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Câmpus de Presidente Prudente ILZETE APARECIDA JAMPANI A MUNICIPALIZAÇÃO DO ENSINO FUNDAMENTAL NO MUNICÍPIO DE JUNQUEIRÓPOLIS/SP: O OLHAR DOS PROFISSIONAIS DO MAGISTÉRIO SOBRE O PROCESSO PRESIDENTE PRUDENTE-SP 2012

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  • Cmpus de Presidente Prudente

    ILZETE APARECIDA JAMPANI

    A MUNICIPALIZAO DO ENSINO FUNDAMENTAL NO

    MUNICPIO DE JUNQUEIRPOLIS/SP: O OLHAR DOS

    PROFISSIONAIS DO MAGISTRIO SOBRE O PROCESSO

    PRESIDENTE PRUDENTE-SP

    2012

  • ILZETE APARECIDA JAMPANI

    A MUNICIPALIZAO DO ENSINO FUNDAMENTAL NO

    MUNICPIO DE JUNQUEIRPOLIS/SP: O OLHAR DOS

    PROFISSIONAIS DO MAGISTRIO SOBRE O PROCESSO

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

    Graduao em Educao da Faculdade de

    Cincias e Tecnologia, Universidade Estadual

    Paulista - UNESP, Campus de Presidente

    Prudente, como exigncia parcial para a

    obteno do ttulo de Mestre em Educao.

    Orientador: Professor Dr. Alberto A. Gomes

    PRESIDENTE PRUDENTE-SP

    2012

  • Jampani, Ilzete Aparecida.

    J31m A municipalizao do Ensino Fundamental no municpio de

    Junqueirpolis/SP: o olhar dos profissionais do magistrio sobre o processo /

    Ilzete Aparecida Jampani. - Presidente Prudente: [s.n], 2012

    xi, 185 f.: il.

    Orientador: Alberto Albuquerque Gomes

    Dissertao (Mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de

    Cincias e Tecnologia

    Inclui bibliografia

    1. Municipalizao do ensino. 2. Profissionais do magistrio. 3.

    Educao pblica. I. Gomes, Alberto Albuquerque. II. Universidade Estadual

    Paulista. Faculdade de Cincias e Tecnologia. III. Ttulo.

    Ficha catalogrfica elaborada pela Seo Tcnica de Aquisio e Tratamento de Informao

    Servio Tcnico de Biblioteca e Documentao UNESP, Campus de Presidente Prudente.

  • Dedico este trabalho aos meus filhos Alberto, Aline e a minha nora Andreia,

    pela compreenso e pacincia nos momentos de minha ausncia.

    A minha irm Jlia, que no teve as mesmas oportunidades que eu.

    A minha amiga Silvana Dias, pelo apoio incondicional.

  • AGRADECIMENTOS

    Concluir uma obra apenas mais um passo no nosso processo permanente de

    construo e reconstruo de sujeitos histricos que somos. Cada desafio superado tem, portanto,

    sua importncia e significado especial, e concretizar o sonho de cursar o Mestrado em uma

    universidade pblica como a UNESP , para mim, ao mesmo tempo motivo de alegria e gratido

    para com as inmeras pessoas que contriburam para que isso se realizasse, dentre as quais dirijo

    agradecimento especial:

    A Deus, fonte de coragem e sabedoria.

    Ao Prof. Dr. Alberto Albuquerque Gomes, pela orientao segura, pelo apoio e

    por toda a dedicao.

    Aos Professores Dr. Cristiano Di Giorgi e Dr. Silvio Csar Milito, pelas

    preciosas contribuies no Exame de Qualificao.

    A todos os profissionais do magistrio (gestores, professores, educadores

    infantis e estagirios) da rede municipal de Junqueirpolis que disponibilizaram seu precioso

    tempo para cooperar com esta pesquisa, especialmente s professoras que participaram da

    entrevista.

    Ao Jos Henrique Rossi, que possibilitou condies para minha total dedicao

    ao curso e pesquisa.

    A todos os servidores pblicos da Diviso Municipal da Educao, que no

    mediram esforos para me auxiliar, especialmente ao Emanuel Pelegrineli.

    Aos professores do curso de Ps-Graduao em Educao da UNESP, que

    souberam, com maestria, indicar o caminho a ser percorrido.

    A minha amiga Beatriz, que, assim como eu, concretiza o sonho do Mestrado,

    pelas alegrias e dores que vivenciamos juntas.

    Em especial, a Anidelci L. Picinini, supervisora do Setor de Contabilidade da

    Prefeitura Municipal de Junqueirpolis, pelas contribuies com relao aos dados financeiros e

    pela disposio em estar sempre me orientando com seus conhecimentos.

    Agradeo tambm aos meus alunos, que muito contriburam no meu processo

    de aprendizagem, esta conquista tambm de vocs.

    A todos, sou eternamente grata.

  • proibido chorar sem aprender,

    Levantar-se um dia sem saber o que fazer

    Ter medo de suas lembranas.

    proibido no rir dos problemas

    No lutar pelo que se quer,

    Abandonar tudo por medo,

    No transformar sonhos em realidade.

    Pablo Neruda

  • JAMPANI, Ilzete Aparecida. A municipalizao do Ensino Fundamental no municpio de

    Junqueirpolis/SP: o olhar dos profissionais do magistrio sobre o processo. 2012. 185 f. Dissertao

    (Mestrado em Educao) Faculdade de Cincias e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista/SP, Presidente Prudente, 2012.

    RESUMO

    Esta Dissertao de Mestrado est vinculada linha de pesquisa Polticas pblicas, organizao escolar e

    formao de professores, surgindo de interesse referente ao processo de municipalizao do Ensino Fundamental das sries/anos iniciais da rede de ensino municipal de Junqueirpolis/SP, que teve incio em

    agosto de 1997. A inteno foi analisar como os profissionais do magistrio (gestores, professores,

    educadores infantis e professores estagirios) sentiram esse processo, considerando especialmente os impactos pessoais e profissionais que essas mudanas trouxeram para essas pessoas. Dessa forma,

    almejou-se investigar o processo de municipalizao no municpio de Junqueirpolis, tendo em vista as

    determinaes da legislao federal e seus impactos nessa rede municipal de ensino e tambm, por meio

    das anlises do questionrio aplicado e das entrevistas com os profissionais envolvidos no processo, buscar pistas para esclarecer alguns aspectos, no sentido de elaborar novas questes que possibilitem aos

    envolvidos atuarem como sujeitos histricos e crticos da sociedade em que esto inseridos. A opo

    metodolgica est fundamentada numa abordagem qualitativa, e os instrumentos foram o questionrio e a entrevista, no sentido de conhecer e descrever as impresses que os profissionais construram, em relao

    municipalizao das sries/anos iniciais do Ensino Fundamental, procurando compreender como os

    sujeitos se constituem diante de situaes de mudanas. Foram aplicados cento e trinta e sete questionrios aos profissionais do magistrio que estavam atuando na rede municipal no ano de 2010. Para participar da

    entrevista, foram selecionadas oito professoras, trs das quais estavam ministrando aulas durante o

    processo de implantao da municipalizao na rede e participaram das discusses, enquanto as outras

    cinco ingressaram no cargo a partir do primeiro concurso pblico, realizado no municpio no final de 1998. Os dados quantitativos, advindos das questes fechadas, foram tratados no software SPSS

    Statistical Package for the Social Sciences e utilizados para traar o perfil da rede municipal de ensino;

    as respostas das questes abertas foram categorizadas e forneceram informaes significativas que serviram para a anlise dos dados e para nortear a entrevista. A entrevista ofereceu subsdios para analisar

    o que dizem os profissionais do magistrio sobre a municipalizao dos anos iniciais do Ensino

    Fundamental que ocorreu no municpio de Junqueirpolis.

    Palavras-Chave: Municipalizao do ensino. Ensino Fundamental sries/anos iniciais. Profissionais do

    magistrio. Educao pblica.

  • JAMPANI, Ilzete Aparecida. The Public Municipal Administration of Basic Education in the county

    of Junqueirpolis / SP: the outlook of the teaching professionals above the process. 2012. 185 f. Thesis (MA in Education) Faculty of Science and Technology, So Paulo State University,

    Presidente Prudente, 2012.

    ABSTRACT

    This masters thesis is linked to a research line by Public policy, school organization and, teachers training, and refers to the interest for the process of municipal administration of basic education from

    early series/years of public municipal administration system from Junqueirpolis/SP, which began in

    August, 1997. The intention was to analyze how Teaching professional (managers, teachers, childhood educators and trainee teachers) have felt that process of changing considering specially the personal and

    professional impacts that those changes have brought for those people. Thus it was aimed to investigate

    the process of decentralization in the county of Junqueirpolis, in order to consider the determinations of

    Brazilian legislation and its impact on this public municipal education and also through analysis of the questionnaires and interviews with the professionals involved in the process, looking for clues to

    overhauled to make some aspects clearer, and to elaborate further proposals which enable to the involved

    professionals act as historical subjects and critics of the society in which they live. The methodological option is based on a qualitative approach, and the instruments that were the questionnaire and the

    interview in order to know and describe the impressions that professionals built over the public municipal

    administration of the early series/years of basic school, trying to understand how the subjects constitute themselves in situation of change. One hundred thirty-seven questionnaires were applied to the teachers

    which were working in public schools in the year of 2010. Eight teachers were selected to the interview,

    three of them were lecturing during the process of municipal administration and participated of the debates

    whereas the other five joined the professorship, from the first public tender realized in the county at the end of 1998. The quantitative data from the closed questions were treated in the software SPSS

    Statistical Package for the Social Sciences and they were used to profile the public municipal school; the

    answers of the open questions were categorized and provided very important information that served for data analysis and also to guide the interviews. The interview offered subsidies to analyze what the

    teaching professionals say about the municipal administration of the early years of elementary school that

    occurred in the county of Junqueirpolis.

    Keywords: Public municipal administration. Basic education from early series/years. Teaching

    professional. Public education.

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1-

    Escolas estaduais municipalizadas em Junqueirpolis no ano de 1997 .... 19

    Quadro 2-

    Roteiro da entrevista coletiva (GD) .......................................................... 31

    Quadro 3-

    Estado de So Paulo Matrcula inicial na pr-escola, Ensino

    Fundamental, Mdio, segundo vinculao administrativa em

    1993...........................................................................................................

    69

    Quadro 4- Estado de So Paulo Evoluo das matrculas no Ensino Fundamental

    na Rede Pblica (1995-2011) ....................................................................

