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AS CONSTRUÇÕES TEMPORAIS EM EPIPHANIO DIAS, ROCHA
LIMA E MOURA NEVES
Marilda Alves Adão Carvalho (UEG – Quirinópolis)
RESUMO: Almeja-se neste artigo traçar e/ou apresentar uma análise comparativa de diferentes
abordagens sobre as construções temporais em três obras de diferentes períodos históricos da língua
portuguesa, em busca de estabelecer os aspectos que as aproximam ou as distanciam no que se trata do
assunto em pauta. Para tanto, utilizou-se a pesquisa bibliográfica, visto que se fez uma revisão das obras:
Syntaxe Histórica da Língua Portuguesa, de Augusto Epiphanio da Silva Dias; Gramática Normativa da
Língua Portuguesa, de Carlos Henrique da Rocha Lima e Gramática de Usos do Português, de Maria
Helena Moura Neves com enfoque nas conjunções subordinadas adverbiais e na oração adverbial
temporal. Essa investigação se, por um lado, facultou o conhecimento de como se é tratado um aspecto
sintático em três obras gramaticais, por outro lado, facultou compreender a projeção e/ou visão de estudos
da sintaxe por Epiphanio Dias, os quais se encontram à frente de seu tempo.
PALAVRAS-CHAVE: Sintaxe; conjunções subordinativas; oração adverbial temporal
ABSTRACT: This paper aims to show a comparative analysis of three different approaches regarding
temporal constructions in three different history periods of the Portuguese language. It seeks to establish
the aspects which approximate or distance the referred constructions. For that, we resorted to the
bibliographic research, reviewing the following references: Sintaxe Histórica da Língua Portuguesa, by
Augusto Epiphanio da Silva Dias; Gramática Normativa da Língua Portuguesa, by Carlos Henrique da
Rocha Lima and Gramática de Usos do Português, by Maria Helena Moura Neves focusing on adverbial
subordinate conjunctions and temporal adverbial clause. This study allowed us to understand how a
sintatic aspect is treated in three different grammatical works and also led to grasping Epiphanio Dias´s
orignal studies.
KEYWORDS: Syntax; Subordinatives Conjunctions; Temporal Adverbial Clause.
INTRODUÇÃO
Considerando a notória complexidade que envolve o estudo das construções de
tempo, visto elas abarcarem não só valor gramatical, mas também valor semântico -
pragmático, nesse estudo buscar-se-á apresentar o critério de classificação dessas
construções nas obras gramaticais de Epiphanio Dias (1918), Rocha Lima (1992) e
Moura Neves (2000), as quais foram escolhidas tendo em vista o espaço de tempo
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existente entre elas, bem como suas perspectivas teóricas: as duas primeiras, perspectiva
normativa, e a terceira, descritiva.
A opção pelo campo da sintaxe se deu em favor do interesse por investigações
na área e, ainda mais, por sua importância dentre os estudos linguísticos, uma vez ser na
sintaxe que melhor se reflete a linearidade, a organização e a estruturação dos atos de
fala e/ou comunicativos do homem, sejam eles orais ou escritos. Portanto, na/pela
sintaxe é que se estabelecem as devidas relações no eixo sintagmático da língua, a fim
de garantir a eficácia, a coerência discursiva.
Desta feita, ao se adentrar no campo dos estudos sintáticos à luz de abordagens
normativas e descritivas, especificamente no que se trata das construções temporais,
procurar-se-á responder se uma gramática formal apresenta consistência teórica capaz
de dar conta dos usos reais da língua. Logo, por meio de uma revisita aos estudos
tradicionais, hipotetiza-se uma certa relação entre sintaxe e critérios semântico-
pragmáticos, de forma a aproximar as obras de Epiphanio Dias e de Rocha Lima, mais a
primeira que a segunda, com a Gramática de Usos do Português, de Moura Neves, ou
aproximar esta, daquelas.Para então comprovar ou negar essa hipótese, destacar-se-á em
cada autor o conceito de sintaxe, o lugar em que se trata dos dois tópicos e a forma
determinada de tratá-los, isso a partir do que é gramática nos textos.
