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Vinho e saúde cardiovascular mecanismos de ação
Insuficiência hepática avanços em nutrição
Frutas do Cerrado saúde humana e preservação ambiental10
A arte de armazenar e conservar alimentos
Onze mil
anos de
história
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lé
Ivan F. ZuritaPresidente da Nestlé Brasil
Direção Editorial: Ivan F. Zurita, Izael Sinem Jr. e Celia Suzuki
Consultor Editorial: Claudio Galperin
Conselho Consultivo: Pedro Simão
Colaboradores: Fernando Brito, Jan Handel, Juliana Lofrese, Maria Helena Sato, Paula Munhoz, Roberta Portes, Roseli Borghi
Editor: Claudio Galperin Jornalista-responsável: MTb 12.834 Assistente Editorial: Maria Fernanda Elias Llanos Assistente de Redação: Betina Galperin Edição de Arte
Produção Gráfica e Pre Media: D’Lippi Design+Print — (11) 3092.2900 — www.dlippi.com.br Edição de Arte: Dinho Guzman Arte-final: Anderson Torres Fotografia: Ricardo
Teles, Latinstock e Shutterstock Ilustração: Andrea Ebert e Fernando Vilela Capa: Fernando Vilela Revisão: Eliete Soares Impressão: Mattavelli Tiragem: 40.000 exemplares
Esta edição da Nestlé.Bio convida-nos a refletir sobre como a descoberta da mais antiga despensa da humanidade,
construída 11 mil anos atrás, contribuiu para o desenvolvimento tecnológico do cultivo, do armazenamento e da
conservação dos alimentos, indispensáveis à sociedade moderna.
Permite-nos apreciar, ainda, de que forma o trabalho coletivo de estudantes de disciplinas como medicina, enge-
nharia ambiental, agronomia e nutrição — feito entre as comunidades de baixo índice de desenvolvimento humano
— foi contemplado com o Prêmio Cidadania Sem Fronteiras, concedido pelo Instituto Cidadania Brasil em parceria
com o Ministério da Ciência e Tecnologia.
Em Leitura Crítica, o Dr. Marcus Boulos, Professor-titular do Departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitárias e
Diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), discute a recente inclusão da obesidade
entre os fatores de mau prognóstico da pandemia por Influenza A H1N1.
Na seção Palavra, o Dr. Nivaldo Barroso de Pinho, Chefe do Serviço de Nutrição do Hospital do Câncer I/INCA, fala-nos
sobre os resultados do recém-criado Consenso Nacional de Nutrição Oncológica.
Nesta edição também, o universo de Riobaldo e Guimarães Rosa recebe a visita de pesquisadores da Embrapa e
de Universidades de Brasília, Campinas, Goiás e Mato Grosso do Sul. São estes pesquisadores que nos revelam
propriedades nutricionais, até então desconhecidas, das frutas do cerrado, e a importância do cultivo sustentado
para a preservação desse bioma.
E, com a proximidade das festas de fim de ano, a Dra. Fernanda Consolim-Colombo, do Intituto do Coração da FMUSP, brinda-
nos com uma análise crítica sobre as pesquisas mais recentes que vinculam a ingestão de vinho à saúde cardiovascular.
Aproveito esta edição de número 10 da Nestlé.Bio para agradecer a tão boa acolhida dos profissionais de saúde
à nossa publicação e expressar a todos os nossos votos de Boas-festas e de um muito próspero Ano-novo.
Boa leitura a todos!
Ciência, pesquisa e cidadania
A revista Nestlé.Bio é um produto informativo da Nestlé Brasil destinado a promover pesquisas e práticas no campo da ciência da nutrição realizadas no país e no exterior, sob os cuidados de um criterioso processo editorial. Alinhada ao histórico papel da Nestlé no apoio à difusão da informação científica, a revista abre espaço para a diversidade de opiniões, que consideramos ser essencial para o intercâmbio de ideias e conceitos inovadores. As declarações expressas na revista não refletem necessariamente o posicionamento institucional da companhia com relação aos temas tratados.
editorial
ERRATA As declarações de Ana Flávia Borges Badue, utilizadas na matéria Horta Multidisciplinar (Nestlé Bio nº. 9), foram retiradas de entrevista destinada, originalmente, a outra publicação. Ana Flávia Badue é Arquiteta, Urbanista e Mestre em Saúde Pública e não Nutricionista, como consta na referida matéria.
Sou médico, endocrinologista, professor da Faculdade de Medicina da Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia (EMESCAM) de Vitória. Devo ressaltar a qualidade do conteúdo da Nestlé.Bio, com reportagens de excelente nível que garantem o aprimoramento de diferentes temas de nutrição. Albermar Roberts Harrigan, Vitória (ES)
Gostaríamos de continuar recebendo as edições da Nestlé.Bio em nossa biblioteca da Escola de Nutrição da Universidade Federal de Ouro Preto (ENUT/UFOP). Aproveitamos para parabenizálos pela ex ce lên cia e riqueza de conteú dos diversificados, em seções como Ponto de Vista e Dossiê Bio.Maria Goret A. S. Costa, Ouro Preto (MG)
A Faculdade de Nutrição da Universidade Federal de Alagoas está organizando o I Fórum Alagoano de Nutrição em Pediatria com o tema Nutrindo nosso Futuro. Gostaríamos de solicitar exemplares da Nestlé.Bio para os participantes, em razão dos relevantes temas apresentados na revista. Profa. Monica Lopes de Assunção, Maceió ( AL)
Aguardamos seus comentários e sugestões para o e-mail [email protected] ou para a caixa postal 11.177, CEP 05422-970, São Paulo (SP), com seu nome completo, registro profissional, local de trabalho e cidade de origem.
04palavraDr. Nivaldo Barroso de Pinho, Chefe do Serviço de Nutrição do Hospital do Câncer I/INCA, fala à Nestlé.Bio sobre o primeiro Consenso em Nutrição Oncológica realizado no Brasil
10capaEm um vale próximo ao Mar Morto, arqueólogos estudam a mais antiga despensa da humanidade. Enquanto isso, pesquisadores desenvolvem sofisticadas estratégias para conservar e armazenar melhor os alimentos
15dossiê bioA avaliação nutricional na insuficiência hepática é revisadaem detalhes pela nutricionista Rosângela Passos de Jesus,Professora-adjunta da Escola de Nutrição da Universidade Federalda Bahia, e seus colaboradores
20nutrição e arteO emprego de alimentos nas obras do brasileiro Vic Muniz e da chinesa Ju Duoqi provoca uma reflexão sobre o prazer, o desejo e a efemeridade na arte
36qualidadeFiberMais é a exclusiva combinação de fibras naturais daNestlé. Um produto com forte atividade bifidogênica, que estimula a produção de ácidos graxos de cadeia curta
40sabor e saúdePesquisadores revelam as virtudes nutricionais que se abrigam nas exóticas frutas do cerrado e sublinham: seu plantio ajuda a preservar o meio ambiente e também as espécies nativas
46atualizaçãoDois estudos recentes incluem a obesidade entre os fatores de mau prognóstico para a pandemia por Influenza H1N1. Um terceiro trabalho avalia a integridade do leite materno armazenado por 96 horas, em geladeira. Confira a leitura crítica desses estudos nesta edição
ÍNDICEintercâmbio ne
stlé
25focoNão há panettone tradicional sem uvas-passas. Ou sem as histórias e lendas que, desde o século 15, Milão exporta para o mundo
29ponto de vistaDra. Fernanda Marciano Consolim-Colombo, Médica-assistente do Instituto do Coração (InCor), da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, discute os potenciais benefícios do vinho para a saúde cardiovascular
30resultadoInterrompido durante a ditadura militar, o projeto Bandeira Científica renasce, alcança populações de baixo índice de desenvolvimento humano e ganha reconhecimento com o Prêmio Cidadania Sem Fronteiras
35calendárioO primeiro semestre de 2010 traz excelentes oportunidades para aprendizado e troca de experiências em congressos e simpósios voltados para temas ligados à nutrição
4 palavra4 palavra
palavra
A palavra de Nivaldo B. de Pinho
Consenso Nacional de Nutrição Oncológica
Cuidados nutricionais representam, de maneira multifatorial, um aspecto central na vida do paciente oncológico.
A elevada frequência de desnutrição proteica e calórica, por exemplo, decorre de situações como a redução na in-
gestão total de alimentos e, também, de alterações metabólicas e de aumento de demanda provocados pelo tumor.
A desnutrição em pacientes oncológicos, por sua vez, promove alterações funcionais e morfológicas que in-
cluem atelectasias pulmonares e pneumonias decorrentes da redução da massa muscular diafragmática e
da redução da concentração de lecitina nos alvéolos pulmonares (1). No fígado, ela pode determinar edema e
atrofia dos hepatócitos, esteatose hepática, degeneração mitocondrial e dos microssomos, com comprometi-
mento da capacidade de depuração de fármacos e da síntese de albumina e peptídeos pelo fígado (1).
A desnutrição também pode afetar as funções gastrintestinais, causando síndrome de má-absorção, translo-
cação intestinal de micro-organismos, hipocloridria por diminuição das enzimas intestinais, perda de gordura
e adelgaçamento da parede intestinal, atrofia das mucosas gástrica e intestinal, redução das microvilosidades
e diminuição da massa celular do tecido linfático associado ao intestino. O sistema imune também pode ser
afetado pela queda da produção de imunoglobulinas, da atividade do sistema complemento, do número de
linfócitos T e por uma redução do poder bactericida dos neutrófilos, associados a uma maior susceptibilidade
a infecções de feridas, sépsis abdominal e pneumonia pós-operatória (1).
Esse conjunto de alterações não apenas compromete a qualidade de vida do paciente oncológico, como, em
razão de um maior período de internação, concorre para um tratamento mais oneroso. Por si só, esses dados
sublinham a importância de uma estratégia de atendimento nutricional global, por meio de protocolos criterio-
sos que levam em conta a faixa etária do paciente e o tipo e estágio da doença.
Há poucos meses, um passo tão importante quanto inédito foi tomado nesse sentido, com a conclusão do
Consenso Nacional de Nutrição Oncológica [1]. À frente desse projeto, que reuniu especialistas de todo o
Brasil, está o nutricionista Nivaldo Barroso de Pinho, Chefe do Serviço de Nutrição do INCA/HC I, que compar-
tilhou sua experiência com a Nestlé.Bio.
entre v i s ta _ Maria Fernanda Elias Llanos
fo to _ Ricardo Teles
6 palavra
Quais foram as principais etapas de elaboração?
Tudo começou em 2005, quando foi realizado um estudo no
Brasil para identificar e avaliar a representação por regiões de
instituições que prestam assistência nutricional a indivíduos
portadores de câncer. Em 2006, recebemos o apoio da Nestlé
Nutrition para a construção do consenso, pois precisávamos
de recursos estruturais e financeiros que pudessem garantir
o conforto e a movimentação de todos os envolvidos no país.
De abril a julho de 2007, foram enviadas cartas-convite para
as instituições que assistem indivíduos com câncer para o
I Fórum Nacional do Consenso, que ocorreu em outubro do
mesmo ano. Na ocasião, foram definidos os temas a serem
consensuados, a metodologia a ser utilizada, além de identi-
ficados os atores internos a desempenhar os papéis estraté-
gicos na construção do documento.
Quantas instituições responderam ao convite?
O I Fórum Nacional contou com a participação de 42 insti-
tuições: três do Centro-Oeste, 10 do Norte/Nordeste, 20 da
Região Sudeste e 9 da Região Sul. Foram distribuídos os te-
mas a serem discutidos e definidos os líderes regionais e
os cofacilitadores responsáveis pelas regiões. Cada institui-
ção recrutou outras instituições-pares a fim de trabalhar a
formulação das propostas nas reuniões locais. As propostas
foram então revisadas e reencaminhadas para todas as ins-
tituições antes dos cinco Fóruns Regionais, que ocorreram
entre maio e junho de 2008. De julho a agosto, as 334 pro-
postas foram votadas por todos os participantes do consen-
so durante um fórum a distância.
Quais foram os temas selecionados para discussão?
Os temas abordados foram: Orientações Nutricionais
para os Sinais e Sintomas Causados pela Terapia Anti-
tumoral; Paciente Oncológico Adulto; Paciente Adulto
em Cuidados Paliativos e Paciente Pediátrico em Cui-
dados Paliativos; e Paciente Oncológico Pediátrico.
Quais são as maiores dificuldades para a manutenção do
estado nutricional do paciente oncológico?
O indivíduo com câncer está submetido a inúmeras adver-
sidades relacionadas à doença e ao tratamento que o levam
a um quadro persistente de desnutrição. Incluem-se nesta
relação as alterações metabólicas, a redução da ingestão
de nutrientes, as lesões gastrintestinais, os fatores emo-
cionais e os socioeconômicos. Para corrigir este quadro, é
necessário que os pacientes possam ter acesso a orienta-
ções nutricionais o quanto antes, e, hoje, verificamos que
muitos hospitais não possuem estrutura para a assistência
ambulatorial pré-tratamento quimioterápico, radioterápico
e cirúrgico. Muitos pacientes são submetidos ao tratamen-
to sem assistência nutricional prévia. Outra das dificulda-
des é a da falta de recursos para terapia nutricional ambu-
latorial, quer na saúde pública quer na saúde privada. São
poucas as instituições que garantem a terapia nutricional
oral ambulatorial pré e per tratamento oncológico.
Como surgiu a iniciativa de realizar o Consenso Nacional
de Nutrição Oncológica (CNNO)?
Surgiu do movimento de construção e unificação das roti-
nas internas do Serviço de Nutrição do Hospital do Câncer I
com as demais unidades hospitalares do Instituto Nacional
de Câncer (INCA). O objetivo do trabalho foi o de garantir a
equidade e a qualidade da assistência nutricional ao pa-
ciente oncológico, promover a geração e a disseminação do
conhecimento e reunir representações nacionais
de instituições de ensino e assistência
nutricional em oncologia.
palavra 7
As estratégias de implementação das Diretrizes Nacio-
nais de Nutrição Oncológica foram definidas no III Fórum
Nacional em setembro de 2009. O documento foi editado
pelo Ministério da Saúde e lançado no Congresso Brasilei-
ro de Nutrição Oncológica do INCA, na 4ª Jornada Interna-
cional de Nutrição Oncológica e na 3ª Jornada Luso-Brasi-
leira em Nutrição Oncológica, em outubro de 2009.
O CNNO estabeleceu diferentes condutas para a população
pediátrica e a adulta?
Sim. Mais do que isso, o consenso nos permitiu estabele-
cer condutas gerais nas diferentes fases da doença e do
tratamento, como, por exemplo, as definições dos instru-
mentos de avaliação nutricional, as recomendações caló-
ricas, proteicas e hídricas e as indicações da terapia nutri-
cional enteral, oral e parenteral. Chegamos ao consenso de
que, para os pacientes adultos, seja empregada a avalia-
ção subjetiva global produzida por ele próprio (ASG-PPP)
nas primeiras 24 horas da sua internação, e que a terapia
nutricional seja instituída, ambulatorialmente, desde a
abertura da sua matrícula no hospital.
Quais os aspectos acordados para pacientes pediátricos?
Para o paciente pediátrico, incluímos outros elementos nos
métodos da avaliação, como a anamnese nutricional com
dados clínicos e dietéticos; antropometria com peso, esta-
tura, IMC, P/E, P/I, E/I; percentual de perda de peso, CB, CMB;
dobra cutânea triciptal para maiores de dois anos; períme-
tro cefálico e torácico para as menores de dois anos; e exa-
me físico. Os dados devem ser classificados por meio das
curvas da OMS (2007) e é necessário utilizar como índice
de referência o Escore Z ou o percentil para P/I, P/E e E/I.
Para estimar as necessidades calóricas da criança, foram
consensuados o uso das equações da Dietary Reference In-
take (DRI) e a fórmula de Holliday and Segar. São mais de
330 propostas consensuadas disponíveis no site da Biblio-
teca Virtual em Saúde do Ministério da Saúde.
Qual é o papel das soluções nutricionais industrializadas?
