bachrach, a. j. (1975). introdução à pesquisa psicológica.pdf

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a. j. bachrach Introdução à i;i ■. ï m e.p.u editora pedagdgica e universitária ltda. 1 ^ l l 1

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  • a. j. bachrach

    In trodu o

    i ; i . me.p.ueditora pedagdgica e universitria ltda.

    1 ^ l l 1

  • Pesquisa no estatstica. Muitos estudantes assustam-se e se afastam da agradvel realizao da pesquisa porque a igualam s complicadas manipulaes estatsticas. A estatstica , apenas, um instrumento de pesquisa, necessrio para a elucidao de alguns dados cientficos.A motivao para a pesquisa reside na curiosidade, pois, como diz Pauling: A satisfao da prpria curiosidade uma das maiores fontes de felicidade na vida .Na presente obra o Autor analisa, de modo claro e sucinto, os mtodos fundamentais da pesquisa, as caractersticas e os objetivos da cincia, dados, hipteses e definies, os problemas de clareza e certeza, os trabalhos de laboratrios etc.Tratando-se de uma introduo, o Autor no pretendeu abarcar todas as partes da cincia e do mtodo cientfico. No obstante, a presente obra de grande valor para todos os estudantes, professores e pesquisadores, que procuram melhor conduzir suas pesquisas segundo as orientaes e temas preferidos.

    6006

  • INTRODUO PESQUISA

    PSICOLGICA

  • FICHA CATALOGRFICA

    [Preparada pelo Centro de Catalogao-na-fonte, Cmara Brasileira do Livro, SP]

    Bachrach, Arthur J.B 12i Introduo pesquisa psicolgica | traduo

    brasileira de Geraldina Porto Witter| So Paulo, E.P.U., 4^ Reimpresso, 1975

    XV, 107 p. (Cincias do Comportam ento).Bibliografia.

    1. Pesquisa psicolgica I . Srie.

    73-0580 C D D -150.72

    ndices para o catlogo sistemtico:

    1. Pesquisa: Psicologia 150.722. Psicologia: Pesquisa 150.72

  • A r t h u r J . B a c h r a c h

    Departamento de Psicologia da Universidade do Arizona

    INTRODUO PESQUISA

    PSICOLGICA

    Traduo de Geraldina Porto Witter

    5.a Reimpresso

    E.P.U. Editora Pedaggica e Universitria Ltda.So Paulo

  • Traduo brasileira da segunda edio original americana: Psychological Research, An Introduction, de Arthur J. B a c h r a c h , publicado em 1965 por Random House New York.

    Editora Herder, So Paulo, 1969(C) 3? Reimpresso, E.P.U. Editora Pedaggica e Universitria Ltda., 1974. Todos os direitos reservados. Interdito qualquer tipo de reproduo, mesmo de partes deste livro, sem a permisso, por escrito, dos editores. Aos infratores se aplicam as sanes previstas na Lei (artigos 122-130 da Lei 5.988, de 14 de dezembro de 1973).E.P.U. Praa Dom Jos Gaspar, 106 39 andar Caixa Postal 7509 01.000 So Paulo, Brasil.Impresso no Brasil Printed in Brazil

  • DEDICATRIA

    A tradio manda esperar at o meio da tourada para dedicar o touro a algum na platia. Saber-se- assim se o touro suficientemente bravo para ser ou no oferecido. Infelizmente, no possvel fazer isto com um livro, e, desta forma, tomo este livro pelos chifres e o dedico a tais estimados amigos e colegas que me ensinaram a pesquisar:

    M urray S i d m a n , Joe l G r e e n s p o o ne Frank B a n g h a r t

    VII

  • NDICE

    Prefcio da Segunda Edio

    Prefcio da Primeira Edio XIII

    XI

    I . Introduo 1Curiosidade, acidente e descoberta, 1 O cuidadoso casual, 5 Um caso de serendipity, 8 Idias pr-concebidas: miopia de hiptese, 14.

    II. Caractersticas e Objetivos da Cincia 19

    Algumas caractersticas importantes da cincia, 19 Os objetivos da cincia, 21 Observao e experimento, 22 Raciocnio a partir de experimento: a busca de ordem e lei, 27 Predio a partir da observao e do experimento, 29 Mensura- o em cincia, 32.

    III. Dois Mtodos Fundamentais da Pesquisa: Terico Formal e Terico In fo rm al 39

    Dados, hiptese, teoria e lei: o mtodo terico formal, 39.Dados, micro-hipteses, ordem e lei: mtodo terico informal, 45.

    IV. O Problema da D efinio....................................... ........ 51

    Trs nveis da definio, 52 O problema da clareza, 53 Uma tentativa de clareza e certeza, 55 Conceitos inferidos e inventados, 60.

    V. O Laboratrio e o Mundo Real : Pesquisa com Animais e Seres Humanos 63

    Mas por que animais? 65 O erro analgico, 68.

    VI. Consideraes ticas na Pesquisa...................................... 73

    IX

  • Preocupao do pblico com a pesquisa, 73 Consideraes ticas na pesquisa com animais, 75 Consideraes ticas na pesquisa com seres humanos, 76. Consentimento, confidncia e procedimento aceitvel ou padro, 78.

    VII. O Cientista e a Ordem Social ......................................... 83

    A comunicao do cientista com o pblico, 84 A comunicao do cientista com outros cientistas, 88 Cincia e a ordem social, 93.

    Bibliografia ...................... 97

    Sugestes para outras leituras ....................................................... 101

    ndice de autores e assuntos........................................................... 103

  • Prefcio da Segunda Edio

    A maneira pela qual o pblico respondeu primeira edio deste livro me foi muito agradvel. O livro no foi apresentado como um tratado importante sobre a cincia ou sobre o mtodo cientfico, mas simplesmente como uma introduo a certos conceitos e idias que pudessem levar o leitor a realizar outras exploraes no mundo da pesquisa. A maioria das pessoas reconheceu que ele era apenas um aperitivo e no um curso completo e como tal o aceitou. Agradou-me o fato de ele, em sua modstia, ter servido de entretenimento e informao.

    A reviso consistiu principalmente na elaborao das idias da ltima parte, a qual trata do papel do cientista na sociedade. Agradeo ao meu assistente de pesquisa Andre Fleming-Holland pela ajuda prestada nesta reviso e Sra. Jane Little pelo preparo do manuscrito.

    XI

  • Prefcio da Primeira Edio

    Em geral no se faz pesquisa da maneira pela qual os que escrevem livros sobre pesquisa dizem que elas so feitas.

    Esta a minha Primeira Lei1, uma boa lei informal que pode necessitar de um pouco mais de elaborao. Quero dizer simplesmente que, em geral, os livros sobre pesquisa so afirmaes de princpios gerais formalizados e apenas refletem, de uma maneira ideal, a realidade cotidiana da prtica da pesquisa. Apresentam uma viso desprendida da cincia e pouco, seno nada, do prazer e da frustrao. Em resumo, os livros sobre pesquisa so (para usar uma metfora) como um traje de gala e a prpria pesquisa como uma roupa de trabalho.

    Neste livro tentarei apresentar tanto alguns dos princpios formais do mtodo cientfico (particularmente no que se relacionam com a psicologia) bem como algo da satisfao cotidiana subjacente pesquisa. No posso pretender abarcar todas as partes da cincia e do mtodo cientfico em to breve espao pois, afinal de contas, trata-se de uma introduo. Se puder compartilhar algumas idias sobre pesquisa, dissipar algumas falsas idias sobre o tdio que a envolve e interessar alguns estudiosos a investigar melhor o assunto, ficarei mais do que satisfeito.

    1) A minha Segunda Lei refere-se aos problemas de planejamento na pesquisa e diz simplesmente que: As coisas levam mais tempo do que se supe.

    XIII

  • Grande parte deste livro foi escrita quando eu era Diretor da Diviso de Cincia do Comportamento da Escola de Medicina da Universidade de Virginia. Sou profundamente grato ao Diretor T. H. Hun- ter e ao Dr. T. R. Johns da Escola de Medicina por me terem dado a oportunidade e o estmulo para a pesquisa.

  • A cincia do homem. . . j no coisa to abstrata que possa ser construda a priori c de perspectivas gerais; o mtodo experimental universal aplicado vida humana e, portanto, o estudo de todos os produtos dentro da esfera de sua atividade, acima de tudo de sua atividade espontnea.

    Ernest R e n a nThe Future of Science. (1848)

    XV

  • IIntroduo

    Pesquisa no estatstica. Comeo esta introduo ao estudo da pesquisa psicolgica com uma afirmao negativa porque senti que muitos estudantes assustam-se e afastam-se da agradvel realizao da pesquisa, porque a igualam ao tdio e s complicadas manipulaes estatsticas. Isto no difcil de compreender pois o estudante que abre um livro de pesquisa, provavelmente, achar que o mesmo no mais do que um livro sobre estatstica no planejamento da pesquisa. Isto no , de maneira alguma, para desacreditar a estatstica mas, meramente para indicar que a estatstica um instrumento de pesquisa, til sem a menor dvida, mas no mais do que uma tcnica para tratamento de alguns (no de todos) dados da pesquisa. Tratarei da pesquisa de um outro ponto de vista, mencionando brevemente alguns aspectos bsicos (tais como controle e grupo experimental), mas sem fazer qualquer tentativa para introduzir o estudante nas tcnicas estatsticas. Prefiro me ocupar com as origens da pesquisa, com a prtica e mtodo cientfico, com o significado dos dados e teorias, com os aspectos ticos da pesquisa com animais e seres humanos, e, o que mais importante, com a curiosidade do cientista que seu principal atributo e sua principal fonte de prazer. Como certa vezj observou o brilhante qumico Linus Pauling: A satisfao da prpria curiosidade uma das maiores fontes de felicidade na vida.

    Curiosidade, acidente e descoberta. Comecemos pela curiosidade do cientista. Muitas pesquisas comeam com uma descoberta

    1

  • acidental. O cientista est trabalhando diligentemente em seu labora- trio com um problema particular e com um objetivo determinado em vista, quando algo acontece, talvez alguma coisa errada. A Sir Alexandre Fleming isto ocorreu quando estava tentando fazer a cultura de uma bactria. O leitor recordar que tinha aparecido um mofo verde no frasco em que estava fazendo a cultura e que as bactrias tinham morrido. Isto, provavelmente, j tinha acontecido a muitos cientistas antes dele, que talvez tenham praguejado silenciosamente pelo experimento arruinado, jogado fora a cultura e recomeado novamente a cultura da bactria.

    Mas isto seria contrrio ao ideal do mtodo cientfico. Conforme veremos mais tarde, depois de ter sido escolhido o problema, o mtodo cientfico consiste fundamentalmente de duas partes: 1) a cleta de dados e 2) o estabelecimento de uma relao funcional entre estes dados. Para Fleming e os que o procederam havia dois dados bsicos: a cultura de bactria havia sido destruda e um mofo verde estava presente no recipiente. Este o fato: A e B coexistiam. Agora, haver uma relao funcional entre os dois? Teria A (o mofo) algum efeito sobre B (a bactria)? Este o comeo da pesquisa, manipular as condies sob as quais A e B coexistem de modo que se possa obter uma resposta. Se eles forem funcionalmente relacionados (isto , se A tem efeito sobre B) isto j ser uma resposta. Se no o forem e a coexistncia foi puro acaso, esta tambm poder ser uma resposta.

