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Pela garantia da agrobiodiversidade do planeta
SementesInternacional de
Banco
Japo as virtudes nutricionais de uma cultura milenar
Metabolismo sseo estratgias alimentares para promover a sade ssea
Feijo da antigidade ao presente, nas mesas do Brasil e do mundo
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Ivan F. ZuritaPresidente da Nestl Brasil
Direo Editorial: Ivan F. Zurita, Izael Sinem, Mrcia Abreu, Celia Suzuki e Vanessa MoreiraConsultor Editorial: Claudio GalperinConselho Consultivo: Pedro SimoColaboradores: Juliana Lofrese, Lia Takeyama, Angela Lucena, Maria Helena Sato, Camila Guimares e Taciana Luciano
Elaborao: Scriba Comunicao Corporativa (11) 3875.1088 www.scribacomunicacao.com.br Jornalista responsvel: Cludio Paiva MTb 13.179 Edio: Flvia Christiani Edio de Arte, Produo Grfica e Pre Media: DLippi Design+Print (11) 3031.2900 www.dlippi.com.br
Direo de Arte: Silvina Gattone Liutkevicius Fotografia: Mari Tefre/ Global Crop Diversity Trust, Ricardo Teles, Ottmar Paraschin, CORBIS/LatinStocke Shutterstock Ilustrao: Fbio Corazza e Dawidson Frana Capa: Mari Tefre/ Global Crop Diversity Trust Impresso: Leograf Tiragem: 40.000 exemplares
Sustentabilidade um tema que nos desperta cada vez mais a ateno e nos convoca, individual e coletivamente,
a assumir responsabilidade pela preservao da vida no planeta. Entre suas inmeras ramificaes, encontram-se
a produo e o fornecimento de alimentos a curto, mdio e longo prazos para a populao mundial.
Contribuindo para o debate, a Nestl.Bio traz uma entrevista com Cary Fowler, um dos principais envolvidos no
planejamento, construo e administrao do Banco Internacional de Sementes de Svalbard a maior iniciativa
humana dessa natureza, para preservar e proteger a agrobiodiversidade existente hoje na Terra.
Biodiversidade alimentar tambm se relaciona com a preservao de tradies nutricionais em todo o mundo,
plantando a idia de que essa identidade cultural pode contribuir para a promoo da sade e da qualidade de vida.
esse aspecto que permeia nossa homenagem ao centenrio da imigrao japonesa no Brasil.
Esta edio conta ainda com o importante ponto de vista da Dra. Leonor Pacheco acerca do uso de cido flico
durante a gestao e com o primoroso artigo assinado por mestres da Unifesp sobre o impacto da nutrio no
metabolismo sseo.
Outro mestre, da medicina e da literatura, nos convida para um delicioso passeio: com Moacyr Scliar, percorremos
sculos de culinria, atravs do tempero de grandes escritores.
A primeira edio do Prmio Henri Nestl tambm se faz presente, sob a forma de um encarte especial. Nascido com a
misso de estimular nossa produo cientfica, ele chega s mos dos vencedores, mas premia, acima de tudo, a comu-
nidade acadmica brasileira e sua busca permanente por conhecimento em benefcio de uma sociedade melhor.
A todos, uma boa leitura!
Diversidade e conhecimento
A revista Nestl.Bio um produto informativo da Nestl Brasil destinado a promover pesquisas e prticas no campo da cincia da nutrio realizadas no Pas e no exterior, sob os cuidados de um criterioso processo editorial. Alinhada ao histrico papel da Nestl no apoio difuso da informao cientfica, a revista abre espao para a diversidade de opinies, que consideramos ser essencial para o intercmbio de idias e conceitos inovadores. As declaraes expressas na revista no refletem necessariamente o posicionamento institucional da companhia com relao aos temas tratados.
editorial
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37focoUm dos alimentos mais populares no Brasil, o feijo faz uma excelente
parceria com o arroz e outros cereais, em favor da boa nutrio.
42resultadoO aproveitamento integral dos alimentos a base do programa Alimente-se Bem, do Servio Social da Indstria (Sesi), que est de malas prontas para ser adotado por Moambique.
46atualizaoA manipulao da microbiota do trato digestrio pode combater a obesidade? Os nveis sricos de vitamina D influenciam o desenvolvimento de doena arterial perifrica? Confira a leitura crtica de trabalhos recentes que abordam
esses temas.
NDICEintercmbio nest
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Aguardamos seus comentrios e sugestes para o e-mail [email protected] ou para a caixa postal 11.177, Cep 05422-970, So paulo (Sp), com seu nome completo, registro profissional, local de trabalho e cidade de origem.
04palavraNestl.Bio entrevista Cary Fowler, responsvel pelo maior e mais protegido banco de sementes do mundo, no arquiplago noruegus de Svalbard, prximo ao Plo Norte.
11 ponto de vistaDra. Leonor Pacheco fala sobre a
preveno das malformaes do tubo neural e opina sobre a exigncia da
legislao brasileira para a incluso de cido flico na farinha de trigo.
12conhecerO centenrio da imigrao japonesa
celebrado pela Nestl.Bio atravs das virtudes nutricionais de uma cultura alimentar cada vez mais apreciada pelos brasileiros.
18nutrio e arteMoacyr Scliar traa paralelos entre a histria da humanidade e os
caminhos percorridos pela culinria,
numa fascinante relao que permeia grandes obras da literatura.
Para consulta,
A revista Nestl.Bio foi avaliada por professores da Faculdade de Sade Pblica da USP (Departamento de Pr-tica em Sade Pblica) e foi aprovada para ficar no acervo desta Biblioteca. Se possvel, enviem a cada edio exemplares para ficarem disponveis para consulta. Fernando Miguez Vargas Jnior, tc-nico de Documentao e Informao, So Paulo (SP)
para pesquisa,
Estou cursando mestrado na rea de Cincia e Tecnologia Agroindustrial. Considero a revista Nestl.Bio extre-mamente interessante. Fico contente que existam publicaes desse nvel na rea de alimentos e nutrio, que contribuem com informaes impor-tantes para a pesquisa em nosso pas. Paula Ferreira de Arajo, qumica de alimentos, Pelotas (RS)
e como material didtico
Sou professor da Unirp (Centro Univer-sitrio de Rio Preto) e gostaria de con-tinuar recebendo sempre a publicao Nestl.Bio, pois se trata de material informativo que utilizo em minhas ati-vidades didticas nos cursos de fisio-terapia, nutrio e enfermagem. Joo Reis Jeric, professor universi-trio, So Jos do Rio Preto (SP)
23dossi bioA influncia da nutrio no metabolismo sseo tema do artigo assinado por Lgia Arajo Martini
e Patrcia de Souza Genaro, do Ambulatrio de Nutrio da disciplina de Reumatologia da Unifesp.
30sabor e sadeO prazer de experimentar um prato
elaborado e saboroso e o cuidado de praticar uma nutrio saudvel e equilibrada. So esses os ingredientes da receita criada pela chef Fabiana Agostini, comentada pela nutricionista Camila Freitas.
34qualidadeA formao de hbitos alimentares
saudveis e as propriedades nutricionais dos cereais integrais norteiam o desenvolvimento de dois novos produtos da Nestl.
36calendrioO segundo semestre de 2008 traz
simpsios e congressos voltados para uma grande diversidade de temas ligados nutrio e sade.
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A pequena vila de Longyearbyen, no arquiplago de Sval-
bard, na Noruega, um lugar remoto. Fica a cerca de 1,1 mil
quilmetros do Plo Norte e convive com temperaturas
abaixo de zero. Mas nessa pequena localidade que est
construda a maior e mais ambiciosa empreitada huma-
na para preservar e proteger a diversidade de alimentos
cultivada hoje na Terra. numa montanha gelada do vi-
larejo que foi erguido o Banco Internacional de Semen-
tes de Svalbard. Trata-se de um conjunto de instalaes
onde ficaro guardadas amostras de sementes de todo
o mundo, enviadas por bancos de sementes localizados
nos quatro cantos do planeta. No se trata de constru-
es simples. O lugar foi cuidadosamente planejado para
ser o cofre mais seguro de todos os tempos. prova de
msseis e de possveis catstrofes naturais decorrentes
do aquecimento global. Em estudos realizados na regio,
ficou provado, por exemplo, que, mesmo no pior cenrio
de elevao dos nveis do oceano, a montanha onde est
o banco ficaria a salvo.
Todo esse cuidado se justifica. Afinal, o banco foi pla-
nejado para manter armazenada toda a diversidade
gentica de sementes atualmente disponvel, com o
objetivo de garantir a evoluo da agricultura mundial
e de proteg-la de ameaas como guerras e tufes, ou
palavra
Cary Fowler, responsvel pelo maior e mais protegido banco de sementes do mundo, explica Nestl.Bio como a iniciativa contribuir para o desenvolvimento da agricultura mundial e para a preservao da diversidade alimentar
Cofre desementes
foto Mari Tefre/ Global Crop Diversity Trust
do simples descaso no seu manejo.
Hoje, o que se sabe que o mundo
j experimenta a perda de centenas
de variedades de sementes. Mesmo
as que esto acondicionadas num
dos cerca de 1,4 mil bancos exis-
tentes esto sob risco. Em boa parte
desses centros de armazenamento,
h precariedade de infra-estrutura,
funcionrios mal remunerados e ver-
bas escassas. Em um mundo to
preocupado com o desenvolvimen-
to e sustentabilidade, irnico ver
que a conservao da diversidade
de alimentao recebe to pouca
prioridade, lamenta Cary Fowler,
diretor-executivo do Global Crop Di-
versity Trust entidade criada em
2004 com o apoio da Organizao
das Naes Unidas e da Fundao
Bill & Melinda Gates, com a funo
de assegurar a manuteno da di-
versidade de alimentos a serem ofe-
recidos populao mundial.
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Fowler, que concedeu esta entrevista Nestl.Bio,
um dos principais envolvidos no planejamento,
construo e administrao do Banco Internacio-
nal de Sementes de Svalbard. Antes de assumir
essa tarefa, ele j havia trilhado um longo cami-
nho na rea de estudo e conservao da variedade
gentica de sementes. Foi, por exemplo, professor
e diretor de pesquisa do Department for Interna-
tional Environment & Development Studies, na
Norwegian University of Life Sciences e partici-
pou ativamente de vrias aes das Naes Uni-
das nesse segmento.
