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1 Monografia I – Teoria Aritmética dos Números Axiomática de Peano e Cardinalidade de Conjuntos Alunos: Carina Dorissotti Lofredo 95633 Caroline Beatriz Mott Silva 119228 Lucas Souza Araujo Jorge 147058 Luiz Augusto Silvestre Luccas 48923 Marcelo Aparecido Moreira 183298 Docente: Fernando Eduardo Torres Orihuela Campinas, SP – outubro de 2018. Universidade Estadual de Campinas Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica

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Monografia I – Teoria Aritmética dos Números

Axiomática de Peano e Cardinalidade de Conjuntos

Alunos:

Carina Dorissotti Lofredo 95633

Caroline Beatriz Mott Silva 119228

Lucas Souza Araujo Jorge 147058

Luiz Augusto Silvestre Luccas 48923

Marcelo Aparecido Moreira 183298

Docente:

Fernando Eduardo Torres Orihuela

Campinas, SP – outubro de 2018.

Universidade Estadual de

Campinas Instituto de Matemática, Estatística e

Computação Científica

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“Quanto tempo gastou Arquimedes Para desenhar retângulos e mais retângulos

Cada vez de menor base, Até chegar à área de uma curva?

Arquimedes, Arquimedes, Que paciência a tua...

Mas mostraste ao mundo Que a Matemática ensina

Não a dizer: não sei Mas a dizer: ainda não sei.”

(Autor Desconhecido)

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Sumário

1. INTRODUÇÃO .............................................................................................................................................................. 4

2. OS NÚMEROS NATURAIS ......................................................................................................................................... 5

2.1 AXIOMAS DE PEANO .............................................................................................................................................................. 5

2.2 ADIÇÃO E MULTIPLICAÇÃO ................................................................................................................................................... 6

2.3 RELAÇÕES DE ORDEM EM ℕ ................................................................................................................................................. 7

2.4 SUBTRAÇÃO ............................................................................................................................................................................ 8

2.5 SEGUNDA FORMA DO PRINCÍPIO DE INDUÇÃO .................................................................................................................... 9

3. CARDINALIDADE DE CONJUNTOS ...................................................................................................................... 10

3.1 CONJUNTOS FINITOS .......................................................................................................................................................... 10

3.2 CONJUNTOS INFINITOS ....................................................................................................................................................... 11

3.3 CONJUNTOS ENUMERÁVEIS ............................................................................................................................................... 12

3.4 EXEMPLOS ........................................................................................................................................................................... 13

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................................................................... 14

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1. Introdução

A presente monografia se propõe a apresentar e explorar os Axiomas de Peano, um conjunto de regras

definidas a priori que buscam desenvolver todo o repertório lógico para caracterizar os números naturais,

a fim de explorar um importante atributo dos conjuntos, a cardinalidade.

A abordagem terá caráter dedutivo com profundidade adequada para alunos de graduação, sem deixar

de apresentar as principais operações binárias e suas consequências. Além disso, será apresentado, em

demonstrações de teoremas, importantes ferramentas como o Princípio da Indução e o Princípio da Boa

Ordenação.

É importante ressaltar que o uso dos princípios citados acima são de importância ímpar na Teoria dos

Números e compõe um dos principais ativos na infraestrutura lógica necessária para compreender e

abordar as propriedades dos números naturais e inteiros.

Na segunda parte do texto, será feita uma extensão da abordagem muito semelhante ao campo da

Análise, mas que tem como finalidade classificar o conjunto dos números naturais e ressaltar a importância

de se compreender bem suas qualidades.

Por fim, o conjunto dos naturais receberá uma classificação rígida sobre a natureza numerável da

infinidade de seus elementos, a qual servirá de estrutura subjacente para, na Teoria dos Números, fazer

uso do Princípio de Indução e da Boa Ordenação na construção de mais resultados e aprofundamento das

questões mais relevantes do conjunto dos naturais, como por exemplo, a decomposição única dos números

em um produto de fatores primos.

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2. Os Números Naturais

Quando se trata de Aritmética Elementar, é de se esperar que o conjunto dos números naturais, bem

como suas propriedades, seja a primeira coisa que nos ocorra à mente. Embora constitua um modelo

matemático bastante simples, nascido de uma necessidade básica do homem de contar objetos, são

diversos os mistérios que estes números encerram; tais mistérios têm fascinado uma legião de

matemáticos ao longo de gerações, contribuindo para o desenvolvimento de uma área da Matemática

conhecida como Teoria dos Números.

Comparar conjuntos de objetos com os números desse conjunto numérico é o processo que torna

mais precisa a noção de quantidade; esse processo (a contagem) pressupõe, portanto, o conhecimento

da sequência numérica. Sabemos que os números naturais são:

1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, …

Essa descrição não é completa, pois só explicitamos alguns elementos, guardando o restante em

nossa imaginação. Além disso, sabemos que essa sequência nunca termina, ou seja, os números naturais

são em quantidade infinita.

