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ARQUITETURA MODERNA:A importância da obra de Anísio Medeiros no
estado do Piauí.
CARDOSO, RANIEL. (1); ARAÚJO, EZEQUIEL. (2); NEGREIROS, ANA (3)
1. Universidade Federal do Piauí. Aluno de graduação do Curso de Arquitetura e Urbanismo. Pesquisador bolsista/voluntário do grupo de extensão Inventário dos Bens Culturais em
Teresina. Campus Universitário Ministro Petrônio Portella, s/n - Ininga, Teresina - PI, 64049-550.
2. Universidade Federal do Piauí. Aluno de graduação do Curso de Arquitetura e Urbanismo. Campus Universitário Ministro Petrônio Portella, s/n - Ininga, Teresina - PI, 64049-550.
3. (Orientadora) Professora Assistente da Universidade Federal do Piauí. Professora Mestre do Curso de Arquitetura e Urbanismo. Coordenadora do Grupo de Extensão “Inventário dos Bens Culturais de Teresina. Campus Universitário Ministro Petrônio Portella, s/n - Ininga,
Teresina - PI, 64049-550. [email protected]
Resumo
Este artigo pretende divulgar resultados que vêm sendo obtidos em pesquisas realizadas a respeito
dos arquitetos que adotaram uma linguagem moderna em obras projetadas na cidade de Teresina.
Um destes personagens trata-se de Anísio Medeiros (1922/2003), que em 1948 se formou no Rio de
Janeiro, onde teve fortes influências da escola carioca. Vários recursos modernistas foram utilizados,
mas o que marca sua produção é a preocupação em buscar soluções climáticas para esses projetos,
sem se distanciar da aplicação da teoria. A metodologia trabalhada é a mesma usada no grupo de
extensão, vinculado ao departamento de construção civil e arquitetura do Centro de Tecnologia da
Universidade Federal do Piauí, idealizado pela professora Alcília Afonso Albuquerque com a
finalidade de desenvolver pesquisa na área de preservação do patrimônio e divulgar para a
sociedade a importância do mesmo, e atualmente através da pesquisa de Inventário dos Bens
Culturais de Teresina orientado pela Professora Ana Negreiros.
Palavras – chave: Arquitetura modernista; Arquitetura piauiense; Regionalismo arquitetônico; Anísio
Medeiros.
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
A importância da obra de Anísio Medeiros para Teresina-PI.
1. Introdução
Sabe-se que o modernismo em Teresina se deu de forma tardia em relação as
demais capitais brasileiras, contudo, foram realizados na cidade edificações cujas
características projetuais que remetiam ao moderno, porém sua arquitetura de interiores
sofria forte influência do ecletismo.
Este artigo tem como tema investigar o patrimônio deixado pela obra de Anísio
Medeiros (1922/ 2003) na capital piauiense, durante as décadas de 50 e 60. Tal cidade foi
planejada e inaugurada em 16 de agosto de 1852. Essa região localiza-se entre dois rios, o
Rio Parnaíba e o Poty, o que viabilizou maior articulação com outros núcleos urbanos e uma
condição geográfica favorável para sua urbanização.
A metodologia trabalhada é a mesma usada no grupo de extensão, vinculado ao
departamento de construção civil e arquitetura do Centro de Tecnologia da Universidade
Federal do Piauí, idealizado pela professora Alcília Afonso Albuquerque com a finalidade de
desenvolver pesquisa na área de preservação do patrimônio, bem como divulgar para a
sociedade a importância do mesmo, tal projeto, encontra-se cadastrado no CNPQ e
prossegue através de pesquisa de Inventário dos Bens Culturais de Teresina orientado pela
Arquiteta professora Ana Negreiros.
