cidade e imagens: lugares vividos e praticados – o
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CIDADE E IMAGENS: LUGARES VIVIDOS E PRATICADOS – O CENTENÁRIO
DA CIDADE DE ITUIUTABA
Tamara Claudia Coimbra1
(orientador) Dr. Cairo Mohamad Ibrahim Katrib2
RESUMO
O presente trabalho propicia uma reflexão entre história local e imagens, a fim de
compreender como a cidade pode ser relida, referendando fatos e momentos, oficializados
como marca histórica e temporal de um dado lugar. Optamos por analisar as imagens contidas
na série de cartões telefônicos produzidos pela empresa de telefonia que atua na região - Algar
Telecom -, no ano de 2001, em alusão a comemoração do centenário da cidade de Ituiutaba,
MG, localizada no Pontal do Triângulo Mineiro, cerca de 130 km da cidade de Uberlândia.
Considerando que as imagens estampadas nos cartões retratam fragmentos da história local e
são narrativas carregadas de intencionalidades, eles nos possibilitam compreender os
processos de ressignificação da identidade cultural local enquanto movimento narrativo
dinâmico que conecta presente passado e futuro as marcas históricas da cidade referendadas
como momentos históricos marcantes para toda a sociedade local.
Introdução
O uso das imagens como fonte histórica sempre funcionou como suporte dialógico da
História e, ao mesmo tempo, se vê envolto de diversos questionamentos, sobretudo em
relação aos limites e possibilidades interpretativas, considerando o fato de que não há um
roteiro pré-concebido ou uma forma precisa de ler imagens que dê conta de uma totalidade.
Se analisarmos de forma reflexiva uma imagem, veremos e encontraremos diversas formas de
releituras daquela representação. As imagens utilizadas para representar o cotidiano desde os
tempos mais remotos. Desde as pinturas pitorescas nas cavernas francesas de Altamira e
Lascaux até as diferentes variações e percepções contemporâneas, as imagens permitem a
compreensão do vivido, o entendimento do que foi o passado, dentre tantas outras
possibilidades. Podemos perceber isso também ao vermos que desde pequenos somos
1 Estudante do curso de graduação em História da Universidade Federal de Uberlândia – Faculdade de Ciências
Integradas do Pontal.
2 Professor Adjunto da Universidade Federal de Uberlândia – Faculdade de Ciências Integradas do Pontal.
incentivados a desenvolver nosso lado artístico, expressarmos através dele e reconstituirmos
fragmentos do viver que elegemos como significativos ou como marca do nosso processo de
socialização.
Em momentos de relevância histórica, como o centenário de uma cidade, as pinturas e
outras formas de expressão artísticas não poderiam ser deixadas de lado. Na virada para o
século XXI, mais precisamente no ano de 2001, a cidade de Ituiutaba, no Pontal do Triângulo
Mineiro, no estado de Minas Gerais, completou seus primeiros cem anos de emancipação
política e elevação à categoria de cidade. Para celebrar tal evento, foram realizadas várias
ações na cidade, como a composição de painéis artísticos retratando a cidade do passado e do
presente pelos muros de sua região central, exposições, a elaboração comunitária de um livro
que tem por principal tema a trajetória dos representantes políticos locais.
Dentre as muitas ações, uma que nos chamou atenção foi à campanha desenvolvida
pela empresa CTBC, atual Algar Telecom, grupo de telecomunicações que gere parte da
comunicação telefônica da cidade, em associação com o pintor Elias José da Silva Zoccoli.
Juntos lançaram um conjunto de cartões telefônicos como forma de homenagear os 100 anos
da cidade. Esses cartões estampam em tamanho reduzido as pinturas feitas pelo artista
plástico nos murros do centro da cidade retratando fatos e acontecimentos sobre a trajetória
histórica, cultura, econômica e política de Ituiutaba. Os cartões tiveram grande circulação,
considerando que na época, ainda, o uso dos telefones públicos, os famosos orelhões, era
bastante comum, principalmente pelo fato de que ainda não havia a popularização e
acessibilidade da telefonia móvel, como vemos hoje.
Sendo assim, nosso principal objetivo é compreender de que forma as imagens
produzidas, retratando a história da cidade e evidenciadas no seu centenário são balizas e
marcas que referendam momentos da história oficial que necessitam ser relembrados para
recompor identidade cultural local, prevalecendo os interesses de um dado grupo social sobre
a maioria dos moradores da cidade e, ainda, como esses fragmentos da história, retratados nos
cartões telefônicos, possibilitaram a concepção de uma cidade do desenvolvimento e do
progresso. E, também, de que maneira as imagens criadas nesse contexto são linguagens
reveladoras das intencionalidades históricas, em torno dessa oficialização de fatos,
acontecimentos e narrativas sobre a cidade.
Para isso, o presente trabalho é dividido em três sessões, o primeiro: “Material e
Métodos”, espaço em que discutimos sobre o uso das imagens pela História, considerando o
viés da História Cultural sob a ótica de autores como Peter Burke e Sandra Jatahy Pesavento.
Além de usarmos as análises de outros pesquisadores que lidam com as imagens, como os
estudos de Alberto Manguel e José de Souza Martins. A segunda parte “Resultados” serve-
nos como momento de reflexão teórico-metodológico a fim de compreendermos o contexto
social, político, econômico e histórico do centenário de Ituiutaba e as possibilidades de
reflexão sobre a importância das imagens na visibilidade desses elementos e como há a
interferência sobre o cotidiano dos diferentes grupos sociais nesse momento festivo. Tendo
isso como base, na parte “Discussão” analisamos os próprios cartões telefônicos, pensando
nas formas como é possível utilizar essa fonte histórica. E por fim, as considerações em
relação ao estudo realizado.