De acordo com o especialista, o banco construdo
na Noruega no deve ser entendido como uma ini-
ciativa que servir apenas como uma espcie de
museu de sementes. importante que se sai-
ba que o cofre no uma cpsula que, depois de
preenchida, deve ser fechada e esquecida, afirma
Fowler. O que os idealizadores do projeto desejam
que ele sirva como uma ferramenta que garanta di-
namismo e responda s necessidades da agricultu-
ra mundial de acordo com o passar do tempo. Isso
porque as cpias de amostras de sementes guarda-
das nos cofres sero usadas sempre que for preci-
so ou quando se aproximar o fim de sua capacidade
de germinao. No precisamos de um apocalipse
para provar a importncia do banco. Se o cofre re-
parar e ajudar a recompor os bancos de sementes
que tiverem registros de perdas acidentais, j ser
de grande utilidade, disse Fowler.
Quais instituies fazem parte
do projeto?
Fowler Temos trs parceiros envol-
vidos: o Banco Gentico de Semen-
tes dos Pases Nrdicos, o Minist-
rio da Agricultura e da Alimentao
da Noruega e o Global Crop Diversity
Trust. O governo noruegus ser o
responsvel pela administrao e ma-
nuteno do banco de sementes, mas
a Noruega no ser a proprietria das
sementes l armazenadas.
E quem o financia?
R Sua construo foi bancada
pelo governo da Noruega. Calcula-
se que eles tenham gastado cerca
de US$ 9 milhes. Alm disso, o go-
verno noruegus j se comprometeu
a destinar uma verba de US$ 100 mil
por ano para custos de manuten-
o. Ns, do Global Crop Diversity,
iremos assegurar anualmente en-
tre US$ 125 mil e US$ 150 mil para
despesas operacionais. Tambm
estamos, inicialmente, alocando
cerca de US$ 500 mil para os gas-
tos com a reunio e o envio de se-
mentes de vrias partes do mundo
ao cofre na Noruega.
Quais foram os motivos que leva-
ram criao do banco?
R Para colocar em palavras simples,
sem a diversidade gentica que es-
tar representada nessas colees,
a agricultura no ter condies de
evoluir. A diversidade fundamental
para garantir o volume de suprimen-
tos e tambm a necessidade de va-
riedade de alimentos exigida pelos
consumidores. Eles querem, por
exemplo, um tipo de trigo para fazer
po e outro para fazer massa e
para isso precisam de dois tipos de
trigo. Ou desejam um gnero de to-
mate para comer fresco e outro, para
fazer molho. Por sua vez, os agriculto-
res precisam de diversidade no s
para atender s demandas dos con-
sumidores, mas porque as diferenas
nas tcnicas de cultivo e ambientais
requerem sementes com caractersti-
cas diversas, prprias para adaptar-
se s situaes.
Isto sem falar no seu papel nos
estudos cientficos...
R Sim. O armazenamento de uma
grande diversidade de sementes
tambm muito importante nesse
6 palavra
-
ponto. Mais de um quarto dos traba-
lhos publicados nos quatro maiores
jornais especializados em cincias
naturais foram baseados em amos-
tras que estavam guardadas em
bancos de sementes localizados
pelo mundo. Dessa forma, temos
um importante propsito: oferecer
um seguro contra as perdas das
sementes. O cofre serve como ele-
mento essencial na rede mundial
de bancos para conservar a diver-
sidade e torn-la acessvel para ser
usada no cultivo e pesquisa. Com
uma amostra guardada no cofre, os
bancos podem ficar certos de que
eventuais perdas nos seus conte-
dos ou mesmo na coleo inteira no
significaro a extino da variedade.
Muitas vezes me perguntam por que
a coleo que iremos guardar tem de
ser to grande. O interessante que
ningum pergunta isso para o cura-
dor de um grande museu, por exem-
plo. Por que no ter s um Picasso
ou um Rembrandt? Na arte, isso at
seria possvel contar com uma
grande obra de um artista no acer-
vo. Mas na agricultura a diversidade
fundamental. O futuro no pode
ser previsto, mas as mudanas nas
condies climticas, ambientais,
so constantes. E elas apresentam
grande impacto para o cultivo e, con-
seqentemente, para o consumo de
alimentos. Por isso, dispor de uma
variedade hoje pode ser a nica op-
o para um determinado lugar, em
certo perodo.
As mudanas climticas promo-
vidas pelo aquecimento global
pesaram, de alguma forma, para
a necessidade de construo do
cofre de sementes?
R Sabemos que as alteraes no
clima podero afetar a agricultura
com eventuais perdas de espcies, o
que determina a necessidade de ob-
ter formas mais eficazes e produtivas
de cultivo. Mas elas no foram a nica
razo para a criao do cofre.
Sabe-se que h perda de amostras
de sementes ao redor do mundo
por razes muito variadas. Entre
elas, as instabilidades polticas,
que podem acabar com colees
inteiras. Nos anos 1990, por exem-
plo, a coleo do Burundi, na frica,
foi completamente destruda por
Na pgina ao lado, a entrada do Banco de Sementes e o continer do sistema de refrigerao. Acima, sementes chegam ao cofre subterrneo
problemas polticos locais. Bancos
de amostras de sementes do Afega-
nisto e do Iraque tambm foram
destrudos nos anos recentes por
causa da guerra.
Quantos bancos de sementes exis-
tem no mundo atualmente?
R Hoje, existem cerca de 1,4 mil
ao redor do planeta. Elas esto em
bancos que contm desde uma
simples amostra a outros, com
mais de 500. No total, calculamos
que esses centros de armazena-
mento guardem hoje cerca de 6,5
milhes de amostras.
E boa parte das perdas a que o se-
nhor se refere ocorre nesses ban-
cos? De que maneira?
R A maioria das colees no ope-
ra nos padres requeridos para a
conservao adequada das semen-
tes. No so mantidas as condi-
es de temperatura e umidade exi-
gidas, por exemplo. H manuteno
precria dos equipamentos, funcio-
nrios mal remunerados e baixos
oramentos. Em um mundo to
preocupado com o desenvolvimen-
palavra 7
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to e sustentabilidade, irnico ver
que a conservao da diversidade
de alimentao recebe to pouca
prioridade. O resultado disso tudo
que as perdas de variedades
so significativas. Um estudo re-
lacionando variedades crescidas
nos Estados Unidos em 1900 com
aquelas estocadas nos bancos nos
anos 1980 indicou que diversas
variedades de feijo foram perdi-
das ao longo do perodo. Em 1903,
elas somavam 578. Em 1983, ha-
via apenas 32 espcies estocadas
nos bancos de sementes.
O que essas perdas representam
para a agricultura?
R A perda de variedade no sig-
nifica necessariamente a perda de
diversidade gentica. As caracters-
ticas, os genes de variedades ex-
tintas podem ser encontrados em
espcies que continuam a existir.
Ou seja, os genes no se extingui-
ram, mas aquela combinao nica
de genes que definia uma varieda-
de pode ter sido perdida. E uma vez
que isso tenha acontecido, prati-
camente impossvel recri-la.
Quantas sementes ficaro estoca-
das no cofre na Noruega?
R As instalaes tm capacidade
para guardar 4,5 milhes de amos-
tras, o equivalente a cerca de 2 bi-
lhes de sementes. H trs cofres
de cerca de 27 metros cada um.
Mas, se for preciso aumentar sua
capacidade, uma nova sala poder
facilmente ser construda.
Essas amostras sero coletadas
de que instituies?
R Estamos trabalhando com os
coordenadores para identificar ini-
cialmente as colees prioritrias
guardadas nos bancos ao redor do
mundo. Eles enviaro uma cpia. No
total, cerca de 500 cientistas foram
envolvidos nesse esforo. S para
se ter uma idia, j na abertura do
banco, em fevereiro, foram enviadas
amostras de 21 centros de arma-
zenamento, somando cerca de 268
mil amostras. Quando estiver cheio,
o banco ter amostras de pequenos
e grandes bancos, de pases de-
senvolvidos, em desenvolvimento,
daqueles com as mais avanadas
tcnicas de cultivo e daqueles que
8 palavra
Cerca de 500 cientistas foram mobilizados para selecionar, em todo o mundo, as amostras que compem o acervo inicial
No alto, tnel que leva ao interior das cmaras. Acima, Cary Fowler em uma delas
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palavra 9
1
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O tnel de 93,3 m de extenso corta a montanha e conecta o portal da construo s trs cmaras. Cada uma delas tem aproximadamente 10 m de largura, 6 m de altura e 27 m de comprimento
As sementes recebidas de bancos de todo o mundo so inventariadas e processadas neste escritrio, localizado a 80 m do portal
O teto e a entrada do banco so feitos com ao reflexivo, espelhos e prismas. A instalao atua como um farol, refletindo a luz polar nos meses de vero. No inverno, uma rede de 200 fibras ticas produz uma delicada iluminao azul-esverdeada
O Banco de Sementes tem a capacidade de
armazenar 4,5 milhes de
amostras. Cada amostra contm 500 sementes, em mdia.
Portanto, 2,25 bilhes de sementes podem
ser estocadas no banco
As sementes so estocadas a 18 C negativos, em embalagens
especialmente desenhadas. Elas
so acondicionadas em caixas seladas,
distribudas em prateleiras ao longo
das cmaras
no dispem desses mtodos. Eles
dividiro o desejo comum de usar o
banco de sementes contra as perdas
que podero ocorrer.
E quanto s sementes transgni-
cas? Elas sero permitidas?
R No, elas no sero aceitas no
banco. A lei norueguesa probe a im-
portao de sementes geneticamen-
te modificadas e sua armazenagem
em Svalbard.
Quantas amostras de sementes fo-
ram enviadas do Brasil?
R At agora, nenhuma instituio
brasileira enviou seus exemplares. Po-
rm, recebemos mais de 5 mil amos-
tras de sementes de vegetais do Bra-
sil, encaminhadas por outros bancos
espalhados pelo mundo. No total, con-
tamos com cerca de 3 milhes de se-
mentes; em sua maioria, de legumes
(208 espcies). Elas foram deposita-
das em fevereiro deste ano.
Como e em que condies as semen-
tes estocadas podero ser usadas?
R importante que se saiba que o
cofre no uma cpsula que, depois
-
de preenchida, deve ser fechada e
esquecida. Os prprios bancos que
cedem as sementes vo monitorar o
que enviaram para l. E quando elas
comearem a perder sua capacidade
de germinar, as amostras sero leva-
das para ser plantadas e os bancos
mandaro outras, novas. Tudo para
garantir a manuteno da diversida-
de gentica de sementes que, conse-
qentemente, possa suprir as neces-
sidades da agricultura mundial.
De que maneira as sementes fica-
ro armazenadas?
R Elas estaro guardadas em sa-
las construdas a 70 metros de pro-
fundidade dentro de uma montanha.
Sero mantidas a 18 C, acondi-
cionadas em embalagens especiais
com, no mximo, 500 amostras.