As práticas adotadas pelo grupo de pesquisa compreendem as mesmas utilizadas na
linha de pesquisa "Forma Moderna" do departamento de projetos arquitetônicos da Escola
Técnica Superior de Arquitetura de Barcelona, ETSAB/ UPC, do qual a coordenadora deste
grupo a Professora Alcília Afonso participa, utiliza-se de coletas de dados em arquivos
públicos e privados, entrevistas, visitas as obras, análises fotográficas e redesenho do
projeto em programas gráficos de 3Ds e Autocad para sua melhor compreensão.
Dessa forma, tal estudo tem como objetivo avaliar obras projetadas, bem como
analisar os critérios ambientais, socioculturais e técnicos considerados por Anísio Medeiros.
Destarte, da ênfase na biografia mostrando principalmente sua carreira como arquiteto e sua
forte influência carioca com a utilização de soluções climáticas ao trabalhar com uma
linguagem moderna em uma região contrastante, caracterizada por períodos com altas
temperaturas ou com fortes chuvas torrenciais.
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
O material a ser trabalhado nesse artigo consiste em documentação e valorização do
patrimônio deixado pelo exercício da profissão de arquiteto de um ícone piauiense, sendo
assim, ele se encaixa no eixo temático 2: Arquitetura e documentação: a pesquisa na área
da história da Arquitetura e do Urbanismo e tem como linha: Biografias: Os arquitetos na
História da Arquitetura.
2. O Arquiteto
Anísio de Araújo Medeiros nasceu na capital do Estado do Piauí, região do Nordeste
brasileiro, em 1922. Ainda jovem, fixou endereço no Rio de Janeiro na década de 40, onde
se formou em arquitetura, no ano de 1948 pela Faculdade Nacional de Arquitetura da
Universidade do Brasil (atual Universidade Federal do Rio de Janeiro), graduando-se em
1950. Na época em que a capital do país situava-se no Rio de Janeiro, esta, era
considerada um centro tanto da economia como da cultura brasileira. Tal como elucidam
Bortolli, Kambara e Yurguel (2009, p. 2):
Na qualidade de capital da nação até a década de 1960, a cidade do Rio de Janeiro, refletindo a economia do país, teve, portanto, significativo desenvolvimento econômico. Como consequência, houve uma demanda para construção de obras de diversas naturezas e usos, emanando trabalho a um grande número de arquitetos. Parte dessas obras, além de terem contribuído para avolumar os projetos nas pranchetas cariocas, encorpou a coletânea de obras publicadas nos compêndios que trataram da arquitetura moderna no país.
Então, analisando as oportunidades do país, Anísio Medeiros decidiu deixar o Piauí,
e adotou uma opção definitiva de vida na sua nova cidade. A partir disso, iniciou sua
trajetória profissional como arquiteto, artista plástico/ criador de painéis, professor
universitário, cenógrafo, figurinista e diretor de arte (AFONSO, 2006).
Anísio demonstrou aptidão em outras formas de arte desde sua época de estudante.
Em 1947, concebeu um painel para o Conjunto Pedregulho, projeto do amigo Affonso Reidy.
Alguns dos seus trabalhos mais relevantes, sobre murais, são os painéis que integram o
projeto de Hélio Marinho e Marcos Konder para o monumento aos Pracinhas [fig.1, p. 4]. De
1954 outro painel importante é o da escola Dom Silvério [fig. 2, p. 4], projetada por Francisco
Bolonha, outro amigo seu, em Cataguases, Minhas Gerais. Em 1956, Medeiros conquistara
o prêmio de Viagem ao Estrangeiro do Salão Nacional de Arte Moderna (SAMPAIO, 2005).
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Fig.1 e Fig.2: Painel Monumento aos pracinhas e Painel Escola Dom Silvério. Fonte: Arquivo
pessoal: Prof. Arq. Alcília Afonso. .
Medeiros exerceu grande influência na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo na
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde ministrou a disciplina de desenho. Já
na Escola de teatro da Universidade do Rio de Janeiro atuou no ensino da disciplina de
cenografia. Outra grande contribuição na sua carreira de docente foi lecionar a disciplina de
desenho artístico na Universidade Santa Úrsula, todas localizadas no Rio de Janeiro.
