aspectos relevantes do litisconsÓrcioarquivo.fmu.br/prodisc/direito/mbm.pdf · de acordo com...
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CURSO DE DIREITO
“ASPECTOS RELEVANTES DO LITISCONSÓRCIO”
MARIANA DE BARROS MONTEIRO
RA: 5120427
TURMA: 3109 – A
FONE: (11) 9579 – 1285
E-MAIL: [email protected]
São Paulo
2010
MARIANA DE BARROS MONTEIRO
Monografia apresentada à Banca
Examinadora do Centro
Universitário das Faculdades
Metropolitanas Unidas, como
exigência parcial para obtenção do
Título de Bacharel em Direito sob a
orientação do Professor Rodrigo da
Cunha Lima Freire
São Paulo
2010
BANCA EXAMINADORA:
Professor orientador:_____________________
Professor arguidor:______________________
Professor arguidor:_______________________
AGRADECIMENTOS:
Primeiramente, agradeço ao meu Orientador, o querido Professor Rodrigo da
Cunha Lima Freire, por toda sua atenção e valiosas sugestões, e pelas suas aulas de
Processo Civil, que despertaram em mim o gosto pela matéria.
Agradeço aos meus irmãos, Ralpho Waldo Filho e Marina Stella, pelos livros e
pelas longas conversas sobre o Litisconsórcio, que me ajudaram a enriquecer o presente
trabalho.
Agradeço também à minha mãe Solange, minha grande e verdadeira amiga, por
todo o seu apoio, e ao meu pai Ralpho Waldo, por ter-me proporcionado a possibilidade
de cursar a faculdade de Direito e, mais importante do que isso, por ter me ensinado a
beleza do Direito.
Ao Paulo, meu amor e fiel companheiro.
Vocês todos são para mim lindos e dignificantes exemplos.
1
Introdução 2
1. Noções Preliminares – Conceito de Litisconsórcio 3
1.1. Parte no Processo Civil Brasileiro 5
1.2. Fundamentos do Instituto 8
1.3. Cúmulo de ações e não de processos 11
2. Classificação (Espécies de Litisconsórcio) 14
2.1. Quanto à posição processual dos sujeitos 14
2.2. Quanto ao tempo de sua formação 14
2.3. Quanto ao alcance de seus efeitos 15
2.4. Quanto à sua obrigatoriedade 20
2.4.1. Litisconsórcio necessário e litisconsórcio unitário: Realidades jurídicas
distintas 22
2.4.2. O problema do litisconsórcio necessário ativo 27
2.5. Litisconsórcio eventual e litisconsórcio alternativo 30
3. Regime Jurídico aplicável aos litisconsortes 32
3.1. O princípio da independência entre os litisconsortes 32
3.2. O benefício do artigo 191 do CPC 37
3.2.1. Início da contagem dos prazos 41
Conclusão 41
Bibliografia 44
2
Introdução
No presente trabalho procuramos abordar os aspectos mais relevantes do
litisconsórcio, dando especial atenção à sua modalidade necessária.
Registra-se, pois, que a ênfase dada ao litisconsórcio necessário acaba por
ocorrer quase que naturalmente para o estudioso do instituto, vez que é neste que
acabam por surgir maiores discussões e dúvidas sobre o tema, conforme será possível
perceber no decorrer deste trabalho.
Um dos motivos que nos conduziram à escolha do tema foi a extrema
relevância do instituto do litisconsórcio para o direito processual brasileiro, por este
possuir grande utilidade prática.
Vale dizer, na nossa sociedade atual, em que o volume de processos a serem
apreciados pelo Poder Judiciário se torna cada vez maior, mecanismos capazes de
agilizar a marcha processual se mostram bastante convenientes.
As benesses trazidas pelo instituto do litisconsórcio são tão relevantes que
receberam, neste trabalho, especial atenção em capítulo próprio.
Abordamos também o conceito de parte para o sistema processual
brasileiro, bem como os elementos que formam a relação tríplice processual. A
pesquisa de ambos os aspectos se mostrou essencial para a própria compreensão do
instituto.
Classificamos as modalidades de litisconsórcio de acordo com a maioria
dos doutrinadores, acrescentando as interessantes figuras do litisconsórcio eventual e
alternativo, classificação esta abordada por apenas alguns autores, porém certamente
dignas de serem mencionadas.
3
Foram também tratadas neste trabalho questões relativas às regras
processuais aplicáveis ao litisconsórcio, tais como a incidência do benefício do artigo
191 do Código de Processo Civil, além da independência entre os litisconsortes no que
diz respeito aos atos por eles praticados.
Por fim, consignamos nesta introdução que o litisconsórcio é instituto
bastante amplo e que, portanto, não seria possível abordarmos a totalidade de assuntos
que o envolvem.
Dessa forma, como foi dito no princípio dessas considerações, o objeto do
nosso trabalho é o estudo dos aspectos que consideramos mais relevantes no instituto.
1. Noções Preliminares – Conceito de Litisconsórcio
Normalmente a lide é formada por uma parte em cada polo, autor e réu, na
qual aquele pleiteia questões de fato e de direito em face deste que, por sua vez, se
defende para manter o status quo ante.
A esse respeito, em breves linhas, Cândido Rangel Dinamarco define o
processo como sendo um “palco da atividade” exercida pelo Estado (Juiz), autor e réu,
no qual “o primeiro, preocupado em realizar a pacificação dos litigantes e manter a
integridade do ordenamento jurídico (...) o segundo, na busca da satisfação de um
interesse pessoal seu” e, por fim, “o réu, resistindo como pode para que o status quo
ante seja mantido”1.
Ocorre, todavia, que poderão se reunir em um ou em ambos os polos mais
de uma parte, ora porque a lei assim autoriza, ora porque esta assim impõe. Na última
1 DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio, 6ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001. pp. 17
e 18.
4
hipótese, ou seja, no caso do litisconsórcio necessário, a formação do litisconsórcio
também se dá pela natureza da relação jurídica de direito material. De uma forma ou
de outra, eis o fenômeno processual do Litisconsórcio.
Nestes termos configura-se o fenômeno litisconsorcial com a pluralidade de
partes em um dos polos da relação jurídica processual, ou em ambos. É esse, portanto,
o elemento caracterizador do litisconsórcio.
Não há a este respeito divergência na doutrina. Alguns autores dizem ser
simplesmente composição plúrima do polo ativo, passivo, ou ambos, enquanto outros
apenas acrescentam pequenos elementos a este núcleo conceitual.
Luiz Rodrigues Wambier, em obra conjunta com Flávio Renato Correia de
Almeida e Eduardo Talamini chama de “cumulação de sujeitos” o instituto em estudo
“pelo qual duas ou mais pessoas se encontram no mesmo pólo do processo, como
autores, como réus, ou como autores e réus”2.
Em complemento ao que aqui se disse a respeito da conceituação do
instituto do litisconsórcio, cumpre ressaltar nestas anotações preliminares, interessante
observação feita por Thereza Arruda Alvim, no sentido de que o instituto em estudo
não pode ser conceituado tão somente como uma “cumulação subjetiva de litigantes”.
Isso porque, segundo a autora, “essa cumulação pode existir e não haver
litisconsórcio”. É o caso, por exemplo, do menor púbere que ingressará em juízo
assistido por seu pai.
Destarte, tem-se nesse exemplo duas pessoas no mesmo polo da relação
jurídica processual, mas são partes compostas cuja existência de uma depende da
2 WAMBIER, ALMEIDA, TALAMINI. Luiz Rodrigues, Flávio Renato, Eduardo. Curso Avançado de
Processo Civil, Vol I, 9º ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006/2007. p. 246.
5
outra. Neste caso ter-se-á uma única parte. Daí concluir Thereza Alvim que “prefere-
se afirmar que o instituto, em tela, se caracteriza pela pluralidade de partes ou de
mais de uma pessoa no papel de parte, no mesmo pólo da relação jurídica processual,
aceitando a dualidade fundamental do processo”3.
Convém ressaltar que o litisconsórcio não configura pluralidade de
processos mas conforme já foi dito, de partes.
Vale dizer, os sujeitos da lide formam sua relação processual em torno de
um só processo, independentemente do tipo de litisconsórcio formado. Esse tem sido,
de acordo com Cassio Scarpinella Bueno, o entendimento pacífico da doutrina e da
jurisprudência4.
1.1. Parte no Processo Civil Brasileiro
Como é possível perceber, o conceito de litisconsórcio está intimamente
ligado ao conceito de parte vez que, conforme já foi dito, aquele se define pela
pluralidade desta em um ou em ambos os polos na relação processual.
