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A FORMAÇÃO PROFISSIONAL E PERSPECTIVAS PARA O MUNDO DO TRABALHO Roseli Bernardo S. dos Santos 1 Resumo Este artigo tem como objetivo promover uma análise sobre os condicionantes responsáveis pela formação profissional, com ênfase na categoria de jovens e adultos. O estudo busca enfatizar elementos constitutivos que contribuíram na instrução de trabalhadores para o desempenho de atividade no atendimento das demandas do mercado competitivo até o processo de uma formação que atenda não só os interesses empresariais, más uma formação do individuo por inteiro, que esteja vinculado a reflexão sobre a ação. A metodologia procede numa abordagem do materialismo dialético mediante os atores que transitam a realidade objetiva do mundo do trabalho. Introdução A formação profissional sistematizada em Instituições de ensino vem se fortalecendo nas ultimas décadas devido às exigências no mercado capitalista no qual tem provocado sérias discussões por parte de educadores progressistas atuantes nos movimentos sociais. Neste sentido pode-se firmar que a idéia de preparação profissional se constitui diante de uma concepção de aprendizagem tecnicista que se fortaleceu como forma de preparar as classes menos favorecidas para atender uma minoria de empresários envolvidos pela sociedade liberal. 1 Mestre em Ciências da Educação Superior, Especialista em Metodologia do Ensino Superior, Graduada em Geografia e Ciências Sociais com Habilitação em Antropologia Social. Professora do Centro Federal de Educação Tecnológica de Roraima. 1

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A formação de educação profissional para o mundo do trabalho

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A FORMAO PROFIISIONAL E A POSSIBILIDADE DE APRENDER E

A FORMAO PROFISSIONAL E PERSPECTIVAS PARA O MUNDO DO TRABALHO

Roseli Bernardo S. dos Santos

Resumo

Este artigo tem como objetivo promover uma anlise sobre os condicionantes responsveis pela formao profissional, com nfase na categoria de jovens e adultos. O estudo busca enfatizar elementos constitutivos que contriburam na instruo de trabalhadores para o desempenho de atividade no atendimento das demandas do mercado competitivo at o processo de uma formao que atenda no s os interesses empresariais, ms uma formao do individuo por inteiro, que esteja vinculado a reflexo sobre a ao. A metodologia procede numa abordagem do materialismo dialtico mediante os atores que transitam a realidade objetiva do mundo do trabalho.

Introduo

A formao profissional sistematizada em Instituies de ensino vem se fortalecendo nas ultimas dcadas devido s exigncias no mercado capitalista no qual tem provocado srias discusses por parte de educadores progressistas atuantes nos movimentos sociais. Neste sentido pode-se firmar que a idia de preparao profissional se constitui diante de uma concepo de aprendizagem tecnicista que se fortaleceu como forma de preparar as classes menos favorecidas para atender uma minoria de empresrios envolvidos pela sociedade liberal.

Este documento tem como objetivo proporcionar reflexes sobre os novos rumos da formao profissional, mundo do trabalho e seus entraves dentro de uma nova perspectiva no que tange a realidade social e poltica da atualidade. Leva-se em considerao as possveis transformaes dos sujeitos para o mundo do trabalho em que esta em jogo novas abordagens pedaggicas que se estabelecem nos processos de formao docente em que a figura do professor diante de novos mecanismos no se trata de um sujeito que repassa contedos e sim o homem que prepara para a vida.

As bases tericas discutidas sustentam as mudanas ocorridas ao longo da histria da educao preparatria para o mercado perante a explorao. Portanto o objetivo maior analisar estabelecendo um dilogo com educadores na busca de desconstruir uma educao marcada pelas foras dominantes mediante toda a esfera social. A partir das anlises literrias o documento tem a inteno de contribuir para maiores esclarecimentos sobre a problemtica da relao educao e trabalho dos estudantes pertencentes as camadas menos favorecidas.

Conflitos e transformaes humanas na nova tendncia da formao profissional

O mercado capitalista ps revoluo industrial promoveu a produtividade em grande escala, com a inveno de novas tecnologias, os indivduos foram obrigados a adquirir especializaes ou capacitao a curto prazo, diante dessas exigncias comea uma corrida pelo aprender fazendo. Ento surge novas problemticas relacionadas excluso, subemprego, mercado informal e desvalorizao mo-de-obra desqualificada, quando trabalhadores vendem sua fora de trabalho por um valor irrisrio compreendido por mseros salrios.

Segundo Tassigny (2008) numa formao econmica e social como a do Brasil, que possui caractersticas de um processo de desenvolvimento capitalista desigual, convivem, no mesmo cenrio, o trabalhador tradicional, fruto do processo de industrializao de bases tayloristas/fordistas, com salrios e nveis educacionais baixos, instabilidade no emprego, precarizao das relaes de trabalho e desempenho de funes desqualificadas, com um plo reduzido de um novo tipo de trabalhador.

Na configurao de mercado, o trabalho est diretamente ligado a produo, sendo que, as inovaes tcnicas adquiridas pelo trabalhador se faz necessrio para oportunizar novos empregos. Esta perspectiva est consolidada no mundo contemporneo, onde a matriz da produtividade depende da relao entre processo de aprendizagem permanente para responder as demandas do mercado. Perante a abordagem pedaggica liberal surgem as mudanas tendenciosas que ao longo dos anos buscam desenhar sujeitos aprendizes para atender os interesses do mercado e se adequar a cultura dominante.

Para Libneo ( 2005) a educao brasileira, nos ltimos cinqenta anos, tem sido marcada pela concepo liberal, dentro de uma viso conservadora ou por vezes renovada, esta idia, tem a misso de preparar os indivduos para o desempenho de papis sociais de acordo com suas aptides individuais, os mesmos precisam se adaptar aos valores e as normas vigentes na sociedade de classes atravs do desenvolvimento da cultural e social.

As necessidades individuais se adaptam a sociedade de classes, enquanto os sujeitos agem independente de sua vontade, tornando-se meros objetos de mercado, e exercendo papel de subordinao perante os empregadores passando a ser produtos de sua prpria produo, ou seja, os produtos produzidos por eles, quando esto a venda os dominam. O papel da escola liberal tornar os homens cientes e obedientes da sua funo na hierarquia social.

[...] o produto criado produto do capital e no produto do trabalho, e que para o trabalhador garantir a sua sobrevivncia ele precisa, depende, do capital. o capital que cria o trabalho, permitindo, assim, a sobrevivncia do trabalhador [...] a riqueza que o capital acumula no aparece como se fosse retirada do trabalhador, e sim produto do capital (OLIVEIRA,1995:62)

O tecnicismo tem se destacado com sua forte intencionalidade preparatria para atender os interesses econmicos, desde ento esta pedagogia se classificou como uma tendncia baseada nos princpios da psicologia Skinneana se configurando nas relaes automticas entre os sujeitos do processo ensino-aprendizagem, com nfase no fazer fazendo cujo os processos acordam aos interesses individuais.

A pedagogia tecnicista comea a ser muito difundida e at se torna um dos pilares da proposta metodolgica para o ensino oficial brasileiro no perodo subseqente a 1970. Com a instaurao do regime militar de 1964, a tnica que tecnocratas e generais procuraram dar ao ensino via na linha profissionalizante da mo- de- obra: capacitar trabalhadores de modo rpido, na verdade, a maior preocupao dos introdutores da tendncia tecnicista no Brasil era evitar ao mximo que a escola fosse local de debate e questionamentos da vida nacional e, nesse contexto poltico, a proposta tecnicista parecia ser a ideal. ( MEKSENAS,2003:54)

Durante a trajetria reflexiva sobre os instrumentos de anlise da preparao de pessoas para o mundo do trabalho percebe-se a no preocupao para que os homens adquiram de fato uma formao educativa que vise alm da formao profissional, o respeito de ser ontolgico que transforma cria e recria o mundo em que est inserido. Diante de todos os mecanismos de conflitos, surgem novas leituras acerca da crtica social sobre o mesmo homem que visto como objeto, perante o trabalho e o produto de sua criao.

As relaes entre capitalismo, trabalho e educao esto vinculadas as foras produtivas, pois torna-se descartvel, se os atuais avanos tecnolgicos tm fornecido nova qualificao aos trabalhadores; indaga-se, se o trabalho diminuiu de importncia na vida das pessoas; se o trabalho vem exigindo um perfil de escolaridade mais intricado e novas formas de organizao do trabalho, baseadas no progresso tecnolgico tm permitido uma ampliao de apoio de conhecimentos dos trabalhadores.

Entre as questes mais importantes da atualidade encontra-se a tentativa de caracterizao do curso do capitalismo neste incio de sculo. A angstia vivida por grandes contingentes de jovens egressos do Ensino Mdio e de trabalhadores, praticamente no mundo todo, vem da constatao da degradao acelerada das condies de vida. (TASSIGNY, 2008:01)

A sociedade de consumo e os novos atores sociais no Brasil

Atualmente o territrio brasileiro tem buscado incorporar novas diretrizes para melhorar a economia no mundo globalizado. Diante do avano tecnolgico o Brasil se aliou com os pases orientais e traou novos caminhos, rumo a se tornar uma das maiores economias do mundo capitalista nos ltimos cinco anos, nesta perspectiva, tem garantido a pesquisa tecnolgica quando se destaca perante as inovaes do biodiesel. Ainda como pas em desenvolvimento tem um diferencial quando se trata da industrializao em grande escala.

