atuaÇÃo do enfermeiro diante da terminalidade e morte da...
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CAMILA DA COSTA PARENTONI
ATUAÇÃO DO ENFERMEIRO DIANTE DA TERMINALIDADE E
MORTE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE COM CÂNCER EM
CUIDADOS PALIATIVOS
CAMPINAS
2015
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
Faculdade de Ciências Médicas
CAMILA DA COSTA PARENTONI
ATUAÇÃO DO ENFERMEIRO DIANTE DA TERMINALIDADE E
MORTE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE COM CÂNCER EM
CUIDADOS PALIATIVOS
Orientadora: Profª Drª Simone dos Santos Aguiar
CAMPINAS
2015
Dissertação apresentada à Pós-Graduação da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP como parte dos requisitos exigidos para obtenção de título de Mestra em Ciências, área de concentração Saúde da Criança e do Adolescente.
ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA
DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA CAMILA DA
COSTA PARENTONI E ORIENTADA PELA PROFª. DRª.
SIMONE DOS SANTOS AGUIAR.
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Assinatura do(a) Orientador(a)
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RESUMO
Introdução: No mundo o câncer infantil é raro, apresentando incidência anual
entre 70 e 160 casos por milhões de habitantes de 0 a 14 anos (2).
Aproximadamente 4 % de mortes a cada ano é em decorrência do câncer
pediátrico (3). A perspectiva de cura dos pacientes com câncer melhorou, mas
apesar dos imensos esforços realizados pelos profissionais da saúde, alguns
desses pacientes morrerão (5). Os profissionais que atuam nos cuidados à criança
com câncer sob cuidados paliativos foram preparados em sua formação para
promover a saúde e cura dos indivíduos e não para perdê-los para a morte (29).
Os cuidados paliativos objetivam prevenção e alívio do sofrimento, avaliação e
tratamento da dor e de outros sintomas de ordem física, psicológica, social e
espiritual (19,20). Tal qual a definição de cuidados paliativos, a Enfermagem é
uma profissão comprometida justamente com a proteção, promoção da saúde,
prevenção de doenças e alívio do sofrimento por meio dos cuidados prestados ao
paciente sem possibilidade de cura (25). Fez-se necessário o conhecimento da
atuação do enfermeiro dentro desse contexto. Objetivo: analisar e descrever as
percepções subjetivas e a atuação técnica dos enfermeiros diante da criança e do
adolescente com câncer, sem possibilidades terapêuticas de cura, no momento da
terminalidade e morte. Método: Pesquisa de campo prospectiva, descritiva,
transversal com abordagem qualitativa. A análise de conteúdo temática foi
escolhida para analisar os dados. Participaram 19 enfermeiros das alas de
internação, dos períodos matutino, vespertino e noturno, que atuaram com a
criança e adolescente com câncer em cuidados paliativos, na internação que
precedeu em até 24 horas a ocorrência do óbito. Os dados foram coletados de
abril de 2012 a janeiro de 2013, sendo possível captar a atuação desses
enfermeiros correspondentes ao óbito de 17 pacientes. Responderam a uma
questão norteadora aberta, discorrendo livremente sobre o tema, enfatizando sua
vivência pessoal e profissional/técnica. Resultados: Após a categorização dos
dados, emergiram três categorias analisadas e discutidas como pessoal,
profissional e necessidades apontadas pelos enfermeiros. Na primeira, foram
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destacados os sentimentos vivenciados pelos enfermeiros, os recursos subjetivos
utilizados por eles para auxiliar sua prática assistencial e as características
pessoais facilitadoras dispensadas ao cuidado prestado que colaboraram para
uma assistência de melhor qualidade. Na segunda, os enfermeiros destacaram os
procedimentos técnicos realizados, recursos operacionais e apoio ao paciente e
família. Por último, alguns enfermeiros levantaram a necessidade de capacitações
e treinamentos acerca do tema morte, tanto em nível de formação acadêmica,
quanto especificamente institucional. Considerações Finais: Os enfermeiros
trouxeram carências que merecem atenção e consideração, pois demonstraram
diversos sentimentos em relação à morte do paciente, mas tecnicamente
desempenham suas funções com destreza e competência. É essencial a
ocorrência de mudança de paradigma institucional, valorizando o cuidar ao invés
do curar. O enfermeiro merece ser cuidado em âmbito pessoal, capacitado a cerca
do tema para conquistar a manutenção de sua saúde física e mental, bem como
ser capaz de oferecer assistência digna ao paciente e sua família.
Palavras-chave: Cuidados Paliativos; Câncer Pediátrico; Enfermeiros, Cuidados
de Enfermagem.
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ABSTRACT
Introduction: Childhood cancer is a rare occurrence worldwide, with an annual
incidence of 70 to 160 cases per million inhabitants, aged 0-14 years (2). About 4%
of deaths each year are a result of pediatric cancer (3). The prospect of a cure for
cancer patients has improved, but despite the huge efforts made by health
professionals, some of these patients will inevitably die (5). Professionals caring for
children with cancer in palliative care are prepared through their training to promote
the health and healing of individuals, but not to lose them to death (29). Palliative
care aims for the prevention and relief of patient suffering, assessment and
treatment of pain and other symptoms of a physical, psychological, social and
spiritual nature (19,20). Like the definition of palliative care, nursing is a profession
committed to the sole purpose of protection, health promotion, disease prevention
and relief of suffering by means of care provided to patients without the possibility
of a cure (25). It is necessary to have knowledge of the nurse's role in this context.
Objective: To analyze and describe subjective perceptions and the technical
performance of nurses tending to children and adolescents with cancer, without
therapeutic possibility of a cure at the time of terminal illness and death. Method:
Descriptive and prospective field research combined with a qualitative approach.
Thematic content analysis was chosen to analyze the data. Nineteen nurses
participated in this study. The nurses came from hospital wards, working the
morning, afternoon and night shifts, and worked with hospitalized children and
adolescents with cancer via palliative care within 24 hours of the occurrence of
death. Data was collected from April 2012 to January 2013, and it was possible to
capture the performance of these nurses, corresponding to the death of seventeen
patients. The participants responded to an initial question, talking freely about the
subject, emphasizing both their personal and professional/technical experiences.
Results: After the categorization of the data into three categories, personal and
professional needs identified by nurses were analyzed, discussed and revealed.
First, the feelings experienced by the nurses were highlighted, those being the
subjective resources used by them to help their practice and the enabling of
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personal characteristics dispensed in the care that contributed to better quality
care. Second, the nurses highlighted the technical procedures performed,
operational resources utilized and support for the patient and family. Finally, some
of these nurses raised the need for training on the topic of death, not only at the
academic level, but also specifically at the institutional level. Final thoughts:
These nurses have shed light on deficiencies that need attention and consideration
by showing their feelings about the deaths of patients, all the while, they have
performed their duties with skill and professionalism regardless of how they feel
personally. It is essential for the occurrence of change in the institutional paradigm
to value care over cure. Nurses deserve attention at the personal level, as well as
to know every aspect of the situation in order to maintain their physical and mental
health, to be able to provide dignified care to patients and their families.
Keywords: Palliative Care; Pediatric Cancer; Nurses; Nursing Care.
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 1
1.1 Câncer Infantil ........................................................................................................................ 1
1.2 Quando não há cura oncológica .......................................................................................... 3
1.3 Cuidados Paliativos ............................................................................................................... 5
1.4 O Enfermeiro e a Criança/Adolescente em Cuidados Paliativos ................................. 10
2. OBJETIVO ............................................................................................................................... 14
3. METODOLOGIA ..................................................................................................................... 15
3.1 DESENHO DO ESTUDO.................................................................................................... 15
3.2 LOCAL DO ESTUDO .......................................................................................................... 15
3.3 POPULAÇÃO DO ESTUDO .............................................................................................. 15
3.4 CRITÉRIOS DE INCLUSÃO .............................................................................................. 15
3.5 CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO ............................................................................................. 16
3.6 COLETA DOS DADOS ....................................................................................................... 16
3.6.1 INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS .............................................................. 16
3.6.2 PROCEDIMENTO DE COLETA DE DADOS ........................................................... 17
3.7 ANÁLISE DOS DADOS ...................................................................................................... 19
3.8 LEVANTAMENTO BIBLIOGRÁFICO ............................................................................... 20
3.9 ASPECTOS ÉTICOS .......................................................................................................... 20
3.10. RECURSOS FINANCEIROS .................................................................................... 21
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO ........................................................................................... 22
4.1 Categoria Pessoal - Subcategoria Sentimentos Vivenciados (IA) ............................... 27
4.2 Categoria Pessoal - Subcategoria Recursos Subjetivos (IB)........................................ 34
4.3 Categoria Pessoal – Subcategoria Características Pessoais Indicadas como
Facilitadoras (IC) ........................................................................................................................ 38
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4.4 Categoria Procedimentos Técnicos/intervenções Realizadas (IIA) ............................. 41
4.5 Categoria Recursos Operacionais Facilitadores (IIB) .................................................... 45
4.6 Categoria Apoio Emocional ao Paciente e Familiar (IIC) .............................................. 48
4.7 Categoria Necessidades Apontadas pelo Profissional (III) ........................................... 51
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................................... 54
6. REFERÊNCIAS .......................................................................................................................... 56
7. ANEXOS ...................................................................................................................................... 66
ANEXO I....................................................................................................................................... 66
8. APÊNCIDES ............................................................................................................................... 67
APÊNDICE I ................................................................................................................................ 67
APÊNDICE II ............................................................................................................................... 68
APÊNDICE III .............................................................................................................................. 69
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À minha querida avó Yolanda Bazani da Costa por deixar-me
o mais profundo legado: a pureza do Amor!