Ressalta-se que não se pretender desenvolver aqui um estudo historiográfico
e/ou de gramaticografia, mas tão somente um estudo comparativo entre três gramáticas,
duas do século XX e outra do século XXI.
1 Referencial Teórico
1.1O desvendar das obras gramaticais
Toma-se como referência histórica para este texto a obra de Augusto Epiphanio
da Silva Dias, a qual é construída num contexto de língua portuguesa de Portugal e, que,
segundo Leite de Vasconcellos (1919), ex-aluno do filólogo,
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[...] é um precioso trabalho de análise, d’aquela análise paciente e judiciosa
de que o Sr. Epiphanio sabia tão bem o segredo.Tanto a matériacomo o lado
histórico poderiam, sem dúvida, ser ampliados: mas tal como a obra está, e
como saiu das mãos trêmulas de um moribundo, constitui um padrão
firmíssimo na história da Filologia Portuguesa, ao qual irão forçosamente
encostar-se todos os que de futuro tentarem o mesmo assunto (POSFÁCIO À
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA, p. 376).
A afirmação de Vasconcellos bem justifica a importância da obra de Dias para o
desenvolvimento dos estudos sintáticos e para o embasamento de outros estudiosos que
se interessam pelo tema, mesmo porque a autonomia da sintaxe como área de estudo
somente se firmou a partir do século XX, muito embora gramáticos da antiguidade já se
voltassem ao seu estudo. Borba (1979, p.08) esclarece que Aristóteles e Platão já
praticavam algumas investigações acerca das partes da oração. Os Estoicos e
posteriormente os Medievais também mantiveram a preocupação com o estudo da
gramática com enfoque na oração, inclusive retomando as ideias gregas como
fundamentos para seus estudos.
O trabalho de Dias pode ser lido dentro da perspectiva da Sintaxe Psicológica,
ou seja, como uma teoria da oração, de forma a tentar compreender sua natureza e
composição para se chegar a uma taxionomia das partes do discurso.
Por sua vez, a obra de Lima caracteriza-se como gramática normativa, haja vista
apresentar ao leitor um conjunto de normas que deve ser seguido para o “bem falar e
escrever”. O próprio autor afirma (1992, p. 7) “Fundamentam-se as regras da gramática
normativa nas obras dos grandes escritores, em cuja linguagem as classes ilustradas
põem o seu ideal de perfeição, porque nela é que se espelha o que o uso idiomático
estabilizou e consagrou”, ideia essa em que se evidencia uma língua ideal também para
falantes ideais.
Tal como Dias, Rocha desenvolve sua Gramática Normativa da Língua
Portuguesa numa perspectiva psicológica, preocupada, portanto, com a ordem das
palavras na oração, o que é perceptível quando se lê o conceito de frase na terceira parte
da sua Gramática Normativa (1992)
Frase é uma unidade verbal com sentido completo e caracterizada por
entoação típica: um todo significativo, por intermédio do qual o homem
exprime seu pensamento e/ou sentimento. Pode ser brevíssima, constituída às
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vezes por uma só palavra, ou longa e acidentada, englobando vários e
complexos elementos (p. 232)
Diferentemente dos dois autores, Neves (2000) tem sua obra caracterizada como
gramática descritiva, haja vista fazer uma descrição da estrutura e funcionamento da
língua, de sua forma e função. Para Travaglia (2009, p. 28) “Gramatical será então tudo
o que atende às regras de funcionamento da língua de acordo com determinada
variedade linguística”. Logo, a Gramática de Usos do Português pode ser compreendida
como uma obra em que a língua portuguesa se apresenta tal como é usada atualmente no
Brasil, o que a determina como de caráter funcionalista.