Para ocorrer todas as mudanas nos dias atuais se fez necessrio, que os projetos sociais estejam em vigor. Ante este mecanismo a educao profissional vem com uma nova perspectiva, ganha fora nos caminhos neoliberais, entretanto reivindica o senso crtico em detrimento das posturas polticas na democracia brasileira. Neste sentido no basta s o acmulo da mo de obra especializada, e sim ir alm desta, ter cincia de seu valor na sociedade e sua importncia para que esta seja reconhecida.

Neste aspecto, quando a escola toma conscincia desta realidade tende a buscar novas diretrizes capazes atenuar as formas de dominao e explorao do mundo globalizado marcado pela competitividade que provoca a excluso social. Com isto a educao profissional vai alm da aquisio de tcnicas em curta durao, quando a formao o processo de superao contra a excluso social.

A participao ativa dos alunos na produo de conhecimento pressupe o estmulo do cotidiano para os muitos possveis aprendizados, na perspectiva de constante superao, desenvolvendo sua conscincia do valor da escolarizao e da valorizao profissional (MEC, 2006:33)

As prticas educativas vinculadas formao profissional, quando desenvolvidas dentro de uma viso crtica reflexiva impedem que mecanismos alienantes dominem por completo as possibilidades dos estudantes criarem e atuarem sobre a realidade de forma segura e autnoma. O sistema econmico em vigncia do mundo competitivo necessita da mo-de-obra especializada, e quando os indivduos se habilitam para tais funes, buscam a valorizao do trabalho atravs das exigncias cabveis.

Com a aquisio da competncia profissional, seja ela inovaes tecnolgicas ou no torna o trabalhador o principal responsvel pelo mercado, medida que o empregador no domina os conhecimentos sobre os avanos tecnolgicos, h uma forte tendncia para que o mesmo torne-se por vezes subordinado ao empregado, ento h uma determinada relevncia entre empregado e empregador, nesta relao encontra-se o respeito pelo trabalhador em detrimento do conhecimento sobre a cincia e a tecnologia.

A formao tcnica e educativa j uma necessidade para jovens e adultos, nos dias atuais, esses no so os mesmos atores sociais presentes no surgimento da indstria no sculo XVIII, onde a necessidade primria era a produo acima de todas as condies humanas, da a falta de conhecimento terico e boa orientao sobre as mquinas mutilavam pessoas e muitos perdiam suas vidas. Vale ressaltar que ainda hoje os acidentes so freqentes com trabalhadores, quando estes no possuem capacitaes adequadas para lidar com atividades que envolvem maquinrios, principalmente quando trabalham na clandestinidade.

Em pleno sculo XXI o Brasil ainda um dos pases que se destaca com a mo-de-obra escrava camuflada pelos quadrilheiros latifundirios das carvoarias e/ou exploradores de atividades extrativas minerais que foram vinculados ao sistema de poenagem [...] presena de trabalhador dito assalariado, mas que no entanto s recebia em troca pagamento em espcie de ( carne, aguardente, roupas e utenslios (OLIVEIRA, 1995: 41-42)

Com isto representantes polticos, cientistas sociais ativistas e diversas entidades governamentais ou no tm se manifestado publicamente com ajuda de milcias para vistoriar e punir os exploradores. Esta problemtica fruto de um pas com srios problemas principalmente na rea educativa. Tendo em vista que a maioria dos trabalhadores escravos no eram alfabetizados ou no possui ao menos o quinto ano do ensino fundamental.

Durante a Primeira Repblica os trabalhadores, principalmente rurais foram explorados por grandes proprietrios de terras, estes trabalhadores em sua maioria no percebiam a gravidade desta explorao, eram mal remunerados, ou trabalhavam em troca de comida e roupas. Eles eram sujeitos ingnuos que em muitos casos defendiam os patres como se fosse um membro da famlia. Os exemplos desta relao se fazem presente quando se reporta ao coronelismo que decidia o voto do empregado, e que em muitas situaes os polticos tinham ligaes diretas com o coronel ou eram parentes do mesmo.

At 1940, a populao brasileira era predominantemente rural (60% nessa data), pobre e analfabeta. Um elementar senso de autodefesa lhe dizia que era mais vantajoso submeter-se ao poder e proteo do coronel. Fora dessa proteo, restava-lhe a lei, isto , o total desamparo. No havia direitos civis, no havia direitos polticos autnticos, no havia cidados. Havia o poder do governo e o poder do coronel, em conluio. (CARVALHO,2001:04)

Com o advento da indstria moderna o trabalhador urbano passa por um novo mecanismo de alienao promovido pelas classes dominantes tornando-o sujeito imperceptvel do processo de explorao quando o mesmo acomodado de seu papel diante do processo de produo e relao empregado e empregador, preservando sua atuao de bem estar com o sistema de mercado, uma vez que torna significativo as experincias prticas do aprender fazendo sem a necessidade da educao escolar.

O lanamento de uma conjuntura fordista, e do Estado de Bem Estar no qual os sistemas educacionais eram contidos pelas classes dominantes e pelas massas que aspiravam sua democratizao como mecanismos institucionais de integrao social, com a conjuntura aberta, a partir dos anos de 1980 e, de modo mais incisivo na dcada de 1990, a Teoria do Capital Humano fez com que a escola fosse substituda pelo emprego como local deformao. (TASSIGNY, 2008)

. A introduo da temtica do trabalho nos currculos e contedos escolares contesta os estragos culturais do trabalho fabril. Essa concepo, ainda que inspirada na crtica ao trabalho capitalista que acaba defendendo as velhas formas de produo e de relaes sociais. Atravs desta concepo realimentado o velho escolacentrismo, que preocupa.

[...]o quesito preparao para a progresso no trabalho, ainda carece de fundamentos, sejam legais, ou de compreenso da prpria identidade do processo produtivo. Num primeiro momento, a reflexo sobre a exigncia de articulao entre educao e formao para o trabalho demanda, desde o principio, a integrao de esforos entre gestores de diversas instncias (Secretarias: Educao, Educao Profissional, Cincia e Tecnologia, Conselhos), alm do envolvimento de vrios tcnicos, de diversos nveis, na construo de uma proposta formativa que contemple mltiplas necessidades econmicas, culturais, sociais e que assegure a garantia de acesso ao direito educao e ao trabalho do cidado, alm de slida formao geral e de preparao para o mundo do trabalho. (op.cit ,2008: 05)

Atualmente, nossa sociedade tem demonstrado que a desigualdade no apenas de formao e sim de oportunidades, j que freqentemente nos deparamos com situaes em que sujeitos com a mesma formao obtm diferentes colocaes no mercado, com diferentes salrios e condies de trabalho. Pois, no capitalismo moderno no h lugar para todos, assim nem todos sero inseridos no processo produtivo da mesma forma. lcito questionarmos a razo do sucesso de um sobre o outro, mas a resposta pode no ser to simples, j que participam do processo seletivo, outros indicadores de potencial, como etnia, sexo, idade e origem social, entre outros. Por isso a importncia de novos estudos nessa direo.

Severino (2000) considera que a educao, enquanto processo pedaggico sistematizado de interveno na dinmica da vida social, considerada hoje objeto priorizado de estudos cientficos com vistas definio de polticas estratgicas para o desenvolvimento integral das sociedades. Ela entendida como mediao bsica da vida social de todas as comunidades humanas. Esta reavaliao, que levou sua revalorizao, no pode, no entanto, fundar-se apenas na sua operacionalidade para a eficcia funcional do sistema socioeconmico, como muitas vezes tendem a v-la as organizaes oficiais, grandes economistas e outros especialistas que focam a questo sob a perspectiva da teoria do capital humano.

Diante da relao homem, trabalho e produtividade a escola estabelece vnculos fruto deste processo, mas as reflexes acerca desta relao vo se reconstruindo atravs dos movimentos sociais na luta pela dignidade humana para alcanar o exerccio da cidadania atravs de uma concepo crtica de mundo. Da, as transformaes ocorridas pela educao popular, que teve incio aps a dcada de 30, sendo censurada pelo governo militar na dcada de 60, foi considerada uma das manifestaes mais significativas em torno da educao brasileira. Esta permitiu que educadores traassem novos caminhos para liberdade de educadores e educandos.

Segundo Oliveira (2009), ao longo da nossa histria, a literatura sobre a educao popular apresenta concepes distintas quanto natureza da educao popular. A primeira delas reporta-se educao popular como aquela destinada alfabetizao de jovens e adultos, concentrando suas atividades no espao escolar. A segunda reserva educao popular um carter exclusivamente transformador, concentrando suas aes predominantemente fora do espao escolar.