A Noruega foi escolhida para sediar
o cofre de sementes por causa de
suas condies climticas?
R Na verdade, foi uma combinao
de fatores. As condies tcnicas
so perfeitas. A locao dentro da
montanha aumenta a segurana, a
rea geologicamente estvel, os
nveis de radiao dentro da mon-
tanha so baixos, assim como a
umidade. E, em qualquer projeo de
elevao do mar causada pelo aque-
cimento global, a montanha fica aci-
ma do nvel do oceano. Alm disso,
o local remoto, o que aumenta a
proteo. Por outro lado, a infra-es-
trutura tima, o que facilita o envio
das sementes. Atividades militares
so proibidas l, a situao poltica
estvel, o governo noruegus
competente e os moradores ofere-
cem todo o suporte necessrio.
O banco est protegido inclusive
de uma catstrofe nuclear?
R difcil prever, mas sabemos
que a estrutura que foi montada no
permite, por exemplo, a perfurao
por mssil. Porm, ns no precisa-
mos de um apocalipse para provar
a importncia do banco. Se o cofre
reparar e ajudar a recompor os ban-
cos de sementes que tiverem regis-
tros de perdas acidentais, j ser de
grande utilidade.
As cmaras so compostas de prateleiras onde ficam estocadas as caixas com as amostras de sementes
10 palavra
Mesmo no pior cenrio, como falta de energia, as sementes devem manter suas caractersticas por cerca de 200 anos
Dessa maneira, elas mantero
suas qualidades nutricionais e
sua capacidade de germinao
por quanto tempo?
R H estudos sobre a durabilidade
de alguns tipos de sementes manti-
das em condies ideais. Trigo, por
exemplo, pode durar 1.693 anos.
Cebola, 413. No cofre noruegus,
mesmo no pior cenrio, como falta
de energia, calculamos que elas
mantenham suas caractersticas
por cerca de 200 anos.
Como isso possvel?
R Graas ao permafrost, o solo
permanentemente congelado do lo-
cal onde as salas foram construdas.
Ele impede que a temperatura suba
acima dos 3,5 C.
-
Os defeitos na formao do tubo neural so altera-
es ocorridas na fase inicial do desenvolvimento fetal,
entre a 3 e a 5 semana de gestao, envolvendo a es-
trutura primitiva que dar origem ao crebro e medula
espinhal. As principais conseqncias desse processo
so a anencefalia e espinha bfida, que representam
cerca de 90% de todos os casos de defeitos do tubo
neural. Quando h anencefalia, a extremidade superior
do tubo neural no se fecha, resultando na ausncia do
crebro. Em geral, essas gestaes no se completam,
sendo interrompidas pelo aborto espontneo. No caso
dos nascidos vivos, a maioria morre poucas horas ou dias
depois do parto. A espinha bfida se manifesta quando a
extremidade inferior do tubo neural no se fecha, cau-
sando danos medulares significativos e diferentes nveis
de paralisia dos membros inferiores, bexiga e intestino.
Muitos indivduos afetados apresentam ainda dificulda-
de de aprendizado.
luz dos conhecimentos atuais, as malformaes
do tubo neural devem ser vistas como uma epidemia
passvel de preveno. As evidncias indicam que, em
grande parte, elas se devem nutrio deficiente parti-
cularmente em cido flico, a problemas genticos ou
uso de alguns medicamentos. De fato, o cido flico
tem um papel fundamental no processo da multiplica-
o celular e imprescindvel durante a gravidez. O fo-
lato interfere no aumento dos eritcitos, no alargamento
do tero e no crescimento da placenta e do feto. Tam-
bm participa do crescimento normal, da fase reprodu-
tiva (gestao e lactao) e da formao de anticorpos.
Atua como co-enzima no metabolismo de aminocidos
(glicina) e sntese de purinas e pirimidinas, na sntese de
cido nuclico DNA e RNA e vital para a diviso ce-
lular e sntese protica. Sua deficincia pode ocasionar
alteraes na sntese de DNA e cromossmicas. Alm
disso, em 95% dos casos, os defeitos do tubo neural sur-
gem em casais sem histria de malformaes congnitas
em gestaes anteriores.
Atualmente, 40 pases tornaram obrigatria a
fortificao da farinha de trigo com cido flico, a
maioria deles nas Amricas e alguns na frica e na
sia. Em apenas quatro deles, no entanto, houve
uma avaliao mais consistente da estratgia. Todos
os estudos demonstraram impactos e redues signi-
ficativas na prevalncia de defeitos do tubo neural,
variando de 19% a 78%. O Brasil aderiu a essas re-
comendaes em 2004, regulamentando a adio s
farinhas de trigo e milho na proporo de 0,15 mg de
cido flico a cada 100 g de farinha.
Esse teor comparvel ao americano e ao cana-
dense (0,14 mg e 0,15 mg, respectivamente), porm
inferior ao chileno (0,22 mg). Certas organizaes tm
recomendado que a fortificao seja de 0,35 mg/100 g
de produto.
A meu ver, essa uma interveno inquestionvel
na preveno primria dos defeitos do tubo neural e foi
acertada a deciso de torn-la obrigatria no Brasil. Mais
medidas devem ser tomadas, como incluir os defeitos do
tubo neural na lista de doenas de notificao compul-
sria e garantir o preenchimento completo do campo 34
da Declarao de Nascidos Vivos, com o objetivo de de-
terminar sua prevalncia nas diferentes regies do Pas
e comparar a tendncia aps a fortificao. Nesse sen-
tido, os dados ainda so escassos. Tambm necessrio
promover campanhas educativas recomendando que as
mulheres em idade frtil consumam 0,4 mg/dia, garan-
tir suplementao medicamentosa para mulheres com
gestao anterior afetada por defeitos do tubo neural e
fazer estudos epidemiolgicos para aferir a eficcia da
medida adotada.
ponto de vista
O cido flico na gestao luz dos conhecimentos atuais, as malformaes do tubo neural devem ser vistas como uma epidemia passvel de preveno
LeOnOr PachecOtem doutorado em Patologia pela University of Tennessee (1977), ps-graduao em Cincia dos Alimentos e Nutrio pela Gent Universiteit, Blgica (1982), e ps-doutorado em Epidemiologia Materno-Infantil pela London School of Hygiene and Tropical Medicine, Reino Unido (1992). Atualmente, pesquisadora colaboradora da UnB e pesquisadora nvel 1 do CNPq. Faz parte do Comit Cientfico da organizao Nutrition Tier Monde, com sede em Bruxelas
-
conhecer
foto Ricardo Teles
Em 18 de junho comemorou-se em todo o Pas o centenrio da chegada do navio Kasato Maru ao Porto de Santos. Foi nessa data que, em 1908, desembar-
caram em solo brasileiro 165 famlias vindas do Japo, trazendo na bagagem no apenas sonhos de enriquecimento nas lavouras de caf, mas tambm
seus costumes e cultura, que, dcadas depois, acabariam por se inserir de modo indelvel no cotidiano nacional.
Pas de ricas tradies, o Japo uma das mais antigas civilizaes do mundo. Pesquisas arqueolgicas indicam que suas terras j eram ocupadas por se-
res humanos primitivos h cerca de 500 mil anos, quando ainda faziam parte da massa continental asitica. Os primeiros colonos do arquiplago japons
provavelmente procederam da zona oriental da Sibria por volta do ano 3000 a.C. Mas vieram da China, a partir do sculo IV, suas principais influncias:
as filosofias do confucionismo e do budismo, tcnicas industriais como tecelagem, o trabalho em metal, o curtume e a construo de navios, a escrita
baseada em caracteres ideogrficos, os rudimentos de medicina, o emprego do calendrio e da astronomia. O sistema chins de governo, por sua vez,
proporcionou o modelo a partir do qual os governantes japoneses montaram o seu prprio. Foi por volta do fim do sculo IX que os contatos com a China
foram interrompidos e a civilizao japonesa comeou a assumir suas prprias caractersticas e formas especiais.
Alguns dos maiores legados das tradies nipnicas para a humanidade so suas expresses artsticas e culturais, que incluem a tpica arquitetura
de cmodos arejados, telhado inclinado, portas corredias e piso interno coberto por tatami; sua ornamentao com biombos, peas em marcenaria e
luminrias de washi, o papel artesanal produzido com as fibras de uma planta da famlia da amoreira; e a presena de jardins inspiradores, que ressaltam
a beleza do ambiente natural. As artes cnicas, com suas danas clssicas e folclricas, os teatros de mscaras N e Kiogen, e o Kabuki, que mistura o
canto, a dana e a representao. A cermica de alta temperatura, cuja tcnica foi responsvel por uma profunda mudana na arte do barro. A cerimnia
do ch, ou chanoyu, com seus princpios estticos e filosficos. O ikebana (arte do arranjo floral), os origamis (dobraduras de papel), a caligrafia shod,
o sumie (pinturas monocromticas de tinta carbono). E, mais recentemente, os anims e os mangs, desenhos animados e histrias em quadrinhos que
invadiram o mundo e ganharam milhes de admiradores.
Vida longa s tradies
japonesasAs qualidades nutricionais e o prazer mesa na culinria milenar do Pas do Sol Nascente
-
14 conhecer
a arte de comer bemno h como negar que entre as maiores influn-
cias exportadas pelos japoneses est a gastronomia.
Trazida ao Brasil pelos primeiros imigrantes e perpetuada
por seus descendentes, os atributos e as qualidades da
cozinha japonesa h muito deixaram de ser valorizados
apenas por eles. nos ltimos anos conquistou adeptos
em uma proporo que, hoje, a transforma em verdadeira
moda cult no Pas. em So Paulo, a cidade com maior n-
mero de japoneses fora do Japo, existem cerca de 600
restaurantes especializados.
Um levantamento do Sindicato de hotis, restauran-
tes, Bares e Similares da capital paulista chegou a calcular
que nesses estabelecimentos so servidos 12 milhes de
sushis por ms. Grande parte do interesse pela culinria
japonesa tem origem, claro, na singularidade de suas
texturas e sabores. alm disso, o crescente cuidado das
pessoas com a qualidade de vida vem contribuindo bas-
tante para esse cenrio: nos anos 80, as propriedades
benficas da culinria japonesa para a sade passaram a
ser comentadas nos estados Unidos. e isso se espalhou,
conta o sushiman hideki Fuchikami, proprietrio do res-
taurante paulista que leva seu nome.