Todavia, ao se analisar a gramática de Neves (idem), observa-se nela um cunho
também normativo, o qual é anunciado na introdução da obra, com a seguinte afirmação
da autora “Embora uma gramática de usos não seja, em princípio, normativa, para maior
utilidade ao consulente comum a norma de usos é invocada comparativamente, de modo
a informar sobre as restrições que tradicionalmente se fazem a determinados usos
atestados e vivos (idem, 2000, p.14).
Tendo em vista essa consideração, atesta-se parecer, já de início, que o estudo
das construções temporais, conforme proposto na Gramática de Usos, não se configura
como algo jamais visto, jamais pensado e/ou discutido por gramáticos de tradição
gramatical, mas um desdobramento do estudo proposto nas gramáticas ditas tradicionais
ou normativas, de forma a enriquecê-lo, aperfeiçoá-lo. Assim, esse ponto de contato
entre as três obras gramaticais em análise é que permite a comparação que ora se
objetiva estabelecer.
1.2 O conceito de sintaxe nas obras gramaticais em análise
Em se tratando da Syntaxe Histórica Portuguesa (1918), observa-se que em
momento algum Dias nela define o termo “sintaxe”. No entanto, por meio de uma série
de fragmentos da obra, conclui-se se ela a parte da gramática que trata da ligação das
palavras na oração; da ligação das orações na frase e da colocação das palavras na
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oração. Por exemplo: no título da parte I, tem-se Da ligação das palavras na oração
(1918, p. 13). A seção I dessa parte é chamada de Da composição da oração:
concordância do predicado com o sujeito (idem, 13). Na seção II da parte I, encontra-se
o fragmento A função sintática de uma palavra nominal, ou é indicada, já pela
colocação (...) ou se infere no sentido geral da frase (idem 36/37).
Quando se trata das palavras nominais em particular, o filólogo afirma que O
aposto em sentido estrito liga-se diretamente, isto é, sem estar posto em relação
particular com o predicado, a uma palavra nominal (DIAS, 55). Em outra parte, A um
substantivo aposto, a que se liga uma oração relativa ou outra determinação
equivalente, pode pospor-se o por, este ou esse (IDEM, 76). Sobre alguns advérbios
Quando se coordenam ou se ligam por partículas comparativas advérbios em “mente”,
põe-se este chamado sufixo, se não há ênfase, unicamente no último, suprimindo-se nos
mais (ep, p. 174). Em alguns acréscimos à primeira seção, explica que Uma palavra
ligada a outra, por uma expressão expletiva, deve estar na forma correspondente à
função que exerce a palavra que se liga (IBIDEM, 177).
Em Lima (1992), a partir do conceito de frase como unidade verbal com sentido
completo e caracterizada por entoação típica: um todo significativo, por intermédio do
qual o homem exprime seu pensamento e/ou sentimento [...]. Pode ser brevíssima,
constituída às vezes por uma só palavra, ou longa e acidentada, englobando vários e
complexos elementos (p. 232), chega-se ao conceito de sintaxe como uma das três
partes da gramática que compreende o estudo da construção da frase (idem, p. 8).
Já em Neves (1994), compreendendo que “Qualquer abordagem funcionalista de
uma língua natural, na verdade, tem como questão básica de interesse a verificação de
como se obtém a comunicação com essa língua, isto é, a verificação do modo como os
usuários da língua se comunicam efetivamente” (p. 109), entende-se que essa
preocupação com a comunicação não anula o conceito básico de sintaxe, conforme se
observa em Dubois (2004, p. 559), como a parte da gramática que descreve as regras
pelas quais se combinam as unidades significativas em frase.