Primeiramente, é importante registrarmos que o conceito de parte possui
cunho eminentemente processual. Vale dizer, ser parte não significa necessariamente
possuir direitos e obrigações na esfera do direito material, mas sim integrar a relação
processual perante o juiz, seja por ter sido acionado e citado (réu), ou por deduzir em
juízo uma determinada pretensão (autor).
3 ALVIM, Thereza. O Direito Processual de estar em juízo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
1996. pp. 123 e 124. 4 SCARPINELLA, Cassio. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, Vol. 2, Tomo I. São
Paulo: Editora Saraiva, 2007. pp. 446 e 447. Ainda nesse sentido, o citado autor ressalta: “Também é
bastante comum o entendimento de que o litisconsórcio – e o comentário é especialmente válido para
os casos de litisconsórcio ‘simples’- representaria verdadeira cumulação de ações: mais de uma ação
exercida e exercitada em um mesmo processo por litisconsorte”.
6
Não se pode olvidar, todavia, que “parte” é instituto de direito processual e,
dessa forma, com o direito material guarda certa relação.
Ocorre que, para se visualizar quem deveria figurar em um processo como
parte, faz-se necessário vislumbrar o direito material que possui.
Dessa forma, por exemplo, no litisconsórcio necessário, todos os titulares
da relação de direito material deveriam integrar o processo como partes, vez que todos
eles deveriam estar expostos aos efeitos da sentença acerca do direito que afirmam
possuir, ou a que resistem.
Aquele que vai a juízo pretendendo um provimento acerca de um direito
material que afirma possuir é parte, mesmo que o provimento jurisdicional lhe negue
tal pretensão.
Aqui se torna oportuna a lição de Araken de Assis que nos mostra a
diferença entre parte, e parte legítima nos seguintes termos: “parte constitui uma
relação aferida na relação processual, e, parte legítima, na relação material”5.
Dessa forma, o conceito de parte é instituto de direito processual, na medida
em que somente terá sido parte, aquele que participou diretamente do processo,
estando ele sujeito aos efeitos do provimento jurisdicional, ainda que potencialmente –
porque não se sabe o resultado da demanda.
Nesse sentido, quem não tiver participado do processo, por mais que a
situação de direito material assim o exigisse, não terá sido parte.
5 ASSIS, Araken. Em artigo intitulado de “Legitimação ativa para embargos de terceiro: Comentários
ao REsp 98.655 – RS” in Aspectos polêmicos e atuais sobre os terceiros no processo civil (e assuntos
afins). Coordenação Fredie Didier Jr. e Thereza Arruda Alvim Wambier. p. 15.
7
As partes se caracterizam pelo interesse na solução da lide que integram,
vez que são elas as destinatárias do provimento jurisdicional e, por isso, possuem
legitimidade para demandar ou defender-se em juízo.
Em breves linhas, ser parte significa que os efeitos do processo poderão
recair sobre sua esfera jurídica e que, por este motivo, a lei o torna titular do direito ao
contraditório.
O sujeito adquire a condição de parte quando adquire as características
jurídicas de que compõe a relação processual, tais como faculdades, poderes, deveres e
ônus em relação à lide e a sujeição a esta situação jurídica em que se encontram.
A propósito, o Professor Cândido Rangel Dinamarco, citando lição de
Liebman, nos ensina que ser parte é justamente estar englobado nessa situação
jurídica6.
Ser parte é estar em um dos polos da demanda seja como autor, que afirma
em juízo possuir um direito, seja como réu, que resiste a esta pretensão.
Quem em juízo não afirma nada ou a nada resiste não é parte, mas sim,
terceiro.
Diante do que foi dito, aqui se torna propícia a lição de Thereza Arruda
Alvim, para quem “parte é aquele que pede ou contra quem se pede a tutela
jurisdicional”7.
6 Cândido Rangel Dinamarco, citando lição dada por Liebman, explica que a sujeição consiste na
submissão à autoridade do órgão. LIEBMAN. Manual, I, n. 59, esp. p. 123 trad., apud Cândido Rangel
Dinamarco. Ob. Cit., p. 21. A esse respeito, também esclarece Cândido Rangel Dinamarco que é esta
sujeição que difere as partes do juiz, pois este “sendo a encarnação do Estado-jurisdição, também é
titular de poderes e deveres, para a efetividade da autoridade, que ali exerce”. Ob. Cit., p. 21. 7 ALVIM, Thereza. Ob. Cit., p. 9.
8
Vale ressaltar, que a pluralidade de partes trazida no núcleo do instituto do
litisconsórcio, em nada afeta o princípio da dualidade de partes segundo a qual a
relação jurídica processual envolve necessariamente três sujeitos (autor, réu e juiz).
Nesse sentido, é a lição de Arruda Alvim:
“uma das características marcantes do litisconsórcio é a
existência de pluralidade de partes. O significado de
pluralidade de partes, suscetível de servir utilmente para
uma construção dogmática, é aquele significativo de que,
em certos processos, vários litigantes encontram-se num
dos pólos da relação jurídica processual, existindo entre
eles afinidade, sob múltiplos aspectos. O conceito de
pluralidade de partes, assim utilizado, não se contrapõe,
absolutamente, ao princípio da dualidade de partes (Zwei
Partei System), do Direito alemão”8.
Dessa forma, percebe-se porque o fato de haver mais de uma parte em seus
polos não altera a estrutura tríplice da relação.
1.2. Fundamentos do Instituto
O instituto em estudo tem sua existência justificada por duas consistentes
bases: a primeira diz respeito à economia processual e a segunda, não menos
importante, à harmonia de julgados que envolvam um mesmo contexto de fato.
8 ARRUDA ALVIM, José Manuel. Código de Processo Civil Comentado. Vol. II. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 1975.p. 361.
9
A economia se dá pelo fato do litisconsórcio evitar excesso de processos,
gastos e instruções a respeito de uma mesma situação ou fundamento. É, em suma, a
busca pelo mínimo de desgaste na obtenção de melhores e mais proveitosos resultados.
Nas palavras de Cândido Rangel Dinamarco, a economia se refere à
“conveniência de se cumularem num só processo diversas partes”.
Conveniente é a cumulação de partes, pois a formação do litisconsórcio
permite a concentração de esforços e despesas em uma única lide.
A este respeito, Cândido Rangel Dinamarco observa de forma bastante
oportuna, que tais fundamentos do instituto em estudo são princípios de todo o direito
processual, e não somente aplicáveis ao litisconsórcio9.
A economia processual, como já é possível perceber, não se refere somente
a gastos econômicos exigidos por uma demanda judicial, mas também à celeridade e à
efetividade nos resultados desta.
Afinal, se para cada sujeito fosse preciso promover ações distintas, mesmo
havendo identidade entre seus pedidos e suas causas de pedir, por óbvio que ocorreria
um grande desgaste da máquina do Poder Judiciário em resolver tais demandas.
De acordo com Cassio Scarpinella Bueno a economia processual visa o
melhor desempenho na prestação jurisdicional, de forma a solucionar o maior número
possível de conflitos com o menor desgaste possível da máquina do Poder Judiciário10
.
9 São as palavras do Professor Cândido Dinamarco a respeito da economia processual e da harmonia
dos julgados: “(...) em si mesmos são, em última análise, princípios informativos de todo o direito
processual e não só do instituto em análise. É preciso extrair do exercício da jurisdição pelos órgãos
estatais todo o possível resultado útil, com o mínimo de esforço e de despesas, sem duplicação de
atividades e dispersão do tempo que seria utilizado para acudir a outras demandas. É preciso evitar
que as mesmas questões jurídicas ou de fato recebam soluções diferentes, no julgamento de diversas
relações jurídicas delas dependentes”. DINAMARCO. Ob. Cit., p. 63.
10
Também nesse sentido é o entendimento dos autores Luiz Rodrigues
Wambier, Flávio Renato Correia de Almeida e Eduardo Talamine sobre o tema:
“A adoção da possibilidade de cumulação subjetiva
atende a alguns princípios do processo civil, de que já
tratamos. O primeiro deles é o princípio da economia
processual, em razão do qual, com o litisconsórcio, evita-se
o desperdício de recursos (em sentido amplo, significando
recursos financeiros, utilização do aparelho jurisdicional
etc.). O segundo princípio é o da segurança jurídica, pois o
litisconsórcio, ao proporcionar que se aplique o direito
uniformemente, àqueles que do processo sejam partes, evita
a prolação de decisões conflitantes11
”
Com relação à harmonia dos julgados, portanto, o litisconsórcio evita que
ocorram conflitos entre sentenças proferidas em processos diferentes que possuam
mesmo fato ou mesmo fundamento.
