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ORELHA:PAULOBONAVIDESéDoutorhonoriscausapelaFaculdade
deDireitodaUniversidadedeLisboa;ProfessorEméritodafaculdadede
DireitodaUniversidadeFederaldoCeará;ProfessorVisitantenas
UniversidadesdeColonia(1982),Tennessee(1984)eCoimbra(1989);
LentenoSeminárioRomânicodaUniversidadedeHeidelberg(1952-
1953);MembroCorrespondentedaAcademiadeCiênciadaRenâniado
Norte-Westfália(Alemanha);MembroCorrespondentedo“Institutode
DerechoConstitucionalyPolítico”,dafaculdadedeCiênciasJurídicase
SociaisdaUniversidadeNacionaldeLaPlata,naArgentina;Membro
CorrespondentedoGrandeColégiodeDoutoresdaCatalunha
(Espanha);MembrodoComitêdeIniciativaquefundouaAssociação
InternacionaldeDireitoConstitucional(Belgrado);Membroda
“AssociationInternationaledeSciencePolitique”(França),da
“InternationaleVereinigungfuerRechtsundSozialphilosophie”
(Wiesbaden,Alemanha),daAcademiaBrasileiradeLetrasJurídicas,do
InstitutoIbero-americanodeDireitoConstitucional,daOrdemdos
AdvogadosdoBrasiledoInstitutodosAdvogadosBrasileiros;“Niemann
fellow-Associate”daUniversidadedeHarvard(1944-1945);prêmio
CarlosdeLaetdaAcademiaBrasileiradeLetras(1948)ePrêmio
MedalhaRuiBarbosadaOrdemdosAdvogadosdoBrasil(1996).
Dentresuasobrascabedestacar:
•CursodeDireitoConstitucional(10aed.,2000);
•TeoriadoEstado(3aed.,1995);
•Reflexões-PolíticaeDireito(3aed.,1998);
•AConstituiçãoAberta(2ªed.,1996);e
•DoEstadoLiberalaoEstadoSocial(6aed.,1996),
todasporestaEditora,alémdePolíticaeConstituição:osCaminhosda
Democracia(1985)eConstituinteeConstituição(2aed.,1987).
CONTRACAPA:CIÊNCIAPOLÍTICA-PauloBonavides:Estaedição,
revistaeatualizada,éumacontecimentoderelevonabibliografia
políticadoPaís.Raramenteumaobradessegênero,versandoa
temáticodaciênciadogoverno,tevetãovastaaceitaçãonomeio
universitáriobrasileiroquantoestadoProfessorPauloBonavides.
Desdemuito,elasetornouumaespéciedevademecumdosestudantes
deCiênciaPolítica.Vazadoemlinguagemlímpidaeelegante,
transcendeuasestantesdetodaumageraçãodealunosdasnossas
Universidadesatélograr,comigualêxitoeabrangência,afamiliaridade
deumcírculocadavezmaisamplodeleitores,emtodososmeios
cultos,ondeointeressepelofenômenopolíticoepelodestinodas
instituiçõesquenosgovernamépreocupaçãodecadadia.
Clássica,didáticaeatraente,estaobrafazjusaoprestígioeinfluência
dequedesfruta,tantonasesferasacadêmicascomonoutrasfaixasdo
públicovolvidoparaessamatéria,semdúvidafascinante.
QuantoaoAutor,trata-sedeumpublicistaconsagrado,nacionale
internacionalmente,figurando,semfavor,comodisseoMinistro
OswaldoTrigueiro,entreosprecursoresdaCiênciaPolíticaemnosso
País.
http://groups.google.com/group/digitalsource
CIÊNCIAPOLÍTICA
PAULOBONAVIDES
CIÊNCIAPOLÍTICA
10ªedição
(revista,atualizada)
9atiragem
CIÊNCIAPOLÍTICA
©PAULOBONAVIDES
1ªed.1967;2aedição1972;2aedição,2ªtiragem,1974;
3aedição,1976;4aedição,1978;5aedição,1983;6aedição,1986;
7ªedição,1988;8aedição,1992;9aedição,1993;
(todaspelaCompanhiaEditoraForense)
10aedição,1atiragem,1994;2ªtiragem,06.1995;
3atiragem,04.1996;4atiragem,02.1997;5atiragem,07.1997;
6atiragem,01.1998;7atiragem,02.1999;8atiragem,01.2000.
ISBN85-7420-023-9
Direitosreservadosdestaediçãopor
MALHEIROSEDITORESLTDA.
RuaPaesdeAraújo,29,conjunto171
CEP04531-940—SãoPaulo—SP
Tel.:(0xx11)3842-9205
Fax:(0xx11)3849-2495
URL:www.malheiroseditores.com.br
e-mail:[email protected]
Composição
HelvéticaEditorialLtda.
Capa
VâniaLúciaAmato
ImpressonoBrasil
PrintedinBrazil
04-2000
AYeda,apresençadesempre,no
sofrimentoenasalegrias
A
RaimundoPascoalBarbosa
PauloLopoSaraiva
DemócritoRochaDummar
HildebrandoEspínola
RobertoÁtilaAmaralVieira
WillysSantiagoGuerra
CiroGomes
Àmemóriade
AnnibalFernandesBonavides
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO,
PREFÁCIODA1ªEDIÇÃO,
PREFÁCIODA2ªEDIÇÃO,
PREFÁCIODA3ªEDIÇÃO,
PREFÁCIODA4ªEDIÇÃO,
CAPÍTULOI—CIÊNCIAPOLÍTICA
1.ConceitodeCiência—2.Naturalistasversusidealistas
(espiritualistas,historicistaseculturalistas)—3.ACiênciaPolíticaeas
dificuldadesterminológicas—4.Prismafilosófico—5.Prisma
sociológico—6.Prismajurídico—7.Tendênciascontemporâneaspara
otridimensionalismo.
CAPÍTULO2—ACIÊNCIAPOLÍTICAEASDEMAISCIÊNCIAS
SOCIAIS
1.ACiênciaPolíticaeoDireitoConstitucional—2.ACiênciaPolíticae
aEconomia—3.ACiênciaPolíticaeaHistória—4.ACiênciaPolíticae
aPsicologia—5.ASociologiaPolítica,umanovaameaçaàCiência
Política?.
CAPÍTULO3—ASOCIEDADEEOESTADO
1.ConceitodeSociedade—2.AinterpretaçãoorganicistadaSociedade
—3.Aréplicamecanicistaaoorganicismosocial—4.Sociedadee
Comunidade—5.ASociedadeeoEstado—6.ConceitodeEstado;6.1
Acepçãofilosófica;6.2Acepçãojurídica;6.3Acepçãosociológica—7.
ElementosconstitutivosdoEstado.
CAPÍTULO4—POPULAÇÃOEPOVO
1.Conceitodepopulação—2.Desafiodofantasmamalthusianoao
EstadoModerno—3.Aexplosãodemográficaameaçaofuturoda
humanidade—4.Opesadelodossubdesenvolvidos—5.Opessimismo
dasestatísticas—6.Aposiçãoprivilegiadadospaísesdesenvolvidos—
7.Conceitopolíticodepovo—8.Conceitojurídico—9.Conceito
sociológico.
CAPÍTULO5—ANAÇÃO
1.Nação:umconceitoequívoco?—2.Oerrodetomarinsuladamente
elementosformadoresdoconceitodenação:raça,religiãoelíngua—3.
Oconceitovoluntarismodenação—4.Oconceitonaturalísticode
nação—5.PassosnotáveisdaobradeRenanfixandooconceitode
nação—6.AnaçãoorganizadacomoEstado:oprincípiodas
nacionalidadeseasoberanianacional.
CAPÍTULO6—DOTERRITÓRIODOESTADO
1.ConceitodeTerritório—2.Oproblemadomarterritorial—3.Os
limitesdomarterritorialbrasileiro—4.Subsoloeplataforma
continental;4.1AONUeaplataformacontinental;4.2OBrasilea
plataformacontinental—5.Oespaçoaéreo—6.Oespaçocósmico—7.
ExceçõesaopoderdeimpériodoEstado—8.Concepçãopolíticado
Território—9.ConcepçãojurídicadoTerritório;9.1Ateoriado
Território-Patrimônio;9.2AteoriadoTerritório-Objeto;9.3Ateoriado
Território-Espaço;9.4AteoriadoTerritório-Competência.
CAPÍTULO7—OPODERDOESTADO
1.Doconceitodepoder—2.Imperatividadeenaturezaintegrativado
poderestatal—3.Acapacidadedeauto-organização—4.Aunidadee
indivisibilidadedopoder—5.Oprincípiodelegalidadeelegitimidade,
—6.Asoberania,110.
CAPÍTULO8—LEGALIDADEELEGITIMIDADEDOPODER
POLÍTICO
1.Oprincípiodalegalidade—2.Oprincípiodalegitimidade—3.Como
seformouoprincípiodalegalidadeeaespéciedelegitimidadequeesse
princípioprocurouestabelecer—4.Acrisehistóricadalegalidadee
legitimidadedopoder—5.Aconsideraçãofilosóficadoproblemada
legitimidade—6.Osfundamentossociológicosdalegitimidade;6.1A
legitimidadecomorepresentaçãodeumateoriadominantedopoder;6.2
Astrêsformasbásicasdemanifestaçãodalegitimidade:acarismática,a
tradicionalealegalouracional—7.Oaspectojurídicodalegitimidade
—8.Alegitimidadenoexercíciodopoder—9.Alegalidadeea
legitimidadedopodercomotemasdaCiênciaPolítica.
CAPÍTULO9—ASOBERANIA
1.Oproblemadasoberania—2.Formaçãohistóricadoconceitode
soberania—3.Afirmaçãoabsoluta,afirmaçãorelativaenegaçãodo
princípiodesoberania—4.Traçoscaracterísticosdasoberania—5.O
titulardodireitodesoberania:asdoutrinasteocráticaseasdoutrinas
democráticas—6.Doutrinasteocráticas;6.1Doutrinadanatureza
divinadosgovernantes;6.2Doutrinadainvestiduradivina;6.3Doutrina
dainvestiduraprovidencial—7.Asdoutrinasdemocráticas;7.1A
doutrinadasoberaniapopular;7.2Adoutrinadasoberanianacional—
8.Revisãodoconceitodesoberania.
CAPÍTULO10—ASEPARAÇÃODEPODERES
1.Origemhistóricadoprincípio:soberaniaeseparaçãodepoderes—2.
Osprecursoresdaseparaçãodepoderes—3.Adoutrinadaseparação
depoderesnaobradeMontesquieu—4.Ostrêspoderes:legislativo,
executivoejudiciário—5.Astécnicasdecontrolecomocorretivoparao
rigorerigidezdaseparaçãodepoderes—6.Primadodaseparaçãode
poderesnadoutrinaconstitucionaldoliberalismo—7.Embuscade
umquartopoder:omoderador—8.Declínioereavaliaçãodoprincípio
daseparaçãodepoderes.
CAPÍTULO11—OESTADOUNITÁRIO
1.DoEstadounitário—2.OEstadounitáriocentralizadoeasformas
de
centralização;
2.1Centralização
política;
2.2Centralização
administrativa;2.3Centralizaçãoterritorialecentralizaçãomaterial;2.4
Centralizaçãoconcentrada;2.5Centralizaçãodesconcentrada—3.
Vantagensedesvantagensdacentralização—4.OEstadounitário
descentralizado:adescentralizaçãoadministrativa—5.OEstado
unitáriodescentralizadoeoEstadofederal.
CAPÍTULO12—ASUNIÕESDEESTADOS
1.AsUniõesdeEstados;1.1UniõespartidáriaseUniõesdesiguais;1.2
UniõesdeDireitoInternacionaleUniõesdeDireitoConstitucional;1.3
UniõessimpleseUniõesinstitucionais—2.AUniãoPessoal—3.A
UniãoReal;3.1TeoriajurídicadaUniãoReal;3.2DoconceitodeUnião
Real;3.3Aspectosjurídicos,políticoseadministrativosdeUniãoReal;3.4
ExemploshistóricosdeUniãoReal—4.AConfederação—5.A
“Commonwealth”—6.AsUniõesdesiguais:oEstadoprotegidoeas
modalidadesdeProtetorados—7.OutrasformasdeUniõesdesiguais;
7.1OEstadovassalo;7.2OEstadosobmandatoeadministração
fiduciária—8.DoProtetorado“imperialista”aoProtetorado“ideológico”
(eimperialista).
CAPÍTULO13—OESTADOFEDERAL
1.ConceitodeEstadofederal—2.OEstadofederalcomoFederação;
2.1DistinçãoentreFederaçãoeConfederação;2.2Aleidaparticipaçãoe
aleidaautonomia—3.OEstadofederalemsimesmofrenteaos
Estados-membros;3.1Oladounitáriodaorganizaçãofederal;3.2A
supremaciajurídicadoEstadofederalsobreosEstadosfederados—4.
OsEstados-membroscomounidadesconstitutivasdosistema
federativo—5.Acrisedofederalismo:ocasooutransformaçãoda
ordemfederativaesuarepercussãonoBrasil.
CAPÍTULO14—ASFORMASDEGOVERNO
1.FormasdegovernoeformasdeEstado—2.Aclassificaçãode
Aristóteles:monarquia,aristocraciaedemocracia—3.Oacréscimo
romanoàclassificaçãodeAristóteles:ogovernomisto(Cícero)—4.As
modernasclassificaçõesdasformasdegoverno:deMaquiavele
Montesquieu—5.Formasfundamentaiseformassecundáriasde
governo(Bluntschli)—6.Asformasdegovernosegundoocritérioda
separaçãodepoderes:governoparlamentar,governopresidenciale
governoconvencional—7.Acrisedaconcepçãogovernativaeasduas
modalidadesbásicasdegoverno:governospeloconsentimentoe
governospelacoação.
CAPÍTULO15—OSISTEMAREPRESENTATIVO
1.Osistemarepresentativoeasdoutrinaspolíticasdarepresentação—
2.Adoutrinada“duplicidade”,alicercedoantigosistemarepresentativo
daépocadoliberalismo—3.ARevoluçãofrancesaconsolidaadoutrina
da“duplicidade”—4.Apogeunaaplicaçãoconstitucionaldadoutrina
da“duplicidade”—5.Declínioda“duplicidade”noséculoXX—6.A
críticadeRousseauaosistemarepresentativo—7.Adoutrinada
“identidade”:governantesegovernados,umasóvontade—8.A
doutrinada“identidade”supõeopluralismodasociedadedegrupos—
9.Oprincípiodemocráticoda“identidade”éumanovailusãodo
sistemarepresentativo—10.Nadinâmicadosgruposedascategorias
intermediáriasseachaanovarealidadedoprincípiorepresentativo—
11.Adecomposiçãodavontadepopulardeterminouacrisedosistema
representativo:doprincípiodarepresentaçãoprofissionalaosgruposde
pressãonoEstadocontemporâneo—12.Umanovateoriada
representaçãopolítica,defundamentomarxista:arepresentaçãocomo
simplesrelaçãoentregovernantesegovernados(Sobolewsky).
CAPÍTULO16—0SUFRÁGIO
1.Osufrágio—2.Éosufrágiodireitooufunção?—3.Osufrágiocomo
“direitodefunção”(doutrinaitaliana)—4.Osufrágiorestrito—5.O
sufrágiouniversal—6.Restriçõesaosufrágiouniversal;6.1
Nacionalidade;6.2Residência;6.3Sexo;6.4Idade;6.5Capacidade
físicaoumental;6.6Graudeinstrução;6.7Aindignidade;6.8Oserviço
militar;6.9Oalistamento—7.Apropagaçãodosufrágiouniversal—8.
Sufrágiopúblicoesufrágiosecreto—9.Sufrágioigualesufrágioplural
—10.Modalidadesdesufrágioplural;10.1Sufrágiomúltiplo;10.2
Sufrágiofamiliar—11.Sufrágiodiretoesufrágioindireto—12.A
participaçãodoanalfabeto.
CAPÍTULO17—OSSISTEMASELEITORAIS
1.Daimportânciadossistemaseleitorais—2.Osistemamajoritáriode
representação—3.Asvantagensdosistemamajoritário—4.Os
inconvenientesdosistemamajoritário—5.Osistemaderepresentação
proporcional—6.Efeitospositivosdarepresentaçãoproporcional—7.
Efeitosnegativosdarepresentaçãoproporcional—8.Problemasda
representaçãoproporcional:adeterminaçãodonúmerodecandidatos
eleitos(sistemasadotados)—9.Oproblemadas“sobras”eleitoraiseos
métodosempregadospararesolvê-lo—10.Oproblemadaeleiçãodos
candidatosnaslistaspartidárias—11.As“cláusulasdebloqueio”
(Sperrklauseln)eaameaçarepressivaquepesasobreospequenos
partidos—12.Osistemaeleitoralbrasileiro:princípiomajoritárioe
princípioderepresentaçãoproporcional.
CAPÍTULO18—0MANDATO
1.Danaturezadomandato—2.Omandatorepresentativo—3.Traços
característicosdomandatorepresentativo;3.1Ageneralidade;3.2A
liberdade;3.3Airrevogabilidade;3.4Aindependência—4.Omandato
imperativo;4.1Ascensãocontemporâneadomandatoimperativo.
CAPÍTULO19—ADEMOCRACIA
1.Doconceitodedemocracia—2.Ademocraciadireta:suaprática
tradicionalnoEstado-cidadedaGrécia;2.1Asbasesdademocracia
grega:aisonomia,aisotimiaeaisagoria;2.2Oelogiohistóricoda
democracianaantigüidadeclássica—3.Ademocraciaindireta
(representativa)eaimpossibilidadedoretornoàdemocraciadireta;3.1
Ostraçoscaracterísticosdademocraciaindireta;3.2Ademocracia
semidireta—4.AdemocraciasemidiretanoséculoXX.Apogeue
declíniodeseusinstitutos—5.Ademocraciaeospartidospolíticos:a
realidadecontemporâneadoEstadopartidário.
CAPÍTULO20—OSINSTITUTOSDADEMOCRACIASEMIDIRETA
1.Osinstitutosdademocraciasemidireta—2.Oreferendum;2.1
Modalidadesdereferendum;2.2Ocritériodaclassificaçãodo
referendum;2.3Oreferendumconsultivo;2.4Oreferendumarbitral;2.5
Asvantagensdoreferendum;2.6Osinconvenientesdoreferendum;2.7
Síntese
dos
resultados
do
referendum
no
constitucionalismo
contemporâneo—3.Oplebiscito—4.Ainiciativa—5.Odireitode
revogação;5.1Orecall;5.2Orecalldosjuizesedasdecisõesjudiciárias;
5.3OAbberufungsrecht—6.Oveto.
CAPÍTULO21—OPRESIDENCIALISMO
1.Asorigensamericanasdosistemapresidencialdegoverno—2.Os
princípiosbásicosdopresidencialismo—3.RelaçõesentreExecutivoe
Legislativonaformapresidencialdegoverno—4.Ospoderesdo
PresidentedaRepública—5.OpoderpresidencialnosEstadosUnidos
—6.OpoderpresidencialnoBrasil(asatribuiçõesdoPresidenteda
República)—7.AmodernizaçãodopoderExecutivoeoperigodas
“ditadurasconstitucionais”—8.OMinistério—9.OMinistériono
presidencialismobrasileiro—10.AfiguraconstitucionaldoVice-
Presidente;10.1Ainutilidadedocargo;10.2UmVice-Presidenteparaser
ouvidoenãoapenasvisto;10.3OVice-Presidentenascrisesdasucessão
presidencial;10.4AvaloraçãodeliberadadaVice-Presidêncianos
EstadosUnidos;10.5AsubstituiçãodoPresidenteemcasode
incapacidade—11.AVice-Presidêncianopresidencialismobrasileiro—
12.OCongressoeacompetênciadasCâmarasnosistemapresidencial
—13.Opresidencialismo,técnicadademocraciarepresentativa—14.
Osvíciosdopresidencialismo—15.Oimpeachmenteaausênciade
responsabilidadepresidencial—16.AeleiçãodoPresidenteda
Repúblicaeoimpeachmentnosistemapresidencialbrasileiro—17.
Elogiodosistemapresidencialdegoverno—18.Opresidencialismono
Brasil:surpresaeintempestividadedesuaadoção—19.Omalogroda
experiênciapresidencialeotestemunhoidôneodeRuiBarbosa.
CAPÍTULO22—OPARLAMENTARISMO
1.Aformaçãohistóricadosistemaparlamentar:ogoverno
representativoeamonarquialimitadacomopontodepartida—2.O
parlamentarismo
dualista
(monárquico-aristocrático)
ou
parlamentarismoclássico;2.1Aigualdadeentreoexecutivoeo
legislativo;2.2Acolaboraçãodosdoispoderesentresi;2.3Aexistência
demeiosdeaçãorecíprocanofuncionamentodoexecutivoedolegislativo
—3.Oparlamentarismomonista(democrático),característicodoséculo
XX—4.Dogovernoparlamentaraogovernodeassembléia(governo
convencional)—5.Criseetransformaçãodoparlamentarismo:as
tendências“racionalizadoras”contemporâneas—6.Dopseudo-
parlamentarismodoImpério(umparlamentarismobastardo)aoAto
Adicionalde1961,comomalogrodanovatentativadeimplantaçãodo
sistemaparlamentarnoBrasil.
CAPÍTULO23—OSPARTIDOSPOLÍTICOS
1.Dadefiniçãodopartidopolítico—2.Oconceitodepartidodoséculo
XX—3.Aimpugnaçãodoutrináriadospartidospolíticos—4.Partidos
efacções—5.Oelogiodopartidopolíticoeacompreensãodesua
importânciaessencialparaoEstadomoderno—6.Omissãoepresença
dospartidosnaliteraturapolíticaejurídica—7.Ospartidospolíticos
comorealidadesociológica:suaausênciadostextosconstitucionais—
8.
Os
partidos
políticos
como
realidade
jurídica:
tendência
contemporâneaparainseri-losnasConstituições—9.Asmodalidades
departidos:partidospessoaisepartidosreais(Hume),partidosde
patronagemepartidosideológicos(Weber),partidosdeopiniãoe
partidosdemassas(Burdeau),partidosdomovimentoepartidosda
conservação(Nawiasky).
CAPITULO24—OSSISTEMASDEPARTIDOS
1.Sistemabipartidário—2.Osistemamultipartidário—3.Opartido
único—4.Ateoriamarxistadopartidopolítico—5.Arepresentação
profissionaleospartidospolíticos—6.OpartidopolíticonaInglaterra
—7.OpartidopolíticonosEstadosUnidos.
CAPÍTULO25—OPARTIDOPOLÍTICONOBRASIL
1.AescassezdeestudossobreopartidopolíticonoBrasil—2.
Conservadoreseliberais,noImpério,reduzidosaumsópartido:odo
poder—3.Mentalidadeantipartidáriaeestadualismodospartidosna
RepúblicaVelha—4.Areformaeleitoraleopartidopolíticodepoisda
Revoluçãode1930—5.OretrocessodoEstadoNovo:extinçãodospar-
tidospolíticosemalogrodopartidoúnico—6.Ainstitucionalização
jurídicadospartidospolíticosnoBrasil(oavançodaConstituiçãode
1946)eacrisedopartidonacional—7.Requisitosparaaformaçãodos
partidoseevoluçãodosistemapartidárionasconstituiçõesbrasileiras
—8.OnovoEstadopartidáriodoConstitucionalismobrasileiro;8.1O
regimerepresentativoedemocrático;8.2Apersonalidadejurídica;8.3A
atuaçãopermanente;8.4Afiscalizaçãofinanceira;8.5Adisciplina
partidária;8.6Oâmbitonacional;8.7Avedaçãodecoligações
partidárias—9.Adimensãosociológicadopartidopolíticobrasileiro.
CAPÍTULO26—REVOLUÇÃOEGOLPEDEESTADO
1.Controvérsiasemtornodoconceitoderevolução—2.Conceito
histórico-cultural—3.Conceitosociológico—4.Conceitojurídico—5.
Conceitopolítico—6.Origemecausadasrevoluções—7.Asdistintas
fasesdaaçãorevolucionária—8.AcríticadaRevolução—9.Areforma
—10.Acontra-revolução—11.OgolpedeEstado—12.Atécnicado
golpedeEstado—13.GolpedeEstadoerevolução.
CAPÍTULO27—OSGRUPOSDEPRESSÃOEATECNOCRACIA
1.Conceitoeimportânciadosgruposdepressão—2.Osgruposde
pressãoeospartidospolíticos—3.Modalidadesdosgruposesua
organização—4.Atécnicadeaçãoecombatedosgruposdepressão—
5.Ainstitucionalizaçãodosgruposdepressão—6.Oaspectonegativo
—7.Oaspectopositivo—8.Corretivosàaçãodosgrupos—9.Na
tecnocracia,aterceiraameaça?.
CAPÍTULO28—AOPINIÃOPUBLICA
1.Aopiniãopública,umdostemasdemaisdifícilcaracterizaçãona
CiênciaPolítica—2.Doconceitodeopiniãopública—3.Aopinião
públicaesuaapariçãonopensamentopolítico—4.Pensadores
políticoseestadistasproclamamopoderdaopiniãopública—5.O
Estadoliberaleodogmadaopiniãopública—6.OEstadoautoritárioe
aopiniãopública—7.Asociedadedemassaseanaturezairracionalda
opiniãopública—8.Possívelrestauraçãodoprestígiodaopinião
públicanoEstadodemocráticodemassas—9.Aopiniãopúblicaeos
meiosdepropaganda.
BIBLIOGRAFIA
APRESENTAÇÃO
OProfessorPauloBonavides,daFaculdadedeDireitoda
UniversidadedoCeará,figura,semfavor,entreosprecursoresda
CiênciaPolíticaemnossopaís.Osváriostrabalhosquetempublicado,
principalmenteestaCiênciaPolítica,sãobrilhanteatestadodenítida
vocaçãouniversitária,aserviçodeumaespecialidadeacadêmicaque,
cadadia,setornamaisimportantenoplanodoensinosuperior.
Desdeosgregos,osfatosrelativosaogovernodasociedade
humanavêmsendoobjetodeestudos,emquesedestacaramfilósofose
pensadoresqueexerceraminfluênciaprofundaeduradouranacultura
ocidental.Masaconcepçãodeumaciênciaparticular,nessecampo,é
dedatarecente.Éaosanglo-saxõesquedevemosaprioridadena
fixaçãodeseuconteúdoenadefiniçãodeseuspropósitos.Tantona
Grã-BretanhacomonosEstadosUnidos,osfatosrelacionadoscoma
formaçãoeofuncionamentodogoverno—asideologias,ospartidos,as
eleições,ossistemasdeorganizaçãodoEstado—vêmsendo,desdeo
séculopassado,objetodoensinoepesquisa,emnumerosas
universidades.Oempirismodoensinojurídiconaquelespaíses,
certamenteteráconcorridoparaodesenvolvimentodessesestudos,fora
doâmbitodasescolasdedireito.
Nospaíseslatinos,acomeçarnaturalmentepelaFrança,somente
apartirdaúltimaguerraéquesevêmretirandoosestudossobreo
Estadoeogovernodaórbitadodireitoconstitucional,aqueestiveram
porlongotemporelegados.
ComoobservaMauriceDuverger,anovaorientaçãodoensino
universitárioproduziuduasconseqüênciasfundamentais.Porumlado,
jánãoseestudamapenasasrelaçõespolíticasdisciplinadaspelodireito
positivo,mastambémasque—comoospartidos,aopiniãopública,a
propaganda,osgruposdepressão—existem,comoatéhápouco
ocorria,inteiramenteàmargemdalei.Poroutrolado,operou-se
sensívelmodificaçãonoprópriocampodoensinotradicional,devezque
asinstituiçõesdegovernojánãosãoapreciadasapenassoboângulo
jurídico.Tornou-senecessárioverificaremquemedidaelasfuncionam
deconformidadecomodireitoestabelecido,eatéquepontoseu
funcionamentotranscorreforadoquadrolegal.Passou-se,semdúvida,
adarmaisimportânciaaosfatosdoqueatextosartificiais,
freqüentementedivorciadosdarealidadepolítica.
OobjetodaCiênciaPolítica,decertomodo,aindaéode
Aristóteles.Masaconfiguraçãodeumadisciplinauniversitária,parao
nossotempo,pressupõeorientaçãometodológicaeobjetividadede
pesquisacompatíveiscomasexigênciasdaciênciamoderna.
Decerto,aCiênciaPolíticaoperasobreterrenoque,alémde
movediço,aindanãoestáperfeitamentedelimitado.Comoassinalao
ProfessorBonavides,elaaindaassentaemconceitospolêmicosnãosó
quantoaométodocomotambémquantoàdefiniçãodeseuobjetivo.
Olivroqueeleagorapublicarepresentavaliosacontribuiçãopara
odesenvolvimentodaCiênciaPolíticaemnossopaís,ondeoensinoda
especialidade,aindapresoaocurrículojurídico,éprejudicadopor
deficiênciasnotórias.
Dá-nosoProfessorBonavides,nesteseuexcelentelivro,uma
seguravisãodoprogressodaCiênciaPolíticanospaísesondeelaestá
maisadiantada,particularmentequantoàdoutrinaalemã,queé,para
nós,amenosacessível.
Pelaclarezaexpositivaepelosegurodomíniodamatéria,onovo
livrodoProfessorBonavidesparece-medestinadoaamplaaceitaçãoe
largainfluêncianosmeiosuniversitáriosbrasileiros.É,assim,umlivro
quehonraaUniversidadedoCeará,conhecidaporseuespírito
renovadorequecontacomprofessoresdamaisaltaqualificaçãocomoo
ProfessorBonavides,paraoadequadodesempenhodesuamissão
científicaecultural.
OSWALDOTRIGUEIRO
PREFÁCIODA1ªEDIÇÃO
ApresenteCiênciaPolíticaélivroquesedestinaaoestudantedas
nossasUniversidadeseescolasavulsasdeensinosuperior,nasquais
hádisciplinasrelacionadascomoestudodoutrináriodasinstituições
políticasfundamentais.
Éademaistrabalhoquepodeserlidoemeditadocompossível
interessepelopúblicoemgeral,preocupadocomostemaspolíticosde
nossaépoca,decujasnascentesteóricaseconstanteevolverbuscamos
darconta,mostrandoigualmenteoperfildecertasidéiasesistemasde
elaboraçãoinstitucionaldoEstadomoderno,emsuafeição
contemporânea.
Ocapítuloprimeiroexpõe,largamente,oproblemada
caracterizaçãodaCiênciaPolíticaesuavinculaçãocomaFilosofia,a
SociologiaeaCiênciadoDireito.AdeterminaçãoconceitualdaCiência
Política,afixaçãodeseuobjeto,asrelaçõescomaTeoriaGeraldo
Estado—queseestendem,demaneirapolêmica,desdeadiligência
identificadoraatéumclarodelimitardeórbitas,intransigentepostulado
poralgunspublicistas—atudoissopassamosrevista,numpaíscomo
oBrasil,onde,nosúltimosanos,umageraçãodebrilhantesescritores
políticosvemabrindonovoshorizontesataisestudos,edando,não
raro,contributosdeexcepcionalvalia.
Naparterespeitanteaoterritório,acreditamoshaversupridouma
lacunaexpositivadosnossoscompêndiosdeTeoriaGeraldoEstado,
que,usualmente,omitemocapítuloacercadasdoutrinasquefixama
naturezajurídicadabaseterritorialdoEstado.
Amesmaafirmativaprocedenotocanteàlarguezae
desenvolvimentocomquenosreportamosaoregimerepresentativo,
fundamentoinstitucionaldelimitaçãodopoderdosgovernantes,bem
comoprincípiopeculiardeorganizaçãodaautoridadenoEstado
moderno,esobretudoaospartidospolíticos—instrumentosestes
essenciaisàparticipaçãoorganizadadasmassasnoprocessopolíticodo
séculoXX,eaque,aliás,consagramostrêsvastoscapítulos,umdos
quaisvotadoexclusivamenteaoexameeinterpretaçãodarealidade
partidáriaemnossoPaís.
Sempre
que
possível,
como
no
parlamentarismo
e
no
presidencialismo,debatemosocursopolíticodasinstituições
brasileiras,acujocomentárioereflexãonãoficamosestranhos.E
temas,comoalegalidadeelegitimidadedopoder,cujoconhecimento
históricoedoutrináriosenosafiguradegritantecontemporaneidade
parajulgamentoeavaliaçãodastransformaçõesinstitucionaishavidas
noBrasil,apósosextraordináriossucessosde1964,aparecemaqui
versadosdemaneiralargaeminudente,comindicaçãodasfontes
bibliográficasfundamentais.
Emsuma,omododeencararosfenômenoseasinstituições
políticasnãopôdefugiraotraçopessoaldoautor,manifestadanolivro
DoEstadoLiberalaoEstadoSocial,eemmaisescritos,queseacham
esparsosempublicaçõesespecializadas.Conseguintemente,asformas
políticasdonossoséculo,aoseremaquiexpostas,vêmmarcadaspela
notasocialqueasdestacamdeseuantecedentecunhoindividualista,
nosquadrosdoEstadoliberal.
PAULOBONAVIDES
PREFÁCIODA2ªEDIÇÃO
Afavoráveleexcepcionalacolhidadadaaestelivronomeio
universitáriobrasileiroanimou-seàpresenteedição,quevaibastante
ampliada,eemalgunspontossensivelmentemodificada,embuscade
feiçãodefinitiva.
CuidadoespecialeconstantedoAutortemsidoodeoferecer
sobreamatériadestecompêndiovisãoimediatadosproblemassobreos
quaisprocuraaCiênciaPolíticaassentarsuaordemdeindagações
básicas.
Abrangemosacréscimosainserçãodecapítuloscomoos
dedicadosaosgruposdepressãoeatecnocracia,arevoluçãoeogolpe
deEstado,aopiniãopública,ossistemaseleitorais,eaciênciapolítica
easdemaisciênciassociais.Reformulou-seporcompletoocapítulo
sobresistemarepresentativoeemprestou-setratamentoautônomoao
temanação.Consideráveisampliaçõessefizeramtambémtocanteaos
assuntospovoepopulação,comatentoexamedasdificuldadespolíticas
esociaisqueaexplosãodemográficadasegundametadedoséculoXX
suscitou
de
forma
angustiante
e
ameaçadora.
Enfim,
os
desenvolvimentosmaisrecentesdostemaspolíticosnaesferadateoria
edosconceitosforamlevadosemconta,tendoemvistaaatualizaçãoda
obraesuapossibilidadedeatendimentoàsexigênciascurriculares,
parapreparaçãoadequadadaquelesqueseintroduzemnessesestudos
deimportânciacadavezmaisalta.
Afigura-se-nosassimhavermelhoradoaqualidadedessa
contribuiçãodespretensiosa.Almejamosunicamentedaraoestudantee
aopúblicobrasileirouminstrumentodeiniciaçãoque,semperderde
vistaoprogressodaCiênciaPolítica,tenhaporprincipalpontodeapoio
aparteconstitutivamenosexpostaàsobjeçõesdequantosproduzem
argumentoscomquenegaràqueladisciplinaaautonomiapenosamente
propugnada.Autonomia—diga-sesemtemor—longeaindadevencer
atempestadedecontestaçãoeincertezasquedesdemuitorodeiao
objetodaCiênciaPolítica.
PAULOBONAVIDES
PREFÁCIODA3ªEDIÇÃO
Temosqualificadasrazõesparaexprimir,aoensejodaterceira
ediçãodestaCiênciaPolítica,afirmeconvicçãodehaverentregueao
nossoestudanteuniversitáriouminstrumentoútildeiniciaçãoe
orientaçãopertinenteaostemaspolíticosfundamentais.
Arapidezcomque,emmenosdedezanos,vimossesucederem
várioslançamentosdestaobra,adotadadesdemuitocomolivro-texto
nasprincipaisUniversidadesecasasisoladasdeensinosuperiordo
País,comprovaoaltograudepenetraçãoquevemlograndonosmeios
acadêmicoseculturais.
ACiênciaPolítica,aindahápoucoumadisciplinabalbucianteou
semidesconhecidanoBrasil,deitadeúltimoprofundasraízesna
culturanacional,indicativasdoreconhecimentocadavezmaislargoda
importânciaatribuídaaosestudossobreoPodereoEstado.
Aprecedenteediçãoconfirmara,aliás,nossolivrocomorealmente
prestante,poratendernocampodateoriaedainformaçãopolíticaa
necessidadesatualizadorasindeclináveis.Osacréscimossubstanciais
introduzidosemprestaram-lheumaunidadetemática,volvidatanto
paraaspectosteóricoscomoparaodesenvolvimentodarealidade
políticabrasileira,conformehavíamosassinaladojánoPrefácio.
Recebeuacríticacompetenteasmodificaçõesfeitasdeumaforma
quenosanimaaconservaraobradentrodaestruturaestabelecida,
semnecessidadedealteraçõesmaisamplas.Nãoexcluiisso,todavia,a
possibilidadefuturadeeventuaisalargamentos,àmedidaqueareflexão
assimoaconselheouadilataçãodoprogressocientíficonaesfera
políticafaçadamudançademétodooudainserçãodenovostemas
umaexigênciaindispensávelàpreservaçãodospadrõesaquesempre
aspiramos.
Demais,observamosqueaaceitaçãodestelivronãosecingiuà
órbitauniversitárianemàdisciplinaespecíficadaCiênciaPolíticanos
currículosacadêmicos,masalcançoumatériasafinseáreasmenos
especializadas,emqueentramdistintascategoriasdeumpúblicoávido
deinteirar-sedosfundamentosdaaçãopolíticarelativaauma
sociedadegravementevulneradaporcriseseabalosnosistemade
convivênciahumanatraçadodentrodoquadrodacivilização
contemporânea.
Daquiseinfere,portanto,queoraiodeinteressedosassuntos
ventiladostranscendeadestinaçãonotoriamentedidáticadopresente
texto.
PAULOBONAVIDES
PREFÁCIODA4ªEDIÇÃO
OestudodaCiênciaPolítica,comosempreoentendemos,é
preparaçãoteóricaindispensávelàdecifraçãodarealidadepolíticanum
determinadomeiosocial.NãoháCiênciaPolíticaneutranem
indiferente,insuladanateorizaçãopuraounoconhecimento
exclusivamentetécnicodasvariaçõesdecomportamento,forada
finalidadequelheemprestamosvaloresdavida,dadoutrinaouda
ideologia.
Ofenômenodopoder,ascompetiçõesdegruposeindivíduospara
lograrinfluxosobreaformaçãodavontadeoficialouapoderar-sedos
instrumentosestataisdedecisão,bemcomoasinstituiçõesexistentese
oscanaisabertosaocursodessaação,constituemosubstratodetodaa
matériapolítica,cujoentendimentorequereimpõeexigênciasdefundo
teóricoque,anossover,estaobrasatisfaz.
Provasobejaeplenadoqueacabamosdeafirmaréapresente
edição,veículo,maisumavez,dumtextoqueministra,embomnível
universitário,aoestudantebrasileiro,osprincípiosfundamentaissobre
osquaisassentaaCiênciaPolítica.
PAULOBONAVIDES
1
CIÊNCIAPOLÍTICA
1.ConceitodeCiência—2.Naturalistasversusidealistas
(espiritualistas,historicistaseculturalistas)—3.ACiênciaPolítica
easdificuldadesterminológicas—4.Prismafilosófico—5.Prisma
sociológico—6.Prismajurídico—7.Tendênciascontemporâneas
paraotridimensionalismo.
1.ConceitodeCiência
DeAristótelesaKantnãosefazatentadiscriminaçãoentreos
conceitosdeciênciaefilosofia.
Equasesepodedizerqueaseparaçãoconceitualpertenceà
idademoderna.Sósevaitornarconscientenamedidaemqueaumenta
ohiatoentreasposiçõesmetafísicaenaturalista,porconseqüênciada
crisehavidanosestudosfilosóficos,desdeoRenascimento,quando
BaconeAristótelessedefiniamcomopólosopostosdareflexão
filosófica.
Deumlado,aatitudeescolástica,espiritualista,deraízescristãs,
aristotélicaseplatônicas.
Deoutro,ocomeçodaatitudequesecularizaopensamento
filosóficoemescolasrecentes,asquaissóchegam,noentanto,aopleno
amadurecimento
de
suas
teses
mais
professadamente
antiespiritualistasdepoisdaaberturadehorizontespelafilosofia
kantista.
Comefeito,foiafilosofiacríticaque,emboraconfessadamente
idealista,determinou,pelaambigüidadedeinterpretaçõesaquedeu
lugar,osimpulsosesugestõesindispensáveisdeondesaíram
concepçõesdetodoopostasaoidealismo.
Aciência,segundoAristóteles,tinhaporobjetoosprincípioseas
causas.
SantoTomásdeAquino,porsuavez,adefiniucomoassimilação
damentedirigidaaoconhecimentodacoisa(SummacontraGentiles,1
II,cap.60).
ViuBaconnamesmaaimagemdaessênciaeWolffdeclarouque
porciênciacumpreentender“ohábitodedemonstrarassertos,istoé,
deinferi-los,porconseqüêncialegítima,deprincípioscertose
imutáveis.”
Tudoquepossaserobjetodecertezaapodíticaéciênciapara
Kant.
Aesteconceitoacrescentououtro,maisemvoga,jádetodo
desembaraçadodeimplicaçãofilosófica,eaquenãohaviamchegado,
commáximaclareza,osseuspredecessores.
Comefeito,dizKantnosElementosMetafísicosdasCiênciasda
Naturezaqueporciênciasehádetomartodasériedeconhecimentos
sistematizadosoucoordenadosmedianteprincípios.1
DepoisdeKant,comaaçãointelectualdospositivistase
evolucionistas,torna-secadavezmaisprecisooconceitodeciência,
ficandoquasetodosacordesemdesigná-lacomooconhecimentodas
relaçõesentrecoisas,fatosoufenômenos,quandoocorreidentidadeou
semelhança,diferençaoucontraste,coexistênciaousucessãonessa
ordemderelações.2
Acaracterizaçãodaciênciaimplica,segundoinumeráveisautores,
atomadadedeterminadaordemdefenômenos,emcujapluralidadese
buscaumprincípiodeunidade,investigando-seoprocessoevolutivo,as
causas,ascircunstâncias,asregularidadesobservadasnocampo
fenomenológico.
ComSpencerbaqueiamtodasasvacilaçõesedificuldades
porventuraaindaexistentes.Suafórmuladecaracterizaçãoédasmais
perfeitas,simplesenítidasqueseconhecem.
Há,segundoele,trêsvariantesdoconhecimento:conhecimento
empíricoouvulgar,conhecimentonãounificado;conhecimento
científico,conhecimentoparcialmenteunificadoeconhecimento
filosófico,conhecimentototalmenteunificado.
ComLittréareduçãoconceitualdeSpenceracercadosdistintos
ramosdoconhecimentoreaparecenabelafrasequeoscompêndios
usualmentereproduzem:“aciênciaéageneralizaçãodaexperiência,ea
filosofia,ageneralizaçãodaciência”.
Asquatrociênciasfundamentaisqueainspiraçãopositivista,
evolucionistaepragmatistadoséculoXIXapontacomoclassificação
inabalávelseriam:aFísico-Química,queestudaosfenômenosdomundo
inorgânico;aBiologia,queseocupadosfenômenosdomundoorgânico;
aPsicologia,queabrangeosfenômenosdomundopsíquico,ea
Sociologia,quetratadosfenômenosdomundosocial.
Separadaaciênciadafilosofia,semgravesatritos,aparecendoa
primeiracomoordemdeconhecimentosparcialmenteunificadosea
segundacomoconhecimentocompletamenteunificadodosfenômenos
queservemdeobjetoatodaatividadecognoscitiva,restasaberseé
pontopacíficoaclassificaçãodasciênciasdaíresultante.
Aquitemosoutravezocismaentreespiritualistasepositivistas,
poisaoladodaclassificaçãodeComte—PaidoPositivismo—concorre
outra,nãomenosdifundida,queéaclassificaçãodosfilósofos
neokantistas,daescoladeBaden.
SegundoComte,asciênciassãoabstrataseconcretas.As
abstratas,naexplicaçãodeStuartMill,referidapeloprofessorJoaquim
Pimenta,3sãoaquelas“queseocupamdasleisquegovernamosfatos
elementaresdanatureza”,aopassoqueasconcretas,comociências
tributárias,ousecundárias,sereferem“aaspectosparticularesdos
fenômenos,porexemplo,ageologia,amineralogiaemrelaçãoàfísicae
àquímica,abotânicaeazoologia,emrelaçãoàbiologia,eassimpor
diante”.4
NoCursodeFilosofiaPositivaasciênciasabstratassão
apresentadasdeformahierárquica,segundoaordemdegeneralidadee
simplicidadedecrescenteeaordemdacomplexidadeeespecialização
crescente.Asciências,domodocomoasdispôsComte,vêmseriadasde
talsortequeaciênciaseguintedependedaantecedente,nãosendo
porémarecíprocaverdadeira.Àordemlógicaseacrescentaaordem
valorativa,istoé,dasciências“inferiores”sepassaàsciências
“superiores”,segundoograudeimportânciahumanaprogressiva.5A
unidadedasciênciasdomundocomasciênciasdohomeméperfeita,
figurandoasúltimasnograumaiselevadode“dignidade”do
conhecimento,ondeosfenômenos—fenômenosdasociedade—são,
peloseumáximoteordecomplexidade,osmaisdifíceisdeprevereos
maisfáceisdemodificar,obrigandoocientistaverdadeiroaoestudo
préviodasprimeirasciênciasdasérie,atéquelhepermitaoacessoao
ramomaisnobredaciência—aSociologia,ciênciadahumanidade,
Coroamentodetodaaformaçãocientífica.
AsseisciênciasfundamentaisdoCursodeFilosofiaPositivade
ComtesãoaMatemática,aAstronomia,aFísica,aQuímica,aBiologia
eaSociologia.Porvoltade1850,acrescentouComteumasétima
ciênciafundamental—aMoral.Comrespeitoaesseprolongamentoda
sérieporComte,escreveLaubier:“Tendoporobjetooestudodo
indivíduo,comoaSociologiaodaHumanidade,aMoralconsiderano
homem,nãosomenteainteligênciaeaatividade,comoaSociologia,
mastambémosentimento.Destasorteéaciênciamaiscomplexa,a
únicacompleta,porquantoverdadeiramenteconcreta:consideraseu
objeto,oindivíduohumano,emsuatotalidade,aopassoqueasdemais
nãoconservamsenãocertaspropriedadesdosserescomabstraçãodos
demais”.6
Aciência,tomadapelavaloraçãopositivista,estáacimada
filosofia,namedidaemqueestaseconfundecomametafísica.
Aleidostrêsestadosouleidaevolução,queAugustoComte
expôsnotomoIIIdoSistemadePolíticaPositiva,colocaahumanidadee
oconhecimentoemtrêsfasessucessivasdedesdobramento:oestado
teológico,temporárioepropedêutico,emqueohomembuscaascausas
etudoexplica,naânsiadeconhecimentoabsolutoousupremo,pela
intervençãodedivindades,neleimperandoosteólogosemilitares,com
osentimentodeconquistadominanteemtodaasociedade;oestado
metafísico,detransição,emqueentidadesabstratasexplicamos
fenômenosouosfatosseligamaidéias,quejánãosãocompletamente
preternaturais,
nem
simplesmente
naturais,
mas
“abstrações
personificadas”,dominandonesseestadointermediárioosfilósofose
juristascomasociedadeanimadaporumsentimentodedefesa;enfim,
chega-seaoestadocientífico,queéoestadopositivooufísico,ponto
finaldaescaladoconhecimentoegrausuperiordeformaçãodefinitiva
daciência,comoimpériodossábios,cientistasetécnicos,como
abandonodasantigaspreocupaçõesdeconhecimentoabsolutopela
investigaçãodascausas,tãocaracterísticadosdoisperíodos
antecedentes,comalimitaçãodainteligênciaaoconhecimentorelativo,
quepermiteaformaçãodaciênciaeaverificaçãodasleis.Aíarazão
humana,tendodeixadodeparteaficçãodosteólogos,doestadoinicial,
edesprezadoaabstraçãodosmetafísicos,doestadointermediário,se
entregadetodoaosprocessosdedemonstração.Oempregodesses
processosfezpossívelaapariçãodaciência,issoocorreunoestado
positivo.
AclassificaçãodasciênciasdeAugustoComte,estabelecendoa
unidadedocampocientífico,nãofoiacolhidacomentusiasmopelas
esferasidealistasdaAlemanha,ondeosneokantistasdeMarburgoede
Badenrenovaramadiscussãodoproblema,taisasdúvidasquese
erguiamacercadanaturezadasciênciasdohomem,nomeadamenteas
ciênciashistóricas,doespírito,dasociedadeedacultura.
Windelband,Rickert,Stammler,eforadaquelecírculo,mas
navegandotambémnacorrentedoidealismo,Dilthey,certificaram-se
sobretudodaimportânciaquetomaparaarelaçãosocial,objeto
daquelasciências,certosdadosquenãoentramnocampoda
fenomenologiadanaturezaeportantodasciênciasnaturais.
Estesdados,operandocortedicotômicoentreciênciasda
naturezaeciênciasdasociedade,vêmsepará-lasemduasórbitas
distintaseautônomas,quealguns,exagerandoasimplicaçõesda
oposiçãoidealista,tomamporirredutíveis:odesenvolvimentoem
Windelband,afinalidadeemStammler,avontadeemDilthey,
elementoscomqueohomememprestaaofenômenosocialeàsrelações
entreessesfenômenoscertaestruturadequecareceaordem
fenomênicadanatureza.
2.NaturalistasversusIdealistas(espiritualistas,historicistase
culturalistas)
Essareviravoltametodológicanaclassificaçãodasciências,que
trouxeporresultadofecundoeimediatoaretomadadeprestígiodas
correntesidealistas,foiobrasobretudodosfilósofosjáreferidos:
Dilthey,WindelbandeRickert.
LogrouDiltheynaAlemanhaquaseomesmodestinoqueKrause,
fundadordeescolaentreestrangeiros,sagradocomomestredejuristas
naEspanhaenaAméricaLatina,e,noentanto,filósofo
semidesconhecidoeobscuronoseiodeseuspatrícios.
AglóriadeDiltheycomeçousingularmenteaoenveredarelepelos
caminhosdacrítica,ocupando-se,dentreoutros,deGoethee
Hoelderlin.JáseptuagenáriodeuàestampaVivênciaePoesia,obraque
logrouextraordinárioêxitoliterário.
OfilósofotrabalhavasilenciosamentenaUniversidadedeBerlim,
presoàintimidadedereduzidocírculodediscípulos.
Lastima-seOrtegayGassetque,tendofreqüentadoporaqueles
anosdocomeçodoséculoreferidaUniversidade,hajamas
circunstânciasconcorridoparaquejamaisseaproximassedaobrado
mestre,aquemtantasafinidadesdepensamentovieramdepoisprendê-
loeemcujasidéiasconfessadamentedescobriuoseualterego
filosófico.
PassaraDiltheyporalgoparecidocomoqueaconteceua
Nietzsche,tomadoaprincípiopelosseuscontemporâneoscomosimples
poeta-filósofo.AarrogantecátedrauniversitáriadaAlemanhaporpouco
nãooignoroutotalmente.EnvolveuaNietzschenaquelegelado
desprezoquesóagrandezadogêniopoderiaumdiaromper,paradaí
fixar-senaimortalidadeenoassombrodasgeraçõessubseqüentes,
rendidasàveneraçãodofilósofo,doestilista,dopoeta.
VêOrtegayGassetemDiltheyomaisimportantevultoda
filosofianasegundametadedoséculoXIX.
Acontece,porém,queaobradeDilthey,graçasàinfluênciaque
exerceu,aosdebatesqueprovocou,àintensidadecomquesuasteses
sãoacadapassoreexaminadaseondecadafragmentoconcentracomo
queummicro-mundodeidéias,permitindoemtodalinhae
profundidadeamaisamplareaveriguaçãodahistória,fazqueele
pertença,indubitavelmente,aoquadrodospensadoresmaisvivosque
agitaramaprimeirametadedesteséculo.
Naquelaobrainacabada,alteia-se,sobretudo,olivroqueDilthey
nãopôdeconcluirequetantaspreocupaçõeslhecausounocursoda
vida,comoespinhodefrustração,prestessempreamagoá-lo:a
IntroduçãoàsCiênciasdoEspírito,queéaliás,nodizerdeOrtega,“sua
obracapital,suaúnicaobra”.
Deefeito,todaaforçadaoriginalidadedeDiltheyserepresenta
naquelaspáginasinconclusas,naquelaobraapenasesboçada,que
lembraumacatedralgigantesca,cujaabóbadanãosefez,écerto,mas
cujoperfilbastajáparaencher-nosàdistânciadomaisgratoassombro
edamaisconsoladoraadmiração.
Opensadoréfilhodeumséculohistoricista,ondesecompletam
imperecíveismonumentosdeanálise,investigaçãoerestituiçãodo
passado,emtermosdealtaprobidadeerigorosolaborcientífico.
BerlimsetornaocentrodaciênciahistóricaeDilthey,nodizer
elegantedeOrtegayGasset,“ouveoutrataaBopp,ofundadorda
lingüísticacomparada;aBoechk,oarquifilólogo;aJacobGrimm,a
Mommsen,aogeógrafoRitter,aRanke,aTreitschke.Comageração
anteriordosHumboldt,Savigny,Nieburh,Eichhorn,formamestes
gigantesaformidávelfalangedachamadaescolahistórica”.7
Respirandoessasidéias,fez-seelehistoriador.
Masoqueimpressionaemsuaobraémenosofilósofodahistória
queoiniciadordarevisãocríticadateoriadaciência.
AquinosapartamosdeOrtegayGasset,queviuemDilthey
principalmenteohistoriador.
Adimensãodostemasqueeleversoudãoidéiadaenvergadura
necessáriaparaumfilósofotornar-seaíatual,novo,original,fecundo.
TudoissoOrtegayGassetencontroucomimperfeiçõesno
pensadornervosodeidéiasecopiosodeconceitosquefoioinsigne
Dilthey.
Anossoverporémmaioraindaqueointérpretedahistóriaéo
autordanovaagrupaçãodasciências.Aprofundavocaçãodosestudos
históricosfê-loiralémdosconceitospositivistassobreanaturezadas
ciências.
Seumaidéiamáximaconsentealiásdizerdesse“críticodarazão
histórica”:aquitemosumgênio,essaidéianãofoioutrasenãoaque
separouemduasesferasdistintasasciênciasdoespíritodasciências
danatureza.
Diltheyapareceaíparaosidealistascomoovalenteemancipador.
ÉdeestranharqueOrtegayGasset,tendoreconhecidoa
importânciacapitaldaIntroduçãoàsCiênciasdoEspírito,nãosehaja
fixadonesseponto,paranelefirmaroscréditosdohistoriador-filósofo
àsglóriasdaimortalidade.
QuefezDiltheysobesseaspecto?Quepassodeueleparainiciare
encorajarovigorosoprocessodereabilitaçãoulteriordosmovimentos
idealistas?
Nadamaisquetomarasciênciashistóricas,ciênciasdohomem,
dasociedadeedoEstado,jáentãosemarrimofilosófico,porse
afrontarem,desdeHegel,comaquelacrisedeestruturadecorrenteda
enormidadedopredomínionaturalistaedar-lhesentãooscimentosde
novasolidez,referindo-astodasaessacategoria,que,tomandoa
designaçãoaindarústicadeCiênciasdoEspírito,foisobremodo
aperfeiçoadacomascorreçõeseacréscimosdeWindelbandeRickert,
filósofosneokantistasdaescoladeBaden.
EmdiscursodepossenaAcademiadeCiênciasdeBerlim,assim
compendiouDiltheyasaspiraçõesintelectuaisdesuaobra:“Comeceia
fundamentarasciênciasparticularesdohomem,dasociedadeeda
história.Busco-lhesofundamentoeaconexãonaexperiência,
independentedametafísica;poisossistemasdosmetafísicosdecaíram,
eapesardissocontinuaavontadeaexigircomosemprequepropósitos
firmesguiemavidadosindivíduosepresidamàdireçãodasociedade.
“Oséculofilosóficoquistransformaravidaatravésdeumateoria
abstrataegeraldanaturezahumana.Estateoriamostrou-seaomesmo
tempotriunfanteeinsuficienteeatécertopontoeversivanasua
arrogância.Nossoséculoreconheceu,comaescolahistórica,a
historicidadedohomemedetodaaordemsocial.Cumpretodavialevar
acaboafundamentadaexplicaçãodasnovasconcepções.Exige-seo
empregodeconceitosemétodosmaisapuradamentepsicológicos,que
acompanhemocrescimentodavidahistórica;deve-sesobretudo
patentearetomarnadevidaconta,emtodasasrealizaçõeshumanas,
comotambémnasdainteligência,atotalidadedavidadaalma,aação
dohomemcompleto,volitivo,sensitivo,intelectivo.”8
ÀteoriadoconhecimentodeDilthey,comoobservouGlockner,se
deparaesseproblemabásico,decujasoluçãotudoomaisdepende:o
doentrelaçamentodomundodaexperiência“externa”(natural)como
mundodaconsciência“interna”(espiritual).
Ponderaaquelemodernohistoriadordafilosofia:“Tantodoponto
devistaexternodasciênciasnaturaiscomodapolaridadeinternadas
ciênciasdoespíritoépossívelexplicaresseentrosamento.Opropósito
deDiltheyassentaemdemonstrarquesepodeseguiresteouaquele
caminhoeempreenderembasesempíricasaanálisedosfatosda
consciência”.
Residetambémnoâmagodesuaposiçãoquetantosehá-de
procedernoassuntoporviadesistematizaçãoconstrutivacomoda
reflexãohistórica.9
Aexperiência—exprimeomesmoautor—temparaocientista
danatureza,àsvoltassemprecomrealidadesexternas,significado
inteiramentedistintodaquelequetomanaregiãodasciênciasdo
espírito.
Aqui,fala-nosDiltheyempalavrasqueGlocknertranscreve
textualmente:“Indivíduosefatoscompõemoselementosdesta
experiência,suanaturezaésubmersão,noobjeto,detodasasforças
afetivas;opróprioobjetosóseconstróipaulatinamentesobasvistasda
ciênciaemprogresso”.10
OaforismodeDiltheydeque“novastocírculodascoisassóo
homemécompreensívelaohomem”denotaqueoprincípiofundamental
dasciênciasdoespíritonãoseconfundecomoprincípioqueregeas
ciênciasdanatureza.
Naquelas,quetêmporescopo,segundoDilthey,arealidade
histórico-social,há“compreensão”;nósascompreendemos;noseu
objetoaalmavive,asforçasemocionaisoperam,aauto-reflexãocomo
quedomina.Deseuconteúdológico,desuasfunçõesracionais,quase
nãoháquefalar,poisoqueimporta,tocanteàmatériasociale
histórica,écaptar-lheosentido.
Nasciênciasdanatureza,aocontrário,tomaocientistao
fenômenoparaexplicá-lo,ordenando-ahabitualmentesegundoa
causalidadedaleiqueogoverna.
Célebrehistoriadordafilosofiaefundadordeumadascorrentes
maisfecundasdafilosofianeokantista,Windelband,quandoreitorda
UniversidadedeEstrasburgo,proferiualiocélebrediscursode1894
intitulado“HistóriaeCiênciadaNatureza”,enaltecidocomocapítulo
dosmaiscelebradosdesuaclássicaeafamadaobraPrelúdios,ondeo
eminentefilósofodaescoladeBaden,quaseemconcomitânciacom
Dilthey,interveionaquestãometodológicadasciências.
OsentidoantinômicodafilosofiadeKant,filósofodequemjáse
disseque“depoisdelenenhumprincípionovosecriara”,repontana
obradeWindelbandostentandoaquelanitidez,quealiásjamaisfaltoua
algunsneokantistasdealtíssimomerecimentofilosófico,como,por
exemplo,nocampodasletrasjurídicasoinsigneGustavoRadbruch.
AprimeiraantinomiadeWindelbandconsistenocorteentreas
ciênciasracionais—filosofiaematemática—easciênciasda
experiência.
Estas,quenosinteressamparticularmente,sãoaquelas,segundo
Windelband,cujamissãosecifranoconhecerdeterminadarealidade,
quandoestasefazacessívelàexperiência.11
Comaspalavrasdofilósofo,podemosdizerquenasciênciasda
experiênciaoquesebuscapeloconhecimentodorealéageneralização
sobaformadeleinatural,ouoparticulardebaixodedeterminada
formahistórica.12
ChegaassimWindelbandanomearasprimeiras,ciênciasdas
leis,assegundas,ciênciasdosacontecimentos;aquelasseocupamdo
quesempreexiste,estasdaquiloquealgumavezjáexistiu.13
CunhaWindelbandparaopensamentocientíficonovas
expressões:ciênciasnomotéticaseciênciasidiográficas.
Masambas—advertesempre—guardaminvariavelmenteesse
pontocomumdecontato:sãociênciasdaexperiência,oquefazque
tantoonaturalistacomoocientistasocialouhistoriadorvenhamdas
mesmaspremissas,domesmopontológicodepartida:asexperiências,
osfatosdapercepção.14
Esedistanciam,poroutraparte,naconsideraçãognosiológicae
axiológicadosfatos.
Um,onaturalista,vai,segundoalinguagemdeWindelband,à
procuradeleis;ooutro,ohistoriador,deacontecimentos.
Oprimeironãosecontentacomofenômenoinsuladamente,que
careceaindadevalorcientífico;osegundotomaofatocomorealidadejá
valoradaemsimesma;aqueleinclinaopensamentoàabstração,esteà
contemplação;alisepedemteoriaseleis,aquivaloreseverdades.
FazaindaWindelbandaressalvadequeaceitariaasdesignações
tradicionaisdeciênciasnaturaiseciênciashistóricas,contantoque
nessasperspectivasmetodológicasseincluísseapsicologiaentreas
ciênciasdanatureza.15
Assinalaofilósofoqueodualismoporeleestabelecidoé
puramenteformal,entendecomosfinsdoconhecimento,quenumcaso
procuraaleigeral,noutrooacontecimentohistórico,particular,nada
tendopoisquevercomoconteúdodoconhecimentoemsi.
Omesmoobjetopodesujeitar-selicitamentetantoàinvestigação
nomotéticacomoidiográfica,sendo,porconseqüência,relativoo
contrasteentreoqueésempreidênticoeoqueéúnicoeindividual.
Talaconteceporexemplocomdeterminadoidiomaque,através
detodasasvariaçõesdeexpressão,permaneceformalmenteomesmo.
Adespeitoporémdetodasuaunidadeformal,esseidiomanavida
dalinguageméalgosingularetransitório.16
DepoisqueSchopenhauernegaraàhistóriaovalordeciência
autêntica,porocupar-sesempredoparticularenuncadogeral,erade
todocompreensíveloempenhodogruponeokantistaeminvestigaro
carátercientíficodaquelaordemdeestudosparachegaraconclusões
afirmativaseanimadoras,pertinentesachamadaparteidiográficadas
ciênciasdaexperiência.
AsantinomiasdeWindelband,queoestimularamàbuscade
novafundamentaçãocientífica,sãoquaseasmesmasdeKant:
realidadeevalor,fatoeidéia,causalidadeefinalidade,osereodever
ser,comoproblemajádesuarespectivaconexão.
Todaessareaçãoidealistacontraopositivismo,oempirismoeo
ceticismo,tocanteaométodoeaosfundamentosdasciênciasdo
espírito,encontraporfimseupontoculminantenaobradeRickert,
antigodiscípuloesucessordeWindelbandnacátedradeHeidelberg.
O
idealismo
alemão
que
acometera,
com
Dilthey,
a
preponderâncianaturalistanopensamentocientífico,secomportarade
início,comtaltimidez,queaquelefilósofoseviracompelidoasacrificar
ametafísicanafundamentaçãodaciência.
Rickertéidealistakantiano.Masidealistaquenãoignoraa
dimensãodesuasforças,complenaconsciênciadaconsolidaçãoque
seutrabalhointelectualhá-deemprestaraosesforçosantecedentesde
DiltheyeWindelband.
Conservandoamesmalinhadecombateaoempregodométodo
naturalistacomoúnicoexclusivamentecientífico,entraRickertna
querelafilosóficaparaaprofundarodebateemtornodaautonomia,
métodosefundamentosdasciênciasdoespírito.
Deparamo-nosjácomnovanomenclaturaemsuaobra.
Plenamentecapacitadodadelicadezaedasdificuldadesdeclassificaras
ciências,Rickertasdistribuitambémemdoisramosfundamentais:
ciênciasdanaturezaeciênciasdacultura.
Depoisdeapontarosequívocosquepoderiamdecorrerda
terminologiadeWindelband—ciênciasnomotéticaseciências
idiográficas—aquelasocupando-sedogeraleestasdoparticularoudo
especial,assinalaRickertqueanteslheaprazreferir-seaummétodo
individualizadoreaoutrogeneralizador,nãoseestabelecendoaesse
respeitodiferençaabsoluta,mastão-somenterelativa,semoque
ninguémjamaispoderácompreender-lheopensamento.17
Ométodogeneralizadorseaplica—dizele—àsciênciasda
naturezaeoindividualizadoràsciênciasdacultura.
Suateoriadaciênciaépuramenteformalenãodestrói,ao
contráriodasobjeçõesqueselhefizeram,aunidadedaciência.
Aênfasedeseustrabalhos,adverteomesmoRickert,nãofoi
postanadistinçãoentreométodogeneralizadoreométodo
individualizador.Masemdemonstrarosfundamentosqueimpõema
consideraçãodavidaculturalnãoapenasporviagenéricasenão
tambémporviaespecífica,peloscaminhosdaindividualização.
Ecomoatodaculturaaderemvalores,forçaéempregar
combinada-menteasformasdetratamentodarealidadecultural,a
saber,aindividualizadora,eadecorrentedeumprocessode
investigaçãodasrelaçõesdevalores.
Sóaestaalturaéqueseperdeapossibilidadedeunificarlógicae
formalmentearealidadeestudada.18
Asdisciplinasseseparamemcamposdistintos,quantoaos
métodosempregados,namedidaemquetenhamos,deumlado,
ciênciasavalorativas,doutro,ciênciascujoobjetoimpliquevaloresou
relaçõesdevalorestornando-se,porconseqüência,decisivooproblema
devalorparaateoriadométodonasciências.
Amesmarealidadepodeserobjeto,segundoRickert,dedois
pontosdevistadistintos:arealidadeénaturezaquandoatomamos
comreferênciaaogeral,eéhistória,senosdetivermosnoexamedo
especialeparticular.Emprega-senoprimeirocasoométodo
generalizadordasciênciasdanatureza;nosegundoométodo
individualizadordahistória.19
“Comessadistinção—acrescentaRickert—possuímoso
almejadoprincípioformaldadivisãodasciênciasequemquiser
logicamentechegaraumateoriacientíficahádetomarporbase
indispensávelessadistinçãoformal”.20
LugareshánaobradeRickertondesuasidéiasacercadocaráter
dasciênciasdanaturezasãoexpostascomraratransparênciae
limpidez.
Hajavistaquandoeleacentuaocontrastedasmesmascomas
ciênciashistórico-culturais.DizRickertentãoquenamaisampla
acepçãodapalavranenhumobjetoemprincípiopodefurtar-seao
tratamentonatural-científico,poisnatureza“éarealidadeconjunta
psíquico-corporal,
tomada
genericamente,
com
indiferença
aos
valores”.21
Ocientistadanaturezaneutraliza-seperanteosvaloreseas
valorizaçõesdosobjetos.Toma-oslivresdoqueneleshádeindividual.
Oespecial,tantonafísicacomonapsicologia,éapenasum“exemplar”
eaciênciacomeça,paraele,quandoesses“exemplares”reunidos
permitemainferênciadeleisde“relaçõesconceituaisougerais”.22
Aconclusãoquetomamosdeautoresquetãolongeconduziramo
debatemetodológicoparasalvaraschamadasciênciasdoespíritoouda
culturaéquedaípordiantejásepodefalarcommaissegurançaem
doismundosdistintos:odanaturezaeodasociedade.
Noprimeiro,háleisnaturais,fixas,permanentes,eternas,
imutáveiscomtodaainviolabilidadedodeterminismofísico-mecânico;
no
segundo
imperam
as
mudanças,
as
diferenciações,
o
desenvolvimento.
Oprimeiroéomundodahomogeneidade,osegundo,oda
heterogeneidade.
Noprimeiroháconservação,certeza,uniformidade,repetição.No
segundoregeainfinitadiversidade,aprobabilidade,odesenvolvimento,
ateleologia.
Noprimeiro,bastaumfenômenoparalevaràleigeral,bastaum
exemplardasérieparaconhecer-setodaaespécie;nosegundo,tudose
passademododistintoecadafenômenoé,emsimesmo,umaespécie,
algoirreversívelque,segundoJellinek,existiuumasóvezenuncase
reproduziráemcondiçõesidênticas,senão,nomelhordoscasos,em
condiçõesanálogas,damesmaformaque“nainfinitamassadosseres
humanosnuncareapareceráomesmoindivíduo”(Jellinek).
3.Aciênciapolíticaeasdificuldadesterminológicas
Oreexamedateoriadaciênciapelasescolasneo-idealistasda
Alemanhaaquenosreportamos,temcapitalimportânciaparaaclarar
asdificuldadesmetodológicas,quaseintransponíveis,comquese
defrontatodaaciênciasocial,sobretudo,nocasovertente,aciência
política.
Abriucaminhoessereexameaoreconhecimentodosobstáculos
levantadosaoinvestigador.Fê-loaliáscomtalvigorquehojeraro
cientistasocialhesitaemconfessarosembaraçoscomquesedepara
parachegaraapreciáveisresultadosnaórbitadesuadisciplina.
Aciênciapolíticaéindiscutivelmenteaquelaondeasincertezas
maisafligemoestudioso,pordecorrênciaderazõesqueacríticade
abalizadospublicistastemapontadoàreflexãodosinvestigadores,
levandoalgunsaduvidarsesetrataaquirealmentedeciência.
Quaissãoessasrazões?
OprofessorOrlandoCarvalhoenumerouemseuprestantíssimo
ensaio—CaracterizaçãodaTeoriaGeraldoEstado—algumasdessas
dúvidascomqueseafrontamosestudiososdamatériasocial,osquais,
desdeSumnerMaineaOrlando,haviamassinaladojáocaráter
movediçoeoscilantedovocabuláriopolítico,asvariaçõessemânticas
dostermosdequeseserveocientistasocialdepaísparapaís,comas
mesmaspalavrasvalendoparaosinvestigadoresdomesmotema,
coisasinteiramentedistintas,como,porexemplo,apalavrademocracia,
aqueseemprestamvariadíssimasacepções,ameaçandoimergirnum
caossemsaídaosmaiscompetenteseidôneosesforçosdefixação
conceitual.
AtémesmoaexpressãoEstado,aoredordaqualselevanta
vastíssimaerespeitávelliteraturajácentenária,trazendooselode
contribuiçãomonumentaldeafamadospensadoresefilósofos,nãopôde
forrar-seaocírculoviciosodeincertezaseobjeções,quantoà
determinaçãoexatadosignificadodequesereveste.
Compilam-sedaantigüidadeaosnossosdias,nostextosmais
autorizadosdareflexãofilosóficaejurídica,copiososconceitosque
servemapenasdeatestarquãolongenosachamosaindada
caracterizaçãosatisfatória.
DaíporqueBastiat,comfinaironia,anunciavaemmeadosdo
séculoXIX,prêmiode50.000francosaquemlherespondessea
contentoainterrogaçãoqueelefizeraaopedirquelhedefinissemo
Estado.
EsseesmorecimentodeBastiatcorroboraoqueHegeldisserada
ciênciadoEstado,tomando-aporprimeiradasciências,pela
importânciaepelascomplicaçõesqueaenvolvem.
OreitorLowelldeHarvard,citadopeloprofessorCarvalho,
interveiotambémcompessimismonodebate,paralembrarquefaltaà
ciênciapolíticaesserequisitoindispensávelàciênciamoderna:a
nomenclaturaininteligívelaohomemeducado,oquepermiteatodo
leigoocupar-se,comamaissantaeincorrigívelleviandade,daquilo
ondesedetêmounaufragamemdificuldadesamargas,cientistase
filósofosinsignes,aoversaremconceitoscomoosdegoverno,nação,
liberdade,democracia,socialismo,etc.
Tem-sesobretudoreferidoqueotrabalhodocientistadanatureza
éextraordinariamentefacilitadopelacircunstânciadeosfenômenos
teremaíexterioridadeàpartedoobservadorouassubstânciasdeque
trata,porexemplo,oquímico,noseulaboratório,poderemserpesadas
oumedidas,ouaindaaexperiênciadofísico,comoassinalouLord
Bryce,nãotermaisrequisitoderenovaçãoqueavontadedo
investigador,fazendoqueeste,sempreporviadaexperiênciaeda
observação,possachegaraoconhecimentodeleisperfeitamenteexatas
euniformes.
Masseooxigênio,oenxofreeohidrogênio“secomportamda
mesmamaneiranaEuropa,naAustráliaouemSírius”,sequalquer
mudançanacomposiçãodoelementoquímicoencontranocientista
condiçõesfáceisesegurasdeexameeesclarecimento,omesmonãose
dácomofenômenosocialepolítico.
Ficaestesujeitoaimperceptíveisvariações,deumparaoutro
país,atémesmonapráticadomesmoregime;oudeumaoutroséculo,
deumaaoutrageração.
Asinstituições,conservandoporvezesomesmonome,já
passaramtodaviapelasmaiscaprichosasalterações.
Omaterialdequeseserveassimocientistasocialcriapela
extremamutabilidadedesuanatureza,nãosomenteóbicesquase
invencíveisaoestudioso,comotornapenosíssimosenãoimpossívelo
reconhecimento,naCiênciaPolítica,deleisfixas,uniformes,
invariáveis.
Obstáculoigualmentesério,quesesomaaosdemaisjáreferidose
defeiçãonãomenosdesalentadora,decorredaimpossibilidadeemque
ficaoobservadordeneutralizar-seperanteofenômenoqueestuda,para
daíalcançarconclusõesválidas,lícitas,imparciais,objetivas,quenão
sejamfrutodeinclinaçõesemocionaispassageirasoudejuízos
preformadosnamentedoobservador.
Aconsciênciadequemobservanãoraroseligaaofenômenoou
processo.SuaaderênciaadeterminadoEstado,seulastroideológico,
suavivênciaemcertaépoca,suasreaçõespsicológicasempresençados
maisdistintosgrupos,desdeaigreja,osindicatoeacomunidadeatéà
famíliaeàescola,fazemdesseobservadorunidadeirredutível,capazde
emprestaraofenômenoobservadotodoofeixedepeculiaridadesqueo
acompanham,recebidasouinatas.
Pormaisqueforcejenãochegaráelenuncaacaptarofenômeno
socialimparcialmente,emancipadodocírculoviciosooudacamada
densadepreconceitosqueorodeiam.
Comessasponderaçõespessimistas,masacauteladoras,háde
atuarpoisoestudiosodasociedade,que,comomínimodedogmatismo
inconsciente,seproponhaaversaroconteúdodificílimodasciências
sociais,rigorosamenteadvertidojádeseusembaraços.
Ondeentramatosesentimentoshumanos,sóaconsideração
despretensiosadosaspectoshistóricos,jurídicos,sociológicose
filosóficos,ontemehoje,nesteounaqueleEstado,daráàproblemática
políticadasociedadeoaproximadoteordecertezaqueviráumdia
galardoaroesforçodocientistasocial,honestoeincansável,cujo
trabalho,antesdafrutificação,sempretomouemcontaamedida
contingentedasverdadesqueseextraemdocomportamentodosgrupos
edadinâmicadasrelaçõessociais.
4.Prismafilosófico
ACiênciaPolítica,emsentidolato,temporobjetooestudodos
acontecimentos,dasinstituiçõesedasidéiaspolíticas,tantoemsentido
teórico(doutrina)comoemsentidoprático(arte),referidoaopassado,
aopresenteeàspossibilidadesfuturas.
Tantoosfatoscomoasinstituiçõeseasidéias,matériasdesse
conhecimento,podemsertomadoscomoforamoudeveriamtersido
(consideraçãodopassado),comosãooudevemser(compreensãodo
presente)ecomoserãooudeverãoser(horizontesdofuturo).
Hásempre,emfacedosproblemasdessainvestigação,pertinente
afatos,instituiçõeseidéias,nãoimportaotempohistórico—ontem,
hoje,amanhã—emqueostomemos,aquiloqueosalemãeschamam
seinousollen,oprimeirodesignandoarealidadequeé,osegundoa
realidadedodeverser.
Nessamesmaelargaacepção,cabeoexamedasinstituições,dos
fatosedasidéiasreferidasaosordenamentospolíticosdasociedade
debaixodotrípliceaspecto:filosófico,jurídicooupolíticopropriamente
ditoesociológico.
Masnemtodososautores,tratadistasepublicistasqueversam
temasdeCiênciaPolítica,sepõemdeacordocomfixar,demaneiratão
ampla,comovimosacima,oconteúdoeaconformaçãodestadisciplina.
PartetodaaCiênciaPolíticadeconceitospolêmicos,quantoao
método,quantoàextensãodeseuslimites,quantoaonomequesehá-
deelegerparaessacategoriadeestudos,conformeteremosmais
adianteensejodepatentear.
Passemosnoentantorevistaaosdistintosaspectosquepermitem
acentuarcommaisênfaseocarátertransitóriodadisciplina,aoqualse
hápreponderantementereduzido,consoanteotratamentoquelhe
ministraofilósofo,osociólogoouojurista.
Desdeamaisaltaantigüidadeclássica,principalmentedesde
Sócrates,PlatãoeAristóteles,osassuntospolíticosimpressionamo
gênerohumano,sequiosodeconhecê-loseaprofundá-los.
AristótelesconcluinaGréciaumciclodeestudospolíticos
conscientementeespeculativos.
Masnosfragmentosdasconstituiçõesqueofilósofoestagirita
analisa,assimcomonasúltimaspáginaspolíticasdePlatão,seu
predecessor,quenoLivrodasLeispassarajádoEstadoideale
hipotéticoaoEstadorealehistórico,avultamconsideraçõesdeíndole
sociológica,antecipaçõesquedeixamdeserpuramentefilosóficas.
NaEuropamedievaafilosofiaseenlaçacomateologiaaoocupar-
sedetemaspolíticos.
Equandoestessedefinem,modernaecontemporaneamente,
numaciênciajáorganizadaeautônoma,conservamalgunsdeseus
cultoresaposiçãotradicionaldeprestígiodeanálisefilosófica,dando
nosmanuais,tratadosecompêndiosdeciênciapolíticalugarsempre
honrosoedestacado,senãoporvezespredominante,aoaspecto
estritamentefilosóficodosproblemas.
Entreospensadoresdelínguainglesa,Field,LaskieBertrand
Russeltomaramposiçãodeteóricosouteorizantes,impulsionandoa
ciênciapolítica,sobinspiraçãofilosófica.
NaAlemanha,CarlSchmitteRudolfSmend.
Nospaísesdelínguafrancesa,Dabin,MarceldeLaBignede
Villeneuveeoutros.
AFilosofiaconduzparaoslivrosdeCiênciaPolíticaadiscussão
deproposiçõesrespeitantesàorigem,àessência,àjustificaçãoeaos
finsdoEstado,comodasdemaisinstituiçõessociaisgeradorasdo
fenômenodopoder,vistoquenemtodosaceitamcircunscrevê-loapenas
àcélulamater,embriogênica,quenocasoserianaturalmenteoEstado,
acrescentando-lheospartidos,ossindicatos,aigreja,asassociações
internacionais,osgruposeconômicos,etc.
Conviveodebatefilosóficoademaiscomainvestigaçãosociológica
ecomafixaçãojurídicadosfatos,normaseinstituiçõespolíticas,
arredandoassimapossibilidadedeousadamenteafirmarmosa
existênciadeummonismofilosóficoentreautorespolíticosdenosso
século,querotulamseuslivroscomonomedeCiênciaPolíticaou
TeoriaGeraldoEstado.
5.Prismasociológico
OutradimensãoimportantíssimaquetomaaCiênciaPolíticaéa
decunhosociológico.
OestudodoEstado,fenômenopolíticoporexcelência,seconstitui
umdospontosaltoseculminantesdaobragenialdeMaxWeber.
OprofundosociólogofezcomoEstadoaquiloqueEhrlichfizerajá
comasociologiajurídica.Deu-lheaconsistênciadotratamento
autônomo.
Comefeito,nasociologiapolíticadeMaxWeber,abre-seo
capítulodefecundosestudospertinentesàpolíticacientífica,à
racionalizaçãodopoder,àlegitimaçãodasbasessociaisemqueopoder
repousa:inquire-sealidainfluênciaedanaturezadoaparelho
burocrático;investiga-seoregimepolítico,aessênciadospartidos,sua
organização,suatécnicadecombateeproselitismo,sualiderança,seus
programas;interrogam-seasformaslegítimasdeautoridade,como
autoridadelegal,tradicionalecarismática;indaga-sedaadministração
pública,comonelainfluemosatoslegislativos,oucomoaforçados
parlamentos,sobaégidedegrupossocio-econômicospoderosíssimos,
emprestaàdemocraciaalgumasdesuaspeculiaridadesmais
flagrantes.23
ACiênciaPolítica,nasuaconstantesociológica,nãopode
tampoucoignorarasraízeshistóricasdaevoluçãopolítica.
Esseretratoretrospectivo,essemergulhonopassadodas
instituiçõesdevem-secommaisnitidezeoriginalidadeaGumplowicze
Oppenheimer.
Traçouesteúltimoopenosoroteiroqueseestende,atravésdos
maisagudostransesedasmaisamargasvicissitudes,doEstadode
conquistaaoEstadodecidadanialivre.Comoformadecoaçãosobreos
homens,oEstadoseachafadadoadesaparecer,desdequeaescravidão
antigaeaescravidãocapitalista,outroraforçosas,setornavam
doravantesupérfluas.
SeemAtenas,observaOppenheimer,aoladodecadacidadão
livretrabalhavamcincohomensescravos,nasociedadecontemporânea
acadacidadãolivrecorrespondeodobrodeescravos,masescravos
doutraespécie,doutrocativeiro,escravosdeaçoquenãotêmde
padecerousuarquandotrabalham!