Isto significa que as iniciativas de educao popular, em cada momento histrico, podem se identificar tanto com iniciativas da classe trabalhadora, como com o projeto dominante de sociedade. Insistimos que a distino entre a educao popular e as outras modalidades educacionais localiza-se em sua proposta de prxis poltica direcionada para a efetiva transformao do homem e da sociedade. (FISCHER, 2006)

De acordo com a autora citada acima, no mbito da economia popular e solidria a atividade de trabalho tem, por definio, caractersticas diferenciadas do trabalho assalariado. A perspectiva a autogesto no trabalho. Conhecer o que acontece no cotidiano, na realizao concreta desta forma de atividade de trabalho central para a qualificada consolidao dos empreendimentos. Neste sentido, as contribuies de uma perspectiva terica que aprofunda a atividade de trabalho como histrica, sempre acontecendo e se refazendo parece-nos fundamental.

As polticas de formao profissional das camadas mais pobres da classe trabalhadora tm servido de maneira eficaz a administrao da questo social, que na atualidade tem assumido a configurao de desemprego e toda a violncia decorrente dessa condio. Essa camada, que desde sempre no capitalismo, fez parte do exrcito industrial de mo-de-obra de reserva, tem sido alvo de manobra por parte de diferentes governos, com diferentes fins: durante o imprio, a formao dos pequenos rfos e desvalidos para a vida na caserna, para a regenerao dos meliantes pelo trabalho, para a irradiao de ideologias de conteno dos movimentos sociais, como um alvo de caridade.

Depois, ampliando-se um pouco mais a populao-alvo, incorporou-se tambm, durante a primeira repblica, os filhos de operrios, mas persistindo o carter assistencialista e de controle da marginalidade, bem como a segregao entre este grupo e aquele dos desvalidos. Ao mesmo tempo, em decorrncia do incio do processo de urbanizao e industrializao, a formao para o trabalho dos pobres passa a servir tambm formao de mo-de-obra urbana, conforme a demanda do momento.

Durante a dcada de 40, a formao para o trabalho no Brasil comea a se organizar j guardando uma caracterstica de segmentao para cada um dos diversos ramos de produo. Nos anos 1970, a formao profissional de nvel bsico, dirigido s pessoas com baixos nveis de escolaridade. Na atual conjuntura, ps 1996, delineia-se uma poltica pblica, cuja populao alvo bem focalizada: so trabalhadores acima de 16 anos, desempregados ou em risco de desemprego, e alfabetizados.

O capitalismo vai ampliando em seu processo a explorao da mo de obra no mercado de do trabalho. Elevando assim, os nveis de lucro a custa da flexibilizao dos direitos do trabalho. A reestruturao produtiva passa, ento, a informar uma nova relao entre capital e trabalho, de modo a preservar o capital e a poltica pblica da que consiste numa poltica congruente s necessidades do capital em sua atual configurao.

Para que haja o fortalecimento do trabalho educativo e profissional pautado nos princpios ticos e da cidadania faz-se necessrio que os educadores percebam em seus debates de sala de aula, as condies reais do universo de seus educandos, pois os mesmos no devem exercer apenas papis tcnicos no repasse de contedos, porm atuarem politicamente numa perspectiva de transformao atravs das relaes teoria e prtica.

Transformar o mundo por meio do seu trabalho, dizer o mundo expressa-lo e expressar-se so o prprio de seres humanos. A educao qualquer que seja o nvel em que se d, se far to mais verdadeira quanto mais estimule o desenvolvimento desta necessidade radical dos seres humano (FREIRE,2002 p.27)

Para transformar o mundo por meio trabalho os educandos deixam de ser meros expectadores mediante o repasse de contedos, eles atuam atravs de condies motivadoras que estimulam na relao com o mundo, onde os mesmos decodifiquem linguagens, seja tecnolgicas ou no, buscam aperfeioamento e a canalizao de cdigos de acesso para inovar e melhorar a qualidades de vida de um grupo ou sociedade.

Consideraes finais

As anlises construdas ao longo deste ensaio procuram demonstrar os mecanismos exigidos na sociedade moderna e as transformaes em detrimento da falta de especializaes tcnicas dos trabalhadores. Ao longo desta discusso percebe-se que aperfeioar conhecimento trata-se uma necessidade, que vai da aprendizagem a aplicabilidade dos conhecimentos adquiridos.

possvel avaliar que a educao escolar ao longo de sua histria foi respaldada pelos interesses da doutrina liberal, mas rendeu-se a perspectiva crtica quando os sujeitos do processo docente educativo tornaram-se ativos mediante as inovaes tecnolgicas.

Considera-se que ainda h um longo caminho a percorrer, pois os mecanismos de dominao continuam mantendo suas foras produtivas, mas os trabalhadores quando se apropriam de conhecimentos cientficos para o mundo do trabalho so cidados ativos e conhecedores de sua prpria realidade, isso se deve a contribuio de foras polticas revolucionrias que vm discutindo e lutando pela emancipao dos trabalhadores atravs da educao, esta que contribui no s para qualificar mo-de-obra que atenda aos interesses do mercado, mas gerando conhecimentos para garantir a liberdade.

Referncias bibliogrficas

FISCHER, Maria Clara. Produo e legitimao de saberes no e para o trabalho e educao. Cooperativa Educao Unisinos- 2006.

MEKSENAS, Paulo. Pesquisa social e ao pedaggica. 10 edio, So Paulo, Loyola, 2002.

OLIVEIRA, Ariovaldo. Modo de produo capitalista e agricultura. 4 Ed. Princpios, So Paulo, 1995.

OLIVEIRA, Elizabeth Serra. Movimentos sociais e educao popular no Brasil urbano industrial. UFF- 2001.

MOURO, Arminda. A fbrica como espao educativo.-So Paulo: Scortecci, 2006.

FREIRE, Paulo. Ao cultural para a liberdade. 27 Ed. Rio de Janeiro Paz e Terra...

MINISTRIO DA EDUCAO E CULTURA . Programa de educao profissional de jovens e adultos PROEJA, Braslia, 2006.

SEVERINO, Antnio J. Educao, trabalho e cidadania a educao brasileira e o desafio da formao humana no atual cenrio histrico. So Paulo em perspectiva- 2000

TASSIGNY, Mnica M. Educao, trabalho e perspectivas para o EMI- Revista Iberoamericana de Educacin- 2008.

LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto o municpio e o regime representativo no Brasil. 5.ed. So Paulo:Alfa- Omega,1976

CARVALHO Jos Murilo de. Metamorfoses do coronel. Jornal do Brasil, 06/05/2001

EDUCAO E TRABALHO: REFLEXES EM TORNO DOS

MOVIMENTOS SOCIAIS DO CAMPO

CLIA REGINA VENDRAMINI

RESUMO: As reflexes deste texto so fruto de pesquisas da autora que tm buscado analisar as aes scio-educativas do Movimento dos Sem-Terra, em especial as que se situam no campo do trabalho, da cooperao e da educao. Tais relaes so fundamentais para avaliar o sentido atual e as possibilidades de uma educao voltada para as populaes do campo. No presente texto, tecemos algumas anlises referentes: ao trabalho no campo na atualidade, como expresso da desigualdade social e da oposio de classe, que se manifesta nas diversas formas de produo, de atividades e de sujeitos que vivem, trabalham ou investem no campo; educao do campo, seus avanos em relao educao rural, sua presena nas polticas educacionais e sua abrangncia para alm do espao escolar; e, por ltimo, a valorizao que a educao ganha com os movimentos sociais do campo, que passam a defender uma educao articulada com a criao de condies materiais para a vida no campo. Tratamos especialmente da educao que se desenvolve no interior do Movimento dos Sem-Terra.

Palavras- chave: Educao do campo. Trabalho e educao. Movimentos sociais.

A educao do campo vem conquistando espao, nos ltimos anos, nos debates e nas polticas educacionais no Brasil. Tal fato merece nossa reflexo, diante do contexto em que ele se manifesta. Observamos a continuidade do xodo rural, iniciado no sculo passado e intensificado nas dcadas de 1960 e 1970 (hoje, 19% da populao vive nas zonas rurais), a inviabilizao da agricultura familiar e o fortalecimento do agronegcio e da produo para a exportao. Exemplo desta situao o plantio de pinus e eucalipto, feito em larga escala pelas empresas multinacionais para a produo de celulose.

A empresa Aracruz Celulose, no Rio Grande do Sul, teve seu laboratrio destrudo no dia 8 de maro deste ano, por cerca de 2 mil mulheres ligadas aos movimentos de defesa dos trabalhadores do campo. Segundo Davis (apud Paulilo & Matias, 2006), no Rio Grande do Sul, h cerca de 260 mil hectares de eucalipto, pinus e accia j plantados, com projeo para se alcanar um milho de hectares em dez anos. A produo de celulose exige alto investimento em capital (modelo capital intensivo). Para a produo de um milho de toneladas de celulose/ ano so necessrios 100 mil hectares de eucalipto e um investimento inicial de US$ 1,2 bilho. Porm, gera poucos empregos para a populao rural. O reflorestamento deste tipo gera, no Esprito Santo e no sul da Bahia, apenas um emprego para cada 185 hectares plantados.