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Reportando-se a Martinet (1991), funcionalista francês, em trecho em que define
frase “como enunciado cujos elementos se ligam todos a um predicado único ou a
vários predicados coordenados, com dispensa de fazer intervir em tal definição a
entoação, o que, dado o caráter fracamente linguístico deste fenômeno, apresenta
consideráveis vantagens” (p. 125), pode-se abstrair a ideia de sintaxe também como
ligação de termos.
Nesse sentido, muito embora o conceito de sintaxe seja comum aos três autores,
a gramática funcional tem sempre em consideração o uso das expressões linguísticas no
processo de interação verbal, o que pressupõe uma certa pragmatização do componente
sintático-semântico do modelo linguístico (Neves, 2001, p. 16). Em outras palavras, a
sintaxe não é vista separadamente da semântica, e essas são tratadas por meio da
perspectiva pragmática.
Neves (idem), retomando C. Dik, do grupo de funcionalista da Holanda, diz
“que no paradigma funcional, a pragmática é vista como o quadro abrangente, no qual a
semântica e a sintaxe devem ser estudadas. A semântica é instrumental em relação à
pragmática e à sintaxe, e a sintaxe é instrumental em relação á semântica. Nessa visão,
não há lugar para uma sintaxe autônoma” (p. 46).
Compreende-se,pois, que pensar a sintaxe desse ponto de vista implica pensar
que, quando as pessoas falam, o que determina a ordenação linear dos sintagmas
nominais na frase é visto na sequência que o falante considera adequada para obter a
atenção do ouvinte, todavia, modificações da ordem desses sintagmas podem agir no
sentido de garantir a comunicação.
Diante do conceito de sintaxe supracitado, coloca-se em evidência o fato de que,
enquanto a gramática tradicional e/ou normativa, por meio de uma sintaxe psicológica
dá indicações de que percebe a íntima relação entre a ligação das palavras na oração e o
sentido que elas possibilitam a partir da posição e da ordem em que se encontram, a
gramática funcional ou a gramática de usos parece ver essa relação como análoga às
relações retóricas que constroem o texto, ou seja, para os funcionalistas, essa relação
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permeia e governa o texto como reflexo e consequência do objetivo que se tem quando
se utiliza uma língua.
1.3 O lugar das conjunções temporais e da oração adverbial temporal nas obras
analisadas
Para Lima (1992), a gramática compreende três partes; fonética e fonologia;
morfologia e sintaxe. Dentro dessa concepção, o gramático separa as conjunções das
orações, inclui as subordinativas temporais na parte da morfologia e estuda sua forma,
sua estrutura e classificação. As orações são tratadas na parte da sintaxe, em que se
estuda a construção da frase.
De forma diferente, Dias (1918) não trata das conjunções isoladamente das
orações adverbiais. Pode-se explicar essa abordagem considerando que o autor
restringiu-se à sintaxe em sua obra, por isso não seria possível falar de orações
subordinadas adverbiais sem tratar das conjunções. Porém, em termos de gramática
normativa, o tópico conjunções é estudado em morfologia, como o faz Rocha Lima
(idem). O que se lê na Seção II de Syntaxe Histórica Portuguesa, em que o autor trata
das palavras nominais, no capítulo VI, Da conjunção, remete-se a uma outra parte da
obra, como se pode ver por meio das palavras Das conjunções tratar-se-á na Parte II.
Por sua vez, Neves (2000) divide sua gramática priorizando predicação, para
depois tratar das palavras de referência situacional e textual. Em seguida, destaca o
artigo e o numeral indicadores de definição/indefinição e a quantificação. Na última
parte, evidencia as palavras que pertencem à esfera semântica das relações e processos
e que atuam especificamente na junção dos elementos do discurso, isto é, ocorrem num
determinado ponto do texto indicando o modo pelo qual se conectam as porções que se
sucedem (NEVES, 2000, p. 599). Nessa parte, encontram-se as conjunções e as orações
temporais, as quais são estudadas conjuntamente.