De fato, um nmero crescente de pesquisas cient-
ficas atesta os benefcios sade da culinria japonesa,
apontando-a como uma das principais responsveis pela
maior longevidade de sua populao, quando comparada
com os ndices ocidentais. Um estudo publicado em 2007
pelo Instituto de Medicina Preventiva, nutrio e cncer da
Universidade de helsinque (1) indicou que o alto consumo
de fitoestrognios, presentes nos vegetais tpicos da dieta
japonesa, um dos fatores determinantes na reduo da
incidncia de certas doenas crnicas na populao da-
quele pas. Para chegar a essa concluso, o trabalho avaliou
as ligninas, fitoestrognios que so parte integral da pare-
de celular das plantas.
recentemente, o governo japons, em conjunto com
a comunidade acadmica do pas, realizou diversas e ex-
tensas pesquisas para avaliar os benefcios dos hbitos
alimentares nacionais sobre a sade da populao. O resul-
tado desses trabalhos est reunido no centro de Dados da
Sade Pblica Japonesa(JPhc).
Um dos estudos foi feito pelo Departamento de car-
diologia Preventiva do centro nacional cardiovascular e en-
volveu 40.462 japoneses de ambos os sexos, entre 40 e 59
anos, sem diagnstico prvio de doenas cardiovasculares
ou cncer. Os resultados demonstraram associao positi-
va entre o consumo de isoflavona (presente na soja e seus
derivados) e a reduo do risco de infarto do miocrdio e
isquemia cerebral (2). essa relao foi observada principal-
mente entre as mulheres, sendo mais pronunciada entre
aquelas que se encontravam na fase ps-menopausa.
a populao feminina de pases da sia tambm
foi alvo de outro estudo (24 mil mulheres entre 40 e 69
anos), dessa vez investigando a relao entre o consumo
de isoflavona e o risco de cncer de mama. a pesquisa, de-
-
senvolvida para o JPhc pela Diviso de epidemiologia e Pre-
veno do centro nacional de cncer, de Tquio, detectou
uma associao estatisticamente significativa entre a con-
centrao de genistena no plasma e a reduo no risco da
doena (3). Dentre as isoflavonas, a genistena parece ser
a nica que exibe efeito na inibio de clulas cancerosas.
J a Universidade de Tsukuba voltou sua ateno para
a ingesto de peixes e sua influncia na sade cardiovas-
cular. a pesquisa, feita com 41.578 japoneses entre 40 e
59 anos, demonstrou que o alto consumo de cidos graxos
poliinsaturados mega-3, comparado com uma ingesto
moderada (entre uma e duas vezes por semana ou o equi-
valente a 20 g/dia), est relacionado reduo do risco de
doena coronariana e de eventos no fatais por problemas
cardacos entre pessoas de meia-idade (4).
Uma via de mo duplana era da globalizao, os pases ocidentais tm ado-
tado, cada vez mais, a culinria e os hbitos alimentares
orientais. O inverso tambm verdadeiro, mas com conse-
qncias nem um pouco positivas para a sade dos japo-
neses. Depois da Segunda Guerra Mundial, o Japo se viu
obrigado a importar alimentos de outros pases. na ocasio,
nutricionistas foram treinados para incentivar as pessoas
a adaptar-se a hbitos alimentares que seguiam o padro
do Ocidente. nas dcadas seguintes, estudos epidemiolgi-
cos constataram que os japoneses passaram a apresentar
maior incidncia de doenas relacionadas a essa prtica.
assim, na dcada de 1990, a preveno e o tratamento
de doenas relacionadas ao estilo de vida passaram a ser
alvo do governo japons. no ano de 2000, foi lanado o
documento Sade Japo 21, uma poltica preventiva de
doenas relacionadas ao estilo de vida. em 2005, nove
objetivos especficos foram aprovados na Lei Fundamental
de educao nutricional Shoku-Iku, de forma a promover a
educao nutricional infantil. num esforo paralelo, o Minis-
trio da educao e cincia iniciou o processo de formao
superior de professores de alimentao e nutrio. nas
escolas, eles so responsveis pela obedincia s regras
nutricionais no planejamento e preparao das refeies e,
tambm, pela educao nutricional (5). em 2006, foi reali-
zada uma nova campanha nacional, mas os resultados no
foram os esperados. Persistente, o Ministrio da Sade, Tra-
balho e Previdncia elaborou, ento, um guia de alimenta-
o japonesa, de fcil consulta e aplicao, para promover
hbitos nutricionais saudveis.
O esforo do governo para resgatar a cultura alimen-
tar japonesa no alcana o outro lado do planeta; tampou-
co os cerca de 1,5 milho de imigrantes japoneses e seus
descendentes que vivem no Brasil. a comunidade cientfica,
no entanto, est atenta para os efeitos da ocidentalizao
nessa populao. Um estudo realizado pelo Departamento
de Medicina Preventiva da USP com 1.267 nipo-brasileiros,
com idade igual ou superior a 30 anos, apontou uma signi-
ficativa associao entre a ocorrncia de doenas arteriais
perifricas, o alto consumo de gordura e a baixa ingesto
de cido olico e fibras provenientes de frutas caracte-
rsticas tpicas de uma alimentao ocidentalizada (6).
J a Universidade de Tsukuba, no Japo, examinou
a associao entre obesidade abdominal, estilo de vida e
fatores de risco de doenas coronarianas em pessoas com
herana gentica idntica, residentes no Japo e no Brasil
(7). essa pesquisa incluiu 104 japoneses e 286 nipo-brasi-
leiros com idade igual ou superior a 35 anos e apontou que,
quando comparados com os japoneses e os nipo-brasileiros
que vivem no Japo, os nipo-brasileiros residentes no Bra-
sil so mais suscetveis ao desenvolvimento da obesidade
abdominal, caracterstica relacionada ao estilo de vida e a
outros fatores de risco para doena coronariana.
a mortalidade por cncer na primeira gerao de nipo-
brasileiros no estado de So Paulo entre 1979 e 2001 foi
conhecer 15
-
foco da investigao do centro nacional de cncer, de T-
quio (8). Os resultados foram comparados com os ndices
apresentados por japoneses residentes no Japo e brasilei-
ros que vivem em So Paulo. nesse perodo, foi observada
nas trs populaes a reduo no ndice de mortalidade por
cncer de estmago, bem como o aumento na ocorrncia
da doena no clon, mama e prstata. no caso do cncer
de clon, os nmeros apresentados pelos nipo-brasileiros
foram similares aos dos japoneses que vivem no Japo,
enquanto os de mama e de prstata (208 e 423 em 2000,
respectivamente) aparecem em posio intermediria
entre os japoneses que moram no Japo (152 e 208 em
2000, respectivamente) e os brasileiros residentes em So
Paulo (281 e 536 em 2000, respectivamente). J os ndi-
ces de mortalidade por cncer de fgado e pulmo apresen-
taram, nos ltimos 20 anos, crescimento no Japo, padro
que no foi observado na populao nipo-brasileira (exceto
por cncer no fgado em homens) nem tampouco nos brasi-
leiros. em que pese a necessidade de investigaes epide-
miolgicas com maior casustica e profundidade, esses re-
sultados apontam na direo dos estudos que relacionam
o impacto do ambiente e estilo de vida na prevalncia de
doena neoplsica em diferentes populaes do mundo.
De volta s origensO interesse do governo japons pela manuteno
ou, em alguns casos, resgate de suas tradies no est
voltado apenas para a defesa da sade pblica. Muitos es-
foros tm sido realizados em prol da sobrevivncia de sua
cultura, de modo geral. O preparo do sushi praticamente
sinnimo de culinria nipnica motivo de uma verda-
deira cruzada. no ano passado, foi criado um programa in-
ternacional para garantir a qualidade dos restaurantes do
exterior e preservar a tradio dessa iguaria. e no para
menos. Pelo mundo afora, ela tem sido alvo de diversas
tradues no autorizadas: recebeu cream cheese nos
estados Unidos e foie gras na Frana ingredientes, alis,
igualmente servidos por aqui. O Brasil tambm apresenta
suas adaptaes tropicalizadas, nas quais os sushis ga-
nham o incremento de frutas como manga e abacate.
a gastronomia oriental conta com inmeros ingre-
dientes singulares. O gari (gengibre), por exemplo, que
16 conhecer
possui fama de remdio ancestral, foi recentemente es-
tudado pelo National Center for Complementary and Al-
ternative Medicine do National Institute of Health (eUa).
Se por um lado seu papel no tratamento de osteoartrite e
doena reumatide no pde ser comprovado, por outro,
foi observado seu valor e segurana no controle da nu-
sea e de vmitos relacionados gestao (9).
O wasabi (raz forte) tambm tem sido objeto de
inmeros estudos que atestam suas propriedades antiin-
flamatria (10), antioxidante (11), anticancergena (10)
e batericida in vitro. esta ltima, relacionada, sobretudo, ao
alil isotiocianato presente em sua raz, caule e folhas (12).
Uma refeio ao estilo nipnico inclui, ainda, algas
marinhas, legumes refogados, soja e, claro, peixes e frutos
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conhecer 17
do mar. alm disso, praticamente obrigatria a presena
do arroz. Que o diga Shigeru hirano, nascido em nagasaki
e mestre do restaurante Tanuki, em So Paulo: Todo in-
grediente importante. Mas o primeiro deles o arroz. O
bolinho tem de ser leve e ter os gros separados, mesmo
parecendo meio grudento. no pode ser muito apertado.
nem pode quebrar. S pode se desmanchar na boca, en-
sina. O mestre japons Tsuyoshi Murakami, do Kinoshita,
tambm em So Paulo, complementa com a lio que cos-
tuma passar a seus clientes: Voc tem de morder e sentir
que os gros esto inteiros.
Durante seus anos de estudo, Shigeru teve ainda li-
es sobre possveis indicaes de pratos de acordo com o
perfil do comensal. O carapau, o salmo e a sardinha, ricos
em mega-3, contribuem para elevar os nveis do colesterol
bom no sangue, diz ele, referindo-se ao hDL. a barbatana
de linguado rica em colgeno, segue explicando. Quem
precisa de ferro pode abusar do espinafre, presente em
muitos pratos. Outras recomendaes do mestre so nun-
ca deixe de consumir o missoshiru (sopa feita com pasta
de soja, rica em isoflavona) e tome ch verde diariamen-
te. Da mesma forma que o brasileiro gosta de um cafezi-
nho, o japons no abre mo dessa bebida, que tem efeito
estimulante leve e antioxidante.