Material e Métodos
O filósofo chinês, Confúcio, disse certa vez que “uma imagem vale mais do que mil
palavras”, geralmente, no entanto, há uma associação das imagens como ilustrações de um
fato passado. Essa ideia é defendida, principalmente, por historiadores ditos “tradicionais”
que questionam o uso de imagens, independente de sua forma, como fonte histórica, que
muito além de ilustração se torna uma evidência histórica, como defende o historiador inglês,
Peter Burke:
É bem possível que historiadores ainda não considerem a evidência de imagens com
bastante seriedade, a tal ponto que uma discussão recente falou da “invisibilidade do
visual”. Como observado por um historiador da arte, “historiadores [...] preferem
lidar com textos e fatos políticos ou econômicos e não com os níveis mais profundos
de experiência que as imagens sondam”, enquanto outro historiador refere-se à
“condescendência em relação a imagens que isto implica” (BURKE, 2004, p.12).
Através disso, percebemos que não há um consenso sobre o uso das imagens quanto
fonte histórica. No entanto, o que podemos notar é sua utilização, principalmente após a
emergência da História das Mentalidades e, consequentemente da História Cultural, tem sido
feita de forma crítica e não como mera ilustração como alguns historiadores sugerem. É
interessante observar, também, que com essas novas metodologias de se fazer História houve
o advento da interdisciplinaridade. Isso é, para explicar os fatos históricos, não se recorreria
apenas à História, mas, também à Sociologia, Antropologia, entre outras áreas do
conhecimento que servem para subsidiar e complementar o conhecimento histórico. Sobre
isso José de Souza Martins nos diz:
já nos primeiros anos após a segunda Guerra Mundial, como observou Lucien
LeFebvre, trouxeram a vida cotidiana para o primeiro plano de existência da maioria
das sociedades ocidentais e instituíram a cotidianidade como era de um modo de ser
dominado pela presente, pelo fragmentário e pela incerteza (MARTINS, 2008, s/p).
Seria impossível analisar essa “nova” forma de se fazer história que considera os
diversos grupos sociais buscando repensar essas representações do social e do cultural se
considerássemos apenas a história oficial, ou seja, o que está contido nos documentos oficiais,
ou em fontes, em sua maioria, escritas e produzidas com esse intuito? Segundo Pesavento:
[...] as imagens partilham com as outras formas de linguagem a condição de serem
simbólicas, isso é, são portadoras de significados para além daquilo que é mostrado,
[...] a imagem é fruto de uma ação dotada de significado, participando da condição
tão humana que é a de refazer o mundo através de um conjunto de sinais.
(PESAVENTO, 2009, p. 99-100)
Com isso, vemos que a imagem está intrinsecamente ligada à condição humana de se
comunicar, variando, no entanto, os métodos de linguagem. Também devemos considerar que
essa é uma forma peculiar de expressão do imaginário e da consciência social. Pois, como
forma de representação social e subjetiva as imagens são reveladas pela ausência. Quanto
sujeitos ativos na sociedade, cremos na impossibilidade de retratar ou congelar o presente, o
que a arte nos permite ver, é na verdade uma memória do fragmentário, ou seja, temos
compartilhado os resíduos de uma humanidade, essa entendida não no seu sentido global, mas
no que tange ao olhar de cada indivíduo.
Com isso, traz a tona diferentes símbolos e sinais, e demonstra também as várias
formas que os sujeitos sociais se relacionam com a sua realidade e a partir disso, de que forma
que ocorre essa interação e análise do real vivido. Ainda sobre isso, Pesavento afirma que:
Como representação do mundo, as imagens figurativas têm no real o seu referente,
seja para confirmá-lo, transfigurá-lo, negá-lo, combatê-lo, seja para acenar a outros
mundos possíveis, e pode-se dizer que o modo de representar uma realidade faz
parte do comportamento social de uma época. (PESAVENTO, 2008, p.104)
Com base nisso, podemos conceber a imagem como uma narrativa, perceber seus
signos e símbolos como Alberto Manguel no diz, ao falar que:
para aqueles que podem ver, a existência se passa em um rolo de imagens capturadas
pela visão e realçadas ou moderadas pelos outros sentidos, imagens, cujo significado
(ou suposição de significado) varia constantemente, configurando uma linguagem
feita de imagens traduzidas palavras e de palavras traduzidas em imagens, por meio
das quais tentamos abarcar e compreender nossa própria existência. As imagens que
formam nosso mundo são símbolos, sinais, mensagens e alegorias. Ou talvez sejam
apenas presenças vazias que completamos com o nosso desejo, experiência,
questionamentos e remorso. Qualquer que seja o caso, as imagens assim como as
palavras são a matéria do que somos feitos (MANGUEL, 2001, p. 21).