O objetivo aqui será iniciar um estudo dos números naturais do ponto de vista axiomático, isto é,

admitiremos como premissa a existência de um conjunto de infinitos elementos, ao qual denotaremos por

ℕ, sobre o qual iremos enunciar alguns (poucos) fatos, tomados como verdade. A partir daí todas as outras

propriedades podem ser derivadas e demonstradas, como implicações lógicas. O ponto de partida será a

exposição e apreciação do significado dos Axiomas de Peano.

2.1 Axiomas de Peano

Deve-se ao matemático italiano Giuseppe Peano (1858 - 1932) a fecunda ideia de desenvolver toda

a teoria dos números naturais a partir de quatro fatos básicos, abaixo enunciados:

I) Todo número natural possui um sucessor, que ainda é um número natural;

II) Números naturais diferentes possuem sucessores diferentes;

III) Existe um único número natural, 1, que não é sucessor de nenhum outro;

IV) Se um conjunto de números naturais contém o 1 e contém também o sucessor de cada um de seus

elementos, então esse conjunto contém todos os números naturais.

Se pensarmos em uma função “sucessora” s: ℕ → ℕ, que associa a cada elemento do conjunto ℕ um

novo elemento do conjunto ℕ, podemos reformular tais fatos da seguinte forma:

I') A função s: ℕ → ℕ é injetiva. A imagem s(n) de cada número natural n ∈ ℕ chama-se o sucessor de

n;

II') Existe um único número natural, 1, ∈ ℕ tal que 1 ≠ s(n), ∀n ∈ ℕ;

III') Se um conjunto X ⊂ ℕ é tal que 1 ∈ X e s(X) ⊂ X (isto é, n ∈ X ⟹ s(n) ∈ X), então X = ℕ.

Por sua vez, o sucessor de 1 chama-se "dois", o sucessor de 2 chama-se "três", etc. Nossa civilização

progrediu ao ponto em que temos um sistema de numeração, o qual nos permite representar, mediante o

uso apropriado dos símbolos 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9, todos os números naturais. Ademais,

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nossa linguagem também fornece nomes para os primeiros termos da sequência dos números naturais.

(números muito grandes não têm nomes específicos, ao contrário dos menores, como "dois mil e dezoito").

O Axioma III’), conhecido como Princípio de Indução Matemática, requer especial atenção, pois se

trata de uma poderosa ferramenta para demonstração de vários teoremas envolvendo números naturais.

Intuitivamente, ele nos diz que todo número natural n pode ser obtido a partir de 1 tomando o seu

sucessor, s(1), o sucessor deste, s(s(1)), e assim sucessivamente. Essencialmente, ele significa que: se uma

propriedade P é válida para o número 1 e, se supondo P válida para o número n, daí resultar que P é válida

também para seu sucessor s(n), então P é válida para todos os números naturais.

Como um primeiro exemplo de demonstração utilizando o Princípio de Indução, provemos que, ∀n

∈ ℕ, tem-se s(n) ≠ n. A afirmação é verdadeira para n = 1, pois, pelo Axioma II’), tem-se 1≠ s(n), ∀n ∈ ℕ;

logo, em particular, 1 ≠ s(1). Supondo-a verdadeira para um certo n ∈ ℕ, vale que n ≠ s(n). Como a função s

é injetiva, resulta que s(n) ≠ s(s(n)), ou seja, a afirmação é verdadeira para s(n). Desse modo, provou-se que

∀n ∈ ℕ, s(n) ≠ n.

O Princípio de Indução serve também para definir funções f: ℕ → Y, que possuem como domínio

todo o conjunto dos números naturais. Em geral, para se definir uma função f: X → Y, exige-se que seja dada

uma regra bem determinada, a qual mostre como se deve associar a cada elemento x ∈ X um único

elemento y = f(x) ∈ Y. Porém, no caso em que o domínio da função é o conjunto ℕ, a fim de definir uma

função f : ℕ → Y, não é necessário dizer, de uma só vez, qual é a regra que nos dá o valor f(n) para

todo n ∈ ℕ. Basta que se tenha conhecimento dos seguintes dados: (1) o valor f(1); (2) uma regra que

permita calcular f (s(n)) quando se conhece f (n). Esses dois dados permitem que se conheça f (n) para todo

número natural n (diz-se então que a função f foi definida por recorrência). Com efeito, se chamarmos

de X o conjunto dos números naturais n para os quais se pode determinar f (n), o dado (1) acima diz que

1 ∈ X, e o dado (2) assegura que n ∈ X ⟹ s(n) ∈ X. Logo, pelo axioma de indução, tem-se que X = ℕ.

