo NormativoEsta corrente resume-se a uma afirmao de Schlegel: o mundo no um sistema, mas uma histria. Outros autores, como Savigny, De Maistre e Burke tambm a sustentaram.

A Constituio no seria o produto puro e simples da razo abstracta, universal e intemporal, mas a traduo de formas histricas, variveis no tempo e no espao. A Constituio seria, ento, a expresso da cultura histrica de cada povo e referente de legitimidade da sua organizao poltica.

As sociedades humanas criam, ao longo do tempo, diferentes regras normativas de organizao interna, cumprindo aos constituintes, em atitude cognoscitiva, conhec-las e revel-las na Constituio escrita. Esta aparece como ttulo declarativo de uma realidade jurdico pr-existente, resultado de uma sedimentao consuetudinria.

Como principais crticas: a subvalorizao das facetas normativas e voluntaristas do fenmeno jurdico-constitucional e o pouco valor dado influncia concreta das estruturas scio-econmicas no Direito Constitucional criado.

4. Positivismo sociolgico

Esta concepo, adoptada por autores como Lassale e Sismondi, entende que o dever-ser jurdico se enraza no mundo do ser, no mundo do social de que nasce e para que vive, pressupondo, portanto, uma atitude cognoscitiva do constituinte.

A Constituio traduziria a ideia de Direito ou o sentimento jurdico dominante na colectividade em determinado momento histrico, isto , os princpios normativos sobre os quais recai um consenso natural da colectividade. A Constituio est, assim, condicionada na sua vigncia pela efectiva adequao do seu contedo ao mundo do ser que visa regulamentar.

As crticas que lhe podem ser feitas so duas. Em primeiro lugar, a confuso entre uma realidade normativa e outra que no o . Por outro lado, preocuparam-se menos com a anlise dos factores sociais concretos que influenciaram um dado sistema constitucional do que com a procura de uma realidade abstracta imanente ao corpo social.

5. Decisionismo

A Constituio seria, para Carl Schmitt, o resultado de um acto de vontade poltica, sendo a realidade jurdica essencialmente um sistema de actos preceptivos de vontade, um sistema de decises. A Constituio uma deciso consciente que a unidade poltica, atravs dos constituintes, adopta por si prpria e se d a si prpria. A essncia da Constituio no reside, pois, numa norma, reside na deciso poltica fundamental do titular do poder constituinte.

A partir da Constituio estrutura-se todo o sistema jurdico de poderes constitudos, formado por estruturas decisrias competentes para a produo de actos jurdicos, de tal forma que a legitimidade dos de grau inferior se reconduz ao contedo dos de grau imediatamente superior.

Conforme Carlos Blanco de Morais assinala, esta doutrina condensa-se no postulado de que vontade poltica se revela como fonte de todo o Direito. As suas virtualidades encontram-se na fixao do fundamento de validade originria dos ordenamentos na deciso constituinte, no destacar do papel da vontade das autoridades legtimas na criao da lei ordinria e no acentuar da liberdade poltica de escolha do legislador ao escolher uma dada opo independentemente da vontade dos destinatrios.

Todavia, emerge tambm um conjunto de debilidades. Ela acaba por se traduzir na construo de um esquema formalista, nominalista, anlogo pirmide dos positivistas normativos, esquema em que as normas so substitudas por decises jurdicas. Os seus defensores sustentam que a Ordem Jurdica no apenas uma realidade abstracta dado no esquecer quem e como produz as normas. Porm, fica por apurar o contedo da vontade que se exprime na criao jurdica, com a magnificao da vontade autoritativa que configura a produo jurdica quase como acto de boa vontade. Esbate-se a relevncia de factores concretos de natureza social na gnese da Constituio e subsidiarizam-se mltiplos factores que no Estado Social Contemporneo limitam a vontade do decisor.

Esta a concepo adoptada por Carlos Blanco de Morais, ainda que sustentada numa metodologia de inspirao ciberntica que se modula criao e aplicao do Direito de um Estado Social que continua a pautar-se por uma sensvel lgica intervencionista. Assim, a abertura comunicativa-interpenetrativa com o ambiente externo explicam a variedade de condicionalismos que concorrem como factores de impulso para a deciso da produo normativa.

6. Institucionalismo

I O Institucionalismo conheceu algum sucessos em Itlia e em Frana, tendo tido um grande desenvolvimento com Hauriou. Foi, porm, com Santi Romano que a viso sociolgica dos autores anteriores assumiu corporizao essencialmente jurdica.

Segundo Blanco de Morais, as teses institucionalistas lograram equacionar interactivamente o Direito com a realidade social envolvente (ubi societas, ibi jus), atravs de um conjunto integrador que sugestivamente qualificaram de ordenamento. O ordenamento jurdico seria uma instituio. Sendo a sociedade uma realidade antecedente ao Direito, ambos se predicariam reciprocamente, sendo o ordenamento jurdico o objecto dessa conjuno.

Um ordenamento jurdico aglutinaria trs elementos: a) a sociedade, factor humano que implicaria a criao do Direito e que seria o objecto do ordenamento; b) a ordem social, realidade com um conjunto de valores fundamentais de incidncia jurdica, que se ergueriam como princpios reitores e marcos ordenadores da sociedade, conformando-se como fim do ordenamento; c) a organizao, constituda por um conjunto de elementos fundamentais (rgos, pessoas e normas) tendentes realizao da ordem social. A organizao dissolveria no seu interior as normas, sem se identificar com estas, tentando construir uma teoria situada acima das regras de conduta. Antes de ser norma, o Direito seria organizao de um corpo social valorado, sendo a interaco destas realidades que daria natureza jurdica normao. Da do Direito ser mais do que um conjunto de normas jurdicas.

O Estado no absorveria o nico ordenamento jurdico, antes haveria uma pluralidade de ordenamentos, constituindo o estadual uma ordem de tipo principal, de maior compreensividade.

Carlos Blanco de Morais sintetiza esta concepo no silogismo: o Estado uma instituio; uma instituio um ordenamento jurdico; logo, o Estado um ordenamento jurdico.

Ora, embora se afirme uma total identificao dos fenmenos jurdico e social, esta concepo supe, na prtica, um critrio pr-jurdico de definio do Direito pelo conceito sociolgico de instituio, conforme afirma Marcelo Rebelo de Sousa. O seu reducionismo ter sido a maior das suas vulnerabilidades, em consequncia da desvalorizao que o mesmo imprimiu ao papel das normas jurdicas na construo global. Para alm disso, tem em comum com o positivismo sociolgico a confuso entre uma realidade normativa e outra que no o , verificando-se uma anarquia estrutural e metdica.

II O pensamento institucionalista clssico foi depois alterado com alguns contributos do positivismo normativo, assim nascendo o Neo-Institucionalismo Normativista. Massimo Gianinni chegou mesmo a alterar os estratos integrativos do ordenamento elencados por Santi Romano para o seguinte escalonamento: grupo social, factos sociais e complexo normativo.

7. Estruturalismo

S mais recentemente a anlise estruturalista incidiu sobre o domnio jurdico-poltico, sendo que, em Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa um dos autores que a advoga. Esta corrente admite a relatividade histrica da Constituio, que seria influenciada de forma determinante pelas estruturas econmicas, sociais, polticas e culturais concretas (espacial e temporalmente) na sua gnese e contedo. A prpria Constituio agiria sobre as estruturas envolventes em tenso permanente com a colectividade, em que esta ltima tenderia a prevalecer.

O estruturalismo recolhe dados da anlise marxista, mas diferencia-se em vrios pontos substanciais, como em alguns pressupostos tericos desta, no seu maior pluralismo (ao incluir factores culturais e histricos) e na sua maior interactividade. Do positivismo sociolgico recebe influncias quanto ao relativismo histrico das ideias dominantes e ligao entre estas e os factores que as condicionam. Do positivismo normativo apreende criticamente a caracterizao normativa, presente em todo o sistema jurdico e tambm na Constituio.

A maior crtica que lhe poder ser dirigida o facto de se omitir quando toca explicao da forma de organizao do Direito, no resolvendo os problemas nesse campo.

8. A Teoria Sociolgica dos Sistemas

I A Teoria Sociolgica dos Sistemas de Von Bertalanffy e Talcott Parsons foi a base analtica e metdica da conceptualizao dogmtica de sistema poltico e sistema normativo, domnio em David Easton e Niklas Luhmann foram precursores.

Como pontos comuns das vrias sensibilidades existentes h a destacar vrios pontos. Em primeiro lugar, sistema jurdico e sistema social configurar-se-iam como dois conjuntos autnomos posicionados numa relao de comunicao, destacando-se o segundo como conjunto envolvente do primeiro. Algumas pulses ou exigncias do sistema social fariam surgir impulsos normativos que constituiriam o fundamento gentico das regras de Direito. A adaptao do sistema jurdico ao social dependeria da existncia, no s de mecanismos de comunicao adequados mas tambm da presena de critrios dogmticos de orientao normativa (de lgica, de hierarquia, de competncia e de procedimento) no sistema jurdico.