Pessoalmente, o arquiteto, na condição de professorar, foi um personagem marcante
para a maioria de seus alunos, como fica evidente na seguinte afirmação de uma ex-aluna:
Anísio era amado ou odiado; nunca ouvi meio-termo. Sarcástico, ferino, sovina nos sorvidos elogios infrequentes aos nossos trabalhos, mordaz na crítica ao movimento estudantil [...] A FAU-UFRJ de 1973-78 foi o máximo dos máximos e Anísio Medeiros a estrela-mór desta constelação... O que sei é que Anísio enriqueceu o folclore da FAU-UFRJ sem ser fofo Caetano. Víbora, cascavel, mito dos que o conheceram, sua memória perde-se no pó das gerações que confundem a Tropicália de 1968 com a Semana de 22 [...] (AFONSO; AFONSO, 2006).
Entretanto, mesmo atuando em várias áreas, uma das que mais se destacou foi na
carreira como cenógrafo, figurinista e diretor de arte, sendo assim reconhecido nacional e
internacionalmente.
Anísio teve passagens por diversos teatros, entre eles encontra-se o Teatro Oficina,
Teatro Jovem, Grupo Decisão e Teatro do Rio, posteriormente renomeado Teatro Ipanema,
nas décadas de 50 e 60. Em 1964, produziu “Os Pequenos Burgueses” e, em 1966, foi
premiado na VIII Bienal de São Paulo por um trabalho de cenografia. Em 1967, cuidou da
montagem de “O Círculo de Giz Caucasiano e Electra”; pouco depois, o Beijo da Mulher
Aranha.
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Alguns de seus trabalhos dedicados ao cinema brasileiro foram Capitu (1968),
Macunaíma (1969), Roberto Carlos e o Diamante Cor de Rosa (1970), Dona Flor e Seus
Dois Maridos (1976), Bye Bye Brasil (1979), Noites do Sertão (1984), O Grande Mentecapto
(1989) e Tiradentes (1998).
Sua performance como cenógrafo lhe permitiu o acúmulo de vários prêmios
referentes aos seus trabalhos como a conquista de “Melhor Cenografia do Festival de
Brasília” de 1968 e como “Melhor Figurino e Melhor Cenografia” em 1969, respectivamente
pelas obras de Capitu e Macunaíma. Também levou em 1976 o Prêmio Especial do Júri de
Figurino e Cenário, no Festival de Gramado, pelo produzido no filme Dona Flor e Seus Dois
Maridos. Em 1984, Gramado lhe agraciou novamente com a Melhor Cenografia por Noites
do Sertão (SAMPAIO, 2005).
Paralelamente, Medeiros sempre exerceu o ofício de arquiteto, projetando e
construindo, em Teresina, obras como Casa Zenon Rocha (1954) e David Cortellazzi (1968),
assim como desenhou Igara Clube e o Iate Clube, respectivamente em Parnaíba e Teresina.
Nos últimos anos de sua vida, Medeiros retirou-se para seu sítio em Miguel Pereira,
nos arrabaldes do Rio de Janeiro, vindo a falecer aos 80 anos, em 26 de março de 2003,
conforme a tese por Arthur Sampaio (2005).
O arquiteto após sua formação carioca, sua estadia durante dois anos na Europa, e
suas incursões no mundo do Teatro, do Cinema, e das artes plásticas cariocas, tem a
oportunidade de projetar em cidades de seu Estado natal, o Piauí, obras arquitetônicas que
demonstram a sensibilidade criativa do profissional, que trabalhava de forma inter e
multidisciplinar com áreas correlatas à arquitetura.