2.2 Adição e Multiplicação

Munidos do conhecimento dos axiomas de Peano e algumas de suas consequências, passemos agora

à tarefa de introduzir operações entre os elementos de ℕ, começando pela adição e multiplicação. As

operações básicas de números naturais são ditas operações binárias (iremos denotar uma operação binária

pelo símbolo “⋆”), uma vez que associam a cada dois elementos (a,b) ∈ ℕ x ℕ, o elemento a ⋆ b ∈ ℕ. As

operações de adição e multiplicação são exemplos de funções que podem ser definidas por recorrência.

A adição associa a cada par de números (m,n) sua soma, m + n, e a multiplicação faz corresponder

ao par (m,n) seu produto, m ⋅ n (ou simplesmente mn). Essas duas operações fundamentais são

caracterizadas pelas seguintes igualdades, que lhes servem de definição:

I) m + 1 = s(m);

II) m + s(n) = s(m + n), isto é, m + (n + 1) = (m + n) + 1;

III) m ⋅ 1 = m;

IV) m ⋅ (n + 1) = m ⋅ n + m.

Em palavras, somar 1 a m significa tomar o sucessor de m. E, se já conhecemos a soma m + n,

conheceremos também m + (n + 1), que é o sucessor de m + n. Quanto à multiplicação: multiplicar por 1

não altera o número ‒ o 1 é chamado de elemento neutro da multiplicação. E, se conhecermos o produto m

⋅ n, conheceremos também m ⋅ (n + 1) = m ⋅ n + m.

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É importante ressaltar que a demonstração da existência e unicidade das operações + e ⋅ para todos

os números naturais, com as propriedades de I) a IV) acima, é feita por indução, usando como hipótese de

indução as próprias definições de I) a IV) (1) . O Axioma de Indução, como já mencionado, é usado para

demonstrar uma infinidade de propriedades referentes aos números naturais. Entre elas, destacam-se as

seguintes, válidas para quaisquer m, n, p ∈ ℕ:

Associatividade) (m + n) + p = m + (n + p) , (m ⋅ n) ⋅ p = m ⋅ (n ⋅ p);

Comutatividade) m + n = n + m , m ⋅ n = n ⋅ m;

Distributividade) m ⋅ (n + p) = m ⋅ n + m ⋅ p;

Lei do Corte) n + m = p + m ⟹ n = p , n ⋅ m = p ⋅ m ⟹ n = p.

Como exemplo, demonstraremos a Lei do Corte para a adição. Para isso, usaremos indução sobre

m. Ela vale para m = 1, pois n + 1 = p + 1 significa s(n) = s(p), logo n = p pela injetividade da função s.

Admitindo-a válida para m, suponhamos que n + m + 1 = p + m + 1. Então, novamente pela injetividade de

s, tem-se n + m = p + m, donde, pela hipótese de indução, resulta n = p.

2.3 Relações de Ordem em ℕ

A operação de adição nos permite estabelecer uma relação de ordem entre os elementos do

conjunto ℕ. Dados os números naturais m, n, diremos que m é menor do que n, e escreveremos m < n, para

significar que existe um número p ∈ ℕ tal que n = m + p. Diz-se também que n é maior do que m, e escreve-

se n > m; as duas relações são equivalentes. A notação m ≤ n significa que m < n ou m = n. Por definição,

tem-se portanto que m < m + p para quaisquer m, p ∈ ℕ. Em particular, m < m + 1. Segue-se também da

definição que 1 < n para todo número natural n ≠ 1. Com efeito, pelo Axioma III’) da seção

1.1, n ≠ 1 implica que n é sucessor de algum número natural m, ou seja, n = m + 1 = 1 + m, logo n > 1. Assim,

1 é o menor dos números naturais.

A seguir são listadas e demonstradas as principais relações de ordem em ℕ.

⋄ Teorema 2.3.1 (Transitividade): Sejam m, n ∈ ℕ, com m < n e n < p. Então m < p.

Demonstração: Se m < n e n < p, então ∃ k, r ∈ ℕ tais que n = m + k, p = n + r. Logo, p = (m + k) + r = m

+ (k + r) e, portanto, m < p. ∎

Dois números naturais m, n são ditos comparáveis quando se tem m = n, m < n ou n < m.

⋄ Teorema 2.3.2 (Comparabilidade): Todo número natural n é comparável com qualquer número

natural m.

Demonstração: Isto se prova por indução. O número 1 é comparável com qualquer outro número

natural pois já sabemos que 1 < m para todo m ≠ 1. Suponhamos agora que o número n seja comparável

com todos os números naturais. Mostremos, a partir daí, que n + 1 também tem essa

propriedade. Com efeito, seja m ∈ ℕ tomado arbitrariamente. Sabemos que se tem m < n, m =

n ou n < m. Examinemos cada uma dessas possibilidades:

i. Se m < n, então m < n + 1 por transitividade, pois sabemos que n < n + 1;

1 (1) Consultar cap. 1 da obra de Hefez e cap. 2 da obra de Lima, referências [2] e [4] deste texto.