II A concepo ciberntica constitui a tese da abertura comunicativa e interactiva entre os sistema social e o sistema jurdico, de onde partem as decises normativas. O input originrio do sistema social, configurvel sob a forma de exigncias, conhecimentos e apoios, geraria nos centros polticos de deciso do sistema jurdico respostas poltico-normativas (outputs) dotadas de capacidade de influenciar o sistema social num fluxo de retroalimentao (feedback).

Como Zippelius refere, sobretudo o Direito que desempenha uma funo ciberntica e directiva no acontecer social, pois a aco dos sujeitos de Direito orientada por directivas normativas de conduta que lhes so destinadas.

O decisor normativo, limitado internamente por imperativos de uma deciso racional e heteronomicamente condicionado, a nvel de comportamento, por factores estruturais e conjunturais, efectua uma escolha pblica (a public choice) no momento em que exprime a sua deciso. Como Blanco de Morais aponta, esta opo acaba por ser tomada na base de um clculo indubitavelmente utilitarista.

A teoria ciberntica seria tributria de uma cincia de pilotagem, isto , uma cincia de concepo, comando e regulao de sistemas complexos. Gomes Canotilho caricaturiza-a atravs das mquinas de inputs/outputs, que afinal so o smbolo deste sistemismo que esquece o mecanismos interiores dos prprios sistemas, s dando sinal atravs das respostas de feedback.

De facto, trata-se de uma teoria incompleta. Por um lado, nos acontecimentos sociais interfere tambm sempre a liberdade de deciso humana que no tem qualquer paralelo nos processos mecnicos de conduo. Por outro lado, como Zippelius adverte, no possvel fornecer critrios para a rectido de regulaes normativas. Nos procedimentos de regulao so sempre includas tambm decises em que se levanta a questo de saber como devem ser resolvidos conflitos de interesses da maneira mais justa. Ora, o exerccio de uma competncia decisria no deve ser uma deciso apenas determinada por influncias sociais (fcticas), por regras operacionais (formais) e pela lgica imanente ao sistema. Ela deve ser intrinsecamente justa, exigindo deste modo tambm critrios de deciso que no podem ser s obtidos a partir de relaes funcionais.

III A teoria auto-organizativa ou autopoitica tem origem nas investigaes biolgicas dos chilenos Maturana e Varela, que concluram pela organizao de carcter auto-referencial dos sistemas vivos. O seu objecto , ento, compreender como os sistemas se organizam a partir do interior como Stuart Kaufmann referiu, um sistema autopoitico aquele que tem o poder de se gerar a ele prprio.

Esta concepo recusa um tipo de comunicao entre sistema social e sistema jurdico que se defina como capacidade de um deles actuar por via directa sobre o outro. O sistema jurdico teria, ao invs, uma estrutura auto-referencial e circular em que os atributos voluntarstico e gradualstico na produo do Direito seriam substitudos por um modelo em que a norma se fundaria nela prpria. Alis, como Gomes Canotilho explica, dizer que o Direito constitui um sistema autopoitico significa que ele produz os seus prprios elementos, determina as suas estruturas e fixa os seus limites.

A autopoise restringe a comunicao entre sistemas ao conceito de abertura cognitiva, atravs da qual o sistema jurdico examinaria pelos seus prprios institutos os sistemas envolventes. Carlos Blanco de Morais clarifica que esta abertura cognitiva constituiria no um processo de transaco ou de informao inter-sistmica, mas sim um instituto prprio de suco selectiva de apreenso e valorao dos elementos exgenos. Assim produziria Direito sustentado unicamente num quadro de auto-observao e de auto-qualificao dogmtica da sua legitimao e operatividade.

9. Outras teorias da Constituio

O Marxismo entende a Constituio como superestrutura da organizao econmica que prevalece em qualquer pas, um dos instrumentos da ideologia da classe dominante.

As concepes decorrentes da Filosofia dos Valores consideram a Constituio como expresso da ordem de valores, ordem que lhe , portanto, anterior, por ela no criada e que vincula directamente todos os poderes do Estado.

O Cepticismo caracteriza-se pela crise ou descrena no papel da Constituio e do constitucionalismo em geral e baseia-se na observao das experincias constitucionais recentes.

5. Estado de Direito e Constituio sntese histrico-poltica

1. Os dados de partida

I Qualquer Estado, seja qual for o tipo histrico a que se reconduza, requer ou envolve institucionalizao jurdica do poder, necessita de normas fundamentais que orientam o seu ordenamento. No entanto, apenas desde o sculo xviii se encara a Constituio como um conjunto de regras jurdicas definidoras das relaes do poder poltico, do estatuto de governantes e governados. Este conceito de Constituio afirma-se pelos seus objecto e funo, mas tambm pela sua fora jurdica especfica e forma prpria.

II H duas atitudes perante o fenmeno constitucional. A primeira uma posio passiva que denota uma atitude cognoscitiva. Trata-se da mera descrio ou reproduo de determinada estrutura jurdico-poltica patente nas Constituies britnica, americana e, anteriormente, pelas Leis Fundamentais dos Estados estamental e absoluto. A segunda a activa, mais voluntarista, que, atravs da criao de normas jurdicas, pretende a transformao das condies poltico-sociais. Est subjacente revoluo francesa e encontra nas Constituies do sculo xx a sua maior expresso, mas o substrato tanto da corrente jusracionalista, como da historicista conservadora.

III A Constituio Direito, um Direito especfico que tem por objecto o Estado. Da no haver teoria da Constituio sem ligao com as concepes de Direito e de Estado adoptadas.

2. Antecedentes do Constitucionalismo Constituio em sentido institucional

I Em termos cronolgicos, a Constituio, como hoje entendida, surge na transio da Idade Moderna para a Idade Contempornea (fins do sculo xviii), mais precisamente na transio da Monarquia Absoluta para o Estado Liberal ou Burgus de Direito.

Antes existiam documentos reguladores de facetas fraccionadas da organizao e exerccio do poder poltico. No entanto, importa recordar como antecedentes histricos do constitucionalismo:

o pactum subjectionis, construo medieval segundo a qual o povo confia ao monarca o seu governo, contra a garantia de a governao obedecer aos ditames de equidade;

as Leis Fundamentais da Europa crist ao estabelecerem a unidade da soberania e da religio do Estado, a forma de Governo e a sucesso do trono, as garantias das instituies e dos grupos sociais e os seus modos de representao;

a celebrao de pactos escritos entre rei e sbditos, resultantes de uma conquista destes (como a Magna Charta de 1215, a Petition of Rights de 1628 ou a Bill of Rights de 1689);

a concesso de forais, reconhecendo dadas liberdades aos residentes em certa circunscrio territorial, e definindo ao mesmo tempo normas bsicas de administrao local;

os contratos de colonizao ou pactos de criao de comunidades coloniais nos EUA, pouco antes do constitucionalismo, estabeleceram embries de uma organizao poltica para-constitucional (o Compact de 1620 e as Fundamental Orders of Connecticutt de 1639).

II Usualmente, o marco histrico do advento do constitucionalismo a Declaration of Rights do Estado da Virgnia em 1776, a que se seguiram as Constituies das ex-colnias britnicas da Amrica do Norte, a Constituio da Confederao dos Estados Americanos de 1781 e a Constituio da Federao de 1787. Em 1789 surgiria a Dclaration des Droits de lHomme et du Citoyen aprovada pela Assembleia Constituinte francesa, e dois anos depois, a Constituio de 1971.

III Ora, se Marcelo Rebelo de Sousa apenas fala de Constituies a partir desta data, Jorge Miranda reconduz algumas daquelas manifestaes (como as Leis Fundamentais) ao conceito de Constituio em sentido institucional. Parte, assim, do princpio de que todo o Estado carece de uma Constituio como enquadramento da sua existncia, base e sinal da sua unidade, legitimidade e legalidade. A sua origem e contedo so variveis, mas a necessidade de tais regras incontroversa.

A estas regras d-se o nome de Constituio em sentido institucional, configurando o Estado como instituio, algo de permanente para l dos contextos e titulares concretos do poder, isto , mostrando a prevalncia dos elementos objectivos das relaes polticas sobre as intenes subjectivas. Esta Constituio tem um alcance universal independentemente do seu contedo concreto, no , contudo, comparvel s dos Estado modernos.

3. A Constituio (em sentido material) do Constitucionalismo liberal

I As Leis Fundamentais no regulavam seno muito esparsamente as actividades dos governantes e no traavam com rigor as suas relaes com os governados eram difusas e vagas, assentando no costume e poucas estavam documentadas por escrito.

J o constitucionalismo tende a disciplinar toda a actividade governativa e todas as relaes do poder com os governados; a submeter lei todas as manifestaes de soberania e a consignar os direitos dos cidados; e a declarar uma vontade autnoma de recriao da Ordem Jurdica. Exige-se uma Constituio como ordenao e unidade planificadas do Estado por oposio ao estatuto irracional de poder dos grupos polticos da Idade Mdia. A Constituio aparece no como um resultado, mas como ponto de partida, no descritiva mas criadora, a sua razo de ser no a idade mas o seu significado jurdico, a sua fora obrigatria no decorre do fatalismo histrico mas da regra de Direito que exprime.

