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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ STELLA TITOTTO CASTANHARO AS FACES DO REI: HENRIQUE VIII E SUAS REPRESENTAÇÕES HISTÓRICA E AUDIOVISUAL CURITIBA 2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

STELLA TITOTTO CASTANHARO

AS FACES DO REI: HENRIQUE VIII E SUAS REPRESENTAÇÕES HISTÓRICA E

AUDIOVISUAL

CURITIBA

2011

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STELLA TITOTTO CASTANHARO

AS FACES DO REI: HENRIQUE VIII E SUAS REPRESENTAÇÕES HISTÓRICA E

AUDIOVISUAL

Monografia apresentada à disciplina de Estágio

Supervisionado em Pesquisa Histórica como

requisito para a conclusão do Curso de História,

Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes,

Universidade Federal do Paraná.

Orientador: Prof. Dr. José Roberto Braga Portella

CURITIBA

2011

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AGRADECIMENTOS

Ao longo desses 4 anos, muitos foram os que passaram pelo meu caminho e de

alguma forma contribuíram para o meu aprendizado. Mas além dos que passaram, os que

ficam ao meu lado sempre, são indispensáveis para o meu agradecimento.

Ao meu pai e minha mãe, Agnaldo e Regina, pela confiança, estímulo, apoio,

carinho, amor e dedicação. Por terem entendido essa escolha tão estranha e difícil, e me

segurarem quando mais precisei, meu eterno agradecimento por me darem a vida e cuidarem

tão bem dela. À minha sis tão querida, Milena, que pela diferença me ensinou que posso ser

quem eu sou e correr atrás dos meus sonhos, sejam eles quais forem. Que entendeu meus

medos e crises, mas segurou a barra quando preciso. Obrigada pelos sábados de manhã e pela

energia diária. Sem vocês nada disso teria sido possível.

Ao professor e orientador José Roberto Braga Portella pela paciência e dedicação,

por ter aceitado e acreditado na minha pesquisa, quando ela ainda não tinha limites, mas

principalmente, pelos questionamentos, críticas e sugestões que me ajudaram a escrever essa

monografia e me ensinaram a ter convicção naquilo que faço.

Aos colegas do PET-História que de alguma forma ou de todas, me ajudaram a me

tornar uma pesquisadora melhor e uma pessoa diferenciada, pois através do trabalho em

equipe e do companheirismo, hoje sei do que sou ou não capaz de realizar. Obrigada pelas

risadas e cobranças de toda sexta-feira pela manhã, pelas conversas e especialmente pelo

discurso emocionado da última sexta.

Aos amigos tão fundamentais para minha vida, sejam eles acadêmicos ou pessoais,

agradeço pela ajuda de todo dia, pelas conversas, angústias divididas e conquistas alcançadas.

Obrigada por terem feito parte de tudo isso e por terem me mostrado que não estou sozinha no

mundo. Obrigada principalmente aqueles que nesse último semestre foram tão indispensáveis,

mesmo que eu, sem tempo, muitas vezes tive que dispensá-los. É com muita alegria que

agradeço a vocês, por se mostrarem os amigos mais compreensivos de todos os tempos e

estarem constantemente ao meu lado.

Não podia deixar de agradecer ao André, por ter me ajudado a escrever e delimitar as

ideias que eu pretendia colocar aqui. Por ter lido exaustivamente essas linhas e por ter sido o

colo de quem eu chorei, reclamei, sofri e fui feliz esse ano. Obrigada por estar tão presente e

por ser um presente, com o qual eu cuido com carinho e respeito.

Finalmente agradeço à Deus por ter me permitido vivenciar tudo isso, na

possibilidade de aprender e ensinar, agradeço por ser a esperança e conforto diários.

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Se apenas houvesse uma única verdade,

não poderiam pintar-se cem telas

sobre o mesmo tema.

Pablo Picasso

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RESUMO

Partindo da relação entre Audiovisual e História, essa monografia pretende estudar as

diferentes representações de Henrique VIII (1491-1547) pela série televisiva The Tudors

(2007-2010) e pelas historiografias francesa (André Maurois) e inglesa (Antonia Fraser).

Observando que a maior parte dos historiadores caracterizou o monarca como cruel e

temperamental, enquanto que a representação produzida pela série possibilitou identificar

como esta personalidade foi sendo construída ao longo de seu reinado. A série também

permitiu que se observasse o quanto os valores modernos ingleses do século XVI, tais como o

humanismo, a cortesania e a predestinação divina ao trono, influenciaram a personalidade do

rei. Contudo, em ambas as áreas percebeu-se que nas diferentes relações de Henrique VIII era

necessário se mostrar como um monarca forte e acima de tudo um rei por excelência. Ao se

perceber a complexidade desse período histórico e suas tramas é que se faz indispensável

pensar acerca do diálogo entre as representações audiovisual e historiográfica deste rei. Desse

modo, metodologicamente dividiu-se a pesquisa em três momentos principais: uma revisão

historiográfica sobre o tema, uma revisão bibliográfica sobre audiovisual e História, e por fim,

a análise entre a representação de Henrique VIII na historiografia e na série.

Palavras-chave: Audiovisual; Henrique VIII; Representação.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Imagem 1: Episódio 1- In Cold Blood,1.ª temporada (00:19:26)......................................

Imagem 2: Episódio 7- Message to the Emperor, 1.ª temporada (00:33:39).....................

Imagem 3: Episódio 8- Truth anda Justice, 1.ª temporada (00:52:19)..............................

Imagem 4: Episódio 10- The death of Wolsey, 1.ª temporada (00:20:27)...………….....

Imagem 5: Episódio 1- Everything is beautiful, 2.ª temporada (00:08:01)……………...

Imagem 6: Episódio 3- Checkmate, 2.ª temporada (00:32:10)..........................................

Imagem 7: Episódio 1- Everything is beautiful, 2.ª temporada (00: 51:06)……………..

Imagem 8: Episódio 5- His Majesty’s Pleasure, 2.ª temporada (00:52:27)…………......

Imagem 9: Episódio 8- Lady in Waiting, 2.ª temporada (00:37:07)……………………..

Imagem 10: Episódio 10- Destiny and Fortune, 2.ª temporada (00:47:57).......................

Imagem 11: Episódio 3- Dissension and Punishment, 3.ª temporada (00:21:51).............

Imagem 12: Episódio 1- Civil Unrest, 3.ª temporada (00:03:15)......................................

Imagem 13: Episódio 4- The Death of a Queen, 3.ª temporada (00:45:36)……………..

Imagem 14: Episódio 6- Search for a New Queen, 3.ª temporada (00:21:12)…………..

Imagem 15: Episódio 5- Problems with the Reformation, 3.ª temporada (00:06:24)……

Imagem 16: Episódio 7- Protestant Anne of Cleves, 3.ª temporada (00:28:30)................

Imagem 17: Episódio 1- Moment of Nostalgia, 4.ª temporada (00:05:07)........................

Imagem 18: Episódio 4- Natural Ally, 4.ª temporada (00:46:08)......................................

Imagem 19: Episódio 3- Something for You, 4.ª temporada (00:07:16)………………....

Imagem 20: Episódio 7- Sixth and The Final Wife, 4.ª temporada (00:02:50)…………..

Imagem 21: Episódio 10- Death of a Monarchy, 4.ª temporada (00:22:56)…………….

Imagem 22: Episódio 10- Death of a Monarchy, 4.ª temporada (00:45:05)…………….

Imagem 23: Episódio 10- Death of a Monarchy, 4.ª temporada (00:53:14).....................

Imagem 24: Episódio 10- Death of a Monarchy, 4.ª temporada (00:53:43).....................

Imagem 25: Hans Holbein, Henrique VIII, c.1540............................................................

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 7

2 A FABRICAÇÃO DO REI: HENRIQUE VIII ATRAVÉS DA HISTORIOGRAFIA 13

2.1 CORTESANIA: A CONSTRUÇÃO DO HOMEM IDEAL .............................................. 13

2.2 A FORMAÇÃO DE UM REINO ....................................................................................... 15

2.3 A FABRICAÇÃO DE UM REI .........................................................................................17

2.4 O REINADO DE HENRIQUE VIII: A CONSOLIDAÇÃO DE UMA DINASTIA ........21

3 A TELEVISÃO E A NARRATIVA HISTÓRICA ...........................................................29

3.1 O QUE É A TELEVISÃO .................................................................................................29

3.2 BBC E CBS, GRANDES CORPORAÇÕES .....................................................................32

3.3 RELAÇÃO AUDIOVISUAL E HISTÓRIA .....................................................................33

3.4 ELEMENTOS PARA ANÁLISE ......................................................................................37

3.5 O QUE A SÉRIE CONTEMPLA? ....................................................................................40

4 A FABRICAÇÃO DO REI: A ANÁLISE DA SÉRIE THE TUDORS ...........................43

4.1 ANÁLISE GERAL DA SÉRIE .........................................................................................43

4.2 PRIMEIRA TEMPORADA ...............................................................................................45

4.3 SEGUNDA TEMPORADA ...............................................................................................50

4.4 TERCEIRA TEMPORADA ..............................................................................................58

4.5 QUARTA TEMPORADA .................................................................................................65

5 CONCLUSÃO .....................................................................................................................77

6 FONTES ...............................................................................................................................80

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..............................................................................81

8 ANEXOS ..............................................................................................................................84

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1 INTRODUÇÃO

Desde os anos 80 historiadores de todo o mundo passaram a estudar as relações entre

audiovisual e História, problematizando e refletindo o fato de que esses meios de

comunicação poderiam ser vistos como produtores de História.1 Considerando esses

elementos e inserindo-se nesse debate historiográfico, essa monografia busca estudar as

diferentes representações do rei Henrique VIII (1491-1547) produzida pela série The Tudors

(2007-2010), bem como pelas historiografias inglesa (Antonia Fraser) e francesa (André

Maurois).

Estudou-se especialmente o que se refere ao governo de Henrique VIII, de 1509 a

1547, em que grande parte dos historiadores o apresentou como um rei cruel e extremamente

impulsivo, enquanto que a representação realizada pela série possibilitou identificar como esta

personalidade foi sendo elaborada ao longo de seu reinado e a importância dos valores

modernos ingleses do século XVI, tais como o humanismo, a cortesania e a predestinação

divina ao trono, que exerceram forte influência na sua personalidade.

Filho de Henrique VII e Elizabeth de York, Henrique VIII nasceu em 28 de junho de

1491, sendo o segundo filho homem de uma família de quatro filhos2, além de segundo

monarca da Dinastia Tudor. Seus pais colocaram um fim à Guerra das Duas Rosas3 ao se

casarem e fundarem a Dinastia Tudor que teria como emblema a junção da rosa branca dos

York e da rosa vermelha dos Lancaster. Aos 18 anos, foi coroado juntamente com a princesa

espanhola Catarina de Aragão, sua primeira consorte, como Rei de Inglaterra e França. Os

acontecimentos mais marcantes de seu longo reinado (38 anos) foram suas relações com as

seis esposas, sua intempestuosidade e a ruptura com a Igreja Católica. Com a formação da

Igreja Anglicana, passou-se a considerar o monarca o representante divino e chefe da Igreja,

modificando significativamente a Inglaterra do século XVI.

Para tanto, o ponto de partida dessa pesquisa foi compreender o conceito de

representação criado por Roger Chartier e o de fabricação pensado por Peter Burke. No caso

de Chartier, entende-se representação como uma relação entre uma imagem presente e um

objeto ausente, proporcionando assim a criação de uma memória construída sobre a temática

1 ROSENSTONE, Robert A. A História nos filmes, Os Filmes na História. São Paulo: Paz e Terra, 2010.

2 São eles por ordem de nascimento: Arthur, Margarida, Maria e Henrique. Por ser o segundo filho homem da

família seu destino era fazer parte da vida monástica, porém com a morte precoce de seu irmão Arthur, Henrique

VIII assumiu o trono em 21 de abril de 1509. 3 A Guerra das Duas Rosas foi uma guerra dinástica entre as famílias York e Lancaster. Henrique VII assumiu a

posição de rei ao adquirir a coroa no campo de batalha e promoveu paz ao reino inglês após 30 anos de muitas

mortes e destruição da Inglaterra. Esta guerra civil ocorreu de 1455 a 1485.

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abordada.4 Enquanto que o conceito defendido por Burke, fabricação, é entendido como um

processo de criação de uma imagem ao longo dos anos. 5 Tanto quanto o aprendizado para se

consolidar como monarca, a etiqueta que devia ser seguida, a postura correta; bem como a

fabricação de uma imagem no imaginário social da época, como ele deveria ser visto e de que

forma ser visto.

Tendo observado esse ponto inicial, as fontes utilizadas nessa pesquisa foram as

quatro temporadas da série The Tudors produzidas pelos canais Peace Arch Entertainment,

Reveille Eire, Working Title Films e a Canadian Broadcasting Corporation (CBS)6. A série

foi exibida pelo Canal Showtime7 nos EUA e no Brasil pelos canais People&Arts e Liv! entre

os anos de 2007 e 2010. Contudo, os direitos autorais de distribuição são da Sony Pictures

Television International enquanto a BBC adquiriu os direitos de exibição no Reino Unido a

partir de 2007. A série, considerada um drama histórico, foi criada e produzida por Michael

Hirst, também responsável por projetos como os filmes “Elizabeth” e “Elizabeth- a Era de

Ouro”8.

Os episódios possuem cerca de 50 minutos cada um, tendo em vista que a primeira, a

segunda e a quarta temporadas possuem 10 episódios e a terceira possui 8 episódios,

totalizando 38 episódios9. Nos DVDs da série também há informações adicionais como

entrevistas com os atores, com o criador Michael Hirst e historiadores que estudam o período

da dinastia Tudor. De maneira geral ela foi muito bem avaliada e recebida pelo público.

Segundo o site do IMDB (The Internet Movie Database)10

a série tem 8,1 de aprovação do

público numa escala de 1 a 10. Isso também é perceptível na quantidade de prêmios a que foi

indicada e os prêmios que ganhou de fato. Foram mais de 30 indicações e 20 premiações.11

Uma dessas premiações foi a de melhor música tema de abertura feito pelo canadense Trevor

Morris.

Ressaltamos que esta pesquisa teve a duração de dois anos e foi desenvolvida como

pesquisa individual para o grupo PET-História. Como já tínhamos entrado em contato com o

estudo de audiovisuais, pensamos nessa pesquisa por conta de seu conteúdo ser de temática

4 CHARTIER, Roger. O mundo como representação. In: Estudos Avançados. vol.5 n.º11, São

Paulo, Jan./Apr. 1991. 5 BURKE, Peter. A fabricação do rei: a construção da imagem pública de Luís XIV. Rio de Janeiro: Jorge

Zahar Editor, 1994. 6 Respectivamente os canais são de nacionalidade: canadense, irlandesa, britânica e americana.

7 O seriado teve a estréia mais cotada em três anos pelo mesmo canal.

8 A série foi dirigida por diversos cineastas e diretores de televisão. Eles estão especificados nos Anexos.

9 Para mais informações sobre cada episódio ler Anexos.

10 http://www.imdb.com/title/tt0758790/ acesso em 08 de novembro de 2011. 11

http://pt.wikipedia.org/wiki/The_Tudors#Primeira_temporada_.282007.29 acesso em 30 de março de 2011.

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histórica e permitir um diálogo sobre representação nessas duas áreas. Dessa forma, a

monografia foi dividida em três principais momentos: o primeiro foi uma revisão

historiográfica do tema, seguido de uma revisão bibliográfica sobre audiovisual e História, e

por fim, a análise entre a representação de Henrique VIII na historiografia e na série.

O primeiro capítulo da monografia foi pautado na revisão dos conceitos e conteúdos

que se relacionavam com a Inglaterra do século XVI. Nesse sentido, as obras de Norbert Elias

foram lidas com o objetivo de compreender e estabelecer um panorama sobre a sociedade de

corte do século XVI. Ao longo dessas leituras ficou claro que havia a necessidade de se

construir uma imagem, bem como agir de acordo com diferentes normas ou costumes para ser

considerado um cidadão civilizado.12

Perry Anderson contribuiu para estabelecer um

panorama sobre a Inglaterra do século XVI e compreender os aspectos políticos e econômicos

que perpassavam essa sociedade.13

Enquanto que Paul Kennedy ao problematizar as disputas

entre reinos, destacando a história militar do período, apontou que os conflitos eram

fundamentais para o desenvolvimento das monarquias, fosse em aspectos militares,

econômicos ou tecnológicos.14

Da mesma maneira, Maurice Crouzet permitiu que lacunas

fossem preenchidas acerca da sociedade e dos elementos constituintes do período estudado.15

Ernst Kantorowicz16

e Georges Vigarello17

são essenciais para qualquer estudo sobre

reis após a Idade Média, observando que ambos problematizam a noção de corpo político e

corpo físico, em que o primeiro se torna uma figura imortal e constante, enquanto o segundo é

mortal e passível de emoções e sentimentos. Emmanuel Le Roy Ladurie ao retomar os

conceitos acima citados, como caráter divino da monarquia, prática de cortesania e elementos

políticos da sociedade, destacou que uma monarquia renascentista é formada pela soberania

real, sua sacralidade e exercício da justiça, três elementos que não podem ser esquecidos por

um governante, como o caso de Henrique VIII.18

Jacques Revel também apontou que a figura real precisava ser vista pela população e,

portanto, as viagens pelo reino eram essenciais para essa visibilidade, uma prática que

12

ELIAS, Norbert. A sociedade de Corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001. E ELIAS, Norbert. O

processo civilizador. Volume 1: Uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990. 13

ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado Absolutista. São Paulo: Brasiliense, 2004. 14 KENNEDY, Paul. Ascensão e queda das grandes potências. Rio de Janeiro: Campus, 1989, 5ª edição. 15

CROUZET, Maurice (dir.) MOUSNIER, Roland. História Geral das Civilizações. Os séculos XVI e XVII. Os

progressos da Civilização Européia. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 1995. Volume 9. pp.23-250 16

KANTOROWICZ, Ernst H. Os dois corpos do rei – Um estudo sobre teologia política medieval. São Paulo:

Companhia das Letras, 1998. 17 VIGARELLO, Georges. In: CORBIN, Alain; COURTINE, Jean- Jacques; VIGARELLO, Georges. História

do Corpo: da Renascença às Luzes. Petrópolis: Editora Vozes, 2008. “O Corpo do Rei”. 18 LADURIE, Emmanuel Le Roy. O estado monárquico. França, 1460-1610. São Paulo: Companhia das

Letras, 1994. “Introdução- A monarquia clássica” pp.9- 38

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segundo ele já estava incorporada nos reinos a partir do medievo, ainda que de maneira mais

simplificada e diminuta.19

O jurista Francisco Bilac M. Pinto Filho ressalta que a monarquia

inglesa era e é exercida sendo pautada em duas atividades principais: o potestas e a

autorictas, em que o primeiro seria a capacidade de impor comportamentos e a segunda seria

a capacidade de influenciar comportamentos.20

Pensando mais especificamente na figura do próprio Henrique VIII, as obras de

André Maurois21

e Antonia Fraser22

foram indispensáveis para entender-se a imagem

construída e reproduzida até então pela historiografia. Ainda que ambos destaquem os

aspectos humanistas e a preocupação do monarca com o desenvolvimento da Inglaterra, os

dois historiadores focam a personalidade forte e intempestuosa desse rei especialmente com

suas esposas, lordes e herdeiros, a ponto de muitas vezes levá-los a execução por serem

suspeitos de traição.

No segundo capítulo da monografia fez-se uma revisão bibliográfica da relação entre

audiovisual e História, evidenciando os elementos de análise, bem como identificando a

especificidade de séries televisivas. Desta forma, Pierre Bourdieu contribuiu para a discussão

de como a televisão é inserida nesse debate, considerando o papel de quem participa dela,

além de ressaltar que mesmo sendo considerado um meio de comunicação democrático, a

televisão está inserida num ambiente de censura e voltada ao mercado e ao que gera lucros

para as companhias e por isso, a qualidade da informação ou do conteúdo apresentado,

necessariamente não é a melhor, além do que ela permite que uma imagem produza um efeito

de realidade, especialmente ao que se refere a representação do cotidiano em séries, novelas,

filmes, entre outros.23

Robert Rosenstone apontou que hoje a experiência audiovisual não é composta

somente por discurso, mas também pelas imagens em movimento reproduzidas em diferentes

telas através de diversos dispositivos sonoros e efeitos visuais. E para que a relação entre o

audiovisual e História seja estabelecida é necessário pensar-se que História na realidade é uma

verdade histórica em detrimento de outras e que por essa razão, a mídia visual também

representa uma forma pela qual a História pode ser transmitida.

19

REVEL, Jacques. A invenção da sociedade. Lisboa e Rio de Janeiro: Difel, 1989. 20 FILHO, Francisco B. M. P. A Monarquia Constitucional no Reino Unido e a prerrogativa da Coroa. A

Desmistificação do honorifico. Disponível em:

http://www.ibem.org/arquivos/editais/2011/MONARQUIA_CONSTITUCIONAL_.pdf acesso em 20 de junho

de 2011. 21

MAUROIS, André. História da Inglaterra. Lisboa- São Paulo: Editora Aster e Editora Flamboyant, 1960. 22

FRASER, Antonia. As seis mulheres de Henrique VIII. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009. 23 BOURDIEU, Pierre. Sobre a Televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.

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11

Mônica Almeida Kornis apontou que a televisão hoje busca além de retratar o

presente se voltar ao passado, considerando que este passado é produzido por um olhar do

presente, assim como ressaltando que o diálogo entre História e audiovisual é muito

recorrente atualmente e que a linguagem audiovisual produz representações e pontos de vista

sobre o passado através de variadas formas estéticas.24 Relacionando-se com a proposta de

Rosenstone e permitindo que a análise de um audiovisual e História sejam feitas através de

compreensão e condensação, deslocamentos, alterações, diálogos, personagens e por fim, o

drama mostrado no audiovisual.25

Também fez-se a diferenciação do que é uma série televisiva para os demais

audiovisuais tendo como base o artigo de Márcia Rejane Messa, em que a autora elenca os

elementos formadores de uma série, como a narrativa, a duração, além da composição de

imagem e som, e a ligação com elementos cinematográficos. Além de evidenciar a relação

entre enredo, espectador e o sentimento produzido no indivíduo ao assistir um audiovisual.

Por fim, no último capítulo da monografia procedeu-se a análise da representação de

Henrique VIII na série The Tudors e na historiografia francesa (André Maurois) e inglesa

(Antonia Fraser). Podendo-se perceber que a primeira temporada da série retrata Henrique

VIII sempre relacionado com práticas de esportes, de jovialidade, reforçando a sexualidade,

mostrando danças e o rei vestido com cores vibrantes. Enquanto que ao longo da segunda

temporada há uma alteração na parte visual, pois o rei e o ambiente são apresentados com

cores mais escuras, e o temperamento de Henrique se modifica. Há reações violentas e

explosões de humor, menos referências aos esportes, as práticas de jovialidade e continua-se

mostrando a sexualidade do monarca.

A terceira temporada tem um toque mais sentimental e sombrio ao retratar Henrique.

Além de ser visível a mudança física de um príncipe da renascença, jovem e ativo, para um rei

sombrio, frio, amargurado, acima do peso, com rugas, ainda que feliz com o seu terceiro

casamento, mas com temperamento instável e buscando fazer guerras contra aqueles que não

reconheciam sua autoridade quanto rei e chefe da Igreja Anglicana.