EofimdoEstado,segundoomesmosociólogo,inspiradodecerto
naprofeciamarxista,serásuadiluiçãonoautomatismodasociedade
futura.24
Outroescritorpolíticonãomenosdignoeautorizadopela
excelênciadesuaorientaçãosociológicaéVierkandt,quecontribuià
fixaçãodosquadrosdaCiênciaPolítica,emseusvínculoscoma
sociologia,aoestudarprincipalmenteomodernoEstadonacional.
AcentuaeleocaráterclassistadoEstadoedasociedade,a
dinâmicadalutapelopodernasociedademoderna,ospartidoscomo
representaçãodeinteresseseastendênciasemovimentosreformistas
queseoperamesteséculo,comrespeitoàsrelaçõesdetrabalho,à
educação,àsaúdeespiritualdajuventude,eopapeldaigreja,etc.25
Seguindoigualtrajetória,apareceaversãosociológicadaobrade
Stier-Somlo,inclinadosobretudoaoestudodapolíticacientífica,seus
problemas,suasignificação,suastarefas,suapossívelsistematização.
Desseelencodeprimeiraordemfazparteaindaumpensadorda
finaestirpedeMannheim.SuaIdeologiaeUtopiaédesseslivrosque
assinalamafisionomiaintelectualdedeterminadaépoca.Sente-senele
todaavibraçãomentaldasociedade.Asociologiatomadaporbaseda
CiênciaPolítica,cavaalisuasraízesmaisprofundas.
Ostemasdereconstruçãosocial,dediagnoseeinterpretaçãodos
momentoscríticosdademocracia,deanálisedosconceitospolíticos,de
estimativasacercadaplanificação,daliberdadeedopodertecema
matériasociológicaqueservedesubstratoaalgunsdoscapítulosmais
fascinantesdenossaCiência.
Aodadojurídicodesuaobra,oprofessoralemãoGeorgJellinek,
outroclássicodaCiênciaPolítica,acrescentacomênfasenãomenos
rigorosaoaspectosociológico.
SuateoriadoEstadoserevelapredominantementesocial,
situando-onaesferametodológicadosdualistas,ouseja,dosque
tomamaCiênciaPolíticasegundoobinômioDireitoeSociedade.
Aestanteclássicadasociologiainclui,porúltimo,essenome
gloriosoparaaCiênciaPolíticaquefoiodeHermannHeller,cujaobra
inacabadatemtodososprimoresdeesquematizaçãogenial.
Lançoucimentosindestrutíveisàcompreensãodadoutrinado
Estadocomosociologia,comociênciadarealidade,comoteoriadas
estruturas.Estudou,comrigor,noseumonumentalStaatslehre,o
métodoeamissãodateoriadoEstado,arealidadesocial,oEstado
propriamentedito,comseuspressupostoshistóricos,bemcomoas
condiçõesculturaisenaturaisdaunidadeestatal,suaessênciae
finalidade,lastimando-senãohajaconcluídooplanodaobra,queé
todaviaumfragmentodegrandezaeimortalidade.Honraasalturasa
quepodechegaroraciocíniopolíticodeumpensador.
6.Prismajurídico
TemsidotambémaCiênciaPolíticaobjetodeestudoqueareduz
aoDireitoPolítico,asimplescorpodenormas.
Tendênciadecunhoexclusivamentejurídicovemrepresentada
porKelsen,queconstróiumaTeoriaGeraldoEstado,ondelevaàs
últimasconseqüências,noestudodaprincipalinstituiçãogeradorade
fenômenospolíticos,oseuformalismodeinspiraçãokantistaefunda
embasesestritamentemonistas,defeiçãojurídica,anovateoriaque
assimilouoEstadoaoDireitoetantosprotestosarrancoudefilósofose
pensadoresduranteasúltimasdécadas.
OEstado,segundoKelsen,pertencendoaomundododeverser,
dosollen,seexplicapelaunidadedasnormasdedireitodedeterminado
sistema,doqualeleéapenasnomeousinônimo.
QuemelucidarodireitocomonormaelucidaráoEstado.Aforça
coercitivadestenadamaissignificaqueograudeeficáciadaregrade
direito,ouseja,danormajurídica.
OEstado,organizaçãodepoder,paraKelsen,seesvaziadetodaa
substantividade.Oselementosmateriaisqueocompõem—territórioe
população—seconvertem,respectivamente,natípicaerevolucionária
linguagemdoantigoprofessorvienense,emâmbitoespacialeâmbito
pessoaldevalidadedoordenamentojurídico.
AdoutrinadeKelsentemsuaoriginalidadeembanirdoEstado
todasasimplicaçõesdeordemmoral,ética,histórica,sociológica,
criandooEstadocomopuroconceito,agigantando-lheoaspectoformal,
retinta-mentejurídico,escurecendoarealidadeestatalcomseus
elementosconstitutivos,materiais,conformevimos.Chegaàhipertrofia,
jádescomunal,doelementoformal—opoder,postoquedissimulado
estenasantidadeinvioláveldenormasconcebidascomodireitopuro.
Essateoria,quefazdetodoEstadoEstadodeDireito,porsituar
DireitoeEstadoemrelaçãodeidentidade,umavezaceitaapagariana
consciênciadojuristaosentidodosvaloresenasentençado
magistradoosescrúpulosnormaisdeeqüidade,domesmomodoque
favoreceriaodespotismodasditadurastotalitárias,poremprestarbase
jurídicaatodososatosdopoder,atémesmoosmaisinconcebíveis
contraavidaeamoraldospovos.Oexemploeexperiênciada
Alemanhanazistaérecenteparamostraratéondepodemchegaras
conseqüênciasdeumpositivismonormativista,àmaneirakelseniana.
Criticou-seaKelsen,ecomrazão,ohavercriadoumaTeoriado
EstadosemEstadoeumaTeoriadoDireitosemDireito.
EntreospublicistascélebresdaFrança,noséculoXX,
encontramosautoresmaispreocupadoscomoaspectojurídicoda
CiênciaPolíticadoquepropriamentecomassuasraízesnafilosofiae
nosestudossociais.
NãosãotãoradicaisquantoKelsen,quereduziuoEstadoa
consideraçõesexclusivamentejurídicas.MasfazemdaTeoriaGeraldo
EstadoumapêndiceouintroduçãoaoDireitoPúblico,nomeadamente
aoDireitoConstitucional,nãohesitandoemversartemaspertinentes
aoEstadoemlivrosdeDireitoConstitucional,segundovelhatradição,
ilustrada,dentreoutros,porDuguit,comoseumonumentaltratado,
cujaprimeiraparte,votadaaoEstado,abrangecertasanálisesondea
cadapassotomaosociólogoolugardojurista.
EmCarrédeMalberg,depara-se-nosoutroclássicodessa
orientação,queseinclinamaisparaoDireitodoqueparaaSociologia
ouaFilosofia.
7.Tendênciascontemporâneasparaotridimensionalismo
AorientaçãoquetomanaCiênciaPolíticaaFilosofia,aSociologia
eoDireitocompredominânciaouexclusividadevemcedendolugarao
empregodaanálisetridimensional,queabrangeateoriasocialjurídica
eateoriafilosóficadosfatos,dasinstituiçõesedasidéias,expostasem
ordemenciclopédica,demodoadarinteiraeunificadavisãodaquilo
queéobjetodestadisciplina.
FezopublicistaalemãoHansNawiasky,daBaviera,oesforço
maiscompetenteeidôneoqueseconheceporultrapassaro
unilateralismoebilateralismodoscientistaspolíticosqueo
antecederam,dandoàsuaTeoriaGeraldoEstadotratamento
tridimensional,aoestudaroEstadocomoidéia,comofatosocialecomo
fenômenojurídico.
Osautoresfrancesesquepublicaramobrasmaisrecentesde
CiênciaPolíticaestãofugindotambémàestreitezadeseus
predecessores,eapesardaimpopularidadedosnomesdeTeoriaGeral
doEstadoeCiênciaPolíticanasualiteraturaespecializada,jáfizeram
todaviaaesserespeitoconsideráveisconcessõesàepígrafedesta
disciplina,inclinando-semaisparaaexpressãoCiênciaPolítica,coma
qualbatizouGeorgesBurdeauseuexcelentetratadosobreamatéria.
Nãosomentepassouopensamentofrancêsaacatara
denominaçãodeCiênciaPolítica,consagradajánomeioculturalanglo-
saxônico,comoemprestounosúltimosanosaessesestudossignificado
maissociológicoefilosóficodoque,emverdade,jurídico,como
preconizavaatradiçãooraproscrita.
JuristasdaenvergaduradeDuverger,Vedel,MarceldeLaBigne
deVilleneuveacompanhamatendênciauniversalizadadeadotaro
estudodaCiênciaPolíticasobotrípliceaspectotantasvezesaqui
referido,asaber,oaspectotridimensional,abrangendoporconseguinte
aconsideraçãojurídica,sociológicaefilosófica.
Comosevê,nãoreinaacordoentreosescritorespolíticosdos
principaispaísesocidentaisacercadoslimitesdadisciplinadequenos
ocupamos.
Nemsequerarespeitodonomepeloqualpossamostodos
reconhecê-la.Nomundoanglo-americano,aCiênciaPolíticaouversaa
experiênciapolíticavividaeacumuladanasinstituições(ondeasforças
políticascompetitivasimpõemosinteressesemjogo),comfeiçãode
estudopragmático,oudesprezafortementeoladoteórico.
NaAlemanha,osjuristasquecresceramnocultoesuperstiçãodo
poder,deram-lheonomedaTeoriaGeraldoEstado,comvariaçõesde
métodoeconteúdoesónasúltimasdécadasseiniciaramnumaCiência
Políticapropriamenteditacomindependênciadocondicionamento
jurídico,comcontribuiçõespróprias,masdebaixodeumvisívelinfluxo
dascorrentesamericanas,cujopragmatismoexcessivo,todavia,não
perfilhavam.
AdesignaçãodeTeoriaGeraldoEstadoentrouenfraquecidaem
FrançaesóchegouaoBrasilem1940,duranteaditadura.Teve
ingressonocurrículodasFaculdadesdeDireitoporconveniência
ditatorialenãoporimperativospedagógicosouprescriçãodidática.
Comefeito,aConstituiçãode1937deparavaresistêncianasescolas,
porpartedevelhosprofessoresdeformaçãodemocrática,quese
recusavamainterpretá-la.
Quefezpoisaditadura?CriouaCadeiadeTeoriaGeraldo
Estado,paraaqualremoveuapartemaisobstinadadomagistério,
ficandocomlugaresvagosdestinadosaopreenchimentodeconfiança
pormestresacomodadosalecionaroconstitucionalismodosautoresdo
golpedeEstadode1937.
NoBrasil,vingamirmãmenteostermosCiênciaPolíticaeTeoria
GeraldoEstado.Temesteúltimomaioracolhidanomeiojurídico.Por
CiênciaPolítica,estudiososháporémnestePaísqueentendema
consideraçãodofenômenopolíticoemsuamáximaamplitude,qualse
manifestanapluralidadedasfontesgeradoras.
OutrosseabraçamtradicionalmenteaoEstadocomofonte
primária,nãoenxergandonosdemaisgrupossociais,nacionaisou
internacionais,senãofontessecundárias,cujaautonomia,diretaou
indiretamente,derivadoordenamentoestatal,quepermanece,em
últimaanálise,matrizdetodaafenomenologiapolítica.
Estesnãovêemrazãoparasustentarporconseqüênciaasutileza
daquelesquedãopreferência,pormaislata,àexpressãoCiência
Política,eignoramounegampoisasupostalarguezadeâmbitoda
CiênciaPolítica,cujacircunferênciaparaelescoincidecomadaTeoria
GeraldoEstado.
Porhaverequivalênciadeáreasedeobjeto,seriaamesma
matéria,apenascomnomesdistintos.
Asimpatianaescolha,paraosqueraciocinamdessaforma,recai
naturalmentesobreaTeoriaGeraldoEstado,cujasraízes,adespeito
daorigem,seaprofundaramcommaisforçaqueasdaCiênciaPolítica.
Onomedesta,sopradoultimamentecomintensidade,atravésdaleitura
einfluênciadeautoresamericanoseingleses,ganhatodavia
larguíssimoterreno.
1.Kant,MetaphysischeAnfangsgruendederNaturwissenschaft.Prefácio,2e3.
2.JoaquimPimenta,EnciclopédiadeCultura.
3.Idem,ibidem,p.45.
4.Idem,ibidem,pp.45-46.
5.AugustoComte,Sociologie.
6.JeanLaubier,apudAugustoComte,ob.cit.,p.XI.
7.OrtegayGasset,apudKant,Hegel,Dilthey,p.144.
8.WilheimDilthey,GesammelteSchriften,V,p.11.
9.HermannGlockner,DieeuropaeischePhilosophie,vonAnfangenbiszurGegenwart,
pp.1.063-1.064.
10.W.Dilthey,GesammelteSchriftenI,2ªed.,p.109daEinleitungindie
GeisteswisseschaftenI,ErsteseinleitendesBuch,XVI.
11.WilhelmWindelband,Praeludien,V.I/II,p.141.
12.WilhelmWindelband,ob.cit.,p.141.
13.Idem,ibidem,p.145.
14.Idem,ibidem,p.145.
15.Idem,ibidem,p.148.
16.WilhelmWindelband,ob.cit.,p.145.
17.HeinrichRickert,KulturwissenschaftundNaturwissenschaftsechsteundsiebente
Auflage,pp.VIIeVIII.
18.Idem,ibidem.
19.HeinrichRickert,ob.cit.,p.IX.
20.Idem,ibidem,pp.55-56.
21.Idem,ibidem,p.56.
22.Idem,ibidem,p.97.
23.HeinrichRickert,ob.cit.,p.97.
24.MaxWeber,Staatssoziologie.
25.FranzOppenheimer,DerStaat,pp.8,126-133.
2
ACIENCIAPOLÍTICAEAS
DEMAISCIÊNCIASSOCIAIS
1.ACiênciaPolíticaeoDireitoConstitucional—2.ACiência
PolíticaeaEconomia—3.ACiênciaPolíticaeaHistória—4.A
CiênciaPolíticaeaPsicologia—5.ASociologiaPolítica,umanova
ameaçaàCiênciaPolítica?
1.ACiênciaPolíticaeoDireitoConstitucional
SãoapertadíssimososlaçosqueprendemaCiênciaPolíticaao
DireitoConstitucional.EntreospublicistascélebresdaFrança,no
séculoXX,autoresháquesepreocuparammenoscomoaspecto
jurídicodaCiênciaPolíticadoquepropriamentecomsuasraízesna
filosofiaenosestudossociais.
Naquelepaís,aCiênciaPolítica,antesdechegaràmaioridade
comodisciplinaautônoma,estevequasetodacontidanoDireito,
mormentenoDireitoConstitucional.Adespeitodocismaoperado,este
aindaéoramodaCiênciaJurídicacujoinfluxomaispesasobrea
CiênciaPolítica.
Algunsdentreosmelhorespoliticólogosdacátedrauniversitária
naFrançasãoconstitucionalistas,omesmoocorrendonoBrasil.
Comefeito,Burdeau,VedeiePrélot,antesdeaderiremàCiência
PolíticatinhamjánomeadademestresdoDireitoConstitucional,onde
conservaminalteráveisoprestígioeaautoridadedesempre.
Demais,antesdaapariçãodaCiênciaPolítica(ciênciadesíntese),
jáoDireitoConstitucionalforaumadasCiênciasPolíticas.Seuinfluxo
sobreodesenvolvimentodaCiênciaPolítica,poderáeventualmente
diminuir,jamaisextinguir-se,porquantooDireitoConstitucional
abrangelargaáreadacoisapolítica—asinstituiçõesdoEstado,em
cujoâmbito,comosesabe,costumamdesenrolar-seosprincipais
fenômenosdopoderpolítico,constitucionalmenteorganizado.
AmaioroumenorcoincidênciadeáreasdaCiênciaPolíticacomo
DireitoConstitucional,ditandoograudeprofundidadedasrelações
entreambos,seacha,segundoaperspicazobservaçãodeBurdeau,na
dependênciadaestabilidadeouinstabilidadedomeiopolíticoesocial.1
Daquisepodeextrairtambémafecundadeduçãodeque,quanto
menosdesenvolvidaasociedade,quantomaisgraveseuatraso
econômico,maisinstáveiseoscilantesasinstituiçõespolíticas.Do
mesmopasso,menosamploeeficazseráentãooDireitoConstitucional
emsuacapacidadedeorganizarinstituiçõesqueabranjamdemodo
efetivotodaaesferadecomportamentoedecisãodogrupopolítico.
Daquidecorrepoisumcrescentehiatoentreaordemconstitucional
estabelecidaearealidadepolítica.Enfim,diminuicomissoa
possibilidadedetodaavidapolítica—inclusiveocomportamentoeo
poderdedecisãodeindivíduosegrupos—recairnaórbitadodireito
regulamentadoedasinstituiçõescriadas.
Empaísessubdesenvolvidos,nominalmentedemocráticos,háum
círculominimumconstitucional,ondeoperamasinstituiçõesqueo
poderoficializou,aopassoquenospaísesdesenvolvidosesseminimum
seconverteemmaximum.Aqui,segundoalinguagemdeBurdeau,“vida
políticarealevidapolíticajuridicamenteinstitucionalizadatendema
coincidir”.2Dessasituaçãoemergeemconseqüênciaumcampomais
amplo,maisarejado,maisdesimpedidoaoDireitoConstitucional,que
seráodireitodasinstituições.
Ali,nasociedadesubdesenvolvida,aocontrário,avidapolítica
geraumteorelevadíssimodecontrovérsiaseimpõemenosuma
oposiçãoaogovernodoqueàsinstituições,fazendocomqueaparte
maisimportantedocomportamentopolíticoedofuncionamentodo
podertranscorraforadasregiõesoficiaisoudodireitopúblicolegislado.
Aeficáciadosistemaficanessecasopreponderantementesujeitaà
imprevisívelaçãodegruposdepressão,liderançaspolíticasocultase
ostensivas,organizaçõespartidáriaslícitaseclandestinas,elites
influentes,queproduzemoumanipulamumaopiniãopúblicadócile
suspeitaemsuaautenticidade.
Observa-seademaisquenospaísessubdesenvolvidos,osgolpes
deEstado,aviolaçãocontumazdoDireitoConstitucional,ofermento
revolucionáriooriundodainsatisfaçãosocial,alutadeclasses,
brutalmenteexacerbadapeloprivilégioouporviolentasdiscrepâncias
econômicas,compõemumquadroondeoprocessopolíticoearealidade
dopoderescapamnãoraroaoslimitesmodestosdaautoridade
institucionalizada.ÉentãonessascircunstânciasqueoDireito
Constitucionalpodesertomadoouinterpretadocomo“umconjunto
formalderegrasdasquaisavidaseausentou”,conformedisse
Burdeau,eaCiênciaPolíticaaparece“comodisciplinaaptaaprestar
contasdarealidade”,3poissua“promoçãosefazconcomitanteao
declíniodoDireitoConstitucional”.4
Nãoprocede,poroutraparte,eemconclusão,aafirmativade
Robson,dequeovínculodaCiênciaPolíticacomoDireito
Constitucionalconduziriainevitavelmente“aumaconcepçãoestreita,
falsaedeformadadessadisciplina”.5Talocorreriacomefeitosea
CiênciaPolíticaresultassetotalmenteabsorvidapeloDireito,queé
apenasumadesuasfaces.Comojurídico,mormentecomoDireito
Constitucional,aCiênciaPolítica,atémesmoparaefeitodefacilidadee
segurançadosestudoseformaçãodeconceitos,devemanterestreitas
relações,fazendodosistemainstitucional,sancionadopelaordem
jurídica,opontodeapoiomaisfirmecomqueestenderaoutrasesferas
sociaistodasasindagaçõesdecunhocaracteristicamentepolítico.
2.ACiênciaPolíticaeaEconomia
Semoconhecimentodosaspectoseconômicosemquesebaseiaa
estruturasocial,dificilmentesepoderiachegaràcompreensãodos
fenômenospolíticosedasinstituiçõespelasquaisumasociedadese
governa.Reputa-sepacíficooentendimentodecientistaspolíticoscomo
Burdeau,quenãoprecisamdesermarxistas,parareconhecernofato
econômico“ofatofundamentaldepolitizaçãodasociedade”.6
Admitidaessatese,perceber-se-ásemdificuldadeaimportância
capitalquetemparaaCiênciaPolíticatodaamatériadequeseocupaa
EconomiaPolítica,elamesma,emoutrasépocas,consideradaumadas
CiênciasPolíticas.
Assinalandoograupróximodeparentescoentreasduas
disciplinas,Burdeauasseveraqueestãounidasporlaçosde
“consangüinidade”econstituemumaúnicaciência.Segundoselêno
mesmoautor,ofatodeaEconomiaPolíticahavertransitadodesua
velhaacepçãodeciênciadasriquezasparaamodernaacepçãode
ciênciadoscomportamentoseconômicos,emnadaalterouaconexidade
dosdoisramos,podendo-se,emverdade,passardaanáliseeconômicaa
umapolíticaeconômica,edapolíticaeconômicaparaumaaçãopolítica,
racionalmenteapoiadanumprogramadesustentaçãodemetas
econômicas,traçadasdeantemão,comopropósitodepromoverpor
exemplofinsdesenvolvimentistas,oucombateroatrasodeestruturas
sociaiseeconômicas,reconhecidamentearcaicas.
Democraciaesocialismo,formaspolíticasdeorganizaçãodo
poder,nãoprescindem,noEstadomoderno,deplanificação.O
conhecimentoeconômicosefazcadavezmaisinteressadoeoEstado
nãooempregaunicamenteparaexplicarouconheceromodoporque
sesatisfazemasnecessidadesmateriaisdeumasociedade,senãoque
osempregacadavezmais,paracriarinstrumentosnovosediretosde
ação,vinculando-osaumprogramadegovernoouaumapolítica
econômicaespecífica.
Acorrentedeidéiasdequeresultatalvezomaisforteacentona
identidadedaCiênciaPolíticacomaEconomiaPolíticaésemdúvidaa
dospensadoresmarxistas.
Deduz-sedomarxismoquetodasasinstituiçõessociaise
políticasformamumasuperestrutura,tendoporbasedesustentação
umainfra-estruturaeconômica.Essainfra-estruturaédeterminante,
emúltimaanálise,detudoquantosepassaemcima,sendoafunção
econômicadecisiva,bemquenãosejaexclusiva,noinfluxoexercido
sobreasinstituiçõesintegrantesdachamadasuperestruturasocial.
Numaobjeçãoàquelesqueconferemdemasiadaimportânciaaos
fatoreseconômicos,oprofessorXifraHerasponderaqueexistemesferas
políticasdetodoalheiasainteresseseconômicos,mencionandoaquelas
queserelacionamcomamanutençãodapazeaadministraçãoda
justiça.7
Verifica-seporémqueatéapazguardaimplicaçõeseconômicas
profundas,querapazexterna,entreEstados,querapazinterna,apaz
social,apazpolítica,cujosreflexospsicológicosincidemcomamáxima
intensidadesobreocomportamentoeconômicoefinanceirodeumpaís.
Bastalevecomoçãooucriseparaquesecomprove,sobretudoem
sociedadesdeestruturaeconômicafrágil,quantoapazénecessáriaao
bomcursodosnegóciosecomoseutranstornopoderárefletir-sede
modonegativo,comforçaquaseinstantânea,sobreoconjuntodas
operações
econômicas
e
financeiras.
Demais,
paz
social
é
fundamentalmenteaquelaqueresultadaatenuaçãodalutadeclassese
dadistribuiçãomaisequitativadopodereconômiconumasociedade,
medianteapráticadajustiçasocial.
3.ACiênciaPolíticaeaHistória
QuandosetomaaHistóriacomoacumulaçãocríticadefatose
experiênciasvividas,fácilsetornaperceberaimportânciadeseuestudo
paraaCiênciaPolíticaeacontribuiçãoessencialqueohistoriador
poderáoferecernessedomínio.
Seofilósofo,oeconomista,osociólogoeojuristaquiseram,em
outrasépocas,monopolizaraCiênciaPolíticaouimprimir-lheuma
diretrizquetraduzisseexclusividadedeperspectiva,tambémo
historiadornãofoiinsensívelaessaorientação,querendoigualmente
apropriar-sedaqueladisciplina,parareduzi-laamerainvestigação
acercadaorigemedodesdobramentodossistemas,dasidéiasedas
doutrinaspolíticas,conhecidasepraticadaspelogênerohumanono
decursodetantosséculos.
Dessasinvestigaçõesseriamextraídasgeneralizaçõescomovalor
de“leishistóricas”,nãotendosidooutro,conformeressaltaBurdeau,o
trabalhodeHegeleMarx,conferindoàHistóriaumsurpreendenteteor
científico,um“valordecerteza”,empregadoparasustentaçãode
ideologias,dasquaisaquelasleisconstituiriam“umaespéciede
matéria-prima”.8
ACiênciaPolíticadosideólogosmarxistasseservedaHistória
comosehouvessealidecifradoosegredodeevoluçãodialéticadas
instituiçõespolíticasesociais.Prognosticamassimumfuturo
necessárioquealimentaaideologiaeaconverteemmáquinadeguerra.
Rodeadosdedescréditooude“umcomplexodeinferioridade”,segundo
assinalaBurdeau,ficariampoisossistemassociaisnão-marxistas.Haja
vistaoliberalismo,ocapitalismo,ademocraciaburguesa,objetode
inapelávelsentençademortelavradapelaHistória.9
Deúltimo,comoincrementodasinvestigaçõessociológicasecom
omaiorespaçoconcedidoacertasciênciasdocomportamento,comoa
PsicologiaSocialeaAntropologia,arrefeceuointeresseporumaCiência
PolíticafundamentadaunicamentenaHistória.Comoasdemais
concepçõesjáexaminadas—filosófica,jurídicaeeconômica—
padeceriaestatambémodeplorávelvíciodaunilateralidade.
Seosaspectoshistóricostêmpassadoemalgunscasosasegundo
plano,recaindosobreaposiçãohistoricista—pelomenos,anão
dialética—anotadeanacronismo,esejánãoépossívelfazerda
HistórianasCiênciasSociaisoquesefezdaMatemáticanasCiências
daNatureza,averdadeestácomHaettichquandocontinuaacentuando
aindeclinávelimportânciadosestudoshistóricos.Assimprocedeeleao
afirmarquedeterminadasproposiçõesdaCiênciaPolíticanadamais
sãodoque“generalizaçõesdaexperiênciahistórica”,ouaoadvertirque
oqueénãopodesercompreendidosemoconhecimentodoquehá
sido.10
AautoridadedaHistória,comociênciadebase,mantenedorade
apertadasconexõescomaCiênciaPolítica,ficadomesmopasso
comprovadapeloesquemadoscientistasdaUNESCO,queabriram
quasetodaumarubricaparaacolhernoâmbitodessaciênciaaHistória
dasIdéiasPolíticas.
SendoademaisaCiênciaPolíticaco-artíficeouco-constitutivada
realidademesmaqueinvestiga,faz-seválidaaafirmativadeBurdeau,
segundoaqual“asidéiassobreosfatossãomaisimportantesqueos
fatosmesmos”,11razãoporquecumpretersemprepresenteàs
indagaçõesdaCiênciaPolítica,parafazê-lasdetodofecundase
compreensíveis,ahistóriadasidéias.
4.ACiênciaPolíticaeaPsicologia
TemosvistocomoaFilosofia,oDireitoeaEconomiareclamaram
jáumelevadíssimograudeparticipaçãonomoldaraíndoledaCiência
Política.Houveépocasemqueopensamentocríticoseinclinou
fortementeaanexaraquelaciênciaacadaumdaquelesdistintosramos
doconhecimento.Cadafasehistóricaexpôsoseufigurinodeinfluência
dominante.Esteséculo,chegouavezdospsicólogosesociólogos,os
maisrecentesemquereremapropriar-sedaCiênciaPolítica,fazendo
hojeoqueontemfizeramosfilósofos,osjuristas,oseconomistas,os
historiadores.
TravaaPsicologiacomaSociologiaumdueloreivindicatório,que
vaidasimplespretensãodehegemoniaàimpertinênciadeuma
eventualabsorção.Seháesferademodernidadeouatualidadeno
problemaderelaçõesdaCiênciaPolíticacomoutrasciênciassociais,
essaesferapertenceagoraapsicólogospolíticos,queintentamimpor
suastécnicasdeinvestigaçãoeoperarumareduçãosistemáticada
CiênciaPolíticaàdisciplinadaqualprocedemepelaqualsemprese
orientaram.Aíestãoos“behavioristas”paraatestá-lo,formandojá
escolaefundandoachamadanovaCiênciaPolítica,tãoemvoganos
EstadosUnidos.
Oirracionalismo,nãoraroobservadoematividadesdegovernos
ourelaçõesdeEstados,fortaleceporigualaconvicçãodospsicólogos
sociaisdequeforadasmotivaçõespsicológicasnãoépossívellograr
umacompreensãoplenamentesatisfatóriadoprocessopolítico.Com
efeito,segundoafirmaXifraHeras,deformalapidar,“aCiênciaPolítica
operacommaterialhumanoeosfundamentosdopoderedaobediência
sãodenaturezapsicológica”.12
Seerroexisteentreosqueadotamessaposição,decorreissoem
largapartedoempenhodealgunsemquereremreduziraCiência
PolíticaasimplescapítulodaPsicologiaSocial,oqueinevitavelmente
resultarianumencurtamentointoleráveldoseucampo.Este,queiram
ounãoos“behavioristas”,há-desersempremaisvastodoqueseriase
adotássemosapenasaqueladimensãoexclusiva.
5.ASociologiaPolítica,umanovaameaçaàCiênciaPolítica?
Desdequeseconstituiuciênciaautônoma,aSociologiapassoua
representarumobstáculoaodesenvolvimentodaCiênciaPolítica.Basta
atentar-separaofatodequesuasindagaçõesseconcentravamna
unicidadedosocial(exclusãoconseqüentedaautonomiadopolítico)e
nainvestigaçãodasociedadecomototalidade,obsessãoqueem
AugustoComtedesembocaranoconceitodehumanidade.
Numasegundafaseporémospositivistas,paisdaSociologia,
fazendomaisfecundaainvestigaçãosociológica,volveramde
preferênciasuasvistasmenosparaounitarismodasociedadedoque
paraoseupluralismo,menosparaainvestigaçãodasociedadedoque
dassociedades,menosparaoconhecimentodotododoquedaspartes
(osagregadossociais).
Aestaaltura,umapreocupaçãoteóricacedeulugarauma
preocupaçãoempírica.Grupos,classessociais,relaçõesintergrupais
entraramacomporofocodominantedeatençãodaSociologia,cujo
interessepelavidapolíticaseapresentavaaindasecundário.
Oinfluxoqueofatorpolíticopodeexercersobreosocialevice-
versaformaonúcleodeumaSociologiaPolítica.Masestanemsequer
seconstituíra,ficandodeverasretardadasuaformaçãoempresençade
outrosramosjáadultosdaSociologia.Somenteapósvencercertas
relutânciasfoiqueaSociologiasevolveuparaasociedadepolíticado
nossotempo,deixandodeladooexclusivismocomqueseconsagrara
aoexamedofenômenodopodernassociedadesprimitivas.
Essareviravoltaparaa“contemporaneização”ouatualizaçãode
seuobjetofezaSociologiaPolíticaprogredirassombrosamentenos
últimosvinteanos,atécomprometer,comooraacontece,segundo
entendemalguns,aautonomiadaCiênciaPolítica.
Emverdade,autoresdoprestígiodeDuverger,Catlin,Arone
BertranddeJuvenelfazemaSociologiaPolíticacoincidircomaCiência
Políticaouempregamcritériosrigorosamentesociológicosparaanálise
detodososfenômenosqueseprendemàrealidadepolítica.Opontode
vistaemquesecolocampoderáredundar,conformejáredundouem
Duverger,nainteiraidentidadeentreambasasciências,coma
resultanteabsorçãodaCiênciaPolíticapelaSociologiaPolítica.
Afigura-se-nosporéminaceitávelessaredução.ACiênciaPolítica
possuiâmbitomaislargoqueaSociologiaPolítica.Postoqueconservem
inumeráveispontosdecontatooupartilhemambasumterrenocomum
evasto,verdadeéquesenãoconfundemasduasdisciplinas.
Aquelecampocomum—grupos,classessociais,instituições,
comportamentos,opiniãopública—fazdifícileproblemáticaa
delimitação.MasaCiênciaPolíticatomarumosqueasociologiaignora,
eque,admitidos,favorecemotraçadodefronteiras:adireção
normativa.UmaSociologiaPolíticanãopoderia,semdescrédito,entrar
naesferado“deverser”,do“sollen”,serumaciênciadosvalores,
segundotrêssentidosqueavaloraçãocomporta:oempírico,o
normativoeosubjetivo,ganhandoaquelaamplitudequeaCiência
Políticatemostentado,atravésdesuastendênciasmaisrecentes.
SeoâmbitomaterialdaCiênciaPolíticafosseunicamenteoda
SociologiaPolítica,comoestavemsendodeúltimocultivada,ouseeste
âmbitopudesseservirdecritérioaumaúnicaperspectivadeindagação,
eessaindagaçãoemprestasseàCiênciaPolíticatão-somentecaráter
pragmáticoeexclusivodeCiênciaaplicadaeprática,enãodeCiência
normativa,queelatambémpossui,entãotodaessatesedeanexaçãoda
CiênciaPolíticapelaSociologiaencontrariaressonância,aparde
legítimabasedeapoio.Ondeambasasdisciplinasoperamsobreo
mesmoterrenoecomidênticaspreocupaçõespragmáticas,areflexão
dificilmentedeparalimitescertoscomquedistingui-las.Aíomelhorque
lhecumpreéadmitirnessaesferaaidentidadedosdoisramos.
Emrigor,aSociologiaPolíticaéqueconstituipartedaCiência
Política,nãooinverso.ACiênciaPolíticaéotodo,aSociologiaPolíticaa
parte;aliogênero,aqui,aespécie.Foradessacompreensão,seriafalso,
vindoemdanodaCiênciaPolítica,falardeidentidadeoucoincidência
dasduasdisciplinas.NãoéaCiênciaPolíticaqueestádentroda
SociologiaPolítica,masaSociologiaPolíticaqueficanointeriorda
CiênciaPolítica.Todosociólogodopoderoudocomportamentopolítico
é,comsuacontribuição,cientistapolítico,masacontecequenemtodo
cientistapolíticoétão-somentesociólogo.
Vejamosenfim,demodosumário,osprincipaistemasda
SociologiaPolítica,quesãotambémtemasintegranteseinseparáveisdo
conteúdodaCiênciaPolítica:a)opoderpolítico,ocomportamento
político(indivíduosegrupos),asmanifestaçõesdeautoridade
(carismática,tradicionalelegal,segundoMaxWeber),alegalidadee
legitimidadedopoderpolítico;b)osfatoresmateriaisdopoderpolítico:
oterritórioeapopulação;c)asorigenssociaisdoEstadoesuapenosa
evolução,consagrandoinstitutosquesedesdobramhistoricamente,da
escravidãoàliberdade,doEstadodeconquistaaoEstadodecidadania
livre(Oppenheimer);d)apolíticacientífica,volvidabasicamenteparaa
racionalizaçãodopoder(afunçãopolítica,econômicaesocialdas
burocraciasnoEstadomoderno),atecnocracia;e)osgruposdepressão
detodoogênero,lícitoseilícitos,queatuamàsombradosparlamentos
edosministérios,einfluemnosatoslegislativosemedidasdopoder
executivo;f)alutadeclasseseseusefeitospolíticos,astensõessociais,
osantagonismospolíticosdetodaespécie;g)acrisedossistemasde
governo,osregimespolíticos,asideologias,asutopias,aliberdadeea
autoridadeeh)oinconformismosocial,asreformas,asrevoluçõeseos
golpesdeEstado.
1.GeorgesBurdeau,MéthodedelaSciencePolitique,p.141.
2.Idem,ibidem,p.141.
3.Idem,ibidem,p.141.
4.W.A.Robson,SciencePolitique,p.17.
5.GeorgesBurdeau,ob.cit.,p.130.
6.GeorgesBurdeau,ob.cit.,pp.129-130.
7.JorgeXifraHeras,IntroducciónalaPolítica,p.51.
8.GeorgesBurdeau,ob.cit.,p.125.
9.Idem,ibidem,p.129.
10.ManfredHaettich,LehrbuchderPolitikwissenschaft,GrundlegungundSystematik,
v.1,p.90.
11.GeorgesBurdeau,ob.cit.,p.33.
12.JorgeXifrasHeras,ob.cit.,p.52.
3
ASOCIEDADEEOESTADO
1.ConceitodeSociedade—2.Ainterpretaçãoorganicistada
Sociedade—3.Aréplicamecanicistaaoorganicismosocial—4.
SociedadeeComunidade—5.ASociedadeeoEstado—6.
ConceitodeEstado:6.1Acepçãofilosófica—6.2Acepçãojurídica
—6.3Acepçãosociológica—7.ElementosconstitutivosdoEstado.
1.ConceitodeSociedadeQuandonosdeparamoscomessapalavraembuscadeum
conceitoquepossaesclarecê-lasatisfatoriamente,areflexãocríticanos
compeledeimediatoafazermençãodosautoresqueseinsurgem
contraaquiloqueemgeralsedenominaSociedade.SanchezAgestae
Maurraspertencemaessacategoria.Oprimeiroasseveracomênfase
quenãoháSociedade,“termoabstratoeimpreciso,masSociedades,
umapluralidadedegruposdamaisdiversaespécieecoesão”eo
segundo,SociedadedesociedadesenãoSociedadesdeindivíduos.
EmverdadeporémovocábuloSociedadetemsidoempregado,
conformeassinalaumsociólogoamericano,comoapalavramais
genéricaqueexisteparareferir“todoocomplexoderelaçõesdohomem
comseussemelhantes”.1
Sendoomecanicismoeoorganicismoasduasformulações
históricasmaisimportantessobreosfundamentosdaSociedade,todo
conceitoquesederdeSociedadetraduziránaessênciaoinfluxode
umaoudeoutraconcepção.
QuandoToenniesdizqueaSociedadeéogrupoderivadodeum
acordodevontades,demembrosquebuscam,medianteovínculo
associativo,uminteressecomumimpossíveldeobter-sepelosesforços
isolados
dos
indivíduos,
esse
conceito
é
irrepreensivelmente
mecanicista.
Noentanto,quandoDelVecchioentendeporSociedadeo
conjuntoderelaçõesmedianteasquaisváriosindivíduosvivemeatuam
solidariamenteemordemaformarumaentidadenovaesuperior,
oferece-noseleumconceitodeSociedadebasicamenteorganicista.
2.AinterpretaçãoorganicistadaSociedade
Duasteoriasprincipaisdisputamaexplicaçãocorretados
fundamentosdaSociedade:ateoriaorgânicaeateoriamecânica.
Osorganicistasprocedemdotroncomilenardafilosofiagrega.
DescendemdeAristótelesePlatão.
Nadoutrinaaristotélicaassinala-se,comefeito,ocarátersocial
dohomem.Anaturezafezdohomemo“serpolítico”,quenãopodeviver
foradaSociedade.
Paraviveràmargemdoslaçosdesociabilidade,precisariaoente
humanodeserumDeusouumbruto,algomaisoualgomenosdoque
umhomem.Osinstintosegocêntricosealtruístasquegovernama
condiçãohumana,oinstintodepreservaçãodaespécie,fazemporém
queohomemsejaeminentementesocial.
Grotius,quenãofoiorganicista,acompanhouopensamentode
Aristótelesefaloudeumappetitussocietatis,comovocaçãoinatado
homemparaavidasocial.
SituouDelVecchiomuitobemoproblema.Dizerqueohomemé
socialouprecisadaSociedadeparavivernãosignificaquejásehaja
caracterizadoumaposiçãoorganicistaoumecanicista.
Estaposiçãosósedefinequandoopensadorinquiredamaneira
porquesedeveorganizarougovernaraSociedade.SeaSociedadeéo
valorprimáriooufundamental,seasuaexistênciaimportanuma
realidadenovaesuperior,subsistenteporsimesma,temoso
organicismo.Aliás,deorganicismoDelVecchionosdáoseguinte
conceito:“Reuniãodeváriaspartes,quepreenchemfunçõesdistintase
que,porsuaaçãocombinada,concorremparamanteravidadotodo”.2
Se,aocontrário,oindivíduoéaunidadeembriogênica,ocentro
irredutívelatodaassimilaçãocoletiva,osujeitodaordemsocial,a
unidadequenãocriounemhá-decriarnenhumarealidademais,que
lhesejasuperior,opontoprimárioebásicoquevaleporsimesmoedo
qualtodososordenamentossociaisemanamcomoderivações
secundárias,comovariaçõesquepodemreconduzir-sesempreaoponto
departida:aele,aoindivíduo,aquiestamosforadetodaadúvidaem
presençadeumaposiçãomecanicista.
Osprimeiros,porseabraçaremaovalorSociedade,são
organicistas;ossegundos,pornãoreconheceremnaSociedademais
quemerasomadepartes,quenãogeranenhumarealidadesuscetível
desubsistirforaouacimadosindivíduos,sãomecanicistas.
Osorganicistas,nateoriadaSociedadeedoEstado,sevêem
arrastadosquasesempre,porconseqüêncialógica,àsposições
direitistaseantidemocráticas,aoautoritarismo,àsjustificações
reacionáriasdopoder,àautocracia,atémesmoquandosedissimulam
emconcepçõesdedemocraciaorgânica(concepçãoqueésempreados
governoseideólogospredispostosjáàditadura).Nemsequerum
doutrináriodademocraciacomoRousseau,comaconcepção
organicistaegenialdavolontégénérale,princípionovotãoaplaudido
porHegel,pôdeforrar-seaessaincrepaçãoumavezqueopoder
popularassimconcebidosobadivisada“vontadegeral”acabaria
gerandoochamadodespotismodasmultidões.Aquiteríamosaexceção
radicaldeumorganicismodemocráticodesembocandotodaviano
mesmoestuárioquejáreferimos:oautoritarismodopoder,aditadura
dosordenamentospolíticos.
SeRousseauchegaporémàquelaconseqüência,segundoalguns
deseusintérpretes,amesmadosorganicistasmaisconhecidos:uma
certaconcepçãoautoritáriadopoder—aindaquesetratedaversão
maisextremadadopoderdemocrático—delestodaviaseaparta
fundamentalmentequandoabreaspáginasdoContratoSocialcoma
proposiçãodequeoshomensnascemlivreseiguais,emantagonismo
comquasetodaadoutrinaorganicista,queafirmaprecisamenteo
contrário.
Entendeestaqueohomemjamaisnasceunaliberdadee,
invocandoofatobiológicodonascimento,mostraquedesdeoberçoo
princípiodeautoridadeotomanosbraços,rodeando-o,amparando-o,
governando-o.Vinteequatrohorasforadaproteçãodospaisbastariam
paraacabarcomoserquechegaaomundotãofrágiledesprotegido.
Dependência,autoridade,hierarquia,desamparo,debilidade,eisjáem
onúcleofamilialosvínculosprimeirosqueenvolvemacriaturahumana
edosquaisjamaislograrádesatar-seinteiramente.Fazemos
organicistasaapologiadaautoridade.Estimamosocialporquevêemna
Sociedadeofatopermanente,arealidadequesobrevive,aorganização
superior,oordenamentoque,desfalcadodosindivíduosnasucessão
dostempos,nolentodesdobrardasgerações,semprepersiste,nunca
desaparece,atravessandootempoeasidades.Osindivíduospassam,a
Sociedadefica.
Demais,ateoriaorganicistaseimpressionacomofatodequea
Sociedadegravanoindivíduoumasegundanatureza,verdadeiramassa
deconceitos,denoçõesedevínculosnosquaisseformaamelhor,a
maisreal,amaisautênticapartedeseuser.
Tomando
porém
a
Sociedade
como
organismo,
ficam
deslembradosdequesóarbitrariamentepodemasanalogiasporventura
existentesconduziraessaequiparação,alegitimartalidentidadeque
pôseminteirodescréditooorganicismojádesvairado.
Distinguemalgunsautoresduasmodalidadesdeorganicismo:o
materialistaeoidealista.
NoprimeiroentraaconcepçãoorganicistadeAugustoComte,
juntamentecomoorganicismobiológicodeSpencer,Bluntschlie
Schaeffle,chegandoosdoisúltimosporém,noparaleloentreorganismo
esociedade,aosmaisabsurdosexageros,àscomparaçõesmais
excêntricas,averdadeirosdesatinoslógicos,quecobriramderidículoa
doutrinaorganicista.
Oorganicismoéticoeidealista,cultivou-oaescolahistórica,
sobretudodesdeaconcepçãodeSavigny,acercado“espíritopopular”(o
Volksgeist)tomadoporfontehistórica,costumeira,tradicional,geradora
deregrasevaloressociaisejurídicos.
Aliás,o“espíritopopular”comoconceitonãoédosqueprimam
pelaclareza.Tem-seafiguradoaalgunspublicistasobscuroeabstrato,
levandoW.Arnoldaessaponderaçãoextremamenteirônica:“Aquilo
quenósnãosabemosounãocompreendemos,denominamosespírito
popular”(Waswirnichtwissenodernichtverstehen,nennenwir
Volksgeist).
Aessacorrenteéticadoidealismoalemãonadoutrinados
fundamentosdaSociedade,aderem,entreoutros,Trendelenburg,
KrauseeAhrens.
3.Aréplicamecanicistaaoorganismosocial
Osmecanicistasacometemimpiedosamenteateoriaorganicista,
mostrandoquenãoháapropaladaidentificaçãoentreoorganismo
biológicoeaSociedade.Nestaocorremfenômenosquenãoacham
equivalentenaquele:asmigrações,amobilidadesocial,osuicídio.
Aspartes,noorganismo,nãovivemporsimesmas,sendo
inconcebível,comoadverteDelVecchio,imaginá-lasforadoserque
integram.3
Tampoucopodemosadmiti-lasnoutraposiçãoquenãosejaaque
anaturezalhesindicou.
Comoindivíduojáissonãoacontece.Temesteasuamesma
vida,seusfinsautônomos,acapacidadededeslocaçãoespacialeanão
menosimportanteaptidãodemover-senointeriordosgruposdeque
fazparte.Ora,essamobilidadeoconduzoraàascensão,oraao
descensodecategoriasocial,econômicaouprofissional.
OpublicistadaBaviera,naAlemanha,vonSeydel,quecombateu
energicamenteadoutrinaorganicista,costumavadizerque“assimcomo
asomade100homensnãodá101,damesmaformaaadiçãode100
vontadesnãopodeproduzira101ªvontade”,nocaso,avontadesocial
ouavontadepolítica,comorealidadenova,comvidaforaeacimadas
vontadesindividuais.4
Ateoriamecânicaépredominantementefilosóficaenão
sociológica.Seusrepresentantesmaistípicosforamalgunsfilósofosdo
direitonaturaldesdeocomeçodaidademoderna.Seuscorolários,com
raraexceção,eHobbeséaquiumadessasexceções,acabam,sobo
aspectopolítico,naexplicaçãoelegitimaçãodopoderdemocrático.
Dastesescontratualistas,dapostulaçãoqueestasfazem,infere-
sequeabasedaSociedadeéoassentimentoenãooprincípiode
autoridade.
Ademocracialiberaleademocraciasocialpartemdesse
postuladoúnicoeessencialdeorganizaçãosocial,defundamentoa
todaavidapolítica:arazão,comoguiadaconvivênciahumana,com
apoionavontadelivreecriadoradosindivíduos.
Comoaconstantedocontratualismosocialéoproblemada
melhorformadeorganizaçãodaSociedade,damelhormaneirade
governaroshomensedeacharnarazãovaloresquelegitimem,com
maisforçaeinvulnerabilidade,oprincípiodaautoridade,partiram
todososcontratualistasdoclássicoecélebreconfrontodoestadode
naturezacomoestadodesociedade.
Poucoimportaqueocontrasteestadodenatureza—estadode
sociedadehajasuscitadotãoseverascríticas,porpartedosquese
empenharamemdemonstraroquehaviadeirrealeanti-histórico
nessasconcepçõescontratualistas.
Masraroforamosfilósofosdodireitonaturalqueseserviramdo
estadodenaturezaparaemprestar-lhecunhodehistoricidade,comose
elerealmenteacontecera,comoseforafaseatravessadapelasociedade
humanaemalgumperíodoimemorial.
4.SociedadeecomunidadeTomandoaSociedadecomodadosociológico,eminentes
estudiososdaCiênciaSocialtêm,poroutrolado,postomaisênfasena
distinçãoconceitualentreSociedadeeComunidade.Hajavista,por
exemplo,ocasodeToennies.
Em1799,Schleiermacherdistinguira,pelaprimeiravez,a
SociedadedaComunidadeeWundtfalaradepoisnuma“vontade
impulsiva”frenteauma“vontadeintencional”,comosejáantecipassem
ambosalgumasbasesdaclássicaelaboraçãoconceitualdeToennies.
EmSociedadeeComunidade(GesellschaftundGemeinschaft),
estudaToenniesessasduasformasbásicasdeconvivênciahumana,
diametralmenteopostas.
ASociedadesupõe,segundoaquelesociólogo,aaçãoconjuntae
racionaldosindivíduosnoseiodaordemjurídicaeeconômica;nela,“os
homens,adespeitodetodososlaços,permanecemseparados”.
JáaComunidadeimplicaaexistênciadeformasdevidae
organizaçãosocial,ondeimperaessencialmenteumasolidariedadefeita
devínculospsíquicosentreoscomponentesdogrupo.
AComunidadeédotadadecaráterirracional,primitivo,munidae
fortalecidadesolidariedadeinconsciente,feitadeafetos,simpatias,
emoções,confiança,laçosdedependênciadiretaemútuado
“individual”edo“social”.
AfirmaToenniesque,sendoaComunidadeum“todovalorado”,
cadaindivíduotomadoinsuladamenteéalgofalsoeartificial.Bobbio,
noDicionáriodeFilosofia(DizionariodiFilosofia)escrevecomclarezaque
acomunidadeéumgrupooriundodapróprianatureza,independente
davontadedosmembrosqueocompõem—aFamília,porexemplo.5
NaComunidadeavontadesetornaessencial,substancial,
orgânica.NaSociedade,arbitrária.AComunidadesurgiuprimeiro,a
Sociedadeapareceudepois.AComunidadeématériaesubstância,a
Sociedadeéformaeordem.
NaSociedade,hásolidariedademecânica,naComunidade,
orgânica.ASociedadesegovernapelarazão,aComunidadepelavidae
pelosinstintos.AComunidadeéumorganismo,aSociedade,uma
organização(Berdeaeff)ousegundoPoch,citadoporAgesta,na
Comunidade(aFamília,porexemplo)agenteé,naSociedade(uma
sociedademercantil,porexemplo)agenteestá.DizAgestaque
“simbólicaoualegoricamenteaComunidadeéumorganismo,a
Sociedadeumcontrato”.6
TendoaComunidadeantecedidoaSociedade,queéumestádio
maisadiantadodavidasocial,estanãoeliminouaquela.Nointeriorda
Sociedade,queseachaprovidadeumquererautônomo,quebuscafins
racionais,previamenteestatuídoseordenados,convivemasformas
comunitárias,comseusvínculostributáriosdedependênciae
complementação,comsuasformasespontâneasdevidaintensiva,com
seuslaçosdeestreitamentoecomunicaçãoentreoshomens,noplano
doinconscienteedoirracional.
AoladodoconceitodeComunidadesurgemodernamenteode
Massa.Vierkandtencontraaíaformamaissignificativadas
manifestaçõesfenomenológicasqueseprendemàcomposição
estruturaldasociedadecontemporânea.
5.ASociedadeeoEstadoOsconceitosdeSociedadeeEstado,nalinguagemdosfilósofose
estadistas,têmsidoempregadosoraindistintamente,oraemcontraste,
aparecendoentãoaSociedadecomocírculomaisamploeoEstado
comocírculomaisrestrito.ASociedadevemprimeiro;oEstado,depois.
Comodeclínioedissoluçãodocorporativismomedievoe
conseqüenteadventodaburguesia,instaura-senopensamentopolítico
doOcidente,dopontodevistahistóricoesociológico,odualismo
Sociedade-Estado.
Aburguesiatriunfanteabraça-seacariciadoraaesseconceitoque
fazdoEstadoaordemjurídica,ocorponormativo,amáquinadopoder
político,exterioràSociedade,compreendidaestacomoesferamais
dilatada,desubstratomaterialmenteeconômico,ondeosindivíduos
dinamizamsuaaçãoeexpandemseutrabalho.
ASociedade,algointerpostoentreoindivíduoeoEstado,éa
realidadeintermediária,maislargaeexterna,superioraoEstado,
poréminferioraindaaoindivíduo,enquantomedidadevalor.
AexpressãoSociedade,depoisdehaversidousadapelaprimeira
vezporFergusoncomonomedesociedadecivil(civilSociety),sefirma
nousopolíticograçasaoaparecimentodaburguesia.
Detodososfilósofos,consoanteassinalaJellinek,foiRousseauo
quedistinguiucommaisacuidadeaSociedadedoEstado.
PorSociedade,entendeueleoconjuntodaquelesgrupos
fragmentários,daquelas“sociedadesparciais”,onde,doconflitode
interessesreinantessósepoderecolheravontadedetodos(volontéde
tous),aopassoqueoEstadovalecomoalgoqueseexprimenuma
vontadegeral(volontégénérale),aúnicaautêntica,captadadiretamente
da
relação
indivíduo-Estado,
sem
nenhuma
interposição
ou
desvirtuamentoporpartedosinteressesrepresentadosnosgrupos
sociaisinterpostos.7
FoiRousseauaesserespeitogenial.Confessa-seHegelgrato
àqueleconceito,queveiocompletaroeloaindapordescobrirentrea
FamíliaeoEstado.ASociedadeécolocadapoisnafilosofiahegeliana
comoantítese,comopartedomovimentodialéticodoespíritoobjetivo
(espíritosubjetivo—tese,espíritoobjetivo—antítese,eespírito
absoluto—síntese,segundoadialéticageraldoespírito),cujateseéa
FamíliaecujasínteseoEstado.8
OconceitodeSociedadetomousucessivamentetrêscoloraçõesno
cursodesuacaminhadahistórica.Foiprimeirojurídico(privatistae
publicístico)comRousseau,conformevimos;depoiseconômico,com
Ferguson,Smith,Saint-SimoneMarx,eenfim,sociológico,desde
Comte,SpencereToennies.
Nosocialismoutópico,nomeadamentecomSaint-Simon,a
Sociedadesedefinepeloseuteoreconômico,pelaexistênciadeclasses.
Proudhon,resvalandojáparaoanarquismo,vênoEstadoa
opressãoorganizadaenaSociedadealiberdadedifusa.
MarxeEngelsconservamadistinçãoconceitualentreEstadoe
Sociedade,deixandoporémdetomaroEstadocomoseforaalgo
separadodaSociedade,quetivesseexistênciaàparte,autônoma,como
realidadeexterna,cujoexamejánãolembrasseoqueemsiháde
profundamentesocial,poisoEstado—advertemosmarxistas—é
produtodaSociedade,instrumentodascontradiçõessociais,esóse
explicacomofasehistórica,àluzdodesenvolvimentodaSociedadee
dosantagonismosdeclasse.OEstadonãoestáforadaSociedade,mas
dentro,postoquesedistingadamesma.
ASociologia,desdeComteeSpencer,forcejaporapagara
antinomiaEstadoeSociedade.
FazendodaSociologiaoestudodetodaavidasocial,tantoda
estáticacornodadinâmicadaSociedade,reduzosociólogooEstadoa
umadasformasdeSociedade,caracterizadapelaespecificidadedeseu
fim—apromoçãodaordempolítica,aorganizaçãocoercitivados
poderessociaisdedecisão,emconcomitânciacomoutrassociedades,
comoasdenaturezaeconômica,religiosa,educacional,lingüística,etc.
ASociedade,segundoBobbio,tantopodeapareceremoposição
aoEstadocomodebaixodesuaégide.Daquiportantoesseconceitode
Sociedade:“Conjuntoderelaçõeshumanasintersubjetivas,anteriores,
exterioresecontráriasaoEstadoousujeitasaeste”.9
OdireitoalemãodesdequecaiusoboinfluxodeHegel,segundo
observouv.d.Gablentz,pôsênfasenocontrastedosdoisconceitos,
vendonaSociedadeareuniãodetodososfenômenosdeconvivência
humanaquesedesenrolamforadoEstado.10
6.ConceitodeEstadoHouvenoséculoXIXumpublicistadoliberalismo—Bastiat—
quesedispôscomamaissutilironiaapagaroprêmiodecinqüentamil
francosaquemlheproporcionasseumadefiniçãosatisfatóriade
Estado.
ContinuavaeleaquelaatitudepessimistaeamargadeHegel,
quandoofilósofomáximodoidealismoalemãoconfessouqueentrea
naturezaeseusmistérioseasociedadehumanaeseusproblemas,não
haviaquehesitarquantoaoconhecimentomaisfácildanatureza.
OmesmopessimismoperpassanaspalavrasdeKelsen,quando
advertequeascopiosasacepçõesemprestadasàexpressãoEstado
embaraçamaprecisãodotermo,expostoaconverter-senumjuízode
valor.11
OEstadocomoordempolíticadaSociedadeéconhecidodesdea
antigüidadeaosnossosdias.Todavianemsempreteveessa
denominação,nemtampoucoencobriuamesmarealidade.
Apolisdosgregosouacivitasearespublicadosromanoseram
vozesquetraduziamaidéiadeEstado,principalmentepeloaspectode
personificaçãodovínculocomunitário,deaderênciaimediataàordem
políticaedecidadania.
NoImpérioRomano,duranteoapogeudaexpansão,emaistarde
entreosgermânicosinvasores,osvocábulosImperiumeRegnum,então
deusocorrente,passaramaexprimiraidéiadeEstado,nomeadamente
comoorganizaçãodedomínioepoder.
DaísechegaàIdadeMédia,que,empregandootermoLaender
(“Países”)traznaidéiadeEstadosobretudoareminiscênciado
território.12
OempregomodernodonomeEstadoremontaaMaquiavel,
quandoesteinaugurouOPríncipecomafrasecélebre:“Todosos
Estados,todososdomíniosquetêmtidooutêmimpériosobreos
homenssãoEstados,esãorepúblicasouprincipados”.13
ApesardousoquefezBodin,depois,dotermoRepúblicana
mesmaacepção,oqueficoucomaobradoescritorflorentinofoia
palavraEstado,universalmenteconsagradapelaterminologiados
temposmodernosedaidadecontemporânea.
HápensadoresqueintentamcaracterizaroEstadosegundo
posiçãopredominantementefilosófica;outrosrealçamoladojurídicoe,
porúltimo,nãofaltamaquelesquelevammaisemcontaaformulação
sociológicadeseuconceito.
6.1Acepçãofilosófica
AosprimeirospertenceHegel,quedefiniuoEstadocomoa
“realidadedaidéiamoral”,a“substânciaéticaconscientedesimesma”,
a“manifestaçãovisíveldadivindade”,colocando-onarotaçãodeseu
princípiodialéticodaIdéiacomoasíntesedoespíritoobjetivo,ovalor
socialmaisalto,queconciliaacontradiçãoFamíliaeSociedade,como
instituiçãoacimadaqualsobrepairatão-somenteoabsoluto,em
exteriorizaçõesdialéticas,queabrangemaarte,areligiãoeafilosofia.
6.2Acepçãojurídica
EmKantcolhe-seacercadoEstadoconceitodeveraslacunoso,
inferioràdefiniçãoclássicaquenosdeudoDireito.Comseuformalismo
invariável,viuKantnoEstadoapenasoângulojurídico,aoconcebê-lo
como“areuniãodeumamultidãodehomensvivendosobasleisdo
Direito”.14
Semembargodesuasraízeskantistas,nãopoupouDelVecchioa
definiçãodeKant,queelereputainexata.Dizquesepoderiaaplicar
tantoaummunicípiocomoaumaprovínciaeatémesmoauma
penitenciária!
Todavianãosoubeessejurista-filósofoirmuitoalémdaestreiteza
jurídicadokantismoformalista,aoconceituaroEstado.Tantoassim
quesuadefiniçãodeEstadocomo“osujeitodaordemjurídicanaqual
serealizaacomunidadedevidadeumpovo”ou“aexpressão
potestativadaSociedade”,postoqueressalte,comoeleafirma,a
distinçãoentreSociedadeeEstado,desprezacontudoelementos
concretosdarealidadeestatal,partesconstitutivasdoEstado,quesó
vãoaparecercomtodaainteirezaeprecisãonaqueleconceito
sociológicodeDuguit,queomesmoDelVecchiojáantesreproduzirae
dequenosocuparemosmaisadiante.
AdefiniçãodeDelVecchio,dopontodevistaexclusivamente
jurídico,satisfaz,principalmentequandoele,separandooEstadoda
Sociedade,nota,comtodaalucidezqueoEstadoéolaçojurídicoou
políticoaopassoqueaSociedadeéumapluralidadedelaços.15
ValeapenadereferirsuanoçãodequeaSociedadeéogênero,o
Estado,aespécie;dequeaorganizaçãoestatalrepresentaumaforma
deSociedadeapenas,emconcorrênciaecontrastecomoutras,mais
vastas,comoasreligiõeseasnacionalidades,cujoslaços,emborade
maiorextensãoeabrangendoporvezesefetivoshumanosmais
numerosos,carecemtodaviadeenvergaduraedasolidezdolaço
político,desupremainfluênciasobreosdemais.
DeigualteorjurídicoétambémoconceitodeEstadodeBurdeau,
queassinalasobretudooaspectoinstitucionaldopoder.Dizesseautor
que“oEstadoseformaquandoopoderassentanumainstituiçãoenão
numhomem.Chega-seaesseresultadomedianteumaoperação
jurídicaqueeuchamoainstitucionalizaçãodoPoder”.16Jean-Yves
Calvez,inspiradoemBurdeaueapóscomentar-lheaconcepçãode
Estado,conclui:“OEstadoéageneralizaçãodasujeiçãodopoderao
direito:porumacertadespersonalização”.Desenvolvendoasidéiasde
Burdeau,intentaentãodemonstrarqueoEstadosóexistiráondefor
concebidocomoumpoderindependentedapessoadosgovernantes.17
6.3Acepçãosociológica
ComOswaldoSpengler,Oppenheimer,Duguiteoutrosoconceito
deEstadotomacoloraçãomarcadamentesociológica.
AopassoqueSpenglersurpreendenoEstadoaHistóriaem
repousoenaHistóriaoEstadoemmarcha,Oppenheimerconsidera
errôneastodasasdefiniçõesatéentãoconhecidasdeEstado,desde
CíceroaJellinek.
Oabalizadopensadorconfessaqueopessimismosociológico
dominaosespíritos.OconceitodeEstadoqueelaboraestávazadonas
influênciasmarxistasdeseupensamento.
OEstado,pelaorigemepelaessência,nãopassadaquela
“instituiçãosocial,queumgrupovitoriosoimpôsaumgrupovencido,
comoúnicofimdeorganizarodomíniodoprimeirosobreosegundoe
resguardar-secontrarebeliõesintestinaseagressõesestrangeiras”.18
OEstadoconstitucionalmodernonãosedesvinculounateoriade
Oppenheimerdesuaíndoledeorganizaçãodaviolênciaedojugo
econômicoaqueumaclassesubmeteoutra.Célebreéapassagemem
queelesustentaque,pelaforma,esseEstadoécoaçãoepeloconteúdo
exploraçãoeconômica.19
AposiçãosociológicadeDuguitcomrespeitoaoEstadonãovaria
consideravelmentedadeOppenheimer.
ConsideraoEstadocoletividadequesecaracterizaapenaspor
assinaladaeduradouradiferenciaçãoentrefortesefracos,ondeos
fortesmonopolizamaforça,demodoconcentradoeorganizado.20
DefineoEstado,emsentidogeral,comotodasociedadehumana
naqualhádiferenciaçãoentregovernantesegovernados,eemsentido
restritocomo“grupohumanofixadoemdeterminadoterritório,ondeos
maisfortesimpõemaosmaisfracossuavontade”.21
Outrojurista-sociólogodotomodevonJehringdestacatambém
noEstadooaspectocoercitivo.Comefeito,dizesseautorqueoEstado
ésimplesmente“aorganizaçãosocialdopoderdecoerção”ou“a
organizaçãodacoaçãosocial”ou“asociedadecomotitulardeumpoder
coercitivoreguladoedisciplinado”,sendooDireitoporsuavez“a
disciplinadacoação”.22
Domesmocunhosociológico,oconceitomarxistadeEstado.
MarxeEngelsexplicamoEstadocomofenômenohistóricopassageiro,
oriundodaapariçãodalutadeclassesnaSociedade,desdeque,da
propriedadecoletivasepassouàapropriaçãoindividualdosmeiosde
produção.Instituiçãoportantoquenemsempreexistiuequenem
sempreexistirá.Fadadoadesaparecer,opoderpolítico,comoMarxo
definiu,é“opoderorganizadodeumaclasseparaopressãodeoutra”.23
Damesmaforma,assinalaEngelsqueapresenteSociedade,
enquantoSociedadedeclasses,nãopodedispensaroEstado,istoé,
“umaorganizaçãodarespectivaclasseexploradoraparamanutençãode
suascondiçõesexternasdeprodução,asaber,paraaopressãodas
classesexploradas.”24
OconceitodeEstadorepousa,porconseguinte,naorganização
ouinstitucionalizaçãodaviolência,segundoasanálisesmaisprofundas
dasociologiapolítica.Esseconceito,jáexaminadoemtantoscientistas
sociais,reapareceporigualnumsociólogodaenvergaduradeMax
Weber.
SóuminstrumentoconsentedefinirsociologicamenteoEstado
moderno,bemcomotodaassociaçãopolítica:aforça—dizaquele
pensador—enãooseuconteúdo.25Todasasformaçõespolíticassão
formaçõesdeforça,prossegueoinsignesociólogo,detalmaneiraquese
existissemsomenteagregaçõessociaissemmeioscoercitivos,jánão
haverialugarparaoconceitodoEstado.26
“TodoEstadosefundamentanaforça”,disseTrotskyemBrest-
Litowsk,eMaxWeber,citando-odeformaliteral,lhedáinteirarazão,
emboraacheque“aviolêncianãoéoinstrumentonormaleúnicodo
Estado”,masaquelequelheé“específico”.27Nopassado,sim,foraa
violência,desdeahorda,ummeiointeiramentenormalentreosmais
distintosgrupos.28
OEstadomodernoracionalizou,porém,oempregodaviolência,
aomesmopassoqueofezlegítimo.Demodoque,valendo-sedetais
reflexões,chegaMaxWeber,enfim,aoseucélebreconceitodeEstado:
aquelacomunidadehumanaque,dentrodeumdeterminadoterritório,
reivindicaparasi,demaneirabemsucedida,omonopóliodaviolência
físicalegítima.29
Algocaracterizaassimopresente,poresseaspecto,segundoele:
osgruposeosindivíduossóterãodireitoaoempregomaterialdaforça
comoassentimentodoEstado.Desortequeesteseconvertenaúnica
fontedo“direito”àviolência,conformeexpressõestextuaisdoabalizado
sociólogo.30
Oconceitodeumaordemjurídicalegítimaracionalizou,porsua
vez,asregrasconcernentesàaplicaçãodaforça,monopolizadapelo
Estado.Emsuma,reconheceMaxWeberoEstadocomoaderradeira
fontedetodaalegitimidade,tocanteàutilizaçãodaforçafísicaou
material.31
7.ElementosconstitutivosdoEstadoDetodososconceitosjáreferidos,odeDuguitéoquemelhor
revelaoselementosconstitutivosqueateoriapolíticaordinariamente
reconhecenoEstado.
Sãoesseselementosdeordemformaledeordemmaterial.
Deordemformal,háopoderpolíticonaSociedade,que,segundo
Duguit,surgedodomíniodosmaisfortessobreosmaisfracos.
Edeordemmaterial,oelementohumano,quesequalificaem
grausdistintos,comopopulação,povoenação,istoé,emtermos
demográficos,jurídicoseculturais,bemcomooelementoterritório,
compreendidosestes,conformevimos,naquelapartedadefiniçãoem
queDuguitexpendesuaapreciaçãosociológicadoEstadocomo“grupo
humanofixadonumdeterminadoterritório”.
NossaúnicaobjeçãoaoconceitodeEstadodeDuguitprende-sea
umpossíveljuízodevalorcontidonaafirmativadaquelejurista,
segundoaqualopoderimplicasempreadominaçãodosmaisfracos
pelosmaisfortes.
Admitiressadominaçãoporinerenteatodoordenamentoestatal,
istoé,porfatosociológicoincontrastável,equivaleriadecertoaexcluira
possibilidadedeumEstadoeventualmenteacimadasclassessociaise
dotadodecaracterísticasneutraisquepudessememdeterminadas
circunstânciasconvertê-lonojuizoudisciplinadorcorretoeinsuspeito
dearrogantesinteressesrivais.
Apresençaporconseguintedessaconotaçãosubjetivista(acrença
doautordequeoEstadoexprimeadominaçãodosmaisfortessobreos
maisfracos)obriga-nosarejeitaroconceitodeDuguit.Gostaríamos
poisdesubstituí-loporumoutro,quesenosafiguratãocompleto
quantoaqueleemenumerartambémoselementosconstitutivosdo
Estado.Formulou-oJellinekquandodissequeoEstado“éacorporação
deumpovo,assentadanumdeterminadoterritórioedotadadeum
poderorigináriodemando”.32Conceitoesteirrepreensível,dignosem
dúvidadefazerjusaoprêmiosugeridoporBastiat.
1.TalcottParsons,EncyclopaediaofSocialSciences,t.13-14,p.225.
2.GeorgioDelVecchio,PhilosophieduDroit,p.346.
3.GeorgioDelVecchio,ob.cit.,p.351.
4.GustavSeidler,GrundzuegedesAllgemeinenStaatsrechtes,p.32.
5.NorbertoBobbio,“Società”,in:DizionariodiFilosofia,pp.611-613.
6.LuísSanchezAgesta,PrincípiosdeTeoriaPolítica,p.120.
7.G.Jellinek,AllgemeineStaatslehre,3ªed.,pp.86-88.
8.Hegel,GrundlinienderPhilosophiedesRechts.
9.NorbertoBobbio,ob.cit.,p.611.
10.OttoHeinrichGablentz,v.d.“GesellschaftundGesellschaftslehre”,in:Staatund
Politik,pp.108-109.
11.HansKelsen,TeoriaGeneraldelEstado,pp.3-4.
12.GuentherKuechenhoff,&ErichKuechenhoff,AllgemeineStaatslehre,2ªed.,p.15.
13.NiccoloMachiavelli,IlPríncipe,13ªed.,p.37.
14.Kant,MetaphysikderSitten,p.135.
15.GeorgioDelVecchio,ob.cit.,pp.351-352.
16.GeorgesBurdeau,TraitédeSciencePolitique,t.II,p.128.
17.Jean-YvesCalvez,IntroductionàlaViePolitique,p.67.
18.FranzOppenheimer,DerStaat,4ªed.,p.5.
19.Idem,ibidem,p.119.
20.Duguit,L’État,I,pp.615-619.
21.Duguit,ManueldeDroitConstitutionnel,4ªed.,pp.14-15.
22.R.vonJehring,DerZweckimRecht,4ªed.,I,pp.239-401.
23.Marx,“DasKommunistischesManifest”,in:DieFhruehscrhiften.p.548.
24.Engels,DieEntwicklungdesSozialismusvonderUtopiezurWissenschaft,p.41.
25.MaxWeber,“WirtschaftundGesellschaft”,vierte,neuherausgegebeneAuflage,
besorgetvonJohannesWinckelman,I,Halbband,p.29e2.Halbband,p.829.
26.MaxWeber,ob.cit.II,pp.520e830.
27.MaxWeber,ibidem,pp.829e830.
28.Idem,ibidem,p.830.
29.Idem,ibidem,pp.519e830.
30.Idem,ibidem,p.830.
31.Idem,ibidem,p.519.
32.G.Jellinek,AllegemeineStaatslehre,3ªed.,pp.180,181,183.
4
POPULAÇÃOEPOVO
1.Conceitodepopulação—2.Desafiodofantasmamalthusianoao
Estadomoderno—3.Aexplosãodemográficaameaçaofuturoda
humanidade—4.Opesadelodossubdesenvolvidos—5.O
pessimismodasestatísticas—6.Aposiçãoprivilegiadadospaíses
desenvolvidos—7.Conceitopolíticodepovo—8.Conceitojurídico
—9.Conceitosociológico.
1.Conceitodepopulação
TodasaspessoaspresentesnoterritóriodoEstado,num
determinadomomento,inclusiveestrangeiroseapátridas,fazemparte
dapopulação.Éporconseguinteapopulaçãosobesseaspectoumdado
essencialmentequantitativo,queindependedequalquerlaçojurídicode
sujeiçãoaopoderestatal.Nãoseconfundecomanoçãodepovo,
porquantonesta,fundamentaléovínculodoindivíduoaoEstado
atravésdanacionalidadeoucidadania.Apopulaçãoéconceito
puramentedemográficoeestatístico.Seuestudocientíficotemsidofeito
pelademografia,umadasdisciplinasauxiliaresdaCiênciaPolíticae
queseocupatantodosaspectosquantitativoscomoqualitativosdo
elementopopulacional.
Dopontodevistaeconômico,apopulaçãotantopodesignificar
fatordepujança,poderioeengrandecimentocomotambémcausade
debilidadeparaoordenamentoestatal.Oaspectoeconômicoésolidário
comoaspectopolítico,demodoqueomaioroumenorcoeficiente
populacional,amaioroumenorextensãodosíndicesdecrescimento
demográficohãoigualmentedevalercomodadovariáveldegrandezaou
misériadoEstado.
Caberiaaquireflexõesacercadaimportânciapolíticaeeconômica
queassume,porexemplo,apopulaçãodeumEstadocomoaChina,de
umbilhãodehabitantes.Seponderarmosqueaquantidadede
habitantesreferidaaumsóEstadorepresentapotencialmente
considerávelforçadereserva,talnãoexcluitodaviaoladodefragilidade
implícitoemquadrosdemográficostransbordantes.Naturalmente,o
significadopolíticodapopulaçãovaidependerdocorrelatosignificado
econômicodamesmapopulaçãonoEstado.Problemaidênticooferecea
Índia.
OsEstadosdomundoantigonãoostentavamasdificuldadesdo
Estadomoderno.EramEstadosqueseconstituíamnasraiasda
comunidade,dentrodeumacidade,apolis,Estado-cidade.
EntreospensadorespolíticosdaGrécia,houvequempretendesse
determinaroquantummínimodesdeoqualexistiriaoEstado,fixando-o
arbitrariamenteemvinte,trintaouquarentamilhabitantes.Masa
fixaçãodomínimopopulacionalparaoreconhecimentodaordem
estataléhojenaCiênciaPolíticainteiramentedestituídode
importância.
2.DesafiodofantasmamalthusianoaoEstadomodernoOproblemapolítico-econômicomaiscuriosoqueoincremento
populacionallevantacontemporaneamentecontinuasendo,adespeito
detudo,aquelequeateoriamalthusianapôsdemanifestohácercade
duzentosanos.
DiziaMalthusqueapopulaçãocresciaemproporçãogeométrica,
aopassoqueosgênerosalimentíciosaumentavamsegundoregra
aritmética,demodoquenalinhadotempo,aconstante,atendência
permanentevinhaaseradealargarabrechaentreacapacidadede
manteraspopulaçõeseataxadecrescimentodessasmesmas
populações.
Quandoessefossosealargademasiado,surgementão,segundo
Malthus,asguerras,asrevoluções,asepidemias,asfomes
devastadoras,pararestaurarem,comaviolênciadosacrifícioimposto,o
equilíbriorompido.Desaparecemosexcedentespopulacionais.As
guerras,consoanteatesemalthusiana,acarretandocomosevêa
destruiçãoperiódicadosefetivospopulacionaisexcedentes,paraos
quaisnãochegaopãodasubsistência,constituemfatalidadesocial.
ApresentouMalthussuatese,definsdoséculoXVIIIparao
começodoséculoXIX.Seaceitamosoprincípiomalthusianodo
crescimentodaspopulações,estamosaceitandoasenfermidadessociais
comooriundasdeumdeterminismosocial,dasleisdanatureza,contra
asquaisnadapodeohomememsociedade.
Malthuslançousuateoriacomtodooaparatoeostentaçãode
tesecientífica,verídica,comprovada,intocável.Masvieramoscríticos
dasconcepçõesmalthusianas,eentreosqueinvestiramcommais
ímpetocontraestadoutrinaimplacáveldaspopulaçõessobressaem
precisamenteoscorifeusdascorrentessocialistas.Professaram
hostilidadeabertaeabsolutaaMalthus,intentandodemonstrar-lhea
falsidadedatese.
Emqueseapóiafundamentalmenteacríticaantimalthusiana?
Numotimismoquenãovacilaacercadaspossibilidadesdatécnicaeda
ciência,noseudesenvolvimento,noseucontínuoprogresso,decriarem
paraohomemasmaisricasepromissorasperspectivasdelibertação
econômica.Emconseqüência,dizemossocialistas,arespostada
ciênciaéclaraeotimista:aciência,pormeiodatécnicaadiantadae
racional,técnicaaltamenteaprimorada,podeproduzir,comcapacidade
ilimitada,quaseinfinita,osbensnecessáriosàexistênciahumana.
Bastaqueseatentenalibertaçãodeforçaspoderosíssimasdecorrentes,
porexemplo,dadesintegraçãodoátomo.Aeranuclear,quejáseestá
oferecendoporrealidade,naantemanhãdesuasmelhorespromessas,
dariarespostairretorquívelaosquevêemcobertasdecinzaasidades
vindourasdahumanidade.
Temoscondiçõesdevencerafome.Temosmeiosdetornar
verdadeiramenteridículoedestituídodetodaabasecientíficao
sombrioprognósticomalthusiano.Massurgeoproblemacapital,quea
reflexãojáanteviu:équenãobastahaverciênciadesenvolvidaou
técnicadeproduçãoexcepcionalmenteavançada.Oproblema
malthusianoreaparecerá,porquantonãocabeapenasàciênciadispor
derecursosemeiospotenciaiscomquedebelarouobviarvenhaa
consumar-seatravésdostemposaprofeciamalthusiana.
Ograndeenigmaconsisteemcriarnasociedadeasformas
políticasesociaisdeaplicaçãodaciênciaedatécnica.Emprincípio,as
sociedadesnãotêmoquetemerdasconseqüênciasdaprogressão
geométrica,comqueoterrordemográficodeMalthusasameaça.Se
nãohouverporémdentrodasociedadehumanaumautilizaçãoda
técnicaedaciência,emordemamodificar,pelomáximoincremento
produtivo,osdadoscontidosnaproposiçãodopastorprotestante,
naturalmenteMalthusdespontarásempresombrio.Comefeito,oque
vemosaindaemnossosdias,acadapasso,éapresençadofantasma
dafomenospaísessubdesenvolvidos,comoaíndia,eosseus536
milhõesdehabitantes,dosquais30a40milhõessãopáriasque
morremàmínguaemplenaidadedosprogressosnucleares.
3.Aexplosãodemográficaameaçaofuturodahumanidade
Adimensãomalthusianadoproblemadaspopulaçõesconstituíra
simplesmenteumareflexãopessimistasobreaescassezdegêneros
alimentícios,esobreafome,comsuasimplicaçõespolíticasesociais.
Otemapopulacionalvolveuporémapreocuparoscientistas
sociaisdenossaépocanumaperspectivaqueéagoraimensamente
maisampla:nãosetrataunicamentedesabersehaverágêneros
bastantesparaalimentarahumanidade,masdeconhecerouprevera
naturezaoumédiadopadrãodevidaqueaguardaráasociedade
humana,mormenteospovossubdesenvolvidos,emfacedaexplosão
populacionalnaidadedaindustrialização.
Estamosdiantedo“maiorfenômenodemográficodahistória
universal”.1Determinaraqualidadedavidahumanaparacontersua
eventualdeterioração,eisointeressequeainvestigaçãocientíficado
crescimentovertiginosodaspopulaçõesdeveproduziremprimeirolugar
noânimodequantosseempenhamemsolucionaraquestão
demográfica.
ACiênciaPolíticanãopodeporconseguinteficarindiferente,de
braçoscruzados,aesseproblemaqueabalaoséculoXXeémerecedor
delargodesenvolvimento.
Estamosempresençadeumcrescimentosemparadeiro,
mormentenospaísessubdesenvolvidos.OprofessorEynern,da
UniversidadedeBerlim,distinguiuquatrofasesnoquadrodessa
impressionantecrise.2
Aprimeirafaseéaquelaemqueastaxasdenatalidadee
mortalidadeseequiparam,asaber,nascememorrememmédia35ou
40pessoaspor1.000habitantesanualmente.
Asegundafaseocorrequandosedáaquedadataxade
mortalidadequedesceparacercade20,emvirtudedosprogressos
espetacularesdamedicina,medianteoempregodeantibióticos,
vacinas,sulfanilamidas,aadoçãogeneralizadaderegraselementaresde
higienepreventiva,usodeinseticidasemlargaescalacomsaneamento
completodeáreasdantessujeitasagrandesmoléstiasendêmicase
outrasmedidasgeraisdesaúdepúblicaquepraticamenteeliminaramo
perigodasepidemiasdevastadoras.Nessasegundafaseataxade
nascimentopermanecealtaeumavezrompidooequilíbrioanterior
verifica-seemconseqüênciarápidoincrementopopulacional.
Naterceirafase,ataxadenascimentoentraemdeclínio,
conformeEynern,nãoporefeitode“impotênciabiológica”,mas
exclusivamenteemdecorrência,segundoele,deumalimitaçãoracional
donúmerodefilhosnocasamento.Faz-seentãoapolíticada
“paternidaderesponsável”ouconsciente,comaplanificaçãodafamília,
deacordocomosrecursosdequedispõemospaisparaasubsistência,
semquebradorespectivopadrãodevida,queafamílianumerosa
acarretaria.Comoataxademortalidadecontinuatodaviaadiminuir,
permaneceaindaaltooexcedentedenatalidadepostoquejáseesteja
devoltaaoequilíbrio.
Aquartafasetestemunhaareaproximaçãodasduastaxas:ada
natalidadesesitua,segundoEynern,aonúmerode10/1000,umpouco
acimadademortalidadeeatendênciadecrescimentosemanifesta
ligeiramenteatenuada,abaixonível,restaurando-seporconseguinte
umasituaçãoqueseassemelhaàdaprimeirafaseequesignificará
decertoatravessiavitoriosadacrise.