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AGRADECIMENTOS
Primeiramente à Deus, que se fez presente em todos os momentos, derramando
suas bênçãos para conclusão dessa jornada.
Aos meus pais Antonio Fernando Bartolomei Parentoni e Denir Aparecida da
Costa Parentoni pela admiração e apoio em todas as minhas escolhas, por me
proporcionarem a oportunidade de estudar e pelo amor incondicional.
Ao meu irmão Marcel Fernando da Costa Parentoni, a quem admiro por sua
inteligência e incomparável dedicação à vida acadêmica, servindo-me de maior
exemplo.
Ao meu esposo Márcio Martins, meu companheiro desde antes da minha
graduação, pela compreensão, estímulo ao estudo e amor.
Ao meu avô Benedicto Apparecido Ramalho da Costa, também Enfermeiro, por
me permitir seguir seus passos.
À minha orientadora Profª Dra Simone dos Santos Aguiar pelo simples fato de
acreditar em mim, pela confiança, carinho e respeito, além de me permitir a
concretização do sonho de ser Mestre.
À Nely Aparecida Guernelli Nucci, em especial, por todo auxílio em etapas
fundamentais à concretização deste trabalho e pelo carinho maternal.
À Dra Regina Maria Holanda de Mendonça, pela doçura e paciência em me
passar sua valiosa sabedoria, por me conduzir com serenidade, sempre
acalentando minhas angústias.
Ao Centro Infantil Dr. Domingos A. Boldrini pela oportunidade de desenvolver não
somente pesquisas, mas a concretização de sonhos profissionais.
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À Vânia Gutierres Biagio, gerente de enfermagem do Centro Infantil Boldrini, pelo
incentivo, compreensão e flexibilidade em minha jornada de trabalho.
À Carmen Cunha Mello Rodrigues, presidente do CEP do Centro Infantil Boldrini,
por todo o auxílio e respaldo à pesquisa na instituição.
À Vera Silvia S. Fróes Ficoni, bibliotecária do Centro Infantil Boldrini, por sua
valiosa ajuda na captação das referências bibliográficas, sempre com atenção,
carinho, presteza e empenho.
À Dra Elisa Maria Perina, membro titular da banca, por todas as demonstrações
de carinho e desejo pelo meu aperfeiçoamento profissional.
Aos demais membros da banca, Dr. Ricardo Mendes Pereira, Dra. Célia Beatriz
Gianotti Antoneli e Dr. Manoel Antonio dos Santos, que se disponibilizaram a
contribuir com o presente trabalho.
Ao Prof. Dr. Luiz Carlos de Mattos e Cinara de Cássia Brandão de Mattos, que ao
me orientarem na graduação, me conduziram para a iniciação científica,
estimulando a continuidade acadêmica.
Às minhas docentes da graduação Renilda Rosa Dias e Daise Laís Machado
Ferreira que me escolheram para fazer parte do projeto Rondon, onde senti pela
primeira vez o prazer em levar o conhecimento ao próximo.
À amiga e companheira de jornada como Enfermeira e mestranda Aretuza
Fernandes Moreira Silva, pela afinidade, entrosamento e todo aprendizado
compartilhado.
À minha grande amiga Isabela Saura Sartoretto Malagoli, com quem dividi todas
as aspirações profissionais e o carinho fraternal, além de ser exemplo de bondade
e simplicidade.
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Aos Enfermeiros, participantes dessa pesquisa, pois sem eles esse trabalho
jamais poderia ser concluído.
Aos 17 pacientes que faleceram no desenrolar deste estudo, sendo objetos
fundamentais para nossas descobertas. A todos, sempre rezei pedindo que
encontrassem um caminho de luz, afinal cada qual em sua inocência contribuiu
imensamente para nos mostrar como podemos aprimorar a arte do cuidar.
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“Não se pode experimentar a sensação de existir sem se
experimentar a certeza que se tem de morrer”.
Jostein Gaarder
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LISTA DE FIGURAS, TABELAS E GRÁFICOS
FIGURA
Figura 1. Categorias e subcategorias estabelecidas durante a análise dos dados. .... 23
TABELAS
Tabela 1. Representação dos sujeitos da pesquisa, número de participação e distribuição
numérica dos fragmentos por categorias e subcategorias. ......................................... 24
Tabela 2. Representação da porcentagem de cada categoria e subcategoria ............ 25
GRÁFICOS
Gráfico 1. Distribuição percentual geral das categorias I, II e II .................................. 26
Gráfico 2. Distribuição percentual das subcategorias IA, IB e IC ............................... 27
Gráfico 3. Distribuição percentual de suas três subcategorias IIA, IIB e IIC. .............. 42
Gráfico 4. Distribuição percentual da categoria III, em relação às categorias I e II ..... 51
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
OMS Organização Mundial de Saúde
ANCP Academia Nacional de Cuidados Paliativos
AMB Associação Médica Brasileira
CFM Conselho Federal de Medicina
AAP Academia Americana de Pediatria
ANA American Nurses Association (Associação Americana de
Enfermagem)
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UTMO Unidade de Transplante de Medula Óssea
UTI Unidade de Terapia Intensiva
CEP Comitê de Ética em Pesquisa
CONEP Comissão Nacional de Ética em Pesquisa
CNS Conselho Nacional de Saúde
M1 Maleato de Midazolam (nome genérico de sedativo)
O2 Oxigênio
VAS Vias aéreas superiores
SC Subcutâneo
AVP Acesso venoso periférico
CPAP Continuous Positive Airway Pressure (Pressão Positiva Contínua
nas Vias Respiratórias)
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1. INTRODUÇÃO
1.1 Câncer Infantil
O câncer infantil é definido como um conjunto de doenças causadas
pela proliferação desordenada de células anormais, que invadem os tecidos e
órgãos. Estas células dividem-se rapidamente e tendem a ser muito agressivas e
incontroláveis, determinando a formação de tumores ou neoplasias malignas.
Leucemias, linfomas, tumores do sistema nervoso central, neuroblastoma,
retinoblastoma, tumor de Wilms, osteossarcomas, sarcomas de partes moles e
tumores germinativos são algumas das neoplasias mais freqüentes na população
da faixa etária de 1 a 19 anos (1).
Em todo o mundo o câncer infantil é raro, apresentando um padrão de
incidência anual entre 70 e 160 casos por milhões de habitantes de 0 a 14 anos
(2). Aproximadamente 4 % de mortes a cada ano é em decorrência do câncer
pediátrico (3).
No Brasil, o câncer representa a primeira causa de morte por doença
entre crianças e adolescentes, com maior incidência de tumores malignos no sexo
masculino. O país possui cerca de 33% da população abaixo dos 19 anos e o
câncer nessa faixa etária corresponde entre 1% a 3% dos tumores malignos em
toda população (4).
O câncer em crianças e adolescentes nas décadas de 80 e 90 era
considerado uma doença fatal, porém com o avanço científico e tecnológico, no
século XX, houve a transição de doenças infecto-contagiosas ou transmissíveis
por doenças crônicas degenerativas responsáveis pelo prolongamento e melhora
da qualidade de vida (5).
Esse considerável progresso no tratamento do câncer na infância e
adolescência, associado ao diagnóstico precoce e tratamento adequado em
centros especializados, fez com que o índice de cura desses pacientes, medida
em sobrevida de 5 anos, subisse para 78%. A maioria dos pacientes que
sobreviveram ao câncer, em algum momento, foi exposta a combinações de dois
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ou três dos pilares do tratamento do câncer: quimioterapia, radioterapia e cirurgia
(6).
Quando submetidos ao tratamento, os pacientes podem experimentar
diversas complicações secundárias como infecção, hemorragia, lesões cutâneas,
alopecia, dor, fadiga, mudança do estado nutricional, distúrbio da imagem corporal
e alterações nas dimensões psicológicas e sociais (7).
Apesar de alcançar ganhos impressionantes na sobrevivência, os
efeitos tardios do tratamento, muitas vezes, podem prejudicar a saúde e qualidade
de vida desses pacientes, pois podem se manifestar até muitos anos após a
conclusão da terapia (6).
A terapêutica contra o câncer não é simples, afinal envolve além dos
recursos técnico-científicos, sócio-econômicos, culturais e profissionais, a
participação ativa do próprio paciente e sua família (8).
Com isso, os enfoques positivistas relacionados a saúde e aos
cuidados prestados à criança com câncer vem sendo questionados, a medicina e
os cuidados paliativos vem se aprimorando como uma alternativa de cuidados aos
pacientes portadores de neoplasias malignas incuráveis (9).
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1.2 Quando não há cura oncológica
O câncer é uma das principais causas de morte no mundo. Estimativas
apontaram, até o ano de 2012, uma incidência de 14,1 milhões de casos novos de
câncer, mortalidade de 8,2 milhões e prevalência 32,6 milhões de pessoas
vivendo com câncer em todo o mundo (10,11).
Mais de 70% das mortes por câncer são registrados em países em
desenvolvimento, onde os recursos disponíveis para a prevenção, o diagnóstico e
tratamento do câncer são limitados ou inexistentes (12). De acordo com projeções,
o número de mortes por câncer vai continuar a subir, e estima-se que esse
número chegue a 13,2 milhões de mortes por câncer e 21,4 milhões de casos
novos em 2030 (13).
