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Artigo nº 04: Fiscalização de tráfego e princípios administrativos: análise acerca da inconstitucionalidade do artigo 7º da Resolução nº 396/11 do CONTRAN Autor: José Eduardo Figueiredo de Andrade MartinsTRANSCRIPT
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Fiscalização de tráfego e princípios administrativos: análise acerca da
inconstitucionalidade do artigo 7º da Resolução nº 396/11 do
CONTRAN
Artigo nº 04
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No clima festivo de fim de ano, o Poder Executivo, através do Conselho
Nacional de Trânsito – CONTRAN, resolveu dar um “presente” a todos os
administrados – principalmente aqueles que aproveitam esta época do ano para viajar
– editando a Resolução nº 396/11, de 13 de dezembro de 2011. Trata-se de nova
regulamentação ao Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/97), dispondo sobre os
requisitos mínimos para a fiscalização da velocidade de veículos automotores,
reboques e semireboques1.
Antes de iniciar a análise da resolução propriamente dita, é preciso sedimentar
alguns conceitos. A fiscalização de tráfego pela Administração Pública nada mais é do
que um desdobramento de seu poder de polícia. E o que isso significa? Significa que a
Administração Pública possui a prerrogativa de delinear e restringir a liberdade e a
propriedade dos cidadãos em nome do interesse público e social2. Tal prerrogativa
advém da supremacia geral3 da Administração Pública que vincula a conduta de todos
a ela submetidos.
O Código Tributário Nacional, ao tratar das taxas, espécie de tributo
diretamente ligada à atividade de polícia administrativa, traz uma boa definição de
poder de polícia em seu artigo 78:
Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública
que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a
prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público
concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da
produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas
dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade
pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.
Este poder, entretanto, não é ilimitado. Encontra barreira no interesse da
Administração Pública de impor limitação ao exercício da liberdade e dos poderes
inerentes à propriedade em benefício do interesse público e social e da observância
1 A Resolução pode ser conferida no seguinte link:http://www.denatran.gov.br/download/Resolucoes/RESOLUCAO_CONTRAN_396_11.pdf 2
Semelhante definição é encontrada na doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de direito
administrativo. 25ª ed. São Paulo: Malheiros. p. 809) e Diógenes Gasparini (Direito Administrativo. 15ºed. São Paulo: Saraiva. p. 179).3
Também chamada por alguns autores, como Diógenes Gasparini, de vínculo geral.
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dos direitos e garantias legais e constitucionais assegurados aos administrados. É, em
termos simples, o binômio composto pela necessidade (interesse) e possibilidade.
Caso contrário, isto é, inexistindo real e legal interesse da Administração Pública em
exercer seu poder de polícia ou havendo direito e garantia do administrado que
impeça esta atuação, fica configurado o abuso de autoridade4.
Na teoria, o equilíbrio destes fatores é o ideal para o correto exercício do poder
de polícia, embora em muitos casos concretos chegar a um denominador comum seja
difícil ou até impossível. Para tanto, o operador do direito deve se socorrer do
princípio da proporcionalidade5, previsto implicitamente no texto constitucional pela
combinação dos artigos 37, 5º, II e 84, IV e explicitamente na Lei nº 9.784/99 no artigo
2º. Nos ensinamentos de Fernanda Marinela, a Administração Pública jamais deve
aplicar
meios mais enérgicos que os necessários à obtenção do resultado
pretendido pela lei, sob pena de vício que acarretará a invalidação do ato
sob a responsabilidade da Administração.
Exige-se proporcionalidade entre a medida adotada e a finalidade legal a ser
atingida, bem como a proporcionalidade entre a intensidade e a extensão da
medida aplicada, além da exigência de ser a medida eficiente6.
Sem a intenção de esgotar o assunto e traçando linhas gerais7, o crivo da
proporcionalidade deve se pautar pelos critérios da adequação, necessidade e
proporcionalidade em sentido estrito. Para ser aprovada pelo critério da adequação, a
4 Este, que é gênero, pode se dar tanto como um desvio de poder (ou de finalidade) como um excessode poder.5 Alguns autores, como Hely Lopes Meirelles e Maria Sylvia Zanella Di Pietro entendem que referidoprincípio se encontra contido no princípio da razoabilidade, já que este veda os excessos daAdministração Pública, enquanto que o da proporcionalidade busca o equilíbrio. Trato neste artigoambos princípios como sinônimos, pois um remete ao outro e além disso, por zelo às nomenclaturas jáconsagradas, o princípio da proporcionalidade é estudado muito mais a fundo pelos constitucionalistas.6 MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 4ª ed. Niterói: Impetus. p. 207-208.7 Para um maior aprofundamento, indico as obras de Gilmar Ferreira Mendes (Direitos Fundamentais econtrole de constitucionalidade), Humberto D’Ávila (Teoria dos Princípios), Luiz Guilherme Arcaro Conci(Colisões de direitos fundamentais nas relações jurídicas travadas entre particulares e a regra da
proporcionalidade: potencialidades e limites da sua utilização a partir da análise de dois casos), RobertAlexy (Teoria dos direitos fundamentais), Virgílio Afonso da Silva (Direitos Fundamentais conteúdoessencial, restrições e eficácia; O proporcional e o razoável), entre outros.