Nessaquartafaseseachamospaísesdesenvolvidos,ondea
explosãodemográficajáfoipostadebaixodecontrole;naterceirafase
nãoingressouaindanenhumpaíssubdesenvolvido.Dospaíses
orientais,ondeocrescimentodemográficosemanifestacommais
violência,aúnicaexceçãoéoJapão,orajánaterceirafase.Nasegunda
fase—aquelaqueregistraodesequilíbriomaisagudo—seachamos
povosdaÁsia,ÁfricaedamaiorpartedaAméricaLatina.
4.OpesadelodossubdesenvolvidosOdramadospaísessubdesenvolvidosempresençadoproblema
populacionaldecorredofatodequeoaumentodaproduçãoeconômica
nãoacompanhaoaumentomuitomaisvelozdapopulação,produzindo
assimumfossoondesedespenhamtodasasesperançasdeuma
partidaefetivaparaodesenvolvimento.
Ataxadeincrementodemográficoabsorvetodaataxade
acréscimodaprodutividade.Asconseqüênciasdolorosassãoo
rebaixamento
contínuo
das
condições
de
vida
dos
povos
subdesenvolvidos,impotentesparasatisfazersequerasnecessidades
primáriasdepão,roupaeteto,domesmopassoqueasdemais
necessidadessecundáriasdoconfortoproporcionadopelasociedade
tecnológicaficamparaelescomoumaquimeraouesperançacadavez
maisremota.
OseconomistasbrasileirosRobertoCamposeGlycondePaiva
têmdemonstradovivapreocupaçãocomesseproblema,colocando-ona
pautadosmaisurgentes.Referem-seinsistentementeàchamada“infra-
estruturaonerosa”quefariafútiltodoesforçodeelevar“osníveisde
confortoebem-estardapopulaçãoviva”,casopermaneçaodesnível
entreoaumentomaiordapopulaçãoeoaumentomenordaprodução.
Essainfra-estruturaquepesasobreoerárioreclamarecursospara
construçãodemaisescolasprimárias,secundáriasesuperiores,
serviçospúblicosdeabastecimentod’água,eletricidade,esgotose
transportes,bemcomoproduçãosuficientedegênerosalimentícios
básicos.
Todooesforçoqueopoderpúblicofizessenaquelesdomínios
nuncaseriabastanteaproduzirumasolução,porquantoosrecursos
limitadosacabariamrapidamenteabsorvidos,restandosemprevastos
excedenteshumanosaimpetraroatendimentodaquelasnecessidades
mínimasdehabitação,educaçãoesaúde,excedentescriadospelataxa
maiordenatalidadeabundante.Conclusãopolítica:aschamasdoódio
socialcrepita-riamcommaisforçaemaisacesaficariaalutadeclasses
conduzidaaoparoxismoeaeventualtragédiaideológica.
Quantos
contestam
a
ordem
capitalista
nos
países
subdesenvolvidosesperamcontarcomumaliadopotencial:asfuturas
massasfamintaseimpacientes,cujodescontentamentoseriao
combustíveldafogueirarevolucionária.Daquiosilênciocomque
muitoscobremoaspecto“despolitizado”daquestãodemográfica,ou
seja,evitamsuamensuraçãopelocrescimentoquantitativo,emtermos
econômicospuros,subtraídosatodainferênciaouimplicaçãopolítico-
ideológica,tendoemvistanãoquemseapoderarádopoder,masquem
amanhã,debaixodenãoimportaqueregimepolítico,seacharáem
condiçõesdecorrigiroutolheroscatastróficosefeitosda“bomba
populacional”.
5.Opessimismodasestatísticas
Alinguagemestatísticaentranamatériafalandocomafriezados
númerospalavrasdepessimismo.DadosdivulgadospelaOrganização
dasNaçõesUnidasmostramqueoincrementomaiorocorrenospaíses
subdesenvolvidos.Em1970para3,5bilhõesdehabitantes,haviana
faixasubdesenvolvida2,5bilhões,maisdametadedogênerohumano.
Noano2.000,oquadronãoseapresentarámodificado,masao
contráriomuitomaissombrio:a6,6bilhõesdesereshumanossobrea
Terracorresponderão5,4bilhõesdesubdesenvolvidos,maisde80por
centodetodaahumanidade!
Numaconferênciaproferidaem1969naUniversidadeCatólicade
NotreDame,emSouthBend,noEstadodeIndiana,RobertoMac
Namara,PresidentedoBancoMundialepolíticonorte-americanode
renomeemquestõesestratégicasfezprognósticosaterradoresacercado
incrementodemográfico,revelandoosseguintesfatosqueofuturo
confirmará—dizele—seahumanidadenãoadotarconscientemente
urnanovapolíticapopulacional:a)apopulaçãodomundodobraráno
curtoespaçode35anos;b)umacriançanascidaemnossosdiasviverá
aos70anos,curtoprazodeumageração,numplanetahabitadopor15
bilhõesdesereshumanos;c)seusnetosviverãoentre60bilhõesde
sereshumanos;d)umquadrodantesco,piortalvezqueoinfernodo
poeta,aguardaráahumanidadenospróximos6séculosemeio:umser
humanoparacadapolegadaquadradadeterra!
OEstadodeS.Paulo,quecomentouemsuaediçãode4demaio
de1969aoraçãodeMacNamaraedeondeextraímososdadosacima
reproduzidostambémsereferiuaumdocumentodaONUnoqualse
lia:“Seforamnecessários200.000anosparaatingir2,5bilhõesde
sereshumanossobreaTerra,eisquevãosersuficientestrintaanos
paraacrescentarmaisdoisbilhões”.
6.Aposiçãoprivilegiadadospaísesdesenvolvidos
Asituaçãodospaísesdesenvolvidoséprivilegiada,comtodasas
previsõesindicandoumvertiginosoaumentodopadrãodevidanas
próximasdécadas.Oresultadoseráporémoaprofundamentodo
abismoqueosseparajádasnaçõessubdesenvolvidas.Ocorrecomeles
precisamenteocontrário:oaumentodapopulaçãoéinferiorao
aumentodaproduçãoeconômica.
Cria-seassimumasociedadedeabundância,cadavezmais
opulenta,servidadeimpressionanteprogressotecnológicoqueeleva
rapidamenteosníveisdebem-estargeraldaspopulaçõesafortunadas.
Nessassociedades,segundoHauriou,aoinvésdapenúriade
pessoalqualificado,observadanospaísessubdesenvolvidos,são
numerososedeexcelentenívelosquadrospolíticos,técnicos,
administrativosecientíficos.Ospovosdesenvolvidosdispõemnãosóde
largaexperiênciacomodeumknow-howsuperiornodomínio
tecnológico.Investindomaciçamentenapesquisacientífica,rasgam
horizontesnovosdeprosperidadematerialepreparamumacivilização
deconfortoqueaelevadíssimarendapercapitalhesproporcionará.
Dopontodevistapolítico,prevê-senessequadrodeotimismoum
declíniomaiordalutadeclasses,umaacomodaçãocooperativamais
estreitadaclasseobreiracomaclassepatronal,umaperspectivadepaz
socialfavorávelàdefinitivaconsolidaçãodosprincípiosdemocráticose
enfimumadespolitizaçãocrescentedaquestãoideológica,quearderá
commenosintensidadedoquenasáreasdosubdesenvolvimento,
expostasaoatrasoqueaexplosãopopulacionalpoderátornar
irremediável.
Masacoexistênciacomosubdesenvolvimentonãodesenha
todaviaumapaisagemtãorisonhaparaosdesenvolvidos.Oclimade
apreensãojádominahojeosentimentodaselitesocidentais,
conscientesdatempestadequeofuturovaiaparelhando.Sitiadospela
misériadaperiferia,sabemospovosdesenvolvidosquealiseforjam
armasrevolucionáriasaserviçodesistemasautocráticosquerevogamo
regimedemocráticodasliberdadeshumanas,obstruindo-lheoexercício
econfiandoopoderaopartidoúnicodaideologiatotalitária,cuja
missãomessiânicaconsistiránumainflexívelpolíticadeholocaustos
sociais,emnomedeumaeventualeincertaeliminaçãodo
subdesenvolvimento.
7.Conceitopolíticodepovo
Oconceitodepovopodeserestabelecidodopontodevista
político,jurídicoesociológico.
Aantigüidadejáoconhecera,dando-nosdissotestemunhoaobra
deCícero.Comefeito,segundooescritorromano,povoé“areuniãoda
multidãoassociadapeloconsensododireitoepelacomunhãoda
utilidade”enãosimplesmentetodoconjuntodehomenscongregadosde
qualquermaneira.3
Amodernidadedoconceitoéporémafirmadaporalgunsautores,
quevãobuscar-lheanascentenasidéiasdaRevoluçãofrancesa.Fora
desconhecidoàIdadeMédia,cujateoriadoEstadopartiadoterritório,
daorganizaçãofeudal,ondeopoderseassentavaemrelaçõesde
propriedade.AnovateoriadoEstadoquecomeçacomaimplantaçãoda
sociedadeliberal-burguesa,nasegundametadedoséculoXVIII,parte
dopovo.Noabsolutismoopovoforaobjeto,comademocraciaelese
transformaemsujeito.4
TeveinícioesseprincípiocomoEstadoliberal,constitucionale
representativo.Ahistóriaquevaidosufrágiorestritoaosufrágio
universaléaprópriahistóriadaimplantaçãodoprincípiodemocráticoe
daformaçãopolíticadoconceitodepovo.Emborarestrito,osufrágio
inauguraaparticipaçãodosgovernados,suapresençaoficialnopoder
medianteosistemarepresentativo,elegendorepresentantesque
intervirãonaelaboraçãodasleisequeexprimirãopelaprimeiravezna
sociedademodernaumavontadepolíticanovaedistintadavontadedos
reisabsolutos.
Povoéentãooquadrohumanosufragante,quesepolitizou(quer
dizer,queassumiucapacidadedecisória),ouseja,ocorpoeleitoral.O
conceitodepovotraduzporconseguinteumaformaçãohistórica
recente,sendoestranhoaodireitopúblicodasrealezasabsolutas,que
conheciamsúditosedinastias,masnãoconheciampovosenações.
Esseconceitopolíticodepovoprende-seevidentementeauma
concepçãoideológica:adasburguesiasocidentaisqueimplantaramo
sistemarepresentativoeimpuseramaparticipaçãodosgovernados,
desencadeandooprocessoqueconverteriaestesdeobjetoemsujeitoda
ordempolítica.
Semacompreensãodesseconfinamentodoconceitoàssuas
raízeshistóricas,poderiaparecerabsurdooconceitodepovodo
professorAfonsoArinos,povopolítico,porquanto,tomadoforada
qualificaçãopolítica,nãoseriampovoosmenores,osanalfabetos,os
queporesteouaquelemotivo,deordemparticularoudeordemgeral,
estivessemexcluídosdodireitodesufrágio,nemtampoucohaveriapovo
nospaísestotalitários,ondealivreparticipaçãodosgovernadosna
criaçãodavontadeestatalseachassesufocadaouinterditada.Com
efeito,escreveucombrilhoeelegânciaonossoAfonsoArinos:“nossa
Constituiçãodizquetodopoderemanadopovoeemseunomeserá
exercido.Vejamosoqueistoquerdizer.Emprimeirolugar,oqueé
povo?Osconstitucionalistasnãohesitam.Povo,nosentidojurídico,não
éomesmoquepopulação,nosentidodemográfico.Povoéaquelaparte
dapopulaçãocapazdeparticipar,atravésdeeleições,doprocesso
democrático,dentrodeumsistemavariáveldelimitações,quedepende
decadapaísedecadaépoca.
“Visivelmente,nonossoPaísenaépocaatual,certaslimitações
impostaspelaConstituiçãode1946estãoobsoletas.Porexemplo,no
casodossargentos.Daquiaalgumtempoépossívelqueoutras
limitaçõesprecisemdesaparecer,como,porexemplo,adosanalfabetos,
quevotamempaísescomoaItáliaejávotaramnoBrasilimperial”.5
DeacordocomAurelinoLealpovo“indicaamassageraldos
habitantesdeumpaíseapartedelaaqueseatribuicapacidadede
concorrerparaainvestiduradopoderpúblico”.6
AfonsoArinosfoimuitomaisprecisodoqueAurelinoLeal.Este,
buscandoexprimiromesmoconceitopolíticodepovo,somouduas
quantidadesheterogêneas:apopulaçãoeoquadroeleitoral.Na
populaçãopodemfigurarestrangeirosquenãofazempartedopovoe
todaviaentramnaquela“massageraldoshabitantesdeumpaís”aque
sereportouAurelinoLeal.Comefeito,aincorretaformulaçãode
AurelinoLealsótemválidaasegundaparteque,destacadadaprimeira,
encerraoconceitopolíticodepovonaacepçãoemqueeleseformou
paraasociedademoderna,atéquetomasseulteriormente,comojá
ocorreemnossosdias,suaperfeitaeinobjetávelcaracterizaçãojurídica,
aúnica,anossover,colocadaforadetodoâmbitodecontrovérsiaede
aplicaçãouniversalaqualquersubstratohumano,nãoimportaoslaços
políticoseideológicosaqueestejavinculado.
8.ConceitoJurídico
Sóodireitopodeexplicarplenamenteoconceitodepovo.Sehá
umtraçoqueocaracteriza,essetraçoésobretudojurídicoeondeele
estiverpresente,asobjeçõesnãoprevalecerão.
Comefeito,opovoexprimeoconjuntodepessoasvinculadasde
formainstitucionaleestávelaumdeterminadoordenamentojurídico,
ou,segundoRaneletti,“oconjuntodeindivíduosquepertencemao
Estado,istoé,oconjuntodecidadãos”.7
DizOspitaliquepovoé“oconjuntodepessoasquepertencemao
Estadopelarelaçãodecidadania”,8ounodizerdeVirga“oconjuntode
indivíduosvinculadospelacidadaniaaumdeterminadoordenamento
jurídico”.9
Ésemelhantevínculodecidadaniaqueprendeosindivíduosao
Estadoeosconstituicomopovo.Aíestá,noentenderdeOrlandoe
Gropallioquidnovidesseconceito.Fazempartedopovotantoosquese
achamnoterritóriocomoforadeste,noestrangeiro,maspresosaum
determinadosistemadepoderouordenamentonormativo,pelovínculo
decidadania.
Nãobastadizerconformefazemaquelesdoisautoresquepovoéo
elementohumanocomosujeitodedireitoseobrigações.Aafirmativa
nãoéincorreta,masdemasiadolata.Umgruposocialtambémpode
abrangeroelementohumanoelevadoacategoriadesujeitodedireitose
obrigaçõesenãoconstituirumpovo.Urgeporconseguintedarênfase
aolaçodecidadania,aovínculoparticularouespecíficoqueuneo
indivíduoaumcertosistemadeleis,aumdeterminadoordenamento
estatal.
Acidadaniaéaprovadeidentidadequemostraarelaçãoou
vínculodoindivíduocomoEstado.Émedianteessarelaçãoqueuma
pessoaconstituifraçãooupartedeumpovo.
Ostatusdecidadania,segundoChiarelli,implicanumasituação
jurídicasubjetiva,consistentenumcomplexodedireitosedeveresde
caráterpúblico.
Ostatuscivitatisouestadodecidadaniadefinebasicamentea
capacidadepúblicadoindivíduo,asomadosdireitospolíticosedeveres
queeletemperanteoEstado.Orlandofoidemasiadolongenalatitude
doconceitoquandoabrangeunessestatustambémosdireitosedeveres
denaturezaprivada.10
Dacidadania,queéumaesferadecapacidade,derivamdireitos,
quaisodireitodevotareservotado(statusactivaecivitatis)oudeveres,
comoosdefidelidadeàPátria,prestaçãodeserviçomilitare
observânciadasleisdoEstado.Sendoacidadaniaumcírculode
capacidadeconferidopeloEstadoaoscidadãos,estepoderátraçar-lhe
limites,casoemqueostatuscivitatisapresentaránoseuexercíciocerta
variaçãooumudançadegrau.Dequalquermaneiraéumstatusque
defineovínculonacionaldapessoa,osseusdireitosedeveresem
presençadoEstadoequenormalmenteacompanhacadaindivíduopor
todaavida.
Trêssistemasdeterminamacidadania:ojussanguinis
(determinaçãodacidadaniapelovínculopessoal),ojussoli(acidadania
sedeterminapelovínculoterritorial)eosistemamisto(admiteambos
osvínculos).Naterminologiadodireitoconstitucionalbrasileiroao
invésdapalavracidadania,quetemumaacepçãomaisrestrita,
emprega-secomomesmosentidoovocábulonacionalidade.
Amatériaseachareguladanoartigo12daConstituiçãofederal,
quedefinequemébrasileiroeporconseguinte,emfacedasnossasleis,
quemconstituionossopovo.
9.Conceitosociológico
Tidotambémcomoconceitonaturalistaouétnico,decorreporém
commuitomaisfreqüênciadedadosculturais,queumaconsideração
unilateralmentejurídicanãopoderiaexprimir.
Dessepontodevista—osociológico—háequivalênciado
conceitodepovocomodenação.Opovoécompreendidocomotodaa
continuidadedoelementohumano,projetadohistoricamenteno
decursodeváriasgeraçõesedotadodevaloreseaspiraçõescomuns.
Compreendevivosemortos,asgeraçõespresenteseasgerações
passadas,osquevivemeosquehãodeviver.Éenfimaquelemesmo
povopolíticoconcebido,conformevimos,deacordocomas
característicasjurídicasquenumdeterminadoterritóriolheconferema
organizaçãodeEstado,masaomesmotempocolocadonumadimensão
históricaqueligaopassadoaofuturoeassimtranscendeomomento
dacontemporaneidadedesuaexistênciaconcreta.
Opovonessesentidoéanação,eaindadebaixodesseaspecto
podetomarumaacepçãotãolataqueparasobreviverbastaconservar
acesaachamadaconsciêncianacional.Osjudeussemterritórioesem
Estadopróprio,disseminadosnocorpopolíticodesociedadesqueoraos
acolhiam,oraosexpeliam,nemporissodeixaramnuncadeserpovoe
nação,tendoasduasexpressõesaquiigualsignificado.11
1.GertvonEynern,“Bevoelkerungspolitik”,in:StaatundPolitik,p.43.
2.Idem,ibidem,p.43.
3.M.TulliusCicero,DeRePublica,livroI,25,p.31.(“Respublicarespopuli,populus
autemnonomnishominumcoetusquoquomodocongregatus,sedcoetus
multitudinisjurisconsensuetutilitatiscommunionesociatus”.)
4.Salomon-Delatour,PolitischeSoziologie,p.41.
5.AfonsoArinosdeMeloFranco,JornaldoBrasil,ediçãode22.8.1963.
6.AurelinoLeal,TeoriaePráticadaConstituiçãoFederalBrasileira,p.18.
7.OresteRaneletti,IstituzionidiDirittoPubblico,13ªed.,p.18.
8.GiancarloOspitali,IstituzionidiDirittoPubblico,5ªed.,p.31.
9.Veja-sePietroVirga,DirittoCostituzionale,6ªed.,pp.43-44.
10.V.E.Orlando,PrincipiidiDirittoCostituzionale,5ª.ed.,p.26.
11.Inclinando-seasepararosdoisconceitos,povoenação,AurelinoLealafirmouque
“anaçãocomportanoseuconceitoumasubjetividadequeescapaàconcepçãodo
termopovo”(A.Leal.Ob.cit.,p.18).Noentanto,nuncafaltaramautoresantigose
modernosparareputaridênticosaquelesconceitos.Orban,constitucionalistabelga,
citadoporAurelino,professava“opropósitodeliberado”deadotarasinonímiadosdois
termos,damesmamaneiraqueBattagliaeMaggiore,autoresmaismodernos.
Em
verdade,aexpressãopovosóficadevidamenteesclarecidafaceaoseuusovulgare
científico,seatentarmossempreparaasdistintasacepçõesqueabrange,conformejá
expusemos.
5
ANAÇÃO
1.ANação:umconceitoequívoco?—2.Oerrodetomar
insuladamentealgunselementosformadoresdoconceitodenação:
raça,religiãoelíngua—3.Oconceitovoluntarísticodenação—4.
Oconceitonaturalísticodenação—5.Passosnotáveisdaobrade
Renanfixandooconceitodenação—6.Anaçãoorganizadacomo
Estado:oprincípiodasnacionalidadeseasoberanianacional.
1.ANação:umconceitoequívoco?
ComotantosoutrosconceitosqueentramnaCiênciaPolítica,o
denaçãotemsidoincriminadodeostentar“caráterfugaz,
plurisignificanteeatéequívoco”(Sestan).
Umadasboasnoçõesqueesclarecemporémosignificadoda
palavranaçãopertenceaHauriou,quandooautorfrancêsassinalao
círculofechadoqueaconsciêncianacionalrepresentaeadiferenciação
refletidaqueaseparadeoutrasconsciênciasnacionais.Senãovejamos:
Anação,segundoele,é“umgrupohumanonoqualosindivíduosse
sentemmutuamenteunidos,porlaçostantomateriaiscomoespirituais,
bemcomoconscientesdaquiloqueosdistinguedosindivíduos
componentesdeoutrosgruposnacionais”.1
AldoBozziporsuavezrepeteoutrospublicistasaoacentuarno
conceitodenaçãooidemsentire(omesmosentimento)“derivadoda
comunhãodetradição,dehistória,delíngua,dereligião,deliteraturae
dearte,quesãotodosfatoresagregativosprejurídicos”.2Sua
formulaçãoequivaleevidentementeapatentearcomclarezaqueo
elementohumanopodeconstituir-seembasesnacionais,antesde
tomarqualquerfiguradeorganizaçãoestatal.
AliásdesdeváriosséculosjáBodinconceituaraoEstadodeixando
departeosaspectosculturaisdeordemnacional,hojeosmais
competentesadefiniramodalidadeprediletadeorganizaçãoestatal.
Comapropagaçãodoprincípiodasnacionalidades,avocação
dominantetemsidoadeestabeleceroEstadosobrebasesnacionais.O
EstadodeBodinporémprescindiadessasbases:
“Demuitoscidadãos...faz-seumEstado(république),quandoeles
sãogovernadospelapotênciasoberanadeumoudiversossenhores,
aindaquesejamdiversificadosemleis,línguas,costumes,religiõese
nações”.3Bodin,definindoassimoEstado,cometeuomesmopecadode
MaquiaveleHobbes,ouseja,silenciou,segundoobservaçãode
D’Entrèves,acercadoelementonacionalidade,“játãoimportanteno
séculoemqueescrevia”.4
Contribuiçãoimportantíssimaaoconceitodenação,anteriorsem
dúvidaàdeRenan,deu-nosManciniaoproclamarosfatoresnaturais
(território,raçaelíngua),históricos(tradição,costumes,leisereligião)e
psicológico(consciêncianacional)queservemdefundamentoànação.
Seuconceitodenaçãoconservaamodernidadedaépocaemque
foienunciadonacátedradeMilão.EmmeadosdoséculoXIXafirmava
Manciniqueanaçãoé“umasociedadenaturaldehomens,com
unidadedeterritório,costumeselíngua,estruturadosnumacomunhão
devidaeconsciênciasocial,”5
2.Oerrodetomarinsuladamentealgunselementosformadores
doconceitodeNação:raça,religiãoelíngua
Várioselementoshãosidoempregadoscomorespostaàseguinte
indagação:queéanação?Feitaaliás,sabiamente,porErnestoRenan
nocélebreopúsculoquelevaportítuloessamesmainterrogação.
Umdesseselementostomadosemcontavemaseroelemento
étnico:araça.Onacional-socialismodeHitler,poucoantesdaSegunda
GuerraMundial,quisfundartodooidealnacionaleresumirtodoo
conceitodenaçãoenacionalidadeembasesétnicas,naraçaalemã,
tomadaprecisamenteporvalorsuperioràsdemaisraças,numalinha
depurezaracialemqueosalemãescuidavamapresentar-secomoo
ramomaisnobredafamíliaariana.
Ateseracistatemsido,ecomrazão,violentamenteimpugnada
porcientistasesociólogos,queentendemnãohaverraçacapazde
definirnenhumpovo,nenhumanação.Asguerras,asrevoluções,as
convulsõessociaisqueseabatemsobreospovos,osvastíssimos
movimentosmigratóriosqueahistórianosoferece,aparde
movimentosdeintercâmbiocomercial,movimentosdecontatoentre
povos,desdeidadesimemoriaisconcorremnaverdadeparatornar
suspeitaqualquerpretensãodegruposhumanosaumalinhagem
incontroversadeunidaderacialsemmescla.Todosospovosterão
conhecidomisturasemépocasrecentesouemépocasrecuadas,
principalmentenosperíodosapagadosdahistória,dosquaisnenhum
registroseconserva.
Osjudeus,porexemplo,formaramumdoscasossingularesde
povoqueconservourelativainteirezaétnica.MasjádizaBíbliaqueeste
povonãoéemverdaderaçapura,sendoporémdasrarascoletividades
humanascujoevolveratravésdaHistóriapodemosacompanharaté
doisoutrêsmilanosantesdeCristo.Senosvolvemosparaoutros
povoscontemporâneos,fácilseriaaveriguar-lheaorigemhistóricano
encontrodemuitasestirpes,nocaldeamentodosanguedemuitas
raças.
Confirma-se,porconseqüência,atesedequenãoexistea
pretendidapurezaracial.E,porconseguinte,nãoéaraçaelemento
bastanteparadar-nosostraçosconfigurantesdoquesejaumanação.
Renanforadeverasclaroeincisivoaesserespeito,quandoafirmou:“A
verdadeéquenãoháraçapuraeassentarapolíticanaanálise
etnográficaémontá-lasobreumaquimera”.6Deixemosportantodelado
osantecedentesétnicosdecadapovoebusquemosoutrodadoque
possamelhorcaracterizá-la.
Seráporventuraoprincípiodeconfissãoreligiosaoelemento
explicativodoconceitodeNação?Arespostamaisumavezénegativa.
Evidentemente,podemosterumasóreligiãoreferidaavários
Estados,comotemosEstadosnosquaisseprofessamaisdeumcredo
religioso.HajavistaaAlemanha,metadeprotestante,metadecatólica.
Noentantoninguémhá-denegaraopovoalemãoosatributos
nacionais,ninguémlherecusaráaunidadeculturalesentimentalqueo
distinguedosdemaispovos.Poroutraparte,ocorreocasodeumasó
religiãoabrangerváriasnações,distintospovos;ocatolicismoemtodaa
AméricaLatina,oprotestantismonaEuropaocidental.Semdúvidanão
seriaofatorreligiosoaquelequenosproporcionariaoconceitode
Nação.
Sãorigorosamentelegítimaspoisasseguintesobservaçõesde
ErnestoRenan:“JánãoháreligiãodeEstado;pode-seserfrancês,
inglês,alemão,sendocatólico,protestante,israelitaounãopraticando
nenhumculto.Areligiãosetornouumacoisaindividual,contemplaa
consciênciadecadaum.Nãoexistejádivisãodenaçõesemcatólicase
protestantes”.7Easeguir,quandoasseveraqueareligiãopassouao
“forointernodecadaqual”e“jánãocontaentreasrazõesquetraçam
oslimitesdospovos”.8
Seráentãoalínguaoagentedeterminantedanacionalidade?Não.
Porumarazãobastantesimples:ahistóriaestárepleta,nãoapenasa
história,mastodaavidacontemporânea,deEstadosoucomunidades
nacionaisondesefalamváriosidiomas.NaSuíça,porexemplo,fala-se
oitaliano,ofrancês,oalemão.Equemrecusaráaopovosuíçosua
condiçãonacional?Quemdiráqueessepovocarecedeatributosqueo
distinguemdosmaispovosformandoumaNação?
Ironicamente,ErnestoRenanescreveuarespeitodoidioma,com
assazderazão:“Nãosepodemterosmesmossentimentose
pensamentoseamarasmesmascoisasemlínguasdiferentes?
Acabamosdereferir-nosàinconveniênciadefazerdependerapolítica
internacionaldaetnografia.Inconvenientenãomenorseriafazê-la
dependerdafilologiacomparada”.9
AindagaçãosobreoconceitodeNaçãocrescedevultoquandose
retomaaquelaperplexidadecomqueErnestoRenaninterrogava:“Como
aSuíça—quetemtrêslínguas,trêsreligiões,enãoseiquantasraças
—éumaNação,enquantonãooé,porexemplo,aToscana,tão
homogênea?PorqueaÁustriaéumEstadoenãoumanação?”.10Fica
portantodepéaquelainterrogaçãodopontodepartida:Queéuma
Nação?Seráporventuraaraça?areligião?oidioma?
Étudoisto,podendoseralgomaisoualgomenosquetudoisto.
Emverdade,exprimeaNaçãoconceitosobretudodeordemmoral,
cultural
e
psicológica,
em
que
se
somam
aqueles
fatores
antecedentementeenunciados,podendocadaumdelesentraroudeixar
deentraremseuteorconstitutivo.Anaçãoexistirásempreque
tivermossínteseespiritualoupsicológica,concentrandoossobreditos
fatores,aindaquefalteumououtrodentreosmesmos.
Qualdesseselementos—língua,religião,raça—seafigurade
maiorimportância?Alíngua.Porquealínguaéinstrumentode
comunicação,naverdadeomeiodequeohomemmelhorseservepara
comunicaridéias,sentimentoseformasdepensar,estabelecendoo
diálogo,e,atravésdodiálogo,dandorespostaesoluçãoaosproblemas
dopresente.
3.Oconceitovoluntarísticodenação
Oconceitovoluntarísticodenaçãoéoquedecorredetodasas
reflexõesanteriores.Resultadaintervençãoconvergentedaqueles
fatoresmorais,culturaisepsicológicos,frisadossistematicamentepor
MancinieErnestoRenan.Apresençadetaisfatoresconstituiotecido
dequeseformaachamadaconsciêncianacional.
Opensamentopolíticofrancêseitalianoexprimiuessaconcepção
nosmelhorestermos,emprestando-lhedomesmopassoumteorde
idealismoqueresultouporigualnoconceitodepátria,“aqueleconceito
mediador”que,segundoD’EntrèvesuneanaçãoaoEstado.
Anaçãoaparecenessaconcepçãocomoatodevontadecoletiva,
inspiradoemsentimentoshistóricos,quetrazemalembrançatantodas
épocasfelizescomodasprovaçõesnasguerras,emrevoluçõese
calamidades.Suscitatambémacomunicaçãodeinteresseseconômicos
eavivaoslaçosdeparentescoespiritual,formandoaquelaplataforma
deuniãoesolidariedadeondeaconsciênciadopovotomaumtraço
irrevogáveldepermanênciaedestinaçãocomum.Essacontinuidade,
cujasbasesseestãorenovandoacadapasso,noacordotácitoda
convivência,foibemexpressacomaimagemdeRenanquandodisse
queanaçãoéum“plebiscitodetodososdias”.
Exprimindoaconcepçãovoluntarísticadenação,Haurioua
apresentoucomofrutodasociedadefrancesa,traduzindo-asoba
denominaçãodenação-solidariedade,umvouloirvivrecollectif.Anação
éconcebidaporHaurioucomo“grupofechado”,umtodo,dizoautor
francês,opostoàsdemaisformaçõesnacionais.Masaoposiçãosóse
exprimiránaturalmenteemtermosdeforçaquandoobjetode
contestaçãoexterna.Odesenvolvimentopelanaçãodeumaconsciência
exaltadade“grupofechado”caracterizariaporémaanomaliado
sentimentonacionaleproduziriainternamenteadistorçãonacional.
Peloângulohistóricoredundoualiásnaapariçãodoconceito
naturalísticodenação,cujasbasesvamosadianteexpor.
O“grupofechado”queanaçãoconstituiseatenuanoconceito
voluntarístico“adversoatodaclausuraintoleranteeexclusivista”.Esse
conceito,acrescentaD’Entréves,“postulaoflorescimentodapátrialivre
numacivilizaçãosuperior”.11
4.Oconceitonaturalísticodenação
Diretamenteinfluenciadopelasconcepçõesracistas,formou-sena
Alemanhaumconceitodenaçãoqueteveparaaquelepaísasmais
funestasconseqüências.Oconceitonaturalísticoderaçanãofoiarigor
criaçãooriginaldonacional-socialismoalemão,porquantojánoséculo
passadoseusfundamentosseachavamimplícitosemteoriasdefendidas
porLapouge,GobineaueHoustonStewart,osdoisprimeirosfranceses
eoterceiroinglês.
Teorizaramelesacercadeumasupostahierarquiadasraças
humanas,emcujaextremidademaisaltacolocaramospovos
germânicos,portadoresdetraçosétnicosprivilegiadosempurezade
sangueesuperioridadebiológica,quelhesasseguravaasupremaciana
classificaçãodasraças.Apolitizaçãodateoriaracistaembases
ideológicas,servindodeesteiodetodaumaconcepçãodevidaenúcleo
deumnovoconceitodenação,resultoufácilaonacional-socialismo,
queprovocouaSegundaGrandeGuerraMundial.
Ocultodanaçãorecebeulogooindumentomístico.Festejou-se,
segundoHornung,adescobertadoprincípioracistacomo“ofeito
copernicanodostemposmodernos”.12
Aideologianacional-socialistafaziadepovo,naçãoeraçauma
totalidadeviva,exprimindo“aunidadebioespiritualdosangueedo
solo”,uma“comunidadetribal”,fundada,segundoosideólogos
nazistas,exclusivamentenoselementosétnicos.
OVolkstumousejaopovo-raçaresumiaanação,identificadano
sangueenosolo,sendooFuehrerapersonificaçãodavontadenacional.
Daquioprincípiopolíticodaideologianacional-socialistaquenão
admitiasecontestasseaautoridadecarismáticadoChefe.“OFuehrer
temsemprerazão”eraolemaarvoradopelosadeptosdeHitler(der
Fuehrerhatimmerrecht).
Oconceitonaturalísticoemverdadeconsistiunumadeformação
patológicadaconcepçãodenaçãocomo“grupofechado”,produzindoa
modalidademaisinsanadenacionalismo—odaraça,emmoldes
políticos.
5.PassosnotáveisdaobradeRenartfixandooconceitodenação
Anaçãonãosecompõeapenasdapopulaçãovivaemilitante,dos
quadroshumanosquefazemahistóriaemcurso.Deitaanaçãosuas
raízesespirituaisnatradição,viveasglóriasqueilustraramopassado,
professaocultoechamamentodosmortos,reverenciaamemóriados
heróisedescobrecomavisãodopassadoasforçasmoraisde
permanênciahistórica,quehãodeguiá-lanosdiasdeglóriaeluzcomo
nasnoitesdeinfortúnioeamargasvicissitudes.Maisdoqueopovo,
queresumeapenasaresponsabilidadeeodestinodeumahoraque
flui,anação—somaeherançadevalores—temcompromissocoma
história;porqueafirmaemseunomeopresenteeopassado,domesmo
passoquepreparaoporvir,repartidoesteentreapreensõese
esperanças,aspiraçõesesobressaltos.
Sendo,comefeito,aquela“idéiaclaranaaparência,masquese
prestaaosmaisperigososequívocos”,13anaçãorepresenta,segundoo
mesmoErnestoRenan,naimortalconferênciadaSorbonne,de1882,
“umaalma,umespírito,umafamíliaespiritual”.14
Aopôrdepartealínguaearaça,declarouRenanque“oque
constituiumanaçãoéhaverfeitograndescoisasnopassadoequerer
fazê-lasnoporvir”.15Comigualbrilho,omesmoautorafirma:“A
existênciadeumanaçãoé(perdoai-meestametáfora)umplebiscitode
todososdias,comoaexistênciadoindivíduoéumaafirmaçãoperpétua
davida”.16
Definindoaessênciaespiritualdanação,escreveRenanem
termosdeinexcedívelclareza:“Umanaçãoéu’aalma,umprincípio
espiritual.Duascoisasque,emverdade,constituemumasó,fazemesta
alma,esteprincípioespiritual.Umaestánopassado,outranopresente.
Umaéaposseemcomumdeumricolegadoderecordações,aoutraéo
consentimentoatual,odesejodeviverjuntos,avontadedecontinuar
fazendovaleraherançaqueserecebeuindivisa.Ohomem,senhores,
nãoseimprovisa.Anação,comooindivíduo,éoestuáriodeumlargo
passadodeesforços,desacrifíciosedeabnegações.Ocultodos
antepassadoséomaislegítimodetodos;osantepassadosnosfizeramo
quesomos.Umpassadoheróico,grandeshomens,glória—entenda-se
averdadeiraglória—eisaquiocapitalsocialsobrequeassentauma
idéianacional.Terglóriascomunsnopassado,umavontadecomumno
presente;haverfeitograndescoisasjuntas,quereraindafazê-las;eisaí
ascondiçõesessenciaisparaserumpovo.Ama-seacasaquese
construiuesetransmite.Ocantoespartano:“Somosoquefostes;
seremosoquesois;é,emsuasimplicidade,ohinoabreviadodetoda
pátria”.17
Emsuma,comasimplicidadegenialdeseuestilo,omesmo
Renan:“Ohomemnãoéescravonemdesuaraça,nemdesualíngua,
nemdesuareligião,nemdocursodosrios,nemdadireçãodascadeias
demontanhas.Umagrandeagregaçãodehomens,sãdeespíritoe
cálidadecoração,criaumaconsciênciamoralquesechamaanação”.18
6.
A
nação
organizada
como
Estado:
o
princípio
das
nacionalidadeseasoberanianacional
Osaspectoshistóricos,étnicos,psicológicosesociológicos
dominamoconceitodenaçãoquetambémaspiraordinariamentea
revestir-sedeteorpolítico.
Comapolitizaçãoreclamada,ogruponacionalbuscaseu
Coroamentonoprincípiodaautodeterminação,organizando-sesoba
formadeordenamentoestatal.EoEstadoseconverteassimna
“organizaçãojurídicadanação”ou,segundoEsmein,emsua
“personificaçãojurídica”.
NoconfrontoEstado-nação,cabeoprimadoànação,segundo
Mancini.Atribuielevalorjurídicoàsnacionalidades,edesenvolve
aquelaposiçãodoutrináriaquepretendiafazerdasnaçõesos
verdadeirossujeitosdedireitointernacional.Opatriotadaunificação
italianaentendiaque“asnaçõessãoobradeDeuseosEstados,
entidadesarbitráriaseartificiais,criadasfreqüentementepelaviolência
epelafraude”.FoiMancinioprincipalartíficedochamadoprincípiodas
nacionalidades,quetantainfluênciaexerceunacartapolíticada
Europa,duranteoséculopassadoeaindaaocomeçodesteséculo,
quandodacelebraçãodoTratadodeVersailles.Basicamenteoprincípio
significaque“todanaçãotemodireitodetornar-seumEstado”oua
todanaçãodevecorresponderumEstado.Mazzinialiásafirmouque“as
naçõessãoosindivíduosdahumanidade.”
DopontodevistadadoutrinaqueseformounaItáliaduranteo
séculopassado,anaçãoéovalormaior,eoEstado—formapuramente
política—sósejustificaquandorepresentaotermopolíticoelógicodo
desdobramentonacional,opontodechegadanecessáriodetodanação
quecompletasuaevoluçãoaoorganizar-secomoEstado.Noentanto,
conformeassinalaBiscarettidiRuffia,anaçãonãosomentepode
subsistirforadetodoreconhecimentojurídico,senãotambémem
contrastecomavontadedosEstados.Exemplodeanterioridadee
exterioridadedaexistêncianacionalemrelaçãoaoEstadofoiodanação
judaicadepoisqueTitodestruiuJerusalémaoano70daeracristã.Os
judeussobreviveramcomonação,apesardepoliticamentedestruídos
comoEstado.Eomaiscurioso,sobreviveramtambémcontraavontade
dosEstadosqueosperseguiam.
Adoutrinapolíticadasnacionalidadesexperimentouseuapogeu
comachamadaescolaitalianadodireitointernacional,inspirando
juridicamenteosmovimentosdeunificaçãonacionalnaItáliae
Alemanha.Esposava-senessadoutrinaoprincípiodeautodeterminação
dospovos,tãoemvoganosistemaderelaçõesinternacionais,desdeo
séculopassado.
Aoladodarepercussãoexternadoprincípionacional,éde
assinalaroaspectopolíticointernodamesmatesequefezdanaçãoo
primeirovalormoraldasociedadepoliticamenteorganizada.Ovalorda
naçãonaordeminternaantecedeuaproclamaçãodesuaimportância
nodomíniointernacional.Serviualiásdebasedoutrináriaatodoo
constitucionalismoliberaldesdeaRevoluçãoFrancesa.Constituiu-sede
maneirarevolucionáriaduranteaquelaépoca,ficandoconsubstanciado
nadoutrinadasoberanianacional,quepostulavaaorigemdetodoo
poderemanação,únicafontecapazdelegitimaroexercícioda
autoridadepolítica.
1.AndréHauriou,DroitConstitutionneletInstitutionsPolitiques,p.90.
2.AldoBozzi,IstituzionidiDirittoPubblico,p.24.
3.J.Bodin,DelaRépublique,I,6.
4.AlessandroPasserinD’Entrèves,LaDottrinadelloStato,p.244.
5.“Nazioneèunasocietànaturalediuomini,perunitàditerritorio,diorigini,di
costumi,dilinguaconformataacomunanzadicoscienzasociale”(ManciniapudLea
Meirigi,in:NuovoDigesto,pp.929-962).
6.ErnestRenan,“Qu’est-cequ’uneNation”,in:OeuvresComplétes,t.I,p.896.
7.Idem,ibidem,p.902.
8.Idem,ibidem,p.902.
9.Idem,ibidem,pp.899-900.
10.Idem,ibidem,p.893.
11.A.P.D’Entrèves,ob.cit.,p.251.
12.KlausHornung,“EtappenpolitischerPaedagogikinDeutschland”,in:
SchriftenreihederBundeszentralefuerpolitischeBildung,caderno60,p.75.
13.E.Renan,ob.cit.,p.887.
14.Idem,ibidem,p.903.
15.Idem,ibidem,p.904.
16.Idem,ibidem,p.904.
17.Idem,ibidem,p.904.
18.Idem,ibidem,pp.905-906.
6
DOTERRITÓRIODOESTADO
1.ConceitodeTerritório—2.Oproblemadomarterritorial—3.Os
limitesdomarterritorialbrasileiro—4.Subsoloeplataforma
continental:4.1AONUeaplataformacontinental—4.2OBrasile
aplataformacontinental—5.Oespaçoaéreo—6.Oespaço
cósmico—7.ExceçõesaopoderdeimpériodoEstado—8.
Concepçãopolíticadoterritório—9.Concepçãojurídicado
território:9.1Ateoriadoterritório-patrimônio—9.2Ateoriado
território-objeto—9.3Ateoriadoterritório-espaço—9.4Ateoriado
território-competência
1.Conceitodeterritório
Constituindoabasegeográficadopoder,oterritóriodoEstadoé
definidodemaneiramaisoumenosuniformepelostratadistas.A
matériaoferece,conformeveremos,poucospontosdecontrovérsia,
salvoaquelesocorridoscommaisfreqüêncianodomínioda
fundamentaçãojurídicadovínculodoTerritóriocomoEstado.
DefiniuPergolesioterritóriocomo“apartedogloboterrestrena
qualseachaefetivamentefixadooelementopopulacional,comexclusão
dasoberaniadequalqueroutroEstado”.1Algunsautoressetêm
limitadotodaviaadizerqueoterritórioésimplesmenteoespaçodentro
doqualoEstadoexercitaseupoderdeimpério(soberania).
Tem-severificadotodaviadúvidasquandosetratadeindagarseo
territórioéounãoelementoconstitutivodoEstado.RespondeDonati
negativamente.Entendequeoterritóriodeveserconsideradocomo
condiçãonecessáriamasexterioraoEstado.Domesmomodoos
discípulosqueoseguem.Achamquesetratadeumpressupostoeque
atodoindivíduoresultaindispensávelumaporçãodosoloondepôros
pés.Essesoloporémnãoconstituipartedoserhumanoelheéexterior,
emboraimprescindível.Damesmaformaoterritórioemrelaçãoao
Estado.
Masnãofaltamautores—ealiásemmaiornúmero—que
esposamateseoposta,asaber,oterritório“fazparte”doEstado,é
elementoconstitutivoeessencial,esemeleoEstadoinexistiria.O
territórioestariaparaoEstadoassimcomoocorpoparaapessoa
humana.CriticandoaposiçãodeDonati,umjuristaitalianofezessa
curiosaobservação:suponhamosquetodososhabitantesdoprincipado
deLiechtensteinemigrassemparaoestrangeiro.Acasolevariameles
consigooEstado?2
Areflexãoacercadaimportânciadoterritórioseestendetambém
àhipótesejáformuladaporalgunsjuristasqueprocuramdeterminarse
umatribonômadepoderiaounãoconstituirumEstado,faltando-lhe
comolhefaltaaquelacaracterísticadefixaçãoestávelqueentrano
conceitodeterritório,conformevimos.
ArespostadeAnschuetzéafirmativa,desdequecumpridascertas
exigências.Aprimeiraseriaogruponômadepossuiraintençãodeter
comoseuoterritórioobjetodeumaocupaçãomóvelefugaz.Asegunda,
acapacidadematerialdeexcluirpeloempregodaforçaapresençade
outrastribosnômadesnoespaçogeográficoreservadoàsincursõesdo
grupo.Atendidosessesrequisitos,éAnschuetzdeparecerqueatribo
nômadepodeapresentarnormalmentecaracterísticasdeordenamento
estatal.3
Indaga-seaindaseaocupaçãobélicadoterritórioprovocaounão
aextinçãoimediatadoEstado.Sesetratadeocupaçãotemporária,os
juristasseinclinamarespondernegativamente,opinandoquesóo
tratadodepazdecidirádasortedoEstado,tantodasuaconservação
comodadebellatiooudesaparecimentototal.Éclaroqueaocupação
importanumasensívelsuspensãoouatémesmoab-rogaçãodamaior
partedasnormasdedireitopolítico.AordemjurídicacivildoEstado
ocupadoétalvezaquemenosrestriçõespadecedebaixodeumregime
deocupação,salvonaturalmenteaquelasimpostaspelasnecessidades
dapotênciaocupante.
Sãopartesdoterritórioaterrafirme,comaságuasaí
compreendidas,omarterritorial,osubsoloeaplataformacontinental,
bemcomooespaçoaéreo.
2.Oproblemadomarterritorial*
*Ver,arespeito,notadap.130.
Nodomíniodasrelaçõesinternacionaisfiguracomoumdos
problemasmaisdelicadosecomplexosadelimitaçãodaságuas
territoriaisousejaochamadomarterritorial,emvirtudedarevisãode
limitesquenumerososEstadostêmfeitorecentemente,ampliandosua
faixasobreaqualrecaiopoderdeimpériodoEstado.Atémesmouma
doutrinajáseestariaformandonaAméricaLatinacomquejustificara
ampliaçãodomarterritorialporalgunspaíses,aosquaisoBrasil
aderiutambémem1970,quandoaumentoupara200milhasolimitede
suaságuasterritoriais.
Compreende-sepormarterritorialaquelafaixavariáveldeáguas
quebanhamascostasdeumEstadoesobreasquaisexerceeledireitos
desoberania.Zonaadjacenteoucontíguaaoterritóriocontinentaldo
Estado,alcançaumacertadistânciadacosta,sujeitaporémavariações
impostaspeloscritériosnemsempreuniformesdeestabelecimentode
seuslimites,porpartedosdiversosEstados.
Aextensãooularguradomarterritorial,segundoMonacoe
Consacchi,secalculaapartirdalinhadebaixamaré,acompanhando
sempreasinuosidadedacosta.4
Desdealgunsséculos,aságuasterritoriaisdespertaramaatenção
dosjuristas,quebuscaramfixá-las.NãochegaramcontudoosEstados
àadoçãodeumcritérioúnico.Dasdoutrinasantigasaprimeirafoiado
“limitevisual”semdúvidaamaisrudimentareprecária,porquanto
estabeleciaalarguradaságuasterritoriaisemfunçãodoalcanceda
vista.
Veiodepoisachamadadoutrinadocritériodefensivo,explicada
pelosbrocardoslatinosterraepotestasfiniturubifiniturarmorumvis(o
poderdeterraacabaondeacabaopoderdasarmas)ouubvis,ibiius
(ondeaforça,aíodireito),resultandonaadoçãodolimitetradicionalde
trêsmilhas,queumcostumeinternacionalfezgenericamenteválido
duranteváriosséculos.
Ocorreporémqueessecritério,sugeridopeloalcancedaspeças
deartilharianaépocaemqueosjuristasdaescoladodireitonaturalo
conceberamseachahojeultrapassadoemrazãodoexcepcional
incrementodaindústriabélica.DemodoqueseosEstadosfossem
observá-lonaidadedosmísseis,outodososoceanosseriamáguas
territoriais(umabsurdo)ousimplesmentejánãoexistiriamtaiságuas.
Verifica-seademaiscrisenolimitedetrêsmilhas,queseacentuou
desdeotérminodaSegundaGuerraMundial,tendoseagravado
consideravelmentenosúltimosdezanosprovocadasobretudopor
motivodeordemeconômica.
TodososEstadostêmatentadoparaoscopiososrecursosqueas
regiõesmarítimascontíguasoferecemnostrêsreinosdanatureza.A
soberaniasobreumafaixaamplíssimademaradjacenteproporcionaria
proteçãoseguraeeficazaosinteresseseconômicosqueoEstadoprecisa
deresguardar.
Arelevânciadatutelasefazmaissignificativaaindaquandose
tratadepaísessubdesenvolvidos,cujascostasdesguarnecidas
permanecemexpostasàpresençadefrotaspesqueirasdepaíses
estrangeirosentreguesaumaindesejáveleatécertopontoespoliativa
exploraçãodaquelesrecursos.Emgeral,procedemdepaíses
desenvolvidos,ouseja,economicamentepoderosos.
Apolíticalatino-americanaadotadajápornovepaíses—Chile,
Peru,Equador,Argentina,Panamá,Nicarágua,ElSalvador,Uruguaie
Brasil—queampliarampara200milhasolimitedeseumarterritorial,
inspirou-sedecertonoreconhecimentodessarealidade.Pesaram
tambémnaadoçãodamedidaconsideraçõesdaseguinteordem:a)
segurançanacional;b)repressãoaocontrabando;c)controlede
navegaçãoparaevitarapoluiçãodaságuas,etc.
Aliásaquelespaísescelebraramemmaiode1970,em
Montevidéu,aPrimeiraConferênciaLatino-AmericanasobreDireito
Marítimo,ratificandonesseensejoodireitodosEstadosdeestenderos
limitesdomarterritorialpara200milhas.Subscreveramnessesentido
umdocumentodejustificação,assinalandoemprimeirolugara
importânciadosrecursosnaturaisdazonamarítimaterritorialparao
desenvolvimentoeconômicodosEstadosribeirinhos.
Formou-seporconseguintenaAméricaLatinasólidafrentede
inspiraçãonacionalistaemdefesadafaixade200milhasdesoberania
sobreomarterritorial,emoposiçãoaosEstadosUnidoseàUnião
Soviética,quepatrocinamumacordointernacionalparafixaçãodos
limitesdaquelemarapenasem12milhas.ADeclaraçãodeMontevidéu
concluicomestaspalavras:“Animadospelosresultadosdestareunião,
osEstadossignatáriosexpressamseupropósitodecoordenarsuaação
futuracomafinalidadedeasseguraradefesaefetivadosprincípios
enunciadosnapresentedeclaração”.
Aampliaçãounilateraldomarterritorialtemprovocadocontudo
dificuldadesquenãoforamaindaremovidas.Apesardequea
OrganizaçãodasNaçõesUnidastenhadiligenciadoparalograracordo
sobreoempregodecritérioquepossaacomodarasdiversasposições
antagônicasaquestãopermaneceaberta.OsEstadosUnidos,a25de
fevereirode1970,emitiramnotadeapoioaolimitede12milhas,
ressalvandoqueenquantoesselimitenãoforfixado“nãosãoobrigados
areconheceráguasterritoriaisdemaisde3milhas”.
DaConferênciasobreoDireitodoMar,celebradaemGenebraa
29deabrilde1958,poriniciativadaquelaorganizaçãointernacional,
resultaramquatroconvençõessobrematériadistintaporémcorrelata:
a)marterritorialezonacontígua;b)alto-mar;c)pescaeconservação
dosrecursosbiológicosdoalto-mar;ed)plataformacontinental.
Comrespeitoaomarterritorialficouassentadoqueasoberania
doEstadoseprolongaaté“umazonademaradjacenteàssuascostas,
designadasobonomedemarterritorial”.Nãosefixoutodavialimite
específico,deixando-seacritériodecadaEstadodeterminaraextensão
domarterritorialnumafaixavariávelde3a12milhas,masqueem
hipótesealgumadeveráexcedera12milhas.
AConferênciadeGenebrade1964reiterouessaposição.O
argumentocontrárioàs200milhaspartiadasgrandespotências,
nomeadamentedosEstadosUnidoseUniãoSoviética.Entendiamque
tallimiteatentavacontraumprincípiobásicodoDireitoInternacional
—odaliberdadedosmareseumavezaplicadoemalgunsmares,como
oMediterrâneo,excluiriaaexistênciadeáguasinternacionais,
suprimindooconceitodealto-marcomoespaçolivre.Quantoaolimite
de3milhas,vemsendooúnicoconsagradopeloDireitoInternacional,a
quenenhumEstadoofereceobjeção.Mastemsidoalteradoporvários
países,quemanifestamtendênciajáirreprimívelparainstituirfaixa
maislargademarterritorial,emalgunscasoscomdescumprimento
daquelasrecomendaçõesdoórgãointernacional.
Nopresente,sãoapenas32ospaísesquecontinuamconservando
otradicionallimitede3milhas,incluindo-seentreestesosEstados
Unidos,aGrã-Bretanha,oJapão,aAlemanhaePaísesBaixos.Com
limitede6milhashá14países,comode10milhas12ecomode12
milhasnadamenosde36.
OPerueoEquadorforamosprimeirosEstadosdaAmérica
Latinaquedilatarampara200milhasalarguradaságuasterritoriais.
Disposiçãosemelhanteadotaram-naoutrasrepúblicasdohemisfério,
entreasquaisNicarágua,Panamá,Uruguai,ArgentinaeBrasil.
3.Oslimitesdomarterritorialbrasileiro*
*Ver,arespeito,notadap.130.
OBrasilconsagrapresentementeolimitede200milhasdemar
territorial.Tomouessaposiçãoatravésdeatopresidencialde25de
marçode1970,alterandoolimitede12milhas,cujavigênciafora
inferioraumano,porquantofixadoa20deabrilde1969.Antes,a18
denovembrode1966,verificava-senossaprimeiramudançadelimite
deáguasterritoriais,quandopassamosdas3milhasclássicaspara6
milhas.
Comanovaposição,oBrasiladeriuàpolíticadesoberania
marítimaquejávinhasendoperfilhadaporoutrasnaçõesdo
continente.Justificandoadistintaorientação,assinalouoGoverno
brasileiroque“alémdoproblemadeordemeconômica,representado
pelanecessidadededefesadopotencialbiológicobrasileiro,foidada
especialênfaseaoaspectopolíticodaquestão”.
Odecretoquedispôsacercadonovolimitede200milhas
ressalvouodireitodepassageminocenteparaosnaviosdetodasas
nacionalidades.Efoiadiante,definindoapassageminocente:“O
simplestrânsitopelomarterritorial,semoexercíciodequaisquer
atividadesestranhasànavegaçãoesemoutrasparadasquenãoas
incidentesàmesmanavegação”.
4.SubsoloeplataformacontinentalAseguintemáximalatinadeteorjurídicoexprimeaexata
concepçãofísicadoterritório:cuiusestsolumeiusestusqueadcoelum
etadinferosousejausqueadsideraeusqueadinferos.Incluem-seaí
portantocomopartedoterritórioosubsoloeoespaçoaéreo.Aliása
concepçãopolíticaejurídicadoterritóriojáoapresentamodernamente
comoumespaçoconcebidodemaneirageométricaemtrêsdimensões,
sobaformadeumcone“cujovérticeseachanocentrodaterraecujos
limitespercorremosconfinsdoEstado,elevando-sedaíparaoinfinito,
nãosepodendoprecisaratéquepontoseestendaointeressejurídico
doEstadosobreaatmosferaesemquesepossaadmitiraípoder
diversodaqueledoEstado”.5
Aindacomrespeitoàspartesdoterritório,aplataforma
continentaltemsidodesdeasúltimasdécadasreclamadaporvários
EstadoscomosendoconstitutivadoterritóriodoEstado.Recebeupor
igualadenominaçãodeplataformalitorâneaou“ContinentalShelf”.
Ousooficialdaexpressãoocorreuemduascélebres
proclamaçõesdeTruman,a28desetembrode1945,quandoo
PresidentedosEstadosUnidosafirmoudireitossobreaplataforma
continentalparafinsespecíficoselimitados,considerando“osrecursos
naturaisdosubsoloedofundodomardaplataformacontinental,
abaixodoalto-marpróximoàscostasdosEstadosUnidoscomo
pertencentesaestesesubmetidosàsuajurisdiçãoecontrole”.As
ressalvasfeitasaoexercíciodasoberaniaentendiamcomo
reconhecimentodo“caráterdealto-mardaságuassuperjacentesà
plataformacontinentaleodireitoàsuanavegação,livree
desembaraçado”.Asduasproclamaçõesversavamrespectivamente
sobrezonasdeconservaçãodepescariaerecursosnaturaisda
plataformasubmarina.Nadeclaraçãoamericanaafirmava-seque“a
plataformacontinentalpodeserconsideradacomoumaextensãoda
massaterrestredopaísribeirinhoecomoformandopartedela
naturalmente”.
4.1AONUeaplataformacontinentalArelevânciaqueoassuntovemalcançando,dadoovultodos
interessespolíticoseeconômicosenvolvidos,nãopodiadeixar
indiferenteaessamatériaaOrganizaçãodasNaçõesUnidas.
Comefeito,jáemjulhode1951aComissãodeDireito
InternacionaldaONUadmitiaaplataformacontinental“comosujeitaao
controleejurisdiçãodoEstadoribeirinho,massomenteparaosfinsde
explorareaproveitarseusrecursosnaturais”.Umaposiçãopoisquese
acercavabastantedadoutrinaamericanadaplataformacontinental,já
enunciadaporTruman,equealiássobcertoaspectoareproduzia.
Em1953,amesmaComissãoseocupavanovamentedotema,
definindodestafeitaaplataformacontinentalcomo“oleitodomareo
subsolodasregiõessubmarinascontíguasàscostas,massituadasfora
dazonadomarterritorial,atéumaprofundidadede200metros”.
Nasreuniõescelebradasem1953,aComissãoreiteroutambémo
pontodevistajáfirmadoanteriormente,explicitandoentãoque“o
Estadoribeirinhoexercedireitossobreaplataformacontinentalparaos
finsdeexploraçãoeaproveitamentodeseusrecursos”.
ComaposiçãojurídicaassumidapelaONU,oorganismo
internacionaldeixoubemclaroqueospoderesdoEstadoribeirinho
sobreaplataformacontinentalimportamnumajurisdiçãolimitada,não
devendodemaneiraalgumaconfundir-secomanaturezaeextensão
dospoderesdesoberaniaqueaqueleEstadoexercequersobreseu
territóriopropriamentedito,quersobreomarterritorial.
Aságuasquecobremaplataformacontinentalsesujeitamno
entendimentodaONUaoregimedealto-mar,resguardadaspelos
princípiosdeliberdadeeinapropriabilidadedominantesnaboa
doutrinainternacional.
4.2OBrasileaplataformacontinentalNossaposiçãoemtornodamatériafoifixadapeloDecreton.
28.840,de8denovembrode1950,quedeclarou“integradaaoterritório
nacionalaplataformasubmarinanapartecorrespondenteaesse
território”.Ajustificaçãododecretoseapoiava,entreoutros,nos
seguintesargumentos:
a.“aplataformacontinentaléumverdadeiroterritóriosubmersoe
constituicomasterrasaqueéadjacenteumasóunidadegeográfica”;
b.a“possibilidade,cadavezmaior,daexploraçãooudo
aproveitamentodasriquezasaíencontradas”;
c.ozelo“pelaintegridadenacionalepelasegurançainternado
país”.
ÉóbvioquearecentemedidadoGovernobrasileiroampliando
para200milhasomarterritorialtrouxeconsiderávelalentoàs
pretensõesdoPaístocantesasuaplataformacontinental,sobreaqual
jánãorecaiumajurisdiçãolimitadamaspoderesdesoberania,emtoda
asuaamplitude,numaintegraçãojurídicatotaldo“território
submerso”correspondenteàplataforma,dentrodolimitedas200
milhasmencionadas.Afastamo-nosporémdoentendimentosobrea
matéria,dominantenaONU,tantoarespeitodomarterritorialcomoda
plataformacontinental.Seguimosporémumaposiçãoabraçadano
continentepordiversasrepúblicasirmãsconscientesdaimportância
políticaeeconômicaquetemparaosdestinosdaemancipaçãonacional
oaproveitamentopotencialdosrecursoseventuaisexistentestantonas
águasterritoriaiscomonofundodomar.
5.Oespaçoaéreo
Ocritériodefensivoqueinspirouadelimitaçãodomarterritorial
noslimitesusuaisde3milhas—hojeemdeclínio—decertomodo
tambémporanalogiaseaplicouaoespaçoaéreo,paraefeitode
determinação
dos
limites
dentro
dos
quais
se
exerce
incontrastavelmenteasoberaniadoEstado.
Medianteumraciocínionegativopode-sepelomenoschegara
essapossívelconclusão.Hajavistaocasocuriosodadécadade60
quandoosaviõesU-2norte-americanossobrevoavamoespaçoaéreoda
UniãoSoviéticaemmissõesdeespionagem,semprovocaroprotesto
russodeviolaçãodoespaçoaéreoterritorial,emboraoGovernodaquele
Estadoestivesseperfeitamenteinformadodoqueseestavapassando
comaintromissãoestrangeiranoscéusdopaís.Sóquandopôdecoma
artilhariaanti-aéreaabateroaparelhopilotadoporPower,aURSSdeu
oescândalointernacionaldaviolaçãodoespaçoaéreo,oferecendoo
protestoquepoliticamentetorpedeouareuniãodecúpulaprogramada
paraVienaentreKruscheveKennedy.
Como
não
existe
uma
altitude
exata,
reconhecida
internacionalmenteequepossaresponderàquestãodesaberatéonde
vaiasoberaniaterritorialsobreoespaçoaéreo,édepresumir,ilustrado
peloexemploanterior,queosEstadosviessemadotandoumcritério
análogoaoterraepotestasfiniturubifiniturarmorumvis.Jáessecritério
setornouporémincompatívelcomaépocadossatélitesedosfoguetes
queprojetamartefatosadistânciascósmicasemdisparosquepodem
conduziraoutroscorposcelestes,fazendoporconseqüênciainviável
todosistemadesoberaniacalcadosobreopoderdasarmas.Élegítimo
porémadmitir,comoalgunsjuristasofazem,que“asoberaniado
Estadosobreoespaçoaéreoestende-seemaltitudeatéondehajaum
interessepúblicoquepossareclamaraaçãoouproteçãodoEstado”.6
Aquestãonoentantocontinuaemdebate,vistoque“nemos
limitessuperioresdoespaçoaéreo,nemoslimitesinferioresdoespaço
extra-atmosféricoforamobjetodeumadefiniçãogeral”,conforme
ressaltaTaubenfeld.Comefeito,opinaestequeaextensãodasoberania
territorialselimitanoespaçoaaproximadamentecemmilhas“no
máximo”.7
Comrespeitoaoespaçoaéreo,distinguiuHuberquatrocamadas
sobreasuperfíciedaterra:atroposfera(de10a12quilômetrosde
altitude),aestratosfera(atécercade100quilômetros)aionosfera(de
100acercade600quilômetros)eaexosfera(zona,segundoele,de
transiçãoparaoespaçocósmico,quecomeçaondeacabaaforçade
atraçãodaTerra).8
Tem-seaípelomenosumensaiodedelimitaçãodaaltitudedo
espaçoaéreo,quenãodeveserconfundidocomoespaçocósmico,a
despeitodaimprecisãojurídicaemestabeleceroexatopontoquesepara
asduasmodalidadesdeespaço.
AConvençãodeParisde13deoutubrode1919acolheuo
princípiodasoberaniacompletaeexclusivadoEstadosobreoseu
espaçoaéreo,numaépocaevidentementeemqueoprogresso
tecnológiconãopermitiaaindavislumbrarpossibilidadestotaisna
exploraçãodesseespaço,descurandoportantoafixaçãodoslimitesde
altitude
ao
exercício
da
soberania
territorial,
bem
como
a
regulamentação
jurídica
da
navegação
extra-atmosférica
ou
astronáutica,emvirtudenaturalmentedoatrasodosfatosainda
reinantesemrelaçãoaessahipótese.
AConferênciadeChicago,celebradaa7dedezembrode1944,
produziu
regras
fundamentais
observadas
pela
aviação
civil
internacional,taiscomoasrelativasàliberdadedevôooutrânsito
inofensivodeaeronavescivis,peloterritóriodeumEstado,excetoo
sobrevôodeáreaseventualmenteinterditadaspormotivosdesegurança
nacionaloupresençadeinstalaçõesefortificaçõesmilitares.
6.Oespaçocósmico
Temsidoapreciávelnasúltimasdécadasoempenhodosjuristas
emfundarumnovodireitoacercadecujadenominaçãonãosepõem
elestodaviadeacordo:ochamadodireitoastronáutico,interestelar,
interplanetário,espacialoucósmico.9
Oprincípioconsagradoexcluiadominaçãodoespaçocósmico
pelasoberaniaestatal.Comessaáreaacontecealgoquelembrao
entendimentodominanteacercadoalto-mar.Querdosencontros
internacionaisdejuristas,querdasmanifestaçõesdaAssembléia-Geral
daONUedosacordoscelebradosentreosEstadoUnidoseaUnião
Soviéticaresultouoreconhecimentodainapropriabilidadedoespaço
cósmico,bemcomooutrospostuladosdomaiorinteressecomque
assegurarapresençalivredetodososEstadosnaexploraçãoespacial.
Em1958,aAssembléia-GeraldaONUcriouaComissãoparao
UsoPacíficodoEspaçoExtra-atmosférico,datandodaíaprimeira
intervençãodiplomáticadoorganismointernacionalnoesforçoconjunto
deregulamentaçãojurídicadocosmos.
Trêsanosdepois,a20dedezembrode1961,amesma
AssembléiaadotavaaResoluçãon.1.721sobreCooperação
InternacionalRelativaàUtilizaçãoPacíficadoEspaçoExterior,que
proclamava:a)aextensãoaoespaçoexterioreaoscorposcelestesdos
princípiosdoDireitoInternacionaledaCartadasNaçõesUnidas;b)o
direitodetodosospaísesdelevaracaboexploraçõesnoespaço
cósmico;ec)ainapropriabilidadejurídicadoscorposcelestes,não
podendoestes,porconseguinte,ficardebaixodasoberaniadenenhum
país.
Em1962,aAssembléia-GeraldaONUfezumapeloatodosos
Estadosmembrosparaqueenvidassemesforçosnosentidodeuma
codificaçãodenormaspertinentesaoespaçocósmico.Noanoseguinte,
a8dejunhode1962,foicelebradoemRomaoacordoentreaAcademia
deCiênciasdaURSSeaAdministraçãoNacionaldeAeronáuticae
EspaçodosEstadosUnidos,relativoàcooperaçãocientíficaentreas
duascorporaçõesparautilizaçãopacíficadocosmo.
A5deagostode1963celebrou-seoTratadodeMoscouentrea
UniãoSoviética,osEstadosUnidoseaInglaterra,inaugurando-se
entãoumnovoramododireitopositivo:odireitointernacionalespacial.
EsseTratadoproscreveuexperiênciascomarmasnuclearesna
atmosfera,noespaçocósmicoedebaixodágua,sendodeduração
ilimitada.Subscreveram-nomaisde100Estados,membrosdaONU.
Finalmente,remontaa1963a“Declaraçãodosprincípiosdebase
daatividadedosEstadosparaodescobrimentoeautilizaçãodoespaço
cósmico”,adotadapelaAssembléia-GeraldaONU.Trata-seda
Resoluçãon.1.962(XVIII)sobreoespaçoextra-atmosférico,naqualse
dispõeque“oespaçoextra-atmosférico,compreendendoaluaeos
demaiscorposcelestes,nãopodeserobjetodeapropriaçãonacional
atravésdeproclamaçãodesoberania,utilização,ouocupação,nempor
nenhumoutromeio”.
DamesmaResolução,aprovadaporunanimidadea13de
dezembrode1963,constaque“asatividadesdosEstadosrelativasà
exploraçãoeutilizaçãodoespaçoextra-atmosféricoseefetuarãode
acordocomoDireitoInternacionaleaCartadasNaçõesUnidas”.
Deúltimo,umnovotratadofoiassinado,em1967,comadesãode
numerosospaísesmembrosdaONU,interditandoacolocaçãodearmas
dedestruiçãoemmassanumaórbitaaoredordaTerra,bemcomoa
instalaçãodebasesoufortificaçõesmilitaresnoscorposcelestes.
Podemos,emsuma,referirasseguintesdisposiçõescomoparte
dodireitocósmicopositivoqueaONUintentaestabelecer:a)extensão
aodomíniocósmicodosprincípiosenormasdedireitointernacional
gravadosnaCartadaqueleorganismo:b)interdiçãodeexperiências
nuclearesnoespaçocósmico;c)proibiçãodeenvioaocosmosde
artefatosportadoresdecargasnuclearesouarmasdedestruiçãoem
massa,ed)proibiçãodepropagandadeguerranoespaçocósmico.
7.ExceçõesaopoderdeimpériodoEstado
Admitem-seduasexceçõesaopoderdeimpériodoEstadosobreo
território:aextraterritorialidadeeaimunidadedosagentes
diplomáticos.
SegundoRanelletti,aextraterritorialidadesignificaoseguinte:
“umacoisaqueseencontranoterritóriodeumEstadoédedireito
consideradacomoseestivessesituadanoterritóriodeoutroEstado”.
Porexemplo:osnaviosdeguerra.Aindaemáguasterritoriais
estrangeirassãoelesconsideradospartedoterritórionacional.
Emalto-marounoespaçoaéreolivreosnavioseaviõesdeum
paíssãotidoscomopartesdeseusterritóriosesujeitosporconseguinte
àsleisdessepaís,salvosehouverprincípiodedireitointernacionalque
osfaçadependentesdeumaleiestrangeira(Pergolesi).
Tocanteàimunidade,osagentesdiplomáticos,emtermosde
reciprocidade,seachamisentosdopoderdeimpériodoEstadoonde
querquevenhamseracreditados.Essaimunidade,decaráterpessoal,
decorredaconveniênciadeafiançaraodiplomatacondiçõesmínimas
necessáriasaobomdesempenhodesuamissão.
8.Concepçãopolíticadoterritório
Quandosetratadoexamepolíticoquearealidadeterritorial
oferece,osproblemasquedaídecorremgiramaoredordeelementos
pertinentesàdimensão,àforma,relevoelimitesdoterritório,cuja
significaçãologopassadoâmbitogeográficoparaaesferapolítica,
mormentequandoessesdadosimportantíssimosseprendemaofator
humano,populacional,exercendosobreopoder,osdestinos,avidaeo
desenvolvimentodoEstadopapelrelevantíssimo,quenemsemprehá
sidoassinaladodevidamentepelostratadistasusuaisdamatéria.
Estes,viaderegra,comrarasexceções,descuramsempreolado
políticoeseforramaodebatedesuasimplicações,fazendoporvezes
remissãodoassuntoàGeopolítica,emcujoâmbitocaberiatalestudo.
Hátambémosqueentendemquebastaconfinaroterritórioaoângulo
jurídico.
Poucosdedicamàmatériaaatençãoquelheconcedeu
merecidamenteoconspícuopublicistaHermannHellernasuaTeoriado
Estado(Staatslehre),ondeseocupoudaimportânciabásicaque
assumemparaaaçãodoEstadoascondiçõesgeográficas.CaiuHeller
porémnoerrooposto:cingiu-seapenasaomomentopolíticoda
influênciadoterritório,menosprezandoporsuavezainquirição
jurídica.
NaantigüidadefilósofosdacategoriadePlatãoeAristóteles
pressentiramaextraordináriaimportânciadosefeitosdaambiência
físicasobreasinstituiçõespolíticas.Suaspreocupaçõesaindavagasse
repetemsubseqüentementenocomeçodostemposmodernoscom
Maquiavel,BodineHume.Maquiavel,demodomaispreciso,depoisde
cunharemsuaobrapolíticaaexpressãoEstado,queaciência
consagrou,representanopensamentopolíticoaperfeitatomadade
consciênciadapassagemdoantigoEstado-CidadeaoEstadonacional.
Comestesealargadecisivamenteadimensãodoterritório,
ganhandoaíoEstadomodernoumdeseustraçoscaracterísticos.Foi
contudoemDoEspíritodasLeisdeMontesquieuqueopensamento
modernodemaneiramaiscoordenadarefletiusobreasrelaçõesentreo
meiofísicoeanaturezadasinstituiçõespolíticas.
HerdereHegel,doladoalemãonãoperderamdevistaessaordem
deproblemasquedecaiudeformaconsiderávelnasegundametadedo
séculopassado,sóserenovandodemodofecundo,esteséculo,graças
aosreparosdeHatzeleKjellen,compendiadoshojenumramo
inteiramentedistintodeestudossociais:aGeopolítica.
9.Concepçãojurídicadoterritório
Oprimeirotemaqueaquiseofereceéodesaberseoterritório
entraporelementoconstitutivodoEstado,comoalgoquelhesejade
todoindispensáveloucomoelementomeramentecondicionanteda
existênciadoEstado.
JáJellinekressaltaraqueasdefiniçõesdeEstado,deBodina
Kant,nãomencionavamsequeroterritório.Deixaraassimdeprevalecer
aconcepçãomedievadoEstadopatrimonial,quecedialugarà
concepçãojus-naturalistadoEstadoprodutodarazão,noção
puramenteabstrata.
Correporémentreostratadistasmaismodernosqueescreveram
desdeoséculoXIXamáximadeque“nenhumEstadohásemterritório”
afimdesignificarcomissoquetodoEstadosupõenecessariamente
áreafixadepopulaçãosedentária.
Achamemsuamaioriaospublicistasquedevendopreencheros
finsquelhesãoatribuídos,precisaoEstadodaquelapartedeespaço
geográficoqueordinariamenterecebeadesignaçãodeterritório,ondeo
grupohumanoelegehabitaçãofixaecerta.
Apopulação,privadadessabasefísicaepermanentequeéo
território,poderiaconstituirumahordadenômades,nunca,porém,
umacomunidadeestatal.
Observa-sequeadoutrinademaispesoseinclinaparaa
consideraçãodoterritóriocomoelementoessencialaoconceitode
Estado,adespeitodastesescontráriaspropugnadasporKelsen,
HeinricheSmend,tidasjáporinválidas.
Asprincipaisteoriasqueintentamdeterminaranaturezajurídica
doterritóriosão:aTeoriadoTerritório-Patrimônio,aTeoriado
Território-Objeto,aTeoriadoTerritório-EspaçoeaTeoriadoTerritório-
Competência.
9.1Ateoriadoterritório-patrimônio
Temosaquiateoriamaisantiga,degrandevoganaIdadeMédia,
quandonãosedistinguianitidamenteodireitopúblicododireito
privadoeseexplicavaanoçãodoterritórioatravésdodireitodascoisas,
confundindo-seoterritóriocomapropriedadeoucomoutrosdireitos
reais.
Chegouessateoriapatrimonialatéaostemposmodernose
derivouprecisamentedaconcepçãoquesetinhadoterritóriocomo
propriedadedossenhoresfeudaisedaconcepçãodeseushabitantes
comocoisas,servoshereditáriosdagleba,acessóriosdaterraedosolo.
AIdadeMédianãoseparavaasnoçõesdistintasdeimperiumede
dominium,antesaspunhanumsótitular,napessoadosenhorfeudal.
Adistinçãotodaviaéantiga.Sênecajáaconhecera,segundoo
apotegmacélebredeGrotius:Adreges“potestas”omniumpertinet,ad
singulos“proprietas”.10
Cumpreportantodestacar,consoanteassinalaBluntschli,no
direitodesoberaniadoEstadosobreoterritório,oimperium,como
soberaniaterritorial,dodominium,comopropriedadedoEstado.Temo
domínio,segundoesseautor,teorjusprivatista,aindaquesejaoEstado
osujeitojurídico,aopassoqueoimperiumconservacaráter
essencialmentepolíticoeporsuanaturezasópodecompetirao
Estado.11
Ateoriamedievadoterritório-patrimônioignoravaoimperiumeo
dominiumcomoconceitosessencialmentedesconformes,deefeitos
jurídicosdotadosdeeventualcoincidênciaempontosisolados,mas
provindodefontesquetodaviarestaminequivocamenteautônomas.12
NaquelaconcepçãoeraopoderdoEstadosobreoterritórioda
mesmanaturezadodireitodoproprietáriosobreoimóvel.Daíos
pactos,asconcessões,oslitígiossucessóriosemmatériaterritorial,que
avultamdurantetodaaIdadeMédiacomoperíododeconfusãoentreo
direitopúblicoeodireitoprivado.
AtéocomeçodoséculoXIX—notaHelfritz—nãoseperguntava
“aqueEstadopertencestu”,senãoqueseinquiria“dequemés
súdito?”,domesmomodoquehouve,segundoBluntschli,considerável
progressodopensamentopolíticoenãosinaldebarbaria,conforme
pretendeuojurista-filósofoalemãoStahl,quandoosfranceses,reagindo
contraaconcepçãodaFrançacomopatrimoniumregis,mudaramno
calordaRevolução,otítulodosreisfrancesesdeReideFrançaparao
deReidosFranceses.13
Emsuma,ateoriamedievadecunhopatrimonialtomaoterritório
porobjetodapropriedadeeminentedossenhoresfeudaise,depois,
comopropriedadedoEstado,comunicandosuainfluênciaaodireito
públicoalemãoatéaoséculoXIX,quandonovateoriaseforma,que
representajáparaaépocaalgumprogressonodireitopolítico:ateoria
doterritório-objeto.Estatodavia,consoanteveremos,jamaislogrou
desatar-sedetododosresquíciosesobrevivênciasdateoriapatrimonial.
9.2Ateoriadoterritório-objeto
Deparamo-nosaseguircomateoriadosjuristasquevislumbram
noterritóriooobjetodeumdireitodascoisaspúblicooudeumdireito
realdecaráterpúblico.Segundoosadeptosdessacorrenteodireitodo
Estadosobreoseuterritórioédireitoespecial,eminente,soberano.
Toma-seoterritóriocomocoisa—nãodopontodevistadodireito
privado,qualsefazianaantigaconcepçãopuramentepatrimonial—
masdopontodevistadodireitopúblico.Fala-sedeumdireitodo
Estadosobreoterritórioeporesteseentendemprincipalmenteas
terras,numanoçãodeevidenteestreiteza.
Éoterritóriopostonasuaexterioridade,sobretudonasua
acepçãocorporal,comocoisa,comoobjetofrenteaoEstado,queseriao
titular,apessoadoqualaqueleestavadesmembrado,masacuja
vontadeficavasujeito.OterritórioestariaassimparaoEstadodo
mesmomodoqueacoisaparaoproprietário,easoberaniaterritorial
serianodireitopúblicoaquiloquenodireitociviléodireitode
propriedade.14
Todaessaconcepçãodoterritório-objetosignificaotrasladopara
odireitopúblico,poranalogia,deumanoçãopuramentejusprivatista,a
saber,adedominium,opodersobrecoisas,sobrealgoqueépróprio,
queépertinenteaalguém,queenvolveexclusividade,aocontrárioda
deimperium—podersobrepessoas.
Napropriedade,ficaacoisasubstancialmentesubmetidaà
vontadedoproprietário,quesobreelaseexerceatravésdetrês
momentosessenciais:a)pelaexclusãodosdemaisaogozodacoisa;b)
pelaadmissãodotitularaessegozodacoisa;ec)pelasegurançade
queafruiçãodacoisanãoseráturbadaporterceiros.
Acolhidaateoriadoterritório-objeto,teríamostodasaquelas
implicaçõesqueforamlucidamenteexpostasporFrickernasuacrítica
àposiçãoteóricaassumidaporLaband,bemfáceisaliásderesumir.
ConsiderandocoisaoterritóriodoEstado,asoberaniaterritorial
sedecompõeemduaspartes:umanegativa,outrapositiva.Aparte
positivaencerraacompetênciadoEstadodeempregarasterrasouo
territórioparaatenderafinsestatais.Apartenegativa,também
chamadafacedodireitointernacionaldasoberaniaestatal,importana
exclusãodopoderdequalqueroutroEstadosobreomesmoterritório.
DopontodevistadoDireitoInternacional—asseveraLaband—
trata-senaverdadeoterritóriodeumEstadocomrespeitoaoutros
Estadosdemodointeiramenteequivalenteàpropriedadenasrelações
dedireitoprivado.SenasrelaçõesdosEstadosentresiasoberania
territorial,segundoLaband,temcaráterdedireitodascoisas
publicístico,aconseqüênciaquedaídecorrenecessariamenteéquena
relaçãodedireitopúblicoomesmotambémseobserva,istoé,cada
Estadotemsobreseuterritórioumdireitodesoberania.Essepoder
jurídicoexclusivodoEstadosobreseuterritóriovemaserprecisamente
abasedaqueletratamentodoterritóriodoEstadopeloDireito
Internacional.Tudoocorre,concluiaquelejurista,comonaesferado
direitoprivado,relativamenteàpropriedade,aqualsignificaumpoder
jurídicoreconhecidosobredeterminadacoisaeconseqüentementeum
jusexcludendialios.15
Adoutrinadoterritório-objeto,queempresta,conformevimos,
caráterdedireitodascoisasàsrelaçõesdoEstadocomseuterritório,
foilargamenteprofessadanaAlemanha,comalgumasmodificações,por
Gerber,Laband,vonSeydel,Bornhak,UllmanneHeilborn.
Combateram-natenazmenteRadnitzky,HaeneleZorn,atéficar
ultrapassadacomoensaiomonumentalepolêmicodeCarlVictor
Fricker,intituladoTerritórioeSoberaniaTerritorial(1901).