Outro fator relevante que o autor apresenta é o da existência da imagem vista de
dentro. A pintura expressa e muito bem traduz essa assertiva, pois ela, ao ser exposta na tela,
passou por um processo de criação que busca representar algo imaginado ou vivido ancorado
a um processo criativo, que reflete uma conexão com a memória, com o passado, com a
individualidade de quem pinta; quando ela é vislumbrada por alguém que não a pintou, uma
série de suposições é estabelecida a fim de tentar entrever pela imagem e compreender o que
o artista quis representar nos traços e cores que compõem a imagem desvelada. Em ambos os
casos, percebemos que ela não existe sem um contexto, mesmo que traga a subjetividade, o
passado colado ao presente ou ao que está por vir, ela é sempre uma representação. Além
disso, o tempo que dedicamos a uma obra de arte, também interfere no nosso modo de
entendê-la. E ao transformarmos a pintura em narrativa, nós a conferimos uma vida infinita e
inesgotável. Também é preciso sempre lembrar que essas narrativas não devem ser definitivas
ou exclusivas, já que as análises de imagens são subjetivas como apontamos acima.
Dessa forma, algumas características são importantes de serem analisadas tanto ao se
pensar nas narrativas imagéticas, quanto nas imagens em si, como por exemplo: o que foi
imaginado pelo artista e o que foi realmente posto na tela. O que nós, “espectadores”, vemos,
lembramos ou aprendemos ao nos debruçarmos sobre uma imagem que nos interessa? As
percebemos como colada ao mundo social ou como mero símbolo representativo da nossa
trajetória histórica?
Para Michael Baxandall, nós “não explicamos as imagens, explicamos comentários a
respeito de imagens” (BAXANDALL apud MANGUEL, 2001, p.29), isso é possível diante
da complexidade que percebemos ao trabalhar com as imagens, pois todas elas são um mundo,
no sentido de que apresentam percepções próprias e únicas e que só podem ser entendidas no
seu contexto específico.
A ideia de recompor a história de uma cidade através de imagens não é inédita, sejam
elas fotografias ou pinturas, sendo que a primeira só foi possível a partir do século XX, e
atualmente, a maneira mais usual de se tentar retratar o presente, é através de uma câmera
fotográfica. As pinturas históricas, no caso, se comprometem com a representação do passado
mais longínquo, como é o caso das obras retratadas nos cartões telefônicos da cidade de
Ituiutaba, nos levando a tentar entender as intencionalidades contidas nelas, os interesses de
um dado grupo social em evidência na época e, ainda, reinterpretá-las a fim de relermos o
passado e compreendermos a dinâmica do presente.
Resultados
Inicialmente, é preciso analisar em qual contexto Ituiutaba estava incluída no ano de
seu centenário. Em 2001, a cidade era governada pelo prefeito Públio Chaves (1997 - 2004),
no ano da sua primeira eleição, pelo PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro),
ele conseguiu 79% dos votos válidos, evidenciando um alto índice de aceitação. Na visão de
vários moradores da cidade, durante o mandato de Chaves, Ituiutaba ficou conhecida como
um canteiro de obras, pois foram realizadas várias obras visando tanto os aspectos
urbanísticos quanto os de melhoria social.
A nosso ver, seria esse momento um marco de inserção da cidade no contexto de
desenvolvimento e do progresso tão apregoado por muitos administradores públicos e
absorvido pelos moradores de diversos municípios do interior do país e estampados nas obras
municipais, na substituição de antigos casarios por residências de arquitetura mais arrojada e
moderna ou por edifícios com torres acima de sete andares, marco visual da inserção da
cidade no desenvolvimento e no crescimento urbano, dentre outras possibilidades
interpretativas.
Um dos primeiros aspectos que temos que pensar é o de que se ao longo de sua
trajetória histórica Ituiutaba se demonstrou uma cidade antenada ao progresso, e como que a
partir dessa inserção se dão as relações e seu vínculos com o passado. Além disso, devemos
notar que a ideia de uma cidade em movimento foi o que propiciou a ela se reinventar sem
perder seus vínculos culturais com seu passado e nem deixar de estar aberta para receber as
transformações de agora. Entretanto, o passado descortinado foi aquele dos grandes feitos e
acontecimentos, marca da transição de um momento político ou econômico para outro,
incutindo na população uma história em mão única, mesmo que grande parte das pessoas
percebesse que aquela história oficializada não fosse a sua, ou que não tivesse nenhum
significado cultural para elas, foram as mesmas pessoas que passaram a ver de fora quadros
de uma memória oficial se cristalizar silenciando suas vozes e suas lembranças de uma outra
cidade. Por outro lado, foi essa imagem de cidade em franca expansão que atraiu um fluxo
migratório de pessoas de outros estado para Ituiutaba, a fim de buscarem novas oportunidades
de vida e trabalho.
Há mais de cinquenta anos a cidade recebe muitos migrantes e imigrantes vindos de
diversos lugares a procura de prosperidade, atraídos muitas vezes pelos ciclos econômicos que
sustentaram boa parte da economia local como a produção de grãos, no caso, o arroz que
conferiu a cidade o título de “Capital do Arroz” entre as décadas de 1950 e 1960. Depois
quando a produção de arroz deixa de ser o foco econômico da cidade, essa passa por uma
estagnação até o início dos anos 1990, quando a monocultura da cana-de-açúcar é instaurada,
o que atrai muitos migrantes, vindos, principalmente da região nordeste do país, que ao
chegarem à cidade se deparam com os mesmos problema da maioria das cidades brasileiras e
veem seus sonhos minarem e as perspectivas de dias melhores serem esfacelados.
