articulaÇÕes entre teorias de aprendizagem e...
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ISSN 2176-1396
ARTICULAÇÕES ENTRE TEORIAS DE APRENDIZAGEM E SUA
MEDIAÇÃO VIA OBJETOS EDUCACIONAIS
Nestor Cortez Saavedra Filho1 - UTFPR
Grupo de Trabalho – Comunicação e Tecnologia
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
As Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) sempre são apontadas como parte da
panaceia da Educação neste início de Século. Sua utilização, contudo, vem sendo articulada já
há algumas décadas, o que faz por colocar em dúvida a sua eficácia real no processo
educacional. Uma análise mais criteriosa é capaz de estabelecer que, apesar de estar em rumo
para tornar-se pervasiva, a falta de articulação com a formação de professores nos cursos de
Licenciatura, a ausência de diálogos entre agências de fomento, gestores da Educação nas
diversas esferas públicas e a realidade escolar, mais próxima dos gestores, alunos e
professores, termina por tornar grande parte deste esforço em vão. Em nossa análise, o cerne
do problema está no próprio significado de Tecnologia, que frequentemente, nestas
iniciativas, é reduzida meramente à Técnica. No tocante à formação do professor,
metodologias de utilização das TIC via Objetos Educacionais necessitam estar articuladas
com Teorias de Ensino e Aprendizagem, articulações estas raramente vistas nas matrizes
curriculares de cursos de Licenciatura. Outro aspecto a ser desmistificado é não ser necessária
uma “nova Teoria” que incorpore as TIC: a própria tríade de Gowin já as incorpora, nos
materiais educativos, os que a coloca na posição de instrumentos de mediação no
compartilhamento de significados. Políticas de disponibilização das TIC para professores e
alunos também devem refletir estes aspectos. Diante deste pressuposto, nossa proposta é que
os materiais educativos nas quais se incluem as TIC, sejam disponibilizados à comunidade na
forma de Recursos Educacionais Abertos, que permitem que o professor torne-se um agente
ativo tanto na concepção dos Objetos Educacionais em si, bem como de uma metodologia de
ensino e aprendizagem em que a sua inclusão dialogue com realidades e contextos escolares.
Palavras-chave: Objetos Educacionais. Recursos Educacionais Abertos. Repositórios de
Acesso Aberto. Vídeos Educacionais.
Introdução
1 Doutor em Física – Universidade de São Paulo. ProfessorAdjunto da Universidade Tecnológica Federal do
Paraná (UTFPR), Campus Curitiba. Pesquisador no Programa de Pós-Graduação em Formação Científica,
Educacional e Tecnológica (PPGFCET). E-mail: [email protected].
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As tecnologias de informação tem tomado parte do nosso cotidiano de forma
indelével, ao se prestar a tarefas corriqueiras, de modo que soaria estranho e pouco prático,
nos dias atuais, abrirmos mão das mesmas. Há vários novos hábitos que passamos a cultivar
por conta da introdução destas tecnologias, o que leva-nos a refletir sobre o seu papel
transformador na sociedade contemporânea.De fato, as Tecnologias de Informação
sãopervasivas em nossa sociedade, e, ao mesmo tempo que a modifica, revendo relações
sociais (LIMA FILHO; QUELUZ, 2005, p. 20), por ela também é modificada.
Como a Educação é parte indissociável das relações sociais, é natural a aplicação de
tais tecnologias no processo educativo. Contudo, em vários aspectos, a sala de aula em nossos
dias repete aquelas da primeira metade do século passado, antes da revolução digital
proporcionada pela microeletrônica após a Segunda Guerra Mundial (ALMEIDA, 2012).
Não há, de modo geral, uso de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), por
falta uma mediação dialógica pelos professores, o que termina por produzir a “Educação
Bancária”, à qual Paulo Freire (2005) sempre se referiu.
Iniciativas, na esfera pública, não têm faltado. Na figura 1, nem tão recente, datada do
início de 2012, ainda hoje tem ares mais de sonho do que realidade, no tocante ao seu impacto
na realidade escolar.
Figura 1: Iniciativa do MEC quanto à inclusão digital dos professores da Educação Básica.
Fonte:http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=17479:ministerio-distribuira-tablets-a-professores-do-ensino-medio&catid=215. Acesso em 13/08/15.