A perda de peso e a desnutrição são os distúrbios nutricionais
mais frequentemente observados em pacientes com câncer
(40% a 80% dos casos), sendo que até 30% dos pacientes
adultos apresentam perda superior a 10% do peso [2]. O défi-
cit do estado nutricional está estreitamente relacionado com a
diminuição da resposta ao tratamento específico e à qualidade
de vida, com maiores riscos de complicações pós-operatórias,
aumento da morbimortalidade, do tempo de internação e do
custo hospitalar [3,4]. As fórmulas nutricionais quimicamen-
te definidas têm um papel muito importante nas diferentes fa-
ses da doença e do tratamento oncológico. Elas podem corrigir
a ingestão calórica, proteica e de micronutrientes deficientes
por questões mecânicas, que levam alguns pacientes a su-
portarem a ingestão apenas de alimentos com a consistência
modificada para líquida ou pastosa. A terapia nutricional oral
nesses casos pode evitar a perda de peso e a consequente
desnutrição, quando precocemente prescrita no período de
definição e início da terapêutica oncológica, podendo interferir
diretamente no sucesso do tratamento da doença.
Qual o maior desafio enfrentado pelo senhor durante a
elaboração do CNNO?
Eu tive a felicidade de sonhar, acreditar e liderar o grupo do
INCA e demais integrantes na construção do consenso. Mas
não bastava acreditar no sonho. O sonho tinha de ser de to-
dos para que fosse possível construir algo tão grandioso. O
método de construção era tão complexo que exigia um sen-
timento coletivo, indispensável para o envolvimento das ins-
tituições por todo o Brasil. Meu maior desafio foi conseguir
a adesão de todos os nutricionistas do INCA para a elabora-
ção do documento. Precisava ser uma atividade voluntária
e socializada para quem quisesse participar, conforme suas
habilidades e competências. Consequentemente, surgiram
inúmeros nomes de destaque de todo o país.
8 palavra
Como será a divulgação e a implementação do CNNO no
território nacional?
As estratégias foram discutidas no III Fórum Nacional. Foi
construído um roadmap prevendo diferentes fases com esses
objetivos. Criamos também um comitê auditor que verificará o
compromisso de implementação do CNNO em suas instituições
e nas instituições-pares. Elas comprometeram-se a trabalhar a
divulgação em 2009 e 2010 em eventos regionais e nacionais.
Qual estratégia será adotada para promover atualizações
ou revisões do documento?
Um comitê científico tem o objetivo de revisar permanentemen-
te os temas do documento que já foram consensuados e coor-
denar a discussão de novas temáticas, como antioxidantes,
imunomodulação, fitoterápicos, pacientes idosos, pacientes
críticos e sobreviventes do câncer. Foram nomeados cofacilita-
dores do INCA, líderes por temas e outros participantes, confor-
me suas habilidades e competências.
O CNNO não contempla medidas de prevenção. Por quê?
O INCA possui uma Coordenação de Prevenção (COMPREV) res-
ponsável pelas políticas nacionais de prevenção do câncer que
em breve juntará esforços com todos para elaborar também um
consenso com foco na prevenção.
Qual a expectativa do senhor em relação aos avanços que o
CNNO poderá promover?
O documento dá oportunidade, em médio prazo, de igualda-
de com qualidade na assistência do paciente com câncer em
todo o Brasil, criando uma rede de assistência nutricional. Ele
servirá como instrumento para os gestores, com o objetivo de
dimensionar o quadro de nutricionista e o orçamento na assis-
tência nutricional à população das suas instituições. Finalmen-
te, padronizará, em âmbito nacional, os momentos necessários
à abordagem nutricional desses pacientes.
Houve muita divergência de opiniões entre os profissionais?
Como ferramentas para votação das propostas foram utiliza-
dos cartões coloridos, tanto para os fóruns regionais como
para os nacionais. Ficou estabelecido que, para uma proposta
ser validada, seriam aceitos até três bloqueios por tema con-
sensuado, quer dizer, unanimidade menos três. Entretanto,
todas as 334 propostas foram unanimidade menos zero. Não
houve nenhum bloqueio no fim de todas as discussões no
II Fórum Nacional. Os encontros regionais e nacionais foram
repletos de discussões. Tivemos de lidar com habilidades e
competências variadas, humores, vaidades e personalida-
des, que por fim nos trouxeram um sentimento de união em
torno de um trabalho grandioso construído por todos.
O CNNO já foi avaliado por instituições de fora do país?
As propostas construídas e consensuadas nacionalmente
foram enviadas para as sociedades internacionais de Por-
tugal, do Canadá e da América Latina, que fizeram conside-
rações nos pontos de corte da ASG-PPP na classificação de
risco nutricional.
O CNNO deixa clara a importância da ampla atuação do nu-
tricionista. Por que isso ainda não ocorre na prática?
Hoje, a relação entre o número de nutricionistas e leitos no
Brasil ainda é muito desigual — e o principal determinante da
precariedade na assistência nutricional a esta população no
Brasil. São poucas as instituições que seguem as recomenda-
ções do Conselho Federal de Nutricionistas para unidades que
assistem pacientes com câncer. Outros elementos que limitam
a atuação do nutricionista são as reduzidas oportunidades de
capacitação e atualização profissional oferecidas pelos gesto-
res públicos e privados aos profissionais de saúde e os limi-
tados ou quase inexistentes recursos para terapia nutricional
ambulatorial e domiciliar. Acreditamos que esse documento
possa contribuir para melhorar essas condições.
rEFErêNCIAS
[1] Consenso Nacional de Nutrição Oncológica. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. – Rio de Janeiro: INCA, 2009. [2] Wong, P.W.; Enriquez, A.; Barrera, R. Nutritional support in critically ill patients with cancer. Crit Care Clin. 2001; 17(3). [3] Kyle, U.G.; Pirlich, M.; Schuetz, T.; Lochs, H.; Pichard, C. Is nutritional depletion by nutritional risk index associated with increased length of hospital stay? A population-based study. JPEN. 2004; 28(2): 99-104. [4] Silva, M.P.N. Síndrome da anorexia-caquexia em portadores de câncer. Revista Brasileira de Cancerologia, 2006;52(1):59-77. [5] Caro, M.M.M et al. Nutritional intervention and quality of life in adult oncology patients. Clinical Nutrition; 2007;26:289-301.
conhecer
i l us traç õ e s _ Fernando Vilela
A conservação dos alimentos e o avanço da civilização
conhecer 11
A descoberta pré-histórica aconteceu justamente
em um dos primeiros locais em que o homem organizou-se
em sociedade, na região do chamado sítio arqueológico
de Dhra. Alí, os homens moravam e preparavam os ali-
mentos em construções ovais próximas aos silos onde
eram guardados os grãos. Estes, com cerca de três me-
tros de diâmetro, tinham paredes de barro e pedra que
suportavam vigas de madeira no teto, criando na peque-
na vila uma despensa com chão suspenso que permi-
tia a circulação de ar — reduzindo o efeito da umidade.
“Os depósitos criados por esta população são um marco
de uma nova relação entre o homem e as plantas usadas
para alimentação”, explica Ian Kuijta, professor de antro-
pologia da Universidade Notre Dame, nos Estados Unidos,
à Nestlé.Bio. Ele é um dos responsáveis pela descober-
ta, publicada no periódico científico PNAS, da Academia
Nacional de Ciências dos Estados Unidos (1).
“As quatro despensas foram construídas em formato
circular, com cerca de três metros de diâmetro, e estavam
alojadas entre os vestígios do que seriam residências da
comunidade. Todas elas tinham uma estrutura básica de
pedra como um revestimento externo — e há evidências de
que tinham uma cobertura, como um teto, feita de material
orgânico e barro, para proteger os alimentos. No entanto,
não foi encontrado nenhum vestígio desse telhado.
Outro diferencial das despensas era um tipo de chão
suspenso: pedras cortadas eram alinhadas uma ao lado da
outra, distantes cerca de um metro, formando um suporte
para uma tábua de madeira, em uma espécie de prateleira na
qual os cereais eram colocados. Este recurso proporcionava
maior ventilação dentro da despensa e deixava os alimentos
mais distantes de roedores e outros animais.”
Sem o desenvolvimento desses primitivos depósi-
tos para alimentos feitos há 11 mil anos — cerca de mil
anos antes dos registros de domesticação e sedentaris-
mo em larga escala —, o homem não conseguiria abando-
nar o estágio de apenas caçador e coletor, que depende da
caça, pesca e coleta de vegetais e frutas para sobreviver,
e desenvolver um sistema de organização baseado na
agricultura e na pecuária que nos dias de hoje é levado ao
seu potencial máximo por meio dos recursos industriais.
Em um vale encravado perto do Mar Morto, na
Jordânia, escavações arqueológicas encontraram ruí-
nas da mais antiga despensa da humanidade. Cons-
truídas com barro, pedra e taipa há 11 mil anos, elas
representam o embrião de um novo mundo que
estava para surgir: aquele no qual o homem deixou
de ser nômade, peregrinando em busca de água e ali-
mento, para fixar-se em um território e alimentar-se
dos vegetais que planta e dos animais que domestica.
O passo evolutivo tornou as comunidades sedentárias
— mudança essencial para a organização do homem
em vilas, cidades e países — e deu o pontapé para o
desen volvimento tecnológico do cultivo, armazena-
mento e conservação dos alimentos — área de pesqui-
sa e aplicação que acompanhou o avanço das civiliza-
ções, sendo indispensável à sociedade moderna.
Onze mil anos de história separam construções de barro, madeira e pedra do emprego de mecânica metalúrgica e física para conservação dos alimentos
12 conhecer
Na avaliação de Kuijta, a tecnologia para armazenamento
e conservação de grãos nos silos da Jordânia foi revolu-
cionária. “O domínio da agricultura e a domesticação de
animais ocasionaram um excedente de alimentos que
exigiu o desenvolvimento de formas de armazenamento e
conservação, levando a sociedades mais sedentárias e a
novas maneiras de organização social”, diz o antropólogo.
Com o aprendizado de que era possível armazenar
os alimentos para sobreviver às diversas estações do
ano, construindo silos e despensas ventiladas e prote-
gidas, o ser humano foi encontrando, ao longo dos sécu-
los e milênios, modos de prolongar a vida-útil de grãos,
frutas e carnes. Um desses primeiros processos, comum
a todas as antigas civilizações, era a secagem ao sol.
Os povos aprenderam que, ao desidratar carnes ou
frutas com o calor do sol, estes duravam mais
e podiam ser estocados para os períodos de
escassez. Quando já sabiam desidratar
os alimentos, aprenderam a salgá-los,
e perceberam que, além de melho-
rar o sabor, o processo aumenta-
va a duração do alimento.
Uma das explicações dos
cientistas para a origem des -
se processo está nas cir cuns-
tâncias do acaso e do mo -
mento: ao levar carnes e cereais
no lombo de animais de carga,
os homens perceberam que os ali-
mentos duravam mais e tinham um sabor
diferente. E, provavelmente, também pelas circuns-
tâncias, descobriram a defumação: o processo de secar a
carne na presença de compostos de fumaça de madeira
(a combustão da madeira dá aroma e sabor e por causa
de seus compostos antimicrobianos evita a oxidação dos
tecidos, diminuindo a deterioração microbiana e quími-
ca). O próximo passo evolutivo, importantíssimo para o
paladar e os hábitos de consumo atuais por permitir o
surgimento do vinho, da cerveja e do queijo, é o da fer-
mentação (basicamente, o processo de forçar a deterio-
ração de um só tipo de micro-organismo, favorecendo o
crescimento de alguns em detrimento de outros). Os métodos — fáceis, úteis e efetivos — tiveram im-
pulso em seu desenvolvimento principalmente nos perío-
dos de guerra — de Napoleão até a Segunda Guerra Mun-
dial —, por causa da necessidade de enviar comida para
os soldados no campo de batalha. Todos eles são usados
até os dias de hoje, acrescidos de processos tecno lógicos
da indústria moderna de alimentos. Um exemplo recente
é o do desenvolvimento das chamadas bolsas autoclavá-
veis — embalagem que parece um saquinho de plástico
flexível mas tem o mesmo princípio das latas. Uma equi-
pe da Unicamp trabalhou em parceria com as Forças
Armadas na criação do produto, mais fácil de ser
levado pelos soldados no bolso dos uniformes.
Prática comum entre as antigas civilizações, a secagem ao sol permitia que carnes e frutas pudessem ser estocadas para períodos de escassez
Muitos processos de conservação e armazenamento descobertos na antiguidade ainda são utilizados hoje em dia, de maneira otimizada
conhecer 13
Novas exigênciasAlém do combate ao desperdício de alimento pelos
seus vários motivos, a área de conservação e armazena-
mento de alimentos enfrenta hoje um novo desafio: o de
atender um consumidor mais exigente que procura produ-
tos o mais próximos do sabor e do aroma naturais. A fa se de
excesso de substâncias químicas, como
conservantes, corantes, aro matizantes e
es tabilizantes, pode começar a dar lugar
a um mo delo no qual seja possível estocar
produtos com bem menos alterações. Den-
tro deste ideal, um suco de laranja poderia
ser estocado mantendo aroma, cor, sa bor
e características nutricionais. “O consu-
midor quer segurança alimentar, mas está
fugindo dos agentes químicos de con-
servação. A grande busca da indústria e
dos laboratórios é pelo produto que esteja o mais perto
possível do alimento in natura”, observa o nutricionista
Anderson Teodoro, professor da área de ciência e tecnolo-
gia de alimentos da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ). Com a maior conscientização da população sobre
os riscos do excesso de sódio para doenças cardíacas
e hipertensão, nas prateleiras dos supermercados já
é possível encontrar, por exemplo, produtos enlatados
com teor reduzido do mineral.
“As técnicas de conservação e armazenamento de alimen-
tos mais comuns, embora pareçam rudimentares, e na maio-
ria das vezes o são, foram estudadas ao longo do tempo e
aperfeiçoadas. Hoje em dia, muitos dos processos descober-
tos desde a antiguidade ainda são usados, mas de maneira
mais otimizada”, lembra Marcelo Cristianini, engenheiro de
alimentos da Univer sidade Estadual
de Campinas (Uni camp) e um dos
responsáveis pela embalagem.
Com esses processos, o medo
da falta de alimentos dos ho mens do
Paleolítico e mesmo de pensadores
como Malthus, que julgava que fal-
taria ali mentos para a humanidade
porque a população crescia em pro-
gressão geométrica e os alimentos
em produção aritmética, não se
mostrou pertinente. A escassez pelo mundo hoje é expli-
cada pela pobreza, pela guerra e pelos desastres naturais.
“Há uma quantidade hoje de alimentos estocados muito
maior do que a de pessoas para alimentar. Sem contar que
30% do que é produzido se perde, por motivos econômi-
cos, políticos, pelo desperdício e pela falta de conserva-
ção adequada”, explica o engenheiro.
Houve grande desenvolvimento durante períodos de guerra, pela necessidade de enviar comida para os soldados no front
14 conhecer
como cravo e alecrim. “Acredito que o caminho para o
futuro seja o da aplicação em graus discretos da junção
de várias tecnologias, em vez de ser usada apenas uma.
A combinação de temperatura, desidratação, pressão,
entre outros, para obter resultado que não agrida o ali-
mento”, resume o engenheiro de alimentos. Segundo ele,
é de dentro dos laboratórios de pesquisa, com processos
tecnológicos sofisticados, que vão surgir novas soluções
para que a humanidade consiga aproveitar melhor o que
aprendeu a cultivar e produzir em sua longa e intrigante
trajetória alimentar através da história.
Para chegar a esses resultados, pesquisadores tra-
balham com novas tecnologias, ou tecnologias emergen-
tes, que consistem em aproveitar técnicas da mecânica,
metalúrgica e física na área alimentícia. “A maioria delas
está dentro das tecnologias não térmicas, pois, apesar
de as tecnologias térmicas serem as mais seguras e as
mais usadas, elas provocam alterações de sabor, cor e
textura, além de perdas nutricionais. E as tecnologias
não térmicas estão surgindo para melhorar isso”, ana-
lisa Cristianini. Ele cita exemplos, ainda em fase de pes-
quisa, como a chamada alta pressão dinâmica, que faz
líquidos passarem por uma válvula com grande estrei-
tamento, exercendo uma força e pressão muito intensas
num curto espaço de tempo que “quebram as bactérias”.
Outro exemplo é o da pressão isostática, já em uso co-
mercial em laboratórios industriais europeus e america-
nos e restrita ainda a pesquisas acadêmicas no Brasil.
Com ela, o alimento é colocado numa câmera fechada,
criando um ambiente de alta pressão de até sete mil
atmosferas — imagine que estamos sujeitos à força e à
pressão de uma só atmosfera. O processo pode ser apli-
cado a carnes, sucos e frutas, por exemplo, tornando-os
estáveis microbiologicamente.