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ii. Se m = n, então m < n + 1; e

iii. Se n < m, então m = n + p, p ∈ ℕ. Neste caso, há duas possibilidades: ou se tem p = 1, donde m

= n + 1; ou então p > 1, logo p = 1 + p', p’ ∈ ℕ, e daí m = (n + 1) + p', e concluímos que n + 1

< m.

Para qualquer hipótese, vemos que n + 1 é comparável com qualquer número natural m. Por

indução, fica provada a comparabilidade de quaisquer números naturais m, n. ∎

⋄ Teorema 2.3.3 (Tricotomia): Dados os números naturais m, n, somente uma das possibilidades é

verdadeira: m < n, m = n, n < m.

Demonstração: Se tivéssemos m < n e m = n, então seria m = m + p, p ∈ ℕ, donde m + 1 = m + p + 1 e,

cortando m, concluiríamos que 1 = p + 1. Um absurdo, pois 1 não é sucessor de p. Portanto m < n (e

analogamente, n < m) é incompatível com m = n.

Do mesmo modo, se tivéssemos m < n e n < m, então teríamos n = m + p, p ∈ ℕ, e m = n + k, k ∈

ℕ, donde resultaria n = n + k + p. Logo n + 1 = n + k + p + 1 e, cortando n, concluiríamos que 1 = k + p + 1, um

absurdo. ∎

⋄ Teorema 2.3.4: Para qualquer n ∈ ℕ, não existe p ∈ ℕ tal que n < p < n + 1.

Demonstração: Suponhamos, por absurdo, que um tal p ∈ ℕ exista. Assim, teremos p = n + q e n + 1

= p + r, com q e r ∈ ℕ. Daí resulta que p + 1 = n + 1 + q = p + r + q e, cortando p, temos 1 = r + q. Isso é um

absurdo, pois, pela definição de adição, a soma de dois números naturais é sempre o sucessor de algum

número, logo não pode ser o 1, já que 1 ≠ s(n), ∀n ∈ ℕ. ∎

⋄ Teorema 2.3.5 (Monotonicidade): Se m < n, então m + p < n + p e mp < np, ∀p ∈ ℕ.

Demonstração: Temos que m < n ⟹ n = m + k, k ∈ ℕ, ⟹ n + p = (m + k) + p, p ∈ ℕ, ⟹ m + p < n + p.

Analogamente, m < n ⟹ n = m + k, k ∈ ℕ, ⟹ np = mp + kp, p ∈ ℕ, ⟹ np > mp. ∎

A recíproca da monotonicidade é a Lei do Corte para desigualdades, m + p < n + p ⟹ m < n e mp <

np ⟹ m < n, e pode ser facilmente verificada usando a tricotomia.

Finalizaremos esta seção com a apresentação e a prova do chamado Princípio da Boa Ordem, de

especial importância para o trabalho com conjuntos de ℕ.

⋄ Teorema 2.3.6 (Princípio da Boa Ordem): Todo subconjunto não-vazio A ⊂ ℕ possui um menor

elemento, isto é, um elemento n0 ∈ A tal que n0 ≤ n, ∀n ∈ A.

Demonstração: Primeiramente, para cada número n ∈ ℕ, definiremos o conjunto In como sendo o

conjunto dos números naturais menores do que ou iguais a n, isto é, In = {k ∈ ℕ; k ≤ n}. Se 1 ∈ A, então 1

será o menor elemento de A. Entretanto, se 1 ∉ A, então consideremos o conjunto X dos números naturais

n tais que In ⊂ ℕ - A. Como I1 = {1} ⊂ ℕ - A, vemos que 1 ∈ X. Por outro lado, como A ≠ ∅, concluímos que X

≠ ℕ. Logo, a conclusão do Axioma III’) de Peano não é válida aqui. Assim, deve existir n ∈ X tal que n + 1 ∉

X. Então, In = {1, 2, 3, ..., n} ⊂ ℕ - A, mas n0 = n + 1 ∈ A. Portanto, n0 é o menor elemento do conjunto A, pois

não existe número natural entre n e n + 1. ∎

2.4 Subtração

Conhecidas as relações de ordem nos naturais, passemos agora à operação de subtração. Dados dois

números naturais a e b, com a ≤ b, sabemos que existe um número natural c tal que b = a + c. Neste caso,

definimos o número b menos a, denotando-o por b – a, como sendo o número c:

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b – a = c

Portanto, por definição:

c = b – a ⇔ b = a + c

Em ℕ, a subtração de dois números, b – a só existe quando a < b. Vejamos um exemplo de duas

subtrações realizadas em ℕ:

(9 – 6) – 2 = 1 ; 9 – (6 – 2) = 5

Esse exemplo nos mostra que a subtração não obedece à propriedade associativa.

⋄ Teorema 2.4.1: Sejam a, b, c ∈ ℕ. Se a ≤ b, então c ⋅ (b – a) = c ⋅ b – c ⋅ a.

Demonstração: Note que, se b ≥ a, então c ⋅ b ≥ c ⋅ a, o que nos diz que c ⋅ b – c ⋅ a está bem definido.