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“medida deve ter como objetivo um fim constitucionalmente legítimo, que, em geral, é
a realização de outro direito fundamental8”. É a verificação inicial e singela se a medida
adotada fomenta o fim almejado. Se for adequada, passa-se ao segundo critério: o da
necessidade. Quanto a este, é preciso verificar se o fim almejado não pode ser
alcançado por medida menos gravosa, isto é, que limite menos o direito fundamental
atingido por ela. Sendo a medida necessária, passa-se ao último critério: o da
proporcionalidade em sentido estrito. Este último verifica se pelo sopesamento entre
os direitos envolvidos não houve uma exagerada limitação a um dos direitos,
injustificável tendo em vista o objetivo perseguido pela medida.
Dessa forma, o ato administrativo fundado no exercício do poder de polícia
deve se pautar pelo equilíbrio entre os interesses da Administração Pública e a
possibilidade de restrição aos direitos dos administrados. Havendo desrespeito a esta
proporção, o ato se torna arbitrário, de possível responsabilização objetiva da
Administração Pública no caso de haver dano ao administrado, nos termos do artigo
37, parágrafo 6º da Constituição Federal.
E se tratando de um princípio, é possível reconhecer que a sua inobservância
traz conseqüências jurídicas? Atualmente é amplamente reconhecida a força
normativa dos princípios, pois sua violação gera uma ofensa a todo o sistema jurídico,
sendo “a forma mais grave de ilegalidade ou inconstitucionalidade”, gerando uma
“corrosão de sua estrutura mestra9”.
Frisadas essas premissas, é possível iniciar a análise da Resolução nº 396/11. O
que torna esta resolução tão especial é a redação dada ao artigo 7º, verbis:
Art. 7º Em trechos de estradas e rodovias onde não houver placa R-19
poderá ser realizada a fiscalização com medidores de velocidade dos tipos
móvel, estático ou portátil, desde que observados os limites de velocidade
estabelecidos no § 1º do art. 61 do CTB.
§ 1º Ocorrendo a fiscalização na forma prevista no caput, quando utilizado o
medidor do tipo portátil ou móvel, a ausência da sinalização deverá ser
informada no campo “observações” do auto de infração.
8
SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2º ed. SãoPaulo: Malheiros, 2010. 9
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 25ª ed. São Paulo: Malheiros. p. 53.
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§ 2º Para cumprimento do disposto no caput, a operação do equipamento
deverá estar visível aos condutores.
Note o absurdo: os órgãos de fiscalização poderão realizá-la através de
medidos de velocidade (radares eletrônicos) sem a devida sinalização indicando a
velocidade máxima (placa R-1910) na via! E a regulamentação ainda tem uma ponta de
sadismo, pois no auto de infração (a famosa “cartinha” com a multa) será informado
que o exercício do poder de polícia se deu sem prévia sinalização! Em outras palavras,a Administração Pública quer que o administrado tenha certeza que foi pego
desprevenido.
Estar o equipamento de fiscalização visível não é desculpa de aviso prévio de
fiscalização. É surpreender o condutor do veículo com uma iminente, quase
instantânea, fiscalização. E o que isso ocasiona? As famosas e infelizes brecadas
bruscas que notoriamente causam graves acidentes para impedir uma multa
indesejada. Acidentes que contraditoriamente referida resolução busca prevenir.
Não há falar, ainda, em prévia ciência do condutor da velocidade máximapermitida em cada via, em observância ao artigo 61 do Código de Trânsito Brasileiro.
Além daqueles que trabalham ou estudam o assunto, duvido existir alguém que saiba
de cabeça cada uma das velocidades máximas. E mais: saber identificar com precisão,
em todos os casos, o que são vias arteriais, coletoras, etc., principalmente por conta
do estado de conservação das vias rodoviárias brasileiras!
Se até o Direito Penal, aplicável em ultima ratio, permite uma excludente de
culpabilidade pela ignorância de norma penal, por que as regras de trânsito seriam
tratadas com maior rigor? Igualmente, qual o motivo de maior rigor neste caso se nemmesmo o magistrado é obrigado a saber leis municipais, estaduais, estrangeiras ou
consuetudinárias, tendo a parte que a alegar o ônus probatório de juntá-la ao processo
se assim aquele determinar, conforme o artigo 337 do Código de Processo Civil? É a
incoerência própria daqueles que enxergam o ordenamento jurídico em tiras.
Utilizando os critérios da proporcionalidade supracitados, nota-se que a medida
é desnecessária, pois existe meio muito menos gravoso para atingir o fim almejado,
que é a proteção da vida e da incolumidade física dos condutores. E muito mais
10 Todas as placas podem ser visualizadas no Manual Brasileiro de Sinalização de Trânsito, disponível noseguinte link : http://www.denatran.gov.br/publicacoes/download/MANUAL_VOL_I.pdf
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simples: a instalação de sinalização prévia indicando a existência de equipamento de
fiscalização eletrônica metros à frente. Em se tratando de medidores do tipo móvel,
estático ou portátil, a sinalização sequer precisa ser das melhores, pois a princípio se
entende que o radar eletrônico não ficará por muito tempo naquela posição11.