Não se pode negar a falta de empenho financeiro do Ministério da Educação no caso
relatado acima e todos os envolvidos na Escola reconhecem a importância da mediação
proporcionada pelas TIC nos processos de ensino-aprendizagem. Cabe aqui a reflexão: o que
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faz que o seu uso não seja amplamente difundido, implantado e que, portanto, não contribua
para mudar, de modo efetivo, a Educação brasileira? Esta pergunta é passível de resposta
desde que outras surjam pelo caminho, como por exemplo:
- Há inserções, na formação inicial ou continuada de professores, da utilização de TIC
em metodologias de ensino e aprendizagem?
- Como e por que atores são concebidos os Objetos Educacionais disponibilizados ao
professor?
- Estes Objetos Educacionais dialogam com a realidade escolar em que se insere o
processo educacional?
Diante destas reflexões tentaremos encontrar respostas tanto para estas questões
pontuais como a principal, que age como provocadora para este trabalho.
Qual o significado da Tecnologia para a Educação?
Uma perspectiva sob a qual se submete as TIC na escola é anterior às mesmas, vem do
próprio conceito de Tecnologia e Técnica. Sombreamentos entre estes dois conceitos distintos
permeiam desde as políticas públicas como as iniciativas docentes, onde frequentemente, são
utilizados como sinônimos. Cabe, então, uma reflexão sobre ambos.
Técnica é o procedimento ou conjunto de procedimentos que tem como objetivo um
determinado resultado. Está ligada às habilidades, portanto, é relacionada aos artesãos e não
aos cientistas. Segundo Vargas (2003, p. 179),“A técnica é tão antiga quanto à humanidade.
Há mesmo a ideia, entre os antropólogos, que o que distinguiria os restos fossilizados de um
homem de um homídeo, seria a presença, junto ao primeiro, dos instrumentos por ele
fabricados”.
Já a Tecnologia envolve não apenas a técnica, mas a união desta com o conhecimento
científico, que termina por modificar e gerar processos e materiais. A intersecção entre técnica
e ciência, segundo Vargas (1990), também é fruto de processos históricos:
No início do século XVII, dois fatos cooperaram para o aparecimento da tecnologia
como uma aproximação da técnica com a ciência moderna. O primeiro foi o
aparecimento, na Europa, de uma crença de que tudo que pudesse ser feito pelo
homem poderia sê-lo por intermédio de conhecimentos científicos. O segundo foi
que a ciência experimental exigia, para seus experimentos, instrumentos de medida
precisos que teriam que ser fabricados ou por cientistas com dotes artesanais ou por artesãos, informados pelas teorias científicas. Essa, sem dúvida, foi a origem da
tecnologia como utilização das teorias científicas na solução dos problemas técnicos.
(VARGAS, 1990, p. 03).
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Desta forma, a tecnologia, no seu sentido moderno, é definida como a união entre o
saber técnico e o saber científico. (MIRANDA, 2002).
No entanto, em uma perspectiva crítica, a ciência e a tecnologia não são processos
autônomos e neutros, que determinam as mudanças sociais e a realidade por si só. Ao
contrário, são processos sociais que refletem interesses políticos, econômicos e culturais.
Lima Filho;Queluz (2005) fazem esta relação entre o social e o técnico a partir da seguinte
reflexão:
A ciência e a tecnologia são, portanto, construções sociais complexas, forças
intelectuais e materiais do processo de produção e reprodução social. Como processo social, participam e condicionam as mediações sociais, porém não
determinam por si só a realidade, não são autônomas, nem neutras e nem somente
experimentos, técnicas, artefatos ou máquinas, constituem-se na interação ação-
reflexão-ação de práticas, saberes e conhecimentos: são, portanto, trabalho, relações
sociais objetivadas. (LIMA FILHO; QUELUZ, 2005, p. 20).
Uma visão sem esta criticidade, ao considerar a Ciência e a Tecnologia neutras,
autodeterminadas por regras próprias e que, as mudanças na sociedade são determinadas pelas
mudanças tecnológicas é chamada de Determinismo Tecnológico. A crítica a este
posicionamento determinista propõe a reflexão em que “a tese da tecnologia autônoma
defende, portanto, uma relação unidirecional entre tecnologia e sociedade. Considera-se que
os desenvolvimentos tecnológicos influenciam significativamente na ordem social, enquanto a
tecnologia se mostra impermeável à influência de fatores sociais”(AIBAR, 1996, p. 144).