Por conseguinte, discorrer-se-á acerca das principais obras do arquiteto piauiense a
fim de que se possa apreender, de maneira mais eficaz, os impactos de seu trabalho para a
arquitetura local. Sendo assim, as obras em que se empreenderá tal análise se referem a
Casa Zenon Rocha, bem como a Casa David Cortelarzzi, uma vez que estas obras
representam bem o traço moderno imprimido pelo arquiteto.
3. Casa Zenon Rocha
Em Teresina, o advento do modernismo ocorreu posteriormente frente a outros
centros urbanos do país, mais especificamente, apenas na década de 1950. Pode–se dizer,
que a primeira construção de planta com características proeminentemente moderna em
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Teresina foi a Casa Zenon Rocha, a qual foi projetada a pedido do Dr.Zenon Rocha, médico
proveniente na região e membro da Academia Piauiense de Letra. A obra situada em lote no
centro da cidade próxima a Avenida Frei Serafim. Após o término das obras em 1954, foi
entregue uma residência com 660 m², em termos estruturais conta com o térreo onde se
situa o setor social, enquanto no fundo do terreno situa-se o setor de serviço. Sob um
aspecto detalhado, sua divisão consta com: salas de estar e jantar, varanda, quarto de
hóspede, copa, cozinha, despensa, área de serviço, quarto para empregados, três
banheiros, duas garagens e dois depósitos no pavimento térreo. No pavimento superior
onde se encontra o setor intimo da casa, há um ambiente de estar no mezanino, duas
varandas, três quartos e um depósito, além de um banheiro reversível e um pequeno
cômodo. Deste modo, o arquiteto sempre buscou soluções de arquitetura bioclimática, ao
construir “o pátio interno, ajardinado com vegetação tropical frondosa, reflete uma
preocupação paisagística que também era algo realmente novo na arquitetura brasileira,
mas já bastante exercitada nos anos anteriores” (GOMAS, 2003, p.1).
Fig.3. Casa Zenon: Plantas Baixas. Fonte: Arquivo pessoal: Arq. Arthur Sampaio.
Em relação à volumetria da edificação, a Casa Zenon possui uma particularidade,
pois apresenta exotismo na harmonia de sua composição. Vista da rua, o bloco compacto
parece ser um grande prisma cortado obliquamente, em forma de cunha, situação que o
observador percebe como dinâmica.
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Fig.4 e Fig.5. Casa Zenon Rocha: Vista de Noroeste. Fonte: Arquivo pessoal: Adv. Paulo Gustavo
Andrade.
Já o volume da área de serviço assemelha-se e contrapõem-se ao volume da área
da frente. Sua existência faz a linha da empena inflectir no encontro dos dois volumes e
formar o chamado telhado-borboleta [fig5. P8.]. Esse modelo de telhado “as águas [...] têm
os caimentos voltados para o centro, ao contrário dos telhados convencionais” (COELHO;
ODEBRECHT, 2007). Esse modelo também se caracteriza por:
a ideia de uma cobertura articulada em dois planos inclinados vertendo para uma calha central apareceu na arquitetura do Movimento Moderno em 1930, no projeto da casa Errazurris no Chile, no qual Le Corbusier incrementava a plasticidade da “composição cúbica” com dois prismas trapezoidais acoplados. A casa com um telhado invertido era algo novo, uma abstração da imagem da morada tradicional (BRUAND, 1991 apud COELHO; ODEBRECHT, 2007).
Posteriormente, esse modelo foi empregado de forma constante na linguagem
plástica de Niemeyer em diversos projetos brasileiros como na Casa Juscelino Kubitschek
em Belo Horizonte-MG, e a Casa Cavanelas que está situada na região montanhosa da
Serra dos Órgãos, no município de Petrópolis – RJ.
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Fig.6. Casa Zenon: Pátio interno. Fonte: Arquivo pessoal: Arq. Arthur Sampaio.