Suponha agora que b – a = d, d ∈ ℕ. Logo, b = a + d. Multiplicando por c ambos os membros dessa última

igualdade, obtemos c ⋅ b = c ⋅ (a + d) = c ⋅ a + c ⋅ d, o que implica c ⋅ d = c ⋅ b – c ⋅ a. Substituindo d por b – a

nessa última igualdade, vem: c ⋅ (b – a) = c ⋅ b – c ⋅ a. ∎

Omitiremos aqui as operações de divisão e potenciação, pois será mais cômodo a introdução desses

conceitos uma vez que estendermos nossa visão até os números inteiros (com a adição do número “0”, por

exemplo), e nosso foco neste texto são apenas os números naturais.

2.5 Segunda Forma do Princípio de Indução

Apresentamos neste tópico uma generalização do Princípio de Indução, que será aplicado na

demonstração do Teorema Fundamental da Aritmética, mais adiante.

⋄ Teorema 2.5.1 (Segunda Forma do Princípio de Indução): Seja 𝑋 ⊂ ℕ um conjunto com a

seguinte propriedade: dado n ∈ ℕ, se X contém todos os números naturais m tais que m < n, então n ∈ 𝑋.

Nestas condições, X = ℕ.

Demonstração: Seja Y = ℕ − X. Afirmamos que Y = ∅. De fato, se Y não fosse vazio, existiria um

elemento mínimo 𝑝 ∈ Y. Então, para todo número natural 𝑚 < 𝑝, seria 𝑚 ∈ X. Mas, pela hipótese feita

sobre X, teríamos 𝑝 ∈ X, o que é uma contradição. ∎

Passemos agora ao Teorema Fundamental da Aritmética. Para isso, precisamos saber o que é um

número primo.

Um número natural p é dito primo quando 𝑝 ≠ 1 e não se pode escrever 𝑝 = 𝑚 ⋅ 𝑛, com 𝑚 < 𝑝 e 𝑛 <

𝑝, simultaneamente. Nessas condições, segue-se o teorema:

⋄ Teorema 2.5.2 (Teorema Fundamental da Aritmética): Todo número natural se decompõe, de

modo único, como produto de fatores primos.

Demonstração: Omitiremos a unicidade porque estamos interessados em utilizar o Segundo

Princípio de Indução para provar a decomposição. Com efeito, dado 𝑛 ∈ ℕ, suponhamos que todo número

natural menor do que n possa ser decomposto como produto de fatores primos. Então, ou n é primo (e

neste caso n é, de modo trivial, um produto de fatores primos), ou então 𝑛 = 𝑚 ⋅ 𝑘 com 𝑚 < 𝑛 e 𝑘 < 𝑛. Por

hipótese de indução, m e k são produtos de fatores primos. Segue-se que n também o é. Pelo Segundo

Princípio de Indução, concluímos, então, que todo número natural n é produto de números primos. ∎

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3. Cardinalidade de Conjuntos

De posse das noções mais gerais sobre números naturais, faremos agora uma breve discussão sobre

cardinalidade de conjuntos, assunto de grande interesse não só do ponto de vista da Teoria dos Números

(que lança mão do conjunto ℕ para compreendê-lo), mas da matemática em geral, com especial destaque

para a Análise.

Existem diferentes tipos de conjuntos e suas denominações dizem respeito à quantidade de

elementos que estes podem agrupar. Nos atentamos aqui à explanação do que vêm a ser conjuntos finitos,

infinitos e enumeráveis (ou não).

3.1 Conjuntos Finitos

Continuaremos usando a notação In = {k ∈ ℕ; k ≤ n}. Um conjunto X diz-se finito quando é o conjunto

vazio, ou então quando existe n ∈ ℕ e uma bijeção f: In → X. Escrevendo x1 = f(1), x2 = f(2), ..., xn = f(n), temos

então X = {x1, x2, . . . , xn}. Essa bijeção é dita uma contagem dos elementos de X, e o número n chama-se o

número de elementos ou cardinalidade do conjunto X. Exploremos algumas propriedades sobre esses

conceitos:

⋄ Lema 3.1.1: Se existe uma bijeção f: X → Y, então, dados a ∈ X e b ∈ Y, existe também uma bijeção g:

X → Y tal que g(a) = b.

Demonstração: Seja b’ = f(a). Como f é sobrejetiva, existe a’ ∈ X tal que f(a’) = b. Definamos g: X → Y

colocando g(a) = (b), g(a’) = b’ e g(x) = f(x), caso x ∈ X e x ≠ a e x ≠ a’. É fácil ver que g é uma bijeção. ∎

⋄ Teorema 3.1.2: Se A ⊊ In (A é um subconjunto próprio de In), então não pode existir uma bijeção f:

A → In.