A última temporada dá continuidade a esses elementos e novamente revela o lado

sombrio e amargurado do rei, acrescentando à figura real indícios de loucura que o teriam

levado à morte. Em contrapartida ainda há um frescor em sua personalidade ao se ver casado

com uma jovem de 17 anos que o faz retornar a momentos de sua juventude. No final de sua

vida, Henrique procura manter-se no poder para que a Inglaterra continue em paz sob o

24

KORNIS, Mônica Almeida. Cinema, televisão e história. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008. p.10 25

ROSENSTONE. Op cit. pp.64-65

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governo da Dinastia Tudor e com uma nova esposa que exerça o papel de mãe para seus filhos

e uma rainha boa para seu reino.

Nas considerações finais pudemos perceber a necessidade de utilizar os conceitos de

representação de Roger Chartier e o de fabricação de Peter Burke, bem como ter como

elemento norteador as características específicas de cada audiovisual dentro de seu período de

produção, para que ao estudarmos a representação de Henrique VIII como um caso específico,

contribuindo metodologicamente para o surgimento de novos estudos voltados à relação entre

História e audiovisuais. Além de entenderem-se as diferenças entre as representações de

Henrique VIII, pensando a historiografia e a série televisiva como produtores de História a

partir de discursos distintos.

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2 A FABRICAÇÃO DO REI: HENRIQUE VIII ATRAVÉS DA

HISTORIOGRAFIA

“Insular, mas não isolada”.26

2.1 CORTESANIA: A CONSTRUÇÃO DO HOMEM IDEAL

Uma ilha não muito distante do continente, uma rejeição à França, um conflito

interno de poder. Essa era a Inglaterra do início do século XVI, fruto da Guerra dos Cem

Anos e da Guerra das Duas Rosas. Uma constante oposição e aversão a tudo que vinha do

reino vizinho e mais próximo, a França, assim como uma recorrente disputa com a Escócia,

que procurava assumir o trono inglês. Era uma ilha, mas tinha seu maior trunfo e perigo na

sua única cidade continental, a cidade de Calais, onde toda sua produção, comércio e pessoas

passavam.

O século XVI é marcado fundamentalmente pelo Renascimento, pelas Reformas

Religiosas, por novas estruturas econômicas possibilitadas pelo comércio e mercantilismo;

novas organizações políticas, sejam elas monarquias absolutas ou parlamentares; novas

relações de política estrangeira, com ênfase no avanço marítimo e descobrimento da América;

e conflitos militares e territoriais que possibilitaram a modificação das práticas das guerras. É

um século marcado pelo desenvolvimento tecnológico auxiliando a expansão territorial e

marítima.

O Renascimento ainda que tenha diferentes datações dependendo do autor, costuma

ser datado de maneira geral dos anos de 1490 a 1560 e tem por característica primordial uma

forte oposição à Idade Média e representa a Idade Moderna por excelência.27

Este momento

aparece especialmente com os novos ideais de homem pertencente à civilização européia, de

um novo mundo em razão das discussões acerca do universo e com a tecnização dita acima.

Teria como características principais: a) um novo tipo de homem baseado no ideal de

civilidade, b) um novo universo a partir das constatações de Copérnico, em que se lança a

ideia de progresso pela técnica e ciência, e por fim, c) uma forte mercantilização e expansão

ultramarina.

É um homem idealizado e trazido nas obras de Baltasar Castiglione com manuais de

cortesania, ou como Norbert Elias afirmou um processo civilizador do homem, cuja principal

característica era a humanitas, um novo sujeito humanista para o período. O homem

26

MAUROIS, André. Op.cit. p.11 27

CROUZET, Maurice (dir.) MOUSNIER, Roland. Op. cit. pp.34-35

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idealizado era aquele que tinha controle de seu corpo, de suas emoções e estava em constante

contato com autores que reforçavam a prática de cortesania nas relações com outras pessoas,

agindo com sabedoria, calma, respeito, entre outros. É necessário destacar que a civilização

ou civilidade é uma imposição de costumes, não uma atitude natural do homem, e, portanto

deve ser entendida como um condicionamento do sujeito.

Elias ressalta que civilização é um conceito que revela “a consciência que o Ocidente

tem de si mesmo. (...) a consciência nacional”28

, além de ser entendido como um processo,

algo que está sempre se movimentando para o devir. Para o autor a manifestação do homem

interior é feita pelo comportamento do homem exterior através de sua postura, conduta,

gestos, expressões, maneira de se vestir e de se relacionar com os outros. E isso teria origem

nos espaços utilizados pela corte, estabelecendo, portanto, um código que passou a ser

seguidos pelos demais extratos da sociedade.

Nesse sentido é indispensável pensar acerca do tratado de Erasmo, pois segundo o

sociólogo alemão é possível perceber que esses manuais de cortesania e comportamento

surgiam num período transitório do “afrouxamento da hierarquia social medieval e antes da

estabilização da moderna”.29

Evidenciando, enfim, que as maneiras devem ser vistas e

relacionadas com pessoas de boa índole e reconhecida por suas práticas ajustadas na

sociedade, pois a partir desse comportamento criava-se um novo status social da aristocracia

(que era absorvido pela burguesia) de controle de maneiras e de comportamentos. Cabe por

fim lembrar que era a própria sociedade que regulamentava e servia de controle para o

exercício dessa prática, o mesmo grupo que realizava era aquele que conferia.

É necessário se pensar que assim como Roger Chartier problematizou no prefácio do

livro de Norbert Elias A Sociedade de Corte que

(...) a corte deve ser considerada como uma sociedade, isto é uma formação

social na qual são definidas de maneira específica as relações existentes entre os

sujeitos sociais e em que as dependências recíprocas que ligam os indivíduos uns

aos outros engendram códigos e comportamentos originais. Por outro lado, a

sociedade de corte deve ser entendida no sentido de sociedade dotada de uma

corte (real ou principesca) e inteiramente organizada a partir dela.30

Chartier também ressalta que a sociedade de corte é formada por três elementos

principais: o monopólio fiscal, o monopólio militar e a prática da etiqueta; e a partir desse

28

ELIAS, Norbert. Op.cit.. 1990. p. 23. 29

Idem. p. 85 30

CHARTIER, Roger. Prefácio. In: ELIAS, Norbert. A sociedade de Corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,

2001. p.8

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último elemento é que Elias procura evidenciar que não há uma separação do homem público

para o homem privado, cada indivíduo possui o seu lugar social e a etiqueta passa a funcionar

como meio de dominação de um grupo sob um indivíduo.

A boa prática de cortesania também possibilitava aos nobres nomeações em cargos

políticos e administrativos de destaque, ou até mesmo nomeações para cargos religiosos como

uma forma de proteção real. A nomeação para cargos religiosos como indicativo de proteção

do rei é acentuada na Inglaterra com a criação da Igreja Anglicana, pois além de Henrique

VIII ser o chefe de estado ele também desempenhava a função de chefe da Igreja, o que fazia

com que fosse uma obrigação real a nomeação de clérigos.

No campo religioso da Inglaterra é imprescindível destacar a mudança ocorrida

através da reforma. A reforma protestante tinha em sua origem obra de eclesiásticos,

especialmente monges, que por motivos religiosos questionavam as práticas da Igreja Católica

e defendiam que a verdadeira religião era fundamentada na relação homem e Deus. Partindo

desse pressuposto a reforma na Inglaterra encaminhou-se também para a arrecadação de

impostos e confisco de terras da Igreja, o que gerou uma estrutura social muito problemática.

Isto porque, os novos proprietários desses terrenos e propriedades passaram a cobrar valores

muito altos nas mercadorias que vendiam, aumentando o número de pessoas que faziam parte

das classes miseráveis inglesas. Ao mesmo tempo, a população agarrou-se as novas

instituições religiosas, agora anglicanas, de ajuda aos pobres. Com esse retorno ao que passou

a ser considerado de “a verdadeira religião” o povo acabou por fortalecer o conceito de nação,

centrado na figura do soberano.

E eram os sujeitos da nação os principais motivos de orgulho inglês. Eles eram ditos

“livres”. Segundo Maurois “Na Inglaterra, a vontade do povo é a primeira coisa viva, e é ela

que irriga a cabeça e todos os membros do corpo político”. 31

E seria justamente o povo quem

orientaria o rei em seu governo, especialmente com o término da Guerra das Duas Rosas, em

que a população e o poder real tinham sofrido muito por conta de uma guerra civil que teve a

duração de 30 anos, o que fez com o Rei não fosse um monarca absoluto, mas um governante

guiado pelo parlamentarismo, onde um povo- evidentemente escolhido- e o rei governariam

tão bela terra.

2.2 A FORMAÇÃO DE UM REINO

31 MAUROIS, André. Op Cit. p.214

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Todavia, ao mesmo tempo em que a Inglaterra se desenvolvia, as monarquias

francesa e espanhola também cresciam e se desenvolviam, o que se tornaria um grande

problema para o século. Diferentes potências buscando expandir-se territorialmente fariam do

século XVI próspero, mas ao mesmo tempo marcado por inúmeros conflitos, sejam de ordem

militar, religiosa ou de áreas de influência. E a Inglaterra marcada por uma nobreza

militarizada, mas por uma ausência de exército profissionalizado sofreria grandes perdas ao

guerrear com reinos como França e Espanha que possuíam um poderio militar profissional.

Outro elemento que enfatiza essa disputa é o fato de que para se ter poderio militar se

faz necessária uma significativa capacidade produtiva, pois dessa forma as nações têm

condições de arcar com os gastos militares, caso contrário ela não teria possibilidades de

manter sua riqueza, podendo enfraquecer o poder político da mesma.32

Segundo Paul

Kennedy era muito improvável que no século XVI a Europa centro-ocidental ascendesse, pois

ao contrário dos impérios orientais, era constituída por regiões com autoridade centralizada e

costumes e práticas constantes. Foi a partir das disputas militares que esse crescimento foi

possível, permitindo que com as constantes disputas as nações da Europa ficassem a frente

das demais nações dos outros continentes- sejam eles conflitos diretos ou competições entre

reinos para estar à frente um do outro.

A rivalidade entre os diferentes reinos possibilitou um importante desenvolvimento

na ciência e tecnologia, contribuindo para um crescimento econômico maior a partir do

comércio além-mar, instrumentos de navegação, implementação de novos alimentos na dieta

européia, novas descobertas no campo científico, surgimento de novas máquinas de impressão

capazes de produzir folhetos em velocidades mais rápidas, entre outros. Ou seja, com uma

grande ascensão do conhecimento, da ciência e tecnologia a Europa passava a ser superior aos

demais continentes.33

Em relação aos conflitos militares, também é neste período que se criam “armadas

reais”, um conjunto de “certo números de navios de guerra regulares, para formar o núcleo em

torno do qual se pudesse congregar uma grande frota de navios mercantes, galeaças e pinaças

armadas em tempo de guerra.” 34

Uma prática constantemente estimulada por Henrique VIII

que através da recuperação promovida por seu pai, possuía uma estabilidade interna e

prudência financeira. Paul Kennedy também destaca que

32

KENNEDY, Paul. Op.cit. pp. 1-2 33

Idem. p. 37 34

Ibid. p. 53

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Reduzindo suas despesas, resgatando suas dívidas e estimulando o comércio da

lã, da pesca e o comércio em geral, o primeiro monarca Tudor proporcionou uma

trégua muito necessária a um país atingido pela guerra civil e pela inquietação; a

produtividade natural da agricultura, o florescente comércio de tecidos com os

Países Baixos, o uso crescente das ricas áreas pesqueiras do litoral e a animação

geral do comércio costeiro fizeram o resto. No setor das finanças nacionais, a

recuperação das terras da coroa e o confisco das pertencentes aos rebeldes e aos

pretendentes rivais ao trono, promovido pelo rei, a receita aduaneira propiciada

pelo crescimento das trocas, e os lucros da Star Chamber e outros tribunais, tudo

isso combinou para produzir um equilíbrio salutar.35

Esse equilíbrio e o tesouro nacional começaram a ser ameaçados pelo primeiro

ministro de Henrique VIII, Cardeal Wolsey, e somente com o confisco das terras da Igreja

realizado pelo secretário Thomas Cromwell a situação financeira teve uma melhora. Através,

portanto, da Reforma Inglesa as receitas reais permitiam investimento nas campanhas

militares empreendidas pelo Rei, mas não deram conta dos custos das guerras contra França e

Escócia, em 1540, o que fez com que os ministros reais vendessem propriedades religiosas,

confiscassem terras de nobres, além de fazerem empréstimos a juros exorbitantes. Ainda que a

Inglaterra do século XVI fosse centralizada e relativamente homogênea, também era evidente

a facilidade de desvio de recursos.36

O comércio do século XVI se tornou inseparável das monarquias absolutistas porque

eram os grandes comerciantes que realizavam a função de banqueiros da época. Ou seja, toda

a manutenção da sociedade passava pelas mãos desse grupo que juntamente ao rei definiam

taxas e valores a serem negociados. É neste momento que as companhias de comércio, a

maior parte voltada ao comércio com o continente americano, aparecem e fortalecem os pólos

comerciais. Nesse sentido que alguns autores como Maurice Crouzet apontam haver um surto

de capitalismo e uma aproximação da burguesia com a nobreza e um afastamento com o

povo.

2.3 A FABRICAÇÃO DO REI

Para Perry Anderson o poder do monarca e a importância do Parlamento Inglês

teriam origem no século XII. Mas ao contrário do que aparenta, a instituição do Parlamento

não enfraquecia o poder real na Inglaterra, isso porque o Parlamento era formado por

membros da nobreza inglesa que apresentava um caráter fortemente militar. Anderson

também destaca que “O governo real centralizado era exercido através de uma pequena roda

35 Ibid. p. 65 36

Ibid. p. 66

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seleta de conselheiros pessoais e homens de confiança do monarca” 37

, que eram solicitados

para a maior parte das decisões que envolviam a política de estado da Inglaterra. Cabe

ressaltar que com o governo de Henrique VII haveria uma significativa melhora da situação

econômica inglesa, o que teria proporcionado ao seu sucessor um governo pautado num

executivo poderoso e um afortunado tesouro, além de conselheiros advindos da confiança de

Henrique VII.

O jurista Francisco Bilac M. Pinto Filho38

destaca que o exercício de poder de um

monarca é dividido em duas atividades principais: o potestas- capacidade de impor

comportamentos – e a autorictas- capacidade de influenciar o comportamento. Segundo ele o

monarca inglês possui poderes e prerrogativas, das quais estas apresentam o sentido de

privilégio e vantagem com relação à autoridade enquanto que os poderes significam a

autoridade de realizar ou não aquilo que a tradição pressupõe. Portanto, as práticas de um rei

estão ligadas muito mais a função que ele ocupa do que o sujeito que ele é.

Ao que se refere à estabilidade do governo inglês, ainda no final do século XV, a

Inglaterra se enriqueceu por conta do significativo aumento de Igrejas em todo o seu território

e o desenvolvimento da imprensa que foi de extrema importância para a educação do povo

inglês. Com o término das guerras também se tornou possível perceber a modificação das

estruturas como a casa, em que os sujeitos/indivíduos teriam mais liberdade e espaços de

intimidade. Neste processo a Inglaterra se encontrava pronta para o desenvolvimento do

comércio, mas faltava-lhe um governante forte. E isso ocorreu com a presença de Henrique

VIII no trono.

Ainda cabe ressaltar que o rei deveria ser visto por seus súditos e para tanto ele

deveria viajar em toda extensão do reino, estabelecendo assim uma nova política territorial.39

Essa prática já era realizada desde a Idade Média e problematiza a ideia de que por um

governo ser centralizado há um reforço da necessidade de seu governante ter conhecimento de

todo o território que está sob seu domínio. Jacques Revel destaca que “Quando se desloca, o

rei delimita o seu território. Faz o seu reino existir e toma a posse dele.” 40

, além de

possibilitar a realização de mapas que dimensionavam o tamanho de um reino e a constituição

jurídica dos condados (o pertencimento a qual lorde, o tamanho da propriedade, os produtos e

tributos entregues a coroa, entre outros fatores.)

37

ANDERSON, Perry. Op.cit. p. 118 38 FILHO, Francisco B. M. P. Op.cit. 39

REVEL, Jacques. Op.cit. p.104 40

Idem. p.109

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Georges Vigarello aponta que em um reinado, a figura do monarca é sempre descrita

de forma pomposa. Segundo ele, as descrições são acompanhadas de elogios ao seu físico, sua

beleza e sua postura quanto governante, pois a partir desses elementos é que espera-se a

dominação de seus súditos. O rei deve ser entendido como a cabeça e o coração de seu reino,

bem como aquele que possui uma autoridade personalizada.41

Devemos pensar que o rei

também é envolto pelas cerimônias do Estado e, portanto, há uma série de símbolos que

fazem parte do seu reinado- os símbolos incluem anéis, coroa, manto, cetro, entre outros

objetos que são relativos a cada uma das dinastias. 42

O próprio sangue é um símbolo da

realeza e da hereditariedade e direito ao trono.

Vigarello afirma que

O rei é a manifestação viva da existência e do poder do Estado em cada um dos

momentos de sua vida: o menor de seus instantes designa o todo. Sem dúvida, é

isto que dá este sentido tão particular à etiqueta e aos rituais que cercam o

monarca clássico, este valor do código físico que excede de longe a simples

vontade de distinção. 43

A prática de cortesania se fez tão importante para o século que até mesmo o Rei era

perpassado por esta. Era de grande deferência que ele fosse conhecedor da etiqueta e do

comportamento ideal de um monarca, afinal para a Inglaterra o rei não era somente seu corpo

físico, mas também corpo político. Desta maneira, Georges Vigarello destaca a figura do rei

como imortal diante de seus súditos, pois apesar do corpo físico do monarca desaparecer, a

figura política do rei nunca some.

Diferentemente do corpo físico do rei, o corpo político nunca sofre de acessos ou

alteração de humor, e fundamentalmente a partir da união entre corpo físico e político do rei,

além das práticas das cerimônias de Estado é que se compreende o ideal de uma monarquia

com apoio divino. Isso porque se entende que pela imortalidade do corpo político o Rei tem

aprovação divina para governar o país.44

No caso inglês, essa ideia se fortalecerá com o

Anglicanismo, onde o rei passa a ser um representante da vontade de Deus tanto como

governante quanto como autoridade religiosa.

Em contrapartida, mesmo que o rei fosse observado em todas as instâncias da sua

vida- no próprio dormitório era cercado por camareiros-, ele tinha a possibilidade de ter

relações mais escondidas que as outras. A referência aqui é direta ao relacionamento com suas

41

VIGARELLO, Georges. Op.cit. pp. 503-505. 42

Idem. p. 511. 43 Ibid. p. 520 44 Ibid. pp. 506-515

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amantes que só passam a ser identificadas após se tornaram amantes oficiais e mesmo quando

o são, dificultam o discurso historiográfico pelas inúmeras ausências de documentação e

detalhes destes tipos de relacionamentos (nesse sentido pode-se pensar sobre a paternidade de

filhos bastardos do rei, pois sempre se coloca a dúvida de quantos eram filhos não

reconhecidos e quantos de fato foram reconhecidos).

Segundo Peter Burke, o rei também era reconhecido como uma figura sagrada, pois

seus contemporâneos consideravam que ele tinha também o poder de curar os males de seus

súditos. Além disso, deveria mostrar ser carismático, isso porque ele era ungido com óleo de

crisma e pelas suas ações enquanto autoridade, e é com este elemento que o rei deve

preocupar-se constantemente, pois seu carisma quanto líder deve ser renovado e reforçado ao

longo de todo seu reinado para que seu povo o apóie em suas decisões.45

Ainda em relação à sacralidade do Rei, Ernst Kantorowicz destaca que “O rei é o

personificador perfeito de Cristo na terra”. 46

Isso porque a figura divina do Rei é baseada

simultaneamente nas figuras de Deus e de homem e, portanto, o Rei representa a si como

sacerdote, bispo e monarca, enfatizando a ideia de dois corpos, mas ao mesmo tempo a ideia

de personae mixtae- aquele que apresenta características espirituais e mundanas.

As monarquias renascentistas foram pautadas na construção da imagem dos reis

através da arte que produzisse uma narrativa sobre o reinado daquele sujeito. Para isso não

eram poupadas palavras que engrandecessem o reino e seu governante. De forma que nem

sempre a imagem produzida pela literatura e pelas artes correspondesse fielmente à figura

real. As pinturas que trabalham com essa temática ficaram conhecidas como retratos solenes e

tinham por finalidade principal fazer com que a expressão e a postura do rei mostrassem toda

a dignidade que o envolvia.

Norbert Elias ainda destaca no segundo volume d‟O processo civilizador: Formação

do Estado e Civilização que a corte na sociedade ocidental além de ser a casa do rei e dos

cortesões também era o local em que o estilo passou a ser produzido e determinado como

modelo de vida do momento. Tendo como origem a corte francesa, as demais cortes passaram

a introduzir maneiras, linguagens e expressões que fossem diretamente relacionadas com as

práticas já realizadas em cada um dos reinos. Pode-se pensar que houve um refinamento das

tradições de cada localidade visando focar as relações humanas por todo o território

conhecido, especialmente ao que se refere à relação rei e súditos que eram fortalecidas através

de juramentos de fidelidade.

45

BURKE, Peter. Op.cit. p. 22 46 KANTOROWICZ, Ernst H. Op.cit. p. 56

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A vida de um monarca também passa a ser pautada por rituais, sejam eles o de ordem

mais pessoal como levantar-se, lavar-se, comer; até rituais públicos como encontros com

embaixadores, com outros reis, nomeação para cargos públicos entre outros. Tudo passa a ser

encenado na vida do monarca pressupondo-se uma série de regras e elementos a serem

seguidos, em que cada gesto, palavra e ação são nutridos de significado e carga simbólica.

Passa-se então a produzir mitos sobre o rei e reforçá-los através de analogias com heróis da

mitologia grega ou romana, em que se faz relação direta com suas qualidades- sejam elas

físicas ou psicológicas- e sua capacidade de governar. A intenção ao produzir esse mito era de

alcançar três grupos muito específicos da sociedade: estrangeiros, cortesãos e as classes altas.

Elias também reforça que a monarquia enquanto instituição social se baseava na

competição entre uma nobreza decadente e uma burguesia ascendente, mas que ao mesmo

tempo produzia uma relação de dependência dos grupos, pois a nobreza precisava da

burguesia para sobreviver enquanto esta precisava daquela para alcançar altos postos e títulos

no reino.

2.4 O REINADO DE HENRIQUE VIII: A CONSOLIDAÇÃO DE UMA

DINASTIA

Emannuel Le Roy Ladurie47

ressalta que a monarquia tem uma essência sagrada

através do sistema simbólico e suas funções. A partir da Renascença produz-se noções de

justiça e dignidade real, e se pensa nas três funções intrinsecamente desempenhadas pelo rei: a

soberania, a sacralidade e a justiça. Portanto, a monarquia se dá pelo funcionamento da corte,

sendo que por corte entende-se os senhores no topo e súditos na base, além das tramas,

comportamentos e ações, que freqüentam o mesmo espaço de sociabilidade- o palácio.