Isso porque, conforme já é possível perceber, o litisconsórcio impede que
processos que possuam coincidência nos elementos essenciais da relação jurídica,
recebam pronunciamentos contraditórios.
A harmonia dos julgados garante, portanto, segurança e estabilidade nos
pronunciamentos jurisdicionais e, portanto, na solução do conflito.
10
“Segundo este princípio, a atividade jurisdicional deve ser prestada sempre com vistas a produzir o
máximo de resultados com o mínimo de esforços. Não se trata só de economia no sentido de menos
dispêndio (recursos financeiros). Isto também é relevante para atendimento dos fins deste principio. O
que releva notar, entretanto, é a economia da atividade jurisdicional no sentido da redução desta
atividade, redução do número de atos processuais quiçá, até, da propositura de outras demandas,
resolvendo-se o maior número de conflitos de interesses de uma só vez”. SCARPINELLA. Partes e
Terceiros no Processo Civil Brasileiro. Ob. Cit., pp. 18 e 19. 11
WAMBIER, ALMEIDA, TALAMINI. Ob. Cit., p. 247.
11
1.3. Cúmulo de ações e não de processos
Apesar de muitas vezes utilizadas como sinônimas as expressões “ação” e
“processo”, tecnicamente são figuras diferentes.
Para o estudo que passamos a analisar, no que concerne ao litisconsórcio,
essa diferenciação se faz necessária apenas como forma de facilitar a compreensão do
que realmente é objeto do nosso estudo neste capítulo.
Por esse motivo, cumpre ressaltar que intenção aqui não é esmiuçarmos o
tema acerca da nomenclatura, mas sim definirmos qual é a interpretação que nos
parece mais apropriada de “processo” e “ação” para a presente discussão.
Dito isso, registre-se que concordamos com a doutrina de Vicente Greco
para quem a ação é um “direito de obter uma sentença de mérito, independente de ser,
ou não, favorável”12
ou, em outras palavras, “é o direito, o poder jurídico que a parte
tem para pedir tutela jurisdicional, isto é, o julgamento do pedido formulado” segundo
definição de Liebman citado por Ernane Fidélis dos Santos13
.
Ainda na lição de Vicente Greco, também não se confunde o conceito de
ação com a pretensão. Esta última, conforme esclarece Vicente Greco “é o bem
jurídico que o autor deseja obter por meio da atuação jurisdicional”14
.
Já o processo, na definição de Luiz Rodrigues Wambier, Flávio Renato
Correia de Almeida e Eduardo Talamini em obra conjunta é “conceito de cunho
finalístico, teleológico, que se consubstancia numa relação jurídica de direito público,
12
GRECO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. Vol. I. 20ª ed. São Paulo: Editora Saraiva,
2007. p. 78. 13
FIDÉLIS, Ernane. Manual de Direito Processual Civil. Vol. I. 11ª ed. São Paulo: Editora Saraiva,
2006. p. 48. 14
GRECO, Ob.Cit., p. 80.
12
traduzida num método de que se servem as partes para buscar a solução do direito
para os conflitos de interesses”15
. (Grifo Nosso).
Nesse mesmo sentido, para o Professor Ernane Fidélis dos Santos,
“processo é o meio pelo qual a jurisdição atua e a tutela jurisdicional é prestada nos
seus fins específicos, tal seja o pedido de quem a requer”. (Grifo Nosso).
Trocando em miúdos, temos que a idéia de processo está relacionada à
forma, ao método, ao mecanismo utilizado pelas partes para se chegar à finalidade,
qual seja, o provimento jurisdicional.
Em outras palavras, temos que o processo é o meio à disposição de seus
sujeitos para o exercício do direito de ação.
Partindo dessas premissas, voltando ao objeto do tema em questão, o
número de ações em um litisconsórcio será tantos quantos forem os sujeitos do
processo e que este, ainda assim, é um só não importando o número de litisconsortes
presentes.
Vale dizer, todos os litisconsortes possuem o direito de buscar a tutela
jurisdicional (ação) e fazem isso por meio de um só processo.
Formam-se, então, várias ações – cada sujeito exercendo o seu direito ao
provimento jurisdicional – dentro de um mesmo processo.
A esse respeito Cassio Scarpinella Bueno nos ensina que:
“O litisconsórcio é, em todo e em qualquer caso (...)
cúmulo de sujeitos num mesmo processo ou, ainda, cúmulo
15
WAMBIER, ALMEIDA, TALAMINI. Ob. Cit., p. 155.
13
de demandas. O processo em que estas demandas (ações, na
linguagem comum) são exercidas por pelo menos mais de
um sujeito em cada pólo, no entanto, é sempre e em
qualquer caso um só”16
.
Ademais, conforme já vimos em tópico próprio, não fosse ser o processo
um só, o instituto do litisconsórcio perderia suas fortes justificativas de ser: A
economia processual e a harmonia nos julgados.
Da mesma forma que são vários os sujeitos – seja no polo ativo, seja no
passivo ou em ambos – são várias as ações e também as pretensões.
Faz-se, contudo, a ressalva de que a pretensão pode ser a mesma entre os
litisconsortes em um mesmo polo, enquanto as ações são únicas para cada um deles.
Cada um dos sujeitos que vai à juízo em litisconsórcio, o faz para afirmar
uma pretensão ou a ela resistir, de forma que cada um tem a sua relação formada
dentro do processo. Cada qual com a sua pretensão que pode, ou não ser reconhecida
em juízo.
Tanto é que, para litisconsortes em um mesmo polo, o provimento pode ser
favorável para uns e desfavorável para outros (litisconsórcio simples). Ou seja, a ação
não é a mesma para todos os sujeitos do processo.
16
SCARPINELLA. Cassio. Partes e Terceiros no Processo Civil Brasileiro, São Paulo: Editora
Saraiva, 2003. p. 65.
14
2. Classificação (Espécies de litisconsórcio)
2.1. Quanto à posição processual dos sujeitos
O litisconsórcio será ativo quando houver pluralidade de autores, e passivo
quando a pluralidade for de réus.
O litisconsórcio misto ocorre quando, em uma mesma lide, a pluralidade for
de autores e réus ao mesmo tempo.
Percebe-se, pois, que a classificação aqui se dá de acordo com o polo em
que se encontram os litisconsortes.
Pode-se dizer, por isso mesmo, que a definição a respeito do litisconsórcio
ativo ou passivo se dará de acordo com o interesse das partes em relação ao objeto da
demanda, vale dizer, se ele pede ou se contra ele é pedido algo em juízo.
Com efeito, será passivo o litisconsórcio se contra mais de uma parte for
feito determinado pedido. Por outro lado, ativo será o litisconsórcio se duas ou mais
partes demandarem contra alguém.
2.2. Quanto ao tempo de sua formação
Com relação ao critério cronológico, o litisconsórcio será originário ou
inicial quando existir desde o princípio da demanda, enquanto o ulterior é o que se
forma após a propositura desta.
15
A modalidade ulterior é bastante comum quando o litisconsórcio é
necessário, e ainda não foram citados todos os litisconsortes, que devem integrar a
demanda.
Sendo esta a ocasião, tem o juiz poderes para ordenar ao autor, que este
promova a citação dos litisconsortes ausentes (art. 47, parágrafo único do CPC) pois,
conforme veremos mais adiante, em se tratando de litisconsórcio necessário, a
presença de todos os litisconsortes se faz imperiosa para a própria formação do
processo.
Conforme nos ensina Fredie Didier Jr. a modalidade de litisconsórcio
ulterior “tem de ser encarado como exceção, pois não deixa de ser evento que
tumultua a marcha processual”17
.
De acordo com a lição do autor, o litisconsórcio ulterior surgirá em três
hipóteses: a) Quando houver intervenção de terceiros em razão de chamamento ao
processo ou denunciação da lide; b) No caso de sucessão processual, caso em que os
herdeiros da parte falecida ingressam na demanda (artigo 43 do CPC) ou, ainda, c)
Pela conexão de ações que possuam mesma causa de pedir ou o mesmo objeto.
Hipótese estas em que os artigos 103 e 105 do Código de Processo Civil determinam o
processamento simultâneo18
.
2.3. Quanto ao alcance de seus efeitos
Tal classificação se refere aos efeitos da sentença suportados pelos
litisconsortes no plano do direito material.
17
DIDIER. Curso de Direito Processual Civil – Teoria Geral e Processo de Conhecimento. Vol. 1.