O sushiman hideki Fuchikami aprendeu em T-
quio a trabalhar os temperos. J em Osaka, aperfeioou
os conhecimentos para o preparo do niguirizushi (fatia
de peixe cru sobre bolinho de arroz, cuja carne, reza a
tradio, deve ter largura de quatro dedos). Por fim, em
Kyoto, dominou o chirashi, o sushi na tigela, em que o
arroz quase some, coberto por fatias de rabanetes em
conserva (takuan), pepino, ovas, omelete (tamago) e
pores de sashimi, entre outros ingredientes. Segundo
hideki, preciso respeitar a tradio. Mas no h como
fugir das adaptaes aos costumes brasileiros. assim,
aumentou as pores porque o brasileiro come mais
do que o japons e introduziu o uso de gelo sob os
pratos de sashimi, a fim de conserv-lo fresco por mais
tempo. hideki tambm tem suas dicas. como o pala-
dar do brasileiro est acostumado a se servir de muito
shoyu, mando faz-lo com menos sal para diminuir a
ingesto de sdio. como esperado, uma pesquisa re-
alizada pela Diviso de epidemiologia da Universidade
de Medicina de Tohoku (13), que avaliou os hbitos ali-
mentares da populao japonesa e sua relao com do-
enas cardiovasculares, associou o consumo de sdio
com a ocorrncia de hipertenso arterial. esse fato, no
entanto, no interferiu na concluso final do trabalho: a
dieta nipnica est associada a uma menor mortalidade
por doenas cardiovasculares.
Um dos nomes mais estrelados da nova gastrono-
mia japonesa no Brasil o de Jun Sakamoto. Dono de um ar
compenetrado e srio, filho de japoneses que imigraram
na dcada de 1960. em seu restaurante, optou pelo tradi-
cional porque as pessoas estavam deixando o tradicional
de lado. ele credita o sucesso da gastronomia japonesa
no somente ao lado saudvel da dieta, mas tambm
qualidade do que se pe mesa. O Japo um arquipla-
go e depende de produtos do mar. Mas era preciso comple-
tar com outros ingredientes. a sada foi buscar hortalias e
legumes. L, o cultivo desses alimentos quase de jardi-
nagem. ento, a qualidade mesmo muito boa, avalia ele,
reforando que essa prtica tem sido transmitida ao lon-
go das geraes. Qualidade um elemento essencial em
qualquer cozinha. Mas a culinria japonesa vai alm, muito
alm. assim como, graas a ela, a longevidade de quem
tem o prazer de adot-la.
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rEFErNCIAS:
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nutrio e arte
texto Moacyr Scliarilustrao Fbio Corazza
comer corresponde ao mais bsico de nossos ins-
tintos, o instinto de sobrevivncia. Mas no apenas
necessidade, um prazer. Para os gurms, um prato
motivo de xtase, de inspirao. a culinria cultivada
desde a antigidade; os gregos tinham 70 tipos de pes,
entre eles o po-de-leite. e existe uma famosa coleo
de receitas da roma antiga, atribuda a Marcus Gavius
apicius, que pode ser um termo fictcio ou o nome de
um gurm da poca. Um dos pratos mencionados feito
com tetas de porca e ventre de tordo, o que para ns pa-
rece no mnimo estranho.
com o advento da modernidade, a culinria ga-
nha decisivo impulso, e no por acaso. uma poca de
desenvolvimento do comrcio, de descobrimentos ma-
rtimos, de riqueza. Tudo isso aparece na mesa. as es-
peciarias, por exemplo, so muito apreciadas e, numa
poca, a pimenta era o principal produto do comrcio
externo portugus. abundncia era a regra: num des-
culinria e l i tera tu ra:u m a h i s t r i a c o m f i n a l f e l i z
file de carnaval realizado em Koenigsberg, em 1583,
90 aougueiros desfilaram carregando uma salsicha
de mais de 200 quilos.
a complexa relao do ser humano com o ali-
mento sempre foi um grande tema para a literatura.
no incio da idade moderna aparecem, entre vrios
outros, trs livros muito significativos. O primeiro ,
naturalmente, A vida de Gargntua e Pantagruel (La
vie de Gargantua et de Pantagruel), uma srie de cin-
co satricas histrias escritas no sculo XVI por Fran-
ois rabelais. Os principais personagens so dois
gigantes, Gargntua e seu filho Pantagruel. O desco-
munal apetite deste gerou o termo pantagrulico,
at hoje usado para refeies abundantes.
Gluto tambm Sancho Pana, o fiel escudeiro
do magrrimo Dom Quixote, um personagem que hoje
provavelmente seria diagnosticado como portador de
anorexia nervosa. De fato, os malucos ideais que o cava-
Sancho Pana une o bom senso da gente comum a um apetite voraz
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20 nutrio e arte
(1755-1826), advogado e poltico francs que durante
a revoluo adquiriu certa fama defendendo a pena de
morte. nas horas vagas, contudo, pensava em coisas
mais agradveis e da resultou seu livro baseado,
segundo palavras do autor, na constatao de que a
descoberta de um novo manjar causa mais felicidade
ao gnero humano que a descoberta de uma estrela.
as receitas, que incluem at pratos afrodisacos, no
so muitas. O autor prefere deter-se nas regras de eti-
queta e sobretudo nas consideraes sobre a comida,
em aforismas tipo Os animais se alimentam; o homem
come; s o homem refinado sabe comer e Diz-me o
que comes e eu te direi quem s.
no curioso Memrias gastronmicas de todos os
tempos, de alexandre Dumas (1802-1870), lanado
no Brasil pela companhia das Letras, o famoso autor de
Os trs mosqueteiros e O conde de Monte Cristo conta
uma histria da culinria, com passagens curiosas: as-
sim, enquanto napoleo temia a obesidade, o visconde
de Vieil-castel, aceitando um desafio, comeu, numa
nica refeio, 24 dzias de ostras, sopa de ninho de
andorinhas, faiso com trufas, carne com mas, pei-
xe, guisado, ervilhas, aspargos, frutas diversas, tudo
regado com quatro garrafas de vinho e xerez, e encer-
rando com caf e licores. To logo terminou, declarou-
se disposto a um repeteco.
a mesa no era s o lugar para a abundncia e o
exotismo. como mostra o socilogo norbert elias (1897-
1990) em O processo civilizatrio (ber den Prozess der
Zivilisation), a etiqueta, a princpio exclusiva da corte,
estendeu-se sociedade. nada de comer com as mos,
por exemplo; agora, era preciso usar talheres.
Para alm dos livrosVoltando fico, a culinria inspirou escri-
tora dinamarquesa Karen Blixen, que escrevia sob o
pseudnimo de Isak Dinensen, uma narrativa famosa:
leiro de Triste Figura persegue, de uma forma to obses-
siva quanto desastrosa, eliminam por completo o seu
interesse pela comida. Sancho, ao contrrio, une o bom
senso da gente comum a um apetite voraz. Quando se
torna governador da mtica Ilha da Barataria (Segunda
Parte, captulo XLV), est a ponto de realizar o seu sonho
de comer sem limites, sonho este que ameaado por
um mdico que atua como uma espcie de conselheiro
culinrio encarregado de proteger a sade do mandat-
rio. a um sinal seu, os pajens levam embora os pratos
mais saborosos, incluindo perdizes assadas e frutas.
Irritado, Sancho termina expulsando o doutor e ordena
que lhe tragam comida.
O terceiro livro chama-se Os cadernos de cozi-
nha de Leonardo da Vinci, mas h dvidas sobre se
de fato foi o artista o seu autor. as receitas para ns,
hoje, so exticas, mas certamente refletem a culin-
ria do renascimento. rs cozidas em bexiga de porco,
intestinos de truta e cabra com gelatina so alguns
dos pratos. O autor fala das virtudes medicinais de cer-
tos pratos, o que, de novo, est dentro do esprito da
poca: especiarias (das quais, diz alexandre Dumas,
Leonardo era entusiasta divulgador) eram usadas para
tratar a melancolia. e tambm recomenda boas manei-
ras mesa: atribui-se a Leonardo, cujo talento para a
inovao ficou famoso, a inveno do guardanapo.
a sofisticao culinria chegou a seu auge na
Frana, cuja cuisine adquiriu reputao universal. O
rei Lus XVIII oferecia jantares com 32 entradas, in-
cluindo po de carpas com manteiga de lagostim e
postas de esturjo com manteiga de Montpellier. na
equipe de cozinha que servia o monar-
ca, a especializao era tal que havia
at um degustador de pssegos. no
de admirar que na Frana tenha aparecido
a bblia dos gurms, A fisiologia do gosto (Phy-
siologie du got), de Jean anthelme BrillatSavarin
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nutrio e arte 21
A cozinha baiana foi celebrada por ningum menos do que o grande Jorge Amado
A festa de Babette (Babettes gstebud). a histria
de duas belas irms, Martina e Philippa, que vivem
numa remota localidade da Dinamarca e que recebe-
ram do pai, pastor protestante, uma rgida e asctica
educao, cujos valores ambas sentem-se obrigadas
a manter. ento que chega ao lugar uma misteriosa
francesa, Babette, que se torna amiga das irms e as
convence a ajud-la na preparao de um banquete
(as jovens no sabem, mas ela foi uma chef famosa)
que ela, em sinal de gratido comunidade, custear.
O espanto chega ao auge quando Babette recebe os in-
gredientes encomendados, que incluem aves exticas,
tartarugas marinhas, vinhos. O conto uma celebrao
gastronmica, mas no s. Ousem, o que Babette
est dizendo quela gente. Ela sabe que a liberao
dos preconceitos, iniciada atravs da festa culinria,
ter prosseguimento e se constituir numa verdadeira
emancipao. O livro foi transformado num oscarizado
filme. Alis, no a nica obra cinematogrfica que
gira em torno da culinria. Chocolate, dirigido por Lasse
Hallstrm, e adaptado da novela homnima de Joanne
Harris, tem Juliette Binoche no papel da dona de uma
loja de chocolates, que, como Babette, usa a iguaria
para mudar cabeas (e no s dos choclatras).
E falando em chocolate, temos o Como gua para
chocolate, da mexicana Laura Esquivel. Tanto o livro
(que contm vrias receitas mexicanas, cada uma de-
las ligadas a um evento na vida da protagonista) como
o filme fizeram grande sucesso. Enfoque diferente en-
contramos no surrealista e perturbador A comilana (La
grande bouffe) de Marco Ferreri: quatro amigos (inter-
pretados por Marcello Mastroianni, Ugo Tognazzi, Michel
Piccoli e Philippe Noiret) se renem em uma casa de
campo com a inteno de comer at morrer: uma feroz
crtica sociedade de consumo. Curiosamente, existe
em Ibiza, Espanha, uma empresa de catering que se
chama, exatamente, La Grande Bouffe.