O ozônio, por outro lado, já é usado em algumas si-
tuações no Brasil. Por ser um gás com capacidade antioxi-
dante muito grande, ele é aplicado à superfície de contato
com os alimentos — pode ser aplicado tanto a salas e lo-
cais de armazenagem quanto dissolvido em água e usado
na lavagem de frutas e folhas, exercendo nelas um efeito
dedetizador. Além disso, há pesquisas que buscam agen-
tes antioxidantes e antimicrobia nos ex traí dos de plantas,
rEFErêNCIA[1] Kuijta I, Finlaysonb B. Evidence for food storage and predomestication granaries 11,000 years ago in the Jordan Valley. Proc Natl Acad Sci EUA 2009 Julho 7; 106(27): 10.966 – 10.970.
A grande busca da indústria e dos laboratórios é pelo produto que seja o mais próximo possível do alimento in natura
dossiê bio
1. IntroduçãoA insuficiência hepática (IH) é caracteri-
zada pela presença de lesão hepática avançada
com alterações das funções hepatocelulares em
diferentes graus, principalmente relacionadas
com os mecanismos de detoxificação, síntese e
metabolismo de proteínas. A IH é classificada
em aguda, crônica ou crônica subaguda, de acor-
do com o tempo e a forma de evolução da doen-
ça, como pode ser visualizado na Tabela 1.
De modo geral, define-se a insuficiência he-
pática quando ocorre redução da capacidade fun-
cional superior a 80% e, nessa condição clínica,
podem ocorrer complicações como a síndrome
TErAPIA NUTrIcIoNAl
da Insuficiência Hepática
Tabela 1. Classificação e caracterização da insuficiência hepática
CLASSIFICAÇÃO
AGUDA
CRÔNICA
AGUDA
SUBCRÔNICA
OrIGEM
• Citotóxica • Colestase de início abrupto • VHB • VHD
• Uso crônico de etanol • VHB • VHC • VHD • Doença hepática gordurosa não-alcoólica • Uso de drogas • Doenças metabólicas • Doenças autoimunes
• Sépse • Drogas hepatotóxicas • Consumo ativo de etanol • Hepatite viral aguda • Varizes hemorrágicas • Peritonite bacteriana
CArACTErÍSTICAS
• Extensa lesão ou agressão ao parênquima
• Necrose maciça das células hepáticas
• Falência gradativa da função hepática
• Distúrbios crônicos por lesão persistente do parênquima hepático
• Redução abrupta da função hepática em um paciente portador de doença hepática crônica compensada
Em razão da importância e da extensão deste tema, o artigo foi dividido em duas partes. Nesta edição, ele prioriza a avaliação do paciente. Na próxima edição da Nestlé.Bio, ele discutirá, em detalhes, aspectos ligados à terapia nutricional. NOTA dO EdITOr
rOSâNGELA PASSOS dE JESuSProfessora-adjunta da Escola de Nutrição da UFBA (ENUFBA), Doutora em ciências da Saúde
pela Faculdade de Medicina da USP, Mestre em Nutrição
pela Universidade Federal de São Paulo, coordenadora do Ambulatório de Nutrição
e Hepatologia do Hospital Universitário Prof. Edgard Santos.
CArLA dE MAGALHÃES CuNHAGraduanda do curso de Nutrição
da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Pesquisadora do Ambulatório de Nutrição
e Hepatologia do Hospital Universitário Prof. Edgard Santos.
dAN LINETzky WAITzBErG Professor Dr. Associado
do Departamento de Gastroenterologia da FMUSP.
coordenador do laboratório de Nutrição e cirurgia Metabólica
do Aparelho Digestivo (Metanutri- lIM 35). Diretor do Grupo de Nutrição Humana (GANEP).
Avaliação do paciente
hepatorenal, encefalopatia hepática e, caso não haja manejo clínico ade-
quado, observa-se alta taxa de mortalidade, sendo o transplante hepático
indicado como única possibilidade de cura para a insuficiência hepática e
deve ser realizado antes do agravamento do quadro [1,2].
considerando-se que clinicamente não há diferenças significantes entre
essas condições desencadeadoras e a evolução da insuficiência hepática, abor-
daremos os aspectos fisiopatólogicos e nutricionais de forma generalizada.
2. Aspectos fisiopatológicos e clínicos
2.1. Patogênese
Abordaremos a seguir a fisiopatogênese das principais doenças he-
páticas crônicas que condicionam a insuficiência hepatocelular em nosso
meio, a saber: hepatites virais, doença hepática gordurosa não-alcoólica
(DHGNA) e doença alcoólica do fígado (DAF). Na Figura 1, temos a es-
quematização do mecanismo da patogênese ocorrida no fígado.
Hepatites Virais
A hepatite crônica viral é causada principal-
mente pelo vírus B (VHB) e c (VHc). o VHc é
um vírus tipo rNA, membro da família Flaviviri-
dae, sendo que a sua principal forma de transmis-
são é a via parenteral para pacientes que recebe-
ram hemotransfusões antes de 1992, pacientes em
tratamento de hemodiálise, usuários de drogas que
compartilham seringas, a vertical de mãe para filho
e, esporadicamente, a contaminação sexual [3,4].
o VHB é um vírus que possui DNA (dupla
fita) como material genético e pertence à família
Hepadnaviridade. o VHB pode ser transmitido
por via sexual, perinatal, por compartilhamento de
agulhas e outros agentes perfurocortantes (agulhas
de tatuagens, piercing, manicure e pedicure), pro-
cedimentos odontológicos, cirúrgicos, hemodiáli-
se, transfusões de sangue e derivados fora da reco-
mendação técnica de biossegurança [4].
doença hepática gordurosa não-alcoólica
A doença hepática gordurosa não-alcoólica
(DHGNA) é uma denominação genérica para anor-
malidades hepáticas que envolvem depósito de li-
pídios no citoplasma dos hepatócitos em pacientes
sem consumo excessivo de etanol, podendo evo-
luir para cirrose e insuficiência hepática. Está as-
sociada à alimentação inadequada, com consumo
excessivo de açúcares simples, gordura saturada e
trans-saturada, sedentarismo e desordens metabó-
licas, como obesidade central, resistência à insuli-
na, dislipidemia, hipertensão, hiperglicemia [5].
os mecanismos envolvidos na patogênese
são complexos e multifatoriais, consequentes à
redução da oxidação mitocondrial de triglicéri-
des, baixa exportação hepática de ácidos graxos e
lipídios, maior síntese hepática de fosfolípides e
ésteres de colesterol. os pacientes evoluem com
produção excessiva de radicais livres e perfil infla-
matório com excesso de Fator de Necrose Tumoral
alfa (TNF-a) e interleucinas 1 e 6 [6].
AGrESSÃO AOS HEPATóCITOS
FIBROGêNEsE
Acúmulo de proteínas na matriz extracelular
Capilarização dos sinusoides
redução dos microvilos
Alterações nas células de Ito (aspecto de miofibroblasto)
MACRóFAGOs
EsPéCIEs REATIVAs DE OxIGêNIO
Peroxidação de estruturas lipídicas e proteicas
IL-1 TNF-aPG
Ativação de lipócitos quiescentes
Figura 1. Esquematização da patogênese hepática
16 dossiê bio
dossiê bio 17
doença Alcoólica do Fígado (dAF)
Pacientes com ingestão alcoólica excessiva
(> 80 g de etanol/dia), por longo período, estão
mais susceptíveis aos mecanismos fisiopatológicos
de agressão hepatocelular. Isto ocorre porque a
ingestão crônica de etanol induz a maior estres-
se oxidativo celular, peroxidação dos lipídios das
membranas e redução dos níveis de glutationa.
o estresse oxidativo, associado à deficiência de
minerais, como o selênio, o zinco, e o ferro, pro-
move a significativa redução das defesas antioxi-
dantes intracelular (MAIo; et al, 2000).
como consequência desses fatores, os indi-
víduos podem evoluir com lesões necróticas focais
dos hepatócitos, inflamação, acúmulo de proteínas
celulares, esteatose, fibrose e, após a instalação da
cirrose, há maior risco de evolução para carcinoma
hepatocelular. Geralmente, quanto maior a quanti-
dade e o tempo de consumo de etanol, maior o ris-
co para o desenvolvimento de cirrose hepática [7].
2.2. Manifestações Clínicas
As manifestações clínicas da IH estão relacionadas diretamente ao grau
de comprometimento hepatocelular e à intensidade da fibrose no parênqui-
ma hepático. observa-se, nas fases iniciais da cirrose, ausência de sinais ou
sintomas exuberantes, e os pacientes podem apresentar sinais inespecíficos,
como astenia, epistaxe, edema, lentidão de raciocínio, emagrecimento, sinto-
mas dispépticos como plenitude epigástrica ou flatulência.
Na cirrose hepática descompensada, geralmente o paciente apresenta
complicações da doença, tais como ascite, peritonite bacteriana espontânea
(PBE), encefalopatia e hemorragia digestiva alta. Em geral, apresenta fraque-
za progressiva e perda ponderal, com diminuição de massa muscular [8].
2.3. Encefalopatia hepática (EH)
A encefalopatia hepática (EH) é a principal complicação da insufi-
ciência hepática, sendo definida como uma síndrome neuropsiquiátrica po-
tencialmente reversível. ocorre mais comumente em pacientes com cirrose
descompensada e derivações portossistêmicas espontâneas ou cirúrgicas [9].
A presença de encefalopatia está associada à elevação da taxa de mortalidade
em torno de 60% após um ano do início desta complicação [10].
A patogênese da EH ainda não está completamente determinada, mas
a elevação dos níveis plasmáticos e cerebrais de amônia (NH3) ainda é con-
siderada o fator principal da patogênese [9]. No paciente com IH, o proces-
so que transforma a amônia em ureia é deficiente, levando ao acúmulo de
amônia no plasma [11]. Este fato promove alteração mitocondrial e edema
nos astrócitos (células que nutrem e protegem o cérebro), levando a um ede-
ma cerebral, por meio de um mecanismo ainda não estabelecido [12,13].
Figura 2. Achados do exame clínico na cirrose hepática descompensada
PELE
• Hiperpigmentação
da pele
• Petéquias
e equimoses
• Telangectasias
aracniformes
• Eritrema palmar
• Icterícia
MEMBrOS
• Tremor de
extremidades
• Alargamento
das últimas falanges
dos dedos
• Unhas
esbranquiçadas
ABdOME
• Ascite
• Circulação colateral
• Fígado com aumento/
redução de volume
e endurecido
• Esplenomegalia
CArACTErES SEXuAIS
• Alterações
na distribuição
dos pelos pubianos
• Ginecomastia
• Atrofia testicular
18 dossiê bio
As manifestações clínicas da EH são variáveis e relacionam-se com
o grau desta complicação, podendo se apresentar com alterações neu-
rológicas leves ou mais graves. Inicialmente, pode ocorrer inversão do
ciclo do sono, que pode evoluir para déficit de atenção, alterações no es-
tado mental com perda de memória, confusão mental, estupor e coma.
Sinais neurológicos como asterix, rigidez, reflexos alterados, sinal de
Babinski positivo e raramente convulsões podem estar presentes [14].
3. Avaliação NutricionalA desnutrição está presente em 20% dos pacientes com doença he-
pática compensada e em 80% dos com doença hepática descompensada,
estando associada ao aumento da taxa de complicações e mortalidade
[15]. A estimativa de forma acurada do estado nutricional dos pacientes
com IH representa um grande desafio, em razão da retenção hídrica
apresentada pelos pacientes, que compromete a obtenção de medidas
relacionadas com o peso, além da menor síntese de proteínas plasmáti-
cas em razão da disfunção hepatocelular [16].
Dessa maneira, ainda não existe método de avaliação nutricional
considerado padrão-ouro para esses pacientes. o diagnóstico nutricio-
nal deve ser feito utilizando-se associação de métodos antropométri-
cos, bioquímicos e clínicos, levando-se em consideração indicações e
contraindicações de cada método.
A realização da anamnese nutricional detalhada, para a obtenção
de dados que infiram a ingestão oral recente, contribui para a avaliação
do risco de desnutrição. É importante avaliar a qualidade e a quantidade
da ingestão alimentar e o uso de bebidas alcoó-
licas, mas este método depende da empatia e da
conquista da confiabilidade do paciente e/ou de
sua família para a aquisição de dados adequados,
principalmente dos pacientes com consumo ati-
vo de bebidas alcoólicas [17].
A avaliação subjetiva global (ASG), associa-
da ao exame clínico detalhado, é considerada um
bom método de avaliação nutricional, com boa
especificidade, mas com baixa sensibilidade para
analisar a desnutrição em pacientes cirróticos de
etiologia alcoólica [18]. Da mesma maneira, a ava-
liação das proteínas plasmáticas deve ser utilizada
com cautela, pois pode refletir o grau da disfunção
hepática e não necessariamente o estado nutricio-
nal do indivíduo [19].
No entanto, a utilização de dados labora-
toriais associados à relação entre peso atual e
peso usual possibilitou a criação de um indicador
composto, denominado de Índice de risco Nu-
tricional (IrN). É obtido por meio da equação:
IrN = (1,519 x albumina plasmática [g/dl]) +
41,7 x (Peso atual/ Peso usual). o peso usual foi
definido como o peso mais estável seis ou mais
meses anteriormente à avaliação [18]. A Tabela 2
demonstra os pontos de corte para aplicação do
Tabela 2. Resultados do Índice de Risco Nutricional (IRN)
Adaptado de: KAWABE N et al, 2008 [18]; JESUS R. P. J et al, 2009 [20].
dIAGNóSTICO NuTrICIONAL
Bom estado nutricional
Desnutrição leve
Desnutrição moderada
Desnutrição grave
POSSÍVEL INTErPrETAÇÃO dA SOBrEVIdA EM 5 ANOS
Boa sobrevida
Sobrevida pouco comprometida
Sobrevida comprometida
Sobrevida extremamente comprometida
rESuLTAdO dO IrN
> 100
97,5 a 100
83,5 a 97,4
< 83,5
dossiê bio 19
IrN na avaliação nutricional do paciente com
doença hepática crônica.
As medidas antropométricas utilizadas na
prática clínica, como peso, altura, índice de
massa corpórea (IMc), dobras cutâneas, cir-
cunferência e área muscular do braço, podem
fazer parte da avaliação nutricional dos pacien-
tes. Entretanto, na presença de ascite e edema
periférico, recomenda-se preferencialmente a
mensuração da gordura subcutânea (dobras
tricipital/bicipital/subescapular) e da massa
magra (cB, AMB e cP), pois sofrem menos
interferência da retenção hídrica. recomenda-se mensurar periodica-
mente o peso e a circunferência abdominal, para acompanhamento da
progressão ou remissão da ascite [17].
A estimativa da composição corpórea pela bioimpedância (BIA)
pode ser um dado importante. Esse método é útil na determinação de
água, massa magra corpórea e ângulo de fase para acompanhar a resposta
à terapia nutricional dos pacientes assistidos. A massa celular corpórea
(Mcc) e o ângulo de fase podem ser utilizados como parâmetros rele-
vantes para identificar risco de morbidade e mortalidade desses pacientes
[21]. Por ser mais sensível, este método pode aumentar significativamente
a prevalência da desnutrição em relação aos métodos tradicionais, princi-
palmente nos indivíduos com doença hepática leve e moderada [22].
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20 nutrição e arte
Eram traços açucarados que lem-bravam o expressionista norte-americano Jackson Pollock em ação, gotejando tinta da mesma consistência do doce sobre um pedaço de tela. Vik Muniz imitou a cena com chocolate, fotografou e pôs à venda. Não houve, porém, um comprador interessado em adquirir a obra de arte, com medo de que ela atraísse bichos para a sala de estar.
“Quando explicaram que era a foto
do chocolate, retrucaram dizendo que
as baratas não entendiam isso” (1),
lembrou o artista. Sua ideia era a de
que o chocolate fotografado substituís-
se as linhas de um desenho. Eram tra-
ços um tanto mais viscosos, espessos
e reluzentes do que lápis ou tinta. Ainda
davam um verniz de gula, quem sabe,
ao ato artístico. Na época, um crítico
Desejo, prazer e efemeridade na arte de Vik Muniz e de Ju Duoqi
fotos_Vik Muniz / Galeria Fortes Vilaça
Ju Duoqi / Galerie Paris-Beijing
Para comer com os olhos
escreveu que “com gotas de chocolate, o artista discute o prazer
e o desejo na arte, assim como sua efemeridade”(2). Ou seja, tudo
sem esconder o fato de que, sim, era chocolate.