Da que mesmo de natureza semelhante (conformao jurdica do poltico), entre as Leis Fundamentais e a Constituio se tenha operado uma ruptura histrica. Mais do que o objecto das normas constitucionais so a sua extenso e inteno que se realam. A Constituio em sentido material abrange aquilo que sempre tinha cabido na Constituio institucional (de acordo com a terminologia adoptada por Jorge Miranda), mas vai muito para alm disso prescreve a estrutura do Estado e a da sociedade perante o Estado.

II O constitucionalismo traduz uma ideia de Direito a ideia de Direito liberal. A Constituio em sentido material a regulamentao do Estado conforme os princpios proclamados nos grandes textos revolucionrios.

Cabe citar o art. 16. da Declarao de 1789 que estabelece duas condies. O Estado s ser constitucional se, por um lado, os indivduos usufrurem de liberdade, segurana e propriedade os indivduos deixam de estar merc do soberano, antes possuem direitos contra ele. Por outro lado, o poder tem que estar distribudo por vrios rgos e no concentrado no Rei, para que o poder limite o poder. Decorre a necessidade de uma Constituio: estabelecimento de regras que determinem rgos competentes para o exerccio das funes do Estado, as relaes entre eles e o regime dos seus titulares.

A ideia de Constituio uma garantia e, ainda mais, uma direco de garantia o fim est na proteco do indivduo, sendo a Constituio apenas um meio para o atingir.

III A legitimidade do constitucionalismo difere tambm da monrquica. Trata-se da legitimidade democrtica, que leva a que possamos caracterizar a Constituio como a auto-organizao de um povo, o acto pelo qual um povo se obriga e aos seus representantes, o acto mais elevado do exerccio da soberania. O poder constituinte , ento, superior aos poderes constitudos.

A Constituio no ser, ento, apenas limite mas tambm fundamento do poder pblico, no apenas fundamento do poder mas tambm da Ordem Jurdica. a Constituio que estabelece os poderes do Estado e regula a formao das normas jurdicas estaduais, todos os actos e normas do Estado tm que estar em relao positiva com as normas constitucionais para serem vlidos.

Esta ideia surgiu, contudo, primeiro nos EUA, at porque a Constituio de 1787 foi o acto fundador da Unio, da se terem apercebido de ela era tambm a norma fundamentadora de todo o sistema jurdico e Hamilton a ter qualificado como Direito supremo do Pas. Da tambm, a partir de 1803, o Supremo Tribunal ter comeado a apreciar a constitucionalidade das leis. Na Europa, o processo foi mais lento pela preocupao de reestruturar o poder poltico (devido ao absolutismo) e de s no sculo xx se ter institudo formas de fiscalizao jurisdicional da constitucionalidade.

4. A Constituio (em sentido material) do sculo xxI O conceito material de Constituio, utilizado por vrios regimes e sistemas polticos, pode hoje abrir-se a uma pluralidade de contedos e desprender-se das teorias que estiveram na sua origem: jusracionalismo, contratualismo e individualismo liberal. Logo, relativiza-se, ficando neutro, relativo ao estatuto do Estado. Da prestar-se mais ateno ideia de Direito de instituio, aos projectos distintivos dos regimes polticos. No entanto, no se volta Constituio institucional, dado que persiste uma estruturao dos poderes, orgos e procedimentos do Estado, tal como da organizao social politicamente relevante.

II Sendo o Estado comunidade e poder, a Constituio material nunca apenas Constituio poltica, tambm Constituio social, estatuto da comunidade perante o poder ou da sociedade politicamente conformada. Estatuto jurdico do Estado significa sempre estatuto do poder poltico e estatuto da sociedade em dialctica com o poder e por ele unificada. Mesmo as Constituies liberais eram sociais ao cuidarem das liberdades e da propriedade. As Constituies do sculo xx estendem o seu domnio a novas regies. Portanto, onde est o fenmeno poltico, est o fenmeno constitucional. Logo, se o poltico se alarga, o fenmeno constitucional alarga-se forosamente.

III A dilatao do espao da Constituio material e o nmero cada vez maior dos ramos de Direito que engloba tm conduzido a uma segmentao. Mas quaisquer autonomizaes so teis por propiciarem uma conscincia mais ntida do escopo da Constituio, permitirem um aprofundamento da anlise das diversas normas constitucionais e servirem de apoio para a ponte entre essas normas e as normas dos correspondentes ramos de Direito. No devem nunca acarretar a pulverizao nem a perda da unidade sistemtica da Constituio. No h uma Constituio dos Direito Fundamentais independente da Constituio dos poderes o Estado de Direito implica uma conformao recproca. Mesmo quando os princpios respectivos tenham origens e formulaes discrepantes (em Constituies compromissrias) devem ser lidos e entendidos no contexto da mesma Constituio material.

6. classificaes de Constituio

1. Constituio em sentido material e formal

I H duas perspectivas bsicas de encarar a Constituio. A primeira a material, que atende sobretudo ao seu objecto, contedo e funo. Assim, Constituio ser o estatuto jurdico do Estado, do poltico estrutura o Estado e o Direito do Estado. A ela corresponde um poder constituinte material como poder do Estado de se dotar de tal estatuto, poder de auto-organizao e auto-regulao do Estado. Trata-se, por definio, de um poder originrio, expresso da soberania do Estado.

Para salientar as diferenas entre o antes e o ps constitucionalismo, Jorge Miranda reserva o termo Constituio institucional para o primeiro perodo porque faz a sua identificao com a necessria institucionalizao jurdica do poder. Aplica ento Constituio material ao segundo perodo porque de contedo desenvolvido e reforado e susceptvel de ser trabalhado e aplicado pela jurisprudncia. Todavia, Marcelo Rebelo de Sousa contesta a necessidade desta distino dado o segundo conceito abranger o primeiro pela sua natureza e de forma necessria.

Constituio em sentido material ser o conjunto das normas jurdicas fundamentais que regulamentam: a) a estrutura, os fins e as funes do Estado; b) a organizao, a titularidade, o exerccio e o controlo do poder poltico a todos os nveis; c) a fiscalizao do acatamento das normas referentes s matrias mencionadas, em particular a fiscalizao do seu acatamento pelo prprio poder poltico (Marcelo Rebelo de Sousa). Trata-se de uma definio material ou substancial, dado partir da delimitao da matria com dignidade constitucional para determinar se uma dada norma jurdica pode ou no ser qualificada de constitucional.

Embora as normas materialmente constitucionais no estejam em posio de supremacia, algumas delas tm de ser tuteladas, por forma a garantir-se o seu efectivo cumprimento. Da a concesso, embora a ttulo excepcional, de um regime equiparado ao das normas formalmente constitucionais quanto ao controlo da sua aplicao s mais importantes normas materialmente constitucionais (algumas Leis Orgnicas que contemplem a composio, competncia e modo de funcionamento de rgos do poder poltico e tambm o caso britnico).

No , contudo, um conceito imutvel, antes vai acompanhando na sua definio o processo de transformao da natureza, fins, funes e estrutura do Estado a que respeita. Da o alargamento das matrias a includas no mbito do Estado Social de Direito.

II A segunda perspectiva de encarar a Constituio a formal, que atende sobretudo posio das normas constitucionais em face das demais normas jurdicas e ao modo como se articulam e recortam no ordenamento jurdico. Constituio em sentido formal ser, ento, o complexo de normas formalmente qualificadas de constitucionais e revestidas de fora jurdica superior de quaisquer outras normas. A esta perspectiva corresponde um poder constituinte formal como faculdade do Estado de atribuir tal forma e tal fora jurdica a certas normas. Pressupe tambm uma especificao de certas normas no contexto da Ordem Jurdica a Constituio ser entendida como um sistema normativo merecedor de certa autonomia e envolve uma considerao hierrquica/estrutrada da Ordem Jurdica.

posio de supremacia das normas constitucionais sobre as normas legais corresponder a exigncia de a sua elaborao se fazer atravs de processos solenes, ditos constituintes, caracterstica que as distinguiria das normas materialmente constitucionais. A existncia de limites especiais sua reviso constitui outro ndice da supremacia das normas formalmente constitucionais, tal como, j em pleno sculo xx, a existncia de sistemas de fiscalizao do seu cumprimento.

Assim, Constituio em sentido formal ser um ou vrios textos escritos, elaborados por um rgo dotado de poderes especiais atravs de um processo especfico, diverso do legislativo ordinrio, texto ou textos de onde constam os princpios fundamentais de uma determinada Ordem Jurdica (Marcelo Rebelo de Sousa).

Neste sentido, o que permite verificar se uma dada norma jurdica constitucional o facto de ela formalmente se integrar no documento qualificado de Constituio e no o seu contedo material. Alis, Jorge Miranda conclui que trs notas assinalam a Constituio em sentido formal: a) intencionalidade na formao; b) considerao sistemtica a se; c) fora jurdica prpria.

Por vezes, nas normas formalmente constitucionais ocorre uma distino: as que so primria, directa e imediatamente obra daquele poder (a Constituio formal nuclear) e outras, anteriores ou posteriores, do mesmo ou de outro ordenamento jurdico, que recebem das primeiras fora constitucional e que assim so recebidas por elas nessa qualidade (Constituio formal complementar).