No que se refere ao contexto educacional, observamos a continuidade da poltica de fechamento/nucleao de escolas rurais, com o objetivo de racionalizar a estrutura e a organizao de pequenas escolas, em comunidades que contam com um reduzido nmero de crianas em idade escolar, e diminuir o nmero de classes multisseriadas, orientando- se pelo Plano Nacional de Educao (Projeto de Lei n. 4.173/98).

Com base nestas consideraes, perguntamos: O que est acontecendo no espao rural? Que contradies so estas? Como a escola do campo ganha espao neste contexto? preciso compreender que a educao do campo no emerge no vazio e nem iniciativa das polticas pblicas, mas emerge de um movimento social, da mobilizao dos trabalhadores do campo, da luta social. fruto da organizao coletiva dos trabalhadores diante do desemprego, da precarizao do trabalho e da ausncia de condies materiais de sobrevivncia para todos.

Uma importante e significativa mudana de teoria e de prtica no que se refere educao rural foi o movimento nacional desencadeado para a construo de uma escola do campo, vinculada ao processo de construo de um projeto popular para o Brasil, que inclui um novo projeto de desenvolvimento para o campo. Nesta orientao, foram realizadas diversas conferncias estaduais e nacionais, sendo a primeira conferncia nacional, Por uma Educao Bsica do Campo, realizada em 1998 e organizada pelo MST, CNBB, UNICEF e UNESCO.

Essa primeira Conferncia inaugurou uma nova referncia para o debate e a mobilizao popular: Educao do Campo e no mais educao rural ou educao para o meio rural, ao reafirmar a legitimidade da luta por polticas pblicas especficas e por um projeto educativo prprio para os sujeitos que vivem e trabalham no campo.

Observamos que a educao do campo foi incorporada e/ou valorizada na agenda de lutas e de trabalho de um nmero cada vez maior de movimentos sociais e sindicais do campo, com o envolvimento de diferentes entidades e rgos pblicos. O que pode ser conferido pelo conjunto de promotores e apoiadores da II Conferncia Nacional por uma Educao do Campo, ocorrida em Luzinia (GO), em 2004. Participaram desta iniciativa representantes de movimentos sociais, sindicais e outras organizaes sociais do campo e da educao, de universidades, de ONGs e de Centros Familiares de Formao por Alternncia, de secretarias estaduais e municipais de educao e de outros rgos de gesto pblica.

A Conferncia de Luzinia debruou-se especialmente sobre como efetivar no Brasil um tratamento pblico especfico para a Educao do Campo, enquanto poltica pblica permanente. Uma conquista do conjunto das organizaes do campo, no mbito das polticas pblicas, foi a aprovao das Diretrizes Operacionais para a Educao Bsica nas Escolas do Campo (Parecer n. 36/2001 e Resoluo n. 1/2002 do Conselho Nacional de Educao). As diretrizes definem a identidade da escola do campo

[...] pela sua vinculao s questes inerentes sua realidade, ancorando -sena temporalidade e saberes prprios dos estudantes, na memria coletiva quesinaliza futuros, na rede de cincia e tecnologia disponvel na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que associem as solues exigidas por essas questes qualidade social da vida coletiva no Pas. (Diretrizes operacionais para a educao bsica do campo, 2002, p. 37)

Nesta direo, o Ministrio da Educao instituiu, em 2003, um Grupo Permanente de Trabalho Educao do Campo e, em 2004, criou a Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade (SECAD), contemplando em sua estrutura a Coordenao Geral de Educao do Campo. Ainda que compreendamos as razes sociais e polticas para a mobilizao em torno de uma educao do campo, continuamos questionando a respeito do contexto social, das condies materiais para o desenvolvimento de uma educao do e no campo. Nesta direo, propomos uma discusso que articula a educao e o trabalho no meio rural, com base nas seguintes questes: O que caracteriza hoje o trabalho no campo? Qual educao necessria ou requerida para este espao? Qual a participao dos movimentos sociais na criao de formas de vida, de trabalho e de educao no campo?

O trabalho no campo

No Brasil, o trabalho no campo desenvolve-se num amplo e diversificado espao e abrange um conjunto de atividades, entre elas, a agricultura, a pecuria, a pesca e o extrativismo. Alm disso, diz respeito a diversas formas de ocupao do espao, desde a produo para a subsistncia at a produo intensiva de eucaliptos para a obteno de celulose. Explicita a grande desigualdade social do pas. Constitui espao de trabalho, de vida, de relaes sociais e de cultura de pequenos agricultores; espao de grande explorao de trabalhadores, especialmente o trabalho temporrio, sem relaes contratuais, de pessoas que vagueiam pelo pas para acompanhar os perodos de colheitas, constituindo o trabalho sazonal; espao de terras para reserva de valor; espao de produo para o agronegcio; espao de difuso de tecnologias e de modificao gentica amplamente questionada por ambientalistas, pesquisadores e agricultores; e espao para o descanso, a vida tranqila, o lazer e o contato com a natureza.

Estas diferentes e opostas formas de ocupao do espao rural indicam a presena de diversos sujeitos sociais no campo e explicitam uma forte oposio de classes. Prova disso so os significativos dados referentes violncia no meio rural. Em 2005, os dados da Comisso Pastoral da Terra apresentaram um crescimento de 106% de mortes em conseqncia de conflitos no campo: 64 mortes em 2005 contra 31 em 2004. A injusta concentrao fundiria, a no demarcao das terras indgenas e a no realizao da reforma agrria fazem crescer o nmero de vtimas. Houve um aumento significativo de famlias expulsas da terra pelo poder do latifndio e do agronegcio, 42,5% a mais do que em 2004. Foram expulsas do campo, em 2005, 4.366 famlias.

O sculo XX, especialmente a segunda metade, atravessou grandes transformaes na forma de organizar a vida e o trabalho das populaes rurais no Brasil. Assistimos a uma perversa penetrao do capitalismo nas relaes produtivas do campo, transformando e submetendo toda a produo ao capital, ainda que mantidas as antigas estruturas fundirias.

Os avanos da explorao capitalista e o processo de modernizao da agricultura no Brasil caracterizam-se pelo fortalecimento de unidades de produo cada vez maiores, impondo novas condies para lucratividade, uma vez que as culturas que utilizam insumos modernos e produzem para a exportao e/ou transformao industrial tm um espao privilegiado na balana comercial.

A pequena produo subordina-se ao capital, seja ele comercial ou financeiro, ao proprietrio fundirio, aos complexos agroindustriais e s cooperativas capitalistas. A agroindstria, no Brasil, desenvolve-se como uma extenso orgnica da estrutura industrial e um dos determinantes bsicos na redefinio do papel da agricultura na acumulao capitalista Segundo Goodman, Sorj e Wilkinson (1985), as polticas de modernizao subsidiadas pelo Estado promovem a capitalizao dos processos de trabalho rurais e a mercantilizao crescente da agricultura de pequena escala. O objetivo da modernizao transformar o latifndio, smbolo da agricultura primitiva, colonial, numa grande empresa capitalista.

A modernizao da agricultura no pas acentua ainda mais a concentrao da propriedade da terra1 e a desigualdade social no campo, com o alto preo de destruio da agricultura familiar, devastao e degradao dos empregos rurais, misria da populao rural e deteriorao do meio ambiente. preciso tambm considerar que as fronteiras entre o rural e o urbano j no so claramente observadas e identificadas (entre os autores que abordam o tema, citamos Eli da Veiga, 2002, e Graziano da Silva, 1999). Assim como na cidade, as populaes do campo convivem com o desemprego, a precarizao, intensificao e informalizao do trabalho e a carncia de polticas pblicas.

Ainda que mantidas algumas especificidades da vida no mundo rural, observamos que as fronteiras entre o rural e o urbano esto cada vez mais dissipadas, tendo em vista a penetrao do capitalismo no campo e a transformao das relaes sociais, a submisso direta ou indireta ao capital, a transformao do latifndio em capital latifundirio, o avano das agroindstrias e da integrao dos pequenos produtores rurais, a produo para o mercado nacional e internacional, a utilizao da terra como reserva de valor e, especialmente, a imposio do assalariamento na sua forma mais perversa de explorao: trabalho temporrio, diarista, sem carteira assinada e sem direitos e garantias. (Vendramini, 2004, p. 153)

Na contramo do processo j consolidado de capitalizao das relaes de roduo no campo, que se fez concentrando ainda mais a propriedade, movimentos sociais levantam a bandeira da reforma agrria, propem a redistribuio de terras e de riquezas, ocupam reas consideradas improdutivas, exigem trabalho e escola para seus filhos. As populaes do campo, vtimas do processo de excluso, no reivindicam apenas terra. Querem mais que o reconhecimento da legitimidade da sua presena sobre a terra; querem a reformulao das relaes sociais e a ampliao dos direitos sociais (Martins, 1993, p. 90).