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1.4 O tratamento dado às conjunções temporais e à oração adverbial temporal por
Ephifanio Dias, Rocha Lima e Moura Neves
Como as conjunções são estudadas na seção II, Da ligação das orações,
nessa,Dias (1918) refere-se a elas quando define cada tipo de oração subordinada. Em
relação às adverbiais, tem-se o seguinte conceito “As orações adverbiais ou são de
modo finito, sendo neste caso ligadas por conjunções, ou são infinitas, sendo neste caso
ligadas por preposições, ou são orações de particípio (particípios absolutos)” (p. 271). A
partir da definição, passa-se a apresentar cada conjunção temporal para, em seguida,
tratar da oração adverbial utilizada com as conjunções.
A característica de gramática normativa, a qual pode ser atribuída à obra de
Dias, aparece por meio dos exemplos das conjunções em textos estritamente literários,
textos em que os vários aspectos de temporalidade são expressos pela ligação da oração
principal do período.
Assim, tem-se a conjunção temporal mais usada: “quando”. De exprimir
simplesmente o tempo em que uma coisa acontece, serve a conjunção quando:
Quando a fortuna é contra o homem, todos os parentes fogem dele (Fabul. FAB, 61).
Sentem-se mais o perigos, quando estamos perto deles (Sousa, V. do Arc., I, 71). Os
povos, como os indivíduos, assentam-se indiferentes e serenos no átrio da morte,
quando lhes chega a quadra fatal do idiotismo senil (Herc. Op. I, 278) (DIAS, P. 287).
Partindo-se do mais simples para o mais complexo, Dias tece considerações que
se tornam um diferencial em sua obra. Como exemplo destaca-se:
a) Em narrativas animadas, quando serve de ligar um acontecimento expresso por um
presente histórico ou pretérito definido, a um momento ou estado anteriormente
indicado, vindo assim a oração De quando a ser logicamente a principal:
Escassamente acabou/ a cantiga toda inteira,/ quando o que me guiou/ começou
nesta maneira (D. Manuel, Can. G.al, I, 407). Não acabava, quando uma figura/
se nos mostra no ar, robusta e valida (Lus., V, 39). Não tinha acabado de
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pronunciar estas palavras, quando ouviu uma voz que lhe dizia...(Vieira, I,
1098).
b) Em asserções gerais, as orações de quando avizinham-se muitas vezes das
condicionais de se (...) Se eu a provar {a prop.], não há dúvida que será um grande
louvor de meu senhor S. Joseph: e quando a não aprove, servirá de consolação ao meu
desejo (Vieira, S. de S. José, 3) (DIAS, p. 288)
c)Falando se do que é real tanto na oração subordinada como na subordinante, muitas
vezes tem-se em vista principalmente a exprimir um contraste entre o conteúdo das
duas orações.
O que mais peso fazia ao sentimento de Cristo no Presépio era a consideração
de que o desconheceram os homens, quando o conheciam os animais (Vieira, II,
172).
d) Como, na qualidade de partícula temporal, só se usa modernamente, quando se
exprime a sucessão dos acontecimentos nas narrativas históricas (ainda neste caso
prefere-se, em geral, o emprego do particípio).
Os trechos selecionados revelam um gramático que analisa detalhadamente as
conjunções temporais em uso nas orações adverbiais temporais, bem como revelam a
preocupação com a sintaxe, no entanto com uma valorização do sentido decorrente do
uso que se faz de determinada conjunção ou locução conjuntiva. Apesar dessa
abordagem que o distancia da gramática normativa, encontra-se exemplo de prescrição
gramatical quando se lê Apenas que e mal que são expressões incorretas (DIAS, p.
290).
As orações adverbiais assim se denominam porque, equivalentes a um advérbio,
figuram como adjunto adverbial da oração a que se subordinam (RL, 1992, p. 274). De
forma mais sucinta, Rocha Lima (1992) apresenta as orações adverbiais temporais
ligadas por conjunções (já apontadas na parte de morfologia em sua gramática)
apropriadas para exprimir a ideia de um acontecimento ocorrido antes do outro, depois
do outro ou simultaneamente a outro.