III Jorge Miranda prope ainda outro conceito: o de Constituio em sentido instrumental, referindo-se ao documento onde se inserem ou depositam as normas constitucionais. No abrange, deste modo, a legislao constitucional avulsa ou as normas constitucionais recebidas ou subprimrias que tambm caberiamo no conceito de Constituio formal.

Ora, na prtica, a zona de no sobreposio destes conceitos muito reduzida, no havendo distino substancial, sobretudo quanto aos requisitos formais de elaborao dessas normas, exigidos para ambas, e quanto fiscalizao do seu acatamento, tambm comum a ambas. Da que Marcelo Rebelo de Sousa, embora reconhecendo a importncia da acepo de Constituio como texto nico, homogneo, autnomo, existente na maioria dos Estado contemporneos, no veja razo suficiente para adoptar uma classificao tripartida.

IV Os dois conceitos de Constituio adoptados (material e formal) podem no coincidir na sua aplicao. Uma norma jurdica materialmente constitucional pode no constar da Constituio em sentido formal (como sucede no Reino Unido com as normas costumeiras ou como sucedeu durante a vigncia da legislao constitucional provisria, em que o estatuto da Assembleia do MFA era definido por Decreto-Lei). Finalmente, uma norma jurdica pode ser formalmente constitucional por pertencer Constituio (no sentido instrumental adoptado por Jorge Miranda) e, no entanto, no ter por objecto matria com efectiva dignidade constitucional (como Constituies que incluem normas de Direito Processual), posio adoptada por Marcelo Rebelo de Sousa.

Convm assinalar que os constituintes mais recentes tm tido a preocupao da mxima coincidncia entre a Constituio em sentido formal e material na elaborao das Constituies.

De qualquer forma, como sublinha Jorge Miranda, a Constituio formal , desde logo, Constituio material porque, insista-se, ela serve (lgica e historicamente) de manifestao da Constituio material que, em concreto, lhe subjaz; porque a forma no pode valer por si, vale enquanto se reporta a certa substncia. Mesmo as regras de Direito Civil, Direito Penal, Direito Administrativo ou Direito Fiscal da Constituio formal so ao mesmo tempo normas desses vrios ramos e normas materialmente constitucionais porque, no seu conjunto, do expresso directa e imediata ideia de Direito, aos valores e escolhas polticas fundamentais da Constituio so os princpios constitucionais daqueles ramos.

Ainda assim, as normas materialmente constitucionais no cabem todas na Constituio formal. H vrios captulos de Direito Constitucional (parlamentar, eleitoral, econmico) que incluem cada vez mais numerosas normas de Direito ordinrio e at se entrelaam com normas de Direito Internacional Pblico. Todavia, s as normas formalmente constitucionais correspondem ao poder constituinte, que a se esgota. Alis, nem h uma codificao completa das normas constitucionais, que seria o equivalente coincidncia da Constituio material e da Constituio formal.

2. Constituio rgida e flexvel

I Para a doutrina tradicional, h uma classificao particularmente relevante. Delineada por James Bryce, ope Constituio flexvel (moving, fluid) a Constituio rgica (stationary, solid).

Constituies flexveis seriam aquelas que podem ser revistas pelo mesmo processo de elaborao das leis ordinrias (processo legislativo ordinrio), como o caso da Constituio Italiana de 1947 ou da Constituio de Singapura.

Constituies rgidas seriam as que exigem para a sua modificao a observncia de uma forma distinta do processo legislativo ordinrio, como acontece com as Constituies dos EUA e da Frana e com a C.R.P. de 1976.

Constituies semi-rgidas seriam as que numa parte poderiam ser revistas atravs de processo anlogo ao legislativo ordinrio e noutra apenas mediante um processo de natureza especial. A Constituio Brasileira de 1824 constitui o exemplo tpico desta classificao.

Para alguns autores, possvel subdistinguir as Constituies rgidas em duas modalidades: numa o rgo competente para a reviso constitucional o rgo legislativo ordinrio, embora o processo de reviso seja um processo ordinrio; na outra, nem aquele rgo dispe de competncia nessa matria.

Pode-se afirmar que em ambos os casos a Constituio prevalece sobre a instncia legislativa ordinria, dado que mesmo no primeiro caso, esta tem competncia para intervir no processo de reviso mas unicamente nos termos constitucionalmente definidos, que se desdobram numa multiplicidade de requisitos de natureza formal, conforme assinala Marcelo Rebelo de Sousa.

II O critrio diferenciador proposto por James Bryce era um critrio formal da existncia ou no de um processo especial de reviso, independentemente dos limites de natureza temporal, circunstancial ou material. Ora, a realidade constitucional contempornea diversificou os meios de garantia de uma certa permanncia da Constituio.

Ora os limites circunstanciais de reviso apenas visam impedir que condicionalismos anmalos vividos no coajam fsica ou psiquicamente os titulares do rgo encarregado da reviso constitucional, pelo que no parece legtimo atender a este parmetro quanto distino entre rigidez e flexibilidade.

Em contrapartida, os limites temporais, isto , a exigncia do respeito de certos prazos para a reviso constitucional representa uma modalidade de rigidez paralela dos requisitos de forma. Da o facto de algumas Constituies preverem a possibilidade de antecipao do momento do exerccio do poder de reviso constitucional por deliberao do rgo competente por maioria qualificada. Uma Constituio que possa ser revista de forma idntica ao processo legislativo ordinrio mas s dentro de certos limites temporais uma Constituio dotada de relativa rigidez.

Por outro lado, a consagrao de limites temporais traduz o desgnio de marcar a permanncia de certas questes essenciais de contedo constitucional. Alguns autores, como Jorge Miranda, consideram mesmo que a aposio de limites materiais ao exerccio do poder de reviso corresponde a uma hiper-rigidez, superior rigidez decorrente da consagrao de limites formais e temporais.

III O relevo da classificao das Constituies quanto ao exerccio do poder de reviso prende-se com a questo da supremacia formal da Constituio. As Constituies rgidas acrescentam prevalncia hierrquica das normas constitucionais sobre leis ordinrias a prevalncia formal, traduzida nas exigncias requeridas para a reviso das normas constitucionais.

Tem-se mesmo entendido que estas exigncias se aplicam a todas as normas da Constituio formal, mesmo que no materialmente constitucionais, ao passo que o contrrio no se verifica. Daqui resulta que a maioria das Constituies formais vigentes rgida enquanto em Estados em que a Constituio em sentido formal no assume particular relevncia, como o caso do Reino Unido, a regra a flexibilidade.

3. Constituio utilitria e programtica

I O conceito de Constituio utilitria (estatutria ou orgnica) corresponde Constituio regulamentadora das matrias de direitos, liberdades e garantias fundamentais e de estatuto e orgnica do poder poltico centra-se mais na forma e no sistema de Governo sem aparentemente tratarem o sistema econmico e social. Cronologicamente, ter sido o primeiro tipo, institucionalizando o Estado Liberal de Direito.

Quanto Constituio programtica (ideolgica, directiva ou doutrinal), para alm da organizao poltica, estabelece programas, directrizes e metas para a actividade do Estado nos domnios econmico, social e cultural e regulamenta a organizao econmico do Estado, chegando a configurar-se como um genrico Programa de Governo, conforme nota Marcelo Rebelo de Sousa. Este tipo de Constituio ter aparecido com a transio para o Estado Social de Direito.

II No obstante, tanto Jorge Miranda como Marcelo Rebelo de Sousa sublinham que esta separao conceptual carece de relevncia actual e deve ser apreendida mitigadamente. Em primeiro lugar, porque no coincide com a distino entre Constituio poltica e social. Em segundo lugar, porque o factor ideolgico, embora mais forte nas Constituies programticas, est presente em ambas a escolha de uma ou outra forma de organizao e a previso ou no de certo direito indicam-no forando-nos a concluir que to-pouco h Constituies neutras.

Na realidade, qualquer Constituio encerra elementos utilitrios e programticos. A diferena deve-se ao grau em que aparecem, no modo como se conjugam, na efectividade que obtm, no sentido que a jurisprudncia e a doutrina lhes conferem, como demonstra Jorge Miranda.

4. Constituio normativa, nominal e semntica

I Outra classificao proposta por Karl Loewenstein toma por critrio a anlise ontolgica da concordncia das normas constitucionais com a realidade do processo de poder constitudo, nas suas palavras. A tese que a apoia a de que uma Constituio escrita no se esgota em si mesma, antes o que os detentores e destinatrios do poder constitudo dela faam na prtica.

A primeira classificao de Loewenstein a de Constituio normativa, que se poderia verificar quando as suas normas dominassem o processo poltico ou o processo de poder se lhes adaptasse e lhes encontrasse submetido. Para tal no basta ser juridicamente vlida, mas necessrio que seja observada por todos os interessados, sendo plenamente eficaz. Trata-se de uma classificao axiolgica que liga este tipo de Constituio democracia constitucional ocidental.

J Constituies nominais seriam as que no conseguissem adaptar as suas normas dinmica do processo poltico, ficando sem realidade existencial por serem derrogadas por prticas contrrias.

Finalmente, estar-se-ia perante uma Constituio semntica no caso de a sua realidade ntica no ser seno a formalizao da situao do poder poltico existente em benefcio exclusivo dos seus detentores de facto, apesar de no ser contrariada pela prtica constitucional.