Frente grande presso exercida nas ltimas dcadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), algumas reas foram destinadas reforma agrria e famlias de trabalhadores foram assentadas (ao longo de quase duas dcadas, foram realizadas mais de duas mil ocupaes por cerca de 300 mil famlias, hoje assentadas, conquistando milhes de hectares).

A educao do/no campo

Nossa primeira questo refere-se aos sujeitos para os quais se destina a educao, tendo em vista a grande diversidade, ou melhor, desigualdade de vida e de produo no campo. Aqui estamos nos referindo educao pblica, para os filhos de trabalhadores. Ribeiro (2006), ao denunciar a investida do poder pblico contra o Instituto Tcnico de Pesquisa e Capacitao da Reforma Agrria (ITERRA), do Rio Grande do Sul, defende o carter pblico daquela escola, que atende filhos e filhas de agricultores historicamente alijados das polticas educacionais. O ITERRA desenvolve uma experincia educacional que articula, segundo Ribeiro, ensino-pesquisa-extenso, desenvolvidos nos nveis de ensino mdio (normal: formao de professores e tcnico: formao de tcnicos em administrao de cooperativas) e de ensino superior (Pedagogia da Terra). As aes desenvolvidas no ITERRA so um marco de ruptura com uma histria de educao planejada para a populao rural.

As experincias educacionais (escolas, programas e currculos especiais, campanhas nacionais etc.) voltadas para a populao rural desde a dcada de 1920, quando a educao rural comeou a ocupar espao na problemtica educacional se pautam pela lgica da educao como mola propulsora do desenvolvimento social (sobre isso, ver Calazans, 1985, e Bordenave & Werthein, 1981).

Mesmo com a expanso quantitativa da escola rural, desde a dcada de 1920, a educao continuou precria, no conseguindo garantir escolaridade mnima fundamental ao homem do campo. grande o nmero de professores rurais que no completaram seus estudos secundrios. Os problemas de evaso e repetncia so graves e os ndices de analfabetismo elevados. Segundo dados do IBGE (PNDA, 2004), o Brasil possui uma proporo de 11,4% da populao de 15 anos ou mais de idade que declara no saber ler e escrever. Uma taxa de analfabetismo superior a de outros pases em desenvolvimento, como o Mxico (9,7%,), China (9,1%), Chile (4,3%), Argentina (2,8%) e Cuba (0,2%).

O quadro mais grave no campo, cuja taxa de analfabetismo atinge mais de um quarto da populao rural brasileira. O percentual de pessoas no campo que declaram no saber ler e escrever chega a 25,8%, enquanto nas reas urbanas essa proporo de 8,7%. J mencionamos um conjunto de iniciativas relativas educao do campo, a partir da dcada de 1990, por parte da sociedade civil e do Estado, em resposta a uma forte presso dos movimentos sociais.

H uma mudana significativa a partir da prpria concepo de educao rural, agora intitulada de educao do campo, que expressa, segundo Caldart (2004, p. 17), um processo de construo de um projeto de educao dos trabalhadores e das trabalhadoras do campo, gestado desde o ponto de vista dos camponeses e da trajetria de luta de suas organizaes. O nome educao do campo, ainda que incorpore uma rica discusso e mobilizao social, tem limites em termos de capacidade explicativa, tendo em vista a j assinalada diversidade de sujeitos, contextos, culturas e formas de produo e ocupao do meio rural.

Outro aspecto para a anlise refere-se amplitude da educao, seja no campo ou na cidade, considerando os diversos espaos e formas de aprendizagem para alm da escola. Tomamos como base a concepo de formao como um processo em permanente construo, permeada de contradies e determinada por condies objetivas e subjetivas, em que os sujeitos sociais vo se constituindo (Vendramini, 2004, p. 159).

A aprendizagem e a formao experiencial so processos de aquisio de saberes que tm origem na globalidade de vida das pessoas, associadas modalidade da educao informal. Esta se refere a situaes educativas com base nos efeitos educativos e no nas intenes. Os efeitos so entendidos como mudanas durveis de comportamentos que decorrem da aquisio de conhecimento na a ao e da capitalizao das experincias individuais e colectivas (Canrio, 2000, p. 81).

A riqueza e a diversidade da formao experiencial, segundo Cavaco (2002), dependem da riqueza e diversidade das situaes vividas/ experimentadas pelos sujeitos no seu contexto, pois o que a experincia permitiu aprender comporta necessariamente os limites do percurso (Dominic, 1989, apud Cavaco, 2002, p. 32) de vida de cada pessoa.

Desse modo, segundo a autora, a experincia apresenta um carter dinmico, pois questionada e alterada em funo de novas situaes vivenciais. Nosso objetivo valorizar epistemologicamente a educao experiencial, na sua relao com os sujeitos sociais que a constituem e seus espaos de vida e de trabalho, na sua forma prpria de organizao, nos seus aspectos inovadores e na sua capacidade de mudana. Canrio (2000) aponta para uma compreenso da escola, incluindo a escola no mundo rural, para alm dela prpria. Afirma que pensar a escola refletir, em primeiro lugar, sobre o espao em que se situa, suas necessidades e fragilidades, mas tambm suas potencialidades. A escola precisa estar em sintonia com as mudanas que acontecem no local, com as novas necessidades criadas e recriadas e com as expectativas de formao que vo se constituindo de acordo com o modo de vida e de trabalho, que tambm esto em transformao.

O trabalho, os movimentos sociais e a educao A educao do campo ganha um novo sentido, quando associada a um movimento social que defende a educao articulada com a criao de condies materiais para a vida no campo. A defesa de uma educao do campo tem como sustentao o reconhecimento de uma realidade de trabalhadores e trabalhadoras que tm resistido para continuar produzindo sua vida no espao rural. E, especialmente, o reconhecimento de que esta realidade precisa ser alterada, tendo em vista a crescente pobreza, o desemprego, as grandes desigualdades sociais e as dificuldades de acesso s polticas pblicas (sade, educao, transporte, infra-estrutura etc.). Portanto, pensar um projeto de educao do campo pressupe a sua sustentabilidade em termos econmicos, sociais e culturais. Alm disso, os movimentos sociais, especialmente o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, tm um projeto educacional que est associado a um projeto poltico de transformao social, no sentido atribudo por Mszros (2005, p. 76):

A nossa tarefa educacional , simultaneamente, a tarefa de uma transformao social, ampla e emancipadora. Nenhuma das duas pode ser posta frente da outra. Elas so inseparveis. A transformao social emancipadora radical requerida inconcebvel sem uma concreta e ativa contribuio da Educao e trabalho: reflexes em torno dos movimentos sociais do campo.

A educao no seu sentido amplo [...]. E vice-versa: a educao no pode funcionar suspensa no ar. Ela pode e deve ser articulada adequadamente e redefinida constantemente no seu inter-relacionamento dialtico com as condies cambiantes e as necessidades da transformao social emancipadora e progressiva em curso.

As estratgias coletivas de sobrevivncia criadas pelos sem-terra, num contexto de vida e de trabalho precrio tanto no meio urbano quanto no rural, revelam sua capacidade de buscar respostas diante da impossibilidade de sobreviverem da forma como vinham fazendo. As trajetrias vivenciadas pelos sem-terra na experincia de acampamento e de assentamento influenciam na construo de estratgias de organizao da vida e do trabalho, considerando que o processo vivido pelos trabalhadores organizados em torno do MST em si educativo. Esta questo sustenta-se na tese de que a experincia de quem aprende torna- se o ponto de partida e o ponto de chegada dos processos de aprendizagem. Aprender significa atribuir sentido a uma realidade complexa (Canrio, 2000, p. 110).

No processo de luta, de organizao de trabalho, de cooperao e de vida dos sem-terra ligados ao MST, possvel perceber que a educao expresso de todas essas dinmicas construdas coletivamente, ou seja, ela constituda pelas relaes sociais, mas tambm constituinte. Isso significa dizer que o processo educativo vivido instrumentaliza os trabalhadores para o seu trabalho, para a cooperao, para as lutas junto ao MST, ao partido poltico, militncia ecolgica e das mulheres acampadas e assentadas.

Podemos nos referir, no contexto do MST, a dois processos educativos, ainda que combinados. Um deles refere-se ao processo educativo presente nas lutas do Movimento, ao aprendizado propiciado pela experincia da ocupao de terras, das reunies, das manifestaes pblicas, da vida nos acampamentos, da organizao do trabalho e da vida produtiva e social nos assentamentos, dos intercmbios, dos enfrentamentos, enfim, de todos os desafios de uma luta radical pela terra.

O outro processo, mais intencional e planejado de forma sistemtica, refere-se aos cursos desenvolvidos pelo MST e s iniciativas escolares. Os assentamentos rurais do Movimento contam com escolas da rede regular de ensino, vinculadas s redes estaduais e municipais, de sries iniciais, na sua maioria, e de sries finais do ensino fundamental; alguns deles contam tambm com escolas de ensino mdio. So 1.800 escolas pblicas de ensino fundamental, em que estudam 160 mil crianas e adolescentes e atuam 3.900 educadores; alm dos espaos de educao infantil, conhecidos como Cirandas Infantis, que contam com 250 educadores.