A monarquia absolutista, segundo Anderson, era “um aparelho de dominação feudal

recolocado e reforçado”48

sob domínio de uma nobreza amedrontada, que havia alcançado

esse status a partir da coerção político-legal que se voltou ao grupo mais centralizado e

militarizado. Isso passou a representar a repressão do campesinato e dos pobres pelo

estabelecimento de uma hierarquia social mais rígida. Destaca-se ainda que o que legitimava

um reino por fim, era a dinastia. Isso porque o rei tinha posse do Estado e poderia adquirir

territórios através da união de pessoas.

O inglês também aponta que

47

LADURIE, Emmanuel Le Roy. Op.cit 48 ANDERSON, Perry. Op cit. p. 18

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(...) “a vontade do príncipe tem força de lei”- tornou-se um ideal constitucional

das monarquias do Renascimento, em todo o Ocidente. A noção complementar

de que os reis e os príncipes eram eles próprios legibus solutus, isto é, isentos de

restrições legais anteriores, proporcionaram os protocolos jurídicos para a

supressão dos privilégios medievais, ignorando os direitos tradicionais e

subordinando as imunidades privadas. 49

Todavia, a Inglaterra foi o reino em que o absolutismo teve menor duração por conta

das inúmeras instituições que contribuíam para a manutenção do poder real. Entre essas

instituições a mais atuante no governo de Henrique VIII foi o Parlamento, que foi convocado

pelo Rei para resolver as questões conjugais do primeiro matrimônio real, bem como na

resolução das questões que envolviam a Reforma Religiosa Inglesa.

A historiadora inglesa Antonia Fraser em seu livro As seis mulheres de Henrique VIII

descreve Henrique VIII como o ideal de um rei ou ao menos alguém que tinha a aparência de

um rei. Isso porque tinha cabelos numa tonalidade quase ruivos, olhos azuis, a pele clara-

nesse momento era extremamente importante, pois representava a pureza-, e tinha um físico

quase de herói. Estava sempre envolvido com as atividades físicas, participando de

competições, movido a bailes e práticas cortesãs. Era muito instruído teologicamente e

musicalmente, e só se mostrava impaciente quando não se envolvia em atividades dinâmicas.

Na primeira década de seu reinado ele mostrava-se muito carinhoso e respeitoso com a rainha

Catarina de Aragão.

O conflito com a consorte se colocou a partir do momento que ficou evidente a

impossibilidade de gerarem um filho homem. Isso contribuiu para a raiva e irritação do rei

que defendia, assim como demais membros da sociedade, que as mulheres não haviam

nascido para governar. Os próprios conflitos com Carlos V de Espanha e Francisco I de

França já mostravam a instabilidade de humor do rei inglês, pois este achava inadmissível o

não cumprimento de acordos estabelecidos entre as nações, o que fazia com que diferentes

alianças fossem estabelecidas visando equilibrar o poder dos outros dois monarcas.

A paixão por Ana Bolena teria acontecido de um dia para o outro e foi entendida

como uma paixão forte pelo fato que Henrique VIII escrevia inúmeras cartas de amor para

ela, uma prática que o rei não gostava de realizar. Mas essa nova paixão foi inserida num

processo muito controverso da Inglaterra, pois ao mesmo tempo em que o rei exigia a

anulação de seu casamento com Catarina de Aragão, por considerar que ela nunca havia sido

sua esposa de fato, o papado estava sob domínio de Carlos V- sobrinho da rainha- e Ana

Bolena representava a esperança do rei para o nascimento do tão desejado filho varão. Diante

49

Idem. p. 27

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dessa situação a solução encontrada por Henrique VIII foi o rompimento com a Igreja

Católica e a criação da Igreja Anglicana.

Todavia, Ana sempre questionava e discutia questões de estado com Henrique, mas

quando esta não lhe dá o filho homem e sim uma menina, novamente o rei começa a se

questionar se o casamento teria validade. Com a morte de Catarina e a “incapacidade” de Ana,

Henrique passava a considerar um novo casamento visando fins hereditários. E já tinha uma

dama em vista, Lady Jane Seymour. Enquanto Catarina de Aragão era herdeira de grandes

reis e, portanto, destinada ao governo e ao poder, Ana era movida por astúcia e por

inteligência. Mas a rainha que se seguiria além de inteligente era sensata e virtuosa.

A insatisfação de Henrique e a necessidade de restabelecer alianças com a Espanha

fizeram com que Ana chegasse ao seu fim: a decapitação por traição e adultério. A autora

coloca que para Henrique era preferível se absolver a se declarar culpado com as relações com

as duas rainhas até então. Mas cabe lembrar que ele não era um homem comum para assumir

a culpa pelo fim dos seus casamentos. Razão pela qual “por sua consciência” ele já

organizava seu casamento com Jane Seymour antes mesmo de Ana morrer.

A terceira rainha passou a ser conhecida por sua docilidade e vontade de

reconciliação entre o rei e Mary, sua filha com Catarina de Aragão. Esse instinto maternal da

nova rainha não passou despercebido por Henrique que passou a protegê-la de todas as

ameaças e ataques que podiam ser feitos a Jane. Ao mesmo tempo em que o rei resolvia suas

questões matrimoniais, ele se deparava com inúmeros problemas dentro de seu reino,

especialmente pela questão religiosa que estava posta na Inglaterra. A incorporação das casas

religiosas para a monarquia passava a gerar indignação, pois o reino ainda estava muito

dividido entre católicos e protestantes. Com o início de muitos levantes ao longo do território,

Henrique VIII convocou seus lordes para lutarem contra os rebeldes e deu-lhes a permissão de

fazer o que fosse possível para conter essas manifestações.

Aos 46 anos, em 12 de outubro de 1536, nascia Eduardo VI, o tão desejado filho do

rei. Mas isso significava a morte da rainha por complicações no parto. Diante desta nova

situação, Thomas Cromwell secretário do rei iniciava a procura por uma nova esposa como

mandava a tradição, enquanto Henrique se retirava para viver sua viuvez e o lorde de Norfolk

resolvia as questões do enterro da rainha.

Dois anos após, em 1538, já com 48 anos Henrique VIII estava acima do peso e

abandonara há muito tempo o perfil de príncipe da renascença que casara com as suas duas

primeiras esposas. Mas ainda assim ele continuava a praticar a cortesania e, portanto,

esperava que sua futura esposa- a quarta- despertasse seu lado conquistador e cortês. Para a

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escolha dessa nova esposa o rei entrou em contato com retratos e relatos, ou mesmo ambos,

para que a mulher que mais o agradasse fosse a escolhida. Nesse sentido, o pintor

renascentista Hans Holbein foi indispensável, pois este era de extrema confiança do rei. Para

tanto, a escolhida foi Ana de Cleves, mais por uma questão de importância política e de

alianças territoriais do que por sua beleza. Era a primeira vez que o rei se casava sem nunca

ter visto presencialmente a futura rainha.

Mas quando o Rei conhece sua futura esposa o único sentimento que ele teria

sentido, segundo a autora, foi decepção. Com a demora da chegada de sua noiva e a frustração

com a simplicidade da moça, Henrique encontraria inúmeros motivos para declarar sua

insatisfação com o novo casamento. Contudo, em 6 de janeiro de 1540, Henrique casou-se

com Ana de Cleves por questões políticas e não por amor como tinha feito as duas últimas

vezes. Juntando todos esses elementos o que dificultou ainda mais a nova relação do rei foi a

sua impossibilidade de consumar o casamento com a rainha protestante.

Inserida nessa complexa situação, não havia como a jovem Catarina Howard, com

18/19 anos, não chamar a atenção do rei, especialmente como Fraser coloca: por possuir um

“sex appeal”. A criação dessa jovem parece ser um tanto obscura para a historiografia, pois

pouco se sabe da casa em que foi criada e educada, alguns autores colocam que era uma casa

de prostituição, enquanto outros preferem não opinar sobre o tema. De qualquer forma, com o

desinteresse do rei por sua rainha, Catarina ganharia a atenção e seria alvo das seduções do

rei, declarando abertamente seu interesse pela moça.

A situação com a rainha passaria por uma nova questão de possibilidade de divórcio,

em que o principal culpado pelo casamento seria o secretário do rei: Thomas Cromwell. O rei

acreditava que seu secretário havia pecado com seus afazeres e, por fim, seria possível

conseguir uma anulação diante do fato da não consumação do casamento. Ao ser transferida

para o palácio de Richmond, Ana receberia a notícia de que seu casamento havia sido anulado

pelo rei e que este passava a considerá-la como sua boa-irmã. Em 18 de julho de 1540, o rei

casava-se com Catarina Howard, o mesmo dia em que Cromwell era executado por ter

cometido tal erro.

Fraser relata que Henrique VIII passava a considerar a nova esposa como uma rosa

sem espinhos e que era incapaz de conter-se em público ao acariciá-la. Mesmo feliz, ele

deixava transparecer suas duas principais características: “Primeiro, havia a comiseração de si

mesmo- tudo era culpa de uma outra pessoa- e depois, a sua obstinação- ninguém deveria

opor-se a ele sobre coisa alguma, em momento algum. Não é de admirar que os cortesãos

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tremessem”.50

Mas o que mais chamava atenção nesse momento era a úlcera de sua perna, que

não desinflamava e fazia com que ele, antes invencível em atividades físicas, mal pudesse se

movimentar com destreza.

Henrique continuava a eliminar seus inimigos, após deixá-los na torre e torturá-los.

Para o monarca era essencial que todo o perigo em seu reino fosse destruído. Mas a crise que

se passou não foi externa e sim interna. Rapidamente rumores chegaram aos ouvidos do Rei

do péssimo comportamento e modos da Rainha, bem como possíveis relações extraconjugais

com seus cortesãos. A responsabilidade por declarar a rainha culpada foi do bispo Crammer, o

que resultou no rei um surto de ataques ao seu conselho pessoal, pois ele acreditava que estes

não haviam preparados suas últimas esposas para desempenharem o papel de consorte.

Em 13 de fevereiro de 1542 a Rainha Catarina Howard era executada sob as mesmas

alegações e no mesmo local que sua prima, Ana Bolena, com a diferença que as acusações

feitas contra Catarina possuíam provas e ela era sem dúvida alguma culpada. Após esse fato a

questão do casamento real passa a produzir dúvidas em todo o reino. Segundo Fraser “Claro

que era verdade que depois de cinco esposas e mais de trinta anos de matrimonio, o rei- pela

primeira vez- não tinha ninguém em vista.”51

Em 1543 o humor de Henrique teria melhorado, ainda que sua saúde física estivesse

em muito debilitada. Por mais que diversas pretendentes aparecessem ninguém, nem seus

conselheiros nem os lordes, queriam se envolver com a relação matrimonial real. A mulher

que assumia as funções da esposa do rei na realização de eventos e festas era sua primogênita

Lady Mary. Em meio a esse ambiente é que o monarca conheceria a viúva Catarina Parr, uma

mulher de 31 anos.

Essa escolha tinha a vantagem de não gerar dúvida no reino da não virgindade de

Catarina, mas atestava o quanto esta mulher era feita para os afazeres de uma esposa. Já havia

se tornado viúva pela segunda vez, quando Henrique decidiu casar-se com ela em 12 de julho

de 1543, no Palácio de Hampton Court.

Conhecida por suas qualidades (agradável, bondosa, respeitosa) e por suas

características (era a mais alta das esposas do Rei, o que lhe atribuía uma imagem de

pertencimento a realeza), Catarina Parr exerceu corretamente a função para qual foi

designada: a de mãe para os três filhos do rei, esposa respeitosa para Inglaterra e regente

50

FRASER, Antonia. Op.cit. p. 446 51 Idem. p. 473

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quando Henrique encontrava-se fora da corte. Tanto o é que seu lema foi “Ser útil em tudo o

que eu fizer” 52

.

A figura de regente passou a ser exercida com mais afinco a partir do freqüente

adoecimento do Rei, por conta da úlcera em sua perna, do sobrepeso, de febres constantes e

inchaços por todo o corpo. A autora assinala que por sugestão da Rainha, Henrique passou a

usar óculos para ler, aliviando também possíveis dores de cabeças. Por conta desses inúmeros

problemas com os quais vivia

Em público, o humor do rei continuava a variar: ele fez uma visita à rainha

quando ela ficou doente e tratou-a com muita gentileza; no entanto, cortesãos

experimentados sabiam que juntamente com seus explosivos acessos de raiva o

rei Henrique também tinha uma enganadora capacidade de dedicar um

tratamento polido àqueles que estava prestes a destruir (...).53

Juntando os problemas físicos e as variações de humor, o cansaço e sofrimento eram

os elementos mais visíveis no Rei de meia idade em 1546. E por mais que ele ainda se

recuperasse de algumas doenças era evidente que sua morte se aproximava, o que de fato

ocorreu em 28 de janeiro de 1547. Era o fim de 38 anos de reinado para um homem de 55

anos.

Diante desses fatos fica claro que o corpo do Rei era muito importante, pois era a

personificação do poder- no período em que este era ligado diretamente ao masculino- e

precisava ser e estar exposto aos homens. Por fim, Fraser destaca que a vida deste Rei, e suas

esposas, foi pautada em desejos e paixões, mas ao mesmo tempo pela impossibilidade de o

Rei arcar com suas culpas ou erros.

Já o historiador francês André Maurois ao refletir sobre Henrique VIII no livro A

História da Inglaterra, o apresenta como

um grande príncipe da Renascença é libertino, culto, magnífico e muitas vezes

cruel. Henrique VIII foi tudo isso, mas à inglesa- isto é, sua libertinagem é

sempre conjugal; a sua cultura, teológica e desportiva; a magnificência,

requintada; a crueldade legalmente irrepreensível. 54

Ao assumir o trono inglês em 1509 com 18 anos, era impossível o aporte físico do

Rei passar despercebido. Além disso, ele tinha conhecimentos de teologia, literatura e gosto

por música e pelas letras. Por conta desses elementos é que diferentes humanistas, entre eles

52

Ibid. p.492 53

Ibid. pp. 513-514 54 MAUROIS, André. Op cit. p.241

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Erasmo de Rotterdam e Thomas More, acreditavam que a corte inglesa tinha todas as chances

de se tornar uma corte humanista pautada nos gostos reais e que tinha como secretário geral-

pelo menos no início- o cardeal Wolsey responsável pelo patrocínio à Universidade de

Oxford. O cardeal também possibilitou a junção da competência clerical à autoridade civil

num mesmo homem que detinha, portanto, o poder.

A questão essencial de seu reinado era a manutenção da paz através da substituição

de um rei por seu filho homem. Motivo pelo qual, destaca Maurois, teria levado realmente o

Rei inglês a romper com a Igreja Católica na tentativa de ao casar-se novamente gerar um

filho varão. Cabe ressaltar que havia a tradição de passar o reino por herança feminina, porém

não era praticável uma mulher exercer a função de detentora do poder real, pois a última

Rainha que governara (Matilde- século XII) havia produzido 19 anos de conflitos internos.

Razão pela qual era indispensável que o herdeiro do reino e da dinastia Tudor fosse um

menino.

Diante do impasse que o reino se encontrava acerca da nulidade do primeiro

casamento do rei, seus conselheiros buscavam em diferentes instituições e com diferentes

teólogos a resposta que o Rei desejava. Contudo, nada disso servia se o próprio Papa não

desse o divórcio ou a anulação do casamento. Tendo em vista que isso não ocorreu, a solução

de Henrique VIII foi romper com o Catolicismo e praticar o Anglicanismo, em que o Rei seria

a autoridade politica e divina. Nem mesmo os conselheiros do monarca conseguiam concordar

diante da situação, mas amedrontados com as possíveis represálias todo o conselho Privado

votou a favor do Rei no processo, anulando dessa forma o primeiro casamento com Catarina

de Aragão.

O autor passa a afirmar que após esse momento cada uma das seis esposas do Rei

passou a sofrer com o peso de sua justiça. Maurois acrescenta também que “Quando se estuda

o reinado de Henrique VIII, é difícil reprimir um sentimento de horror. Debalde nos dizem

que reorganizou a frota, construiu arsenais, fundou uma escola de pilotos, anexou o país de

Gales, apaziguou a Irlanda.”55

e afirma ainda que esses inúmeros problemas não ocorreram

nos demais reinos, como o caso da França, pois esta não teve um conflito direto com o

Papado e quando isso ocorreu a separação entre Estado e Igreja foi mais suave e não interferia

no poder civil do Rei.

Já o historiador também inglês, Perry Anderson destaca que Henrique VIII herdou a

Inglaterra com “um Executivo poderoso e um próspero erário”56

. Segundo o autor, as duas

55

MAUROIS, André. Op cit. p. 253 56

ANDERSON, Perry. Op cit. p.118

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primeiras décadas do segundo rei Tudor mudaram muito pouco a questão da segurança interna

da Inglaterra, isso porque o Rei e o Cardeal Wolsey estavam mais preocupados com as

relações externas do que as internas. Somente com o impasse matrimonial é que essa situação

se inverteria politicamente.

A política interna teria se modificado especialmente ao que se refere às leis de

repressão por traição a figura real, fazendo com que o Parlamento assumisse o lugar de um

„órgão‟ repressor e mantenedor da situação inglesa conforme o desejo do Rei. Com esse

exercício de poder, a política interna apresentava um amplo desenvolvimento enquanto que

por conta da localização geopolítica da Inglaterra, o reino sofria constantemente mudanças

nas suas relações exteriores e não compreendia as modificações pelas quais o mundo passava

a ponto de Henrique VIII, mesmo tendo sido superado por França e Espanha em quesitos de

política externa, ainda ter a esperança de se tornar Imperador da Alemanha (típicos desejos da

Inglaterra medieval).

Anderson ainda ressalta que os séculos anteriores ao reinado Tudor foram

fundamentais para a consolidação da nobreza inglesa nas suas mais variadas posições sociais,

com ênfase nas relações comerciais estabelecidas por estes nobres. Nobres comerciantes que

foram indispensáveis para o desenvolvimento do poder naval inglês, contribuindo assim para

que a Inglaterra se recolocasse na disputa por poder com Espanha e França possuindo um

poderio naval significativo- que foi acentuado com o crescimento de guerras no mar em

detrimento das guerras em terra- e ao mesmo tempo voltar a violência para aquilo em que ela

devia ser usada- guerras pelo poder inglês e não conflitos internos.

Dessa forma, para Perry Anderson as principais contribuições do governo de

Henrique VIII foram a implementação da frota naval, que passava a adquirir grande

importância nesse momento, bem como o estabelecimento de uma legislação mais efetiva,

ainda que no caso desse Rei ela tenha sido utilizada muito em favor das vontades dele.

Tendo em vista que as próprias historiografias inglesa e francesa não apresentam um

discurso homogêneo, a análise sobre a representação da vida deste monarca continuará sendo

analisada no terceiro capítulo dessa monografia, em que após observar-se os elementos que

contemplam a relação entre audiovisual e História, mostraremos a representação realizada

pela série de televisão The Tudors em paralelo com a representação produzida pelos discurso

acima analisado.

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3 A TELEVISÃO E A NARRATIVA HISTÓRICA

“Com a televisão, estamos diante de um instrumento que teoricamente,

possibilita atingir todo mundo.” 57

3.1 O QUE É A TELEVISÃO?

Segundo Pierre Bourdieu a ideia principal que a televisão apresenta é que a pessoa

que opta por estar diante das câmeras aceita o fato de que está lá para ser vista. Desta maneira,

o autor afirma que “a tela de televisão se tornou hoje uma espécie de espelho de Narciso, um

lugar de exibição narcísica”.58

Embora a televisão represente um acesso democrático para a população ela também

está inserida num processo de sutil censura. Pois diversos assuntos são impostos, a condição

daquilo que deve ser mostrado é imposta (seguindo a regra do que deve constar na

informação), o tempo é diminuto e muitas vezes há intervenções políticas no seu regimento

(um exemplo disso, ainda que não seja de todo considerado um problema, é a regulamentação

que o Estado fez na mídia acerca da idade mínima do público que deve assistir ao programa

que se segue). É uma autocensura que muitas vezes não é problematizada ou se quer notada

pelo público fiel a este meio de comunicação, mas que segundo seus críticos serve como

“instrumento de manutenção da ordem simbólica”.59

Bourdieu ressalta que a televisão muitas vezes usufrui dos assuntos vendáveis, ao

produzir programas- sejam eles noticiários, séries, novelas- que demonstrem sangue, sexo,

violência e dramaticidade- elemento, aliás, muito visado por essa mídia. Todavia, o tempo

gasto com essas temáticas não é desperdiçado na medida em que eles tendem a revelar algo

até então oculto diante das câmeras. Afinal através de todo programa apresentado há um

discurso político, ideológico e econômico, que não é dito diante do espectador, mas se faz

presente na produção do mesmo.

Um dos principais pontos apresentados pela televisão é sua facilidade em através de

uma imagem produzir um efeito de realidade. Isso significa que sua imagem faz-se entender

como algo passível de credibilidade, bem como representação de uma série de assuntos.

Através desse efeito de real é que opiniões e convicções são apresentadas para o público.

Para tanto, o regimento da mesma é feito a partir da audiência apresentada, pois é

esta que permite o término e continuidade dos programas, o que gerou uma forma de pensar a

57

BOURDIEU, Pierre. Op.cit. p.18 58

Idem. pp.16-17. 59

Ibid. p. 20

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programação a partir daquilo que é vendável e lucrativo, fazendo com que o mercado seja o

legitimador da programação. Bourdieu, assim como Asa Briggs e Peter Burke60

, ressalta que a

televisão como meio de comunicação deve fazer com que todos os seus programas atendam a

necessidades básicas do repasse de informação, o que de certa forma é medido nas audiências,

pois é possível perceber se o público recebeu e compreendeu a proposta realizada por um

programa específico.

A relação entre público e mídia é tão importante que a maior parte dos estudos

relacionados com essa temática visa justamente à recepção e a produção dos programas

exibidos na televisão. Isso porque, devemos pensar esse meio de comunicação como uma

forma de expressão estética e que através de sua extensa programação permite a discussão da

qualidade que a televisão apresenta nos dias de hoje.

O autor também acredita que a televisão proporciona duas ações muito importantes

dentro de uma sociedade: a primeira delas é nivelar por baixo a informação e a segunda é

alcançar a maior parte da população, porém o grande problema para o sociólogo é quando há

uma massificação de uma informação de nível baixo, somente visando à audiência (seria o

caso de algum acontecimento importante ser apresentado somente sob o viés escandaloso ou

mais dramático, sem ocorrer a problematização dos fatos, das pessoas envolvidas, fazendo

com que a população só aceite esse tipo de informação e não com qualidade). A televisão,

portanto, é uma porta para muitos lugares, mas que deve ser cuidada delicadamente por

exercer diretamente influência sobre determinados grupos.

A historiadora Maria Luiza Gonçalves Baracho afirma que

A invenção da televisão nada mais foi que um dos desdobramentos viáveis dos

conhecimentos já adquiridos e das tecnologias que a precederam. Depois do

cinematógrafo e do rádio, era mais ou menos previsível, e se imaginava que

novas pesquisas estariam voltadas para a produção e transmissão de imagens.61

Isso porque já se conhecia diferentes formas de imagem e de som, o que possibilitou

a ideia de juntar os dois meios em um só e produzir uma comunicação mais sintética.