Se as Constituies normativas limitam efectivamente o poder poltico, as Constituies nominais, embora no o limitando, ainda tm essa finalidade. J as Constituies semnticas apenas servem para estabilizar e eternizar a interveno dos dominadores de facto na comunidade.

II Se normas constitucionais escritas podem ser derrogadas por normas constitucionais consuetudinrias, a distino entre Constituio normativa e nominal pode ser, ltima ratio, a distino entre um sistema constitucional em que avultam as normas constitucionais escritas (na acepo formal) e aquele em que essas normas foram derrogadas por prticas consuetudinrias de sentido inverso.

J a Constituio semntica expressa o caso de o contedo constitucional (em sentido formal) no ter qualquer relevncia porque as suas normas escritas formalmente no o so materialmente. Desta forma, as Constituies semnticas so intencionais por decorrerem do desgnio dos detentores do poder; so autocrticas; contm normas em sentido formal que remetem para a legislao ordinria o preenchimento de certos contedos normativos fundamentais; multiplicam-se as leis ordinrias materialmente constitucionais. Trata-se de uma situao caracterstica de regimes polticos e sistemas de Governo ditatoriais, preocupados com a manuteno de uma democracia constitucional aparente. Em boa verdade, o que existe no uma Constituio semntica, mas uma Constituio formal semntica, j que Constituio em sentido material no o , sublinha Marcelo Rebelo de Sousa.

III Mesmo assim, convm assinalar, como Jorge Miranda o faz, que esta tripartio vem pr em relevo as diferentes funes da Constituio por referncia ao que foi o modelo inicial da Constituio material moderna: a Constituio limitativa e garantstica liberal. Ajuda tambm a apreender os graus de efectividade de normas e institutos de determinada Constituio.

7. Bibliografia

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Morais, Carlos Blanco de, As Leis Reforadas, Coimbra, 1995, pp. 170-200;

Sousa, Marcelo Rebelo de, Direito Constitucional I Introduo Teoria da Constituio, Braga, 1979, pp. 9-58;Zippelius, Reinhold, Teoria Geral do Estado, 3. ed.,Gulbenkian, 1997, pp. 22-34, 65-67.

Captulo III

Experincias Constitucionais Comparadas1. Introduo ao conceito de famlia constitucional

I Com perto de 200 Estados formalmente soberanos na actualidade, cada um com os seus ordenamentos particulares e quase todos revestidos de Constituies escritas, no fcil estabelecer um quadro das mltiplas formas e instituies, das grandes coordenadas do Direito Constitucional, das tendncias comuns e das aproximaes possveis.

Para levar a cabo tal tarefa, optou-se pela agrupamento de sistemas e de famlias de Direito Constitucional. Tal mtodo consiste, por um lado, em examinar o Direito Constitucional de um pas tal como se apresenta na sua realidade de sistema dotado de vida prpria. Por outro lado, em tentar agrupar sistemas semelhantes ou afins num pequeno nmero de famlias ou tipos constitucionais. Assim, trata-se um mtodo que abre tanto para uma dimenso temporal quanto para uma dimenso espacial (de tendncia universalizante.

II Reconhece-se a existncia de quatro grandes famlias de Direito Constitucional no sculo xx: a inglesa, a norte-americana, a francesa e a sovitica.

O sistema britnico o mais antigo e o mais slido dos sistemas constitucionais. As primeiras Constituies escritas em pleno sentido moderno que incorporam j a filosofia jusracionalista aparecem no continente americano. O constitucionalismo como movimento revolucionrio de vocao universal triunfa e irradia a partir de Frana a experincia inglesa, apesar de lhe levar um sculo de antecedncia, no teve o mesmo efeito, quer pelos reflexos da insularidade, quer pela especificidade da estrutura jurdica, social e administrativa do Reino Unido.

Com ideias e instituies oriundas de Inglaterra, EUA e Frana, mas com difuso e destruio das instituies da monarquia absoluta a partir da Revoluo Francesa, o Estado constitucional, representativo ou de Direito desenvolve-se ento em sucessivas vagas de Constituies.

Na Europa continental, margem das Constituies de matriz francesa somente ficam no sculo xix, por um lado, a Rssia e a Turquia e, por outro lado, os pases de lngua alem.

III O Estado de tipo sovitico (como os sistemas fascistas e fascizantes) o nico que se apresenta em divergncia radical perante o Estado constitucional representativo de matriz liberal.

O sistema constitucional sovitico provm da Revoluo Russa de Outubro-Novembro de 1917 e instaurar-se-ia em numerosos pases nas dcadas seguintes, com o acesso do Partido Comunista ao poder. Subordinao de toda a organizao poltica, econmica e social aos objectivos de realizao do socialismo e do comunismo definidos pelo partido.

2. OS SISTEMAS CONSTITUCIONAIS DE MATRIZ BRITNICA1. Formao e evoluo do Direito Constitucional ingls ou britnico

I Na formao e evoluo do Direito Constitucional ingls ou britnico distinguem-se trs fases. A fase dos primrdios foi iniciada em 1215 com a concesso da Magna Charta pela primeira vez e tanto a fase como o prprio documento pouco tm de especfico. No entanto, a singularidade da histria jurdico-constitucional inglesa remonta concepo que desde a Idade Mdia se fez e se consolidou acerca do poder dos reis e dos direitos dos sbditos.

II A segunda fase, de transio, abriu-se em princpios do sculo xvii pela luta entre o Rei e o Parlamento e de que so momentos culminantes a Petition of Right (1628), as revolues de 1648 e 1688 e a Bill of Rights (1689). Esta fase foi caracterizada por um agitado perodo de lutas polticas e religiosas. Houve duas revolues, com oscilaes vrias e com a experincia de diferentes sistemas polticos, entre os quais a Repblica com Cromwell, e at um arremedo de Constituio escrita o Instrument of Government de 1653.

O que distingue a Revoluo Inglesa de 1688 (a Glorious Revolution) da Revoluo Francesa o facto de aquela se ter inserido numa linha de continuidade, enquanto esta tentou reconstruir a arquitectura toda do Estado desde o princpio. A primeira tentou confirmar, consagrar, reforar direitos, garantias privilgios na linha das primeiras cartas de direitos; a segunda destri os que encontra para estabelecer outros de novo. Em Inglaterra a realeza que ataca o Parlamento e que, em nome da tradio, defende e se defende; j em Frana, o rei, sem foras nem convico para resistir, tenta obter um adiamento numa liquidao inevitvel. O Direito Constitucional ingls no nasce em 1689 com o Bill of Rights; no obstante, o Direito Constitucional francs nasce em 1789 com a Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado.

III A ltima fase, contempornea, comeou em 1832 (Reform Act) com as reformas eleitorais tendentes ao alargamento do direito de sufrgio. De um sistema eleitoral complexo e caracterizado pela concentrao oligrquica, passaram a um sistema de sufrgio universal de adultos de ambos os sexos.

Este processo coincide com o apagamento da Cmara dos Lordes (de pares hereditrios e vitalcios) em benefcio da Cmara dos Comuns (de membros electivos e renovveis) e, quase de imediato, com o papel propulsor dos partidos na vida poltica.

2. Sopreposio institucional e Constituio histrica

I No Reino Unido ocorre o fenmeno da sobreposio institucional. Instituies de natureza diversa coexistem e interpenetram-se atravs dos tempos e, mesmo em pocas de coliso, no tendem a destruir-se, mas apenas a definir novas funes e um novo equilbrio.

Estas instituies so o Rei, a Cmara dos Lordes e a Cmara dos Comuns que, em conjunto, formam o Parlamento. A peculiaridade de cada perodo histrico resulta da instituio que a domina. At ao sculo xvii tratou-se de um perodo monrquico; entre os sculo xvii e meados do sculo xix foi um perodo aristocrtico; a partir do sculo xix um perodo democrtico.

A preponderncia de um determinado rgo acarreta tambm a ideia de um novo tipo de Governo. No se trata, porm, de um tipo de Governo puro, antes misto, porque, mesmo com um rgo com mais atribuies, ele deve contar sempre com a interferncia dos outros, que o limitam.

Este mixed government levou a que alguns autores (Bolingbroke ou Burke) tivessem visto no Direito ingls a unio ideal das trs formas de Governo: monarquia, aristocracia e democracia. E a doutrina da separao dos poderes de Montesquieu j foi mesmo explicada como um elogio desse tipo hbrido de Governo (como por Rogrio Erhardt Soares).

II Hoje, a situao de quase absoluto predomnio da Cmara dos Comuns, rgo de representao popular em poca democrtica. Ao fim de oito sculos, o Reino Unido tem um Governo puro. Ainda assim, segundo Jorge Miranda, possvel falar em sobreposio institucional porque as outras instituies guardam poderes formais; porque a sua simples existncia impede o surgimento de difceis problemas de equilbrio poltico; e porque continuam a desempenhar uma funo social e pblica, interna e externa, insubstituvel.

III Verifica-se haver, portanto, um repdio acentuado das rupturas e dos saltos bruscos, ainda que com uma evoluo real, profunda e enriquecedora. Isto deve-se no s s idiossincracias do sistema ingls, como tambm ao seu grande esprito de tradio, confiando no tacto existencial e no bom senso do escol poltico.