Histrias brasileirasE agora chegamos literatura brasileira. Temos,
claro, de comear pela cozinha baiana, celebrada por
ningum menos do que o grande Jorge Amado. As nume-
rosas referncias culinrias na obra do escritor foram
reunidas em livro por sua filha Paloma: Comida baiana
de Jorge Amado ou O livro de cozinha de Pedro Archanjo
com as merendas de Dona Flor (Record).
Jorge Amado no era exatamente um gurm: ao
menos nas ocasies em que almoamos juntos em Sal-
vador, ele pedia o trivial bife com fritas. Mas ao entrar
na fico era outra coisa. Paloma conta que, ao escre-
ver sobre comida, Jorge consultava famosas quituteiras
baianas: Dona Maria, Ayla, Dad, Dona Can (me de
Caetano Veloso). E a temos todos os pratos baianos,
acaraj, abar, cururu, mugunz... Porque comer bem,
diz o personagem Maneca Dantas de Terras do sem-fim,
o que se leva do mundo. A gente vive numas brenhas
danadas, derrubando mato pra plantar cacau, labutando
com cada jaguno desgraado, escapando de mordida
de cobra e de tiro de tocaia; se a gente no comer bem, o
que que se vai fazer?. No por outra razo, muitos de
seus personagens tm pratos prediletos: Vadinho (Dona
Flor e seus dois maridos) adora moqueca de siri mole.
Coisa que para o escritor era apenas natural, quando
Paloma lhe falou do projeto do livro ele, segundo sua mu-
lher, Zlia Gattai, ficou surpreso. Voc acha que meus
personagens comem tanto assim?, perguntou. Comem,
sim. Comem tanto que suas comilanas deram um livro.
-
Tambm escritora nordestina e tambm membro
da Academia Brasileira de Letras, Rachel de Queiroz rene
suas memrias gastronmicas em O No Me Deixes
suas histrias e sua cozinha (Editora Siciliano). No Me
Deixes, bom explicar, o nome da fazenda em que Ra-
chel viveu. As fazendas do Nordeste eram redutos culi-
nrios; ali, por exemplo, eram preparados o famoso quei-
jo de coalho e doces diversos. Essas receitas (canjica,
panelada de carneiro, baio-de-dois), entremeadas com
histrias reais ou ficcionais, foram colhidas por Rachel
das cozinheiras, de suas filhas e netas.
J o socilogo Gilberto Freyre preferiu fixar sua
ateno culinria no acar, alimento bsico, diz ele,
para compreender o nordestino. O que temos aqui um
verdadeiro estudo sociolgico mostrando como a mono-
cultura da cana e os engenhos condicionaram a cultura
da regio. No paladar brasileiro histrico, e a est uma
diferena com Portugal, o doce nunca demasiado doce:
as frutas neutralizam o acar. H tambm o aspec-
to esttico: os alfenins, por exemplo, parecem uma fina
renda, e os prprios utenslios de mesa, como os auca-
reiros, so decorados com belos desenhos. E, como na
obra de Rachel de Queiroz, no faltam as receitas: bolo-
de-rolo, tapioca, sorvete de jaca, creme de coco, gelatina
de maracuj, bolo-de-bacia, sequilho, bolo Souza Leo.
Um terceiro membro da ABL apaixonado por culi-
nria foi o carioca Antnio Houaiss (1915-1999). Escri-
tor, tradutor (inclusive do Ulysses, de James Joyce),
diplomata, ministro da Cultura, Houaiss destacou-se
tambm como organizador do Vocabulrio Ortogrfico
da Lngua Portuguesa, da Academia Brasileira de
Letras, e do Dicionrio Houaiss da Lngua Portugue-
sa. Era um gastrnomo famoso. Costumava convidar
amigos e confrades para almoos que ele
prprio preparava, e moqueca capixaba era
uma de suas especialidades.
Rachel de Queiroz e Antnio Houaiss imortalizaram suas memrias gastronmicas em livros
22 nutrio e arte
Entre os 19 livros que publicou, trs versam so-
bre o tema: Receitas rpidas, A cerveja e seus mist-
rios, Magia da cozinha brasileira (Editora Primor). Este
ltimo envolve um projeto ambicioso estabelecer
as bases de uma culinria brasileira, o que, num pas
enorme e multicultural, no fcil.
Nossa cozinha, diz um pargrafo que, alm da
erudio lingstica, revela-se um achado potico, apre-
senta pratos ou comidas de todos os gneros: Cruezas,
moqueados, grelhados, assados, pilados, cozidos, enso-
lados, ensolarados, apimentados, aquentados, esfriados,
requentados, esfiados, atados, repicados, refogados,
recozidos, costurados, atorados, estofados, alhados,
salitrados, condimentados, condimentadssimos, afer-
ventados, empastelados, enfarinhados, hidratados,
desidratados, escalfados, rescaldados, acaramelados,
caramelizados, repousados, decantados, torrados, flam-
bados. Houaiss e seu colaborador, Alan Draeger, reuni-
ram pouco mais de cem receitas. Como seria de esperar,
a maioria delas vem do NorteNordeste (41 receitas,
sendo 21 da Bahia de Jorge Amado) e apenas cinco para
o Sul, onde, diz Houaiss, a influncia europia se faz de-
masiado presente.
Ele tenta estabelecer algumas caractersticas re-
gionais: a mandioca impera no NorteNordeste, e em
parte no CentroOeste, ao passo que Sul e Sudeste
privilegiam o arroz; o Sul famoso por suas carnes. Em
matria de bebidas, a cachaa (que tem mais de 200
designaes) popular em todo o Pas. Das beberagens
no-alcolicas, o guaran tpico do Norte, e o chimar-
ro vem do Sul.
Ou seja, na biblioteca do gurm no devem figurar
apenas os clssicos livros de receita. Grandes obras da
literatura podem ali ter lugar. Alimento para o corpo, ali-
mento para o esprito: a combinao no de todo m e
d um prato cheio.
-
dossi bio
OsteoporoseA osteoporose definida como um distrbio
sistmico do esqueleto, caracterizado pelo compro-metimento da resistncia ssea e da qualidade mi-neral ssea, que predispe o indivduo a aumento do risco de fraturas [1]. As fraturas por fragilidade ssea so as principais conseqncias da osteoporose e, apesar de ocorrerem em qualquer parte do esquele-to, acometem principalmente os corpos vertebrais, o colo do fmur, punho e antebrao [2].
Atualmente, considerada importante proble-ma de sade pblica mundial devido sua prevaln-cia, elevada morbidade e mortalidade (em particular no caso da fratura do colo de fmur) e aos altos custos envolvidos no seu tratamento.
Um levantamento sobre a doena em mulhe-res com mais de 50 anos na Amrica Latina mos-trou freqncias de osteoporose em coluna verte-bral variando de 12% a 18%, e em fmur proximal de 8% a 22% [3]. Em So Paulo, estudo incluindo 301 indivduos com mais de 70 anos encontrou os-
teoporose em 22% a 33% das mulheres e em 6% a 16% dos homens examinados [4].
Quanto s fraturas, estudo realizado recente-mente com 2.420 indivduos maiores de 40 anos nas cinco regies brasileiras identificou fraturas por osteoporose em 15% das mulheres e 13% dos homens [5].
At o momento, a melhor forma de evitar as complicaes da osteoporose a preveno. Assim, a identificao precoce e o controle de fatores de risco modificveis tem sido o foco de inmeras pesquisas na atualidade. Entre esses fatores modificveis, des-taca-se a ingesto de micronutrientes.
Nutrientes e metabolismo sseoPor ser o principal constituinte do esqueleto, o
clcio tem sido o nutriente mais pesquisado quanto aos seus efeitos no metabolismo sseo. Entretanto, outros nutrientes (tabela 1) influenciam o metabolis-mo sseo pela alterao na homeostase do clcio na estrutura ssea, na taxa de remodelamento sseo e no sistema endcrino [2, 6]. Esses nutrientes variam de minerais (clcio, magnsio, fsforo, sdio, potssio e elementos-trao) e vitaminas (D, A, K, C e comple-xo B) a macronutrientes (protena e cidos graxos). A ao desses nutrientes no metabolismo sseo se d conforme a quantidade consumida e tambm se a dieta vegetariana ou omnvora.
Patrcia de SOuza GeNarO,mestre e doutoranda em Sade Pblica pela Universidade de So Paulo, nutricionista responsvel pelo Ambulatrio de Nutrio da Disciplina de Reumatologia da Unifesp
LGia arajO MartiNi, professora livre docente do Departamento de Nutrio da Faculdade de Sade Pblica da Universidade de So Paulo. Ps-doutorado no Jean Mayer Human Nutrition Research Center on Aging at Tufts University Boston, MA, USA. Coordenadora nutricionista do Ambulatrio de Nutrio da Disciplina de Reumatologia da Unifesp. Pesquisadora nvel 2 do CNPq
e sade sseaNUTRio
tabela 1. Nutrientes envolvidos no metabolismo sseo
Preservao Reduo
Consumo adequado de: Consumo excessivo de:Clcio, magnsio, fsforo SdioFlor, cobre, zinco, potssio ProtenaProtena FsforoVitaminas D, C, K, complexo B Vitamina A
Adaptado: Cashman K, 2007 [2]
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clcioos primeiros relatos sobre a relao do clcio
diettico com a massa ssea datam de 1885 [7]. Desde ento estudos que induzem a deficincia de clcio em animais demonstram claramente per-da de massa ssea. Em humanos, obviamente no podemos reproduzir estudos de deficincia, mas os ensaios clnicos mostram que a suplementao do clcio pode reduzir a perda de massa ssea [8, 9] e o risco de fraturas [10]. Porm, a atribuio desse efeito benfico ao clcio per se requer algumas con-sideraes, devido ao tratamento concomitante com a vitamina D, bem como outras variveis da dieta e estilo de vida, e do incremento no substancial da densidade mineral ssea que ocorre aps um ou dois anos de suplementao [11].
Uma ingesto tima de clcio se refere ao nvel individual de ingesto capaz de maximizar o pico de massa ssea, mant-la na idade adulta e minimizar sua reduo em idosos [12]. Assim, o requerimento de clcio varia conforme a idade e estado fisiolgico, sendo que em perodos de rpido crescimento, como a infncia e adolescncia, a necessidade de clcio maior (1.300 mg/dia). Na idade adulta, quando o pico de massa ssea atingido e a formao e reabsoro ssea esto estveis, a ingesto de clcio deve ser mantida prxima a 1.000 mg/dia [13]. Perodos em que a absoro intestinal desse nutriente est dimi-nuda e a taxa de reabsoro ssea aumentada como nos indivduos idosos, o requerimento de clcio nova-mente se eleva (1.200 mg/d).