Permitindo que em 1940, com o desenvolvimento e diferentes experiências com imagem e

som, a televisão se tornasse um sistema eletrônico e viável comercialmente.62

Contudo, com o

alcance em diferentes regiões, a qualidade da imagem e do próprio som diminuía, fazendo

com que fosse necessária a instalação de torres de transmissão, bem como o desenvolvimento

60 BRIGGS, Asa; BURKE,Peter. Uma história social da mídia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006. 61 BARACHO, Maria Luiza Gonçalves. Modernidade em preto e branco: a televisão em Curitiba. Tese de

Doutorado defendida na Universidade Federal do Paraná, Departamento de História, Curitiba, 2007. p.31 62 Idem. p. 60

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dos cabos para tornar a qualidade da televisão melhor. Nesse momento, também foi

indispensável o uso do videoteipe que era inserido ao longo da programação para fazer

propaganda em meio à televisão ao vivo. Normalmente o videoteipe possuía o caráter

nacional e era colocado entre a programação local/regional com o intuito de alcançar

diferentes pessoas.

Futuramente, com a transmissão internacional passou-se a utilizar o satélite para

envio e recepção de imagens e sons. Dessa forma, o desenvolvimento da televisão pode ser

pensado passando pelas seguintes etapas: a) local, b) regional, c) estatal, d) nacional e e)

internacional.

Baracho também ressalta que como a televisão- mesmo com essa expansão- não

atingia a todos, o rádio continuava a desempenhar um papel muito forte como meio de

comunicação. O que permitiu que fossem desenvolvidas novas formas e táticas de atender a

demanda e de obtenção de público, diferenciando-se dos demais meios de comunicação, e

diferenciando-se entre as diversas regiões e mecanismos das redes de comunicação de cada

lugar para entreter e obter sucesso com os espectadores.63

Ressalta-se que a televisão não substituiu o cinema ou o rádio; ela passou, a partir de

suas próprias maneiras de transmitir a informação ou produzir entretenimento; a obter seu

público e sua audiência pautada na sua categorização de meio de comunicação. Por conta

disso, quando Pierre Bourdieu afirma que ela produz conteúdo vendável, devemos entender

como um desses mecanismos de comunicação por ela utilizados, entre tantos outros.

A historiadora também aponta que “o que estava (e continua) em jogo para todas as

redes é a maneira como podem e devem atingir o público telespectador, na disputa pela

audiência e pela verba publicitária.” 64

No caso da TV Globo no Brasil, esse ganho de público

ocorreu quando ela passou a ser dirigida dentro dos termos da indústria da propaganda e não

mais como produção artística. Sua programação passou a depender “das estratégias de

comercialização da televisão”.65

Baracho destaca que a televisão brasileira se consolidou a

partir da tentativa de transformar um país desigual em um país igual e unido através da

„telinha‟. Criou-se nesse sentido um imaginário de uma população homogênea e idealizada,

bem distante da realidade do país, permitindo que se entenda a televisão brasileira como uma

televisão voltada ao entretenimento e distração, e não como fonte de informação.

63 Ibid. p.65 64 BARACHO, Maria Luiza Gonçalves. Televisão Brasileira: uma (re) visão. In: Fênix: Revista de História e

Estudos Culturais. Abril/Maio/Junho de 2007. Vol.4. Ano IV. N.º 2. p.3 65 Idem. p.4

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Por fim, cabe destacar que a maior parte das companhias de comunicação que se

tornaram as principais fontes de informação no mundo teve origem na rádiofusão. E podem

ser consideradas hoje como grandes corporações que visam o entretenimento e a informação

nas mais variadas formas de comunicação. Entre elas está a BBC e CBS como veremos a

seguir.

3.2 BBC E CBS, GRANDES CORPORAÇÕES

Já tendo sido apresentado o papel da televisão como meio de criação, cabe fazer-se

uma breve explicação do surgimento e criação das duas empresas responsáveis pela produção

e exibição da série The Tudors ao longo dos anos de 2007 e 2010, a empresa britânica BBC e

a norte-americana CBS.66

A BBC (British Broadcasting Corporation) foi criada em 1922 voltada para os rádios,

e em 30 de setembro de 1929 recebeu permissão do império britânico para ter um canal

experimental. Isso foi de extrema importância para o desenvolvimento da televisão na

sociedade britânica, que passava a reproduzir imagens não mecânicas, sem zumbido, com

silêncio e claridade.67

Desde seu início, a televisão na Inglaterra era considerada como

controle de status, situação que foi se modificando ao longo de sua história. Ainda que desde

sua origem tivesse em seu perfil a definição de empresa que devia dar informação, educação e

entretenimento.

As comédias, conhecidas como sitcoms, também faziam parte da caracterização da

televisão britânica e eram conhecidas por sua popularidade. Foi também na década de 1970

que a unidade da televisão britânica passou a ser conhecida, especialmente por sua capacidade

de rápida adaptação a mudanças, como foi o caso da televisão em cores. Atualmente a rede de

comunicação possui 11 estações de rádio e 12 canais de televisão, e é responsável por séries

como Luther, Dr. Who, Sherlock, entre outros.68

Por ser um canal de televisão britânico, seria de se esperar que suas produções

fossem ambientadas na Inglaterra, como Sherlock. O personagem principal (uma revitalização

do clássico detetive de Conan Doyle para o século XXI), corriqueiramente faz citações sobre

a “Londres moderna”, e em suas aventuras percorre locais e paisagens facilmente

relacionáveis à Inglaterra, assim como são mostradas nos episódios freqüentes amostras de

cultura e costumes britânicos e londrinos.

66 Para um breve histórico da origem da televisão, consultar os anexos da monografia. 67

BRIGGS, Asa; BURKE, Peter. Op. cit. p.179 68 Informações disponíveis em: http://www.bbcentertainment.com/lat-am/, acesso em 25 de novembro de 2011.

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Todavia, este “ambiente inglês” assume uma característica ímpar em pelo menos

uma das séries da BBC: Doctor Who. Mesmo que posteriormente a série tenha focado muito

mais em seu lado de ficção científica, inicialmente ela possuía mensagens muito mais

educacionais de ciências e história britânica e mundial. Independente destes dois

“paradigmas” do seriado, desde 1963 (ano de estréia) Doctor Who mergulha no “ser”

britânico. Mesmo sendo seu personagem principal um alienígena com mais de 900 anos capaz

de atravessar todo o tempo e o espaço com sua nave TARDIS, dificilmente o seriado se afasta

muito da Inglaterra. O Doutor adora tomar chás, é amigo de (quase) todos os reis e rainhas da

história britânica (além do primeiro-ministro Winston Churchill nos episódios ambientados na

Segunda Guerra) e declara sem pudores seu fascínio pela humanidade – em especial os

britânicos. Sua própria nave-espacial, em forma de cabine da polícia londrina de 1960, hoje é

um símbolo da cultura pop na Inglaterra.

Por estes motivos, talvez não seja mera coincidência que seja exatamente a BBC que

produzirá um seriado sobre a história do início da dinastia Tudor, uma das mais emblemáticas

famílias reais da história britânica.

Enquanto isso, a CBS (Columbia Broadcasting System) foi criada em 27 de janeiro

de 1927 nos Estados Unidos como empresa de rádio e possuía no final do mesmo ano cerca

de 16 afiliadas espalhadas pelo país. Somente em 1939 a companhia começou a fazer parte do

ramo televisivo e na década de 50 era a maior rede de transmissão, tendo como slogan “Da

cidade da Televisão em Hollywood”.69

Atualmente a rede possui 226 canais em todo o

território americano e é responsável por inúmeras séries e sitcoms como How I met Your

Mother, Two and a half Men, CSI, The Bing Bang Theory, Criminal Minds, além de clássicos

como I love Lucy e Star Trek, entre tantos outros. 70

3.3 RELAÇÃO AUDIOVISUAL E HISTÓRIA

O diálogo entre historiadores com as mídias audiovisuais se tornou mais próximo a

partir das décadas de 1980 e 1990, em que os acadêmicos começaram a problematizar a ideia

de que filmes, hoje também podemos pensar na mídia televisiva e na internet, eram

produtores de História. Todavia, em pleno século XXI devemos compreender que a

experiência audiovisual não é composta só por discurso, mas também pelas imagens em

movimentos apresentadas em diferentes telas, com inúmeros aspectos sonoros e efeitos

visuais. Foram os então chamados historiadores pós-modernos que tentaram entender a

69 Informações disponíveis em: http://en.wikipedia.org/wiki/CBS, acesso em 25 de novembro de 2011. 70 Informações disponíveis em: http://www.cbs.com/, acesso em 25 de novembro de 2011.

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prática da História nesse século, através dos dois maiores meios de transmissão de histórias

produzidos já no século XX, o cinema e a televisão. Isso porque, as duas tecnologias têm a

possibilidade de unir temporalidades distantes, factuais ou ficcionais, movidas por um enredo

voltado ao público exigente e acostumado com essa nova forma de pensar o mundo.

Mas deve-se problematizar o que se entende por história para que a relação com o

audiovisual seja passível de conversa. Segundo Robert Rosenstone, um historiador do cinema,

“Vemos a história (com H maiúsculo) como um tipo de prática especial, que insiste em um

certo tipo de verdade histórica e tende a excluir outras.” 71

Para o autor, os historiadores

tradicionais consideravam que a verdade sobre o passado é dada através do empirismo do

discurso e que portanto, tem fundamentação para ser considerada verdadeira.

Contudo, devemos pensar que a mídia visual representa uma forma pela qual a

História pode ser transmitida, considerando que essa forma não segue um padrão, ela é

mutável de acordo com a necessidade de exibição dos acontecimentos. Razão pela qual a

História dos livros nunca corresponderá aos dos meios audiovisuais e vice-versa. Desse modo,

o cinema, objeto de estudo de Rosenstone, depende do conhecimento do historiador

tradicional para que sua narrativa histórica aconteça. Afinal a intenção de um filme histórico

não é de propor verdades literais sobre o passado, mas sim criar metáforas sobre aquilo que se

pretende dizer.

Dessa maneira, além de se entender o que é considerado História, para os estudos de

audiovisuais, também é indispensável se compreender como o passado é utilizado pelos

cineastas. O passado é pensado a partir da reconstrução dos acontecimentos da História

através da interpretação do ator e da retomada das características do período. Cabe portanto,

pensar que cada audiovisual faz reflexões diferentes sobre um mesmo fato histórico e que não

é por utilizarem pontos de vista distintos que eles não devam ser considerados discursos

históricos. Rosenstone afirma que

Como o acadêmico, o cineasta pode manter um ponto de vista desse tipo apenas

por meio do próprio ato de contar o passado: o que quer que a humanidade tenha

perdido- diz a mensagem implícita- agora está redimido pela criação desta obra,

pelo testemunho dos erros históricos que este filme nos permite compartilhar.72

Dois historiadores foram fundamentais para que a relação entre História e

audiovisual fosse realizada. Os franceses Marc Ferro e Pierre Sorlin, a partir da década de

1970 começaram a refletir sobre a influência do cinema no conhecimento histórico. Para

71

ROSENSTONE, Robert A. Op.cit. p.19 72

Idem. p. 35.

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Ferro, os filmes deveriam ser considerados como objetos culturais com características de seu

período de produção e como uma contra-análise da sociedade. Em contrapartida, para Pierre

Sorlin os filmes deviam ser entendidos como encenações do passado, mas sob o ponto de

vista ficcional, sem elementos históricos envolvidos.

Anos depois, a historiadora norte-americana Natalie Zemon Davis se questionava

sobre a possibilidade de existir uma escrita fílmica da história ou entender o filme como

narrativa histórica. Isso porque, segundo ela, para a análise de audiovisuais deveriam ser

pensados três principais elementos: a gênese do filme, a sinopse que incluía personagens e

fatos, e por fim, os possíveis julgamentos promovidos pelos filmes.

A maior parte dos problemas na análise de audiovisuais surge por conta do

posicionamento dos historiadores. Isso porque normalmente estes esperam ver nos

audiovisuais aquilo que está disposto nos livros, os fatos. Todavia, os audiovisuais não são

somente fatos, são o agrupamento de dramaticidade, interpretações, efeitos sonoros e visuais.

Razão pela qual a mídia audiovisual deve ser entendida como uma maneira de comunicação

que mescla o literal, o real, o poético e o metafórico. Precisa-se pensar antes de tudo que além

daquilo que é mostrado nas telas diante do espectador, há uma série de fatores que

influenciam a produção de um audiovisual, e muitas vezes a própria maneira pela qual

produtor e diretor compreendem o passado interfere na narrativa que será apresentada.

Os audiovisuais nunca conseguiram transpor as histórias dos livros e nem o

contrário. Ambos são construções distintas e com características diferentes que podem

abordar a mesma temática sob diferentes pontos de vista. Dessa forma, assim como a História

que é formada por vários gêneros, os audiovisuais também o são e ambos constroem suas

narrativas por meio de discursos que visam fazer com que o passado seja compreensível para

o presente. Seja na História ou na mídia sempre ocorrem opções por aquilo que será

apresentado e de que forma ele deverá ser apresentado ao público. O audiovisual segue o

mesmo modelo da História ao se propor a responder as perguntas do espectador sobre aquilo

que este desconhece.

Assim sendo, o discurso do audiovisual é elaborado através dos seguintes elementos:

a narrativa, os personagens, o passado considerado como algo já terminado, o sentimento

vivido pelos personagens e que envolvem o espectador, os elementos visuais que recriam o

passado de acordo com o ponto de vista da equipe de produção, e por fim, o entendimento que

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a história é um processo e por isso precisa de início, meio e fim, além de conflitos ao longo da

narrativa.73

Marc Ferro, segundo Andrea Paula dos Santos, também pensava o filme como uma

forma de externar convicções políticas, ideológicas, sociais e culturais de determinados

grupos, bem como seus interesses e preferências. Para ele, um filme não devia ser considerado

obra de arte, mas sim uma imagem objeto testemunha do período em que foi produzida.74

O historiador francês destaca que nos anos 1990 a imagem sofria uma reviravolta

muito significativa, pois mesmo tendo alcançado sucesso era alvo de suspeitas. Isso porque

até então ela estava por toda parte, nos costumes e opiniões, e em seguida procurou elaborar

um discurso verdadeiro daquilo que exibia e, portanto, passou a ser questionada pelo que

deveria ser visto como verdadeiro. 75

Nesse momento não é somente o filme que é considerado um agente da História, mas

a própria televisão, pois ambos buscam a conscientização de seu público. Evidenciando

especialmente que o Estado e suas diferentes instâncias procuravam monopolizar o discurso

sobre a sociedade e controlá-lo na medida do possível (é só pensarmos no caso da BBC na

Inglaterra ou nas leis federais que regulamentam os meios de comunicação). Esse controle se

tornou até submissão, no caso dos regimes soviético e nazista durante a Segunda Guerra

Mundial em que a mídia foi utilizada como forma de propaganda política para apoiar os

regimes políticos em vigor.

Por conta disso, a mídia audiovisual passou a tomar o posicionamento de ser o meio

pelo qual a população poderia exercer sua consciência social na produção e recepção dos

acontecimentos e até mesmo nas formas de entretenimento com que entravam em contato.

Assim sendo, fica evidente que a mídia estabelece uma relação conflituosa com os sistemas

que a regem, afinal há divergência de opiniões e papéis hierárquicos que influenciam a

exibição dos pontos de vista.

Segundo a comunicadora Mônica Almeida Kornis a televisão hoje busca além de

retratar o presente se voltar ao passado, considerando que este passado é produzido por um

olhar do presente. Nesse sentido a autora também ressalta que

Recuperar a historicidade das questões que envolvem a relação entre narrativas

audiovisuais e história é, (...), que procura demonstrar os vários caminhos

73

Ibid. pp. 75-77 74

SANTOS, Andrea Paula dos. O audiovisual como documento histórico: questões acerca de seu estudo e

produção. Disponível em: http://www.mnemocine.com.br/pesquisa/pesquisatextos/andrea1.htm acesso em 20 de

junho de 2011. pp.1-2 75

FERRO, Marc. Cinema e História. São Paulo: Paz e Terra, 2010. p.10.

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trilhados por um debate freqüentado por realizadores de cinema e televisão,

críticos de linguagem audiovisual, historiadores e cientistas sociais e marcado

por visões diferenciadas de história, cinema e televisão. Essa perspectiva destaca

como a linguagem audiovisual, ao longo de todo esse tempo, construiu formas de

representação e de reconstrução do passado em contextos históricos diversos e

segundo diferentes concepções estéticas. 76

Portanto, para que se possa realizar a análise histórica de um audiovisual é

imprescindível que se entendam quais são as concepções de passado que envolvem as duas

áreas propostas, a História e o audiovisual.

3.4 ELEMENTOS PARA ANÁLISE

O modelo padrão para um audiovisual é aquele carregado por características

melodramáticas, que muitas vezes imersos num fato específico da história apresentam

indivíduos no centro de processos históricos, em que os efeitos visuais e sonoros contribuem

para despertar o sentimento e o reconhecimento do espectador naquilo que ele vê, surtindo

diferentes emoções que são indispensáveis para o acompanhamento da narrativa. Até mesmo

a linearidade da narrativa munida de valor moral ajuda para o envolvimento do espectador,

reforçando o emocional do público.

Natalie Zemon Davis destacou que a análise do audiovisual era prevista através do

conhecimento sobre o contexto do passado, não somente nos elementos externos a

interpretação, mas ao próprio fato de que os atores não sabem como seus personagens agiam

ou se portavam na sociedade, permitindo a eles uma releitura dessas práticas buscando uma

verossimilhança, mesmo que fosse necessário inventar movimentos, busca-se ao menos uma

referência ao modelo que devia ser feito no período representado.

Os possíveis julgamentos presentes nos filmes, como citado no subtítulo anterior, são

relativos à verossimilhança em tudo aquilo que compõe o filme. Seja a trilha sonora, exatidão

de detalhes, a própria interpretação dos atores, os objetos de preenchimento de tela, o

conjunto desses elementos pode ser utilizado para qualificar um audiovisual como bom ou

ruim. Para Davis, a maior parte das obras consideradas boas são aquelas que apresentam os

fatos, as interpretações são coerentes com a temática abordada, mas pensam a verdade

histórica de forma metafórica.

Robert Rosenstone enfatiza que a análise de um audiovisual deve passar pelos

seguintes elementos: compreensão e condensação (as adaptações de personagens ou fatos que

possam melhorar a narrativa), deslocamentos (temporal ou espacial), alterações, diálogos (a

76

KORNIS, Mônica Almeida. Op. cit. p.10

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maneira pela qual as ideias dos personagens são apresentadas), personagens (as interpretações

feitas pelos atores a partir da pesquisa realizada sobre a personalidade que vão representar) e

por fim, o drama (a maneira pela qual a narrativa foi proposta para que o público acompanhe

e se envolva com aquilo que ele vê).77

Já para o historiador Marc Ferro a análise deve ser pautada nos seguintes elementos:

narrativa, cenário, discurso, equipe de produção, público, crítica, período de produção, entre

outros. Pois dessa forma além de se entender o objeto é possível entender a realidade histórica

que ele apresenta.78

Para Ferro o filme deve ser considerado como um agente da história,

principalmente por revelar as realidades políticas e sociais do período em que foi produzido,

subentendendo-se então, o que ele entendia como uma contra-análise da sociedade.79

Para

tanto, era indispensável que as condições dessa produção fossem/sejam analisadas, através do

estudo e crítica das mesmas.

Mônica Kornis ressalta que os historiadores ingleses Anthony Aldgate e Jeffrey

Richards também passaram a se preocupar com a análise de produtos audiovisuais, pensando

que os elementos a serem problematizados seriam:

a) os elementos que compõem o conteúdo, como roteiro, direção, fotografia,

música e atuação dos atores; b) o contexto social e político da produção, assim

como a própria indústria do cinema; e c) a recepção do filme, considerando a

influência da crítica e a reação do público segunda idade, sexo, classe e universo

de preocupações. 80

Mostra-se presente, desse modo, que os historiadores que iniciavam seus estudos

acerca dos audiovisuais ainda estavam ligados com a metodologia de análise de fontes

históricas que pressupõem a problematização do conteúdo e dos elementos que a constituem.

A autora também ressalta que a verossimilhança produzida pelas fontes audiovisuais

ao se pensar temáticas históricas são produzidas a partir de elementos muitos técnicos da

produção audiovisual. Seriam eles: a mudança de tempo e espaço- uso de campo/contra

campo da câmera, aproximação ou distanciamento-, e uma ideia falsa de que o espectador é

quem tem controle sobre aquilo que ele próprio vê, efeitos permitidos pelo uso da montagem,

das seqüências de cenas, iluminação, enquadramento e uso de diferentes ângulos- indicando

diferentes pontos de vista-, além do controle das emoções que permitem o envolvimento do

público com o objeto visto.

77

ROSENSTONE. Op cit. pp.64-65 78

SANTOS. Op cit. p.2 79

KORNIS. Op cit. p. 26. 80

Idem. p.37

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39

O clássico autor Ernst Gombrich é citado no artigo de Johnni Langer ao afirmar que

“todo artista visual é condicionado em seu trabalho por padrões culturais de fundo

inconsciente que acabam por interferir mesmo em seu estilo artístico”81

. Para Langer, isso

indica que através dos padrões culturais é possível se pensar no reforço que o audiovisual

produz sobre a formação do imaginário popular acerca da História.

Ao longo de seu artigo Langer defende que todo e qualquer filme histórico é definido

por conter em sua narrativa conteúdos que se remetam a fatos históricos. E para analisar estes

filmes além do que já foi dito acima, se precisa escolher tema, período e contexto, possuindo

conhecimento bibliográfico sobre o assunto a ser tratado, pois assim como a historiadora

Cristiane Nova afirma um filme só responde ao que for questionado. Logo se precisa conhecer

para poder questionar.

É essencial na análise que se destaque o conteúdo do filme e em menor importância

os aspectos estéticos e comerciais. Quanto ao conteúdo externo ao filme deve-se observar

qual o período cronológico de produção da obra, as diferentes versões que se apresentam, as

alterações realizadas por órgãos que não a produção, os profissionais que estiveram

envolvidos no decorrer do filme, a forma estética como foi produzido e a forma como foi

divulgado. Já em relação ao próprio filme deve-se notar seu conteúdo objetivo (roteiro), o

conteúdo implícito (aquilo que deve ser visto) e o conteúdo inconsciente (é o que ultrapassa a

intenção do diretor e da produção).

Em artigo de Eduardo Victorio Morettin, ao analisar as obras de Ferro, ele considera

o cinema como uma testemunha de seu tempo, e que nem mesmo a censura pode dominá-lo,

ainda que ele possua uma tensão estabelecida pela sociedade em que se inclui. É

imprescindível perceber que todos os filmes possuem uma ideologia e que na maior parte das

vezes é mais fácil notá-la durante a execução do filme, do que pela entrevista com a produção

envolvida.

Para a produção de um filme histórico Morettin acredita haver quatro formas de

apresentação. A primeira vem do positivismo, em que se busca a veracidade da produção; a

segunda a de transcrição fílmica, que é a reprodução de um discurso já elaborado; a terceira

de estilo novelesco, não há muita historicidade no filme, apenas personagens históricos; e a

quarta de estrutura histórica, em que se relacionam diferentes temas por possuírem assuntos

em comum. Um filme desta forma acaba por possuir duas funções básicas: a de trazer

informações complementares sobre o tema e de demonstrar como era um pensamento ou uma

81

LANGER, Johnni. Metodologia para análise de estereótipos em filmes históricos. In: REVISTA

HISTÓRIA HOJE. SÃO PAULO, Nº 5, 2004. p.2

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idéia da época. Portanto, podemos considerar os elementos de análise cinematográfica como

um referencial para a análise de séries, observando com cuidado, as características que são

pertinentes a somente um dos meios de comunicação.