Fezessadoutrinaadeptosentreautoreslatinoseconta
inumeráveisparciaisentreosinternacionalistasnão-alemães,conforme
salientouJellinek,osquaisseabraçamarudimentosdaantigateoria
patrimonialparaexplicarcertosaspectosdodireitointernacional,como
separaçãoeperdadeterritórios,anexações,servidões,ocupação,etc.16
9.3Ateoriadoterritório-espaço
DasobjeçõessuscitadasporFrickeràteoriadoterritórioobjeto
resultouaplainadooterrenoparaoadventodateoriamaisemvogana
modernaciênciajurídica,queéinquestionavelmenteateoriado
território-espaço.
Comefeito,em1901,vinhaalumenaAlemanha,deautoria
daquelepublicistadeLeipzig,doisensaiosquesetornaramclássicosna
literaturapolíticadesteséculo,intituladosrespectivamenteTerritórioe
SoberaniaTerritorialeDoTerritóriodoEstado(esteúltimoescritoem
1868,masestampadopelaprimeiravezaqueleano),nosquaisFricker,
superandodefinitivamenteadoutrinadeGerbereLaband,mostrava
queasoberanianãosepodiaexercersobrecoisas,massobrepessoas,e
que“oterritórionãoexprimeumprolongamentodoEstado,senãoum
momentoemsuaessência”.17
Segundoessadoutrina,logoabraçadaporG.Meyer,Jellinek,
Anschuetz,OttoMayer,Stammlereoutrosclássicosdaliteratura
jurídicaalemã,oterritóriodoEstadonadamaissignificaque“a
extensãoespacialdasoberaniadoEstado”.Consoanteateoriade
FrickerarelaçãodoEstadocomoterritóriodeixadeserumarelação
jurídica,vistoquenãosendooterritórioobjetodoEstadocomosujeito,
nãopodehavernenhumdireitodoEstadosobreseuterritório.Aessa
conclusãodeFricker,acrescentava-seoutradequeopoderdoEstado
nãoépodersobreoterritório,maspodernoterritóriocqualquer
modificaçãodoterritóriodoEstadoimplicaamodificaçãomesmado
Estado.18
Zitelmann,vindodepoisdeFricker,cunhouaquelaexpressão
doravanteconsagrada,segundoaqualoterritórioé“opalcoda
soberaniaestatal”,oâmbitoespacialonde,aoladodaaçãosoberana,se
desenrolamtambémasatividadeseconômicas,sociaiseculturaisdo
Estado.19
AdoutrinaalemãdoséculoXXquasetodaseinclinaparaa
concepçãodoterritório-espaço,quenaterminologiadeseusautores
conhecediversasdesignações,semqueestastodaviaimpliquem
variaçõesconsideráveisdefundo.Asfórmulasempregadas,conforme
assinalaMarceldelaBignedeVilleneuve,compreendemnessanova
direçãooterritório,oraporlimitematerialàaçãoefetivadoEstado,ora
porsubstratodacoletividadeestatal,jácomozonageográficaqueserve
paradesignarecircunscreverapopulação,jácomoaquelaparteda
superfíciedoglobosobreaqualsóoEstadotemodireitodeorganizare
pôremfuncionamentoosdiversosserviçospúblicos,ouentãocomo
palcodopoderpúblico,ouaindacomoperímetronoqualexerceo
Estadoodireitodecomandarpessoas.20
Adoutrinadoterritório-espaço,quederrogaavelhaconcepçãode
direitorealdeGerbereLaband,tampoucoseembaraçacomosóbices
quepoderiamderivardarelaçãoentreoordenamentoestataleo
territórionafiguradoestadofederal,nemsequercomosdireitosreais
quepossuioEstadosobrecertaspartesdeseuterritório.
ComoaautoridadedoEstadocomrespeitoaoterritórioédeteor
pessoal,nãohavendoaquiquefalardedominium,podersobrecoisas,
senãodeimperium,podersobrepessoas,opoderdoEstadodeobrigar
aspessoasnoterritóriosefazdemaneiraexclusiva,sesetratade
Estadosoberanoeunitário;ou,nahipótesefederativa,deEstado
composto,emcolaboraçãocomoEstadosoberano,aoqualseacha
sujeitooEstado-membro,conformeadverteJellinek.21
OpoderqueoEstadoexercesobreoterritório,quandoimpõe
limitaçõesaosindivíduoscomrespeitoaodireitodepropriedadedosolo,
quandoexpropria,ouquandoinstituiservidõesdeutilidadepública,
nãoseelevajamaisàcategoriadeumdireitocomexistênciaautônoma,
umdireitosobreosolo,umdireitoreal,massecinge,segundoa
doutrinaespacial,aumpoderqueinvariavelmenteserefereapessoas
ouseaplicaporintermédiodepessoascomoimperium,nuncacomo
dominium,sendonopensamentodaquelejuristaalemãoarelaçãoentre
oEstadoeoterritório,emqualquerhipótese,relaçãodedireitopessoal,
jamaisrelaçãodedireitoreal.
Conseqüênciaclaraquesedepreendeademaisdessamoderna
teoriagermânicaéadequeoterritório,aocontráriodoquesustenta
ponderávelcorrentedejuristasfranceses,aindacontemporaneamente
filiadosnaantigadoutrinadeGerbereLaband(emprestam-lhetodavia
coloraçãoinstitucionalefalamperantearelaçãoEstadoeterritóriode
umdireitopúblicorealinstitucional),longedeserapenasaquela
condiçãodeexistênciadoEstadoaquesereportaCarrédeMalberg,é
efetivamenteelementoessencial,constitutivodoEstado,partedeseu
seredesuapessoa,estandoparaele,sesepermiteacomparação
antropomórfica,assimcomoocorpoestáparaohomem.Demodoque
todaofensaaoterritórioéofensaaopróprioEstado,comoficouclaro
nasliçõesdeFrickereJellinekaesserespeito.Vãotãolongeesses
juristasemfazerdoEstadoumcompostodehomenseterritório,ouem
pôroterritóriocomoparteconstitutivadapersonalidademesmado
Estado,queemalgunstratadistasapareceaquelateoriacoma
designaçãodeteoriadoterritório-sujeitoemcontraposiçãoàantiga
teoriadoterritório-objeto.
ApesardequeJellinekhajareputadoarelaçãojurídicaentreo
Estadoeoterritórionostermosdanovadoutrinacomodasmais
preciosasconquistasdodireitopúblico,nãofaltaramdoladofrancêse
dacorrentedosinternacionalistaspesadasobjeçõesàteoriado
território-espaço,território-limiteouterritório-direitopessoaldoEstado.
DáVilleneuvealembrar,entreoutras,asseguintes,demaispeso:
comoexplicarodireitodoEstadodepraticarcertosatos,algunsatéde
sumaimportância,foradeseuterritóriopropriamentedito,taispor
exemploosqueocorrememalto-mar,emnaviosnacionaisouno
estrangeiro,medianteconvençõescomoutrosEstados?
Comojustificaropoderdepolíciaouaaçãodostribunais
instaladosnoterritóriodepotênciaestrangeira,qualseverificavano
casodospaísesdecapitulação?
ComoadmitircomoutroEstadoaformaçãodeumcondominium
sobredeterminadaextensãoterritorial,àmaneira—hajavista—do
quesepassounoSudãoAnglo-Egípcio?
Comoaclararacoexistênciadopoderespiritualcomopoder
temporalnamesmaárea?
ComoaceitarascessõesterritoriaisfreqüentesentreEstados,
apósasguerrasoupormaisrazõeseventuais?
ComoconciliaraautoridadedoEstadofederalcoexistindocoma
dosEstadosfederadosnomesmoperímetro?22Resumidamente,são
estesosprincipaispontosqueacríticalevantouparainvalidara
doutrinaqueseestendedesdeFrickeraJellinekcomopropósitode
caracterizaraumanovaluzarelaçãoentreoEstadoeoterritório.
9.4Ateoriadoterritório-competência
Ateoriadoterritório-espaçoacaboupordesembocarnateoriado
território-competência,obradosjuristasaustríacosdachamadaEscola
deViena,quepassaramavernoterritóriosimplesmenteumelemento
determinantedavalidezdanorma,sobretudoummeiodelocalizaçãoda
validezdaregrajurídica.
Ateoriadoterritório-competência,ardentementepatrocinadapor
Kelsen,chamalogoaatençãodoestudioso,comoadverteGiese,por
admitirdemodoespecialumconceitojurídicodecompetênciaedemodo
geralumconceitodevalidadedodireito.23
Toda
a
porfia
doutrinária
do
grupo
vienense,
como
ponderadamenteassinalaaqueleautor,temporprincipalescopo
arredardocampoteóricoa“primitiva”concepçãocientífica,geográficae
naturalistadoterritório,tomando,emcontrapartida,asoberania
territorialpordadoprimárioeoterritóriopropriamenteditopordado
secundário.
Essateoriasedesdobraemduasacepçõesdeterritório.A
primeira,maisrestrita,fazdoterritórioaesferadecompetêncialocal,a
“diocesedopoderestatal”,segundoalinguagemdeRadnitzky.A
segundaencaraoterritóriodemaneirasignificativamenteampla,nos
termosanálogosdateoriadoterritório-espaço,asaber,comoâmbitoda
validezdaordemestatal,comodelimitaçãoespacialdavalidezdas
normasjurídicas.24
QuandoGiesecotejaasduasteorias—ateoriadoespaçoea
teoriadacompetência—chegaeleàplausívelconclusãodequeambas
seaproximam,dequenãoéintransponívelofossoqueassepara,poisa
únicadistinçãoessencialrepousanaimportânciaporventuraatribuída
aoterritórioeàsoberaniaterritorial.Nateoriadoterritório-espaçoa
importânciafundamentalpertenceaoterritório,aopassoquenateoria
doterritório-competênciaédecapitalrelevânciaasoberania
territorial.25
1.FerruccioPergolesi,DirittoCostituzionale,15ªed.,v.1,p.94.
2.PietroVirga,DirittoCostituzionale,6ªed.,p.57.
3.GerhardAnschuetz,“DeutschesStaatsrecht”,in:Holtzendorff&Kohler(ed.)
EnzyklopaediederRechtswissenschaftimsystematischerBearbeitung,v.4,p.7.
4.RiccardoMonaco&GiorgioCansacchi,LoStatoeilsuoOrdinamentoGiurídico,7ª
ed.,p.125.
5.E.Crosa,DirittoCostituzionale,4ªed.,p.174,apudPergolesi,ob.cit.,p.101.
6.OresteRanelletti,IstituzionidiDirittoPubblico.13ªed.,p.28.
7.HowardJ.Taubenfeld,“L’EspaceExtra-Atmosphérique:EvolucionduDroit
International”,RevuedelaCommissionInternationaledeJuristes,(4):39,1969.
8.ErichHuber,RechtundWeltraum,v.77,caderno1.
9.F.Pergolesi,ob.cit.,p.105.Dentreosprimeirostrabalhosdeanáliseaonovo
direitoemlínguaportuguesasãoderessaltarosdeautoriadoprofessorHaroldo
Valladão.Veja-setambémoensaiodesistematizaçãocontidonamonografia
precursoradeC.A.DunscheedeAbranches,EspaçoExterioreResponsabilidade
Internacional.
10.HugoGrotius,DeJureBelliacPacis,II,3,§4.
11.J.C.Bluntschli,AllgemeineStaatslehre,p.280.
12.Poezl,In:BluntschliBrater(ed.),DeutschesStaats-Woerterbuch,v.9,p.723.
13.HansHelfritz,AllgemeineStaatsrecht,5ªed.rev.eaum.,p.108.eBluntschli,
AllgemeineStaatslehre,6ªed.,p.283.
14.VonSeydel,BayerischesStaatsrecht,2ªed.,v.I,p.334.
15.Laband,apudFricker,GebietundGebietshoheit,p.15.
16.Jellinek,G.AllgemeineStaatslehre,pp.405-406.
17.Fricker,“VomStaatsgebiet”,in:GebietundGebietshoheit,p.107.
18.Idem,ibidem,pp.111-112.
19.F.Giese,“DasStaatsgebiet”,in:Anschuetz&Thoma(ed.)Handbuchdes
DeutschenStaatsrechts,1ªed.,1930,p.225.
20.MarceldelaBigneDeVilleneuve,TraitéGénéraldel’État,p.245.
21.G.Jellinek,apudM.delaBigneDeVilleneuve,ob.cit.,p.245.
22.M.delaBigneDeVilleneuve,ob.cit.,pp.245-247.
23.Giese,ob.cit.,p.226.
24.Idem,ibidem,p.226.
25.Idem,ibidem,p.226.
Marterritorial:pelaLein.8.617,de4.1.93,aságuasexternasbrasileiras
compreendemtrêsfaixasdistintas:a)omarterritorial,queéafaixade12milhas
marítimasmedidasapartirdalinhadebaixa-mardolitoralcontinentaleinsular
brasileiro(art.1º);b)azonacontígua,compreendendoumafaixaquevaidas12às24
milhasmarítimas,“apartirdaslinhasdebasequeservemparamediralargurado
marterritorial”(art.4º);ec)azonaeconômicaexclusiva,queéafaixaqueseestende
das12milhasdomarterritorialaté200milhas.
Nomarterritorial,aindasegundoaLein.8.617,arts.2°.e3º,inclusiveemseuleito,
subsoloeespaçoaéreo,oBrasilexercesuasoberania,admitidaa“passageminocente”
denaviosdequalquernacionalidade—oquesedefinecomoapassagem“contínuae
rápida”,alémde“nãoprejudicialàpaz,àboaordemouàsegurança”doPaís.
NazonacontíguaoBrasilexercefiscalizaçãoparaevitarinfraçõesàsleiseaos
regulamentosaduaneiros,fiscais,deimigraçãoousanitários,podendomesmo
reprimirquaisquerdessasinfrações,noseuterritórioounoseumarterritorial.
NazonaeconômicaexclusivaoBrasilexerce“direitosdesoberaniaparafinsde
exploraçãoeaproveitamento,conservaçãoegestãoderecursosnaturais,vivosounão
vivos,daságuassobrejacentesaoleitodomar,doleitodomareseusubsolo”(art.6°).
Osarts.8°a10dessaLeiestabelecemnormassobreproteção,investigaçãoe
preservaçãodomeiomarinho,construçãoeoperaçãodeinstalaçõeseilhasartificiais,
exercíciosemanobrasmilitares,navegaçãoesobrevôodessazonadomar.
7
OPODERDOESTADO
1.Doconceitodepoder—2.Imperatividadeenaturezaintegrativa
dopoderestatal—3.Acapacidadedeauto-organização—4.A
unidadeeindivisibilidadedopoder—5.0princípiodelegalidadee
legitimidade—6.Asoberania.
1.DoconceitodepoderElementoessencialconstitutivodoEstado,opoderrepresenta
sumariamenteaquelaenergiabásicaqueanimaaexistênciadeuma
comunidadehumananumdeterminadoterritório,conservando-aunida,
coesaesolidária.
Autoresháquepreferemdefini-locomo“afaculdadedetomar
decisõesemnomedacoletividade”(AfonsoArinos).
Comopoderseentrelaçamaforçaeacompetência,compreendida
estaúltimacomoalegitimidadeoriundadoconsentimento.Seopoder
repousaunicamentenaforça,eaSociedade,ondeeleseexerce,
exteriorizaemprimeirolugaroaspectocoercitivocomanotada
dominaçãomaterialeoempregofreqüentedemeiosviolentospara
imporaobediência,essepoder,nãoimportasuaaparentesolidezou
estabilidade,serásempreumpoderdefato.
Se,todavia,buscaopodersuabasedeapoiomenosnaforçado
quenacompetência,menosnacoerçãodoquenoconsentimentodos
governados,converter-se-áentãonumpoderdedireito.OEstado
modernoresumebasicamenteoprocessodedespersonalizaçãodo
poder,asaber,apassagemdeumpoderdepessoaaumpoderde
instituições,depoderimpostopelaforçaaumpoderfundadona
aprovaçãodogrupo,deumpoderdefatoaumpoderdedireito.
Novocabuláriopolíticoocorrecomfreqüênciaoemprego
indistintodaspalavrasforça,podereautoridade.Exigênciasdeclareza
porémrecomendamacorreçãodosabusosaquiperpetrados.Anosso
ver,aforçaexprimeacapacidadematerialdecomandarinternae
externamente;opodersignificaaorganizaçãooudisciplinajurídicada
forçaeaautoridadeenfimtraduzopoderquandoeleseexplicapelo
consentimento,tácitoouexpresso,dosgovernados(quantomais
consentimentomaislegitimidadeequantomaislegitimidademais
autoridade).Opodercomautoridadeéopoderemtodasuaplenitude,
aptoadarsoluçõesaosproblemassociais.Quantomenoracontestação
equantomaiorabasedeconsentimentoeadesãodogrupo,mais
estávelseapresentaráoordenamentoestatal,unindoaforçaaopodere
opoderàautoridade.Ondeporémoconsentimentosocialforfraco,a
autoridaderefletiráessafraqueza;ondeforforte,aautoridadeseachará
robustecida.
ComrespeitoaopoderdoEstado,urgeconsiderá-loatravésdos
traçosquelheemprestamafisionomiacostumeira,algunsdosquais
comportamintermináveisdebatesrelativosaoseucarátercontingente
ouabsoluto.
Essestraçossão:aimperatividadeenaturezaintegrativadopoder
estatal,acapacidadedeauto-organização,aunidadeeindivisibilidade
dopoder,oprincípiodelegalidadeelegitimidadeeasoberania.
2.ImperatividadeenaturezaintegrativadopoderestatalASociedade,termogenérico,abrangeformasespecíficasde
organizaçãosocial,cujadistinçãosefazpelosobjetivos,pelaextensãoe
pelograudeintensidadedoslaçosqueprendemosindivíduosaos
diversostiposdeassociaçãoconhecidos,quevãodesdeassociedades
religiosasatéaquelasdecunhomeramenterecreativo.
OEstado,postoquesejaumaformadesociedade,nãoéaúnica,
nemamaisvasta,conformelembraDelVecchio,poiscoexistecom
outrasquelhesãoanterioresnoplanohistórico,comoaFamília,ouo
ultrapassamnadimensãogeográficaenosquadrosdeparticipação,
comosóiacontecercomalgumasconfissõesreligiosas:ocristianismo,
porexemplo,noqualsefiliampovosdeváriosEstados.
QuetraçoessencialrestaassimparasepararoEstado,como
organizaçãodopoder,dasdemaissociedadesqueexercemtambém
influênciaeaçãosobreocomportamentodeseusmembros?
Inquestionavelmente,essetraçofundamentalsecifranocaráter
inabdicável,obrigatórioounecessáriodaparticipaçãodetodoindivíduo
numasociedadeestatal.NascemosnoEstadoeaomenos
contemporaneamenteéinconcebívelavidaforadoEstado.
Aopassoqueasdemaisassociaçõessãodeparticipação
voluntária,conservandosemprelivreaosseusmembrosaportade
entradaesaída,oEstado,quepossuiomonopóliodacoação
organizada
e
incondicionada,
não
somente
emite
regras
de
comportamentosenãoquedispõedosmeiosmateriaisimprescindíveis
comqueimporaobservânciadosprincípiosporventuraestatuídosde
condutasocial.
AtuaoEstadoporconseguintenaambiênciacoletiva,quando
necessário,comamáximaimperatividadeefirmeza,formandoaquele
vastocírculodesegurançaeaçãonoqualsemovemoutroscírculos
menoresdeledependentesouaeleacomodados,quesãoosgrupose
indivíduos,cujaexistênciaganhaalicertezaepersonificaçãojurídica.
Examinadaatentamenteanaturezadopoderestatal,verifica-se
quetodoEstado,comunidadeterritorial,implicaumadiferenciação
entregovernantesegovernados,entrehomensquemandamehomens
queobedecem,entreosquedetêmopodereosqueaelesesujeitam.
Aminoriadosqueimpõemàmaioriaasuavontadepor
persuasão,consentimentoouimposiçãomaterialformaogovernoque,
tendoaprerrogativaexclusivadoempregodaforça,exerceopoder
estatalatravésdeleisqueobrigam,nãoporquesejam“boas,justasou
sábias”,massimplesmenteporquesãoleis,pautasdeconvivência,
imperativosdeconduta.Dispõeaautoridadegovernativadacapacidade
unilateraldeditaràmassadosgovernados,senecessáriopela
compulsão,ocumprimentoirresistíveldesuasordens,preceitose
determinaçõesdecomportamentosocial.
AopoderdoEstadoaderemcertostraçosouqualidades
fundamentais.
Oprimeiroéanaturezaintegrativaouassociativadopoder
estatal,jáempartecompreendidanasconsideraçõesantecedentese
quefazqueoportadordopoderdoEstado,dopontodevistajurídico,
nãosejaumapessoafísicanemváriaspessoasfísicas,massempree
indispensavelmenteapessoajurídica,oEstado.1
3.Acapacidadedeauto-organização
Osegundotraçoessencialquederivadaexistênciadopoder
estataléasuacapacidadedeauto-organização.Ocaráterestatalde
umaorganizaçãosocialdecorreprecisamentedacircunstânciade
procederdeumdireitopróprio,deumafaculdadeautodeterminativa,de
umaautonomiaconstitucionalopoderqueessaorganizaçãoexerce
sobreosseuscomponentes.
HáEstadodesdequeopodersocialestejaemcondiçõesde
elaboraroumodificarpordireitopróprioeoriginárioumaordem
constitucional.Poucomontaqueprescriçõesjurídicasvenham
embaraçaroucircunscreveraextensãodessacapacidadeoutirar-lheo
princípiodeexclusividadecomoaconteceporexemplonocasodas
organizaçõesfederativas.
Existindoinstrumentoautônomodepoderfinanceiro,policiale
militarcomcapacidadeorganizadoraeregulativaaíexistiráoEstado.2
4.AunidadeeindivisibilidadedopoderAindivisibilidadedopoderconfiguraoutranotacaracterísticado
poderestatal.Significaquesomentepodehaverumúnicotitulardesse
poder,queserásempreoEstadocomopessoajurídicaouaquelepoder
socialqueemúltimainstânciaseexprime,segundoqueremalguns
publicistas,pelavontadedomonarca,daclasseoudopovo.
OprincípiodeunidadeouindivisibilidadedopoderdoEstado
resultahistoricamentedasuperaçãododualismomedievoquerepartia
opoderentreopríncipeeascorporações,dotadasestasporvezesde
umpoderdepolíciaejurisdição,quebemexprimiaaconcepção
jusprivatistaepatrimonialimperantenasociedadeocidentalatéo
séculoXVI.
Comanoçãodeunidadeeindivisibilidadedopoder,aufereo
Estadomodernoumdeseuspostuladosessenciaisque,desprendendoo
poderdoEstadodopoderpessoaldogovernante,permitecompreender
acomunidaderegidaforadasconcepçõescivilistasdodireitode
propriedade,dominantesnoperíodomedievo.
Cumpredistinguiratitularidadedopoderestataldoexercício
dessemesmopoder,conformeadverteKuechenhoff.Titularesdopoder
sãoaquelaspessoascujavontadesetomacomovontadeestatal.
Essavontade,expressandoopoderdoEstado,semanifesta
atravésdeórgãosestatais,quedeterminamemseusatosedecisõeso
carátereosfinsdoordenamentopolítico.Dáocitadoautoralemãoa
esserespeitoclaroepersuasivoexemplocomoquesepassanoEstado
democráticocontemporâneo.Atitularidadedopoderestatalpertence
aquiaopovo;oseuexercício,porém,aosórgãosatravésdosquaiso
poderseconcretiza,quaissejamocorpoeleitoral,oParlamento,o
Ministério,ochefedeEstado,etc.3
Adistinçãoacimaenunciadafacultacompreenderacontradição
aparentequeresultariadopostuladoessencialdaunidadedopoder
contrapostoaoprincípiodachamadaseparaçãodepoderesconsagrado
pelateoriaconstitucionaleelaboradoporMontesquieuemDoEspírito
dasLeis(1748).
OpoderdoEstadonapessoadeseutitularéindivisível:adivisão
sósefazquantoaoexercíciodopoder,quantoàsformasbásicasde
atividadeestatal.
Distribuem-seatravésdetrêstiposfundamentaisparaefeito
dessemesmoexercícioasmúltiplasfunçõesdoEstadouno:afunção
legislativa,afunçãojudiciáriaeafunçãoexecutiva,quesãocometidas
aórgãosoupessoasdistintas,comopropósitodeevitaraconcentração
deseuexercícionumaúnicapessoa.
Nãomenosfalazvemaserapretendidaquebradoaxiomada
unidadedopoderdoEstadoemfacedaexistênciadoEstadofederal.A
UniãoeosEstados-membrosnãocompõemsubjetivamenteduas
vontadesdistintas,portadorasdopoderestatal,oqualseconserva
referidoaumasópessoa,aumúnicotitular.
Houvetão-somentedivisãodoobjeto,dastarefas,dostrabalhose
assuntospertinentesàaçãodoEstado,emsuma,naboalinguagem
jurídica,divisãodecompetênciaenãodopoderdoEstadopropriamente
dito.
5.OprincipiodelegalidadeelegitimidadeAutoresháquefazemdalegalidadeelegitimidadecondições
essenciaisdopoderdoEstadotantoquantodacapacidade
constitucionaledaindivisibilidadedessemesmopoder.
Outrosporémtrilhandoviaoposta,entendemqueanoçãode
legalidadeelegitimidadenãopertenceàcaracterizaçãodopoder,nem
constituisequertraçodopoderestatal.
6.ASoberaniaAsoberania,queexprimeomaisaltopoderdoEstado,a
qualidadedepodersupremo(supremapotestas),apresentaduasfaces
distintas:ainternaeaexterna.
AsoberaniainternasignificaoimperiumqueoEstadotemsobreo
territórioeapopulação,bemcomoasuperioridadedopoderpolítico
frenteaosdemaispoderessociais,quelheficamsujeitos,deforma
mediataouimediata.
Asoberaniaexternaéamanifestaçãoindependentedopoderdo
EstadoperanteoutrosEstados.
1.FriedrichGiese,AllgemeinesStaatsrecht,p.20.
2.G.Jellinek,AllgemeineStaatslehre,3ªed.,pp.427-504.
3.GuenthereErichKuechenhoff,AllgemeineStaatslehre,pp.42-43.
8
LEGALIDADEELEGITIMIDADE
DOPODERPOLÍTICO
1.Oprincípiodalegalidade—2.Oprincípiodalegitimidade—3.
Comoseformouoprincípioeaespéciedelegitimidadequeesse
princípioprocurouestabelecer—4.Acrisehistóricadalegalidadee
legitimidadedopoder—5.Aconsideraçãofilosóficadoproblema
dalegitimidade—6.Osfundamentossociológicosdalegitimidade:
6.1Alegitimidadecomorepresentaçãodeumateoriadominantedo
poder—6.2Astrêsformasbásicasdemanifestaçãoda
legitimidade:acarismática,atradicionalealegalouracional—7.
Oaspectojurídicodalegitimidade—8.Alegitimidadenoexercício
dopoder—9.Alegalidadeealegitimidadedopodercomotemas
daCiênciaPolítica.
1.Oprincípiodalegalidade
Alegalidadenossistemaspolíticosexprimebasicamentea
observânciadasleis,istoé,oprocedimentodaautoridadeem
consonânciaestritacomodireitoestabelecido.Ouemoutraspalavras
traduzanoçãodequetodopoderestataldeveráatuarsemprede
conformidadecomasregrasjurídicasvigentes.Emsuma,a
acomodaçãodopoderqueseexerceaodireitoqueoregula.
Cumprepoisdiscernirnotermolegalidadeaquiloqueexprime
inteiraconformidadecomaordemjurídicavigente.
Nessaacepçãoampla,ofuncionamentodoregimeeaautoridade
investidanosgovernantesdevemreger-sesegundoaslinhas-mestras
traçadaspelaConstituição,cujospreceitossãoabasesobreaqual
assentatantooexercíciodopodercomoacompetênciadosórgãos
estatais.
Alegalidadesupõeporconseguinteolivreedesembaraçado
mecanismodasinstituiçõesedosatosdaautoridade,movendo-seem
consonânciacomospreceitosjurídicosvigentesourespeitando
rigorosamenteahierarquiadasnormas,quevãodosregulamentos,
decretoseleisordináriasatéaleimáximaesuperior,queéa
Constituição.
Opoderlegalrepresentaporconseqüênciaopoderemharmonia
comosprincípiosjurídicos,queservemdeesteioàordemestatal.O
conceitodelegalidadesesituaassimnumdomínioexclusivamente
formal,técnicoejurídico.
2.Oprincípiodalegitimidade
Jáalegitimidadetemexigênciasmaisdelicadas,vistoquelevanta
oproblemadefundo,questionandoacercadajustificaçãoedosvalores
dopoderlegal.Alegitimidadeéalegalidadeacrescidadesuavaloração.
Éocritérioquesebuscamenosparacompreendereaplicardoque
paraaceitarounegaraadequaçãodopoderàssituaçõesdavidasocial
queeleéchamadoadisciplinar.
Noconceitodelegitimidadeentramascrençasdedeterminada
época,quepresidemàmanifestaçãodoconsentimentoedaobediência.
Alegalidadedeumregimedemocrático,porexemplo,éoseu
enquadramentonosmoldesdeumaconstituiçãoobservadaepraticada;
sualegitimidadeserásempreopodercontidonaquelaconstituição,
exercendo-sedeconformidadecomascrenças,osvaloreseos
princípiosdaideologiadominante,nocasoaideologiademocrática.
3.Comoseformouoprincípiodalegalidadeeaespéciede
legitimidadequeesseprincípioprocurouestabelecer
Oprincípiodelegalidadenasceudoanseiodeestabelecerna
sociedadehumanaregraspermanenteseválidas,quefossemobrasda
razão,epudessemabrigarosindivíduosdeumacondutaarbitráriae
imprevisíveldapartedosgovernantes.Tinha-seemvistaalcançarum
estadogeraldeconfiançaecertezanaaçãodostitularesdopoder,
evitando-seassimadúvida,aintranqüilidade,adesconfiançaea
suspeição,tãousuaisondeopoderéabsoluto,ondeogovernoseacha
dotadodeumavontadepessoalsoberanaousereputalegibussolutuse
onde,enfim,asregrasdeconvivêncianãoforampreviamente
elaboradasnemreconhecidas.
Alegalidade,compreendidapoiscomoacertezaquetêmos
governadosdequealeiosprotegeoudequenenhummalportantolhes
poderáadvirdocomportamentodosgovernantes,seráentãosobesse
aspecto,comoqueriaMontesquieu,sinônimodeliberdade.
Autoresqueescreveramduranteoancienregime,emFrança,
tiveramaintuiçãodesseprincípio.HajavistaFeneloncomrespeitoao
poderdorei:“Elepodetudosobreaspessoas,masasleispodemtudo
sobreele”(Ilpeuttoutsurlespeuples,maislesloispeuventtoutsurlui).
Masfoioséculoracionalistaefilosófico—oséculoXVIII—que
desenvolvendoastesesdocontratualismosocialaprofundounaFrança
ajustificaçãodoutrináriadoprincípiodalegalidade.
Suaexplicitaçãopolíticasefezporviarevolucionária,quandoa
legalidadeseconverteuemmatériaconstitucional.Assimnotextode
1791:“NãoháemFrançaautoridadesuperioràdalei;oreinãoreina
senãoemvirtudedelaeéunicamenteemnomedaleiquepoderáele
exigirobediência”(Art.32,doCapítuloIIdaConstituiçãoFrancesade
1791).
Algunsanosantes,osex-colonosdeMassachussets,emancipados
dadominaçãoinglesa,gravaramemsuaConstituição(Art.30)o
princípiodaseparaçãodepoderesafimdeque“pudessehaverum
governodeleisenãodehomens”.
Enfim,oprincípiodalegalidadeatendeaqueleidealjeffersoniano
deestabelecerumgovernodaleiemsubstituiçãodogovernodos
homensedecertomodoreproduztambémaquelamáximadeMichelet
sobre“ogovernodohomemporsimesmo”,ouseja,legouvernementde
l’hommeparluimême.
4.Acrisehistóricadalegalidadeelegitimidadedopoder
Sãoquatroosdadosquesenosafiguramaltamenteelucidativose
indispensáveisparaaconsideraçãodalegalidadeelegitimidadecomo
temasdateoriapolítica:ohistórico,ofilosófico,osociológicoeo
jurídico.
Dopontodevistahistórico,partimosdasrelaçõesentrelegalidade
elegitimidade,cujadistinçãoaantigüidaderomanaeodireitoCanônico
ignoraramporcompleto.NoCodexJurisCanonici,segundoanota
Schmitt,apalavralegitimusaparececomfreqüência,aopassoque
legalissomente
ocorreemquatrolugareseassimmesmo
invariavelmentereferidaaodireitocivil.
Acisãolegalidadeelegitimidadetornou-sepatenteao
pensamentoeuropeudesde1815,quandosefezvivoeagudo,conforme
lembraaquelejurista,oantagonismoqueaFrançamonárquicapassou
atestemunharentrealegitimidadehistóricadeumadinastia
restauradaealegalidadevigentedoCódigonapoleônico.
Liberaiseconservadores,progressistasmoderadoscomfiliação
espiritualnaRevoluçãoFrancesaerealistasrestauradores,de
obstinadaconvicçãomonárquica,serepartiamemposiçõesadversas,
sustentandoosliberaisalegalidadedamonarquiaconstitucionaleos
conservadoresorequisitodelegitimidadedamesma,comoformade
poder.
OaugedacrisesesituanadeposiçãodeCarlosXenoadventode
LuísFelipe,quandoatesedalegalidadeseimpõeàdalegitimidade,nos
termoshistóricosetradicionaisemqueestaúltimasemprefora
tomada.Osdoisconceitosdaípordianteandamrelativamente
desacompanhados.
Acorrenteracionalista,provenientedaRevoluçãoFrancesa,que
transitaradoracionalismofilosófico,abstratoejusnaturalistaparao
racionalismopositivista,empíricoerelativistaoperouumasutil
transposiçãodetermos,fazendotodaalegitimidaderepousardoravante
nalegalidadeenãocomodantesalegalidadenalegitimidade.
Alei,segundoaexpectativaconfiantedoséculo,representavao
máximopoderdaRazãoemancipadora.Osjuristasdeíndoleliberal
fazem-lheocultodoantipaternalismo,dafémaisardentenasua
capacidadedeexprimiroprincípiocivilizador,ogovernodohomempor
simesmo(legouvernementdel’hommeparluimême),comorefere
Michelet,citadoporSchmitt.
Alei,queprincipiacomoautênticadeusadascrenças
revolucionárias,acaba,segundoSchmitteBertBrecht,prostituídanos
lábiosdosgangstersamericanos,quandoessesironicamentedãoa
palavradeordemdeque“otrabalhodeveserlegal”.1Igualmente“legal”,
conformereferiremosadiante,foitambémaascensãodeHitleraopoder
naAlemanhaeaimplantaçãodaditadurasocialistanaTchecoslováquia
peloPartidoComunista.E,noentanto,aleiaxiologicamentefundarahá
poucomaisdeumséculooprestígiodeumanovaordemsocial
exageradamenteconfiantenospoderesdaRazãoabstrataelibertadora.
Comaleidoscódigosburgueses,verdadeirostalismãsjurídicos
daexaltaçãorevolucionáriade1789,forapossívelbanirdajovem
sociedadeburguesaocultoincômodoerespeitosodopassado,a
inviolabilidadedoscostumes,asoberaniadatradição,oacatamento
dogmáticodetodaaautoridade,basessobreasquaisassentavaaliáso
poderdasantigasordensprivilegiadassobaégidedasrealezas
onipotentes.
Masduascriseshistóricasdeconsideráveisproporçõesvieram
aindaabater-sesobreoprincípiodalegalidadeelegitimidade.
ComoManifestodeMarxeosdesenvolvimentosulterioresda
teorizaçãodeLênin,TrotskieLukács,alei,queforaoCoroamento
doutrináriodoracionalismoeuropeu,apareceagoradegradadaa
instrumentodasociedadedeclasses,comoasuperestruturasocialda
opressãoburguesa,comoórgãodepermanênciadosprivilégios
econômicos,nãosendobonsrevolucionários,segundooconselhode
Lênin,reproduzidoporSchmitt,aquelesquenãosouberemuniros
meiosilegaisdelutaatodasasformaslegaisdetomadadopoder.
Despreza-sealeicomofimedelaseservecomomeio.
Alegitimidadedoordenamentojurídicoburguêséatacadaa
fundonessatomadadeposiçãodospensadoresrevolucionários
marxistas,quealargamcadavezmaisohiatoseparandoalegalidadeda
legitimidade,cujarupturatemexemplosdeantecedênciahistóricana
polêmicadosliberaiscomostradicionalistasconservadoresdoséculo
XIX.
Duranteonacional-socialismoacrisechegaaomáximograude
intensidade.Aquitemosconcretizadooexemplohistóricosupremode
umacorrentedeopinião,deumaideologia,deumpartidopolítico,cujos
chefes,semquebradalegalidade,tomaramopoderàsombradoregime
estabelecidoedeleseserviramdomodoquesenosafiguramais
ominosoemtodaahistóriadogênerohumano,ecujalegitimidade,
vistaouapreciadapeloscritériosdoracionalismoimperantena
doutrinajurídicadosmovimentosliberaisepositivistasdoséculoXIX,
pareceriairrepreensível.OmesmosepassounaTchecoslováquiacoma
tomadadopoderporumarevoluçãoaparentementepacífica,deteor
parlamentar,queinstauroualianovalegalidadeproletária.
5.Aconsideraçãofilosóficadoproblemadalegitimidade
Exemploscomoaquelesqueacabamosdecitarnosconvidamde
imediatoaretomaroproblemamedianteumsegundopontodepartida:
ofilosófico.
Dopontodevistafilosófico,alegitimidaderepousanoplanodas
crençaspessoais,noterrenodasconvicçõesindividuaisdesabor
ideológico,dasvaloraçõessubjetivas,doscritériosaxiológicosvariáveis
segundoaspessoas,tomandooscontornosdeumamáximadecaráter
absoluto,deprincípioinabalável,fundadoemnoçãopuramente
metafísicaquesevenhaaelegerporbasedopoder.
Alegitimidadeassimconsideradanãorespondeaosfatos,à
ordemestabelecida,aosdadoscorrentesdavidapolíticaesocial,
segundoomecanismoemqueestessedesenrolam—oqueseriajádo
âmbitodalegalidade—masinquireacercadospreceitosfundamentais
quejustificamouinvalidamaexistênciadotítuloedoexercíciodo
poder,daregramoral,medianteaqualsehádemoveropoderdos
governantesparareceberemereceroassentimentodosgovernados.
Quandoentramosafazerreflexõesacercadasrazõesqueregema
necessidadeouinevitabilidadedopoderpolíticonasociedade,e
indagamosporqueunsobedecemeoutrosmandam,oufiguramoso
caráterdepermanênciaoutemporariedadedopoderestatalcomo
ordemcoativa,estamosnaverdadelevantandoproposiçõesdecunho
filosóficopertinentesàlegitimidadedopodernoseuaspectode
finalismosocial.
Formula-sedeterminadadoutrinaacercadofundamentodopoder
edaobediência,e,medianteocritérioperfilhadonessadoutrina,mede-
seaseguiralegitimidadedeumaordempolíticaqualquer,seuteorde
veracidadeouerro,quehádevariarconsoanteatábuadosvalores
estabelecidossubjetivamente.Busca-seentãomenosopoderqueédo
quepropriamenteopoderquedeveriaser.
6.Osfundamentossociológicosdalegitimidade
OconceitodelegitimidadeexpressoporVedei,segundooqual
“chama-seprincípiodelegitimidadeofundamentodopodernuma
determinadasociedade,aregraemvirtudedaqualsejulgaqueum
poderdeveounãoserobedecido”noslevaassimsemnenhuma
intermitênciaàcompreensãosociológicadotermo.2
Aesserespeito,valeressaltaraimportânciaquetemo
entendimentosociológicodalegitimidade,aqualimplicasemprenuma
teoriadominantedopoder.Suscitandooproblemadaautoridade,em
termossociológicos,distingueMaxWeber,conformeveremos,três
formasbásicasdemanifestaçãodalegitimidade,quesãocapitaisparaa
explicaçãodetodososfenômenosdopoderobservadosemqualquer
tipodeorganizaçãosocial:acarismática,atradicionalealegalou
racional.
6.1Alegitimidadecomorepresentaçãodeumateoriadominantedopoder
Aobservaçãonosmostra,segundoDuverger,quenumacerta
épocaenumcertopaís,hásempreumateoriadominantedopoder,à
qualadereamassadosgovernados.
Ogoverno,erguidoàbasedessadoutrina,queimperano
assentimentodapopulação,serádopontodevistasociológicoogoverno
legítimo.
Nãocabemaqui,asseveraojuristafrancês,asdigressões
ideológicas,metafísicasedoutrináriasrelativamenteànaturezado
poder.Emconseqüência,desdequeoestudiosonadaafirmadefalsoou
verdadeirosobreocaráterdoprincípiodelegitimidadesocialmente
imperanteeapenasconsideraasdoutrinaspropagadasatravésdos
povosedasépocascomomerosfatossociológicos,quecumpreterem
contaeaveriguar,pelaadesãonelesrefletidadepartedasconsciências
individuais,ponderaeconcluiopublicistafrancêsqueassim
considerada,“alegitimidadesetornaumanoçãopuramenterelativae
contingente,cujoconteúdodependedascrençasefetivamente
espalhadasnumcertomomento,emdeterminadopaís”.3
Graçasaessecritério,fez-sepossível,segundoomesmoautor,
compreenderospontosdetransiçãohistóricaporquehápassadono
cursodacivilizaçãopolíticaocidentaloprincípiodalegitimidade,o
conflitotravadoentreodireitodivinodosreiseodireitodospovos,
entrealegitimidadeteocráticaealegitimidadedemocrática,domesmo
modoquehojesecontrapõe,numduelodepreponderância,a
legitimidadeburguesadopovoencarnadanoabstratoconceitodenação
ealegitimidadeproletáriacomassentonodogmadeclassesoberanae
predestinadaqueoproletariadoresume.4
6.2Astrêsformasbásicasdemanifestaçãodalegitimidade:a
carismática,atradicionalealegalouracional
Debaixodomesmoprismasociológico,MaxWeberfazquea
legalidaderepousesobretrêsformasbásicasdemanifestaçãoda
legitimidade:acarismática,atradicionalealegalouracional.
Essestrêstiposdepoderlegítimoabrangidonoclássicoesquema
deMaxWebertêmresumidamenteaexplicaçãoquesesegue,segundo
aspalavrasmesmasdocelebradosociólogo.
Aautoridadecarismáticaassentasobreas“crenças”havidasem
profetas,sobreo“reconhecimento”quepessoalmentealcançamos
heróiseosdemagogos,duranteasguerraseassedições,nasruasenas
tribunas,convertendoaféeoreconhecimentoemdeveresinvioláveis
quelhessãodevidospelosgovernados.Opodercarismáticosebaseia,
segundoosociólogo,nadiretalealdadepessoaldosseguidores.
Aautoridadecarismática,acrescentaMaxWeber,adespeitode
haversidoumadaspotênciasmaisrevolucionáriasdaHistória,
transformadoradossentimentosedestinosdepovosecivilizações
inteirasconservanassuasformasmaispurasocaráterautoritárioe
imperativo.5
Jáaautoridadetradicionalseapóianacrençadequeos
ordenamentosexistenteseospoderesdemandoedireçãocomportama
virtudedasantidade.Otipomaispuro,prossegueMaxWeber,éoda
autoridadepatriarcal,ondeogovernanteéo“senhor”;ogovernado,o
“súdito”eofuncionário,o“servidor”.
Afirmaosociólogo:presta-seobediênciaàpessoaporrespeito,em
virtudedatradiçãodeumadignidadepessoalquesereputasagrada.
Todoocomandoseprendeintrinsecamenteàtradição,cujaviolação
brutalporpartedochefepoderáeventualmentepôremperigoseu
própriopoder,cujalegitimidadesealicerçatão-somentenacrença
acercadesuasantidade.Acriaçãodeumnovodireitoemfacedas
normas
oriundas
da
tradição
é
em
princípio
impossível.6
Conseqüentemente,adireçãopolíticadomeiosocialgozadeuma
solidezeestabilidadequeseachasobadependênciaimediataedireta
doaprofundamentodatradiçãonaconsciênciacoletiva.
Quantoaoúltimotipo,odaautoridade“legal”,queinformatodaa
épocadoracionalismoocidental,temosopoderfundadonoestatuto,na
regulamentaçãodaautoridade.AquiasseveraMaxWeber:otipomais
puroéodaautoridadeburocrática.Suaconcepçãofundamentalse
resumenapostulaçãodequequalquerdireitopodesermodificadoe
criadoadlibitum,porelaboraçãovoluntária,desdequeessaelaboração
sejaformalmentecorreta.Aobediênciaseprestanãoàpessoa,em
virtudededireitopróprio,masàregra,quesereconhececompetente
paradesignaraquemeemqueextensãosehádeobedecer.7
Demais,opoderracionaloulegalcriaademaisemsuas
manifestaçõesdelegitimidadeanoçãodecompetência,opoder
tradicionaladeprivilégioeocarismático,desconhecendoesses
conceitos,dilataalegitimaçãoatéondealcanceamissãodochefe,na
medidadeseusatributoscarismáticospessoais,conformeobserva
aquelepensador.8
7.Oaspectojurídicodalegitimidade
Ultimandoatransiçãodosociológicoaojurídico,CarlSchmitt,o
maisconspícuojuristadaAlemanhacomprometidocomonacional-
socialismo,intentademonstrarqueapossedopoderlegalemtermosde
legitimidaderequersempreumapresunçãodejuridicidade,de
exeqüibilidadeeobediênciacondicionaledepreenchimentode
cláusulasgerais,cujaimportânciapráticaeteóricanãodeveser
ignoradapelateoriaconstitucionalnempelafilosofiadodireito,visto
quetantoservemdecritériodecontroledaconstitucionalidadeda
legislaçãocomodepontodepartidaaumadoutrinadodireitode
resistência.9
Foijustamenteafaltadetalconsciênciaalimentadanaformação
dopovoalemão,cultivadaentreosseusmagistrados,disseminadana
massadeservidorespúblicos,implantadanoespíritodadireçãopolítica
dopaís,referidatambémaospartidospolíticosdeliderança
democráticaerepublicana,aquiloquenahorafataldaconspiração
nazistaentregouaordemjurídicadaAlemanhaàditadura
inescrupulosa,desarmandodepoisosentimentoderesistênciada
naçãoàspráticascriminosaseviolentasdonacional-socialismo.
Schmittmesmofoivítimadessaemboscadahistóricadalegalidade
hitlerista,tendorazõespessoaisdesobra,porexperiênciadoutrinária,
paraacrescentarcomocorretivodemocráticoeconstitucionala
postulaçãodelimitesjurídicoseficazesàlegitimidadeinvocadapelos
titularesdopoderlegal.
Adoutrinamaisrecentedosautoresfranceses,jáemparte
examinada,conformevimos,sedistribui,quantoaoproblemada
legalidadeelegitimidadedosgovernos,nasseguintesposições:1)a
legalidadeétão-somentequestãodeforma;alegitimidade,questãode
fundo,substancial,relativaàconsonânciadopodercomaopinião
pública,decujoapoiodepende(Burdeau);
2)alegitimidadeénoçãoideológica,alegalidade,noçãojurídica;
dopontodevista,porém,daordemconstitucionalpositivaasduas
noções
coincidem
ou
se
confundem:
“um
governo
é
legal,
conseqüentementelegítimo,soboaspectododireito,desdequese
estabeleçademodoregular,conformeasregrasdaordemestatutária
nacional”,asaber,aoinstituir-sedeacordocomaConstituiçãoem
vigor;10casoporémvenhaacontrariaressasregras,quedeverão
presidirigualmenteaoseufuncionamento,semelhantegovernodeixará
deserlegal,perdendotambémsuacondiçãodelegítimo;11
3)legalidadeéaconformaçãodogovernocomasdisposiçõesde
umtextoconstitucionalprecedente,aopassoquealegitimidade
significaafielobservânciadosprincípiosdanovaordemjurídica
proclamada;alegalidadeseráassimumconceitoformal,alegitimidade,
umconceitomaterial,demaneiraque,segundoessaposição,um
governodefatofar-se-áeventualmentelegítimoseprocedersegundoas
regrasporelemesmoestabelecidas,fundamentandoumanovaordem
políticaouconstitucional(Duverger).
DeacordoporémcomadoutrinadeHauriou,maisantiga,“o
princípiodelegitimidadenãoéemsioutracoisasenãooprincípioda
transmissãodopoderconformealei.”12
Aludeopublicistafrancêsaosgovernoscomomerosdepositários
deumpoder,cujasedelegítimaseachanalei,naautoridade,na
competênciajuridicamentedefinida,daqualsãoinstrumentosou
servidoresobedientes,sendoalegitimidadeafielobservânciados
mecanismosdetransmissãodopoder.13
Quantoaopoderdefato,opoderrevolucionário,opoderque
emergedascrisesourupturasviolentasdaordemlegalvigente,a
doutrinadeHauriouconservaomesmocaráterjurídicoformal,
recusandoaessespodereslegitimidade,quesóseadquire
eventualmentenamedidaemqueosmesmos,umavezestabelecidos,
façam“aautoridadeeacompetênciaprevaleceremsobreopoderde
dominação”.Aobservânciaeadoçãodaordemjurídicaéaviaaberta
paraalegitimaçãodosgovernosoupoderesdefato.14
8.Alegitimidadenoexercíciodopoder
Alegitimidadeabrangeporúltimoduascategoriasdeproblemas
distintos.Oprimeiroproblemaserelacionacomanecessidadeea
finalidademesmadopoderpolíticoqueseexercenasociedadeatravés
principalmentedeumaobediênciaconsentidaeespontânea,enão
apenasemvirtudedacompulsãoefetivaoupotencialdequedispõeo
Estado—instrumentomáximodeinstitucionalizaçãodetodoopoder
político.
Vistadebaixodesseaspecto,alegitimidadedopodersóaparece
contestadanasdoutrinasanárquicas,nomeadamentenomarxismo,ao
passoqueasdemaisescolasconhecidasseempenhamemdar-lhepor
fundamentooraosimpulsosnaturais,orgânicosebiológicosdo
homem,oraoconsentimentolivrementeexpressoporumaassociação
devontades,comonasteoriasdocontratosocial,reconhecendo-seem
qualquerdasúltimasposiçõesmencionadas,porlegítima,aexistência
nasociedadedeumpoderpolíticoimpostoàsvontadesindividuais.
Seaexistênciadopoderpolíticonasociedadeseachalegitimada
comraraounenhumadiscrepância(sendoaúnicaexceçãoados
anarquistas)oproblemadalegitimidade,aocontrário,secomplica
quandoaquestãoversadaentraaseradoexercíciolegítimodopoder.
Trata-seaquideindicarofundamentodelegitimidadedogoverno
oudosgovernantes,manifestadocomoumdadohistóricoerelativo,
consoanteasdoutrinasouascrençasgeralmenteaceitasequelhes
servemdeesteio,modificáveisconformeaépocaouopaís.
NaIdadeMédia,essacrença-suportedalegitimidadefoiDeus,a
religião,osobrenatural,aopassoquecontemporaneamenteelavem
sendoopovo,ademocracia,oconsentimentodoscidadãoseaadesão
dosgovernados.
Masnãoseexaurenissooproblemadalegitimidadegovernativa.
Cumprepassaraosegundoproblema,odesabersetodogovernoélegal
elegítimoaomesmotempoequaisashipótesesconfigurativasde
desencontrodessesdoiselementos:legalidadeelegitimidade.
Comefeito,concebe-seperfeitamenteumgovernolegalqueseja
ilegítimo.Hajavistaoexemplofrancês,muitocitado,dogovernode
Petain,que,investidolegalmentenopoder,cedopatenteouseuinteiro
desacordocomossentimentoseesperançasevotosdopovofrancês.
Daíresultounegar-lheopaísadesãoeconsentimento,basesda
legitimidadepolítica.
JáogovernofrancêsdeDeGaullenoexílio,queemergiradas
lutasdalibertaçãonacional,foiem1944,comogovernoprovisórioda
Repúblicafrancesa,ogovernoilegalporémlegítimodopovofrancês.
Viaderegra,osgovernosquenascemdassituações
revolucionárias,dosgolpesdeEstado,dasconspiraçõestriunfantes,são
governosilegaismaseventualmentelegítimos,seabraçadoslogopelo
sentimentonacionaldeaprovaçãoaoexercíciodoseupoder.
Confirmadaaviabilidadedessesgovernos,alegitimidadefundaráentão
comotempoanovalegalidade.Eestahádeperdurar,conciliadano
binômiolegalidade-legitimidade,atéqueulteriorescomoçõesda
consciêncianacionaltragamcomaintervençãosúbitadecrises
imprevistaseprofundasparaaconservaçãodopoderaperdado
equilíbriopolíticodossistemaslegaisesuaconseqüentedestruição.
9.Alegalidadeelegitimidadedopodercomotemasdaciência
política
Oespinhosotemalegalidadeelegitimidadedopoderpolítico
abrangeumaliteraturajurídicadiminuta,apesardetratar-sede
matériacontrovertida,quesemprerepontanaconsciênciados
legisladores,dospolíticosedospensadoressociaisnashorasdecrise
dopoder,quandoseabreoinquéritodasrevoluções,dasditadurase
dosgolpesdeEstado,quandosequestionaacercadeestremecimentos
noprincípiodeautoridade,dequebraeafrouxamentodoslaçosde
obediênciaqueprendemosgovernadosaosgovernantes.
Dentreosestudosesparsosquecompõemapequenacontribuição
clássicasobreoassunto,faz-semisterressaltarolivrodeFerrero,
pertinenteaoantigoprincípiodelegitimidade15eodeLênin
(Esquerdismo,DoençaInfantildoComunismo),obracapitalcujo
desconhecimentotornaria“anacrônica”todaadiscussãoacercado
problemadalegalidade,conformejáadvertiuumconstitucionalista
alemão,bemcomoosestudosdeMaxWeber16eaintervençãodeCarl
Schmittsobreoassunto,em1932,noanocrucialdesuapolêmicacom
osconstitucionalistasdaRepúblicadeWeimar.17
Dosescritosmaisantigosaindaconservaalguminteressenos
diaspresentesodeautoriadeBenjaminConstantsobreoespíritode
conquistaeusurpação18emaisalgunsdiscursospolíticosdeWilson,
quandooPresidentedosEstadosUnidossustentouadoutrina
americanadalegitimidadedemocrática.
1.CarlSchmitt,LegalitaetundLegitimitaet,eDasProblemderLegalitaet.
2.GeorgesVedei,IntroductionauxÉtudesPolitiques,FascículoI,p.28.
3.MauriceDuverger,DroitConstitutionneletInstitutionsPolitiques,p.39.
4.Idem,ibidem,p.39.
5.MaxWeber,Staatssoziologie,p.106.
6.Idem,ibidem,p.101.
7.MaxWeber,ob.cit.,p.9.
8.Idem,ibidem,p.105.
9.CarlSchmitt,“DasProblemderLegalitaet”,in:VerfassungsrechtlicheAufsaetze,pp.
440-451.
10.JulienLaferrière,ManueldeDroitConstitutionnel,2ªed.,p.838.
11.Idem,ibidem,p.838.
12.MauriceHauriou,PrincípiosdeDerechoPublicoyConstitucional,tradução
espanhola,2ªed.,s/d,p.198.
13.Idem,ibidem,p.198.
14.Idem,ibidem,p.200.
15.G.Ferrero,Potere.
16.MaxWeber.NocélebrecapítuloIX“WirtschaftundGesellschaft”partesegunda,
sobresociologiadopoder,daobraEconomiaeSociedade.4ªed.,pp.551-558.
17.CarlSchmitt,ob.cit.
18.BenjaminConstant.“De1’espiritdeConquêteetdel’usurpation”,in:Ouevres,p.
983es.
9
ASOBERANIA
1.Oproblemadasoberania—2.Formaçãohistóricadoconceitode
soberania—3.Afirmaçãoabsoluta,afirmaçãorelativaenegação
doprincípiodesoberania—4.Traçoscaracterísticosdasoberania
—5.Otitulardodireitodesoberania:asdoutrinasteocráticaseas
doutrinasdemocráticas—6.Doutrinasteocráticas:6.1Adoutrina
danaturezadivinadosgovernantes—6.2Adoutrinada
investiduradivina—6.3Adoutrinadainvestiduraprovidencial—
7.Asdoutrinasdemocráticas:7.1Adoutrinadasoberaniapopular
—7.2Adoutrinadasoberanianacional—S.Revisãodoconceito
desoberania.
1.OproblemadasoberaniaConsiderávelnúmerodepublicistascompreendenosdias
presentesasoberaniacomoumconceitohistóricoerelativo.
Histórico,porquantoaantigüidadeodesconheceuemsuas
formasdeorganizaçãopolítica.Hajavistaoexemplodapolisgrega,do
Estado-cidadenaGréciaclássica.Asoberaniasurgeapenascomo
adventodoEstadomoderno,semquenadaporoutrapartelhe
assegure,defuturo,acontinuidade.
Relativo,umavezquetomadodeinícioporelementoessencialdo
Estado—conformesucedeuaindaentrejuristasdoséculoXIX—raroo
autorhojequeapósostrabalhosexaustivosdeJellinekaindaseocupa
dasoberaniasoboprismadodireitointernacional,comodeumdado
essencialconstitutivodoEstado.HáEstadossoberanoseEstadosnão
soberanos.Dopontodevistaexterno,asoberaniaéapenasqualidade
dopoder,queaorganizaçãoestatalpoderáostentaroudeixarde
ostentar.
Dopontodevistainterno,porém,asoberania,comoconceito
jurídicoesocial,seapresentamenoscontrovertida,vistoqueéda
essênciadoordenamentoestatalumasuperioridadeesupremacia,a
qual,resumindojáanoçãodesoberania,fazqueopoderdoEstadose
sobreponhaincontrastavelmenteaosdemaispoderessociais,quelhes
ficamsubordinados.Asoberaniaassimentendidacomosoberania
internafixaanoçãodepredomínioqueoordenamentoestatalexerce
numcertoterritórioenumadeterminadapopulaçãosobreosdemais
ordenamentossociais.ApareceentãooEstadocomoportadordeuma
vontadesupremaesoberana—asupremapotestas—quedefluideseu
papelprivilegiadodeordenamentopolíticomonopolizadordacoação
incondicionadanasociedade.Estadooupoderestatalesoberaniaassim
concebidos,debaixodessepressuposto,coincidemamplamente.Onde
houverEstadohaverápoissoberania.
Acrisecontemporâneadesseconceitoenvolveaspectos
fundamentais:deumaparte,adificuldadedeconciliaranoçãode
soberaniadoEstadocomaordeminternacional,demodoqueaênfase
nasoberaniadoEstadoimplicasacrifíciomaioroumenordo
ordenamentointernacionale,vice-versa,aênfasenestesefazcom
restriçõesdegrauvariávelaoslimitesdasoberania,háalgumtempo
tomadaaindaemtermosabsolutos;doutraparte,acrisesemanifesta
soboaspectoeaevidênciadecorrentesdoutrináriasoufatosque
ameaçadoramentepatenteiamaexistênciadegruposeinstituições
sociaisconcorrentes,asquaisdisputamaoEstadosuaqualificaçãode
ordenamentopolíticosupremo,enfraquecendoedesvalorizandopor
conseqüênciaaidéiamesmadeEstado.
Emverdade,dopontodevistainterno,anegaçãodasoberaniado
Estado,sendoanegaçãodopróprioEstado,ocorremaisnasteorias
políticasdoanarquismoedomarxismo.Naordemdosfatosquese
desenrolamnumdeterminadoEstado,acomete-semenosaidéiado
Estado,dasoberaniadopoderpolítico,doqueumaformadeEstado,de
poderpolítico,deregimevigente.Aporfiapelopoderporpartede
partidos,órgãossindicais,ideologias,gruposcompactosdeopiniãoe
pressão,arrebatandoaoEstadopropriamenteditoautonomiae
iniciativa,criamcentrosmilitanteseconcorrentesdepoder,queantes
desujeitaremoEstado,atuamjáparalelamenteaeste,diminuindo-lhe
aautoridadeesupremacia,questionando-lheasoberania,tornando
enfimcríticoeproblemáticoodesempenhodaquiloquecompõea
essênciadaestatalidade,asaber,omonopóliosocialdacoação
organizada,opoderincontrastáveldeditá-laeimpô-laindistintae
irresistivelmenteatodososgrupossociais.
2.Formaçãohistóricadoconceitodesoberania
OEstadoantigonaconcepçãogregaeraumacomunidadesocial
perfeita,aúnicaorganizaçãopolítica,aquelaqueabrangiaohomemem
todaaexteriorizaçãoelarguezadesuavidasocial,caracterizando-se,
segundoAristóteles,comoautarquia,noçãointeiramentediversada
modernasoberaniaequepermitiadistinguiroEstadodasdemais
formasdesociedade.
RepresentavaoEstadoparaosantigosgregosaquelaambiência
socialondetodasasnecessidadeshumanassepudessemproverou
satisfazerplenamente,aquelaesferadotada,emsuma,deindispensável
auto-suficiêncianaqualsedesenrolavaoplanodevidadocidadão
grego.OEstado-cidadedesconheciaassimoconflitointernodos
poderessociais,arivalidadeintestinadeinstituições,grupos,facções
oupartidospolíticos,intentandoquebraraunidademonolíticado
Estado.Asociedadepolíticaqueignoravaconflitosdestaordem
compunhanapolisumtododetamanhahomogeneidadequeanenhum
pensadoroujuristaromanoocorreuadistinçãoentreEstadoemais
comunidadespolíticas,querdopontodevistaexterno,querdopontode
vistainterno.
AIdadeMédiacopioutão-somenteemcertamaneiraomodelo
imperialdeorganizaçãopolíticadopovoromano.OSantoImpério
Romano-Germânicofoiemgrandeparteabstração,nomepomposo,
reminiscênciasaudosa,maisquerealidadevivaeoperante,justificando
assimafrasedequemafirmouquepoucotinhaeledesantoequase
nadaderomanoemuitomenosdegermânico.
Comefeito,aquelaorganizaçãoimperial,queseestenderaaquase
todaacristandade,abrangiaentreoImpérioeoindivíduovastacamada
depoderesintermediários,deinstituiçõesprovidasdecompetência,de
comunidadespropiciandoodesenvolvimentointeriordeumavidasocial
autônoma.Aidadedomeioserevelahistoricamentecomoolongo
períodoemqueaidéiadeEstadoseapresentaamortecidaemfaceda
multiplicidadeecompetiçãodepoderesrivais.
Afrouxaunidadedopoderpolíticocentralizadosimbolicamente
napessoadoImperadorpadeceemsuaórbitamaislargaodesafioda
Igreja.AcúriaromanaeoImpériolutamentresi,pelasupremaciado
poderpolítico.Doisgládiossedefrontam,duasordenssehostilizam:a
ordemtemporaleaordemespiritual,acoroaeosacerdócio,Cristoe
César.Ospoderesautônomosdasordensintermediáriasjá
mencionadasestavamnominalmentesujeitosàautoridadesuperiordo
Império.Somenteeste,acujatestaseachavaoImperador,nãoficara
sujeitoanenhumajurisdição.Oprincípiodasoberaniacomeça
historicamente
por
exprimir
a
superioridade
de
um
poder,
desembaraçadodequaisquerlaçosdesujeição.Tomava-seasoberania
pelomaisaltopoder,asupremitas,queconstavajánalinguagemlatina
daIdadeMédia,portraçoessencialcomquedistinguiroEstadodos
demaispoderesrivais,quelhedisputavamasupremacianocursodo
períodomedievo.
IlustraaFrança,maisquequalqueroutropaís,odramahistórico
quegerouoconceitodesoberania.Essedramatevealiseupalco
principal.Aexpressãosouveraineté(soberania)éfrancesa.Ogrande
teóricodasoberaniavemaserBodin,cujosolhosestiveramsempre
presosàrealidadehistóricadesuapátria.OreideFrançaafirmava
externamentenaslutascomoImpérioeosacerdóciosua
independênciapolítica.Essefatopassaatraduzirparaopublicistaum
pensamentoqueselheafiguraessencialaoconceitodeEstado:ode
soberania.
AodefiniraRepúblicanaacepçãodeEstado,Bodinfizerada
soberaniaseuelementoinseparável.Senão,vejamos:Républiqueestun
droitgouvernementdeplusieursmenagesetdecequileurestcommun
avecpuissancesouveraine,1asaber,“aRepúblicaéojustogovernode
muitasfamílias,edoquelhesécomum,compodersoberano”.
Asoberaniaseconverte,conseqüentemente,numconceito
polêmico,umavezquepartindodapremissadeBodin,segundoaqual
nãoháEstadosemsoberania,ospublicistas,acordescomtalpontode
vista,deixamdetratá-lacomocategoriahistóricaepassamareputá-la
categoriaabsoluta,dogmadodireitopúblico,oqueéfalso;segundoa
conclusãodadoutrinadominantedesdeJellinekaosdiaspresentes.
3.Afirmaçãoabsoluta,afirmaçãorelativaenegaçãodoprincípio
desoberania
Acorrentemaiscopiosadospublicistascontemporâneosentende
queasoberaniaédadohistóricoerepresentaapenasdeterminada
qualidadedopoderdoEstado,qualidadequenemsequerconstitui
elementoessencialaoconceitodeEstado,podendohaverEstadoscom
ousemsoberania.Ocontrárioseriadeixarforadeexplicaçãoa
existênciadecomunidadespolíticasvassalas,queaHistóriaconheceu
sobadesignaçãodeEstado,bemcomorecusarcaráterdeEstadoàs
comunidadescomponentesdeumaFederação.
Aceitarporémasoberaniacomoqualidadedopoder,elemento
relativonãoessencial,oucategoriahistórica,arredando-seportantodas
posiçõesrígidasdosquecostumamtomá-laemtermosabsolutos,não
deveporoutroladosignificarseprofesseamesmaopiniãodePreuss,
DuguiteKelsenque,commaioroumenorintensidade,buscam
eliminarporinteirodateoriadoEstadooconceitodesoberania.
Considerandooaspectohistórico-relativistadasoberania,adotou
Jellinekaposiçãomaisseguidanadoutrinacontemporâneadodireito
públicoequeocolocaaigualdistânciadeBodineDuguit,ao
conceituarasoberaniacomo“capacidadedoEstadoauma
autovinculaçãoeautodeterminaçãojurídicaexclusiva”.2
CorrigiuJellinekoabusocontidonaconcepçãodeBodine
removeuoprincipalobstáculodavelhadoutrinafrancesa,quefaziada
soberaniaumpoderabsoluto,ilimitado,incontrastável.
Jávimos,emparte,asdificuldadesqueconcorremparafazer
obscuroecontroversooconceitodesoberania,desdequeoaceitemos
comocategoriaabsolutanostermosdavelhaconcepçãodeBodin.
Essasdificuldadessãoresumidamenteaimpraticabilidadequedaí
decorreriaparaexplicaraexistênciadodireitointernacionalea
impossibilidadeademaisdeatribuircaráterdeEstadoacertos
ordenamentospolíticoscomoosquefazempartedeumaFederação.
Masnãoparamaquiosembaraçoslevantadosaesseconceito,aos
quaissevêmsomardemodonãomenostormentosoosquedizem
respeitoàsededopodersoberano,asaber,seasoberaniaédorei,da
nação,dopovooudeumaclassenasociedade.
4.Traçoscaracterísticosdasoberania
Asoberaniaéunaeindivisível,nãosedelegaasoberania,a
soberaniaéirrevogável,asoberaniaéperpétua,asoberaniaéumpoder
supremo,eisosprincipaispontosdecaracterizaçãocomqueBodinfez
dasoberanianoséculoXVIIumelementoessencialdoEstado.
Nalinhadepensamentodograndejuristadamonarquiafrancesa
hálogoumaconstantevisível:firmarasoberaniacomopoder
incontrastável.Porqueanecessidadedeafirmarasoberaniacomo
poderincontrastável?Pormotivossobretudodeordemhistórica.
OEstadomoderno,cujonascimentotestemunharamteoristas
políticosdaenvergaduradeBodin,precisavadeimpor-se.Suaformação
vinhaprecedidadosantagonismosdaIdadeMédiaentreopoder
espiritualeopodertemporal,entreoimperadorgermânico-romanoeos
novosreisquesurgiamdadecomposiçãodosfeudos.Sobreessa
decomposiçãoselevantavanovaordemdeagregaçõespolíticasmais
prestigiosas.DemodoqueumpodernovosefirmounoEstadomoderno
eestepoderfoiopoderdosmonarcasindependentes;poderabsoluto,
queprecisavadejustificativateórica.
Ateoriadasoberaniacomopodersupremo,comsedena
monarquia,surgeentãocomoamaisfascinantedasteorias,aque
vence,aquemaisproselitismofaznasuaépoca.Bodinassentaa
doutrinadessepodersupremotendoemvistasobretudosuas
implicaçõesnasrelaçõescomoutrosEstados.Hobbes,porsuavez,
procedeàteorizaçãodopodersoberanoparalegitimarinternamentea
supremaciadomonarcasobreossúditos.
5.Otitulardodireitodesoberania:asdoutrinasteocráticaseas
doutrinasdemocráticas
Tem-sefeitodistinçãoentreasoberaniadoEstadoeasoberania
noEstado.
ComaexpressãosoberaniadoEstadobusca-sesobretudo
assinalarapreeminênciadogrupopolítico—oEstado,seuascendente
hierárquico—sobreosdemaisgrupossociaisinternosouexternoscom
osquaissedefrontaeafirmaacadapasso,equesãodopontodevista
internocomunidadeshumanascomoaigreja,aescola,afamília,etc,e
dopontodevistaexterno,acomunidadeinternacional.
AsoberanianoEstadodizrespeitoporconseqüênciaàquestão
doselementosecaracterísticosdopoderestatalqueodistinguem,
consoanteassinalamos,dosdemaispodereseinstituiçõessociais.
AsoberanianoEstadoformariaaorevésoutracategoriade
problemasderelevanteimportância,concentradossumariamentena
determinaçãodaautoridadesupremanointeriordoEstado,na
verificaçãohierárquicadosórgãosdacomunidadepolíticaesobretudo
najustificaçãodaautoridadeconferidaaosujeitooutitulardopoder
supremo.
AutoreshácomoDuguitquereputaminsolúvelesseteorema
políticodesubjetivaçãododireitodesoberania.Oproblemadesaber
queméosujeitododireitodesoberaniasecomplicaaliásdesdeas
origenshistóricasdasoberania,quandonenhumadistinçãorigorosase
faziaentreapessoadoEstadoeadosgovernantes,conduzindoassim
aoempregoindiferentedapalavrasoberaniaparadesignar,comoainda
acontecenosdiaspresentes,oradeterminadapropriedadedoEstado
nassuasrelaçõescomoutrossujeitosdaordemjurídica,oraaposição
jurídicadecertaspessoasnoEstado.3
Asváriasdoutrinaspertinentesàjustificaçãodosujeitododireito
desoberanianoEstado,dotitularnoqualseachainvestidaa
soberania,têmumaseqüênciahistóricaeumaraizpolíticaesociológica
patente,desdobrando-sedesdeasoberaniadomonarca,naaurorado
Estadomoderno,àsconcepçõesmaispróximaserecentesdasoberania
danação,doorganismoestataledaclasse,podendoserapreciadasde
umpontodevistahistórico,jurídico,filosóficoesociológico.
Oproblemaportantodelegitimarasoberanianapessoadeseu
titularedomesmopassoexplicaraorigemdopodersoberanotem
suscitadohistoricamenteváriasdoutrinas,começandocomasque
sustentamodireitodivinodosreisatéasqueassentamnopovoasede
dasoberania.Dividem-seportantoemdoisgrupos:doutrinas
teocráticasedoutrinasdemocráticas.
Asdoutrinasteocráticastêmumpontocomum:abasedivinaque
emprestamaopoder.Apresentamtodaviaconsideráveisvariações,que
assinalamodesenvolvimentodaconcepçãoteocráticadasoberania,
comrespeitoaopapeldosgovernantesnodesempenhodopoder.
Quantoàsdoutrinasdemocráticas,sãoestasmaisumcapituloda
obracriadoradogêniopolíticoeuropeu,cujainfluênciafoitãogrande
naformaçãodoEstadomoderno.
Osprincípiosqueassentamnopovoafonteincontroversadetodo
opoderpolíticohaviamgerminadonaobradeteólogoscatólicos
medievais,nateoriacontratualdeHobbesenadoutrinados
reformadoresprotestantesdoséculoXVII,logoseguidospelosjuristas
daEscoladoDireitoNaturaledasGentes,porJean-JacquesRousseau,
bemcomopelosenciclopedistasepelosconstituintesfrancesesda
Revolução,emcujasreflexõesemáximasdecomportamentoe
organizaçãopolíticadasociedadeamadurecemdoutrinascapitaisede
tododistintasemseusefeitos:adoutrinadasoberaniapopularea
doutrinadasoberanianacional.
6.Adoutrinasteocráticas
6.1Adoutrinadanaturezadivinadosgovernantes
Amaisexageradaerigorosadessasdoutrinaséaquefazdos
governantesdeusesvivos,reconhecendo-lhesatributosecaráterde
divindade.Osmonarcascomotitularesdopodersoberanosãoseres
divinos,objetodecultoeveneração.Ahistóriaandacheiadeexemplos
dereisquefielmenteprofessavamessadoutrinaesereputavam
divindades,comoosfaraósdoEgito,osimperadoresromanos,os
príncipesorientaiseatémesmooImperadordoJapãoatéaofimda
SegundaGuerraMundial.4
NaFrançadoancienrégime,anteriorportantoàRevolução
Francesa,haviaquemabraçassecomardoressamesmacrençanoteor
divinodosreis,comoconstadaseguintedeclaraçãodoclerogalicano,
segundoaqual“osreisnãoexistemapenaspelavontadedeDeussenão
queelesmesmossãoDeus:ninguémpoderánegaroutergiversaressa
evidênciasemincorreremblasfêmiaoucometersacrilégio”.5
Omesmopensamentoreaparecenasaudaçãoqueemnomedo
ParlamentoOmerTalonfaziaaLuísXIV,comemorandooadventodo
novorei:“OassentodeVossaMajestadenosfiguraotronodeDeus
vivo...Asordensdoreinovostributamhonraerespeitocomoauma
divindadevisível”.6
6.2AdoutrinadainvestiduradivinaSaindoporémdessaextremidadedaconcepçãoteocrática,
depara-se-nosadoutrinacristãdainvestiduradivinadosreis,os
quais,conservandoemboraograumaisaltodeeminênciaemajestade,
nãosesupõemforadacondiçãohumana,comopartícipesnadivindade.
Reputam-setodaviadelegadosdiretoseimediatosdeDeus,recebendo
desteainvestiduraparaoexercíciodeumpoderqueporsuanatureza
seconcebecomodivino.Sãoosmonarcasnaterraosexecutores
irresistíveisdavontadedeDeus.Cumpreaospovosprestar-lhescega
obediênciadadaaorigemdivinadopoder.Osmonarcassão
responsáveisunicamenteperanteDeus,jamaisperanteoshomens.
QuandoLuísXIV,escrevendosuasMemórias,expressarigorosamentea
mesmaidéiaeLuísXV,numcélebreedito,afirmaquesuacoroanão
derivadeninguémsenãodeDeusequeodireitodefazerasleislhe
competecomexclusividade,temosaísegundoDuguit,citadopor
Villeneuve,amaiscompletaeacabadaimagemda“puradoutrinado
direitodivino”sobrenatural.7
Emsuma,essavariantedopensamentoteocráticonãosomente
entendeopodercomoinstituídoporDeusparaconservaçãoda
sociedade,senãoquefazdaescolhadesteoudaquelegovernante,neste
ounaquelepaís,umatodavontadedivina.DesignadasporDeuspara
osexercíciosdaautoridadeasdinastiasrevestemcarátersagrado.
Adoutrinadodireitodivinosobrenaturalestevegrandementeem
voganoséculodeLuísXIVesepropagoudomesmomodoentreos
reformadoresprotestantesque,desdeCalvino,aempregavampara
lisonjearofavormonárquicoeeliminaroudiminuirainfluênciaeo
prestígiotemporaldacortepontifícia.8
6.3AdoutrinadainvestiduraprovidencialAfundamentaçãoreligiosadasoberania,quedantesjásefizera
comateoriadanaturezadivinadosgovernanteseaseguircomateoria
dainvestiduradivina,seconverteporúltimonateoriadainvestidura
providencial,queseassinalaporadmitirapenasaorigemdivinado
poder,tornandocadavezmaisbrandaaintervençãodadivindadeem
matériapolítica,cujalegitimidadeseresumenaobservância
escrupulosadobemcomum.
Essadoutrina,quesepodereputarrepresentativadoverdadeiro
espíritodaigrejacristã,vemdosantigosapóstolosetomaseus
contornosmaisdefinidosnopensamentodeSantoTomásdeAquino,
quandoestedistingueoprincípiodopoder,dedireitodivino,segundoo
apóstoloPaulo,domodoconsoanteoqualseadquireessepodereouso
quedelefazopríncipe,osquaissãodedireitohumano.9
Fazendodadesignaçãodosgovernantesobradoshomensenão
dadivindade,ateoriadainvestiduraprovidencialalcançadeimediato
umresultadocabalevisívelqueaseparadasduasposições
antecedentesdopensamentoteocrático:odaeventualparticipaçãodos
governadosnaescolhadosgovernantes.
Quebrou-seassimarigidezdasimplicaçõesautocráticas
decorrentesdasteoriasmonárquicasdodireitodivinoetornou-se
possívelconciliarosprincípiosteológicosdasoberaniacomos
postuladosdemocráticospertinentesàsedeeaoexercíciodopoder
político.Asdoutrinasdodireitodivinoprovidencialcontamentreseus
maisconspícuosadeptosnoséculopassadoospensadoresdareação
românticafrancesaJosephdeMaistreeBonald,queviamemDeuso
guiaprovidencialdasociedadehumana.
7.Asdoutrinasdemocráticas
7.1AdoutrinadasoberaniapopularAdoutrinadasoberaniapopular,aprimeiraeinconfundivelmente
amaisdemocráticadasdoutrinasemexamenãopostula
necessariamenteumaformarepublicanadegoverno,tantoqueHobbes
adesenvolveuparaderivardavontadepopularnasuateoriado
contratosocialajustificaçãodopodermonárquicoeRousseau,com
maiordesabusoenãomenosrigor,fê-lacompatívelcomtodasas
formasdegoverno,comoseprecatadamentequisessecorrigirjáoerro
dosquenoséculopassadoeaindanosdiaspresentesfizerama
democraciainseparáveldoliberalismo,quandoeste—oliberalismo—
significaapenasumadesuasvarianteseincontrastavelmenteaquela
quecommenosfidelidadereproduzaimagemeexpressãodavontade
populareaplenitudeportantodoprincípiodemocrático.
Asoberaniapopular,segundooautordoContratoSocialeseus
discípulos,étão-somenteasomadasdistintasfraçõesdesoberania,
quepertencemcomoatributoacadaindivíduo,oqual,membroda
comunidadeestataledetentordessaparceladopodersoberano
fragmentado,participaativamentenaescolhadosgovernantes.
Essadoutrinafundaoprocessodemocráticosobreaigualdade
políticadoscidadãoseosufrágiouniversal,conseqüêncianecessáriaa
quechegaRousseau,quandoafirmaqueseoEstadoforcompostode
dezmilcidadãos,cadaumdelesteráadécimamilésimaparteda
autoridadesoberana.10
Aconcepçãodasoberaniapopular,postoqueseapóieem
reflexõescontraditóriaseinsustentáveisdaquelefilósofopolítico,tevea
máximainfluêncianodesdobramentoulteriordasidéiasdemocráticas,
nomeadamentenoquedizrespeitoàprogressivauniversalizaçãodo
sufrágio,tomadoestenaslutasconstitucionaisdoséculopassadoe
desteséculo,porpartedosreformadoresmaisradicaiseprogressistas,
comoaverdadeiraespinhadorsaldosistemademocrático.
7.2AdoutrinadasoberanianacionalOspublicistasfrancesesdaprimeirafasedaRevolução—aque
vaide1789a1791—nãoficaramindiferentesàsconseqüênciasque
emboalógicaderivariamdaquelaposiçãorousseauniana,comaqualse
conduziriaoelementopopularàplenitudedopoderpolíticoeao
eventualdespotismoeonipotênciadasmultidões.
Cumpriadaraoproblemadasoberaniasoluçãojurídica,políticae
social,concebidaemtermosdeparticipaçãolimitadadavontade
popular,queevitassedeumaparteacontinuaçãodoregime
monárquicoautocráticoedeoutrapartecoibisseosexcessosemquese
despenhariaaautoridadepopular,casolhefosseconferidoopleno
exercíciodopoder.
Osiniciadoresdomovimentorevolucionáriocontraoancien
régimesefizeraminstrumentosconscientesdeumaburguesia
deliberadaapleitearodomíniopolíticodasociedadefrancesa,depoisde
haveralcançadoamáximapreponderânciaeconômicaemtrêsséculos
deflorescentedesenvolvimentomaterial,deprofundastransformações
nasrelaçõesdaprodução,deintensificaçãonuncavistadocomércioe
daindústria,movidosporforçasquesepultavamnassuasmesmas
ruínasaantigasociedadefeudal,cerrandoparasempreseus
estreitíssimoshorizonteseconômicos.
EssasforçasfaziamaRevoluçãoemnomedoterceiroestado—a
ordemburguesa—emboraarvorassemabandeiradeumpoderque
inculcavaextrairdopovotodaasualegitimidade.
Adoutrinademocráticadasoberaniaqueospoderesda
RevoluçãofundaramefizeramprevalecernaAssembléiaConstituintefoi
adoutrinadasoberanianacional.ANaçãosurgenessaconcepçãocomo
depositáriaúnicaeexclusivadaautoridadesoberana.Aquelaimagem
doindivíduotitulardeumafraçãodasoberania,commilhõesde
soberanosemcadacoletividade,cedelugaràconcepçãodeumapessoa
privilegiadamentesoberana:aNação.PovoeNaçãoformamumasó
entidade,compreendidaorganicamentecomosernovo,distintoe
abstratamentepersonificado,dotadodevontadeprópria,superioràs
vontadesindividuaisqueocompõem.