    73

    Quadro 5- Estado de So Paulo N de matrculas do Ensino Fundamental pblico

    por etapas 1997-2011.............................................................................

    74

    Quadro 6- N de alunos atendidos na Rede Municipal de Junqueirpolis 1998 a

    2011............................................................................................................

    88

    Quadro 7- N de alunos nos anos iniciais do EF e a distribuio dos alunos por

    turma em 2011 ...............................................................................

    90

    Quadro 8- O municpio de Junqueirpolis e suas metas no IDEB para os anos

    iniciais do Ensino Fundamental ................................................................

    92

    Quadro 9- N de gestores por unidade escolar da Rede Municipal de

    Junqueirpolis............................................................................................

    95

    Quadro 10- N de profissionais do magistrio na Rede Municipal de

    Junqueirpolis............................................................................................

    95

    Quadro 11- N de profissionais por unidade escolar na Rede Municipal de

    Junqueirpolis ...........................................................................................

    96

    Quadro 12- Quantidade de profissionais do magistrio da Rede Municipal de

    Junqueirpolis em 2011............................................................................

    98

    Quadro 13- N dos profissionais da Rede Municipal de Junqueirpolis por sexo ......

    .

    99

    Quadro 14- Tempo de servio dos profissionais na Rede Municipal de

    Junqueirpolis ...........................................................................................

    100

    Quadro 15- Formao inicial dos profissionais do magistrio da Rede Municipal de

    Junqueirpolis ...........................................................................................

    100

    Quadro 16- N de profissionais do magistrio da Rede Municipal de Junqueirpolis

    que possuem curso superior ......................................................................

    101

  • Quadro 17- Formao superior dos profissionais da Rede Municipal de

    Junqueirpolis ...........................................................................................

    101

    Quadro 18- Tabela de cargos e salrios dos profissionais do magistrio da Rede

    Municipal de Junqueirpolis .....................................................................

    103

    Quadro 19- Demonstrativo dos recursos aplicados na educao municipal de

    Junqueirpolis em relao s receitas prprias e transferncias ...............

    105

    Quadro 20- Transferncias oriundas do Governo Federal FUNDEF .......................

    106

    Quadro 21- Transferncias oriundas do Governo Federal FUNDEB ......................

    110

    Quadro 22- Demonstrativo dos recursos aplicados com o FUNDEF e o FUNDEB na

    remunerao dos profissionais do magistrio 60% ................................

    112

    Quadro 23- Demonstrativo dos recursos aplicados com o FUNDEB na manuteno

    e desenvolvimento da Educao Bsica 40% ........................................

    113

    Quadro 24- Nmero de alunos na Educao Infantil....................................................

    123

    Quadro 25- Concepes de organizao e gesto escolar.............................................

    138

    LISTA DE MAPAS

    Mapa 1- Localizao do municpio no mapa do Estado de So Paulo ........................

    79

    Mapa 2- Regio Administrativa de Presidente Prudente Localizao Geogrfica

    do municpio de Junqueirpolis ....................................................................

    .

    80

    LISTA DE FIGURA

    Figura 1- Prdio da Diviso Municipal de Educao .................................................. 88

    LISTA DE GRFICO

    Grfico 1- Evoluo do IPRS do municpio 2000 2008 ......................................... 82

  • LISTA DE SIGLAS

    ADCT - Atos e Disposies Constitucionais Transitrias

    APEOESP - Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de So Paulo

    CEFAM - Centro Especfico de Formao e Aperfeioamento do Magistrio

    CEI - Centro Educacional Infantil

    CF - Constituio Federal

    EC - Emenda Constitucional

    EE - Escola Estadual

    EEPG - Escola Estadual de Primeiro Grau

    EEPSG - Escola Estadual de Primeiro e Segundo Graus

    EM - Escola Municipal

    FNEP - Fundo Nacional do Ensino Primrio

    FPE - Fundo de Participao dos Estados

    FPM - Fundo de Participao dos Municpios

    FUNDAP - Fundao do Desenvolvimento Administrativo

    FUNDEB - Fundo de Manuteno e Desenvolvimento da Educao Bsica e de Valorizao dos

    Profissionais da Educao

    FUNDEF - Fundo de Manuteno e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorizao

    dos Profissionais do Magistrio

    GPDFIRS - Grupo de Pesquisa Profisso Docente: Formao, Identidade e Representaes

    Sociais

    HEM - Habilitao Especfica para o Magistrio

    HTPC - Horrio de Trabalho Pedaggico Coletivo

    IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    ICMS - Imposto sobre Circulao de Mercadorias e Servios

    IDEB - ndice de Desenvolvimento da Educao Bsica

    IDH - ndice de Desenvolvimento Humano

    INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais

    IPI - Imposto sobre Produtos Industrializados

    IPRS - ndice Paulista de Responsabilidade Social

  • IPTU - Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana

    IPVA - Imposto sobre a Propriedade de Veculos Automotores

    ISS - Imposto Sobre Servios

    ITBI - Imposto sobre a Transmisso de Bens Imveis

    ITR - Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural

    LDB - Lei de Diretrizes e Bases

    MDE - Manuteno e Desenvolvimento do Ensino

    MEC - Ministrio da Educao

    MOBRAL - Movimento Brasileiro de Alfabetizao

    PAF - Programa Atleta do Futuro

    PCN - Parmetros Curriculares Nacionais

    PNUD - Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento

    PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira

    PT - Partido dos Trabalhadores

    SEADE - Sistema Estadual de Anlise de Dados

    SEE/SP - Secretaria de Estado da Educao de So Paulo

    SESI/PP - Servio Social da Indstria de Presidente Prudente

    SPSS - Statistical Package for the Social Sciences

  • SUMRIO

    INTRODUO ......................................................................................................................... 15

    CAPTULO 1 - CAMINHOS DA PESQUISA ........................................................................... 24

    CAPTULO 2 - ANTECEDENTES HISTRICOS DO FINANCIAMENTO DO ENSINO NO

    BRASIL E O FUNDEF ............................................................................................................. 36

    2.1 Financiamento da educao no Brasil ................................................................................... 37

    2.2 Descentralizao da educao no Brasil ............................................................................... 56

    2.3 A municipalizao como estratgia de descentralizao ....................................................... 59

    CAPTULO 3 - O PROCESSO DE MUNICIPALIZAO DO ENSINO FUNDAMENTAL NO

    ESTADO DE SO PAULO ...................................................................................................... 65

    CAPTULO 4 - O MUNICPIO DE JUNQUEIRPOLIS E SEUS ASPECTOS

    EDUCACIONAIS .................................................................................................................... 77

    4.1 Histrico e localizao geogrfica do municpio ................................................................... 77

    4.2 Dados educacionais do municpio ........................................................................................ 83

    4.3 Caracterizao da rede municipal de ensino ......................................................................... 93

    4. 4 Dados financeiros.............................................................................................................. 104

    CAPTULO 5 - RETRATO DA MUNICIPALIZAO DO ENSINO EM JUNQUEIRPOLIS:

    O QUE DIZ O PROFESSOR ...................................................................................................114

    5.1 Impactos da municipalizao dos anos iniciais do Ensino Fundamental no municpio de

    Junqueirpolis ..........................................................................................................................114

    5.2 Formao continuada: momentos coletivos de reflexo da prtica pedaggica .................... 125

    5.3 Gesto da escola municipal ................................................................................................ 136

    5.4 Relacionamento entre os professores estaduais e municipais .............................................. 143

    5.5 Participao dos pais .......................................................................................................... 146

    CONSIDERAES FINAIS ................................................................................................... 151

    REFERNCIAS ...................................................................................................................... 154

    BIBLIOGRAFIA ..................................................................................................................... 161

    ANEXOS................................................................................................................................. 165

  • 15

    INTRODUO

    Ao longo de minha trajetria profissional, tive a possibilidade de vivenciar

    diferentes experincias, todas inseridas na educao pblica, mas o processo de municipalizao

    me parece merecer um estudo mais aprofundado.

    Comecei meu trabalho como docente nas escolas do municpio de

    Junqueirpolis. Ingressei como professora efetiva na rede pblica de educao estadual, no ano

    de 1986: foram momentos difceis, pois precisei abandonar a famlia no interior, para exercer a

    profisso na capital paulista.

    Durante 10 anos, participei do processo de remoo e cada ano estava

    trabalhando numa escola diferente, sempre com a inteno de ficar o mais prximo possvel da

    minha residncia. Em 1996, consegui remoo para uma escola prxima a minha casa, porm,

    qual no foi minha surpresa quando, no ano seguinte, iniciou-se a discusso do processo de

    municipalizao das sries/anos iniciais do Ensino Fundamental no municpio de Junqueirpolis.

    Atualmente, atuo na Diviso Municipal de Educao de Junqueirpolis, cedida

    pela Secretaria Estadual de Educao de So Paulo, onde desempenho a funo de Supervisora de

    Ensino, ligada diretamente ao Diretor de Educao e aos gestores escolares.

    Foram realizadas vrias discusses, para dar incio ao processo de

    municipalizao do ensino no municpio, paralelamente a viagens a So Paulo de algumas

    pessoas do municpio ligadas educao, a fim de participar de orientaes e esclarecimentos

    com a equipe de municipalizao da Secretaria de Estado da Educao de So Paulo (SEE/ SP).

    Segundo o depoimento do ento Prefeito Municipal, Hlio Aparecido Mendes

    Furini, assim que o governo do Estado apresentou a proposta a todos os municpios paulistas,

    iniciou-se uma ampla discusso no municpio com o setor da educao. Nessas discusses,

    estiveram envolvidos vereadores, advogados, Secretrio da Educao, pais de alunos, professores

    e outros profissionais da comunidade, que, aps um longo debate, chegaram concluso de que

    no s seria bom para o municpio, como tambm para os alunos e aos prprios professores.

    Aps votao que envolveu todas as pessoas envolvidas, chegou-se viabilidade dessa

    municipalizao.

  • 16

    Segundo ele, [...] nosso municpio foi um dos primeiros no Estado de So

    Paulo a aderir municipalizao, pois achamos vivel a proposta apresentada pelo Governo do

    Estado (GRANADO, 2003, p. 76).

    A municipalizao do ensino em Junqueirpolis j foi alvo de outros estudos

    (GRANADO, 2003; PEDRINI, 2005). Trata-se de duas pesquisas que apresentam, com muita

    propriedade, fatos que tiveram influncia na aprovao do processo de municipalizao do

    municpio.