3.5 O QUE A SÉRIE CONTEMPLA?

Para este trabalho é indispensável se pensar as características e elementos formadores

de séries televisivas estrangeiras. E para tanto o artigo da mestre em Comunicação Márcia

Rejane Messa, A cultura desconectada: sitcoms e séries norte-americanas no contexto

brasileiro82

, tenta suprir essa lacuna bibliográfica nos estudos de séries estrangeiras no Brasil,

bem como entender a repercussão atingida por esses meios de comunicação em um contexto

tão diferente do norte- americano, o latino americano- especialmente o brasileiro.

A autora inicia seu artigo ressaltando que no século XXI a televisão possui como

função essencial informar e produzir emoções em seu espectador. Ao pensarmos sobre o

status de sitcoms e de séries estrangeiras devemos tomar como elemento norteador a diferença

primordial entre contexto de produção e de exibição. Em nossa pesquisa pensamos como

contexto de produção os elementos formadores das sociedades norte-americana, canadense,

irlandesa e inglesa, ao mesmo tempo em que o contexto de exibição pensado neste caso faz

referência ao contexto brasileiro. Nesse sentido, Messa também problematiza a forma de

exibição dessas séries, pois a maior parte delas é feita por canais da televisão fechada (cabo),

o que já indicaria uma discrepância e ao mesmo tempo uma seleção do público que as vê. Em

contrapartida, devemos pensar que ainda que essa separação apontada pela autora ocorra,

levantamos em nossa pesquisa que nos dias de hoje há uma significativa parcela do público

que ao ter acesso à internet faz downloads das séries e qualifica o espectador de uma maneira

um pouco mais abrangente, questão que passa despercebida pela autora.

Márcia Messa ao longo do artigo define série como um gênero televisivo de

entretenimento e simultaneamente um programa com linha dramática mais desenvolvida que

programas voltados ao humor a partir de situações cotidianas- os sitcoms. A série, segundo a

autora, teria como características fundamentais a continuidade narrativa, episódios de 40 a 45

minutos sem intervalos comerciais e uma aproximação direta com o discurso cinematográfico

ao utilizar cineastas nas direções de alguns episódios. Destacamos também nesse sentido o

82

MESSA, Márcia Rejane. A cultura desconectada: sitcoms e séries norte-americanas no contexto

brasileiro. UNIrevista, vol.1, n.3: julho 2006. Disponível em:

http://www.alaic.net/ponencias/UNIrev_Messa.pdf acesso em 20 de junho de 2011. A dissertação de mestrado

de Messa é intitulada “As mulheres só querem ser salvas: Sex and the City e o Pós-feminismo” (2006) e deu

origem ao presente artigo.

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caráter de grandes produções que a série adquire ao possuir grandes sets de filmagens, uma

produção muito bem elaborada e altos custos.

Para a autora, as séries através dos fatores mercadológicos, contribuem para

estabelecer regras de comportamento, bem como intervir na identidade dos indivíduos. Isso é

exacerbado ao percebermos a continuidade estabelecida pela narrativa que acaba por reforçar

ou questionar os valores de uma sociedade, fato que deve ser levado em consideração ao

estudar-se uma série estrangeira num contexto diferente, como aponta a comunicadora.

Tendo em vista a importância da continuidade narrativa, Messa lembra que nesses

meios de comunicação é indispensável o acompanhamento do enredo e que ao depender desse

elemento já se estabelece o envolvimento do espectador com aquilo que ele vê. Devemos

pensar também, como informa a autora, que o envolvimento do público ocorre quanto este

sente prazer ao longo da narrativa por identificar-se com situações ou elementos apresentados

pela série. Para tanto, Messa ressalta que esse prazer vivido pelo público ocorre especialmente

devido ao mundo ficcional representar momentos e personagens que parecem reais, mas onde

a realidade passa a ser relativa, pois cada sujeito tem uma percepção sobre aquilo que vê,

tendo como base sua subjetividade. Podemos exemplificar isso com séries como Grey‟s

Anatomy e Deseperate Housewifes que dramatizam a vida cotidiana; no primeiro caso de

médicos e problemas dentro de seu ambiente de trabalho, e no segundo de mulheres

suburbanas e suas relações com a vizinhança; até com sitcoms como How I met Your mother,

Two and a half men, Friends, que através do humor mostram situações dos cotidianos de

adultos com suas relações e emprego.

A autora encerra seu artigo recordando que apesar da resistência dos canais nacionais

em absorverem o modelo norte-americano de séries, o papel do canal fechado HBO é

fundamental, pois este possibilita que produções latino-americanas cheguem ao público

diferenciando-se da estrutura narrativa e mercadológica de telenovelas, papel diferente do

exercido pelo canal no início de sua exibição. As principais produções latino americanas do

canal elaboradas nos últimos anos foram Mandrake, Alice, Capadocia, Epitafios, Filhos do

Carnaval, entre outras.

Ao considerarmos os aspectos apontados pela autora para a análise de séries

estrangeiras, é que buscaremos entender os diferentes contextos que envolvem nossa fonte,

bem como a importância que ela possui ao representar o século XVI e uma dinastia forte para

Inglaterra, em pleno século XXI ao alcance de diferentes grupos, com identidades e valores

muitos diversificados entre si. Também procuraremos problematizar a série estudada como

produto de uma sociedade específica e formada por elementos muitos característicos das

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séries estrangeiras, que como destacados por Messa se diferenciam das telenovelas ou séries

brasileiras. É fundamental compreender o discurso e os modelos presentes nas séries

estrangeiras, pois são eles que problematizam os conteúdos ou assuntos tratados em séries

como a estudada nessa pesquisa. Assim sendo, se faz indispensável entender a importância do

discurso televisivo ao se pensar o alcance que este meio possui dentro de diversas sociedades.

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43

4 A FABRICAÇÃO DO REI: ANÁLISE DA SÉRIE THE TUDORS

“Você pensa conhecer uma história, mas sabe apenas como ela acaba. Para

chegar ao coração da história, precisa voltar ao começo.” 83

4.1 ANÁLISE GERAL DA SÉRIE

Antes de começar a análise da representação de Henrique VIII ao longo das

temporadas compete destacar alguns elementos que são constantes em toda a série. O

primeiro deles seria sobre a imagem que é mostrada para o público, pois grande parte das

cenas utiliza o plano americano, ou seja, mostra as personagens do tronco para cima

evidenciando, dessa maneira, o rosto do personagem, contribuindo para uma rápida

identificação de quem é visto. Quanto ao foco no rosto das personagens é perceptível a

preocupação dos diretores e da produção em sempre destacá-los e iluminá-los. É recorrente o

uso dessa técnica para evidenciar as emoções das personagens e ao mesmo tempo fazer com

que o público se concentre nas reações delas. É uma forma de fazer o espectador se identificar

e se relacionar com aquilo que ele vê.84

Outro elemento muito claro é a tentativa de mostrar uma verossimilhança em relação

à luminosidade do ambiente que a cena está sendo gravada, e, portanto, transmitida. Isso

porque em ambientes fechados, a iluminação é bem restrita, o que faz com a imagem seja

escura aos olhos dos espectadores. Entendemos que através do artifício do uso de candelabros

e velas em cena –objetos que eram utilizados como fonte de iluminação no período retratado-

além de buscar a verossimilhança com o passado que está sendo representado também

contribui para melhorar a imagem que está sendo vista. Evidentemente que no processo de

edição dos episódios houve a utilização de filtros para melhorar a qualidade da imagem.

Porém o uso de iluminação artificial se mostra evidente, somente quando ocorrem os closes –

focos - nos rostos dos personagens e percebemos que houve a necessidade de usar a

iluminação de forma mais efetiva para transpor o objetivo dos diretores na expressão dos

atores.85

Também se deve pensar acerca da sonoplastia. A maior parte do som produzido pela

série é de caráter diegético - faz parte da cena, ele não foi inserido depois -, a maioria dos sons

é dos próprios diálogos ou das freqüentes festas e artistas em atividade mostrados nas cenas.

Dificilmente há uma música colocada sobre a cena como é freqüente em filmes, por exemplo,

83

Texto apresentado na abertura dos episódios da série. 84

AUMONT, Jacques. A Imagem. Campinas: Papirus, 1995. pp. 219-220 85

Idem. pp. 252-253

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todos os sons são da própria cena e por conta disso, é possível pensarmos que assim como a

iluminação, houve ao longo da edição o uso de filtros para que aquilo que devesse ser ouvido

fosse colocado em destaque, retirando, dessa maneira, chiados ou sons que atrapalhariam a

emoção ou o próprio objetivo da cena a ser vista. 86

Em contrapartida, um som não-diegético utilizado é quando há a leitura de algum

documento, sejam eles cartas de amor ou declarações de morte, em que durante essa leitura

são mostradas cenas intercaladas dos envolvidos naquilo que é lido, juntamente com a pessoa

que está lendo ou durante a escrita daquilo que é lido. Através desse artifício há uma dinâmica

naquilo que está sendo mostrado, pois além de ser visto, ele deve ser relacionado com o texto

e interpretado. Há a intenção de se criar uma tensão para o espectador, pois dessa maneira ele

está vendo as personagens e sabe através do que é lido/dito aquilo que vai ocorrer com elas,

seja de forma positiva ou negativa. Esse elemento ocorre com freqüência nos minutos finais

dos episódios, o que permite criar uma tensão e uma expectativa no telespectador naquilo que

será mostrado adiante, muitas vezes na semana seguinte somente, ou meses depois, quando

isso ocorre no final das temporadas.

Em relação ao enredo elaborado pela série, seguem-se os acontecimentos históricos

da Inglaterra e da vida de Henrique VIII, ainda que tenha sido necessário um condensamento

de informações para que a narrativa tivesse mais velocidade e estabelecesse a relação com o

público a partir das emoções que ela transmite, assim como Márcia Messa ressaltou87

. Há

evidentemente alguns aspectos ficcionais na série, especialmente se recordamos a afirmação

de Bourdieu, em que a televisão também pressupõe comercialização daquilo que ela mostra.88

Devemos pensar também na intenção de Michael Hirst ao produzir essa série.89

Ele

aponta que seu objetivo na realização da série era de eliminar estereótipos tão conhecidos

dessa monarquia. Ao trazer um ator jovem, fisicamente bonito e com uma capacidade

excepcional de interpretar um Rei tão diferente dos demais papéis feitos por ele, Hirst queria

contrapor a imagem que temos de Henrique VIII gordo, violento, sanguinário, tirano e um

glutão. O produtor queria que as emoções do Rei fossem vistas, que suas alegrias, tristezas e

revoltas fossem entendidas pelo público. Razão pela qual cobrava de todos os atores

envolvidos o máximo da interpretação de cada um, pois qualquer cena gravada podia ser

utilizada para a série, e esta cena tinha que demonstrar toda a emoção e sentimento para a

história que seria narrada. Para ele, era indispensável mudar a ideia desse Rei estigmatizado,

86

AUMONT, Jacques; MARIE, Michel. Dicionário teórico e crítico de cinema. Campinas: Papirus, 2003. p.77 87

MESSA, Márcia. Op.cit. 88

BOURDIEU, Pierre. Op.cit. 89

A entrevista foi concedida para o Box da 1.ª temporada da série.

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para um monarca viril, atleta, instintivo, vigoroso e inteligente; e principalmente fazer isso

baseado em fatos históricos.

4.2 PRIMEIRA TEMPORADA

A primeira temporada da série90

tem como enredo central os eventos que ocorreram

entre os anos de 1518 e 1530 no reinado Tudor, nos quais os principais temas trabalhados

foram as transações internacionais e a necessidade de um filho varão para o reino de

Inglaterra, o que resultaria no mal estar do rei com sua esposa Catarina de Aragão e

posteriormente seu divórcio e o casamento com Ana Bolena.

Nesta temporada a representação de Henrique VIII se dá através da relação dele com

práticas de esportes, de jovialidade, um reforço de sexualidade, danças e estar sempre vestido

com cores vibrantes. No primeiro episódio da série já temos um panorama das características

do rei, pois uma das primeiras cenas evidencia a ânsia de guerras que ele possuía no intuito de

ser um conquistador e se mostrar corajoso e valente diante de seus súditos. Ao mesmo tempo

em que seus conselheiros já demonstram que a vontade do Rei deve ser realizada

independente de qual seja a melhor solução para o reino.

Em seguida, podemos conferir a representação atlética e jovem do rei, pois ele é

mostrado jogando uma espécie de tênis junto ao seu melhor amigo Charles Brandon, bem

como cortejando muitas mulheres, se declarando um jovem leão, em referência ao símbolo de

sua dinastia, ou mesmo um garanhão, fazendo alusão à fertilidade dos cavalos.

Diante disso ele considerava-se imbatível, por não ter se machucado após a queda do

cavalo em um torneio de justa realizado em seu reino (IMAGEM 1). O que é conflitante

quando ao cair em um lamaçal, ele se adoenta e fica febril, a primeira de muitas febres que

viriam, sendo necessário que seus médicos o sangrassem para aliviar os humores.91

O rei

possuía uma preocupação recorrente com sua saúde a ponto de ter uma “farmácia” particular,

bem como ter uma boa alimentação e praticar exercícios, pois supostamente essas práticas

evitavam doenças.

90

Foi exibida ao longo de 2007 pelo canal People &Arts no Brasil e possui 10 episódios. 91

Os humores eram considerados as causas de todas as enfermidades da época. A prática da sangria era realizada

no intuito de que eles forem liberados do corpo do doente.

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46

(IMAGEM 1) 92

Vale lembrar que quando alguém próximo a ele se adoentava ou morria o monarca

passava a pensar na morte. Sobre a morte há uma relação dúbia neste período. Primeiro

porque o Rei sempre estava preocupado com seus descendentes, caso morresse, segundo

porque relacionar a morte com a figura real era traição, ao mesmo tempo em que devemos

levar em consideração a questão trabalhada anteriormente sobre o corpo físico e político do

rei, em que o primeiro deixa de existir e o segundo persiste no poder.93

A série preocupa-se também por outro lado em mostrar a instabilidade emocional de

Henrique. Como exemplo, ao ocorrer uma “epidemia de suor” ele acredita que isto seja um

castigo divino por ter se casado com a esposa de seu falecido irmão. Ele alucina com a morte

e teme morrer sem deixar nem um herdeiro capaz de assumir o trono (IMAGEM 2). Nesta

passagem, revela-se um Henrique melancólico e pessimista em relação ao futuro de seu

reinado. Todavia, essa imagem é abandonada quando a epidemia é controlada e ele retorna

para as festividades e eventos.

Podemos notar como mostra a imagem abaixo, a pouca iluminação, retornando a

ideia de uso de velas e candelabros em cena e buscando uma verossimilhança de imagem. A

escuridão da cena também possibilita que vejamos o início do lado sombrio e melancólico de

Henrique VIII.

92

Episódio 1: In Cold Blood,1.ª temporada, 00:19:26. 93

VIGARELLO, Georges. Op.cit.

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(IMAGEM 2) 94

Também vemos a relação que Henrique estabelece com seu amigo Thomas More.

Eles discutem sobre questões humanistas e sobre as questões históricas do reino inglês, o que

nos permite perceber que a relação representada é de um aluno e professor, em que o Rei seria

o aluno e More o professor, tendo em vista que Henrique anseia pelos conselhos e sugestões

de More. Contudo, eles entrarão em conflito à medida que o advogado defenderá a

heterodoxia católica enquanto o Rei, por desejar a anulação de seu casamento, passará a

confrontar a autoridade eclesiástica. É interessante pensar que anteriormente a este processo

Henrique tinha a obstinação de salvar a fé católica dos hereges, sendo nomeado pelo Papa o

Defensor da Fé.95

No primeiro episódio também se mostra o conflito do Rei com a Rainha Catarina de

Aragão. Isso porque ela constantemente afirma ser filha de seus pais, Isabel de Castela e

Fernando de Aragão, enquanto o rei reforça que ela é sua esposa e somente isso. Por ser filha

dos dois principais monarcas católicos do período, Catarina foi educada para ser Rainha em

ações, razão pela qual ela sempre se envolve politicamente nas questões inglesas. Todavia, o

principal conflito entre os dois é o não nascimento de um filho homem para se tornar herdeiro

e futuro rei da Inglaterra.

Na historiografia inglesa e francesa entende-se que o rompimento com a Igreja

Católica se deu por conta de Henrique desejar casar com Ana Bolena96

, enquanto na série nos

é mostrado que o desejo por um novo casamento é muito mais em relação ao fato de ele

94

Episódio 7: Message to the Emperor, 1.ª temporada, 00:33:39. 95

Os historiadores André Maurois e Antonia Fraser abordam rapidamente essa relação, mas destacando a

característica humanista de ambos, para o crescimento artístico e cultural da Inglaterra. 96

FRASER, Antonia. Op.cit

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desejar ter um filho homem do que casar com a Lady. Percebemos que Henrique casaria

novamente, independente de quem fosse a esposa na busca por um filho homem, atitude que

será vista ao longo de seus outros casamentos.

Outro elemento revelado é a constante competição entre Henrique VIII e Francisco I

de França, reis muito jovens que disputavam para saber quem era o maior e melhor monarca

do momento. O próprio ato de presentear-se revela o quanto eles competiam para dar o

presente mais suntuoso e mais chamativo. Contudo, Henrique VIII sempre passa a buscar

outras alianças, na tentativa de mostrar-se um monarca superior aos demais, razão pela qual

ele tentará aliança com o Imperador do Sacro-Império Romano, Carlos V97

. Por exemplo, ao

desejar uma frota marítima maior do que qualquer outra, ele pretendia evidenciar o quanto a

Inglaterra e ele eram poderosos. Essa situação será freqüente ao longo de seu reinado e

evidenciada na série, pois o Rei constantemente faz e desfaz alianças de acordo com a sua

vontade. E ao ter sua vaidade e orgulho feridos, passa a ser tornar um homem perigoso.

Percebemos, portanto, que nos primeiros episódios já nos mostram um Rei de gênio

forte e incapaz de receber um não, pois além de culpar os outros pelos seus erros98

, ele

também não aceitava que os outros aparentassem ter mais poderes ou mais status que ele99

.

Com semelhança do estereótipo criado pela historiografia100

, o seriado também

revela um Henrique intempestuoso. Ao ser questionado ele demonstra ser um monarca

colérico e intolerante, afirmando, por exemplo, que ele não pode confiar em mais ninguém

além de si próprio, pois somente sua postura é impecável e todos os outros monarcas

representariam papéis e não sua honra e compromisso. Podemos exemplificar a atitude do Rei

quando o tribunal eclesiástico se reúne para ouvir o depoimento dele e da Rainha, em que ele

clama por justiça enquanto ela implora que o tribunal seja enviado para Roma. Ela também se

ajoelha diante do Rei pedindo que ele ouça sua consciência e se retira do tribunal com a

aclamação do povo, enquanto Henrique se retira irado com tamanha ousadia. (IMAGEM 3)

97

Carlos V era sobrinho de Catarina de Aragão. 98

Neste caso podemos exemplificar através das questões políticas que não ocorriam bem, em que ele culpava

seus conselheiros; ou no caso de não possuir um herdeiro legítimo, afinal possuía um menino com sua amante,

mas não com a Rainha. 99

No primeiro caso se refere ao Lorde Buckingham que afirmava ter mais direitos ao trono do que o rei, e no

segundo caso ao Cardeal Wolsey, secretário do rei, que ao ter acesso as economias e documentos reais, passou a

desviá-los em favor próprio, bem como com Rei Francisco I. 100

Novamente citamos Antonia Fraser e André Maurois.

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49

(IMAGEM 3) 101

Porém, a série também mostra o bom humor do Rei ao possuir um novo amor, Ana

Bolena. Henrique se mostra contente e romântico, eles escrevem cartas românticas um para o

outro, o que faz com que ela sabendo das pretensões do Rei em se divorciar de Catarina de

Aragão comece a sugerir um novo casamento, com alguém que pudesse de fato lhe dar um

filho varão. Ressaltamos que a visão de amor presente na relação de Henrique VIII e Ana

Bolena é romântica, pois é movida por poemas, paisagens campestres e cores vivas e ele até

compõe músicas para ela.102

(IMAGEM 4)

(IMAGEM 4) 103

101

Episódio 8: Truth anda Justice, 1.ª temporada, 00:52:19. 102

FRASER, Antonia. Op. cit. pp.176- 177 103

Episódio 10: The death of Wolsey, 1.ª temporada, 00:20:27. Podemos perceber que ao compararmos as

Imagens 3 e 4 há uma diferença evidente ao que consta a iluminação das mesmas. A Imagem 3 ao representar

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50

O último episódio da primeira temporada já revela as mudanças que estão por vir

para a história da dinastia Tudor. O Rei se reúne com o Conselho Privado e faz dos Lordes

Nolfork e Suffolk presidentes do mesmo. Ele começa por influência de Ana Bolena a realizar

leituras protestantes e passa a se confortar com elas. Isso também faz com que o Rei pense em

reformar a Igreja, mas não nos moldes luteranos. Ao mesmo tempo, Thomas More reforça as

investigações e prisões aos protestantes, a ponto de convocar o Padre Fish sobre suas crenças,

para depois queimá-lo como exemplo aos demais.

Tendo em vista esses elementos, podemos perceber que já na primeira temporada há

ênfase na necessidade de agradar e elogiar o monarca, fazendo suas vontades e evidenciando a

sua grandiosidade. Ainda assim, ele é cercado por práticas que despertam paixão e alegria

nele, como caçar, dançar e cortejar damas. Também podemos notar que a vida no período

representado estava pautada na corte, especialmente porque o campo tinha uma conotação

ruim, como por exemplo, doenças e até o desagrado ao monarca eram „punidos‟ com a ida ao

campo. Além disso, nos é mostrado o quanto o casamento é cercado por caráter político e que

sempre haverá alguém para ascender com ele. Isso é evidente na relação de Henrique com

Ana Bolena, em que mesmo apaixonados, a família dela ascende ao poder.

4.3 SEGUNDA TEMPORADA

A segunda temporada104

voltou-se aos anos de 1531 a 1536, enfatizando o

rompimento com a Igreja Católica e a criação da Igreja Anglicana. Nesta temporada Henrique

se divorcia, bem como se casa com Ana Bolena que será decapitada por traição e pela

incapacidade de gerar um filho homem para o reino. No início dessa temporada já há uma

alteração na parte visual do rei, pois este, assim como o espaço, é apresentado com cores mais

escuras e o seu temperamento se modifica. Há reações violentas e explosões de humor, e há

menos referências aos esportes, às práticas de cortesania, e ainda que a sexualidade do rei

continue sendo reforçada.