Embora haja progresso no desenvolvimento científico para o tratamento
do câncer infantil, surgem novas situações como a dificuldade em estabelecer os
limites da aplicação das ciências médicas, os riscos do insucesso terapêutico e a
escassa atenção ao alívio da dor e outros sintomas associados às doenças
potencialmente incuráveis (9).
Apesar dos imensos esforços realizados pelos profissionais da saúde, é
difícil encarar a realidade de que esses pacientes com câncer morrerão (5).
Mas, a morte é uma certeza pessoal, indeterminada e intransferível,
com dimensões biopsicossocial, filosófica, econômica e espiritual. A morte faz
parte da vida e o enfermeiro deve minimizar o sofrimento do paciente em vida e
ajudá-lo no processo de morrer e da família após o evento morte (14).
Já que o enfermeiro não pode mudar esse fato, torna-se fundamental a
maneira pela qual o paciente vive até morrer, sua morte propriamente dita e todas
as memórias da morte que ficam para a família (5).
Enfatiza-se então, que os momentos vividos pela equipe
multiprofissional no relacionamento interpessoal com a criança na fase terminal
exigem extrema necessidade de preparação e treinamento, evitando assim, a
impotência do trabalho profissional perante o processo da morte infantil (15).
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Existem casos onde mesmo usando todas as armas terapêuticas
disponíveis, a cura não é possível. Nestes casos, cabe à equipe interdisciplinar
oferecer suporte, informação, conforto e dignidade ao paciente e sua família por
meio da assistência tão importante quanto a curativa: os cuidados paliativos (8).
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1.3 Cuidados Paliativos
O termo paliativo vem do latim palio que é o nome dado a uma espécie
de cobertura ou toldo que, antigamente, protegia reis e autoridades e que ainda
hoje é utilizado na Igreja Católica para cobrir o Santíssimo Sacramento durante
procissões. Trata-se, portanto, de algo que cobre e protege uma pessoa
considerada de grande valor e dignidade. Da mesma forma, os cuidados paliativos
têm por objetivo proteger a dignidade do paciente cuja vida tem valor mesmo
quando não há perspectiva de cura, devendo receber o melhor cuidado possível
(16).
O Cuidado Paliativo se confunde historicamente com o termo hospice
(hospes = hospedeiro) que definia abrigos ou hospedarias destinados a receber e
cuidar de peregrinos e viajantes. Varias instituições de caridade surgiram na
Europa no século XVII, abrigando pobres, órfãos e doentes. Essa pratica se
propagou com organizações religiosas, católicas e protestantes que, no século
XIX, passaram a ter características de hospitais (17).
A melhoria do conceito de Cuidados Paliativos acompanhou o
desenvolvimento dos serviços de hospice nos Estados Unidos. Os cuidados de
hospice são de fato, os Cuidados Paliativos. A diferença é que o primeiro está
associado à fase terminal e embora focalize a qualidade de vida, incluem a
preparação realista emocional, social, espiritual e financeira para a morte,
enquanto que a segunda propunha uma abordagem do indivíduo como um todo
desde o início do processo de doença com risco de vida (5).
O Movimento Hospice Moderno foi introduzido pela inglesa Cicely
Saunders, enfermeira, assistente social e médica, que em 1967 fundou o St.
Christopher’s Hospice, em Londres, cuja estrutura não só permitiu a assistência
aos doentes, mas o desenvolvimento de ensino e pesquisa, recebendo bolsistas
de vários países. Na década de 70, nos Estados Unidos, o encontro de Cicely
Saunders com Elisabeth Kluber-Ross, psiquiatra suíça, pioneira no tratamento de
pacientes em estado terminal, fez com que o Movimento Hospice também
crescesse naquele país. Em 1982, o Comitê de Câncer da Organização Mundial
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da Saúde (OMS) criou um grupo de trabalho responsável por definir políticas para
o alívio da dor e cuidados do tipo hospice que fossem recomendados em todos os
países para pacientes com câncer. A OMS adotou o termo Cuidados Paliativos, já
utilizado no Canadá, devido a dificuldade de tradução adequada do termo hospice
em alguns idiomas (17).
O Cuidado Paliativo no Brasil teve seu inicio na década de 80, mas
conheceu um crescimento significativo a partir do ano 2000, com a consolidação
dos serviços já existentes e pioneiros além da criação de outros não menos
importantes. Existe mais de 40 iniciativas em todo o Brasil, número relativamente
pequeno, levando-se em consideração a extensão geográfica e as necessidades
do país (17).
Com a fundação da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP),
em 2005, os Cuidados Paliativos no Brasil deram um salto institucional enorme.
Avançou a regularização profissional do paliativista brasileiro, a partir da proposta
de formação de um Comitê de Medicina Paliativa na Associação Médica Brasileira
– AMB. Foram estabelecidos critérios de qualidade para os serviços de Cuidados
Paliativos despertando a atenção do Ministério da Saúde, Ministério da Educação
e Conselho Federal de Medicina – CFM (18).
Assim, a Organização Mundial da Saúde (OMS), conceituou em 1990
que Cuidados Paliativos constituem a assistência ativa prestada por uma equipe
multidisciplinar àquele paciente cuja doença não responde ao tratamento curativo,
objetivando uma melhor qualidade de vida ao paciente e sua família, por meio da
prevenção e alívio do sofrimento, identificação precoce e avaliação impecável e
tratamento da dor e de outros sintomas de ordem física, psicológica, social e
espiritual, prevenindo assim o sofrimento (19,20).
O objetivo dos cuidados paliativos é atingir a melhor qualidade de vida
possível para os pacientes e suas famílias, por meio de:
alívio da dor e outros sintomas angustiantes;
valorizar a vida e a morte como um processo normal;
não apressar ou adiar a morte;
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integração dos aspectos psicológicos e espirituais da assistência ao
paciente;
apoio aos pacientes para viver tão ativamente quanto possível até a morte;
apoio à família para lidar com a doença dos pacientes e com sua morte;
abordagem de equipe para atender às necessidades dos pacientes e suas
famílias, incluindo aconselhamento de luto;
melhorar a qualidade de vida, podendo também influenciar positivamente o
curso da doença;
início o mais precocemente possível durante o curso da doença, em
conjunto com outras terapias que visam prolongar a vida, como a quimioterapia ou
radioterapia, incluindo investigações necessárias para controlar complicações
clínicas (20).
Os mesmos princípios que norteiam os cuidados paliativos aos adultos
o fazem com os cuidados paliativos pediátricos, ocorrendo algumas adaptações
inerentes à faixa etária. O modelo de cuidado integral para oferecer cuidados
paliativos a crianças que estejam com a vida em risco ou em condições terminais
foi o proposto pela Academia Americana de Pediatria (AAP) com base em cinco
princípios:
• respeito à dignidade dos pacientes e suas famílias;
• acesso a serviços competentes/especializados;
• apoio aos cuidadores/familiares;
• melhora do suporte profissional e social para os cuidados paliativos
pediátricos;
• progresso contínuo dos cuidados paliativos pediátricos por meio da
pesquisa e da educação (21).
As intervenções oferecidas pelos cuidados paliativos pediátricos
englobam três níveis: o físico (sintomas como dor, fadiga, agitação, náuseas e
vômitos), psicossocial (medos, angústia) e o espiritual (20).
A OMS definiu que os cuidados paliativos dirigidos à criança baseiam-
se no cuidado total, ativo, do corpo, mente e espírito, além do apoio à sua família.
Começa quando a doença é diagnosticada e continua durante toda a evolução da
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mesma. Requer uma abordagem multidisciplinar ampla, com recursos disponíveis
na comunidade e os profissionais de saúde devem avaliar e aliviar o sofrimento
físico, psicológico e social da criança (20).
Isso significa que o adequado manejo da dor e de outros sintomas é
fundamental à criança sob cuidados paliativos, além do suporte e educação para a
família presentes na trajetória da doença. E os profissionais da saúde
responsáveis pelo cuidado devem ser capazes de discutir a possibilidade da
morte, o potencial de desgastes físico e emocional (20).
As ações direcionadas ao paciente em cuidados paliativos são
determinadas não só pelo diagnóstico e tratamento como também por questões
éticas, culturais, políticas, sociais e subjetivas, sendo o maior desafio da equipe de
saúde no cotidiano, encontrar um equilíbrio entre a razão e a emoção (22).
Cuidado Paliativo é aquele em que, além do tratamento curativo pode
melhorar a qualidade de vida dos pacientes e seus familiares por meio do alívio da
dor e de outros sintomas debilitantes. Estima-se que a cada ano, 4,8 milhões de
pessoas sofram dor cancerosa moderada a grave não tratada (12). Pela
complexidade do cuidado tal modalidade terapêutica requer planejamento
interdisciplinar e ação multiprofissional capaz de garantir assistência competente e
especializada ao paciente em questão (20).
O interesse pelos cuidados no final da vida vem crescendo em
pediatria, face ao número de crianças com doenças a serem tratadas utilizando
alta tecnologia como o tratamento paliativo (23).
Atualmente dedica-se especial atenção a esta temática e percebe-se a
existência de uma preocupação mundial relacionada aos pacientes que enfrentam
esta nova fase. Segundo Wolfe et al. (24) crianças que morreram de câncer
experimentaram sofrimento considerável no último mês de vida e as tentativas de
controlar seus sintomas foram quase sempre mal sucedidas (24).
Diminuir o sofrimento e oferecer melhor qualidade de vida às crianças
que estão morrendo de câncer, bem como melhorar a comunicação entre pais e
cuidadores (24) devem ser metas de atuação de toda a equipe de saúde. Diante
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de uma doença crônica ou fatal, o mais importante é acrescentar mais vida aos
anos que restam do que mais anos de vida (8,24).