    De acordo com Granado (2003), foi possvel verificar que a discusso da

    municipalizao da rede de ensino em Junqueirpolis envolveu contingente considervel de

    professores locais. Nessa pesquisa com os professores participantes do processo, 23,85%

    informaram que a votao foi aberta a todos os participantes, sendo que 19,09% no

    participaram, pois foram admitidos mediante concurso pblico de provas e ttulos aps a

    municipalizao, enquanto 9% dos respondentes afirmaram no ter participado do processo,

    embora tivessem sido convidados para as discusses.

    O maior problema enfrentado foi em relao situao dos professores que

    estavam ministrando aulas nas escolas estaduais, porque eram efetivos da rede estadual e, naquele

    momento, tinham muita insegurana e receavam ser prejudicados e no poder continuar

    trabalhando na cidade, pois as escolas passariam a ser administradas pelo municpio.

    De acordo com o Secretrio de Educao do perodo, Professor Antnio

    Carlos Martins Pereira, a possvel permanncia destes nos cargos, aps a municipalizao, no

    foi difcil de administrar, tendo em vista que eles tambm participaram das discusses. Dos 33

    professores estaduais que estavam na rede, em 1997, apenas uma professora optou em no

    permanecer na rede municipal. Todavia, mesmo acompanhando as discusses e sabendo que o

    municpio precisava dos professores estaduais, o medo e a angstia eram muito grandes, j que a

    desconfiana no poder pblico municipal era geral.

    Nesse perodo, a rede municipal de educao contava com doze professoras de

    pr-escola que trabalhavam com as crianas de seis anos. As classes de pr-escola estavam

    distribudas nas escolas estaduais, nas creches e em salas cedidas pelas comunidades dos bairros.

    Nas creches, eram atendidas crianas de 0 a 6 anos que, at ento, estavam sob a responsabilidade

    da Secretaria da Promoo e Bem-Estar Social. Esse atendimento passou a ser oferecido pelo

  • 17

    setor de Educao, aps a promulgao da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) n 9.394, de

    dezembro de 1996, que determinou (por meio do art. 891) a integrao das creches e pr-escolas

    aos sistemas de ensino existentes. Dessa forma, desenvolveu-se um processo de alterao do

    antigo padro de atendimento assistencialista para o educacional, em relao s creches. Assim,

    nesse perodo, a rede municipal contava com o Secretrio da Educao, doze professoras de pr-

    escola e profissionais de servios gerais2 que cuidavam das crianas nas creches que comeavam

    a ser incorporadas pelo setor educacional.

    Diante da necessidade e da falta de professores, o municpio tinha interesse nos

    servios dos professores estaduais, pois, naquele momento, no dispunha de estrutura

    administrativa para organizar a rede que se iniciava. Outro fator considerado pelos agentes

    polticos foi que 90% desses professores residiam no municpio, de modo que no seria

    interessante politicamente deixar esse pessoal na mo, sobretudo porque as duas escolas que

    atendiam aos anos iniciais do Ensino Fundamental estavam sendo municipalizadas e os

    profissionais ficariam adidos, tendo que prestar servio em escolas de outros municpios.

    Esses fatores foram determinantes para a administrao pblica planejar a

    municipalizao, tendo em vista que no foi possvel se organizar em nvel municipal, uma vez

    que todo o processo aconteceu muito rpido.

    Nesse perodo, o municpio possua duas escolas estaduais que ofereciam

    atendimento s sries iniciais do Ensino Fundamental e foram essas as escolas municipalizadas.

    Quanto aos diretores dessas escolas, no houve interesse em mant-los na rede, pois o diretor de

    uma das escolas era professor e estava ocupando a funo pro tempore, ao passo que a diretora

    da outra escola no residia no municpio, no tendo interesse em permanecer como diretora de

    escola municipalizada.

    Em face da necessidade de escolher profissionais para dirigir o setor da

    educao que comeava a ser formatado, o ento prefeito municipal optou por criar o cargo de

    Diretor do Ensino Fundamental, a fim de atuar junto ao Secretrio da Educao, com o objetivo

    de organizar o setor.

    1 Art. 89. As creches e pr-escolas existentes ou que venham a ser criada devero, no prazo de trs anos, a contar da

    publicao desta Lei, integrar-se ao respectivo sistema de ensino. 2 Essas profissionais no possuam nenhuma formao especfica para atuar com crianas.

  • 18

    A proposta do prefeito foi de que os trinta e trs (33) professores da rede

    estadual indicassem, entre eles, trs professores com interesse em exercer essa funo; aps essa

    indicao, o prefeito, juntamente com os vereadores, escolheria aquele(a) que ocuparia o cargo.

    Foi um processo muito difcil, porque nenhum desses professores queria

    encarar esse desafio. Sabamos dos enfrentamentos que aconteceriam e, nessa situao, era mais

    fcil ficar de fora, apontando as falhas, do que contribuir para que o processo acontecesse e desse

    certo. Nesse nterim, o prefeito atribuiu a responsabilidade de organizar a rede ao conjunto de

    professores, alegando que, se no houvesse a indicao, seria obrigado a trazer uma pessoa (de

    fora), que no havia participado do processo.

    Essa proposta do prefeito forou o grupo de professores a se decidir por

    participar da organizao da rede municipal, no sentido de que era preciso ficar sob nossa

    responsabilidade, visto que chegamos concluso de que ns que entendamos dessa etapa de

    ensino, no municpio, e nos caberia organizar esse trabalho.

    E assim, aps muitas discusses entre os trinta e trs (33) professores, houve

    consenso do grupo, que indicou trs professores dentre os quais fui escolhida para ocupar o

    cargo de Diretora do Ensino Fundamental. Na verdade, eu no tinha nenhum interesse nessa

    funo, j que possua outra funo nesse perodo; no entanto, sonhava com uma escola pblica

    de qualidade, e era a oportunidade que estvamos tendo para enfrentar esse desafio e colaborar

    para que a iniciativa desse certo.

    Processo semelhante ocorreu para a escolha dos diretores e dos coordenadores

    pedaggicos: os professores indicaram trs possveis candidatos e encaminharam os nomes ao

    prefeito, para que, juntamente com os vereadores, realizasse a escolha. A regra era que essas

    indicaes profissionais fossem somente entre os professores que estavam trabalhando nas

    escolas municipalizadas, o que de certa forma assegurou a participao dos professores que

    acompanharam todo o processo. A assinatura do Convnio de Parceria Educacional entre o

    Estado de So Paulo e o municpio de Junqueirpolis aconteceu no dia 07 de agosto de 1997.

    Naquele ano, nada mudou em relao organizao das escolas, porque o ano

    letivo estava em andamento e, pela lgica, no seria conveniente qualquer mudana que

    prejudicasse o atendimento aos alunos. At mesmo a professora que optou em no permanecer

  • 19

    cedida rede municipal ficou trabalhando at o final daquele ano. Um dado interessante que,

    nesse convnio, a SEE/SP no previu a devoluo do dinheiro relativo folha de pagamento

    desses 33 professores.

    Somente no ano de 2001, quando foi assinado o Convnio que objetivava

    assegurar a continuidade da implantao do Programa de Parceria Educacional Estado-

    Municpio, foram assegurados mecanismos para que o municpio arcasse com o reembolso dos

    salrios mensais pagos aos professores estaduais cedidos ao municpio, mediante apresentao da

    planilha de Demonstrativo de Despesa Mensal decorrente do pagamento dos recursos humanos

    afastados, constando a relao dos nomes e o montante despendido com o pagamento de salrios

    e dos encargos relativos aos recursos humanos colocados a sua disposio, cabendo ao municpio,

    no prazo de 10 (dez) dias contados a partir da apresentao da planilha, reembolsar os cofres

    estaduais com o valor relativo ao pagamento.

    De acordo com o segundo objetivo do plano de trabalho (Anexo III) do

    Programa de Ao de Parceria Estado-Municpio, o municpio de Junqueirpolis absorveu duas

    escolas estaduais que ofereciam atendimento s sries/anos iniciais do Ensino Fundamental.

    Segue o quadro abaixo, discriminando o nmero de classes, docentes, alunos e

    as escolas que foram municipalizadas em Junqueirpolis.

    Quadro 1- Escolas estaduais municipalizadas em Junqueirpolis no ano de 1997

    Escolas N de classes N de docentes N de alunos

    1-EEPG Prof

    Neyde M. Brando

    Fernandes.

    19

    17

    599

    2-EEPG Prof

    Shigueko Otto Iwaki

    21

    16

    636

    TOTAL 40 33 1235

    Fonte: Programa de Ao de Parceria Estado-Municpio - Plano de Trabalho da SEE/SP (1997)

  • 20

    Desde a municipalizao do ensino, em 1997, avanos significativos

    aconteceram em Junqueirpolis, devendo ser abordados ao longo deste trabalho, de acordo com a

    discusso proposta.

    Essa mudana no contexto municipal decorreu de mudanas na legislao

    federal3, que alterou profundamente as estruturas dos municpios com relao manuteno e ao

    financiamento da educao.

    A Emenda Constitucional (EC) n 14/96 determinou que a Unio, Estados,

    Distrito Federal e Municpios organizassem seus sistemas de ensino em regime de colaborao,

    sendo que as prioridades em cada esfera de governo ficaram assim determinadas: educao

    infantil para os Municpios, ensino mdio para os Estados, ensino superior para a Unio e o

    ensino fundamental dividido entre os Estados e os Municpios, em regime de cooperao com

    suplementao da Unio.

    Com a aprovao da LDB n 9.394/96, foram confirmadas as responsabilidades

    das esferas governamentais com cada nvel de ensino e a destinao dos recursos financeiros.

    Outro fato importante, verificado no Estado de So Paulo, antes da aprovao

    dessa legislao federal, foi a instituio do Programa de Ao de Parceria Educacional Estado-

    Municpio, pelo governo estadual, por meio da SEE/SP; segundo Neubauer (2001), em 1996,

    foram firmados 46 convnios com os municpios, que comearam a assumir as matrculas de 1 a

    4 sries.

    Em relao ao Estado de So Paulo, a consequncia mais imediata e visvel foi

    uma forte induo municipalizao do Ensino Fundamental, principalmente nas sries/anos

    iniciais, impulsionada pela corrida aos recursos do Fundo de Manuteno e Desenvolvimento do

    Ensino Fundamental e de Valorizao dos Profissionais do Magistrio (FUNDEF).

    Por meio desse programa, o governo celebrava convnios com as prefeituras,

    fazendo a transferncia para os municpios de prdios e equipamentos escolares, pessoal tcnico-

    administrativo, recursos financeiros e matrculas das quatro primeiras sries do Ensino

    Fundamental.