O seriado começa a demonstrar um Rei já com mais de 40 anos, desgaste físico, uma

rigidez acentuada, menos virilidade, mais sombrio- seja nas vestimentas ou ações-, mais

insatisfeito e destemperado. Muito disso por conta da não resolução do seu divórcio que já

durava cerca de 6 anos. Tanto que neste momento diante da impossibilidade de uma

resolução, o Parlamento em Westminster julga os bispos por serem contra a vontade do Rei e

um momento difícil na vida do Rei, utiliza cores frias (como branco e azul) para expressar o sentimento,

enquanto que na Imagem 4 é justamente o oposto, pois utiliza-se cores quentes (como o amarelo) para dar uma

sensação de acolhimento e de alegria para o que é mostrado. Isso ocorre constantemente ao longo do seriado. 104

Exibida no ano de 2008 também pelo People & Arts e possui 10 episódios.

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iniciam uma série de discussões sobre a Igreja Anglicana. Com medo, alguns bispos aceitam

que Henrique seja declarado Chefe Supremo da Inglaterra e do Clero inglês.

Nesta temporada o Rei, já mais velho, vai assumindo a postura de um homem de

meia idade, pois se veste com roupas mais sóbrias e deixa barba e bigode crescerem. Ele

decide que todos devem aceitar e realizar o juramento de sucessão, sem exceções como

Thomas More. Em relação a este, Henrique afirma para o chanceler Thomas Cromwell que

More quebrou sua promessa de se manter fiel a ele. (IMAGEM 5)

(IMAGEM 5) 105

A série também mostra o parlamento inglês criando o Ato de Sucessão afirmando

que o casamento e os herdeiros dele são legítimos e qualquer espécie de contestação disso, a

pessoa seria presa por traição. Bem como, era necessário que todos reconhecessem o Rei

como Chefe Absoluto da Igreja Anglicana, evidenciando a irredutibilidade do monarca com o

cumprimento de suas vontades.

Enquanto isso, o Rei continua mostrando devoção a Ana, enquanto ela reforça a

autoridade dele apontando que ele está acima das leis e da Igreja e deve fazer o que bem

entender. Ante esses fatos Henrique começa a preparar os aposentos da Torre para a coroação

da nova Rainha. Visualmente a presença de Ana faz da corte um ambiente mais alegre,

divertido e colorido, ao passo que ela o acompanha em suas atividades. Seu amor por Ana

torna-se compulsivo e possessivo, a ponto dele se enfurecer com qualquer menção de que ela

apresente má postura na corte.

105

Episódio 1: Everything is beautiful, 2.ª temporada, 00:08:01.

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52

Mostrando sua devoção e amor, Henrique nomeia Ana, Marquesa de Pembroke, além

de presenteá-la com as jóias da Coroa. Ela age sobre suas próprias vontades e decide que já

pode conceber uma criança para ser herdeira do trono de Inglaterra. Ele decide oficializar seu

casamento com ela e deseja que todo o povo inglês ame a nova esposa real assim como ele a

ama, o que é evidenciado com a gravidez dela. O Rei decide coroá-la Rainha, mas a

população não comparece em massa para vê-la. Ela fica preocupada e questiona Henrique que

a intimida com a sua autoridade, por não suportar a insatisfação que ela apresenta. Mesmo

assim, ele a homenageia com fogos de artifício ao final da cerimônia de coroação. (IMAGEM

6)

(IMAGEM 6) 106

A partir da gravidez e nascimento da princesa Elizabeth, há uma constante

instabilidade do relacionamento entre os monarcas. Pois em um instante ambos estão felizes

como casal e em outro estão discutindo e culpando um ao outro pelo não nascimento de um

filho homem, fazendo com que o Rei se mostrasse mais insatisfeito com essa relação e

passasse a questionar a legitimidade de seu casamento. Um exemplo dessa atitude ocorre

quando ele ameaça de retirá-la do trono na mesma rapidez que a colocou e que ninguém a vê

como Rainha, ainda que ele se esforce o máximo para isso. A resposta a essa atitude dele é

quando Ana diz para seus cortesãos que o Rei não a satisfaz e não tem virilidade para isso.

106

Episódio 3: Checkmate, 2.ª temporada, 00:32:10.

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53

A temporada também revela uma instabilidade emocional em acontecimentos

específicos da vida do monarca. Por exemplo, ao espancar um mensageiro de Catarina em

frente a Ana, durante um jantar, e quando a sua variação de humor ao descobrir que Ana dá a

luz a uma menina e não ao seu desejado filho varão, provocando o afastamento de Henrique.

Ele também passa a retirar da corte as pessoas que lhe desagradam, bem como a impedir que

conspirem contra si, prendendo personagens próximos a ele, como a Rainha Ana e diversos

lordes. (IMAGEM 7)

(IMAGEM 7) 107

Outro momento em que se faz presente a instabilidade de Henrique é referente ao

nível que a relação dele com Thomas More alcança. O Rei começa a ter dúvidas sobre a

questão religiosa e faz um monólogo com a cruz que ganhou de More sobre sua autoridade,

consciência e decisões. Henrique se mostra extremamente exaltado porque seu antigo

professor não aceita sua autoridade e poder, especialmente porque passa a achar que não pode

confiar em Thomas More. O advogado é levado a julgamento e é declarado culpado, deixando

Henrique chocado com o resultado do mesmo e ordenando que More fosse somente

decapitado. Esse é um momento de bastante emoção, porque o sofrimento do Rei é visível,

pois ele chora, se lamenta, reza por seu amigo. Novamente intercala-se a imagem da execução

de More com o sofrimento de Henrique dentro do palácio. A situação se encerra com a

decapitação de More e uma cruz coberta de sangue. (IMAGEM 8)

107

Episódio 1: Everything is beautiful, 2.ª temporada, 00: 51:06.

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(IMAGEM 8) 108

O Rei muito melancólico continua revivendo a morte de More e chega até mesmo a

alucinar com ele sobre seu triste fim. A representação melancólica persiste ao receber e ler a

carta de despedida de Catarina de Aragão, em que o Rei sofre e se lamenta, num momento

muito solitário e depressivo como o que ele tinha passado com a morte de Thomas More e

Cardeal Wolsey.

Podemos pensar também na instabilidade referente às suas vontades, pois em

conversa na câmara privada do Rei, o embaixador espanhol Eustace Chapuys sugere a

Henrique uma aliança entre os dois reinos e diz que o Rei poderia pensar sobre a

descendência feminina do trono. O monarca irritadíssimo grita com Chapuys e diz que ele

deve aceitar Ana como Rainha para permanecer no reino. Essa é uma das cenas mais

importantes dessa temporada, pois sintetiza o que está se tentando dizer ao público, que o Rei

pode ser contraditório nas suas atitudes na medida em que os outros não façam a sua vontade

ou o desrespeitem. Henrique já queria se separar de Ana e se casar novamente, mas a mera

sugestão de que a filha de seu primeiro casamento seria a escolha certa para a sucessão real,

faz com que o ele force o embaixador a aceitar a nova Rainha, em detrimento de Catarina e de

todos os acontecimentos relacionados.

Apesar de ser um lado menos enfatizado nessa temporada, a preocupação humanista

do monarca aparece em determinados momentos, como sua reflexão sobre o devir e de como

ele pretendia ser lembrado como o rei humanista por excelência e seu incentivo às artes.

108

Episódio 5: His Majesty’s Pleasure, 2.ª temporada, 00:52:27.

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A temporada também mostra a sexualidade do Rei ao ponto em que apesar de sua

idade mantém relações com Ana e diferentes mulheres, independente de seu matrimônio.

Como quando ao realizar um passeio no campo, ele encontra um casal e diz exercer seu

direito de soberano ao manter relações sexuais com a jovem camponesa. Além disso, essa

passagem também apresenta sua atitude exacerbada de soberano ao ter liberdade de fazer o

que bem entende em seu Reino.

Embora a representação de Henrique VIII até o presente momento tenha se voltado

para seu lado sombrio, ao conhecer Jane Seymour há um frescor sobre sua representação. A

primeira visão que ele tem da dama é ela toda vestida de branco, com os cabelos soltos,

parecendo um anjo, deixando-o vislumbrado. Ela passa a ser cortejada pelo Rei, mas em

respeito à honra dela faz isso sempre na presença de um familiar seu. Isso permite o resgate

de uma imagem positiva do Rei há muito ofuscada.109

Henrique novamente apaixonado e feliz decide fazer um novo torneio de justas na

corte. E para competir ele usa a pulseira de Jane dentro de sua armadura junto ao coração.

Contudo, durante a competição o Rei é atingido e cai do cavalo ficando inconsciente. Toda a

corte passa a rezar pela recuperação dele, especialmente a Rainha Ana, Thomas Cromwell e

Lady Jane. Após horas, o Rei acorda pensando em Jane. (IMAGEM 9)

(IMAGEM 9) 110

109

A historiadora Antonia Fraser faz uma descrição semelhante dessa cena através de fontes escritas. In:

FRASER, Antonia. Op. cit. p.315 110

Episódio 8: Lady in Waiting, 2.ª temporada, 00:37:07.

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Novamente, a série mostra o quanto Henrique possui uma saúde frágil. Pois após a

queda do cavalo, ele começa a sofrer com a úlcera aberta em sua coxa. O médico real diz ao

Rei que ele já não é mais jovem e que precisa se cuidar. Além disso, ele passa a acreditar ter

sido alvo de bruxaria de Ana Bolena, esperando que ocorra uma nulidade de seu segundo

casamento. E entende que por conta do bebê abortado pela Rainha ser amorfo, isso é uma

prova de bruxaria dela.

Os fatos que são mostrados nos episódios finais dessa temporada nos revelam uma

representação muito específica de Henrique VIII, uma representação que retorna a

historiografia ao colocar o Rei como autoritário, ditador e ruim. Pois ao saber de rumores

relacionados entre a Rainha e outros homens, o monarca manda instaurar um tribunal para

atestar a veracidade dos fatos. As damas da Rainha são interrogadas, bem como os cortesãos

George Bolena, Henry Norris, o músico Mark Smeaton, Willian Brereton, Thomas Wyatt e

Thomas Bolena. Os cinco primeiros por adultério com a Rainha e o último por conspiração.

Henrique, ante esses acontecimentos, pede que Jane Seymour se retire da corte para

que ela não se envolva com as impurezas do Reino. Ana tenta recorrer à misericórdia dele,

mas Henrique se mostra irredutível. Então, ela é presa e enviada para a Torre.

Todos os homens são declarados culpados e mortos no cadafalso, com exceção de

Thomas Bolena que é poupado da morte e Thomas Wyatt que é inocentado. O Rei se

demonstra cada dia mais decepcionado por ter sido enganado e traído por Ana, e passa a

questionar se até Elizabeth seria filha de outro homem, o que faz com que ele se reconcilie

com a princesa Maria, pois a considera sua verdadeira filha. A Rainha é declarada culpada de

todas as acusações- traição, adultério, incesto, bruxaria- e recebe a pena de morte.

O último episódio da segunda temporada tem o foco central na execução de Ana. Ele

começa datando a cidade de Londres em 18 de maio de 1536, em que o carrasco é convocado

para decapitá-la com a honra de uma Rainha, por uma espada em que o corte é rápido e

aparentemente indolor. Ana é mostrada rezando em penitência, enquanto o Rei acorda

tranquilamente em seus aposentos. Ao levantar-se e ir até a janela, Henrique vê dois cisnes

nadando calmamente, embora ao ser mostrado na missa matinal já apareça com um ar

bastante conturbado.

Depois disso, vemos o Rei ansioso para encontrar Jane, enquanto Ana se prepara

para o cadafalso. Ironicamente o executor se atrasa e a morte de Ana é adiada das 9 horas da

manhã para o meio dia. O Rei não fica contente com esse atraso e diz a Cromwell que mande

outro executor decapitá-la. Cromwell mesmo enfrentando a ira do Rei diz que é melhor

esperar e mostrar-se digno de confiança para a população.

Page 58: AS FACES DO REI: HENRIQUE VIII E SUAS …€¦ ·  · 2012-03-14requisito para a conclusão do Curso de História, Setor ... Imagem 12: Episódio 1- Civil Unrest, 3.ª temporada

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Em seguida, Henrique faz um banquete com os Seymour e volta a se mostrar alegre e

divertido, bem como a vestir-se alegremente. Nessa ocasião ele oficializa o pedido de

casamento e revela que o noivado ocorrerá em Hampton Court. Jane aproveita para dizer que

gostaria que Lady Maria voltasse a ser herdeira para que a tranqüilidade reinasse e Henrique

diz que ela é pura. O Rei ao retornar ao seu castelo, pára diante de uma fonte com lodo e

mergulha. Ao sair da água diz que aquela é a Fonte da Juventude e que ele está renascendo

No dia 19 de maio de 1536, Ana é encaminhada para execução e novamente

Henrique acorda e observa os cisnes. Ela se ajoelha diante de todos e reza, a imagem é

passada lentamente com uma música fúnebre ao fundo. Vemo-la ser decapitada e depois o Rei

em um banquete se saciar com um alimento colocado dentro de um dos cisnes, ele termina

essa etapa feliz e na esperança de que dias melhores virão. (IMAGEM 10)

(IMAGEM 10) 111

Nesta temporada nos fica mais evidente o envelhecimento do Rei e o quanto suas

ações e reações eram frutos de seu temperamento volátil e intenso. Henrique VIII é mostrado

de forma passional e não somente uma pessoa política. Ele mostra suas aflições, dificuldades,

revoltas, amores e paixões, alegrias, além da sua diversão e melancolia. Sentimentos que são

alternados de acordo com os acontecimentos que o cercam. Bem como se nota que a

representação dele adquire um tom de irredutibilidade e tirania com a não execução de suas

vontades e ordens.

111

Episódio 10: Destiny and Fortune, 2.ª temporada, 00:47:57.

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58

4.4 TERCEIRA TEMPORADA

A terceira temporada112

se inicia com o casamento de Henrique VIII e Jane Seymour

e com o nascimento de Eduardo VI, o desejado filho varão. Com os problemas do parto, a

rainha falece, o que leva a um novo casamento do rei, agora com Ana de Cleves. Mas o

casamento é desfeito resultando na união com a jovem Catarina Howard. Esta temporada

resume os anos de 1536 a 1540 e tem um toque mais sentimental e sombrio ao retratar o rei.

Passa a ser mais visível a mudança física de um príncipe renascentista, atlético e

bonito, para um rei sombrio, frio, amargurado, acima do peso, com rugas, apesar de feliz com

o seu terceiro casamento, mas ainda com temperamento instável, guerreando contra quem não

reconhecia sua autoridade quanto rei e chefe da Igreja Anglicana. (IMAGEM 11)

(IMAGEM 11) 113

A temporada inicia no ano 1536, na Capela Real em Londres, onde o Rei de dourado

e branco se une a Jane Seymour. O clima é de festa, diversão movida a música e dança.

Henrique se mostra muito atento e carinhoso com a nova Rainha, por exemplo, ao apresentá-

la ao embaixador Chapuys, afirma que ela é muito pacificadora e amável. A representação de

Henrique nesse momento é a de um homem animado com a coroação da Rainha e com o

casamento, mas muito insatisfeito com a necessidade de que Jane apresenta em agir em favor

de suas enteadas. Ainda assim, ele se mostra muito mais amável com ela do que repressor.

(IMAGEM 12)

112

Exibida em 2009 pelo canal People & Arts, possui 8 episódios. 113

Episódio 3: Dissension and Punishment, 3.ª temporada, 00:21:51.

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59

(IMAGEM 12) 114

Em contrapartida, em relação às suas filhas ele é sempre muito negativo, o que leva a

Rainha a tentar modificar isso tentando aproximá-las de si. Somente após aceitar a nulidade

do casamento de seus pais, Lady Maria é apresentada à Rainha, mostrando um Rei muito

bondoso e contente com a presença da filha na corte. No palácio de Westminster os monarcas

conversam sobre a situação de Maria e diante das ideias da Rainha, ele se mostra muito

desapontado porque ela ainda não está grávida.

Novamente podemos notar que a série evidencia a necessidade de Henrique em ter

suas vontades realizadas. E que quando isso não ocorre, ele fica irritado e com temperamento

mais arredio. Ameaçando a Rainha, por exemplo, ao dizer que ela não deve se envolver em

questões de Estado, porque Ana já tinha morrido por isso. Ao passo que, quando Jane lhe diz

que está grávida, ele se mostre contente, mas de uma forma muito controlada.

Contudo, ele age com muito carinho com a Rainha quando ela interrompe umas das

reuniões dele só para que ele possa sentir o nenê chutar, deixando-o maravilhado com essa

situação. Assim como, quando Jane entra em trabalho de parto, todo o reino fica na

expectativa do nascimento do herdeiro e Henrique reza fielmente para que fique tudo bem,

porque ele tem medo de perder a criança ou a esposa.

Com a demora do nascimento ele fica sofrendo e em choque, mas ao saber que é um

menino fica emocionado. Nas comemorações há fogos de artifício e festas, mas a Rainha não

se recupera do parto e adoece. O nenê recebe o nome de Eduardo. Henrique fica perturbado

com a piora da Rainha e chora diante de todos, se mostra afetuoso com ela e se lamenta por

114

Episódio 1: Civil Unrest, 3.ª temporada, 00:03:15.

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não poder ajudá-la. Ele reza para que ela não morra, a única esposa que lhe deu o filho tão

prometido e desejado, a esposa cuja essência era boa. Mesmo assim Jane falece, o Rei vê

diante de si a morte. Novamente vemos uma preocupação por parte dele com as pessoas que

ele ama e que lhe fazem bem, não conseguindo controlar suas emoções diante dos lordes e

súditos. (IMAGEM 13)

(IMAGEM 13) 115

Outro elemento que está muito presente nessa temporada e interfere no

comportamento e, portanto, na representação de Henrique é relativo a uma manifestação no

norte inglês, a Peregrinação da Graça, em que a população se mostra insatisfeita com a

questão religiosa e com os tributos exigidos pelo Rei e defendem a luta pelos seus direitos.

Henrique é violento e frio com os manifestantes, e questiona a fidelidade de seus lordes por

não impedirem que a manifestação continuasse. Ele faz uma carta de repúdio aos

manifestantes, evidenciando que ele era o corpo e alma da nação116

. E afirma que caso não

houvesse negociação, o povo deveria ser massacrado. Contudo, ele muda de opinião e diz que

somente os líderes devem ser punidos para servir de exemplo.

Com a não resolução desse processo, Henrique VIII fica irritado e muito colérico a

ponto de decidir, mesmo doente, guiar seu exército. Notamos assim, o quanto o Rei se mostra

egoísta e incrédulo com seus lordes, pois acredita que tem que fazer tudo sozinho em razão da

deslealdade de seus súditos. O que fará com que mude de opinião novamente e deseje que

todos aqueles que não jurarem fidelidade a ele, sejam julgados e executados, afirmando

115

Episódio 4: The Death of a Queen, 3.ª temporada, 00:45:36. 116

Novamente podemos estabelecer relação com as obras de Ernst Kantorowicz e Georges Vigarello.

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também que seus lordes não podem interferir nisso. Novamente vemos Henrique querer

eliminar todos aqueles que o questionam, ameaçam ou contrapõem a sua autoridade. Ele age

com frieza e ódio, bem como deseja que isso sirva de exemplo para não ser mais

importunado.

A série também revela o quanto a saúde do Rei interfere em suas ações e em seu

humor. Novamente a úlcera em sua perna inflama e seu humor fica terrível, por seus médicos

não encontrarem uma cura para seu mal. A úlcera piora, por não liberar o pus, sendo

necessário que os médicos o sangrem. Após isso há uma relativa melhora, permitindo a ele

apresentar o príncipe Eduardo para a população em Hampton Court, e se mostrando muito

desgastado e necessitando de uma bengala para se locomover. Mas não é somente a perna do

Rei que preocupa os médicos, mas uma possível impotência tendo em vista seu

envelhecimento, embora ele afirmasse ser viril e continuasse com atividades sexuais.

(IMAGEM 14)

(IMAGEM 14) 117

Além da sua saúde física, podemos perceber que a saúde mental de Henrique é

problematizada. Tendo em vista que Henrique visita o mausoléu da Rainha, muito abatido e

triste, trancando-se em seus aposentos em luto e conversando somente com seu bobo Willian

Somers. O Rei se mantém em um ambiente escuro, só com poucas velas e faz muitos

desenhos de palácios para a Inglaterra. O bobo consegue questionar o Rei e apontar seus erros

com suas três esposas, o monarca o manda para o inferno e ele diz já estar, enquanto Henrique

continua a sofrer em silêncio.

117

Episódio 6: Search for a New Queen, 3.ª temporada, 00:21:12.

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62

O Rei desenha perfeitamente palácios, mas nas conversas com seu bobo, fala coisas

sem nexo ou ligação, dando a impressão de que está enlouquecendo. Henrique conta à Somers

sobre seu novo palácio que será conhecido como Nonsuch e será o melhor palácio da Europa.

O bobo diz que tudo se dissolverá e virará nada, mas o Rei diz que quer manter a memória de

seu reinado e de si, mas continua com o temperamento muito volátil.118

Todavia, ele procura sempre saber notícias do príncipe e toma todos os cuidados

devidos com ele. Mas, bêbado passa a discutir teologia com Somers e passa a chorar

compulsivamente sentindo falta de Jane, sendo confortado e inspirado a retornar a corte, tendo

em vista que a Inglaterra precisa dele. Finalmente o Rei, muito abatido, pálido e mancando,

sai de sua clausura, e se revela muito mexido com a morte da Rainha acreditando que pode

enlouquecer por sua ausência, mas entendendo que é sua função manter a segurança do

príncipe a qualquer custo. (IMAGEM 15)

(IMAGEM 15) 119

Também notamos que há um reforço na grandiosidade do Rei, ao mostrá-lo, por

exemplo, em cima de um altar dourado e coberto de ouro, mas acima de tudo intocável pelos

súditos. Ao mesmo tempo em que sua grandiosidade humana é evidenciada ao convocar um

dos líderes da rebelião para passar o Natal na corte e afirmar para o advogado Robert Aske

que para ele, seu povo é mais importante que suas riquezas e por isso cumprirá com todos os

pedidos dele. Em perdão à população decide coroar a Rainha em York e em respeito e carinho

118

Essa passagem permite elencar dois elementos já citados: a educação renascentista e humanista do Rei, pois

ele é bem instruído; bem como o que Peter Burke afirma ser a fabricação de uma imagem grandiosa do reino.

Não importa ao rei que a realidade não seja transmitida as gerações futuras, mas sim que se crie uma memória de

grandeza do passado. 119

Episódio 5: Problems with the Reformation, 3.ª temporada, 00:06:24.

Page 64: AS FACES DO REI: HENRIQUE VIII E SUAS …€¦ ·  · 2012-03-14requisito para a conclusão do Curso de História, Setor ... Imagem 12: Episódio 1- Civil Unrest, 3.ª temporada

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a Aske lhe dá presentes suntuosos, além de esclarecer pessoalmente ao súdito sobre os males

que os mosteiros traziam para a população, bem como as casas religiosas.120

Mais adiante, por conta da viuvez do Rei, Cromwell passa a procurar novas

pretendentes para Henrique e adianta que a França tem duas candidatas; Margarida, filha de

Francisco, e Marie, duquesa de Guise; enquanto o Imperador oferece a Duquesa de Milão,

Cristina; e Cromwell sugere uma das duas irmãs do Duque de Cleves, Hans Holbein é

enviado para pintá-las.121

Contudo, o monarca continua abalado e triste, mesmo com a

perspectiva de um novo casamento. Ele esbraveja para Cromwell que sempre tem que agradar

a todos, mas não pode fazer suas vontades, que a situação com a família Pole não se resolve

(eles podiam tomar o trono por serem descendentes dos Plantagenetas) e que sua perna não

melhorava nunca.