Outro importante princípio administrativo está sendo violado com essa
resolução: a moralidade administrativa. Previsto expressamente no artigo 37 caput da
Constituição Federal, o princípio da moralidade administrativa, apesar de não possuir
conteúdo fechado, é imprescindível para nortear a conduta dos órgãos da
Administração Pública.
A moralidade administrativa obriga que os agentes da Administração Pública
atuem em consonância com os princípios éticos, relacionando-se com as idéias de
lealdade, boa-fé, honestidade e de bom administrador. Evidenciam a importância da
moralidade administrativa mecanismos como a lei de improbidade administrativa (Lei
nº 8.429/92), a lei de responsabilidade fiscal (Lei Complementar nº 101/00), dentre
outros.
Ora, surpreender o administrado com uma multa é agir com lealdade? Sofrer oexercício de um poder de polícia sem informar previamente como o administrado
deveria agir naquela determinada situação é demonstração de honestidade? A
resposta parece ser negativa para ambos os questionamentos.
A disposição atual é tão controvertida que na anterior Resolução nº 214/0612
era expressa a obrigatoriedade de sinalização vertical (placas com informações
ostensivas da fiscalização eletrônica e limite de velocidade). Tal obrigatoriedade só foi
revogada na atual Resolução nº 396/11 por sugestão da Polícia Rodoviária Federal,
porque “a obrigatoriedade das placas de aviso atrapalha o uso de radares nasrodovias13”.
11A própria resolução define o que são em seu artigo 1º. O do tipo móvel é aquele instalado em veículo
em movimento, procedendo a medição ao longo da via. O do tipo estático é aquele com registro deimagens instalado em veículo parado ou em suporte apropriado. O do tipo portátil é aquele direcionadomanualmente para o veículo alvo. Todos muito diferentes do tipo fixo, único que possui registro deimagens instalado em local definido e em caráter permanente.12
A Resolução nº 214/06 pode ser conferida no seguinte link :
http://www.denatran.gov.br/download/Resolucoes/RESOLUCAO_%20214.doc 13 Conforme notícia veiculada n’O Globo, no seguinte link : http://oglobo.globo.com/pais/contran-desobriga-instalacao-de-placas-proximas-de-radares-3509945#ixzz1hUFBnBZe
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O ônus do Estado de fiscalizar e fomentar um tráfego seguro não pode ser
transferido para os administrados. A ineficiência é de sua inteira responsabilidade. Se
a fiscalização não está trazendo os resultados esperados, que encontre outro
mecanismo adequado às necessidades públicas. As placas de aviso, ao contrário do
alegado pela Polícia Rodoviária Federal, ajudam o uso de radares nas rodovias, pois o
condutor é compelido a reduzir sua velocidade sob pena de cometer uma infração de
trânsito e ser multado. Se isso não está acontecendo, é porque algum(ns) problema(s)
sério(s) está(ão) acontecendo no procedimento de fiscalização. Neste ponto, cabe a
análise e julgamento das próprias autoridades incumbidas de realizar a fiscalização detráfego.
Por fim, vale lembrar que esta resolução por enquanto só é válida para vias
rodoviárias federais. No entanto, já existe um acordo entre o governo federal e os
governos estaduais de fiscalização ostensiva, podendo ser os termos desta resolução
reproduzidos nos atos normativos estaduais. Vide, a título exemplificativo, o Pacto
Nacional pela Redução de Acidentes14 e o Plano Nacional de Redução de Acidentes e
Segurança Viária Para a Década 2011 – 202015, derivados da proclamação pela
Assembléia Geral da ONU da “Década de Ação para a Segurança no Trânsito”,obrigando os países participantes a reduzirem em até 50% os acidentes de trânsito.
Conclui-se, portanto, que a Resolução nº 396/11, embora louvável pela
iniciativa de intensificar as fiscalizações como forma de impedir o aumento do número
de acidentes de trânsito, peca em se utilizar de procedimentos nitidamente contrários
aos princípios da proporcionalidade e da moralidade administrativa, implícito e
explícito no texto constitucional respectivamente. Por conceder excessivo poder de
polícia à Administração Pública em detrimento dos direitos e garantias dos
administrados e considerando a força normativa atribuída aos princípios, trata-se de
grave violação que macula a referida resolução de inconstitucionalidade. A solução
que parece ser menos gravosa é a adequação da redação do artigo 7º, para que
preveja a obrigatoriedade de sinalização da existência de equipamentos de fiscalização
na via rodoviária. Só assim a resolução estará em consonância com os ditames
constitucionais.
14O site oficial da campanha se encontra no seguinte link : http://www.paradapelavida.com.br
15
A íntegra do plano pode ser encontrado neste endereço eletrônico:http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/plano_nac_reducao_acidentes_comite_proposta_6611.pdf