    3 Referimo-nos Lei n 9394/96 (LDB), Lei n 9424/96 (FUNDEF) e Emenda Constitucional n 14/96 (que

    alterou os artigos 60 e 212 da Constituio Federal 1988).

  • 21

    Essa ao teve o objetivo de reduzir a participao da esfera estadual na oferta

    do Ensino Fundamental pblico e exigir o compromisso da esfera municipal quanto ao

    financiamento da manuteno e do desenvolvimento do Ensino Fundamental, como determina a

    Constituio Federal (CF) de 1988 e a LDB n 9.394/96.

    As mudanas na legislao federal provocaram alteraes significativas no

    sistema de ensino pblico nacional e, em particular, no Estado de So Paulo, pois, a partir delas,

    ocorreu um processo de migrao das matrculas do Ensino Fundamental do Estado para os

    municpios, denominado municipalizao do Ensino Fundamental. A migrao das matrculas se

    deu por meio da criao ou ampliao das redes municipais, que at ento atendiam exclusiva ou

    majoritariamente a educao infantil, ou pela transferncia de matrculas e responsabilidades do

    Ensino Fundamental da rede estadual para as redes municipais.

    Diante dos fatos, a presente pesquisa pretende analisar as impresses e as

    consideraes dos professores da rede municipal de Junqueirpolis sobre o processo de

    municipalizao, principalmente por aqueles que vivenciaram o processo.

    Franco (2008, p.12) argumenta:

    As mensagens expressam as representaes sociais na qualidade de elaboraes

    mentais construdas socialmente, a partir da dinmica que se estabelece entre a atividade psquica do sujeito e o objeto do conhecimento. Relao que se d na

    prtica social e histrica da humanidade e que se generaliza via linguagem.

    Sendo constitudas por processos sociocognitivos, tm implicaes na vida

    cotidiana, influenciando no apenas a comunicao e a expresso das

    mensagens, mas tambm os comportamentos.

    De acordo com a autora, a participao dos sujeitos selecionados oferece

    contribuies para a pesquisa, porque eles esto diretamente ligados ao processo de mudanas

    acontecido ao longo desses quinze (15) anos, na rede municipal de ensino de Junqueirpolis,

    sendo capazes de, por sua participao, expressar seus entendimentos do processo.

    Portanto, a questo central desta pesquisa ficou assim configurada: como os

    profissionais do magistrio4 sentiram esse processo, considerando especialmente os impactos

    pessoais e profissionais que essas mudanas trouxeram? Que impresses e consideraes os

    4 Neste trabalho, foram considerados como profissionais do magistrio: gestores (diretor de escola e coordenador

    pedaggico), professores, educadores infantis e professores estagirios.

  • 22

    profissionais envolvidos no processo de municipalizao do Ensino Fundamental (sries/anos

    iniciais), no municpio de Junqueirpolis, construram e constroem sobre tal processo?

    Dessa forma, a presente pesquisa teve como objetivos:

    OBJETIVO GERAL

    Investigar o processo de municipalizao do Ensino Fundamental, no

    municpio de Junqueirpolis, levando em conta as determinaes da legislao federal e seus

    impactos nessa rede municipal de ensino.

    OBJETIVOS ESPECFICOS

    Analisar e refletir sobre o processo de municipalizao da rede de

    ensino (sries/anos iniciais do Ensino Fundamental), no municpio de

    Junqueirpolis;

    Identificar as impresses e consideraes que os profissionais do

    magistrio constroem sobre seu trabalho, considerando a

    municipalizao do Ensino Fundamental (sries/anos iniciais) que

    ocorreu no municpio.

    O presente trabalho est assim estruturado: a introduo, onde apresentamos o

    objeto de estudo que se desenhou, a partir do processo de municipalizao do Ensino

    Fundamental (sries/anos iniciais), no municpio de Junqueirpolis, alm dos questionamentos

    que culminaram na formulao do problema da pesquisa e dos objetivos, tanto geral como

    especficos.

    No captulo um Caminhos da pesquisa , discutimos os procedimentos

    metodolgicos utilizados na pesquisa, com base no referencial terico e no enfoque

    metodolgico.

    O captulo dois, intitulado Antecedentes histricos do financiamento do ensino

    no Brasil e o FUNDEF contempla uma breve retrospectiva histrica de fatos que marcaram a

    definio de polticas pblicas para o financiamento da educao bsica, no Brasil, desde a

  • 23

    chegada dos portugueses at os dias de hoje, destacando acontecimentos significativos, sobretudo

    na vinculao de verbas para a manuteno e o desenvolvimento dos sistemas pblicos de ensino,

    at a poltica de fundos para a educao, com a implantao do FUNDEF e, posteriormente, do

    Fundo de Manuteno e Desenvolvimento da Educao Bsica e de Valorizao dos

    Profissionais da Educao (FUNDEB), evidenciando a caracterstica peculiar do FUNDEF como

    indutor da municipalizao do Ensino Fundamental.

    No captulo trs O processo de municipalizao do Ensino Fundamental no

    Estado de So Paulo, apresentamos uma anlise do desencadeamento do processo de

    municipalizao do Ensino Fundamental no Estado de So Paulo, examinando principalmente os

    impactos em funo das medidas educacionais adotadas pelo governo paulista, especialmente por

    fora da implantao do FUNDEF.

    O captulo quatro O municpio de Junqueirpolis e seus aspectos

    educacionais contm, inicialmente, uma caracterizao geral do municpio de Junqueirpolis em

    relao aos aspectos histricos, de localizao e histria da construo da rede municipal de

    ensino. A seguir, focalizamos a caracterizao da rede no ano de 2010, apontando o perfil dos

    profissionais do magistrio (gestores, professores, educadores infantis e professores estagirios)

    da educao municipal.

    No captulo cinco Retrato da municipalizao do ensino em Junqueirpolis:

    o que diz o professor , analisamos a fala dos professores em relao aos Impactos da

    municipalizao dos anos iniciais do Ensino Fundamental no municpio de Junqueirpolis;

    Formao Continuada: momentos coletivos de reflexo da prtica pedaggica; Gesto

    pedaggica da escola municipal; Relacionamento entre os professores estaduais e municipais e a

    Participao dos pais.

    Finalizando o trabalho, so apresentadas as consideraes finais a respeito da

    pesquisa realizada.

  • 24

    CAPTULO 1 - CAMINHOS DA PESQUISA

    essencial compreendermos a pesquisa como um momento de buscar pistas

    para esclarecer questes, perguntas e interrogaes, ou mesmo para elaborar novas questes que

    nos possibilitem atuar como sujeitos histricos e crticos, em nossa sociedade.

    Definir a metodologia adequada para a realizao de uma pesquisa tem sido

    uma das preocupaes de diversos pesquisadores. A metodologia no consiste num pequeno

    nmero de regras. um amplo conjunto de conhecimentos com o qual o pesquisador procura

    encontrar subsdios para nortear suas pesquisas (THIOLLENT, 1984, p.46).

    Ldke e Andr (1986, p. 1-2), por sua vez, sublinham:

    Para se realizar uma pesquisa preciso promover o confronto entre os dados, as evidncias, as informaes coletadas sobre determinado assunto e o

    conhecimento terico acumulado a respeito dele. Em geral isso se faz a partir do

    estudo de um problema, que ao mesmo tempo desperta o interesse do pesquisador e limita sua atividade de pesquisa a uma determinada poro do

    saber, a qual ele se compromete a construir naquele momento.

    Assim sendo, selecionar uma metodologia no um ato simples, mas necessita

    que o pesquisador detenha conhecimentos sobre os procedimentos metodolgicos que sero

    utilizados.

    Para a realizao da presente pesquisa, adotamos os seguintes procedimentos e

    tcnicas de coleta de dados: pesquisa documental e bibliogrfica, aplicao de questionrio e

    realizao de entrevista coletiva (Grupo de Discusso - GD).

    A fundamentao terica que subsidiou este trabalho baseou-se na anlise da

    legislao especfica sobre o tema, como tambm no levantamento bibliogrfico.

    Para a anlise da histria da educao brasileira, foi usada como referencial

    terico a leitura de Romanelli (2001) e Vieira e Farias (2007), obras de grande relevncia para o

    debate histrico e poltico da educao brasileira.

    As leituras que fundamentaram a metodologia da pesquisa foram: Bardin

    (1977), Ldke e Andr (1986), Lefvre e Lefvre (2006), Szymanski (2008) e Franco (2008).

  • 25

    O primeiro passo da pesquisa foi o levantamento e anlise dos dispositivos

    legais. Os [...] documentos constituem uma fonte preciosa de onde podem ser retiradas

    evidncias que fundamentam afirmaes e declaraes do pesquisador (LDKE; ANDR,

    1986, p. 39).

    Enfatizam Marconi e Lakatos (1999, p. 64):

    Toda pesquisa implica o levantamento de dados de variadas fontes, quaisquer que sejam os mtodos ou tcnicas empregados. [...] a fase da pesquisa

    realizada com o intuito de recolher informaes prvias sobre o campo de

    interesse. O levantamento de dados, primeiro passo de qualquer pesquisa cientfica, feito de duas maneiras: pesquisa documental (ou de fontes

    primrias) e pesquisa bibliogrfica (ou de fontes secundrias).

    A anlise documental procura identificar informaes a partir de questes

    relevantes ao assunto pesquisado e foi empregada objetivando examinar o que foi legalmente

    constitudo a respeito da municipalizao em nvel federal, estadual, municipal com foco

    especfico em Junqueirpolis.

    A fase de levantamento da documentao existente sobre o assunto corresponde

    a [...] uma fase heurstica, cincia, tcnica e arte da pesquisa de documentos. Desencadeia-se

    uma srie de procedimentos para a localizao e busca metdica dos documentos que possam

    interessar ao tema discutido (SEVERINO, 2000, p. 76).