O Rei recebe as gravuras das pretendentes e muito ranzinza questiona a veracidade

das imagens, se não estão querendo enganá-lo em função de uma aliança política. Ele fica

satisfeito com uma esposa francesa, enquanto Cromwell acredita que deva ser uma

pretendente da liga protestante. Henrique pede ao embaixador francês Castillon que as

pretendentes sejam enviadas a Inglaterra para que ele as conheça, o embaixador diz que isso é

uma grande ofensa, pois suas nobres não são cavalos para serem expostas dessa maneira,

dessa forma ele é expulso da corte por Henrique.

Holbein tenta pintar as duas irmãs do Duque de Cleves, enquanto os embaixadores

ingleses tentam negociar uma aliança matrimonial de Henrique, de Maria e um apoio militar

contra a cristandade. A família Pole é executada na Torre e Cardeal Pole ao receber a notícia,

diz que eles foram mortos pelo maior tirano da Europa, Henrique VIII. Mas, para este Rei, ele

estava contribuindo para manter a paz e tranqüilidade de sua dinastia.

O pintor faz um retrato de Ana, exaltando suas qualidades e o Rei se mostra

satisfeito. França e Espanha traçam o acordo de Toledo, declarando guerra contra a Inglaterra.

Henrique afirma que visitará os locais de resistência para apoiar o povo e seus soldados,

mesmo tendo dificuldade para se locomover. Por conta dessa aliança, se torna impossível o

casamento com uma pretendente francesa ou espanhola e a escolha do Rei recai sobre Ana de

Cleves.

120

Novamente há uma série de práticas e rituais citados por Peter Burke que evidenciam a consolidação de um

Rei forte e poderoso. 121

É interessante lembrar que nesse período o casamento entre diferentes reinos, dinastias ou famílias com

sangue nobre eram realizados, em sua maioria, como forma de aliança política e na busca de ascensão política. O

quarto casamento de Henrique VIII é mais um desses exemplos.

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Com o casamento, Henrique passa a adquirir um novo problema e se mostrar

insatisfeito com o caminho que a Inglaterra passa a seguir. Ele ordena que o Duque de Suffolk

receba Lady Ana em Calais. O Duque percebe que ela é muito recatada e está sempre vestida

de preto e com véu. Ela pede que ele a ensine agradar o Rei, levando-o a ensinar a jogar

cartas. Diante do medo demonstrado por ela, ele a tranqüiliza falando sobre Henrique. Ao

chegarem a Londres, Brandon elogia a nova esposa do Rei e esse passa a se preocupar em não

conseguir consumar o casamento mesmo desejando-a.

Quando se encontram pessoalmente, Henrique se mostra decepcionado, mas age de

acordo com as normas de cortesania.122

Ao encontrar com Cromwell, o Rei diz ter sido

enganado e que seu conselho não pensa no bem estar dele e o casou com um cavalo. Mas o

casamento tem que acontecer por questões políticas e militares. Ele fica extremamente

decepcionado e se afasta mancando da situação.

No dia do casamento, ele se veste de prata e ressalta que não é bem cuidado, se

mostra revoltado, cansado, sisudo e bravo. Demonstra toda a sua insatisfação durante e após o

casamento e mesmo tentando consumar a relação ele não consegue, se aborrecendo ainda

mais. No dia seguinte, o Rei já realiza suas atividades políticas e quando questionado por

Cromwell sobre a nova Rainha, Henrique reclama muito de seus defeitos e que é impossível

desejá-la. (IMAGEM 16)

(IMAGEM 16) 123

122

ELIAS, Norbert. Op.cit. 123

Episódio 7: Protestant Anne of Cleves, 3.ª temporada, 00:28:30.

Page 66: AS FACES DO REI: HENRIQUE VIII E SUAS …€¦ ·  · 2012-03-14requisito para a conclusão do Curso de História, Setor ... Imagem 12: Episódio 1- Civil Unrest, 3.ª temporada

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Francis Bryan, Lorde Suffolk e Lorde Seymour decidem que o Rei precisa de uma

distração diante desse momento de tensão. Lorde Bryan vai até Lambeth buscar a jovem

Catarina Howard, uma bastarda da nobreza. Ele a apresenta aos outros dois lordes que se

mostram satisfeitos com a jovem.

O conselho age em favor do Rei e diz que a Rainha tinha um contrato pré-nupcial

com outro homem e, portanto, se faz necessário uma dispensa desse compromisso. Durante

um banquete real, Henrique observa Catarina e pede para que ela seja levada até ele. Ela tenta

agradá-lo sexualmente em seu primeiro encontro. Deixando-o extasiado e excitado.

Ele continua a construção do Palácio de Nonsuch e dá presentes e terras à sua

amante. O conselho encontra uma falha no acordo pré-nupcial e Henrique confia a Cromwell

a resolução desse problema. Lady Ana passa a sentir a falta de seu esposo e Edward Seymour

vai até ela dizer que seu casamento é considerado nulo e que o Rei passa a considerá-la sua

irmã, obtendo propriedades e uma mesada para se sustentar desde que permanecendo na

Inglaterra.

Thomas Cromwell é preso por traição e julgado culpado. Ele sobe ao cadafalso e

perde perdão aos prantos a Deus e ao Rei e sofre muito, enquanto Henrique leva Catarina ao

Palácio Nonsuch e se mostra exuberante. A temporada termina com Catarina se balançando

nua em um balanço enquanto o Rei contemplativo olha distante.

Nesta temporada podemos perceber que Henrique VIII se aproxima da imagem

construída pela historiografia de que ele era um tirano em exercício de suas vontades. Mas

ainda assim vale refletir que suas emoções são constantemente reveladas ao público,

novamente ele sai unicamente do corpo político para mostrar o homem por trás do trono e do

poder. É interessante pensar que o período retratado nessa temporada, ainda que curto, seja

muito turbulento. Razão pela qual há o escurecimento das cenas e os diálogos sejam mais

densos. Mesmo apresentando aspectos positivos, esse foi um período negro para a vida do Rei

e foi dessa forma que a série tentou mostrá-lo, observando claro todas as dificuldades em

fazê-lo.

4.5 QUARTA TEMPORADA

A última temporada124

resume os últimos anos de governo do monarca inglês (1540-

1547) e mostra o término do quinto casamento com Catarina Howard e seu último matrimônio

com Catarina Parr. Acompanhando o aspecto da temporada anterior, novamente se faz

124

Exibida em 2010 pelo canal Liv!, possui 10 episódios.

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presente o lado sombrio e magoado do rei, e continuamente representam à figura real com

indícios de loucura que o teriam levado à morte. Em contrapartida, ainda há uma leveza em

sua personalidade ao casar com uma jovem de 17 anos, o que faz Henrique retornar a

momentos de sua juventude. Com a traição e decapitação de sua quinta esposa, o objetivo

final de Henrique é manter-se no poder para que a Inglaterra continue em paz sob o governo

da Dinastia Tudor. Casando-se com Catarina Parr fica claro a necessidade de buscar

realmente uma mãe para seus filhos e uma esposa boa para seu reino.

A temporada se inicia em agosto de 1540, mostrando o Palácio de Whitehall em

Londres, em que o Rei reclama da ausência de chuva há dois meses e contabiliza a prisão de

500 hereges. O embaixador espanhol, Eustace Chapuys, narra o casamento secreto de

Henrique VIII com Catarina Howard, e que o monarca continua tendo paixões avassaladoras e

sendo perverso com a população inglesa. A excitação do Rei com a nova esposa é visível,

principalmente pelo seu estado de espírito, por sua intimidade com a nova Rainha e um

retorno ao uso de roupas majestosas e brilhantes. (IMAGEM 17)

(IMAGEM 17) 125

Ele a apresenta a corte como nova Rainha, acentuando e exagerando suas qualidades,

ao mesmo tempo apostando em sua juventude para a geração de novos herdeiros.

Continuamente ele age sem pudor com ela diante de todos e solicita ao Duque de Suffolk que

dance com ela, uma vez que não se mostra disposto por cansaço e dores na perna, mas gosta

de ver a jovem dançar e pretende que todos o invejem e a admirem pela beleza. Isso faz com

que Sulffok perceba o quanto a nova Rainha alegra e tranqüiliza Henrique. O monarca passa a

125

Episódio 1: Moment of Nostalgia, 4.ª temporada, 00:05:07.

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ter muita dificuldade em se concentrar nas questões de Estado por conta de Catarina, que a

todo o momento pensa em um jeito novo de seduzir e agradá-lo.

Vemos também que a Rainha está sempre feliz e que o Rei a mima e faz de tudo para

satisfazê-la, se mostrando assim um novo homem. Eles ficam aos beijos na companhia de

Lady Ana de Cleves e Catarina expressa sua felicidade alegrando ao marido. O Rei a

presenteia com filhotes de cães e ela dá um dos filhotes para Ana, deixando-o admirado.

Henrique volta a ser representado com ânsia por guerra ao descobrir que a França

passa por conflitos internos e decidir entrar na guerra para conquistar novos territórios.

Enquanto se prepara para viajar, ele solicita ao conselho que faça melhorias no Castelo e que

os criminosos sejam culpados e recebam as penas corretas por suas ações, contribuindo para

sua imagem de tirano. Ele aproveita, porém, para apresentar a Rainha o príncipe Eduardo e a

princesa Elizabeth, que continua surpreendendo- o por sua postura, beleza e inteligência. Dias

depois, os monarcas viajam para Old Castle House, onde há uma festa preparada para ambos e

Henrique age como um glutão.

O secretário real, Richard Rich, vai ao encontro do Rei avisá-lo que a França pediu

para negociar um tratado de paz, o que não o agrada porque ele que desejava a guerra. Ainda

que satisfeito por não perder o reconhecimento de sua força, se mostra decepcionado por não

poder colocá-la a prova. Nessa passagem, com a guerra da França vemos que o desejo real

passa a ser sobreposto por uma consciência do que viria a ser melhor para Inglaterra naquele

momento, mas isso não acontecerá sempre.

O Rei continua se mostrando irredutível e rígido com as políticas de Estado, como

quando reclama que ao ouvir música ele pensa que não há responsabilidades, mas que a

realidade é diferente porque ele tem que fazer tudo no reino por incompetência de seus lordes

e conselheiros e que por isso Edward Seymour deve ir a Escócia negociar com James I, para

não ocorrer nenhum conflito entre os dois reinos.

Contudo, começa a se mostrar um pouco mais compreensivo com a população e com

Ana de Cleves. No primeiro caso, ele se encontra com os conselheiros pede que os 500

hereges presos sejam perdoados e soltos, enquanto no segundo caso ao conversar com Duque

de Suffolk sobre a medalha matrimonial que foi feita para homenageá-lo, ele faz perguntas

sobre Ana de Cleves. Brandon afirma que ela está bem e manda lembranças, isso faz com que

ele fique feliz com a cordialidade e com a postura de boa irmã que ela se mostra a ele.

Henrique diz gostar de Ana principalmente porque ela sempre cumpre suas promessas.

Ele também é mais receptivo e simpático, por exemplo, ao convidar Lady Maria e

Ana de Cleves para passarem o Ano Novo com ele na corte. Já em Hever, Ana e Henrique

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conversam sobre as preciosidades que são os herdeiros deles e ela devolve a aliança de

casamento deles, entristecendo-o. Ele agradece por ela não ter protestado com o fim do

casamento e passa a elogiá-la. Essas duas cenas revelam que o Rei ainda que autoritário, se

alegrava com pequenas coisas, como uma simples amizade com sua filha e irmã.

Além disso, ele é muito amável com seu filho, como quando o príncipe Eduardo

visita o Rei que o presenteia com um punhal, Henrique aproveita e dá um medicamento criado

por ele para cuidar das doenças do príncipe. Eduardo mostra ao pai que possui um dedal e um

retrato de sua mãe, deixando-o muito emocionado. Ainda em relação ao príncipe, quando esse

se adoenta, Henrique corre em direção a ele desesperado. Enquanto todos rezam pela melhora

do príncipe, o Rei fica em vigília. O príncipe acorda fazendo carinho no pai e o Rei pede uma

missa em agradecimento à recuperação do filho. (IMAGEM 18)

(IMAGEM 18)126

A saúde do Rei será constantemente apresentada nessa temporada, uma vez que ele

já com meia idade não se mostra tão bem quanto antes. Sua úlcera voltará a inflamar diversas

vezes, sendo necessário sangrá-la para aliviar a sua dor. É evidente que sempre que a doença

na perna do Rei piora, ele se mostra melancólico e se sente traído por seus lordes.

Normalmente seu humor também piora diante disso.

Também há uma referência do caráter divino discutido pela historiografia, como

Ernst Kantorowicz127

e Georges Vigarello128

, quando mancando e visivelmente mais gordo,

Henrique se encaminha para uma cavalgada e um bispo pede que ele toque e abençoe seus

126

Episódio 4: Natural Ally, 4.ª temporada, 00:46:08. 127

KANTOROWICZ, Ernst. Op. cit. 128

VIGARELLO, Georges. Op.cit

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súditos para que eles possam prosperar, o Rei chocado com a situação dos miseráveis, reza

pela melhora deles (IMAGEM 19). Há uma retomada da ideia de que um monarca é

representante de Deus na terra quando Charles Brandon fica doente e Henrique afirma ser

capaz de curá-lo.

(IMAGEM 19) 129

A série volta a revelar a intransigência do Rei com aquilo que o ofende, como no

caso de traição de sua esposa, Catarina Howard, fazendo com que ela fosse investigada,

trancada em seus aposentos e depois executada por traição. Henrique vai ficando mal

humorado ao longo dos dias por conta das traições que o rodeiam e só melhora ao decidir

fazer uma festa somente com jovens que pudessem vir a ser sua nova esposa. O Rei se diverte

com as jovens, seduzindo-as, mas ao vê-las sentando em seu trono fica chocado pela

possibilidade de tantas rainhas.

Também nos é mostrado um Rei que busca retornar aos seus tempos de glória, seja

conversando com seu melhor amigo ou promovendo guerras, na tentativa de recuperar sua

honra e sua fama de conquistador. O maior exemplo disso é quando ele e Brandon conversam

novamente sobre um novo casamento e as perspectivas da guerra, e o Rei afirma querer coisas

novas, mas principalmente ser ele mesmo. Contudo, juntamente com a sua glória, a

compulsão de Henrique em alcançar o que almeja o torna um tirano em campo de batalha.

Nos últimos episódios da série, há um novo elemento que passa a caracterizá-lo. Sua

recorrente necessidade de voltar a constituir uma família, tendo em vista que pressente sua

morte. Neste sentido a relação mais importante que ele possui é com sua última esposa,

129

Episódio 3: Something for You, 4.ª temporada, 00:07:16.

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Catarina Parr. No primeiro contato, eles conversam sobre a família dela e ele a parabeniza por

cuidar tão bem da família de seu segundo marido, tendo em vista que ela não teve filhos. Ela

diz acreditar na possibilidade de um casamento feliz e ele ri do seu otimismo.

Ao retornar a sua casa, Catarina recebe diversos presentes do Rei e ela não vê razões

para tal atitude. Henrique passa a utilizar constantemente uma bengala para andar e já não se

veste como antigamente, está sempre com vestes escuras, revelando seu envelhecimento. Dias

após, o Rei convida Catarina para jantar com ele, sua família e seus conselheiros, e a

presenteia com o objetivo de alegrá-la diante de um momento tão difícil em sua vida. Ele diz

estar contente com a nova guerra contra França e a convida para um jogo de cartas, que os

diverte.

Ele casa-se pela sexta vez, com Catarina Parr, não demonstrando felicidade, mas sim

o cumprimento de um papel, o de protetor da Inglaterra. A nova Rainha diz querer ser uma

boa mãe para os filhos do Rei e que gostaria que eles freqüentassem a corte com mais

assiduidade. Sugere que a princesa Elizabeth tenha seus próprios aposentos na corte, o que faz

com que Henrique reflita, mas diga que isso não ocorrerá com Eduardo porque ele é valioso

demais para correr qualquer risco na corte. Ela mostra-se prontamente a cuidar de Henrique,

se tornando enfermeira dele, bem como a ser carinhosa com o príncipe Eduardo e tranqüilizá-

lo em relação à saúde do Rei. Ao decidir ir à guerra com seus soldados, Henrique VIII faz de

Catarina a regente do reino- posição ocupada somente por sua primeira esposa, Catarina de

Aragão.130

(IMAGEM 20)

(IMAGEM 20) 131

130

FRASER, Antonia. Op.cit. pp.493-494. 131

Episódio 7: Sixth and The Final Wife, 4.ª temporada, 00:02:50.

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Henrique restitui Maria, Elizabeth e Eduardo como seus herdeiros, por conta do ato

de sucessão. Ele deixa seus filhos sobre o cuidado de Catarina, para ir a Boulogne na França.

Os monarcas se comunicam através de cartas e ambos se mostram satisfeitos com a situação

da guerra e da estabilidade na Inglaterra. Para ele é vontade divina que Boulogne voltasse a

ser propriedade inglesa, motivo pelo qual ele brinda a guerra e a vitória. Henrique e toda sua

comitiva retornam e são recebidos pela Rainha, muito emocionada pela vitória e retorno dele.

Já em 1545, no Castelo de Whitehall, Henrique - muito mais velho e grisalho - passa

a usar, por sugestão da Rainha óculos para leitura.132

Eles jantam juntos e ele afirma que todas

as pessoas agem com malícia, hipocrisia e desonestidade com ele. Ela diz ter escrito um livro

e que gostaria de fazer a dedicação a ele. O monarca questiona se ela pretende realmente dizer

tudo aquilo que está no livro e ela afirma que sim.133

Vemos que o Rei continua a culpar os outros e não reconhecer seus erros, mas que

por ser misericordioso, na noite de Natal de 1545, ele junto ao conselho diz que as

perseguições devem cessar em nome do amor fraterno. Acusa os padres de levarem a

escuridão ao invés da luz, para ele, a palavra de Deus vem sendo vulgarizada, é indispensável

a prática da benevolência, amor e temor a Deus.

O Rei conversa com a Rainha sobre as traduções dos livros, pedindo que ela seja

cautelosa. Catarina afirma que ninguém deve temer o evangelho e que é necessário continuar

o trabalho de limpeza da Igreja. Henrique pede desculpas e se retira cansado. Ao lamentar

com Bispo Gardiner a postura da Rainha, o bispo o incita a eliminar todas as pessoas que o

questionam, mas o Rei afirma que mesmo que sejam encontradas provas contra a Rainha, ele

não a levará a julgamento.

No último episódio da série, há mais fantasia e metáforas do que fatos. Inicia-se com

um cavalo brando correndo e Henrique narrando suas perdas, seguido de uma conversa com

Brandon sobre o maior medo do Rei: perder o tempo porque ele não pode ser resgatado.

A carta de prisão da Rainha feita por Gardiner é desviada e chega a suas mãos sem o

conhecimento do Rei, deixando-a desesperada e quando ele vai visitá-la, ela aos prantos pede

perdão por tudo e ele não compreende. Ela questiona o que o teria ofendido, ele diz que nada

e sai naturalmente. Com medo, Catarina pede que suas damas queimem todos os livros que

possuem. Depois disso, a Rainha se dirige aos aposentos do Rei que a questiona de suas

132

Esse é um elemento muito interessante para análise. Pois além de indicar que o rei aceita ser cuidado pela

Rainha, também se mostra uma pequena parcela do desenvolvimento tecnológico, pois em meados do século

XVI já se podia usar óculos. 133

Antonia Fraser afirma que podemos estabelecer um paralelo entre Catarina Parr e Isabel de Castela, pois

depois de adultas passaram a estudar com obstinação a religião e o latim. In FRASER, Antonia. Op.cit. p.482

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crenças, ela diz aceitar a submissão de ser mulher e que só conversa sobre isso com o Rei por

querer aprender mais, isso faz com que ela volte às graças do Rei. Numa tarde, em que ambos

estão no jardim se refrescando, um enviado do Bispo Gardiner vai buscar a Rainha para

prendê-la, o que ofende muitíssimo o Rei que manda o criado embora aos gritos. (IMAGEM

21)

(IMAGEM 21) 134

Henrique convoca mestre Hans Holbein para pintá-lo. Ele faz um retrato do Rei

sentado de perfil, quando Henrique passa a alucinar com Catarina de Aragão acusando-o de

negligência com Maria e que embora ele não aceite, ela sempre será sua esposa diante dos

olhos de Deus.

Mestre Holbein mostra a Henrique o quadro que fez e o monarca revoltado diz que

não é suficiente, pois ele foi retratado como um velho miserável e não com sua grandeza.

Durante a noite, ao tomar seus remédios, ele alucina com Ana Bolena que também reclama da

negligência com Elizabeth e que sua filha é um orgulho para ela. Ela alega ser inocente de

todas as acusações, assim como sua prima, Catarina Howard, foi ingênua demais.

Henrique cada dia mais deprimido manda que Rainha e seus filhos se encaminhem

para o palácio de Greenwich, porque passará o Natal sozinho. Ele não quer ser questionado,

só quer despedir-se deles e garante que tudo está encaminhado para seus herdeiros e esposa

(IMAGEM 22). Ele se retira em sofrimento e alucina com sua terceira esposa, Jane Seymour,

que lhe garante que Eduardo morrerá jovem por culpa do próprio Rei ao esperar demais do

príncipe, deixando Henrique revoltado.

134

Episódio 10: Death of a Monarchy, 4.ª temporada, 00:22:56.

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(IMAGEM 22) 135

Ele faz seu testamento, pedindo que seja enterrado junto de Jane e sonha ser jovem

novamente num campo olhando para o céu, quando a morte montada em um cavalo branco o

mata cortando sua cabeça. Ao acordar, é chamado pelo pintor para ver seu segundo quadro,

uma pintura enorme que representa a glória de Henrique e toda sua imponência. Nos minutos

finais vemos cenas recordando toda a temporada e os momentos de alegria e tristeza do Rei,

bem como suas mudanças físicas. (IMAGENS 23,24 e 25)

(IMAGEM 23) 136

135

Episódio 10: Death of a Monarchy, 4.ª temporada, 00:45:05. 136

Episódio 10: Death of a Monarchy, 4.ª temporada, 00:53:14.

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(IMAGEM 24) 137

(IMAGEM 25) 138

A série termina com os dizeres:

Henrique VIII morreu em 28 de janeiro de 1547. Seu único filho legítimo,

tornou-se o rei Eduardo VI aos nove anos, e morrendo doente seis anos mais

tarde. Houve uma tentativa de evitar que a filha mais velha do Rei, a Princesa

Maria, se tornasse rainha devido às suas crenças católicas. Ela foi coroada em

1553. Seu reinado foi curto e turbulento. Ela queimou muitos mártires

protestantes e ficou conhecida como „Maria, a Sanguinária‟. Sua meia irmã,

Elizabeth, a sucedeu em 1558. Conhecida como a Rainha Virgem, Elizabeth

governou a Inglaterra por 44 anos. Seu reinado foi chamado de „A Era de Ouro‟.

137

Episódio 10: Death of a Monarchy, 4.ª temporada, 00:53:43. 138

Disponível em: http://www.algosobre.com.br/biografias/henrique-viii.html acesso em 2 de outubro de 2011.