Percebe-se, dentro da perspectiva “redentora” das TIC no processo de ensino-
aprendizagem, como uma visão fruto do Determinismo Tecnológico. Releva-se as
considerações de que ciência e tecnologia, por serem frutos do pensamento humano, carregam
em si os aspectos sociais, culturais, influenciados por fatores políticos e acadêmicos. Isto
termina por determinar a sua inserção na Educação sem considerar o contexto nas quais serão
apropriadas e utilizadas. Educação sem contexto é a Educação que, de forma definitiva, não
produzirá sujeitos que possam agir de forma a tornar a sociedade partícipe atuante das
decisões acerca do uso da tecnologia.
Para concluir este pensamento, é válida a reflexão do filósofo brasileiro Álvaro Vieira
Pinto, ao definir que:
O primado da tecnologia sobre o homem resume o dogma fundamental do credo tecnocrata. Elimina os problemas concretos existenciais, sociais, surgidos do exame
das relações entre o ser humano e a tecnologia, substituindo-os por estados
emocionais de vituperação ou de esperança. Já mostramos o que há de simplista e
inoperante neste modo de pensar (VIEIRA PINTO, 2005, p. 236).
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É com frequência que políticas públicas ignoram as componentes macro das relações
sociais, como aspectos culturais intrínsecos, ao imporem a utilização das TIC, por vezes com
pacotes de materiais educativos comprados “prontos”. Aspectos mais particulares, que
dialogam diretamente com os diferentes contextos de sala de aula em nosso país, são
subitamente ignorados. Deste modo, por não resultar de uma reflexão da sociedade e da
escola sobre quais as suas necessidades para efetividade do ensino e aprendizagem, qual a
herança cultural que perpassa a formação dos seus professores e quais os contextos sociais e
culturais dos seus alunos, tem-se como consequência a redução da Tecnologia à Técnica, ou
seja, a exploração puramente instrucional de artefatos como os tablets da iniciativa citada na
Figura 1.
A Inserção das TIC no Processo de Ensino e Aprendizagem
O questionamento da seção anterior, do porquê de, na segunda década do Século XXI
ainda estarmos questionando aspectos de pertinência ou eficácia das TIC no processo de
ensino e aprendizagem para, também, por aspectos de formação inicial ou continuada do
professor. Almeida (2012) coloca o posicionamento destes professores com premissa às
discussões acerca de tecnologia no processo educativo:
Na verdade todos aqueles que trabalham em Educação guardam uma opinião sobre
as conveniências ou sobre o absurdo político e econômico que sua implementação
traz. Alguns têm muitas dúvidas. Nem podem imaginar o que se pode fazer com o
computador dentro da escola. Entre estes há os que, contra ou a favor, pouco imaginam o que um aluno fará com este objeto de tão moderna tecnologia.
(ALMEIDA, 2012, p. 27)
A formação do professor passa também pelos referenciais teóricos de ensino e
aprendizagem, que concatenam-se ao redor das chamadas “Teorias de Aprendizagem”. Por
serem frutos da investigação científica sobre o ato de aprender, como tais, encontram-se
permeadas de fatores sociais e culturais. Deste modo, fecha-se uma argumentação: as TIC,
como tecnologias, precisam ser discutidas e apropriadas pelo grupo (professores, gestores
escolares, alunos) que dela irão fazer uso, para que os próprios aspectos culturais e sociais
deste grupo sedimentem a aplicação das mesmas. Por outro lado, a mediação do
conhecimento feita pelo professor no espaço escolar não deve ser feita de forma voluntariosa
e sim lastreadas por um referencial de ensino-aprendizagem. Logo, fazer o diálogo entre
tecnologia de informação e teorias de aprendizagem é circular ao redor das necessidades,
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características e aspirações do grupo social que delas irá se apropriar na escola. Souza e
colaboradores problematizam esta pertinência:
É fundamental que a utilização de dos meios tecnológicos-educativos (MTC) venha proporcionar avanços significativos no processo de ensino-aprendizagem. Esta deve
ser a base da pauta das nossas discussões como educadores. Portanto, é válido que
nos preocupemos, cada vez mais, com estratégias didáticas-metodológicas que
colaborem com o processo educacional, valorizando nosso ensino. Há consenso de
que os MTC atuais permitem ampliar nosso conceito de sala de aula, de espaço e
tempo, estabelecendo novos significados para o estar junto fisicamente e
virtualmente. Não basta ter o computador na escola. É preciso que tenhamos
propostas e critérios para a sua utilização, professores que as conheçam, interessem-
se em criar as suas e saibam o que fazer com estes meios tecnológicos. (SOUZA et
al, 2001, p. 4)
Faz-se necessário exemplificar como tal integração epistemológica pode ser feita.