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Como em Dias, Lima inicia pela mais geral das partículas, quando, mas
considera apenas o que se exprime por meio dessa conjunção, de maneira mais ou
menos vaga, à ocasião em que se passa um fato. Da mesma forma, apresentam-se as
demais conjunções temporais: assim que, logo que, tanto que, mal que, mal, apenas,
enquanto, sempre que, cada vez que, todas as vezes que.
O aspecto semântico é ligeiramente tratado. Percebemos que a intenção, de certo
modo, é a de limitar-se apenas à parte sintática da gramática. Apesar de considerar que
as regras da gramática tradicional fundamentam-se nas obras dos grandes escritores,
(LIMA, 1992, p. 7), Rocha Lima não nos dá nem um exemplo literário quando aponta
as orações subordinadas adverbiais.
Em Neves (2000), as conjunções subordinativas temporais se dão sob o enfoque
do ponto de vista das construções temporais. Por isso, a autora divide a seção em que
trata desses conectivos em: 1) o modo de construção; 2) a correlação de tempos verbais
nas construções temporais; 3) as relações expressas.
Explicitando essa questão, a autora afirma que “A construção temporal, expressa
por um período composto é constituída pelo conjunto de uma oração nuclear, ou
principal, e uma temporal, para então, considerar que em português, a análise das
construções temporais pode ser representada na análise das orações iniciadas pela
conjunção quando” (NEVES, 2000, p. 787).
Além da conjunção quando, Neves (idem) trabalha com exemplos de
construções temporais com outras conjunções, tais como: enquanto, apenas, mal, além
de incluir as locuções conjuntivas.
Seguem-se alguns exemplos dos quais se utiliza a autora para tratar do modo de
construção temporal:
A música de Bach cede quando a mãe começa a cantar.
Quando os moradores chegarem levarão susto.
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Enquanto vês os exércitos e os seus chefes, enquanto contemplas as nações e os
seus dominadores, enquanto o teu pensamento abarca o entrebater das entidades
coletivas e dos representantes, esqueces o indivíduo.
Assim que nos abraçamos e beijamos, senti-o, porém, confuso, sem jeito. (idem,
p. 787, 88 e 89).
Como a Pragmática, a Semântica e a Sintaxe estão entrelaçadas na gramática
funcional, a autora (2000, p. 787) afirma que “a ordem relativa das orações é pertinente
para interpretação do efeito de sentido. Também tem grande importância a existência ou
não de pausa entre a oração nuclear e a oração temporal”.
Os exemplos da Gramática de Usos são tirados da observação que se fez em uma
base de 70 milhões de ocorrências, pois a preocupação é com a língua portuguesa em
uso efetivo na fala dos brasileiros. Para tanto, afirma a autora
Esse corpus abriga textos escritos de literaturas romanesca, técnica, oratória,
jornalística e dramática, o que garante diversidade de gêneros e permite
abrangência de diferentes situações de enunciação, incluindo a interação,
sendo notável a representatividade da língua falada, encontrada na simulação
de dela fazem as peças teatrais (NEVES, 2000, p. 14)
Ao discutir a correlação de tempos verbais nas construções temporais, nas
orações com quando, por exemplo, nas quais aparece o tempo presente na oração
principal e na subordinada, Neves observa que essa correlação caracteriza uma
perspectiva global imperfectiva de estados de coisas simultâneas (total ou parcial), o
que licencia a indicação de habitualidade. Esse complexo favorece uma interpretação
condicional (idem, p. 791). Com esse exemplo, pode-se considerar a abrangência de
análise da gramática funcional, o que permite uma leitura muito mais completa não só
da construção da frase, como também de seu sentido em determinado contexto de uso
da língua.