    A seleo desse material deu-se por meio dos documentos oficiais e dados

    estatsticos. Os documentos oficiais, segundo Lakatos e Marconi (1999), constituem-se na fonte

    mais fidedigna de dados. Essa seleo foi realizada com base na legislao federal, estadual e

    municipal, assim relacionada:

    a) Legislao Federal: Constituio Federal de 1988; Emenda Constitucional n

    14, de 12/09/96 (criou o FUNDEF); LDB n 9.394, de 20/12/1996; Lei n 9.424, de 24/12/1996

    (regulamentou o FUNDEF); Emenda Constitucional n 53, de 19/12/2006 (criou o FUNDEB);

    Lei n 11.494, de 20/06/2007(regulamentou o FUNDEB).

    b) Legislao Estadual: Decreto n 30.375/89 (instituiu o Programa de

    Municipalizao do Ensino Oficial no Estado de So Paulo); Decreto n 40.473/95 (instituiu o

    Programa de reorganizao das escolas da rede pblica estadual); Decreto n 40.673/96 (instituiu

    o Programa de Ao de Parceria Educacional Estado-Municpio para atendimento ao Ensino

  • 26

    Fundamental); Decreto n 40.889 /96 (alterou modelo-padro de convnio anexo ao Decreto n

    40.673/96); Decreto n 42.778/97(regulamentou, no mbito do Estado de So Paulo, a gesto dos

    recursos originrios do FUNDEF e disps sobre o Conselho Estadual de Acompanhamento e

    Controle Social sobre a aplicao, repartio e transferncia de suas receitas); Decreto n

    43.072/98 (disciplinou a celebrao de convnios, objetivando assegurar a continuidade da

    implantao do Programa de Ao de Parceria Educacional Estado-Municpio para atendimento

    ao Ensino Fundamental);

    c) Legislao Municipal: Lei n 1.911/97 (autorizou o Prefeito a celebrar com o

    Estado de So Paulo o Termo de Convnio para atendimento do Ensino Fundamental); Termo de

    Convnio que entre si celebram o Estado de So Paulo e o municpio de Junqueirpolis,

    objetivando a implantao e o desenvolvimento do Programa de Ao de Parceria Educacional

    Estado-Municpio para atendimento ao Ensino Fundamental; Termo de Convnio que entre si

    celebram o Estado de So Paulo e o municpio de Junqueirpolis, objetivando assegurar a

    continuidade da implantao do Programa de Ao de Parceria Educacional Estado-Municpio

    para atendimento ao Ensino Fundamental; Termo de Aditamento ao Convnio celebrado em 19

    de abril de 2001, entre o Estado de So Paulo e o municpio de Junqueirpolis, objetivando

    assegurar a continuidade da implantao do Programa de Ao de Parceria Educacional Estado-

    Municpio para atendimento ao Ensino Fundamental.

    As legislaes federal e estadual foram consultadas por meio da Internet, onde

    esto disponveis os stios relacionados nas referncias, ao passo que a documentao municipal

    foi consultada na Prefeitura Municipal, em que todos os documentos solicitados foram

    prontamente disponibilizados.

    Em relao aos dados estatsticos, consultamos os bancos de dados dos rgos

    oficiais relacionados a seguir: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE); Ministrio

    da Educao (MEC); Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP/MEC);

    Fundao Sistema Estadual de Anlise de Dados (SEADE); Secretaria de Estado da Educao de

    So Paulo (SEE/SP); e Centro de Informaes Educacionais (CIE/SEE).

    Ldke e Andr (1986, p. 38) argumentam que [...] a anlise documental pode

    se constituir numa tcnica valiosa de abordagem de dados qualitativos, seja complementando as

    informaes obtidas por outras, seja desvelando aspectos novos de um tema ou problema.

  • 27

    A pesquisa bibliogrfica foi realizada por meio do levantamento, da seleo e

    do estudo de diversas publicaes (livros, artigos cientficos, teses, pesquisas etc.) ligadas ao

    tema proposto, colocando o pesquisador em contato direto com o que j foi descrito sobre o

    assunto e permitindo, com isso, a construo do referencial terico.

    Marconi e Lakatos (1999, p. 73) acrescentam:

    A pesquisa bibliogrfica, ou de fontes secundrias, abrange toda bibliografia j tornada pblica em relao ao tema de estudo, desde publicaes avulsas,

    boletins, jornais, revistas, livros, pesquisas, monografias, teses, material

    cartogrfico etc., at meios de comunicao orais: rdio, gravaes em fitas magnticas e audiovisuais: filmes e televiso. Sua finalidade colocar o

    pesquisador em contato direto com tudo o que foi escrito, dito ou filmado sobre

    determinado assunto, inclusive conferncias seguidas de debates que tenham

    sido transcritos por alguma forma, quer publicadas quer gravadas.

    Paralelamente ao trabalho desenvolvido de pesquisa documental e bibliogrfica,

    como procedimento e tcnica de coleta de dados para a caracterizao do perfil dos profissionais

    do magistrio em exerccio na rede municipal, elaboramos um questionrio5 (Anexo I e II), com

    questes fechadas e abertas. Esse questionrio foi respondido por cento e trinta e sete (137)

    profissionais do magistrio, dos quais cento e vinte e seis (126) eram professores, educadores

    infantis e professores estagirios, e onze (11) eram gestores, todos os profissionais do magistrio

    que se encontravam trabalhando no perodo da coleta dos dados, que aconteceu em maio de 2010.

    A aplicao foi realizada em HTPC, aps agendamento prvio com as Coordenadoras

    Pedaggicas das unidades escolares municipais.

    O questionrio pode ser definido como [...] um conjunto de perguntas sobre

    um determinado tpico que no testa a habilidade do respondente, mas medem sua opinio, seus

    interesses, aspectos de personalidade e informao biogrfica (YAREMKO; HARARI;

    HARRISON; LYNN, 1986, p.186, apud GNTHER, 2003, p.1).

    Os dados quantitativos, advindos das questes fechadas foram tratados por

    meio do software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), sendo os dados qualitativos,

    oriundos das questes abertas, categorizados e analisados de acordo com o referencial terico de

    Bardin (1977)

    5 Esse questionrio foi readaptado de um instrumento criado pelo Grupo de Pesquisa Profisso Docente: formao,

    identidade e representaes sociais (GPDFIRS), para um trabalho de pesquisa na Rede Municipal de Ensino de

    Presidente Prudente, iniciado no ano de 2009.

  • 28

    Nesse sentido, Franco (2008, p.70) destaca:

    A partir das respostas obtidas, construir quadros ilustrativos para facilitar os procedimentos de agrupamentos, de classificaes, de pr-anlise,

    procedimentos estes, vistos como indispensveis e fundamentais para auxiliar a

    posterior criao de categorias e, conseqentemente, a efetiva possibilidade de inferir, analisar e interpretar os dados a serem submetidos a uma Anlise de

    Contedo.

    Bardin (1977, p. 38), por seu turno, argumenta que

    [...] a anlise de contedo aparece como um conjunto de tcnicas de anlise das comunicaes, que utiliza procedimentos sistemticos e objetivos de descrio

    do contedo das mensagens [...] A inteno da anlise de contedo a inferncia

    de conhecimentos relativos s condies de produo (ou, eventualmente, de

    recepo), inferncia esta que recorre a indicadores (qualitativos ou no).

    Nossa proposta em articular a combinao de aspectos quantitativos e

    qualitativos nos forneceu subsdios para a anlise dos resultados e, mais do que fazer um

    levantamento quantitativo, oportuno fazer um estudo [...] que permita compreender a trama

    intrincada do que ocorre numa situao microssocial (LDKE; ANDR, 1986, p.7).

    Thiollent (1984, p. 46) garante que essa combinao possvel:

    Qualquer fato social e educativo possui aspectos que podemos descrever em

    termos quantitativos (tamanho da populao, repartio por categorias,

    freqncia ou intensidade dos acontecimentos observados, etc) e em termos qualitativos (significao, compreenso, rotulagem, etc).

    Na segunda fase da investigao para anlise e coleta de dados empricos,

    buscamos revisitar as escolhas terico-metodolgicas e adotamos princpios sobre entrevista

    referidos por Ldke e Andr (1986) e Szymanski (2008), na realizao do grupo de discusso

    (GD) que caracterizamos como entrevista coletiva.

    No percurso dessa fase da pesquisa de campo efetuada com as professoras que

    atuam na rede municipal de ensino de Junqueirpolis, utilizamos como mtodo a entrevista

    coletiva (Grupo de Discusso-GD). Weller (2006, p. 246) enfatiza que [...] os grupos de

    discusso, como mtodo de pesquisa, constituem uma ferramenta importante para reconstruo

    dos contextos sociais e dos modelos que orientam as aes dos sujeitos.

  • 29

    A partir da anlise preliminar das questes abertas e da reviso bibliogrfica,

    percebemos que alguns elementos essenciais para a pesquisa haviam ficado superficiais e que

    mereciam ser aprofundados, tais como: condies de trabalho; formao continuada; prticas

    pedaggicas; relao com a gesto escolar; relao escola/famlia do educando; suporte

    pedaggico; planejamento escolar; relao professor estadual/professor municipal.

    Assim, a escolha dos sujeitos selecionados para participar do grupo de

    discusso foi intencional, na medida em que contribussem de forma expressiva para o tema

    pesquisado. Gaskell e Bauer (2002, apud WELLER, 2006, p.248) salientam que [...] o critrio

    de seleo no se orienta por uma amostra representativa em termos estatsticos, mas pela

    construo de um corpus com base no conhecimento e na experincia dos entrevistados sobre o

    tema.

    Nessa perspectiva, buscamos formar um grupo com caractersticas em comum,

    que realmente pudesse cooperar para nossa pesquisa.

    A escolha dos demais participantes deve ser intencional no que se refere a sexo,

    idade, estado civil, escolaridade, dentre outras caractersticas, ou seja, a seleo

    feita de acordo com os objetivos do estudo, sendo necessrio que haja no mnimo uma caracterstica homognea. (GOMES; TELLES; ROBALLO, 2009,

    p. 857).

    Primeiramente, pensamos em organizar o grupo de discusso com seis

    professoras efetivas da rede estadual, na condio de cedidas ao municpio pelo Convnio de

    Parceria Educacional. No entanto, as dvidas no faltavam: como selecionar os sujeitos da

    pesquisa? Quais caractersticas buscar? Quantos sujeitos seriam necessrios?

    Por sugesto da Banca Examinadora de Qualificao, selecionamos oito

    professoras efetivas, sendo que o grupo ficou mesclado com professoras da rede estadual e da

    rede municipal, ficando o critrio de escolha das professoras municipais determinado pela

    participao que tiveram no processo de municipalizao e pela importncia atribuda s suas

    experincias docentes.

    Das oito professoras selecionadas, uma professora de Educao Infantil6 na

    rede municipal, desde 1990, duas so professoras estaduais cedidas pelo Convnio de Parceria

    6 Segundo a Lei Complementar n 230, de 30/12/2005, essa profissional trabalha com alunos de pr-escola de 5 anos

    nas EMs.

