beck (2002) individualization

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BECK, U. Individualization. 2002Captulo 14Zombie Categories: Interview with Ulrich BeckEntrevista feita por Jonathan Rutherford em 3/2/1999JR inicia pedindo a UB que desenvolva seu conceito de 'individualizao', comentando que tal conceito auxilia na compreenso do que tem acontecido na sociedade - transformao do trabalho, declnio da autoridade pblica e maior isolamento pessoal, maior nfase na individualidade e auto-dependncia, redefinio de relacionamento e balano de poder entre homens/mulheres, crescimento de culturas de initimidade, mudana nas esferas pblicas/privadas, enfim, um desenlace das formas de vida da sociedade industrial (classe, famlia, gnero, nao) [uma 'liquefao, no sentido de Bauman].UB inicia dizendo que seu conceito no term a ver com individualismo nem com o egosmo econmico do Thatcherism ou a emancipao de Habermas. "Individualizao" um conceito que descreve uma transformao sociolgica e estrutural das instituies sociais e as relaes do indivduo na sociedade. Ela sempre acontece em perodos de grandes transies histricas (como o fim do feudalismo). Esse conceito foi criado para analisar como as pessoas lidam com tais transformaes em relao a suas identidades e conscincias, e tambm para ver como suas situaes de vida e padres biogrficos so mudados.O conceito abarca, ento, o dissolvimento de papis identirios tradicionais na histria das sociedades, como classes sociais, posies entre homens/mulheres, conceitos de famlia, formas de trabalho e rotina, etc.Ao mesmo tempo que ocorre esse 'dissolvimento', um novo 'reagrupamento' ocorre, novas formas de reintegrao e controle so criados. O indivduo torna-se o responsvel pela reproduo do social em sua prpria vida.A dependncia do indivduo do mercado de trabalho resulta em uma nova padronizao a cada processo de individualizao. O indivduo depende de educao, consumo, cuidados mdicos, psicolgicos, pedaggicos, etc.O autor atenta para o paradoxo da individualizao: o indivduo removido de compromissos tradicionais e relacionamentos de base, mas os troca por restries de existncia no mercado de trabalho, ao mesmo tempo em que para ele vendido a ideia de 'controle individual', 'vida por seus prprios termos'.H mais mudanas ocorrendo 'no papel' do que em comportamentos e condies sociais, o que acaba reforando das diferenas sociais existentes.JR pergunta a UB o que est mudando - pessoas ou instituies, e UB responde que ele est falando sobre 'categorias zumbis', como 'famlia', 'classe', 'bairro'. O autor acredita que as pessoas esto mais cientes das novas realidades do que as instituies, mas ao mesmo tempo, essas categorias ainda permanecem com o mesmo peso valorial em certos crculos sociais. Cada pessoa acha que vai solucionar os problemas que seus pais no conseguiram resolver [Como nossos pais - Elis Regina]O autor passa a dar o exemplo de famlia como zombie category. "Ns estamos entrando em relacionamentos opcionais dentro das famlias que so muito difceis de identificar de modo objetivo e emprico porque so uma questo de deciso e perpectivas subjetivas" (204)"A tenso na vida familiar hoje vem do fato que a equalizao entre homens e mulheres no pode ser criada a partir de uma estrutura institucional familiar que pressupunha a desigualdade entre ambos." (204)A possibilidade de escolha entre cada uma das partes (eu diria a possibilidade de escolha por parte das mulheres) fez com que as pessoas (mulheres) ficassem cientes dos contrastes e desigualdades em cada parte, e como no h um consenso fixo social nesse sentido as pessoas so obrigadas a negociar seus relacionamentos, o que transforma o conceito de fmaliaHoje a individualizao bem ntida em termos de sujeito: identidades de gnero e sexualidades.O autor chama ateno para o que ele chama de 'capitalismo sem classes', uma 'evoluo do marxismo'. Para os marxistas, a sociedade se baseia em diferenas de classe bem delimitadas. Para UB, o dinamismo do mercado de trabalho dissolveu tais classes sociais.Houve uma mudana nas condies de vida da populao desde 1960, em face de processos de democratizao poltica, social e cultural. A individualizao se relaciona a esse ltimo processo, no qual princpios da democracia esto sendo