10ª Ed. Editora Jus Podium. p. 299. 18
DIDIER. Ob. Cit., p. 299.
16
Com efeito, o litisconsórcio poderá ser unitário ou simples, variando de
acordo com a identidade da sorte dos litisconsortes.
Será unitário o litisconsórcio cuja demanda deverá ser decidida,
invariavelmente, de forma idêntica a todos os litisconsortes que integrarem o mesmo
polo.
Simples, em contraposição, é o litisconsórcio que não necessariamente deva
surtir resultados idênticos aos litisconsortes.
A esse respeito, faz-se a consideração de que a mera possibilidade de haver
resultados diferentes é suficiente para caracterizar o litisconsórcio como simples. Ou
seja, a análise deve ser feita hipoteticamente, verificando-se todas as possíveis
consequências da demanda e não o efetivo resultado obtido na sentença.
Com efeito, se dessa análise hipotética se identificar a possibilidade de
resultados diferentes aos litisconsortes, será simples sua classificação. Em
contrapartida, pelo mesmo critério de análise, caso a relação jurídica levada a juízo
deva receber os mesmos efeitos da sentença, isso definirá a sua unitariedade.
Isso porque são casos em que a relação jurídica de direito material entre os
litisconsortes não pode ser desmembrada. É o clássico exemplo da anulação do
casamento, em que o resultado da lide será o mesmo para ambos os cônjuges. Destarte,
não é preciso que se saiba o resultado desse processo para o definirmos como unitário.
O Professor Cândido Rangel Dinamarco, por sua vez, classifica o
litisconsórcio quanto aos efeitos em unitário e comum (e não simples).
17
O que ocorre é que o ilustre autor, para realizar a classificação em tela, dá
mais ênfase aos aspectos da liberdade de atos entre os litisconsortes e consequente
autonomia entre os efeitos de suas condutas.
Nas palavras do autor o litisconsórcio comum:
“...é mercado pela regra da (relativa) independência
dos co-litigantes, segundo a qual os ato e omissões de cada
um são em princípio indiferentes para os demais (CPC, art.
48). Ele constitui direito comum em sede litisconsorcial e
permite que a solução final do processo venha
eventualmente a oferecer resultados diferentes para os
diversos litisconsortes”.
E ainda:
“Litisconsórcio comum é o não – unitário, ou seja, é
aquele em que o juiz tem (relativa) liberdade para julgar de
modos diferentes as pretensões ou situações dos diversos
litisconsortes”.19
É possível perceber que tanto para a classificação do autor como para a por
nós anteriormente analisada, o divisor de águas entre um ou outro litisconsórcio
quanto aos efeitos da demanda, está na uniformidade na sorte dos litisconsortes.
O que ocorre, portanto, é apenas uma pequena divergência de nomenclatura
que, na realidade, possuem o mesmo critério de classificação. De um lado o
litisconsórcio simples, ou comum, e de outro o litisconsórcio unitário ou especial.
19
DINAMARCO. Ob. Cit., p. 68 e 123.
18
Ainda sobre o litisconsórcio unitário, consideramos interessante a
abordagem feita por Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, que anotam ser
inconstitucional a sua caracterização na modalidade facultativa.
O que ocorre é que, conforme já vimos, na hipótese de litisconsórcio
facultativo, os co-titulares do objeto do processo podem optar por em ir a juízo
conjunta ou separadamente.
O resultado prático dessa faculdade, todavia, é que no caso de apenas um
dos co-titulares ir a juízo, aquele que não o fez também receberá os efeitos da sentença
proferida, considerando-se, sobretudo, a incindibilidade da relação jurídica de direito
material.
Ou seja, no caso de litisconsórcio unitário, onde a relação jurídica de direito
material é incindível, todos os titulares do direito discutido sofrerão os efeitos do
respectivo provimento jurisdicional, tendo participado do processo ou não.
De acordo com os mencionados autores, a inconstitucionalidade residiria
em três aspectos: em primeiro lugar o co-titular do direito alegado em juízo, que dele
não participou, teria que suportar os efeitos da sentença sem exercer seu direito
fundamental ao processo justo (art. 5º, LIV da Constituição Federal), já que a ele não
terá sido dada a possibilidade de exercer, por exemplo, sua ampla defesa e
contraditório.
Mais do que isso, a sentença transitada em julgado atingiria terceiro (co-
titular do direito que não participou do processo), violando o disposto no artigo 472 do
CPC, que determina os limites subjetivos da coisa julgada.
Além disso, anotam os ilustres autores que solucionar o problema do
alcance subjetivo da coisa julgada, através da sua formação conforme o resultado do
19
processo, violaria o direito fundamental à paridade das armas no processo civil (art. 5º,
I da Constituição Federal).
Isso porque, se se pudesse condicionar o alcance da coisa julgada ao
resultado positivo da demanda, a parte contrária ficaria prejudicada, por não receber
um provimento jurisdicional que lhe é favorável com a força definitiva da coisa
julgada. Vale dizer, não formaria coisa julgada para os sucumbentes, mas também não
o faria para aquele que, de pleno direito, obteve provimento.
Acrescentamos a isso, a seguinte consideração: se não se formasse coisa
julgada para os sucumbentes, mesmo tendo ganho a demanda, poderia o réu ser
surpreendido por outro processo, desta vez promovido pelo litisconsorte que
anteriormente foi omisso, o que poderia até dar ensejo a fraudes. Ou seja, poderiam os
detentores do direito discutido optar pela participação isolada no processo, com a
finalidade de promover situação que permitisse a repropositura da ação.
É por todos estes motivos que Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero
defendem que todo e qualquer litisconsórcio unitário deve também ser necessário,
embora a própria lei preveja a possibilidade da existência de litisconsórcio unitário e
facultativo, como consta expressamente da autorização contida no artigo 1.314 do
Código Civil20
.
2.4. Quanto a sua obrigatoriedade
De acordo com o Professor Vicente Greco Filho a classificação em tela é a
de maior importância, por que se refere à indispensabilidade ou não da formação do
litisconsórcio21
.
20
MARINONI/MITIDIERO. Código de Processo Civil – Comentado artigo por artigo. 4ª Tiragem.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2008. p. 133. 21
GRECO. Ob. Cit., p. 127
20
Com efeito, verificada a necessariedade do litisconsórcio, sua formação será
imprescindível à correta formação da tríplice estrutura da relação jurídica processual.
O que se quer dizer, por outras palavras, é que a ausência de litisconsorte
necessário poderá macular a integridade da relação processual, do que poderá resultar
vícios gravíssimos no processo e no provimento jurisdicional ali proferido.
Nesses termos, o litisconsórcio pode, quanto à sua obrigatoriedade, ser
facultativo ou necessário.
O art. 46 do Código de Processo Civil prevê as situações em que está
facultada a formação do litisconsórcio. São elas:
I - a existência de comunhão de direitos ou obrigações em relação à lide;
II – quando os direitos ou obrigações decorrerem de idêntico fundamento de fato ou de
direito;
III – quando forem titulares de ações conexas, em razão do objeto ou da causa de
pedir e, por fim,
IV – quando ocorrer afinidades de questões de fato ou de direito, por um ponto
comum.
O inciso I se refere à possibilidade de se formar o litisconsórcio quando o
objeto envolvido na demanda pertencer a mais de uma pessoa como, por exemplo, os
casos de co-propriedade.
Ainda há a possibilidade de formação do litisconsórcio quando os direitos
ou obrigações derivarem de um mesmo fundamento de fato ou de direito, de acordo
com o que prevê o inciso II. Como, por exemplo, as famílias de vítimas de um
acidente aéreo ou, ainda, uma demanda na qual os litisconsortes pleiteiam o
cumprimento de um mesmo contrato.
21
Por conexão pelo objeto ou pela causa de pedir, prevista no inciso III, se
entende a identidade de objeto e causa de pedir entre os litisconsortes. Tal dispositivo
nos remete ao artigo 103 do CPC, que define as ações conexas.
Um exemplo dessa possibilidade de litisconsórcio facultativo é a de dois
acionistas impugnarem em um mesmo processo a deliberação tomada em assembléia
geral de sociedade anônima22
.
Por fim, no inciso IV, o que se entende pela expressão “questões” utilizada
pelo legislador é que são “pontos controvertidos que justificam a propositura da
demanda” conforme nos ensina Cassio Scarpinella23
.
Ainda sobre o litisconsórcio facultativo, Luiz Guilherme Marinoni em obra
conjunta com Daniel Mitidiero nos explica que para haver a faculdade de reunião de
partes num processo “qualquer comunhão de que decorram direitos e obrigações é
suficiente” e, ainda, “nesse caso, além de cumulação subjetiva há também cumulação
objetiva (de causas de pedir e/ou de pedidos)”24
.