O interessante de se perceber é que, quando o centenário se aproxima, o poder público
inicia um processo de inserção de toda a população num contexto de unidade municipal,
apresentando Ituiutaba como a cidade do progresso, mas que caminha sem esquecer aqueles
que a construíram. Dessa forma, o ano do centenário foi marcado por várias iniciativas a fim
de homenagear a cidade pela sua história. Nesse contexto, a CTBC Telecom, atual Algar
Telecom lançam um conjunto de cartões telefônicos. Em parceria com o pintor Elias José da
Silva Zoccoli, que é o autor das obras que estampam os cartões, que foram previamente
apresentadas em uma exposição. Essa iniciativa foi bastante divulgada, aparecendo inclusive
no Jornal do Pontal, que é o periódico diário da cidade.
A partir da análise das obras que estampam os cartões telefônicos sobre o centenário e
Ituiutaba, podemos perceber que há diversos interesses por trás da produção do projeto, como
a manutenção da visibilidade política e econômica da cidade interferindo no cotidiano dos
diferentes grupos sociais. Além disso, podemos pensar nas representações do social e do
cultural contidas na história oficial da cidade, e, por fim, entender como que o imaginário da
modernidade e do progresso impõe suas marcas a essa cidade “antenada” e quais suas
reflexões na oficialização e propagação de sua história.
Discussão
A coleção dos cartões telefônicos lançados nos meses de julho, agosto e setembro de
2001, pela CTBC/ALGAR Telecom é composta por nove exemplares, todos do artista Elias
Zoccoli, sendo eles: O velho casarão, Garimpo, Colheita de Arroz, Casarão, Praça da Matriz
de São José, Ribeirão de São Lourenço, Década de 30, Capela e Guerreiros. No verso de
cada cartão há uma pequena história que narra o tema da pintura, além de fornecer outras
informações como o número de série e a sua tiragem.
Para analisarmos essa fonte histórica nos munimos de uma ficha de análise de fonte
para pintura que elenca quatro fatores principais para que seja possível o uso dessa fonte:
1) Identificação da fonte:
a) Tipo de pintura / escola (pintura histórica/pintura a óleo/guache/aquarela)
b) Autor
c) Data da produção
d) Meio de circulação da imagem
e) Qual o tamanho original dos quadros?
f) Título da Obra
g) Onde está localizada a pintura? (museu/coleção particular)
Nessa primeira parte, é feita a análise técnica da obra, momento que pensamos na sua
produção e seus aspectos diversos, mais de orientação para o historiador na sua utilização. Por
exemplo, pensar o autor, sua produção, seu tamanho real, ajudam a compreender a dimensão
real da obra. Ao falarmos nos cartões telefônicos, temos que inicialmente pensar, na obra de
arte que foi composta pelo autor com um objetivo específico, pensar na sua universalidade
quanto obra, no seu universo particular. Somente a partir disso, é que podemos refletir sobre a
apropriação que é feita pela companhia telefônica ao distribuir e veicular essas imagens, justo
em uma época de criação e recriação da identidade local.
2) Análise da pintura
a) Quais os temas e questões construídos na pintura?
b) Quais os sujeitos sociais construídos na pintura?
c) Quais as tensões e conflitos construídos na pintura?
d) Quais os lugares sociais construídos na pintura?
e) Qual a construção de temporalidade?
f) Quais são as cores utilizadas? Que sensações elas provocam?
Após essa primeira leitura externa da obra é preciso focar na análise interna da obra.
No seu conjunto de fatores que independem do seu momento histórico. Isso é o que cada
pincelada na tela, diz por si só. Na verdade, o que ela diz para quem a está interpretando. Ou
seja, não há um diálogo próprio da obra sobre si mesma, pois a pintura, no caso é entendida
como uma representação que se manifesta a partir de uma narrativa própria que é cedida por
um agente que a analisa. Sendo assim, pensar nas cores, nos lugares construídos, os conflitos
representados e todo esse microcosmo que engloba a obra é extremamente necessário para ser
possível o diálogo entre os atributos internos e externos.
3) Análise do artista
a) Biografia
b) A quais movimentos artísticos, o artista esteve vinculado?
c) Como classificar a pintura analisada?
Apesar de a obra ser o nosso principal foco, não nos ater ao seu idealizador e produtor
seria desconsiderar a individualidade artística e sua forma de expressão. Por isso, é necessário
saber os principais dados da sua biografia, a que movimento artístico, essencialmente, está
vinculado. Não, no sentindo de limitar a sua obra, mas para facilitar o entendimento da sua
amplitude.
4) Interpretação da obra (reflexões a partir da análise realizada)
Por fim, é necessário fazer uma interpretação pessoal da obra. Para analisá-la não
basta elencarmos todos os seus dados técnicos, é preciso ir além, é preciso demonstrar
empatia pela obra, abrir possibilidade para o diálogo, deixar que emoções aflorem. Essa é a
principal qualidade da arte como manifestação humana, ser capaz de nos tocar e a partir disso,
nós moldamos a nossa função dentro de um contexto sociocultural. No Dicionário de
Filosofia, Nicola Abbagnano traz que, a arte:
Em seu significado mais geral, todo o conjunto de regras capazes de dirigir uma
atividade humana qualquer. [...] Para Platão, Arte é poesia [...] é a política e a guerra.
[...] é a medicina [...] é respeito e justiça (ABBAGNANO, 2007, p.81).