Compreende-se, desse modo, que a questão das relações expressas por meio das
conjunções e das orações temporais não é tão simples como a gramática tradicional
muitas vezes aponta. Embora as orações com conjunções temporais expressem o tempo
em que ocorre o estado de coisas, a relação temporal pode envolver simultaneidade e
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não-simultaneidade. Além disso, há a existência de relações de tipo lógico-semânticas
(causal, condicional, concessiva) associada à relação temporal que se estabelece entre
orações. Também esse tipo de associação é licenciada por um conectivo de valor bem
neutro (como o quando) e pela natureza do complexo temporal que se estabelece em
dependência do tempo e do modo empregado em cada uma das orações (NEVES, p.
797).
Considerações finais
Ao se destacar a forma de tratamento que os três autores deram às conjunções
temporais e às orações adverbiais temporais, quis-se aproximar três momentos da
produção de gramáticas da Língua Portuguesa, ligados por um aspecto comum, a
sintaxe. Esse aspecto comum possibilitou explicitar relações próximas e distantes entre
uma abordagem dita tradicional (Syntaxe Histórica Portuguesa), uma abordagem, de
fato, tradicional (Gramática Normativa) e uma abordagem funcionalista (Gramática de
Usos do Português).
O conceito de sintaxe, mesmo em abordagens diferentes, por uma série de
fatores apontados, torna-se comum quando se focaliza o sentido que, por ser obra mais
antiga das três, o filólogo Epiphânio Dias atribui a ele quando, ainda que não
explicitado, repete a palavra ligação em seu texto. Portanto, é consenso que sintaxe é a
ligação entre as palavras da oração e a ligação das orações no período
Observando a gramática de Moura Neves, entende-se que sua obra está muito
mais próxima da Syntaxe Histórica de Epiphânio Dias do que da Gramática Normativa
de Rocha Lima. Por esse motivo, pode-se afirmar que o desenvolvimento da Syntaxe
Histórica Portuguesa mostra um gramático muito preocupado com a questão da sintaxe,
a ponto de conscientemente ou não, aproximar Sintaxe e Semântica, fazendo por
antecipação o que vários linguistas, como Martinet, Guillaume, Pottier, Chomsky, entre
outros fizeram a partir da década de 60, século XX. Nesse sentido, compreende-se que
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Dias se mostra/mostrou, sem nenhuma dúvida, bem à frente do seu tempo no tratamento
de questões da língua.
Essa consideração atualiza e valoriza a obra do filólogo português, comparando-
a com obras mais recentes como as destacadas aqui. Cumpre-se assim a “profecia” do
ex- aluno do professor Epiphânio Dias, José Leite de Vasconcellos, a que se fez
referência no início desse artigo, bem como se comprova a hipótese nele levantada.
Referências bibliográficas
BORBA, Francisco da Silva. Teoria Sintática. São Paulo: EDUSP, 1979
DIAS, Augusto Epiphanio da Silva. Syntaxe Histórica Portuguesa. 1ª ed., Clássica
Editora, 1918.
DUBOIS, Jean et alii. Dicionário de Linguística. São Paulo: Cultrix, 2004.
LIMA, Carlos Henrique da Rocha. Gramática Normativa da Língua Portuguesa. Rio
de Janeiro: José Olympio, 1992.
MARTINET, André. Elementos de Lingüística Geral. Lisboa: Sá da Costa Editora,
1991.
NEVES, Maria Helena de Moura. A Gramática funcional. São Paulo: Martins Fontes,
2001.
______. Gramática de Usos do Português. São Paulo: UNESP, 2000
______. Uma visão geral da gramática funcional In: Alfa. São Paulo; Editora UNESP,
v. 38, p. 109 -127, 1994.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de
gramática. São Paulo: Cortez, 2009.
Recebido Para Publicação em 20 de abril de 2014.
Aprovado Para Publicação em 9 de maio de 2014.