O litisconsórcio necessário, por sua vez, se formará por imposição da lei ou
pela natureza da relação jurídica de direito material, conforme o artigo 47 do Código
de Processo Civil.
É dizer, a legitimidade para a causa no litisconsórcio necessário, pertence
tão somente a todos os titulares da relação de direito material, que deverão tutelá-lo
concomitantemente.
22
É o exemplo de Ovídio Baptista da Silva, apud Cassio Scarpinella Bueno. Ob. Cit., p. 74. 23 Ainda sobre o tema, Cassio Scarpinella esclarece que não se pode confundir o inciso II e o inciso IV
do artigo em comento. Isso porque, no inciso II exige-se uma maior semelhança entre os fundamentos
para que se forme o litisconsórcio, enquanto que para a hipótese do inciso IV “basta a afinidade de
questões que serão resolvidas ao longo do procedimento”. SCARPINELLA. Ob. Cit., p. 75 24
MARINONI/MITIDIERO. Ob. Cit., p. 131.
22
São duas, portanto, as características do litisconsórcio necessário, conforme
é possível aferir na leitura do artigo 47: a obrigatoriedade do cúmulo de sujeitos em
uma lide, seja por imposição da lei, seja por serem estes sujeitos titulares de uma
relação de direito material, e a ineficácia da sentença proferida caso não estejam
presentes todos os litisconsortes obrigatórios.
2.4.1. Litisconsórcio necessário e litisconsórcio unitário: Fenômenos jurídicos
distintos
Conforme vimos no item 2.4, o litisconsórcio necessário se impõe pela
natureza da relação jurídica de direito material, que por suas características expõe
direta e potencialmente determinados sujeitos aos efeitos da sentença, ou ainda quando
houver expressa disposição legal a respeito.
Vimos também que o litisconsórcio unitário ocorre quando há uniformidade
da decisão a todos os litisconsortes, por ser única e incindível a relação jurídica
processual.
O que ocorre é que, como no litisconsórcio necessário o cúmulo de partes
se dá pela relação jurídica de direito material, muito provavelmente a demanda será
decidida de forma uniforme para todos eles, caracterizando portanto o litisconsórcio
unitário.
Surge aqui um dos fundamentos para a antiga tendência a se tratar o
litisconsórcio necessário e o unitário indistintamente.
Segundo Fredie Didier Jr. “durante algum tempo se entendeu que o
litisconsórcio unitário era uma espécie do gênero litisconsórcio necessário25
”
(Destaque do autor).
25
DIDIER. Ob. Cit., p. 302.
23
Soma-se isso ao fato de que o próprio artigo 47 do Código de Processo
Civil, confunde os critérios determinantes de tais figuras.
Dispõe o citado artigo: “Há litisconsórcio necessário, quando, por
disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de
modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá
da citação de todos os litisconsortes no processo”.
Como é possível perceber, o citado dispositivo trata tanto do litisconsórcio
necessário e do unitário como se a mesma figura fossem, na parte em que diz que será
necessário o litisconsórcio quando o juiz tiver de decidir a demanda uniformemente.
Conforme vimos anteriormente, a classificação utilizada no citado
dispositivo é a utilizada pelo litisconsórcio quanto aos efeitos da sentença (simples ou
unitário) e não quanto a sua obrigatoriedade (necessário ou facultativo).
O que se tem, portanto, é que os critérios que definem a necessariedade do
litisconsórcio não se confundem com aqueles que definem sua unitariedade. Tratam-se
de classificações distintas, em que cada uma considera peculiaridades especificas de
uma ou de outra ordem.
A referida confusão de critérios hoje já não mais prospera.
A doutrina brasileira sempre tendeu a enxergar uma estreita
correspondência entre as figuras, sob a égide do Código de Processo Civil de 1939
(artigos 89 e 90)26
.
26
Dispunham os dispositivos: “Art. 89. Salvo disposição em contrário, os litisconsortes serão
considerados em suas relações com a parte adversa como litigantes distintos e os atos de um não
aproveitarão nem prejudicarão os demais. Art. 90. Quando a relação jurídica litigiosa houver de ser
resolvida de modo uniforme para todos os litisconsortes, os revéis, ou os que tiverem perdido algum
prazo, serão representados pelos demais. Os litisconsortes revéis poderão intervir nos atos ulteriores,
independente de nova citação”.
24
Foi, no entanto, Pontes de Miranda o primeiro a demonstrar que as duas
figuras são distintas não podendo, portanto, serem confundidas.
O citado autor esclarece que a diferença se dá, primeiramente, porque é
possível a existência de litisconsórcio necessário, sem que seja homogênea a decisão
proferida a todos os litisconsortes.
Nas palavras do ilustre jurista “pode ocorrer a necessariedade sem existir a
exigência de ser unitário o julgamento, uma vez que a situação das partes a isso não
levou. Daí termos sempre dito que há litisconsórcio necessário sem que haja
pluralidade de decisões sujeitas à uniformidade”27
.
Neste mesmo sentido é o entendimento de Arruda Alvim, para quem a
diferença entre o litisconsórcio necessário e o litisconsórcio unitário se encontra na
possibilidade de um existir sem o outro.
Além disso, Arruda Alvim nos lembra que ao litisconsórcio necessário é
peculiar a ineficácia da decisão proferida, caso não estejam presentes todos os
litisconsortes. O mesmo não se exige no litisconsórcio unitário.
Este último, conforme o autor, poderá existir em litisconsórcio facultativo,
que não exige a reunião de litisconsortes para que tenha eficácia a decisão proferida28
.
Embora a leitura do artigo 47 do Código de Processo Civil nos leve ao
entendimento de que o litisconsórcio unitário e o necessário se confundem, Pontes de
Miranda, citado por Cassio Scarpinella Bueno, esclarece que o dispositivo em tela se
27
Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, t. II, p. 31 apud Cassio Scarpinella
Bueno. Ob. Cit., p. 89. 28
Da mesma forma que Pontes de Miranda demonstra a autonomia das figuras ao dizer que a
necessariedade do litisconsórcio não exige a uniformidade de decisões, Arruda Alvim afirma o mesmo
dizendo que também é viável a existência do litisconsórcio facultativo com decisões uniformes para
todos os litisconsortes. Citados por Cassio Scarpinella Bueno. Partes e terceiros no processo civil
brasileiro. Ob. Cit., p. 90.
25
refere à unitariedade como causa da necessariedade, e não que apenas haverá
litisconsórcio necessário se também unitário29
.
Hoje, na doutrina brasileira prevalece o entendimento de que o
litisconsórcio necessário de fato não se confunde com o litisconsórcio unitário.
O que ocorre é que, conforme já foi dito, como no litisconsórcio necessário
a relação jurídica de direito material coloca os litisconsortes em forte conexão, é muito
provável que o pronunciamento jurisdicional seja o mesmo para todos eles, mas não
sempre.
Além disso, o que os difere não é somente o fato de que um existe sem o
outro, mas também de que seus respectivos critérios de classificação são distintos.
Vale dizer, ambos podem existir ou não concomitantemente, mas a
avaliação a respeito dos dois deve ser feita com critérios diferentes: o necessário se
refere à obrigatoriedade do cúmulo de partes em um ou ambos dos polos, enquanto
que a unitariedade se refere ao alcance dos efeitos da sentença.
Os critérios supramencionados, portanto, devem ser analisados
paralelamente, ou seja, a existência de um, não obsta a existência de outro.
O fato de ser necessário ou facultativo, unitário ou simples, não interferirá
um no outro, vez que são características pertencentes a prismas diferentes envolvendo
um mesmo processo.
Destarte, apenas para visualizarmos o que foi dito, em exemplo dado por
Arruda Alvim, uma demanda poderá exigir a presença de todos os litisconsortes sem
29
Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, t. II, p. 31 e 36-37 apud Scarpinella.
Partes e terceiros no processo civil brasileiro. Ob. Cit., p. 94.
26
que a decisão tenha que ser a mesma para todos. É o caso da oposição em que terceiro
dirige sua pretensão em face do mesmo bem da vida disputado em juízo pelas partes
litigantes.