  • 30

    Educacional e cinco so professoras aprovadas no primeiro concurso de provas para ingresso na

    rede municipal de ensino.

    Destas cinco, duas ingressaram no ano de 1999, sendo uma professora de

    Educao Bsica I7 e a outra Educadora Infantil

    8; duas professoras de Educao Bsica I

    ingressaram no ano de 2000 e uma Educadora Infantil, em 2003.

    Com a finalidade de manter o sigilo recomendado no processo de investigao

    cientfica, os nomes foram substitudos por nmeros.

    Aps a seleo, marcamos a data e o local para a realizao da entrevista

    coletiva, que aconteceu na Diviso Municipal de Educao; foi escolhido esse local por reunir

    melhores condies fsicas e por ser um local fora do contexto escolar, possibilitando que a

    sesso no fosse interrompida por interferncias externas que prejudicassem a gravao. O

    convite a cada participante foi feito por ns, por meio de contato pessoal.

    Para organizar essa entrevista, elaboramos um roteiro semiestruturado para

    servir como guia e favorecer uma sequncia lgica. Ldke e Andr (1986, p.36), por exemplo,

    recomendam

    [...] o uso de um roteiro que guie a entrevista atravs dos tpicos principais a serem cobertos. Esse roteiro seguir naturalmente uma certa ordem lgica e

    tambm psicolgica, isto , cuidar para que haja uma seqncia lgica entre os

    assuntos, dos mais simples aos mais complexos, respeitando o sentido do seu

    encadeamento.[...] o entrevistador precisa estar atento no apenas (e no rigidamente, sobretudo) ao roteiro preestabelecido e s respostas verbais que vai

    obtendo ao longo da interao. H toda uma gama de gestos, expresses,

    entonaes, sinais no-verbais, hesitaes, alteraes de ritmo, enfim, toda uma comunicao no verbal cuja captao muito importante para a compreenso e

    a validao do que foi efetivamente dito.

    Por sua vez, Weller (2006, p. 249) sugere a elaborao de um tpico- guia:

    O tpico-guia de um grupo de discusso no um roteiro a ser seguido risca e

    to pouco apresentado aos participantes para que no fiquem com a impresso

    7 De acordo com a Lei Complementar n 230, de 30/12/2005, essa profissional trabalha com alunos dos anos iniciais

    do Ensino Fundamental nas EMs. 8 Conforme a Lei Complementar n 230, de 30/12/2005, essa profissional trabalha com alunos da Educao Infantil

    de 0 a 4 anos nos CEIs.

  • 31

    de que se trata de um questionrio com questes a serem respondidas com base

    em um esquema perguntas e respostas estruturado previamente.

    Para Ldke e Andr (1986) e Weller (2006), o roteiro ou tpico-guia no deve

    ser usado para engessar a entrevista, mas para facilitar uma relao de descontrao e de

    interao entre o pesquisador e o grupo, de sorte que a entrevista seja produtiva para a pesquisa.

    Szymanski (2008, p. 12) afirma que preciso que o entrevistador tenha uma

    relao de interao com o entrevistado:

    A intencionalidade do pesquisador vai alm da mera busca de informaes: pretende criar uma situao de confiabilidade para que o entrevistado se abra.

    Deseja instaurar credibilidade e quer que o interlocutor colabore, trazendo dados

    relevantes para seu trabalho.

    O contedo do roteiro para a entrevista foi esquematizado desta maneira: eixo

    temtico; questo geradora; objetivo, baseado no modelo de tpico-guia proposto por Weller

    (2006), ficando assim organizado:

    Quadro 2- Roteiro da entrevista coletiva (GD)

    BLOCO TEMTICO PERGUNTA OBJETIVO

    Questo inicial Como vocs compreendem

    a questo da

    municipalizao do ensino

    nos anos iniciais, em

    Junqueirpolis?

    Promover um debate

    interativo.

    Condies de trabalho Como vocs analisam as

    condies de trabalho aps o

    processo de municipalizao

    do ensino, em

    Junqueirpolis?

    Identificar nas falas dos

    professores se houve

    modificaes das condies

    de trabalho e quais so suas

    avaliaes.

    Formao continuada Como vocs analisam a

    questo da formao

    continuada? Existem

    presses por conta do Plano

    de Carreira?

    Verificar os

    posicionamentos dos

    professores em relao

    obrigatoriedade dos cursos,

    para a evoluo funcional,

    se isto um aspecto positivo

    ou negativo para a carreira.

  • 32

    Prticas pedaggicas Os cursos ofertados pela

    rede ou em parcerias

    contribuem para atuao em

    sala de aula?

    Identificar se os cursos de

    formao ofertados pela

    rede esto contribuindo para

    a prtica pedaggica dos

    docentes.

    Relao com a gesto

    escolar

    Vocs poderiam falar um

    pouco sobre como se d a

    relao entre vocs e a

    gesto da escola?

    Conhecer as formas de

    gesto. Se h um dilogo e

    um processo democrtico ou

    se existe uma gesto

    centralizadora.

    Relao escola/famlia dos

    educandos

    Aps a municipalizao,

    vocs acham que os pais se

    interessam mais pelos

    estudos de seus filhos?

    Identificar se, pelo fato de o

    ensino ser descentralizado,

    os pais recorrem com mais

    frequncia s escolas

    municipais do que ocorria

    nas escolas estaduais.

    Suporte pedaggico Como vocs analisam o

    trabalho pedaggico de

    gesto aps a

    municipalizao?

    Identificar se houve

    mudanas na estrutura e

    suporte pedaggico nas

    escolas e para os

    professores.

    Planejamentos escolares Na opinio de vocs, houve

    mudanas na forma de

    planejamento (anual) aps a

    municipalizao?

    Conhecer as opinies que os

    professores tm sobre a

    organizao dos

    planejamentos escolares.

    Relao professor estadual/

    professor municipal

    Vocs acreditam que h, no

    grupo de professores, algum

    tipo de diferenciao ou

    conflitos entre professores

    do Convnio

    Estado/municpio e

    professores municipais?

    Conhecer o processo de

    relao do grupo e

    identificar elementos

    conflitantes ou de formao

    de uma identidade coletiva.

    Outros No tenho mais perguntas.

    Vocs gostariam de

    acrescentar alguma coisa

    que no conversamos?

    Incentivar a discusso sobre

    outros temas relevantes para

    o grupo.

  • 33

    No incio do encontro, esclarecemos aos docentes os encaminhamentos da

    pesquisa, como tambm a aplicao do questionrio, respondido por todas as professoras que

    estavam participando da entrevista coletiva. Solicitamos a permisso do grupo para efetuar a

    gravao da entrevista e asseguramos o sigilo da discusso, informando-lhes que elas seriam

    identificadas por nmeros.

    Garantimos condies para que as participantes entendessem os objetivos da

    investigao, quando da inteno de identificar as impresses e consideraes que os

    profissionais constroem sobre seu trabalho, considerando a municipalizao do Ensino

    Fundamental (sries/anos iniciais) que ocorreu no municpio. Assegurar-se da compreenso das

    pessoas sobre os objetivos da pesquisa favorece a obteno de informaes para o tema

    pesquisado (SZYMANSKI, 2008).

    Esse momento necessrio para estabelecer uma relao cordial entre o

    pesquisador e o grupo entrevistado, de modo que as razes para esses cuidados so

    principalmente ticas e metodolgicas, no sentido de buscar maior fidedignidade das informaes

    (SZYMANSKI, 2008).

    De acordo com Bohnsack (1999,apud WELLER, 2006, p. 249), alguns

    princpios essenciais para a conduo das entrevistas coletivas so relevantes para que se possa:

    Estabelecer um contato recproco com os entrevistados e proporcionar uma base de confiana mtua;

    Dirigir a pergunta ao grupo como um todo e no a um integrante especfico;

    Iniciar a discusso com uma pergunta vaga, que estimule a participao e interao entre os integrantes.

    Primeiramente, apresentamos a questo inicial, com o objetivo de promover um

    debate entre as participantes, que envolveu o falar sobre a municipalizao dos anos iniciais do

    Ensino Fundamental no municpio, elaborada com base nos objetivos da pesquisa, para [...]

    trazer tona a primeira elaborao, ou o primeiro arranjo narrativo que o participante pode

    oferecer sobre o tema (SZYMANSKI, 2008, p. 28).

    A entrevista, cuja gravao teve durao de uma hora e vinte minutos, foi

    transcrita, [...] no sentido de passar a linguagem oral para a escrita (SZYMANSKI, 2008, p.74).

  • 34

    A entrevista foi transcrita pela prpria pesquisadora, porque achamos

    importante esse procedimento, apesar de ter sido uma tarefa exaustiva que demandou tempo. A

    esse respeito, Szymanski (2008, p.74) destaca:

    O processo de transcrio da entrevista tambm um momento de anlise,

    quando realizado pelo prprio pesquisador. Ao transcrever, revive-se a cena da entrevista, e aspectos da interao so relembrados. Cada reencontro com a fala

    do entrevistado um novo momento de reviver e refletir. O texto de referncia

    pode incluir as impresses, percepes e sentimentos do pesquisador durante entrevista e transcrio.

    As participantes transformaram o GD num momento de construo de

    conhecimento e tambm numa situao rica em informaes. Sodelli (1999 apud SZYMANSKI,

    2008, p. 56) lembra que

    [...] a multiplicidade de discursos numa mesma entrevista [...] revela diversos modos de ver e entender um mesmo tema. Observamos que o discurso de um

    entrevistado desperta no outro algum tipo de entendimento, seja de aceitao, de

    rejeio ou de indiferena. [...] interessante notar que cada posicionamento foi

    se tornando mais e mais claro, a partir do desenrolar da entrevista, o que significa que a entrevista se constituiu como um momento de construo de

    conhecimento.

    Segundo Szymanski (2008, p. 57), nas entrevistas coletivas, o carter de

    interveno fica bastante evidente,

    [...] pois a produo de conhecimento e a tomada de conscincia do-se de forma mais dinmica, por estarem em jogo as influncias mtuas entre todos os

    participantes [...] a participao de cada membro do grupo reflete a influncia

    dos demais e o resultado final da entrevista refere-se a uma produo do coletivo.

    preciso levar em conta que fao parte do grupo que foi pesquisado, ocupando

    a funo de Supervisora do Ensino Fundamental, portanto, cargo superior ao das demais

    professoras que participaram do GD, o que pode de alguma forma impedir que os entrevistados

    colaborem, ocultando dados relevantes para a pesquisa.