A formao acontece tambm em nvel tcnico, como, por exemplo, no curso de Magistrio para professores de assentamentos, no curso superior de Pedagogia da Terra e no curso tcnico em Administrao de Cooperativas que se desenvolvem no ITERRA (vinculado ao MST). Os alunos desses cursos participam da gesto das escolas e realizam trabalhos prticos nos assentamentos, dentro da chamada pedagogia da alternncia.5 Alm de escolas, cursos e programas, o Movimento mantm a Escola Nacional Florestan Fernandes, que oferece aos acampados e assentados o Curso Bsico de Formao de Militantes e Cursos de Formao de Formadores. Em todo o pas, funciona um Programa Nacional de Educao da Reforma Agrria (PRONERA),6 em convnio com aproximadamente cinqenta universidades, que atende em torno de trinta mil jovens e adultos assentados e conta com trs mil educadores.

Hoje, o MST e os assentados contam com profissionais de diversas reas, como agronomia, educao, medicina, tcnicos em administrao, tcnicos agrcolas, entre outros, que foram incentivados e apoiados para estudar e contribuir com a luta dos assentados para a permanncia na terra. Para Canrio (2000), a escola precisa estar em sintonia com as mudanas que acontecem no local, com as novas necessidades criadas e recriadas e com as expectativas de formao que vo se constituindo de acordo com o modo de vida e de trabalho, que tambm esto em transformao. Observamos, pelas experincias educacionais e escolares que o MST desenvolve uma revoluo no conceito de escola.

Para alm da escola tradicional nas reas de assentamentos, podemos nos referir escola itinerante criada na mesma lgica do acampamento, pelo fato dela estar em movimento, de acompanhar as ocupaes e reocupaes, as marchas e os acampamentos nas cidades. uma escola que vai aonde o educando est, no h necessidade de parar de estudar porque se est lutando, segundo Fogaa (2003). O mesmo autor v o momento da escola itinerante como nico: no basta ter quadros, giz, recursos audiovisuais, de construir e no chegar com receitas,tem de trazer elementos que recarreguem as baterias super potentes que cada educando tem em termos de energia e vontade de aprender (p. 108).

Podemos nos referir ainda Escola Nacional Florestan Fernandes, um espao de formao de militantes com base numa metodologia que estimula o pensamento crtico e a experimentao de valores e prticas diferenciados, com base em grupos de trabalho coletivos (Medeiros, 2002). Da mesma forma, o ITERRA, que alm de formar tecnicamente os estudantes, envolve-os num espao e num tempo de estudo e trabalho com base na autogesto. Dal Ri e Vietz (2004), ao analisarem o curso tcnico em administrao de cooperativas (TAC) do Instituto de Educao Josu de Castro, concluem que este produziu nos cursos elementos pedaggicos diferenciados, concordantes com a viso educacional do MST, e que so responsveis pelo carter sui generis da pedagogia adotada. Esses elementos pedaggicos dizem respeito aos contedos disciplinares, ao modo como a escola se organiza, aos processos de ensino e aprendizagem e s funes que a escola desempenha no Movimento.

Estes exemplos indicam a gestao de uma pedagogia e de uma escola que busca, ainda que com muitos limites, construir formas, espaos e relaes diferenciadas em termos educacionais, com base no trabalho coletivo, no exerccio da autogesto, na articulao entre trabalho e estudo e entre teoria e prtica, no envolvimento de sujeitos com idades variadas (num movimento intergeracional), em que todos aprendem no processo, inclusive os educandos, construindo uma pedagogia que transforma o espao tradicional escolar.

As diversas aes scio-educativas que se desenvolvem no interior de movimentos sociais, cooperativas, associaes, sindicatos e outras organizaes sociais tm apresentado um grande grau de inovao e capacidade de mudana nos sujeitos envolvidos e no meio em que vivem. Sua forma de organizao, de envolvimento social, de articulao com outras esferas da vida e outros sujeitos sociais tem permitido a reflexo sobre o sentido da escola. Alm disso, tem-se constitudo num confronto educao mercantilista que caracteriza os sistemas de ensino na atualidade.

Observamos, neste contexto, que os movimentos sociais do campo, entre eles o MST, tm pressionado no s pela Reforma Agrria e por uma poltica agrcola que viabilize a pequena produo no campo, mas tambm por uma educao e escolarizao para uma populao historicamente alijada das polticas pblicas. Ainda que o Movimento esteja envolvido diretamente nas lutas por uma educao do campo, seu projeto de formao vai mais alm, ao desenvolver aes polticas que em si so educativas e ao direcionar a formao no s para o aspecto tcnico e escolar, mas essencialmente poltico.

Recebido em outubro de 2006 e aprovado em maro de 2007.

REFERNCIAS

Institui as diretrizes operacionais para a educao bsica nas escolas do campo. Dirio Oficial da Unio, Braslia, DF, 9 de abril de 2002. Seo 1, p. 32. BRASIL DE FATO. So Paulo, ano 1, n. 23, ago. 2003.

CALAZANS, M.J. et al. Dois programas de educao no meio rural na dcada de 50: CNER e SSR. Frum Educacional, Rio de Janeiro, v. 9, n.4, p. 43-64, out.-dez. 1985.

CALDART, R.S. Elementos para a construo de um projeto poltico e pedaggico da educao do campo. In: MOLINA, M.C.; JESUS, S.M.S.A. Por uma educao do campo: contribuies para a construo de um projeto de educao do campo. Braslia, DF: Articulao Nacional Por uma educao do campo, 2004, p. 13-52.

CANRIO, R. A escola no mundo rural: contributos para a construo de um objeto de estudo. Educao, Sociedade & Culturas, Lisboa, n. 14, p. 121-139, 2000.

CANRIO, R. Educao de adultos: um campo e uma problemtica. Lisboa: EDUCA; ANEFA, 2000.

CAVACO, C. Aprender fora da escola: percursos de formao experiencial. Lisboa: EDUCA, 2002.

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FOGAA, J. Um caminho de muitas marcas: a luta dos sujeitos da Escola Itinerante no Rio Grande do Sul. In: ITERRA; Setor de Educao do MST. Alternativas de escolarizao dos adolescentes em assentamentos e acampamentos do MST. Veranpolis, 2003, p. 97-119. (Cadernosdo ITERRA, 8).

GOODMANN, D.E.; SORJ, B.; WILKINSON, J. Agroindstria, polticas pblicas e estruturas sociais rurais: anlises recentes sobre a agricultura brasileira. Revista de Economia Poltica, So Paulo, v. 5, n.4,p. 31-56, 1985.

KOLLING, E.J.; NERY, I.; MOLINA, M.C. Por uma educao bsica do campo. Braslia: Fundao Universidade de Braslia, 1999. v. 1.

O TRABALHO COMO PRINCPIO EDUCATIVO: ALGUMAS REFLEXES

Ricardo Ribeiro

Professor do Departamento de Cincias da Educao da Faculdade

de Filosofia, Cincias e Letras UNESP Araraquara.

Outubro de 2007.

Resumo

Aps algumas reflexes sobre o conceito de trabalho e formao, este artigo aborda algumas orientaes, ou princpios, que podem contribuir para a organizao de programas de formao de adultos. Ao trabalhar em programas de formao dessa natureza, devemos ter em mente que trabalhamos com indivduos que j possuem conhecimentos elaborados, experincias prticas e vivncias que devem ser consideradas como ponto de partida. Assim, devemos considerar que a aprendizagem acontece ao longo da vida, e que um curso apenas parte do percurso de aprendizagem. Outro aspecto importante que programas de formao para adultos, especialmente aqueles desenvolvidos em situao de trabalho, devem ter sentido para aqueles que iro participar. Os participantes devem, portanto, aderir voluntariamente proposta; caso contrrio, ela poder ser entendida apenas como algo imposto, e no como um ganho profissional efetivo. Nas situaes de formao em situaes de trabalho, tambm fundamental que os programas sejam elaborados a partir de um apurado conhecimento da realidade daqueles que iro participar. Avaliar e preservar a memria do que foi realizado evita que ocorram eternos recomeos. Por fim, fundamental que os programas de formao contem tambm com um programa de apoio aos participantes, de tal forma que eles se sintam mais seguros no trilhar os caminhos das mudanas, quando retornarem aos seus respectivos espaos de trabalho.

Palavras- chave: Formao de adultos; Programas de formao; profissional; Educao continuada; Educao.