organizados em relaes dirias e relacionamentos (propiciada por aberturas de escolha nas configuraes sociais - democracia, aqui, significa a abertura de negociaes entre as partes de uma determinada estrutura). "Ns estamos vivendo sob as pr-condies da democracia internalizada: a crena na igualdade de relacionamentos, no dilogo ao invs da violncia ou da imposio da autoridade como elemento principal de acordo entre partes." (205)A grande dvida : as categorias zumbis existem porque a sociedade no muda (ou muda muito lentamente/mais devagar que nosso desejo) ou porque ainda utilizamos tais termos/desejamos que tudo permanea o mesmo e assim deixamos a sociedade estratificada/sem grande mudanas?JR chama ateno para o que o autor chama de cultura - diferente do marxismo que a considera uma atividade determinada, UB v cultura como uma experincia/atividade relativamente autnoma e transformativa na qual seres agem e criam o mundo material.UB diz que discorda da velha e mecnica viso marxista do capitalismo, que d uma descrio singular e rgida do modo que a sociedade construda. O autor chama ateno para a transformao em uma "segunda modernidade": Na primeira, temos a base de uma sociedade Estado-Nao, ou identidades como "classe", "famlia". Tudo girava em torno do trabalho e do modo de produo baseado na explorao da natureza. Essa modernidade est sendo modificada por 4 desenvolvimentos: individualizao; globalizao como um fenmeno econmico, sociolgico e cultural; desemprego/subemprego como desenvolvimento estrutural e uma crise ecolgica. Nessa segunda modernidade, estamos caminhando em direo a uma nova forma de capitalismo, uma nova ordem global e um novo tipo de dia-a-dia. "Precisamos comear outra vez e nos perguntarmos questes bsicas sobre como vivemos e como podemos responder a essas mudanas e analis-las em termos sociolgicos" (206)JR pergunta se h desenvolvimentos desiguais entre sociedades, e UB responde que sim, obviamente, e que esse processo no deve ser simplificado. H vrios estgios de desenvolvimento de individualizao em diferentes sociedades acontecendo ao mesmo tempo.JR questiona se a individualizao no est se reportando somente a uma elite metropolitana e letrada. UB responde que no, que v classe como uma categoria zumbi. Relata ele a dificuldade que tinha na dcada de 1980 de explicar o conceito de 'classe' a seus alunos, os quais no se viam como "membros insconscientes de uma classe x", pois eles tinham uma autopercepo cultural diferente."Se voc prestar ateno em como uma sociologia calcada no coneito de classe define as categorias de classe, voc percebe que ela depende do que est acontecendo nas famlias e nos ambientes domsticos. Definies empricas de identidades de classe esto fundadas em categorias de ambientes familiares definidos por um lar que tem um homem no comando ou pelo menos como o responsvel principal do ambiente. Ningum pode conceituar de fato o que um lar ou uma famlia hoje em dia, no em termos econmicos ou sociais" (206-207)As categorias zumbis so zumbis porque existem em conjunto, isto , no se pode falar em 'classe' sem resvalar e pressupor conceitos de 'famlia', 'raa', 'gnero', 'sexualidade', etc.Pesquisas na Alemanha mostram como o processo de individualizao tambm acontece em camadas sociais pobres, e no somente na parcela rica da populao."O capitalismo sem classes no significa menos desigualdade no futuro, e sim mais" (207)O termo "pobreza" tambm precisa ser modificado em face dessa "segunda modernidade", ou seja, ele tambm uma categoria zumbi, no sabemos o que se esconde por trs desse termo. "Isso no significa que essas pessoas no sejam pobres, e sim que no podemos prever com um indicador especfico o tipo de vida que elas levam e que tipo de conscincia se desenvolve para fora dessa condio"."Se voc est interessado no que est acontecendo na cabea das pessoas e os modos de vida que elas esto levando, voc precisa se livrar das categorias tradicionais" (207)UB diz que possvel traar relaes entre o mundo atual e a noo de marxismo cultural, mas preciso fazer uma diferena importante: colocar o indivduo como a unidade bsica da democracia, da organiao poltica e nacional. "Partidos polticos devem hoje reconhecer e admitir processos de individualizao, no como algo a se superar, mas como uma nova forma de democratizao cultural e auto-conscincia social. Uma nova forma de sociedade na qual a poltica se relaciona liberdade individual e s liberdades polticas e direitos de grupos em suas vidas cotidianas. Se os partidos polticos falharem em reconhecer essa situao e sempre tentarem voltar a uma dada coletividade de classes, eles no iro compreender as foras polticas e ideias dessa sociedade." 