Dessa forma, a arte é essencial para a vida humana e nada mais justo que dedicar a arte
como sendo uma forma para construir, reconstruir, disseminar e propagar a identidade
humana, considerando seu coletivo, quais são os elos que unem as pessoas. No caso, o que faz
com que um cidade seja uma unidade além das decisões superiores do estado e do país. O que
une as pessoas, quais são seus hábitos em comum, suas práticas sociais, suas lutas, seus
sustentos e assim por diante. É com esse intuito que percebemos aqui os cartões telefônicos
lançados no segundo semestre de 2001.
Sendo assim, precisamos, inicialmente, conhecer o autor das obras. Elias José da Silva
Zoccoli, ou simplesmente, Elias Zoccoli, é natural do Rio Grande do Norte, mas, que aos dez
anos de idade mudou para São Paulo, em 1980, e dezenove anos depois se muda,
definitivamente, para Ituiutaba. Desde a época da capital paulista, o pintor já se expressava
como grafiteiro na zona sul da cidade. Além de pintor é também escultor e seu estilo pode ser
definido como uma mistura de arte urbana com “pop arte” contemporânea. No ano de 2001,
ele realizou a exposição: “Centenário de Ituiutaba”, a ideia de suas pinturas era o de retratar
esses cem anos de emancipação política da cidade. Atualmente, essas pinturas pertencem ao
acervo da Prefeitura Municipal e estão expostas em lugares como o gabinete do prefeito, nas
secretarias municipais, na Câmara dos Vereadores e também na Fundação Cultural do
município. Atualmente, o pintor faz parte da ALAMI - Academia de Letras, Artes e Música
de Ituiutaba, além de possuir reconhecimento tanto nacional quanto internacional.
A obra dos cartões telefônicos é composta de nove pinturas, como já foi dito. Podemos
dividi-los em três grupos devido a sua temática geral: o primeiro que foca em lugares, o
segundo nos trabalhadores e por fim, a história “antiga” da cidade.
Os lugares
Esse é o conjunto de mais obras disponíveis, com seis dos nove cartões sendo sobre
isso, são eles: Década de 30, Capela, O Velho Casarão, Casarão, Praça da Matriz de São
José e Ribeirão São Lourenço. É interessante notar que todas elas são compostas de cores
fortes, principalmente o azul para demonstrar o céu tijucano e também o verde.
No verso de cada cartão foi estampado informação sobre o que a obra representa. Pela
ordem cronológica de lançamentos, primeiro temos “O Velho Casarão”. Sobre ele, temos
escrito que: “1901 - O Velho Sobrado, no dia da instalação do município de Ituiutaba-MG,
com a Bandeira Nacional hasteada. Antigo Fórum, Cadeia Pública e a primeira Câmara
Municipal da cidade”. Esse é um momento simbólico da construção da cidade município,
pois é o momento de referendar sua emancipação, além de apresentar lugares em que são
marcos da ordem e do poder como é o caso do Fórum, a cadeia e a Câmara.
Ao analisarmos os aspectos visuais das imagens podemos ver a ideia do campo, as
árvores, o chão de terra, as pessoas com chapéus na cabeça com intenção de proteger do sol.
O céu sempre azul, apesar de que um pouco encoberto pelas nuvens. Referenda também as
relações campo/cidade e o dualismo entre esses espaços. O rural o local da produção do
alimento, do homem que retira seu sustento da terra, da tradição, da labuta diária, mas local da
felicidade. O urbano se sobrepõe ao rural sendo o lócus do poder e das transformações mais
evidentes.
O próximo cartão é sobre o “Casarão”: “O Casarão onde funcionou o primeiro
Hospital Santa Casa de Ituiutaba-MG. Hoje, tombado pelo Patrimônio Histórico Municipal,
foi totalmente restaurado e é, sem dúvida, um marco na valorização da história de Ituiutaba-
MG”. O Casarão o qual a obra se refere é hoje o MUSAI - Museu Antropológico de Ituiutaba,
que fica ao lado do Hospital São José mostrando ainda sua relação com a questão de saúde
pública, já que esse é o único hospital público da cidade. O progresso só se concretiza se
estiver atrelado ao crescimento e ao bem-estar de sua população. O hospital é o marco que
referenda a preocupação da Ituiutaba centenária com os seus moradores.
O MUSAI guarda em seu interior vários bens também tombados como patrimônio da
cidade, é interessante notar que com a restauração feita, o prédio ainda está bem fidedigno ao
seu original. A obra feita por Elias Zoccoli quase se assemelha a uma fotografia de tão
realístico que ficou a retratação da fachada da construção. O céu muito azul, e a grama do
jardim, verde, contrastam com a cor esbranquiçado-amarelada das paredes.
Já no caso da “Praça da Matriz de São José” é um resgate ao passado. Ela ainda existe
apesar de já ter sofrido várias alterações ao longo dos anos, deixando, por exemplo, de ser a
praça da Matriz para se tornar a Praça da Prefeitura. Antigamente, também, já alojou o
cemitério municipal, quando esse, era pertencente, essencialmente a ordem religiosa.
Sobre ela os cartões dizem que: “Praça da Matriz de São José com seu coreto, na
década de 30. nesta época, as pessoas saíam para passear e conversar nesta praça. Cenário
típico de uma cidade pacata.” O que podemos ver nessa descrição é a ideia do nostálgico,
afinal, são setenta anos que diferem a pintura da realidade em que ela estava sendo pintada. E,
apesar disso, Ituiutaba ainda tem traços dessa “cidade pacata, as pessoas ainda vão à praça
para passear, conversar e se divertir. Ao mesmo tempo em que os cartões tentam recuperar
fragmentos do passado para referendar o presente e o seu futuro promissor, tradição e
modernidade marcam o tempo, as narrativas, os olhares e as imagens descortinadas sobre a
cidade seja na forma de pinturas, fotografias ou flashes da memória de quem viveu esse
período e vivem a Ituiutaba de hoje.