Partimos do conceito de Zona Proximal de Desenvolvimento (ZDP), de Lev Vygotsky .
Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, determinado através da
solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial,
determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em
colaboração com companheiros mais capazes. (VYGOTSKY, 1978, p. 86, tradução
do autor)
Deste modo, é necessária a mediação do professor ou dos pares (colegas na sala de
aula) para que o processo de ensino-aprendizagem tenha lugar em Vygotsky. É justamente
nesta mediação onde encaixam-se as TIC. Como auxiliares e complementares à metodologia
traçada pelo educador, permite que os estudantes aproximem estes dois limiares da ZDP,
fazendo com haja uma facilitação na aquisição e formação de novos conceitos por parte dos
estudantes. Desta forma, a utilização, por exemplo, de vídeos, softwares educativos,
ambientes virtuais de aprendizagem e produção colaborativa de conhecimentos (DE
BASTOS, 2012) passam a ter um papel importante na negociação de conhecimentos mediada
pelo professor. Aqui reside o caráter prepoderante da formação e apropriação das TIC pelo
professor em sua metodologia (SOUZA et al, 2001).
É importante também que não se coloque as TIC como um caso à parte no processo de
ensino-aprendizagem, já que dela, como pudemos ver, espera-se papel fundamental na
negociação e compartilhamento de significados, como pode ser visualizado na Figura 2, que
espelha a Tríade de Gowin, (MOREIRA, 2011).
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Figura 2: A Tríade de Gowin
Fonte:N. Studart (2014)
As TIC fazem parte do conjunto dos materiais educativos e, portanto, estão
intrinsecamente inseridas no panorama proposto por Gowin. Deste modo, faz-se necessária
uma alfabetização científica e tecnológica de alunos e professores, para que o
compartilhamento de significados e construção de conceitos seja potencializados pela
mediação das TIC.
Desta forma, quando se parte para traçar estratégias e metodologias, não deve-se
perguntar “qual é o referencial teórico para que eu faça uso das TIC”, porque simplesmente
não há o mesmo. O que temos são a inserção das TIC como facilitadoras de metodologias
derivadas de Teorias de Aprendizagem e parte integrante do processo de ensino-
aprendizagem. Deste modo, a fluência dos atores envolvidos nos processos educativos em sua
concepção, utilização e disponibilização é condição inicial para a elaboração de novas e atuais
metodologias na sala de aula.
Como Professores e Alunos podem apropriar-se das TIC?