Dentre várias características projetuais do arquiteto, é importante enaltecer seu
detalhamento e a preocupação com o ambiente e costumes locais Frampton (1997).Outro
aspecto importante sobre as características projetuais de Anísio Medeiros, é a adequação
de seus trabalhos a clima da região, que , segundo consta no manual sobre o perfil de
Teresina (1993), disponibilizado pela Prefeitura Municipal de Teresina, o município está
localizado à margem direita do Rio Parnaíba, ao lado do município maranhense de Timon, a
05°05'12'' de latitude sul e 42°48'42'' de longitude oeste. Apresenta clima tropical e chuvoso
(megatérmico) de savana, com inverno seco e verão chuvoso, com precipitação mensal
média de 1.339 mm, temperatura do ar de 26,8ºC e umidade relativa do ar 70%. tendo
apenas duas estações climáticas, uma seca e outra chuvosa, com uma alta taxa de
insolação, necessitava de uma maior atenção às soluções climáticas, e por isso,pode-se
observar o emprego de diversas propostas em busca do conforto ambiental, como por
exemplo, a correta orientação solar das zonas espaciais, a abertura generosa de panos de
esquadrias vazadas em persianas de madeira, a utilização de “buzinotes” que permitiam a
circulação constante do ar nas fachadas, espaços internos com altos pés-direitos,
transparências e integrações espaciais, e o uso de pátios internos. Como explica Afonso:
Como elemento indispensável para o projeto da casa realizou-se estudos sobre o emprego e difusão do telhado “asa de borboleta” na arquitetura moderna brasileira, analisando a adoção por arquitetos brasileiros, que empregaram de forma constante tal solução de cobertura, resultando em formas trapezoidais de fachadas em edificações modernas. E a casa Zenon Rocha, foi o primeiro exemplar produzido na capital piauiense, que influenciou a produção de outras residências na cidade, abrindo assim, as portas para a adoção da linguagem moderna em Teresina (AFONSO, 2006, p. 78 -79).
Atualmente a Casa Zenon se encontra em perfeito estado de conservação, visto que,
a mesma foi tombada pela prefeitura municipal de Teresina. Hoje a residência serve de
referência aos alunos e futuros arquitetos, ao permitir que esses possam estabelecer uma
apreensão empírica acerca dos modos de arquitetura característicos de sua região, com
especial ressalva para o patrimônio arquitetônico.
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3.2 . Casa David Cortelazzi
Fig7.: Perspectiva da Casa David Cortelazzi. Autoria: Anísio Medeiros. Data:1968 Fonte: Arquivo
Familiar.
Em 1968, Anísio Medeiros projetou a Casa David Cortelazzi para Teresa e David
Cortelazzi, no entanto as obras só começaram em 1972. Proprietários de um hospital e
membros de uma proeminente família carioca, erradicada em Teresina, solicitaram ao
arquiteto que a casa tivesse como princípio fundamental uma arquitetura bioclimática, já que
é característica da região alcançar altas temperaturas. Cortelazzi vai especialmente ao Rio
de Janeiro, para conversar com Anísio e expor seus condicionantes ao projeto, segundo
depoimento dado pelo médico em entrevista concedida ao grupo de pesquisa.
Foi construída uma casa com cerca de 800m² com sala de estar, de jantar e de
música, varanda, piscina, dois vestiários, dois quartos de hospedes. Dois banheiros,
cozinha, despensa, depósito, dois quartos de empregados, garagem e lavanderia no térreo,
além de três suítes com vestiário, varanda e escritórios no pavimento superior, como mostra
a planta abaixo.
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Fig.8. Casa David Cortelazzi: Plata baixa. Fonte: Arquivo pessoal: Arq. Arthur Sampaio.
O terreno adquirido ocupava toda uma quadra (10m x 100m) e na época de
construção estava localizada em área afastada do centro da cidade, na região leste, próximo
ao Horto Florestal, área possuidora de uma densa massa vegetal, sem possuir energia
elétrica, nem água encanada.