Na fase inicial do diagnóstico de câncer, o tratamento tem como
objetivo a cura ou remissão da doença. Quando a doença atinge um estágio
avançado, mesmo durante a terapia curativa, a abordagem paliativa deve entrar
em cena no manejo dos sintomas físicos e psicossociais. Na fase terminal, em que
o paciente tem pouco tempo de vida, o tratamento paliativo se intensifica, a fim de
garantir qualidade de vida.
Sendo assim, a OMS enfatiza que ambos os tratamentos, ativo e
paliativo não sejam mutuamente excludentes. Propõe que os cuidados paliativos
pediátricos sejam introduzidos mais cedo, no curso da doença, em conjunto com o
tratamento oncológico ativo e sejam aumentados gradualmente, como um
componente dos cuidados ao paciente, do diagnóstico até a morte. Essa transição
do cuidado ativo para o cuidado paliativo é um processo contínuo, que
acontecendo naturalmente facilita a assistência ao paciente na terminalidade e
morte (19).
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1.4 O Enfermeiro e a Criança/Adolescente em Cuidados Paliativos
A American Nurses Association (ANA) definiu a Enfermagem como a
profissão que se destaca pelo compromisso com a proteção e promoção da
saúde, prevenção de doenças e alívio do sofrimento evidenciando assim, sua
importância na promoção de um conjunto de cuidados prestados ao paciente sem
possibilidade de cura, ou seja, os Cuidados Paliativos (25).
Para a Enfermagem, os cuidados paliativos são inerentes à sua prática
cotidiana. Aliar ciência e arte para prestar um cuidado que ampare, conforte é
dever dos profissionais de enfermagem, desde o surgimento do diagnóstico de
doença avançada, fortalecendo-se na terminalidade e continuando durante o
período de luto (26).
O enfermeiro tem papel fundamental nos cuidados paliativos, tanto na
aceitação do diagnóstico como no auxílio para conviver com a doença. Assim, é
possível desenvolver assistência integral ao paciente e familiar, por meio da
escuta atenta, com o objetivo de diminuir a ansiedade devido ao medo da doença
e do futuro (27).
Contudo, o enfermeiro é um ser complexo, com sentimentos,
necessidades, dificuldades e limitações para enfrentar situações de morte na
infância, sendo necessárias mudanças na estrutura organizacional, apoio e
segurança ao profissional, reciclagem de conhecimento sobre doença e a
evolução do tratamento das crianças, minimizando assim, sentimentos negativos,
reduzindo incertezas sobre a efetividade da assistência prestada, buscando um
cuidado mais otimizado e humanizado (28).
Os profissionais que atuam nos cuidados à criança com câncer sob
cuidados paliativos foram preparados em sua formação para promover saúde e
cura aos indivíduos e não para perdê-los para a morte, experimentando
sentimentos de fracasso e impotência, afinal a morte é vista como um momento de
dor e profundo pesar (29). Tal obstáculo é resultado do conhecimento defasado
adquirido na instituição de ensino, tornando-se essencial o aprendizado das
-
11
experiências do cotidiano, em busca de mecanismos psicológicos de defesa frente
ao paciente no seu fim de vida (30).
Essa carência curricular vai além do ensino no Brasil, como o
observado no estudo de Davies et al. (31) realizado na Universidade da Califórnia
- São Francisco. Os autores acreditam que as faculdades de medicina e
enfermagem deveriam incorporar princípios de cuidados paliativos e habilidades
de comunicação efetiva, com foco no conforto e comunicação, atingindo assim, a
otimização dos cuidados prestados à criança gravemente doente e suas famílias
(31).
Os requisitos e escolhas para os melhores cuidados variam conforme o
país, porém, a necessidade da incorporação estrutural de cuidados paliativos na
formação de pediatras e enfermeiros pediátricos é mundial, com abordagem
multidisciplinar, em especial com questões psicossociais, abrangendo tanto a
criança como o cuidador e a continuidade do vínculo após o evento morte e luto
da família (32).
Enquanto essa carência do modelo de ensino superior não é suprida
mundialmente, as conseqüências são inúmeras. Segundo estudo de Costa e Lima
(33), acompanhar o processo de morte e morrer de crianças e adolescentes
provocou nos profissionais sentimentos de frustração, derrota, tristeza, pena,
pesar com quem formaram um vínculo afetivo, caracterizando assim o luto, sendo
necessário que os profissionais permitam-se viver o luto, em busca de proteção ou
refúgio dessas manifestações emocionais e somáticas. Por outro lado, esses
profissionais relatam que a morte faz parte da profissão escolhida, que a busca
por ajuda de outro profissional técnico seria vista como fraqueza e que preferem
apostar em uma postura mais técnica para evitar que a emoção atrapalhe suas
atividades.
No plano técnico, o enfermeiro é um excelente avaliador dos sintomas
como dor e suas intensidades, podendo ajudar a prevenir complicações
indesejáveis, tem a arte do manejo das feridas e de saber como auxiliar nas
limitações que vão surgindo e se intensificando cada dia mais (26).
-
12
Quando se tratam de procedimentos técnicos 70 a 90% das crianças
vítimas de doenças limitantes da vida são submetidas à administração de
opióides, tornando-se nas últimas décadas uma das melhores estratégias para
tratamento da dor (34).
Contudo, as ações de cuidado inseridas na perspectiva humanística e
terapêutica paliativa vão além do desempenho de procedimentos técnicos, ou
seja, envolvem a presença ativa do enfermeiro no estar-com, na atenção, na
disponibilidade e compromisso com esse paciente (35). Silva et al. (36)
descreveram que os enfermeiros sentem que precisam abandonar o modelo
biomédico, tornar-se mais acolhedor, mais humano, e que talvez não seja
necessária nenhuma especialização por parte do profissional, bastando ser ele
mesmo, mostrando-se um bom amigo, amparar o paciente e a família (36).
O vínculo entre o enfermeiro e a criança é inevitável, porém gera
desgaste emocional, com sentimentos de sofrimento como angústia, fracasso e
sensação de impotência (29).
Esse misto de sentimentos, valores, crenças e experiências de vida,
além do preparo técnico-científico, são essenciais para assegurar a qualidade dos
cuidados paliativos prestados ao paciente no processo de morte (37).
O enfermeiro precisa encarar esse misto de sensações, construindo
uma proteção, uma barreira, mesmo sendo para a maioria, completamente
impossível não se envolver ou se emocionar com o sofrimento de um ser tão
pequeno (38).
Diante disso e da escassez de textos na literatura que descrevam a
relação entre enfermeiro e cuidados paliativos à criança e adolescente com câncer
no processo de terminalidade e morte, justificou-se este trabalho, pela
necessidade de conhecer a atuação dos enfermeiros nesse contexto, seus
maiores entraves, táticas de enfrentamento, a questão pessoal esbarrando com a
profissional. Por meio do conhecimento dos aspectos pessoais envolvidos, das
intervenções realizadas e das principais dificuldades reveladas, sob a ótica do
enfermeiro, espera-se que seja possível elaborar ações que favoreçam a
qualidade de vida do profissional, motivação para o trabalho, entre outras que,
-
13
consequentemente, refletirão em um cuidado técnico e pessoal mais qualificado a
esses pacientes e seus familiares.
-
14
2. OBJETIVO
Analisar e descrever as percepções subjetivas e a atuação técnica dos
enfermeiros diante da criança e do adolescente com câncer, sem possibilidades
terapêuticas de cura oncológica, na terminalidade e morte.
-
15
3. METODOLOGIA
3.1 DESENHO DO ESTUDO
Foi realizado um estudo de campo transversal, descritivo com
abordagem qualitativa.
A pesquisa qualitativa examina a compreensão subjetiva das pessoas a
respeito de algo, incluindo observação direta, entrevistas, análise de textos ou
documentos, de discursos e comportamentos dos indivíduos (39). O método
qualitativo se aplica ao estudo das relações, das representações, das crenças e
percepções, enfim das interpretações que os humanos fazem a respeito de como
vivem, como se constroem, sentem e pensam (40).
3.2 LOCAL DO ESTUDO
Centro Infantil de Investigações Hematológicas Dr. Domingos A.
Boldrini, unidade assistencial de alta complexidade em oncologia pediátrica de
excelência no diagnóstico, tratamento, ensino e pesquisa do câncer e doenças
hematológicas da criança, adolescente e adulto jovem.
3.3 POPULAÇÃO DO ESTUDO
A população do estudo foi composta por 19 enfermeiros, distribuídos
entre os períodos matutino, vespertino e noturno, que atuaram nas alas de
internação, prestando assistência em até 24 horas anteriores ao óbito de 17
crianças/adolescentes com câncer e em cuidados paliativos, ocorridos no período
de abril de 2012 a janeiro de 2013.
3.4 CRITÉRIOS DE INCLUSÃO
Foram convidados a participar da pesquisa os enfermeiros que atuaram nas alas
de internação, no período matutino, vespertino e noturno, e prestaram assistência
-
16
à criança e adolescente com câncer sem possibilidades de cura oncológica, na
internação que precedeu em até 24 horas a ocorrência do óbito.
Foram incluídos os enfermeiros que, após leitura do Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido (TCLE) o assinaram, concordando em participar do estudo.
3.5 CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO
Foram excluídos da pesquisa todos os enfermeiros que não prestaram nenhum
tipo de assistência ao paciente em cuidados paliativos nas últimas 24 horas
antecedentes ao óbito.
Recusa em participar da pesquisa ou recusa da assinatura do TCLE.