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Com Henrique VIII e Elizabeth, a dinastia Tudor teve os dois principais

monarcas da História da Inglaterra.139

O criador Michael Hirst apontou as dificuldades por ele vividas para a realização

deste último episódio. Segundo ele, a primeira dificuldade era para fazer um desfecho de

cinco anos de trabalho e um desfecho para quatro temporadas. E que, como Henrique VIII se

tornou um tirano ao longo de seu reinado, matá-lo simplesmente seria pouco diante de suas

atitudes.

Hirst destaca que o último episódio deveria evidenciar o que ele buscou ao longo de

toda a série: os conflitos vividos por Henrique. È por este motivo que ele dá voz as três mães

dos filhos do Rei para confrontá-lo e dizer as verdades que ele se negava a ouvir. Isso permite

gerar um momento de redenção para ele e ao mesmo tempo em que satisfaz o público ao

mostrá-las questionando-o sobre suas escolhas. Além disso, o próprio conflito com a morte

deveria ser mostrado como um processo de reflexão para ele. A carga emocional do episódio

tinha que extrapolar as produzidas nos outros episódios.140

O motivo da escolha de mostrar a realização do quadro de Holbein, a imagem mais

conhecida de Henrique VIII, se deu justamente por que sua Imagem sempre foi calculada e

manipulada, dificilmente representando a realidade. Historicamente sabemos que a imagem

de um rei tinha que gerar uma promoção dele e do reino, e que por conta disso, há um floreio

e engrandecimento daquilo que é mostrado.141

E, portanto, a imagem do quadro seria a

representação que ele próprio desejava que os demais tivessem sobre ele.

Porém, como ele passou por um longo processo de transformação como monarca, a

grandiosidade de seus feitos deveria ser mostrada para evidenciar a importância que a dinastia

Tudor teve. E fica evidente esse desenvolvimento e desenrolar da personalidade do Rei para

quem assiste a série. Percebemos as razões que o levam a ser feliz e tranqüilo, bem como

aquelas que fazem com que ele se mostre tirano e impiedoso. E também é perceptível o

quanto as relações interferiram nesse processo.

Dessa maneira a representação realizada pela série é que é problematizada como uma

releitura da Dinastia Tudor, pois ao pensar-se nos minutos finais da quarta temporada da série

se faz uma referência e retomada evidente a historiografia. Isso porque, o seriado revela a

produção do quadro do pintor Holbein, em que ele visa representar a grandiosidade e

importância do reinado de Henrique VIII, deixando uma imagem muito forte e representativa

139

Episódio 10: Death of a Monarchy, 4.ª temporada, 00:54:00/ 00:55:00 (1 min). 140

Em entrevista concedida ao Box da 4.ª temporada da série. 141

BURKE, Peter. Op. cit.

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da dinastia. Mostra-se e evidencia-se esse discurso ao ver-se a postura tomada por Henrique

VIII ao ver o quadro. O Rei admira a sua própria imagem em contraposição a imagem que o

público vê dele, porque enquanto ele vê um homem forte, sadio, poderoso e imponente no

quadro; o espectador vê um idoso, doente, fraco e quase louco. É possível se perceber a

relação direta com a proposta de Peter Burke142

e Roger Chartier143

ao pensarem em uma

imagem produzida para ser vista posteriormente não corresponde necessariamente a realidade,

mas é representativa e possui um devido fim, o que neste caso seria evidenciar a

grandiosidade do reino, como já dito.

142

BURKE, Peter. Op. cit. 143

CHARTIER, Roger. Op. cit.

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77

5 CONCLUSÃO

A partir dos elementos apresentados nessa monografia, se tornou claro que a maior

parte dos estudos relacionados aos audiovisuais no Brasil é feita com produtos nacionais, e

que o estudo sobre séries estrangeiras tem se desenvolvido lentamente no Brasil. Razão pela

qual, isso motivou o desenvolvimento dessa monografia com o intuito de se iniciar um

panorama sobre essas produções que são sucessos de público, mas ainda não são analisadas e

pensadas historicamente. Evidenciando, como a própria série faz, que é possível um

audiovisual produzir conhecimento histórico assim como a própria historiografia tradicional,

sem que isso signifique um abandono do discurso histórico.

Neste caso em particular, ainda que a exibição da série tenha ocorrido em rede

fechada de televisão, ela ocupava o horário nobre do meio de comunicação, o que contribuiu

para problematizar e estudar esse tipo de fonte. Séries como Roma (John Milius, 2005-2007) e

The Tudors (Michael Hirst, 2007-2010) foram precursoras nesse aspecto e devem ser

estudadas buscando entender sua relevância no período de produção e a grande aceitação do

público diante de temáticas tão distantes de seu cotidiano.

Também se deve considerar a carência no estudo de séries estrangeiras no Brasil,

especialmente séries temáticas como esta que estão em grande produção pela indústria

cultural. Isso porque, o estudo de produtos audiovisuais que envolvam conteúdos históricos

possibilita amplas análises sobre diversos aspectos da produção, além dos diferentes discursos

produzidos acerca de períodos anteriores, bem como entender que há a possibilidade desses

meios de comunicação serem produtores de História.

No primeiro capítulo tentou-se expor o contexto inglês no século XVI. Por conta

disso é que se abordou elementos políticos, econômicos, militares e culturais, procurando

estabelecer um panorama através desses elementos. Ao mesmo tempo em que as discussões

sobre cortesania, corpo político e corpo físico do rei foram imprescindíveis para que se

entendesse a formação e a elaboração da figura real no momento estudado.

Da mesma maneira, as representações feitas por André Maurois, Antonia Fraser e

Perry Anderson mostraram um Henrique VIII a partir de sua incapacidade de arcar com

culpas ou erros, se mostrando irredutível, violento e tirano quando questionado ou até mesmo

não tendo suas vontades feitas. Esta historiografia procurou evidenciar não seus sentimentos,

mas suas articulações políticas que mudaram a sociedade inglesa do período e muitas vezes

estudou somente o corpo político enquanto a personalidade do rei foi desvinculada do cargo

que possuía. Sua personalidade só vem à tona na historiografia quando somando todas as suas

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ações ao longo de sua trajetória e generalizando suas razões se tira um comportamento de um

Rei autoritário, tirano e ruim com suas esposas.

No segundo capítulo, ao analisarmos o papel que a televisão desempenha em nossa

sociedade buscávamos destacar a importância que os produtos audiovisuais mostrados na tela

da televisão apresentam ao revelarem os elementos constituintes de uma série televisiva,

sendo composta por interesses de empresas, interferência das mesmas, bem como a

necessidade do envolvimento do espectador com aquilo que vê. Também se tentou mostrar o

quanto um audiovisual pode e deveria ser encarado como produtor de um discurso histórico,

considerando que os elementos que o compõe- sejam eles relacionados com a parte imagética

ou com a parte comercial- são fundamentais para sua problematização. Ao mostrarmos os

elementos de análise e a composição de um seriado, estabelecemos a maneira de análise

pretendida no estudo de nossa fonte. Entendendo primeiramente como ela se constitui e

posteriormente buscando entender o discurso de representação elaborado por ela.

Como apresentado ao longo dessa monografia e especialmente no terceiro capítulo,

diferentemente da historiografia apresentada, a série procurou mostrar os sentimentos e ações

do monarca ao longo dos conflitos e situações que eram colocadas diante dele. Ao passo que a

historiografia procurou evidenciar não seus sentimentos, mas suas articulações políticas que

mudaram a sociedade inglesa do período e o papel político exercido pelo monarca. A série

procurou, e acreditamos que tenha conseguido, mostrar o quanto um Rei é tão humano quanto

os demais, mas com a simples diferença que ao ter poder pode realizar, em sua grande

maioria, seus desejos e vontades.

Dessa forma, assim como apontou Peter Burke em seu estudo sobre o rei francês

Luís XIV, essa monografia buscou compreender o processo de fabricação de um rei. E por

fabricação entendeu-se desde o seu aprendizado para se consolidar como monarca, a etiqueta

que devia ser seguida, a postura correta; bem como a fabricação de uma imagem no

imaginário social da época, como ele deveria ser visto e de que forma ser visto. Mas não se

pode esquecer que também há a fabricação da figura posterior ao de vivência de Henrique

VIII. Ao mesmo tempo em que ao pensar-se o conceito de representação defendido por Roger

Chartier compreendeu-se a importância de identificar e posteriormente reconhecer uma

identidade cultural e social através das práticas e costumes representados, o que no caso da

série viria a ser a contextualização realizada acerca da vida do Rei para permitir a sua

representação de maneira mais completa.

Para tanto, é a imagem produzida pela série em pleno século XXI que deve ser

pensada, -como destacou o próprio criador Michael Hirst -, como uma releitura da Dinastia

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Tudor, pois quando destacamos as ultimas cenas da série notamos a relação que ambas as

áreas estabeleceram, pois o seriado retornou a historiografia e se utilizou dela para evidenciar

a construção da imagem de Henrique VIII. Principalmente a imagem estereotipada produzida

pelas fontes do período ou até mesmo algumas obras historiográficas. Nesse elemento final, as

obras de Chartier e Burke foram fundamentais, pois nos ajudaram a entender esse processo de

criação e representação de uma personalidade tão importante para a Inglaterra.

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81

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84

8 ANEXO

8.1 BREVE HISTÓRICO SOBRE A TELEVISÃO

O surgimento da televisão está intrinsecamente ligado ao início da era do cinema.

Isto porque na década de 1920 criou-se a ideia de mídia televisiva e posteriormente nos anos

1950 pensou-se numa revolução da comunicação. Foi justamente na metade do século XX

que a televisão permitiu a compreensão da criação de uma comunicação visual que emergia

da então grande mídia, a escrita e falada. Esta última também exercia e ainda exerce enorme

influência, pois as séries televisivas de hoje em dia são baseadas no formato das radio novelas

do século XIX.

Em sua origem a televisão, diferentemente do rádio, não possibilitava aos

espectadores acesso a canais estrangeiros, sendo bastante limitada e só se modificando muito

tempo depois por volta dos anos 1960 e 1970. Entretanto, já em seu início, juntamente com o

cinema, problematizava o status da imagem.

A ideia de imagem em movimento começou a ser desenvolvida pelo americano

Thomas Edison, ainda no século XIX, e obteve como primeiro resultado de sua extensa

pesquisa o kinetoscópio, uma espécie de cinema que só podia ser visto por uma pessoa de

cada vez. Já em 1895, Edison teria obtido sucessos na continuidade de sua pesquisa criando o

cinematógrafo, que passou a ocupar o lugar do teatro da época, pois como afirma Asa Briggs

e Peter Burke 144

os filmes possuíam uma adaptação muito móvel em relação aos romances

em que se baseavam, despertando uma atenção maior da platéia que passava a lotar as casas

voltadas para essas exibições.

Nas primeiras décadas do século XX o cinema já era conhecido por todo o mundo, já

possuindo personalidades específicas em cada país, como exemplo Charles Pathé na França.

Nos anos 1920 a atividade cinematográfica deixava de ser responsabilidade e poder de

determinados indivíduos para se tornar negócio nas mãos de grandes corporações. Este era o

mesmo período em que Hollywood passava a se tornar a terra do cinema, pelo menos o norte-

americano. Cabe lembrar que um dos primeiros clássicos de Hollywood foi “O nascimento de

uma nação” do diretor inglês D.W. Griffith em 1915, por conta de sua duração e qualidade

imagética. Todavia, não devemos pensar que Hollywood representava o único local de

produção cinematográfica, pois cada localidade tinha produção própria tendo em vista que

eram produções baratas, mas que demoravam a ter cópias distribuídas para os demais lugares.

144

BRIGGS, Asa & BURKE, Peter. Op.cit. p. 169

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A historiadora Maria Luiza Gonçalves Baracho afirma que

Cinematógrafos, parques de diversão e cinemas representaram, no final do

século XIX, um novo tipo de lazer que se tornou possível graças ao advento da

eletricidade. Eles surgiram como formas de lazer urbano, quando, em busca de

mercado, de negócios e bons lucros, empreendedores lançaram-se em novas

atividades econômicas. (...) Visto com interesse por alguns e com grande desdém

por outros, o novo lazer colaborou para o surgimento da indústria do

entretenimento, que conquistou espaço próprio no competitivo mundo do século

XX. 145

Dessa forma, as grandes corporações tiveram um forte apoio no cinema com a

criação da Warner Brothers que visava a indústria cinematográfica e não somente o

entretenimento. Em 1927, com as diversas produções da empresa, passou a considerar-se o

começo da era de ouro do cinema. Todavia dois anos após, com a crise de 1929 haveria uma

reformulação do cinema norte- americano voltado para uma reflexão social do mundo naquele

momento.

Enquanto os EUA deixavam a indústria cinematográfica nas mãos de grandes

empresas, a Grã- Bretanha desempenhava um papel de protecionismo com a sua própria

indústria. No mesmo ano do início da era de ouro, os britânicos instituíam por lei que “havia

aspectos que mereciam intervenção, pela magnitude daquilo que o Parlamento via como

„interesses industriais, comerciais, educacionais e imperiais envolvidos‟”. 146

Motivos pelos

quais as formações da indústria cinematográfica americana e britânica apresentam diferenças.

Até aquele presente momento, o cinema era a arte em ascensão, não temendo a

televisão e seu pequeno desenvolvimento. Isso porque a base técnica da televisão era

tecnologicamente diferente da do cinema. A imagem na televisão se dava da seguinte forma

na primeira metade do século XX:

Ela envolve a varredura de uma imagem por um feixe de luz em uma série de

linhas seqüenciais movendo-se de cima para baixo e da esquerda para a direita.

Quando a luz passa sobre ela, cada parte da imagem produz sinais que são

convertidos em impulsos elétricos, fortes ou fracos. Os impulsos são então

amplificados e transmitidos por cabos ou pelo ar, por ondas de rádio que são

reconvertidas em sinais de luz na mesma ordem ou no mesmo valor da fonte

145 BARACHO, Maria Luiza Gonçalves. Op.cit. 2007. pp.42-43 146

Idem. p.175

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original. A capacidade que esse processo tem de parecer como imagem completa

e em movimento ao olho humano em uma tela depende da retenção da visão. 147

A história modificou-se com a exibição da primeira propaganda na televisão. Os

aparelhos foram introduzidos no mercado entre as décadas de 1920 e 1930, mesmo período de

criação da BBC, como dito anteriormente. A qualidade da imagem se desenvolveu através da

indústria britânica, produzindo desta maneira imagens sem zumbidos, com claridade e

características mecânicas.148

No final dos anos 1930 a televisão era exibida publicamente em eventos, tendo sido

destaque na Feira Mundial de Nova York em que existia a Sala da Fama da Televisão, em

1939. Durante a Segunda Guerra Mundial a televisão detinha horários específicos de exibição

e programação. Após o término da guerra e com um breve restabelecimento da economia

mundial, notou-se que de 178 mil aparelhos em 1947, no ano de 1952 já havia 15 milhões,

somente nos EUA. A revista Business Week ressaltava que, em 1948, a televisão se tornava “o

mais recente e valorizado bem de luxo do cidadão comum” 149

.

Baracho ressalta que a década de 1940, perpassada pela Segunda Guerra Mundial, as

tecnologias estavam todas voltadas para este fim, razão pela qual a televisão, o rádio, o

satélite, o radar, os aviões e outros equipamentos se desenvolveram simultaneamente para o

envio e recebimento de informações e dados. A comunicação instantânea tornava-se

indispensável. 150

Já em 1953, o então presidente norte-americano Dwight David Eisenhower afirmava

que se um cidadão precisasse se entreter era muito mais barato e confortável ficar em frente à

televisão do que sair e pagar para fazê-lo nos cinemas. Mesmo porque na década que se

iniciava a programação já era um pouco mais variada do que quando sua origem, ainda que

muito menor que a programação do rádio. Nesse momento a grade horária americana continha

mais filmes do que programas ao vivo, além de faroestes e filmes da Disneylândia, devido ao

fato de a principal empresa fornecedora de programação para os canais ser Warner Brothers.

Além desses, havia programas bastante estereotipados como espetáculos de jogos, quebra-

cabeças e novelas. É possível perceber que no início da ascensão da televisão no gosto

popular a mesma se voltava para o entretenimento, estabelecendo um padrão de linguagem

próximo ao do cinema.

147

Ibid. p.175 148

Ibid. p.179 149 Ibid. p.234 150 Ibid. p.61

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A BBC em 1936 era a única empresa que mantinha uma estação de televisão

regularmente, mas foi somente após o término da Segunda Guerra que, com 405 linhas151

a

companhia abandonava as reprises da Disney para se deter no papel midiático da televisão.

Desde seu início, a televisão na Inglaterra era considerada como controle de status, situação

que foi se modificando ao longo de sua história. Um dos acontecimentos mais importantes

para a televisão britânica passou a ser a transmissão da coroação da Rainha Elisabeth II em

1953. Foram cerca de 20 milhões de pessoas que acompanharam a exibição, razão pela qual

dois anos após o evento o Parlamento Britânico modificava suas leis, eliminando o monopólio

até então concedido a BBC.

Cabe destacar que os dois principais países neste momento, Inglaterra e EUA viam a

televisão de forma distinta, a ponto de o primeiro considerar a televisão norte-americana um

exemplo daquilo que não deveria ser seguido. A principal característica atribuída à televisão

britânica diante desses acontecimentos foi o uso de intervalos comerciais que seguissem uma

regulamentação prevista pelo Parlamento. Ao mesmo tempo, a ascensão de canais

independentes passava a estabelecer uma competição muito importante para o canal oficial, a

BBC. Durante os anos 60 e 70, a empresa através de profissionais qualificados e políticas

institucionais conseguia competir com os demais canais em relação aos programas de esportes

e comédias. As comédias, conhecidas como sitcoms, também faziam parte da caracterização

da televisão britânica e eram conhecidas por sua popularidade. Foi também na década de 1970

que a unidade da televisão britânica passou a ser conhecida, especialmente por sua capacidade

de rápida adaptação a mudanças, como foi o caso da televisão em cores. Nesse momento

também é perceptível o alcance que esta tecnologia possuía, abrangendo 90 países e 750

milhões de espectadores.

Anos depois a televisão já estabelecida em grande parte do mundo mostrava os

conflitos da Guerra do Vietnã, ainda que de forma selecionada e reduzida, adquirindo um

status de instantaneidade da informação e de relatos, bem como produzindo um discurso de

verdade. Em 1969 a população mundial (cerca de 723 milhões de pessoas) já tinha acesso a

um evento de grande magnitude ao acompanhar a chegada do homem a Lua. Nessa década

ocorria também uma grande mudança com a televisão: o cabo era lançado no mercado

contando inicialmente com 12 programas e chegando ao final da década com mais de 100,

além de ter sido muito bem aceito pela população, mesmo sendo pago, se tornando uma forma

lucrativa para empresas de tele-vendas. O canal HBO (Home Box Office) foi um dos

151 Referente a qualidade da imagem transmitida. Quanto mais linhas, menor o espaço vazio na tela e, portanto,

maior a nitidez da imagem exibida.

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primeiros canais norte-americanos na televisão paga e estava primeiramente vinculado com

filmes e esportes.

Todavia, esse controle da mídia visual pelas companhias norte-americanas e

britânicas passou a preocupar a UNESCO que em 1972 passou a refletir sobre as normas de

exibição da televisão bem como a qualidade dos programas por ela apresentada. Pensava-se

especialmente na possível dominação cultural exercida pelas duas nações em relação ao

terceiro mundo que se encontrava como área de influência ou em governos ditatoriais

apoiados pelos dois países, ainda que existissem muita produção local que evidenciava e

reforçava os modos e costumes do terceiro mundo. A educação de massas, assim como no

período da Segunda Guerra, permanecia fortemente nas políticas de Estados internas e

externas, voltada especialmente para educar e informar o povo de acordo com os interesses de

Estado.

A partir desses elementos, a comunicação (escrita, ouvida e vista) passou a depender

de três grandes áreas no século XX: informação, educação e entretenimento. Os principais

elementos formadores de informação de qualquer veículo midiático nesse momento passariam

a ser: o quê, o quem, para quem e o onde. Elementos que, portanto, já identificam qual o

assunto tratado, quem ele visa, de que forma ele visa e sua localidade. A informação adquiriu

esse status por conta da industrialização que previa dados mais confiáveis que alcançassem

maiores públicos, porém de forma educativa tendo em vista que nesse momento a instrução de

massa era essencial. Ao mesmo tempo, a indústria também passava a exigir novas formas de

lazer e entretenimento, papel que os meios de comunicação passariam a desempenhar.

Com a questão de entretenimento a televisão exerceu um papel muito importante ao

passar em sua grade horária eventos esportivos, algo que teve seus aspectos positivos e

negativos, pois principalmente com os esportes, ela desenvolveu uma relação de dependência.

Isso permitiu que cada vez mais o público se tornasse fiel a televisão e continuasse ligado a

ela.

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8.2 LISTA DOS EPISÓDIOS DA SÉRIE

- 1.ª Temporada

Título do Episódio Diretor (es) Ano a que se

refere

1. In Cold Blood Charles McDougall e Steve Shill 1518

2. Simply Henry Charles McDougall 1519

3. Wolsey, Wolsey,

Wolsey!

Steve Shill 1521

4. His Majesty, the King Steve Shill 1521

5. Arise, My Lord Brian Kirk 1526

6. True Love Brian Kirk 1527

7. Message to the

Emperor

Alison Maclean 1528

8. Truth and Justice Alison Maclean 1528

9. Look to God First Ciarán Donnelly 1529

10. The death of Wolsey Ciarán Donnelly 1530

- 2.ª temporada

1- Everything is Beautiful Jeremy Podeswa 1531

2- Tears of Blood Jeremy Podeswa 1532

3- Checkmate Colm McCarthy 1533

4- The Act of Succession Colm McCarthy 1534

5- His Majesty‟s Pleasure Ciarán Donnelly 1535

6- The Definition of Love Ciarán Donnelly 1535

7- Matters of State Dearbhla Walsh 1536

8- Lady in Waiting Dearbhla Walsh 1536

9- The Act of Treason Jon Amiel 1536

10-Destiny and Fortune Jon Amiel 1536

- 3.ª temporada

1- Civil Unrest Ciarán Donnelly 1536

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90

2- The Northern Upresing Ciarán Donnelly 1536

3- Dissension and

Punishment

Ciarán Donnelly 1536-1537

4- The Death of a Queen Ciarán Donnelly 1537

5- Problems in the

Reformation

Jeremy Podeswa 1537-1538

6- Search for a New Queen Jeremy Podeswa 1538-1539

7- Protestant Anne of Cleves Jeremy Podeswa 1540

8- The Undoing of Cromwell Jeremy Podeswa 1540

- 4.ª temporada

1- Moment of Nostalgia Dearbhla Walsh 1540

2- Sister Dearbhla Walsh 1540

3- Something for you Dearbhla Walsh 1541

4- Natural Ally Ciarán Donnelly 1541

5- Botton of the Pot Ciarán Donnelly 1541-1542

6- You have My Permission Ciarán Donnelly 1542

7- Sixth and the Final Wife Jeremy Podeswa 1543

8- As it Should be Jeremy Podeswa 1544

9- Secrets of the Heart Ciarán Donnelly 1545-1546

10-Death of a Monarchy Ciarán Donnelly 1547