    Ressalta Szymanski (2008, p.13):

  • 35

    Trata-se tambm da considerao de estratgias de ocultamento que entram em

    ao quando o entrevistado esconde informaes que supostamente acha que

    podem ser ameaadoras ou desqualificadoras para si ou para seu grupo [...] no podemos deixar de considerar o entrevistado como tendo um conhecimento do

    seu prprio mundo, do mundo do entrevistador e das relaes entre eles.

    No contexto desta pesquisa, emerge a dupla identidade do pesquisador

    (pesquisadora-supervisora), o que eventualmente pode representar complicador para a coleta.

    Entretanto, ao considerarmos essa possibilidade, tomamos o cuidado de assegurar o exerccio de

    aproximao/distanciamento do objeto de pesquisa, sendo [...] necessrio um desligamento

    emocional, j que a familiaridade do costume no foi obtida via intelecto, mas via coero

    socializadora (DA MATTA, 1978, p. 30).

    Aps a transcrio da entrevista e de posse do texto produzido, emergiram

    novas articulaes conceituais; na sequncia, realizamos os agrupamentos dos assuntos por

    aproximaes em categorias que, conforme Szymanski, (2008, p.75), [...] concretizam a imerso

    do pesquisador nos dados e a sua forma particular de agrup-las segundo a sua compreenso.

    Podemos chamar este momento de explicitao de significados.

    Assim, a efetivao da pesquisa procurou compreender as impresses que esses

    professores construram sobre a municipalizao e, ao propor a investigao voltada para o que

    pensam os sujeitos que esto diretamente ligados experincia, temos a inteno de analisar [...]

    as pessoas, em suas experincias cotidianas, pois elas esto em situaes que lhes permite

    observar os efeitos de aes e decises alternativas referentes a problemas de relaes humanas

    (SELLTIZ, 1974, p. 64)

    Dessa forma, um dos desafios a ser superado, para que o pensamento coletivo

    se autoexpresse por meio da pesquisa emprica, foi a constituio de um sujeito portador de um

    discurso coletivo.

    De acordo com Lefvre e Lefvre (2006, p. 519), define-se como sujeito do

    discurso coletivo [...] uma proposta explcita de reconstituio de um ser ou entidade emprica

    coletiva, opinante na forma de um sujeito de discurso emitido na primeira pessoa do singular.

    As categorias esto explicitadas no captulo cinco, onde apresentamos o

    discurso formulado pelo grupo entrevistado, na tentativa de aproxim-lo dos dados coletados na

    primeira etapa da pesquisa (questionrios), quando realizamos a anlise da entrevista.

  • 36

    CAPTULO 2 - ANTECEDENTES HISTRICOS DO FINANCIAMENTO

    DO ENSINO NO BRASIL E O FUNDEF

    A redemocratizao do pas, principiada nos anos de 1990, trouxe mudanas

    que influenciaram na rea educacional. A democratizao da educao pblica e a constante

    busca pela qualidade do ensino abriram espao para importantes questionamentos, na rea das

    polticas pblicas.

    No Brasil, os municpios vm sofrendo transformaes de natureza poltica,

    administrativa e social; a Constituio Federal de 1988 um marco na histria das

    municipalidades e consagra o municpio como entidade federativa, com autonomia poltico-

    administrativa e competncias definidas, de forma que ele passa a assumir atribuies

    importantes, sobretudo na prestao de servios pblicos essenciais, como sade e educao.

    Contudo, os processos de descentralizao devem ser acompanhados da

    correspondente transferncia de recursos financeiros, sob pena de a situao catica em que se

    encontram os servios pblicos sociais, atualmente, agravar-se. A cooperao entre as esferas que

    compem o pacto federativo consiste na equao da distribuio de encargos e recursos

    financeiros, objetivando oferecer servios pblicos de qualidade para toda a populao.

    Para garantir a vinculao das verbas e possibilitar a descentralizao, a

    legislao educacional recente instituiu os fundos de educao constitudos com recursos

    provenientes dos Estados e dos municpios. Os fundos so uma forma de subvinculao de

    verbas, pois, do total das verbas destinadas educao, reserva-se uma parte para um nvel

    especfico. No caso do FUNDEF, as verbas destinavam-se ao Ensino Fundamental e, mais

    recentemente, no caso do FUNDEB, Educao Bsica.

    Uma das mais significativas medidas do FUNDEF foi a vinculao dos recursos

    do financiamento da educao s matriculas, fazendo com que alunos matriculados nas redes

    pblicas de Ensino Fundamental passassem a figurar, tambm, como uma espcie de unidade

    monetria, proporcionando uma receita per capita ao governo, municipal ou estadual,

    encarregado de sua educao escolar (CALLEGARI, 2009).

  • 37

    Com o intuito de entendermos um pouco mais sobre esses aspectos, faremos

    uma retrospectiva histrica de alguns fatos que marcaram a definio de polticas pblicas para a

    educao no Brasil.

    2.1- FINANCIAMENTO DA EDUCAO NO BRASIL

    De sorte a compreender a trajetria das polticas pblicas de financiamento da

    educao, no Brasil, sero retomadas as principais iniciativas do poder pblico e da sociedade

    brasileira que culminaram em mudanas significativas nas referidas polticas e caracterizaram as

    ltimas dcadas do sculo XX e incio do sculo XXI. Olhar para trs significa no apenas rever

    esse percurso, mas tambm entender o porqu de tantas ausncias significativas, em nossa

    trajetria educacional, que impossibilitaram o avano da escola pblica no pas (VIEIRA;

    FARIAS, 2007).

    possvel perceber igualmente que a evoluo do ensino brasileiro, tanto em

    relao sua expanso, quanto ao seu modelo formal, sempre esteve ligada a injunes de ordem

    econmica, social e poltica. Romanelli (2001, p. 19) salienta que [...] a evoluo do sistema

    educacional, a expanso do ensino e os rumos que esta tomou s podem ser compreendidas a

    partir da realidade concreta criada pela nossa herana cultural, evoluo econmica e estruturao

    do poder poltico.

    Os acontecimentos que nortearam e ainda norteiam a histria da educao

    brasileira nos permitem verificar que a organizao escolar, vigente em cada momento, esteve

    associada a fatos polticos que marcaram a histria do Brasil (VIEIRA; FARIAS, 2007).

    Desde o comeo de nossa colonizao, foi evidente o interesse na explorao

    das riquezas, uma vez que [...] os portugueses aqui aportaram exclusivamente com o objetivo

    explcito do lucro atravs da explorao das riquezas naturais das novas terras. As aes

    educativas empreendidas a partir de sua chegada tambm expressam este interesse (VIEIRA;

    FARIAS, 2007, p.34).

    A educao formal em terras brasileiras principiou com os primeiros padres

    jesutas que chegaram a Salvador, em 1549, e faziam parte da expedio de Tom de Souza,

  • 38

    primeiro governador geral, responsvel pela ocupao da colnia. Ressaltam Vieira e Farias

    (2007, p.34):

    O marco inicial da educao no Brasil se d com a instituio do sistema de

    governo-geral. [...] com a chegada do primeiro governador geral Tom de Souza, acompanhados de quatro padres e dois irmos jesutas chefiados por Manoel da

    Nbrega. So eles os nossos primeiros educadores.

    Os jesutas faziam parte da Companhia de Jesus e tinham como misso

    cristianizar os nativos e difundir entre eles os padres da civilizao ocidental crist. To logo

    aqui chegaram, iniciaram a organizao de escolas de ler e escrever que se limitavam

    alfabetizao, almejando apenas a catequizao.

    O financiamento dessa obra previa duas fontes de recursos: [...] para a

    instalao do Colgio, o Rei dava Companhia um dote9 inicial suficiente para sua construo e

    equipamento e, como reforo de custeio e possibilidade de expanso, lhe doava terras e a

    faculdade de nelas investir e delas tirar proveito (MONLEVADE, 1997, p.52).

    A partir da, nasce a rede de colgios, num total de dezessete espalhados pelo

    litoral e, [...] ao redor de cada um, ou em locais mais avanados do interior surgem dezenas de

    escolas de primeiras letras, umas exclusivas em misses indgenas, outras para atender as

    populaes perifricas das parquias centrais (MONLEVADE, 1997, p. 22).

    No entanto, a histria mostra que no tardou a comearem a falhar e rarear os

    dotes reais para custear o ensino, de forma que os colgios e escolas foram [...] se fundando no

    mais com o dinheiro do Rei, mas medida que se multiplicavam e se vendiam para os engenhos e

    para os garimpeiros bois e vacas dos pastos sem fim da Companhia de Jesus, [...] a educao

    tinha se tornado uma empresa de gado muito bem sucedida e auto-suficiente (MONLEVADE,

    1997, p. 22).

    Prossegue Monlevade (1997, p.53):

    A Companhia de Jesus virou uma empresa de tal porte que at navios possua,

    no s para transportar padres e irmos de um colgio ou de uma misso para outra: nos seus pores viajava para destinos mais interessantes todo tipo de

    produtos vendveis que acabaram virando fonte principal de autofinanciamento

    da rede educacional.

    9 Do quinto da Coroa, um mnimo para fundar os colgios.

  • 39

    Dessa maneira, a coroa portuguesa ficava dispensada de investir na educao

    pblica que os jesutas ofereciam elite e a uma pequena frao controlada de ndios

    (MONLEVADE, 1997).

    Vale lembrar que outras Ordens Religiosas beneditinas, carmelitas,

    franciscanas, dominicanas tambm foram se estabelecendo no Brasil, com a finalidade de [...]

    suplementar o que os jesutas no podiam abarcar dispensando mais uma vez a Coroa de investir

    parte de seu quinto no atendimento demanda por educao escolar (MONLEVADE, 1997, p.

    22).

    Alm das escolas de ler e escrever, so organizadas as classes de gramtica e

    colgios, mais tarde os seminrios, porm, com atendimento destinado somente elite colonial.

    Vieira e Farias (2007, p. 35-36) acrescentam:

    Os colgios jesuticos representam a principal instituio de formao da elite colonial. A formao intelectual neles ministrada marcada pela rigidez nas

    formas de pensar e de interpretar a realidade e por forte censura sobre os livros.

    O objetivo desta educao , sobretudo, religioso muito embora pela inexistncia

    de outras formas de escolarizao.