208JB pergunta a UB se ele acha que tudo simplesmente uma questo de partidos polticos no entenderem as configuraes atuais, e ele responde que sim. D o exemplo do "emprego", que tambm uma categoria zumbi. Esse emprego relaciona-se ao modelo ps-guerra de empregabilidade, em que havia pouco desemprego, o homem era o mantenedor da famlia, contratos de trabalho seguros (o que me lembra as questes que envolvem a proibio do Uber no Brasil), a ideia de uma carreira para a classe mdia, um emprego para toda a vida. Atualmente, temos empregos flexveis, de meio peroodo, contratos de pouca durao, pessoas trabalhando em vrias coisas e lugares ao mesmo tempo. Diz que em alguns pases da europa, mesmo com essas novas configuraes de trabalho, os governos desses pases insistem em garantir o modelo antigo.JB pergunta se a democracia liberal representativa tambm uma categoria zumbi, Ub diz que essa uma questo difcil e que precisamos democratizar a democracia. Para ele, a democracia representativa contradiz a auto-determinao do indivduo, uma vez que engendra a ideia do bem comum e de grupos, contrria individualizao. A soluo, ao seu ver, um republicanismo cosmopolita: "a reavaliao do local e a auto-responsabilidade da sociedade civil, no qual processos polticos ocorrem no governo e tambm em processos locais e no nvel do cidado." (209)UB vai contra o discurso tecnocrtico de governantes e sugere que a razo d espao para a emoo na esfera governamental, e que essa democratizao tambm precisa ocorrer num nvel transacional.O autor diz que haver muita resistncia contra o indivilualismo principalmente de movimentos religiosos e tnicos.JR diz que por conta de uma incerteza existencial as pessoas tendem a voltar aos esquemas antigos de indetidades e certezas.UB argumenta que devemos pensar globalmente, e no mais ver sociedades dentro de um container da nao-estado. As pessoas no esto nem mais vivendo culturas locais; o significado de ser pobre est mudando.No Marxismo, a pobreza estava relacionada ao no acesso ao trabalho e a uma classe especfica. Hoje, ningum mais precisa dos pobres, o capitalismo est criando muitos desempregos e excluindo povos. UB diz que a segunda modernidade no simplesmente um desenvolvimento positivo, que precisamos repensar sociedade como uma ordem comsmopolita, redefinindo as noes essenciais de justia e solidariedade. (o que me lembra os conflitos atuais na Sria e as migraes)JR pergunta sobre como ser a tica e os valores na segunda modernidade. UB responde que ser uma tica diferente dos estgios primeiros da individualizao."A primeira impresso que se tem de subculturas individualizadas que elas so centradas na dramatizao de seus prprios egos." (211) Mas argumenta que ser individualista no significa no olhar/cuidar do outro."Uma nova tica ir estabelecer um sentido de "ns" que ser como um individualismo altrustico ou co-operativo." (212) (Beck diz muito da Alemanha ser um pas mais dessa segunda modernidade que o resto da Europa, o que explica a alta aceitao dos alemes para os refugiados)UB d o exemplo dos relacionamentos modernos e dos embates entre liberdade e comprometimento, e diz que futuramente uma nova tica emergir a respeito, e que no temos resposta para isso agora (Bauman fala sobre o dilema segurana vc liberdade)Diz tambm que as geraes vindouras esto tirando o poder das instituies polticas e as transformando em categorias zumbis, desenvolvendo mais sensos de autonomia e controle da prpria vida, tornando ao mesmo tampo tais pessoas politizadas.JR prega que a viso positiva de UB sobre a individualizao pode se equivocar caso a sociedade se transforme em uma economia de mercado sem regulamentaes, como nos EUA, causando mais excluso social e menos assistncia bsica s populaes.UB concorda com isso mas diz que o futuro imprevisvel, e que prefere ver as coisas com otimismo.