3.6 COLETA DOS DADOS
A coleta de dados ocorreu nos meses de abril de 2012 a janeiro de 2013.
3.6.1 INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS
Para atender ao objetivo da pesquisa, foi utilizado um instrumento de
autopreenchimento, contendo a seguinte questão norteadora:
“Qual a sua atuação (técnica/pessoal), enquanto enfermeiro, ao
paciente em cuidados paliativos que evoluiu para o óbito nesta internação?”
(Apêndice I).
Relacionando ao que propõe Minayo (40) referente ao instrumento de
coleta de dados, o sujeito foi convidado a escrever livremente sobre o tema
proposto. A pergunta formulada buscou dar profundidade às suas reflexões
pessoais, entendendo o instrumento utilizado como forma de acessar a
subjetividade dos sujeitos.
-
17
Assim, nessa compreensão, optamos por uma única questão aberta
como forma de captar a experiência dos enfermeiros, revelando por meio da
escrita, a subjetividade de cada um.
3.6.2 PROCEDIMENTO DE COLETA DE DADOS
Para a coleta de dados foi explicado aos 19 enfermeiros, sujeitos da
pesquisa, de forma clara, o objetivo da mesma. Foram convidados a participar e
mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice
II), indicaram que estavam cientes de sua participação e divulgação dos
resultados, enfatizando a preservação de sua identidade, confidencialidade, sigilo
e privacidade, além da isenção de qualquer dano ou prejuízo por participarem da
pesquisa.
Dessa forma, o questionário e o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido impressos foram entregues pela pesquisadora responsável, aos 19
enfermeiros no dia do óbito do paciente ou no dia subseqüente. Todos devolveram
o questionário devidamente preenchido, bem como o Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido assinado. A própria pesquisadora se encarregou de resgatar
os documentos em prazo previamente determinado, ou seja, no dia seguinte à
entrega, facilitando a espontaneidade e livre expressão dos sujeitos, que puderam
responder o intrumento, por meio da escrita, em outro ambiente que não fosse o
seu local de trabalho.
A intenção de que o profissional não respondesse durante sua jornada
de trabalho ocorreu a fim de evitar possíveis vieses por influencia do meio e
terceiros, além de proporcionar sua maior concentração em um momento
disponibilizado somente para o ato de responder à questão e participar da
pesquisa de maneira mais fidedigna possível.
No período de abril de 2012 a janeiro de 2013, a pesquisadora se
informou, por meio do obituário, sobre todos os pacientes em cuidados paliativos
que foram a óbito, além de acompanhar informalmente o quadro desses pacientes
que evoluiriam para esse desfecho por fazer parte do quadro de enfermeiros do
hospital.
-
18
Após a ocorrência do óbito, a pesquisadora pode identificar por meio da
escala de enfermeiros, aqueles que atuaram na ala de internação onde ocorreu o
evento. O questionário foi entregue aos enfermeiros que estiveram com o paciente
nos últimos plantões que precederam a morte do paciente em até 24 horas, ou
seja, quando o óbito ocorreu no período da manhã, responderam ao questionário
tanto o enfermeiro desse plantão, assim como os enfermeiros do plantão da noite
e da tarde que antecederam o óbito e assim sucessivamente. Em casos de
internação com óbito em um mesmo período, ou no período seguinte à internação,
o instrumento de coleta de dados foi entregue somente ao enfermeiro que atuou
no plantão em que ocorreu o óbito, assim como ao enfermeiro do plantão anterior.
O hospital conta com seis alas de internação, além da Unidade de
Transplante de Medula Óssea (UTMO), Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e
ambulatórios. Dessas seis alas de internação, duas são estruturadas para atender
pacientes em quimioterapia, pré e pós-operatórios, e doenças hematológicas
como anemia falciforme, hemofilia entre outros.
As outras quatro alas podem acomodar pacientes em Cuidados
Paliativos, em quartos privativos. Vale ressaltar que há somente um enfermeiro
responsável por cada ala de internação, cada qual com nove leitos, atuando
juntamente com uma equipe de dois a três técnicos de enfermagem. Desta forma,
foi inevitável a participação na pesquisa de um mesmo sujeito, mais de uma vez,
pois o mesmo enfermeiro atuou no óbito de um ou mais pacientes, ocorridos no
período estipulado.
A fins de elucidação destacamos que 2 enfermeiros responderam 4
vezes o mesmo questionário, 6 responderam 3 vezes, 4 responderam 2 vezes, e
outros 7 enfermeiros responderam uma única vez, totalizando 41 questionários
respondidos por 19 enfermeiros referentes ao óbito de 17 pacientes.
Quatro dos 17 pacientes em cuidados paliativos evoluíram para o óbito
no mesmo plantão em que foram internados, sendo assim o questionário foi
respondido somente pelo enfermeiro responsável pela ala nesse período de
trabalho.
-
19
Observou-se no decorrer das coletas que o mesmo enfermeiro
apontava questões semelhantes nas respostas, porém era evidente que o
momento, o paciente, o vínculo tornava cada situação singular, interferindo em
sua visão subjetiva e conseqüentemente na descrição do que vivenciou em cada
situação.
A avaliação da saturação teórica a partir de uma amostra é feita por um
processo contínuo de análise dos dados, realizada desde o início do processo de
coleta. Tendo em vista a questão colocada aos participantes, que refletem o
objetivo da pesquisa, essa análise preliminar busca o momento em que pouco de
substancialmente novo aparece, considerando cada um dos tópicos abordados, ou
identificados durante a análise (41).
A coleta de dados foi encerrada quando houve a repetição de fatos
descritos pelos enfermeiros, ou seja, quando não surgiu nenhuma nova
informação, caracterizando a saturação teórica dos dados (41).
3.7 ANÁLISE DOS DADOS
Todos os dados foram transcritos na íntegra, sem distorções, em
Microsoft Office Word 2007, e estando digitalizados, os fatos descritos foram
analisados segundo as etapas da metodologia descritas por Minayo et al. (42),
denominada Análise de Conteúdo Temática. Este método se divide em três
etapas: Pré-análise, Exploração do Material e Tratamento dos
Resultados/Inferência/Interpretação.
Na fase de pré-análise ocorreu a seleção e organização do material a
ser analisado por meio de uma leitura exaustiva. Buscou-se ter uma visão do
conjunto, aprender as particularidades do material a ser analisado, elaborar
pressupostos iniciais que servirão de baliza para a análise e interpretação do
material, escolher formas de classificação inicial e determinar conceitos teóricos
que orientarão a análise. De acordo com o objetivo, foi possível definir conceitos,
trechos significativos e categorias (42).
Após essa leitura exaustiva de todos os questionários, obtivemos uma
visão bem ampla de todo o material e automaticamente foram surgindo
-
20
pressupostos que auxiliaram na definição das categorias. Assim um esboço da
categorização (Figura 1; pág. 22) foi sendo criado com o intuito de facilitar a
compreensão e análise dos dados.
A exploração do material é a segunda etapa da análise propriamente
dita, na qual houve a distribuição e classificação dos trechos ou fragmentos dos
textos levantados na primeira e identificação da problematização das idéias
explícitas e implícitas. Permitiu identificar os núcleos de sentido apontados nesses
fragmentos de textos, desvendar o conteúdo subjacente por meio da articulação
entre o objetivo da pesquisa, a fundamentação da base teórica adotada e os
dados empíricos presentes nos depoimentos registrados no trabalho (42).
Nesse momento da exploração do material foi possível segregar
fragmentos dos textos escritos pelos sujeitos e nomeá-los de acordo com
categorias pré-estabelecidas, tais como, as categorias pessoal e
profissiona/técnica. Também ocorreu o processo inverso, levando à criação de
subcategorias a partir do aparecimento de idéias que mereciam destaque, além de
uma terceira categoria que revelou as necessidades apontadas pelo profissional.
Por fim, a terceira etapa consistiu em uma síntese interpretativa, que
por meio de uma redação, pode dialogar temas com o objetivo, questões e
pressupostos da pesquisa (42).
3.8 LEVANTAMENTO BIBLIOGRÁFICO
Foram realizadas buscas de artigos nas bases de dados Pubmed e
Bireme utilizando as palavras-chave: Cuidados Paliativos, Câncer Pediátrico,
Enfermeiros e Cuidados de Enfermagem, nos idiomas português, inglês e
espanhol, entre os anos de 2000 a 2015.
3.9 ASPECTOS ÉTICOS
O estudo foi realizado após a aprovação do Comitê de Ética em
Pesquisa (CEP) do Centro Infantil Boldrini, sob o número de inscrição
-
21
00875512.6.0000.5376, em 05 de abril de 2012, de acordo com o processo nº
10854 (Anexo I).
Em seguida o projeto foi cadastrado na Plataforma Brasil e aprovado
pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP).
De acordo com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde
(CNS) todos os sujeitos da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (Apêndice II), assegurando seu direito de preservação da identidade
por sigilo absoluto, além de impossibilidade de exposição a quaisquer riscos ou
prejuízos mediante participação.
3.10. RECURSOS FINANCEIROS
Os custos advindos da realização dessa pesquisa foram arcados pela
pesquisadora proponente, não havendo nenhum custo aos participantes,
pacientes ou à Instituição.
-
22
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Características Gerais
A categorização completa dos dados, resumidamente apresentada pela
Figura 1 (pág.22), contribuiu para facilitar o processo de análise dos resultados.