    Portanto, Fleming comeou com uma observao. Para comear seu experimento provavelmente ele formulou uma espcie de hiptese que poderia ser redigida, grosseiramente, da seguinte forma: O aparecimento do mofo verde e a destruio da colnia de bactria esto relacionados; o mofo verde o responsvel pela destruio da bactria. Neste ponto conduziu um experimento para testar a hiptese. Poderia ter tomado o mofo verde e posto em contato com uma nova colnia de bactrias vivas. Os resultados deste experimento poderiam refutar ou confirmar a hiptese. Se a segunda colnia de bactrias tambm perecesse quando em contato com o mofo verde o experimentador poderia se sentir mais vontade ao presumir uma relao causal. H outros fatores que poderiam ser levados em considerao, tais como

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  • mudanas de temperatura, presena ou ausncia de luz solar. Mas, no momento, pressupondo que estas variveis tenham sido controladas, o experimento poderia constituir-se em manipular o mofo verde e a bactria sob vrias condies controladas.

    Naturalmente, a pesquisa de Fleming mostrou que o mofo verde era responsvel pela destruio das bactrias e de suas descobertas surgiu a penicilina. Quero acentuar o aspecto mais importante disto tudo. Fleming descobriu o mofo verde por acidente; o que estava tentando era cultivar uma determinada colnia de bactrias. Um pesquisador de menor envergadura poderia ter ficado irritado e aborrecido com a morte das bactrias e, ignorando o mofo, simplesmente teria lavado o recipiciente na pia. O fato de Fleming no o ter feito ilustra uma das caractersticas do bom cientista. Manter os olhos abertos; nunca se limitar a um caminho fixo de experimentao a ponto de ficar cego para eventos no usuais que possam vir a ocorrer. Skin- n e r(5 2 )1 em um de seus princpios informais da cincia diz: Quando encontrar alguma coisa interessante deixe tudo o mais para estud-la. Embora isto possa no se enquadrar com a imagem da cincia e do cientista que o estudante concebia, ilustra como se origina e se desenvolve a maioria das pesquisas. Para quem olha a cincia ela pode parecer um corpo de conhecimento lgico, coerente e altamente organizado que gira ao redor do ncleo de uma rgida metodologia pr-estabeleeida. J. Z. Young, em seu tratado sobre a cincia (65), diz o seguinte:

    Bastante curioso que uma das caractersticas dos cientistas e de seus trabalhos seja a confuso, quase a desordem. Isto pode parecer estranho quando se acostumou a pensar na cincia com C maisculo, como sendo tudo clareza e luz. Realmente a finalidade da cincia so a lei e a certeza. As leis cientficas foram as bases do estupendo desenvolvimento da tecnologia que transformou o mundo ocidental, tornando-o, a despeito de todos os seus perigos, um lugar mais confortvel e feliz. Mas ao conversar com m cientista logo se ver que suas idias no esto to bem ordenadas. O cientista aprecia a discusso, mas no pensa sempre com esquemas coerentes e completos tais como os que so usados pelos filsofos, juristas e clrigos. Alm disso, em seu la-

    1) Os nmeros entre parntese referem-se aos itens numerados da bibliografia no fim do livro.

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  • boratrio no dispende muito tempo pensando em leis cientficas e assuntos semelhantes. Est ocupado com outras coisas, tentando fazer alguma pea de aparelho funcionar, procurando um meio de medir algo com maior preciso, ou fazendo dissecaes que mostraro mais claramente as partes de um animal ou planta. Sentir-se- que dificilmente sabe que lei est tentando provar. Est continuamente observando, mas seu trabalho como tatear no escuro. Quando pressionado a dizer o que est fazendo, pode dar a impresso de incerteza ou de dvida, ou mesmo de autntica confuso.

    Embora a metodologia do cientista possa parecer casual, h uma concepo global dos objetivos. Incurses no planejamento de aparelhos, discusses e outras agradveis voltinhas permanecem, contudo, dentro do plano final de conhecimento e descoberta.

    H momentos em que a curiosidade do cientista estimulada por situaes fora do comum ou inexplicveis, nem sempre fceis de serem estudadas experimentalmente, mas se constituindo em um estmulo potencial para a pesquisa. Deixe-me dar um exemplo de uma destas situaes curiosas. (29) H algum tempo um viajante mundialmente famoso fez a seguinte descrio do planeta Marte e seus satlites:

    Eles... descobriram dois astros menores ou satlites que giram ao redor de Marte, cujo interior dista do centro do planeta primrio exatamente trs vezes o seu dimetro e o exterior cinco vezes; o primeiro completa sua rbita em 10 horas e o ltimo

  • dialmente famoso que o escreveu foi Lemue Gulliver, em 1726, segundo escreveu Jonathan Swift nas Viagens de Gulliver. Embora esta obra tivesse sido escrita em 1726, as duas luas somente foram descobertas em 1877, um sculo e meio depois da descrio de Gulliver. Na realidade, at 1820 no se havia ainda construdo um telescpio bastante potente para ver os dois satlites.

    Esta uma das formas pelas quais a pesquisa comea. Mas ento? Embora a expresso possa parecer demasiado vulgar para a mentalidade cientfica, expressa o comeo do assombro. Como pde Gulliver descrever essas luas com tanta preciso 150 anos de elas terem sido descobertas? Seria mera coincidncia? Seria possvel que Jonathan Swift tivesse alguma informao que os outros no possuam? Foi meramente uma feliz conjectura? No h resposta para isto mas este fato proporciona um estmulo para uma possvel investigao.

    O cuidadoso casual. No Prefcio eu sugeri uma lei que, embora no seja formal, fundamental para a pesquisa; trata-se do seguinte: Em geral, no se faz pesquisa da maneira pela qual os que escrevem livros sobre pesquisa dizem que elas so feitas . Este livro, como muitos outros, apresenta, antes de tudo, um ideal para a metodologia da pesquisa, ou, talvez, uma estrutura geral de princpios para guiar e no para limitar o pesquisador.

    Entre as qualidades de que necesita um bom pesquisador a mais importante a que Pasteur denominou de mente preparada. claro que impossvel a qualquer pessoa que se dedica pesquisa predizer todos os acontecimentos que possam ocorrer. O pesquisador precisa comear com cuidado o planejamento e a execuo da sua pesquisa, mas no deve se prender rigidamente ao plano e, assim, se tornar incapaz de ver as descobertas acidentais que possam surgir, como o caso de Fleming, no exemplo anteriormente citado da descoberta da penicilina. O pesquisador tambm deve ser um tanto casual, partir de um ponto de vista flexvel, mas nem por isso menos alerta em relao pesquisa, a qual pode propiciar ocaiso para uma descoberta inesperada. Isto o que Pasteur denominou de mente preparada, uma combinao de conhecimentos bsicos acumulados e uma prontido para perceber o extraordinrio.

    5

  • Cannon, em seu livro sobre as maneiras de ser de um investigador (21), referiu-se a esse tipo de descoberta acidental como se- rendipity. Tomou este termo da obra Three Princes of Serendip, de Walpole, uma histria de trs prncipes que saram pelo mundo procura de algo, no encontraram o que buscavam, mas em suas jornadas descobriram muitas coisas que no haviam procurado. Cannon considera que a serendipity, ou descoberta acidental, uma importante qualidade da pesquisa e a mente preparada deve estar aberta para perceb-la.

    Desta forma, o pesquisador deve ser cuidadoso e casual. Um outro aspecto da pesquisa o meio pelo qual concebida e conduzida. Quando aparece um artigo numa revista cientfica, geralmente obedece ele a um formato pr-determinado e aceito. A maioria dos artigos comea com uma introduo, seguindo-se uma revista da literatura, uma descrio do plano experimental, a apresentao dos resultados obtidos no experimento, a discusso destes resultados e um sumrio seguido por uma bibliografia dos artigos mais relevantes. Tais artigos cientficos usualmente so ridos e formais e de maneira alguma refletem os aspectos bastante informais e agradveis das conversas no laboratrio com os colegas sobre a manira pela qual a pesquisa poderia ser conduzida. O produto final uma forma desidratada da histria toda.

    Permitam-me dar um exemplo pessoal de um destes casos. Em uma pesquisa, com sujeitos humanos, sobre comportamento verbal, meus colaboradores e eu estvamos procurando um tipo de reforo para ser usado como recompensa para o falar. Nossos sujeitos foram equipados com microfones individuais e estvamos estudando os padres verbais dos indivduos isoladamente e quando em interao em um grupo. Por sua participao eles eram pagos por hora. Mas quando nos reunimos e conversamos sobre o experimento, isto no nos pareceu uma recompensa adequada nos nossos propsitos, uma vez que no tnhamos meios para saber quanto e quo alto o sujeito falava durante a sesso. O sujeito recebia a mesma quantia a despeito de quanto falasse. Desejvamos saber o que aconteceria se tentssemos pedir-lhe que falasse depressa e alto, recompensando-o por esta ver-

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  • balizao. Reconhecendo que o dinheiro uma boa recompensa em nossa cultura, decidimos que seria uma boa idia verificar o que aconteceria se pagssemos o sujeito em dinheiro, medida que falasse, de modo que cada impulso vocal no microfone fosse recompensado. O que aconteceria se o pagssemos por impulso vocal? Pensamos que uma moeda caindo num recipiente atravs de uma fenda, toda vez que ele falasse acima de uma certa amplitude, seria um bom reforo para produzir e manter tal comportamento.

    Mas a comeamos a contar o nmero de tais impulsos durante uma hora de sesso e verificamos que poderia haver diversas centenas. Seria financeiramente impossvel usar uma moeda, a menos que usssemos pennies. No curso desta discusso informal decidiu-se que, devido a um teste informal que todos tnhamos tentado, os pennies no so, na realidade, boa recompensa em nossa cultura. Mesmo um secretrio executivo, ganhando 25.000 dlares por ano, pra e apanha nm nikel se o v, mas no o faz quando se trata de um penny. Num nickel parecia haver mais do que cinco vezes o valor da recompensa de um penny2. Portanto, a recompensa financeira mnima, em forma de moeda, que se poderia usar, provavelmente seria o nickel. Isto tornar-se-ia to dispendioso como recompensa em tal experimento que, se usssemos o nickel, poderia ocorrer o caso dos experimentadores tentarem trocar de lugar com o sujeito!

    Algum sugeriu que poderamos tentar usar fichas de pquer, que os sujeitos poderiam trocar por dinheiro no final da sesso. Desta forma estariam trabalhando por uma recompensa monetria simblica que fortemente reforada em nossa cultura. Conversamos sobre o significado das fichas e as imagens que despertam em vrias pessoas em um grupo. Foram discutidas as ligaes dessas fichas, falou-se de montes de fichas diante de um jogador em uma sala cheia de fumaa e de diversas associaes dramticas com as fichas de jogo no folclore de nossa cultura. Naturalmente, uma poro de anedotas foram apre-

    (2 ) Um penny vale um centavo de dlar, um nickel vale cinco centavos de dlar. (N . da T .).