Na nova relação jurídica processual instaurada pela oposição se formará,
inevitavelmente, litisconsórcio passivo, na medida em que serão réus as partes
litigantes da ação original. Entretanto, apesar de necessário tal litisconsórcio não será
unitário. Sobre isso, é precisa a lição de Arruda Alvim:
“Se alguém faz valer sua pretensão através da
oposição, necessariamente deverá deduzi-la contra autor e
réu. Não há que se falar em oposição, como tal, contra um
só dos litigantes, ante nosso Direito positivo. Então, sendo
feito uso da oposição, os opostos serão, por força da lei,
circunstancialmente litisconsortes necessários.
Não se colocam, todavia, em litisconsórcio unitário,
pois o juiz não há de decidir a lide de modo
necessariamente uniforme, em relação aos opostos. Ainda,
os atos de disponibilidade praticados por um dos opostos
produzem efeito próprio, mesmo que não acompanhado do
outro, do que é exemplo o próprio teor e sentido do art. 58,
o que a seu turno é manifestação da independência dos
opostos, enquanto litisconsortes na oposição (art. 48), em
regime circunstancialmente necessário, mas não
unitário”30
.
Da mesma forma, poderá existir o litisconsórcio facultativo, em que a
decisão proferida não variará para os litisconsortes. “Assim, nos casos em que há
30
ARRUDA ALVIM, José Manuel. Manual de Direito Processual Civil, Vol. 2. Processo de
Conhecimento, 10ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p.
146.
27
pluralidade de sujeitos para a impugnação de um mesmo ato (acionistas que
pretendem declarar a nulidade de assembléia)” exemplifica Cassio Scarpinella31
.
2.4.2. O problema do Litisconsórcio necessário ativo
Conforme já vimos, no litisconsórcio necessário é obrigatória a cumulação
de partes em um dos polos (ou em ambos), seja por que a lei assim determina, seja
pela natureza da relação jurídica de direito material entre eles.
Surge, aqui, um problema no litisconsórcio necessário: como conciliar o
princípio ao livre acesso ao Judiciário - previsto no inciso XXXV, artigo 5º da
Constituição Federal e o princípio dispositivo, previsto nos artigos 2º e 262º do Código
de Processo Civil - com o instituto em estudo.
Vale dizer, no momento em que a lei exige a totalidade dos titulares do
direito pleiteado em juízo, faltando algum deles, os demais têm seu direito ao livre
acesso ao Judiciário cerceado.
Cândido Rangel Dinamarco, acerca do tema, discorre com clareza:
“A excepcionalidade da própria figura do
litisconsórcio necessário, quer ativo ou passivo, é
conseqüência natural da restrição, que ele representam ao
poder de agir em juízo. Esse poder fica indiscutivelmente
comprimido, na medida em que só conjuntamente tenham
duas ou várias pessoas a possibilidade de obter
determinado provimento jurisdicional, sendo este negado
se postulado sem o consenso de todos; ou em que,
31
SCARPINELLA. Ob. Cit., p. 95.
28
inversamente, a demanda de um precise ser endereçada a
uma pluralidade de pessoas, sob pena de ser-lhe negado
acesso à tutela jurisdicional que pretende.”
Da mesma forma que o litisconsórcio restringe a tutela jurisdicional,
podendo prejudicar a liberdade de ir a juízo, também há o efeito inverso qual seja,
compelir alguém a fazer parte de uma lide.
Em ambos os casos haveria violação ao princípio do livre acesso ao
judiciário ou, como nos ensina Cândido Dinamarco, à liberdade de agir em juízo,
princípio já existente no direito romano.
Sabemos que o princípio dispositivo, nos termos do artigo 2º do Código de
Processo Civil determina que “Nenhum juiz prestará tutela jurisdicional senão quando
a parte ou o interessado requerer, nos casos e formas legais”.
Também sobre o princípio em tela dispõe o artigo 262 do mesmo diploma:
“O processo civil começa por iniciativa da parte, mas se desenvolve por impulso
oficial”.
Destarte, se a iniciativa deve ser da parte interessada em promover a ação,
não pode outra pessoa fazê-lo por ela.
Em caso de litisconsórcio passivo, a solução é dada pelo próprio artigo 47
do Código de Processo Civil, ou seja, se o autor não incluiu desde o princípio todos os
litisconsortes passivos, o juiz determinará as diligências necessárias para que todos os
co-legitimados passivos venham a integrar a demanda. Apenas no caso de não serem
tomadas estas providências é que o processo será extinto sem resolução mérito.
29
Já no caso do litisconsórcio necessário ativo as consequências são bem mais
rigorosas vez que, conforme já foi dito, ou estão todos presentes desde o início da
demanda tornando, dessa forma, legítima a pretensão na causa ou, não há “meios aptos
a coagir os demais a compartilhar da sua posição no processo” nas palavras de
Cândido Rangel Dinamarco32
.
É por este motivo que, apesar de todas as benesses trazidas pelo
litisconsórcio, a sua aplicação na modalidade necessária é sempre em casos
excepcionais.
Por outro lado, opinião que nos parece mais adequada, é aquela expressada
por Eduardo Arruda Alvim, no sentido de que é o ato citatório que coloca o sujeito na
qualidade de parte, independentemente da sua colocação no polo ativo ou passivo do
processo33
.
Vale dizer, será através do ato citatório que a relação jurídica processual
estará completa e o litisconsórcio formado.
Feito isso, o sujeito citado, que poderá até permanecer inerte, terá composto
a lide e implementando o litisconsórcio.
Com essa solução, nos parece que nenhum dos dois princípios restarão
violados na medida em que a lide estará integrada, e o réu poderá ir a juízo.
32
DINAMARCO. Ob. Cit., p. 223 33
ALVIM, Eduardo. Direito Processual Civil. 2ª ed. reformulada, atualizada e ampliada da Obra
Curso de direito Processual Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 216.
30
2.5. Litisconsórcio eventual e litisconsórcio alternativo
Alguns doutrinadores acrescentam à classificação que estudamos as figuras
dos litisconsórcios eventual e alternativo.
Conforme lição dada por Araken de Assis34
, em ambos há dúvida dos
litisconsortes acerca da legitimidade para se estar em juízo.
No litisconsórcio eventual um autor formula pedidos diferentes a pessoas
diversas, para que um deles seja apreciado na eventualidade de o outro ser rejeitado.
Dessa forma, em relação a um deles o autor manifesta sua preferência, pedindo que na
eventualidade de sua rejeição o outro lhe seja concedido subsidiariamente. Tal
litisconsórcio se formaria com fundamento no artigo 289 do Código de Processo Civil,
que possibilita a formulação de pedidos sucessivos pelo autor.
O litisconsórcio alternativo, por sua vez, seria o resultante de mais de um
pedido, colocados pelo autor para serem examinados alternativamente. Por essa forma,
o acolhimento de qualquer desses pedidos satisfaz a pretensão do autor.
No caso da cumulação alternativa, portanto, o autor não expressa qualquer
preferência entre os pedido feitos. Como exemplo, podemos citar a ação de
consignação em pagamento (art. 895 do CPC) em que não se tem certeza de quem é o
legítimo credor. Nessa hipótese, os possíveis credores compõem o polo passivo da
relação processual, configurando litisconsórcio passivo alternativo.
Ainda sobre o litisconsórcio alternativo, nos ensina Cândido Rangel
Dinamarco citando Chiovenda, que “várias ações são propostas para que ou uma ou
outra seja acolhida”35
.
34
Araken de Assis apud Eduardo Arruda Alvim. Direito Processual Civil, 2ª ed. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais: 2008. p. 205.
31
Destarte, mesmo não havendo fartura de literatura brasileira especializada
nas espécies de litisconsórcio em estudo, ambas são perfeitamente aceitáveis em nosso
sistema jurídico-processual.
Para Fredie Didier Jr., o litisconsórcio alternativo - ou cumulação
alternativa como prefere chamar o autor - é possível por uma “interpretação elástica
do artigo 289 do CPC”. Vale dizer, é possível a formulação de mais de um pedido
pelo autor, sem que este demonstre preferência por um deles. O juiz, então, decidirá
por um deles. Observa o mesmo autor que o litisconsórcio alternativo é modalidade de
litisconsórcio facultativo simples36
.
Já no litisconsórcio eventual – ou cumulação eventual de pedidos ou, ainda,
cumulação subsidiária – o autor demonstra sua preferência por um dos pedidos, caso
em que um dos réus apenas terá de satisfazer as pretensões do autor em caráter
secundário, ou seja, se em relação ao pedido preferencial houver rejeição.
Nessa modalidade de litisconsórcio, assim como no alternativo, a
procedência de um pedido implica a improcedência do outro.
Dessa forma, de acordo com o artigo 289 do CPC, pode o autor formular
pedidos sucessivos, de forma que lhe seja concedido o segundo, na eventualidade de
não lhe ser o de sua preferência.