Na época do centenário, havia uma ideia muito forte de mostrar como Ituiutaba estava
“no caminho do progresso” e que se modernizava rapidamente, de modo a trazer melhorias
para a vida social, econômica e política, apesar disso vários aspectos da vida “pacata” se
mantiveram e se mantém até hoje: ir à praça encontrar os amigos, ir a feira no domingo pela
manhã… São elementos que fazem parte da cultura e identidade local, mas que não foram
materializadas na forma de pinturas, uma vez que tais espaços não evidenciavam os espaços
frequentados pelas elites e famílias tradicionais.
Muitos dos elementos retratados na pintura ainda estão na praça, com algumas
mudanças, o coreto, por exemplo, virou o palanque da prefeitura, a praça foi urbanizada, há
alguns monumentos em homenagem a personalidades importantes. Ou seja, a praça foi
reestruturada pensando na sua visibilidade dentro do contexto social.
Intitulado com o nome de “Ribeirão de São Lourenço”, esse cartão retrata a
importância da sua hidrografia para o desenvolvimento da cidade. A cena específica retratada
na pintura é o de uma, provavelmente, fazenda, pois além dos bovinos, há uma casa antiga,
que notadamente está sendo corroída pelo tempo.
No verso vem escrito: “Captação de água bruta do Ribeirão São Lourenço que
abastece com água potável, toda a cidade de Ituiutaba-MG, que recebeu o Certificado ISO
9002 no processo de tratamento de água. É uma das poucas cidades da América Latina a
receber o certificado de Qualidade Total.”.
É interessante notar as cores fortes utilizadas pelo pintor, o azul da água do ribeirão é
bem marcante, as cores utilizadas para fazer o chão também. Além dos bois mostrados, é
possível um retrato mais fiel se nos atentarmos a alguns detalhes como as galinhas ciscando
próxima a casa, as roupas estendidas no varal ao fundo. A pessoa sentada do lado da casa. São
representações do cotidiano de pessoas que moram na região rural tijucana. Evidenciam um
cotidiano ligado ao passado rural e já reinventado pelas ações de efetivação do progresso e da
modernidade.
Os próximos dois cartões voltam as suas atenções para lugares urbanos, como é o caso
do “Década de 30” que faz alusão ao primeiro movimento de modernização e industrialização
da cidade que é tipicamente agrária. sobre ela vemos que: “Na década de 30, apareceram às
primeiras indústrias de Ituiutaba-MG. Algumas delas permanecem em atividade até hoje,
superando-se no mercado competitivo e são exemplos de amor e trabalho.”.
A indústria retratada é “A Fazendeira” que até hoje é uma grande produtora de
manteiga e outros derivados do leite. Nesse cartão é estampado com mais clareza a questão da
tentativa de solidificar uma identidade e uma marca de progresso que insere Ituiutaba no
cenário econômico nacional. A Fazendeira, conforme narram vários memorialistas locais é
resultado de investimentos comerciais feitos por algumas famílias na cidade, no início dos
anos de 1930. Tudo começou com uma máquina de beneficiamento de arroz que deu origem
as “indústrias Reunidas” da qual a Fazendeira faz parte. Em cada momento, é nítido a
preocupação da empresa em transformar a matéria-prima oriunda da agricultura numa
mercadoria a ser comercializada tanto na cidade quanto em diversas regiões do país. Manteiga,
óleo de algodão e outros derivados do leite eram as mercadorias mais vendidas pela empresa.
Para compreendermos essa inserção da cidade no processo produtivo de bens de
consumo direto, necessário se faz sintetizarmos os ciclos econômicos do município. As
lavouras de subsistência e no começo do século XX, a mineração e a inserção de Ituiutaba no
cenário industrial com a produção de mercadorias de consumo direto são, respectivamente, os
três momentos principais de desenvolvimento da sua economia. A exploração de riquezas
minerais a céu aberto deram o tom do povoamento do município no início da sua efetivação.
Em seguida, a agricultura de subsistência foi responsável por várias décadas pela manutenção
econômica do lugar até que a cultura do arroz se despontou no município, modificando sua
estrutura fundiária e de produção. As lavouras de arroz, durante a década 1950 foram as de
maior produção do estado, e Ituiutaba foi apelidada de capital do arroz, devido a sua grande
produção do grão. Tal feito segurou a economia local até os anos de 1990 quando a lavoura de
monocultura empreende um novo ritmo ao campo e a cidade.
O último cartão que retrata um espaço é o da “Capela” que tem uma descrição rápida:
“Terceira Capela de Ituiutaba-MG, na avenida 7, em 1862, com seus fiéis retornando para
suas casas após o encerramento da missa.” Apesar de descrição tão simplória, a capela em
questão, é a igreja católica mais importante da região, sendo hoje a Catedral da cidade, com o
nome do santo padroeiro: São José. É em torno da igreja que surge as principais atividades da
cidade, pois além de sua localização privilegiada na região central, foi à primeira paróquia da
cidade e sua fundação remonta o início do século XIX. Quando Ituiutaba, ainda era conhecida
como Arraial de São José do Tijuco.