ANação,assimconstituída,seapresentanessadoutrinacomo
umcorpopolíticovivo,real,atuante,quedetémasoberaniaeaexerce
atravésdeseusrepresentantes.
Adistinçãosensívelecapitalentreasduasdoutrinas
democráticasdasoberaniasefazsentirsobretudoquantoaosefeitosda
faculdadedeparticipaçãopolíticadoeleitorado,queaquiselimita,
circunscritoàquelesqueaNaçãoinvestirnafunçãodeescolhados
governanteseali,nadoutrinadasoberaniapopular,seuniversalizaa
todososcidadãoscomodireitoquelhescabeporsercadaindivíduo
portadoroutitulardeumaparceladasoberania.
Adoutrinadasoberanianacionaldominouquasetodoodireito
políticodaFrançapós-revolucionárianaidadeliberaldeseu
constitucionalismo.ARevoluçãoproclamouesseprincípiocomtodaa
solenidadedesuasleisemdoisartigoscélebresdosDireitosdoHomem
de1789edaConstituiçãode1791,respectivamente.
Comefeito,oartigo3°daDeclaraçãoasseveraque“oprincípiode
todaasoberaniaresideessencialmenteemaNação”eque“nenhuma
corporação,nenhumindivíduopodeexercerautoridadequedelanão
emaneexpressamente”.
Aessaardenteprofissãodefénasoberanianacionalsucedeo
artigo1°,títuloterceirodaConstituiçãode1791,quereiteraomesmo
pensamento,apósprecisaroscaracteresessenciaisdasoberania:“A
soberaniaéuna,indivisível,inalienáveleimprescritível.Pertenceà
nação;nenhumaseçãodopovo,nenhumindivíduopodeatribuir-se-lhe
oexercício”(Art.1ºdoTítuloIIIdaConstituiçãoFrancesade1791).
8.Revisãodoconceitodesoberania
Comotodoconceitodeciênciapolíticaadoutrinadasoberania
passouporlargodesdobramentoetambémporminuciosarevisão.
Hájuristas,sociólogosepensadorespolíticosqueentendem
tratar-sedeumconceitojáemdeclínio.Hoje,porexemplo,conforme
algunspublicistas,asideologiaspesammaisnasrelaçõesentreos
Estadosdoqueosentimentonacionaldesoberania.
Produzemasideologiastamanhasolidariedadeentreindivíduos
depaísesdiferentesqueacabamporestreitá-losnumvínculode
consciênciamaisapertadoqueolaçodenacionalidade.Muitasvezes,
contemporaneamente,dizDuverger,exprimindoessamesmaidéia,
numaanálisedesurpreendenteacuidade,indivíduosdeEstados
distintosatuamcommaiscompreensãoeentendimento,àbasede
convicçõespolíticasidênticas,doquetangidospormotivosdeordem
pátria.11Dizissoopensadorfrancêsparamostrarcomoos
fundamentosnacionaisdasoberaniahãosidoacometidose
enfraquecidosporfatoresdiversosnahorapresente.
Outromotivoqueconcorrefortementeparaabateroprincípiode
soberaniaéanecessidadedecriarumaordeminternacional,vindoessa
ordematerumprimadosobreaordemnacional.
Osinternacionalistassãohomensquevêemsemprecom
suspeiçãooprincípiodesoberania.Nãoapenascomsuspeição,senão
comoseforaeleobstáculoàrealizaçãodacomunidadeinternacional,à
positivação
do
direito
internacional,
à
passagem
do
direito
internacional,deumdireitodebasesmeramentecontratuais,apoiado
emprincípiosdedireitonatural,defundamentostão-somenteéticosou
racionais,aumdireitoquecoercitivamentesepudesseimporatodosos
Estados.
1.AdefiniçãoabreocapítuloIdoLivroPrimeirodaobradeJeanBodin,LessixLivres
delaRépublique.Veja-seaediçãode1961,fac-similada,daScienciaAalen,que
reproduzotextodaediçãode1583,aparecidaemParis.
2.G.Jellinek,AllgemeineStaatslehre,3ªed.,p.495.
3.GeorgMeyer,LehrbuchdesDeutschenStaatsrechts,3ªed.,p.15.
4.MauriceDuverger,DroitConstitutionneletInstitutionsPolitiques,Paris,p.33.
5.M.Lacourt-Gavet,ApudMarceldelaBignedeVilleneuve,TraitéGénéraledel’État,
1929,p.280.
6.Funck-Brentano,ApudMarceldelaBignedeVilleneuve,ob.cit.,p.280.
7.Duguit,apudM.delaBignedeVilleneuve,ob.cit.,p.27.
8.GeorgesBurdeau,DroitConstitutionneletInstitutionsPolitiques,7ªed.,p.94.
9.M.delaBignedeVilleneuve,ob.cit.,p.281.
10.J.J.Rousseau,DuContratSocial,liv.III,cap.I,p.274.
11.MauriceDuverger,DroitConstitutionneletInstitutionsPolitiques,2ªed.,pp.72-73.
10
ASEPARAÇÃODEPODERES
l.Origemhistóricadoprincípio:soberaniaeseparaçãodepoderes
—2.Osprecursoresdaseparaçãodepoderes—3.Adoutrinada
separaçãodepoderesnaobradeMontesquieu—4.Ostrês
poderes:legislativo,executivoejudiciário—5.Astécnicasde
controlecomocorretivoparaorigorerigidezdaseparaçãode
poderes—6.Primadodaseparaçãodepoderesnadoutrina
constitucionaldoliberalismo—7.Embuscadeumquartopoder:o
moderador—8.Declínioereavaliaçãodoprincípiodaseparação
depoderes.
1.Origemhistóricadoprincípio:soberaniaeseparaçãode
poderes
Oprincípiodaseparaçãodepoderes,tantoquantooda
soberania,demandadocientistapolíticooindispensávelexameda
ambiênciahistóricaemquesegerou,foradaqualsefazdetodo
incompreensível,quernaidadeemqueseelevouàalturadedogma
constitucional—oséculoXIX—,quernosdiaspresentes,que
testemunhamjáodeclíniodainfluênciaauferidanaspassadasquadras
doliberalismo.
Essadimensãodahistoricidadedoprincípioéválidaporquenos
ajudaaexplicarsuaapariçãonoséculoXVIIIeseuulterior
desdobramento
e
implantação
nos
textos
constitucionais
de
inumeráveisEstadosdoorbepolíticoocidental.
Comefeito,observava-seemquasetodaaEuropacontinental,
sobretudoemFrança,afadigaresultantedopoderpolíticoexcessivoda
monarquiaabsoluta,quepesavasobretodasascamadassociais
interpostasentreomonarcaeamassadesúditos.
Arrolavamessascamadasemseusefetivosaburguesiacomercial
eindustrialascendente,apardanobreza,queporseuturnoserepartia
entrenobressubmissosaotronoeescassaminoriadefidalgos
inconformadoscomarigidezeosabusosdosistemapolíticovigente,já
inclinadoaoexercíciodepráticassemidespóticas.
OséculoXVIIserviradeapogeuàjustificação,propagaçãoe
consolidaçãodadoutrinadasoberania.Estadoutrinaextraiu-sede
umaimposiçãocasuístadopoder—opoderdomonarca,
gradativamenteedificadoeampliadoeafirmadonocursodas
dissensõeseantinomiasmedievas,comoabsolutoesupremo,querdo
pontodevistainterno,querdopontodevistaexterno.Externamente,
fundava-seaindependênciadoEstadomoderno,favorecidopelos
antigoscombatesdoImperadorgermânicocomopontíficeromanoe
internamenteerguia-seumcentrodeautoridadeincontrastávelna
cabeçavisíveldomonarcadedireitodivinooudepoderesabsolutos.
Comasoberaniasechegarapoisàsoluçãopolíticadaexistência
doEstadomoderno,distintodoantigoEstadomedievo.
AsoberaniadeinícioéamonarquiaeamonarquiaoEstado,a
saber,umacertamassadepoderesconcentrados,quenãolograram
todaviainauguraraindaafasedeimpessoalidade,caracterizadorado
modernopoderpolíticoemsuasbasesinstitucionais.Talfasesósevem
aalcançar,napartecontinentaldaEuropa,comasdoutrinaseas
revoluçõesdondesurgesubseqüentementeochamadoEstadode
direito.Asoberaniasefazdogma.Aautoridadedomonarcaesplende.O
Estadomodernoseconverteemrealidade.Masasociedadeseacha
longedetodoorepouso.Opoderabsolutounificaraemtermospolíticos
anovasociedade,dandofulminanteréplicaàantigadispersãomedieva.
AordemeconômicadaburguesiaseimplantanoOcidenteeos
reisconferem-lhetodasortedeproteção.Omercantilismocomopolítica
econômicadoséculocorreparaleloàidadedeapogeudamonarquia
absoluta.Comapráticamercantilista,osmonarcasfazemoprimeiro
intervencionismoestataldostemposmodernos:subsidiamempresase
companhiasdenavegação,fomentamocomércioeaindústria,
amparamaclasseempresarial,robustecemopatronato,conhecemo
capitalmasignoramaindaotrabalho,fazemalegislaçãoindustrialdo
empresárioburguês,enemdelevesuspeitamqueoEstadocontraiao
mesmopassoasupremadívidadefazerumdiatambémalegislação
socialdoproletariadoquevaidespontar,ajudamenfimoprivilégio
econômicodaburguesiaacrescereprosperar,atéaosdiasemquese
volveele,arrogante,contraadecrepitudepolíticadavelharealeza.
IstosepassaránoséculoXVIII.Dopontodevistainterno,a
antigadoutrinadasoberania,emtermospessoais,seconvertenum
anacronismo.Porquerazões?Vamosintentarexplicá-las.
Opodersoberanodomonarcaseextraviaradosfinsrequeridos
pelasnecessidadessociais,políticaseeconômicascorrentes,comos
quaisperderatodaaidentificaçãolegitimativa.Mudaramaquelesfins
porimperativodenecessidadesnovasetodaviaamonarquia
permaneceraemseucaráterhabitualdepodercerrado,poderpessoal,
poderabsolutodacoroagovernante.Comotal,vaiessepoderpesar
sobreossúditos.Invalidadohistoricamente,servetão-somenteaos
abusospessoaisdaautoridademonolíticadorei.
Aempresacapitalista,comaburguesiaeconomicamente
vitoriosa,dispensavaosreis,nomeadamenteosmonarcasdaversão
autocrática.OreieraoEstado.OEstado,intervencionista.O
intervencionismoforaumbemeumanecessidade,masdesúbito
aparecerátransfeitonumfantasmaqueopríncipeemdelíriode
absolutismo
poderia
improvisamente
soltar,
enfreando
o
desenvolvimentodeumaeconomiajáconsolidada,deumsistema,como
odaeconomiacapitalista,que,àquelaaltura,antesdemaisnada
demandavaomáximodeliberdadeparaalcançaromáximode
expansão;demandavaportantomenosopaternalismodeumpoder
obseqüentemasciosodesuasprerrogativasdemando,doquea
garantiaimpessoaldalei,emcujaformaçãoparticipasseativae
criadoramente.
Todosospressupostosestavamformadospoisnaordemsocial,
políticaeeconômicaafimdemudaroeixodoEstadomoderno,da
concepçãodoravanteretrógradadeumreiqueseconfundiacomo
Estadonoexercíciodopoderabsoluto,paraapostulaçãodeum
ordenamentopolíticoimpessoal,concebidosegundoasdoutrinasde
limitaçãodopoder,medianteasformasliberaisdecontençãoda
autoridadeeasgarantiasjurídicasdainiciativaeconômica.
2.Osprecursoresdaseparaçãodepoderes
Oprincípiodaseparaçãodepoderes,detantainfluênciasobreo
modernoEstadodedireito,emboratenhatidosuasistematizaçãona
obradeMontesquieu,queoempregouclaramentecomotécnicade
salvaguardadaliberdade,conheceutodaviaprecursores,jána
antigüidade,jánaIdadeMédiaetemposmodernos.
DistinguiraAristótelesaassembléia-geral,ocorpodemagistrados
eocorpojudiciário;MarsíliodePáduanoDefensorPacisjáperceberaa
naturezadasdistintasfunçõesestataiseporfimaEscoladeDireito
NaturaledasGentes,comGrotius,WolfePuffendorf,aofalarempartes
potentialessummiimperii,seaproximarabastantedadistinção
estabelecidaporMontesquieu.
EmBodin,SwifteBolingbrokeaconcepçãodepoderesquese
contrabalançamnointeriordoordenamentoestataljáseachapresente,
mostrandoquãopróximoestiveramdeumateorizaçãodefinidaaesse
respeito.
Locke,menosafamadoqueMontesquieu,équasetãomoderno
quantoeste,notocanteàseparaçãodepoderes.Assinalaopensador
inglêsadistinçãoentreostrêspoderes—executivo,legislativoe
judiciário—ereporta-setambémaumquartopoder:aprerrogativa.Ao
fazê-lo,seupensamentoémaisautenticamentevinculadoà
ConstituiçãoinglesadoqueodoautordeDoEspíritodasLeis.
Aprerrogativa,comopoderestatal,competeaopríncipe,queterá
tambémaatribuiçãodepromoverobemcomumondealeiforomissa
oulacunosa.1
3.AdoutrinadaseparaçãodepoderesnaobradeMontesquieu
AssimcomoaInglaterraconheceraLockeporpensadorpolíticodo
contra-absolutismo,vazadonainspiraçãoindividualistadosdireitos
naturaisoponíveisaoEstado,aFrançavaiconhecer,comogêniode
Montesquieu,acriaçãonaobraDoEspiritodasLeisdatécnicade
separaçãodepoderes,queresumeoprincípioconstitucionaldemaior
vogaeprestígiodetodaaidadeliberal.
ConstahaverMontesquieucometidoequívocofundamental
quandopropôsaConstituiçãodaInglaterraporexemplovivorelativoà
práticadaqueleprincípiodeorganizaçãopolítica,porquantonailha
vizinhaoqueefetivamentesepassavaeraocomeçodaexperiência
parlamentardegoverno,esbatendotodaadistinçãodepoderes.
Masressaltamosbonstratadistasqueseerrohouve,esseerrohá
detersidofecundo,vistoqueenriqueceuoconstitucionalismoeuropeu
deseuinstrumentomaispoderosoemaisrígidodeproteçãoegarantia
dasliberdadesindividuais,asaber,aseparaçãodepoderes.
AmesmatesesobreoequívocodeMontesquieu,vêmo-la
professadaporMirkineGuetzévitch,conformelembraoprofessor
OrlandoBittar.NasconferênciasdobicentenáriodaobraDoEspírito
dasLeis(1948),dizGuetzévitchqueaInglaterraéparaMontesquieu
umautopia,semelhanteàsdePlatão,MoruseCampanella.
RessaltaaindaBittar,arrimadoemBagehot,quede1729a1731,
épocadavisitadeMontesquieuàInglaterra,opaísjáseinclinavapara
oregimedegabinete,comaascensãoparlamentardo“grão-vizir”Sir
RobertWalpole.
Montesquieumesmoéhesitante.Suadúvidatransparecenos
últimostrechosdocelebradocapítulo6dolivroXI,relativoà
ConstituiçãodaInglaterra,quandoescreve:“Nãomecabeexaminarse
fruemounãoosinglesespresentementeestaliberdade.Contento-me
comassinalareencontrá-laestabelecidanasleisenadamaisbusco”.2
Duguitjápensaporémdemododistinto,segundoBarthelémy,
entendendoqueMontesquieuarespeitodaseparaçãodepoderesteria
sidomenosteóricodoqueLocke.
AspalavrasdeMadisonnoFederalistapõemaquestãoem
melhorestermos,quandoponderaaqueleestadistaomerecimentode
Montesquieu,emrespostaaosqueachavamnãohaversidoa
Constituiçãoamericanaexplícitaeirretorquívelempatentearsua
adesãoformalàmáximadopensadorfrancês.EscreveMadison:“O
oráculoquesempreseconsultaecitaaesserespeitoéocelebrado
Montesquieu.Senãofoieleoautordestevaliosopreceitodaciência
política,teveaomenosoméritodeexpô-loerecomendá-lodomodo
maiseficazàatençãodahumanidade”.Eparalogo,recorrendoàfonte
deondeMontesquieuextraiuaqueleteorema,asaber,aConstituição
daInglaterra,“modelo”ouconformeaspalavrasmesmasdofilósofo,
“espelhodeliberdadepolítica”,afirmaMadison:“Omaislevevislumbre
daConstituiçãoInglesamostraquenenhumdosdepartamentos
legislativo,executivooujudiciárioseachademaneiraalguma
totalmenteseparadooudistintoentresi”.3
AgrandereflexãopolíticadeMontesquieuqueconduzao
mencionadoprincípiogiraaoredordoconceitodeliberdade,cujas
distintasacepçõesoautordeDoEspíritodasLeisinvestiga,fixando-se
naqueladesuaautoria,segundoaqualconsistealiberdadenodireito
defazer-setudoquantopermitemasleis.
Depoisdereferiraliberdadepolíticaaosgovernosmoderados,
afirmaMontesquieuqueumaexperiênciaeternaatestaquetodo
homemquedetémopodertendeaabusardomesmo.4
Vaioabusoatéondeselhedeparemlimites.5Eparaquenãose
possaabusardessepoder,faz-semisterorganizarasociedadepolítica
detalformaqueopodersejaumfreioaopoder,limitandoopoderpelo
própriopoder.6
Aseguir,confessaqueháumpaísnomundoquefezdaliberdade
políticaobjetodesuaConstituição.Edeimediatosepropõeestudaros
princípiossobreosquaisassentanessesistemaagarantiadaliberdade.
EssanaçãoéaInglaterracomsuaConstituiçãoeesseprincípioa
separaçãodepoderescomseuscorolários.7
4.Ostrêspoderes:legislativo,executivoejudiciário
DistingueMontesquieuemcadaEstadotrêssortesdepoderes:o
poderlegislativo,opoderexecutivo(poderexecutivodascoisasque
dependemdodireitodasgentes,segundosuaterminologia)eopoder
judiciário(poderexecutivodascoisasquedependemdodireitocivil).
Acadaumdessespoderescorrespondem,segundoopensador
francês,determinadasfunções.
Atravésdopoderlegislativofazem-seleisparasempreoupara
determinadaépoca,bemcomoseaperfeiçoamouab-rogamasquejáse
achamfeitas.
Comopoderexecutivo,ocupa-seopríncipeoumagistrado(os
termossãodeMontesquieu)dapazedaguerra,enviaerecebe
embaixadores,estabeleceasegurançaeprevineasinvasões.
Oterceiropoder—ojudiciário—dáaopríncipeoumagistradoa
faculdadedepuniroscrimesoujulgarosdissídiosdaordemcivil.
Discriminadosassimospoderesnessalinhateóricadeseparação,
segundoosfinsaquesepropõem,entraMontesquieuaconceituara
liberdadepolítica,definindo-acomoaquelatranqüilidadedeespírito,
decorrentedojuízodesegurançaquecadaqualfaçaacercadeseu
estadonoplanodaconvivênciasocial.
Aliberdadeestarásemprepresente,segundoonotávelfilósofo,
todavezquehajaumgovernoemfacedoqualoscidadãosnão
abriguemnenhumtemorrecíproco.Aliberdadepolíticaexprimirá
sempreosentimentodesegurança,degarantiaedecertezaqueo
ordenamentojurídicoproporcioneàsrelaçõesdeindivíduopara
indivíduo,sobaégidedaautoridadegovernativa.
DaquipassaMontesquieuaexplicarcomoseextingueou
desaparecealiberdadenashipótesesqueeleconfiguradeuniãodos
poderesnumsótitular.Quandoumaúnicapessoa,singularou
coletiva,detémopoderlegislativoeopoderexecutivo,jádeixoude
haverliberdade,porquantopersiste,segundoMontesquieu,otemorda
elaboraçãodeleistirânicas,sujeitasaumanãomenostirânica
aplicação.
Sesetratadopoderjudiciário,duasconseqüênciasderivao
mesmopensadordanocivaconjugaçãodospoderesnumasópessoaou
órgão.Ambasasconseqüênciasimportamnadestruiçãodaliberdade
política.Opoderjudiciáriomaisopoderlegislativosãoiguaisao
arbítrio,porquetalsomadepoderesfazdojuizlegislador,emprestando-
lhepoderarbitráriosobreavidaealiberdadedoscidadãos.Opoder
judiciárioaoladodopoderlegislativo,emmãosdeumtitularexclusivo,
confereaojuizaforçadeumopressor.Aopressãosemanifestapela
ausênciaouprivaçãodaliberdadepolítica.
Porúltimo,asseveraoafamadopublicistanocapítuloVIdolivro
XIdoDel’EspritdesLois,tudoestariaperdidoseaquelestrêspoderes
—odefazerasleis,odeexecutarasresoluçõespúblicaseodepunir
crimesousolverpendênciasentreparticulares—sereunissemnumsó
homemouassociaçãodehomens.
Redundariairremissivelmenteessamáximaconcentraçãode
poderesnodespotismo,implicandoatotalaboliçãodaliberdade
política.TalsedeunaTurquia,onde,segundoobservaMontesquieu,
reinavaatrozdespotismo,comostrêspoderesconcentradosnapessoa
dosultão.8
OgêniopolíticodeMontesquieunãosecingiuateorizaracercada
naturezadostrêspoderessenãoqueengendroudomesmopassoa
técnicaqueconduziriaaoequilíbriodosmesmospoderes,distinguindo
afaculdadedeestatuir(facultédestatuer)dafaculdadedeimpedir
(facultéd’empêcher).
Comoanaturezadascoisasnãopermiteaimobilidadedos
poderes,masoseuconstantemovimento—lembraoprofundo
pensador—sãoelescompelidosaatuar“deconcerto”,harmônicos,eas
faculdadesenunciadasdeestatuiredeimpedirantecipamjáa
chamadatécnicadoschecksandbalances,dospesosecontrapesos,
desenvolvidaposteriormenteporBolingbroke,naInglaterra,duranteo
séculoXVIII.
Comefeito,quandooexecutivoempregaovetoparaenfrear
determinadamedidalegislativanãofezusodafaculdadedeestatuir
masdafaculdadedeimpedir,faculdadequeseinserenoquadrodos
mecanismosdecontrolerecíprocodaaçãodospoderes.
Oprincípiodaseparaçãodepoderestevetambémexcelente
acolhidanaobradofilósofoalemãoKant,queenalteceusobretudoo
aspectoético,elevandoospoderesàcategoriade“dignidades”,“pessoas
morais”,emrelaçãodecoordenação(potestascoordinatae),sem
sacrifíciodavontadegeraluna.
AtriaspolíticadeKantreproduzadeMontesquieu:poder
legislativosoberano(potestaslegislatoria),poderexecutivo(potestas
rectoria)epoderjudiciário(potestasiudiciaria).
EstabeleceuKantumsilogismodaordemestatalemqueo
legislativoseapresentacomoapremissamaior,oexecutivo,apremissa
menoreojudiciário,aconclusão.
Insistindona“majestade”dostrêspoderes,semprepostosnuma
altaesferadevaloraçãoética,Kantafirmaqueolegislativoé
“irrepreensível”,oexecutivo“irresistível”eojudiciário“inapelável”.
5.Astécnicasdecontrolecomocorretivosparaorigorerigidez
daseparaçãodepoderes
Astécnicasdecontrolequemedraramnoconstitucionalismo
modernoconstituemcorretivoseficazesaorigordeumaseparação
rígidadepoderes,quesepretendeuimplantarnadoutrinado
liberalismo,emnomedoprincípiodeMontesquieu.
ConsideremosaseguirnapráticaconstitucionaldoEstado
modernoasmaisconhecidasformasdeequilíbrioeinterferência,
resultantesdateoriadepesosecontrapesos.
Dessatécnicaresultaapresençadoexecutivonaórbitalegislativa
porviadovetoedamensagem,eexcepcionalmente,segundoalguns,da
delegaçãodepoderes,queoprincípioarigorinterdita,pordecorrência
dapróprialógicadaseparação.
Comovetodispõeoexecutivodeumapossibilidadedeimpedir
resoluçõeslegislativasecomamensagemrecomenda,propõee
eventualmenteiniciaalei,mormentenaquelessistemasconstitucionais
queconferemaessepoder—oexecutivo—todaainiciativaem
questõesorçamentáriasedeordemfinanceiraemgeral.
Jáaparticipaçãodoexecutivonaesferadopoderjudiciáriose
exprimemedianteoindulto,faculdadecomqueelemodificaefeitosde
atoprovenientedeoutropoder.Igualparticipaçãosedáatravésda
atribuiçãoreconhecidaaoexecutivodenomearmembrosdopoder
judiciário.
Dolegislativo,porsuavez,partemlaçosvinculandooexecutivoe
ojudiciárioàdependênciadascâmaras.Sãopontosdecontrole
parlamentarsobreaaçãoexecutiva:arejeiçãodoveto,oprocessode
impeachmentcontraaautoridadeexecutiva,aprovaçãodetratadoea
apreciaçãodeindicaçõesoriundasdopoderexecutivoparao
desempenhodealtoscargosdapúblicaadministração.
Comrespeitoaojudiciário,acompetêncialegislativadecontrole
possui,emdistintossistemasconstitucionais,entreoutrospoderes
eventuaisouvariáveis,osdedeterminaronúmerodemembrosdo
judiciário,limitar-lheajurisdição,fixaradespesadostribunais,
majorarvencimentos,organizaropoderjudiciárioeprocedera
julgamentopolítico(deordináriopelachamada“câmaraalta”),tomando
assimolugardostribunaisnodesempenhodefunçõesdecaráter
estritamentejudiciário.
Enfim,quandosetratadojudiciário,verificamosqueessepoder
exercetambématribuiçõesforadocentrousualdesuacompetência,
quandoporexclusãodeoutrospodereseàmaneiralegislativaestatui
asregrasdorespectivofuncionamentoouàmaneiraexecutiva,organiza
oquadrodeservidores,deixandoassimàdistânciaospoderesque
normalmentedesempenhamfunçõesdessanatureza.
Suafaculdadedeimpedirporémsósemanifestaconcretamente
quandoessepoder—ojudiciário—frenteàscâmarasdecidesobre
inconstitucionalidadedeatosdolegislativoefrenteaoramodopoder
executivoProfereailegalidadedecertasmedidasadministrativas.
6.Primadodaseparaçãodepoderesnadoutrinaconstitucional
doliberalismo
Todooprestígioqueoprincípiodaseparaçãodepoderesauferiu
nadoutrinaconstitucionaldoliberalismodecorredacrençanoseu
emprego
como
garantia
das
liberdades
individuais
ou
mais
precisamentecomopenhordosrecém-adquiridosdireitospolíticosda
burguesiafrenteaoantigopoderdasrealezasabsolutas.
OprincípioseinauguranomodernoEstadodedireitocomo
técnicaprediletadosconvergentesesforçosdelimitaçãodopoder
absolutoeonipotentedeumexecutivopessoal,queresumiaatéentão
todaaformabásicadeEstado.
OsedificadoresdoEstadoconstitucionaladeremmaisàdoutrina
doliberalismo—acentuandooprincípiodaliberdadeindividual—do
quemesmoàdoutrinadademocracia,quefirmavacommaiorênfaseo
princípiodaigualdade.
DuastécnicasselhesoferecemparaconservaroEstadoà
distância,queroEstadodamonarquiaabsoluta,vencidopelas
revoluçõesdanobreza(casoinglês)edaburguesia(casofrancês),quero
Estadodademocraciasocial,quesedesenhacomoumaameaça
deitandosombrasaofuturodademocracialiberal:atécnicahorizontal
daseparaçãodepodereseatécnicaverticaldofederalismo.
Deumaparte,atécnicadaseparaçãodepoderesdesembocano
sistemaparlamentar,ondeasprerrogativasdopoderpolíticosão
compromissadamenterepartidasentreoreiconstitucional,de
competêncialimitada,legitimadopeloprincípiomonárquicohereditário
eoparlamento,quebuscasuafontedeautoridadenalegitimaçãodo
mandatorepresentativodefundorelativamentedemocrático.Doutra
parte,confluiamesmatécnicaparaopresidencialismoque,aoinvésda
separaçãoatenuada,professadeinícioumaseparaçãomaisrígidade
poderes,vistoquesurgehistoricamenteassociadoàformarepublicana
degoverno,nãotendo,tantoquantooparlamentarismo,queestatuir
nenhumequilíbriopolíticodecompetênciacomasforçasvencidasdo
passadoabsolutista,dequeamonarquialimitadanoregime
parlamentarsefizerasemprerepresentativa.
Sobreaseparaçãodepoderes,convertidaemdogmadoEstado
liberal,assentavamosconstituintesliberaisaesperançadetolherou
imobilizaraprogressivademocratizaçãodopoder,suainevitáveletotal
transferênciaparaobraçopopular.Aadoçãomaiscélebredaseparação
porquantomaiseficazocorreunaConstituiçãofederalamericanade
1787.Otextoconstitucionalnãomencionaoprincípioumaúnicaveze
noentantoaConstituiçãoseriaininteligívelseomitíssemosapresença
daseparaçãodepoderesqueéatécnicaderepartiçãodacompetência
soberananaqueledocumentopúblico.
Sãoardentesefáceisosentusiasmoscomqueoliberalismocerca
oaxiomadaseparaçãodepoderes,cujaprimeirasagraçãoefetivae
formalnocorpodasconstituiçõesdosEstadosamericanossedeu
duranteoúltimoquarteldoséculoXVIII.SeguiamessasConstituiçõesa
linhatraçadajádesde1776pelacelebradaDeclaraçãodeDireitosda
Virgínia(VirginiaBillofRights),de12dejunhodaqueleano,quandoa
máximadeMontesquieuentrouexplicitamentepelavezprimeiranos
documentospolíticosdaliberdademoderna.
Oteorprogramáticodascláusulasdistributivasdospoderes,qual
osenumeraaautoridadeoraculardeMontesquieu,ressaltapatenteno
textodasditasConstituições,quenãosecingem,comoaConstituição
federalamericana,amontartodooesquemadopoderestatalnaquele
princípio,apenasestruturalmenteperfilhado,senãoqueexprimem
aderênciaaomesmoemartigosprecisosesolenes,proibindoaum
poder“exercerjamais”asatribuiçõesdeoutropoder(Constituiçãode
Massachussetts,ParteI,Art.30),ouinserindopomposamenteque“os
poderesdevemserparasempreseparadosedistintos”(constituiçõesde
Maryland,VirgíniaeCarolinadoNorte),numverbalismocaudaloso,de
efeitomaisdoutrinárioqueefetivo,comopressentiuMadisonemsua
críticaecomentárioàobradaConstituição,naspáginasdo
Federalista.9
Masondeaexaltaçãopassionaldoprincípioalcançaomaisalto
graudeintensidadeénaletradasConstituiçõesfrancesasinspiradas
pelasmáximasdoliberalismo.
Comefeito,veja-seoartigo16daConstituiçãoFrancesade3de
setembrode1791,naparterelativaàDeclaraçãodosDireitosdoHomem
edoCidadão:“Todasociedadenaqualnãoestejaasseguradaagarantia
dosdireitosdohomemnemdeterminadaaseparaçãodepoderes,não
possuiconstituição”.
Reapareceessadoutrinanoartigo22daConstituiçãode5do
FrutidordoanoIII:“Existetão-somenteagarantiasocialquando
asseguradapeloestabelecimentodadivisãodepoderes,pelafixaçãode
seuspoderesepelaresponsabilidadedosfuncionáriospúblicos”.
Porúltimo,aConstituiçãode4denovembrode1848,cujoartigo
19reza:“Aseparaçãodepodereséaprimeiracondiçãodeumgoverno
livre”.
OBrasil,aodecidir-sepelaformarepublicanadegoverno,aderiu
aoprincípiodaseparaçãodepoderesnamelhortradiçãofrancesa—a
deMontesquieu—comexplicitaçãoformal.OImpérioseabraçara
porémaumaseparaçãoinspiradaemBenjaminConstant,ondeos
poderessãoquatroaoinvésdetrês,conformeveremosnoutrolugar.
AConstituiçãorepublicanade1891dispunhanoartigo15:“São
órgãosdasoberanianacionalopoderlegislativo,oexecutivoeo
judiciário,harmônicoseindependentes”.
AConstituiçãode16dejulhode1934manteveoprincípionos
seguintestermos:“Art.30.Sãoórgãosdasoberanianacional,dentro
doslimitesconstitucionais,osPoderesLegislativo,Executivoe
Judiciário,independentesecoordenadosentresi”.
AConstituiçãode18desetembrode1964nãoseafastada
tradiçãorepublicana:“Art.36.SãoPoderesdaUniãooLegislativo,o
ExecutivoeoJudiciário,independenteseharmônicosentresi”.
Oartigo60daConstituiçãode24dejaneirode1967reproduzo
princípio:“SãoPoderesdaUnião,independenteseharmônicos,o
Legislativo,oExecutivoeoJudiciário”.
AConstituiçãode5deoutubrode1988temredaçãoquase
idêntica:“Art.2ºSãoPoderesdaUnião,independenteseharmônicos
entresi,oLegislativo,oExecutivoeoJudiciário”.
7.Embuscadeumquartopoder:omoderador
Asociedadepolíticacontemporâneapatenteiaumaangustiante
crisenasrelaçõesdospoderestradicionais,domesmopassoquea
interferênciaostensivadenovospoderesparecealteraraquelequadro
habitualdoequilíbriomantidoformalmentepelostextosdas
Constituições,cadavezmaisirreaisemespelharoverdadeiroestado
dasforçasatuantes.
Osnovospoderessãoprincipalmenteopoderpartidário,opoder
“politizado”dascategoriasintermediárias(gruposdeinteressesquelogo
seconvertememgruposdepressão),opodermilitar,opoder
burocrático,opoderdaselitescientíficas,etc.Essacrisesugerea
necessidadederestauraroequilíbrioatravésdeumpodermediador,
poderneutro,queseriamenosumacorrentedeinteresses,comosãoos
novos
poderes
acima
mencionados
do
que
uma
instituição
“desinteressada”,volvidaunicamenteparaassuperioresmotivaçõesde
ordemgeral,capazdeumaarbitragemserenatodavezqueas
competiçõespolíticaspusessememperigoofundamentodas
instituições.
Teorizandonaépocadasmonarquiasconstitucionais,Benjamin
Constantescrevia:
“OvíciodetodasasConstituiçõeshásidoodenãohavercriado
umpoderneutro,masodetercolocadoocumedaautoridadedeque
eledeviaachar-seinvestidonumdessespoderesativos”.E
acrescentava:“Quandoospoderespúblicossedividemeestãoprestesa
prejudicar-se,faz-semisterumaautoridadeneutra,quefaçacomeleso
queopoderjudiciáriofazcomosindivíduos”.
Essepoder,juizdosdemaispoderes,seriaopoderreal,que
segundoBenjaminConstant,deveriaexistiraoladodopoderexecutivo,
dopoderrepresentativo(legislativo)edopoderjudiciário.
Opoderlegislativoourepresentativo,segundoConstant,reside
nasassembléiasrepresentativas,comasançãodoreiesuafunção
consisteemelaborarasleis.Opoderexecutivoficacomosministros,
tendoporobjetoproveraexecuçãogeraldasleis.Opoderjudiciário
pertenceaostribunais,cujamissãoseconsubstanciaemaplicaralei
aoscasosparticulares.Enfimopoderreal(verdadeiropodermoderador)
assentanoreique,postoentreostrêspoderes,deveexerceruma
autoridadeneutraeintermediária,porquanto—argumentaBenjamin
Constant—nãotemelenenhuminteresseemperturbaroequilíbrio,
masaocontráriotodooempenhoemmantê-lo.Opoderreal—conclui
BenjaminConstant—édecertomodoopoderjudiciáriodosdemais
poderes.
EstavaassimlançadaateoriadoPoderModerador,daqualo
Brasilserviriadelaboratório,sendooprimeiroetalvezoúnicopaísno
mundoafazer,comofeznaCartapolíticadoImpério,aplicação
constitucionaldonovosistemapreconizadoporBenjaminConstant.
Comefeito,afiguradoquartopoderaparecenaConstituição
brasileiradoImpério,outorgadaporD.PedroI,a25demarçode1824.
ACartaimperialnoartigo98dispunha:
“Adivisãoeharmoniadospoderespolíticoséoprincípio
conservadordosdireitosdoscidadãoseomaisseguromeiodefazer
efetivasasgarantiasqueaConstituiçãooferece.”
Noartigoseguinteasseveravaqueospoderespolíticos
reconhecidospelaConstituiçãodoImpériodoBrasileramquatro:“o
poderlegislativo,opodermoderador,opoderexecutivoeopoder
judicial”.
Noartigo12declaravaquetodosospoderesconstituíam
delegaçãodaNaçãodepoisdehaverassinaladoqueosrepresentantes
daNaçãobrasileiraeramoImperadoreaAssembléia-Geral.
AConstituiçãoexplicavamaisadiantequeopodermoderador
constituía“achavedetodaaorganizaçãopolítica,eédelegado
privativamenteaoImperador,comochefesupremodaNaçãoeseu
primeirorepresentante,paraqueincessantementevelesobrea
manutenção,equilíbrioeharmoniadosdemaispoderespolíticos”(art.
98).
AConstituiçãooutorgadaproclamavaenfimsagradaeinviolávela
PessoadoImperador,afirmandoqueelenãoestavasujeitoa
responsabilidadealguma.
HápublicistasnoBrasil,aocontráriodeRuieTobiasBarreto,
quelouvamopodermoderador,achandoquegraçasasuapresença
forapossívelmanteraestabilidadedasinstituiçõesnascentesaotempo
doImpérioedomesmopassoconsolidaraunidadenacional,num
continentepoliticamenteflageladoporódioscivisepulverizadoem
repúblicasfracaserivais.
Entendemalgunsqueopodermoderador,emborahouvesse
formalmente
desaparecido
com
as
Constituições
republicanas,
continuouemverdadeaexistir,de1891a1964,tendoportitularnão
umreimasasforçasarmadas.
OpapeldoExércitobrasileironaquelelargoperíododenossa
históriarepublicana,salvoaépocadoEstadoNovo,foraodeumquarto
poder,restauradordasnormasdojogodemocrático,medianteváriase
passageirasintervençõesnavidapolíticadoPaís.
8.Declínioereavaliaçãodoprincípiodaseparaçãodepoderes
Numaidadeemqueopovoorganizadosefezoúnicoeverdadeiro
podereoEstadocontraiunaordemsocialresponsabilidadesqueo
Estadoliberaljamaisconheceu,nãohálugarparaapráticadeum
princípiorigorosodeseparação.
Osvalorespolíticoscardeaisqueinspiraramsemelhantetécnica
oudesapareceramouestãoemviasdedesaparecimento.
Aseparaçãofoihistoricamentenecessáriaquandoopoderpendia
entregovernantesquebuscavamrecobrarsuasprerrogativasabsolutas
epessoaiseopovoque,representadonosparlamentos,intentava
dilatarsuaesferademandoeparticipaçãonagerênciadosnegócios
públicos.
Quandosepreconizavaaseparaçãodepoderescomoomelhor
remédioparagarantiadasliberdadesindividuais,estasliberdades
alcançavamnaorganizaçãodoEstadoconstitucionalumaamplitudede
valoresabsolutos,inviolavelmentesuperioresàcoletividadepolítica,
acasteladosnasDeclaraçõesdeDireitos,queideologicamenteerama
partedefundodasConstituições,suapeçabásica,aquea
discriminaçãodecompetênciaentrepoderesdeliberadamentedivididos
eenfraquecidosserviatão-somentedemeio,demoldura,decouraça.As
Constituiçõesviammenosasociedadeemaisoindivíduo,menoso
Estadoemaisocidadão.
DesdeporémquesedesfezaameaçadevolveroEstadoao
absolutismodarealezaeavaloraçãopolíticapassoudoplano
individualistaaoplanosocial,cessaramasrazõesdesustentar,em
termosabsolutos,umprincípioquelogicamenteparalisavaaaçãodo
poderestatalecriaraconsideráveiscontra-sensosnavidade
instituiçõesqueserenovamenãopodemconter-se,senãocontrafeitas,
nosestreitíssimoslindesdeumatécnicajáobsoletaeultrapassada.
Oprincípioperdeupoisautoridade,decaiudevigoreprestígio.
Vemo-lopresentenadoutrinaenasConstituições,masamparadocom
raroproselitismo,constituindoumdessespontosmortosdo
pensamentopolítico,incompatíveiscomasformasmaisadiantadasdo
progresso
democrático
contemporâneo,
quando,
erroneamente
interpretado,conduzaumaseparaçãoextrema,rigorosaeabsurda.
Demosporémalgumasrazõescríticasquecontribuíram
apreciavelmenteaexpungi-lodaciênciapolítica,tornando-oemsua
aplicaçãoradicalumaextravagância,umareminiscência,um
anacronismodopassadoirreversível.
Percucienteanálisedemonstrainevitavelmentequearazãoestava
comHegelquandoestefilósofopolíticodaAlemanhaasseverouquea
literalseparaçãodepoderesdestruiriaaunidadedopoderestatal,por
suanaturezaindivisível.
Comoconciliaranoçãodesoberaniacomadepoderesdivididose
separados?Oprincípiovaleunicamenteportécnicadistributivade
funçõesdistintasentreórgãosrelativamenteseparados,nuncaporém
valeráemtermosdeincomunicabilidade,antessimdeíntima
cooperação,harmoniaeequilíbrio,semnenhumalinhaquemarque
separaçãoabsolutaouintransponível.
Coste-Floret,relatordeumprojetoconstitucionalnaFrança,
resumemuitobemoestadopresentedadoutrinadeseparaçãode
poderes,quandoescreve:
“Poisqueéindubitávelqueasoberaniaéuna,éimpossível
admitircomosistemapresidencialqueexistemtrêspoderesseparados.
Masporqueasoberaniaéuna,nãoéprecisoconcluirquetodasas
funçõesdoEstadodevemsernecessariamenteconfundidas.Para
realizarumaorganizaçãoharmônicadospoderespúblicos,éprecisoao
contrárioconstruí-lossobreoprincípiodadiferenciaçãodastrês
funçõesdoEstado:legislativa,executiva,judiciária.Paratomarde
empréstimoumacomparaçãosimplesàordembiológica,éexatopor
exemploqueocorpohumanoéunoetodaviaohomemnãofazcomos
olhosoquetemohábitodefazercomasmãos.Éprecisoqueao
princípiodaunidadeorgânicasejuntearegradadiferenciaçãodas
funções.Hámuitotempoquearegradaseparaçãodospoderes,
imaginadaporMonstesquieucomoummeiodelutarcontrao
absolutismo,perdeutodaarazãodeser”.10
Nãotemosdúvidaporconseguinteemafirmarqueaseparaçãode
poderesexpiroudesdemuitocomodogmadaciência.Foidosmais
valiososinstrumentosdequeseserviuoliberalismoparaconservarna
sociedadeseuesquemadeorganizaçãodopoder.Comoarmados
conservadores,tevelargaaplicaçãonasalvaguardadeinteresses
individuaisprivilegiadospelaordemsocial.Contemporaneamente,bem
compreendido,oucautelosamenteinstituído,comoscorretivosjá
impostospelamudançadostemposedasidéias,ovelhoprincípio
hauridonasgeniaisreflexõespolíticasdeMontesquieupoderia,segundo
algunspensadores,contra-arrestaroutraformadepoderabsolutopara
oqualcaminhaoEstadomoderno:aonipotênciasemfreiodas
multidõespolíticas.
Convertidonumatécnicasubstancialmentejurídica,oprincípio
queseempregoucontraoabsolutismodosreis,oabsolutismodos
parlamentoseoabsolutismoreacionáriodostribunais,segundo
demonstra,atravésdaSupremaCorte,aexperiênciaamericanaem
matériadecontroledaconstitucionalidadedasleis,nãoficaria
definitivamenteposposto.
Competiriapoisaesseprincípiodesempenharainda,conforme
entendemalgunsdeseusadeptos,missãomoderadoracontraos
excessosdesnecessáriosdepodereseventualmenteusurpadores,como
odasburocraciasexecutivas,queporvezesatalhamcomseusvíciose
errosaadequaçãosocialdopoderpolítico,domesmopassoque
denegameoprimemosmaislegítimosinteressesdaliberdadehumana.
1.Prerogativeisnothingbutthepowerofdoingpublicgoodwithoutarule.John
Locke,TheSecondTreatiseofGovernment,cap.XIV,p.160.
2.Montesquieu,“Del’EspritdesLois”,in:OeuvresComplètes.t.II,p.407.
3.Madison,in:TheFederalist,p.246.
4.Idem,ibidem,p.395.
5.Idem,ibidem,p.395.
6.Idem,ibidem,p.395.
7.Idem,ibidem,pp.396-407.
8.Montesquieu,ob.cit.,p.397.
9.Madison,ob.cit.,pp.245-252.
10.Coste-Floret,LesProjetsConstitutionnelsFrançais,pp.13-15,apudJoséAugusto,
PresidencialismoversusParlamentarismo,p.44.
11
OESTADOUNITÁRIO
1.DoEstadounitário—2.OEstadounitáriocentralizadoeas
formasdecentralização:2.1Centralizaçãopolítica—2.2
Centralizaçãoadministrativa—2.3Centralizaçãoterritoriale
centralizaçãomaterial—2.4Centralizaçãoconcentrada—2.5
Centralizaçãodesconcentrada—3.Vantagensedesvantagensda
centralização—4.OEstadounitáriodescentralizado:a
descentralização
administrativa
—
5.0
Estado
unitário
descentralizadoeoEstadofederal
1.DoEstadounitário
DasformasdeEstado,aformaunitáriaéamaissimples,amais
lógica,amaishomogênea.Aordemjurídica,aordempolíticaeaordem
administrativaseachamaíconjugadasemperfeitaunidadeorgânica,
referidasaumsópovo,umsóterritório,umsótitulardopoderpúblico
deimpério.
NoEstadounitáriopoderconstituinteepoderconstituídose
exprimempormeiodeinstituiçõesquerepresentamsólidoconjunto,
blocoúnico,comoserespondessemjánessaimagemàconcretização
daqueleprincípiodehomogeneizaçãodasantigascoletividadessociais
governantes,acujasombranasceueprosperouoEstadomoderno,
desdequeestepôdecomboafortunasucederàdispersãodos
ordenamentosmedievos.
Comefeito,ounitarismodopoderéaindadosmaisfortessopros
queanimamavidadosordenamentosestataisnestestempos,
exprimindotendênciamanifestaeminumeráveiscorposvivosde
sociedadespolíticas.
Éassimcontemporaneamente.Foiassim,consoantedissemos,
quandosedeuaapariçãodoEstadomoderno,cujoaspecto
centralizadoretendênciaunitaristaressaltadesdelogoempresençada
vontadepolíticasoberana,queéavontadedoEstado,congraçando,
fundindoousubordinandoosordenamentossociaisconcorrentes,
doravanteconvertidosemordenamentosinferioresesecundários.
Correspondeessemomentocentralizadoràplenaafirmaçãodo
Estadocomoorganizaçãodopoder.Todoumsistemadeautoridade
manifestamenteabsolutaassinalaessafaseinicialepreparatória,cujo
unitarismosedefinemercêdeumcentrodedireçãohistórica,postono
poderdarealezaabsoluta,tendoporsustentáculolegitimadora
doutrinacoerentedasoberania.
OEstadocentralizadorcedeedecaihistoricamentequando
preparaasmodalidadesdescentralizadoraseatémesmofederativas;
quandoasconcepçõesmaisdemocráticasemenosautoritáriasdo
poder,fundadasnospostuladosdoconsentimento,dealgumas
doutrinascontratuais(nãotodas,porquantoHobbesconstituiaqui
exceçãodasmaisconhecidas)abalamtodooeixodoautoritarismo
estatal,contrapõemasupremaciaindividualàhegemoniado
ordenamentopolítico,fazemoEstadomeioenãofim,rebaixam-lhea
valorizaçãosocial,democratizamaconcepçãodopoder,nassuas
origens,noseuexercícioenosseustitulares,separamoEstadoda
pessoadosoberano.Graçasaessatranspersonalizaçãodoprincípio
político,oucommaispropriedade,medianteessaexteriorização
institucional—ouconstitucional,segundolinguagemcaraao
liberalismo—,acabaoEstadoporobjetivar-sesocialmentecomo
produtodoconsensodasvontadesindividuais.
DaísechegadepoisaoEstado-nação,danomenclaturados
publicistasfranceses.EcomesseEstado-naçãoacentralização,que
esteiaoucaracterizaoEstadounitário,entraaserapenasumarelação
deequilíbrio,umsistemadeacomodaçãosocial,umprincípiomóvel,
racionalmentemantido,porconsideraçõesmenosdeautoridadequede
conveniênciaouutilidade.
OsEstadosunitários,historicamenteconhecidos,tiveramsua
formaçãonamáximaparteresultante,segundoRanelletti,doconsórcio
políticodeváriosEstados,cujaprimitivaautonomiaseperdeuem
decorrênciadaexacerbaçãopolíticadosentimentonacionalunificador
dedistintospovos.1
Deu-se,segundoomesmoautor,aocorrênciadeváriasrazões
históricas,queconduziramigualmenteaoEstadounitário:a)
preponderânciapolíticadeumEstadosobreosdemais,daíresultando
incorporaçãoouabsorção;b)fusãodosEstados-membros,passandoo
EstadocompostoaEstadounitário,ec)dissoluçãodoEstado
composto,queseparteemváriosEstadosunitários.2
TemoEstadounitárioseutraçocapital,segundoCharles
Durand,nainteiraausênciadecoletividadesinferiores,providasde
órgãospróprios.
MasafiguradesseEstado,queconsumariaamaisperfeita
imagemdasaspiraçõescentralizadoras,jamaisexistiu,conformeo
mesmoDurand.
IgualordemdeidéiasdesenvolveojuristaPrélot,quandodizque
tantoanaturezadascoisascomoavontadedoslegisladorestemfeito
incompletaacentralização,introduzindonoEstadounitáriodois
“importantescorretivos”:adesconcentraçãoeadescentralização.
Tocanteàdesconcentração,deslembradoficouporémoautorfrancêsde
queestajáseincluinoâmbitodacentralização.3
2.OEstadounitáriocentralizadoeasformasdecentralização
ReferidaaoEstadounitário,acentralizaçãoabrangeasseguintes
formas:centralizaçãopolíticaecentralizaçãoadministrativa,segundo
Burdeau;centralizaçãoterritorialecentralizaçãomaterial,nodizerde
Dabin;centralizaçãoconcentradaecentralizaçãodesconcentrada,na
terminologiamaisusualdosmodernospublicistas.
2.1Centralizaçãopolítica
AcentralizaçãopolíticaemdeterminadoEstadoseexprimepela
unidadedosistemajurídico,comportandoopaísumsódireitoeumasó
lei.EmsetratandodeEstadounitário,essacentralizaçãosefaz
rigorosa,semcoexistênciadeordenamentosjuriferantesmenores.Aqui
nãohápoisoordenamentogeralsuperpondo-seaordenamentos
particulares,quecriemtambémoriginariamentesistemasjurídicos
próprios,comoseriapossívelnoEstadofederal.Unidadeeexclusividade
daordempolíticaejurídica,bemcomoexclusãoconseqüentedetodaa
normatividadepluralsãonotasdominantesdacentralizaçãopolítica,na
medidaemqueestacaracterizaoEstadounitário.
2.2Centralizaçãoadministrativa
Acentralizaçãoadministrativacompõeevidentementeumadas
característicasmaisfamiliaresaoEstadounitário:segundoPrélot,
constituiverdadeiracondiçãodereforçodessamodalidadedeEstado,
cujaunidadepolíticaficaassimvantajosamentecomplementada.4
Implicasemelhanteformadecentralizaçãooestabelecimento
coerentedamaisampla“unidadequantoàexecuçãodasleisequantoà
gestãodosserviços”(Burdeau).NoEstadounitário,acentralização
administrativaconduzviaderegraaumaaplicaçãodaleiouauma
gestãodosserviços,atravésdeagentesdopoder,detodo“independente
domeioqueasleisregemoudogrupoaqueminteressamosserviços”
(Burdeau).
2.3Centralizaçãoterritorialecentralizaçãomaterial
DistingueDabinhistoricamenteduasformasdecentralização:a
centralizaçãoterritorialeacentralizaçãomaterial.Comaprimeira,o
poderdoEstado,segundoele,seestendeaporçõescadavezmais
largasdoterritório;comasegunda,observa-sedilataçãoda
competênciadoEstadoaassuntosouinteressesquedantesgravitavam
naórbitadepoderesmenoreseparticulares,providosdecerta
autonomia.Ataisinteressesforaatéentãoalheiooordenamento
estatal.5
2.4Centralizaçãoconcentrada
Temoscentralizaçãoconcentradaquandoasordensemanadasde
cima,docentrodedecisãopolítica,circulamparabaixo,atravésdos
canaisadministrativos,atéascoletividadesinferiores,ondeosagentes
dopoderatuamcomomerosinstrumentosdeexecuçãoecontrole,em
obediênciaestritaàsordensrecebidas.
CabeaíaosservidoresdoEstadoopapeldecumpridoresde
decisões,quenãosãosuas,massefazemtão-somenteporseu
intermédio.
Comosevê,acentralizaçãoconcentradamantémintactoopoder
jurídiconormativodosgovernantes,bemcomotodooaparelhomaterial
decoerção(forçapública),queministraosmeiosindispensáveisà
aplicaçãodasmedidasadministrativasoulegislativas,tomadaspela
autoridadeestatalúnica.
Essamodalidadedecentralizaçãocombinaaumtempoumsó
centrodedecisãoeuminstrumentoigualmenteúnicodeexecução,que
éaburocraciahierarquicamenteorganizadaqualcorpodeservidores,
sobdependênciadiretaeimediatadaautoridadecentraldirigente.
2.5Centralizaçãodesconcentrada
Acentralizaçãodesconcentradaimportanoreconhecimentode
pequenaparceladecompetênciaaosagentesdoEstado,quese
investemdeumpoderdedecisãocujoexercíciolhespertence;poder,
todavia,parcial,delegadopelaautoridadesuperior,àqualcontinuam
presosportodososlaçosdedependênciahierárquica.
Comefeito,quandomedidasdeinteresselocaldacoletividade
centralizadaseimpõem,ditadasporconveniênciaadministrativa,
faculta-seàautoridadesecundáriaopoderdeempregarprerrogativas
degoverno,“tomandodecisõesefazendoexecutá-las”(Burdeau).
Cumpreporémobservarqueessaautoridadeexercetão-somente
umaparceladepoderpúblicodelegadoenãoautônomo;funcionacomo
órgãodopodercentralenãocomotitulardedireitopróprio.
Ficoucélebrealiásnacitaçãodostratadistasapalavrade
advertênciadeBarret,desfazendomaioresilusõesquantoàextensão
dessasprerrogativas,aoafirmarque“ésempreomesmomarteloque
bate,apenasencurtou-se-lheocabo”.
Não
se
deve
por
outra
parte
confundir
centralização
desconcentrada,comoinadvertidamentefazemalgunsautores,com
descentralização,havendoentreambasasformassignificativas
diferenças,comoaqueassinalaPrélot,quandoasseveraque“a
desconcentraçãonãocriaagentesadministrativosindependentes”.6
Razãoprincipaldesseequívoco,noentenderdeBurdeau,foi“a
existênciadeumquadrolocaldecompetência”.Contudo,dizomesmo
autor,talsemelhançaéaparenteesuperficial,porquanto“osagentes
desconcentradoscomandamemnomedoEstado”,aopassoque“os
órgãosdescentralizadosestatuememnomedacoletividadesecundária
daqualprocedem”.7
Urgetodaviaressaltarqueessacoletividadesecundária,emnome
daqualestatuemosórgãosdescentralizados,nãoseachaprovidade
nenhumpoderinicial,próprio,masdeprerrogativasdelegadas,
conferidaspelopodercentralúnico,aquelequedetémomonopólioda
titularidadepolítica,quefazsubordinada,econseqüentemente
administrativa,acompetênciaquereferidascoletividadescomunicam
ouexercematravésdeseusórgãos.
Comessaobservação,pertinenteaocaráterdelegadoda
competênciaenfeixadapelacoletividadesecundária,caiporterraoteor
ambíguoqueaindaperpassanocomentáriodeBurdeauencaminhado
justamenteasolverumerroequeacabariapraticandooutronãomenos
grave:odaconfusãonãomaisentrecentralizaçãodesconcentradae
descentralização,poreleoportunamentecorrigida,masentre
descentralização
administrativa
—
aquela
ali
implícita
—
e
descentralizaçãopolítica.
3.Vantagensedesvantagensdacentralização
Dacentralizaçãoresultamvantagens,queoEstadounitário
auferetantonocampopolíticocomoprincipalmentenocampo
administrativo.
Sãopartespositivasdacentralização:a)aextensãodeumasó
ordemjurídica,políticaeadministrativaatodoopaís;
b)oconsiderávelfortalecimentodaautoridade,quetantose
implantacomosemantémcommaisfacilidadeondeocorreaunidade
dopoder;
c)oreforçoquedaídecorreparaoprincípiodaunidadenacional;
d)asfacilidadesconducentesàorganizaçãodeumcorpo
burocráticoúnico,commenosdispêndioparaoscofrespúblicosemais
eficáciaeracionalizaçãoparaosserviçosprestados;
e)aimpessoalidadeeimparcialidadequeseobservam,tocanteao
exercíciodasprerrogativasdegoverno.
Acentralizaçãoreúneporémconhecidasdesvantagens.Dentre
estascumpreressaltaremprimeirolugaraameaçaquefazpesarsobre
aautonomiacriadoradascoletividadesparticulares,sufocadasou
suprimidas,consoanteograudapolíticacentralizadora.Ao
desapareceremosgruposintermediários,cava-seumfossoentreo
indivíduoeoEstado,queahistóriapolíticamaisrecenteconsignavia
deregraobstruídocomofreqüentesacrifíciodaliberdadehumana,com
adestruiçãodosanteparossociaisqueeramaquelascoletividades
intermediárias,nasquaisseabrigavacontraaonipotênciadoEstadoa
jácircunscritafaixadearbítrioindividual;coletividadesquedeixaram
deserdesdeaquedadofeudalismoaquelescírculosdamaisestreitae
intoleráveltirania,processadaàsombradeumEstadoaserviçodo
privilégioaristocrático,atéseconverterem,desdearevoluçãoburguesa
vitoriosa,emasilosparaasliberdadesindividuaisdesamparadase
inermescomodecorrênciadodesvirtuamentodosfinsqueoEstado
buscasocialmenteproverequematerialmenteovêmcompelindoàs
opçõesintervencionistas,cujoabuso,repetimos,constituievidente
ameaçaaohomemeàsualiberdade.
Aseguir,aexcessivacentralizaçãosobrecarregaopodercentral
deresponsabilidadesadministrativasdesomenosimportância,queos
agentesdopoderpúbliconumaesferalocaldecompetência,munidos
deumpoderdedecisão,oriundodoorganismosocialinteressado—do
qualproviessemtambémessesmesmosagentes—estariam
capacitadosalevaracabocommaisvantagensparaobemcomumda
coletividaderespectiva.
Acentralizaçãorigorosaconduzordinariamenteàparalisaçãodos
direitosdeself-government—dereconhecidoproveitoadministrativo,
políticoesocialparaosgruposenvolvidos,domesmopassoque
diminuinessesgruposointeresseportudoquantoconcerneàmatéria
pública,atrofiandoconseqüentementetodooesforçodeiniciativalocal.
Enfim,ofereceacentralizaçãoesteúltimolancenegativo:promove
aoplanodalegislaçãonacionalcopiosamatériadeinteressemeramente
localeretardaadecisãodeassuntosadministrativos,que,naesfera
dascomunidadesinteressadas,encontrariamrápidaouinstantânea
solução,porquantonãoficariamtaiscomunidadesàesperaqueos
agentessuperioresdopodersefamiliarizassemcomostemas
pendentes,paradar-lhemuitasvezesarespostamaisinconvenienteou
inadequadaàsexigênciasdecadacasoconcretoeparticular.
4.OEstadounitáriodescentralizado:adescentralização
administrativa
AdescentralizaçãoédetodocompatívelcomoEstadounitário.
Masunicamenteadescentralizaçãoadministrativa,vistoquea
descentralizaçãopolíticajásedeslocaconceitualmenteparaaesferado
Estadofederal.
Hádescentralizaçãoadministrativaquandoseadmitemórgãos
locaisdedecisãosujeitosaautoridadesqueaprópriacomuna,
departamento,circunscriçãoouprovíncia(poucoimportaquenome
tenhaadivisãoterritorialdoEstadounitário)venhamainstituir,como
propósitodesolverouordenarmatériadeseurespectivointeresse.
Essadescentralizaçãoécaracteristicamenteadministrativa,
porquantosetratadefaculdadesderivadas,delegadas,oriundasdo
podercentral,quefazsubsistirsemnenhumaquebraaunidadedo
sistemajurídico.Opodercentralapenastransmitedeterminadaparcela
depoderesàscoletividadesterritoriais,conservandoporémintactae
permanenteatutelasobreosquadroslocaisdecompetência.Traçopor
conseguintedefinidordadescentralizaçãoadministrativavemaseressa
ausênciaprecisadeautonomiaouindependência.
Nãoseinstituiaqui,comaautoridadequedecide,umpoder
origináriodearbítrio,uminstrumentosoberanodecomando,vistoque
assim,aoinvésdeadministrativa,seconverteriaempolíticatal
modalidadededescentralização.DoEstadounitárioteríamospassado
jáaoEstadofederal.Significa,comosevê,adescentralização
administrativatão-somenteoexercíciodeprerrogativasporpartede
gruposque,aoexercitá-las,nãocortamtodaviaoslaçosdedependência
queosprendemaopodercentral,quantoàatividadeexercida,nem
fraturamtampoucoaunidadedessemesmopoder.
Emverdade,nãoéovolumedasatividadesnemarigora
discriminaçãodamatéria,quandoesta,porsuanaturezapolíticaou
administrativa,decisóriaouinstrumental,seconverteemobjetode
ação
da
autoridade
descentralizada
aquilo
que
configura
incontrastavelmenteoteoradministrativodadescentralização.
Faz-semisterbuscaroprincípiodistintivomenosnarepartição
materialdascompetências,queseinseremnumcampocontroverso
quantoaocaráterdosatospromovidospelaautoridadelocalou
regional,nosquaisdificilmentesedeterminaarespectivafeiçãopolítica
ouadministrativa,doquenotítulojurídico,medianteoqualessa
mesmaautoridadesedesincumbedasaludidasprerrogativas.
Comefeito,édecisivoparaessefimaqualificaçãojurídicado
sujeitooudacomunidadequeoutorgouasregrasdebaixodasquaisele
oueladevereger-se,ouqueencetouatividadesdeinteressepróprio.Se
talcompetênciaéoriginária,seseprendeaumprincípiodelivre
determinação,deautogestãoprimáriadacomunidade,semquaisquer
laçosdehierarquiaaumaparelhocoercitivosuperior,providoportanto
deautonomiaouindependênciaotitular,estamosagoraempresença
não
de
funções
de
uma
coletividade
administrativamente
descentralizada,masemfacedeumpoderpolíticodevidamente
constituído.
CompostoenãosimplesouunitárioseriaoEstadoaque
semelhantepodersereferisse.Estabelecer-se-iaademaisporesse
caminhoapluralidadedasordensjurídicas,destafeitaconcomitantes,
concorrentes,paralelas.Suprimir-se-iadomesmopassoaexistênciano
Estadodaexclusividadeouunidadedaidéiadedireito,politicamente
positivadaatravésdeumpoderinicialúnicoeemancipado.Elevar-se-ia
enfimacomunidadeàcondiçãodepoderpolítico.
Masascoletividadesdescentralizadas,pormaisextensoqueseja
ocampomaterialdesuacompetêncianoexercíciodeatividadesquelhe
dizemrespeito,pormaisfecundaafontesociologicamentegeradorade
normasjurídicas,têmaprevalência,aafirmaçãoeaobservânciade
suasnormassobadependênciatodaviadaconsagraçãoquevenham
elasareceberdoordenamentopolíticoúnico,queéoEstadounitário.
Fazestesemprelimitada,revogável,condicionada,dependentee
derivadaaquelacapacidadejáreferidaquepossuemosorganismos
descentralizadosdeeditarnormasouexerceratividades.
Todoexercíciodeprerrogativas,sujeitopoisalaçosde
dependência,patenteia,nesseaspectodefiliação,subordinaçãoou
derivação,jáocaráteradministrativoenãopolíticodadescentralização.
ÉoqueocorreevidentementenoEstadounitário.
5.OEstadounitáriodescentralizadoeoEstadofederal
Deumaparte,adescentralizaçãocadavezmaisassinaladaem
determinadosEstadounitários,comonocasodaItália,comafigura
jurídicadasRegiões(criaçãoconstitucionaldepós-guerra),edoutra
parteosprogressivosmovimentoscentralizadoresqueseobservam
contemporaneamenteemtodasasformasconhecidasdeEstadofederal,
vêmacarretandoconsideráveisdificuldadesdoutrináriasàfixaçãodos
critériosdistintivosentreoEstadounitáriodescentralizadoeoEstado
federaldetendênciascentralizadoras.
Temosqueomelhorcritérioaindaéaquelereferido,quando
caracterizamos
a
descentralização
administrativa,
a
saber,
a
dependênciadosórgãosdescentralizadosquantoaoEstadounitário—
dependênciaqueemprestaporconseguintecaráteradministrativoa
essadescentralização—eaindependênciadessesmesmosórgãos,em
setratandodeEstadofederal.
Emordemaevitarqualquerequívoco,aosuscitar-seoproblema
dasRegiõesitalianas,dotadasdecompetêncialegislativa,tantoquanto
oEstado-membrodacomposiçãofederativa,bastarialembrarou
advertirquealiacompetênciaarigornãoequivaleaautonomiapolítica,
vistoqueasfaculdadeslegislativasdaRegiãoexprimemtão-somenteos
princípiosdeumamesmaordemjurídica,nãoocorrendonenhuma
lesão,quebraousecessãodoordenamentoestatal,quesubsisteassim
unitárioeconsagrasoberanamenteavalidadedasregraseditadaspelos
órgãosregionais,sujeitando-osademaisnessamesmacompetência
aparentementepolíticaàintervençãoeventualdeórgãosestatais
superiores.NoEstado-membrodaFederação,aocontrário,ocorre
dualidadeefetivadepoderespolíticos,desistemasjurídicosdistintos,
autônomosecorrelatos.
OpublicistafrancêsCharlesDurand,tãoabalizadoemmatéria
federativa,desprezaporfatoresdistintivosentreoEstadounitário
descentralizadoeoEstado-membrodoEstadofederalaextensãodas
autonomiasrespectivas,aorigemhistóricadascoletividadesem
questão,bemcomoocritérioqueelereputacorretoparaofederalismo
doséculoXIX,ejáhojeimprestável,daparticipaçãodosEstados-
membrosnaformaçãodavontadefederal,entendendomaisseguro
tomarporpontodeapoioaseguintebasediversificadora:“noEstado
unitáriodescentralizadoaleiordináriabastaparafixaremodificaro
regimejurídicodascoletividadesinternas”,aopassoque“noEstado
federal,cabeessepapelnãoàleiordinária,masaumaconstituição
rígida,aqual,postoquenãosejaintangível,étodaviamuitomaisdifícil
demodificarquealeiordinária”.8
Daquiseconclui,segundoapautadeidéiasexpostaspelomesmo
autor,queasgarantiasdaordempolíticaaostatusjurídicodos
organismosinternos—noEstadounitáriodescentralizadomenos
firmes,noEstadofederal,maisaprofundadaspelaproteçãoqueo
formalismoconstitucionalconfere—sãocomefeitoodadomenos
controversocomquedistinguiroEstadounitáriodoEstadofederal,em
presença
das
surpreendentes
variações
descentralizadoras
e
centralizadoras,respectivamenteobservadasdeúltimocomrelaçãoa
essasdistintasformasdeorganizaçãodoEstado.
1.OresteRanelletti,IstituzionidiDirittoPubblico,13ªed.,atualizada,p.147.
2.Idem,ibidem,p.147.
3.MarcelPrélot,IstitutionsPolitiquesetDroitConstitutionnel,2ªed.,pp.225-226.
4.MarcelPrélot,ob.cit.,p.224.
5.JeanDabin,DoctrineGénéraledel’État,p.304.
6.MarcelPrélot,ob.cit.,p.226.
7.GeorgesBurdeau,TraitédeSciencePolitique,t.II,pp.326-327.
8.CharlesDurand,“LatechniqueduFédéralisme”,in:LeFédéralisme,pp.180-181.
12
ASUNIÕESDEESTADOS
l.AsUniõesdeEstados:1.1UniõesparitáriaseUniõesdesiguais
—1.2UniõesdeDireitoInternacionaleUniõesdeDireito
Constitucional—1.3UniõessimpleseUniõesinstitucionais—2.A
Uniãopessoal—3.AUniãoReal:3.1TeoriajurídicadaUniãoReal
—3.2DoconceitodeUniãoReal—3.3Aspectosjurídicos,políticos
eadministrativosdeUniãoReal—3.4Exemploshistóricosde
UniãoReal—4.AConfederação—5.A“Commonwealth”—6.As
Uniõesdesiguais:oEstadoprotegidoeasmodalidadesde
Protetorados—7.OutrasformasdeUniõesdesiguais:7.1OEstado
Vassalo—7.2OEstadosobmandatoeadministraçãofiduciária—
8.DoProtetorado“imperialista”aoProtetorado“ideológico”(e
imperialista).
1.AsUniõesdeEstados
AsUniõesdeEstados(Staatenverbindungen)sãoobjetode
classificaçõesdiversas,queentremostramsobretudoasincertezase
dificuldadespresentesaosdiversoscritériosseguidos.Ocorrealiásno
campodoDireitoConstitucionaltendênciaparatomá-lassegundoa
maisamplaacepçãopossível.
QuandodoisoumaisEstadosseunem,asrelaçõesdaí
decorrentesseprocessamoraemtermosdedependênciae
desigualdade,oradeparidadeeindependência.Naevoluçãopolítica
maisrecente,asúltimas—relaçõesdeparidadeeindependência—são
asformasdominantes,aopassoqueasprimeiras—relaçõesde
dependênciaededesigualdade—sevãotornandorelativamenteraras;
tendematéatomarnaexistênciadosEstadoscaráterexcepcionalou
pelomenostransitório,constituindofaseintermediáriaquepreparaou
aincorporaçãototalouainteiraseparação(Nawiasky).
1.1UniõesparitáriaseUniõesdesiguais
SegundoaclassificaçãodoprofessorNawiasky,asUniões
paritáriasabrangemduasmodalidadesdistintas:asUniõesdesprovidas
deorganizaçãoeasUniõesorganizadas.
Asprimeiras—asUniõesdesprovidasdeorganização—que
Prélotinsisteemnãoconferir-lhessequerograudeUniãodeEstados,1
excluindo-asdetodaaclassificação,compreendemascomunidades
administrativas,queregulamentamassuntosestritamentetécnicosou
administrativos,quaisosdenavegaçãoeaduana,bemcomoas
alianças,comfinspolíticosoumilitares.
Assegundas—asaber,asUniõesorganizadas—dispõemde
órgãoscomunseabrangem,segundoaquelepublicistaalemão,as
comunidadesadministrativaspermanentesouorganizadas,comoas
queentendemcommatériasdepeso,moeda,tráfego,correio,etc,eas
ConfederaçõesouFederaçõesdeEstados(Staatenbund)easUniões
(UniãoPessoaleUniãoReal).
AdmiteaindaNawiaskyentreasUniõesorganizadasoEstado
Federal(Bundesstaat),que,segundoele,podeserconcebidocomouma
“Confederaçãoqualificada”,naqual,aoladodosEstados-membros
inicialmentepresentesseacrescentaoEstadocentral,comomembro
ulteriordacomunidadedeEstados.2
AsUniõesdesiguaisimplicamsemprelaçosdesujeição
hierárquicadapartedeumoumaisEstadospostosnumaesfera
inferiordeproteçãoevassalagememfacedoEstadoprotetorou
suserano,cujasuperioridademanifestacomunicaàrelaçãoestatal
notóriocaráterdedependência.
SãoformasdeUniãodesigual:oEstadovassalo,oEstado
protegidoouProtetoradoeoEstadosobmandatoouadministração
fiduciária.
1.2UniõesdeDireitoInternacionaleUniõesdeDireitoConstitucional
Aclassificaçãoquejáenunciamosevamosadotarparaefeito
didáticonodesenvolvimentodestecapítulodistingue,comovimos,as
UniõesiguaisouUniõesparitáriasdasUniõesdesiguais,istoé,na
linguagemdeDelVecchio,as“sociedadesentreiguais”das“sociedades
entredesiguais”.
Deve-seporémfazermençãodeoutrasclassificaçõesigualmente
lúcidascomasdeGieseeBiscarettidiRuffia,queserãoobjetoaseguir
deexposiçãosumária.
AsUniõesdeEstados,segundoGiese,sãodeDireitoInternacional
oudireitoexternoedeDireitoConstitucionaloudireitointerno.
Asprimeiras—UniõesdeDireitoInternacional—podemtomar
tantoaformacomunitária(comunidade)comoaformasocietária
(sociedade).Apresentam,consoanteaqueleautor,aformacomunitária
quandocriamórgãoscomunsdenaturezaadministrativaoujudiciária,
consistindoentãoaUniãonapresençadeummesmochefeparaos
Estados-membros.TalsedánocasodaUniãoReal,modelocomunitário
deuniãodeEstados.
Traduzem-sepelaformasocietária(sociedade)todavezqueo
pactoouacordoengendraorganizaçõesinterestatais.AConfederação
pertenceàformasocietária,apardecertasorganizaçõesinternacionais,
taiscomoaUniãoPostalInternacional,oFundoMonetário
Internacional,aOrganizaçãodasNaçõesUnidasesuasagências
especializadas,aexemplodaUNESCO(“UnitedNationsEducational
andScientificOrganization”),easuniõesaduaneiras,àsemelhançado
BENELUX(Bélgica,HolandaLuxemburgo),oMercadoComumEuropeu,
etc.
Asúltimas—UniõesdeDireitoConstitucional—sãoaquelasque
sefundamnoordenamentointernoestatal,ressaltandodentreas
mesmas,comoprincipal,nostemposemcurso,aFederação.
1.3UniõessimpleseUniõesinstitucionais
OconstitucionalistaitalianoBiscarettidiRuffiadistingueas
UniõessimplesdasUniõesinstitucionais.3
AsUniõessimplesnãodãoorigemaumacomunidadedeEstados,
masimplicamapenasaçãocoordenadadeváriosEstadosparaa
obtençãodefinscomuns.Abrangemasalianças,asUniõesde
Protetorado,easUniõesdetutela,estasúltimas,segundoaconcepção
doantigomandatoinstituídopelavelhaSociedadedasNações,e
renovadonostermosdamodernaadministraçãofiduciária,estabelecida
pelaCartadasNaçõesUnidas.
AsUniõesinstitucionaisjáproduzemverdadeirasUniõesde
Estadoemsuaacepçãoprópria.CompreendemasUniõesgerais,as
UniõesparticulareseasUniõesdoEstadocomplexooucomposto(os
chamados“EstadosdeEstados”).
AsUniõesgerais,nodizerdopublicistapeninsular,sãouniões
abertaseabrangemtodaacomunidadeinternacional,aOrganização
dasNaçõesUnidaseasUniõesadministrativasinternacionais.
AsUniõesparticulares,uniõesmaisfechadas,incluemformas
clássicaseformascontemporâneas.Entreasformasclássicasfigurama
ConfederaçãoouFederaçãodeEstados(Staatenbund),asUniões
monárquicas(UniãoRealeUniãoPessoal)eosProtetoradoscoloniais.
Quantoàsformascontemporâneas,temosasUniõesregionais(a
OrganizaçãodosEstadosAmericanos,aLigaÁrabe,porexemplo)eas
Uniõessupranacionais(aCommonwealtheaUniãoFrancesa).
AsUniõesdoEstadocomplexooucomposto(EstadosdeEstados)
sãoasUniõesdevassalagem,outroraconhecidastambémcomo
EstadosdeEstados(Staatenstaat)eoEstadoFederal(Bundesstaat).
Cumpreassinalar,concluindo,queaexpressãoUniõesde
Estadosnalinguagemmaisantigadospublicistasdesignavaemsentido
genéricoofenômenodofederalismoeemsentidorestritoasUniões
monárquicas(UniãoRealeUniãoPessoal).
Compreende-seassimarazãoporqueGeorgesScelleafirmaque
“adoutrinaclássicadistinguetrêsfenômenosdefederalismoentreos
Estados:asUniõesdeEstados,asConfederaçõesdeEstadoeos
Estadosfederais”.4
2.AUniãopessoal
Dá-seaUniãoPessoalquando,acidentaleinvoluntariamente,as
leisdesucessãodacoroafazemporcoincidênciaqueumsópríncipe
ocupedoistronos,tornando-seassimotitularcomumdopoderem
Estadosqueseconservamtodaviaindependentes.
SãoexemploshistóricosdeUniãoPessoal:InglaterraeHanover
(1714-1837),PrússiaeNeurenburg,(1707-1837),PaísesBaixose
Luxemburgo(1815-1890),DinamarcaeIslândia(1918-1941),Saxôniae
Polônia(1697-1763),aAlemanhaeEspanha,sobCarlosV(1519-1556),
etc.
Na
União
Pessoal
deparam-se-nos
os
seguintes
traços
dominantes:a)aUniãoécasualoufortuita,decorrentedemera
coincidêncianaordemsucessóriadinástica(Stier-Somlo);b)temcaráter
transitório,vistoquecessaovínculocomaextinçãodadinastiaoua
apariçãodeimpedimentosjurídicos,quaisosquepuseramtermoà
uniãopessoaldaInglaterracomHanover,aotempodaRainhaVitória,
poisnesteúltimoreino,comaleiSálica,asmulheresficavamexcluídas
dasucessãoaotrono;c)nãoseformanenhumfundamentojurídico
unitárioentreosEstadosparticipantes,quemantêmintactasua
soberania,sendoaUniãodestituídadepersonalidadejurídica
internacional,desortequeomonarcaatuacomochefedegovernos
separadosedistintos:d)inexistemrequisitosespeciaisparaa
dissoluçãodaUniãoPessoal,quesedesfazporsimesma,bastandopor
exemplosevenhaasubstituirapessoadomonarcaporumregente,
aindaqueesteexerçaopoderemnomedaquele(NawiaskyeSeidler);e)
oúnicotraçodeuniãoentreosEstadosficasendoapessoadomonarca
comum,quesimultaneamentepodepresidirainstituiçõesdistintase
atémesmoopostas,comonocasodaUniãopessoaldaBélgicacomo
EstadoLivredoCongo(1885-1908),quandoomesmoreinumEstado
eramonarcaconstitucional,noutromonarcaabsoluto(Prélot),conforme
sedeucomLeopoldoII,cujamorteocasionouofimdareferidaUnião,
volvendo-seoCongoemsimplescolôniadaBélgica.
AUniãoPessoaltorna-secadavezmaisrara,àmedidaquese
observaodeclíniouniversaldosistemamonárquico.
ContraessaformadeuniãodeEstados,dequesãotantosos
exemploshistóricos,semprehouvejustificadadesconfiança.Fez-se
objetodeabusoscomomeiopreparatóriodestinadoageraruniãomais
firmeouatémesmofusãodeEstadosoriginariamentedistintos.Tal
ocorreunocasodeCastelaeAragão,comIsabeleFerdinando,da
InglaterraedaEscóciacomosStuarts,edaÁustriaeHungria,
consoanteassinalamJellinekeMaxSeydel.
AlgunsEstadosmonárquicoschegamatomarmedidas
acauteladorascontraessaformadeUniãoque,juridicamente
irrelevanteouinexistente(SantiRomano),temtodaviaconsiderável
importânciapolítica.Sobesseúltimoaspecto,porexemplo—opolítico,
—aUniãoPessoalfazimpossível,oupelomenosabsurda,aguerrados
Estadosparticipantes,quelevariaummonarcaaencetaraguerra
contrasimesmo.Oparalelismodosdoisordenamentosjurídicos
distintosnãoexcluitodaviaacelebraçãodetratadosealiançasentreos
Estadosadmitindo-sepoliticamenteahipótesedeumestarempazeo
outroemguerracomterceiros.
Osautoresalemãeseitalianosordinariamentedãotodaaênfase
àUniãoPessoalcomoformaassociativadecunhoestritamente
monárquico.OpublicistafrancêsMarcelPrélot,todavia,emposição
contráriaadeJellinek,entendeaesterespeitoqueépossívelencontrar
tambémaUniãoPessoalnossistemasrepublicanos,comaeleiçãode
umsóPresidenteparaváriosEstados.Segundoele,assimaconteceu
comBolívar,PresidentesimultaneamentedetrêsRepúblicas:oPeru,
em1813;aColômbiaem1814,eaVenezuela,em1816.5
3.AUniãoReal
ComaUniãoRealverifica-seassociaçãodeEstadosemqueo
vínculoresultapropositaledeliberado,fundadonavontadeunânimee
convergentedosEstados-membros.Aocontrário,pois,daUnião
Pessoal,caracterizadapelaausênciadeintencionalidadeeocorrentepor
meroefeitodoacaso,conformevimos.
TraçoinseparáveldaUniãoRealéapresençadomesmomonarca,
emcujapessoaseresumeanoçãodessaformadepluralidadeestatal,
queadmitedemodoapenasacidentalenãobásicoaexistênciade
instituiçõescomunsaosEstadosparticipantes,comoparlamentose
ministérios.
RessaltaJellinekqueaUniãoRealéformadeassociaçãoum
tantoraranopassado,compoucosexemplosnopresenteede
reapariçãoproblemáticaedifícilnofuturo.Sendotípicadostempos
modernossurgeapenasquandoasmonarquias,alcançandograumais
altodedesenvolvimentooperamaconsolidaçãodaunidadeestatal,
medianteotriunfodarealezasobreavelhaordemdascorporações.Do
pontodevistapolítico,entendeaqueleautoralemão,nessamesma
seqüênciadereflexões,quenaUniãoRealestáareceitadequese
valeramasmonarquiasquandoimpotentesemalogradasseviramem
suasdiligênciasporfundarumEstadounitário.Comoasdiferenças
nacionaisimpediameventualmenteesseresultado,fez-seusode
referidaformadecompromisso.6
3.1ATeoriajurídicadaUniãoReal
VáriasteoriasbuscamexplicaranaturezajurídicadaUniãoReal.