É também de Fredie Didier a interessante observação de que em ambas as
hipóteses – alternativa ou eventual – ocorre um “litisconsórcio sem consórcio”, vez
que os litisconsortes são adversários entre si. Destarte, o provimento beneficiará
apenas uma das partes, mesmo estando elas no mesmo polo da relação processual.
35
Chiovenda apud Cândido Rangel Dinamarco. Ob. Cit., p. 392. 36
DIDIER, Ob. Cit., p. 307.
32
Nas palavras de Cândido Rangel Dinamarco, “por mais de um caminho,
chega-se à conclusão de que é lícito ampliar a potencialidade do processo, para a
tutela jurisdicional mais rápida, econômica e coerente através de cúmulos dessas
espécies”.
3. Regime Jurídico aplicável aos litisconsortes
3.1. O princípio da independência dos litisconsortes
O tema que agora passamos a estudar, diz respeito à influência que os atos
praticados por um dos litisconsortes pode ter em relação aos demais.
Sobre isso, registre-se que em princípio são os regimes do litisconsórcio
unitário ou simples, que determinam esta diferenciação de tratamento.
Com efeito, em se tratando de litisconsórcio unitário, ou seja, aquele em
que o provimento jurisdicional deve ser o mesmo para todas as partes litigantes, o
tratamento dado a eles também há de ser uniforme.
Nesse sentido, conforme nos ensina Fredie Didier Jr., no litisconsórcio
unitário “várias pessoas são tratadas no processo como se fossem apenas uma”37
.
Isso ocorre porque a relação jurídica de direito material entre elas é
incindível, indivisível, o que não permite o desmembramento do provimento
jurisdicional. Por esse motivo também é que não se pode tratá-los de forma diversa: os
atos ou omissões das partes litigantes aproveitam umas às outras.
37
DIDIER. Ob. Cit., p. 300.
33
É também nesse sentido a lição dada por Nelson Nery em obra conjunta
com Rosa Maria Nery, segundo o qual “A independência da atividade dos
litisconsortes simples aqui não ocorre, porque a unitariedade pressupõe
incindibilidade da sorte dos litisconsortes no plano de direito material. Assim, o
reconhecimento do pedido, a confissão ou a renúncia feita por apenas um deles é
inócua, não produzindo qualquer efeito no processo, se não for confirmada por todos
os litisconsortes unitários38
.
Em contrapartida, o mesmo não ocorre com o litisconsórcio simples, no
qual as partes são consideradas como distintas e o provimento jurisdicional será
prolatado de acordo com o atuar de cada uma delas.
A esta última regra, aplica-se o estabelecido pelo artigo 48 do Código de
Processo Civil, que consagra o princípio da autonomia dos litisconsortes nos seguintes
termos:
“Salvo disposição em contrário, os litisconsortes
serão considerados, em suas relações com a parte adversa,
como litigantes distintos; os atos e as omissões de um não
prejudicarão nem beneficiarão os outros”
Nesse sentido, mesmo demandando conjuntamente, a cada litisconsorte
cabe promover os atos necessários no processo para a satisfação de sua pretensão.
Apesar da regra estabelecida pelo artigo 48 do Código de Processo Civil,
segundo a qual os litisconsortes são considerados litigantes distintos, de forma que
seus atos e omissões não prejudicam nem beneficiam os demais, chegamos à
38
NERY. Nelson, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 9ª Ed. Revista,
ampliada e atualizada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 230.
34
conclusão de que é pela natureza da relação de direito material que envolve os
litisconsortes que se verifica a possibilidade, ou não, de comunicação entre seus atos.
Em suma, quando a relação de direito material entre os litisconsortes for
incindível (litisconsórcio unitário) seus atos se comunicarão, vez que são consideradas
como se fossem uma parte só. Em contrapartida, quando divisível for a relação de
direito material entre elas (litisconsórcio simples), os litisconsortes serão considerados
partes distintas, e seus atos não terão efeitos aos demais.
Já é cediço, portanto, que a regra do artigo 48 do Código de Processo Civil
terá aplicação no litisconsórcio simples, quer ele seja necessário, quer facultativo.
Faz-se, todavia, a ressalva de que há casos em que, mesmo se tratando de
litisconsórcio simples, os atos ou omissões dos litisconsortes surtirão efeitos aos
demais. Da mesma forma em que sendo unitário o litisconsórcio, há situações em que
os atos praticados por um deles não se comunicarão aos demais. São estas situações
que agora passamos a analisar.
O primeiro dos casos é o previsto no artigo 320, inciso I do Código de
Processo Civil que se refere aos efeitos da revelia. Transcrevemos:
320. A revelia não induz, contudo, o efeito mencionado no
artigo antecedente (presunção de veracidade):
I – se, havendo pluralidade de réus, algum deles contestar
a ação
Segundo o citado dispositivo, portanto, por mais que o litisconsórcio seja
simples, a contestação de um dos litisconsortes tornará controvertida a matéria alegada
em face do litisconsorte revel, beneficiando este último. Com efeito, se os
fundamentos de fatos arguidos pelo autor são os mesmos em relação a todos os
35
litisconsortes, é evidente que a contestação de um beneficiará os demais, na medida
em que a matéria terá sido controvertida, por mais que um ou alguns deles tenham
deixado de contestar.
A esse respeito, observam Nelson e Rosa Maria Nery que “como nestes
casos não há presunção de veracidade dos fatos não contestados, sobre eles há de se
fazer prova, não incidindo o CPC 334 IV”39
.
Outro exemplo, trazido por Cassio Scarpinella Bueno sobre o tema, é o do
artigo 350, segundo o qual a confissão faz prova tão somente contra o confidente não
prejudicando os demais litisconsortes40
.
Aqui se torna oportuna a seguinte observação: a autonomia consagrada no
artigo 48 do Código de Processo Civil, verifica-se no plano jurídico, mas não
necessariamente no plano fático. O que se quer dizer é que apesar do artigo 48 do CPC
consagrar a autonomia entre os litisconsortes e os efeitos de seus atos, uma eventual
confissão poderá acabar por influenciar o convencimento do juiz em seu julgamento.
Isso não quer dizer, entretanto, que os efeitos da confissão propriamente ditos se
estenderão a todos os co-litigantes.
É por esses motivos que o ilustre Professor Cândido Rangel Dinamarco fala
em uma mitigação na regra estabelecida pelo artigo 48 do CPC. É, nas palavras do
autor, a “relativa independência dos co-litigantes”41
.
Outro exemplo é a regra prevista no artigo 509 que determina que “O
recurso interposto por um dos litisconsortes a todos aproveita, salvo se distintos ou
opostos os seus interesses” e ainda, em seu parágrafo único que, “havendo
39
NERY, Ob. Cit., p. 518. 40
SCARPINELLA. Ob. Cit. p. 123. 41
DINAMARCO. Ob. Cit., p. 68.
36
solidariedade passiva, o recurso interposto por um devedor aproveitará aos outros,
quando as defesas opostas ao credor lhes forem comuns”.
Acerca do tema, registra-se distinção que Fredie Didier faz sobre os atos
dos litisconsortes, dividindo-as em condutas determinantes e condutas alternativas.
Para o ilustre professor, as condutas determinantes são aquelas capazes de
prejudicar os demais litisconsortes como, por exemplo, a confissão. Já as condutas
alternativas são aquelas que buscam uma melhora na situação dos litigantes como, por
exemplo, o recurso, a contestação e a produção de provas.
Segundo o mesmo autor, portanto, “a conduta determinante de um
litisconsorte não pode prejudicar o outro, qualquer que seja o regime do
litisconsórcio”42
.
Como se vê, para Fredie Didier Jr. o que define a extensão ou não dos atos
praticados pelos litisconsortes em relação aos demais, é o benefício ou prejudicialidade
que do ato poderá decorrer. Isso quer dizer que, para ele, tal definição independe da se
classificar o litisconsórcio em simples ou unitário.
Dessa forma, nos parece que não é possível estabelecer uma regra absoluta
acerca do regime aplicável aos litisconsortes. O fato é que para essa análise não se
pode verificar apenas um critério ou outro.
É dizer, sendo o litisconsórcio simples ou unitário, sendo a conduta dos co-
legitimados determinantes ou alternativas, há que se verificar, além destes elementos,
as peculiaridades que envolvem as partes em sua relação processual. Isso porque,
conforme vimos, em um processo em que haja litisconsórcio simples podem haver
questões no curso do processo de teor indivisível e que, portanto, os atos de um dos
litigantes inevitavelmente aproveitarão os demais.