Nas palavras de Edward Freedman, as mudanas no Reino Unido foram simultaneamente um acto de conservao e de progresso um acto de conservao porque eram um progresso; um progresso porque se conservavam.

De facto, s diferentes combinaes estrututais das foras polticas, acarretando modificaes estruturais da nao inglesa, corresponderam sucessivas modificaes do Estado ingls. Este, em vez de uma Constituio escrita, tem uma nao politicamente constituda de certo modo. As suas leis fundamentais dizem respeito a essas modificaes de estrutura poltica, que ele respeita e serve. Por isso, o Estado ingls no pauta a sua actividade por uma ideologia constitucional mas pelo instinto de conservao e de desenvolvimento da estrutura histrica da nao inglesa, conforme sublinha Antnio Jos Brando.

3. O modelo historicista: o tempo longo dos jura et libertatesAs dimenses histrico-constitucionais deste modelo sintetizam-se em trs aspectos. Primeiro que tudo, funda-se na garantia de direitos adquiridos traduzida na garantia do binmio subjectivo liberty and property. Em segundo lugar, tais direitos estavam estruturados corporativamente por pertencerem numa primeira fase aos indivduos enquanto membros de um estamento. Finalmente, esses direitos foram regulados atravs de contratos de domnio do tipo da Magna Charta.

A evoluo destes momentos constitucionais conduziria sedimentao de algumas das dimenses estruturantes da Constituio de tipo ocidental. Primeiro que tudo, a liberdade radicou-se subjectivamente como liberdade pessoal de todos os ingleses e como segurana da pessoa e dos bens de que se proprietrio. Alm disso, a garantia da liberty and property imps a criao de um processo justo regulado por lei (due process of law), onde se estabelecessem as regras disciplinadoras da privao da liberdade e propriedade. As leis do pas (laws of the land) reguladoras da tutela das liberdades so dinamicamente interpretadas e reveladas pelos juzes (e no pelo legislador) que assim vo cimentando a common law de todos os ingleses. Em quarto lugar, a partir da Glorious Revolution (1688/89) ganha estatuto constitucional a ideia da representao e soberania parlamentar indispensvel estruturao de um Governo moderado.

As principais liberdades e garantias dos ingleses esto, assim sendo, consagradas em trs documentos a Magna Charta, a Petition of Right e a Bill of Rights e ainda em outros que foram publicados ao longo dos tempos.

4. Revelar a norma a desconfiana perante um poder constituinte

A ideia de um poder constituinte criador de uma lei bsica mereceria suspeitas dos homens medievais. O modo especfico e prprio de garantir os jura et libertates e estabelecer limites aos poderes de imperium no era o de criar uma lei fundamental. Era sim o de confirmar a existncia de privilgios e liberdades radicados em velhas leis de Direito (the good old laws), ou seja, num corpus costumeiro de normas e num reduzido nmero de documentos escritos.

Mesmo os chamados contratos de domnio no tinham o sentido de um simples statement of law, mas o de estabelecer um equilbrio entre os poderes medievais para garantir os direitos e liberdades radicados no tempo e a assegurar um Governo moderado com os pesos e contrapesos das vrias foras polticas e sociais.

5. O sistema de fontes

No Direito Constitucional do Reino Unido a preponderncia das fontes de Direito cabe ao costume, o que constitui um caso nico sem paralelo. Este sistema de fontes inclui rules e conventions.

As primeiras constituem normas de Direito Constitucional de primeiro grau que podem ser directamente invocadas em juzo. Englobam a statute law (Direito escrito) e a common law (um conjunto de costumes reconhecidos por deciso judicial que eram conventions antes).

Quanto s conventions, so normas de Direito Constitucional de segundo grau, costumes simples no directamente invocveis em juzo. Constituem o tecido intersticial que liga os vrios fragmentos de natureza principal e resulta da sua interaco, explicitando as suas relaes recprocas. Versam sobre o funcionamento, relaes entre as Cmaras e entre Governo e Oposio ou o exerccio dos poderes do Rei.

6. Constituio consuetudinria e flexvel

I Diz-se muitas vezes que a Constituio inglesa uma Constituio no escrita (unwritten Constitution), mas s em certo sentido isto verdadeiro. De facto, uma grande parte das regras sobre organizao do poder poltico consuetudinria. Alm disso, a unidade fundamental da Constituio no repousa em nenhum documento, mas em princpios no escritos, assentes na organizao social e poltica dos britnicos.

Carlos Blanco de Morais caracteriza a Constituio britnica como histrica e cumulativa, dado ela fragmentar-se numa pluralidade de normas que se reportam a momentos histricos distintos.

II As leis constitucionais escritas so numerosas: a Magna Charta (que os bares do reino impuseram a Joo Sem Terra em 1215, espcie de foral da nao que nenhuma das partes pode violar), a Petition of Right (que o Carlos I foi obrigado a deferir em 1628 na sequncia da luta entre o Parlamento e a Coroa), o Habeas Corpus Act (1679), Bill of Rights (de 1689, cuja aceitao foi condio do Parlamento para a aclamao da casa de Orange), Act of Settlement (votado pelo Parlamento em 1701 para reduzir ainda mais os poderes reais), leis eleitorais dos sculos xix e xx, os Parliamentary Act (1911 e 1949), o Statute of Westminster (1931), o Ministers of the Crown Act (1937, alterado em 1946 e 1957), os Regency Acts (1937 e 1953), o Life Peerages Act (1958) e o Peerages Act (1963).

Devem tambm considerar-se constitucionais as leis que foram criando o actual Reino Unido da Gr-Bretanha e Irlanda do Norte o Statute of Wales (que anexou o Pas de Gales em 1283), o Act of Union (que transformou a unio pessoal dos reinos de Inglaterra e Esccia em unio real do Reino Unido da Gr-Bretanha em 1707) e o Irish Free State (que, em 1937, proclamou a independncia da Repblica da Irlanda).

No obstante, tais leis no se ligam sistematicamente, no se qualificam formalmente como constitucionais e no possuem, enquanto tais, uma fora jurdica especfica. Conservam, portanto, a sua autonomia histrica. A supremacia da Constituio no Reino Unido resulta da sua funo e no de outros postulados.

Este fenmeno explica-se por razes polticas o processo de formao do sistema poltico britnico, sem quebras comparveis s de qualquer outro pas mas tambm por razes estritamente jurdicas o sistema de fontes, em que a Common Law prevalece sobre a Statute Law. No Reino Unido, o costume tem fora prpria e at o princpio da parliamentary sovereignty se funda no costume.

III A modificao da Constituio britnica pode ser feita que todo o tempo pelo Parlamento sem necessidade de um processo diferenciado do processo do exerccio da funo legislativa trata-se, portanto, de uma Constituio flexvel.

7. O Rule of LawCom a expresso rule of law designam-se os princpios, as instituies e os processos que a tradio e a experincia dos juristas e dos tribunais mostraram ser essenciais para a salvaguarda da dignidade das pessoas frente ao Estado. Este princpio funda-se na ideia de que o Estado deve dar aos indivduos a necessria proteco contra qualquer exerc arbitrrio do poder.

Segundo Venn Albert Dicey, o rule of law envolve trs coisas: a) a absoluta supremacia do Direito sobre o poder arbitrrio; b) a igualdade perante a lei ou a igual sujeio de todos ao Direito ordinrio do pas aplicado pelos tribunais ordinrios; c) a Constituio como consequncia do Direito ordinrio do pas ou como resultado das decises relativas aos direitos das pessoas.

Para Gomes Canotilho, o rule of law ter quatro dimenses bsicas. Em primeiro lugar, na sequncia da Magna Charta, a obrigatoriedade da observncia de um processo justo legalmente regulado quando se tiver de julgar e punir os cidados. Em segundo lugar, designa a proeminncia das leis e costumes do pas perante a discricionariedade do poder. Em terceiro lugar, aponta para a sujeio de todos os actos do Executivo parliamentary sovereignty. Por fim, ter o sentido de igualdade de acesso aos tribunais pelos cidados para defenderem os seus direitos segundo os princpios da common law e perante qualquer entidade.

O quadro jurdico que daqui resulta no especificamente ingls, nem anglo-saxnico muitos destes princpios foram aclamados pelas revolues liberais. No h, porm, dvida de que nasceu no Reino Unido e l foi vivido mais autenticamente e com menos interrupes.

8. A Coroa

I A Coroa a instituio que individualiza a unidade do Estado, sendo o Rei o seu titular. Todos agem em seu nome, daqui que se equipare mesmo a Coroa ao prprio Estado.

Tendo inicialmente a supremacia na governao, a preponderncia da Coroa foi contestada pelas Houses entre 1628 e 1688, tendo-se firmado ento a autoridade do Parlamento. Em todo o caso, a Glorious Revolution deixou ao rei a um papel representativo e a titularidade e exerccio de determinados poderes: as royal prerogatives que foram, contudo, restringidas com o tempo. A maior parte conserva-se apenas nominalmente na Coroa, pois o seu exerccio efectivo pertence ao Governo.