Na esteira de suas reproduções de grandes clássicos da his-
tória da arte, Muniz brincava com a pintura gestual de Jackson
Pollock, o artista americano que ficou famoso por estender a tela
no chão e gotejar sobre ela, de forma um tanto frenética e com
bastante fúria, várias camadas de tinta. Foi o que uns chamaram
de gênio e outros descartavam como coisa de jardim de infância.
Em todo caso, tinta ou chocolate,
é o que Vik Muniz chama de seus maus
atores, a comida no lugar do traço, uma
coisa pela outra que não anula sua
identidade. Quem vê a obra de Muniz
não duvida de que é chocolate, do mes-
mo jeito que quem olha para um qua-
dro de Pollock tem a certeza de estar
diante de um amontoado de tinta. São
materiais que ganham força por serem
eles mesmos, mas ganham mais força
ainda quando fazem parte de uma com-
posição pictórica qualquer, ou seja,
quando deixam ver que representam,
bem ou mal, alguma coisa.
Na página oposta, a Monalisa em pasta de amendoim de Vik Muniz. Ao lado, o Van Gogh vegetariano de Ju duoqi
nutrição e arte
22 nutrição e arte
“Eu vejo minhas fotografias como representações
muito curtas, uma fração de segundo em que um mau ator —
por exemplo, algodão ou barro ou melado — faz o papel de um
objeto, de uma pessoa ou de uma paisagem diante da lente
da câmera”, explica. “Eu seleciono maus atores porque não
quero que as pessoas vejam a simples representação de
alguma coisa, quero que elas saibam como ela acontece (3).”
Quem se recusou a comprar a obra, com medo das
baratas, sabia só uma parte de como a coisa ocorre. Não foi
daquela vez que o artista vendeu seu Pollock de chocolate,
mas não teve dúvida de que o seu mau ator ficou tão bem
em cena quanto o objeto retratado, um pintor no mesmo
ato de despejar sobre o vazio a substância da obra. Com a diferença
de que Pollock, depois de pronto o trabalho, não podia devorar tudo.
Ninguém sabe se Muniz lambeu seus traços achocolatados,
mas outra artista na mesma linha confessa que é predadora ávida
do próprio trabalho. “Quando vejo Napoleão cavalgando sua bata-
ta, lembro quando o fritei e comi no verão de 2008 (4)”, conta Ju
Duoqi. É a garota chinesa que remonta grandes clássicos da pin-
tura com verduras e legumes e fotografa tudo depois. “A fotografia
é meu suporte preferido”, conta. “Tudo tem um espírito, cada ver-
dura, cada pessoa, cada segundo (5). ”
Começou a fazer “arte verde”, como alguns críticos apeli-
daram sua obra, quando comprou uns quilos a mais de ervilhas
em vagem e queimou horas de tédio descascando e trançando
os raminhos verdes, que viraram uma saia, um top, um chapéu,
até uma varinha mágica. Chamou de concurso de miss das er-
vilhas. Depois viu que podia passar horas também nas banca-
das de verduras e legumes do mercado brincando de arranjar e
rearranjar pepinos e berinjelas, tentando extrair deles o maior
potencial imagético.
A liberdade guiando o povo de delacroix transformada em A liberdade guiando os vegetais de Ju duoqi
Ju Duoqi começou a fazer “arte verde” quando comprou uns quilos a mais de ervilhas em vagem
nutrição e arte 23
Do mercado para a
casa, passou a montar os
grandes clássicos de bata-
tas, tofu, repolho, rabane-
tes, cebolas e macarrão. Ela,
que não sai de casa, viu
que dava para sepultar o
ma rasmo com engenho sas
re criações leguminosas de
qua dros conhecidos. “Fico
feliz em ter encontrado um
estilo de vida e um modo
de sus tento para as mulheres que amam o lar. Frescos,
murchos, apodrecidos, em conserva, fervidos, fritos, todos
os vegetais ficam diferentes (6) ”, diz Duoqi. “Todos vira-
ram atores e até acessórios. Como diretora, eu os dirigia,
fazendo ‘A Liberdade Guiando o Povo’, mas era, na verdade,
‘A Liberdade Guiando os Legumes’ (7).”
Não uma liberdade qualquer. Era uma liberdade de ba-
tata-doce exaltada contra um céu faiscante de ovos fritos.
Agitava uma bandeira de folha de repolho. Soldados de ba-
tata rastejam a seus pés, uns deles vazando ketchup estra-
gado, abatidos no duro confronto entre legumes e verduras.
“À primeira vista, eles todos parecem deconhecidos, mas ga-
nham ricas expressões faciais (8)”, descreve Duoqi. “Esse
quadro conhecido no mundo todo se torna absurdo (9). ”
Sinal de que seus maus atores são mesmo maus. Tanto
em Vik Muniz quanto na obra de Ju Duoqi, a comida entra fa-
zendo papel de si mesma, integrada a uma composição mais
complexa, com regência e objetivos próprios, que não es-
conde a natureza —natural mesmo— de seus ingredientes.
Duoqi não passou da ala dos hortifrutigranjeiros, enquanto
Muniz parece ter desenvolvido uma obsessão pelo doce.
Nem parece que a origem de tudo foram férias num
paraíso tropical. Muniz gastou os primeiros dólares que ga-
nhou com a venda de uma obra comprando uma passagem
para um balneário no Caribe e se encantou com as crian-
ças de lá. Lembrando que o sustento delas na ilha vinha do
cultivo de cana-de-açúcar, não demorou até que, no voo de
volta a Nova York, onde mora, pensou em reproduzir o rosto
daquelas crianças com cristais de açúcar.
Seis delas, Valentina, Jacynthe, Lil Calist, Valicia, James e Ten Ten,
surgem com semblante feliz nos cristais de açúcar refinado, que brotou
primeiro em forma de cana no litoral ensolarado do Caribe. As montagens
em açúcar foram retra tadas, como em todas as séries depois desta, mas
com a diferença de que os cristais usados na imagem de cada criança fo-
ram depois guardados em frascos etiquetados com uma versão reduzida
daquele mesmo retrato. Foi a obra que tirou Muniz da miséria comum aos
ar tis tas em início de carreira e o colocou no mapa do mercado da arte.
Talvez por ser doce demais o gosto do sucesso, desenvolveu uma
fixação por açúcar, balas, melado, geleia, caramelo. Cobriu a fachada
do Brooklyn Art Museum com um painel de balas, pirulitos e pastilhas.
Refez a “Monalisa” usando pasta de amendoim e ge-
leia, o que levou um crítico a se derreter, dizendo que o
artista faz “uma alquimia que transforma lixo em bele-
za (10)”. Outro, mais analítico, pensou nessa mesma
Pictures of Chocolate, feita em chocolate por Vik Muniz
Vik Muniz cobriu a fachada do Brooklyn Art Museum com um painel de balas, pirulitos e pastilhas
alquimia: “Muniz realiza os desejos dos alquimistas da
Idade Média ao transformar elementos banais do coti-
diano em objetos preciosos (11)”.
Sem negar a alquimia do forno e do fogão, o próprio
artista reconhece que sua arte se constrói a partir do mes-
mo processo da cozinha. Ingredientes levados ao fogo
criativo, que se fundem, desmancham, brilham ou somem
numa nova composição, que não apaga o processo, nem
descaracteriza de tudo cada ingrediente da receita. “Mi-
nha intenção mesmo é a de criar uma feijoada visual, criar
imagens bem indigestas, que provoquem reflexão, como
um ‘chucrute visual’, uma coisa bem pesada, comida alsa-
ciana, ou melhor, o que quero fazer é apenas uma ‘feijoada
visual’ porque é aquilo que te obriga a descansar um pouco
depois de comer (12)”, explica Muniz. “Aquilo que fica alí,
indigesto, fazendo refletir, pensar, até passar.”
Talvez seja essa a chave de leitura para entender o sal-
to de Muniz e Duoqi em relação a tantos outros experimen-
tos nessa linha ao longo da história da arte. No século 16,
Giuseppe Arcimboldo já fizera uma série de retratos de monarcas húnga-
ros pintando sobre tela as feições de seus rostos compostos com comida.
Rodolfo 2º aparece com uma pera como nariz, amendoins para o bigode,
uvas nos cabelos e uma salada para o resto do corpo. Mas era insípida sua
receita. Por mais que tudo parecesse de verdade, não era. Arcimboldo foi
tão exímio retratista de gente quanto o foi de frutas e verduras.
Na era da fotografia digital, Muniz e Duoqi não precisam desse to-
que de mestre. Registram a coisa em si e deixam ver que aquela batata
cavalgada por Napoleão pode mesmo ser frita, que a pasta de amendoim
da Monalisa pode virar sanduíche. São dados reais que dão a dimensão da
obra e atestam sua morte prematura, a efemeridade do quadro que surge
natimorto, eternizado só pela lente da câmera. Saber que aquilo esteve alí,
não está mais e que apodreceu ou virou comida cria uma nostalgia plásti-
ca em torno da obra, uma aura às avessas, atravessada de humor.
Não espanta se for essa a indigestão apontada por Vik Muniz.
Mesmo que não passe de chocolate ou açúcar, ou composições enge-
nhosas de vegetais folhosos, é essa certeza, o índice do real exposto sem
maquiagem, que dá o peso da feijoada a essas obras, “aquilo que fica alí,
indigesto, fazendo refletir, pensar, até passar”. Por bem ou por mal.
rEFErêNCIAS[1] Vik Muniz em entrevista a Fabio Cypriano no artigo “O Ilusionista”, publicado na “Folha de S.Paulo” em 21 de junho de 2006. [2] Fabio Cypriano no artigo “Vik Muniz faz apologia da metáfora óbvia”, publicado na “Folha de S.Paulo” em 20 de março de 2005. [3] Vik Muniz em entrevista a Silas Martí para o artigo “O mundo a partir de Nova York”, publicado na revista “Bravo!”, em janeiro de 2009. [4] Ju Duoqi em entrevista de novembro de 2008, publicada no blog Life in the Fast Lane. [5] Idem. [6] Autobiografia da artista no site de sua galeria, a Paris-Beijing. [7] Texto da artista reproduzido no blog 22moon.com. [8] Autobiografia da artista no site de sua galeria, a Paris-Beijing. [9] Idem. [10] Ferreira Gullar no artigo “A foto como alquimia”, publicado na “Folha de S.Paulo”, em 8 de fevereiro de 2009. [11] Celso Fioravante no artigo “Vik Muniz – A estrela sobe”, publicado na “Folha de S.Paulo”, em 14 de abril de 1999. [12] Vik Muniz em entrevista a Sheila Grecco, no artigo “Vik Muniz quer fazer ‘feijoada visual’” publicado na “Folha de S.Paulo” em 11 de dezembro de 1999.
24 nutrição e arte
A balsa de medusa de
Theodore Gericault por
Ju duoqi
De uva-passa e
rutas secas são ingredientes recorrentes nas recei-tas natalinas. Entre elas, as uvas-passas têm um lugar especial: são características do hoje globalizado “alimento-símbolo” do Natal, o panettone. Antes mesmo do século 15, quando a receita básica que
conhecemos hoje se difundiu em Milão, cercada de lendas sobre a sua criação, os cristãos italianos seguiam um ritual de preparo e consumo de um pão grande e adocicado na época do Natal. Era considerado um alimento poderoso e sagrado.
Da mesma forma, as uvas se cas sempre foram vistas como podero-
sas pelos homens. Suas propriedades, intuídas desde tem pos pré-histó-
ricos, e provavelmente sua doçura e seu sabor, justificavam seu uso em
cerimônias religiosas e na decoração de templos. Há evidências da utili-
zação da uva-passa como alimento e decoração em
murais pré-históricos da região do Mediterrâneo e
em sítios arqueológicos da Idade do Bronze.
No século 4 a.C., a secagem das uvas já era
feita no Norte da África (1) — muitas vezes, enter-
rando-se as uvas nas areias do deserto. De lá, os
antigos egípcios difundiram a fruta seca na Europa.
foco
por _ Iara Biderman
fo to s _ shutterstock
sonho
No panettone convivem frutas secas e lendas, saboreadas desde o século 15 em Milão
O alimento encontrou campo fértil na região do Mediter-
râneo, onde já havia uma tradição do cultivo de uvas e o cos-
tume de secar frutos ao sol. As passas foram incorporadas à
alimentação local e, na época do Império Romano, que pro-
duzia e comercializava enormes quantidades da fruta seca,
chegaram a uma espécie de apogeu. Além de, ao lado do pão
e da azeitona, fazerem parte das refeições cotidianas, eram
indispensáveis nas homenagens a Baco, o deus do vinho, e
oferecidas como prêmio aos atletas vencedores de competi-
ções. Médicos romanos atribuíam propriedades curativas às
passas, prescrevendo-as em diversos tratamentos.
Após a queda do Império Romano, as passas perde-
ram o destaque na alimentação europeia, que só foi recu-
perado a partir do século 12, com as Cruzadas. Os cruza-
dos, além de promoverem o intercâmbio entre a Europa e
o Oriente — onde as frutas secas tinham papel essencial
na alimentação —, aprenderam a valorizar o alimento alta-
mente energético, fácil de ser transportado e conservado.
Na Inglaterra do século 14, as passas eram consi-
deradas comida de luxo. Durante o reinado de Elizabeth I
(1558-1603), eram usadas como moeda de troca. No sé-
culo 18, tornaram-se um importante produto do “mercado
triangular” entre Europa, África e Américas. No século 20,
consolidadas como fonte durável de energia e nutrientes, as
passas tiveram papel fundamental na alimentação dos sol-
dados nos fronts. Nas duas Grandes Guerras Mundiais, eram
consideradas como “alimento ideal” para os combatentes.
Continuam com fama de ideais no século 21. As uvas-
passas estão na lista “The Perfect Snacks” (alimentos que
oferecem energia e ajudam a suprir as necessidades nutri-
cionais) da American Dietetic Association (2).
As uvas-passas são fonte de oligofrutossacaríde-
os com ação prebiótica (fibras solúveis), fibras insolú-
veis, boro e ricas em flavonoides e ácidos fenólicos. Os
compostos fenólicos, encontrados também na uva in na-
tura e no vinho, têm sido especialmente estudados por
seu efeito na prevenção de doenças crônicas degenera-
tivas e do envelhecimento. Em frutas secas, os valores
de compostos fenólicos por porção são maiores do que
nas frescas, uma vez que essas substâncias se concen-
tram no processo de desidratação.
Saúde dos ossosOs benefícios da uva-passa para a saúde óssea parecem
estar associados à sua alta concentração de boro (2,2 mg
por 100 g), elemento-traço essencial ao desenvolvimento de
ossos e ligamentos (3).
O boro pode ter papel na prevenção ou diminuição da perda
óssea na pós-menopausa. Um estudo sobre a suplementação do
mineral em mulheres na menopausa com dietas pobres em boro
mostrou que, em doses equivalentes às obtidas em dietas ricas
em frutas e vegetais, o aporte de boro reduziu a desmineraliza-
ção dos ossos e a perda de cálcio (4).
Há também alguma evidência experimental da ação do boro
no tratamento de sintomas da artrite. Em ratos com artrite induzi-
da, a suplementação de boro levou à menor formação de edemas
e inflamação (5).
Câncer de cólonA uva-passa pode ter uma ação preventiva no câncer co-
lorretal por sua quantidade de fibras em geral e, especialmen-
te, por ser rica em oligofrutossacarídeos de ação prebiótica.
As fibras aceleram o trânsito intestinal, o que pode ajudar
26 foco
Fonte: USDA National Nutrient Database for Standard Reference
Composição Nutricional: uva-passa (26 g)
Nutrientes
CentesimaisUmidadeEnergiaProteína
Gordura total Carboidrato
Fibra alimentar Minerais
CálcioFerro
MagnésioFósforo
Potássio Sódio Zinco Cobre
ManganêsSelênio
VitaminasVitamina A
Tiamina (B1) Riboflavina (B2)
NiacinaÁc. Pantotênico (B5)
Piridoxina (B6)Folato (B9)
Cobalamina (B12) Vitamina C Vitamina E Vitamina K
CarotenoidesBetacarotenoAlfacaroteno
Luteína + zeaxantina
Unidade de Medida
%kcal
gggg
mgmgmgmgmg
gmg
mcgmg
mcg
mcg REmgmgmgmgmg
mcgmcgmgmg
mcg
mcgmcgmcg
Valor
15,3780,8
0,1220,59
1
130,49
826
1953
0,060,0830,078
0,2
00,0280,0330,1990,0250,045
10
0,60,030,9
000
na eliminação de agentes carcinogênicos (6). Estudos in
vitro com células cancerosas do cólon mostram que ácidos
graxos produzidos pela fermentação das fibras no aparelho
digestivo inibem a proliferação dessas células (7). Os pre-
bióticos da uva-passa estão associados a esse processo.