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  • sentadas, algum desejou saber se teramos de usar protetor de olhos, enrolar as mangas das camisas e prend-las com ligas; se teramos que usar para experimento uma mesa circular forrada com feltro verde, e assim por diante, invocando o humor da situao de jogo. Finalmente decidimos usar fichas.

    O relato acima apenas um registro sucinto das muitas horas de discusso em nvel informal, conduzida nesta etapa particular do experimento. Quando finalmente o artigo foi escrito para publicao em revista especializada relatou-se apenas que: devido natureza de reforo generalizado das fichas, elas foram usadas como reforo para o comportamento verbal, substituindo a recompensa monetria (masfuncionando como smbolo de reforo monetrio condicionado) pois logo depois seriam trocadas por dinheiro. Nada se disse sobre o protetor verde para os olhos, as ligas para mangas, a sala esfumaada, observaes imprprias para um artigo cientfico.

    lamentvel que as anedotas e as discusses informais do grupo sejam filtradas quando o trabalho toma a forma de publicao. Aos alunos que poderiam considerar a pesquisa como uma carreira agradvel, as publicaes do a idia de que a pesquisa uma disciplina tediosa, rida e rgida. Em resumo, o cuidadoso sempre aparece impresso, mas raramente isto ocorre com o casual. O casual aparece nos contatos informais entre cientistas, tanto em seus laboratrios e em reunies como nos congressos. Se existe uma importante funo dos congressos de cientistas (que se renem pelo menos uma vez por ano) esta no a apresentao de trabalhos, mas os contatos informais nos bares e restaurantes, que propiciam a oportunidade para a troca de idias e informaes.

    Um caso de serendipily. Em um relato de pesquisa, feito especialmente para estudar exemplos de descobertas acidentais e os hbitos de investigadores, dois socilogos, Barber e Fox, (7) entrevistaram dois notveis cientistas. Ambos haviam observado um fato, mas somente um deles o acompanhou at uma descoberta eventual. Barber e Fox denominaram este artigo de: The Case of Floppy Eared Rab-

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  • bits: An Instance of Serendipity Gained and Serendipity Lost.3 Por ser este um dos melhores exemplos disponveis de descoberta acidental, gostaria de discuti-lo mais pormenorizadamente.

    Barber e Fox ouviram falar de uma descoberta acidental feita por dois pesquisadores. Um deles, o Dr. Lewis Thomas, eminente cientista, que na poca em que o trabalho foi publicado (1958) era o chefe do Departamento de Medicina do College de Medicina da Universidade de Nova York e que, anteriormente, tinha sido professor e chefe do Departamento de Patologia. O outro pesquisador era o Dr. Aaron Kellner, professor associado do Departamento de Patologia do College de Medicina da Universidade de Cornell e diretor de seus laboratrios centrais.

    Os dois cientistas eram plenamente qualificados, respeitados e filiados a excelentes escolas de medicina. No curso de suas pesquisas em patologia, os dois homens tiveram ocasio de injetar, em coelhos, um enzima, a papana; ambos observaram que as orelhas dos coelhos caam depois da injeo. A despeito do fato de ambos terem observado as orelhas cadas aps a injeo intravenosa nos coelhos, somente um deles veio a descobrir a explicao para este evento inco- mum e divertido. As razes deste fato apresentam um quadro fascinante das condies sob as quais a pesquisa em geral se realiza e o que acontece aos pesquisadores.

    Barber e Fox falam das entrevistas com os doutores Thomas e Kellner. Comecemos pelo Dr. Thomas, que notou pela primeira vez a queda reversvel das orelhas dos coelhos quando estava investigando o efeito de uma classe de enzimas, os proteolticos4. Disse o Dr. Thomas:

    Tentava explorar a idia de que as leses cardacas e as dos vasos sangneos em certos estados de hipersensibilidade podem ser devidas presiena de enzimas proteolticos. uma idia atraente sobre a qual existem poucas

    (3 ) O caso dos coelhos de orelhas cadas: Um exemplo de serendipity aproveitada e de serendipity perdida. (N . da T .)

    (4 ) Enzimas proteolticos so enzimas que, pela ao catalizadora, aceleram a hidrlise das protenas em substncias orgnicas mais simples.

    9

  • evidncias. Foi estudada uma vez ou outra por quase todos os que estudaram a hipersensibilidade. Para esta investigao usei tripsina, por ser o enzima mais disponvel no laboratrio, e no obtive qualquer resultado. Dispnhamos tambm de papana no sei de que procedncia mas, como a possuamos, tentei us-la. Tambm tentei usar um terceiro enzima, a ficnia, que extrada dos figos, e comumente usada. Tem sabor cataltico e desta forma muito til no laboratrio. Portanto, eu dispunha destes trs enzimas. Os outros dois no produziram leses. O mesmo ocorrendo com a papana. Mas a papana sempre produziu estas estranhas mudanas nas orelhas dos coelhos. . . Trata-se de uma das mais uniformes reaes que eu j vira na biologia. Sempre acontecia. Parecia que alguma coisa importante devia ter sucedido para causar esta rea- o.(8)

    Diversas frases particularmente interessantes aparecem neste relato inicial da descoberta. Uma delas diz: Para esta investigao usei tripsina, por ser o enzima mais disponvel no laboratrio. . . (itlicos meus). Prossegue com dispnhamos tambm de papana; no sei de que procedncia, mas a possuamos e tentei us-la. Aqui tambm est o acidental dispunham de um enzima e o outro era o mais disponvel no laboratrio. A escolha destes enzimas particulares no obedece a um teste rigoroso de hiptese preconcebida. Foi puro acidente eles existirem no laboratrio.

    Sendo um bom cientista pesquisador, o Dr. Thomas no deixou passar este evento fora do comum. Prossegue descrevendo como iniciou a imediata busca de uma explicao:

    Eu a persegui como um louco. Mas no fiz o que devia. . . Fiz o que era de se esperar. Preparei e fiz cortes com todas as tcnicas disponveis na poca. Estudei o que acreditava serem as partes constituintes da orelha do coelho. Olhei todos os cortes e no pude perceber nada de diferente. O tecido conjuntivo estava intacto. No havia qualquer mudana na quantidade de tecido elstico. No havia inflamao, nem leso no tecido. Esperava encontrar uma grande mudana porque pensava que tivssemos destrudo alguma coisa.(9 )

    Aparece aqui uma outra frase significativa: Fiz o que era de se esperar. Prosseguiu cortando as lminas e corando-as com todas as tcnicas disponveis na poca do experimento. Disse que esperava encontrar uma grande mudana porque pensava que alguma coisa tivesse sido destruda. Ao mesmo tempo indica ter estudado a cartilagem da orelha do coelho e t-la considerado normal. . . .As clulas pareciam sadias e apresentavam um ncleo normal. Conclui no haver

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  • leso na cartilagem. E foi tudo. . Acrescentou ainda que o exame da cartilagem nesse poca era rotina e bastante casual porque ele no defendia seriamente a idia de que a flacidez das orelhas poderia estar associada a uma mudana na cartilagem. No havia pensado na cartilagem. Era pouco provvel que o fizesse porque ela no era considerada interessante. . . Reconheo que minha idia havia sido sempre a de que a cartilagem um tecido imvel e inativo.

    indubitvel que as pessoas tm preconceitos tais como os do Dr. Thomas. Ele pensava que deveria haver alguma leso e no havia. Considerou que a leso deveria estar no tecido conjuntivo ou elstico da orelha e compartilhava com outros a convico de que a cartilagem inerte e relativamente desinteressante ; desta forma no lhe prestou muita ateno. Isto o tornou pouco receptivo explicao real da flacidez da orelha em termos de mudanas na cartilagem. Alguns anos depois, acidentalmente, ele prprio descobriu esta explicao.

    O Dr. Thomas estava muito ansioso para encontrar alguma explicao para este fato biolgico incomum, mas foi obrigado a deixar o problema das orelhas cadas de coelho porque estava terrivelmente ocupado com um outro problema nessa poca, um problema no qual ele estava progredindo. Notou tambm que tinha em verdade usado todos os coelhos disponveis, estando desta forma predisposto a abandonar a pesquisa. Aqui esto dois outros fatos acidentais que mudaram o curso da pesquisa. Estava fazendo outra pesquisa na qual estava obtendo progressos (reforador para ele) e seu oramento no permitia obter o grande nmero de coelhos de que necessitava para prosseguir adequadamente o estudo. Desta forma persuadiu-se a abandonar a pesquisa sobre as orelhas cadas de coelho e aceitar, temporariamente, o insucesso.

    Barber e Fox notaram que no comum relatar experimentos negativos na literatura cientfica por muitas razes, uma das quais, dentre as menos importantes, a falta de espao disponvel para experimentos possivelmente interessantes e valiosos, mas que no so apresentados como projetos de pesquisa relativamente completos. Portanto, ningum formalmente conhecia o trabalho do Dr. Thomas sobre as orelhas cadas de coelhos. Porm, ele no as esqueceu e manteve vivo o pro-

    11

  • blema das orelhas cadas em muitos contatos informais com colegas que visitavam seu laboratrio, e em outras reunies informais. Por exemplo, lembrou que demonstrou este fenmeno, duas vezes, a alguns dos seus colegas incrdulos. Conforme disse: Eles no acreditaram quando lhes falei o que tinha acontecido. Realmente no acreditaram que se pudesse provocar tanta mudana sem que nenhuma alterao aparecesse no exame microscpico. Desta forma, o assunto permaneceu vivo no intercmbio informal entre cientistas.

    Dois anos depois desta descoberta acidental, o Dr. Thomas estava fazendo um outro tipo de experimento, que assim relatou:

    Estava procurando um m e i o . . . de reduzir o nvel de fibrinognio do sangue de coelhos. Estudava uma forma de fibrinide que ocorre dentro dos vasos sangneos na reao generalizada de Schwartzman e que parece se derivar do fibrinognio. Minha hiptese de trabalho era a de que se o fibrinognio acabasse e disso resultasse o no aparecimento do fibrinide, isto poderia ser til. J haviam relatado que se se injeta enzima proteoltico ele esgota o fibrinognio. Desta forma tentei inibir a reao de Schwartzman injetando pa- pana intravenosa nos coelhos. N o deu resultado algum em relao ao fibrinognio . . . Mas a mesma coisa estranha aconteceu novamente com as orelhas dos coelhos!