SegundoSantiRomanoasprincipaissão:a)ateoriaqueconsideraa
UniãoRealcomoordenamentointernacional;b)aquereputareferida
modalidadedeUniãoverdadeiroordenamentoestatal,formadopelasleis
constitucionaiscomunsdosdoisEstados;c)ateoriadoparalelismo,
quenegaaoordenamentocaráterjurídico,masosupõeresultantedo
paralelismoestabelecidoentreosdoisEstadoscomponentesdaUnião,
quandoestes,mediantelegislaçãocorrespondenteourecíproca,
resolvem,porcontaprópria,instituiromesmomonarca,ensejando
assimaapariçãodeumconjuntodenormastão-somentesociais,
destituídasporémdecaráterjurídico.7
Oconspícuojuristaitalianoentendeaindaquereferidasteorias
sãoerrôneaseinsustentáveis,achandoqueaUniãoReal,embora
origináriadeumasituaçãodefato,podetodaviaadquirircaráter
“plenamentejurídico”.
Tomandoporincorretaasegundadaquelasteoriasmencionadas,
queassentaabasedaUniãoRealsobreleiconstitucional,afirma
JellinekcomofundamentojurídicoúnicodereferidaUniãooacordo,ou
seja,avontadecomumdosEstados.8
OinternacionalistafrancêsGeorgesScellenãofazgrandecabedal
darigorosacaracterizaçãojurídicadaUniãoRealqualaquesecontém
nasteoriasprecedentes.
Presomaisàobservaçãoeevidênciadosfatosdoqueàcerteza
doutrinária,asseveraele,umtantoeclético,que“ofederalismo
unionistapodeindiferentementeterporbaseumaConstituição(Suécia
eNoruega,AtodeCarlosXIII,1815)asaber,umatoregulamentar,na
aparênciaunilateral;umtratadoentregovernosinteressados,istoé,
umaregulamentaçãoconvencionalouatélegislaçõesparalelas,nos
Estados
interessados
(na
Áustria-Hungria,
por
exemplo,
pelo
compromisso
de
1867),
cuja
elaboração
haja
sido
porém
necessariamentenegociada”.9
3.2DoconceitodeUniãoReal
Amaiorpartedosautoresachaqueaintençãodeestabelecerde
mododuradouroesobquaisquercircunstânciasummonarcacomum
paradoisEstadosdefineessencialmenteaUniãoReal.Detodo
irrelevantequetalvontadesecontenhademodoexpressonumacordo
ouseexerçaimplicitamente(Anschuetz).Aesserespeito,oqueimporta
éoconteúdodevontade,ouseja,aintençãodeassentarsobredois
tronosdiferentesomesmomonarca.
JuristascomoAnschuetz,MaxvonSeydel,Jellinek,Mortatitae
BiscarettidiRuffiavêemaíapartefundamentaldoconceito.
Noentanto,orealquedánomeaessamodalidadedeUnião,não
derivaderex,rei,masderes,coisa,emcontraposiçãoàidéiadepessoa,
quequalificaaUniãoPessoal.Essacomunhãodecoisas,interessesou
negóciosserviudebatismoatalmodalidadedeUniãoeimpeliuos
Estadosaolaçoassociativo;nãochegaporémaserelemento
constitutivoessencial,mastão-somentepressupostodovínculo
estabelecido.OfundamentosobreoqualassentaoconceitodaUnião
Realéparaaquelacorrentedeautoresadeterminaçãovoluntáriade
estabeleceraUniãodemodoinstitucionalnapessoadomonarca
comum.
Osórgãosgeraisquepromovemagestãodosinteressescomuns
sãodadosapenasacessórios,deexistênciaocasional,nãotendo
ademais,segundoG.Meyer,ocaráterdeórgãosdeumacomunidade
maioresuperioraosEstados,senãoqueexistemtão-somentecomo
órgãosdecadaEstadoparticulareassociado.10
Demododistinto,todavia,parecempensarjuristasda
envergaduradeHauriou,PilottieRanelletti.Comefeito,escreveeste
últimoqueaUniãoReal“consistenauniãodedoisoumaisEstados
paraproveremcomumecomórgãoscomunsdeterminadas
matérias”.11
MaisexplícitoaesserespeitovemasersobretudoPilotti,quando
nosdáoseguinteconceitodeUniãoReal:“PoroposiçãoaosEstados
quenãoestãounidossenãonapessoadeseuchefe,aUniãoReal
associaosEstadosrelativamenteaoobjeto,resdesuaatividade
comum”.
Comosevê,taisjuristasfazemdacomunhãodosinteressesparte
necessáriadoconceitodeUniãoReal.
3.3Aspectosjurídicos,políticoseadministrativosdaUniãoReal
Dentreosaspectosjurídicos,políticoseadministrativosdaUnião
Realcumpreressaltarosseguintes:a)aUniãoReal,adespeitodeseu
carátermonárquicoseassemelhamaisàConfederaçãodoqueàUnião
Pessoal;b)entreosEstadosparticipantesnenhumaguerraépossível;c)
adefesacomumcoobrigaosEstados-membrosdaUniãoemfacedos
demaisEstados;d)aUniãoRealnãochegaaconstituirnovosujeitode
direito:cinge-seaumarelaçãojurídica,nãocriaportantonovoEstado
masapenasumauniãodeEstados;e)aUniãoReal,nãosendoEstado,
nãoengendranenhumpoderdotadodesoberania,acujavontadese
dobremosEstadosparticipantesdaUnião(Jellinek);f)aUniãoReal
abrangeviaderegraEstadosterritorialmentecontíguos(Georges
Scelle);g)asoberaniadosEstados-membrospermaneceintacta,
conservando-seelesindependentesentresi,adespeitodoacordoque
instituíaUniãoReal;h)aUniãoporsimesmanãoelaboraleis
(Jellinek);i)aUniãoRealexcluiadministraçãounitária,nacionalidade
própria,territóriounitárioeeconomiacorporativa,masadmite
administraçãocomumeeconomiasocietária(Jellinek);j)aUniãoReal,
quantoàsuaduração,sesupõepermanenteoutransitória,cingindo-se
nesteúltimocasoàexistênciadeumadinastiaouaoperíododepoder
deumgovernante(vonSeydel);k)dissolve-seaUniãoRealporacordo
dosEstadosmembrosoupelaextinçãodostratados,comoéfreqüente
apósotérminodeumaguerra(Ranelletti);1)comaUniãoRealos
Estadosusualmenteestabelecemexércitoemarinhacomuns,adotama
mesmapolíticaexternaetantoenviamcomorecebemdiplomatas
comuns(Ranelletti);m)osoberano,assimcomoosministroscomunse
osdiplomatasnãoatuamnacategoriaderepresentantesdeumsó
poder,umtodojurídicoúnico,orgânico,acimadosEstados,senãoque
representam
os
Estados-membros
na
unidade
da
comunhão
(Ranelletti);n)asrelaçõesentreosdoisEstadoscomponentesdaUnião
sãorelaçõesinternacionais(GeorgesScelle).
3.4ExemploshistóricosdeUniãoReal
OImpérioAustro-Húngaroofereceoexemplomaisidôneoe
significativodeUniãoReal.Ocompromissode1867,dequeresultou
essaformaçãopolítica,hásuscitadoalgumasdúvidasdejuristas,que
admitemhajaaUnião,até1907,gozadodepersonalidadeinternacional,
furtando-seassimdecertomodoàquelequadrojávistode
caracterizaçãodessaformadevinculaçãodeEstados.
Depoisde1907até1918,quandoaUniãosedissolveuapósa
PrimeiraGuerraMundial,essaaparênciadesujeitodaordem
internacionalconferidapormuitosaoimpérioAustro-Húngaro,como
queseextingue.
Nocasovertente,observa-seademaisqueamesmapersonalidade
eraaumtempoImperadordaÁustriaeReidaHungria:como
ImperadordaÁustria,chamava-seCarlosIecomoReidaHungria,
CarlosIV(Kuechenhoff),ali,portanto,coroaimperial,aqui,coroareal,
ficandoassimaUniãoestritamentereduzidaàpessoadomonarca.A
comunhãoporconseqüênciasefezapenasnapessoadosoberano,
permanecendotodaviadistintoseseparadososórgãosoutítulosda
direçãosuprema.
ExemplotambémdeUniãoRealnaEuropafoiaquese
estabeleceuentreaSuéciaeaNoruega,em1815,comduraçãoaté
1905.ADinamarcaeaIslândia,segundocertosautores,constituíram
porigualexemplodeUniãoReal,desde1918atéaSegundaGuerra
Mundial.
4.AConfederação
Semperdadasrespectivassoberanias,podemváriosEstados
associar-sedebaixodeformaestáveldeunião,quelhesconsenteseguir
políticacomumdedefesaexternaesegurançainterna,medianteórgãos
interestatais,cujospoderesvariamquantoàespécieeaonúmero,
conformedelegaçãocometida.Essaformatomouhistoricamentea
denominaçãodeConfederação.
Encontramo-lanosseguintesexemplos:aConfederaçãodos
PaísesBaixos(1579),aConfederaçãodosEstadosUnidos(1778-1787),
aConfederaçãoSuíça(1815-1848),aConfederaçãodoReno(1806-
1813)eaConfederaçãoAlemã(1815-1866).DasConfederações,
algumassedissolveram,outrasseconverteramemEstadosfederais,e
umaatépassouaEstadounitário,comofoiosingularcasodaHolanda,
referidoporPréloteLeFur.
Presentemente,hádiversosmovimentosinternacionaisque
poderãodemodoeventualconduziràreapariçãodessaespéciede
união,cujaforçaagregativapermanecevivaeinexausta.
Aobservaçãohistóricanosensinaqueosistemaconfederativo
oferecequasesempreumremédioparaaausênciadeunidadepolítica
ouestataldeumpovo,umasoluçãoprovisóriaouintermediáriapara
Estadosdistintos,masculturalmenteirmanadospelahomogeneidade
dasbasesnacionaiscomoosEstadosárabes,porexemplo;umprimeiro
passonapreparaçãodeuniãomaisíntima,comoaFederação,daqualo
sistemaconfederativosefazprecursor;ummeio,enfim,demelhor
salvaguardarinteressesquedestasorteficammaisseguramente
resguardadoscomauniãodoquecomaseparaçãodosEstados.
Da
Confederação
resultam
determinados
elementos
de
identificação,consoanteentramosaenumerar:
a)AConfederação,comosociedadedeEstadosjuridicamente
iguais,queseconservamautônomosesoberanos,repousanumtratado
enãonumaConstituição.
b)AConfederaçãonãocrianenhumpoderestatal,nenhum
ordenamentoprovidodeimperiumsobreosEstadosparticipantesda
comunhão(Jellinek),nenhumsujeitodedireito,nenhumcorpodotado
deórgãosefunçõespróprias,nenhumvínculodedireitopúblicointerno
entreosEstados;criou-setão-somentemedianteaConfederaçãouma
relaçãojurídicainternacional,umsistemadecoordenaçãodevontades
políticas,cujabasecontratualassentavisivelmentesobreumalimitação
consentidadasoberaniadecadaEstado-membroparaconsecuçãode
finscomuns.OslaçosconfederativossãoporconseqüênciadeDireito
InternacionaleasrelaçõesentreosEstadosdeordemdiplomática.
c)OpoderdaConfederaçãolidacomEstadosenãocomcidadãos.
Nenhumaatribuiçãoexercemsobreosindivíduososórgãosinstituídos,
vistoqueaConfederaçãonãoengendraumacidadania,nãopossui
territóriopróprio,nãoconstituisequerumpoderestatal,mas
simplesmente,comovimos,umaUnião,um“compostodeEstados”e
nãoum“Estadocomposto”(Prélot).
d)Reconhece-seàConfederaçãoodireitodesecessão.Comoos
poderesconsentidosoudelegadosparaproverfinscomunsdeordem
militarediplomáticasãoespecíficoselimitados,apresunçãoem
matériacontroversaéfavorávelaosEstadosconfederados.Conservando
intactaasoberania,podemestesdenunciarotratadoeretirar-seda
Confederação.
e)Ocorpodeliberantequeservedeinstrumentocomumaos
EstadosconfederadossechamaDieta.Compõe-sedeChefesdeEstados
ouembaixadores,quetomampormaioriadevotosasdecisões
enquadradasnacompetênciadaConfederação,cujospoderestodaviasó
sealargamporunanimidade.Viaderegraaquelasdecisõesseadotam
adreferendumdosgovernosdosEstadoscomponentes.
f)AaçãounitáriadaConfederaçãoseprojetaordinariamentepara
foraenãoparadentro,ditadaprincipalmentepelasrazõesimperiosas
quejustificamaexistênciadessaassociaçãodeEstados,aqual,em
temposdeguerra,porexemplo,demandaidentidadeabsolutade
comandoepolíticaexterna.
g)Comoaatividadeconfederativasefaznomeadamenteparafora,
noâmbitodasrelaçõesentreEstados,oDireitodasGentesreconheceà
Confederaçãopersonalidadeinternacional.Arigor,trata-sede
impropriedade,porquantoaConfederaçãonãoconstituiEstado,por
minguar-lhe,conformeasseveraJellinek,otraçoessencialdetodo
ordenamentoestatal,asaber,opoderdeimporumavontadequenão
fiquecondicionadapelavontadedequemquerqueseja.12
h)NaConfederação,aocontráriodoquesepassanasFederações,
atônicadopoderrecaisobreosEstadossingulares,formandoestesa
variedadedeassociação,que,segundoPrélot,maisatendeaoideal
proud-honiano.Esseidealseachacifradonaquelaformadefederalismo
preconizadapeloautordaobraDoPrincípioFederativo,equeconsiste
precisamentenumcontratoemqueoscontratantes“ressalvammais
direitos,liberdades,autoridadeebensdoqueaquelesdequese
despojamaoformaremopacto”.13
5.A“Commonwealth”
Ogêniopolíticodopovoinglês,decarátertãoacentuadamente
anti-federalista,
de
índole
tão
predominantemente
unitarista,
desenvolveu,nãoobstante,certaformatípicadeassociaçãodeEstados
—a“Commonwealth”oucomunidadedeEstados—quenãose
coadunacomossistemasconhecidosdeuniãoestatal.
A“Commonwealth”representademodoaparenteopontode
chegadadaevoluçãopolíticaeconceitualdoantigoImpérioBritânico,
emcujahistórialemos,segundoZimmern,trêsfasesdistintasde
compassado
desdobramento:
colonialismo,
autonomia
ou
self-
governmentesoberania.
OPrimeiroImpérioBritânicopertenceaoséculoXVIII.AGrã-
Bretanhasegueentãoumapolíticaqueemnadasedistinguedaquela
seguidapelasdemaispotênciascoloniais.Ametrópole,basedeum
podercentraleabsoluto,regesuascolôniascomamesmamão-de-ferro
detodasascoroasquedesfrutavamoantigosistemacolonial,fundado
nomonopóliodocomércioenaespoliaçãoeconômicadaspopulaçõesde
Ultramar.
Emalgumaspartesporémacolonizaçãopeloelementoanglo-
saxônico,qualocasodas13colôniasamericanas,trouxedesdeo
princípioacentuadosentimentoautonomista,concomitanteàprópria
fixaçãodapopulaçãocolonial,sentimentopostodesdelogoem
antagonismoecontradiçãocomosmaisempenhadosinteressesda
metrópole.
OSegundoImpérioBritânico,deZimmern,começaquandoa
consciênciadirigentedoImpériodescobrequeasuapolíticacolonialde
inteiraignorânciaesupressãobrutaldosentimentoautonomista
conduziriainevitavelmenteaocolapsodaunidadeimperial.Passaassim
aextrairdosacontecimentosqueculminaramcomaemancipação
americanaaliçãodequeviriaaresultararevisãodaantigapolítica
colonial.
Destafeita,comoséculoXIX,aGrã-Bretanhainaugura
plenamenteemseusdomíniosapráticadoself-governmentou
autogovernolocal,atribuindo,desde1791,aliás,representaçãoaoAlto
eBaixoCanadá.
ORelatóriodeLordDurham,em1849,firmademaneira
inequívocaoprincípiodogovernoresponsávelnaspossessõesde
Ultramar,queentramadispordeConstituiçõesverdadeirasepróprias.
OParlamentodeLondres,liberandocompetênciaconstitucionalaos
Domínios,concorreuparaqueestesgradativamenteinstaurassem
governosdotipoparlamentar,comoosdoCanadá,em1867,da
Austrália,em1900,edaNovaZelândia,de1852a1907edaÁfricado
Sulem1909(BiscarettidiRuffia).
OTerceiroImpérioBritânicotestemunhaoCoroamentodalenta
caminhadaquetrouxeasantigaspossessõesdostatuscolonialà
plenitudedopoderpolíticosoberano.Aessaplenitudesechegadepois
deprogressivatransiçãoautonomista,semquetodaviasedesatassema
estaalturaoslaçosdeuniãoimperial,agoraassentadossobreo
princípiobásicodacooperaçãoedasolidariedadedospovos
participantes.Asraízesdauniãomergulhamnatradiçãodaconvivência
política,culturalecivilizadoradametrópolebritânica.
É
a
fase
corrente,
que
resultou
na
instituição
da
“Commonwealth”,formasingulareprivilegiadadeuniãodeEstados,
quetodosvacilamemclassificardeUniãoRealouConfederação.
PrincipiouessafasedesdeaConferênciaImperialde1916,que
reconheceu,delogo,aindependênciadosDomíniosnotratode
assuntosinternoseexternoseconfirmouaexistênciadeuma
“sociedadedecomunidadesautônomas”,asquais,inspiradasjápelas
máximasdeliberdadedospovos,invocadasduranteaPrimeiraGuerra
Mundial,puderamfacilmentereivindicarparticipaçãoativanas
estipulaçõesdoTratadodeVersailles.
Estavaassimasseguradaapersonalidadeinternacionaldos
Domínios,quesetransformaramentãoemverdadeirosEstados.
Completara-sejáociclointernodediferenciaçãoeautonomiadostrês
ramosbásicosdopoder:olegislativo,oexecutivoeojudiciário.Daípor
diantealarga-seeconsolida-seemtermosdeconfirmaçãouniversala
presençasoberanadosDomíniosnasrelaçõesinternacionaiscomo
Estadosautênticos,cujaautonomiaoRelatórioBalfourde1926eo
EstatutodeWestminsterde1931tornaminequivocamenteexplícita.
Temosentãodetodoformadaedelineadaa“Comunidade
britânicadenaçõeslivreseindependentes”,a“BritishCommonwealth”,
providade“órgãospolíticosetécnicasdecooperação”,aqualchegaaos
nossosdiasfundadanumacomposiçãoheterogêneadeEstados,ondea
formamonárquicaconvivecomaformarepublicana,mediante“um
vínculoderecíprocacooperaçãoecolaboração”detodososEstados-
membros.
ComoingressodeEstadosdepopulaçõesestranhasàorigem
anglo-saxônica,aComunidadebritânica(“BritishCommonwealth”)
deixoudeserbritânicanaqualificaçãoepassouaternome
simplesmentede“Comunidade”(“Commonwealth”),emestreita
consonância
com
seu
caráter
“multirracial,
multicultural
a
multilingüístico”,formandouma“UniãolivreeparitáriadeEstados
soberanos”.
Faltamà“Commonwealth”órgãosprópriosedefinidosde
naturezaestatal.Tampouconosdeparamosalicomumordenamento
federativo,dotadodeConstituiçãocomum,providodepoderexecutivo
central,nemsequercomforçasmilitaresunidasparaproverfins
comunsdedefesaesegurançacoletivadaComunidade.Destasorteo
traçodeuniãosevaitornandoaparentementeomaisfrouxopossívelà
mínguadeinstituiçõesconcretas,quesirvamdeinstrumentoao
princípioda“Commonwealth”,asaber,aquelaidéiadecolaboração
voluntária,daqualsefezsímboloexterioreformalaCoroaBritânica,e
órgãodeconsecuçãoachamadaConferênciadePrimeiros-Ministros,
reunidaporémaintervalosirregulares,emLondres,comfins
meramenteconsultivos,adespeitodetodososesforçosempregadosno
sentidodeconvertê-laemGabineteda“Commonwealth”.
OchamadoTerceiroImpérioBritânicoestáporconseguinte
reduzidoànovaconcepçãoda“Commonwealth”,detodoinfielpara
traduzirsequerareminiscênciaimperial.
Muitosentendem—ecomrazão—queoImpérioBritânico
chegouaofim;a“Commonwealth”éapenasnomesaudosoe
sentimentalcomqueevocarouhistoriaracaminhadapaulatinade
povosque,semrompimentoformal,alcançaramnapazeno
consentimentocomumaplenasoberania,conservandodesuaunião
apenasafraternidadedasorigens,oapeloaosinteressescomuns,a
convergênciadesentimentos,osímbolodaboa-vontade,osmanifestos
propósitosdecooperação.
A“Commonwealth”mesma,deordenamentointraimperialse
converteu
definitivamente
em
ordenamento
da
comunidade
internacional,desdequesetêmobservadodissídiosdeseusEstados-
membros,levadosnãoraroaoplenáriodasNaçõesUnidas,comono
casodascontrovérsiasfronteiriçasentreaÍndiaeoPaquistão,sobreo
Cashemir,oudasdisputasraciaisdaÁfricadoSul(expulsada
Comunidade)comaÍndiaemaisEstadosda“Commonwealth”,
pertencentesàirmandadeafro-asiástica.
A“Commonwealth”,noscorrentesdias,abrangeduascamadas
distintasdeEstados.Aprimeira,maisconcêntrica,doscomponentes
antigosequeadotamdentrodaUnião,salvoadissidênciarepresentada
pelaÁfricadoSul,osímbolomonárquicounificador,queacoroada
rainhaexprime.SãoestesaGrã-BretanhaeIrlandadoNorte,oCanadá,
aAustráliaeaNovaZelândia.
Osegundogrupo,queficajánaperiferiadaOrganização,se
compõeprincipalmentedemembrosmaisrecentes,quasetodossoba
formarepublicana,àexceçãodoEstadoFederaldaMalásia(1957),com
suamonarquiaparlamentar.Compreendeestacamada,entreoutros,os
seguintesEstados:Índia,Paquistão,Ceilão(1947-1948)eGana(1957),
esteúltimooprimeiroEstadoderaçanegraqueentrounacomposição
da“Commonwealth”.OEire(IrlandadoSul),queseguetambéma
formarepublicana,afastou-sedaComunidadeem1949.
6.AsUniõesdesiguais:oEstadoprotegidoeasmodalidadesde
Protetorados
DesignandooProtetoradocomo“avassalagemmoderna”,
assinalandosuasbasescontratuais,referindoograuvariávelde
sujeiçãoquesemelhanteformadesociedadedesigualdeEstados
comporta,oconspícuointernacionalistafrancêsGeorgesScelleexprime
anaturezadessarelaçãodetutelasegundoamaneiracomofoi
concebida,justificadaepraticadanaordeminternacionalpelasgrandes
potênciascomprometidascomtalsistema.Afirmaaesserespeito:“O
fimdoProtetoradoéguiareprotegerumacoletividadeestatalmuitomal
organizadaoumuitofracaparadirigir-sepoliticamenteporsimesmaou
paraproversuasegurança.Estaproteçãodeveserentãoassegurada
pelogovernodeumEstadoaumtempoculturalmentemaisadiantadoe
materialmentemaisforte”.14
OProtetorado,fasejurídicatemporárianavidadealgumas
coletividadesterritoriaissujeitasaoextintoimperialismocolonialista,
quedissimulavaasrealidadesmaisbrutaisdatutelapolíticae
econômicaatravésdeumpaternalismoaparente,comosehouvera
semprecoincidênciaesolidariedadedeinteressesdoEstadoprotetor
comosdoEstadoprotegido,chegoupraticamenteaofimporefeitodos
movimentosdeemancipaçãoeautodeterminaçãodospovos,oriundos
dasduasguerrasmundiaisdesteséculo.
OslaçosdedependênciaaqueficasubmetidooEstadoprotegido
arrebatam-lhetodaaautonomiaemassuntosdeordempolíticae
econômica.ForadoconsentimentoearbítriodoEstadoprotetor,
nenhumaáreadeaçãoselheconcede.Suainiciativanaesfera
internacionalseachaigualmenteparalisada.Todaacapacidadeparaa
gestãodosnegóciosinternacionaiscabeaoEstadoprotetor.Este,no
desempenhodasobrigaçõesdetutor,comqueproverasegurançado
Estadoprotegido,vaiaoextremodaocupaçãomilitar,serazõesde
autoconveniênciaassimoditarem.
Distinguem
os
internacionalistas
três
modalidades
de
Protetorado:osProtetoradoscoloniais,osSemiprotetoradosamericanos
eosProteto-internacionais.
OsProtetoradoscoloniais,queScellereputao“tipoclássicode
Protetorado”,supõem,segundoomesmoautor,“nãosomenteuma
diferençadepoder,masumcontrastetotaldecultura,deraçaede
vocaçãointernacionalentreogovernoprotetoreogovernoprotegido”.15
Ocolonialismodessafaseintentalegitimar-sepelamissão
civilizadoraquedesempenharespeitanteàspopulaçõesdosterritórios
dominados.Aocontráriodosinteresseseconômicosunilaterais,jamais
dissimulados,dosperíodosanterioresàemancipaçãodascolônicas
inglesaseibéricasdocontinenteamericano,ocolonialismodoséculo
XIXedecomeçosdoséculoXXbuscavaapoiarsuapresençanasáreas
deexploraçãocolonialsobreabasedeinteressescomunsebilaterais,
contribuindo
as
potências
colonizadoras,
segundo
o
pretexto
imperialista,comoselementosdatécnicaedacivilizaçãoparao
gradualdesenvolvimentodaspopulaçõesdessesterritórios.Os
protetoradosinglesesefrancesesnaÁfricaenaÁsiaforamexemplos
vivosdessamodalidade.
OsSemiprotetoradosamericanostiveramapariçãohistóricacom
ossucessivosepisódiosdaintervençãoarmadadosfuzileirosnavaisdos
EstadosUnidos,cujosdesembarquesnasRepúblicasdoCaribese
fizeramsempreemnomedaproteçãodosinteressesamericanoseda
apregoadaconveniênciademanternosEstadosdaAméricaCentral
umasituaçãopolíticaestável.Conheceramocontatoeapresençadas
armasamericanasemseusolo,instituindoaliporalgumtempoformas
desemiprotetorado,osseguintesEstados:Cuba(1903),República
Dominicana(1907),HonduraseNicarágua(1911)eoHaiti(1915).
Porúltimo,comoProtetoradointernacionaloude“Direitodas
Gentes”sãopostosfaceafaceEstadosdomesmoníveldecivilizaçãoe
cultura,masconsideravelmentedesiguaispelosíndicesderiquezae
forçamaterial,servindoarelaçãodegarantiaàsegurançadoEstado
maisfraco,quepassaareceberaproteçãoessencialdoEstadomais
forte,oEstadotutor.Citamostratadistascomoexemplosde
ProtetoradointernacionalosestabelecidospelaFrançanoMônaco,pela
InglaterranasIlhasJônicas,de1815a1863,enoTransvaal,em1881,
bemcomoaquelequeoJapãoestendeusobreaCoréia,desde1905até
aúltimaGuerraMundial.
7.OutrasformasdeUniõesdesiguais
AschamadasUniõesdesiguaisabrangemumperíodopolíticojá
ultrapassadonaHistória.Seusrestosseachamemliquidação.
Modernamentecorrespondememlargaparteàfasequeseestendeda
ruínadoPactoColonialatéaexpansãonoséculoXIXdoimperialismo
europeueseusubseqüentedeclínioeextinçãoporefeitodasguerras
mundiaistravadasesteséculo.
Vãodesdeaantigarelaçãocolonial,difícildeenquadrar-seno
esquemavertente,porquantonãoestamosaindaempresençade
coletividadesterritoriaiscomníveispolíticosquelhesconfiramjá
caráterestatal,atéasformasintermediárias,queexprimemdistintas
relaçõesdesubordinação,diferentesgrausdeamadurecimentopolítico,
econstituemosmodelosmaisválidoseautênticosdessamodalidade
histórica,conhecidasobadesignaçãodesociedadesdesiguais.
AbrangemestasoEstadovassalo,oEstadoprotegidoouProtetorado(já
examinado),eoEstadosobmandatoeadministraçãofiduciária.
7.1OEstadovassaloAsrelaçõesdevassalagemnoEstadomodernoresultamaindada
IdadeMédia,quandotevegrandevogaosistemadosvínculospessoais
entreosenhorfeudaleascoletividadesruraisservas.
NavassalagemtemosoEstadovassaloemfacedeumEstado
soberano,dependendooprimeiroformalmentedosegundoporuma
relaçãodesubordinação.Aessênciadessacategoriajurídica,segundo
DelVecchio,consisteno“vínculodefidelidadeaoEstadosoberano,
deverdecooperaçãomilitar,obrigaçãodepagartributoeausênciade
capacidadeinternacional,semperdadospoderessobreossúditos”.16
Sãotraçosqueconfiguramavassalagempolítica:a)suaorigem
numatounilateral;b)osordenamentosestatais,postoquesujeitosao
vínculodesubordinação,corremparalelos,semnenhumaconexão
políticanecessáriaentreambos,queimpliquecomunhãoinstituída
atravésdeórgãoscomuns;c)sujeiçãoindiretadoterritórioedos
habitantesdoEstadovassaloaoEstadosuserano(Jellinek);d)ocaráter
protecionista,paternalistaefeudaldainstituição;e)historicamente,
oscilaentreaemancipaçãoeaabsorção(Prélot);f)nãogeravassalagem
asimpleshegemoniapolítica,econômicaereligiosa,porquantoa
vassalagemsósedeclaracomaexistênciadolaçojurídicode
dependência(Prélot);g)auniãodevassalagem(Staatstaatenou
Herrschaftsverband,segundoOttovonGierke)pertenceàesferado
direitopúblicointerno,postoquehajaautoresentendendosituá-lana
órbitadoDireitoInternacional;h)desprovidodecapacidadeou
personalidadeinternacional,oEstadovassalotemasoberaniainterna
consideravelmenteamputadapeloreconhecimentofeitoaoEstado
suseranoparaalargaraprópriacompetência.
OmovimentoanticolonialistaeantiimperialistadoséculoXX
arruinoutodoosistemadedependênciajurídicaquesancionavaa
supremaciadeunsEstadossobreoutros,ficandodefinitivamente
ultrapassadaavassalagem,doravanteumanacronismo,uma
instituiçãofóssil,quepertenceaopassado.
Osúltimosexemplosconhecidosdevassalagemforamos550
EstadosdaÍndia,atéaindependênciade1947,quandoquebraramos
derradeirosvínculoscomoImpérioBritânico.NoséculoXIX,osEstados
cristãosdosBalcãs—MoldáviaeValacchia(Romênia),aSérviaea
BulgáriaforamvassalosdoImpérioOtomano,bemcomooEgito
muçulmano.
7.2OEstadosobmandatoeadministraçãofiduciária
Aocabodeduasguerrasmundiais,reacendeu-secomtodaa
cruezaodebatecontraditórioacercadasoluçãodoproblemacolonialna
idadededecadênciadoimperialismo.
Oslemasliberdadeeautodeterminaçãodospovosnunca
estiverammaisvivosdoquenocursodasguerras,quandoaspotências
aliadasalimentavamnaquelesprincípiosasbasesmoraisejurídicasde
suacausa.Fizeram-seentãodramáticosapelosàsolidariedade
universaldasnaçõesesolenesdeclaraçõesdefénodireitodetodosos
povos.Cessadososdoisconflitos,criaram-seporémsituações
embaraçosaseirrevogáveisnocampodasreivindicaçõesautonomistas
daspopulaçõesmantidasatéentãosobstatuspolíticoinferiore
dispostasjáàssoluçõesdeforçaeviolência,paraabolirdevezo
sistemacolonial.
Suscitou-seentãoapósaPrimeiraGuerraMundialaquestãodo
destinoquesedariaàscolôniasdosEstadosvencidosnoconflito
armado.Transferi-laspuraesimplesmenteaindasobaformaclássica
deProtetoradoàspotênciasvitoriosas,equivaleriaaconfirmaras
suspeitasdequeoslargosegenerososprincípiosapregoadosnaguerra
ficariamdeslembradosnapaz.Concebeu-sepoisadestinaçãodas
colôniasaosEstadosvencedores,massoboregimede“mandatos”.A
organizaçãopolíticainternacional,nocasoaantigaSociedadedas
Nações,investiriadeterminadosgovernosnatuteladaspopulações
coloniaispararegê-lasnointeressedesuaprogressivaemancipação,
atéquealiascondiçõesmateriais,moraiseculturaisestivessem
suficientementeamadurecidas,emordemacapacitá-lasàplenafruição
daliberdadeesoberania.
Asgrandespotênciasrecebiamdestasorteoespóliocolonialcomo
um“ônus”eseprestavam“humanitariamente”aadministraraquelas
coletividadesterritoriais,comolembraGeorgesScelle,“nascondições
particularmentedifíceisdomundomoderno”(Art.22doPacto).
Estava,comodisseesseautor,instituídauma“formade
Protetorado”,
sob
regulamentação
e
controle
da
comunidade
internacional,“representadanaocorrênciapelaSociedadedas
Nações”.17
Pertinenteànaturezadomandatosãoaindainsubstituíveisas
palavrasdoinsigneinternacionalistafrancêsaoasseverar:“Oregime
comportavacertaflexibilidade.Seucarátervariavasegundoograude
desenvolvimentodopovo,asituaçãogeográficadoterritório,as
condiçõeseconômicas,ediversasoutrascircunstâncias”.18
Emsuma,enaessência,omandatosedistinguedoProtetorado
porserumaadministraçãocolonialvinculadaaoorganismojurídico
internacionaleestarplenamenteexplícitaeconfessadanosartigosdo
pactodasociedademundialaidéiadocarátertransitóriodainstituição.
ExercemosEstadosmandatáriosummagistériopolíticocolimandoa
subseqüenteemancipaçãodaspopulaçõescoloniais.
Cumpreenfimreferirastrêsespéciesdemandatos:A,BeC,
variandoosrespectivosgrausdedependência,detalsortequenasérie
estabelecidaomandatoCimplicavajá,segundoScelle,uma“anexação
colonialpuraesimples”.19
MandatosdotipoAforamosdeFrançasobreaSíriaeda
InglaterrasobreaPalestina,oIraqueeaTransjordânia.
OsmandatosBabrangeramvastasseçõesdaÁfricaCentral,
comooCamarõeseTogo,debaixodaautoridadefrancesaeinglesa,
Tanganica,sobgestãoinglesaeUrungi-Ruanda,empoderdaBélgica.
SãoexemplosdomandatoCaquelesqueseestenderama
algumaspossessõesdoPacífico,comoaNovaGuiné,entregueà
AustráliaeSamoa,àNovaZelândia.AÁfricadoSulexerceutambém
mandatoCsobrearegiãodosudoestedaÁfrica.
Asuniõesdetutelanãodesapareceramcomaextinçãooficialda
antigaSociedadedasNações,ocorridaem1946,esubstituídapela
OrganizaçãodasNaçõesUnidas,quecriouinstitutoanálogoaodos
mandatos:otrusteeshipouadministraçãofiduciária.
SegundoScelle,dopontodevistajurídico,amudançadenome
nãofoidasmaisafortunadaseproveitosasearigoromandatolevava
vantagemsobreonovoinstrumentocriadopelacomunidade
internacional.
Comosistemadeadministraçãofiduciária,“umadeterminada
potênciarecebepoderesparaadministrarumEstado,privadodo
exercício,masnãodatitularidadedasoberania,ouumterritórionão
autônomo(quaseumEstadoinfieri),parapromoveraíoprogresso
político,econômico,socialeeducativodorespectivopovo”.20
DeconformidadecomaCartadasNaçõesUnidas,de26dejulho
de1945,ainstituiçãodotrusteeship(administraçãofiduciária)sefezno
interessedapazedasegurançainternacionais,comopropósitode
preparareabreviaraindependênciadaspopulaçõesdosterritórios
administrados,desenvolvendoemtodososentimentodacooperação,
dasliberdadesessenciais,dosdireitoshumanosedasgarantiassociais.
AsantigascolôniasalemãsnaÁfricaforampostassob
administraçãofiduciáriacomainovaçãodaCarta,bemcomoaex-
Somáliaitaliana,atéquesedeurelativamenteaestaúltimaa
proclamaçãodesuaindependência.AOrganizaçãodasNaçõesUnidas
mantémemfuncionamentoumConselhodeAdministraçãoFiduciária,
órgãoinvestidonasresponsabilidadesjámencionadas.
8.DoProtetorado“Imperialista”aoProtetorado“Ideológico”(e
Imperialista)
ExtintanaaparênciaaformaclássicadeProtetorado,que
habitualmenteentravanoDireitoPúblicoInternacional,eaindaalise
conserva
—segundoalgunspublicistascomosimplesanacronismodas
relaçõesentreEstados,processadasnumacertafasedeexistência
políticadospovosocidentais—nemporissosehá-deconsideraraquela
figuradeúltimobanidadasindagaçõescientíficasedaslucubrações
doutrinárias.
Verdadeéqueaestaalturadoséculo,comosprogressoslogrados
peloprincípiodeautodeterminaçãodospovos,oProtetoradosignifica
indubitavelmenteformacujainstitucionalização“jurídica”seapresenta
emcriseoujádetodoandaproscrita.
MasoconceitonãodesapareceudasrelaçõesentreEstados.
Acha-sesubjacenteatodaexplicitaçãojurídica,rebuçadoemformas
políticasmaissutis.TransitoudoDireitoPúblicoInternacionalparaa
CiênciaPolítica.Cabeaocientistadasinstituições,dasrelaçõesedos
fatospolíticosdeterminarsuapresençanavidaecomunhãodos
Estadoscontemporâneos.
AqueleProtetorado,jádantesobjetodeestudo,exposiçãoe
análise,prendia-seviaderegraaumaexpressãodeteorpolíticoe
jurídicosópossível,comoaHistóriaestáacorroborar,noslineamentos
doimperialismo.Decaídoeste—apósdecompor-seosistemade
expansãocolonial—epostosemconflitonoséculoXXoOcidente
capitalistacomoOrientesocialista,foramasideologiasqueentrarama
dominarporinteiroacenadasrelaçõesinterestaduais,determinandoa
conseqüenteagrupaçãodosEstadosemduasórbitaspolíticase
militares,quepareciamditarocursodasrelaçõesinternacionais;os
EstadosUnidos,comsuarededeEstadostributários,dumaparte;
doutra,aUniãoSoviética,comoschamadossatélitesda“Cortinade
Ferro”.
Entreessastenazesmedeavaum“terceiromundo”,de
configuraçãoaindaindecisa,forcejandoporabrirumaportadeevasãoe
segurançaparaacolheremcamponeutroaquelesEstadosque
pudessemcombomêxito—aliás,improvável—sedesgarrarda
“satelitização”política,econômicaefinanceiraqueosprendiam,
dissimuladaouostensivamente,àquelasórbitasmaiores.
Comefeito,osEstadosUnidoseaUniãoSoviéticaestadeavam
duasposiçõesdeforçaasemedirememtermosabsolutosde
competiçãoideológica.Doiscentrospoisdeinfluxoepolarizaçãodavida
políticauniversalseerguiamcomoeixosaoredordosquaisgravitavam
Estadosdesoberania“juridicamente”irrepreensível.Noentantoa
repartição
ideológica
de
posições
agrupou
à
volta
daqueles
potentíssimosnúcleospequenosEstadoscujainteiraindependênciase
afiguravaduvidosa,estimadaemtermospolíticos,econômicose
militares.
ComoseumnovoTratadodasTordesilhasestivessedividindoo
mundoentreosdoismencionadosgigantes,eraàsombradosEstados
UnidosedaUniãoSoviéticaquemedravamEstadossujeitosaum
statuspolíticodefato,altamentecaracterísticodeumamodalidadenova
deProtetorado:oProtetorado“ideológico”.Hajavistaocasodevárias
RepúblicasdaAméricaCentralemrelaçãoaosEstadosUnidosoude
outrasdaEuropaOrientalcomrespeitoàantigaUniãoSoviética.
Comprovaçãoirretorquíveldessatese,aintervençãoamericanana
RepúblicaDominicanaeainvasãodaTcheco-Eslováquiapelosexércitos
doextintoPactodeVarsóvia.
Ondeacabaa“soberania”doEstadodeindependêncianominale
ondecomeçasuarespectivasujeiçãocomoEstadoprotegido,sóo
analistapolíticoalcançarátraçaraíacompetentelinhademarcatória,
aindaagorafluida.DizoDireitoInternacionalquesãolivrese
independentesaquelesEstados.Chegameles,comefeito,aintegrara
OrganizaçãodasNaçõesUnidaseaOrganizaçãodosEstados
Americanos(osdaórbitaocidental).Todaviaumaeventualinfraçãodos
princípiospolíticosqueamparavamosinteressesessenciaisdo
respectivoblocoaqueestavamacorrentadospoderiadesúbito
acarretar,comojáacarretounoscasossupramencionados(República
DominicanaeTcheco-Eslováquia),aquebradasoberania,patenteando-
seentãodemaneiradesabrida,rudeeinequívocaosliamesde
Protetorado.
EmergepoisanovacategoriadeEstadoprotegidoatadaaonovo
tipodeEstadoprotetor—asuperpotência,naqualseenfeudaaguarda
daideologiaeaconservaçãodesua“pureza”,conformedãoexemploa
esserespeito,eexemploclaríssimo,osEstadosUnidoseaantigaUnião
dasRepúblicasSocialistasSoviéticas.
OProtetorado“ideológico”encobreoudisfarçanarealidade
supremasmotivaçõesimperialistas.Adoçou-seaformacolonialistado
passado.Juridicamenteporémnãosefirmaramconceitoscomque
institucionalizaressaservidãopolítica,queoDireitoInternacionalaliás
ignora.Nadadenomesestigmatizadosesuspeitoscomoode
Protetorado.MaséaoProtetoradoqueasaliançasmilitarese
ideológicascontemporâneasconduzemdeordinárioosEstadosmais
fracos.DaOTAN(OrganizaçãodoTratadodoAtlânticoNorte)edoPacto
deVarsóvianãoseextraemdistintoscorolários.A“fidelidade
democrática”ea“solidariedadesocialista”sãofrasesfeitas,suscetíveis
deconversãoemaxiomasfáceisdeumapretendidaefalsacoerência
ideológica.
Aideologiasefez,porconseguinte,sustentáculodoProtetorado,
pretextocômodoesegurocomqueapoiarintervençõesarmadase
intoleráveis,contraasregrasclássicasdoDireitoInternacionaledo
princípiodeautodeterminaçãodospovos,tãopenosamentepropugnado
pelaconsciênciajurídicauniversal.
Engana-seademaisquemcuidarqueoProtetorado“ideológico”da
segundametadedoséculoXXassentasobremassadeinteresses
distintadaquelaquemoviaosegoísticosinteressesestatais,outrora
condicionantesdoProtetorado“imperialista”.Acercadestejánenhuma
conclusãosepodetirarsenãoadequeoProtetorado“imperialista”não
seextinguiu.Eleapenassetransformouecontinuaaindaimperialista.
Sucedeu-lheoProtetorado“ideológico”,eufemismoquedesonraaliáso
progressodasinstituiçõespolíticasedasidéiassociaisnesteséculo.
1.MarcelPrélot,InstitutionsPolitiquesetDroitConstitutionnel,2ªed.,p.254.
2.HansNawiasky,AllgemeineStaatslehre,2/II,p.206.
3.PaoloBiscarettiDiRuffia,DirittoCostituzionale,5ªed.,p.517.
4.GeorgesScelle,ManueldeDroitInternationalPublic,p.261.
5.MarcelPrélot,ob.cit.,p.258.
6.G.Jellinek,AllgemeineStaatslehre,3ªed.,pp.755-761.
7.SantiRomano,PrincipiidiDirittoCostituzionaleGenerale,2ªed.rev.,p.135.
8.G.Jellinek,ob.cit.,p.754.
9.GeorgesScelle,ob.cit.,p.263.
10.GeorgMeyer,LehrbuchdesDeutschenStaatsrechtes,3ªed.,p.28.
11.OresteRanelletti,IstituzionidiDirittoPublico,13ªed.ampliada,p.156.
12.G.Jellinek,ob.cit.,p.767.
13.P.J.Proudhon,DuPríncipeFédératif,apud,MarcelPrélot,InstitutionsPolitiqueset
DroitConstitutionnel,p.256.
14.GeorgesScelle.Ob.cit.,p.198.
15.Idem,ibidem,p.205.
16.GiorgioDelVecchio,TeoriadelEstado,pp.180-181.
17.GeorgesScelle.Ob.cit.,p.222.
18.Idem,ibidem,p.223.
19.Idem,ibidem,p.225.
20.BiscarettiDiRuffia,ob.cit.,p.520.
13
OESTADOFEDERAL
1.ConceitodeEstadofederal—2.OEstadofederalcomo
Federação:2.1DistinçãoentreFederaçãoeConfederação—2.2A
leidaparticipaçãoealeidaautonomia—3.OEstadofederalem
simesmofrenteaosEstados-membros:3.1Oladounitárioda
organizaçãofederal—3.2AsupremaciajurídicadoEstadofederal
sobreosEstadosfederados—4.OsEstados-membroscomo
unidadesconstitutivasdosistemafederativo—5.Acrisedo
federalismo:ocasooutransformaçãodaordemfederativaesua
repercussãonoBrasil
1.ConceitodeEstadofederalComreferênciaaoEstadofederal,disseJellinektratar-sede
“Estadosoberano,formadoporumapluralidadedeEstados,noqualo
poderdoEstadoemanadosEstados-membros,ligadosnumaunidade
estatal”.1
Dandocomeçoàenunciaçãodosprincipaistraçosjurídicosque
nospermitemconheceranaturezadoEstadofederal,tomaremospara
efeitodidáticoprimeirooEstadofederalcomoFederação,aseguiro
EstadofederalemsimesmofrenteaosEstados-membroseporúltimo
osEstados-membroscomounidadesconstitutivasdosistema
federativo.
2.OEstadofederalcomoFederação
Numacontribuiçãoqueficouinolvidável,ojuristaalemãoKarl
Struppdistinguiuauniãodedireitoconstitucionaldasuniõesdedireito
internacional.
OEstadofederalpertenceàprimeiracategoria.Alei
constitucionalenãootratadoéquenosforneceocritériodessa
modalidadedeuniãodeEstados.Nãoháporconseguintequetemeras
ambigüidadesdelinguagem,comonocasodaSuíça,quandoo
vocabuláriopolíticooficialmenteempregaaliaexpressãoConfederação,
emsetratandonarealidadedeFederaçãoouusaotermocantão,
significandoemverdadeomesmoqueEstado-membro.
Aantigüidadearigornãoconheceuofenômenofederativocomos
característicosusualmenteostentadosnoEstadomoderno.Oqueos
gregosporexemplodenominavamFederaçãoéaquiloqueosmodernos
chamamConfederação.AFederaçãopropriamenteditanãoa
conheceramnempraticaramosantigos,vistoqueamesma,tanto
quantoosistemarepresentativoouaseparaçãodepoderes,édas
poucasidéiasnovasqueamodernaciênciapolíticainseriuemsuas
páginasnostrêsúltimosséculosdedesenvolvimento.
2.1AdistinçãoentreFederaçãoeConfederação
Conformeanotouproficientementeoconstitucionalistaalemão
Nawiasky,váriosforamoscritériosdistintivosbuscadosparafixaros
conceitosdeFederaçãoeConfederação.
Propunhamunsafirmeza,solidezouprofundidadedarelação
entreosEstados,alcançandoessarelaçãoseugraumaisaltona
FederaçãoeseupontomaisbaixonaConfederação.
Outrossevolveriamparaaconsideraçãodaindissolubilidadedo
laçofederativo,faceapossibilidadejurídicadasecessãodosEstados,
admissívelemsetratandodeorganizaçãoconfederativa;emverdade
porémnadaobstaaqueumaFederaçãovenhaeventualmentea
dissolver-se,adespeitodaprofissãodeféconstitucionalemsua
perpetuidade,feitaporexemplonocasodo§4°doartigo60da
Constituiçãobrasileira,quenãoadmiteporobjetodedeliberação
projetostendentesaaboliraFederação.
Demais,houvequemvissecomoexpressãodistintivadasduas
formasdeuniãodeEstadosaausênciadeumpoderpolíticoúnicoda
Confederação,aocontráriodoquesedánaFederação,dentetorade
podersoberanonocírculodasrelaçõesinternacionais;ocorretodavia,
segundoaqueleeminenteconstitucionalista,queemcasodeguerra
nadaimpedeseformenasConfederaçõesumcentroúnicodecomando
eautoridade,aserviçodapolíticaexternauniformedosEstados
participantes.
Enfim,quis-setomarporcritériobásicoofatodeaatividade
unitáriadaConfederaçãoprojetar-seemsentidoexternoenãoem
sentidointerno,paraforaenãoparadentro;aindaaquiháexceções,
quandoemdeterminadasConfederaçõesseachamestatuídasgarantias
deordemesegurançapúblicaouregrasdestinadasaestrita
observânciadaigualdadedosdireitospolíticosdoscidadãos,sebem
queomecanismoreguladordocontroledessesprincípioscaiba
individualmenteaosEstados-membros.
Invalidadospoispelasobjeçõesjáreferidasosvárioscritérios
propostos,resta,segundoNawiasky,portraçoverdadeiramente
distintivoainexistêncianasConfederações,aorevésdoquesepassa
nas
Federações,
de
legislação
unitária
ou
comum,
criando
indiferentementedireitoseobrigaçõesimediatasparaoscidadãosdos
diversosEstados.
NoEstadofederaldeparam-seváriosEstadosqueseassociam
comvistasaumaintegraçãoharmônicadeseusdestinos.Nãopossuem
essesEstadossoberaniaexternaedopontodevistadasoberania
internaseachamempartesujeitosaumpoderúnico,queéopoder
federal,eemparteconservamsuaindependência,movendo-se
livrementenaesferadacompetênciaconstitucionalquelhesfor
atribuídaparaefeitodeauto-organização.
Comodispõemdessacapacidadedeauto-organização,que
implicaopoderdefundarumaordemconstitucionalprópria,os
Estado-membros,atuandoaíforadetodaasubmissãoaumpoder
superiorepodendonoquadrodasrelaçõesfederativasexigirdoEstado
Federalocumprimentodedeterminadasobrigações,seconvertemem
organizaçõespolíticasincontestavelmenteportadorasdecaráterestatal.
2.2Aleidaparticipaçãoealeidaautonomia
Há,segundoGeorgesScelle,doisprincípioscapitaisquesãoa
chavedetodoosistemafederativo:aleidaparticipaçãoealeida
autonomia.
Mediantealeideparticipação,tomamosEstados-membrosparte
noprocessodeelaboraçãodavontadepolíticaválidaparatodaa
organizaçãofederal,intervêmcomvozativanasdeliberaçõesde
conjunto,contribuemparaformaraspeçasdoaparelhoinstitucionalda
FederaçãoesãonodizerdeLeFurpartestantonacriaçãocomono
exercícioda“substânciamesmadasoberania”,traçosestesquebastam
jáparaconfigurá-losinteiramentedistintosdasprovínciasou
coletividadessimplesmentedescentralizadasquecompõemoEstado
unitário.
Atravésdaleidaautonomiamanifesta-secomtodaaclarezao
caráterestataldasunidadesfederadas.Podemestaslivrementeestatuir
umaordemconstitucionalprópria,estabeleceracompetênciadostrês
poderesquehabitualmenteintegramoEstado(executivo,legislativoe
judiciário)eexercerdesembaraçadamentetodosaquelespoderesque
decorremdanaturezamesmadosistemafederativo,desdequetudose
façanaestritaobservânciadosprincípiosbásicosdaConstituição
federal.
Aparticipaçãoeaautonomiasãoprocessosqueseinseremna
amplamolduradaFederação,envolvidospelasgarantiasepelacerteza
doordenamentoconstitucionalsuperior—aConstituiçãofederal,
cimentodetodoosistemafederativo.Tantoaparticipaçãocomoa
autonomiaexistememfunçãodasregrasconstitucionaissupremas,que
permitemvernaFederação,comoviuTocquevillenoséculoXIX,duas
sociedadesdistintas,“encaixadasumanaoutra”,asaber,oEstado
federaleosEstadosfederadosharmonicamentesuperpostoseconexos.
3.OEstadofederalemsimesmofrenteaosEstados-membros
Comovimos,asbasesdoEstadofederalassentamnodireito
constitucionalenãonodireitointernacional.
HáEstadofederalquandoumpoderconstituinte,plenamente
soberano,dispõenaConstituiçãofederaloslineamentosbásicosda
organizaçãofederal,traçaalioraiodecompetênciadoEstadofederal,
dáformaàssuasinstituiçõeseestatuiórgãoslegislativoscomampla
competênciaparaelaborarregrasjurídicasdeamplitudenacional,cujos
destinatáriosdiretoseimediatosnãosãoosEstados-membros,masas
pessoasquevivemnestes,cidadãossujeitosàobservânciatantodas
leisespecíficasdosEstados-membrosaquepertencem,comoda
legislaçãofederal.
ApresençadoEstadofederalemtodososEstados,segundoos
termosquelhefacultaaConstituiçãofederal,nãosefaztão-somente
porvialegislativa.AConstituiçãoconferetambémaoEstadofederal
competênciaparaoexercíciodeatribuiçõesadministrativasmediante
sistemasquevariamsegundoomodelodaorganizaçãofederal:no
BrasilenosEstadosUnidos,porviaexecutivadireta;naAlemanha,em
associaçãocomosEstados-membros,caindosobcontroleesupervisão
dopoderfederaloaparelhoadministrativodoEstado-membro,ena
Áustria,peloempregocombinadodosdoissistemas.
Porúltimo,dispõeoEstadofederaldeumterceiropoderpróprio
—opoderjudiciário,comseustribunaisesobretudocomumaCortede
justiçafederal,decarátersupremo,destinadaadirimiroslitígiosda
FederaçãocomosEstados-membrosedestesentresi,convertendo-se
numdosórgãosfundamentaisdosistemafederativo,aquelequeé
chamadoaoperaroequilíbriodetodaaordem,aestritaconformidade
dospoderesdaUniãoedosEstadoscomosprincípiosbásicosda
Constituição.
3.1Oladounitáriodaorganizaçãofederal
OEstadofederal,sededasummapotestas,asaber,dasoberania,
apareceporúnicosujeitodedireitonaordeminternacional,todaavez
quesetratedeatosqueimpliquemexteriorizaçãoorigináriadavontade
soberana.
Éessegraunaqualidadedeumpoderquesemoveexternamente
comabsolutaindependênciaotraçomaisvisívelcomquedistinguiro
Estadofederaldascoletividadesestataisassociadas.
Dotadosdeautonomia,poderquelhesconsenteorganização
própria,organizaçãoportantodeEstado,umavezqueopoderdeque
sãotitularesédamesmanatureza,damesmaespécieedamesma
substânciadaqueledequesecompõeopoderdoEstadofederal,os
Estados-membrosnãopossuemtodaviaaqueletraçodesuperioridade,
aquelegraumáximoquefazprivilegiadoopoderdoEstadofederal,que
oqualifica,pelarazãomesmadeserumpodersoberano.
OmonopóliodapersonalidadeinternacionalporpartedoEstado
federal—porquantosomenteele,segundoKunz,compareceperanteo
forumdoDireitodasGentes,tornandomediataedesegundoplanoa
açãointernacionaldosEstadosfederados,depresençaexternasempre
acobertadaouafiançadapelopodersoberanodaorganizaçãofederal—
induziuaKelsen,KunzealgunsinternacionalistasdachamadaEscola
deVienaatomaremoEstadofederalcomodotadodamesmanatureza
ouestruturadoEstadounitário,havendoentreambostão-somente
diferençadegrauenãodefundamento.
Verifica-setodaviaqueodireitoeosfatosnaordeminternacional
estãoporvezesarefutarorigordaquelemonopólio.Assimocorreno
casodaparticipaçãodeunidadesfederadasemórgãosinternacionais,
providastaisunidadesdepersonalidadejurídica.
HajavistaaUcrâniaeaRússiaBranca,comrepresentação
diplomáticaedireitodevotoemasNaçõesUnidas,quandosesabeque
aURSSentravahabitualmentenaclassificaçãojurídicadostratadistas
comoumdosexemploscontemporâneosdeFederação.
Apardaunidadedepoderexterno,ordinariamenteexclusivo,
possuioEstadofederaltambémunidaderelativaatodooespaço
geográficosobreoqualassentaseusistemadeorganizaçãojurídica.
Masdopontodevistainterno,há,paralelamentedistribuídaspela
maiorpartedaáreageográficadaFederaçãoouportodaessaárea(se
nãohouverterritóriosfederais),diversasunidadesdepoder,quesãoos
Estados-membros,servidosdeelementosconstitutivos,comoterritório
epovo,osquaistomadosconglobadamentevêmaformarumsó
território,eumsópovo:oterritórioeopovodoEstadofederal,sujeitos,
peloaspectonacional,àjurisdiçãoúnicadopodercentral.
Todos
esses
dados
acima
considerados
patenteiam
incontrastavelmenteoladounitáriodaorganizaçãofederal,resumido
porconseqüêncianadeterminaçãodanacionalidade,naexistênciade
órgãosfederaiscapazesdeatuarsobretodaacoletividadeestatal,eno
território,que,tomadodeconjuntosóconhece,emmatériade
competênciafederal,umúnicopoder:odaFederaçãoquesobreo
mesmoincidesoberanamente.
3.2AsupremaciajurídicadoEstadofederalsobreosEstadosfederados
AsuperioridadedoEstadofederalsobreosEstadosfederadosfica
patentenaquelespreceitosdaConstituiçãofederalqueordinariamente
impõemlimitesaosordenamentospolíticosdosEstados-membros,em
matériaconstitucional,pertinentesàformadegoverno,àsrelações
entreospoderes,àideologia,àcompetêncialegislativa,àsoluçãodos
litígiosnaesferajudiciária,etc.
ConsiderandooEstadofederalemfacedoEstadofederado,como
sucintamenteacabamosdefazê-lo,devesobretudoimpressionar-nosa
superioridademarcantedaorganizaçãodoEstadofederalsobrea
organizaçãodosEstadosfederados.
AConstituiçãoFederaléocimentojurídicodessasupremacia
impostaatravésdasregraslimitativasdoordenamentopolíticodas
unidadescomponentes.
Vejamosexemplosconcretosdetaisdisposiçõesrestritivas.
TomemosparalogoaConstituiçãobrasileiranasalíneasconstantesdo
incisoVIIdoartigo34,queestabeleceaobservânciadosseguintes
princípiosconstitucionais:
a)
forma
republicana,
sistema
representativo
e
regime
democrático;
b)direitosdapessoahumana;
c)autonomiamunicipal;
d)prestaçãodecontasdaadministraçãopública,diretaeindireta.
Qualquerviolaçãodessesprincípiosfazlícitooempregoda
técnicadesalvaguardadosistemafederativo:aintervençãofederal.
Aprevalênciadoordenamentoconstitucionalfederaltornaa
fazer-sesentiremmatériadecompetêncialegislativa,quandoa
ConstituiçãoFederal,discriminandoascompetênciasentreogoverno
federaleosgovernosdosEstados-membros,tendeacortaroudiminuir
aesferadecompetênciadasorganizaçõesfederais,mediantesistemas
quenasFederaçõesusualmentesereduzematrêsmodalidadesbásicas
dediscriminação:enumeraçãodascompetênciasrespectivasdoEstado
federaledosEstadosfederados;enumeraçãodascompetênciasfederais
eenumeraçãodascompetênciasdosEstados-membros.
Nosegundocaso,presume-sequeasmatériasnãodiscriminadas
sãodacompetênciadosEstadosfederadosaopassoquenoterceiro
casovaleapresunçãooposta.
Porúltimo,opredomíniodoordenamentoconstitucionaldo
Estadofederalsemanifestaquandodeterminadossistemasfederativos,
assentadossobreosistemadasConstituiçõesrígidas,erigememboa
lógicajurídicaumtribunalsupremo,cujosjuizessetornamguardiães
daConstituição,servindotalcortedejustiçaparadirimir,em
julgamentofinal,aspendênciasporventurasuscitadasentreoEstado
federaleosEstadosfederados.
NaConstituiçãobrasileirasemelhanteórgão—oSupremo
TribunalFederal—éinstituídonoincisoIdoartigo92,eexercitao
controledeconstitucionalidadenostermosdoartigo97.
Emsuma,asupremaciadoEstadofederalsobreoEstado
federado,
objeto
das
presentes
cogitações,
se
manifesta
indeclinavelmente,
conforme
vimos,
mediante
os
três
pontos
fundamentaisjáenumerados:observânciaobrigatóriadecertos
princípiosbásicosoumínimosdaorganizaçãofederalpelosEstados-
membros,adoçãodeumsistemadecompetênciapelaConstituição
Federal,queasrepartenoseiodaordemfederativae,porúltimo,
instituiçãodeumtribunalsupremo,guardiãodaConstituiçãoFederal.
4.OsEstados-membroscomounidadesconstitutivasdosistema
federativo
NaFederação,osEstadosfederados,dispondodopoder
constituinte,decorrentedesuacondiçãomesmadeEstado,podem
livrementeerigirumordenamentoconstitucionalautônomoealterá-loa
seutalante,desdequeacriaçãoorigináriadaordemconstitucionale
suaeventualreformasubseqüentesefaçamcominteiraobediênciaàs
disposiçõesdaConstituiçãoFederal.
EssacompetênciadoEstadofederadopresideàpluralidadee
variedadedeformasdeorganizaçãopolíticaqueseobservamemtodaa
Federação,asquais,porém,aoladodamáximadiversificaçãopossível,
ostentamporigualcertaconstância,visívelprecisamentenasua
adequaçãoàsmáximasfederativasfundamentais,dasquaisdecorrepor
inteiroaharmoniadosistema.
SãoasunidadesfederadasEstadosverdadeirosnamedidaem
queatuamcomosistemacompletodepoder,comlegislação,governoe
jurisdiçãoprópria,nadatolhendooexercíciodasfaculdadesde
organizaçãoecompetênciaatribuídaspelaConstituiçãoFederal.
MasaposiçãodosEstados-membrosnoquadrofederativonãose
cifraapenasnodesempenhodesuaautonomiaconstitucionalem
matérialegislativa,executivaoujudiciária,senãoquecumpreverao
ladodessaautonomia—essencial,diga-sedepassagem,àidentificação
detodauniãoestatalfederativa,cujosEstadosparticipantesvenhama
distinguir-sedoEstadounitário—aquelespontosdaorganização
federalemqueosEstadosfederadosaparecemporsuaveztomando
parteativaeindispensávelnaelaboraçãoenomecanismoda
ConstituiçãoFederal.
AquiosEstados-membrosestãomaisadardoqueareceber.
Fixa-secomesseaspectoaimportânciacapitaldaparticipaçãodo
EstadonaFederação,acentuando-seaíporexcelênciaoutroângulo
verdadeiramentefederativodosistema—oângulodaparticipação—o
qualseacrescentaaojáexaminadodalivrecompetênciadosEstados-
membrosdeestatuíremacercadematériaqueaConstituiçãoFederal
porventuralheshajareservado.
Temosentãoaorganizaçãofederalimplicandoadualidadedo
poderlegislativo,repartidoemduasCasas,umarepresentantivado
conjuntodoscidadãos,comparticipaçãovariáveldosEstados,segundo
índicespopulacionais,eoutra,queaoinvésderepresentaropovoda
Federaçãoemsuatotalidade,setomaporrepresentativadosEstados,a
chamadaCâmaraAltaouSenado,onde,segundoafirmaPrélot,os
Estados-membrosrecebemrepresentaçãocomotais,“naqualidadede
elementosconstitutivosenãoporconsideraçãoasuarespectiva
importância”.
TantoassimqueesseaspectodaFederaçãocomo“sociedade
entreiguais”,como“democraciadeEstados”,como“igualdadede
Estadosparticipantes”seachadetodopreservadopelosistema
federativobrasileiroenorte-americano,observando-seaesserespeito
quenosEstadosUnidos,EstadoscomoNevadaeAlasca,depopulação
inferiora200.000habitantes,elegemdoissenadorescadaum,número
igualaodoEstadodeNovaIorque,comseus24milhõesdehabitantes.
AlgoidênticosepassanoBrasilcomoEstadodoAcrede
populaçãorelativamenteínfimaequeelegeamesmaquantidadede
senadoresqueoEstadodeSãoPaulo,nãoobstanteamaiorextensão
territorial,omaiornívelderiqueza,amaisamplaconcentração
demográficadesteúltimo.Adespeitodeexemploscontrários,quaisos
quesedeparavamnoantigoReichalemão,comaPrússia
constitucionalmenteprivilegiadasobreasdemaisunidadesfederativas,
aboaregraouprincípiodeorganizaçãofederalmanda,segundoLeFur,
quecadaEstadoparticular“tenhaomesmonúmeroderepresentantes
dosdemaisEstados-membros,qualquerquesejaadiferençaentreeles
existente,tantodopontodevistadaextensãoterritorialcomodo
númerodehabitantes”.2
O“bicameralismo”oulegislativodualconfereaoEstado-membro
atravésdacâmararepresentativadosEstadosingerênciaativaem
matériaderevisãoconstitucional,tornando-sepontodosmais
característicosdosistemafederativo.
OsistemadeduasCâmaras,daessênciadaordemfederativa,
testemunhaprecisamenteumatécnicaverticaldeseparaçãode
poderes.Umramodopoderlegislativo—oSenado—exprimeavontade
dosEstados,masopoderpolíticosoberanosemanifestatambém
atravésdasegundacasalegislativa:aCâmaradeDeputadosouCasade
Representantesporondesefiltraavontadedoscidadãos,vontade
democrática,vontadepopular,queexpressa,naproduçãodaordem
jurídica,osentimentonacionalunificado.
Masé,conformevimos,medianteaCâmaraAlta,queopoder
constituintefederalparaexercer-seemmatériadereformaourevisão
constitucionalcainadependênciadaaprovaçãodosEstados,vistoque
asmodificaçõesconstitucionaisficamsujeitas,nofederalismo
autêntico,àaprovaçãodaCasaderepresentantesdosEstados
federados,pormaioriavariáveldeseuscomponentes:emalgumas
Constituiçõespormaioriaabsoluta;noutras—eéocasoda
Constituiçãobrasileira—pormaioriadetrêsquintos(§2ªdoartigo60).
Arigidezconstitucionalnorte-americanaacentuaesseaspecto
federativodaparticipaçãodosEstadoscomorequisitodeaprovaçãoda
revisãoouamendmentportrêsquartaspartespelomenosdosEstados
integrantesdaFederação.AvontadedosEstados-membrosé,por
conseqüência,básicaparaaformaçãodavontadefederaltocantea
qualquerreformadaConstituição.
5.Acrisedofederalismo:ocasooutransformaçãodaordem
federativaesuarepercussãonoBrasil
Nãosãorarososqueentendemqueofederalismoseacha
irremissivelmentecondenadoadesaparecernacrisedoEstado
contemporâneo,cujaconcentraçãodepodertendecadavezmaisa
anularoqueaindarestadeautonomianascoletividadespolíticas
participantesdacomposiçãofederativa,malpermitindodistingui-las
dasunidadesqueintegramoEstadounitáriodescentralizado.
Afigura-se-nostodaviaquenãoétantoofederalismocomo
fenômenopolíticoassociativoqueestáemcrisesenãoumaforma
doutrináriadofederalismo,aquelaaqueseprendedesdeasorigense
quegeroudeterminadamoldurajurídicaaparentementeintocável,
aindaagorasubsistenteenointeriordaqualporémsevãoprocessando
asinevitáveistransformaçõesdosistema,ditadaspelamudançados
temposeporimperativodasnecessidadespolíticasesociais,mais
poderosastalvezqueavontadedospropugnadoresdasteses
federalistasrigorosasdoséculoXIX.
Houveporconseqüência,comonãoseriadeestranhar,
considerávelalteraçãodeconteúdoeforma,obrigandoosistema
federativoadarasmáximasprovasdeseupoderadaptativo.
Dessastransformaçõesresultouumfederalismonovo,elástico,
quaseirreconhecívelàquelesqueaindasustentamcomentonoas
máximasdofederalismoclássico,eserecusamterminantementea
aceitaroqueocorreucomovariaçãonecessária,decorrentedo
desenvolvimentodaspráticasfederativas,segundonovostempose
novascircunstâncias.Bemaocontrário,cuidamessasvozesdefrontar-
seemdefinitivocomaruínadaidéiafederalista,talaextensãoe
profundidadedasmudançasjáverificadas.
Afigura-se-nostodavia,insistindoempontodevistaenunciado,
queacriseenvolvemenosofederalismoqueumaformadefederalismo:
aquetrazemcertamaneiraamarcadoEstadoliberalesuadecadente
ideologia.
Eranaturalquenosprimeirostemposdofederalismohouvesse
coincidênciaquaseperfeitaeharmônicaentreformaeconteúdo,entrea
moldurajurídicaeaidéiainternavivaepropulsoradetodoosistema.
Trêsépocasdistintasassinalampoisocaminhojápercorridopela
organizaçãodoEstadofederal.
Naprimeiraépoca,quecorrespondeàadoçãodesseoriginalíssimo
princípio,dasduasleisqueregemaFederação(autonomiae
participação),eraaleidaautonomiaaquelaquesemostravamais
dominadora,comosEstadosparticipantesentrincheiradosnuma
posiçãodeforça,imperantetantonosfatoscomonadoutrina.
FoioperíodoemqueTocqueville,inversamenteaoqueagora
sucede,escreviaseuspresságiossombriosacercadofuturodosistema
federativo,comaFederaçãopostadebaixodaameaçadeeventual
dispersãooudesaparição,decorrentedoexcessodecompetênciados
Estados-membros.
Osegundoperíodovemaseraqueleemquesealcançaoperfeito
equilíbrioentreaUniãoeosEstadosfederados,entreadoutrina
federalistaeasinstituiçõescriadasepraticadasemnomedessa
doutrina.
Nessafasehistóricahaviachegadojáaofimotormentosodebate
dosjuristasepolíticosqueinterrogavamcomalgumaperplexidade
doutrináriaseaConstituiçãoFederaleraleioucontrato;seeralei—lei
constitucionalrígida—davaaogovernocentral,comosujeitodedireito,
inteira,diretaeimediataautoridadepolíticasobretodoopovodaUnião;
seeraapenascontrato,haveriatão-somente,entreaUniãoeos
Estadosparticipantes,merarelaçãojurídicacomogovernocentral,
exercendoesteumajuredelegationis,delegaçãodepoderesdeEstados
livresesoberanos,providosdodireitodesecessão,facea
temporariedadeedissolubilidadedolaçofederativo.
Aépocahistoricamentemarcadapelodissídiodoutrináriodos
autonomistasCalhoun,daCarolinadoNorte(EstadosUnidos)eMax
vonSeydel,daBaviera(Alemanha)contraospublicistase
jurisconsultosdatradiçãodosautoresdoFederalista,comopretendiam
serWebster,Story,eoutros,vitoriososcomaguerradasecessão,tanto
nopleitodasarmascomodasidéias,ficaradefinitivamenteparatrás,
suplantadapelafasedeapogeunoequilíbriodosistemafederal,emque
osprincípiossustentadosporaquelesúltimossetornaramimperantes
tantonadoutrinacomonapraxe.Verificou-seConseguintementeo
equilíbriodastendênciasunionistascomastendênciasparticularistas,
dascorrentesunitaristascomascorrentesfederalistas,daschamadas
forçascentrípetascomasforçascentrífugas.
Aterceirafase,quepodemosnomearfasecontemporâneado
federalismo,assistiuàroturadoequilíbrioobservadonoperíodo
anteriorentreosdoisdadosfundamentaisdaautonomiaeda
participação,comamplopredomíniodestafeitadaparticipaçãoe
considerávelatenuaçãoedeclíniodaautonomia.
AquioinvestigadorpolíticodoséculoXXchegarádecertoa
conclusãodiametralmenteopostaàqueladeTocqueville;oexcessode
poderesfederaisenãodepoderesestaduais,conformeestavano
pensamentodoautorfrancês,seriaacausadodebilitamentoda
Federaçãoedeseuiminenteperigodevida.
Comoterceiroperíodosedesenrolaevidentecrisedofederalismo,
deproporçõescomparáveisàqueseobservounatransiçãodaprimeira
paraasegundafase,quandosedeuodebatecontraditórioacercada
extensãodacompetênciadosEstados,comopoderfederalaindaem
defensivateórica.
Tendohavidodesequilíbrio,agoraemdetrimentodosEstados-
membros,háquemdigaqueofederalismoestámorto.
Todaviasenospomosaobservaracuradamenteocursodos
sucessospolíticosinternacionais,vamosverificarqueoprincípio
federativonãoseachadetodoexausto,reaparecendonassoluções
propostasparaaunificaçãodocampoocidentaleuropeu,animandopor
exemploavelhaidéiadacriaçãodosEstadosUnidosdaEuropaetendo
amesmavogaemcontinentescomoaÁfricaeaÁsia,ondemuitos
Estadosvêemnolaçofederativoachavedeseusdestinos,eondeo
federalismoousurgecomoremédiojáaplicadoapopulaçõesquese
emancipampoliticamenteouestásendopreconizadoparaasalvação
futuradosEstadosdébeiserecém-formados,atravessandopenosas
condiçõesdeexistência.
MasnosEstadosfederaismaisantigosháefetivamentecrisedo
federalismo,eessacriseenchedeapreensõesovelhosentimento
federalista.Esteseachavoltadomaisparaaconservaçãodasbases
jurídicastradicionaisdosistema,cerrandopoissuasvistasaqualquer
exameinterpretativodosfatoresdeterminantesdamudançahavida,a
estaalturarealmenteirreversível.
AexpansãoindustrialdoséculoXX,oconsiderávelalargamento
dasviasdecomércioentreosEstados,oimensoprogressotecnológico
decaráterunificador,apropagaçãodasideologiasqueapagame
crestamasvariaçõesdoparticularismopolítico,erigindocamadas
maciçaseuniformesdeopinião,oconseqüenteincrementodalegislação
socialapaziguadoradoconflitoentreotrabalhoeocapitaleoexcesso
dedirigismoeconômicoseapresentamcomofatoresprincipaisda
transformação
já
operada.
Tal
transformação,
sacrificando
a
competênciaefetivadosEstados-membros,deixouquaserevogadaalei
daautonomia,fezdointervencionismoestatalnecessidadeindeclinável
àsubsistênciamesmadoEstadofederal,tornouopodercentralmais
sensívelesujeitoaoinfluxomaiordamassanacionaldoscidadãosque
aoinfluxodosEstados-membros,colocouosEstados,emfaceda
deficiênciadeseusrecursos,debaixodaservidãofinanceiradopoder
federal(desortequejánãopodemestessobreviverforadassubvenções
doeráriodaUnião)edesenvolveuemsumanoscidadãosmesmoscerto
sentimentodemenoscaboouderuinosaindiferençaàsprerrogativas
autonomistasdasunidadescomponentes,oque,emalgumas
Federações,comooBrasileosEstadosUnidos,veioavolumaras
correntesdeopiniãomaisfavoráveisaosinteressesdaUnião,
identificadosportantocomointeressenacional,contrapostoaodos
Estados,oqualseprincipiouacondenarporrepresentativodeformas
deegoísmoeparticularismo.
Todosessesagentesatuaramdecisivamente,valendodestacar
dentreosmesmossobretudoosdeordemfinanceiraeeconômica.
NoBrasil,ainflaçãogalopantehásidocausaatuantenoprocesso
dedesagregaçãodovelhofederalismo.OsEstadoscomorçamentos
sujeitosavertiginososdéficitscaíamsoba“intervenção”permanente
dasajudasfederais,que,politizadas,criavamdependênciaelhes
arrebatavam,perdidajáaautonomiafinanceiraeeconômica,oque
aindarestavaefetivamentedaantigaautonomiapolítica.Demais,esta
autonomianuncadesfrutouoprestígiodeumatradiçãohistórica,
nuncadeitouraízesnasorigensdacomunhãonacional:oImpério
unitárioareprimia,aRepública,federativa,sóveioaproduzi-la
artificialmente.
NosEstadosUnidos,segundorefereDurand,ocorreomesmo
desequilíbrioentreosrecursosfederaiseosrecursosestaduais,
estimando-sequedos55bilhõesdedólaresdedespesaspúblicas,em
1948,48bilhõesforamempregadospeloEstadofederal.3
Quandosetraçapoisesseinarredávelquadrodaesmagadora
superioridadeeconômicaefinanceiradoEstadofederalsobreas
unidadesfederadaseseobservaadependênciaefetivaaqueestas
ficamsujeitas,aprimeiraimpressãoquesetemédenegaraexistência
contemporâneadosistemafederal,oqualteriajátransitadoparauma
fórmulademeradescentralizaçãoadministrativa.Assiméquealguns
autoresachammaisprudenteeverídicofalardeEstadounitáriode
máximadescentralizaçãodoquepropriamentedeEstadofederal.
Ascorrentesfederalistasquedescendemdatradiçãoclássicado
federalismopensamdessemodoechegamaessaamargaconclusão,
porquantovêemmaisparticipaçãocomdependênciadoqueautonomia
comparticipaçãonosmoldesdoEstadofederalcontemporâneo.
Entendemosaocontrárioqueofederalismonãodesapareceu,mas
setransformou.Naterceirafase,ofinalismosocialdospoderespúblicos
setornoumaisagudodoquenunca.NãotantoporqueoEstadoo
quisesse,masporqueasnecessidadesereclamosdosgovernadosassim
oobrigaram.OndeoEstadoentendeupormerovoluntarismodepoder
abusardosmeiosmateriaisàsuadisposição,houveefetivo
desvirtuamentodeseuintervencionismo,vistoqueaíficavapolitizado
ouinstrumentalizadoemproveitopessoaldostitularesdopoderaquela
imperiosaeindeclinávelnecessidadedeempregarrecursosestatais
paraoconseguimentodefinsdeinteressepúblico.
Assimconsiderado,ointervencionismoémalsão.Arruína
qualquerestruturafederativa.Masquandoosproblemasdegovernose
situamemnívelelevado,quandoopodercentralnaorganização
federativaéchamadoaempregarrecursosquenãoestariamaoalcance
dosEstados-membrosparaaconsecuçãodeobraspúblicas,tantodo
interesseregionalcomonacional,quais,nosEstadosUnidos,oProjeto
doValedoTennesseeenoBrasilopetróleodaBahia,aaçudagemea
eletrificaçãodoNordeste,bemcomoosplanosregionaisde
desenvolvimento(SUDENE,SUDAMetc),seriarematadainsensatez
impugnarapresençadopoderfederaleseusauxíliosfinanceirosem
nomedepreconceitosfederalistasdetodosuplantados.
Serátrabalhodejuristasretocaravelhaeimobilizadaestrutura
jurídicadoantigofederalismo,acomodando-aàscondiçõesnovasdo
sistema,queirrevogavelmentesemoveráagoraedefuturonoâmbitode
umEstadoeudemoníistico,o“WelfareState”,realidadeprimeira,que
trouxejáparaoEstadopresenteapolíticadosalário-mínimo,da
previdência,dasreformassociaisprofundasnaidadedasmassaseda
socializaçãodopoderedariqueza.
Quemnãopudercompreenderouadmitirasrazõesporquealei
daparticipaçãojápreponderasobreovelhodogmadasautonomias
estaduaisintangíveisnãoterámaissaídasenãopôroepitáfiosobreo
federalismo,queeles,osfederalistascontemporâneosdescontentes,
jamaisvoltarãoaencontraràmodadoséculoXIX.
Setivermosporémavisãoabertaeasensibilidadebastante
apuradacomqueacompanharocursodavidanolaboratóriosocial,
nenhumadificuldadedefrontaremosentãoparaproclamaremfasede
florescentedesenvolvimentooneofederalismodoséculoXX.Mas
entendidoestequalofizemos,asaber,acrescidodaquelasemendasque
poêmodireitoemdiacomosfatos,previnemosdesvirtuamentosdo
intervencionismoestatal,cortamoselementosdefundodacrise
federativanaestruturadoEstadocontemporâneo,alhanamobstáculos
econduzemaumapossívelsoluçãodoproblemafederativo.
1.G.Jellinek,AllgemeineStaatslehre,3ªed.,p.769.
2.LeFur,L.ÉtatFéderaletConfédérationD’États,p.621.
3.CharlesDurand,“L’ÉtatFéderal”,inLeFédéralisme,p.213.
14
ASFORMASDEGOVERNO
1.FormasdegovernoeformasdeEstado—2.Aclassificaçãode
Aristóteles:monarquia,aristocraciaedemocracia—3.Oacréscimo
romanoàclassificaçãodeAristóteles:ogovernomisto(Cícero)—4.
Asmodernasclassificaçõesdasformasdegoverno:deMaquiavela
Montesquieu—5.Formasfundamentaiseformassecundáriasde
governo(Bluntschli)—6.Asformasdegovernosegundoocritério
daseparação
depoderes:governoparlamentar,
governo
presidencialegovernoconvencional—7.Acrisedaconcepção
governativaeasduasmodalidadesbásicasdegoverno:governos
peloconsentimentoegovernospelacoação.
1.FormasdegovernoeformasdeEstadoEntreautoresestrangeirosreinaconfusãoquantoaoempregodas
expressõesformasdeGovernoeformasdeEstado.Ovocabulário
políticoalemãodenominaformasdeEstado(Staatsformen)aquiloque
osfrancesesconhecemsobadesignaçãodeformasdeGoverno,como,
porexemplo,nasclassificaçõesmaisantigasetradicionais,a
monarquia,aaristocraciaeademocracia.
Afigura-se-nosqueanomenclaturafrancesaémaisprecisa
porquantodeixaclaraadistinçãoentreformasdeEstadoeformasde
Governo.
ComoformasdeEstado,temosaunidadeoupluralidadedos
ordenamentosestatais,asaber,aformapluraleaformasingular;a
sociedadedeEstados(oEstadoFederal,aConfederação,etc.)eo
EstadosimplesouEstadounitário.
ComoformasdeGoverno,temosaorganizaçãoeofuncionamento
dopoderestatal,consoanteoscritériosadotadosparaadeterminação
desuanatureza.Oscritériosmaisemvogasãoprincipalmentetrês:a)o
donúmerodetitularesdopodersoberano;b)odaseparaçãode
poderes,comrigorosoestabelecimentooufixaçãodesuasrespectivas
relações;ec)odosprincípiosessenciaisqueanimamaspráticas
governativaseconseqüenteexercíciolimitadoouabsolutodopoder
estatal.