Essas substâncias se formam no processo de desidrata-
ção da uva, não sendo detectáveis nas uvas frescas (8).
A quantidade significativa de ácido tartárico da
uva-passa também é benéfica ao cólon (9). A substân-
cia acelera o trânsito intestinal, fa to r associado à pre-
venção do cân cer colorretal.
doenças cardiovascularesA potencial capacidade cardioprotetora da uva-passa
está diretamente relacionada ao seu teor de fibras e de
compostos fenólicos. Entre outros efeitos, as fibras dimi-
nuem a absorção de colesterol e influem na produção de
ácidos graxos de cadeia curta pela flora intestinal (10). Os
polifenóis podem prevenir a aterosclerose por seu poten-
cial antioxidante e por sua atividade anti-inflamatória.
Há estudos apontando o aumento da qualidade an-
tioxidante dos compostos fenólicos durante o processo de
desidratação de frutas (11), aumentando a capacidade
de a uva-passa influir positivamente nos processos oxi-
dativos que levam a doenças crônicas. Segundo dados do
USDA, a capacidade antioxidante da uva-passa na tabela
ORAC (Oxygen Radical Absorbance Capacity) é de 3.037
unidades por 100 gramas.
Um estudo recente mostrou que acrescentar uva-passa à
dieta tem efeito positivo nos lípides sanguíneos (12), reduzin-
do os níveis de colesterol LDL e de substâncias inflamatórias.
Esse e outros estudos também mostram que a uva-passa, as-
sim como outras fontes de carboidratos ricas em fibras e fitoquí-
micos, não aumenta o nível de triglicérides no sangue (13), um
dado importante na prevenção de doenças cardiovasculares.
foco 27
*Oxygen Radical Absorbance Capacity (ORAC) of Selected Foods – 2007, preparado por Nutrient Data Laboratory, Beltsville Human Nutrition Research Center (BHNRC), Agricultural Research Service (ARS), U.S. Department of Agriculture (USDA)
Tabela 1. Capacidade de absorção de radicais de oxigênio de alguns alimentos segundo a tabela ORAC*
VALOr POr 100 G dO ALIMENTO
• Cacau em pó 80933
• Vinho tinto 3873
• Uva-passa 3037
• Laranja-bahia 1819
• Uva vermelha fresca 1260
• Chá verde 1253
anettone ritualAntes de a receita básica do panettone,
tal como a conhecemos hoje, popularizar-
se em Milão, no século 15, o “pai” dos
panettones já era um alimento tradicional
na época natalina que devia ser feito e consumido segundo
regras rituais. O grande pão fermentado e adocicado (não se
sabe se com ou sem uva-passa) devia ser preparado sob a
supervisão do chefe da família que, antes de levá-lo ao forno,
fazia com faca uma cruz em sua superfície para bendizer a
época e o novo ano que se aproximava. Na cerimônia em que
era consumido, serviam-se três panettones (simbolizando a
Trindade cristã) e uma fatia deles devia ser guardada até o
próximo Natal, para trazer sorte e saúde à família.
Panettone piedosoIrmã Ughetta, uma freira piedosa, vivia em um con-
vento muito pobre com suas jovens irmãs religiosas. Com
poucos recursos, a festa de Natal era triste e pobre. Até
que ela inventou um novo bolo natalino. Na massa doce do
pão, ela talhou com faca uma cruz no alto, antes de levá-lo
ao forno. Ao ficar pronto, o talho abriu-se, dando a forma
“inchada” no alto que o panettone tem até hoje.
Panettone românticoUghetto, falcoeiro do Duque de Milão, amava Adalgisa,
mas sua família se opunha ao romance. Por isso, precisa-
va encontrá-la tarde da noite, quando a amada já estava
exausta pelo trabalho na padaria de seu pai. Os negócios
rEFErêNCIAS
(1) Brothwell D and Brothwell P. Food in Antiquity: A Survey of the Diet of Early Peoples. John Hopkins University Press, Baltimore, MD. 1998. (2) American Dietetic Organization. The Perfect Snack http://www.eatright.org/cps/rde/xchg/ada/hs.xsl/home_14380_ENU_HTML.htm. (3) World Health Organization. Boron. In: Trace Elements in Human Nutrition and Health: Report of the WHO Expert. Committee on Trace Elements in Human Nutrition. Geneva, Switzerland. 1996; pp 175-179. (4) Nielsen FH. Evidence for the essentiality of Boron. Environ Health Perspect 1994; 102 7:S59-S63. (5) Hunt CD and Idso J. Boron as a regulator of the normal inflammatory response: a review and current progress. J Trace Elem Exp Med 1999; 12: 221-233. (6) Niba LL and Niba SN. Role of non-digestible carbohydrates in colon cancer protection. Nutr Food Sci 2003; 33(1):28-33. (7) Scheppach W, Bartram HP and Richter F. Role of short term fatty acids in the prevention of colorectal cancer. Sur J Cancer, 1995; 31A(7/8):1077-80; Poole-Zobel B. Insulin-type fructans and reduction in colon cancer risk: a review of experimental and human data. British J Nutr 2005; 93:S73-S90. (8) Camire ME and Dougherty MP. Raisin dietary fiber composition and in vitro bile acid binding. J Agric Food Chem 2003; 51:834-837. (9) Effect of tartaric acid and dietary fibre from sun-dried raisins on colonic function and on bile acid and volatile fatty acid excretion in healthy adults. Spiller GA, Story JA, Furumoto EJ, Chezem JC, Spiller M. PMID: 13129449 [PubMed – indexed for MEDLINE]. (10) Jalili T, Medeiros DM and Wildman REC. Dietary fiber and coronary heart disease. In: Handbook of Nutraceuticals and Functional Foods. (Wildman REC ed.) CRC Press, Boca Raton, FL. 2001; pp 131-44. Salas-Salvado J, Bullo M, Perez-Heras A and Ros E. Dietary fibre, nuts and cardiovascular disease. Br J Nutr 2006; 96(2):S46-51. (11) Vinson JA, Zubik L, Bose P, et al. Dried fruits: excellent in vivo and in vitro antioxidants. J Am Coll Nutr 2005; 24(1):44-50. (12) Puglisi MJ, Mutumgi G and Vaishnav U. Raisins and additional walking have distinct effects of plasma lipids and inflammatory cytokines. Lipids in Health and Disease 2008; 7:14. (13) Spiller GA and Bruce B. Regular consumption of a high fiber carbohydrate foods such as sun-dried raisins and whole wheat bread does not raise serum triglycerides. FASEB J 1998; 93:S163-8
não estavam indo muito bem, mas o trabalho da moça aumen-
tou, especialmente depois de o funcionário da padaria adoecer.
Ughetto então se ofereceu para trabalhar no preparo dos pães. Para
aumentar as vendas, o rapaz resolveu incrementar a massa. Pri-
meiro, acrescentou manteiga, adquirida com o dinheiro da venda de
dois falcões. Depois açúcar, ovos e frutas cristalizadas. Na época do
Natal, ele deu o toque de ouro, acrescentando uvas-passas à recei-
ta, que se tornou um enorme sucesso. Além de aumentar as vendas
da padaria, Ughetto conseguiu finalmente se casar com Adalgisa.
Panettone do nobreEm uma noite de Natal, Ludovico, Duque de Milão, ofereceu
um grande banquete a seus nobres convidados. Tudo estava per-
feito até se aproximar a hora da sobremesa. O bolo feito na co-
zinha do castelo tinha se queimado. O chefe dos cozinheiros já
se preparava, aterrorizado, para a ira do duque. Foi quando Toni,
o assistente de cozinha, contou ao chefe que, com as sobras do
preparo do bolo que se queimou, tinha feito um doce para comer
com seus amigos. Às sobras, Toni juntou ovos, açúcar e um pou-
co de uvas-passas. O chefe observou o bolo alto e dourado com
desconfiança, mas foi atraído por seu aroma. Como também não
tinha alternativa, resolveu colocá-lo em uma bela bandeja e o le-
vou à mesa dos convidados. A novidade, para espanto e alívio do
cozinheiro, foi um tremendo sucesso. Com o passar do tempo, a
forma com que foi inventado e o seu verdadeiro autor foram re-
velados, e o doce do Natal do duque começou a ser chamado de
“Pane Del Toni”, nome com o tempo transformado no panettone,
apreciado até os dias de hoje.
28 foco
O sabor das histórias e lendas
palavra 29
Dados epidemiológicos indicam que o vinho tin-to oferece um efeito protetor cardiovascular por meio de mecanismos ainda não completamente esclarecidos. Inúmeras hipóteses já foram levantadas para explicar o achado epidemiológico, e, dentre os mecanismos rela-cionados, acredita-se que os polifenóis tenham proprie-dades vasodilatadoras, anti-hipertensivas, antioxidantes e de melhora do perfil metabólico. Essas afirmações estão intimamente ligadas à observação de que hábitos de vida de determinados países (França) e regiões (Me-diterrâneo), dentre eles o consumo de vinho tinto, estão associados a uma menor mortalidade cardiovascular [1]. o tema leva a uma série de reflexões, que tenta-remos abordar. Primeiro: o consumo de bebidas alcoó-licas pode ser benéfico para o sistema cardiovascular? Estudos epidemiológicos mostram que a relação entre o consumo de álcool e a mortalidade por doenças car-diovasculares apresenta uma “curva em jota”, ou seja, o consumo regular de doses modestas é benéfico (dois drinques diários para homens e um drinque diário para mulheres), enquanto o não consumo não protege e o consumo de altas doses é perigoso. De uma forma ge-ral, cerca de 50% do efeito benéfico pode ser atribuído ao aumento dos níveis de HDl-colesterol, com outros mecanismos protetores que incluem efeitos antitrom-bóticos e anti-inflamatórios e melhora da sensibilidade à insulina, não podendo ser descartados o bem-estar e a diminuição do estresse [2]. Segundo: existe relação entre álcool e pressão arterial? Em indivíduos normais, o consumo de álcool fora das refeições eleva a pressão arterial de 2-3 mmHg; este aumento pode ser maior em hipertensos. Por outro lado, a diminuição do con-sumo de álcool por indivíduos que o consomem em altas doses, reduz a pressão em valores semelhantes. Terceiro: o vinho tinto tem efeito protetor mais intenso do que outras bebidas? consumidores de vinho tinto têm menor risco cardiovascular quando comparados a consumidores de cerveja e destilados. Entretanto, existem outras atitudes cardioprotetoras associadas aos usuários de vinho, como maior consumo de frutas, vegetais e fibras, e menos tabagismo. Estudos compa-
rativos entre vinho tinto e vinho branco ou vodca dão suporte às ações favoráveis do vinho tinto sobre o me-tabolismo lipídico e evidenciam seu efeito antioxidan-te. Quarto: existe um efeito protetor “além do álcool” do vinho tinto? Várias substâncias presentes no vinho tinto com e sem álcool e no suco da uva (polifenóis e não polifenóis, em especial o resveratrol) contêm pro-priedades antioxidantes e atuam positivamente sobre o sistema cardiovascular por diferentes mecanismos (ex.: aumento da biodisponibilidade de óxido nítrico, diminuição da agregabilidade de plaquetas e inibição da angiotensina II e endotelina), tendo potencial para serem mediadoras da diminuição de eventos cardiovas-culares. Ainda que o conjunto de todas essas informa-ções tenha ampliado o conhecimento com relação à interação vinho tinto e sistema cardiovascular, muitos pontos necessitam ser elucidados [3]. Pesquisadores da nossa instituição têm abordado o tema. Demonstrou-se que tanto o consumo de vinho tinto quanto o de suco de uva restaurou a função endotelial de pacientes com hipercolesterolemia, mas somente o suco de uva aumentou a vasodilatação não dependente do endoté-lio e diminuiu níveis de IcAM (molécula de adesão)[4]. recentemente, evidenciou-se que o consumo de vinho tinto por curto período causou aumento de HDl em indivíduos normais, discreta queda na pres-são arterial e na resistência vascular sistêmica, asso-ciada ao aumento da atividade simpática periférica nos pacientes hipertensos e hipercolesterolêmicos, e somente neste último grupo melhorou a função endo-telial. os dados sugerem que os efeitos do vinho tinto podem se manifestar de forma não uniforme em dife-rentes grupos de pacientes, isto é, podem ter um im-pacto diferente dependendo da patologia de base [5]. como conclusão, podemos dizer que há na literatura respaldo científico suficiente para reafirmar como verdadeira a frase inicial deste artigo: “o vinho tinto oferece um efeito protetor cardiovascular por meio de mecanismos ainda não completamente esclarecidos”, acentuando, no entanto, que o seu consumo crônico deve respeitar o limite de doses modestas.
ponto de vista
Vinho e saúde cardiovascular
FERNANDA MARCIANO CONSOLIM-COLOMBOlivre Docente de cardiologia pela Faculdade de Medicina da USP e Médica-assistente da Unidade de Hipertensão do Incor, FMUSP
[1] Saint Leger AS, Cochrane AL, Moore F. Factors associated with cardiac mortality in developed countries with particular reference to consumption of wine. Lancet (1979) 1(8124): 1.017-20
[2] Di Castelnuovo A, Costanzo S, Bagnardi V, Donati MB, Iacoviello L, de Gaetano G. Alcohol dosing and total mortality in men and women: an updated meta-analysis of 34 prospective studies. Arch Intern Med (2006) 166:2.437-2.445
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[5] Andrade ACM, Cesena FHY, Consolim-Colombo FM, Coimbra SR, Benjó AM, Krieger EM, Luz PL. Short-term red wine consumption promotes differential effects on plasma levels of high-density lipoprotein cholesterol, sympathetic activity, and endothelial function in hypercholesterolemic, hypertensive, and healthy subjects. Clinics (São Paulo) (2009) 64(5):435-42.
rEFErêNCIAS
Em 1969, com o aumento da repres-
são durante a ditadura militar, as expedi-
ções que levavam universitários ao inte-
rior do país passaram a ser vistas como
subversivas; foram abandonadas pela uni-
versidade — e esquecidas no tempo.
Arqueologia no Centro Acadêmico
Em 1997, uma pesquisa para o cur-
so de graduação levou alunos da Faculda-
de de Medicina da USP aos arquivos do
Centro Acadêmico Oswaldo Cruz. Lá, entre
tantos documentos ancestrais, surpreen-
deram-se ao encontrar relatos de expedi-
ções como a de Uruçuca, realizadas 40
anos antes por estudantes como eles.
Ao travar contato com esses docu-
mentos, o entusiasmo e o idealismo dos
alunos resgataria bem mais do que um
registro histórico. Faria renascer a pro-
posta de aproximar ainda mais a Univer-
sidade de comunidades carentes do país,
por meio de atendimento primário à saú-
de e ferramentas de educação.
BandeiraProjeto
Científica
Em 1957, um grupo de alunos e professores da Faculdade de Medicina da universida-
de de São Paulo (uSP) trocou as tradicionais férias de fim de ano por uma expedição rumo
à uruçuca — comunidade no interior da Bahia, distante 400 quilômetros de Salvador.
recém-transformada em município, uruçuca testemunharia, então, um
encontro de estrangeiros, oriundos de um mesmo país. de um lado, estudantes
de medicina em seu primeiro contato com uma população abandonada à própria
sorte, padecendo de diferentes doenças endêmicas. de outro, mulheres, homens
e crianças no primeiro atendimento médico de suas vidas. Nos anos seguintes,
expedições como a de uruçuca passaram por diferentes regiões do país, incluindo
comunidades isoladas em Sobral (CE), na Ilha de Marajó (PA) e na Serra do Navio,
município paraense que sofria graves problemas ambientais e de saúde, em conse-
quência da extração desenfreada de minério.
Interrompido durante a ditadura militar, o projeto renasceu para alcançar populações de baixo Índice de desenvolvimento Humano
fo to s _ Arquivo Projeto Bandeira Científica
resultado
32 resultado
No ano seguinte, professores e alunos já estavam de
mochilas prontas para a experiência atualizada de prestar
atendimento, coletar dados para traçar um diagnóstico
dos principais agravos à saúde das comunidades visita-
das e iniciar estudantes no trabalho científico.
retomadaEm 1998, um grupo de 20 alunos e dois professores se-
guiram para Cajatí, no Vale do Ribeira, no norte do Estado de
São Paulo. Depois, partiram para Monte Negro, em Rondônia,
onde a USP já desenvolvia alguns projetos em um polo de pes-
quisa e fizeram atendimento médico direto para a população.