De tudo que foi exposto até o momento, é latente a apropriação por parte da
comunidade escolar (gestores, professores e alunos) das TIC. Há dois aspectos envolvidos,
em primeira ordem. O primeiro é que, para que as TIC se articulem com metodologias
baseadas em Teorias de Aprendizagem, é necessária a sua inclusão já na formação inicial do
professor, o que termina por impor uma necessidade de atualização dos currículos das
Licenciaturas (ou dos Mestrados Profissionais em Ensino/Educação, no caso da formação
continuada), não apenas com a inclusão de uma “disciplina instrumental de informática”, mas
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com que grande parte das disciplinas da matriz curricular dialoguem com as TIC, seja em suas
ementas, seja em suas execuções. O segundo aspecto é que, em tendo esta alfabetização nas
TIC já em sua formação inicial, não torna o professor capaz de elaborar, por exemplo, vídeos,
softwares educacionais e simuladores digitais, dentre outros. Seria irreal exigir que o
professor também se torne um produtor de vídeos, programador, webdesigner ou outras
habilidades e competências do tipo. Por outro lado, é possível a utilização de OE já
disponibilizados pela comunidade e que, melhor, sejam passíveis de customizações ao
contexto onde professor e alunos se encontram. Estas customizações envolvem aspectos como
de licenciamento e propriedade intelectual, que devam permitir que sejam levadas a cabo. Ou
seja, estamos entrando na seara dos Recursos Educacionais Abertos (REA), que são definidos
a partir da reunião da Unesco em junho de 2012 em Paris, que teve como produto a
Declaração REA de Paris em 2012:
Os materiais de ensino, aprendizagem e investigação em quaisquer suportes, digitais
ou outros, que se situem no domínio público ou que tenham sido divulgados sob
licença aberta que permite acesso, uso, adaptação e redistribuição gratuitos por
terceiros, mediante nenhuma restrição ou poucas restrições. O licenciamento aberto é construído no âmbito da estrutura existente dos direitos de propriedade intelectual,
tais como se encontram definidos por convenções internacionais pertinentes, e
respeita a autoria da obra. (UNESCO, 2012, p. 1)
A figura 3 ilustra a política de uso, reuso, compartilhamento e troca de experiências na
utilização dos Recursos Educacionais Abertos. Da mesma forma que, por exemplo, o
Software Livre não é sinônimo de “grátis”, os mesmo ocorre com os REA. O “Aberto” aqui
significa estar aberto para trocas de experiências baseadas no remixes que os mesmos
permitem.
Figura 3:Política de utilização em comunidade dos REA
Fonte: WikimediaCommons.
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Deste modo, ao partir para a adaptação e remixagem, o professor e seus colaboradores,
podem adequar ao contexto da escola de forma definitiva, contexto este que leva em
consideração aspectos da “pedagogia social” de Vygotsky (1978). Se partirmos de uma
prática colaborativa na construção de OE bem como a sua metodologia de inserção no
processo de ensino-aprendizagem, fica muito mais fácil, sendo licenciado como REA a
adequação às Teorias de Aprendizagem que fazem parte do processo educativo.
Ince e colaboradores (2012) vão além e argumentam que, a utilização de tecnologias
digitais no processo educativo só faz sentido caso o código fonte dos programas utilizados
como suporte as TIC sejam abertos e disponibilizados à toda comunidade. Segundo eles,
sociedades científicas e departamentos de pesquisa básica e aplicada em ciências deveriam
expandir suas atividades educacionais, entre elas o provimento de programas de acesso aberto
para obtenção e tratamento de dados experimentais. Um argumento levantado por este grupo é
que, além das dificuldades educativas, a própria comunicação científica sai prejudicada, pois
as possibilidades de reprodutibilidade de resultados científicos são limitadas, já que os
programas majoritariamente utilizados para isto são proprietários, ou seja, de código fechado,
o que impede a todos os pesquisadores estarem certos dos seus dados estarem sendo tratados
sobre a mesma base comum.
Onde encontrar os REA? Já que são abertos, o que garante que eventuais remixagens o
façam em detrimento da qualidade? Para que estas questões não impeçam que o professor
inclua as TIC em formato REA nas suas estratégias de ensino, a obtenção de REA em
repositórios de acesso público é fundamental, seja pela credibilidade, seja pelo
compartilhamento que o próprio professor fará do material por ele remixado (SANTOS,
2012). Os repositórios diferenciam-se de sítios ou portais por possuírem, além de uma política
de publicação e disponibilização de REA, uma base comum de metadados, o que permite a
pesquisa cruzada em diversos repositórios pelo mesmo conjunto de termos. Em nosso país,
além dos repositórios das Universidades públicas, podemos destacar iniciativas do Ministério
da Educação como o Portal do Professor e o Banco Internacional de Objetos Educacionais.
Santos e colaboradores (2012), no Compêndio de Recursos Educacionais Abertos, elencam e
discutem uma série de repositórios de acesso aberto e iniciativas de disseminação dos REA.
Fora do Brasil, uma série de iniciativas, até mais tradicionais, vem sendo utilizadas.