Possuindo uma configuração em planta em forma de “H”, distribuída em
lâminas que se entrecruzavam, criando pátios, um dos quais foi implantada
a piscina. A solução da planta baixa apresenta uma proposta modulada,
com setorização das áreas, distribuindo a área social em uma das alas do
pavimento térreo, os serviços na outra ala, neste mesmo pavimento, e os
dormitórios, em uma lâmina com aberturas orientadas para a fachada leste,
de forma, a se beneficiar com os condicionantes climáticos (AFONSO, 2006,
p.12).
Fig.8. Casa David Cortelazzi: Vista de leste. Fig.9. Casa David Cortelazzi: Área: fundos. Fonte:
Arquivo pessoal: Arq. Arthur Sampaio.
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Analisando suas fachadas, percebe-se que a construção é permeável aos ventos,
com aberturas para várias direções, também possui aberturas dos quartos a favor da
climatização natural e o uso de madeira polida e cobogó de louça, além de terem desenhos
muitos diferentes entre si.
Conforme Sampaio (2005), diferentemente da Casa Zenon Rocha, nesse trabalho o
arquiteto Anísio, não foi o responsável pelo programa de necessidades e dos interiores, que
ficaram a cargo do também arquiteto Antônio Luiz Dutra, formado na FNA/ Faculdade
Nacional de Arquitetura do Rio de Janeiro, graduando-se em 1961, e que estava erradicado
em Teresina, desde o final dos anos 60. Esses detalhes geraram um contraste entre a
arquitetura exterior e interior na edificação.
Através de levantamento fotográfico, os materiais de revestimentos empregados
foram registrados, tais como pisos cerâmicos, pastilhas, louças coloridas, lustres com design
moderno e um rico mobiliário que decorava os espaços internos, compondo com acervo de
artistas plásticos de renome nacional.
A solução projetual moderna adotada por Anísio neste projeto foi bastante precisa,
mas, infelizmente, tal edifício foi demolido por conta de dívidas de seu antigo proprietário,
tornando assim o local num estacionamento de supermercado próximo a uma avenida
importante da região (AFONSO, 2006).
É evidente que iria contribuir de forma positiva na aprendizagem arquitetônica de
alunos e pesquisadores da área, uma vez que, permite a esses aguçarem o seu olhar
técnico e estético, na tentativa de compreender todos os fenômenos subjetivos, culturais e
sociais que perpassam no significado de uma obra arquitetônica de tal relevância.
5. Igará clube de Parnaíba
Apesar de não ser uma obra na capital do Piauí, é de interesse desse artigo falar
dessa construção, pois nela pode-se ter um entendimento mais aprofundado dos conceitos
projetuais do arquiteto, juntamente com o material já apresentado.
O “Igara Clube” está localizado na Avenida Beira-Rio, às margens do Rio Igaraçu, na
cidade de Parnaíba, região norte do Estado do Piauí. A Cidade de Parnaíba dista da capital
teresinense, 350 km e possui um clima tropical semiárido, quente com temperaturas amenas
e ventilação constante anual.
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O edifício está em contato direto com a rua, na sua concepção projetual e possível
ver mais uma vez a preocupação de Anísio em adotar critérios, tai como a estrutura a e as
soluções climáticas. A estrutura desta obra foi solucionada no bloco principal, de forma
sistemática e modulada, utilizando na parte frontal, pilares em “V” em pedra da região, com
modulação de 3m entre os vão, e pilares em troncos de carnaúba, palmeira regional de
grande resistência, que suportam os beirais.
Fig.10 e Fig11. Igará Clube: Fachada principal e Varanda pav. Superior. Fonte: Arquivo pessoal: Prof.
Arq. Alcília Afonso
Nesse projeto Anísio demostrou como é possível trabalhar conceitos modernos
juntamente com tradição, principalmente no que se refere à cultura e arquitetura vernácula
no uso de materiais locais, como a carnaúba, a pedra “cabeça de jacaré”, madeiras
regionais como o cedro e o jatobá.