Desde então, a cada ano, as expedições foram sendo
reformuladas, ganhando em complexidade e volume. Um dos
trabalhos mais completos desenvolvidos pelos estudantes
ocorreu no final de 2005 no município de João Câmara, no
Rio Grande do Norte. Foram avaliadas as condições de saúde
e nutrição de crianças menores de cinco anos, analisando a
qualidade do consumo alimentar entre os beneficiários do
Programa Bolsa Família (PBF), programa de transferência
de renda do governo federal que distribui um valor mensal
para famílias carentes com filhos nas escolas.
A partir da avaliação de 189 crianças, em uma amos-
tragem de 411 domicílios, o trabalho mostrou que nas fa-
mílias que recebiam o benefício as crianças tinham três vezes
mais chances de consumirem calorias vazias — aumentando o
seu peso, mas não melhorando sua condição nutricional. Ao mes-
mo tempo em que ocorreu pouco consumo de frutas, verduras e
hortaliças, houve excesso de alimentos calóricos, de baixo valor
nutricional — informação que corrobora os dados da última Pes-
quisa de Orçamentos Familiares (POF) realizada pelo IBGE que
aponta para o aumento das despesas com bebidas e infusões,
principalmente os refrigerantes, em detrimento de gastos com
frutas e hortaliças no país.
O resultado foi um contraste entre desnutrição e sobrepe-
so nessas famílias: enquanto 5% das crianças estavam desnutri-
das e 10% tinham déficit de altura, outras 15% já apresentavam
sobrepeso. A conclusão do trabalho dos estudantes foi a de que
somente a renda extra, sem orientações adequadas por meio de
campanhas e programas informativos, não é capaz de melhorar o
estado nutricional das crianças do semiárido.
“Percebemos que quem tinha Bolsa Família comia mais, mas
não comia melhor. Eles gastavam o dinheiro extra com alimentos de
baixo valor nutricional. Então, desenvolvemos um programa educa-
cional em nutrição para orientar as pessoas”, diz Luiz Fernando Fer-
raz da Silva, coordenador do projeto, ligado ao Departamento de Pato-
logia da USP. Foram feitas oficinas com merendeiras, com professores
e familiares sobre dieta balanceada e aproveitamento dos alimentos.
resultado 33
“A população em vários locais quando pode comprar
mais alimentos escolhe aqueles com maior densidade
energética e pouco valor nutricional, mesmo tendo bas-
tante oferta de hortaliças e frutas na cidade, pela falta de
conhecimento sobre o que seria uma alimentação saudá-
vel”, diz Thalita de Moura Santos, de 25 anos, aluna do úl-
timo ano de Nutrição da USP, que participou por três anos
do projeto, dois deles como diretora da área nutricional.
Um dos trabalhos do qual ela fez parte foi desenvolvi-
do em Itaobim, município no Vale do Jequitinhonha, região
do semiárido mineiro caracterizada pela alta vulnerabilida-
de social. O grupo desenvolveu oficinas culinárias e de ma-
nejo sustentável de hortas escolares, ensinando a preparar
alimentos de maneira mais higiênica e saudável, reaprovei-
tando talos, cascas e folhas. “Encontramos muitas crianças
com colesterol alto e obesidade nesta região de Minas”, diz.
O problema, segundo Thalita, está no excesso do uso da
banha de porco, do açúcar e do sal na alimentação das fa-
mílias — hábito cultural enraizado na população. “Por isso,
procuramos as escolas para nos ajudarem como dissemi-
nadores da informação”, diz. “Buscamos atingir também os
agentes de saúde, porque, como visitam muito as famílias
e estabelecem um vínculo de confiança com elas, podem
atuar como vetores dessas informações.”
Já em Penalva, município com pouco mais de 30 mil
habitantes do interior do Maranhão, os estudantes encon-
traram uma incidência de desnutrição de cerca de 80% da
amostra de crianças analisadas, principalmente as mora-
doras da zona rural. No entanto, conforme aumenta a faixa
etária, cresce a incidência de sobrepeso e
obesidade entre elas. “No Nordeste, perce-
bemos claramente a transição nutricional
pela qual passa a população brasileira, da
desnutrição para o sobrepeso e a obesida-
de, um fato que estudamos teoricamente
na universidade e tivemos a oportunidade
de entender na vida real como isso ocorre.
Há erros alimentares em excesso e falta de
alimentos adequados”, resume Thalita.
Objetivos ampliados“O projeto da Bandeira Científica tinha
como ideia inicial de abordagem o desen-
volvimento de pesquisas e atividades em
campo com alunos da Faculdade de Medici-
na. Eles iam a campo onde havia incidência
de doença endêmica e faziam as atividades
educativas, para eles e para a população”,
explica Luiz Fernando Ferraz da Silva.
O professor conta que, desde a reto-
mada das expedições, esse foco tem sido
ampliado e aperfeiçoado, tanto nas áreas
do conhecimento atendidas quanto nas
À esquerda, as expedições de 1963 à Ilha de Marajó. À direita, a expedição de 1965 para o Tocantins. Acima, grupo de alunos em expedição recente
Formação acadêmica com benefícios concretos para as comunidades visitadas
propostas realizadas. Atualmente, além dos alunos de Me-
dicina, a expedição conta com estudantes de Fisioterapia,
Engenharia Civil e Ambiental, Jornalismo, Agronomia, Odonto-
logia, Psicologia e Nutrição. Com supervisão docente, são os
próprios alunos que desenvolvem o estudo inicial para a ex-
pedição, a concepção do atendimento que será feito, o diag-
nóstico da comunidade e os planos de ação. São eles também
que redigem os relatórios e formulam as pesquisas, que são
publicadas em artigos coletivos. Após o retorno da expedição
à universidade, grupos menores voltam pelo menos quatro
vezes a cada local para ver como está o seguimento do proje-
to, que deve ser feito por instituições locais que atuam como
parceiras da USP — geralmente universidades federais.
resultados consolidadosEm onze expedições realizadas, o projeto atingiu mais
de 27 mil pessoas, com participação de aproximadamente mil
alunos e 50 universidades e faculdades de diferentes Estados.
“O projeto tem como objetivo garantir o desenvolvimento
de saúde, conforme conceituado pela Organização Mundial
da Saúde, incluindo não apenas a abordagem das doenças,
mas também aspectos ambientais e sociais a elas relacio-
nados, levando um retorno para as comunidades”, resume o
professor Luiz Fernando Ferraz da Silva. Para isso, são esco-
lhidas comunidades carentes, com baixo Índice de Desenvol-
vimento Humano (IDH) e vista a disposição das prefeituras
de receberem e colaborarem com o projeto — muitas pre-
feituras, que não têm equipes técnicas, usam os relatórios
dos estudantes como base para projetos de melhorias e pedi-
dos de recursos apresentados a Estados e ao governo federal.
Cidadania Sem FronteirasEste ano, depois de onze expedições em sua nova
fase, o Projeto Bandeira Científica foi eleito o melhor projeto
de extensão universitária do país com o Prêmio Cidadania
Sem Fronteiras, concedido pelo Instituto Cidadania Brasil
em parceria com o Ministério da Ciência e Tecnologia.
Numa disputa com cerca de 200 projetos de mais
de cem instituições de ensino superior públicas e priva-
das, o trabalho dos estudantes da USP foi considerado
a melhor prática social desenvolvida por universitários,
trazendo novas abordagens que promovem impactos
efetivos na melhoria da qualidade de vida das popula-
ções atendidas. Em outras palavras, no entendimento
dos avaliadores, o projeto levou benefícios concretos às
cidades visitadas, em vez de apenas servir como com-
plemento para formação dos estudantes.
Pé na estradaNeste momento, um grupo de aproximadamen-
te 150 estudantes está fazendo as malas e escrevendo
seus projetos para a próxima expedição. Com a equipe de
professores, eles deverão aportar desta vez em Ivinhema,
município com cerca de 60 mil habitantes no interior de
Mato Grosso do Sul, caracterizado pela alta concentração
de assentamentos rurais. Novamente, se defrontarão com
carências de toda ordem — falta de infraestrutura, atendi-
mento médico, educação, alimentação, escolas e sanea-
mento básico. Mais uma vez, tentarão levar um pouco do
que sabem e, no convívio com uma outra realidade, apren-
der um pouco mais também.
O projeto já atingiu mais de 27 mil pessoas,com a participação de 50 universidades e faculdades do país
fev.Clinical Nutrition Week 2010
Sob o patrocínio da American Society of Parenteral and Enteral Nutrition
(A.S.P.E.N.), este disputado encontro procura traduzir os mais recentes
avanços de pesquisa em nutrição na prática clínica. Entre os destaques
da programação, estão temas como Intestinal Failure — Latest
Advances in Diagnosis and Treatment, Including Transplantation, The
Latest Body Composition Research: How Does It Affect your Practice?
e Nutrition Delivery — Complex Decisions in a Complex World. O Clinical
Nutrition Week de 2010 ocorre em Las Vegas (NV), nos Estados Unidos.
Para mais informações e inscrições on-line consulte o site:
www.nutritioncare.org/ClinicalNutritionWeek/wcontent.aspx?id=510
>> 8 a 12
mar.13° Congresso Brasileiro de
Gastroenterologia Pediátrica
Este tradicional evento reúne, ainda, o 3º Congresso Brasileiro de Hepatologia Pediátrica e a 2ª Jornada de Suporte Nutricional em Gastroenterologia e Hepatologia Pediátrica. Nele, serão apresentados e discutidos 230 temas, distribuídos por conferências, miniconferências e mesas-redondas, temas livres e pôsteres. Mais de 40 médicos pesquisadores e convidados internacionais divulgarão suas contribuições para prevenção, propedêutica, clínica e terapêutica de crianças e adolescentes com doenças do aparelho digestório. O encontro ocorre em Belo Horizonte, Minas Gerais. Mais informações: www.gastroped2010.com.br
>> 3 a 17
abr.6th World Congress on Prevention
of Diabetes and its Complications
Como em suas edições anteriores, o congresso
deste ano concentra-se em ações preventivas
para a redução da epidemia do Diabetes tipo 2 no
mundo. De maneira multidisciplinar, elas incluem
estratégias de nutrição, proteção de células beta,
identificação de novos marcadores biológicos e
mapeamento genético de populações de risco. Uma
das sessões do congresso dedica-se à análise de
programas de prevenção nacionais em prática na
África, nas Américas e nos Continentes Europeu e
Asiático. O encontro ocorre na cidade de Dresden, na
Alemanha. Mais informações: www.wcpd2010.com
>> 8 a 11
mai.II Congresso Paulista de
Nutrição Esportiva
O hotel Maksoud Plaza, em São
Paulo (SP), abriga a segunda edição
do Congresso Paulista de Nutrição
Esportiva, patrocinado pelo Instituto
de Metabolismo e Nutrição (IMeN).
Entre os temas abordados, estão os
de: Performance Esportiva – Nutrição e
Suplementação, Nutrição e Alimentação
nos Diferentes Esportes e Esporte,
Nutrição e Pediatria. Os resumos para
apresentação de temas livres deverão
ser encaminhados para análise até
o dia 11 de abril de 2010 para o endereço
eletrônico [email protected].
br. Mais informações podem ser conferidas no
site: www.nutricaoclinica.com.br/Inicio.html
xxI Congresso Brasileiro de Nutrição (Conbran)
Esta nova edição do celebrado encontro
promovido pela Associação Brasileira de
Nutrição (ASBRAN) ocorre na cidade de
Joinville, em Santa Catarina. Detalhes sobre a
programação deste ano serão disponibilizados
em breve no site www.conbran.com.br
>> 18
>> 26 a 29
calendário>> Ao patrocinar e divulgar encontros científicos na área de Nutrição, a Nestlé espera contribuir para que profissionais de saúde possam debater e compartilhar suas experiências a partir da produção acadêmica mais recente. Confira alguns dos principais eventos focados em nutrição e saúde que vão ocorrer no primeiro semestre de 2010.
qualidade
Estudos demonstram um impacto positivo de fibras solúveis, como a goma guar, no metabolismo de glicose e lipídeos, na sensibilidade à insulina(1)
As fibras alimentares não estão sujeitas a hidrólise
das enzimas humanas no intestino delgado e, desta forma,
alcançam o intestino grosso praticamente intactas. Lá, pro-
movem maior hidratação do bolo fecal, favorecendo a ação
das bactérias da microbiota colônica e a fermentação [1].
Ao passarem pelo cólon, pectina e goma guar são
quase totalmente fermentadas, resultando na produção
S i nerg i a de aç õ e sFibras e prebióticos
Inulina
GGPH
• Aumenta o bolo fecal, aumidificação e a aeração25,26
• Estimula o peristaltismo25,26
(movimentos propulsivos)
• Auxilia na reabsorção de H2O esódio, e na formação de massa fecal27,28
• Diminui a fluidez das fezes27,28
• Controla o peristaltismo27,28
(movimentos retensivos)
servem deAlimento
para
ComoResultado
Regula a AtividadeIntestinal
Controle daDiarréia27,28
Alívio daConstipação25,26
Bactériasdo
Intestino
Inulina
GGPH
Restabelece o Equilíbrio da Microbiota
Instestinal23,24
Aumento na quantidade de bifidobacterias 23,24
Produção de AGCC22
Proporcionando
Proporcionando
Figura 1. Mecanismo de ação do prebiótico inulina e da fibra solúvel Goma Guar parcialmente hidrolisada (GGPH)
de gás carbônico, hidrogênio, metano e ácidos gra-
xos de cadeia curta (AGCC) [2].
Os AGCC, em especial o butirato, são a
principal fonte de energia do colonócito e possuem
importantes funções tróficas, metabólicas e imuno-
lógicas (2,3) — como incremento na atividade de
células NK (Natural Killer), aumento na produção
de anticorpos e de mucina, redução da síntese de
citocinas pró-inflamatórias via NF-kB (Fator Nucle-
ar-kB), inibição da síntese hepática de colesterol e
proteção contra o câncer colorretal [2-8].
Além disso, a formação de AGCC, por gerar um
pH ácido, facilita a absorção de importantes sais mi-
nerais, como o cálcio.[9-12].
qualidade 37
A redução de tempo no esvaziamento gástrico,
promovida pelas fibras solúveis e aliada à diminui-
ção na absorção de glicose, gera sensação de sa-
ciedade — importante para pacientes diabéticos,
portadores de síndrome de dumping e para aqueles
que necessitam perder peso, sejam eles obesos ou
portadores de síndrome metabólica [1].
As fibras alimentares também são particular-
mente úteis nas alterações do hábito intestinal re-
lacionadas à nutrição enteral, à síndrome do intes-
tino irritável e à constipação intestinal [13-14]. Por
aumentarem o bolo fecal, elas estimulam o peristal-
tismo e facilitam a evacuação, contribuindo, assim,
para o alívio da constipação intestinal [1].
As fibras solúveis aceleram ainda mais o trân-
sito colônico, pois os metabólitos que se originam da
fermentação bacteriana originada das fibras, incluin-
do os AGCC, possuem maior ação peristáltica [1].
Ação PrebióticaAlgumas fibras solúveis passaram a ser denominadas prebióticos
por sua ação estimuladora sobre o crescimento e atividade de bacté-
rias não patogênicas, como Bifidobacterias e Lactobacilos [15,16].
Os principais prebióticos são a inulina e a oligofrutose que tam-
bém são chamadas de frutoligossacarídes (FOS). Entre seus efeitos
mais relevantes estão: (a) o estímulo da microbiota intestinal (com
aumento seletivo de Bifidobacteria e Lactobacilli) [2,15,16]; (b) o
incremento na absorção colônica de sais minerais, especialmente o
cálcio [10,11], (c) a normalização do hábito intestinal [1,4,3]; (d)
ações imunomoduladoras [7]; (e) redução do colesterol [6] e (f) re-
dução do risco de desenvolvimento de lesões pré-cancerosas no có-
lon, como os pólipos adenomatosos [17,18] (figura 1).
Os principais efeitos das fibras alimentares e dos prebióticos,
bem como suas indicações, podem ser observados na Tabela 1.