No caso do Ensino de Física, o sítio Open SourcePhysics (OSP) destaca-se por ser o de maior
número de OEs disponíveis, além de todos serem licenciados de modo aberto. Na figura 4
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temos um aspecto deste portal, com destaque para os OEs mais procurados no período de
acesso.
Figura 4: Aspecto do site Open Source Physics
Fonte: <http://www.compadre.org/osp/> Acesso em 14/08/2015
Um dos OEs mais populares e difundidos é o software de videoanáliseTracker
(BROWN; COX, 2009), que utiliza vídeos de movimentos feitos pelos próprios alunos, em
máquinas digitais simples ou até mesmo vídeo de aparelhos de telefonia celular para estudar
características quantitativas de um movimento. A figura 5 mostra um aspecto da interface do
Tracker, onde é visto o movimento de uma miniatura de carro executando uma trajetória
parabólica. Os pontos em verde tem as suas coordenadas espaciais em cada instante de tempo
expostas no lado direito da tela. Estes dados podem ser exportados para uma planilha de
tratamento de dados, onde o professor pode, com os alunos, extrair e estudar aspectos do
movimento em questão.
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Figura 5: Aspecto da interface do software Tracker.
Fonte: Autor
Bezerra Jr e colaboradores (2012) descrevem em seu trabalho um tutorial passo a
passo para a utilização do Tracker em escolas do Ensino Médio, para estudar Cinemática e
também os movimentos sob a Segunda Lei de Newton. A estruturação de aulas pode ser feita
com base na Teoria de Aprendizagem que o professor julgar mais adequada ao estudo. Os
próprios movimentos e situações escolhidas também permitem que o contexto seja
intimamente levado em consideração. O envolvimento dos próprios estudantes na filmagem
de um experimento que eles mesmo participam da concepção agrega muito em motivação,
participação de todos na atividade e, ao ver a evolução das grandezas físicas e o seu
tratamento em tempo real, faz com que o estudo de um tópico intrinsecamente dinâmico (o
movimento em si) seja feito não mais de forma estática, com uma abordagem puramente
matemática em gráficos e equações.
Deste modo, as possibilidades abertas pelo compartilhamento de conhecimento e
objetos educacionais pelos REA ajuda os professores a transpor a barreira do conhecimento
técnico necessário à elaboração dos seus materiais educativos mediados pelas TIC. Por outro
lado, a customização dos REA permite a concepção e customização dos mesmos de forma a
dialogar com o contexto escolar onde estarão inseridos (EDUCAÇÃO ABERTA, 2011).
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Conclusões
Embora os exemplos de inserção das TIC no processo educativo sejam abundantes,
sua eficácia em promover melhorias no processo de ensino e aprendizagem ainda carece das
mesma fartura de exemplos. Não se pode negar que haja investimentos públicos, mas, por
vezes, privilegia-se apenas a componente técnica destas tecnologias de informação, o que as
despe do caráter de “tecnologia”, já que esta influencia e também é influenciada pela
sociedade. Deste modo, a utilização de tecnologias, com toda a bagagem social que carrega,
na Educação, que também é outra componente fundamental dos contextos culturais, sociais e
econômicos de uma sociedade, não pode ser feita sem a superposição destes contextos e
relevância do papel dos atores da comunidade escolar, gestores, professores e estudantes.
Uma direção a ser trilhada é a alfabetização científica dos professores em sua
formação, seja inicial (licenciaturas) ou continuada (mestrados profissionais, por exemplo).
Neste caso, a concepção, desenvolvimento de metodologias de mediação do conhecimento
devem ser articuladas em diversas disciplinas da matriz curricular destes cursos e não apenas
de forma isolada do contexto geral. Outro movimento é no sentido de, no desenvolvimento de
metodologias de ensino e aprendizagem, inserir as TIC, como na tríade de Gowin, nos
Materiais Educativos e como mediadoras de significados.
Para facilitar a apropriação das TIC pelos professores, a proposta é a sua inserção na
comunidade dos Recursos Educacionais Abertos, onde a customização de objetos
educacionais ao contexto escolar e imersos em uma metodologia repleta de significados para
professores e alunos, permita o compartilhamento não do Objeto Educacional (OE) em si,
mas também das experiências desenvolvidas em sua concepção, aplicação e validação.
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