    Desta vez, felizmente, o Dr. Thomas foi capaz de resolver o quebra-cabea e realizar o que, em certo sentido, foi uma descoberta acidental. Em suas prprias palavras o que aconteceu foi o iseguinte:

    Eu estava ensinando patologia a segundanistas de medicina. Tinhamos pequenos seminrios com eles: sesses de duas horas, pela manh, duas vezes por semana, com seis ou oito estudantes. Eram seminrios dedicados patologia experimental e aos aspectos tericos do mecanismo das doenas. Os estudantes tinham oportunidade de ver o que eu, o doente estvamos fazendo no laboratrio. Aconteceu ter com os estudantes uma sesso no mesmo momento em que tom ou a reproduzir-se o fato das orelhas cadas dos coelhos. Pensei que poderia ser uma coisa interessante para e l e s . . . uma coisa espetacular. Os estudantes ficaram muito interessados. Expliquei-lhes que no podia realmente explicar o que estava acontecendo. E que eu havia feito este experimento de propsito para eles, para ver o que iriam p en sar.. . Alm disso eu estava preso aos meus outros experimentos. No havia muito o que fazer neles. No estava sendo brilhante nestes outros problemas. . . Bem, nesta ocasio fiz o que no havia feito antes. Fiz cortes simultneos das orelhas dos coelhos depois de ter-lhes dado papana e cortes de orelhas normais. Esta a parte da histria da qual mais me envergonho. Ainda me altero quando penso nela. No havia qualquer dano no tecido no sentido de leso. Mas o que ocorria era uma mudana quantitativa

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  • na matriz da cartilagem. O nico meio de se constatar essa modificao era comparar, simultneamente, cortes tirados das orelhas de coelhos nos quais se tinham injetado papana com cortes comparveis de orelhas de coelhos do mesmo tamanho e idade que no haviam recebido papana.. . Antes desse fato eu ficara to impressionado com a amplitude da mudana que no percebera algo to bvio, e conclura que nada havia . . . Alm disso no dispunha, naquela ocasio, de grande quantidade de coelhos com que trabalhar.(10)

    Esta uma das principais funes desempenhadas pelos estudantes. Lembram aos instrutores a maneira pela qual a pesquisa deveria ter sido feita desde o incio. Ao ser obrigado, num certo sentido, a faz- la direito e a comparar, cuidadosamente, orelhas de coelhos normais com as daqueles nos quais se injetou papana, como exemplo para os estudantes, ele descobriu mudanas quantitativas na cartilagem que constituam uma explicao para as orelhas cadas. Deixem-se reproduzir, para concluir, o trecho do artigo do Dr. Thomas (do Journal of Experimental Medicine) em que ele relata o que aconteceu cartilagem das orelhas de coelhos. bastante tcnico mas o produto final de anos de contatos informais, dificuldades, pesquisa e acidente. A cartilagem da orelha apresentava perda da maior parte da matriz intercelular e completa ausncia de basofilia na pequena poro remanescente da matriz. As clulas da cartilagem pareciam um pouco maiores e mais circulares do que as normais e apresentavam maior contato entre si. . . (O contraste entre cartilagem da orelha normal e do tecido obtido quatro horas depois da injeo ilustrado nas Figuras 3A e 3B deste artigo.) Que maneira excessivamente formal de relatar a diverso e o assombro to maravilhosamente humanos que existiram por muitos anos no laboratrio do Dr. Thomas!

    Uma descoberta acidental interessante e final foi feita nesta demonstrao do Dr. Thomas aos estudantes:

    Estava to completamente convencido da uniformidade deste acontecimento que usei o mesmo coelho (em cada seminrio) . . . A terceira vez no funcionou. Fiquei perplexo. Os estudantes l estavam e as orelhas do coelho se mantinham firmes no lugar. . . A princpio pensei que o tcnico tivesse injetado outra droga. Mas quando verifiquei que isto no havia ocorrido e dei a mesma droga a outros coelhos e funcionou constatei que o coelho havia se tom ado imune. Esta uma descoberta potencialmente fecunda. . . ( 11 )

    Esta foi a seqncia de acidentes e descobertas vividos pelo Dr.

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  • Thomas. Dr. Kellner, um cientista igualmente qualificado, viu as orelhas cadas do coelho quando estava trabalhando com injees de pa- pana, mas nada fez para chegar descoberta, principalmente porque a seqncia da descoberta levou-o a outros problemas. Primariamente, o Dr. Kellner estava interessado no tecido muscular e na pesquisa cardaca. Quando observou a mudana nas orelhas dos coelhos durante uma pesquisa sobre os msculos cardacos, disse ter ficado um pouco curioso, em relao ao fato, naquela poca e que fora levado a investigar o observado at o ponto de fazer cortes de orelhas de coelhos. Mas aqui seu interesse pelos msculos e suas idias pr-con- cebidas sobre cartilagem (as mesmas do Dr. Thomas a qualidade inerte) impediram-no de prosseguir na observao:

    J que eu estava, primariamente, interessado em pesquisar problemas relativos aos msculos cardacos, pensava em termos de msculos. Isto impediu-me de ver a idia de mudanas na cartilagem que no me ocorreu como uma possibilidade. Procurava msculos nos cortes e nunca sonhei que era cartilagem. (12)

    Uma das maiores influncias sobre o Dr. Kellner foi a exercida pelas pessoas que trabalhavam com ele, no laboratrio, colegas de pesquisa que compartilhavam o seu interesse por msculos cardacos e que reforaram sua tendncia para deixar de lado o divertido quebra- cabeas das orelhas cadas para dedicar-se a outras reas de maior interesse para todos. Outras descobertas acidentais derivaram do problema das orelhas cadas. Entre outras coisas, o Dr. Kellner foi capaz de descobrir um defeito de coagulao sangnea nos coelhos que haviam recebido uma injeo de papana, um defeito parecido, em certos aspectos, com a hemofilia. Portanto, possvel que aqui a seren- dipity, embora no tivesse levado explicao, em termos, da cartilagem das orelhas cadas, se evidenciou em outros resultados eventuais de certa importncia.

    Idias pr-concebidas: miopia de hiptese: Na pg. 39 iniciarei uma discusso mais formal sobre o teste de hiptese e das teorias na cincia, no entretanto, um comentrio sobre a miopia de hiptese, uma enfermidade comum entre pesquisadores com certas idias pr-concebidas, que podem se interpor e impedir as descobertas, parece ser ade

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  • quado neste ponto. Este caso ilustrado no episdio dos dois cientistas, os Drs. Thomas e Kellner; ambos foram retardados em uma descoberta por uma idia pr-concebida sobre a natureza inerte da cartilagem. Mas, estes pesquisadores erraram apenas porque no prosseguiram imediatamente em busca de novos fatos. O que eu denomino de miopia de hiptese um distrbio de viso, uma incapacidade de ver longe ao pesquisar, devido s idias pr-concebidas. O pesquisado;, diante dos fatos presentes, recusa-se a aceit-los ou procura descartar-se deles com explicaes simplistas. Dois casos bem documentados de miopia de hiptese podem ser apresentados. Um relatado durante o tempo de Galileu, e outro mais recentemente.

    Olhando atravs de seu telescpio recentemente inventado, Galileu descobriu que existiam manchas no sol. Apresentou esta descoberta aos seus colegas, e um grupo deles, seguidores de um modo de pensar aristotlico, rejeitou seus dados. A teoria sobre a composio da matria celestial que aceitavam indicava-lhes que o sol no poderia ter manchas, e por isso recusaram-se a olhar atravs do telescpio! O argumento deles era simples: o sol no possui manchas; o telescpio estava distorcendo a percepo. Visto que sabiam que no existiam manchas, ento por que deveriam preocupar-se em olhar atravs de um instrumento obviamente errado?

    H um certo mrito em uma parte deste argumento a fidedig- nidade do instrumento. Testar a preciso do telescpio seria um primeiro passo nessa pesquisa e, nesse sentido, em parte, os aristotlicos tinham razo ao questionar sua preciso. Mas foram mopes quando se recusaram a fazer este teste (que poderia ser facilmente realizado em uma situao terrestre) e quando evitaram questionar os seus conhecimentos seguros sobre a ausncia de manchas no sol.

    O segundo um caso de leve miopia de hiptese, envolvendo dois fsicos que realizaram um experimento cuidadosamente preparado e obtiveram resultados negativos.

    Em 1887, dois fsicos, Michelson e Morley, realizaram um experimento para medir a exata velocidade da luz. Construram um aparelho para objter essa medida exata consistindo em dois tubos colocados em ngulo reto um em relao ao outro. Um dos tubos foi co-

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  • locado na direo do movimento da Terra ao redor do Sol, enquanto que o outro foi colocado na direo contrria ao movimento de rotao da Terra. Colocaram ento um espelho na extremidade de cada tubo e um outro no ponto de interseco; introduziram exatamente ao mesmo tempo um feixe de luz em cada tubo; estes feixes atingiram o espelho colocado no ponto de interseco; refletiram-se atravs do comprimento dos tubos, atingiram os espelhos das extremidades e tornaram a se refletir no espelho central. A teoria dominante naquela poca era de que havia um ter invisvel preenchendo todo o espao no ocupado por objetos slidos. Se esta teoria fosse correta, ento um dos raios de luz iria contra a corrente do ter enquanto que o outro iria a favor da mesma, portanto em maior velocidade. Mas no foi isto que aconteceu. Os dois feixes de luz retornaram ao espelho central exatamente ao mesmo tempo. Os resultados do experimento foram considerados negativos, isto , no confirmaram a hiptese de que a luz seria menos veloz se a Terra se movesse atravs do ter. Conforme Copeland e Bennett (22) observaram, o experimento realizado deu um resultado negativo que criou um problema maior de interpretao. A despeito das provas de que as trajetrias da luz tinham caractersticas de ondas, os exemplos anteriores de movimento ondulatrio requeriam um meio material (por exemplo, o som no ar) e era difcil encontrar este meio material para a luz. A concluso do experimento foi necessariamente a de que a luz no se propagava num meio como o som se propagava no ar.

    Copeland e Bennett posteriormente notaram que Fitzgerald tentou explicar os resultados negativos em termos da contrao de um dos braos do aparelho, isto , o comprimento do tubo que apontava no sentido do movimento da Terra se contrairia apenas o suficiente, para compensar a diferena na interferncia. Outras interpretaes dos resultados foram feitas tambm em termos da teoria predominante do ter. Embora os fsicos aceitassem os dados, foram incapazes de enquadr-los nas hipteses existentes at 1905, quando Einstein fez a reconstruo bsica da teoria em seu famoso trabalho: Uma teoria especial da relatividade. Explicou o que havia ocorrido com os resultados negativos obtidos por Michelson e Morley. Eles haviam me-

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  • dido com preciso a velocidade da luz, mas a teoria da existncia do ter era incorreta. Afirmou que a luz sempre se move na mesma velocidade a despeito das condies e que, alm disso, o movimento da terra em relao ao sol no tem qualquer efeito sobre a velocidade da luz. No poderamos esperar que, a partir de seus dados, Michel- son e Morley chegassem Teoria Especial da Relatividade, mas poderamos esperar que, ao encontrar resultados que no combinavam com a teoria, pudessem p-la em dvida. Na realidade, no existe resultado negativo ou insucesso num experimento. Todo dado obtido fornece informao para a mente preparada que respeita os dados e no deixa que as hipteses impeam a pesquisa.