Demonstração: Suponha por absurdo que a afirmação seja falsa, e considere n0 ∈ ℕ o menor número

natural para o qual existe um subconjunto próprio A ⊊ In0 e uma bijeção f: A → In0. Se n0 ∈ A, então, pelo

Lema 3.1.1, existe uma bijeção g: A → In0 com g(n0) = n0. Neste caso, a restrição de de g a A – {n0} é uma

bijeção do subconjunto próprio A – {n0} sobre In0 – 1, o que contraria a minimalidade de n0. Do contrário, se

tivermos n0 ∉ A, então tomemos a ∈ A com f(a) = n0 e a restrição de f ao subconjunto próprio A – {a} ⊊ In0 –

1 será uma bijeção sobre In0 – 1 , o que novamente vai contrariar a minimalidade de n0. ∎

⋄ Corolário 3.1.3: Se f: Im → X e g: In → X são bijeções, então m = n.

Demonstração: De fato, se fosse m < n, então Im seria um subconjunto próprio de In, o que violaria o

Teorema 3.1.2, pois g-1 ∘ f: Im → In é uma bijeção. De modo análogo, se mostra que não é possível n < m.

Logo, m = n. ∎

⋄ Corolário 3.1.4: Seja X um conjunto finito. Uma aplicação f: X → X é injetiva se, e somente se, é

sobrejetiva.

Demonstração: Com efeito, existe uma bijeção φ: In → X, já que este é finito. A aplicação f: X → X, é

injetiva ou sobrejetiva se, e somente, φ-1 ∘ f ∘ φ: In → In o é. Logo, podemos considerar simplesmente f: In →

In. Se for f for injetiva, então pondo A = f(In), teremos uma bijeção f -1: A → In. Pelo Teorema 3.1.2, A = In e f

é sobrejetiva. Reciprocamente, se f for sobrejetiva, formemos um conjunto A ⊂ In escolhendo, para cada y

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∈ In, um elemento x ∈ In tal que f(x) = y. Então a restrição f: A → In é uma bijeção. Pelo Teorema 3.1.2, temos

A = In. Isso significa que, para cada y ∈ In, é único o x tal que f(x) = y; logo f é injetiva. ∎

⋄ Corolário 3.1.5: Não pode existir uma bijeção entre um conjunto finito e uma sua parte própria.

Demonstração: Trata-se de uma mera reformulação do Teorema 3.1.2. □

⋄ Teorema 3.1.6: Todo subconjunto de um conjunto finito é finito.

Demonstração: Provaremos inicialmente o caso particular: se X é finito e a ∈ X, então X – {a} é finito.

Com efeito, existe uma bijeção f: In → X, a qual, pelo Lema 2.1.1, podemos supor que cumpre f(n) = a. Se n =

1, então X – {a} = ∅ é finito. Se n > 1, a restrição de f a In – 1 é uma bijeção sobre X – {a}, logo X – {a} é finito

e possui n – 1 elementos. O caso geral se prova por indução sobre o número n de elementos de X. Ele é

evidente quando X = ∅ ou n = 1. Supondo o teorema verdadeiro para conjuntos com n elementos, seja X

um conjunto com n + 1 elementos e Y um subconjunto de X. Se Y = X, nada há a se provar. Do contrário,

existe a ∈ X com a ∉ Y. Então, na realidade, Y ⊂ X – {a}. Como X – {a} tem n elementos, segue-se que Y é

finito. ∎

⋄ Corolário 3.1.7: Dada f: X → Y, se Y é finito e f é injetiva, então X é finito; se X é finito e f é sobrejetiva,

então Y é finito.

Demonstração: Com efeito, se f é injetiva, então ela é uma bijeção de X sobre um subconjunto f(X)

do conjunto finito Y. Por outro lado, se f é sobrejetiva e X é finito, então para cada y ∈ Y, podemos escolher

um x = g(y) ∈ X tal que f(x) = y. Isso define uma aplicação g: Y → X tal que f(g(y)) = y, para todo y ∈ Y. Segue-

se que g é injetiva, logo, pelo que acabamos de provar, Y é finito. ∎

Um subconjunto X ⊂ ℕ recebe o nome de limitado quando existe p ∈ ℕ tal que x ≤ p, ∀x ∈ X.

⋄ Corolário 3.1.8: Um subconjunto X ⊂ ℕ é finito se, e somente se, é limitado.

Demonstração: Com efeito, se X = {x1, . . . , xn} ⊂ ℕ é finito, então, colocando p = x1 + . . . + xn, vemos

que x ∈ X ⟹ x ≤ p, logo X é limitado. Reciprocamente, se X ⊂ ℕ é limitado, então X ⊂ Ip, para algum p ∈ ℕ,

segue-se pois do Teorema 3.1.6 que X é finito. ∎

3.2 Conjuntos Infinitos

Dizemos que um conjunto é infinito quando este não é finito. Assim, X é infinito quando não é vazio

nem existe, seja qual for n ∈ ℕ, uma bijeção f: In → X. Por exemplo, o conjunto ℕ dos números naturais é

infinito em virtude do Corolário 3.1.8.