42
DIDIER. Ob. Cit., p. 304 e 305.
37
Por tudo isso, consideramos que o problema referente a extensão dos efeitos
dos atos praticados pelos litisconsortes deve ser solucionado à luz das peculiaridades
do caso concreto.
3.2. Prazos e o benefício do artigo 191
O artigo 191 do Código de Processo Civil garante aos litisconsortes com
procuradores distintos, o benefício do prazo contado em dobro para contestar, recorrer
e para, de modo geral, falar nos autos.
O dispositivo em tela tem o escopo de possibilitar o que determina o artigo
49 do mesmo diploma: “Cada litisconsorte tem o direito de promover o andamento do
processo e todos devem ser intimados dos respectivos atos”.
Dessa forma, quando os procuradores dos litisconsortes são diferentes, faz-
se necessário um prazo maior para a realização dos atos processuais que lhes cabem.
Em suma, sendo vários os procuradores e tendo todos os litisconsortes o
direito de promover o andamento do processo - consoante ao artigo 49 - o direito
garantido por este dispositivo apenas se torna viável com a dilação do prazo.
O artigo 191 consagra o princípio da isonomia, vez que visa igualar aqueles
que se encontram em situação menos favorecida com aqueles com melhores
condições.
Destarte, como os autos devem permanecer em cartório afim de que todos
os litisconsortes tenham a ele acesso, torna-se necessário maior tempo para que todos
os interessados tenham contato com as informações neles contidas e, dessa forma,
possam elaborar sua defesa.
38
Tal dispositivo, portanto, permite que o lapso de tempo concedido aos
litisconsortes seja útil, ou seja, que os litisconsortes e seus procuradores tenham acesso
aos autos em tempo hábil para formularem e realizarem seus atos no processo.
Considerando a presunção de boa-fé do procurador (art. 14, inciso II do
CPC), o benefício do prazo em dobro não exige seja este requerido pelo litisconsorte.
Automática é sua aplicação, portanto, bastando que o procurador saiba que
representa em juízo o interesse de apenas um dos litisconsortes43
.
Em que pese não seja necessário o requerimento, se faz prudente por parte
do procurador requerê-lo dentro do prazo “simples” e constando, em demanda inicial,
que se tratará de litisconsórcio com procuradores diferentes.
Cassio Scarpinella, a respeito da não obrigatoriedade do requerimento para
a aplicação do benefício do artigo 191, diz que não faria sentido se assim não o fosse.
Isso porque, segundo o autor:
“A não se pensar assim, enquanto se aguarda que os
diversos procuradores de cada litisconsorte se apresente
em juízo, o prazo em juízo, o prazo simples poderia se
esgotar, tornando inócua a regra, Não teria sentido, com
efeito, aguardar que cada procurador se manifestasse no
prazo simples para conseguir. Basta, portanto, a
perspectiva de que os procuradores sejam diversos,
tomando como ponto de partida, evidentemente, a boa-fé
de todos os envolvidos”44
.
43
Confira-se, a propósito, os seguintes julgados: Agravo de Instrumento número 20020038594 AGI-
DF, publicado no DJU em 06/03/2006, Rel. Des. Arnoldo Camanho de Assis; REsp número 60.068-
7/PR, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, julgado em 21/06/1995. 44
SCARPINELLA. Ob. Cit., p. 130 e 131.
39
Outro aspecto relevante acerca da incidência do benefício do artigo 191 do
Código de Processo Civil, refere-se à existência de procuradores diversos, porém
pertencentes a um mesmo escritório.
A jurisprudência majoritária manifesta-se no sentido de que se aplica, ainda
nessa hipótese, o citado benefício.
Isso porque o “requisito legal para ter lugar o benefício é que os
litisconsortes tenham advogados diferentes” e nada mais, conforme nos ensina Nelson
e Rosa Maria Nery45
.
Registre-se, ademais, que ao benefício do artigo 191 do CPC não se
acumulam outros da mesma natureza como, por exemplo, o benefício dado ao
Ministério Público e a Fazenda Pública (art. 188 do CPC).
Não se aplica o benefício em comento nas execuções de título extrajudicial
e judicial, por expressa disposição legal. Com efeito, o artigo 738, parágrafo 3º do
CPC dispõe:
Os Embargos serão oferecidos no prazo de 15 (quinze)
dias, contados da data da juntada aos autos do mandado de
citação.
§ 3º - Aos embargos do executado não se aplica o disposto
no art. 191 desta lei.
Cumpre ressaltar, ainda, que embora o dispositivo supramencionado apenas
cite a execução por título extrajudicial, o artigo 475-R do mesmo diploma, determina
que as normas que regem o processo de execução de título extrajudicial se aplicarão,
no que couber, ao cumprimento de sentença ou seja, à execução por título judicial.
45
NERY, Ob. Cit., p. 394.
40
Registra-se, por oportuno, que tais disposições visam garantir celeridade e
efetividade ao procedimento executivo, de forma a garantir a satisfação do crédito do
exequente.
3.2.1. Início da contagem dos prazos
A regra para o início da contagem dos prazos para os litisconsortes é a trazida
pelo artigo 241, inciso III do Código de Processo Civil, ou seja, da data da juntada aos
autos do último aviso de recebimento ou mandado citatório.
Vale dizer, o prazo apenas começará a fluir após a citação de todos os
litisconsortes e da juntada aos autos do último aviso de recebimento ou mandado
citatório cumprido.
Todavia, também visando privilegiar o exequente, prevê o artigo 738, §1º:
Quando houver mais de um executado, o prazo para cada um deles embargar conta-se
a partir da juntada do respectivo mandado citatório, salvo tratando-se de cônjuges.
Dessa forma, em se tratando de execução, não será necessário que todos os
litisconsortes sejam citados para, só então, passar a fluir o prazo. Destarte, basta a
juntada do mandado citatório cumprido, individualmente em relação a cada um dos
litisconsortes. Note-se que a parte final do referido dispositivo excepciona a regra
estabelecida para o início da contagem do prazo, na hipótese dos litisconsortes na
execução serem cônjuges. A eles, portanto, aplica-se a regra do artigo 241, inciso III.
Considera-se, ainda a esse respeito, que também por força do artigo 475-R,
referida exceção igualmente se aplica à execução de título judicial.
41
Conclusão
Ao final deste trabalho, concluímos que para se compreender o instituto do
litisconsórcio, se faz necessário compreender o que é parte, uma vez que aquele nada
mais é que a pluralidade desta em um dos polos da relação jurídica processual (ou em
ambos) em um mesmo processo.
Vimos também, que essa pluralidade de partes em nada afeta a dualidade de
partes do processo, uma vez que este continua sendo formado por dois polos – ativo e
passivo – mesmo que haja mais de uma parte os integrando.
Ao estudarmos as classificações dadas ao litisconsórcio pela maioria dos
doutrinadores, esclarecemos que a antiga tendência em se acreditar que as modalidades
de litisconsórcio necessário e unitário se confundem entre si, não mais prospera.
Chegamos a esta conclusão ao estudarmos que seus critérios de
classificação são diversos embora haja, em algumas ocasiões, grande semelhança entre
eles.
Ao aprofundar o estudo do litisconsórcio em sua modalidade necessária,
compreendemos que a sua não formação obsta a própria formação da relação jurídica
processual, dada a indispensabilidade da participação de tais sujeitos no processo.
Nesse sentido, concluímos pela importância da observação à formação
dessa modalidade de litisconsórcio, mas também entendemos as implicações
decorrentes dessa litigância conjunta forçada, como, por exemplo, uma possível
violação aos princípios do livre acesso ao judiciário e ao princípio dispositivo.
Com relação aos atos dos litisconsortes, vimos que a regra é a
independência entre eles, é dizer, as condutas e omissões de um dos litisconsortes não
42
aproveita tampouco prejudica os demais. Ao lado disso, todavia, percebemos que dita
regra comporta exceções, na medida em que em algumas ocasiões o regime aplicável
poderá conduzir a uma comunicação dos atos do processo.
Por fim, nos parece que a principal conclusão deste estudo é a forte ligação
entre o litisconsórcio, que é instituto de direito processual, com o direito material.
Isso porque, percebemos que o instituto do litisconsórcio é reflexo no
processo das relações jurídicas formadas na esfera do direito material.
Essa forte ligação do direito processual com o direito material que
percebemos tão presente no estudo do litisconsórcio, nos pareceu muito importante
porque traduz a necessidade de se estudar o litisconsórcio também à luz do direito
material.
43
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