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  • nCaractersticas e Objetivos da Cincia

    Algumas caractersticas importantes da cincia J afirmei que a cincia uma mescla de dvida e certeza. Considero que o bom cientista arrogantemente humilde. Isto no um mero jogo de palavras, pois ele deve ser arrogante no mtodo e humilde na f que tem no seu conhecimento. No meu caso, o de um psiclogo, isto se aplica de forma bem clara. Tantos so os aspectos que desconhecemos no estudo do comportamento humano que essencial uma humildade adequada; entretanto, este fato no deve levar-nos a aceitar as explicaes no cientficas do comportamento (tais como a da natureza humana ) que entram em conflito com o mtodo cientfico. Conforme Skin- ner(53) sugeriu, melhor ficar sem resposta do que aceitar uma resposta inadequada. Esta uma caracterstica importante da cincia, a habilidade de esperar por uma resposta combinada com uma busca contnua de explicao e a rejeio de explicaes prematuras. Skinner tambm sugeriu outras caractersticas da cincia, entre elas as seguintes: a cincia um conjunto de atitudes, uma disposio para lidar com os fatos e no com a opinio que algum emitiu sobre eles. (54) A cincia rejeita suas prprias autoridades quando suas afirmaes entram em conflito com as observaes dos eventos naturais. Os dados subsistem, no os homens.

    Skinner observa tambm que a cincia uma disposio para aceitar fatos, mesmo quando eles se opem aos desejos. (55) A cin

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  • cia outorga um prmio elevado honestidade1 e so muito raros os casos de alterao de dados no sentido de adapt-los teoria favorita da pessoa. No entretanto, mesmo aceitando a honestidade de um pesquisador, ningum que esteja firmemente ligado a um ponto de vista se regozija ao v-lo abalado. Se seus prprios dados destroem crenas que lhe so caras, o cientista aceita os fatos, mesmo quando isso envolve a perda de um velho amigo, isto , uma teoria retida em segredo. Neste caso a moral clara: No se empenhe em provar alguma coisa, deixe que os fatos o guiem. Como disse Skinner: Os experimentos nem sempre do os resultados esperados; mas os fatos devem permanecer e as expectativas desvanecer-se. O assunto estudado sabe mais do que o cientista. (56).

    Skinner tambm salientou que a cincia mais do que um conjunto de atitudes, a busca da ordem e da uniformidade de relaes, sujeitas s leis, entre os fatos da natureza. (57) Comea por um evento nico cuidadosamente observado e procede, eventualmente, at a formulao de uma lei geral.

    Mencionei que o cientista torna-se arrogante em relao sua metodologia e humilde quanto a seus dados. Isto pode criar o que Gardner (30) denominou a ortodoxia da teimosia da cincia, uma dedicao ao dogma que, como ele diz, to necessria quanto desejvel para o bem da cincia. Isto significa que um cientista respeita os fatos e o indivduo que apresenta um novo ponto de vista est obrigado a demonstrar evidncia suficiente a fim de alcanar o reconhecimento de sua teoria. O mundo est repleto de pessoas que tm teorias sobre cada evenito imaginvel e os cientistas, facilmente, poderiam dispender todo o tempo de que dispem ouvindo e refutando a maioria deles. preciso haver alguma defesa contra isso, pois, conforme diz Gardner:

    (1) N o sculo XIX, o famoso matemtico francs Lagrange apresentou- se diante de uma douta sociedade para explicar uma prova que havia elaborado para um problema at ento insolvel. Havia apenas comeado a ler seu trabalho quando, subitamente, parou de falar, franziu o cenho, dobrou as folhas de seu trabalho e disse: Senhores, preciso pensar mais sobre este assunto. Este um cientista que se auto-corrige. Provavelmente seria conveniente que um maior nmero de pessoas dobrassem as folhas de seus trabalhos .

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  • A cincia se reduziria a nada se tivesse que examinar cada nova noo perifrica que surgisse. Evidentemente, os cientistas tm tarefas mais importantes. Se algum anuncia que a lua feita de queijo verde no se pode esperar que o astrnomo abandone seu telescpio e escreva uma refutao pormenorizada.

    Esta constante recusa de examinar cada teoria apresentada produziu alguns mrtires. Homens do calibre de Pasteur foram criticados e questionados. Todavia, um filtro necessrio para evitar que se entorpeam as engrenagens da cincia. Acreditamos que uma teoria ocasional que correta e que refutada em uma dada ocasio subsistir, pois, como vimos, so os dados e no os homens que prevalecem.

    Os objetivos da cincia: Em ltima instncia, sejam quais forem as disciplinas cientficas, o objetivo da cincia compreender e controlar o que constitui seu objeto de estudo. Pode ser mais fcil aceitar a parte desse par relativa compreenso porque existem cincias que no tm qualquer controle do seu objeto, como, por exemplo, a astronomia e a geologia. A astronomia tem um corpo de conhecimentos altamente desenvolvidos que permite aos astrnomos descrever e predizer, com grande previso, por exemplo, os movimentos das estrelas, ou o aparecimento de um cometa. O americano do norte, de Connecticut, do conto de Mark Twain pde assombrar e impressionar a corte do Rei Arthur, prevendo um eclipse; isto hoje se aceita como um tipo corriqueiro de predio. Apesar dessa habilidade para descrever e predizer, a astronomia no dispe de nenhum meio para controlar os fenmenos celestes; portanto, pode-se dizer que a astronomia uma cincia descritiva. Alm disso, pode-se dizer que a astronomia uma cincia pura quanto ao controle dos eclipses e cometas; mas isto um tanto tangencial, pois recentemente se desenvolveu uma geologia experimental (13) aproximando a geologia, cincia descritiva, da possibilidade de tornar-se experimental.

    Acrescentei aos objetivos da cincia dois outros aspectos vinculados aos objetivos de compreenso e controle, a descrio e a predio. O primeiro entre eles a descrio. A observao e a mensura- o so fundamentais para toda cincia, pois fornecem uma descrio dos fatos e um meio de quantific-los, o que possibilita a manipula

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  • o experimental. Pode-se dizer que os dois fundamentos crticos da cincia so a observao e a experimentao, e que a mensurao fornece um meio significativo para manipular e ordenar os fatos. Naturalmente, o fim ltimo da cincia o de ^rdenr os fatos em leis gerais coerentes, a partir das quais se torne possvel a predio mas, inevitavelmente, ela comea com a observao. Discutirei brevemente a observao e a experimentao, em seguida, o uso da mensurao e, finalmente, a ordenao de fatos de observaes e de experimentao em leis gerais.

    Observao e experimento. A cincia sempre um equilbrio entre a observao e o experimento, pois, a primeira a coleta emprica dos fatos e o segundo o raciocinar sobre esses fatos e a sua manipulao, visando obter maiores conhecimentos. Envolve tambm a observao sob condio experimental controlada. Estudiosos da cincia argumentam que Descartes e Bacon representam posies antagnicas de atividade cientfica. Descartes fez todo o seu trabalho no leito, enquanto que Bacon, segundo se diz, morreu aos 65 anos de idade em conseqncia de uma gripe contrada enquanto fazia experimentos numa ne- vasca. Para Descartes era possvel obter os elementos, o fato e a razo que so cruciais em cincia sem recorrer experimentao; no entanto, esta no , geralmente, a maneira da cincia progredir. A razo se amplia na experimentao mas est enraizada na observao.

    Bronowski (17) observou que a cincia uma maneira de descrever a realidade e , portanto, cirsunscrita pelos limites da observao e nada afirma que esteja alm da observao. Qualquer outra coisa no cincia academismo. Aqui Bronowski evoca a imagem de escolasticismo, filosofia da Europa Ocidental, na Idade Mdia, que era essencialmente anti-emprica e, certamente, anti-experimental no sentido moderno. Mas, quando diz que a cincia est circunscrita pelos limites da observao, estabelece uma das fronteiras da metodologia cientfica. Quando diz que a cincia no afirma nada que esteja fora da observao, est formulando um outro dogma bsico do mtodo cientfico. O observvel a verdadeira pedra fundamental da cincia. Einstein sugeriu que a unidade fundamental na fsica era: evento sinal observador. Com isto queria dizer que

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  • quando ocorre um evento apresenta-se alguma manifestao exterior que requer a presena de um observador para registr-la. Certamente, este trio, evento-sinal-observador, bsico para outras cincias, alm da fsica; e da responsabilidade do cientista, seja qual for a disciplina em que trabalha, observar cuidadosamente o sinal que representa o evento e registr-lo com exatido. Esta a razo pela qual a instrumentao se desenvolveu. Disseram que o homem est entre um tomo e uma estrela, e que inventou o microscpio e o telescpio para ampliar sua viso em ambas as direes. Os principais objetivos a que serve um instrumento so: possibilitar uma observao acurada de modo a eliminar o vis do observador e ampliar e quantificar as observaes do pesquisador.

    Existem, sem dvida, problemas na observao e em qualquer discusso sobre o observador. importante mencionar Heisenberg, fsico alemo que, em 1927, estabeleceu o Princpio da Incerteza (ou Indeterminismo), que afirma no ser possvel determinar, ao mesmo tempo, a posio e a velocidade de um eltron. O observador deve se restringir a um ou a outro fato. Se escolhe observar a posio do elctron com preciso, deve renunciar a uma avaliao precisa de sua velocidade, ou vice-versa2. O Princpio da Incerteza passou a significar que, para estudar um fato, o observador deve interferir no seu curso natural. E, portanto, o cientista no pode ter toda a informao relevante que precisa ao mesmo tempo. Naturalmente, isto considerado na pesquisa e, realmente, constitui a base dos repetidos experimentos nos quais so estudadas isoladamente variveis diferentes. O Princpio da Incerteza foi invocado, em psicologia, em discusses sobre assuntos tais como a introspeco, porque no verdadeiramente possvel olhar-se para si mesmo com clareza.

    Voltando afirmao de Bronowski de que tudo o que est fora da observao no cincia, gostaria de elabor-la segundo meu pon

    (2 ) Como disse Margenau, (35) esta afirmao no inteiramente correta. Pondera que j dispomos de tcnicas mediante as quais possvel fazer tais mensuraes, e que essas medidas, no entretanto, no so to significativas.

    23

  • to de vista, para dizer que um dos requisitos crticos da observao o de ser replicvel, isto , relatada por outros que tambm so capazes de ver e registrar. Isto o que se quer dizer quando se fala de uma linguagem de dados em cincia. Um exemplo simples seria o do fsico ao ler o movimento de um ponteiro no qual um observador pode registrar uma alterao no ponteiro, medi-la e repetir essa observao com outras pessoas. Quanto mais precisa for a mensurao, tanto mais semelhante ser a rplica da observao. Um dos problemas bsicos da psicologia tem sido o da ausncia de uma linguagem universal de dados, qual poderiam se relacionar as obiservaes e com a qual estas poderiam ser expressas. Por exemplo, obviamente diferente falar de uma personalidade desajustada e de um desvio de trs graus num ponteiro. A margem de erro na primeira descrio grande, enquanto que na segunda mnima. Greenspoon (31) e Da- vis (23) consideram a necesidade que a psicologia tem de uma linguagem de dados para refinar a observao e a descrio psicolgicas. Ambos sugerem referentes fsicos para a observao e a descrio psicolgicas. A linguagem de dados da psicologia ser discutida um pouco mais pormenorizadamente na parte relativa aos mtodos operacionais, pg. 51.