Na tabela 2, est ilustrada a quantidade de cl-cio presente em diferentes alimentos. De forma pr-tica, para adolescentes e idosos a recomendao deve ser de quatro pores de leite ou derivados por dia.
A biodisponibilidade de clcio diettico um determinante crtico da sua homeostase. Tanto o trato digestrio como os rins regulam a absoro e a excre-o de clcio e, juntamente com o tecido sseo, de-terminam o balano desse on [14]. Trs hormnios so predominantemente responsveis pela homeosta-se do clcio: o paratormnio (PTH) e a forma ativa da vitamina D [1,25 (oH)2 D3] (tambm denominada calcitriol), considerados hipercalcmicos, e a calcito-
nina, considerada hipercalcmica. A diminuio no clcio plasmtico sensibiliza o receptor sensor de clcio (CaSR) e/ou canais de clcio dependentes de voltagem localizados na membrana plasmtica das clulas paratireides, dando incio cascata de transduo de sinal que resulta na secreo do PTH [15]. o PTH ir atuar no osso, es-timulando sua reabsoro, liberando ons clcio para a circulao, e tambm nos rins, elevando a reabsoro tubular do clcio. Adicional-mente, o PTH estimula a sntese da 1,25 (oH)2 D3 nos rins, que por sua vez estimula o transporte transepitelial de clcio no intestino e no osso, elevando a reabsoro. Quando os nveis plasmticos de clcio
24 dossi.bio
Figura 2. Metabolismo do clcio (Adaptado: Linus Pauling Institute Micronutrient Research for Optimun Health)
tabela 2. Clcio em alguns alimentos quantidade por poro normalmente consumida
Alimento Poro Peso (g) Clcio (mg)
Leite enriquecido com clcio * 1 copo 240 384Queijo fresco 2 pedaos 56 324Leite desnatado 1 copo 240 322Leite integral 1 copo 240 295Sardinha assada 2 unidades 50 219Espinafre cozido 1 xcara 190 213Queijo mussarela * 1 pedao 30 140Iogurte com frutas 1 potinho 130 130Feijo-rosinha cozido 1 concha 160 109Requeijo cremoso 1 colher de sopa 30 78Laranja lima 1 unidade 180 56Tofu 2 fatias 56 45Po de queijo 2 unidades mdias 40 41Bebida base de soja 1 copo 240 40
Adaptado: Tabela Brasileira de Composio de Alimentos TACO Verso 2, 2 edio, 2006. *
Calcitriol(1,25 (OH)2D)
Fgado
V i t A m i n A D
P t H C l C i oGlndula ParatireideQuando ocorre diminuio do clcio circulante h liberao do paratormnio (PTH)
Calcidiol 25(OH)D
Calcitriol(1,25 (OH)2D)
Aumento na concentrao de clcio srico
ossoLibera clcio
Rim Aumenta a formao do calcitriol Diminui excreo de clcio
intestino delgadoAumenta a absoro do clcio diettico
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adequada, em conjunto com nveis adequados de vitamina D, poderia modular a resposta calcmica elevada ingesto protica [20].
Recentemente, tem sido demonstrado que a ao da protena diettica sobre a massa ssea no explicada apenas pelo efeito cal-cirico, mas tambm pela influncia de fatores de crescimento, em particular do hormnio de crescimento, via ao do fator de cres-cimento semelhante insulina (iGF-i). Tanto a sntese heptica quanto os nveis plasmticos de iGF-i so dependentes da ingesto protica. Ao avaliar a suplementao protica em idosos desnutridos, Schurch e colaboradores observaram elevao na produo da iGF-1 [21]. Estudos de interveno, utilizando o leite como fonte de clcio e protica, tambm demonstraram elevao na iGF-1 [22].
o mecanismo pelo qual o iGF-i atua sobre a massa ssea est relacionado ao recrutamento e diferenciao de osteoblastos. A an-lise histomorfomtrica em ratos submetidos dieta hipoprotica e isocalrica demonstrou diminuio significativa da formao do peri-steo e da aposio mineral, indicando diminuio no recrutamento e atividade do osteoblasto [23]. Alteraes na secreo de outras citoci-nas envolvidas na formao e reabsoro ssea como fator de necrose tumoral, interferon , fator de crescimento transformador , tambm parecem estar relacionadas reduzida ingesto protica [24].
Analisados em conjunto, esses dados sugerem que a ingesto protica influencia a homeostase ssea por meio de diferentes meca-nismos. Entretanto, o nvel de ingesto protica adequada para mini-mizar efeitos deletrios sobre a massa ssea deve ser avaliado em con-junto com a ingesto de outros nutrientes, como o clcio e a vitamina D, e tambm com os nveis de hormnios como PTH e calcitriol.
De qualquer maneira, prudente adotar a recomendao de ingesto protica proposta para manuteno adequada de funes metablicas de aproximadamente 0,8 g/kg/dia [20, 24]
Fsforoo fsforo considerado o segundo mineral mais abundante
no organismo humano, sendo que aproximadamente 85% do con-tedo de fsforo est localizado nos ossos. A ingesto mdia diria de aproximadamente 1.000 mg/dia; e entre 60% e 80% so ab-sorvidos pelo duodeno e jejuno. Enquanto o intestino o principal stio de controle na economia do clcio, o rim para o fsforo. A razo para tal afirmao que a maior parte do fsforo alimentar absorvido (> 80%) eliminado na urina [25].
os efeitos da ingesto de fsforo sobre a massa ssea esto tambm relacionados ingesto concomitante de clcio e protena [26, 27], uma vez que os alimentos fontes de fsforo so tambm ricos em protena e clcio como as carnes, o leite e seus deriva-
dossi.bio 25
voltam ao normal, a glndula tireide secreta a cal-citonina. Esta, por sua vez, atua na desativao dos osteoclastos, inibindo ento os efeitos calcmicos da reabsoro ssea. Esse mecanismo est ilustrado na figura 2. A absoro intestinal de clcio e a adequada atuao hormonal so fundamentais para a manu-teno da massa ssea. Qualquer fator, diettico ou no, que interfira nesse sistema ir comprometer a massa ssea.
ProtenaA ingesto protica pode ter efeito tanto positi-
vo quanto negativo no balano de clcio e seus efeitos sobre a massa ssea, e o risco de fraturas dependen-te da ingesto concomitante de clcio [16].
A elevada ingesto protica aumenta a excreo renal de clcio por meio de trs mecanismos princi-pais: acrscimo da taxa de filtrao glomerular, au-mento da reabsoro ssea e reduo na reabsoro tubular renal de clcio, sendo que estes dois ltimos se devem ao efeito acidificante da dieta hiperprotica. As protenas de origem animal so ricas em aminoci-dos sulfurados, como a metionina e a cistina. Quando ingeridas em excesso, podem ocasionar acidose me-tablica leve na qual o osso funciona como tampo liberando ons clcio [16, 17]. Entretanto, vale salien-tar que esse efeito parece ocorrer somente quando a ingesto protica for considerada elevada, ou seja, acima de 1,2 g/kg/dia [17].
Em 2003, Kerstetter e colaboradores mos-traram uma correlao positiva entre a ingesto de protena e a excreo de clcio. Em mdia, a cada 50 g de protena ingerida ocorre aproximadamente 1,6 mmol de aumento na excreo de clcio na urina de 24 horas [18]. outros pesquisadores confirmam que a elevada ingesto protica importante deter-minante do clcio urinrio [19].
Um estudo de suplementao de clcio e vitami-na D durante trs anos, em idosos, observou reduo do remodelamento sseo de 10% a 15%, reduo de perda ssea e tambm das taxas de fraturas. Quando os autores avaliaram a ingesto protica, observaram, tambm, uma correlao positiva com a densidade ssea. Esses dados sugerem que a ingesto de clcio
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dos. Assim, quando a ingesto de clcio e protena est adequada, a dieta rica em fsforo (>1.700 mg/dia) pode no ter efeito negativo sobre a densidade mineral ssea [27]. Porm, foi descrito que uma sobrecarga aguda de fsforo pode diminuir os n-veis sricos de clcio e, em conseqncia, elevar o PTH, causando maior reabsoro ssea [28].
Por outro lado, a deprivao diettica de fs-foro pode resultar em elevao da calciria, pro-vavelmente devido ativao da vitamina D e do conseqente aumento da absoro intestinal de clcio [27].
Diante do exposto, a recomendao diet-tica de fsforo que visa manuteno de massa ssea a ser adotada aquela proposta pelas DRis, de 700 mg/dia [13].
Magnsioo magnsio o segundo ction intracelular
mais prevalente e aproximadamente dois teros do contedo total de magnsio no individuo adulto es-to localizados no esqueleto. Nesse tecido, o mag-nsio tem importante funo, uma vez que interfere diretamente na funo de osteoblastos e osteoclas-tos, assim como na formao e crescimento dos cris-tais de hidroxiapatita [29].
Quando ocorre deficincia aguda de magnsio, conseqentemente haver alterao na homeostase do clcio, levando hipocalcemia, pois h um ime-diato aumento do PTH srico. Porm, quando h de-ficincia intracelular, a glndula paratireide no res-ponde adequadamente ao estmulo, podendo haver diminuio da secreo do PTH e conseqentemen-te uma diminuio na concentrao srica de clcio. Alm disso, durante a deficincia de magnsio, a presena de concentrao srica elevada ou normal do PTH na vigncia de hipocalcemia sugere uma re-sistncia do PTH nos tecidos [30].
Rude e colaboradores (2004) demonstraram que a deficincia severa de magnsio (dieta com 0,04% da necessidade desse nutriente) em ratos causa perda de massa ssea devido ao aumento no nmero de osteoclastos, quando comparado com o grupo-controle [31].
outro estudo em mulheres na ps-menopausa, enfatizando a suplementao de magnsio, observou um aumento na densidade mineral ssea em 11%, quando comparado com mulheres que no estavam recebendo suplementao [32].
Entretanto, os efeitos do magnsio diettico sobre a massa s-sea ainda so controversos, principalmente devido deficincia de um marcador bioqumico especfico para esse nutriente [30].
Segundo o Food and Nutrition Board, institute of Medicine, a recomendao para a ingesto de magnsio de 320 mg/dia para mu-lheres e 420 mg/dia para homens [13]. Com uma ingesto de magn-sio de aproximadamente 300-420 mg/dia, 30% a 50% so absorvidos ao longo do trato digestrio, e a presena de outros constituintes da dieta, como fibras, oxalato, fitatos, fsforo e dieta pobre em protenas pode interferir negativamente na absoro.
o contedo de magnsio varia bastante entre os alimentos. As principais fontes so as oleaginosas, como castanha de caju, castanha-do-par, nozes, amendoim, entre outros, sendo alimen-tos no comumente encontrados na dieta habitual.