Após essa análise, observamos que os temas encontrados permitiram
adentrar na vivência pessoal e profissional dos enfermeiros que atuaram na
terminalidade e óbito de seu paciente, resultando na compreensão dos seus
sentimentos, no conhecimento de suas intervenções técnicas, bem como das
necessidades apontadas para melhoria da atuação nesse contexto.
Foi possível criar três grandes categorias: PESSOAL (I),
PROFISSIONAL/TÉCNICA (II) E NECESSIDADES APONTADAS PELO
PROFISSIONAL (III).
A categoria I, definida como categoria pessoal, foi estratificada em IA
(Sentimentos vivenciados), IB (Recursos subjetivos) e IC (Características pessoais
indicadas como facilitadoras).
A categoria II, definida como categoria profissional/técnica foi
subdividida em IIA (Procedimentos técnicos/ intervenções realizadas), IIB
(Recursos operacionais facilitadores) e IIC (Apoio emocional ao paciente e
familiar).
E, por fim, a categoria III, foi caracterizada como necessidades
apontadas pelos profissionais.
Para fins de elucidação dos dados, ao término da terceira fase da
análise de conteúdo, foi possível criar uma tabela (Tabela 1; pág. 23) com
representação numérica dos fragmentos levantados durante a categorização dos
dados, com o auxilio do esboço das categorias estabelecidas na Figura 1 abaixo:
A Figura 1 corresponde à categorização dos dados definida a partir da
análise dos fragmentos significativos descritos pelos enfermeiros participantes.
-
23
RECURSOS
SUBJETIVOS
PESSOAL PROFISSIONAL/TÉCNICO
SENTIMENTOS
VIVENCIADOS
CARACTERÍSTICAS
PESSOAIS
FACILITADORAS
PROCEDIMENTOS
TÉCNICOS
INTERVENÇÕES
RECURSOS
OPERACIONAIS
FACILITADORES
APOIO AO
PACIENTE/
FAMÍLIA
NECESSIDADES
APONTADAS PELOS
PROFISSIONAIS
IC
IB
IA
IIC
IIB
IIAManifestação dos
sentimentos do enfermeiro . Ex.
tristeza, alívio...
Recursos internos,
estratégias pessoais utilizados
na prática
profissional. Ex. oração, crenças
religiosas...
Reconhecimento de
características pessoais que
facilitam a prática
profissional. Ex. equilíbrio, empatia,
aceitação da finitude...
Procedimentos
técnicos, estratégias para
alívio da dor e
conforto físico. Ex. Instale O2,
puncionei AVP...
Envolveu ações de
apoio operacional. Ex. biombos
privativos, liberação
de visitas
Envolveu todo tipo
de apoio ao paciente e família.
Ex. estar junto,
saber ouvir, disponibilizar-se...
Necessidade de maior preparo para a atuação
em Cuidados Paliativos e Terminalidade. Ex. treinamentos, palestras, estrutura do serviço,
suporte emocional na Instituição...
Figura 1. Categorias e subcategorias estabelecidas durante a análise dos dados.
A categorização completa dos dados em forma de figura explicativa
facilitou o processo de análise dos resultados.
A Tabela 1 (pág. 23) mostra um panorama da coleta de dados, sendo
possível visualizar vertical e horizontalmente todos os enfermeiros, número de
participações, quantidades de cada fragmento relatado por sujeito, total de
fragmentos no geral e total de fragmentos por categoria.
-
24
ENFERMEIROS Participação IA IB IC IIA IIB IIC III SOMATÓRIA
E1 4 2
2
2
6
E2 3 2
3 1 1
7
E3 3 1 1
1
3
E4 3 2
1 1
2
6
E5 3 2
2
3
7
E6 2 1
1 1 2 2
7
E7 3 1
1 3
2
7
E8 2
2
2
4
E9 1 1
1 1
1
4
E10 4 1
3 3 2
9
E11 1
1
1 1 3
E12 1
1
1
2
E13 3 2 1 1 2
2
8
E14 1
1
1
2
E15 2 2
2
E16 1 1
1
1 1 4
E17 1
1 1 1
1
4
E18 1
1
1
1
3
E19 2
2 1 2
5
19 41 18 4 6 28 7 28 2 93
Tabela 1. Representação dos sujeitos da pesquisa, número de participação e distribuição numérica dos fragmentos por categorias e subcategorias.
Dessa forma obtivemos melhor visualização dos 19 sujeitos, suas
respectivas respostas, distribuídas em fragmentos categorizados. Lembrando que
esses 19 sujeitos responderam a 41 questionários, referentes ao óbito de 17
pacientes, nos períodos matutino, vespertino e noturno. Os fragmentos foram
divididos entre 3 grandes categorias (I, II e III), sendo duas delas estratificadas em
6 subcategorias (IA, IB, IC e IIA, IIB, IIC).
-
25
Optamos por analisar os fragmentos elencados pelos sujeitos e não as
respostas de cada individuo isoladamente, assim independentemente do sujeito
que o enunciou, pudemos generalizar a análise, garantindo a avaliação dos
enfermeiros como um grupo dentro da instituição. Definiu-se, então
numericamente a quantidade de 93 fragmentos correspondentes a cada uma das
categorias e subcategorias. Assim, por simples regra de três para cálculo de
porcentagem, estabelecemos os seguintes valores, conforme demonstrado na
tabela 2.
A Tabela 2 mostra a porcentagem de cada categoria e subcategoria,
para a visualização da predominância.
QUANTIDADE/PORCENTAGEM POR CATEGORIAS E SUBCATEGORIAS
N
%
IA 18
19,35
IB 4
4,3
IC 6
6,45
IIA 28
30,11
IIB 7
7,53
IIC 28
30,11
III 2
2,15
TOTAL 93 100
Tabela 2. Representação da porcentagem de cada categoria e subcategoria
Numericamente, a maioria dos discursos dos sujeitos (67,75%) que
responderam ao questionário, se enquadrou na categoria profissional/técnica,
revelando a predominância do relato de intervenções realizadas dentro do
contexto do estudo.
-
26
Um grupo menor de discursos (30,10%) contemplou a expressão da
vivência emocional dos enfermeiros, bem como características subjetivas dos
mesmos.
E por fim, uma pequena porção dos discursos (2,15%) compôs a
terceira categoria, que expressa as principais necessidades apontadas pelos
participantes sugestivas de melhorias na atuação profissional.
O Gráfico 1 mostra a distribuição percentual geral da categorização, ou
seja, o a divisão numérica do total de fragmentos selecionados.
Gráfico 1. Distribuição percentual geral das categorias I, II e III baseada nas respostas dos sujeitos.
Características das subcategorias
Ao serem estabelecidas as categorias I e II, houve a necessidade de
estratificá-las conforme aparecimento de novas informações antes que ocorresse
a saturação dos dados. Para a categoria I, foram criadas então 3 subcategorias
(IA, IB e IC) e para a categoria II também 3 subcategorias (IIA, IIB e IIC). Por fim,
uma terceira categoria foi criada isoladamente para englobar outros dados
subjetivos que não se enquadravam na definição das demais.
-
27
4.1 Categoria Pessoal - Subcategoria Sentimentos Vivenciados (IA)
A subcategoria IA, com maior freqüência nas respostas (N=18; 19,35%)
refere-se aos sentimentos vivenciados pelos sujeitos no cuidado ao paciente e
familiares nas 24 horas que antecederam o óbito. Os sentimentos mais citados
foram os que revelam sofrimento: tristeza, impotência, dificuldades em lidar com a
situação de morte, medo, ansiedade, angústia, insegurança, negação,
desesperança. Foram encontradas, também citações de sentimentos de alívio,
tranqüilidade e confiança.
O Gráfico 2 representa a subdivisão da categoria I e a porcentagem
correspondente a cada uma das subcategorias (IA, IB e IC).
Gráfico 2. Distribuição percentual das subcategorias IA, IB e IC totalizando 30,10% da amostra.
Segundo Avanci et al. (29), cuidar de crianças com câncer sob cuidados
paliativos é um processo de sofrimento e um misto de emoções para o profissional
de enfermagem, que durante sua assistência, parece sofrer muito, pois sente-se
impotente e inconformado com a presença da morte, além de despreparado
emocional. O autor afirma ainda que em cuidados paliativos criar vínculo entre o
enfermeiro e a criança é inevitável, porém gera desgaste emocional, com
sentimentos de sofrimento por perda, angústia e fracasso e/ou impotência, que
pode levar a um tipo de paralisia diante das demandas.
-
28
Observou-se que cuidar de crianças e adolescentes em iminência de
morte provocou inúmeras sensações e reações nos enfermeiros, intensificando e
reafirmando a citação do autor acima.
Sentimentos que exprimem sofrimento
O sofrimento, a negação da terminalidade, os sentimentos de
impotência atingem todos envolvidos na situação, ou seja, paciente, família e
equipe de saúde responsável (43).
Aparecem nos discursos sentimentos como impotência, medo,
insegurança, revelando negação e despreparo em lidar com a morte, conforme
relato abaixo:
[...] todos os conceitos que eu tinha no que se refere a morte caíram por
terra e me deparei com o despreparo para aceitá-la nesta ocasião que foi
a primeira atuando no setor de pediatria (E15).
O discurso do sujeito 15 chamou a atenção pela descoberta do seu
despreparo pessoal.
Costa e Lima (33) colocam que trabalhar com pacientes pediátricos em
iminência de morte não é fácil e para proporcionar a assistência que atenda às
necessidades das crianças/adolescentes, o profissional deve ter consciência e
compreensão do que precisa oferecer, porém em geral esses profissionais de
enfermagem tiveram pouco contato em sua experiência de vida, para lidar com a
situação de perda e acabam realizando suas tarefas, buscando ajuda de forma
solitária.