    Sugiro, portanto, que, se a observao no for clara e replicvel dentro dos limites de uma observao definida, ela no passvel de um estudo cientfico. possvel que isto venha a ocorrer no futuro quando os instrumentos ampliarem a capacidade de medir e observar; porm, de maneira alguma isto muda o^critrio das fronteiras cientficas. Conforme vimos ao discutir as aracte^sticas da cincia, melhor esperar do que criar uma resposta inadequada.

    Muitas reas de estudos podem ser abordadas, experimentalmente, com tcnicas estatsticas e de planejamento sofisticadas e acessveis cincia; e, no entanto, podem permanecer fora do domnio da investigao cientfica. Uma delas, escolhida porque ilustra muitos dos aspectos que desejo considerar, a rea da parapsicologia, o estudo dos fenmenos paranormais, tais como a telepatia e a percepo ex- tra-sensocial (ESP). No h dvida que existem investigadores diligentes, laboriosos e produtivos na parapsicologia. At o momento,

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  • contudo, apesar do uso de instrumentos cientficos, tais como planejamento experimental e provas estatsticas, existem fatores que colocam a parapsicologia fora das fronteiras da cincia. Um destes fatores o problema da replicabilidade do observador. Por exemplo, o insucesso de um pesquisador, na obteno de resultados com um determinado sujeito experimental enquanto que outro pesquisador, aparentemente, obtm bons resultados, em termos de altos escores em tarefas de percepo extra-sensorial, foi explicado como um problema de atitude. Um experimentador hostil hiptese da percepo extra- sensorial no obter bons resultados enquanto que o experimentador simpatizante os obter. A suposio (ainda no comprovada) de que estas atitudes afetam a atividade mental do sujeito.

    Ainda que possa parecer desnecessariamente restritivo, deve-tse dizer que os dados da parapsicologia no podem ser admitidos como cientficos at que tantais observaes de diferentes experimentadores, feitas sob condies especficas e com controle de variveis, no sejam coerentes. Isto no condena tais dados ao limbo do qual no possam retornar. Simplesmente significa que a observao de Bronowski sobre o carter no cientfico dos eventos que esto fora do alcance da observao deve ser levada em considerao ao se avaliar esta investigao, mesmo quando os experimentos so cuidadosamente concebidos e executados.

    A parapsicologia no a nica a sofrer os efeitos do problema de rplica do observador. Muitas reas da psicologia trabalham tendo estas inconvenincias, em grande parte, porque, como disse anteriormente, no dispem de uma linguagem de dados suficientemente clara para permitir (ou criar) a concordncia entre os observadores. Desta forma, a parapsicologia obtm resultados diferentes de diferentes sujeitos sob condies experimentais diferentes. Esta variabilidade de desempenho, ainda que lamentvel, no rara. O que parece excluir a parapsicologia do corpo da cincia sua pressuposio inicial de eventos para-normais, ilustrada pela expresso extra-sensorial. Esta pressuposio inicial afirma que os dados da parapsicologia esto alm dos eventos normais, e a pesquisa sempre foi orientada por esta suposio. A cincia parte da afirmao bsica de que os eventos na natureza

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  • (incluindo comportamento) so ordenados e obedecem a leis e de que o objetivo de um cientista buscar a ordem e a' similaridade.

    Creio (e esta obviamente uma preferncia pessoal) que o estudo da telepatia poderia comear, com mais propriedades, com um estudo mais intensivo da percepo normal e no com a afirmao inicial sobre o para-normal. Mesmo o espiritualista mais dedicado, ao se referir a almas, usa meios fsicos de viso e audio para conjurar os e$|>ritos, As pessoas no relatam vises? Ento o mais indicado seria coihear por um exame completo da percepo normal desses indivduos. Quando os horizontes so ampliados para abranger o estudo de vises alm do espao e do tempo, a preocupao deve continuar amesma, isto , buscar a ordem e no ignorar as explicaes mais econmicas. A pessoa que oferece uma explicao notoriamente fora do corpo comum das leis de uma cincia tem o encargo de prov-la. Ningum pode esperar que o cientista aceite evidncias sobre a reencar- nao das almas sem uma prova cientificamente obtida, e isto no significa anedotas sobre espritos ou sobre existncias anteriores. As dificuldades encontradas ao se procurar estudar cientificamente estes problemas so ilustradas num ensaio de Ian Stevenson (60) sobre o destino da personalidade do morto e a reencarnao. Estes relatos incluem observaes apresentadas numa linguagem difcil de incluir nas metodologias padronizadas, embora, a princpio, por exemplo, o mesmo tenha ocorrido com as formulaes originais de Einstein relativas ao espao e ao tempo. A diferena bvia a de que as observaes de Einstein foram confirmadas.

    A maior dificuldade que se coloca parapsicologia a aceitao de uma posio dualista que a separa completamente das cincias naturais. No tenho inteno de me envolver no problema mente-corpo neste ponto o livro demasiado pequeno para tanto somente afirmarei que a psicologia, como cincia, precisa aceitar a posio mo- nstica da cincia e rejeitar a tentao de lidar com os eventos mentais como se eles tivessem uma existncia separada dos eventos fsicos. A principal razo para isto deriva do simples fato de que esta posio foi bem sucedida em outras cincias e est de acordo com o objetivo de buscar a ordem e a uniformidade que bsica na metodologia cient-

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  • fica. O argumento de que existem obviamente eventos mentais tais como os processos de pensamento e os sonhos novamente confunde o assunto, porque o estudo desses eventos deve obedecer s linhas estabelecidas em cincia. O leitor interessado poder encontrar uma discusso mais ampla desta linha monstica em Greenspoon (31) e Ryle (43).

    Esta posio de rejeitar observaes que ultrapassam as fronteiras da cincia pode parecer restritiva e limitativa mas, aqui tambm cabe pessoa que apresenta as observaes apresentar as provas. Isto, freqentemente, cria um mrtir da rigidez cientfica (tais como o foram Pasteur, Koch ou Semmelweiss) mas, como vimos, dados e no homens subsistem. s vezes, o mrtir apresenta um caso fundamentado e razovel, como na citao que se segue: Para mim a verdade preciosa. . . Prefiro estar certo e s, do que acompanhar a multido e estar errado. . . A defesa das perspectivas aqui expostas chegou at o ponto de alguns de meus companheiros me escarnecerem, desprezarem e ridicularizarem. Olham-me como se eu fosse uma pessoa rara, estranha e peculiar. . . Mas a verdade a verdade, e ainda que todos a rejeitem e se voltem contra mim, continuarei apegado a ela. Estas frases impressionantes e corajosas so de um livro de Ford (25), publicado em 1931, no qual prova o achatamento da terra. A afirmao de Gardner, citada na pg. 21, sobre a necessria ortodoxia da teimosia da cincia no pode ser melhor ilustrada do que o com esta citao de Ford. Se sua informao difere das informaes ordenadas da cincia sua a responsabilidade de oferecer as provas. Atender estas responsabilidade da cincia.

    Raciocnio a partir de experimento: a busca de ordem e lei. O primeiro passo no mtodo cientfico, portanto, a observao ou a coleta emprica de fatos. Mas, fatos no so suficientes por si mesmos. Constituem, somente, o primeiro passo. Conforme mencionei, a ordenao atravs da atividade fundamentada essencial para atingir os objetivos da cincia. A cincia no se confunde com a coleo de fatos isolados por maior que tenha sido a preciso de uma observao e de seu registro. O que caracteriza o mtodo cientfico a busca de

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  • coerncia ou ordem entre os fatos3. Sem dvida, registrar X, Y e Z com preciso o primeiro passo crtico, mas a cincia, eventualmente, deve descrever as semelhanas existentes entre as variveis e suas relaes funcionais. Bronowski (18) observou: . . . a verdade em cincia no a verdade a respeito do fato, que nunca pode ser mais do que aproximada, mas a verdade das leis que vemos nos fatos.

    O cientista parte da observao cuidadosa dos fatos para uma busca de ordem, de coerncia e uniformidades, de relaes funcionais que obedecem a leis entre os eventos que estudou. Comeando com um evento isolado ele tenta encontrar cada vez mais informaes que relacionar os eventos em uma ordem significativa e coerente. Requeruniformidade de eventos. Bronowski, em outro trecho, diz:

    /

    N o podem o^aefinir a verdade em cincia antes de passar do fato lei. Dentro do corpo das leis, por sua vez, o que nos impressiona a coerncia ordenada das partes. Elas se ajustam umas s outras como personagens em uma boa novela, ou como palavras em um poema. Deveramos realmente conservar sempre presente esta ltima analogia. Pois cincia linguagem, e como linguagem define suas partes pela maneira pela qual compe um significado.

    Cada palavra na sentena tem alguma impreciso de definio, e no obstante a frase define seu prprio significado, por conseguinte, o das palavras que a compem*. A unidade e a coerncia eterna da cincia lhe do a verdade que a torna um sistema melhor de predio do que qualquer linguagem menos ordenada. (19)

    Neste sentido, conforme sugeriu Bronowski, a cincia torna-se uma linguagem para descrever a natureza. Comea com uma declarao de f ao afirmar que o mundo ordenado, que os eventos do mundo podem ser comprendidos e que so sujeitos a leis. No caso da psicologia e do estudo do comportamento isto no pode funcionar eficientemente como cientfico a menos que aceite a afirmao de que o comportamento pode ser compreendido e est sujeito a leis, reco

    (3) Em 1848, Renam escreveu no U Avenir de la Science (O futuro da cincia): Todas as cincias especiais comeam pela afirmao da unidade e somente iniciam a diferenciao quando a anlise revela numerosas diferenas onde, anteriormente, somente era visvel a uniformidade. Leia os psiclogos escoceses e ver em cada pgina que a primeira regra do mtodo filosfico manter separado o que distinto, no antecipar fatos com uma reduo apressada unidade e no retroceder ante a multiplicidade de causas.

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  • nhecendo tambm o fato algo ingnuo de que a finalidade da cincia controlar o comportamento. Posteriormente, quando falarmos sobre consideraes ticas em pesquisa, discutiremos alguns dos problemas de tica no controle do comportamento. No momento, preciso somente observar que a psicologia, como disciplina cientfica, aceita o dogma geral da existncia de lei e uniformidade dos eventos naturais, um dogma que qualquer outra cincia considera como um fundamento crtico.

    Desta forma, a observao nos conduziu experimentao e esta nos levou busca de ordem e uniformidade nas quais podemos busear as leis. Sidman ofereceu um relato interessante sobre uma experincia pessoal que ilustra a importncia das uniformidades na metodologia cientfica. Escreve:

    Quando jovem estudante universitrio. . . achei que meu trabalho deveria ser diferente, que deveria produzir algo novo que assombrasse o mundo. Seguindo esta orientao, certa vez elaborei um trabalho escrito descrevendo parte de um trabalho, no qual destacava como meus experimentos eram liferentes de qualquer outro at ento realizado. Um dos meus professores, W. N . Schoenfeld, concordou que os dados eram muito interessantes, mas prosseguiu acrescentando que eu tinha escrito o trabalho de um ponto de vista muito peculiar. Tinha enfatizado as diferenas entre meu trabalho e o de outros autores. Porm, co- mumente a cincia no progride desta forma. A tarefa da cincia encontrar as relaes ordenadas entre os fenmenos, no diferenas. Teria sido mais fil se eu tivesse indicado suas semelhanas entre meu trabalho e os experimentos anteriores. (44)

    De forma alguma isto significa que os cientistas buscam a conformidade. Nem esto meramente tentando repetir experimentos dos outros ou pondo em dvida os dados experimentais que outros tenham obtido. Longe disto. Significa, simplesmente, que quanto mais desenvolvermos as semelhanas e as relaes ordenadas entre os eventos, mais prximos estamos da predio e do controle efetivos de nossa cincia. Por exemplo, quando descobrimos a semelhana que existe entre o bacilo, o vrus e o cristal, ou a semelhana funcional que pode existir entre a clula, o organismo e a sociedade, mais nos aproximamos de uma predio eficiente.