PrOduTO
Fibra Insolúvel
(Ex.: celulose, lignina)
Fibra solúvel
(Ex.: goma guar parcialmente
hidrolisada, pectina,
b-glicana)
Prebióticos
(Ex.: inulina, oligofrutose)
INdICAÇõES
• Constipação intestinal
• Constipação intestinal
• Síndrome do intestino irritável
• Coadjuvante em dietas hipocalóricas
(ex. obesidade, síndrome metabólica)
• Diabetes
• Síndrome de dumping
• Diarreia associada à nutrição enteral
• Diarreia associada à deficiência
de lactase
• Indicações das fibras solúveis
• Situações de maior necessidade de cálcio
(ex. menopausa, fase de crescimento, gravidez)
• Osteoporose/osteopenia
• Situações inflamatórias e que necessitam de
imunomodulação (ex. retocolite ulcerativa, doença
de Crohn, bolsite)
• Prevenção do câncer colorretal
EFEITOS
• Aumento do bolo fecal
• Estimula peristaltismo colônico
• Baixa capacidade de sequestrar água e de gerar AGCC
• Aumento do bolo fecal
• Estimula peristaltismo colônico
• Alta capacidade de sequestrar água
(forma solução altamente viscosa, gel)
• Reduz esvaziamento gástrico (promove sensação de saciedade)
• Reduz a velocidade de trânsito intestinal
• Reduz absorção de glicose (baixo índice glicêmico)
• Reduz colesterol
• Geração de AGCC e impacto sobre microbiota intestinal
• Efeitos descritos para as fi bras solúveis
• Grande efeito bifidogênico (aumento de Bifidobacterias e Lactobacilos)
• Redução de bactérias patogênicas (ex. Clostridium, Bacteroides)
• Incremento na absorção colônica de sais minerais como o cálcio
• Estímulo à apoptose
• Efeitos imunomoduladores e antiinflamatórios
• Efeito anticarcinogênico
Tabela 1. Principais efeitos das fibras alimentares e dos prebióticos e suas indicações
38 qualidade
A teoria na práticaSegundo recomendação da American Dietetic Association
(ADA), a ingestão de fibras para adultos deve ser de 25 g/dia a
35 g /dia (1,5), enquanto para crianças e adolescentes (entre 3 e
18 anos), o valor sugerido é somar-se a idade a 5 gramas (1).
Muitas vezes, porém, estes valores revelam-se difíceis
de ser alcançados. No Brasil, por exemplo, estima-se que a in-
gestão diária de fibras seja a de ao redor de 5 a 7 g ao dia —
muito abaixo do recomendado (19).
Isso reforça a importância de estimular a adoção de hábi-
tos alimentares saudáveis por meio de dietas ricas em fibras,
que sejam de boa palatabilidade (2).
Diante disso, para melhor atender aos profissionais de saúde
e seus pacientes, a Nestlé desenvolveu um produto de fácil ade-
são, com um mix de fibras naturais e prebióticos na medida certa.
FiberMais é a combinação exclusiva de Inulina e Goma Guar par-
cialmente hidrolisada (GGPH), que proporciona intenso efeito prebió-
tico (20,21) e maior produção de AGCC (22). Consumido em associa-
ção com uma dieta equilibrada e hábitos de vida saudáveis, FiberMais
auxilia no tratamento da constipação, garantindo o bom funciona-
mento do intestino. Prático e fácil de usar, possui zero calorias e zero
açúcares — e não altera o cheio, o sabor e a textura dos alimentos.
Além de seu efeito regulador da atividade intestinal, a com-
binação de GGPH e inulina de FiberMais contribui para diferentes
situações clínicas (Figs 2, 3, 4 e 5).
Tabela 2. Informação nutricional POLIFENóIS*
INFOrMAÇÃO NuTrICIONAL – porção de 5 g (1 sachê)
Quantidade por Porção %VD(*)
Valor Energético 0 kcal — 0 kJ 0%
Carboidratos 0 g 0%
Proteínas 0 g 0%
Gorduras Totais 0 g 0%
Gorduras Saturadas 0 g 0%
Gorduras Trans 0 g **
Fibra Alimentar 4,3 g 17%
Fibra Solúvel 4,3 g **
Sódio 0 mg 0%
* % Valores diários com base em uma dieta de 2.000 kcal ou 8.400 kJ. Seus valores diários podem ser maiores ou menores dependendo de suas necessidades energéticas. **VD não estabelecida.
Figura 2
Absorção de minerais vs. ingestão de Inulina
Reduz o risco do desenvolvimento de osteoporose34,
Abso
rção
apa
rent
e
70
60
50
40
30
20
10
0Cálcio
*
*
Magnésio *p<0.05 vs. controle
Inulina
Control
Aumenta a absorção de cálcio e magnésio
Ajuda na manutenção de ossos fortes e saudáveis
Figura 3
Aumenta o controle glicêmico31,32
Fibras aumentam o tempodo trânsito intestinal
Os carboidratos simplesunem-se às fibras
Diminuem avelocidade de absorção
dos carboidratos
Reduzem aabsorção de glicose
pelo organismo
Evita os picos hiperglicêmicos
ABSOrÇÃO dE CáLCIO CONTrOLE GLICêMICO
qualidade 39
rEFErêNCIAS
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Reduzem o risco do desenvolvimento de doenças cardiovasculares29,30
Reduzem a absorção de colesterol e triglicérides
são eliminados nas fezes
Não são digeridos e absorvidos no intestino
Os ácidos biliares e a gordura unem-se às fibras
Figura 4
COLESTErOL
Restabelece o equilíbrio da flora intestinal
Reduz atranslocação
bacteriana
Inibe a produçãode bactériaspatogênicas
Facilita aeliminação de agentes
carcinogênicos
Reforça o sistema imunológico
Flora intestinal vs. faixa etária
Log 10
bac
téria
s/g
feze
s
14
12
10
8
6
4
2
0ao nascer adulto idosonascimento à
adolescência
BifidobactériasLactobacilosBacteroides
Reduz o risco do desenvolvimento de câncer de cólon e outras infecções22,33
Figura 5
SISTEMA IMuNOLóGICO
Pode ser adicionado a qualquer tipo de alimento ou bebida (frio/quente)
DOsE RECOMENDADA• ADULTOs: iniciar com 1 sachê por dia e progredir até 3 sachês segundo a necessidade e a tolerância• CRIANçAs: iniciar com 1/2 sachê (2,5g) e progredir até 1 sachê (5,0g) Este produto deve ser consumido acompanhado de líquidos
FIBErMAIS é FáCIL E PráTICO dE uSAr
40 sabor e saúde
Verônica trabalhou em um projeto da
UnB e do Ministério da Saúde pesquisando
receitas regionais e formas de diversificar
o uso de frutas e vegetais nativos. “Não
apenas pelo aspecto nutricional, mas como
uma forma de preservar o meio ambiente e
as espécies nativas”, diz a nutricionista.
E só o aspecto nutricional já signifi-
ca muita coisa. Instituições sediadas na
região, como a UnB e a Embrapa Cerrado,
ou em outros cantos do país, como a Unicamp (Universidade
Estadual de Campinas), têm estudado essas frutas. Os tra-
balhos mostram que são tão nutritivas quanto exóticas.
Na Unicamp, a engenheira de alimentos Glaucia Pasto-
re coordena um estudo sobre as propriedades biológicas dos
frutos do Cerrado para utilização como alimento funcional.
O projeto deve ser concluído em 2010, mas já há boas evi-
dências do potencial de alguns deles.
d o C e r r a d oU m u n i v e r s o d e sa b o r, sa ú d e e p r es e r va ç ã o a m b i e n ta l
por _ Iara Biderman
i l us traç õ e s _ Andrea Ebert
sabor e saúde
No grande sertão do Cerrado, onde há alguma água — rio, córrego, ribeirão —, sobe
uma árvore alta e esguia. “Verde que afina e esveste, belimbeleza”, nas palavras
desenhadas por Guimarães rosa na boca de riobaldo, em “Grande Sertão: Veredas”.
O buriti, uma das mais altas e elegantes palmeiras brasileiras, é moldura das
veredas e joia do Cerrado. Tão sabida quanto misteriosa.
Se o nome da árvore é conhecido no mundo por meio das páginas de rosa e o
sabor agridoce do fruto, sabido pelos caboclos, ainda há muito desconhecimento
sobre essa e outras frutas do Cerrado, a grande savana brasileira, que se esten-
de do norte de Minas pelo Planalto Central até a região Norte do país.
“Mesmo eu, que nasci e cresci em Brasília, não conhecia ou não sabia
como consumir muitas dessas frutas regionais”, conta Verônica Cortez
Ginani, doutora em nutrição da unB (universidade de Brasília).
Frutas
42 sabor e saúde
O fruto mais trabalhado, segundo ele, é o pequi.
Não por acaso, já que é o ingrediente de um dos símbolos
da cozinha regional goiana, o arroz com pequi. “Não há como
não dar atenção ao pequi. Quando ele cai no chão e abre, o
cheiro é sentido a quilômetros.” Por outro lado, Melo Madalena
diz que o pequi tem um gosto agressivo e não é muito fácil de
digerir, o que demanda a elaboração de receitas que tragam
maior equilíbrio de sabor e aumentem a digestibilidade.
Uma pesquisa da Embrapa Agroindústria Tropical (1)
mostrou que a polpa do pequi é mais rica em vitamina C do que
cítricos como a laranja-bahia, o limão galego e a tangerina, e o
teor de óleo da fruta é superior ao do abacate. Segundo os pes-
quisadores, o pequi também tem grande quantidade de carote-
noides, mas só alguns deles possuem atividade pró-vitamina A.
Além da polpa, a casca do pequi é usada para a fabrica-
ção de farinha. Melo Madalena conta que estão sendo testa-
das receitas de pães e bolos com o farináceo obtido do pequi.
Na forma de farinha, o sabor agressivo da fruta é amansado,
mas não deixa de dar um toque diferente e característico às
receitas. Além disso, aumenta o teor de fibra do alimento: a
casca do pequi tem quase 40% de fibra alimentar, segundo o
trabalho da Embrapa Agroindústria Tropical.
Castanhas do SertãoOutro fruto promissor do Cerrado é o baru. Sua castanha
comestível é rica em ferro, zinco e proteína. Segundo Melo
Madalena, sua qualidade nutricional não deixa a dever a outra
castanha brasileira mais famosa, a castanha-do-Pará.
Um trabalho do departamento de nutrição da Faculdade de
Ciências da Saúde da UnB, publicado no International Journal of
Scientific Nutrition (2), mostrou que o baru é rico em cobre,
fósforo, magnésio, cálcio e taninos.
Também é rico em sabor e possibilidades gastronômicas.
A chef Ana Trajano, do restaurante Brasil a Gosto, usou o baru em
vários pratos que elaborou para o menu “Cerrado Brasileiro”, servi-
do entre maio e julho deste ano em seu restaurante em São Paulo.
A castanha entrou em pratos salgados, como o arroz com suã,
ora-pro-nóbis e baru e em doces, como um bolinho cremoso e o sor-
vete de baru – este último passou a fazer parte do cardápio fixo da
casa. A guloseima vale o seu “peso” em calorias (muitas), já que
a maior parte delas vem das gorduras saudáveis da castanha.
O coquinho do buriti, por exemplo, é muito rico em carotenoi-
des. “Os antioxidantes presentes nas frutas podem complementar
e até mesmo aumentar mecanismos de ação, incluindo a detoxifi-
cação por enzimas, a estimulação do sistema imune, a modulação
da síntese de colesterol e metabolismo hormonal, a redução da
pressão sanguínea, entre outros benefícios”, descreve Pastore.
A polpa dourada do coquinho é usada para o preparo de
doces, como compotas, geleias e sorvetes. Mas os centros de
pesquisa estão desenvolvendo novas receitas para diversifi-
car seus usos e aumentar o consumo na alimentação diária.
Assim como está sendo feito pela UnB, equipes da Em-
brapa Cerrado elaboram receitas para incentivar o uso dessas
frutas na alimentação cotidiana da população. O agrônomo
José Orlando de Melo Madalena, que trabalha no projeto, ob-
serva que a leve acidez da polpa do buriti é muito interessante
para o preparo de molhos que acompanham pratos salgados.
“Ele pode ser usado das entradas à sobremesa. Além dos carote-
noides, é fonte de fibras e carboidratos”, lembra Melo Madalena.
O agrônomo conta que a Embrapa Cerrado já identificou 50
espécies frutíferas com bom potencial nutricional, mas as pes-
quisas estão centradas em cerca de uma dúzia de espécies. “Não
adianta abrir muito o leque, é melhor se aprofundar em algumas
para podermos difundir melhor seu uso”, acredita Melo Madalena.
sabor e saúde 43
para o preparo de doces, como sorvete. Também está
sendo feito um estudo sobre as propriedades medi-
cinais da fruta, que tradicionalmente é usada para o
preparo de um xarope expectorante.
Sabor o ano todoMenos conhecido fora dos limites do Cerrado, o
araticum é da família da fruta-do-conde (à qual asse-
melha-se na forma) e da graviola. “Do meu ponto de
vista, é a mais saborosa de todas [as frutas do Cerra-
do]”, revela Melo Madalena.
O sabor é mais adocicado do que o da fruta-
do-conde: o araticum tem entre 18% e 20% de açú-
car, segundo Melo Madalena, e também é fonte de
fibras, fósforo e ferro.
Independentemente das preferências pessoais, o
agrônomo da Embrapa defende a ideia de revezar-se os
cultivos das várias frutas e distribuir-se as espécies e
variedades na alimentação durante todo o ano. “A ideia
é preservar e aumentar as reservas naturais des-
sas plantas. Não tem sentido usar defensivos,
muito menos pensar em culturas únicas. Temos
de aproveitar o tempo de cultivo de cada uma
dessas espécies”, diz Melo Madalena.
Dá para se fartar de frutas o ano todo.
Em alguns casos, muito facilmente. A cagaita,
da família das goiabas, por exemplo, dá muito
rápido. Amadurece 60 dias após a floração.
Da mesma família do baru, o jatobá é utilizado
tradicionalmente para a produção de farinha, obtida
da mucilagem ao redor de sua semente. “É um dos
frutos mais ricos em termos de nutrientes, pela abun-
dância de fibras, carboidratos de boa qualidade e
sais minerais”, afirma Melo Madalena. A concentra-
ção de taninos também é alta, segundo o artigo da
UnB no International Journal of Scientific Nutrition.
Mas são as fibras que têm despertado mais
atenção. O uso popular da farinha de jatobá para o
preparo de biscoitos, pães e bolos inspirou uma pesquisa
sobre a sua utilização na fabricação de biscoitos sem açúcar
e com alto teor de fibras, para alimentação de pessoas com
diabetes ou sob restrições alimentares (3).
Realizado na Faculdade de Nutrição da Universidade Fe-
deral de Goiás, o trabalho desenvolveu um biscoito isento de
açúcares com 10% de substituição da farinha de trigo por fa-
rinha de jatobá. Segundo os pesquisadores, o produto obtido
apresentou boa qualidade e aceitabilidade, com alto teor de
fibras, predominando as insolúveis.
A farinha da amêndoa da macaúba, outra palmeira comum do
Cerrado, também é tradicionalmente consumida na região. Rica em
cálcio e fonte de ferro, a farinha da macaúba tem altos teores de
proteína e de fibra. Entretanto, um trabalho na Universidade Federal
de Mato Grosso do Sul (4) mostrou que o aproveitamento da proteí-
na é relativamente baixo quando a farinha é consumida crua.
Melo Madalena conta que estão sendo pesquisadas for-
mas de aproveitar a farinha da macaúba reidratada em receitas
Fonte de vitamina C e B2, com casca e polpa ama-
reladas quando madura, a cagaita é versátil na cozinha.
Sua acidez equilibrada combina com molhos ou acompa-
nhamentos para carnes e peixes – no menu temático do
restaurante Brasil a Gosto, foi elaborada uma maionese de
cagaita para acompanhar um petisco de costela de pacu.
Já o doce suave da fruta convida ao preparo de sobreme-
sas e sorvetes. Bastante suculenta, também é muito boa
para ser consumida in natura.
44 sabor e saúde
Famosa desconhecidaA nutricionista Verônica Cortez Ginani, da UnB, lembra que
a versatilidade de usos culinários é um potencial que ainda pre-
cisa ser muito trabalhado. “Há uma dificuldade de as pessoas
entenderem como essas frutas podem ser consumidas.”