Dando continuidade aos relatos dos sujeitos, constatamos que o
sentimento de impotência pode provocar sofrimento no profissional de
enfermagem o qual faz questionamentos sobre o que poderia ou o que deixou de
fazer para recuperar ou manter a vida da criança/adolescente que estava sob seus
cuidados (33). Essa afirmação corrobora com os nossos achados, uma vez que o
sujeito 13 evidencia todo seu sofrimento quando faz esses questionamentos:
-
29
Senti nesse momento impotência em relação ao que posso fazer, pois às
vezes naquele momento do leito de morte nada podemos fazer. Dá
medo, ansiedade, fica medo de será que fiz alguma coisa que melhorou
para esse cliente, nesse momento fico sem resposta (E13).
Nesta mesma linha de sentimentos, captamos o discurso de um sujeito
que afirma insegurança diante da situação, pois mesmo com todo o preparo
acadêmico sentiu dificuldade para oferecer apoio à família do paciente:
[...] na minha opinião, a equipe de enfermagem não está preparada para
esse momento único e singular, apesar de toda formação acadêmica,
faltam palavras nesse momento para confortar a família (E16).
O cuidar em Cuidados Paliativos é um processo de sofrimento e um
misto de emoções para o profissional de enfermagem, que durante sua
assistência ao paciente parece sofrer muito, sente-se despreparado
emocionalmente diante da proximidade da morte, impotente (29), vivencia aflição e
sensação de incapacidade (44), além de sentimentos de medo, ansiedade (45),
angústia, fadiga física e emocional associada às tentativas de fornecer um
atendimento completo, que se não realizado, contribui para a sensação de
impotência e de estresse ocupacional (45,46).
Este sujeito fala que mesmo com a formação acadêmica sente-se
despreparado emocionalmente para atuar nessa situação. Paro et al. (28) também
afirmam que os enfermeiros que atuam em oncologia pediátrica revelam medos e
inseguranças ao assistir o paciente com câncer. A carência de maior preparo na
formação acadêmica parece ser fonte de inquietação e questionamentos por parte
do sujeito 16. Fica claro o quanto é difícil e desgastante para o profissional lidar
com seus próprios sentimentos diante da necessidade de contato com o
sofrimento do paciente e de sua família.
Nos fragmentos abaixo, o sujeito traduz a importância do vínculo afetivo
em sua atuação. Considerando que quanto maior o vínculo que o enfermeiro
tenha com o paciente e familiar mais difícil se torna a situação, potencializando o
sofrimento pela perda, conforme relato do sujeito 2:
-
30
Como já conhecia tanto o paciente como sua mãe, já existia um elo que
me abalava muito emocionalmente... o desconforto respiratório era
grande e doloroso de ver... a despedida da mãe foi muito emocional e
sofrida para todos (E2).
Nossos achados se assemelham aos de Costa e Lima (33), ao
afirmarem que o profissional vive a perda e se enluta com a morte do paciente
com o qual estabeleceu vínculo. A perda é algo difícil de aceitar principalmente
quando há vínculo afetivo com a criança e sua família e este está sendo rompido
com a morte.
O sujeito 1, no relato a seguir, atribuiu menor sofrimento na vivência da
situação, pelo fato de ter conhecido o paciente apenas na última internação.
Considera também, que quanto maior o vinculo com o paciente, mais difícil se
torna a situação e maior é o sofrimento vivenciado:
Não tive muito contato com esse paciente. Conheci o mesmo nesta última
internação. Acho que quanto maior o vínculo que a gente tenha com o
paciente, mais difícil se torne a situação e o momento em questão (E1).
No discurso seguinte, o sujeito traz o quanto é difícil para ele lidar com
a situação de morte iminente, mas que apesar da dificuldade consegue
desempenhar suas funções técnicas e apoiar o paciente e familiar dentro do que
lhe é possível:
Apesar de saber que eu não sei lidar muito bem com esta questão,
procuro deixar de lado esse meu lado e procuro ajudar a família e o
paciente em tudo que for possível. Esta paciente em especial,
acompanhei desde o primeiro tratamento e foi difícil acompanhar essa
fase de terminalidade (E1).
Embora tamanha dificuldade em lidar com essa situação o sujeito não
deixa de desempenhar suas funções profissionais. Na tentativa de separar seus
sentimentos de suas atitudes, sobrepor obstáculos pessoais, observamos o
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sentimento de negação ou sublimação dos próprios sentimentos. O sujeito prioriza
atuar, sem que seu fator psicológico interfira em sua conduta profissional, o que o
impulsiona a doar-se ao máximo, proporcionando cuidado humanístico, mesmo
diante das dificuldades garantindo assim uma assistência de enfermagem
adequada acima de tudo (47).
Tal fato pode ser justificado por Kuhn et al. (48), ao afirmar que existem
em muitos ambientes hospitalares, regras explícitas ou implícitas sobre o não
envolvimento emocional daquele que é considerado bom profissional. Desta
forma, não encontrando espaço para expressar sua angústia e fraqueza, sobra
espaço para a negação e sublimação de sentimentos. Por isso, é necessário o
desenvolvimento de mecanismos de defesa, para que os indivíduos se
mantenham emocionalmente distantes frente às situações, em equilíbrio (48),
tentando manejar suas emoções e adotar postura compreensiva e profissional (49)
uma vez que a situação de morte afeta a vida do enfermeiro, independentemente
do tempo de experiência profissional (50).
A morte de crianças altera a ordem natural das coisas, sendo provável
que o profissional da área da saúde tenha uma sensação de fracasso (51). A
proximidade da morte da criança/adolescente traz dor e sofrimento à família e aos
profissionais de enfermagem que demonstram sentimento de negação, visto que
crianças são seres repletos de vitalidade (29).
No fragmento abaixo, o enfermeiro 15 descobre sua impotência diante
da situação e embora aparentemente demonstre conformismo com a morte, deixa
transparecer sua não aceitação e sofrimento do ponto de vista de pais perderem
seus filhos.
Naquele momento eu queria fazer alguma coisa e após alguns momentos
eu descobri que não havia mais nada a se fazer. Me lembrei de Mario
Puzo no livro “O Chefão” que disse: “Um pai não deveria ver o filho
morrer (E15).
O preparo emocional é relevante na dificuldade da relação da equipe de
enfermagem com a criança e a família, pois os profissionais não foram preparados
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para atuar em situações que envolvem afeto e sofrimento tão presentes no cuidar
da criança (52).
Devido ao fato de os profissionais de enfermagem permanecerem
longos períodos em contato com as crianças e suas famílias, muitas vezes sentem
a perda do paciente como se fosse seu familiar. Assim os seguintes discursos
revelam que há a identificação do sujeito em sua condição materna ou paterna,
acentuando ainda mais o sentimento de impotência (29).
Haddad (38) cita que enfermeiras são seres que mantêm uma relação
de intersubjetividade com as crianças e seus pais, que vivenciam de maneira
muito próxima a dor e o sofrimento dessas pessoas, sentem impotência e recusam
a morte inesperada, aumentam a sensibilidade com relação à maternidade, tentam
colocar armaduras contra o sofrimento tentando estabelecer barreiras para
sofrerem menos no desenvolvimento de suas atividades onde a morte é um
fenômeno quase rotineiro.
[...] você acaba que nesse momento conhece família, os medos e
dificuldades do que pode acontecer, tem que ser forte, presente, mas ao
mesmo tempo é humano, têm família. Quando há pequeno envolvimento,
você que também é mãe, sente angústia, peso, aperto no peito (E13).
Podemos perceber no discurso acima que os sentimentos associados
ao fato de ser mãe, confirmam que a maternidade muda a visão em relação à
morte da criança, no sentido de prestar mais atenção nos pais, nos momentos
difíceis por tudo o que estão passando diante de seus filhos à beira da morte. É
como se as enfermeiras vivenciassem a situação de morte da criança como sendo
de seu próprio filho, sentindo a dor da perda, sofrendo junto com os pais e
relacionando-a com sua finitude e a da sua família (38).
Por fim, os profissionais de enfermagem, ao acompanhar uma criança
ou adolescente nessa experiência de finitude, esforçam-se para além dos limites
pessoais, na tentativa de evitar o sofrimento, sendo lançados em um turbilhão de
sentimentos, uma vez que é impossível anular a vivência da morte (53).
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Sentimentos que exprimem alívio e tranqüilidade
Embora a maioria dos relatos dos enfermeiros esteja relacionada a
sentimentos que exprimem sofrimento, também encontramos sentimentos de
alívio pelo fato do sujeito encarar o desfecho morte como fim das dores, o
descanso merecido, conforme trecho abaixo:
[...] doía ver aquela criança com M1, mas acordada e sentindo tudo por
mais que aumentassem a sedação... oferecemos técnica,
comprometimento, mas era dolorido entrar no quarto, fisicamente doía...
mas aliviou não vê-lo sofrer naqueles curativos prolongados no centro
cirúrgico (E3).
Devido ao fato do enfermeiro estar intimamente envolvido com o
paciente em cuidados paliativos, a morte, pode ser vista como alívio para o
sofrimento, ou seja, a condição terminal tem sentido positivo, quando todo aquele
desconforto físico, emocional e espiritual tem um fim, quando a pessoa cuidada
morre acompanhada daqueles que amam, quando deu um sentido a sua
existência e a de seus familiares (54).