Introduo

De maneira geral, entendemos a educao como uma ao humana intencional com o objetivo de transmitir um conjunto especfico de conhecimentos a indivduos que supostamente no os tm. Quando se trata de pensar em educao escolar para os indivduos mais jovens, temos supostamente um acervo conceitual extraordinrio. Quando manejado com relativa habilidade, ao menos no plano do discurso, esse acervo conceitual permite que qualquer educador tenha condies para indicar os procedimentos de construo de projetos de formao relevantes. verdade que os caminhos para essa relevncia, e mesmo o entendimento do que relevante em termos de qualidade de ensino, podem ser bem diferentes, mas quase sempre todos eles tm aspectos positivos. Entretanto, quando tratamos de educao para adultos, a situao se complica. Trata-se, afinal, de uma situao em que o outro (ou os outros) que dever aprender alguma coisa no pode ser considerado indivduo que no sabe. No so poucas as situaes em que esses indivduos, que devem sofrer a formao, sabem muito mais do que aqueles responsveis por oferec-la. Naturalmente, ao reconhecer essa situao, no devemos ser simplistas nem entender que as aes de formao de adultos, afinal de contas, no servem para nada. O reconhecimento dessa situao indica apenas que, no caso da formao de adultos, devemos considerar alguns aspectos nem sempre presentes na educao escolar para crianas, jovens e adolescentes.

Trabalho

Ao pensarmos em Educao pelo trabalho ou em Trabalho como princpio educativo, a primeira questo com a qual nos deparamos est relacionada condio e percepo do que trabalho. No cabe aqui uma digresso sobre a origem do conceito trabalho, nem de todos os seus vrios entendimentos atravs dos tempos. Pretendo apenas considerar alguns aspectos que entendo relevantes dentro do contexto da nossa reflexo. Nas sociedades primitivas, o trabalho tinha como caracterstica principal ser solidrio e coletivo. A produo era apropriada por todos. Com o advento da economia de mercado, o trabalho deixou de ser o espao social de construo do sentimento de tribo, de comunidade, passando a ser to somente uma mercadoria que, a partir do momento em que comprada por quem detm o capital, aliena o trabalhador da complexidade do processo de trabalho e tambm dos seus resultados.

Dessa forma, embora o trabalho seja responsvel pela construo da nossa prpria humanizao, no se constitui, necessariamente, no nosso tempo em um valor humano positivo. O trabalho pode ser emancipador, mas pode tambm ser um instrumento que submete e at mesmo escraviza o ser humano. O trabalho pode ser responsvel por gerar prazer para alguns, mas tambm pode ser responsvel por gerar pesadelo e sofrimento para outros. E tudo isso independentemente da qualidade do trabalho ou mesmo do seu valor social.

Outro aspecto relevante relacionado ao conceito de trabalho que, quando fazemos referncia a ele, quase sempre adotamos o conceito de trabalho produtivo, isto , aquele trabalho que produz um bem que tem valor de mercado, que gera ganho monetrio. Assim, o trabalho domstico desconsiderado, resultando em grande injustia, no exclusiva, mas especialmente, para as mulheres. A mesma coisa acontece com o trabalho realizado por membros de comunidades perifricas ou mais pobres.

Na economia de mercado, os trabalhadores no tm controle sobre o seu trabalho. Apenas e to somente podem vender a sua fora de trabalho. Essa distino entre trabalho e fora de trabalho foi proposta por Marx, que definiu trabalho como sendo tanto o processo como o resultado do trabalho. Na economia de mercado, o trabalhador no tem controle nem sobre uma coisa, nem sobre outra.

Ele no vende o produto que fez ou ajudou a fazer, isto , o resultado do seu trabalho, assim como no tem controle sobre o processo de produo. Ao comprar fora de trabalho, aquele que detm o capital utiliza-a, de acordo com seus interesses, para produzir bens com valor de mercado. O trabalhador pode dispor apenas de seu potencial de tempo. Vendendo o seu tempo, o trabalhador abre mo de exercer qualquer possibilidade de controle ou interveno nas complexas relaes que se estabelecem entre o indivduo e o mundo no processo de trabalho.

Entretanto, mesmo com todas essas contradies, e ainda segundo Marx, o trabalho a condio indispensvel da existncia do homem, uma necessidade eterna, o mediador da circulao material entre o homem e a natureza (Marx, 1987). Sendo uma necessidade eterna, condio de sobrevivncia, estar sempre presente nas comunidades humanas, entendidas aqui nas suas vrias formas. Por isso, o trabalho o caminho de construo da identidade, e o homem constri a sua identidade pelo trabalho. Dessa maneira, forma-se atravs do trabalho e o trabalho o princpio da sua formao.

Formao

Ajustadas agora algumas ideias sobre o entendimento do conceito trabalho, podemos refletir um pouco sobre a ideia de Formao, que no significa apenas dar forma a algo, mas sim dar uma forma dinmica integrando um componente artstico, cultural e intencional. Formas como j colocavam os integrantes do movimento modernista de 1922, coisa bem diferente de frma. Trata-se de uma situao desafiadora, porque a ao formadora que integra esses trs componentes arte, cultura, inteno deve ter como objetivo a modificao de um sistema de referncias ou um modo de funcionamento de uma dada situao ou realidade. desafiadora porque as situaes de mudanas no so triviais e, embora em algumas situaes as mudanas possam at acontecer com relativa rapidez, nem sempre assim eletrnica, de marca Olivetti. Essa nova maravilha da tecnologia resolvia um grande problema dos documentos datilografados: o alinhamento do texto, porque tinha no seu painel uma pequena tela de cristal lquido, onde aparecia a ltima linha digitada, que poderia ser alinhada ou corrigida antes de ser impressa no papel.

No consegui realizar o meu desejo nem com relao IBM, nem com relao Olivetti. No s porque as minhas economias no o permitiram, mas tambm por causa do tempo. Em poucos meses, surgiu outra mquina eletrnica, porttil e com uma impresso de grande qualidade, e eu acabei comprando esta que, na verdade e ainda por cima, era muito mais barata do que as anteriores. Acontece, porm, que rapidamente a minha jovem e bonita mquina eletrnica tambm ficou velha, e eu acabei adquirindo o meu primeiro computador.

Com computadores, ento, o tempo passou a correr mais rpido ainda. impressionante como, em dois anos, aquela mquina turbinada, especial que voc tem j se transformou em uma carroa velha movida a lenha, e voc no sossega enquanto no compra a verso mais nova, com tela de cristal e processador ultimum tipo!

Situao parecida aconteceu com as atividades profissionais mais reconhecidas e valorizadas. At os anos 1960, a formao inicial de um engenheiro, de um dentista, de um advogado era suficiente para que esse profissional exercesse a sua profisso sem se preocupar em continuar estudando, fazendo cursos ou participando de congressos. A necessidade de formao continuada aps a formao inicial no era vista como algo relevante.

Hoje, ao contrrio, no possvel imaginar um profissional que no se preocupe com o estar sempre aprendendo sobre a sua rea ou sobre temas que cada vez mais dialogam com reas diversificadas. Vivemos uma realidade onde cada vez mais so valorizadas e necessrias as aprendizagens que os indivduos realizam ao longo das suas trajetrias pessoais, sociais e profissionais, ultrapassando as tradicionais fronteiras espao-temporais delimitadas institucionalmente pelos sistemas de educao/formao. Num contexto de atenuao de fronteiras entre educao, formao, trabalho e lazer, o reconhecimento das aprendizagens experienciais principalmente de adultos constitui-se como um desafio incontornvel aos sistemas de educao/formao nos dias de hoje. (PIRES, 2007)

Para participar criticamente das aceleradas mudanas a que assistimos hoje, e lidar com as mesmas de forma protagonista, necessrio estar atento aos saberes que podem ser adquiridos em espaos diferentes daqueles j consolidados e normatizados. Os saberes de carter inovador produzidos nas organizaes a partir da utilizao das novas tecnologias e de novas formas de organizar o trabalho pela ao dos atores envolvidos escapam frequentemente, pela sua natureza experiencial, aos referenciais clssicos dos saberes disciplinares. A produo e a difuso do conhecimento e, concomitantemente, a aprendizagem deixam de ser um monoplio dos sistemas de educao/formao, na medida em que ultrapassam os espaos-tempos formais, tradicionalmente delimitados e balizados pelas instncias educativas. (PIRES, 2007)

Assim, a aprendizagem ao longo da vida desenvolvesse em espaos variados (muitas vezes em situaes de trabalho ou tendo o trabalho como princpio), por meio de formas distintas e sob a responsabilidade de vrios e diferentes protagonistas.

Adeso voluntria

As oportunidades de formao que profissionais recebem no mbito das suas relaes de trabalho se constituem em um ganho para o empregador, mas tambm podem ser consideradas um ganho pessoal para os profissionais que participam. Nesse sentido, muito importante que os profissionais possam escolher livremente se querem ou no participar de um dado programa de formao. A sua adeso voluntria possibilita um grau de compromisso que contribui, em grande medida, para um melhor aproveitamento e at mesmo para um melhor gerenciamento do programa, na medida em que este, inevitavelmente, dever exigir dos seus participantes algum tipo de sacrifcio pessoal, pelo menos no que diz respeito ao tempo. A adeso voluntria dos participantes traduz um maior compromisso por parte dos mesmos, fazendo com que eventuais sacrifcios sejam assimilados individualmente e no se transformem em problemas coletivos. Assim, devemos sempre que possvel evitar convocaes de funcionrios para programas de formao. Os participantes potenciais devem, sim, ser informados da natureza, objetivo e das condies de desenvolvimento do trabalho de formao e, sempre que possvel, devem poder escolher participar ou no.