    Predio a partir da observao e do experimento. Ressaltei que a cincia uma tcnica para ordenar os eventos em relaes que obe

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  • decem a leis e que o obetivo da cincia predio e controle baseado nessas leis. Usualmente, a lei descrita como uma coleo de fatos agrupados num corpo coerente de conhecimentos, a partir dos quais possvel fazer predies. bvio que nenhuma predio completamente certa porque no possvel conhecer todas as variveis que operam em uma determinada situao. Tudo o que exigimos de uma predio que se baseie numa ordenao dos eventos expressa em lei, e que prediga, to precisamente quanto possvel, o que acontecer em um evento futuro dentro de uma margem de incerteza.

    ( Isto introduz um conceito bsico de probabilidade que fundamental para o mtodo cientfico. Referimo-nos s probabilidades ue ocorrncia de um evento. Num dado sentido estamos ponderando as oportunidades de que se X for manipulado de certo modo, modi- ficar-se- de certa forma. A experimentao claramente um mtodo para aumentar a probabilidade de que a predio seja correta.

    Tomemos um exemplo simples. Se voc estivesse observando um co beber gua, provavelmente diria que o animal tinha sede, inferindo, a partir de experincia passada, que o co que bebe gua esteve privado dela e tem sede. Trata-se de uma inferncia provvel e possivelmente de uma conjectura suficientemente boa. Ainda que esta seja a explicao mais provvel para seu comportamento, tambm possvel que outros fatores tenham desempenhado certo papel. Por exemplo, uma vespa pode ter picado sua lngua, ou que tenha comido algo apimentado ou talvez esteja tentando pegar um bocado de carne que se encontrava no fundo da vasilha. Todos estes so eventos pouco provveis em termos de freqncia de ocorrncia, portanto, baseamos nossa interpretao da sede do co em nossa experincia passada. Se desejamos aumentar a probabilidade de que nossa explicao seja correta, precisaramos experimentar. Prendemos o co e o privamos de gua durante 48 horas. Ao fim desse perodo, poderamos oferecer-lhe comida e gua e verificar quo ativo o seu comportamento de beber. Supondo que a privao tenha produzido uma necessidade fisiolgica dc gua e aumentado a probabilidade de que ele beba gua, poderamos ter mais confiana na privao como uma varivel crtica no comportamento de beber. Uma vez estabelecido isto, poderamos vol

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  • tar s nossas explicaes anteriores do comportamento do co com mais informaes e confiana.

    Deve-se ter em mente que em toda a predio h sempre um elemento de incerteza. O cientista deve estar constantemente procurando mtodos para melhorar a preciso de suas predies. Quando falvamos sobre controle dos eventos era essencialmente isto que estvamos querendo dizer. interessante notar que na rea da predio algumas pessoas que comumente aceitam os princpios bsicos da cincia, tais como observao acurada, descrio e experimentao, sentem ter entrado na terra do sem-fim. Sir Oliver Lodge, por exemplo, observou: Embora um astrnomo possa calcular a rbita de um planeta ou de um cometa ou mesmo de um meteoro, embora um fsico possa lidar com a estrutura do tomo e um qumico com suas possveis combinaes, nenhum bilogo ou outro cientista pode calcular a rbita de uma mosca comum. Bem, com todo o respeito devido a Sir Oliver, esta uma afirmao bastante infeliz. Em primeiro lugar, quem poder jamais dizer que impossvel conseguir algo? Somente uma pessoa pessimista ou de viso limitada poderia supor que as observaes ou mensuraes atualmente inacessveis permanecero sempre alm de nosso alcance. Uma leitura cuidadosa da afirmao altissonante de Sir Oliver sugerir uma questo. Quem j tentou calcular a rbita de uma mosca comum?

    Estou certo de que se fosse suficientemente importante dispor deste clculo, iniciativas poderiam ser tomadas no sentido de tentar e de medir. Joguemos, por um momento, com esta especulao porque ela parece atingir o ponto central de algumas das consideraes que fizemos. Afirmamos que o comportamento obedece a leis e, assim sendo, se seguimos nossas crenas, a rbita de uma mosca, digamos, numa catedral, deveria ser compreensvel, desde que tivssemos suficiente informao sobre o organismo e o meio no qual est se comportando. Como proceder para obter informao pertinente predio da rbita desta mosca em particular? Talvez se pudesse comear com um exame das correntes de ar na catedral. Suponhamos que se divida a catedral em quadros, e, ao fazer observaes e mensuraes acuradas, verifica- se que no ponto B-6, que est a 30 ps do solo e a 25 ps da parede

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  • ocidental, h uma forte corrente de ar, que oferece uma resistncia considervel a qualquer objeto que se encontra na referida coordenada. Podemos considerar que seria menos provvel que uma mosca voasse para uma rea de resistncia, que se oporia ao seu vo, do que para uma outra rea que lhe oferecesse menos obstculos. Isto pode estar completamente errado mas, pode ser, pelo menos, um comeo para calcular a rbita. Pode acontecer que, depois de algumas investigaes, descubra-se que as mudanas de temperatura constituam uma varivel crtica. Certamente isto parece ser verdadeiro no clculo da migrao dos pssaros e no do comportamento de desova do salmo, os quais Sir Oliver tambm poderia ter considerado alm das possibilidades dos cientistas. Alm do mais, variveis orgnicas podem existir tais como a presena de moscas do sexo feminino, a resistncia da mosca, o tempo decorrido desde sua ltima refeio, e outras que podem parecer relevantes.

    Certamente no tenho a inteno de traar as cordenadas para testar a idia de que possvel predizer a rbita de uma mosca numa catedral, mas tenho certeza de que, se isto tivesse alguma importncia em cincia, algum poderia desenvolver um meio para fazer tal predio. Podemos simplesmente oferecer nossos respeitos a Sir Oliver e ignor-lo neste contexto.

    At o presente considerei os elementos da observao, experimentao e predio no que se relacionam com o mtodo cientfico e os fins ltimos de compreenso, predio e controle. Porm, no me detive muito tempo no problema do controle em si mesmo. evidente que, quando fomos capazes de predizer os eventos com xito, obtivemos um certo grau de controle sobre eles. Voltarei mais tarde a este assunto quando discutir a manipulao experimental. No momento, gostaria de retomar a um outro elemento bsico da cincia que se inicia, aquele que, como a observao, bsico em todas as cincias, seja ela de tiva ou experimental. Trata-se da mensurao.

    Mensi o em cincia. Discutindo a questo da descrio na metodologia cientfica, usei vrios exemplos que se referiam a eventos to diferentes como um vrus, uma mosca e um co. Existem diferentes nveis de descrio em cincia, variando desde a descrio da

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  • atividade celular em um ser humano at a corte, feita por este mesmo ser humano, sua namorada. Quanto menor o foco de atividade mais fcil medi-lo. Por exemplo, um cientista poder ser infinitamente mais preciso na descrio da atividade eltrica que se verifica na membrana de uma clula de uma pessoa do que na descrio de seu comportamento ao encontrar o namorado. Existem reas de problemas muito complicadas, tais como as tenses que levam guerra e os preconceitos raciais e religiosos, que ainda no fomos capazes de resolver. No fomos capazes de resolv-los, em grande parte, porque eles no podem ser descritos adequadamente. Considerando estas reas de problemas significantes, concordo com Underwood (63), que observou: Defenderia a proposio de que a pesquisa em psicologia necessariamente envolve mensurao e que a rapidez com que a pesquisa ir abranger. . . comportamentos significantes depende de nossa habilidade para dividi-los em partes relevantes que possam ser medidas. Por exemplo, no se pode medir preconceito, que somente um termo geral para um grande nmero de atividades. Contudo, podemos comear subdividindo preconceito em partes relevantes, catalogando o nmero de hotis e restaurantes de uma determinada comunidade que recusam admitir membros de um grupo minoritrio. Em verdade, isto somente um pequeno comeo de mensurao mas, de qualquer forma, um comeo.

    As duas questes bsicas em mensurao so: 1) o fenmeno existe? e( 2) se existe, em que extenso? Quando estas questes so colocadas em termos cientficos, a primeira se refere a um tipo nominal de mensurao. Como o termo nominal sugere, trata-se de uma operao de denominao que simplesmente diferencia um evento de outro. freqentemente uma base de descrio da mensurao. Por exemplo, a classificao de flores ou de pssaros uma operao nominal. Mas vejamos a que isto pode conduzir.

    Em uma outra ilustrao, a numerao dos prisioneiros num presdio nominal. Esta classificao bsica pode ser suficiente para as necessidades das autoridades da priso, mas possvel que elas desejem separar os prisioneiros em grupos de acordo com uma estimativa da severidade do crime pelos quais foram condenados. Consi

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  • derando que a falsificao um crime menos srio do que o assassinato, o prisioneiro n. 400-097 (um falsificador) colocado num bloco de celas diferentes daquele no qual colocado o prisioneiro n. 400-789 (um assassino). Os nmeros diferenciam os dois em uma escala nominal, a separao em termos de gravidade do crime os diferencia numa escala ordinal. aparente que uma escala ordinal, como a classificao da severidade do crime, pode ser altamente subjetiva. Suponha ser possvel elaborar uma escala exata de severidade de forma que o intervalo assassinato
  • sistema nervoso autnomo, em evento fisiolgico suscetvel de men- surao. Recentemente, o comportamento encoberto freqentemente indicado como inconsciente e presumivelmente no sujeito investigao experimental foi estudado de uma forma engenhosa e cuidadosa por Hefferline e seus colaboradores (32). Existe uma indicao clara da possibilidade de medir eventos mnimos de com- partamento com registros fisiolgicos.

    Sempre se considerou correto que a informao de que um cientista dispe depende amplamente do aprimoramento dos seus instrumentos. Anualmente, medida que os instrumentos de que o pesquisador dispe so aperfeioados, mais informaes das consideradas subjetivas so submetidas ao escrutnio da investigao experimental. Um dos meios de comear a mensurao atravs do uso de representaes fsicas ou matemticas dos objetos ou acontecimentos. J mencionei o uso dos graus de temperatura para medir graduaes de quente e frio. Aceitamos um termmetro como indicao fidedigna das gradaes de temperatura.