OprimeirocritériotemoprestígiodonomedeAristótelesede
quantosadotaramsubseqüentemente,comalgumasvariações,asua
afamadaclassificaçãodasformasdeGoverno.
Osdoisúltimossãomaisrecentes,traduzindomelhora
compreensão
contemporânea
do
fenômeno
gevernativo
e
sua
institucionalizaçãosocial.
Osegundo,relativoàseparaçãodepoderes,dominoudurante
todaaidadedoEstadoliberal,representandoumadasfacesdo
formalismoconstitucionaldoséculopassado,apoiadonateoriade
Montesquieu,semqueestedemodoalgumpressentisseessaeventual
aplicação,extraídaaliáscomoconseqüêncialógicadesuadoutrina.
Oterceiro,voltadoparaosprincípiosbásicosqueanimamavida
política,édetodocontemporâneo,representandoumareaçãocontraa
rigidezdocritérioanterior,oqualtinhamaisemvistaaformadoqueo
fundodasinstituições.
Asclassificaçõesmaiscélebressãoporémaquelasqueobedecem
aoprimeirocritériojáreferido.Abrangem,porexemplo,aclassificação
deAristóteles,deMaquiaveledeMontesquieu,levandoemconta,
principalmente,onúmerodepessoasqueexercemopodersoberano.
2.AclassificaçãodeAristóteles:monarquia,aristocraciae
democracia
Amonarquia,aprimeiradessasformas,representa,segundo
Aristóteles,ogovernodeumsó.Atendeosistemamonárquicoà
exigênciaunitárianaorganizaçãodopoderpolítico,exprimindouma
formadegovernonaqualsefazmisterorespeitodasleis.
Aaristocracia,comosegundaforma,naclassificaçãode
Aristóteles,significaogovernodealguns,ogovernodosmelhores.Na
etimologiadapalavra“aristocracia”deparamo-nosjácomaidéiade
força.Essaraizevolvenaturalmenteparaaacepçãodeforçadacultura,
forçadainteligência,forçaentendidademodoqualitativo,força,por
conseguinte,dosmelhores,dosquetomamasrédeasdogoverno.A
exigênciadetodogovernoaristocráticodeveser,segundoAristóteles,a
deselecionarosmaiscapazes,osmelhores.
Quantoaoterceirotipodegoverno,contidonessaclassificação,
Aristótelesfá-locorresponderàDemocracia,governoquedeveatender
nasociedadeaosreclamosdeconservaçãoeobservânciadosprincípios
deliberdadeedeigualdade.
OsquerepreendemAristótelesporhaverprocedidona
classificaçãodasformasdegovernocomcritérioquantitativo,estão
todaviadeslembradosdequeoinsignefilósofopolíticodaGrécia
distinguiraaschamadasformasdegovernopurodasformasdegoverno
impuro.
Governospurossão,nopensamentoaristotélico,aquelesemque
ostitularesdasoberania,quersetratedeum,dealgunsoudetodos,
exercemopodersoberanotendoinvariavelmenteemvistaointeresse
comum,aopassoqueosgovernosimpurossãoaquelesemque,ao
invésdobemcomum,prevaleceointeressepessoal,ointeresse
particulardosgovernantescontraointeressegeraldacoletividade.
Quandoessesinteressespessoaissesobrepõem,nagestãodos
negóciospúblicos,aosinteressesdasociedade,aquelasformasde
governojámencionadasdegeneramporcompleto.
Desvirtuadadeseusignificadoessencialdegovernoquerespeita
asleis,amonarquiaseconverteemtirania,asaber,governodeumsó,
quevotaodesprezodaordemjurídica.
Aaristocraciadepravadasetransmudaemoligarquia,plutocracia
oudespotismo,comogovernododinheiro,dariquezadesonesta,dos
interesseseconômicosanti-sociais.
Ademocraciadecaídasetransfazemdemagogia,governodas
multidõesrudes,ignarasedespóticas.
3.OacréscimoromanoàclassificaçãodeAristóteles:ogoverno
misto(Cícero)
Osescritorespolíticosdasociedaderomanaacolheramcom
reservasaclassificaçãodeAristóteles.Alguns,comoCícero,
acrescentaramàsformasjáconhecidasdaclassificaçãoaristotélicaum
quartotipo:aformamistadegoverno.
Essaforma,segundoCícero,existianoEstadoromanomesmoe
vinhaaseramelhordetodas.Ogovernomistoaparece,viaderegra,
pormeralimitaçãooureduçãodospoderesdamonarquia,da
aristocraciaedademocracia,mediantedeterminadasinstituições
políticas,taiscomoumSenadoaristocráticoouumaCâmara
democrática.
Autoresmodernosqueadmitemaexistênciadaformamistade
governo,entendemqueaInglaterraoferececontemporaneamenteo
maispersuasivoexemplodessamodalidadedeorganizaçãodogoverno.
Comefeito,hánaInglaterraumsistemamonárquiconoqualo
Rei,aCâmaraAlta(CâmaradosLordes)eaCâmaraBaixa(Câmarados
Comuns)formamconjuntamenteoParlamento.Comosevê,essepaís
apresentaumquadropolíticoondeopoderrealcombinatrêselementos
institucionais,quesãoaspeçasbásicasdosistema:aCoroa
monárquica,aCâmaraaristocráticaeaCâmarademocráticaou
popular.
Dospublicistasmodernos,quenãoaderemaosistemade
classificaçãodeAristótelesesustentamamodalidademistade
organizaçãodogoverno,destaca-seMirabeau,insigneoradorpolíticoda
RevoluçãoFrancesa,que,emdiscursoproferidoporvoltade1790,já
declaravaquenumcertosentidoasrepúblicassãomonarquias,enum
certosentidotambémasmonarquiassãorepúblicas.
Comrespeitoaogovernomisto,tãofervorosamentepreconizado
porCícero,cumpreadvertirnacensuraecríticaquelhefazTácitonos
Anais,aonegarvalor,atémesmoexistênciaasemelhantemodelode
Estado.DisseTácitonaquelaobra,quenenhumEstadomistohána
realidade,ousehouver,serásemprededuraçãoefêmera.
4.Asmodernasclassificaçõesdasformasdegoverno:de
MaquiavelaMontesquieu
DeAristóteleseCícero,passemosaMaquiavel,osecretário
florentino,quetantoseimortalizounaciênciapolítica,equeabreo
capítuloprimeirodeOPríncipe,suaobra-prima,comaquelaafirmativa
deque“todososEstados,todososdomíniosqueexercerameexercem
podersobreoshomens,foramesãoouRepúblicasouPrincipados”.1
Comessaafirmação,classificaMaquiavelasformasdegoverno
emtermosdualistas:deumaparte,amonarquia,opodersingular;e,
deoutraparte,aRepública,oupoderplural.Arepública,segundo
Maquiavel,abrangeaaristocraciaeademocracia.
DeMaquiavelvamosaMontesquieu,cujaclassificaçãoéamais
afamadadostemposmodernos.
EmtodaformadegovernodistingueMontesquieuanaturezaeo
princípiodessegoverno.Anaturezadogovernoseexprimenaquiloque
fazcomqueelesejaoqueé.Oprincípiodogoverno,porsuavez,vema
seraquiloqueofazatuar,queanimaeexcitaoexercíciodopoder:as
paixõeshumanas,porexemplo.2
Sãoformasdegoverno:arepública,amonarquiaeodespotismo,
conformeaenumeraçãoqueconstadoEspíritodasLeis.
Arepúblicacompreendeademocraciaeaaristocracia.Anatureza
detodogovernodemocráticoconsiste,segundoMontesquieu,ema
soberaniaresidirnasmãosdopovo.Quantoaoprincípiodademocracia,
temosavirtude,quesetraduznoamordapátria,naigualdade,na
compreensãodosdeverescívicos.Comrelaçãoàaristocracia,sua
naturezaéasoberaniapertenceraalgunseseuprincípioamoderação
dosgovernantes.3
Quantoàmonarquia,dizMontesquieuquesetratadoregimedas
distinções,dasseparações,dasvariaçõesedosequilíbriossociais.Sua
naturezadecorredeserogovernodeumsó.Cumpreaquiaosoberano
governarmedianteleisfixaseestabelecidas.Aorganizaçãopolíticada
monarquiatomaportraçocaracterísticoapresençadepoderesou
corposintermediáriosnasociedade.Essasorganizaçõesprivilegiadase
hereditáriassãooclero,ajustiçaeanobreza,queatuamempresença
dotronocomopoderessubordinadosedependentes.4
Oprincípiodamonarquiasecifranosentimentodahonra,no
amordasdistinções,nocultodasprerrogativas.Interpretandoo
pensamentodeMontesquieu,asseveraEmílioFaguetqueesseprincípio
monárquiconãoéosentimentoexaltadodadignidadepessoal,nem
tampoucooorgulhofeudal,masodesejodeserdistinguidonumacorte
brilhante,asatisfaçãodoamorpróprionumaposição,numgrau,num
título,numadignidade.Ahonra,comoprincípiomonárquico,desperta
nosservidoresdaCoroaapaixãodafidelidadepessoal,adedicação,o
altruísmo,aabnegação,odesapegoeosacrifício.5
Porfim,odespotismo.Suanaturezaseresumenaignorânciaou
transgressãodalei.Omonarcareinaforadaordemjurídica,sobo
impulsodavontadeedoscaprichospessoais.Oprincípiodetodoo
despotismoresidenomedo:ondehádesconfiança,ondehá
insegurança,ondeháincerteza,ondeasrelaçõesentregovernantese
governadossefazemàbasedotemorrecíproco,nãohá,segundo
Montesquieu,governolegítimo,masgovernodespótico,governoque
negaaliberdade,governoquetemeopovo.6
Segundoessemesmoclássicodademocracialiberalnãochega
sequerodespotismoaserumaformadegoverno,porquantodizo
filósofopolítico:“ogovernoéolavradorquesemeiaecolhe;o
despotismoéoselvagemquecortaaárvoreparacolherosfrutos”.7E,
demodomaisconclusivo:“odespotismonãoéoutracoisasenãouma
multidãodeiguaiseumchefe”.8
5.Formasfundamentaiseformassecundáriasdegoverno
(Bluntschli)
Das
classificações
de
formas
de
governo
aparecidas
modernamente,depoisdadeMontesquieu,éderessaltaradeautoria
dojuristaalemãoBluntschli,quedistinguiuasformasfundamentaisou
primáriasdegovernodasformassecundárias.9
Aodistinguirasformasfundamentais,afirmouoegrégio
publicistaqueaíoprincípiodesuaclassificaçãoatendiaàqualidadedo
regente,aopassoquenasformassecundáriasocritérioaqueobedeceu
eraodaparticipaçãoquetêmnogovernoosgovernados.
Sãoformasfundamentais:amonarquia,aaristocracia,a
democraciaeaideocraciaouteocracia.10
Comosevê,Bluntschlienumeraasformasjáconhecidasda
antigaclassificaçãoaristotélica,acrescentandoporémumaquarta
forma:aideocraciaouteocracia.
Comefeito,asseveraessepensadorquehásociedadespolíticas
organizadasondeaconcepçãodopodersoberanonãoresideem
nenhumaentidadetemporal,emnenhumserhumano,singularou
plural,senãoqueseafirmaterasoberaniaporsedeumadivindade.
Conseqüentemente,emdeterminadasformasdesociedadeimperauma
doutrinateológicadasoberania.Nãosedeveporconseguinte
menosprezarsemelhantesmodelosdesociedade,ondeateoriadopoder
político,debaixodainspiraçãosobrenatural,fundaumsistema
governativodeteorsacerdotal,quesenãoamoldarigorosamenteàstrês
formasjáconhecidasemencionadas.
Ateocracia,comoformadegoverno,segundoBluntschli,
degeneranaidolocracia:aveneraçãodosídolos,apráticadebaixos
princípiosreligiososextensivosàordempolítica,queconseqüentemente
seperverte.
Quantoàsformassecundárias,referidasaograudeparticipação
dosgovernadosnogoverno,tomam,conformeomesmoBluntschli,a
seguintediscriminação:governosdespóticosouservis,governos
semilivres,egovernoslivres,quesãooscompreendidosnaformados
chamadosEstadospopulares(Volksstaat)ouEstadosdemocráticos.11
6.Asformasdegovernosegundoocritériodaseparaçãode
poderes:governoparlamentar,governopresidencialegoverno
convencional
Quandoocritérioquesesegueéodaseparaçãodepoderes,que
hásidoaliásomaisfreqüentedesdeoséculopassado,faceaodeclínio
dasclassificaçõesdecunhoaristotélico,jáexaminadas,deparamo-nos
comasseguintesformasdegoverno:governoparlamentar,governo
presidencialegovernoconvencionalougovernodeassembléia.
Ogovernoparlamentar,sobalegítimainspiraçãodoprincípioda
separaçãodepoderes,éaquelaformaqueassentafundamentalmente
naigualdadeecolaboraçãoentreoexecutivoeolegislativo,ecomotal
foiconcebidoepraticadonafaseáureadocompromissoliberalentrea
monarquia,presaaosaudosismodaidadeabsolutista,eaaristocracia
burguesadarevoluçãoindustrial,ligadamaisteóricaqueefetivamente
àsnovasidéiasdemocráticas.
Ogovernopresidencial,segundoasregrastécnicasdorito
constitucionalresultanumsistemadeseparaçãorígidadostrês
poderes:oexecutivo,olegislativoeojudiciário,aopassoqueoregime
convencionalsetomacomoumsistemadepreponderânciada
assembléiarepresentativa,emmatériadegoverno.Daíadesignação
quetambémrecebeude“governodeassembléia”.
Quandoessastrêsformasapareceramemsubstituiçãousualdas
velhasclassificaçõespertinentesaonúmerodetitularesdopoder
soberano,fez-sejáconsiderávelprogressotocanteàsuperaçãohistórica
dessedualismomonarquia-república,queemséculosanteriorestanto
apaixonaraospublicistas.Masoformalismodasclassificações
perdurouomesmo,mostrando-sedetodoinalterável,comocritério
novodecaracterizaçãodosgovernos,medianteaadoçãodoprincípioda
separaçãodepoderes.
7.Acrisedaconcepçãogovernativaeasduasmodalidades
básicasdegoverno:governospeloconsentimentoegovernospela
coação
Amudançaverdadeirasóseoperaquandoentraemcriseo
conceitodegovernoempregadoporRousseau.Foramerecimento
indiscutíveldeRousseauohaverdistinguidocomclarezajamais
excedidasoberaniaegoverno.
DizRousseau:“Chamogovernoousupremaadministraçãoo
exercíciolegítimodopoderexecutivoepríncipeoumagistrado,o
homemoucorpoincumbidodessaadministração”,12depoisdehaver
afirmadoqueogovernoé“umcorpointermediárioestabelecidoentreos
súditoseosoberanoparasuamútuacorrespondência,encarregadoda
execuçãodasleisedamanutençãodaliberdade,tantocivilcomo
política”.13
Asoberania,comopodercriador,elaboraalei;ogovernoaaplica.
AvontadesoberanaéaquelepoderaquejásereferiaBodinnoséculo
XVI:“Opoderdefazerederevogarasleis”,aopassoqueogovernoéo
instrumentoeagentedaquelavontade,oórgãoporexcelênciade
aplicaçãodanorma.
Quandoapareceunalinguagemdosmodernospublicistasanova
classificaçãodasformasdegovernoemgovernoparlamentar,governo
presidencialegovernodeassembléia,aconcepçãodegoverno,ainda
imperante,eraamesmadeRousseau.
NãocausaporconseguinteestranhezaqueBagehothajadefinido
ogovernoparlamentarousejaogovernodegabinetecomoum“comitê
executivo”daAssembléia.
Quandoporémaquestãodefundoveioapreponderarsobrea
questãodeforma,quandosepassoudoEstadoliberalaoEstadosocial
ouaoEstadosocialistacontemporâneo,quandooantagonismo
ideológicosucedeuàcalmariadoséculoXIX,rompendoasestruturas
liberaisdasociedadeburguesa,quandoaoEstadoneutrosucedeuo
Estadointervencionista,quandoosfinsdaordemestatalcresceramese
multiplicaram,todooformalismoantecedenteentrouemcriseeo
conceitodegoverno,comosimplesbraçoexecutivo,comoumpoderà
parte,meramenteaplicadordeleis,ingressoudefinitivamentenomuseu
dasidéiaspolíticas,tangidoporumimperativohistóricoesocial
inelutável.
Comenta
Guetzévitch
o
declínio
da
velha
proposição
rousseauniana,quepertenceaoRousseaudoliberalismo,escrevendo:
“Aexpressãonãoéfeliz.Governarnãoésomenteexecutar.Aidéia
demasiadosimplistade“execução”nosvemdoséculoXVIII;Rousseau,
quenãopodeobservarnenhumademocraciaexistente,ensinava
solenementeque“opoderexecutivo...nãoconsistesenãoematos
particulares”.14AludeaomonumentalmalogrodaConstituição
Francesade1793,aConstituiçãogirondina,queficouinaplicada,e
cujoartigo65vertiafielmenteamáximadeRousseau:“OConselho
(executivo)nãopodeagirsenãopelaexecuçãodasleisedosdecretosdo
corpolegislativo”.
Comefeito,“governar...nãoésomente“executar”ouaplicaras
leis;governarédarimpulsoàvidapública,tomariniciativa,prepararas
leis,nomear,revogar,punir,atuar.Atuarsobretudo”.15
Quandoosfatosimpuseramessamodalidadenovade
compreensãodogovernovimosdomesmopassoogovernoparlamentar
caracterizar-se,porefeitodessatransformação,comogovernode
preponderânciadaassembléia;ogovernopresidencialtransformar-se
emgovernodehegemoniadoexecutivoeogovernoconvencionalse
converternumgovernodeconfusãodepoderes.
Vimosigualmenteogovernofortedasditadurassurgirnesse
sistemaderelaçõesdepoderescomoaformatípicadogovernode
concentraçãodepoderes.
Chegava-sedessamaneiraaoterceirocritérionaclassificaçãodas
formasdegoverno,emqueestas,ouabrangemosgovernosdomodo
acimaenunciado,ondeaquestãodefundosobrelevaaquestãode
forma,ditandoasalteraçõesvistasnasrelaçõesentreospoderes,ou,
atendendoaindaàinspiraçãodosprincípiosfundamentaisqueregema
organizaçãodopoderpolítico,reduziríamostodasasformasdegoverno
aduasmodalidadesbásicas:governospeloconsentimentoougovernos
pelacoação,governoslimitadosougovernosabsolutos,governoslivres
ougovernostotalitários,governosdaliberdadeougovernosdaditadura.
Aidéiadegovernoseentrelaçapoiscomaderegime,coma
ideologiadominante.
Aquestãodefundoenvolveidéiaseprincípios,queanimam
decisivamenteaaçãodosgovernos.Medianteasidéiasexplicar-se-iam
asformasdegoverno.
Aquestãodeforma,porsuavez,sefazdetodosecundária.As
técnicaseosmecanismosdeorganizaçãodogovernosóteriam
importâncianamedidaemqueefetivamentecontribuíssemà
observânciadasidéias.Estas,sim,forneceriamopadrãoválidoe
rigoroso,atravésdoqualseaquilatariamelhordanatureza,daessência
edoespíritodecadagovernoousistemadeautoridade.
1.NiccoloMachiavelli,IlPríncipe,p.37.
2.Montesquieu,“DeL’EspritdesLois”,in:OeuvresComplètes,pp.250-251.
3.Idem,ibidem,pp.244-247-254.
4.Idem,ibidem,pp.247-248-257.
5.Montesquieu,ob.cit.,p.257.
6.Idem,ibidem,pp.249-250-258.
7.Idem,ibidem,p.292.
8.Idem,ibidem,pp.292-297.
9.J.C.Bluntschli,AllgemeineStaatslehre,6ªed.,pp.384-385.
10.Bluntschli,ob.cit.,pp.385-387.
11.Idem,ibidem,pp.551-557.
12.J.J.Rousseau,DuContratSocial,p.116.
13.Rousseau,ob.cit.,liv.3,cap.1,p.115.
14.Rousseau,ob.cit.,pp.114-122.
15.BorisMirkine-Guetzévitch,LesConstitutionsEuropéennes,pp.19-20.
15
OSISTEMAREPRESENTATIVO
I.Osistemarepresentativoeasdoutrinaspolíticasda
representação—2.Adoutrinada“duplicidade”alicercedoantigo
sistemarepresentativonaépocadoliberalismo—3.ARevolução
Francesaconsolidaadoutrinada“duplicidade”—4.Apogeuna
aplicaçãoconstitucionaldadoutrinada“duplicidade”—5.Declínio
da“duplicidade”noséculoXX—6.AcríticadeRousseauao
sistemarepresentativo—7.Adoutrinada“identidade”:
governantesegovernados,umasóvontade—8.Adoutrinada
“identidade”supõeopluralismodasociedadedegrupos—9.O
princípiodemocráticoda“identidade”éumanovailusãodosistema
representativo—10.Nadinâmicadosgruposedascategorias
intermediáriasseachaanovarealidadedoprincípiorepresentativo
—11.Adecomposiçãodavontadepopulardeterminouacrisedo
sistemarepresentativo:doprincípiodarepresentaçãoprofissional
aosgruposdepressãonoEstadocontemporâneo—12.Umanova
teoriadarepresentaçãopolítica,defundamentomarxista:a
representaçãocomosimplesrelaçãoentregovernantes
e
governados(Sobolewsky).
1.Osistemarepresentativoeasdoutrinaspolíticasda
representação
Osistemarepresentativonamaisamplaacepçãorefere-sesempre
aumconjuntodeinstituiçõesquedefinemumacertamaneiradeserou
deorganizaçãodoEstado.1
Tocanteaotermorepresentação,ocorremreiteradasrixas
teóricas,emgeraldecorrentesdeposiçõesdoutrináriasouideológicas
quereduzemaquelaexpressãoaumjuízodevalor.Comopropósitode
alcançarmosaclarezapossívelnamatéria,partiremosdeumabreve
alusãoaoteorlingüísticodapalavrarepresentação.
Osdicionaristasepublicistasquandoseocupamdessevocábulo
coincidememindicarquemediantearepresentaçãosefazcomque
“algoquenãoestejapresenteseachedenovopresente”.2Asindagações
quedeordinárioconduzemadiscrepânciasresultamporémnamáxima
partedesabersehá“duplicidade”ou“identidade”comapresençae
açãodorepresentante,comainterveniênciadesuavontade.3
A“duplicidade”foiopontodepartidaparaaelaboraçãodetodoo
modernosistemarepresentativo,nassuasraízesconstitucionais,que
assinalamoadventodoEstadoliberaleasupremaciahistórica,por
largoperíodo,daclasseburguesanasociedadedoOcidente.Comefeito,
toma-seaíorepresentantepoliticamentepornovapessoa,portadorade
umavontadedistintadaqueladorepresentado,edomesmopasso,fértil
deiniciativaereflexãoepodercriador.Senhorabsolutodesua
capacidadedecisória,volvidodemaneirapermanente—naficçãodos
instituidoresdamodernaidéiarepresentativa—paraobemcomum,
faz-seeleórgãodeumcorpopolíticoespiritual—anação,cujoquerer
simbolizaeinterpreta,quandoexprimesuavontadepessoalde
representante.
Dessaconcepçãoseextraemcominvejávelperfeiçãológicatodos
oscoroláriosdosistemarepresentativoquetemacompanhadoas
formas
políticas
consagradas
ou
chanceladas
pelo
velho
constitucionalismoliberal:atotalindependênciadorepresentante,o
sufrágiorestrito,aíndolemanifestamenteadversadoliberalismoaos
partidospolíticos,aessênciadochamado“mandatorepresentativo”ou
“mandatolivre”,aseparaçãodepoderes,amoderaçãodosgovernos,o
consentimentodosgovernados.
Tudoissoemcontrastecomastendênciascontemporâneasda
sociedadedemassas,queseinclinaacercearasfaculdadesdo
representante,jungi-lasaorganizaçõespartidáriaseprofissionaisou
aosgruposdeinteressesefazeromandatocadavezmaisimperativo.
Essastendênciastêmapoioteóriconosfundamentosdarepresentação
concebidasegundoaregrada“identidade”,queemboalógicaretiraao
representantetodoopoderprópriodeintervençãopolíticaanimada
pelosestímulosdesuavontadeautônomaeoacorrentasemremédioà
vontadedosgovernados,escravizando-oporinteiroaumescrúpulode
“fidelidade”aomandante.Éavontadedestequeeleemprimeirolugar
seachanodeverde“reproduzir”,comoseforafitamagnéticaou
simplesfolhadepapelcarbono.
Aficçãodaidentidadeimpregnoutodoosistemarepresentativo
duranteoséculoXX.Essa“identidade”,postoqueimpossível,conforme
veremosemdigressõessubseqüentescomapoioteóriconaobrade
Rousseau,podetodaviasertomadacomoumsímbolooujuízodevalor,
jáparaexcluirosistemarepresentativo,consoantefazaquele
publicista,jáparaautorizareautenticarelegitimarasmudançasque
sevãooperandonoâmagodasinstituiçõesrepresentativas,desdesua
implantação.
2.Adoutrinada“duplicidade”,alicercedoantigosistema
representativonaépocadoliberalismo
Atítuloderecursoouexpedientedidáticonaexplanaçãotanto
dasorigenscomodoadventodosistemarepresentativo,qualelehásido
praticadodesdeoséculoXVIII,compendiaremos,debaixodadesignação
genéricadedoutrinada“duplicidade”,todasaquelasposiçõesteóricas
queemFrançaenaInglaterrativerampordesfechoaimplantaçãode
umaorganizaçãoliberaldasociedade.Nessaorganização,os
representantessefizeramdepositáriosdasoberania,exercidaemnome
danaçãooudopovoepuderam,livremente,comsólidorespaldonas
regiõesdadoutrina,exprimiridéiasouconvicções,fazendo-asvaler,
semapreocupaçãonecessáriadesaberseseusatoseprincípios
estavamounãoemproporçãoexatadecorrespondênciacomavontade
dosrepresentados.
Vejamosnaquelespaísesasreflexõesdealgunsescritores
políticos,dentreosmelhoresnomesportadoresdecontribuiçãoteórica
àedificaçãodomodernosistemarepresentativo.Atendendoaosmoldes
doutrináriosqueelesofereceram,essesistemaseapresentacomo
criaçãotipicamentemoderna,distintadetudoquantodantesconheceu
asociedadeclássicaedepoisasociedademedieva.
Insistepoistodaavelhadoutrinadosistemarepresentativonuma
idéiacapital:aindependênciadorepresentanteemfacedoeleitor.
Dentreosautorespolíticosdelínguainglesa,JohnMiltonédos
primeirosquebatalhamporsemelhanteposição,quandoentendeque,
depoisdaseleições,osdeputadosjánãosãoresponsáveisperanteos
eleitores.ExpôsMiltonatese,segundoFairlie,em1660,noseuprojeto
deinstituiçãodeumparlamentocontínuo.4
Em1698,AlgernonSidney,naobraDiscoursesonGovernment
desenvolveuigualpontodevista,afirmandoqueosmembrosdo
Parlamentonãosãosimplesemissáriosdestaoudaquelacircunscrição
eleitoral,masseachamdotadosdecompetênciaparaatuaremnomede
todooreino.
NoséculoXVIIIateseserobusteceu,conformeanotaFairlie,com
oreforçoquelhederampensadoresdaenvergadura,deBlackstonee
Burke.OsmembrosdoParlamento,segundoBlackstone,representamo
reinointeiroenãoumdistritoeleitoralparticular.AfirmouBurkeque
seriam“coisasextremamentedesconhecidasaodireitodonossopaís”,e
resultantesdeum“errofundamental”acercade“nossaConstituição”,
admitirquedoeleitorderivasseminstruções“imperativas”e
“mandatos”,bastantesparacompelirodeputadoasegui-loscegamente,
dando-lhesobediência,votoeargumento,aindaquecontráriosàsmais
clarasconvicçõesdeseujuízoeconsciência.5“Vósescolheisum
deputado,masaoescolherdes,deixaeledeserodeputadodo
parlamento.”6
Dosfranceses,foiMontesquieusemdúvidaoprimeiroque
apresentounaEuropaaversãocontinentaldosistemarepresentativo,
doutrinandoqueamaiorvantagemdosrepresentanteséqueeles,em
substituiçãodopovo,sãoaptosadiscutirosnegócios.Doseleitores,no
entenderdeMontesquieu,bastavaorepresentantetrazeruma
orientaçãogeral.Nadadeinstruçõesparticularesacercadecada
assunto,comosepraticavanasdietasdaAlemanha.
Aincapacidadedopovoparadebateracoisapúblicaougeriros
negócioscoletivos,atuandocomopoderexecutivo,foiressaltadade
modovigorosoporMontesquieuemvárioslugaresdesuaobracapital
—DoEspíritodasLeis.Nosistemarepresentativocabeaopovotão-
somenteescolherosrepresentantes,atribuiçãoparaaqualoreputa
sobejamentequalificado.7
3.ARevoluçãoFrancesaconsolidaadoutrinada“duplicidade”
ComaRevoluçãoFrancesaadoutrinadosistemarepresentativo
seaperfeiçooutocanteasuaessência,asaber,aabsoluta
independênciapolíticadorepresentante,capacitadoaquereremnome
danaçãoesemmaisvínculosoucompromissoscomoscolégios
eleitorais.Afunçãodessescolégiosseesvaziavadetodocomaoperação
eleitoral,simplesinstrumentodedesignação.
Pondoênfasenospoderesconstituintesdequesecuidavam
investidosenainteiraindependênciacomqueentrariamnodebateda
matériaconstitucional,osprimeirosnomesdafamosaassembléia
revolucionáriadeixaramclarostestemunhosdessadisposição,quese
lhesafiguravainabdicável.PalavrasdeMounier,segundoPrélot,uma
dasvozesmaisacatadasdoterceiroestado:“Osdeputadossão
convocadosaestabeleceraConstituiçãofrancesaemvirtudedos
poderesquelhesforamcometidospeloscidadãosdetodasasclasses”.8
Nasessãode10deagostode1791,Barnaveassimseexprimia:
“Naordemenoslimitesdasfunçõesconstitucionais,oquedistingueo
representantedaquelequenãoésenãoumfuncionáriopúblicoéserele
incumbido,emcertoscasos,dequereremnomedanação,aopassoque
omerofuncionáriotemapenasaincumbênciadeservi-la”.9
Igualseqüênciadeidéiasdepara-se-nosnesteexcertooratóriode
Sieyès,empresençadamesmaAssembléiaconstituinte:“Éparaa
utilidadecomumqueoscidadãosnomeiamrepresentantes,bemmais
aptosqueelesprópriosaconheceremointeressegeraleainterpretar
suaprópriavontade”.Tempoeinstrução,sãoasdeficiênciasqueo
abalizadotribunodoterceiroestadovênoscidadãos,inabilitando-osao
exercícioimediatodopoderejustificandoaadoçãodasformas
representativas.Falta-lhesportantosegundoSieyèsinstruçãopara
compreenderosprojetosdeleielazerparaestudá-los.
Depoisdeafirmarque“opovosótemqueganharmetendoem
representaçãotodososgênerosdepoderinerentesàinstituição
pública”,insurge-seSieyèscontraamáximarestritivadosque
entendemqueopovosomentedevedelegaraquelespoderesqueele
mesmonãoécapazdeexercê-los.Veemente,dizaesserespeito:
“Vincula-seaessepretensosistemaasalvaguardadaliberdade:é
comosesequisesse,porexemplo,provaraoscidadãosquetêm
necessidadedeescreverparaBordéus,queguardariammelhorsua
liberdade,sereservassemodireitodelevarelesmesmossuascartas,
vistoquepoderiamfazê-lo,aoinvésdecometê-lasàrepartiçãopública
competente”.10
EssemesmoSieyèsasseveravaademais,incisivo:“Seoscidadãos
ditassemsuavontade,jánãosetratariadeEstadorepresentativo,mas
deEstadodemocrático”.
Empalavrasdeigualenergia,amesmatesedespontanos
discursospolíticosdeMirabeau:“Sefôssemosvinculadospor
instruções,bastariaquedeixássemosnossoscadernossobreasmesase
volvêsssemosàsnossascasas”.Demodoidêntico,Condorcet,na
Convenção:“Mandatáriodopovo,fareioquecuidarmaisconsentâneo
comseusinteresses.Mandou-meeleexporminhasidéias,nãoassuas:
aabsolutaindependênciadasminhasopiniõeséoprimeirodemeus
deveresparacomopovo”.
Noséculoseguinte,passadaatormentarevolucionária,osistema
representativoseinstitucionaliza.BenjamimConstant,expoenteda
doutrinaliberal,escreve:“Osistemarepresentativooutracoisanãoé
senãoumaorganização,medianteaqualanaçãoincumbealguns
indivíduosdefazeremaquiloqueelanãopodeounãoquerfazerporsi
mesma”.Eprossegue,aclarandooconceitodessesistema:“Osistema
representativoéumaprocuraçãodadaacertonúmerodepessoaspela
massadopovo,quedesejaqueseusinteressessejamdefendidoseque
nemsempretêmtempodedefendê-losporsimesma”.11
Adoutrinafrancesaquepreconizouosistemarepresentativoda
idadeliberalteveenfimcomGuizotumdeseusmaisaltoseabalizados
corifeus.Apropósitoderepresentantes,escreveuGuizotqueeles
recebemdeseuseleitores“amissãodeexaminarededecidirconforme
asuarazão”.Acentuaqueoseleitores“devemconfiar-seàsluzes
daquelesqueforamescolhidos”.12
Deúltimo,adoutrinadeumsistemarepresentativosemlaços
comaimperatividadedomandato,nosmoldesdoEstadoliberal,
emborajáultrapassadapeladoutrinaepelosfatos,conformeveremos,
apareceaindacomtodaaclarezanaobradeCarlSchmittTeoriada
Constituição.Expondoesseconstitucionalistaalemãoseuentendimento
sobreamatéria,ponderou:
“Assiméque,deumacordotãouniversalesistemáticocomoa
representação,oqueenfimparecehaverficadonaconsciênciadaTeoria
doEstadoéqueorepresentantenãoseachasujeitoàsinstruçõese
diretrizesdeseuseleitores”.13
Afigura-seaSchmittqueorepresentanteéindependente,epor
conseguintenãosetratadefuncionário,agenteoucomissário.Ressalta,
aliás,aclarezadaConstituiçãofrancesade1791aesserespeito.E
assinalaemabonodessatese—amesmadasvelhasconcepções
representativasperfilhadaspeloliberalismo—que,seorepresentante
fossetratadoapenascomoagente,quecuidassedosinteressesdos
eleitoresporfundamentospráticos(impossível,dizSchmitt,todosos
eleitoressempreesimultaneamentesecongregaremnumdeterminado
lugar)nenhumarepresentaçãoaíexistiria.14
4.
Apogeu
na
aplicação
constitucional
da
doutrina
da
“duplicidade”
Estáclaroquepeladoutrinada“duplicidade”,conformea
expusemos,duasvontadeslegítimasedistintasatuavamnosistema
representativoelheemprestavamomatizcaracterístico.Eassim
aconteceudesdequeessesistemapôdenaidademodernaidentificar-se
porformadetodonovaegenuínadeorganizaçãodopoderpolítico:a
vontademenorefugazdoeleitor,restritaàoperaçãoeleitoral,ea
vontadeautônomaepoliticamentecriadoradoeleitoourepresentante,
oriundaaliásdaquelaoperação.
Aindependênciadorepresentanteéoconceito-chavedadoutrina
dualista,doutrinaaoredordaqualgravitamtesesqueoliberalismoao
estabelecer-se,doséculoXVIIIaoséculoXIX,forcejouportornar
válidas:apublicidade,olivredebatenoplenáriodasassembléias,o
bemcomumfortalecidopelasinspiraçõesdarazão,ocultodaverdade,
oprincípiodejustiça.
Dopontodevistadasclassessociais,essesistemarepresentativo
afina
admiravelmente
com
uma
ordem
política
aristocrática
(aristocraciadasluzesedarazão).Oteoraristocráticodarepresentação
ressaltadaquelasmáximasdesaborplatônicoeSocráticoquemandam
entregarogovernoaosmaiscapazesedotadosdemaisluzesno
discerniroverdadeirobemcomum.Omesmoafãseletivoseobservana
firmezaedeterminaçãocomqueosteoristasdessesistemase
empenhamemarredaropovodoexercícioimediatodopoder,mediante
justificaçõescopiosasacercadesuaincapacidadeparagovernar.
Osistemarepresentantivotraduziaaíndoledasinstituições
nascentes.Ainstitucionalizaçãorápidadaidéiarepresentativanos
moldesdadoutrinada“duplicidade”,quetãobematendiae
resguardavaaautonomiadorepresentante,sepropagouda
ConstituiçãoFrancesade1791aoutrasConstituições,naFrançacomo
nosdemaisEstadospostossoboinfluxorevolucionário.
Comefeito,oartigo2°daquelaConstituiçãodispunha:“A
ConstituiçãoFrancesaérepresentativaerepresentantessãoocorpo
legislativoeorei.”Aseguir:“Osrepresentantesdesignadosnos
departamentosnãoserãorepresentantesdeumdepartamento
particular,masdanaçãointeiraenenhummandatolhespoderáser
dado”(TítuloIII,Cap.I,SecçãoIIIdoart.7º).Ospublicistastêm
chamadoaatençãoparaomodocomooconstituintedisse:os
representantes
designados
nos
departamentos
e
não
pelos
departamentos,comoseaténessepormenorderedaçãoquisesse
assinalarolaçoqueprendeorepresentanteànaçãoenãoao
departamento.
AConstituiçãodoAnoIII(calendáriodaRevolução)semanteve
rigorosamentefielàqueleprincípio:“OsmembrosdaAssembléia
Nacionalsãorepresentantes,nãododepartamentoqueosescolhe,mas
detodaaFrança”(Lesmembresdel’Assembléenationalesontles
représentants,nondudépartementquilesnomme,maisdelaFrance
entière).
AmesmadistinçãonaConstituiçãobelga,artigo32:“Osmembros
dasduasCâmarasrepresentamanaçãoenãounicamenteaprovíncia
ouasubdivisãodaprovínciaqueosdesignou”(Lesmembresdesdeux
Chambresreprésententlanationetnonuniquementlaprovinceoule
subdivisiondeprovincequilesanommés).Aquiháumapequena
variação,conformeseinferedotexto:orepresentantenãooésóda
nação,segundooentendimentodadoutrinafrancesa,mastambémda
regiãoqueoescolheu.
Deidênticoteor,oEstatutoFundamentalItaliano,de1848,artigo
41:“Osdeputadosrepresentamanaçãoemgeral,enãoapenasas
provínciaspelasquaisforameleitos”e,aindaesteséculo,a
ConstituiçãodeWeimar,de1919,artigo21,quandoafirmavaque“os
deputadossãoosrepresentantesdetodoopovo”.
Essaautonomiadorepresentantesecompletavadopontodevista
jurídicocomasprovisõesconstitucionaiscontráriasaomandato
imperativo,havendocomohouveConstituiçõesque,deformataxativa,
vedaramessaformademandato,noqueandaramaliásemlouvável
harmoniacomosprincípiosliberais,inspiradoresdanovaorganização
políticadasociedade.
Jánãoeraadoutrinaunicamentequesevolviacontraomandato
imperativo,solapadordaautonomiadorepresentante,masostextos
jurídicosproduzidosdebaixodainspiraçãorevolucionária,No
regulamentodeconvocaçãodosEstadosGerais,emFrança,orei,
cedendotalvezaosreclamosdoterceiroestado,declaravaqueos
deputadoscujaeleiçãosepretendianãopoderiamrecebernenhum
mandatoouinstrução.
Emreforçodessasdisposiçõesregulamentares,emitiu-sea
declaraçãodotrono,de23dejunhode1789,quetinhapor
“inconstitucionais”ascláusulasimperativasdosCahiers,“simples
instruçõescometidasàconsciênciaeàlivreopiniãodosdeputados”.
NãotardoupoisqueaAssembléiamesmadeclarassenulostodosos
mandatos,oquefeza8dejulhodomesmoano.
Enumeramaindavárioshistoriadorespolíticosdaquelepaís
outrosatos,medianteosquaisaAssembléiaconstituintedaRevolução
patenteousuaaversãoaomandatoimperativo,vinculadonamemória
dosrepresentantesarecordaçõesatrozesdoperíodoabsolutista.Assim,
porexemplo,a8dejaneirode1790,nainstruçãoacercadaformação
dasassembléiaslegislativasea13dejunhode1791,naleida
organizaçãodopoderlegislativo.
Conformevimos,oartigo7°dotítuloterceiro,capítuloIeseção3ª
daConstituiçãode1791interditavaomandatoimperativo,omesmo
ocorrendotocanteàConstituiçãodoAnoIII,noseuartigo52(Les
membresducorpslégislatifnesontpasreprésentantsdudépartmentqui
lesanommés,maisdelanationentière,etilnepeutleurêtredonné
aucunmandat).Aproibiçãoserepetenoartigo35daConstituiçãode
1848,ondesedizqueosrepresentantesdaAssembléiaNacionalnão
podemrecebermandatoimperativo(“Ilsnepeuventrecevoirdemandat
impératif”).
SemembargodosilêncioguardadopelaConstituiçãode1875,
tivemosnoséculopassado,emconsonânciacomatradiçãopolíticade
França,aleiorgânicade20denovembrode1875,cujoartigo13
declarava:“Todomandatoimperativoénuloedenenhumefeito”(Tout
mandaiimpératifestnuletdenuleffet).AnotaLaferrièrequeessalei
recebeu582votoscontra41,tendoNaguetsignificativamente
declarado,nasessãode30denovembro,queoartigo13selhe
afiguravaanegaçãofundamentaldademocracia.
Nodireitoconstitucionaleuropeu,influenciadoaindapela
doutrinafrancesadosistemarepresentativo,aregradominanteéa
interdiçãodomandatoimperativo.Assim,aConstituiçãoFederalda
Suíça,de1874:“OsmembrosdosdoisConselhosvotamsem
instruções”(art.91).Demodomaiscategórico,aConstituiçãoAlemãde
1919:“Osdeputadossãoosrepresentantesdetodoopovo,não
obedecemsenãoasuaconsciênciaenãoseachampresosanenhum
mandato”(art.21).AmesmaênfasevamosdepararnaConstituição
Portuguesade1911,cujoartigo15asseveravaqueovotodos
deputadosélivreeindependentedetodainstruçãoouinjunção,não
importaqualseja.
5.Declínioda“duplicidade”noséculoXX
Observa-sequenoséculoXX,váriasConstituiçõescontinuam
aindaabraçadasàdoutrinada“duplicidade”,atravésdeadesãoformal
à
autonomia
plena
do
representante
ou
mediante
vedação
constitucionaldomandatoimperativo.
ÉdenotarcontudoquedesdeaConstituiçãodeWeimarjá
disposiçõescontraditóriaseconflitantescomeçamaabalaredebilitar
aqueladoutrina.AsConstituiçõessemostramcadavezmaishíbridas,
acolhendoprincípiosqueoferecemclarosindíciosdamudança
processadanoâmagodarepresentação.AConstituiçãoAlemãde1919,
queproibiraomandatoimperativo,eraamesmaquerelutantetraziaa
sensívelnovidadedosinstrumentosdademocraciasemidireta.Sabe-se
quãoaltaéadosedeimperatividadeinerenteaessaformade
organizaçãodopoderdemocrático.Domesmopasso,ademocracia
semidiretaseapartadeumsistemadegovernoautenticamente
representativo,pelomenossegundoosmoldeshabituaisdoliberalismo,
sementedoutrináriadasmodernasinstituiçõesrepresentativas.
Nãovamoslonge.Vejamosoexemplodecasa,queatestapor
igualodeclíniocontemporâneoda“duplicidade”nosistema
representativo.AConstituiçãoBrasileirade1967esuaemenda
constitucionalde1969golpearamfundoatradiçãorepresentativadas
Constituições
antecedentes,
todas
pautadas
na
doutrina
da
“duplicidade”.Comefeito,abriu-sealilargoespaçoàadoçãoeventual
doEstadopartidárioeseusanexosplebiscitários.
Hajavista,deumaparte,aintroduçãodoprincípiodadisciplina
partidária,munidodasançãodeperdademandatodorepresentante
trânsfuga,edoutra,oestreitamentodasimunidadesparlamentares,
queretirouaorepresentanteaquelatradicionalesferadeautonomiade
palavraeexpressãonousodasprerrogativasdeseumandato,
deixando-odaquiavanteàmercêdeumaimperatividade,menosdos
eleitorestalvezdoquedasorganizaçõespartidáriasedospoderes
oficiais(oEstado);estesúltimos,sim,foramefetivamentedotadosde
meiosconstitucionaiscomquemoldarouenfrear,segundoseus
interesses,ocomportamentodorepresentante.
Parafalarverdade,adoutrinadaplenaautonomiarepresentativa
parecehaverentradojánocemitériodasnoçõesconstitucionaisde
direitopositivo.UmararidadeportantoveraindanoséculoXX,
conformevimos,constitucionalistasdopesodeSchmittatadosao
dogmada“independência”dorepresentante.
6.AcríticadeRousseauaosistemarepresentativo
Nãoépossívelcompreenderadoutrinada“identidade”,quetão
profundasalteraçõesimprimiuaosistemarepresentativonaidade
contemporânea,senãofizermosmençãopormenorizadadasidéias
políticasexpostasporRousseau,tocantesàdemocraciaeà
representação.
Dessecelebradofilósofopolíticoderivatalvezajustificaçãoou,
pelomenos,ainspiraçãomaiscoerenteparaosprincípiosquedeúltimo
seimpuseram,e,conformejádissemos,resultaramemalteração
substancialdaordemrepresentativaqualsegerounoseiododemo-
liberalismo.
Quantoàdemocracia,Rousseaupartedoceticismo,numa
daquelasreflexõesparadoxais,quedeixamoleitordoContratoSocialde
todoperplexo.Comefeito,dizele:“Atomarotermoemsuaacepção
rigorosa,jamaishouve,jamaishaveráverdadeirademocracia”.Essa
passagemsecomplementanessefechodeextremopessimismo:“Se
houvesse
um
povo
de
deuses,
esse
povo
se
governaria
democraticamente.Umgovernotãoperfeitonãoconvémaseres
humanos”.15
Seademocracialheparecetãoremota,muitomaislongeselhe
afiguraaformarepresentativadegoverno.Comambas,porém,
Rousseautransigiráquando,deumpontodevistautilitário,busca
fazeraplicaçãodessesprincípios,emordemaalcançar-senasociedade
políticaomenorteorpossíveldeimperfeições,comogovernomais
convizinhodaobservânciada“vontadegeral”.
Asoluçãodemocráticanolimitedopossíveléafórmulacujo
segredoRousseauintentarádesvelarnoContratoSocial,semembargo
daquelaproposiçãotãoamargaecontraditória,dademocracia,governo
dedeuses.Escreveofilósofo:“Acharumaformadeassociaçãoque
defendaeprotejacomtodaaforçacoletivaapessoaeosbensdecada
membro,epelaqualcadaum,unindo-seatodos,nãoobedeçatodavia
senãoasimesmoepermaneçaademaistãolivrequantoantes—éo
problemafundamentalaqueoContratoSocialtrazsolução”.16
Essaformadeassociaçãoresultaránumcorpomoralecoletivo,
numapessoapública,numacidade,segundoalinguagemdosantigos,
numarepúblicaouEstado,oucorpopolítico,ousoberania,nodizerdos
modernos,comosseusmembrosformandocoletivamenteopovoe,
particularmente,namedidaemqueparticipamdaautoridadesoberana,
oscidadãos,enamedidaemquesesujeitamàsleisdoEstado,os
súditos.17
Aseguir,Rousseausereportaaumavontadegeral,únicacapaz
defazercomqueoEstadoatendaaofimparaoqualfoiinstituído,a
saber,obemcomum.Dandojáostraçosessenciaisdeumasoberania
queelereputainalienáveleindivisível,RousseaufaznoContratoSocial
suaprimeiraacometidacontraosistemarepresentativo:
“Osoberanopodecomefeitodizer:“Queroaopresenteoque
aquelehomemquer,oupelomenosoqueeledizquerer”,masnãopode
dizer:“Oqueaquelehomemquiseramanhã,eutambémheidequerer”,
porquantoéabsurdoqueavontadeseencarcereasimesmatocanteao
futuro.Nãodependedenenhumaoutravontadeconsentiremalgo
contrárioaobemdapessoaquequer.Seopovopoispromete
simplesmenteobedecer,elesedissolvemedianteesseato,perdendosua
qualidadedepovo;noinstantemesmoemquetomaumsenhor,deixa
desersoberano,edesdeentãoocorpopolíticosedestrói”.18
MasaveemênciacomqueRousseaufulminaosdeputadosou
representantese,emconseqüência,todoosistemarepresentativoem
seusfundamentos,aparecenoutrolugar,numcapítulocompleto
daquelaobra,ondeselêemexcertoscomoeste:“Tantoqueosserviços
públicosdeixamdeseroprincipalnegóciodoscidadãoseentramestes
aprezarmaisabolsaqueasimesmos,jáoEstadoseachaàbeirada
ruína.Faz-semistercombater?Ei-losquepagamtropaseficamem
casa;urgedeliberar?Ei-losquenomeiamdeputadosepermanecemem
casa.Apoderdepreguiçaedinheiro,têmenfimsoldadospara
escravizarapátriaerepresentantesparavendê-la”.19
Domesmopensador:
“Asoberanianãopodeserrepresentadapelamesmarazãoque
nãopodeseralienada;consisteelaessencialmentenavontadegeralea
vontadenãoserepresenta:ouéelamesmaoualgodiferente;nãohá
meiotermo.Osdeputadosdopovonãosãonempodemserseus
representantes,elesnãosãosenãocomissários;nadapodemconcluir
emdefinitivo.Todaleiqueopovonãohajapessoalmenteratificadoé
nula;nãoélei.Opovoinglêscuidaqueélivre,masseenganabastante,
poisunicamenteoéquandoelegeosmembrosdoparlamento:tanto
queoselege,éescravo,nãoénada.Nosbrevesmomentosdeliberdade,
oempregoquedelafazbemmerecequeaperca”.20
Prosseguindo,assinalaRousseauocaráterdenovidadequeo
modernosistemarepresentativosignifica:“Aidéiaderepresentantes,
afirmaele,émoderna;derivadogovernofeudal,desseiníquoeabsurdo
governonoqualaespéciehumanafoidegradadaequetantofezcairem
desonraonomedoserhumano.Nasantigasrepúblicas,eaténas
monarquias,jamaisteveopovorepresentantes;ignorava-setal
palavra”.21Comigualênfase:“Limito-meapenasadizerasrazõespor
queospovosmodernos,quesecrêemlivrestêmrepresentantesepor
queospovosantigosnãoostinham.Sejacomofor,naocasiãoemque
umpovoinstituirepresentantes,elejánãoélivre;deixadeexistir”.22
SenaregiãodadoutrinaRousseauétãoseverocontraoprincípio
darepresentação,veremosnoentantoqueoseupensamentoanti-
representativoseabrandaempresençadasnecessidadesdeauto-
organizaçãoqueoEstadomodernoproduziu,daquinascendo
transigênciasquedoutraformanãoseexplicariam.
Emprimeirolugar,estabeleceeleumadistinçãoentreopoder
legislativoeopoderexecutivo,tocanteàrepresentação.Dizqueno
primeiro,relativoàleieàdeclaraçãodavontadegeral,opovonãopode
serrepresentado,aopassoquenosegundo,queoutracoisanãoésenão
aforçaaplicadaàlei,opovonãosomentepodecomodeveser
representado.23
MasfoinasConsideraçõessobreoGovernodaPolônia
(ConsidérationssurleGouvernementdePologne)queRousseau,emface
deumaformapositivadeorganizaçãoconstitucional,exarouparecer,
comosremédiosconcretosapontadosàsoluçãoouatenuaçãodos
inconvenientesqueasinstituiçõesrepresentativasacarretamà
plenitudedeumpodersoberano,esteadonoprincípiodaquelavolonté
générale,indivisíveleinalienável.
Querendo,comosempre,guardarcoerênciacomsuasteses,não
obstanteoenormeteordecontradiçõesemqueseenredam,Rousseau
lastimaquenosgrandesEstados,umdeseuspioresinconvenientes
sejaopoderlegislativonãomanifestar-seporsimesmo.Daíresultariaa
corrupçãopresenteaoscorposrepresentativos.
Contra“essemalterríveldacorrupção”,quefazdoórgãoda
liberdadeum“instrumentodeservidão”,indicaRousseaudoismeios
eficazesdeatalhá-lo:arenovaçãofreqüentedasassembléias,
encurtando-seomandatodosrepresentanteseasubmissãodestesàs
instruçõesdeseusconstituintes,aquemdevemprestarestreitascontas
deseuprocedimentonasassembléias(mandatoimperativo).
Senão
vejamos
toda
essa
progressão
do
pensamento
rousseauniano,emqueastesesexpostasnoContratoSocialacercada
impossibilidadedosistemarepresentativoseapresentamagoramais
atenuadasoumenosrígidas:
“UmdosmaioresinconvenientesdosgrandesEstados,detodos
aquelesoquefazmaisdifícilconservaraliberdade,équeopoder
legislativonãopodemanifestar-seporsimesmoesomentepodeatuar
mediantedeputado.Issoencerravantagensedefeitos,maisdefeitosdo
quevantagens.Umaassembléiatodaéimpossíveldecorromper-se,
porémfácildeenganar-se.Seusrepresentantesdificilmentese
enganam,massecorrompemcomfacilidadeeéraroquesenão
corrompam.Tendesdebaixodevossasvistasoexemplodoparlamento
daInglaterraepeloliberumvetoodevossanaçãomesma”.24
Emseguida:
“Vejodoismeiosdeconjuraresseterrívelmaldacorrupção,que
fazdoórgãodaliberdadeoinstrumentodaservidão.
“Consisteoprimeiro,comojádisse,nafreqüênciadedietas,que
amiúdevariemderepresentantes,fazendomaisdifícilecustosasua
sedução.
“Osegundomeioéodesujeitarosrepresentantesaseguirem
exatamentesuasinstruçõeseaprestarcontasseverasaseus
constituintesdoprocedimentoquetiveramnadieta.Nãopossoaqui
deixardemanifestarmeuespantoanteanegligência,aincúriae,ouso
dizer,aestupidezdanaçãoinglesaque,apóshaverarmadoseus
deputadoscomosupremopoder,nãolhesacresceunenhumfreiocom
queregularousoquedelepoderãofazernosseteanostotaisde
duraçãodesuacomissão.”25
7.Adoutrinadaidentidade:governantesegovernados,umasó
vontade
Comodeclíniodadoutrinadasoberanianacional,como
amolecimentodopoderpolíticodaburguesia,comaquedadeprestígio
dasinstituiçõesparlamentaresorganizadasemmoldesaristocráticos,
comaascensãopolíticaesocialdaclasseobreira,acrisecadavezmais
intensadeflagradanasrelaçõesentreoCapitaleoTrabalho,a
propagaçãoparalelaenãomenosinfluentedastesesdoigualitarismo
democráticodaRevoluçãoFrancesa,oideárionovodaparticipação
abertadetodos—foradequaisquerrequisitosdeberço,fazenda,
capacidadeesexo—apressãoreivindicantedasmassasoperárias,ea
expansivacatequesedosideólogossocialistas,minou-selentae
irremediavelmenteosistemarepresentativodefeiçãoliberal.
Arrancadodeumimobilismocrônico,ondeintentouresistiràs
transformaçõesimpostas,veioeletodaviaaperecer.Masondeacolheu
asmudançasditadaspelanecessidade,sobreviveudebaixodenovo
semblantepolítico.
Todasasvariaçõesqueseprendemaosistemarepresentativoe
aosnovosmoldesqueeleostentaaopresentepodem,semgravefratura
deunidadeecongruência,resumir-senumfeixededoutrinas,cuja
aspiraçãobásicaconsisteessencialmenteemestabeleceraidentidadee
supremaharmoniadavontadedosgovernantescomavontadedos
governados.Consistetambémemfazer,commáximoacatamentodos
princípiosdemocráticos,queaquelasvontadescoincidentesvenhama
rigorapagartraçosdistintivosentreosujeitoeoobjetodopoder
político,entrepovoegoverno.Demodoqueasoberaniapopular,tanto
natitularidadecomonoexercício,sejapeçaúnicaemonolítica,sema
contradiçãoecontrastedosquenasociedademandamedosquenessa
mesmasociedadesãomandados.
Ootimismodessadoutrinaépatente.Comoadventodosufrágio
universalelateriaquesurgir,demaneirainevitável.Oestadopresente
darepresentaçãopolíticaéoseguinte:aduplicidadesobrevivede
maneiraformalnalinguagemdostextosconstitucionais,emalguns
países;noutrosasConstituiçõesvãoenxertandonocorpohíbridoos
instrumentos
plebiscitários
que
supostamente
acarretariam
a
identidadepelafiscalizaçãoseveraestendidasobreomandato
representativo,comquasetodosospolíticosprocedendodeformaum
tantohipócrita,abraçadosàficçãoimperantedaidentidade.A
identidade,todavia,antesdecolhersuainstitucionalizaçãonoidioma
constitucionaljáseachaultrapassadanosfatospelapulverização
daquela
suposta
vontade
popular,
canalizada
e
comunicada
oficialmenteàsociedadeatravésdegruposdepressão,eestes,porsua
vez,sealienandonafechadíssimaminoriatecnocrática,titularem
últimainstânciadevastospoderesderepresentação,dosquaisse
investedemaneiranãorarousurpatória.
8.Adoutrinadaidentidadesupõeopluralismodasociedadede
grupos
Onúmerodeesforçostendentesaacomodarosistema
representativoaoEstadosocialnaidadedasmassassefazmaisfácilde
conhecereexplicarmedianteadoutrinadaidentidade,termodeuma
aspiraçãoeumprocedimentodemocráticocompletos.
Aidentidadenãoseconciliaporexemplocomadoutrinafrancesa
dasoberanianacional(doutrinadosconstituintesde1791).Chegaaser
incompatívelatécomseuscorolários;umdosprincipais,comrespeitoà
representação,foraodeproclamaraessencialindependênciado
representante.
Masseharmonizademodoadmirávelcomadoutrina
rousseaunianadasoberaniapopular.QuandoRousseauafirmouquea
soberaniaestáparaocidadãoassimcomodezmilparaumeque
admitidaessaproporção(atítuloilustrativo),cadamembrodoEstado
nãopossui,porsuaparte,senãoadécimamilésimapartedaautoridade
soberana,suadoutrinadasoberaniapopularabririalogicamentea
portaaoadventodeumsufrágiouniversal,queoliberalismo,comnão
menoscongruência,iriatenazmenteopugnar.
Sufrágiouniversalemandatoimperativo,sementescolhidasno
ContratoSocialenasConsideraçõessobreoGovernodaPolônia,e
plantadasnascharnecasdoliberalismoiriamdarárvoresdefrutos
amargosparaavelhadoutrinadosistemarepresentativo.
Aadoçãoconstitucionaldessesinstitutoscedodesmascarouuma
dasescamoteaçõesteóricasdoliberalismo:oseuconsórciocoma
democracia,aliberal-democracia,comoverdadeúnicadeumgoverno
constitucionaledemocrático.Acríticadejuristasesociólogospolíticos
mostroucomclarezaquelongedeidênticosoupelomenosanálogos,o
liberalismoeademocracianaessênciaeramdistintos,senãoopostos,
oposiçãomaissentidaeidentificadanamedidaemqueosprincípios
liberaisbuscavamporobjetosupremoatenderàsustentaçãode
privilégiosdeclasse,numasociedadeclassista,ondeaburguesia
empalmaraopoderpolíticodesdeaRevoluçãoFrancesa.
Onovosistemarepresentativo,qualovemosnasuafisionomia
contemporânea,sósefazinteligível,porconseguinte,seconservarmos
asvistasvoltadasparaacrisequedeterminouapassagemdeuma
concepçãoaristocrática,vigentenoséculoXIXetocanteàsinstituições
representativas,paraumaconcepçãodemocrática.Alisepunhatodaa
ênfasenobemcomumcomsacrifíciofreqüente—eatéalgumasvezes
professado—doidealdefazercoincidirsempreavontadeeinteresse
dosrepresentantescomavontadeeinteressedeseuseleitores.
Avontadepopular,apardetodassuasconseqüências,começou
deservaloradaemtermosabsolutos,masocuriosoeirônicoéqueessa
vontadenãoseimpôsàrepresentaçãocomoumtodo,qualseriade
desejarecomoocorreriacomavontadedanação,peloseuórgão—o
representante,nosmelhorestemposdoliberalismo.Aimperatividadedo
mandatoentrounosseusefeitosemparadoxalcontradiçãocomo
sufrágiouniversal.Avontadeunaesoberanadopovo,quedeveria
resultardeumsistemarepresentativodeíndoleeinspiraçãototalmente
popular,sedecompôsemnossosdiasnavontadeantagônicae
disputantedepartidosegruposdepressão.Nasociedadedemassas
abala-sedemaneiraviolentaaacomodaçãodosinteresseseconômicos,
políticosesociais,cadavezmenosinteressesglobaisdopovoecadavez
maisinteressesparceladosdegruposeclassesconflitantes.Porisso
mesmotradutoresdeumantagonismoquesevaitornando
irremediável,sujeitosaumequilíbrioprecárioequejamaispoderáser
adequadamente
atendido
pelas
velhas
estruturas
do
sistema
representativo.
AtémesmoocidadãoqueRousseaufizerareinaordempolítica,
comotitulardeumpodersoberanoeinalienável,acabousealienando
nopartidoounogrupo,aquevinculouseusinteresses.
Dessaabdicaçãodevontade,impostapelascondiçõesdiferentes
dasociedadeindustrialdenossoséculo,resultouenormepredomínio
dascategoriasintermediárias,aquelasprecisamentequeRousseau
talvezcomgenialintuiçãoprecursoraseaporfiaraobstinadopor
eliminardetodainterferêncianaorganizaçãodeumpoderdemocrático.
Vendonelesavolontédetous,ogenebrêspercebiacomacuidadea
contradiçãobásicaemqueseachavamcomavolontégénérale.Mas,
comtodaaironiaqueacompanhaessatransformação,aflige-nosverde
umapartecomoosistemarepresentativosesocorredainspiração
democráticaeelevaademocraciaaoprimeirodeseusvalores,
buscando,dopontodevistateóricoetambémdastécnicasqueinstitui,
fazereficazaomáximoavontadepopularecomo,doutraparte,essa
vontadetodaviasefalseia,conformeépossívelaveriguarquandose
prestaatentoexameàaçãousurpatóriadosgruposdepressão.
Emalgunssistemassãoestesmaisimportantesqueospartidos
políticosesefazemportadoresverdadeiroseinevitáveisdaquela
vontade,convertida,atravésdeatoslegislativos,emsupostaexpressão
do“bemcomum”,da“vontadepopular”,do“interessegeral”.
9.Oprincípiodemocráticodaidentidadeéumanovailusãodo
sistemarepresentativo
Busca-seportantoa“identidade”,proclama-sesuaimportância
paraatestarolegítimocaráterdemocráticodasinstituições
representativas,masquandosepõeemmovimentoaoperaçãopolítica
quehádecaptá-la,oquesecolheéfrustrativodesseempenho.Nãofala
avontadepopular,nãofalamoscidadãossoberanosdeRousseau;fala,
sim,avontadedosgrupos,falamseusinteresses,falamsuas
reivindicações.
Comapresençainarredáveldosgrupos,oantigosistema
representativopadeceuseveroeprofundogolpe.Golpequeferede
mortetambémocoraçãodossentimentosdemocráticos,volvidosparao
anseiodeuma“vontadegeral”,cadavezmaisdistanteefugaz.Daqui
poderáresultarpoisocolapsototalefrustraçãoinevitáveldetodasas
instituiçõesrepresentativasdavelhatradiçãoocidental.
Osgruposnãopertencemaumasóclasse.Exprimem,sea
sociedadefordemocrática,umpluralismodeclasses.Emconseqüência
acarretamtambémumpluralismodeinteresses,perturbadordocaráter
representativodasinstituiçõesherdadasànossasociedadepelo
liberalismo
e
seus
órgãos
de
representação,
que
serviam
preponderantementeaumaclasseúnica.Oquerestada“identidade”,
concebidaemtermosmetafísicosecontempladadomesmopassocomo
expressãodeunidadedavontadepopular,étão-somenteocontínuo
esforçoquesevemoperandoparafazeravontadedos“representantes”
nosistemarepresentativocontemporâneodeequivalênciafielàvontade
dosgrupos,dequeessesrepresentantessãomerosagentes.
Emsuma,oprincípioda-“identidade”‘,tãocaroàdoutrina
democrática,foi“instrumentalizado”—aquicommáximaeficácia—
paracolhervivosesemdeformaçõesosinteressesprevalentesdos
gruposqueestãogovernandoachamadasociedadedemassaselhe
negamavocaçãodemocrática.Otermorepresentaçãopassoupoispor
aquela“depravaçãoideológica”aqueserefereHansJ.Wolff26eo
sistemarepresentativoculminalogicamentenumadepreciação
progressivadaindependênciadorepresentante,cadavezmais
“comissário”,cadavezmenos“representante”.
Hojetodaanálisedosistemarepresentativoafastadadosaspectos
históricosesociológicosqueacompanhamamudançadasinstituições
nosparlamentos,emseuslaçoscomoscolégioseleitoraisecomas
forçasdominantesnessescolégios,nuncachegaráaumcompletoe
satisfatórioreconhecimentodanaturezadaformadegoverno.
Arepresentaçãoeosgovernossãoapenasasuperfíciequeoculta
asforçasvivasecondicionantesdoprocessogovernativo,forçasque
jazemquasesempreinvisíveisaoobservadordesatento.Todarazãotem
CharlesE.Gilbertquandosustentaquedeúltimoosmaisimportantes
problemasdarepresentaçãoprovavelmenteseachamnointeriordos
gruposenãodosgovernos.Têmsedeportantonoschamados“grupos
depressão”.
10.Nadinâmicadosgruposedascategoriasintermediáriasse
achaanovarealidadedoprincípiorepresentativo
Adoutrinaconstitucionalpoucoprogressofezcomrelaçãoao
reconhecimentoconsumadoda“sociedadedegrupos”.Politicamenteé
essasociedadepluralistaaformaimpostapelasnecessidadese
problemasoriundosdacivilizaçãotecnológica,ondeestajáse
implantououpelejaporimplantar-se.
Essemanifestoatrasocomosfatosocasionaopoucocasoqueos
juristastêmfeitodessaexplosãonosfundamentosdosistema
representativo.Continuamelesavaler-sedecategoriastradicionaise
obsoletasderaciocínio,semnenhumadiligênciaapreciávelemprolda
criatividade,emordemaelaborarnovalinguagemquemelhorsirvaà
compreensãodoprocessodemudançaemcurso.
Comoreflexotalvezdalentidãodosjuristas,verifica-seigual
atrasotocanteàinstitucionalizaçãodarealidaderepresentativanos
termosdopluralismodegrupos,dentrodoquadroconstitucional.
Quandoospartidoscomeçamnascartaspolíticasarecebercertidãode
maioridadeeatersuaparticipaçãoexplicitadaematosjurídicos,jáeles
mesmosseachamemparteobsoletos,emvirtudedoavançoquefazem
osgruposdeinteresses,estesnaturalmenteaindamaisdistantesde
alcançaremoreconhecimentoformaldolegislador.
Arepresentaçãosóéconcebíveleexplicávelhojeseavincularmos
comadinâmicadaquelesgrupos,comosinteressespolíticos,
econômicosesociaisqueelesagitamtenazmente,buscando-lhea
prevalência,viaderegraemnomedeposiçõesideológicas,cuja
profundaanáliseoconstitucionalistajamaispoderáeximir-sedelevara
cabo.
Tendopassadojáaépocadeindiferençaconstitucionalaos
partidos,édeesperarquenofuturotodareformadaConstituiçãovolva
tambémsuasvistasparaadisciplinadosgruposdeinteresses.Aação
políticadessesgruposincidedemododecisivonafeiçãodosgovernose
nocomportamentodosgovernantes,sendoeles,soboaspectoda
importânciadeúltimogranjeada,umdadosemdúvidafundamentalao
bomentendimentodosistemarepresentativo.
Emváriospaíses,dopontodevistadasinstituições
representativas,alinguagemconstitucionalquasenãovariaquandose
refereaosórgãosrepresentativoseaoseufuncionamento.Deixa-nosa
falsaimpressãopelotextodequeosmecanismosparlamentaresatuam
damesmamaneiraqueatuaramnaeradoEstadoliberal.Averdadeé
queelesseencontrampresosaumarealidadepolíticaesocialdetodo
distinta,cujosefeitosmodificarambasicamenteaíndoledosórgãos
legislativos.Amesmamáquinafuncionaparafinsdiferentes,eisem
sumaoqueocorre.
AreformaconstitucionalquesefezhávinteanosnoBrasiltrouxe
àCartade1967umacréscimodamáximarelevânciaequenãodeve
passardespercebidopelasnecessáriasrepercussõesnaíndoledonosso
sistemarepresentativo.
Comefeito,aomodificar-seoartigo149,referenteaospartidos
políticos,estabeleceu-se,comoreforçoàfidelidadepartidária,que
perderiaomandatodedeputadoorepresentantequesedesviasseda
linhadessesdeveres,comamudançadelegenda,tãousualnas
práticasantecedentesdenossavidapolítica.Aliás,aConstituiçãode
1967,conformetemosacentuadoemoutrostrabalhos,foiaquemais
enérgicasedecidiu,demaneiraformal,pelainstituiçãodeumEstado
partidário,servindoseucapítulosobreospartidospolíticosdeexcelente
documentoàcomprovaçãodasmudançasjáentrenósoperadasno
caráterdosistemarepresentativo.
AquelaConstituição,estabelecendopelaEmendaConstitucional
deoutubrode1969aquiloque,salvomelhorqualificação,chamaríamos
recallpartidárioparaorepresentantequemudassedepartido,adotou
comtodaaclarezaumatécnicamaiscompatívelcomademocracia
semidiretaeplebiscitáriadoquecomademocraciarepresentativa
tradicional.Enfim,optouclaramenteporaquelasnovasformaspolíticas
derepresentação,cujoempenhomáximoéodeestabeleceraidentidade
devistasdoeleitocomoeleitor,propiciandoaesteosmeioseficazesde
aproximar-setantoquantopossíveldaquelealvo.27
ComaConstituiçãode1988,houveumretrocessoaesse
respeito:emmatériadesistemarepresentativo,a“duplicidade”voltoua
prevalecersobrea“identidade”.
Essasreflexõessobreasalteraçõeshavidasnosistema
representativocomoadventodasociedadedegrupospedemenfimque
sefaçamençãodotrabalhoteóricodeHegel,admiravelmenteprecursor
dastendênciasdeidéiasmaisemvogaesteséculoequecompeliramo
Estadoconstitucionalatransitardarepresentaçãodeindivíduosparaa
representaçãodegrupos.
Comefeito,jánoparágrafo311dosFundamentosdaFilosofiado
Direitooinsignepensadorasseveravaquearepresentaçãonãodeviaser
doindivíduocomseusinteresses,masantesdas“esferasessenciaisda
sociedade”eseus“grandesinteresses”.28
Nota-seademaisqueospontosdevistadosautorespolíticos
quandoentramnotemadarepresentaçãoemfacedarealidadedos
partidosedascategoriasintermediáriascomeçamaarredar-seda
tradiçãoortodoxadoliberalismodoséculoXIX.Forcejamentãopor
conciliaraautonomiadorepresentantecomaobediênciaàscausas
partidárias,àpolíticadasagremiaçõesqueaspiramaopoderounele
intentamconservar-se.Fazeravinculaçãodorepresentanteaoseu
partidoésemdúvidaoprimeiropassoquesedáparaassentara
imperatividadedefinitivadomandato.
Todaumaquestãofundamentalsereabredesdeesseponto:a
quemdeveorepresentantefidelidade?Aopovo,ànação,aopartido,à
circunscriçãoeleitoral?Atéondedeveirsuaindependênciae
conseqüentecapacidadededivergirdeseuseleitoresedesua
agremiaçãopartidária?29Aquidespontanohorizontepolíticoafórmula
dademocraciasemidireta,umnovograunaevoluçãodasinstituições
democráticaserepresentativas.Écomessamodalidadenovadas
técnicasdeorganizaçãodopoderpolíticopeloconsentimentoquese
intentacotejaroantigosistemarepresentativoeassinalar-lheas
profundastransformaçõesexperimentadasesteséculo.
Adialéticademocracia-representaçãoatravessaagoraafase
históricamaisaguda,emqueoscomponentesplebiscitáriosse
introduzemnoorganismodasinstituiçõesrepresentativasealteramo
equilíbrioeoquadrodasrelaçõesdepoderentreoeleitoeoeleitor(este
entendidomenoscomooeleitorindividualdoquecoletivo,asaber,o
eleitornopartidoounogrupodepressãofuncionandocomomáquina
eleitoral).Daquiresultamtodasasvariaçõesobservadasnomandato
quandoderepresentativopassaaimperativoenosufrágioquede
restritopassaauniversalizar-seirreprimivelmente.
11.Adecomposiçãodavontadepopulardeterminouacrisedo
sistemarepresentativo:doprincípiodarepresentaçãoprofissional
aosgruposdepressãonoEstadocontemporâneo
DisseopublicistaalemãoCarlJ.Friedrichquearepresentação
profissionalfoiaúnicaidéianovaesignificativaqueapareceuno
domíniodarepresentaçãopolíticadesdeaintrodução,hámaisdecem
anos,dosistemaderepresentaçãoproporcional.30
Assinalandoaimportânciadessamesmarepresentação,afirmou
Friedrichqueadespeitodoempregoabusivofeitopelosfascistascom
suascâmarascorporativas,subsisteinalterávelaverdadedequeas
organizaçõesprofissionaiseossindicatosconstituemamaisefetiva
formadecomunidadedequeohomemmodernoparticipa,mormente
nasgrandescidades.31
Arepresentaçãoprofissionalcomoidéiaecomotécnicatemsido
largamentepreconizadapormeioúnicodedebelaracrisedogoverno
representativoque,noentenderdeváriosautores,seriaemprimeiro
lugaracrisedarepresentaçãopolítica,fundadanarepartiçãoterritorial
ougeográficadoeleitorado,comevidentesacrifíciodacorrentede
interessessociaiseeconômicosmaisrelevantesnointeriorda
sociedade.
OutroscomoPrélotsãodeparecerqueoqueentrouemcrisenão
foiosistemarepresentativocomotal,masumamodalidadede
representação.Emvirtudedomalogrodarepresentaçãoprofissional,vê
Friedrichporúnicasaídaparaosesforçosempregadosnareformaou
renovaçãodosistemarepresentativodegovernoadescobertadenovase
satisfatóriasformasderepresentação.Mas,acrescentacommanifesto
pessimismo:“Atéagora,nemateorianemapráticatrouxeramna
Europaumasóidéianovaerelevanteouumadescobertanesse
importantedomínio”.32
Adecomposiçãodavontadepopularemvontadedegrupos,
frustrandoassimaimplantaçãoplenadeumavontadegeral(volonté
générale)soberana,eemestreitaharmoniacomosinteressescoletivos,
experimentoujádopontodevistahistóricotrêsfasesconsecutivas.
Aprimeirasereveloucomaadoçãodatécnicadosistemade
representaçãoproporcional,medianteaqualoEstadopartidárioda
sociedadedemassasseapresentoucomtodooseumosaicode
tendênciaspolíticasfielmenteretratadasnumespelhoverídico.
Nenhumatécnicaeleitoralpermiteidentificarmelhorasociedadede
classesemsuaexteriorizaçãopolíticadoquearepresentação
proporcional.
Reconhecidaapresençadeinteressesedegrupos,fazia-semister
apelarparasuaprevalência.Arepresentaçãoproporcionalatadaàbase
geográficanãolhesdavaplenasatisfação.Passou-seàsegundafase:a
darepresentaçãoprofissional.Teoristasardentesdessamodalidadede
representaçãologosurgiramcomlongasecopiosasjustificações
doutrinárias.AIdadeMédia,comseusistemadeorganização
corporativa,selhesnãoofereciasubsídiosdiretos,pelomenoslhes
ministravaumafontedeinspiração,ecomofontedeinspiraçãotrazia
todaaforçaqueastradiçõesressuscitadaspodemporventurainspirar
ouproporcionar.
Oargumentodoutrinárioponderava,porexemplo,queadivisão
geográficanãopodiajamaisidentificar-secomumaopiniãoouinteresse
particular(Coker)e,comodisseoúltimoautor,arepresentação
acabavasendodeumsóoudealgunsdosmaispoderososinteresses
dentrequantosentravamemcompetiçãoeconômicaesocial,arvorados
pelosdistintosgruposminoritários.33
Odescréditodarepresentaçãoprofissional,pondotermoaessa
segundafase,adveiosemdúvidadavinculaçãoideológicacoma
doutrinapolíticadofascismo.
MasoinfluxodarepresentaçãoprofissionalnasConstituiçõesdo
primeiropós-guerrasemanifestoucomintensidadeemalgunspaíses.
HajavistaoBrasilondenosmoldesdaConstituiçãorepublicanade
1934nossopaísconheceuemseuCongressoumarepresentação
profissional—abancadaclassista,recrutadanasorganizações
trabalhistasepatronais,foradocritériopolíticotradicionaldeseleção
pelosufrágiopopular.
Aintroduçãodessabancadaporémemnadaconcorreuparao
aperfeiçoamentodosistemarepresentativoemelhorfuncionamentodo
Congresso.Pelocontrário,debilitouarepresentaçãonacional,mercêde
seucaráterhíbridoedeenxertia,queaconsciênciapolíticadanação
repulsava.
Aterceirafase,enfim,éadaépocacontemporânea,emquea
representaçãoprofissionalnasuaantecedenteformulaçãofoidetodo
abandonadanaquelespaísescujosistemarepresentativonasceuno
berçodoliberalismo.
Esseabandonoemlargapartesedeveàmáculadesuspeição
ideológicaemrazãodaaliançadaquelamodalidadederepresentação
comomodelofascistaedesuaimpiedosaeradicalimpugnaçãodetodo
osistemarepresentativoclássico.Aconteceporémqueestenãopoderia
prescindirdeumalegitimaçãoeautenticaçãonasfontesprofissionais,
nascategoriasobreiraseempresariaisepadecendo,emconseqüência,a
fortíssimapressãodasordensintermediárias,cujaimportâncianãose
eliminoucomameraeliminaçãodaqueletipoderepresentação
(profissional),acaboucedendoaoinfluxocadavezmaisdecisivodos
distintosgruposdeinteresses.
Chega-seassimàpresentefase:adosgruposdepressão.
Acometemelesosistemarepresentativotradicionaleascasaseletivas,
buscandotalvezinstitucionalizar-seatravésdeviasqueaindanão
foramclaramentelocalizadaspelateoria,empatenteatrasocomesse
novotipodeorganizaçãopolíticadosinteressessociais.
12.Umanovateoriadarepresentaçãopolítica,defundamento
marxista:
a
representação
como
simples
relação
entre
governantesegovernados(Sobolewsky)
Sãoinumeráveisnocampoteóricoosesforçosquesefazempor
aclararoconceitoderepresentação,sobremaneiraabaladocomas
mudançasoperadasnaíndoledoEstadomoderno,desdequeas
ideologiaspropagaramofermentorevolucionárioderevisãoda
sociedadeeseusfundamentos.
Aassinaladaindigênciaderesultadosobtidos,conforme
patenteouFriedrich,atuaprecisamentenosentidodeintensificar
aquelasdiligências,dasquaisconstituirecenteeapreciávelamostra
essaquenoschegadeumpublicistapolonês,Sobolewsky.Semais
merecimentonãotiver,serveaomenosparaindicarnoquadropolêmico
queseesboçadoladodoOcidenteaposiçãodeumpensadorsocialista,
cujorealismonamatériatrazaodebateposiçõesinspiradaspelasraízes
marxistasdeseupensamento.
Demandandonovainterpretação,assinalaSobolewsky,antesde
maisnada,omalogrodosvelhosclássicosdoliberalismo,comoBurkee
Sieyèscujasteseselereputademanifestainsuficiência,nãoobstantese
conservarem
ainda
gravadas
nas
Constituições
e
na
teoria
constitucional.
Do
mesmo
modo
não
lhe
satisfazem
as
correntes
contemporâneas,cujacríticaereformadoconceitoderepresentaçãose
prendeàsinterpretaçõestradicionais,comoaquelaencabeçadana
AlemanhaporLeibholz,ouqueobstinadamenteseempenhamem
substituiroconceitoderepresentaçãopelodegovernoresponsável
(responsiblegovernment),consoantededuzdeautoresalemãese
cientistaspolíticosingleses,nemtampoucoaquelas,exemplificadasnas
obrasdeDuvergereBurdeau,depatentetendênciasociológica.
Emverdade,sãoestasúltimasasquemenosobjeçõespadecem,
porquantoseusautoreslouvavelmenteforcejamporlograralgonovo,a
saber,umconceitosociológicoderepresentação.34
ÉesseconceitoqueSobolewskydizhaverachadoemsuas
investigações,tomandoporprincípiodetodasasreflexõesatese
sociológicadequeanoçãoderepresentaçãotemporobjetobásico
determinarocaráterdasrelaçõesqueocorrementregovernantese
governados.
Rendeocientistapolonêstributoàquelespublicistasfranceses,
asseverandoqueparachegaraosobreditoconceitopartiudomodelode
DuvergereBurdeau.Entendemestes,segundoele,queàrepresentação
importaestabelecercorrelaçãoouconcordânciaentreasdecisões
políticasdaelitegovernanteeaopiniãopública,compreendidaesta
últimacomoasopiniõesmaisfortes,imperantesnacomunidade.