⋄ Teorema 3.2.1: Se X é um conjunto infinito, então existe uma função injetiva f: ℕ → X.

Demonstração: Para cada subconjunto não-vazio A ⊂ X, escolhemos um elemento xA ∈ A. Em seguida,

definimos f: ℕ → X indutivamente. Pomos f(1) = xX e, supondo já definimos f(1), . . . , f(n), escrevemos An = X

– { f(1), . . . , f(n)}. Como X é infinito, An não é vazio. Definimos então f(n + 1) = xAn. Isto completa a definição

de f. Para provar que f é injetiva, sejam m, n ∈ ℕ, com m < n. Então f(m) ∈ { f(1), . . . , f(n - 1)}, enquanto f(n)

∈ X – {f{1}, . . . , f(n -1)}. Logo f(m) ≠ f(n). ∎

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⋄ Corolário 3.2.2: Um conjunto X é infinito se, e somente se, existe uma bijeção φ: X → Y sobre um

subconjunto próprio Y ⊊ X.

Demonstração: Com efeito, seja X infinito e f: ℕ → X uma aplicação injetiva. Escrevemos, para cada

n ∈ ℕ, f(n) = xn. Consideremos o subconjunto próprio Y = X – {x1}. Definamos a bijeção φ: X → Y colocando

φ(x) = x, se x não é um dos xn, e φ(xn) = xn+1 (n ∈ ℕ). Reciprocamente, se existe uma bijeção de X sobre um

subconjunto próprio seu, então X é infinito em virtude do Corolário 3.1.5. ∎

Por exemplo, se ℕ1 = ℕ − {1}, então 𝜑(𝑛) = 𝑛 + 1, é uma bijeção de ℕ sobre seu subconjunto ℕ1 =

{2, 3, … }. Mais geralmente, fixando 𝑝 ∈ ℕ, podemos considerar ℕ𝑝 = {𝑝 + 1, 𝑝 + 2, … } e definir a bijeção

𝜑: ℕ → ℕ𝑝, 𝜑(𝑛) = 𝑛 + 𝑝. Fenômenos desse tipo já tinham sido observados por Galileu, que foi o primeiro

a notar que “há tantos números pares quantos números naturais”, mostrando que se 𝑃 = {2, 4, 6, … } é o

conjunto dos números pares, então 𝜑: ℕ → 𝑃, dada por 𝜑(𝑛) = 2𝑛, é uma bijeção.

3.3 Conjuntos Enumeráveis

Um conjunto X é dito enumerável quando é finito ou quando existe uma bijeção 𝑓: ℕ → X. Nesse caso,

f chama-se uma enumeração dos elementos de X.

⋄ Teorema 3.3.1: Todo subconjunto 𝑋 ⊂ ℕ é enumerável.

Demonstração: Se X é finito, nada há de se demonstrar. Caso contrário, enumeramos os elementos

de X colocando 𝑥1 = menor elemento de X e, supondo definidos 𝑥1 < 𝑥2 < ⋯ < 𝑥𝑛, escrevemos 𝐴𝑛 = X −

{𝑥1, … , 𝑥𝑛}. Observando que 𝐴𝑛 ≠ ∅, pois X é infinito, definimos 𝑥𝑛+1 = menor elemento de 𝐴𝑛. Então X =

{𝑥1, 𝑥2, … , 𝑥𝑛, … }. Com efeito, se existisse algum elemento 𝑥 ∈ X, diferente de todos os 𝑥𝑛, teríamos 𝑥 ∈ 𝐴𝑛,

∀𝑛 ∈ ℕ, logo x seria um número natural maior do que todos os elementos do conjunto infinito

{𝑥1, 𝑥2, … , 𝑥𝑛, … }, o que contraria o Corolário 3.1.8. ∎

⋄ Corolário 3.3.2: Seja 𝑓: 𝑋 → 𝑌 injetiva. Se Y é enumerável, então X também é. Em particular, todo

subconjunto de um conjunto enumerável é enumerável.

Demonstração: De fato, basta considerar o caso em que existe uma bijeção 𝜑: Y → ℕ. Então, 𝜑 ∘

𝑓: X → ℕ é uma bijeção de X sobre um subconjunto de ℕ, que, pelo Teorema 3.3.1, é enumerável. No caso

particular de X ⊂ Y, tomamos 𝑓: X → Y como sendo a aplicação de inclusão. ∎

⋄ Corolário 3.3.3: Seja 𝑓: 𝑋 → 𝑌 sobrejetiva. Se X é enumerável, então Y também é.

Demonstração: Com efeito, para cada y ∈Y, podemos escolher um 𝑥 = 𝑔(𝑦) ∈ X tal que 𝑓(𝑥) = 𝑦.