    Seria interessante recordar as origens do termmetro, sempre tile presente. Antes do sculo XVII, uma medida do tipo nominal era considerada suficiente par avaliar frio e quente. Parecia suficiente dizer que alguma coisa estava quente ou fria, ou empregar alguma escala comum muito grosseira, dizendo est mais frio do que ou est mais quente do que. Conforme Asimov (2) observou, para submeter a temperatura mensurao quantitativa foi necessrio primeiro encontrar alguma mudana mensurvel que parecia ocorrer dum modo uniforme com a mudana de temperatura. Uma mudana desse tipo foi encontrada no fato de que as substncias se dilatam quando aquecidas e se contraem quando resfriadas. Ele prossegue discutindo a pesquisa de Galileu, em 1603, que primeiro tentou usar o fato de que substncias se dilatam quando aquecidas e se contraem quando resfriadas, inserindo um tubo de ar que tinha sido aquecido num recipiente de gua. medida que o ar contido no tubo comea a tender para a temperatura ambiente, se contrai e a gua entra no tubo, criando o primeiro termmetro. Quando a temperatura ambiente mudou, o nvel da gua

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  • no tubo mudou tambm. Se o quarto se aquecia, o ar no tubo se dilatava e baixava o nvel da gua; se o quarto esfriava, a gua se contraa e o seu nvel subia. O nico problema era que o recipiente da gua em que se havia inserido o tubo era exposto ao ar e a presso deste se modificava continuamente. Isto tambm fazia o nvel da gua subir e descer, independentemente da temperatura, desordenando os resultados.

    Conforme Asimov faz notar, em 1654 o Duque de Toscana fabricou um termmetro que era independente da presso do ar, contendo um\ lquido fechado num bulbo ao qual foi ligado um tubo es- treito^ ^/ contrao e expanso do prprio lquido foi usada como indicao de mudana de temperatura. Os lquidos mudam muito menos de volume com a temperatura do que o fazem os gases; usando um reservatrio de lquido de tamanho e forma adequados, de maneira que o lquido somente possa se expandir atravs de um tubo muito estreito, a elevao e a queda dentro do tubo, mesmo para pequenas mudanas de volume, pode torriar-se considervel. (2) Boyle fez um experimento semelhante, mais ou menos ao mesmo tempo que o do Gr-Duque de Toscana, e demonstrou que o corpo humano mantm uma temperatura constante usualmente mais elevada do que a temperatura ambiente. A gua e o lcool foram os primeiros lquidos usados na criao dos termmetros, mas a gua tendia a congelar-se e o lcool a evaporar-se. Assim, o fsico francs Amontons tentou usar mercrio. No termmetro de Amontons (como no de Galileu), a expanso e contrao do ar produziam uma elevao ou uma depresso no nvel do mercrio. Foi em 1714 que Fahrenheit combinou o trabalho do Gro- Duque de Toscana com o de Amontons, encerrando o mercrio num tubo e empregando sua prpria expanso e contrao com a temperatura como indicador. Alm disso, Fahrenheit fez outra contribuio, acrescentando ao seu tubo de mercrio uma escala de grau de forma que a temperatura pde ser lida quantitativamente. Ningum sabe ao certo qual foi o mtodo pelo qual Fahrenheit chegou escala particular que usou em seu termmetro. Conta-se que marcou zero no ponto em que obteve, em seu laboratrio, a temperatura mais baixa, misturando sal com gelo, marcando depois o ponto do congelamento da

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  • gua pura em 32 graus e sua ebulio em 212 graus. Embora isto parea um tanto arbitrrio, foi eficaz porque foi mantido conseqentemente.

    Em 1742, Celcius, um astrnomo sueco, adotou uma escala diferente. Na etapa final do seu desenvolvimento colocou-se o zero no ponto de congelamento da gua e 100 no seu ponto de fervura, substituindo o 32 e 212 de Fahrenheit. Como a escala foi dividida em 100 graus, recebeu o nome de escala centgrada. A diferena entre a escala de Fahrenheit e a centgrada continua importunando os estudantes que tentam recordar se de cinco nonos mais 32 ou nove quintos mais 32 da Fahrenheit para a centgrada. Devido ao fato de a escala centgrada (ou, como a denominam muitos cientistas, a escala de Celcius) ser mais conveniente, uma vez que se ajusta ao sistema mtrico, mais amplamente usada pelos cientistas, embora a escala de Fahrenheit seja a mais popular nos Estados Unidos nas mensura- es no-cientficas da temperatura.

    Voltando s nossas consideraes originais sobre modelos, um termmetro, seja qual for a escala de temperatura que usa, representa um modelo fsico de contrao e dilatao de uma entidade fsica e um reflexo das mudanas do ambiente.

    Mais adiante, no Captulo IV, falarei um pouco mais sobre o uso das operaes fsicas na definio. No momento gostaria de comentar mais um modelo fsico que usado como meio de mensurao na nossa tentativa de ordenar os dados de nosso mundo. Esse modelo o relgio, um aparelho que tenta duplicar o movimento rtmico aparente do sol. Com base nesse modelo fundamental de movimento, a mudana de posio dos ponteiros de um relgio passa a significar a passagem de tempo designada em termos de segundos, minutos e horas. Num amplo sentido, pode ser possvel comear uma considerao do tempo pela escala nominal, tais como a deciso binria de dia/noite, cedo/tarde, e assim por diante, passando, a seguir, para gradaes de mais dias ou mais noites, mais cedo ou mais tarde. As gradaes so ento assinaladas em termos de unidades de tempo, em ltima instncia, duplicam as mensuraes inerentes ao movimento aparente do Sol.

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  • Nem todos os modelos pretendem ser repeties to claras de outras operaes fsicas. Quando se fala do crebro como um computador ou de um computador como um crebro gigante, tudo o que se pretende ilustrar a semelhana no armazenamento de informaes e nos processos de recuperao que ocorrem em crebros e computadores. Todavia, quer seja analogia, modelo, ou forma de um sistema con-

    ptual, a mensurao deve basear-se, em ltima anlise, em umaperao fsica, do contrrio se torna mera retrica.

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  • III

    Dois Mtodos Fundamentais da Pesquisa: Terico Formal e Terico Informal

    Chegou o momento de considerar o uso (e o desuso) da teoria em pesquisa. At aqui nos ocupamos da metodologia e nos limitamos a mencionar problemas relativos formulao e teste de hipteses.

    A metodologia predominante em cincia a abordagem terico- formal, envolvendo a tcnica de observao (tcnica emprica), a formulao e teste de hiptese (atravs da experimentao) e a construo de uma teoria, conduzindo a leis. A maioria das pessoas equipara mtodo cientfico com essa abordagem. Contudo, existe uma outra escola de pensamento que assegura serem os dados e no as hipteses que constituem o contedo da cincia e, alm disso, que a construo da teoria no precisa servir de obstculo para a investigao.

    Consideremos, sucessivamente, cada uma destas abordagens, em primeiro lugar o mtodo tradicional de elaborao da teoria, e depois o terico-informal, reconhecendo que, seja quais forem as diferenas metodolgicas que apaream na superfcie, os fins da cincia permanecero os mesmos: descrio, explicao, predio e controle.

    Dados, hiptese, teoria e lei: o mtodo terico formal. A observao bsica para o mtodo cientfico e com ela comea toda a pesquisa: Um pesquisador observa um evento, preocupa-se com ele, formula algumas idias iniciais sobre ele e se dispe a testar a preciso das suas idias. Esses so os principais elementos: observao hiptese experimentao verificao. Os que estudam construo de

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  • teoria usam, de modo caracterstico, trs conjuntos diferentes de operaes, ou proposies, ao avaliar a teoria. Estes conjuntos so:

    1) proposies empricas, que so afirmaes sobre o fato, o que o observador viu.

    2) proposies hipotticas, que so afirmaes de conjectura. Com base na proposio emprica o observador formula uma hiptese para explicar o evento observado, a ser testada em um experimento.

    3) proposies tericas, que so afirmaes das relaes funcionais entre as variveis.

    Marx (36) observou:

    0 tipo hipottico de proposio verbal que forma o elo entre as proposies empricas, ou fatos, e as teorias. As implicaes de uma teoria podem ser testadas somente por meio de predies cientficas ou hiptese experimental. Estas questes devem ser respondidas empiricamente. Portanto, a hiptese a pedra fundamental de toda a construo de teoria cientfica; sem ela a confirmao ou rejeio das teorias seria impossvel. O estabelecimento de proposies empricas considerado como indutivo em contraste com o desenvolvimento complementar das implicaes lgicas das teorias, ou seja, com a fase dedutiva da investigao cientfica.

    Em resumo, isto pode ser assim delineado:

    Observao Observao emprica dos jatos, dos eventos rela- 4 tados*

    Hiptese Enunciado da predio (se X for feito, deve resul-1 tar Y)

    Experimento Teste feito atravs da manipulao das variveis4

    Resultados Confirmao ou refutao da hiptese

    Teoria Enunciado das relaes funcionais entre as vanaveis

    O quadro de referncia terico passa a constituir uma referncia para as futuras observaes empricas, hipteses etc., enquanto a teoria se mantm como um corpo vivo de conhecimentos e conjecturas, sujeito a contnuas modificaes.

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  • Este sistema no parece diferir muito de outros tipos de tomada de deciso ou de soluo de problema. Uma pessoa comum que toma uma deciso ou resolve um problema tenta colher toda a informao que lhe seja possvel (em linguagem de computador ela escruta), avalia estas informaes em termos da situao presente e de suas experincias passadas (memria), decide sobre uma direo de ao, no que faz uma previso (ou hiptese) que uma determinada direo de ao ser melhor do que outra e, depois da ao, verifica sua hiptese. A operao final consiste em acumular esta experincia para futuras referncias, em um processo de realimentar a memria: (5)

    Hull (33) sugeriu quatro elementos essenciais para uma teoria cientfica correta que podem ser reelaborados e modificados da seguinte forma:

    1. Definies e postulados. Devem ser formulados sem ambigidades; coerentes entre si; sua natureza deve ser tal que possibilite dedues rigorosas.

    2. Dedues derivadas destes postulados devem ser feitas com cuidado meticuloso, expostas para serem testadas em todos os pormenores. Lacunas no processo dedutivo conduzem teoria imperfeita.

    3. Os teoremas significantes de um sistema cientfico devem tomar a forma de enunciados especficos do resultado de experimentos ou observaes concretas. Como vimos na parte anterior relativa s caractersticas da teoria, estas predies do resultado permitem uma comprovao do sistema terico.

    4. Experimentos cuidadosamente controlados devem ser planejados para testar os teoremas deduzidos.

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  • Hull resume sua posio observando que: A teoria cientfica em um melhor sentido consiste em rigorosa deduo lgica a partir de postulados definidos do que deve ser observado sob condies especficas. No h teoria quando h falta de dedues ou quando elas so logicamente invlidas; a teoria ser mais metafsica do que cientfica quando as dedues envolverem condies de observao cujo atendimento impossvel;. . . a teoria falsa quando as condies so preenchidas e o fenmeno deduzido no observado. (Itlicos meus)

    O ponto de vista de Hull o de que a natureza da teoria cientfica exige a determinao, por meio da observao, de sua verdade ou falsidade. Define a verdade como uma deduo trica que foi verificada pela observao, incluindo a experimentao rigorosa.

    Hull descreveu a teoria metafsica como envolvendo condies de observao impossveis de serem conseguidas. Segundo esse pensamento, podemos sugeri