Em relação ao projeto:
A planta em formato de “L” possui na primeira ala- frontal- dois pavimentos, e na ala posterior, apenas um. Esta primeira ala é coberta com um telhado único em uma água, sendo revestido com telha de cimento-amianto. A segunda, com apenas um pavimento, possui uma cobertura que funciona como um agradável terraço-jardim, que serve de mirante e área de apoio ao salão de festas (AFONSO, 2006, p 14).
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Atualmente, o edifício encontra-se em péssimas condições devido ao descaso das
autoridades para esse tipo de problema, contudo mesmo nessa situação percebe-se sua
importância para o patrimônio da cidade.
6. Relevância do Patrimônio
O conceito de Patrimônio não existe isoladamente, pode-se dizer que Patrimônio é o
conjunto de bens materiais e/ou imateriais que contam a história de um povo e sua relação
com o meio ambiente. É o legado deixado por gerações passadas e que vão ser deixadas
paras as gerações futuras (GHIRARDELLO, 2008).
A arquitetura de Anísio Medeiros é patrimônio arquitetônico do Estado do Piauí, e para tal é
importante a compreensão de sua identidade para que não se desarmonize ou
descaracterizem, e dessa forma manter vivo nas suas obras a personalidade dessa ilustre
figura. Ademais preservar é a manutenção de um bem no estado físico em que se encontra
e a desaceleração de sua degradação, visando prolongar e salvaguardar, a partir dessa
ideia fica evidente a importância do papel dos grupos de preservação do patrimônio
arquitetônico.
Cada indivíduo é parte de um todo – da sociedade e do ambiente onde vive – e constrói, com os demais, a história dessa sociedade, legando às gerações futuras, por meio dos produtos criados e das intervenções no ambiente, registros capazes de propiciar a compreensão da história humana pelas gerações futuras. A destruição dos bens herdados das gerações passadas acarreta o rompimento da corrente do conhecimento, levando-nos a repetir incessantemente experiências já vividas (GHIRARDELLO, 2008, p. 14).
A importância da preservação tem o foco, decorrente da necessária consciência de
diminuirmos o impacto sobre o ambiente e a proteção do patrimônio histórico.
7. Conclusão
Este trabalho objetivou analisar e ressaltar a importância do patrimônio deixado por
Anísio Medeiros no exercício de sua profissão em Teresina-Piaui. Suas obras servem de
referência aos estudantes e pesquisadores de arquitetura no Estado, não só por ter sido o
pioneiro em adotar arquitetura moderna na região, mas por ter se especializado em práticas
projetuais levando em conta principalmente a estrutura e as condições climáticas do local.
Foi original também ao renovar a concepção local de residência, atribuindo a ela
ambientes, características e soluções até então desconhecidas e ao propor soluções da
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arquitetura vernácula incorporando-as aos conceitos do moderno, criou uma nova
concepção de arquitetura piauiense.
Porém o resultado obtido da pesquisa de campo acena para o imperativo de se
preservar essas obras, tendo em vista que a Casa David Cortelazzi já foi demolida e o Igara
clube se encontra abandonado e esquecido, às margens de uma das principais vias
turísticas da cidade de Parnaíba. Não temos visto ações mais enérgicas e necessárias a
serem imediatamente tomadas pelos órgãos responsáveis pela preservação do patrimônio
histórico no Estado.
Ainda existe muito material a ser estudado pelos pesquisadores no estado sobre
arquitetura. E sobre Anísio, falta investigar o que ele contribuiu na arquitetura de outras
cidades brasileiras. Mas o objetivo desse artigo foi evidenciar trabalho deste importante
personagem da história da arquitetura moderna brasileira e continuar os estudos sobre o
mesmo, trazendo novas contribuições à pesquisa sobre a modernidade nacional.
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