Vitamina dA vitamina D foi descoberta inicialmente como um fator anti-
raqutico. o principal fator necessrio para o desenvolvimento e a manuteno do tecido sseo e para manuteno da homeostase normal do clcio e do fsforo. Alm disso, evidncias recentes tm sugerido o envolvimento dessa vitamina em diversos processos ce-lulares, incluindo efeitos na diferenciao e proliferao celular, na secreo hormonal, no sistema imune e em diversas doenas crnicas no-transmissveis [33, 34, 35].
encontrada em duas formas: como ergocalciferol (vitamina D2), produzida pelas plantas, e como colecalciferol (vitamina D3) produzido pelo tecido animal e pela sntese cutnea, atravs da ao da luz ultravioleta (290 nm a 310 nm) no 7-dehidrocolesterol da pele humana [36]. Estima-se que 80% a 90% da vitamina D corprea adquirida pela sntese cutnea, e o restante pela ingesto de alimentos que contenham essa vitamina [37]. A vitamina D um pr-hormnio biologicamente inativo que, para se tornar ativo, deve passar por duas sucessivas hidroxilaes, primeiro no fgado, no carbono 25, formando a 25-hidroxivitamina D (25-oHD)3, de-nominada calcidiol, depois em outros tecidos como na prstata, tecido mamrio e no clon, mas principalmente nos rins, no car-bono 1, dando origem forma ativa da vitamina D a 1,25-diidroxi-vitamina D [1,25-(oH)2 D3] [36, 37].
Fatores como latitude, estao do ano e perodo do dia exercem influncia sobre a produo cutnea de vitamina D. Durante o vero,
26 dossi.bio
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o 7-diidrocolesterol cutneo mais eficientemente convertido em pr-vitamina D3. A sntese cutnea da vitamina D maior em regies de baixa latitude devido maior exposio aos raios UVB [38]. Con-tudo, reduzidos nveis de vitamina D plasmtica so observados em pases ensolarados [39]. o uso de filtro solar, a quantidade de mela-nina na pele, tipo de vestimentas, elevados nveis de poluio, podem reduzir a exposio cutnea aos raios UVB e como conseqncia ocorre diminuio da sntese da vitamina D.
Por outro lado, as fontes dietticas naturais de vitamina D so limitadas. As principais fontes alimentares, salmo, sardinha e co-gumelos, no fazem parte do hbito alimentar da populao brasi-leira (tabela 3).
Em 1997, o Food and Nutrition Board, institute of Medici-ne, determinou a ingesto de vitamina D de 10 g/dia (400 iU/d) para adultos acima de 51 anos e 15 g/dia (600 iU/d) para adultos acima de 71 anos [13]. Entretanto, doses maiores de vitamina D (800 1.000 iU/d) em idosos ( 65 anos) podem ser necessrias para atingir a tima sade ssea, pois essas doses de vitamina D mostraram reduzir o risco de fraturas nessa populao [40].
Quando h deficincia de vitamina D ou alterao no meta-bolismo desta, ocorre deficincia da absoro de clcio, elevao da produo de PTH e aumento na reabsoro ssea [37, 11]. Entre os idosos, a deficincia de vitamina D pode causar o hiperparatireoidis-mo secundrio, osteomalcia e exacerbar a osteoporose, resultando em aumento de risco de fraturas [40, 41].
Entretanto, para que a suplementao de vitamina D seja uti-lizada, devemos considerar a importncia da exposio solar sobre a disponibilidade da vitamina D. Apesar da proteo do organismo toxicidade da vitamina D, por meio da diminuio da expresso da 1--hidroxilase [enzima conversora da 25(oH)D em 1,25(oH)2 D3], a resposta benfica do uso de suplementao observada em estudos
realizados em diferentes latitudes pode ser diferen-ciada na nossa populao.
Contudo, diante da escassez de fontes alimen-tares, a recomendao para suplementao deve ser feita em situaes especficas e sempre acompanha-da da avaliao mdica.
Vitamina KA vitamina K um co-fator para a sntese ps-
translacional do cido gama carboxiglutmico (Gla) em protenas dependentes de vitamina K, como a osteocalcina, a matriz protica Gla (MGP) e a pro-tena S. Seu papel est relacionado reao de car-boxilao dos resduos glutmicos (Glu) da protena precursora em resduos Gla.
A osteocalcina a protena com maior quanti-dade de resduos Gla no osso maduro e, quando total-mente carboxilada, entremeia a ligao do clcio aos cristais de hidroxiapatita no osso [42].
Dois importantes estudos prospectivos, The Nurses Health Study [43] e o The Framinghan Heart Study [44], demonstraram a associao inversa en-tre ingesto de vitamina K e o risco de fraturas. No primeiro estudo, os indivduos com ingesto abaixo de 109 g/d apresentaram maior risco de fraturas de quadril. No Framinghan, idosos no maior quar-til de ingesto de vitamina K (mediana 254 g/d) apresentaram menor risco relativo ajustado, quan-do comparados com os indivduos no menor quartil (mediana 56 g/d).
A ingesto tima de vitamina K determinada em 2001 pelo Food and Nutrition Board, institute of Medicine, de 120 g/d para homens com mais de 18 anos e de 90 g/d para mulheres com mais de 18 anos. Porm, preciso estabelecer se a ingesto de alimentos ricos em vitamina K suficiente para a preveno da perda de massa ssea.
Nesse sentido, os efeitos da reduzida e da elevada ingesto de vitamina K no metabolismo sseo foram avaliados por Martini e colaboradores em 2006 [45]. os autores demonstraram que a in-gesto reduzida ou elevada de filoquinona (princi-pal forma da vitamina K) no teve efeito agudo na absoro intestinal de clcio e na formao ssea.
dossi.bio 27
tabela 3. Principais fontes de vitamina D diettica
Alimentos Quantidade de Vitamina D g/100 g
Salmo cozido 8,7Ostra 8,0Sardinha no leo 6,8Cogumelos cozidos 6,7Atum cozido 5,9Gema de ovo 2,7Bife de fgado 0,4Leite integral 1,03Queijo mussarela 0,16Manteiga 1,4
Adaptado: Nutrition Data System for Research University of Minnesota, 2007
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Houve, porm, uma modesta reduo na reabsor-o ssea com a ingesto de cinco vezes a reco-mendao de filoquinona. Entretanto, os efeitos da suplementao da vitamina na reduo das taxas de fraturas ainda no foram estabelecidos.
Vitamina aA ingesto excessiva da vitamina A parece
estar relacionada elevao da reabsoro e ini-bio da formao ssea e, conseqentemente, ao maior risco de fraturas [46]. Uma vez que tanto os osteoblastos como os osteoclastos possuem re-ceptor para o cido retinico, o provvel mecanis-mo seria por meio da supresso da atividade do osteoblasto, pelo estmulo osteoclastognese e pela ao antagnica da vitamina D na manuten-o do clcio srico [47, 48, 49].
Em estudo prospectivo envolvendo mais de 2 mil homens, demonstrou-se elevao do risco relativo de fraturas de quadril em homens com maiores nveis de retinol srico, considerando o retinol srico como marcador da ingesto de vi-tamina A. Para cada desvio-padro de aumento de retinol srico, o risco de fratura aumentava 26% [46].
Feskanich e colaboradores (2002) [50] ava-liaram dados do estudo Nurses Health Study para fratura de quadril e ingesto de vitamina A. A pes-quisa mostrou uma forte associao positiva entre a ingesto de retinol e a taxa de fraturas em mu-lheres na ps-menopausa que no estavam fazen-do reposio hormonal.
Essas recentes observaes so importantes para a avaliao nutricional de indivduos que fa-zem uso de suplementos que contenham vitamina A, principalmente porque os efeitos negativos do excesso de retinol na massa ssea so mais de-vidos ao uso de suplementos do que ingesto elevada da vitamina [50].
A recomendao nutricional em relao vitamina A tambm aquela recomendada pelas DRis, de 625 g/ EAR/dia para homens e 500 g/ EAR/dia para mulheres (EAR= equivalentes de atividade de retinol) [13].
Sdioo sdio, assim como as protenas, parece tambm aumentar a
excreo de clcio urinrio. Sabe-se que 90% do sdio ingerido ser: excretado, sendo assim, o sdio urinrio um bom marcador para in-gesto diettica de sdio. Cada aumento de 500 mg de sdio excreta-do (ou sdio ingerido) corresponde, aproximadamente, a um aumento de 10 mg de clcio perdido na urina [51]. Esse fato se deve ao meca-nismo competitivo de reabsoro tubular renal entre os dois ons.
Como j descrito anteriormente, o aumento do clcio uri-nrio induz aumento na reabsoro ssea, que ocorre por meio da elevao dos nveis de PTH a fim de restabelecer os nveis de clcio circulante [14, 15].
Um estudo randomizado com diferentes quantidades de sdio ingerido 50, 100 e 150 mmol/d (DASH diet Dietary Approa-ches to Stop Hypertension) mostrou que a dieta com menor nvel de ingesto de sdio diminui a excreo de clcio urinrio em 0,5 mmol/24 horas, e que a orientao para uma dieta adequada em s-dio (100 mmol/dia) capaz de reduzir os nveis de CTx (marcador da reabsoro ssea) [52].
Diante desses fatos deve-se recomendar reduo da ingesto de sal, atravs da no-utilizao de sal de adio (saleiro), bem como de alimentos com elevado teor de sdio.
consideraes finais A abordagem que relaciona nutrio com o metabolismo s-
seo despertou a ateno de pesquisadores nas ltimas dcadas, devido elevada morbidade e mortalidade causadas pelas doenas sseas. Contribuiu para isso tambm o aperfeioamento das tc-nicas de imagem e de marcadores bioqumicos do metabolismo sseo e nutricional, que possibilitaram diagnstico precoce e ins-tituio de estratgias eficazes de promoo de sade para preven-o da osteoporose e fraturas.
importante enfatizar que a osteoporose pode ser prevenida e tratada de forma eficaz. Entretanto, as medidas teraputicas atu-almente utilizadas (farmacolgicas e no medicamentosas) podem apresentar contra-indicaes, reaes adversas, custos elevados e dificuldade de acesso para grande parte da populao.
Por outro lado, orientaes nutricionais para incremento do consumo de clcio, manuteno dos nveis adequados de vitamina D, somados a alimentao saudvel, que inclui frutas, verduras, legumes, quantidades moderadas de carnes e reduo de sal, de-vem ser a primeira estratgia para a preservao da sade ssea, uma vez que so de baixo custo, seguras, eficazes e podem ser facilmente implementadas.
28 dossi.bio
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