Alguns enfermeiros reconhecem que só é possível oferecer a morte
digna quando se é capaz de ver a morte da criança com tranqüilidade,
percebendo-a sob um ângulo positivo, de alívio, e fim do sofrimento para a criança
e todos que estavam à sua volta (55). Há aqueles que se sentem gratificados ao
cuidar dos pacientes portadores de neoplasias, mencionando que tal experiência
lhes beneficia pessoalmente, motivando o sujeito a valorizar mais a vida e
pequenas coisas (56). O fato de ser reconhecido por seu esforço durante a fase
final da vida da criança faz com que o enfermeiro sinta-se realizado, satisfeito com
o cuidado oferecido, que seus esforços não foram em vão, e, encontra nos
resultados de seus cuidados a renovação das energias para superar as situações
da morte (55).
Foi possível perceber que apenas um sujeito referiu que houve
tranquilidade durante o evento da morte, descrevendo sua atuação como
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equilibrada, agindo com confiança, como mostra o fragmento em que o sujeito cita
como foi sua intervenção junto ao paciente e família no momento do óbito:
Suporte emocional principalmente, a equipe bem posicionada e tranqüila
frente ao óbito. Realização dos procedimentos, de rotinas, sem maiores
dificuldades. A família ficou também bem tranqüila respeitando as normas
do hospital (E7).
Há muitos textos na literatura que falam dos sentimentos vivenciados
pelos enfermeiros, ou equipe de enfermagem ao cuidar de pacientes em cuidados
paliativos, em iminência ou ocorrência do óbito, e pós-morte, mas raros são os
trabalhos que apontam o sentimento de alívio, tranquilidade, equilíbrio e confiança
na atuação. Podemos considerar que o enfermeiro que atua com crianças e
adolescentes com câncer, num hospital especializado em tratamento de doenças
onco-hematológicas referiu sentimentos de alívio devido à demanda de sofrimento
vivenciada, fortalecendo-se por encarar o desfecho da morte como sendo o fim do
sofrimento para o paciente e consequentemente a si próprio, permitindo-se
vivenciar o luto não como um problema, mas como uma solução.
Por outro lado, a tranquilidade colocada pelo sujeito 7, parece estar
relacionada à necessidade de um equilíbrio e posicionamento pessoal em relação
a morte, revertendo em uma atuação adequada e confortante junto à família.
4.2 Categoria Pessoal - Subcategoria Recursos Subjetivos (IB)
A subcategoria IB, definida como recursos subjetivos aparece com
menor freqüência (N=4; 4,30%), evidenciando os recursos internos ou estratégias
pessoais utilizados na prática profissional para o enfrentamento da situação, tais
como oração, crenças pessoais e manifestação de espiritualidade e religiosidade.
Entende-se atitude religiosa como a disposição natural das pessoas em
direção a um posicionamento afetivo, considerando suas relações com seres e
instâncias sobre-humanas além da disposição de elaborar seus sentimentos e
atos religiosos. O conhecimento religioso pode ser definido como um conjunto de
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verdades que provem da revelação do sobrenatural, caracterizando-se pela
natureza sagrada, pelo caráter valorativo, pela infalibilidade (conhecimentos
incabíveis de serem intelectualmente verificados ou falsificados), exigindo, por
conseguinte, apenas uma adesão humana daquele que assim crê através do que
é chamado de ato de fé (57).
Partindo do princípio que nosso sujeito recorra à religiosidade e
espiritualidade como estratégia de enfrentamento, acredita-se que tal recurso
favoreça a sua atuação de enfermagem, uma vez que a busca por seu
fortalecimento interior possa conduzir a situação de forma mais equilibrada,
garantindo melhor assistência de enfermagem.
Segue a discussão sobre a interferência das crenças pessoais na
atuação do enfermeiro diante a criança e do adolescente com câncer em cuidados
paliativos.
Takahashi et al. (58) demonstrou que mesmo durante a graduação, os
acadêmicos de enfermagem participantes de um estudo tiveram opiniões
convergentes no que refere ao significado da morte como sendo um ciclo natural
da vida. Isso vem fortalecer o que o sujeito 3 relata a seguir evidenciando sua
aceitação da morte e como ele usa tal recurso subjetivo para enfrentar essa difícil
situação:
Eu me compadeço com o sofrimento do próximo, mas sei aceitar a vida
com seu começo, meio e fim. Faço meu melhor e me realizo com isso
(E3).
É perceptível que os profissionais da enfermagem necessitam de
estratégias para o enfrentamento das situações causadoras de estresse e
desestabilização emocional, tais como a morte do paciente. As dificuldades para
enfrentar a morte estão fortemente presentes quando ocorre com alguém que o
enfermeiro tenha maior vínculo afetivo. O tempo de experiência na enfermagem
não facilita o enfrentamento e a vivência é sempre traumática, falhando, por
vezes, os mecanismos de defesa e proteção, e originando intenso sofrimento (48).
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Por isso, na tentativa de se protegerem e não vivenciarem sentimentos
que possam lhes produzir alguma desestabilização emocional, os profissionais
assumem comportamentos de distanciamento, frieza e racionalização no momento
da morte do paciente (48).
Nossos achados contradizem a utilização das táticas de enfrentamento
como distanciamento, frieza e assistência mecânica e racionalizada, citadas pelo
autor acima. O sujeito 17 fala a respeito de sua crença de vida e morte, saúde e
doença, e motivado por sua aceitação consegue corresponder a uma assistência
que julga ser digna da complexidade exigida, ao invés de se afastar, se distanciar
e agir com frieza diante de um paciente em iminência de morte.
[...] eu sendo cristão acredito em uma vida após a morte e que todos nós
estamos sujeito às adversidades da vida e uma enfermidade tão
agressiva como essa que leva o ser humano para um outro mundo, o que
nos resta é prestar uma assistência na altura de sua complexidade (E17).
A espiritualidade também pode ajudar os enfermeiros cujo cotidiano de
trabalho é em cuidados paliativos, a enfrentarem de forma mais tranqüila as
situações de iminência de fim da vida ou da morte em si. Num trabalho de revisão
integrativa, da Silva (59) destacou os seguintes significados para espiritualidade
na visão dos enfermeiros, pacientes adultos com câncer em cuidados paliativos e
seus familiares: fonte de conforto, crença em Deus ou em um ser superior, força e
fé, fonte de enfrentamento, sentido e propósito da vida, essência do ser,
esperança, fonte de cura e manutenção da saúde.
O sujeito 18 afirma a presença da espiritualidade reforçando o que o
autor acima descreve, demonstrando acreditar na existência de um ser supremo e
que a ele pertence a decisão de quando a morte do paciente ocorrerá.
[...] sabemos que há um Deus nos guiando e a ele pertence a decisão de
quando uma vida chega ao fim, independente de quantos anos este
pequeno ser tenha (E18).
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A religiosidade e/ou espiritualidade foi utilizada como um recurso
subjetivo estratégico para enfrentamento pessoal, na qual os sujeitos se apóiam e
buscam fortalecimento interior, por meio de orações e crenças religiosas,
conforme descreve sujeito 13:
Mas acredito em reencarnação, isso me dá base para ter certeza que não
é o fim e sim o começo e, com essa certeza, procuro apoiar a família e
com minhas orações me fortaleço (parte pessoal) (E13).
Capello et al. (60) citam em seu trabalho que frente à doença e a
iminência de morte, os familiares e cuidadores relataram a importância da fé e da
religiosidade, além de sentirem-se consolados e fortalecidos por meio de orações
e cultos de louvores a Deus.
Assim como pacientes e familiares utilizam a prática religiosa como um
recurso para aceitação da morte e do sofrimento, conforme afirmam Spadacio e
Barros (61), podemos entender porque alguns profissionais da saúde também
necessitam desse recurso em sua atividade cotidiana junto a pacientes que
enfrentam uma doença grave e a terminalidade.
Balboni et al. (62), no que diz respeito aos pontos de vista de pacientes,
médicos e enfermeiros sobre oração no contexto do câncer avançado, referem
que a maioria dos pacientes e profissionais visualiza a oração como uma prática
espiritualmente solidária.
As crenças culturais e religiosas dos enfermeiros devem ser
consideradas para compreender melhor como as atitudes em relação à morte e o
cuidar no processo de morrer podem influenciar o seu comportamento na atuação
clínica (63).
Segundo Gobatto e Araújo (64), em uma pesquisa sobre religiosidade e
espiritualidade, aproximadamente metade dos profissionais de saúde atuantes em
oncologia se auto-avaliaram como muito ou completamente espiritualizados, ou
seja, que acreditam em Deus. Quanto à religiosidade, que corresponde ao nível de
envolvimento religioso, os profissionais referiram não participar de atividades
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religiosas públicas (instituições religiosas/igrejas) ou privadas, denotando que tais
atividades não fazem parte da rotina dos profissionais.
Os achados desta pesquisa parecem justificar o número restrito de
citações (N=4), caracterizando somente 4,30% dos nossos relatos relacionados à
busca de recursos internos tais como a crença religiosa, orações, entendendo que
o profissional se intitula espiritualizado, mas pouco recorre às práticas religiosas.
Peteet e Balboni (65) afirmam que, em oncologia, a religião e as
crenças espirituais parecem influenciar as práticas médicas do cuidado, e nesse
contexto de espiritualidade, grandes são os desafios, sendo necessários
treinamentos nas instituições para cuidados espirituais, bem como parceria com
capelães e comunidades religiosas.
Devemos nos preocupar também com a abordagem a esse paciente, que
deve ser feita de maneira calma, ser prestativo, falar baixo e respeitar o
sofrimento da família e da criança [...] conv