    Em suma, a educao formal tinha como objetivo ensinar a ler e escrever, sendo

    negado, mesmo aos filhos da elite colonial, o direito de pensar. Nota-se que no aconteceu

    nenhuma ao nesse perodo que fosse voltada educao popular. Paiva (1987, p. 53) completa,

    afirmando que [...] a educao popular colonial praticamente inexistente. Excetuando a ao

    dos jesutas e outros religiosos, quase nenhuma ateno dada a questo educacional no pas.

    Cabe destacar que as condies econmicas, sociais e polticas da colnia e a

    forma como elas evoluram no necessitavam de aes educativas, j que as atividades

    profissionais da poca no exigiam nenhum preparo especfico, nem sequer o domnio da leitura

    e da escrita (PAIVA, 1987; LEITE; DI GIORGI, 2009). Num contexto marcado pela explorao

    da mo-de-obra, o povo no precisava de conhecimentos, portanto, a educao popular no se

    fazia necessria. Como se v, a educao no era tida como necessidade. Paiva (1987, p. 58)

    salienta:

    O sistema educativo no mantinha nenhuma relao com a formao de quadros

    profissionais para as atividades econmicas [...] no existia, tampouco, grandes

  • 40

    possibilidades de participao poltica para a qual a educao pudesse ser importante.

    A obra da Companhia de Jesus permaneceu no Brasil por duzentos anos; aps

    esse perodo, o governo portugus, acusando os jesutas de educar os ndios a servio da ordem

    religiosa e no dos interesses da Metrpole, por meio das aes do Marqus de Pombal, retirou a

    tarefa educativa das mos das ordens religiosas, atribuindo-a exclusivamente ao poder do Estado

    e expulsando os jesutas do solo brasileiro (ROCHA, 2010).

    Os jesutas foram expulsos, porque o trabalho por eles desempenhado ao longo

    dos anos no se restringiu apenas tarefa missionria, mas desempenharam tambm o papel de

    colonizadores, contrariando assim os interesses econmicos da Metrpole.

    Vieira e Farias (2007, p.37) destacam que [...] pela persuaso haviam

    conquistado o gentio, chega uma hora em que bani-los do novo territrio uma questo de

    sobrevivncia poltica. Isso significa dizer que eles j no se faziam mais necessrios para a

    tarefa que vieram desempenhar.

    Com a expulso dos jesutas, o Estado assumiu pela primeira vez suas

    responsabilidades, no tocante organizao e manuteno do ensino. Vieira e Farias (2007, p.

    37-38) explicitam que

    [...] o perodo pombalino demarca um momento importante na histria da

    educao brasileira, quando entra em cena o poder pblico estatal como agente responsvel pela definio de rumos nesse campo. [...] Explicita-se nesta

    inteno a primeira tentativa portuguesa de promover a educao pblica estatal,

    que se contrape educao pblica religiosa, at ento ministrada.

    Porm, essas iniciativas permaneceram apenas na inteno, porque nada de

    concreto aconteceu. Justificam Vieira e Farias (2007, p. 39):

    Ter-se-ia inaugurado nesse perodo uma tradio de promessas do Poder Pblico

    que nem sempre se traduzem em feitos. o que acontece com o governo

    portugus nesse momento. Um mero exame dos Alvars que introduzem a

    reforma pombalina [...], poderia oferecer a falsa impresso de que a presena do Estado se faria sentir na educao colonial.

    Todavia, transcorreram 13 anos sem que qualquer iniciativa fosse tomada para

    substituir a educao jesutica no pas, de sorte que a educao ficou em total abandono, sem a

  • 41

    ao da Igreja e to pouco do Estado. Em 1772, foi institudo o subsdio literrio, imposto

    cobrado sobre o consumo da carne e da produo de aguardente, criado especialmente para a

    manuteno do ensino, que no foi capaz de arrecadar os recursos necessrios (ROCHA, 2010,

    p.41), porque [...] ele era mais sonegado do que arrecadado (MONLEVADE, 2000, p.48).

    Continua Paiva (1987, p.59):

    As aulas rgias, criadas 13 anos mais tarde e financiadas pelo subsdio literrio (institudo em 1772), para substituir o sistema jesutico de ensino para

    as elites, no lograram funcionar eficientemente: no contava a Colnia com um

    sistema arrecadador que lhe permitisse receber o imposto destinado manuteno dessas aulas; no havia como substituir de imediato as escolas

    fechadas nem como encontrar professores leigos que assumissem as classes.

    Dessa maneira, essa iniciativa fracassou, porque a colnia no contava com

    condies de articular um sistema arrecadador e, no ano de 1835, essa ao foi extinta, [...] no

    sem registros de abusos, desvio, fraudes e malversaes (VIEIRA; FARIAS, 2007, p. 40).

    Diante dos fatos, fica explicito que, apesar de a reforma pombalina ter

    pretendido instituir um sistema de educao pblica, isso no ocorreu.

    Com a vinda da corte portuguesa para o Brasil, no ano de 1808, o cenrio

    educacional brasileiro sofreu algumas modificaes, visto que foi necessria a organizao de um

    sistema de ensino para atender demanda educacional da aristocracia portuguesa que aqui se

    instalava: de fato, em nenhum momento, a preocupao foi com a educao escolar do povo

    brasileiro.

    As preocupaes despertadas pela transferncia da Corte, no estariam

    propriamente voltadas para a formao dos sditos, [...] a nfase no esforo educativo inicial se concentrava na criao de cursos militares e de medicina. A

    segurana interna e externa e a sade eram tarefas prioritrias. (VIEIRA;

    FARIAS, 2007, p. 18).

    Sem qualquer providncia que estivesse a favor das classes populares, o

    interesse pela educao elementar foi insignificante e somente uma pequena parte da elite a

    recebia em suas prprias casas, como ensino privado, o que sem dvida trouxe consequncias

    para a sociedade brasileira por longo perodo.

  • 42

    Em face de tantas dificuldades encontradas, a escolarizao bsica no foi

    preocupao do governo, porque foram feitos alguns investimentos apenas no ensino superior.

    H que se considerar que alguns polticos brasileiros dessa poca apontavam a

    precariedade da instituio escolar, tendncia que se expressa no intenso debate sobre educao,

    no perodo, principalmente com a necessidade da construo de um sistema nacional de instruo

    pblica. Isso possvel constatar pelo que afirmam Vieira e Farias (2007, p.55):

    Os constituintes de 1823 denunciavam em seus depoimentos a precariedade da

    educao. As crticas falta de escola, inexistncia de recursos e os baixos salrios, eram constantes nas falas desses polticos, ao discutirem um plano de

    instruo primria a ser formulado pela Assemblia.

    Como de se observar, alguns problemas enfrentados nesse tempo persistem ao

    longo da histria da educao brasileira, como a falta de investimentos, que se tem tornado

    empecilho na busca de uma educao emancipatria e de melhor qualidade.

    Levando em conta os acontecimentos, resgatar a legislao educacional

    brasileira se faz necessrio, na tentativa de contextualizar a organizao escolar que em cada

    momento se apresentava nos fatos polticos, em geral, e a cada carta constitucional correspondeu

    busca de um novo pacto, que de alguma forma veio a expressar-se em uma lei geral da

    educao (VIEIRA; FARIAS, 2007).

    A primeira Constituio do pas, outorgada em 1824 por D.Pedro I, retomou

    alguns princpios das discusses dos constituintes e estabeleceu, em seu artigo 179, alnea 32, a

    gratuidade da instruo primria para todos os cidados. Tratava-se de sutil, mas importante

    diferena, porque no garantia educao primria para todos, mas, antes, que fosse gratuita.

    Outro instrumento legal desse perodo foi a Lei de 15 de outubro de 1827, o primeiro instrumento

    legal importante para a educao do pas (VIEIRA; FARIAS, 2007).

    Essa legislao [...] mandou criar em todas as cidades, vilas e lugares mais

    populosos, as escolas de primeiras letras (Art. 1). Contudo, a referida lei no apresentou

    nenhum dispositivo de financiamento que custeasse o ensino; no fundo, [...] essa lei se revelou

    uma promessa de boas intenes (VIEIRA; FARIAS, 2007, p. 59). Desse modo, poucas

    mudanas ocorreram, tendo em vista que sem recursos no se tornava vivel qualquer tipo de

    iniciativa.

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    O que podemos evidenciar em relao histria da educao do imprio foi a

    proposta de descentralizao do ensino, encaminhada oficialmente pelo Ato Adicional de 1834, o

    qual propiciou uma atitude de iseno de responsabilidades por parte do Governo Central, quanto

    ao ensino primrio, delegando s provncias o direito de regulamentar e promover a educao

    primria e secundria, sem nenhuma vinculao de verbas (ROMANELLI, 2001).

    Ainda sobre essa proposta, salientam Vieira e Farias (2007, p. 64) que

    [...] no so poucos os historiadores e analistas que registram o fracasso de tais

    reformas em instituir uma poltica nacional de educao. Para tal situao contribuem tanto a ausncia de infra-estrutura institucional para apoiar sua

    operacionalizao, quanto a indiferena poltica das elites, preocupadas

    principalmente em manter condies favorveis a hegemonia econmica e social.

    As dificuldades enfrentadas pelas provncias, principalmente pela falta de

    recursos financeiros, resultaram na ausncia de um projeto educativo para a maioria dos

    brasileiros, pois um sistema falho de tributao e arrecadao contribuiu para que a educao

    popular se desenvolvesse de forma muito desigual, no pas. Nesse perodo, apenas 10% da

    populao tinham acesso escola, um privilgio da nobreza, situao que somente vai se alterar

    com o avanar do perodo republicano (VIEIRA; FARIAS, 2007).

    Outro marco importante foi a Constituio da Repblica de 1891, que instituiu

    o sistema federativo de governo e tambm a descentralizao do ensino. Em seu artigo 35, itens

    3 e 4, reservava Unio o direito de [...] criar instituies de ensino superior e secundrio nos

    Estados e [...] prover a instruo secundria no Distrito Federal, delegando aos Estados

    competncias para prover e legislar sobre a educao primria.

    Na verdade, inaugurava-se uma disparidade entre os Estados brasileiros, pois os

    princpios federalistas que consagraram a autonomia aos poderes estaduais fizeram com que o

    Governo Federal no interferisse na organizao dos sistemas estaduais de ensino, criando mais

    desigualdades entre tais sistemas.

    Com isso, a passagem do regime imperial para o regime republicano no

    modificou as circunstncias educativas do pas. A educao para o povo no era preocupao do

    Poder Pblico (VIEIRA; FARIAS, 2007), e os Estados que se consolidavam frente, no

    desenvolvimento econmico, foram ampliando seus investimentos no setor educacional, p