Um fato interessante é que a edificação que temos hoje não é a mesma dessa época,
pois em 1938 ocorreu um incêndio que destruiu todo o prédio, salvando-se apenas a imagem
de São José e São Pedro. A nova construção mantém vários aspectos da sua antecessora, tanto
que é possível reconhecer na antiga os espaços da nova.
Nesse quadro, podemos ver a identidade religiosa da cidade, que, desde os seus
primórdios esteve ligada a catolicismo, ir à igreja no domingo pela manhã ainda é um ato
bastante corriqueiro, apesar de nos últimos anos outras formas de religiosidade ganharem
destaque.
Outro aspecto em que as imagens não desvelam por si só, são as histórias vividas e
práticas por antigos moradores nesses locais e que permanecem vivos na memória de seus
descendentes, como é o caso que envolve uma das festas populares, hoje mais tradicionais da
cidade que é a festa em homenagem a São Benedito. No local onde foi construída a referida
capela, existia outra onde a população negra da cidade realizava as festividades em devoção a
São Benedito e Nossa Senhora do Rosário. Nos idos de 1900, os negros foram proibidos de
cultuarem suas crenças no local e com a construção da nova edificação foram expulsos para a
periferia da cidade pelo pároco da época. Tal acontecimento marca bem a imposição de uma
cultura dita letrada em detrimento das manifestações da cultura popular da época, segregadas
para áreas mais distantes da cidade a fim de pulverizá-las fazendo com que até mesmo a
religiosidade da população fosse ditada seguindo os moldes da Igreja da época e os desejos da
população de poder aquisitivo elevado que habitavam a região central da cidade.
Os trabalhadores
Esses dois cartões retratam o mundo do trabalho, mas, além dele dois importante
ciclos econômicos: o garimpo e a produção de arroz na cidade. O garimpo foi essencial para o
aumento da população de Ituiutaba, antes mesmo dessa ser uma cidade, ainda como Arraial de
São José do Tijuco e depois como Vila Platina. Mas, a escassez dos minérios encontrados foi
rápida, não durando nem duas décadas. O plantio de arroz se iniciou ainda nos anos 30, mas
foi na década de 50 que chegou ao seu auge, havendo diversas máquinas de beneficiamento
do arroz espalhadas pela cidade, o que gerou outro surto demográfico, trazendo pessoas,
principalmente atraídas pelo desenvolvimento econômico.
De forma geral, Ituiutaba sempre atraiu muitos migrantes, principalmente da região
nordeste do país. Esses são a força produtiva tijucana e que acabaram por fixar residência e
aderir aos costumes locais além de incorporar também outras formas de se vestir, comer e
viver.
Pela ordem cronológica, o primeiro cartão, então é o “Garimpo” e sua descrição é a
seguinte: “Garimpo de diamantes no rio Tijuco que concorreu e colaborou para o aumento
da população de Ituiutaba-MG. Era a idade do ouro que se iniciava”. Na pintura são
apresentados dois trabalhadores, com as grandes peneiras de garimpo, ambos usam chapéus
que são maiores dos que os comuns, para mostrar a tentativa de proteção contra o sol forte. É
interessante notar o modo como eles são retratados, suas roupas, o tom de pele, o fato dos dois
serem do sexo masculino, mostrando também aspectos da sociedade da época. Além de ser
possível dizer que eles estão inseridos dentro do rio, representando como que era o cotidiano
desses trabalhadores.
A “Colheita de Arroz” apesar de também enfocar no trabalho, o apresenta de outra
forma, inicialmente temos sua breve descrição: “Na década de 60, Ituiutaba-MG projetou-se
nacionalmente como a “Capital do Arroz, também conhecida como “ARROZCAP”.” A
apresentação que é feita do plantio de arroz se assemelha a uma produção caseira, há três
pessoas em cena, sendo, uma delas uma mulher. As duas casas mostradas ao fundo, trazem
justamente essa ideia de algo mais rudimentar. Apesar da grande produção, a relação do
homem com a terra é bastante evidente e próxima. Outro elemento que pode ser observado é
no fundo da pintura algo que se assemelha com morros, apesar de essa ser uma região já do
planalto central e do cerrado, ainda há alguns morros, sendo alguns deles importantes como o
do “Corpo Seco” que alimenta lendas locais.
História “antiga”
O último cartão da coleção é intitulado de “Guerreiros” e faz uma homenagem aos
indígenas que aqui habitavam antes da colonização e da chegada dos posseiros. Sua descrição
é: “Os primeiros habitantes de Ituiutaba em 1820, século XIX, foram os índios Caiapós (ramo
do grupo Gê ou Tapuia) que eram os donos das terras da região. Foram obrigados a
entregar suas terras para os posseiros que aqui chegaram.”.
Esse cartão é na verdade, composto por duas pinturas de Elias Zoccoli e trabalham
mais com a questão da imagem do índio, não há uma alusão real a sua força, mas as suas
feições e adornos como pinturas e colares, talvez pelo fato de a própria história local, contada
e recontada pelos seus memorialistas terem silenciado a importância das comunidades
indígenas aqui existentes na época de sua ocupação, os tratando como nocivos ao crescimento
e ao progresso que Ituiutaba procurava seguir. Mesmo, assim, atualmente é nítida a
importância dos indígenas para a composição cultural de Ituiutaba, referendado por vários
trabalhos arqueológicos desenvolvidos na região do Pontal e que tem realizado descobertas
significativas e que em alguns anos poderão recompor a escrita oficial da história da cidade.