II A Coroa jurdica e politicamente irresponsvel the king can do no wrong. Mas se o rei no podia ser responsvel, o Parlamento esforou-se por encontrar quem responsabilizar pelas decises da Coroa, tendo comeado a pedir contas aos seus conselheiros. Estipulou-se o princpio the king cannot act alone, surgindo assim a referenda ministerial. Foi-se consolidando a regra de o rei praticar todos os actos que o Gabinete quiser pois este quem possui a confiana do Parlamento e quem, portanto, deve tomar as decises polticas.

Exceptuando os direitos de ser informado de todos os actos e factos importantes da vida poltica e o direito de aconselhar o Governo, o rei no decide nada por si. Sanciona sempre as leis (royal assent) votadas pelo Parlamento dado embora ter o direito de veto absoluto, desde o princpio do sculo xviii que no o usa. Por outro lado, nomeia o Governo que resulta da maioria da House of Commons e os seus actos oficiais tm de ser sempre referendados pelos ministro responsvel. Na verdade, a sua poltica a do seu Governo e os seus prprios discursos tm de ter a aprovao do Primeiro-Ministro.

O rei assistido pelo Privy Council que conta com numerosos membros. Trata-se de um rgo poltico; executivo porque formalmente aprova as normas emanadas do Gabinete (as Orders in Council); legislativo para as colnias sem Parlamento; e judicial por ser um tribunal de ltima instncia.

9. A Cmara dos Lordes

Esta Cmara presidida pelo Lord Chanceler ou Speaker of the House of Lords, membro do Governo, que no tem que fazer parte dela e cujas funes o tornam um Ministro da Justia. No se pode esquecer que esta Cmara exerce a jurisdio de Supremo Tribunal de Apelao, atravs dos Lords of Appeal in Ordinary.

Hoje em dia tem funes preponderantemente consultivas, sendo mais uma tribuna poltica e um conselho tcnico do que um rgo de Governo. Na verdade, as funes de mbito legislativo encontram-se muito reduzidas em resultado do Parliamentary Act de 1911, modificado em 1949. Esta Cmara tem somente a faculdade de usar um veto suspensivo e temporrio por um ano, mas apenas por um ms se se tratar de money bills (isto , desde que contenham matria financeira). Est, assim, reduzida a um mero papel retardador, como Marcello Caetano sublinha.

10. A Cmara dos Comuns

I Esta Cmara detm hoje a preponderncia institucional no seio do Parlamento. Primeiro que tudo, tem o direito de fazer passar as leis mesmo contra o voto dos Lordes e na certeza de que a Coroa no negar a sano. Em segundo lugar, porque s ela pode efectivar a responsabilidade poltica do Gabinete e fazer cair o Ministrio. Por fim, dado que no seu seio que se manifesta a fora dos partidos polticos e se define a maioria de onde sai o Governo.

A Cmara dos Comuns a nica cmara legislativa. Todavia, dado que delega no Governo a legislao sobre matrias de enunciado muito vago e mbito muito vasto (delegated legislation), acaba por ser este com preponderncia neste aspecto.

II Se a distino entre Legislativo e Executivo somente jurdica (dado o domnio do Governo na iniciativa de lei), politicamente sobressai a separao entre maioria e minoria, entre Governo e Oposio (que constitui o Shadow Cabinet). Alm disso, a vitalidade da instituio parlamentar manifesta-se na circunstncia de os dirigentes polticos serem Deputados (Members of Parliament) e Lordes quer na de as grandes opes governativas serem assumidas atravs de debate parlamentar com a presena de Ministros, quer nas perguntas orais ao Governo.

Um sbio regimento e um programa severo de emprego do tempo das sesses fazem com que s sejam discutidos os assuntos que o Governo permite e s sejam votados os projectos de lei que lhe interessam. A House of Commons acaba, assim, por constituir um meio de que dispe o partido que nela possua a maioria, de governar com publicidade e um instrumento que a Oposio utiliza para expor as suas ideias. Alis, como Jennings referiu, a House of Commons mais uma assembleia de debate e no um rgo legislativo.

A Oposio discute, fiscaliza, interroga mas nada pode evitar na prtica, dado que o regimento da Cmara permite, pelo chamado sistema da guilhotina, marcar o tempo mximo a consumir em cada fase do debate, findo o qual se passa adiante, no importa o ponto em que se esteja, de modo a impedir o obstrucionismo e a abreviar os debates.

11. O Governo, o Gabinete e o Primeiro-Ministro

I No Reino Unido a supremacia do exerccio de poder pertence ao Parlamento; neste, a autoridade efectiva pertence House of Commons; nesta, manda o partido da maioria; e o partido da maioria obedece ao Primeiro-Ministro, chefe do Governo e do Gabinete.

O Governo composto por um grande nmero de cargos respeitantes a funes polticas, administrativas e at partidrias. H a distinguir os senior Ministers, os mais importantes, e os junior Ministers, que desempenham funes de menor relevo.

Emanando da House of Commons, o Governo responde perante ela e depende da sua confiana para exercer o poder. Caso fique vencido numa votao da Cmara dos Comuns, o Primeiro-Ministro ter de pedir ao Rei a demisso do Governo ou a dissoluo da Cmara por fora do costume. Esta dependncia institucional no envolve instabilidade. Muito pelo contrrio, o Governo disfruta no s de garantias de subsistncia mas tambm de um ascendente de facto sobre os Deputados da maioria.

A correspondncia entre Governo e durao da legislatura constitui, na verdade, um princpio poltico-constitucional bsico. Reforam-na a conjugao de um sistema eleitoral maioritrio em crculos eleitorais uninominais a uma s volta ou turno o sistema the first-past-the-post que fabrica um sistema de dois partidos dominantes, em alternncia no poder. A nica forma de o Governo perder a maioria a morte de Deputados, que implica a realizao de eleies parciais.

II O Primeiro-Ministro escolhe alguns dos senior Ministers para com ele constiturem o Gabinete, o conselho restrito que discute os problemas polticos e define a orientao do Governo, havendo, assim, um nmero varivel de Ministers in Cabinet. Geralmente, o Gabinete inclui, para alm daquele, os Ministros das Finanas, do Foreign Office, da Defesa, do Home Office, da Presidncia do Conselho Privado e do Selo Privado. Os restantes Ministros despacham com o Primeiro-Ministro, o que, por regra, no feito colegialmente.

III Dentro do Gabinete prevalece o Primeiro-Ministro, chefe do partido maioritrio e beneficirio na prtica dos poderes do Rei. Apesar da regra da colegialidade, ele mais do que um primus inter pares. Escolhe e demite Ministros, selecciona os membros do Gabinete e dirige o partido, ele que imprime carcter aco governativa. A posio do Primeiro-Ministro afirmou-se de tal modo que hoje as eleies legislativas no Reino Unido tm mais por objectivo a escolha do governante que chefiar o Governo e o Gabinente do que a escolha de um partido para governar.

12. O Sistema de Governo Parlamentar de Gabinete Britnico

I O princpio fundamental da organizao poltica britnica a parliamentary sovereignty supremacia ou soberania do Parlamento que os ocasionais referendos de 1975 e 1979 no infirmaram.

parliamentary sovereignty liga-se h 200 anos um sistema de Governo parlamentar, dado o Parlamento ser o centro da vida poltica, os Ministros responderem perante ele e as orientaes polticas do pas corresponderem s da maioria (na House of Lords durante o sculo xviii e na House of Commons desde o sculo xix).

A revoluo de 1688 iniciou o processo de formao deste sistema de Governo. A ele se seguiram, em primeiro lugar, o relevo assumido pelo Gabinete na primeira metade do sculo xviii, tornado rgo autnomo de colaborao entre o Rei e o Parlamento. Em segundo lugar, o aparecimento da figura do Primeiro-Ministro para estabelecer a ligao do Rei com o Gabinete. Seguiu-se, mais tarde, a transformao da responsabilidade dos Ministros perante o Parlamento de criminal em poltica por os Ministros preferirem demitir-se quando objecto de votos desfavorveis, evitando assim o impeachment.

Hoje, o Governo Parlamentar do Reino Unido significa sistema em que o Gabinete emana da House of Commons, responde perante ela e depende da sua confiana para exercer o poder.

II A frmula Sistema de Governo Parlamentar pode resumir-se nos seguintes aspectos:

a) durao mxima da legislatura de cinco anos e possibilidade de dissoluo da Cmara dos Comuns antes, a qualquer tempo, por iniciativa do Primeiro-Ministro;

b) formao do Governo logo aps as eleies, a cargo do chefe do partido maioritrio;

c) escolha dos Ministros entre membros do Parlamento e sua presena nas reunies camerais;

d) dependncia dos Ministros do Primeiro-Ministro;

e) responsabilidade solidria do Governo;

f) existncia de meios de aco do Governo sobre o Parlamento (fixao da ordem do dia, iniciativa legislativa, dissoluo) e do Parlamento sobre o Governo (perguntas escritas e orais, moes, debates oramentais);

g) institucionalizao da Oposio;

h) disciplina partidria o ripping system;

i) responsabilidade poltica efectivada pelos resultados das eleies parlamentares gerais;

j) alternncia de dois partidos no poder.