Conhecer a realidade dos participantes

Em um dos mais bonitos filmes do Claude Lelouch, Retratos da Vida (Les Uns et les Autres), um dos personagens diz, a certa altura, que a vida so apenas quatro ou cinco histrias que se repetem. De fato, as histrias de vida so muito semelhantes e circunstncias que fogem ao nosso controle pleno acabam determinando um sem nmero de histrias parecidas. Entretanto, tambm verdade que, de longe, muita coisa se parece, mas de perto podemos ver que o que pareceu semelhante distncia, muito diferente de perto.

extremamente provvel que quem trabalha na sade h algum tempo consiga identificar as causas de um sem nmero de problemas (de contaminao hospitalar ao atendimento ao usurio do servio, passando pela relao entre mdicos e demais funcionrios, entre outros), os quais podem ser resolvidos com relativa facilidade por meio de programas de formao profissional em servio. No difcil imaginarmos programas de formao ou cursos que podem ser desenvolvidos em muitos lugares onde ocorre uma determinada situao que precisa ser alterada. Entretanto, embora os problemas sejam os mesmos ou muito parecidos, os vetores que explicam a sua incidncia podem e costumam ser diferentes. por isso muito importante que, antes de implementar programas de formao ou cursos, os seus responsveis procurem ouvir com ateno as explicaes ou entendimentos que os potenciais participantes tm sobre a situao que deve ser alterada. fundamental que seja conhecido o contexto de trabalho desses potenciais participantes, porque toda organizao tem uma identidade prpria. Cada posto de sade, centro de atendimento, ambulatrio ou hospital tem uma cultura prpria, e as relaes e processos que l ocorrem so nicos e devem ser conhecidos e reconhecidos, ampliando, assim, as possibilidades de sucesso dos programas de formao.

Avaliar e preservar a memria

Uma das polticas pblicas mais importantes do Brasil hoje desenvolvida no SUS. Decorrncia da sua prpria natureza essencial e do grande universo de beneficirios, ou tambm por ser uma das mais bem-sucedidas aes de descentralizao de polticas pblicas. Existem, naturalmente, grandes problemas, mas, comparativamente com outras polticas pblicas nos campos da educao ou da segurana, por exemplo , a que mais avanou. de extrema importncia que as aes de formao desenvolvidas sejam objeto de permanente e contnua avaliao, pois s assim se consegue aprimor-las.

Embora a avaliao no seja o tema central deste artigo, necessrio fazer algumas observaes. Usualmente, quando consideramos a avaliao no mbito de situaes formativas, costumamos pensar na avaliao da aprendizagem dos participantes isto , se os indivduos aprenderam ou no. Embora esse seja um aspecto que obviamente merece ser considerado, importante que a avaliao seja utilizada tambm em uma dimenso mais ampla. O aprendizado, isto , a incorporao de novas informaes que sero operadas adequadamente pelos participantes do programa, tendo em vista uma mudana, fundamental, mas importante que o olhar da avaliao examine as condies gerais que contribuem para que isso ocorra ou que, ao contrrio, conspirem contra.

importante que, quando for possvel, sejam desenvolvidos procedimentos de avaliao no decorrer do programa, tendo em vista o seu aprimoramento ou correes de rota. A avaliao contnua, atravs do olhar atento receptividade dos formandos, permite que se alterem pontos de programa e se avance com mais segurana na direo das grandes metas e direes pretendidas na ao. Tambm fundamental que seja previsto um momento final de avaliao do trabalho realizado. Os instrumentos podem ser variados: formulrios preenchidos pelos participantes, uma roda de avaliao oral onde todos possam falar, ferramentas desenvolvidas para a WEB etc.

Feita a avaliao, muito importante que sejam preservadas as memrias da ao formativa. Novos programas de formao para grupos ou organizaes especficas devem ser desenvolvidos considerando o que j aconteceu naquele espao e com aqueles indivduos. A memria dos eventos que j aconteceram serve para alimentar as novas propostas elaboradas, e deve tambm ser apresentada aos participantes dos novos programas, de maneira que se tornem conscientes ou se relembrem do que j viveram, e outros conheam o que j aconteceu naquela instituio ou naquele grupo do qual agora fazem parte.

Apoiar, acolher...

As mudanas de prticas e procedimentos no so fceis, especialmente para adultos que vivem um tempo em que as mudanas so aceleradas, sentindo ainda o peso da ignorncia ao se confrontarem com tecnologias consideradas por muitos banais. Equipamentos sofisticados e modernos so considerados superados em pouco tempo. Novos procedimentos so incorporados ao dia a dia de uma forma espantosamente rpida. Assim, quando os adultos so chamados a responder a novas necessidades e/ou prticas, nem sempre se sentem confortveis. normal que isso ocorra; afinal, tambm no tem sentido mudar apenas porque os outros querem que mudemos. A mudana, efetiva e ativa, s ocorre quando tem sentido para quem muda. No ocorre mudana quando h submisso a uma ordem, mas sim quando h aceitao e compreenso do novo. Quando isso acontece, o novo passou a ter sentido para o indivduo.

Alm disso, o trabalho cotidiano nas organizaes muitas vezes conspira contra movimentos de mudanas. No so raras as situaes em que um determinado grupo encerra uma atividade de formao estimulado e disposto a viver as mudanas necessrias, a experimentar novos caminhos. Entretanto, quando retorna s suas instituies ou aos seus espaos de trabalho, as foras conservadoras e as relaes cotidianas instaladas vo, aos poucos, minando o entusiasmo inicial e fazendo com que a descrena nas possibilidades de mudana tomem corpo. O espao institucional, regado pelas guas que podem fertilizar o campo para que prticas novas possam brotar, vai secando, e o rio volta ao seu leito original, deixando no seu rastro apenas restos de iniciativas que poderiam ser o incio de promissoras mudanas, mas que, nessa circunstncia, so vistos apenas como coisas inteis, entulhos.

Para ajudar a alimentar as foras de mudana, importante que os programas de formao incorporem alguns procedimentos que permitam um efetivo acolhimento e apoio aos seus participantes. Depois de um curso de formao profissional que teve como objetivo oferecer aos seus participantes um novo arsenal de recursos e possibilidades, fundamental que esses participantes possam contar com um espao posterior de apoio e acolhimento, uma interlocuo que acontea de tempos em tempos, a possibilidade de buscar ajuda ou socializar informaes e descobertas. Alm de eventuais reencontros presenciais, os recursos da WEB so amplos e podem ser utilizados de forma bastante criativa e estimulante. Mas preciso que isso acontea de fato, e que as prprias equipes e atividades de formao reconheam o quanto a mudana em situaes instaladas complexa, e o quanto esses profissionais precisam e demandam, mesmo depois das aes de formao, apoio, incentivo, encorajamento e estmulo.

tambm importante que os responsveis pelo desenvolvimento de programas de formao procurem desenvolver aes que influenciem os espaos de trabalho dos participantes, para que estes encontrem receptividade ao retornarem s suas atividades cotidianas. Entender formao pelo trabalho inclui perceber a necessidade de apoiar os profissionais no seu dia a dia, e no apenas durante as atividades e cursos de formao. Se quisermos formar profissionais ativos, dinmicos e autnomos, conscientes das suas necessidades e prioridades, precisaremos criar situaes formativas em que possam desenvolver as suas capacidades pessoais, e no apenas profissionais, de dinamismo, autonomia e deciso.

Referncias

MARX, K. Manuscritos econmico-filosficos eoutros textos escolhidos. So Paulo: Nova Cultural, 1987.

PIRES, A. L. O., Reconhecimento e validao das aprendizagens experienciais: uma problemtica educativa.Revista de Cincias da Educao, n. 3.Disponvel em: . Acesso em:18 out. 2007.

RIBEIRO, R. Formao de conselheiros em poltica pblica de trabalho e renda PPTR. In: MEHEDFF, C.G.; GARCIA, C. (org). Metodologia para formao de gestores de polticas pblicas. Braslia, DF: Flasco,2005. p. 66-88.

SENNET, R. Autoridade. So Paulo: Record, 2001.

YANNOULAS, S. (org.). Atuais tendncias na educao profissional. Braslia, DF: Paralelo 15/TEM,2001.

Mestre em Cincias da Educao Superior, Especialista em Metodologia do Ensino Superior, Graduada em Geografia e Cincias Sociais com Habilitao em Antropologia Social. Professora do Centro Federal de Educao Tecnolgica de Roraima.

MOURO (2006:43)

O termo coronel advm da Guarda Nacional que foi criada a 18 de agosto de 1831. Um sistema poltico da Primeira Repblica, dominado pr uma relao de compromisso entre senhores donos de terras em decadncia e o poder pblico fortalecido O coronelismo, como sistema nacional de poder, acabou em 1930, mas at o presente estes personagens continuam vivos diante as posturas autoritrias de proprietrias de terras ou figuras polticas( LEAL,1976)

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