No MUSAI é possível encontrar alguns objetos remanescentes dessas tribos que foram
tombados pelo patrimônio histórico municipal, e protegido pela Fundação Cultural de
Ituiutaba.
Considerações
Como todos os trabalhos que se voltam para o estudo da condição humana, seria
impossível trazer uma conclusão final sobre o assunto. Os noves cartões telefônicos
produzidos pela CTBC/Algar Telecom no intuito de homenagear a cidade de Ituiutaba pelo
seu centenário, evidenciam uma construção cultural do que é ser o tijucano, os modos de vida
dentro do universo da cidade, considerando aspectos como sua economia, sua política e
também da sua cultura.
A formação da identidade de um local ocorre por muitos meios. Mas, ao entendermos
o esforço pela sua perpetuação, podemos compreender quais são os poderes em vigência e de
que forma esse ato pode favorecer uma situação posta ou contribuir para a formação de uma
nova realidade.
Atualmente, Ituiutaba está com 112 anos, doze anos se passaram desde o centenário,
mas algumas características de seu espírito festivo ainda podem ser vistas na sociedade, como
a necessidade de perpetuar uma tradição identitária. A nossa função como agentes dessa
realidade social e cultural é compreender com quais intencionalidades são produzidas e
reproduzidas essas identidades, qual é o seu diálogo com a realidade e o porquê de existirem.
Nesse sentido, compreender as diversas possibilidades de releituras do processo de
construção da identidade cultural local a partir das reflexões em torno do processo histórico
da fundação e desenvolvimento de Ituiutaba por meio das imagens contidas nos cartões
telefônicos, levou-nos a confrontar as narrativas oficiais com outras histórias, que compõem a
memória de muitos atores sociais que, ao enveredarem por outras experiências nos auxiliaram
reler a cidade com outra lógica interpretativa, pois pudemos perceber que:
Contar histórias sempre foi à arte de contá-las de novo, e ela se perde quando as
histórias não são mais conservadas. Ela se perde porque ninguém mais fia ou tece
enquanto ouve a história. Quanto mais o ouvinte se esquece de si mesmo, mais
profundamente se grava nele o que é ouvido. Quando o ritmo do trabalho se apodera
dele, ele escuta as histórias de tal maneira que adquire espontaneamente o dom de
narrá-las. Assim se teceu a rede em que está guardado o dom narrativo.
(BENJAMIN, 1986, p.205).
Esse movimento de contar e recontar histórias, de recuperar sujeitos e fatos esquecidos
ou adormecidos nos permitiu entrever pelas muitos enredos em torno da origem e
desenvolvimento de Ituiutaba-MG, desatando nós e realinhavando os fios de uma história
local ancorada no viver a cidade pelos diversos atores sociais questionando as "verdades"
materializadas na história da cidade.
Nesse sentido a interpretação das imagens, contidas nos cartões telefônicos, nos
auxiliaram na compreensão dos vários sentidos em torno da construção da história do lugar,
das representações socioculturais que alinhavaram e atam os “nós” das muitas formas de ver e
ler a cidade, recompondo cenários, identidades e narrativas da cidade.
Nessa perspectiva, o estudo da história da cidade, por meio de imagens nos permitiu
transitar temporal e espacialmente pela Ituiutaba que viveu o “boom” da produção do arroz,
passando pelo crescimento das atividades comerciais, de beneficiamento de grãos, que deu a
cidade o título de “capital do arroz”, se transformando, sobretudo a partir dos anos de 1990,
no município referência na produção da cana de açúcar e de seu beneficiamento, até a
chegada aos anos 2000.
Muitas transformações sociais, econômicas, políticas e culturais se estabeleceram nesse
período, como também se reinventaram as muitas formas de manutenção dos laços culturais
tradicionais, pois houve a inserção de novos sujeitos dentro desse processo produtivo, a
maioria vinda da região nordeste do país, que imprimiram sua marca na cultura local e
receberam a influência cultural do município e que redimensiona a construção da identidade
dos grupos sociais.
Dedutível de tudo isso é que a leitura das imagens nos permite rever a história, pensar a
cidade e as diversas narrativas que compõem o seu novelo histórico como constituinte de um
“espaço de experiência, sensorial e intelectual [...]” (BOLLE, 2000, p.272) que nos permite,
agora, lê-la sob a égide da reflexão, na tentativa de reordenar o cenário dinâmico dessas
narrativas frente à necessidade de (re) leitura de efetivação de tantas narrativas.
São essas possibilidades que nos direcionam para uma ponderação em relação à
recomposição da escrita da história local. Entretanto, vale levar adiante a preocupação de
Flores (2007, p.270) 4 que indica que “identidade não é o resultado fechado de heranças
culturais, mas a produção contínua e dolorida de criações diárias, inseridas no jogo social”.
Por fim, além de vermos como as imagens são importantes para a vida humana de forma geral,
principalmente ao as entendermos como narrativas, produzidas com um intuito, podemos
compreender justamente a necessidade do homem de se manifestar pela arte a fim de entender
os acontecimentos que o cercam.
Referências
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Walter Benjamin. 2 ed., São Paulo: Edusp, 2000.
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(orgs). Narrativas, Imagens e Práticas Sociais – Percursos em História Cultural. Porto
4 FLORES, Maria Bernardes Ramos. Carrosséis urbanos: da racionalidade moderna ao pluralismo temático
(ou territorialidades contemporâneas). In: REVISTA BRASILEIRA DE HISTÓRIA, vol. 27, n° 53, São
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