13. O poder judicial

Acerca do lugar do juiz no Reino Unido, aquele funciona como o rgo essencial do Direito. Alis, os ingleses definem o Direito atravs do juiz Direito o que aplicvel pelo juiz, ao contrrio dos continentais, para quem Direito so as regras assistidas de coercibilidade, fazendo passar o polcia antes do juiz. Na verdade, o juiz mesmo senhor da common law, por ser ele que a faz e continua a fazer, e no sendo Direito o que ele no aplica. O juiz, no sendo poder poltico, , na verdade, o grande poder social e jurdico por si s capaz de contrabalanar os poderes polticos.

A House of Lords exerce a jurisdio de Supremo Tribunal de Apelao, embora, de facto, tais funes seja desempenhadas pelos 11 Lords of Appeal in Ordinary ou Law Lords.

14. Projeco histrica e geogrfica do Direito Constitucional britnico

Convm advertir que no basta a similitude dos sistemas de Governo para se concluir pela similitude dos sistemas constitucionais. Pases como a Alemanha, a Espanha e os escandinavos, no obstante terem sistemas de Governo anlogos ao ingls, no se aproximam do modelo constitucional ingls. Outros elementos so indispensveis, como a adeso common law, a importncia do costumee da jurisprudncia, o sentido liberal das normas constitucionais, a flexibilidade ou a menor rigidez de algumas das Constituies e o sistema de partidos.

A esta luz, as Constituies de pases como o Canad (de 1867 alterada em 1981), a Austrlia (de 1901), a ndia (de 1950) partilham o modelo constitucional britnico.

A recepo do modelo constitucional ingls fez-se em momentos diversos no decurso dos ltimos 250 anos. Foram vrios, afinal, os modelos com que tomaram contacto e se inspiraram.

3. OS SISTEMAS CONSTITUCIONAIS DE MATRIZ NORTE-AMERICANA1. Origens da Constituio da independncia americana federao

As trezes colnias entraram em conflito com o Inglaterra em 1765 por virtude da lei do papel selado. Sucessivos incidentes levaram-nas a coligarem-se, enviando os seus representantes em 1774 a um I Congresso Continental para discutir e negociar a reconciliao com a Gr-Bretanha. Entretanto o Governo britnico resolveu intervir militarmente e estalou a guerra.

O II Congresso Continental, reunido entre 1775 e 1788, recomendou s colnias a elaborao das suas Constituies e, a 4 de Julho de 1776, aprovou a Declarao da Independncia em consequncia da qual treze colnias ficaram treze Estados soberanos. Cada Estado reuniu uma assembleia constituinte e, em fins desse ano, todos os Estados tinham Constituio.

Todavia, estando os treze Estados em guerra pela mesma causa contra o mesmo adversrio, tinham interesses comuns. Da terem dado ao Congresso Continental poderes para financiar e conduzir o esforo de guerra. Mas, simples rgo coordenador, sem estrutura adequada a aco executiva, o Congresso revelara-se incapaz.

Em 1778 o Congresso aprovou os Articles of Confederation que foram submetidos ratificao dos vrios Estados, que foi conseguida em 1781, podendo, ento, a Confederao comear a existir. Formaram, assim, uma firme liga de amizade que tinha por rgo o Congresso da Confederao, composto por delegados dos Estados confederados, onde a cada Estado correspondia um voto. Ora, o Congresso no podia fazer leis (apenas aprovar recomendaes aos Governos dos Estados confederados), no havia um rgo executivo, no tinha receitas prprias nem meios para fazer respeitar as suas deliberaes quando os Estados no as acatassem. Da que a Confederao, conclui Marcello Caetano, funcionando como um mero sistema de coordenao diplomtica da aco soberana de Estados independentes tenha sido mal sucedida.

Depois de vrias negociaes entre os Estados, reviram-se os Articles na Conveno de Filadlfia em Maio de 1787 com a preocupao de atingir uma soluo til para os problemas com que os Estados se debatiam. Era necessrio no s que os novos Estados sacrificassem parte da sua independncia, como que se conciliassem interesses muito opostos. A Constituio resolveu estas dificuldades com o federalismo os Estados conservam a sua autonomia mas, de livre vontade, atribuem certos poderes de soberania aos rgos de uma Federao por eles formada2. O Direito Constitucional dos EUA

I A Constituio dos EUA data de 1787. No entanto, o Direito Constitucional norte-americano comea ainda antes. Sem esquecer os Covenants e os demais textos da poca colonial (as Fundamental Orders of Connecticut de 1639) integram-no como princpios, smbolos ou valores, a Declarao de Independncia, a Declarao de Virgnia e outras Declaraes dos primeiros Estados.

Com a mesma fora jurdica dos 7 artigos da Constituio esto os 26 Aditamentos (Amendments) aprovados, que a modificam e completam em alguns aspectos, sobretudo no domnio dos direitos fundamentais. De todos eles, apenas o 18. viria a ser revogado.

ainda essencial ter em conta as grandes decises judiciais sobre interpretao e aplicao da Constituio e, embora menos do que no Reino Unido, o costume, bem como as Constituies dos Estados federados por se tratar de um Estado federal.

II Enganar-se-ia quem julgasse que a Constituio norte-americana est toda contida no texto de 1787 e nos seus 26 aditamentos. H muitas normas elaboradas no decurso dos 180 anos de vigncia do texto original atravs da prtica oficial e extra-oficial. Trata-se do que Johnson chama a Constituio vitalizada pelas fontes: certas leis ordinrias que contm princpios reputados pela conscincia popular to importantes e intangveis como os da Constituio. Inclui tambm a interpretao judicial que tem desenvolvido o sentido dos preceitos constitucionais. Engloba ainda a maneira de proceder dos Presidentes e os usos e costumes que foram acrescentando instituies e definindo processos de agir imprevistos na Constituio.

III Trata-se, ento, de uma Constituio simultaneamente rgida e elstica. Rgida dado que no pode ser alterada da mesma forma que as leis ordinrias so feitas e que qualquer modificao envolve um processo complexo com a interveno dos Estados. Elstica visto que, a partir do seu texto primitivo, na aparncia intacto, e dos aditamentos, tem podido ser concretizada, adaptada, vivificada sobretudo pela aco dos tribunais.

A dupla funo de lei fundamental e de pacto constitutivo da unio (a Constituio funda, na verdade, os EUA), a tradio jurdica anglo-saxnica, a sua elasticidade, o trabalho jurisprudencial, circunstncias histrico-sociais favorveis explicam a longevidade da Constituio e a consistncia das instituies poltica americanas.

IV O Direito Constitucional dos EUA brota do sistema jurdico ingls e do pensamento poltico do sculo xviii, juntamente com as condies peculiares da Amrica do Norte.

As Constituies outorgadas pela Coroa s treze colnias, os grandes princpios de Direito Pblico (como no taxation without representation, cujo desrespeito desencadearia a revolta), a common law, com o importantssimo papel do juiz constituem as principais fontes a referir.

Os pais da Constituio no desconheciam, todavia, as obras filosficas e polticas que, a partir de Locke, haviam versado os problemas do poder a circulao de ideias entre as duas margens do Atlntico era muito intensa.

Todavia, a antecedncia histrica de colnias declaradas Estados independentes e a grande extenso territorial levaram estrutura federativa. A ausncia de dinastia e o ambiente de igualdade jurdico-poltica levaram Repblica.

A atitude das constituintes no foi, pois, uma atitude voluntarista imagem de Frana, mas uma atitude cognoscitiva como no Reino Unido. Um racionalismo temperado peo empirismo nunca desligado de um sentimento de liberdade religiosa foi, assim, meio caminho para organizar uma unio de Estados livres.

3. O poder constituinte We the People

I O que marcou, na realidade, o constitucionalismo americano foi a reclamao pelo povo, no pela nao, do direito de escrever uma lei bsica na qual fez diferentes usos da histria.

Atravs da revoluo, os americanos pretenderam reafirmar os rights, na tradio britnica medieval e da Glorious Revolution. No se tratava, porm, de um movimento reestruturador dos antigos direitos e liberdades e da English Constitution porque entretanto se tinha alojado na Constituio britnica um tirano o Parlamento que impe taxation without representation. Contra esta omnipotncia do legislador, a Constituio devia ser inspirada por princpios diferentes da ancient constitution.

A lei superior devia garantir os cidados contra as leis do legislador parlamentar soberano. Aqui vem entroncar o movimento We the People, ou seja, o momento em que o povo toma decises. Tratar-se-ia de uma democracia dualista, com decises, raras e sob circunstncias especiais, tomadas pelo povo e outras, frequentes, tomadas pelo government. As primeiras so tpicas dos momentos constitucionais uma diferena relativamente ao historicismo britnico e uma importante aproximao ao modelo francs. Todavia, no se pretendia reinventar um soberano omnipotente (a nao), antes permitir ao corpo constituinte do povo fixar por escrito as regras disciplinadoras do poder, oponveis, se necessrio, aos governantes que actuassem em violao da Constituio, lei superior. Ao invs da legitimao dos representantes legislativos (como em Frana), pretendeu-se constituir uma ordem poltica enformada pelo princpio do limited government, uma limitao normativa do domnio poltico atravs de uma lei escrita. A Constituio no tanto um contrato entre governantes e governados quanto um acordo celebrado pelo povo e no seio do povo.

Assim, os Framers (os pais desta Constituio) procuraram revelar numa lei