Isso define uma aplicação 𝑔: Y → X tal que 𝑓(𝑔(𝑦)) = 𝑦, ∀𝑦 ∈ Y. Segue daí que g é injetiva. Logo, pelo

Corolário 3.3.2, Y é enumerável. ∎

⋄ Corolário 3.3.4: O produto cartesiano de dois conjuntos enumeráveis é um conjunto enumerável.

Demonstração: Com efeito, se X e Y são enumeráveis, então existem sobrejeções 𝑓: ℕ → 𝑋 e 𝑔: ℕ →

𝑌, logo 𝜑: ℕ × ℕ → X × Y, dada por 𝜑(𝑚, 𝑛) = (𝑓(𝑚), 𝑔(𝑛)), é sobrejetiva. Portanto, basta provar que ℕ ×

ℕ é enumerável. Para isso, consideremos a aplicação 𝜓: ℕ × ℕ → ℕ dada por 𝜓(𝑚, 𝑛) = 2𝑚 ⋅ 3𝑛. Pela

unicidade da decomposição de um número em fatores primos, decorrente do Teorema Fundamental da

Aritmética, temos que 𝜓 é injetiva. Segue-se daí que ℕ × ℕ é enumerável. ∎

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⋄ Corolário 3.3.5: A reunião de uma família enumerável de conjuntos enumeráveis é enumerável.

Demonstração: Dados X1, X2, . . . , Xn, . . . enumeráveis, existem sobrejeções 𝑓1: ℕ → X1, 𝑓2: ℕ → X2, . . .,

𝑓𝑛: ℕ → X𝑛, . . . . Tomando X = ⋃ X𝑛∞𝑛=1 , definimos a sobrejeção 𝑓: ℕ × ℕ → X pondo 𝑓(𝑚, 𝑛) = 𝑓𝑛(𝑚). O caso

de uma reunião finita X = X1 ∪ … ∪ X𝑛 reduz-se ao anterior porque então X1 ∪ … ∪ X𝑛 ∪ X𝑛 ∪ … . ∎

3.4 Exemplos

Vejamos exemplos do último tópico estudado: enumerabilidade de conjuntos.

1) O conjunto ℤ = {⋯ , −2, −1, 0, +1, +2} dos números inteiros é enumerável. De fato, uma bijeção

𝑓: ℕ → ℤ pode ser definida colocando 𝑓(𝑛) = (𝑛 − 1)/2, se n é ímpar, e 𝑓(𝑛) = −𝑛/2 se n é par.

2) O conjunto ℚ = {𝑚

𝑛; 𝑚, 𝑛 ∈ ℤ, 𝑛 ≠ 0} dos números racionais é enumerável. Com efeito,

escrevendo ℤ∗ = ℤ − {0}, podemos definir uma função sobrejetiva 𝑓: ℤ × ℤ∗ → ℚ colocando

𝑓(𝑚, 𝑛) = 𝑚/𝑛.

3) Seja S o conjunto de todas as sequências infinitas, como por exemplo 𝑠 = (01100010 … ),

formada pelos números 0 e 1. Em outras palavras, S é o conjunto de todas as funções 𝑠: ℕ →

{0, 1}. Para cada 𝑛 ∈ ℕ, o valor 𝑠(𝑛), igual a 0 ou 1, é o n-ésimo termo da sequência s. Afirmamos

que nenhum subconjunto enumerável X = {𝑠1, 𝑠2, … , 𝑠𝑛, … } ⊂ S é igual a S. De fato, dado X,

indiquemos com 𝑠𝑛𝑚 o n-ésimo termo da sequência (𝑠𝑚) ∈ X. Formemos uma nova sequência

𝑠∗ ∈ 𝑆 tomando o n-ésimo termo de 𝑠∗ como sendo 0, se 𝑠𝑛𝑛 = 1, ou como sendo 1, 𝑠𝑛𝑛 = 0. A

sequência 𝑠∗ não pertence ao conjunto X porque seu n-ésimo termo é diferente do n-ésimo

termo de (𝑠𝑛). Dessa forma, vemos que o conjunto S é não-enumerável.

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4. Referências Bibliográficas

[1] LIMA, E. L. Análise Real – Volume 1. Décima Primeira Edição. Coleção ‘Matemática Universitária’,

Editora do IMPA: 2012

[2] LIMA, E. L. Curso de Análise – Volume 1. Décima Quarta Edição. Coleção ‘Projeto Euclides’, Editora

do IMPA: 2013

[3] HEFEZ, A. Programa de Iniciação Científica da OBMEP: Iniciação à Aritmética. Editora do IMPA:

2009

[4] HEFEZ, A. Elementos de Aritmética. Coleção ‘Textos Universitários’, Sociedade Brasileira de

Matemática: 2005

[5] DOMINGUES, H. H. Fundamentos de Aritmética. Atual Editora Ltda., São Paulo: 1998

[6] FOMIN, D., ITENBERG, L., GENKIN, S. Círculos Matemáticos: A Experiência Russa. Primeira Edição.

Editora do IMPA: 2010