Ginani afirma que isso ocorre até com frutas do Cerrado
bastante difundidas na cultura popular e mesmo nos meios de
comunicação de massa. É o caso do jenipapo, que dá origem
a um licor muito consumido nos “grandes sertões” brasileiros,
ARATICUM Nome científico: Rollinia sp. Nomes populares: arixicum, ariticum, articum, marolo, bruto, cabeça-de-negro, pinha-do-cerrado, pasmada Os frutos maduros têm coloração marrom e podem ser coletados no chão, de fevereiro a março. Também podem ser colhidos na árvore, quando apresentam sinais de abertura na casca. Valores por 100 gramas Energia: 52 kcal Proteínas: 0,40 g Lipídeos: 1,60 g Carboidratos: 10,30 g Fibras: 3,80 g Cálcio: 52 mg Fósforo: 24 mg Ferro: 2,30 mg retinol: 50 mcg Vitamina B1: 0,04 mg Vitamina B2: 0,07 mg Niacina: 0,60 mg Vitamina C: 21 mg
BARUNome científico: Dipteryx alata Nomes populares: barujó, cuma-ru, cumbaru, castanha-de-ferro, coco-feijão, cumarurana, cumbary, emburena-brava, feijão-coco, pau-cumaru, meriparajé. Os frutos de baru maduros apresentam coloração marrom e são coletados no chão ou semimaduros na árvore, no período de julho a setembro. Valores por 100 gramas Energia: 502 kcal Proteínas: 23,9 g Lipídeos: 38,2 g Carboidratos: 15,8 g Fibras: 913,4 g Cálcio: 140 mg Potássio: 827 mg Fósforo: 358 mg Ferro: 4,24 mg Magnésio: 178 mg Cobre: 1,45 mg Manganês: 4,9 mg zinco: 4,1 mg
CAGAITANome científico: Eugenia dysenterica Nomes populares: Cagaiteira Os frutos da cagaiteira, amarelos quando maduros, são coletados da árvore de setembro a novembro. Quando fermentados ao sol, possuem efeito laxante. Valores por 100 gramas retinol: 0 Vitamina B2: 421 mg Niacina: 0,37 mg Vitamina C: 72 mg
uMA FAMÍLIA dE FruTAS ILuSTrES
BURITINome científico: Mauritia vinífera Nomes populares: miriti, carandá-guaçú, carandaí-guaçu, muriti, palmeira-buriti, palmeira-dos-brejos, mariti, bariti, meriti
Com escamas de cor marrom-clara quando jovens e cobre-escuro quando maduros, os frutos do buriti caem do cacho, de outubro a março, e devem ser coletados no chão.
Valores por 100 gramas Energia: 145 kcal Proteínas: 1,8 g Lipídeos: 8,10 g Carboidratos: 10,20 g Fibras: 9,60 g Cálcio: 156 mg Fósforo: 54 mg Ferro: 5 mg retinol: 4.104 mcg Vitamina B1: 0,03 mg Vitamina B2: 0,23 mg Niacina: 0,70 mg Vitamina C: 26 mg
rEFErêNCIAS[1] Aspectos Agronômicos e de Qualidade do Pequi. Maria Elisabeth Barros de Oliveira, Nonete Barbosa Guerra, Levi de Moura Barros, Ricardo Elesbão Alves. Embrapa Agroindústria Tropical, Fortaleza, Ceará, Fevereiro 2008. [2] Minerals, phytic acid and tannin contents of 18 fruits from the Brazilian savannah. Marin AM, Siqueira EM, Arruda SF. Int. J. Food Sci. Nutri., april, 2009. [3] Utilização tecnológica dos frutos de jatobá-do-cerrado e de jatobá-da-mata na elaboração de biscoitos fontes de fibra alimentar e isentos de açúcares. Silva, M. R.; Silva, M. S.; Martins, K. A.; Borges, S. Ciênc. Tecnol. Aliment., v. 21, n. 2, 2001. [4] Avaliação nutricional da proteína de amêndoas de Bocaiúva (Acrocomia aculeata). Priscila Aiko Hiane, Maria Lígia Rodrigues Macedo, Gabriela Moraes Silva, José Antônio Braga Neto. Boletim Centro de Pesquisa de Processamento de Alimentos, Universidade Federal do Paraná, v. 24, n. 1, jan./jun. 2006
sabor e saúde 45
tem fama de afrodisíaco, está em letras da música popular
brasileira e foi fartamente citado em “O Bem Amado”, de Dias
Gomes, a primeira telenovela em cores da TV brasileira, exibida
pela TV Globo em 1973. Apesar de tudo isso, “é comum a gente
ver o jenipapo estragando no pé”, lamenta Ginani. Uma pena, já
que a fruta é rica em ferro e vitamina B2.
Assim como as outras frutas do Cerrado, a produção do
jenipapo é essencialmente extrativista. Isso faz com que, nos
centros urbanos da região, essas frutas tenham oferta pequena e
preços altos. Para Melo Madalena, da Embrapa, a tarefa de divulgá-
las deve-se apoiar em três pontos: pesquisa do valor nutricional,
para determinar as de maior potencial na alimentação da popu-
lação; pesquisa de novas receitas, para abrir o leque de usos; e
pesquisa para melhoramento e incentivo do cultivo sustentável.
“Além de aumentar a oferta, isso é importante para a preservação
do bioma do Cerrado. Em muitas áreas, a vegetação nativa está
sendo eliminada. Aumentar o cultivo dessas frutas é decisivo para
a preservação desse meio ambiente”, ressalta Melo Madalena.
JATOBÁNome científico: Hymenaea altissima Nomes populares: Jatobeiro, jataí-do-campo, jataí-de-Piauí, jatobá-capão, jatobé-de-caatinga, jatobá-do-cerrado, jatobé-da-serra, jatobá-de-casca-fina, jatobeira, jitaé, jutaí, jutaicica Os frutos maduros, de cor escura, são coletados de setembro a dezembro e fornecem farinha de valor proteico e utilização similares aos do fubá. Valores por 100 gramas Energia: 115 kcal Proteínas: 1,0 g Lipídeos: 0,70 g Carboidratos: 29,4 g Fibras: 10, 40 g Cálcio: 31 mg Fósforo: 24 mg Ferro: 0,80 mg retinol: 30 mcg Vitamina B1: 0,04 mg Vitamina B2: 0,04 mg Niacina: 0,50 mg Vitamina C: 33 mg
MACAÚBA Nome científico: Acrocomia salerocarpa Nomes populares: Bocaiúva, bacaiuveira, bacaúva, bocaiuva, coco-babão, coco-baboso, coco-de-catarro, coco-de-espinha, coco-xodó, imbocaia, macaiba, macaibeira, macaiá, maca-já, macajuba, macaúba, macaúva, macauveira, macujá, macujazeiro, marcová e mucajá
Os frutos maduros da macaúba têm cor amarela-esverdeada, aroma característico e casca que se solta facilmente. Podem ser co-letados no chão, de maio a janeiro. A cor varia da amarela-alaranjada à amarela-esverdeada. Têm uma amêndoa, semelhante à do coco seco, que também é consumida. Valores por 100 gramas Energia: 243 kcal Proteínas: 4,40 g Lipídeos: 13,80 g Carboidratos: 27,90 g Cálcio: 199 mg Fósforo: 57 mg Ferro: 0,20 mg retinol: 23 mcg Vitamina B1: 140 mg Vitamina B2: 90 mg Niacina: 1,0 mg Vitamina C: 28 mg
JENIPAPONome científico: Genipa americana Nomes populares: Jenipapo-manso, jenipaba, jenipá Os frutos são coletados semimaduros ou maduros, de setembro a dezembro. Ao amadurecer, a fina pele dos frutos torna-se enrugada e marrom. Valores por 100 gramas Energia: 113 kcal Proteínas: 5,20 g Lipídeos: 0,30 g Carboidratos: 25,70 g Fibras: 9,40 g Cálcio: 40 mg Fósforo: 58 mg Ferro: 3,60 mg retinol: 30 mcg Vitamina B1: 0,04 mg Vitamina B2: 0,04 mg Niacina: 0,50 mg Vitamina C: 33 mg
PEQUINome científico: Caryocar brasiliensis Nomes populares: Pequiá-bravo, piqui, piquiá, piqui-do-cerrado Suas frutas redondas têm casca grossa de pele verde e polpa amarela. Quando o caroço é partido, encontram-se espinhos pequenos e de uma a quatro amêndoas. Valores por 100 gramas Energia: 89 kcal Proteínas: 1,20 g Lipídeos: 0,90 g Carboidratos: 21,60 g Fibras: 5,50 g Cálcio: 14 mg Fósforo: 10 mg Ferro: 1,20 mg retinol: 20.000 mcg Vitamina B1: 0,03 mg Vitamina B2: 0,46 mg Niacina: 0,40 mg Vitamina C: 12 mg
Fonte: nutricao.saude.gov.br/documentos/alimentos_regionais_brasileiros.pdf
A indicação do leite humano (LH) para recém-nascidos pré-ter-
mo (RNPT) tem se fortalecido ao longo do tempo, com as evidências,
a partir de pesquisas científicas, de sua adequação nutricional às
necessidades desses recém-nascidos para crescimento e desenvolvi-
mento, bem como dos efeitos protetores de seus componentes imuno-
lógicos, que influenciam suas evoluções no curto e no longo prazo.
A necessidade de disponibilização de LH para os RNPT inter-
nados em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) passou
a ser uma das prioridades na nutrição desses RN e isso motivou a
realização de várias pesquisas a respeito.
O estudo de Slutzah et al (1) analisa os efeitos da estocagem
de LH durante 96 horas a 4ºC sobre: crescimento bacteriano, conta-
gem de células sanguíneas brancas, pH, osmolaridade e concentra-
ções de fatores imunes e macronutrientes selecionados.
Foi utilizada metodologia adequada, na qual a temperatura do
experimento foi confirmada a cada 12 horas e foi anotado o número
de vezes em que o refrigerador foi aberto, garantindo a manutenção
constante das condições térmicas do experimento. Determinações
de pH, células brancas, osmolaridade, contagem de colônias bacteria-
nas, lactoferrina e IgA secretória, lípides totais e ácidos graxos livres
nas amostras estocadas nos tempos zero, 24, 48, 72 e 96 horas foram
realizadas por meio de técnicas laboratoriais adequadas.
Apesar do rigor metodológico, as amostras de LH estudadas
eram de mães de RN de termo e pré-termo, com ampla variabilidade
das idades gestacionais(25 a 41 semanas). Além disso, as idades
pós-natais nos momentos da coleta variaram de 7 a 150 dias. Essa
variabilidade pode ter influenciado os resultados, uma vez que a com-
posição do LH reconhecidamente modifica-se em razão da idade ges-
tacional e do tempo de vida pós-natal.
Após 96 horas de estocagem, o pH do leite, a contagem de células
sanguíneas brancas, a concentração de proteínas totais e a contagem
de colônias de bactérias Gram positivas reduziram-se, enquanto a con-
centração de ácidos graxos livres triplicou. Já a osmolalidade e as con-
centrações de IgA secretória, lactoferrina, gorduras totais e o número de
colônias de Gram negativos não se modificaram no mesmo período.
Embora os autores tenham concluído que a integridade do LH
não foi alterada nas condições testadas e, portanto, a estocagem em
refrigerador a 4ºC por 96 horas possa ser indicada com segurança,
alguns aspectos merecem consideração.
A elevação das concentrações de ácidos graxos livres, indican-
do um aumento da lipólise, foi interpretada como benéfica por sua
possível ação anti-infecciosa e por essa variação ter correspondido à
obtida após pasteurização rotineira de LH. Entretanto, as determina-
ções foram dos ácidos graxos totais, não se especificando as caracte-
rísticas dos ácidos graxos que se modificaram. É importante lembrar
que ácidos graxos poli-insaturados da cadeia w-3 são mais protetores
contra infecções do que os da cadeia w-6, que têm sido considerados
nutrientes pró-inflamatórios. Também não foi analisado se essas va-
riações alteraram a oferta energética a partir desses.
O estudo em questão seguramente representa mais um passo
para o conhecimento de modificações na composição de LH a partir
de diferentes formas de estocagem, mas não pode ser considerado
definitivo e suficiente para modificar a recomendação atual de tempo
máximo de estocagem de 24 horas em refrigerador a 4ºC.
(1) Slutzah M, Codipilly CN, Potak D, et al. Refrigerator storage of expressed human milk in the Neonatal Intensive Care. J Pediatr. 2009 [Epub ahead of print].
dra. Cléa rodrigues Leone, Professora Associada do departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da universidade de São Paulo, Coordenadora da área Técnica de Saúde da Criança e do Adolescente da Secretaria Municipal de São Paulo e diretora de Publicações da Sociedade de Pediatria de São Paulo.
Tempo máximo de estocagem de leite humano em unidades de Terapia Intensiva Neonatal
atualização
Leitura crítica
A Influenza A H1N1 é uma pandemia recente que vem se ex-
pandindo pelo mundo acompanhando as variações climáticas e
aglomerados populacionais, o que caracteriza as infecções virais de
transmissão predominantemente respiratória.
Após um início assustador no México, onde o desconheci-
mento e a surpresa levaram o sistema público ao caos, ela se ex-
pandiu para os Estados Unidos e, logo a seguir, com a chegada do
inverno no Hemisfério Sul, veio para a América Latina com incidên-
cia crescente nos meses de junho, julho e agosto, levando o poder
público da Argentina e do Brasil a postergarem o início das aulas
após as férias de inverno.
Em setembro, coincidentemente com a diminuição do frio,
teve início a tendência à diminuição do número de casos da In-
fluenza A no Hemisfério Sul e, em outubro, iniciou-se a “migra-
ção” para o Hemisfério Norte, onde está ocorrendo aumento da
transmissão com expectativa de atingir um máximo de incidên-
cia entre janeiro e fevereiro do próximo ano.
É importante enfatizar que o Brasil tem desenvolvido expe-
riência na detecção e no controle de pandemias com as lições da
“pneumonia asiática” e da “gripe do frango” que propiciou refle-
xão de como minorar os possíveis riscos da introdução dessas
doenças entre nós.
Como reflexo das ações anteriormente implementadas, além
da experiência acumulada, já tínhamos adquirido estoque de anti-
virais que foram utilizados na presente pandemia.
Na presente pandemia, chamou a atenção o comprometi-
mento predominante de jovens e com evolução de maior gravi-
dade nessa população imunologicamente mais preservada, o que
não é incomum em pandemias, quando a população ainda não
teve contato com o vírus.
Influenza A H1N1: situação atual da pandemia e obesidade como fator de mau prognóstico
Na Influenza sazonal, que ocorre com vírus que vem circulan-
do na população há décadas, as faixas etárias mais acometidas são
as de crianças e idosos, pela sua reconhecida imunossupressão.
No entanto, quando um novo vírus circula, o quadro clínico é mais
acen tuado nos imunocompetentes, talvez por não terem experiência
prévia com o vírus, havendo então resposta clínica mais exuberante.
Dentre as situações clínicas que mais contribuíram para evo-
luções graves na atual pandemia, situam-se: patologias crônicas
com envolvimento pulmonar, diabetes, obesidade e gestantes no
segundo e no terceiro trimestre da gravidez.
O surgimento da obesidade como fator de mau prognóstico
(1,2) é fato não antes enfatizado e remete-nos à reflexão do por-
quê desta ocorrência.
Obviamente a compressão da caixa torácica pelo grande volume
abdominal levando à maior dificuldade respiratória é fator conhecido.
Além disso, quando o paciente necessita de assistência ventilatória,
a retirada do respirador é dificultada quando da obesidade.
Como abordar preventivamente uma pandemia como se apresenta?
Inicialmente a disponibilidade da vacina. Já existem produzidas
e estão sendo liberadas para os países do Hemisfério Norte, a despei-
to de o governo brasileiro já ter adquirido 40 milhões de doses para
serem utilizadas a partir de abril do próximo ano.
Evitar visitar locais onde a epidemia atinge proporções conside-
ráveis, se não estiver vacinado.
Quanto às situações de risco para evolução menos favorável,
obviamente são precisas medidas de suporte da situação de base que
possa contribuir para gravidade: as doenças crônicas devem estar sob
controle e os sujeitos a evoluções mais graves devem ter prioridade
de vacinação e serem enfaticamente aconselhados a evitar contato
com ocasiões de maior risco de adquirir a doença.
dr. Marcos Boulos é diretor da Faculdade de Medicina da universidade de São Paulo e Professor-titular do departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da universidade de São Paulo.
(1 ) Intensive-Care Patients With Severe Novel Influenza A (H1N1) Virus Infection. Morbidity and Mortality Weekly Report (MMWR) July 17, 2009, 58(27):749-752. (2 ) L Vaillant1, G La Ruche1, A Tarantola et cols. (2009). Epidemiology of fatal cases associated with pandemic H1N1 influenza 2009. Eurosurveillance 20 August 2009, 14 (33).
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