Apontam-seentãoformasmedianteasquaisseexprimeaopinião
degovernantesegovernados:eleições,referenda,petições,comícios,
notasoficiaisedeclaraçõesdegovernantes,etc,bemcomoos
instrumentostécnicoseorganizatóriosqueconsentemumaexpressão
sistemáticadaopinião:meiosdecomunicaçãodemassas(imprensa,
rádio,televisão,etc),partidospolíticosegruposdeinteresse.35
Professaoautorquesuanovaconcepçãosealicerçanos
fundamentosdateoriamarxistadoEstadoclassistaedocaráterde
classedetodopoderpolítico.AsseveraquecadaEstadoéuma
representaçãodosinteressesobjetivosdaclassedominanteeque
debaixodesseprincípiogeraléquesehádeinvestigarcomooscidadãos
easmassaspodemeventualmenteinfluiremdeterminadasdecisões
estatais.Mostraademaisqueaspossibilidadesdesseinfluxocontinuam
abertasàsmassas,cabendo-lhesvaler-sedecircunstânciasfavoráveis
comqueadiantar,ondeforpossível,atransiçãoparaosocialismo.
Afirmaporúltimoqueseupresentetrabalho,estudandodemodo
minudenteosproblemasdarepresentação,aspiraàquelefim.36
DasconclusõesaquechegaSobolewskyurgedestacarportanto
algumas,anossover,maisimportantes.Emprimeirolugar,afigura-se-
lheapenasadmissívelumarepresentaçãoqueseanalisecomo
processo,emseuaspectodinâmico.
Contraomodelosociológicodosautoresfrancesesjáreferidos,
declaraquearepresentaçãonãosedefinepeloestadodeharmoniaou
correspondênciadaopiniãocomapolíticagovernante,mascomo
processodeassimilaçãodapolíticaedasopiniões,comvistasamútua
aproximação.Vêoestadodecompletaharmoniaapenascomoideal
político,colocado,àmaneiradetodososideaispolíticos,noreinoda
utopia.Assinalaquearepresentação,consideradafenômenopolíticoe
traçocaracterísticodeumsistemadegoverno,deveantesserdefinida
comoprocessoqueadaptaaessênciadasdecisõespolíticasàsopiniões
entretidaspelosgovernantes.
Colhe-seassimoconceitodeSobolewskysobrerepresentação
política:“Arepresentaçãoéumprocesso,istoé,umaacomodação
contínuaqueseestabeleceentreasdecisõespolíticaseasopiniões”.
Acentuaporémoautorqueograudeintensidadeeeficáciadesse
processonãosóvarianotempocomoémodificável.Recusa-lhecaráter
automático,admitindo,porconseguinte,interferênciadosparticipantes,
complanificaçãosocial.Eesclarece:“arepresentaçãoéumprocesso
organizado”.
ProssegueSobolewskytornandoadizerquearepresentaçãoé
sobretudoprocesso,econsistenumaaçãorecíprocaentreasopiniões
dosgovernadosedosgovernantes.Demodoquecadaumadas
respectivasopiniões,igualmentejustificadas,é“legítima”enecessária.
Criticatodaviaoirrealismodepretender-seaquiloqueseriasemdúvida
ótimo:aacomodaçãodecadadecisãopolíticaàsopiniõesdos
governados.Masnãorecusaapossibilidadedelograr-seessa
adaptação,todavezqueasdecisõeshajamderecairsobre
determinadosassuntosdeelevadointeressegeral.37
ArelaçãoqueSobolewskyestabeleceentregovernantese
governadosparaqualificaroconceitoderepresentaçãopolíticanãohá
deserdenecessidadeumarelaçãodireta.Arepresentaçãopolítica,
observaele,sendoumarelaçãoentregovernantesegovernados,não
consisteapenasderelaçõesdiretasentreeles,mastambém,demaneira
concomitante,derelaçõesentreoscidadãoseasdistintasorganizações
intermediárias,queservemdeporta-vozesàopinião.38
Dizaindaopublicistapolonêsqueoprocessoderepresentaçãoé
meratécnicaaplicadaaoprocessodegoverno,comlimitesquesão
ditadospelaestruturadasrelaçõesdepoder.Oprincípiode
representação,emconseqüência,eapesarderegularrelaçõesentre
governantesegovernados—acentuaele—nenhumamodificaçãopode
trazeràsrelaçõesdepoder,nenhumasubstituiçãodaclasse
dominante.39
Aesserespeito,explica:oprocessoderepresentaçãoéportanto,
preliminarmente,processodeadaptaçãodasubstânciadasdecisões
políticasàsopiniõesepareceresdosgruposinteressadoseemlarga
escalaàsopiniõesepontosdevistaquepreponderamnaclasse
dominante.40
Tratandodarepresentaçãosemprecomoumprocesso,oteórico
marxistatransmiteassimoconceitoàsformasdiversasdegoverno
representativo:devemos,porisso,dizele,considerarrepresentativo
todosistemadegovernoemquefuncioneumsistemadecorrelaçõese
ondenasquestõesimportantesenodecursodelargoespaçodetempo
nãoseprocedacontraosdesejosdosinteressados.41
Acertaalturaesclarecequeadefiniçãoderepresentaçãocomo
fenômenosocialdeveservirdefundamentoàdefiniçãodaessênciado
princípiojurídicoeconstitucionaldarepresentação,equeosconceitos
jurídicosprecisamdecorresponderàsrelaçõessociaisefetivamente
existentes.42
Aconclusãoderradeiradoautor,coroandotodasassuas
investigações,cifra-seemproporaformulaçãodeumúnicoconceitode
representação,aplicáveltantoàspesquisasouindagaçõessociológicas
comoàteoriaconstitucional.43Eesseconceito,fundamentalmente
sociológico,seresumeemostentarostraçosessenciaisacimaexpostos.
1.NessaacepçãoéqueCarlSchmittpôdeescreverjudiciosamenteque“nãohá
Estado
semrepresentação”,porquanto,acrescentaele,nenhumEstadoexistesemforma
estatal.EmtodoEstado—afirmaoconstitucionalistaalemão—haverásempre
homensquePoderãodizer:“L’Étatc’estnous”(nóssomosoEstado).Éóbvioquenesse
capítulotrata-mossemprederepresentaçãopolítica,arepresentaçãodeumsistema.
Quantoàqualificaçãopolíticadarepresentação,faz-semisterlembraraessepropósito
quearepresentaçãodeixadeserdedireitoprivadoesepolitiza,segundoFriedrich
Glum,desdequeseusfinstranscendamosfinseinteressesindividuais.F.Glum,
BegriffundWesenderRepraesentativverfassung,p.108.
Aliás,umareferênciaexpressaàdistinçãoentrerepresentaçãonodireitoprivadoe
representaçãopolítica,dedireitopúblico,forafeitajánoséculopassadopor
BluntschlicomumaprecisãoquemereceulouvoresdeCarlSchmitt:“Arepresentação
dedireitopúblicoéinteiramentedistintadarepresentaçãodedireitoprivado.
Portanto,osprincípiosfundamentaisdestanãopodemseraplicadosàquela”.Veja-se
Bluntschli,AllgemeinenStaatsrecht,I,p.488,bemcomoCarlSchmitt,
Verfassungslehre,p.209.
Entreosautoresfrancesesháumaclarezadelouvaraesserespeito.Publicistascomo
Laferrière,BarthèlemyeDuezoucivilistascomoColineCapitantfixamoconceitode
representaçãonodireitoprivado,ondeelesegeroueofazemcomtalrigor,que
apagamtodasasdúvidasquandoaidéiarepresentativasetransladaparaodomínio
dodireitopúblico,ondeoutrassãosuascaracterísticas.Crescentesanalogiasforam
deúltimoassinaladas,desdeque,debaixodainspiraçãodatécnicaprivatistaeem
virtudedoadventodasociedadedemassas,omandatopolíticonossistemas
representativossetornoucadavezmaisimperativoecadavezmenosrepresentativo.
EscreveLaferrière:“Emdireitoprivado,ofenômenodarepresentaçãosevinculaà
existênciadeumarelaçãodedireitolegalouconvencionalentreorepresentanteeo
representado.Quandoarepresentaçãodeumindivíduoporoutronãoéorganizada
mediantelei,comoarepresentaçãodomenorpelotutor,temelasuafontenum
contrato,habitualmenteumcontratodemandato.Criaesteentreaspartesuma
relaçãojurídicaqueexplicaqueosatosdomandatárioproduzemosmesmosefeitos
comoseemanassemdiretamentedomandante”(JulienLaferrière,ManueldeDroit
Constitutionnel,2ªed.,p.400).
Quantoàidéiaderepresentaçãopropriamentedita,escreveraantesomesmo
autor:
“Parasatisfazeranecessidadespráticas,odireitoprivadoelaborouateoriada
representação,queconsisteessencialmentenisto:asmanifestaçõesdevontadede
umapessoa—orepresentante—serãoconsideradascomotendoomesmovalore
produzirãoosmesmosefeitosjurídicoscomoseemanassemdeoutrapessoa,o
representado.Comacondiçãodemanter-senoslimitesdeseuspoderes,o
representanteéconsideradocomoexprimindoavontademesmadorepresentado,eo
atoporelecumpridoproduzosmesmosefeitosjurídicoscomoseforafeitopelo
representado”(J.Laferrière,ob.cit.,p.396-397).
Aindaemtermosestritamentecivilistas,arepresentaçãoéconcebidaporColine
Capitant,comumaprecisãoadmirável,tendoLaferrièresevalidotambémdessa
citação:“Hárepresentaçãoquandoumatojurídicoécumpridoporumapessoa,por
contadeoutra,emcondiçõestaisqueosefeitosdesseatoseproduzamdiretae
imediatamentesobreacabeçadorepresentado,comoseelemesmoohouvera
cumprido”(Colin&Capitant,DroitCivil,7ªed.,t.I,p.91).
2.Veja-seaesserespeitoJohnA.Fairlie,quandoescrevequedopontodevista
etimológicoosignificadoliteralderepresentaré“apresentarnovamente”,daquise
chegandoaosentidode“apresentaremlugardeoutrem”.Commaisclareza,o
publicistaalemãoFriedrichGlum:“Aessênciadarepresentaçãoconsisteantes
nisto,
emfazerpresenteatravésdeumapessoavisíveloutrapessoaquenãosefaz
concretamentevisívelperanteasdemais”.F.Glum,“BegriffundWesender
Repraesentation”,in:ZurTheorieundGeschichtederRepraesentationund
Repraesentativverfassung,p.105.Éderecomendartambémaleituradotrabalhode
JohnA.Fairlie,acercadarepresentaçãopolítica,eintitulado“TheNatureofPolitical
Representation”,oqualapareceuestampadopelaprimeiravezemTheAmerican
PoliticalScienceReview.v.34,1940.
3.Aacepçãoemquevamosdesenvolver,comnossaterminologia,osconceitosde
duplicidadeeidentidadecomodoutrinaspolíticasdarepresentaçãonadatemquever
comosentidoemqueaempregouCarlSchmitt,emVerfassungslehre.Quandomuito
haveriaanalogiadepontodepartidaousimplesanalogiavocabular,porquantosãode
tododistintososefeitosextraídosdousodessaspalavrasnasreflexõesaquedaremos
seqüência.
4.JohnA.Fairlie,“DasWesenpolitischerRepraesentation.”Publicadooriginalmente
emlínguainglesaetraduzidoparaoalemãoporClausSprick.In:ZurTheorieund
GeschichtederRepraesentationundRepraesentativverfassung,p.29.
5.EdmundBurke,“SpeechtotheElectorsofBristol”,in:SpeechesandLetterson
AmericanAffairs,p.73.
6.Idem,ibidem,p.73.
7.Montesquieu,“DeL’EspritdesLois”,liv.11,cap.6,in:OeuvresComplètes,t.II,p.
400.8.MarcelPrélot,InstitutionsPolitiquesetDroitConstitutionnel,2ªed.,p.286.
Clermont-Tonnerre,quandodaaberturadaAssembléiaNacional,hesitavadiantede
seusParesemvotarasnovasleispolíticas,manifestandooânimodevolverprimeiroa
suacircunscriçãoeleitoralparaauscultaraopiniãodeseuseleitores.Veja-seno
tocanteoqueescreveR.Redslob,DieStaatstheorienderFranzoesischen
Nationalversammlungvon1789,pp.109ess.
9.Barnave:“Dansl’ordreetleslimitesdesfonctionsconstitutionnelles,cequi
distinguelerepresentamdeceluiquin’estquesimplefonctionnairepublic,c’estqu’il
estchargédanscertainscasdevouloirparlanationtandisquelesimplefonctionnaire
n’estjamaischargéqued’agirpourelle”.
10.Barnave,in:A.SaintGirons,ManueldeDroitConstitutionnel,3ªed.,p.11;
Laboulay,QuestionsConstitutionnelles,p.173.
11.BenjaminConstant.“Delalibertédesancienscomparéeàcelledesmodernes”,in:
CoursdePolitiqueConstitutionnelle,t.II,pp.,557-558.
12.Veja-seGuizot,HistoiredesOriginesduGouvernmentReprésentatif,4ªed.,vols.Ie
II,particularmenteaslições1ªe9ªdosegundotomoe1ª,7ªe8ªdoprimeirotomo.
13.CarlSchmitt,Verfassungslehre,cit.,p.209.
14.Idem,ibidem,pp.212-213.
15.J.J.Rousseau,DuContratSocial,pp.280-281.
16.Idem,ibidem,p.243.
17.Idem,ibidem,pp.244-245.
18.Idem,ibidem,p.250.
19.Idem,ibidem,p.301.
20.Idem,ibidem,p.302.
21.Idem,ibidem,p.302.
22.Idem,ibidem,p.303.
23.Idem,ibidem,p.302.
24.Rousseau,ConsidérationssurleGouvernementdePologne,Cap.7.
25.Idem,ibidem.
26.HansJ.Wolff,“DieRepraesentation”,in:ZurTheorieundGeschichteder
RepraesentationundRepraesentativverfassung,p.123.
27.Admitindo-seporémqueorepresentanteélivrenoexercíciodomandatoeletivo,o
problemadesaberquemelerepresentasesimplifica.Representaanaçãooua
coletividadeeéquantobasta.Oproblemasecomplicacomaimperatividade,sendo
lícitaentãoaindagação:representaoeleitor,oEstadoouopartido?Tantomaislícita
quantonamodernasociedadedemassas,tãocaracterísticadonossoséculo,o
pluralismopolíticoocidentaldesintegrouporinteiroavontadepopularsoberana,mito
ouilusãojádesfeita,desdequeasociologiacombrutalrigorcientíficoapontouparao
caráterclassistadetodaaorganizaçãosocial,cujaestruturaedinâmica,se
preteridas,tornariamdetodoininteligívelofenômenodopoder.
28.Hegel,Rechtsphilosophie,§311.Emsentidooposto,Kant,filósofopolíticodo
liberalismoalemão,quenãotrepidouemfazeraconexãodosistemarepresentativo
comopovo.DisseeleemRechtslehre,§52.“Todarepúblicaverdadeiraé,eoutracoisa
nãopodesersenãoumsistemarepresentativodopovoparaemnomedopovo(grifo
nosso)cuidardeseusdireitos,atravésdauniãodetodososcidadãoseporintermédio
deseusdeputados”.
29.Veja-seconcernenteaessepontooestudodeCharlesE.Gilbertintitulado
“OperativeDoctrinesofRepresentation”,queapareceuprimeironaTheAmerican
PoliticalScienceReview,1963,v.57,pp.604-618efoidepoisreproduzidonuma
traduçãoalemãdeTonyWestermayrpeloorganizadordacoletâneaZurTheorie
und
GeschichtederRepraesentativverfassung.
30.Arepresentaçãopolítica,segundoBagehot,citadoporCarlJ.Friedrich,significa,
emúltimaanálise,apenasummeioparaalcançarumfim,nocasoparticularinglês
escolheropartidoqueformaráogoverno.Essateseconduzàimplantaçãodeum
governoresponsável,essênciacontemporâneadoprincípiorepresentativoparaalguns
autores,aliásexcessivamentepresos,peloângulopolíticoejurídico,àconcepçãode
governorepresentativo.Atese,antesdechegaraopresenteefeito,queésimples
desdobramentohistórico,podiatambémvalidamentecompadecer-secomtodosos
fundamentosdualistasdovelhosistemarepresentativodaideologialiberal.
Quantoàrepresentaçãoproporcional,esposadaporStuartMill,trouxeesta,em
verdade,algonovo,queabaloudialeticamenteaconcepçãoindividualistado
liberalismoeseusistemaderepresentaçãopolítica,porquantoumaconseqüência
imediatadanovatécnicafoiadesublinharaimportânciadosgruposeatribuir-lhesa
parceriaeficazdeinfluênciaaquefazemjusnadireçãopolíticadasociedade.Veja-se
CarlJ.Friedrich“RepresentationConstitucionalReforminEurope”,in:TheWestern
PoliticalQuarterly,1948,I,pp.124-130,bemcomoessemesmotrabalhona
versão
alemãaparecidaemZurTheorieundGeschichtederRepresentationund
Repraesentativverfassung,pp.209-221.
31.CarlJ.Friedrich,ob.cit.,versãoalemã,p.220.
32.Idem,ibidem,p.221.
33.F.W.Coker,in:TheAmericanPoliticalScienceReview,15:200,1915.
34.Sãoescassasasanálisessociológicasaoconceitoderepresentação.Amatériatem
sidolargamenteversadaporjuristas.Aliás,HansJ.Wolffdesdemuitochamoua
atençãoparaessefato,encarecendoanecessidadedeaprofundar-seainvestigaçãodo
pontodevistasociológico.Ascontribuiçõesdedireitopúblicofeitascomânimomais
científicodoquedoutrinário,foradelaçospolíticoseideológicos,sóháalgumtempo
foramincrementadas,salvoostrabalhosprecursoresestampadosnaAlemanha.
DentreestesédejustiçaressaltaraquelessurgidosemépocaanterioràSegunda
GuerraMundial.HajavistaporexemploascontribuiçõesclássicasdeCarlSchmitt(a
sériedereflexõescontidasemVerfassungslehre);Leibholz,comDasWesender
Repraesentation,obrahápoucoreeditada;EmilGerber,StaatstheoretischeBegriffder
RepraesentationinDeutschlandzwischenWienerCongressundMaerz-revolution;e
enfim,aindadomesmoano,RudolfSmend,cujoVerfassungundVerfassungsrechtfoi
tambémdeúltimoreeditadonaAlemanha.
35.MarekSobolewsky“PolitischeRepraesentationimmodernenStaatder
buergerlichen
Demokratie”,
in:
Zur
Theorie
und
Geschichte
der
Repraesentativverfassung,p.422.
36.Idem,ibidem,p.420.
37.Idem,ibidem,p.430.
38.Idem,ibidem,p.431.
39.Idem,ibidem,p.433.
40.Idem,ibidem,p.433.
41.Idem,ibidem,p.434.
42.Idem,ibidem,p.435.
43.Idem,ibidem,p.441.
16
OSUFRÁGIO
1.OSufrágio—2.Éosufrágiodireitooufunção?—3.Osufrágio
como“direitodefunção”(doutrinaitaliana)—4.Osufrágiorestrito
—5.Osufrágiouniversal—6.Restriçõesaosufrágiouniversal:6.1
Nacionalidade—6.2Residência—6.3Sexo—6.4Idade—6.5
Capacidadefísicaoumental—6.6Graudeinstrução—6.7A
indignidade—6.8Oserviçomilitar—6.9Oalistamento—7.A
propagaçãodosufrágiouniversal—8.Sufrágiopúblicoesufrágio
secreto—9.Sufrágioigualesufrágioplural—10.Modalidadesde
sufrágioplural:10.1Sufrágiomúltiplo—10.2Sufrágiofamiliar—
11.Sufrágiodiretoesufrágioindireto—12.Aparticipaçãodo
analfabeto.
1.Osufrágio
Osufrágioéopoderquesereconheceacertonúmerodepessoas
(ocorpodecidadãos)departicipardiretaouindiretamentena
soberania,istoé,nagerênciadavidapública.
Comaparticipaçãodireta,opovopoliticamenteorganizado
decide,atravésdosufrágio,determinadoassuntodegoverno;coma
participaçãoindireta,opovoelegerepresentantes.
Quandoopovoseservedosufrágioparadecidir,comonos
institutosdademocraciasemidireta,diz-sequehouvevotação;quando
opovoporémempregaosufrágioparadesignarrepresentantes,comona
democraciaindireta,diz-sequehouveeleição.Noprimeirocaso,opovo
podevotarsemeleger;nosegundocasoopovovotaparaeleger.
2.Éosufrágiodireitooufunção?
Naregiãodadoutrina,jáseferiramamplosdebatespara
determinarseosufrágioéfunçãooudireito.Asescolasquerespondem
aessequesitopodemrepartir-seemduascorrentesprincipais:ados
queseacolhemàdoutrinadasoberanianacional,esãoconduzidos
entãoavernosufrágioumafunção;eadosqueseabraçamàdoutrina
dasoberaniapopular,paradaíoinferiremcomoumdireito.
Conformeseaceiteaprimeiraouasegundadasposiçõesacima
enunciadas,chegaremosaoseguinteresultado:àadmissãodosufrágio
restrito,quandoseentendeque,medianteovoto,acoletividadepolítica
exerceumafunção(doutrinadasoberanianacional);ouao
reconhecimentodosufrágiouniversal,quando,pelocontrário,setomao
poderdeparticipaçãodoeleitorcomoexercíciodeumdireito(doutrina
dasoberanianacional).
Comefeito,peladoutrinadasoberanianacional,oeleitorétão-
somenteinstrumentoouórgãodequeseserveanaçãoparacriaro
órgãomaior—ocorporepresentativo—aquedelegaopodersoberano,
doqualtodaviaseconservasempretitular.
Comoacompetênciaconstitucionaldoeleitorparaexercero
sufrágioprocededanação,ondeasoberaniatemsempresuasede,
entende-sequeéanaçãoopoderqualificadoatraçarasregrase
condiçõesdosufrágio,cabendo-lheademaisafaculdadededeterminar
quemdevefazerpartedocorpoeleitoral.
Conseqüênciadessadoutrinatemsidoemprimeirolugar,do
pontodevistalógico,algumaslimitaçõespostasaoexercíciodo
sufrágio,medianteaexigênciadepreenchimentodeváriosrequisitosde
capacidadeàquelesaquemanaçãocometeu,comoinstrumentoseu,a
funçãoeletiva.
Comosufrágio,segundoamesmadoutrina,nãoéavontade
autônomadoeleitorqueintervémnaeleição,masavontadesoberana
danação.Podendopoisanaçãoinvestirnoexercíciodafunçãoeleitoral
tão-somenteaquelesquejulgarmaisaptosacumpriressedever,dessa
doutrinadecorrecommaisfreqüência,alémdosufrágiorestrito,o
princípiodaobrigatoriedadedovoto,bemcomoochamadomandato
representativo,comqueseconsagra,conformejápatenteamos,a
atuaçãoindependentedoeleitoemfacedoeleitor.
Ateoriajurídicadosufrágio-funçãofoihistoricamentesustentada
porBarnave,em1791,duranteaRevoluçãoFrancesa,nosseguintes
termos:“Aqualidadedeeleitornãoésenãoumafunçãopública,àqual
ninguémtemdireito,equeasociedadedispensa,tãocedoprescreva
seuinteresse”.1
Quantoaosufrágio-direito,resultadaconcepçãodeque,sendoo
povosoberano,cadaindivíduo,comomembrodacoletividadepolítica,é
titulardeparteoufraçãodasoberania.Toma-seopovonumaacepção
quantitativa;faz-sedosufrágioaexpressãodavontadeprópria,
autônoma,primária,decadaindivíduocomponentedocolégioeleitoral;
admite-seenfimqueovotosendoumdireito—seuexercícioserá
facultativoequeomaislógicoparaanaturezadomandatoseria
considerá-loimperativoenãorepresentativo.
Historicamente,foiRousseauomaiscelebradocorifeuda
doutrinadosufrágio-direito,queprocedeucoerentementedasua
doutrinadasoberaniapopular.
SãopalavrasincisivasdeRousseaunoContratoSocial:“Odireito
devotoéumdireitoqueninguémpodetiraraoscidadãos”.Seguiram-
no,emapoiodamesmatese,PétioneRobespierre,naConstituinte,
bemcomoCondorceteBoissyd’Anglass,naConvenção,todos
ardorosamentecomprometidoscomoigualitarismorevolucionário,
contraosufrágiodosprivilegiados,imperantenamonarquiadosreis
absolutos,duranteoancienrégime”.2
A4desetembrode1789,Robespierre,subindoàtribuna,
expunhaamesmadoutrina:“AConstituiçãoestabelecequeasoberania
residenopovo,emtodososindivíduosdopovo.Cadaindivíduotem
poisodireitodecontribuirparaaleiqueoobrigaeparaa
administraçãodacoisapública,queésua.Deoutromodo,nãoseria
certoquetodososhomenssejamiguaisemdireitoouquecadahomem
sejacidadão”.3
Contrapostasasduasdoutrinas—adosufrágio-funçãoeado
sufrágio-direito—vê-selimpidamentequenosistemarepresentativo
clássicodademocracialiberaldominouointelectualismo,oliberalismo
eoqualititavismodarepresentação,emcontrastecomoigualitarismo,
ovoluntarismoeoquantitativismodeorigemrousseauniana,ora
reestampadoscomotraçosvisíveisnademocraciacontemporâneado
homem-massa,homemalgébricoeanti-histórico,quesenhoreouas
instituiçõesdesteséculo.
3.Sufrágiocomo“direitodefunção”(doutrinaitaliana)
Quantoaopensamentocontemporâneo,verifica-sequeadoutrina
constitucionalitaliana(BiscarettidiRuffia,Romano,etc),partindo
provavelmentedadificuldadedeconciliarosufrágiouniversal,fundado
nasoberaniapopular,comaobrigatoriedadedovotoesanções
impostasaoeleitor,conformedispõealegislaçãodeváriosEstados,
buscaumasoluçãoecléticaparaanaturezajurídicadosufrágio.Diz
quesetratadeum“direitodefunção”.Conjugaassimnoconceitode
sufrágioigualmentea“funçãoeleitoral”(direito)eo“corretoexercício”
dessamesmafunção(deverouobrigação).
Como“funçãoeleitoral”,osufrágioédireitopúblicosubjetivo,
contendocertospoderesreconhecidosaoseutitular,entreosquais,
consoanteRuffia,odeexigiraprópriainscriçãonosregistroseleitorais,
odereclamarainscriçãodeoutroseleitoresemtaisregistros,ode
exigiroeventualcancelamentodaqueleseleitoresquehajamsido
indevidamenteinscritos;odeproporeventualmentecandidatos,ode
seradmitidoàsvotações.4
Como“corretoexercíciodafunçãoeleitoral”,entende-seporaía
facedosufrágioqueseapresentaemformadedever,deobrigaçãodo
eleitoroucidadão.Estenãopoderásermolestadonolivree
independenteexercíciodaqueledireito.Descumprindoporémocaráter
públicodafunção,abstendo-sedevotarouvalendo-sedovotopara
auferirvantagenspessoaisindevidas,ficaráentãooeleitorsujeitoàs
sançõesdaordemjurídica.Oexercíciodovoto,peloladopoisdesua
obrigatoriedade,apresenta-secomo“devercívico”,nostermosdoartigo
48daConstituiçãoitaliana,postoassimnumaesferaintermediária
entreo“merodevermoral”eo“deverjurídico”.5
Enfim,segundoamesmaordemdereflexõesdesenvolvidaspor
Ruffia,odireitoeleitoral,direitodesufrágiooudireitodefunção,entra
nacategoriadosdireitospúblicossubjetivos,davelhateoriadeJellinek.
Comofunção,osufrágioédenaturezaeminentementepúblicaenão
propriamenteestatal.Oeleitoroucidadãoexercereferidafunçãode
modocoletivoenãoindividual,comodireitocorporativoenãocomo
“direitosubjetivoindividual”emnomepróprio,comvistasaoselevados
finsesuperioresinteressessociaisenãoemnomedoEstado”.6
AConstituiçãodaVenezuelaaplicaemdisposiçãotextualo
mesmoprincípiodoutrinárioenunciadopelosconstitucionalistas
italianos.Rezaoartigo110dareferidaConstituição(1961)que“ovotoé
umdireitoeumafunçãopública”.
4.Osufrágiorestrito
Quandoarepresentaçãosurgehistoricamente,háumambicioso
princípiodeordemracionalparajustificá-la,tantoquantooda
limitaçãodopoder:oprincípioseletivo,quedeveconduziràsregiõesde
governoosmaisaptos,osmaiscapazes,osmaissábios,osmelhores.
Arazãoeoconsentimentoaparecemaíporcimentosdosistema
representativo.Aidéiabásicadademocracia,durantetodaaidadedo
liberalismo,éadequesedeveprepararaelitegovernante,emnomede
umconfiadoapoiodarazãohumana,comosmeiosqueestaoferece.
Essesmeiossereconhecemnasformasqueosufrágiotoma,e
quesocialmente,bemcomohistoricamente,traduzemumaformade
equilíbrionadisposiçãodeforçaseclassesdentrodasociedade,do
mesmopassoquetestificamahegemoniapolíticadoEstadoburguês.
Segundoosteóricos,osufrágioérestrito,nãoporquesequeira
assegurarodomíniosocialdeumaclasse,masporquesecompreende,
doutrinariamente,que,restringindo-seosufrágio,maisdepressaa
sociedadechegaráàqueleresultado:ogovernodosmelhores.
Eraassimquesepensavanoséculodademocracialiberal(século
XIX)comainstituiçãodosufrágiorestrito,quandonãohaviaaindanos
livrosounaexposiçãodoutrináriaumatomadadeconsciênciadeque,
seosufrágioracionalmentepretendiaaquilo,dopontodevistahistórico
eratão-somenteopoderosoeeficazinstrumentodeexclusãode
parcelasconsideráveisdopovodetodaparticipaçãopolítica.Opoderdo
terceiroestado—aburguesia—dominavaentãoporinteiroacena
governativa.
Osufrágioérestritoquandoopoderdeparticipaçãoseconfere
unicamenteàquelesquepreenchemdeterminadosrequisitosderiqueza
ouinstrução.Háautoresqueacrescentamtambémosrequisitosde
nascimentoouorigem.
Conformeasexigênciassejamfundadasemcadaumdaqueles
pontos,temosasseguintesmodalidadesdesufrágiorestrito:sufrágio
censitário(ariqueza),sufrágiocapacitário(ainstrução),sufrágio
aristocráticoouracial(aclassesocialouaraça).
Osdoisprimeirosforamosmaisfreqüentes,comlargaaplicação
naépocadoEstadoliberal.
Osufrágiocensitário,tambémconhecidopelonomedesufrágio
pecuniário,demandavageralmentedeseustitulares,conformea
legislaçãoqueoinstituísse,oatendimentodeumadasseguintes
exigências:a)opagamentodeumimpostodireto(sistemacensitário
francêsde1814a1848);b)oserdonodeumapropriedadefundiária(o
sistemainglês,gradativamenteabolido,equeseextinguiucoma
reformaeleitoralde1918),ec)ousufruircertarenda.
Quantoaosufrágiocapacitário,ocritériodelimitaçãoeradado
pelograudeinstrução.Ofimquesetinhaemvistaprimacialmenteera
afastaraspessoasmaisrudesdopontodevistaculturaleintelectualde
qualqueringerênciapolítica,porcrer-sequenãoseriamcapazesde
concorrerparaaboaqualidadedarepresentação,istoé,paraa
formaçãodaelitedirigente.
Enfim,nosufrágioracial,restringe-seodireitodevotopor
motivos,nãorarodissimulados,quetodaviaseprendemàorigemdos
indivíduos.QuandoalegislaçãodoMississipinosEstadosUnidos
obrigaaler,compreendereinterpretar“convenientemente”a
Constituição,seuslegisladores,comessaexigência,sãoprincipalmente
movidospeloânimodeexcluirdasurnasospretos,obedecendoassima
umcritériomaisracialdoqueemverdadecapacitário.
Algunspublicistastomamaindaaclassesocialeosexopara
caracterizaremformasdesufrágiorestrito.MormentenaquelesEstados
ondealegislaçãoeleitoralvenhaaexcluirdaparticipaçãopolítica
camadasdapopulação,porefeitodediscriminaçãosocial(sufrágio
aristocráticoouprivilegiado)oupormotivodesexo,comoocorrecomas
mulheresemalgunspaíses(sufrágiomasculino).
5.Osufrágiouniversal
Arigortodosufrágioérestrito.Nãohásufrágiocompletamente
universal.Relativapoiséadistinçãoqueseestabeleceentreosufrágio
universaleosufrágiorestrito.Amboscomportamrestrições:osufrágio
restritoemgraumaior;osufrágiouniversalemgraumenor.
Define-seosufrágiouniversalcomoaqueleemqueafaculdadede
participaçãonãoficaadstritaàscondiçõesderiqueza,instrução,
nascimento,raçaesexo.
Afirmaautoritalianodosmaisabalizadosdenossotempoqueo
sufrágiouniversalsecontentacomestabelecer“requisitosdeordem
geral”,aopassoqueosufrágiorestrito“exigiarequisitosespecíficos,
censitárioseculturais”.7
Emgeral,excluídasasrestriçõesderiquezaoucapacidade,
estamosjáempresençadosufrágiouniversal,que,todavia,nãose
estendendoindiferentementeatodasaspessoas,comportalimitações.
Essaslimitaçõesfeitasàcapacidadedoeleitor,emregimede
sufrágiouniversal,seprendemmaisàscondiçõesdenacionalidade,
residência,sexo,idade,capacidadefísicaoumental,graudeinstrução
(ovotodoanalfabeto),indignidade,serviçomilitarealistamento.
6.Restriçõesaosufrágiouniversal
6.1NacionalidadeÉdireitocomumdequasetodasasconstituições,comoprimeira
condiçãodecapacidadepolítica,orequisitodovínculopessoal.Sendoa
nacionalidade“condiçãomínimadevinculaçãoaopaíseàcoisa
pública”,8énaturalqueosestrangeirossejamexcluídosdeparticipação
navidapolíticadoEstadoondeporventuraseachem.
6.2Residência
EmdeterminadosEstados,cujalegislaçãoadotaosistemade
sufrágiouniversal,exige-senãoraroumprazomínimoderesidência
habitualouprolongadaemcertapartedoterritórionacional,afimde
evitarabusosepráticasviciosasdedeslocamentodeeleitoresdeumaa
outraregiãodomesmopaís,forçandoassimresultadosemque
ordinariamentesecomprometeaseriedadedaspugnaseleitorais.Tais
abusosdachamada“colonização”eleitoralforamusuaisemalguns
EstadosdaUniãoAmericana.
6.3SexoAslimitaçõesdesexorelativasàcapacidadeeleitoralexistiramem
geralatéaofimdaPrimeiraGrandeGuerraMundial.Daípordianteas
cruzadasfeministasacabaramimpondoovotodasmulheresemquase
todosospaíses,reformadasqueforamasrespectivaslegislações
eleitorais.
Oprimeiropaísondetriunfouosufrágiofemininofoiarepública
americana.Em1869,vimo-loadotadoalipeloEstadodeWyoming.A
seguir,váriosEstadosdocontinenteealgunspaísesnórdicoslegislaram
favoravelmenteaodireitodevotodasmulheres.Essedireito,desde
1920,coma19ªemendaàConstituiçãoamericana,jásefizeranos
EstadosUnidosregraconstitucional.
Semembargodetodasasresistênciashavidas,osufrágiochegou
àInglaterraem1928,aopassoqueaFrança,oBrasil,aArgentina,
Bélgica,PerueChilesomentedepoisdaSegundaGrandeGuerra
Mundial
introduziram
essa
conquista,
que
veio
ampliar
consideravelmenteosquadrosdeparticipaçãonossistemasdesufrágio
universal.
ASuíçatodaviaédosrarospaísesdemocráticosdomundoquesó
hápoucoadotouovotofeminino.Adiscriminaçãoeleitoralcontraas
mulheres,paramuitospublicistas,nãochegaadescaracterizaro
sistemadesufrágiouniversal,quepodeconsiderar-secomotal,bem
querestritoapenasaosufrágiomasculino.
6.4IdadeAleieleitoraladotageralmenteumaidademínimaparao
exercíciododireitodevoto,idadequefaçapresumirnoeleitora
capacidadedediscernimento,maturidadeetirocínioindispensáveisa
umaintervençãoesclarecidanosnegóciospúblicos.
Essaidademínimavaria,conformeossistemaspolíticos,havendo
Estados,comooBrasil,aArgentina(1853),GuatemalaeVenezuela,
ondeaexigênciasefixaem18anos,eoutros,comoaFrançaea
Inglaterra,ondeamaioridadesóseobtémaos21anosdeidade.No
Brasil,pelaConstituiçãode1988,ovotoéobrigatórioparaosmaiores
dedezoitoanos,efacultativoparaosmaioresdedezesseisemenoresde
dezoitoanosdeidade.
Observa-se
que
quanto
menos
democrática
a
ordem
constitucionaldeumEstado,maisforteatendênciaparaaelevaçãoda
idademínimaeleitoral.Assim,porexemplo,aCartafrancesade1814,
quesóconferiaodireitodevotoaos30anosdeidade.
Liga-seatendênciaemtelaaotemordosentimentoreformista,
latentenamocidade,quesemostrasempreabertaepermeávelàsidéias
maisavançadasdemudançasocial,tantoquantoadversaaos
princípiosconservadoresereacionáriosdaordempública.
Nota-seigualmenteemváriaslegislaçõesamanifestainclinação
defazercoincidiramaioridadecivilcomamaioridadepolíticaou
eleitoral,ouseja,acapacidadecivildedireitoprivadocomacapacidade
cívicadodireitopúblico.
6.5Capacidadefísicaoumental
Sãoexcluídosdafunçãoeleitoraltodosaquelesque,portadores
dedefeitosfísicos,comooscegosesurdos-mudos,oudestituídosde
aptidãointelectual,comoosidiotas,loucosoudementes,nãoseacham
emcondiçõesnormaisdeexercerosufrágio.
Essaformadeincapacidadeeleitoralemalgunssistemassóse
aplicaàquelescujainterdiçãofoideclaradajudicialmente,emordema
evitarquesecometamabusosouexcesso,aosabordaspaixões
políticas.
Aexclusãosetornaconseqüentementemínima,dandoporvezeso
resultadonegativodeindivíduoscujoestadomentalédosmaisdébeis
figuraremnosquadroseleitorais.
6.6Graudeinstrução
Rarosossistemasconstitucionaisqueemsualegislaçãoeleitoral
admitemovotoàspessoasquenãosejampossuidorasdeumgrau
mínimodeinstrução.Aexclusãodosquenãosabemaomenoslere
escrevertemporfundamentoapresunçãodequenãoseachamem
condiçõesdeemitirvoto,formularjuízooutomardecisões.
OmínimoeducacionalexigidovariadeacordocomosEstados,
quetendemaoperarlimitaçõesextremascomrespeitoaessaexigência.
Algunsvãoapontodeadmitirjáovotodoanalfabeto,comoaItália,por
exemplo,quesuprimiuassimqualquerrestriçãodeordemeducacional.
AConstituiçãobrasileirade1988fezfacultativoovotoparao
analfabeto(artigo14,II,“a”).
EmmuitosEstados,aquestãodovotodoanalfabetotem
provocadointensoseapaixonadosdebatesdeopinião,notando-seda
partedascorrentesdemocráticasmaisradicaistendênciafrancamente
acolhedoradadoutrinaquemandaconcederaosiletradosodireitode
sufrágio.
Comefeito,oproblemasetornamaisagudoporseusreflexos
políticosesociaisnaquelespaísesondemáximaéadensidadeda
populaçãoanalfabeta,atingindoaíelevadíssimosíndicespercentuais.
Semaparticipaçãopoisdoanalfabeto,osistemapolíticoeeleitoral
oferecenaquelesEstadosimagemquaseirreconhecíveldasociedade
democrática,taladesproporçãoentreoeleitoradoeamassahumana
excluídaporefeitodemencionadacausarestritiva.
6.7AindignidadeAprivaçãododireitodevotopormotivodeindignidadeérestrição
perfeitamentecabívelnosistemadesufrágiouniversal,representandoo
rompimentocomaordempolíticaestabelecidadaquelesque,pelasua
conduta,transgrediramalei,expressãodavontadegeral,esepuseram
“emoposiçãodeclaradaoumesmoviolentacomamassadaopiniãosãe
estimável”.Conseqüentemente,“elesprópriosseseparamdopovo”.9
Essalimitaçãoabrange:aindignidadepenal(incapacidademoral)
eaindignidadenacional(incapacidadepolítica).
Noprimeirocaso,temosaspessoasexcluídasdaparticipação
eleitoralemvirtudedesentençascondenatóriasdostribunais,pela
práticadedelitoscomuns;nosegundocaso,temosaquelescuja
exclusãoresultadepuniçãopolítica,porprofessaremestaouaquela
ideologia,ouseacharem,porsuasatitudesoucomportamento,em
discordânciabásicacomoregimepolíticoesocial.
Asdúvidasquecercamestaformadelimitação—aindignidade
—quasesempreseprendemàchamadaindignidadenacionalou
indignidadepolíticaenãoàindignidadepenal,emvistadosabusose
injustiçascomqueaprimeiraseapresenta,bemcomoemfaceda
extensãoquepodetomar,eliminandodaparticipaçãocamadas
consideráveisdecidadãos:umaclasseinteira,conformelembra
Duverger,foisacrificadanaUniãoSoviética,em1918e1922,quando
asprimeirasConstituiçõesrevolucionáriassuprimiramodireitode
sufrágiodaantigaburguesiarural(aclassedos“koulaks”)ede
funcionáriosepoliciaisdoregimedeposto.10
Alimitaçãoassimimposta,quandochegaaessaamplitude
extrema,desfiguraanaturezadosufrágiouniversal,fazendo-o
retrocederàsantigasformashistoricamenteultrapassadas,dosufrágio
restrito.
6.8Oserviçomilitar
Emalgunspaíses,alegislaçãoeleitoralprivadodireitode
sufrágioosmilitares.AssimaconteceuemFrançaduranteaTerceira
República.NoBrasil,aConstituiçãode1988excluidoalistamento
eleitoralosconscritos,duranteoperíododoserviçomilitar(art.14,§
2ª).
Alimitaçãoemapreçodecorre,segundoospublicistas,da
conveniênciadepreservarasolidezdoslaçosdedisciplinanasfileiras
militares,umavezqueevita:a)apressãodosoficiaissobreossoldados;
b)oingressodapolíticanosquartéis,comabaloouquebradoprincípio
deautoridadeedisciplina.
SegundoLaveleye,“asdiscussõespolíticasdestroemadisciplina,
queéaalmadosquartéis”.11Gambetta,porsuavez,qualificavaa
interdiçãodovotodosmilitaresde“disposiçãotutelardapazsocial”.12
Observa-secontudoquevãodesaparecendodaslegislaçõeseleitoraisas
restriçõesaovotodosmilitares,commanifestatendênciademocrática
paraequipará-los,aesserespeito,aosdemaiscidadãos.
6.9OalistamentoNãobastaaoeleitorreunirtodososrequisitosdecapacidade
exigidosporleiparaexercerodireitodesufrágio.Faz-semistertambém
oalistamento,demodoquelhesejaconferidootítulodeeleitoreseu
nomepossaassimconstarpreviamentenaslistasoficiaisde
participação,porensejodospleitoseleitorais.Diversossistemasde
inscriçãoouregistroeleitoralexistem,variáveisdeconformidadecoma
legislaçãodosrespectivospaíses.
7.Apropagaçãodosufrágiouniversal
DuranteoséculoXIXcombateu-seporfiadamenteafavorda
implantaçãodosufrágiouniversal.Emtodosossistemasaconsumação
lógicadoprincípiodemocráticosóseverificacomoadventodaquele
sufrágio,queconduzpoliticamenteademocraciaàsuaplenitude.O
sufrágiouniversalfez-seassiminseparáveldaordemdemocrática.
NoséculoXX,nãosomenteseaboliuosufrágiorestritocomose
lograramconsideráveisprogressosnoalargamentocadavezmaiorda
participaçãopolítica,depoisdeintroduzidoosufrágiouniversal.
Alegislaçãoeleitoralinglesachegouaosufrágiouniversalatravés
domesmocaminhopercorridosecularmentepelassuasinstituições
políticas,asaber,mediantelentaeprogressivaacomodaçãoàsidéiase
princípiosnovos,quenaInglaterranuncaentramtardedemais.
AmudançaparaosufrágiouniversalcomeçanoséculoXIX,com
asreformasde1832,1867e1884,coroadaspelanovaleieleitoralde
1919,que,admitindoovotofeminino,universalizouosufrágio.A
reformatrabalhistade1948,queaboliuarepresentaçãoespecialdos
graduadosuniversitários,eliminouosúltimosvestígiosdosufrágio
privilegiado.
EmFrança,osufrágiouniversalfoiobjetodedisposiçõesoficiais,
em1792,duranteoperíodorevolucionário,eadotadodepoispela
Constituiçãode1793,masnuncalevadoàprática.Suaaplicaçãosóse
dáa23deabrilde1848,dataque,segundotratadistasfranceses,ficou
inscritanahistóriaconstitucionalcomo“aquelaemquepelaprimeira
vezfuncionanaFrançaosufrágiouniversaledireto,oqualnuncamais
deveriadesaparecerdenossasinstituições”.13
NosEstadosUnidos,duasemendasconstitucionaisforam
decisivasparaaconsagraçãodefinitivadosufrágiouniversal.Aprimeira
—a15ª—adotadaem1870,apósaGuerradaSecessão,estabelece
que“odireitodesufrágio,quepertenceaoscidadãosdosEstados
Unidos,nãopoderárecusar-se,nemrestringir-senempelosEstados
Unidos,nempornenhumEstado,pormotivosdecorrentesdaraça,cor
oudeumprecedenteestadodeservidão”.Asegunda—19ª—de1920,
estendeàsmulheresodireitodesufrágio.
Comosevê,dominaemtodosospaísesummovimentoirresistível
paraaconsagraçãodosufrágiouniversal,quelevaademocraciapolítica
porconseguinteaosseusúltimoscorolários.
8.Sufrágiopúblicoesufrágiosecreto
Ovotosecreto,garantiaefetivadoprincípiodemocrático,constitui
umcomplementodosufrágiouniversal.Daítambémseucaráter
obrigatório.Ainobservânciadosegredoacarretapoisaanulaçãodo
voto,conformedispõeaesserespeitoalegislaçãoeleitoraldamaior
partedosEstadosqueadotamosufrágiouniversal.Masantesquese
obtivessenossistemasdemocráticossemelhantecompreensão,jáhoje
pacífica,gravou-seardentepolêmica,comargumentostantofavoráveis
comoadversosaovotosecreto.
Emdefesadomesmo,aduz-sequeéamáximagarantiade
independênciamoralematerialdoeleitor,contraopesodaspressões
políticasaqueficariaelesujeitoseseuvotoforadadoadescoberto.
Comefeito,essaspressõespodemvirdogovernomesmooudos
partidosquetêmopodernasmãos,bemcomodaIgreja,dossindicatos,
daclassepatronal,fazendopoisdelicadíssimaparaoeleitoraopção
entresuaconsciênciaeseusinteressesimediatos.
A
liberdade
individual
ficaria
com
o
sufrágio
público
consideravelmentediminuída,eoeleitorteriademover-senumcírculo
fechado,soboimpériodeintimidações,ameaçasdeperseguição,
promessas,enfim,numasópalavra:dacorrupção.
Transcorridasaseleições,aindaoeleitorquehouvesseobedecido
estritamenteàssuasconvicçõesmaisprofundas,estariaexpostoà
violênciaouàsretaliaçõesdoadversárioquegalgaraopoder.
Compulsandoestatísticaprussiana,autoresfrancesesmostram
que,em1903,umaeleiçãopeloescrutíniopúblico,naPrússia,resultou
emelevadíssimaabstenção,superiora70%doeleitorado.Econcluem
que,apertadoentresuasconvicçõeseseusinteresses,oeleitorresolve
esseproblemadeconsciêncianãosaindodecasaparavotar.14
Quemviucomtodaaclarezaerealismoanecessidade
indeclináveldeadotar-seovotosecretofoiEmileOlivier,emsuaobra
sobreoImpérioliberalfrancês,aoescrever:“Semdúvida,nateoria
abstrataseriadesejávelquecadaqualviesselivremente,empresença
detodos,exprimirsuaopiniãosobreosnegóciosdopaís:ovoto
ganhariaemmoralidadeporqueganhariaemresponsabilidadee
coragem.Masquandoseorganizamasinstituições,faz-semisternão
esquecerquesedestinamaumamultidãodehomensmedíocres,
covardes,dependentesporcaráteroutímidosporposição...Em
resumo,quemdizdemocraciadizvotosecreto.Ovotopúblicoéum
instrumentumregni,emproveitodosdespotismosedasaristocracias.
SallustoconsultadoporCésarsobreosmeiosdesalvaraRepública
romana,punhaemprimeirolugarovotosecreto,votumperlibellum”.15
Afavordovotopúblicomanifestaram-senadoutrinapensadores
eestadistasdaestirpedeCícero,Montesquieu,StuartMilleBismarck.
Montesquieuchegouaafirmarqueovotopúblico“deveserconsiderado
comoumaleifundamentaldademocracia”.16
Todosospropugnadoresdessesufrágioentendemqueaodeclarar
abertamentesuaopinião,exerceoeleitorumatodecoragemcívica,faz
umademonstraçãode“fidelidadeàsconvicções”de“firmezadecaráter”,
deseriedadeeresponsabilidade.Emsuma,crescemoralmente.
Vedeieoutrossãoporémdopontodevistadequeademocraciaé
ogovernodetodos,ogovernodasmassas,ogovernoatémesmodos
tímidosenãosomentedos“corajosos”.Comosufrágiopúblicoaquela
apregoada“coragemcívica”acabariasendoacoragemdaminoria
economicamentepoderosa,emcondiçõesdedar-seao“luxo”dovotoa
descoberto.Osufrágiopúblicoapareceportantocomoexpedientesocial
denaturezaconservadora,instrumentodecoaçãoeconômica,aparelho
dehegemoniadeclasse.17
9.Sufrágioigualesufrágioplural
Nosufrágioigual,temosaconsagraçãodaqueleprincípio
democráticoqueseexprimepelafórmula“umhomem,umvoto”.A
democraciadosufrágiouniversal,emtodasasConstituiçõesmodernas
erecentes,tendeirresistivelmenteparaessaformadeigualdadede
direitonaparticipaçãoeleitoral.
Emnomeporémdeumaigualdadedefato,verificaram-se
aplicaçõeshistóricasdochamadosufrágiopluraloureforçado,quena
verdadeseinspirouemtendênciasdetodoantidemocráticasejánão
ofereceaestaalturasenãointeressemeramentepassageiro,deâmbito
doutrinário.
Medianteosufrágiopluralpodeoeleitoracumularváriosvotos
numamesmacircunscriçãoouvotarmaisdeumavezemdistintas
circunscriçõesoucolégioseleitorais.
Osufrágiopluralresultadequalificaçõesvariáveis,conferidas
pelariqueza,idade,graudeinstrução,família,etc.
Asaplicaçõesmaiscélebresdesufrágiopluralocorreramna
BélgicaenaInglaterra.Aleieleitoraldefinsdoséculopassadoque
instituiunaBélgicaosufrágiouniversalfê-loemcombinaçãocomo
votoplural,numcompromissodesocialistaseconservadores.Cinco
votoserampossíveisemrazãodaidade,dafamília,dapropriedade
imobiliária,dapercepçãodeumapequenarendaestataledonívelde
capacidadeintelectual,atestadopelapossedetítulosuniversitários.
Dessesvotos,oeleitorsópodiaacumularnomáximotrês,demodoque
essalimitaçãoatenuava,segundoLaferrière,ocaráteranti-democrático
dainstituição,determinando,emdiversasáreaseleitorais,sensívele
paradoxalfavorecimentodossocialistas.
10.Modalidadesdesufrágioplural
10.1Sufrágiomúltiplo
Osufrágioquepermitiaaoeleitoracumularváriosvotos
exercendoodireitodeparticipaçãoemmaisdeumcolégioeleitoralteve
largaaplicaçãonaInglaterra.Tomouessamodalidadedevotopluralo
nomedesufrágiomúltiploefoiseveramentegolpeadanaquelepaíscom
areformaeleitoralde1918.
Donovoestatutoresultouaaboliçãodeinumeráveis“franquias
eleitorais”,queasreformasanterioreshaviamdeixadointactasouaté
mesmoampliadoequeconsentiamaoeleitoroexercíciododireitode
votoemmaisdeumacircunscrição.
Duaslimitaçõesseimpuseramentãoaosistema:umadedireito,
outradefato,conformeobservamBarthélemyeDuez.Pelaprimeira,
ninguémpodiavotarnumaeleiçãogeralparaaCâmaradosComunsem
maisdeduascircunscrições.Pelasegunda,aseleiçõesgeraisemtodoo
ReinoUnidoforamfixadasparaomesmodia,demodoqueoeleitorjá
nãopodiaexerceraduplafaculdadedesufrágioemcolégiosafastados.
Masfoiem1948,comareformaeleitoraltrabalhista,queo
colégio
múltiplo
se
extinguiu
definitivamente
na
Inglaterra,
desaparecendoasúltimasfranquiasrelativasaovotoadicionaldos
titularesdeumgrauacadêmicoconferidopordeterminadas
universidadesinglesas,queatéentãoconstituíamcolégioseleitorais
independentes.
10.2Sufrágiofamiliar
Outraformadesufrágiopluraléochamadosufrágiofamiliar,
praticadodurantealgumtemponaBélgica(1893-1920),equeaindaem
nossosdiascontacomfervorososadeptos.
Invoca-seafavordessesufrágioosseguintesargumentos:a)
“fortaleceopodereleitoraldasfamíliasnumerosas”;b)estimulao
crescimentopopulacional;c)servedeprêmioourecompensaaospais
defamília;d)proporcionaarepresentaçãodosfilhosmenores,
introduzindoassimaverdadeirafórmuladosufrágiouniversalintegral:
umavida,umvoto;e)concedeparticipaçãomaioràquelesqueseacham
investidosderesponsabilidadesocialmaisamplaequesão
conseqüentementeosmaisinteressadosnaboaconduçãodosnegócios
públicos,comoéocasodochefedefamília;f)atribuimerecida
importânciaàfamíliacomogruposocial,célulabásicadasociedade,em
consonânciaaliás,segundoBarthélemyeDuez,comopensamentodo
AbadeLemière,quandoafirmavaque“ovotodetodocidadãomaioréo
direitodafamília,ovotodetodopaiquetenhapelomenosquatrofilhos
éodireitodaraça”.18
Osmovimentospolíticosdecaráterdireitistaeconservador
sempresemostraramentusiastasdosufrágiofamiliar,quetodavia
esbarrounaoposiçãodefortesargumentosdascorrentesdemocráticas
maisradicais.
Essesargumentos,entreoutros,seresumemnaobservaçãode
quenãocabedarumvotosuplementaràfamília,semrecompensar
tambémoagricultor,oindustrial,ocomerciante,ohomemdasdemais
classes,namedidaemqueestesrepresentamigualmenteforçassociais
ponderáveis;ademaisosufrágioexistecomoopiniãoenãocomo
instrumentodeumaexistência,adofilhomenor,incapazdeemitir
vontadeprópria.
11.Sufrágiodiretoesufrágioindireto
Osufrágioédiretoquandooseleitores,semintermediáriosfazem,
demodopessoaleimediato,adesignaçãoderepresentantesou
governantes.
Éindiretoquandorecaiaescolhasobredelegadosou
intermediários,incumbidosdeprocederàeleiçãodefinitiva.Esses
delegadosrecebemtambémadenominaçãode“compromissários”,
eleitoresdesegundograu,eleitoressecundários,eleitorespresidenciais,
senatoriais,etc,conforme,nesteúltimocasoonomedosmagistradosa
seremprovidosnoexercíciodafunçãopública.Podeosufrágioeleitoral
todaviacomportarmaisdedoisgraus,deacordocomonúmerode
intervençõeseleitoraisquesejamnecessáriasàescolhadefinitiva.
Aeleiçãoindiretanãoédosmétodosquemaissecoadunamcom
oprincípiodemocráticodosufrágiouniversal.Estáemdeclíniona
legislaçãoeleitoraldetodosospaíses,ondeademocraciaseexpande
paraformasplenamenteigualitáriasdeparticipaçãopolítica.
Teveosufrágioindiretocorifeusilustres.TaineeTocqueville
recomendaram-nocomentusiasmo.Emproldessesufrágiocitam-seos
seguintesargumentos:a)osgrausinterpostosoperamcomofiltros,de
modoqueoseleitoressecundários—elesmesmosjáumaelite—ficam
emcondiçõesdesufragarouselecionarosmaiscapazesecompetentes;
b)atuaosufrágioindiretocomoforçamoderadora,enfreandoaspaixões
políticas,abrindoespaçoàreflexão,ensejandoaprudênciadas
designações.
Osqueexpõemtaisfundamentosderazãoparapreconizara
eleiçãoindiretanãorarosemostramdeslembradosdequeas
assembléias-parlamentaresmaisviolentasqueahistóriapolítica
conheceu—aAssembléiaLegislativaeaConvençãofrancesas—
procediamdosufrágioindireto.
Seasvantagenspoissãopoucas,osinconvenientessãomuitos,
quantoaessaformadesufrágio.Cumpreadvertir,entreoutros,os
seguintes:a)seucarátermanifestamentemenosdemocráticoqueo
sufrágiodireto,porquantoopoderdedecisãodamassasufragantese
transfereinteiroparaocorpoeleitoralintermediário,cujainfluência
tomaassimproporçãomáxima;b)osufrágioindiretonãoraroé
empregadocomomeioderesistênciaaosufrágiouniversal(Duverger);c)
ocolégioeleitoraldesegundograuemvirtudedoreduzidovolumede
suacomposição,ficamaisexpostoàspressõesdecimaeàcorrupção
pelosgovernantesoupelosgruposeconômicos;d)emsuma,osufrágio
indiretopodeconverter-seemfatordepesadasabstençõesentreo
eleitoradodeprimeirograu,desinteressadonaseleiçõesportera
impressãodequeseuvotopoucaounenhumainfluênciaterá
relativamenteàdesignaçãofinaldosrepresentantes.
Osufrágioindiretofoicorrentenoscomeçosdademocracia
liberal.AhistóriaconstitucionaldeFrançamostraessaverdade.Ali,o
regimeeleitoralindiretoprevaleceunoperíodoquevaidaConstituição
de1791atéaquedadasinstituiçõesdoPrimeiroImpério,semembargo
daexceçãorepresentadapelaConstituiçãomontanhesade24dejunho
de1793.OcorreporémqueessaConstituiçãojamaisseaplicou.Da
Restauraçãoaosnossosdias,istoé,desde1817,conheceuepraticoua
Françasomenteosufrágiodireto,malograndotodasastentativasque
sefizeramparareimplantarosistemadeeleiçãoindireta(Barthélemye
Duez).
Contemporaneamente,subsisteaindaoempregodosufrágio
indiretoemalgunsEstadosparaaconstituiçãodaCâmaraAlta,
nomeadamentenaquelespaísesorganizadossobaformafederativa.
Aplicação
do
sufrágio
indireto,
destituída
de
caráter
representativo,masemperfeitoacordocomoregimeprofundamente
democráticodosufrágiouniversal,éaquelaqueseverificanaeleiçãodo
Presidentenorte-americano,naqualeleitorespresidenciaisdesegundo
grauexercemapenasummandatoimperativo.Osufrágioindiretounido
assimaosufrágiouniversalconstituinocasoamericanoaquiloque
Duverger,comtodaprocedência,denominadeurna“complicação
inútil”.19
12.Aparticipaçãodoanalfabeto
Excluindooanalfabetodeintervençãonoatopolítico,nãofoi
sensívelaConstituiçãode1967,nemsuaEmenda,aalguns
movimentosdeopiniãoesboçadosdesdeosúltimosvinteanos,emfavor
dessaparticipação.MuitomenosoforaoProjetodaComissãode
Juristas.ComaConstituiçãode1988fez-se,porém,facultativoovoto
doanalfabeto(artigo14,§1ª,II,“a”).
Comefeito,tem-sealegado,emabonodaextensãodaquela
franquiapolíticaàscamadasiletradasdenossasociedadeentreoutros,
osseguintesargumentos:acoerênciadosistemademocráticocoma
naturezadosufrágiouniversal;atributaçãodoanalfabeto,quecumpre
deveresaquenãocorrespondemdireitos,ficandoassimprivadodevoz
nodebateenaaprovaçãodoônustributário,e,porfim,acontradição
observada,principalmentenospaísessubdesenvolvidos,ondegoverno
democráticodeixadeserlogicamenteoquesempredeveraser:governo
damaioria,vistoqueaminoriaparticipante,investidadetitularidade
política,queatransformaemsujeitoenãoapenasobjetodaordem
jurídicaestabelecida,contrastadeformaesmagadoracomamaioria
excluídadoexercíciodasoberania,maioriacompostaporlegiõesde
analfabetos,detodoopontomarginalizadosdavidapolítica.
Osanalfabetosdademocraciacontemporânea,noséculodas
massas,sãoparaospaísessubdesenvolvidosoqueforamparaacidade
gregaosescravosdoséculodePéricles.Ademocraciaateniense,
amparada,então,pelobraçoservil,chegavaaoapogeudeseu
desenvolvimento,tomandopordogmadaliberdadepolíticaoprincípio
maisaltoeparadoxaldaparticipação,enoentantoexcluíaapopulação
escrava.
Doladodosqueargumentamcontraovotodoanalfabeto,as
razõesordinariamenteinvocadasseprendemàquebradesigilodo
sufrágioqueaquelaparticipaçãoviriaacarretar,bemcomoà
sustentaçãodequeademocracia,emseuestritoteorpolítico,nãoé
apenasquantidade,masqualidade.Daíoimpedimentolegalse
transformar,vantajosamente,numfatordestinadoacontribuirde
maneiraindiretamaseficazaodesenvolvimentodainstruçãopopular,
peloestímuloquerepresentanocombateaoanalfabetismo.
DentreosquenoBrasiltêmesposadooprimeiroargumento,
contrárioàingerênciapolíticadosanalfabetosnavidadasinstituições,
figuraoMinistroEdgardCosta,cujoscomentáriosàlegislaçãovigente
sobreamatériaseachamenriquecidospelaexperiênciaeobservação
acumuladosnoexercíciodamaisaltamagistraturaeleitoral.Segundo
EdgardCosta,oanalfabetodesatendeaoprincipalrequisitodovotoque
éosigilo,sendoesteacondiçãodesualiberdade.Emconseqüência,o
sufrágiodoanalfabetoabreumabrechairreparávelnoprincípioda
liberdadedovoto.
Quantoaoargumentoquegiraaoredordadialéticaqualidade-
quantidadenãorestadúvidaqueoprincípiodemocráticoenvolveda
partedocolégioeleitoralumacompreensãopolíticamaisapurada,difícil
deformar-senoseiodamultidãoespessaeignara.Daípesarmaisem
favordobommecanismoinstitucionaldogovernodemocrático,como
governodelivremanifestaçãodavontadepopular,oprincípio
qualitativodoqueoprincípioquantitativo.
Nãotemosufrágiouniversalamesmasignificaçãoparadistintos
povosqueoempregamcomoexpressãodopoderdemocrático.
NaEuropa,oEstadomodernosomenteoconsagrouapósum
séculodeiniciaçãodemocrática.Sabe-sedalentidãoemaishesitações
comqueomaisrefinadosistemadedemocraciaocidental,oda
Inglaterra,veioaadotá-lo.Ali,suaimplantaçãosefezatravésde
progressãocautelosa,explicávelpelogênioperseverantedapopulação
insular,desafeiçoadaainovaçõessúbitas,quepudessemcomprometer
ouabalaraharmoniaeoequilíbriodeinstituiçõesalicerçadasno
tempo,natradiçãoenocostume.
Jáospaísescontinentaissemostravammaisarrojadosem
conduzirademocraciapolíticaaosufrágiouniversal,seucorolário
derradeiro.Masaí,ahistóriapolíticaregistramomentosoufasesde
instabilidade,decorrentesdacongestãoeantagonismodeinteresses
dasclassesrecém-chamadasàparticipação.Sepaísesdesenvolvidos
tiveramquearrostarosefeitosdecomoçõesdecorrentesdaampliação
dosquadrospolíticos,traduzidasnumaacomodaçãomaisdelicadae
penosadosinteressessociaisemjogo,reflita-senadificuldade
crescentedeaberturadaparticipaçãopelosufrágiouniversal,nos
paísessubdesenvolvidosondeavontadedoEstadohajadeformar-se,
legitimamente,menospelaimposiçãounilateraldegruposdominantese
usurpadores,comosóiacontecer,doquepelasomadevontades
manifestadascomliberdadeportodasascorrentessociaisedeopinião.
Convocadosàcenapolítica,osefetivossufragantesdapopulação
analfabeta,empercentuaiscaudalosos,acabariamimpondoa
quantidadeàqualidade.Nenhumagarantiaouanteparorealse
ofereceriacontraapossível“instrumentalização”deseuacessoà
soberania,porpartedosquejáseachassemnoPoder,oudosque,
acasteladosnaforçadosmeiosmateriaisdecorrupção,sedispusessem,
comoemgeralsedispõem,acontaminarpelasuainfluênciaoveredicto
dasurnas,corrompendomedularmenteocaráterrepresentativodas
instituiçõesdemocráticas.
Sãotantososriscosdessealargamentodocolégioeleitoral,
minadopelascontradiçõesevíciosdapráticapolíticanospovosdo
mundosubdesenvolvido,ondeademocraciademassasandaquase
sempredecapitadaouflageladapelasediçãodosquartéisepela
ditaduradosgruposeconômicosestrangeiros,quenenhumavantagem
trariaàfirmezaouaperfeiçoamentodasinstituiçõesaquelaparticipação
dasmassaseleitoraisanalfabetas.Eliminandocomsuapresençauma
contradiçãoteórica,gerariamelasporoutroladonavidados
organismospolíticosesociaiscontradiçõesmuitomaissériaseagudas.
Ademocracia,noentanto,nãodevepararnumaconcepção
estáticaeantidialéticadosufrágiouniversal.Dessesufrágio,as
mulheresjáforamoutroraexcluídasenadaobstaaquefiqueelesujeito
defuturoanovasampliações,diminuindo-sesensivelmenteaáreade
exclusões.Estasnãosãodeordemparticular,masdeordemgenérica.
Docontrário,nenhumtraçoreconhecíveldistinguiriaosufrágio
universaldosufrágiorestrito,feitoestesimdediscriminações
equivalentesaprivilégios.
Aprimeirainclusãogradativadoanalfabeto,promovida
vitoriosamenteaRevoluçãoIndustrial,seria,paraatendimentode
escrúpulosteóricos,oacessoaospleitosmunicipais.Estado
desenvolvidopressupõeumabaixaextraordinárianadensidadeda
populaçãoanalfabeta.Pesandomenospoliticamenteeparticipandode
maneiraativadoprocessoeleitoral,justamenteondeseusinteresses
têmmaisdensidadeepresença,sãomaispróximosouimediatos,como
naáreadopoderlocal,oanalfabeto,pelasuamilitâncianasurnas,
estariaremovendoopesadelodoutrináriodosquenãocondescendem
emconceberumademocraciaondeaparticipaçãodeixedecoincidir
comaquantidade.
Masentendemos,comKelsen,queademocraciaéprogressãoou
caminhadaparaaliberdadeequeaextensãodosufrágioaoanalfabeto,
játentadaumaveznoBrasil,em1964,poriniciativaoficialrejeitada
peloCongresso,longedecoadjuvarasoluçãodoproblemada
democraciademassasemPaíssubdesenvolvido,viria,aocontrário,
estorvararecuperaçãodemocráticaeprecipitartalvezodesenlacedas
estruturasconstitucionais.Seademocraciaé,comefeito,aquelaescola
deformaçãopolíticaaquealudimos,diríamosmelhor,de
aperfeiçoamentopolítico,urgemantê-lanostermosatuaisdosufrágio
universal,semambiçõesquearealidadenãoautorizanemcomporta,
poisnormalmentenãosecumpriusequeroestímuloàalfabetização,
quefiguravanaspromessasdaquelaexclusãolegal.
1.Barnave,apudMauriceDuverger,DroitConstitutionneletInstitutionsPolitiques,p.
84.2.JosephBarthélemyePaulDuez,TraitédeDroitConstitutionnel,p.292.
3.A.Esmein,ÉlémentsdeDroitConstitutionnelFrançaisetComparé,7ªed.,t.1,p.
355.4.BiscarettidiRuffia,DirittoCostituzionale,5ªed.,p.253.
5.Idem,ibidem,p.254.
6.BiscarettidiRuffia,ob.cit.,pp.252-253.
7.BiscarettidiRuffia,ob.cit.,p.254.
8.JulienLaferrière,ManueldeDroitConstitutionnel,2ªed.,p.466.
9.MarcelPrélot,InstitutionsPolitiquesetDroitConstitutionnel,2ªed.,p.591.
10.MauriceDuverger,DroitConstitutionneletInstitutionsPolitiques,pp.88-89.
11.Laveleye,apudJorgeXifraHeras,CursodeDerechoConstitucional,2ªed.,t.I,p.
431.12.J.Laferrière,ob.cit.,p.511.
13.JosephBarthélemy&PaulDuez,ob.cit.,p.308.
14.JosephBarthélemy,&PaulDuez,ibidem,p.308.
15.EmileOlivier,EmpireLibéral,t.VII,p.631,apudBarthélemyeDuez,Traitéde
Constitutionnel,pp.416-417.
16.Montesquieu,ob.cit.,Liv.2,cap.2.
17.ConstantinoMortal,IstituzionidiDirittoPubblico,2ªed.,p.208eGeorgesVedel,
CoursdeDroitConstitutionneletInstitutionsPolitiques,p.675.
18.Lemière,apudBarthélemy&Duez,ob.cit.,p.336.
19.MauriceDuverger,ob.cit.,p.94.
17
OSSISTEMASELEITORAIS
1.Daimportânciadossistemaseleitorais—2.Osistema
majoritárioderepresentação—3.Asvantagensdosistema
majoritário—4.Osinconvenientesdosistemamajoritário—5.O
sistemaderepresentaçãoproporcional—6.Efeitospositivosda
representaçãoproporcional—7.Efeitosnegativosdarepresentação
proporcional—8.Problemasdarepresentaçãoproporcional:a
determinaçãodonúmerodecandidatoseleitos(sistemasadotados)
—9.Oproblemadas“sobras”eleitoraiseosmétodosempregados
pararesolvê-lo—10.Oproblemadaeleiçãodoscandidatosnas
listaspartidárias—11.As“cláusulasdebloqueio”(Sperrklauseln)
eaameaçarepressivaquepesasobreospequenospartidos—12.
Osistemaeleitoralbrasileiro:princípiomajoritárioeprincípioda
representaçãoproporcional.
1.Daimportânciadossistemaseleitorais
Osistemaeleitoraladotadonumpaíspodeexercer—eem
verdadeexerce—considerávelinfluxosobreaformadegoverno,a
organizaçãopartidáriaeaestruturaparlamentar,refletindoatécerto
pontoaíndoledasinstituiçõeseaorientaçãopolíticadoregime.A
sociologiateminvestigadocomdesvelooefeitodastécnicaseleitoraise
deduzidoaesserespeitoimportantesconclusões,conformesetratedo
emprego
da
representação
majoritária
ou
da
representação
proporcional.
Vejamosessasduasmodalidadesbásicasdesistemaseleitoraise
apeculiaridadedasconseqüênciasquesuautilizaçãotemproduzido
nasformasdemocráticasdoOcidente.
2.Osistemamajoritárioderepresentação
Éomaisantigo.Tecnicamenteconsistenarepartiçãodoterritório
eleitoralemtantascircunscriçõeseleitoraisquantossãooslugaresou
mandatosapreencher.Ofereceosistemaduasvariantesprincipais.
Pelaprimeira—aquelaadotadanaInglaterra—aeleição
majoritáriasefazmedianteescrutíniodeumsóturno,sendoeleitona
circunscriçãoocandidatoqueobtivermaiornúmerodevotos.Aquia
maioriasimplesourelativaésuficienteparaalguémeleger-se.
Pelasegunda,temosoescrutíniodedoisturnos.Casonenhum
candidatohajaobtidomaioriaabsoluta(maisdametadedossufrágios
expressos)apela-separaumsegundoturnooueleiçãodecisiva—a
ballotagedosfrancesesouStichwahldosalemães—eaídentreos
candidatosconcorrenteseleger-se-áaquelequeobtivermaiornúmero
devotos(maioriasimplesourelativa).Foiosistemapraticadono
ImpérioAlemãoaté1918,aindahojevigentenaFrança.
Osistemamajoritáriodemaioriasimples(típicodaInglaterrae
dosEstadosUnidos)conduzemgeralaobipartidarismoeàformação
fácildeumgoverno,emvirtudedamaioriabásicaalcançadapela
legendavitoriosa.“Aovencedor,asbatatas”podeserditodessesistema
ondeasminoriastêmremotíssimoouquasenenhumensejode
representação.
3.Asvantagensdosistemamajoritário
Asvantagensproporcionadaspeloescrutíniomajoritáriopuroe
simplesseresumemnosseguintespontos:
Produzgovernosestáveis.
Evitaapulverizaçãopartidária.
Criaentreosdoisgrandespartidosumeleitoradoflutuante,que
servede“fieldebalança”paraavitóriaeleitoralnecessáriaàformação
damaioriaparlamentar.
Favoreceafunçãodemocrática,quandofazcomnitidezemergir
daseleiçõesumpartidovitoriosoaptoagovernarpelamaioria
parlamentardequedispõe.
Permitedeterminarfacilmente,graçasàsimplicidadedosistema,
onúmerodecandidatoseleitos.
Aproximaoeleitordocandidato.Oprimeirovotamaisnapessoa
deste,emsuasqualidadespolíticas(apersonalidadeouacapacidadede
bemrepresentaroeleitorado)doquenopartidoounaideologia.
Colocaorepresentantenumadependênciamaiordoeleitordoque
dopartido.
AfastadoParlamentoosgruposdeinteresses,quenãotêm
oportunidadedeorganizar-seouinstitucionalizar-sesobaforma
partidáriaeacabamintegradosnoseiodasduasprincipais
agremiações.
Utiliza
as
eleições
esporádicas,
para
substituição
de
representantes,comoinstrumentoeficazdesondagemdastendências
doeleitorado.
Emprestaenfimàlutaeleitoralcarátercompetitivoedomesmo
passoeducacional.Oeleitornãovotanumaidéiaounumpartido,em
termosabstratos,masempessoascomrespostasousoluçõesobjetivas
aproblemasconcretosdegoverno.
4.Osinconvenientesdosistemamajoritário
Noentantoofereceosistemaseusinconvenientes.Apontamos
críticos,entreoutrasdesvantagens,asseguintes:
Podeconduziraogoverno,commaiorianoparlamento,um
partidoquesaiuvitoriosodaseleiçõessemcontudohaverobtidono
paísumaquantidadesuperiordevotos.Hajavistaoquesepassouem
1951naseleiçõesgeraisdaInglaterra,pararenovaçãodoParlamento,
quandoostrabalhistaslograram13milhõesenovecentosmilsufrágios
esóelegeram295deputadosàCâmaradasComuns,enquantoos
conservadorescom13milhõesesetecentosmilvotos—duzentosmila
menosemtodoopaís—elegeram320deputados,correspondentesàs
320circunscriçõesdeondeemergiramvitoriosos.1
Pesatambémcomodefeitogravedosistemamajoritárioa
influênciapositivaounegativaquepoderáterparaospartidosocritério
adotadonarepartiçãodopaísemcircunscriçõeseleitorais,emvirtude
dostatussocialeeconômicocorrespondenteaoeleitoradodessas
circunscrições.Arepartiçãopodeeventualmenteserinspirada,
manipuladaoupatrocinadaporgruposempenhadosnaobtençãode
determinadosresultadoseleitorais,favoráveisaosseusinteresses.Ea
chamada“geometriaeleitoral”queàsvezescaracterizaapráticado
sistemaenãorarodeformaarepresentaçãodavontadedoeleitorado.
Aeventualfaltaderepresentatividadedeumcandidatoeleito,em
relaçãoàtotalidadedoeleitorado.Suponhamostrêscandidatosnuma
circunscrição,ondeocandidatoAobteve17.500votos,ocandidatoB
17.000votoseocandidatoC15.500votos.Elegeu-seocandidatoA
compoucomaisdeumterçodosvotoseacircunscriçãode50.000
eleitoresserárepresentadaporumcandidatovitoriosocomapenas
17.500votosdaqueletotal.Veja-seportantooparadoxo:cercadedois
terçosdoeleitoradopostosàmargem,comseussufrágiosreduzidosà
impotência!
Adecepçãocausadaaconsideráveisparcelasdoeleitorado,cujos
sufrágiossãoatiradosà“cestadepapel”,semeficáciarepresentativa.
Produz-sedestartenoânimodoeleitorumsentimentodefrustração.
Apresençadecircunscriçõessegurasondeumpartidode
antemãocontajácomavitória“certa”.Odesânimoeoentorpecimento
cívicoamolecemoeleitorado.Amaioriasabequeganhaequenão
precisadelutar.Aminoria,porsuavez,ficaindiferenteeporigual
apática,vistoquenãotempossibilidadesdefazer-serepresentar.
Finalmente,coroandoasériedeargumentosquedesaconselham
osistema,aponta-separaausênciaou,namelhordashipóteses,paraa
consideráveldificuldadederepresentaçãodascorrentesminoritáriasde
opinião.Nessesistema,asminoriasemgeralnuncachegamaogoverno.
Quasenãohálugarparaospequenospartidos.Estes,salvoraríssimas
exceções,jamaislogramumafatiadeparticipaçãonopoder.
Quantoaosistemamajoritáriodedoisturnos(maioriaabsoluta
noprimeiroturnoemaioriasimplesnosegundo),ainvestigação
sociológicademonstraqueeleengendraamultiplicaçãodepartidos,
numquadro,segundoDuverger,“demultipartidismotemperadopor
alianças”.AdotadonaFrançaduranteextensoperíododaTerceira
República,tevealiconseqüênciasdeploráveis,debilitandoaoextremoo
funcionamentodogovernoepondoemrisco,pelaexcessiva
pulverizaçãopartidáriaeinstabilidadepolíticadaídecorrente,as
própriasinstituiçõesdemocráticas.
5.Osistemaderepresentaçãoproporcional
Igualmentechamadosistemaderepresentaçãodasopiniões,vem
sendoadotadoporváriospaísesdesdeaprimeirametadedesteséculo.
Arepresentaçãoproporcional,segundoPrélot,“temporobjeto
asseguraràsdiversasopiniões,entreasquaisserepartemoseleitores,
umnúmerodelugaresproporcionalàssuasrespectivasforças”2ouno
dizertambémclarodeJeanneaué“osistemaemqueoslugaresa
preenchersãorepartidosentreaslistasdisputantesproporcionalmente
aonúmerodevotosquehajamobtido”.3
Esseprincípio,cujaracionalidadetemsidocomtantafreqüência
louvada,traçacomefeitoumquadrológicoecoerentedasopiniões.
Servedeespelhoemapapolíticoaoreconhecimentodasforças
distribuídaspelocorpodanação.Nospaísesqueoaplicamemtodaa
plenitude,nãohácorrentedeopinião,porminoritáriaqueseja,quenão
tenhapossibilidadeeventualderepresentar-senolegislativoeassim
concorrer,namedidadesuasforçasedeseuprestígio,paraaformação
davontadeoficial.Emsuma,sobesseaspecto,trata-sedeumsistema
eleitoralquepermiteaoeleitorsentiraforçadovotoesaberdeantemão
desuaeficácia,porquantotodaavontadedoeleitoradosefaz
representarproporcionalmenteaonúmerodesufrágios.
FoiaBélgicaoprimeiropaísqueadotouoprincípioda
representaçãoproporcional.Daliseirradiouparaospaíses
escandinavos(Suécia,NoruegaeDinamarca),bemcomoparaa
Holanda,ItáliaeAlemanhaeváriosoutrospaíseseuropeuselatino-
americanos.
HátambémEstadosqueoempregamsobformamista,
combinando-oemseussistemaseleitoraiscomoprincípiomajoritário.
ÉocasocélebredaAlemanha.
6.Efeitospositivosdarepresentaçãoproporcional
Encarece-seemgeraloprincípiodejustiçaquepresideaosistema
derepresentaçãoproporcional.Alitodovotopossuiigualparcelade
eficáciaenenhumeleitorserárepresentadoporumdeputadoemque
nãohajavotado.Étambémosistemaqueconfereàsminoriasigual
ensejoderepresentaçãodeacordocomsuaforçaquantitativa.Constitui
esteúltimoaspectoaltopenhordeproteçãoedefesaqueosistema
proporciona
aos
grupos
minoritários,
cuja
representação
fica
desatendidapelosistemamajoritário.
Sendoporsuanatureza,cornosevê,sistemaabertoeflexível,ele
favorece,eatécertopontoestimula,afundaçãodenovospartidos,
acentuandodessemodoopluralismopolíticodademocraciapartidária.
Tornaporconseguinteavidapolíticamaisdinâmicaeabreàcirculação
dasidéiasedasopiniõesnovoscondutosqueimpedemumarápidae
eventualesclerosedosistemapartidário,talcomoaconteceondese
adotaosistemaeleitoralmajoritário,determinantedarigidez
bipartidária.
A
presença
política
de
correntes
ideológicas,
sua
institucionalizaçãonormalempartidoscomacessoaoparlamento
ocorrecommaisfacilidadepelarepresentaçãoproporcional.Através
delaserefleteaperfeitadiferenciaçãodosgruposideológicos,todos
absorvidospelaatividadepolíticaordinária.Evita-seassima
clandestinidadeouapressãoexteriornocivaquetaisgrupos,se
excluídos,comandariamcontraascasaslegislativas,nelasse
infiltrandoporoutrasvias.
Aumentatambémarepresentaçãoproporcionalainfluênciados
partidosnaescolhadoscandidatos,abrindoaslistaspartidárias,
quandonecessário,paraacolhereelegercertaspersonalidadesou
certostécnicos,destituídosdeclientelaeleitoral,mascujainvestiduraé
deinteressepartidário.
Enfim,osistemaproporcionalpermitedemodoadequadoa
representaçãodosgruposdeinteresseseofereceentãoumquadro
políticomaisautênticoemaiscompatíveltalvezcomarealidadecontida
nopluralismodemocráticodasociedadeocidentaldenossotempo.
7.Efeitosnegativosdarepresentaçãoproporcional
Aexperiênciahavidacomaaplicaçãodarepresentação
proporcionalemmaisdecinqüentaanoseemdiversospaísespatenteia,
porém,gravesinconvenientesouaspectosnegativosdessatécnica
representativa.
Umadasobjeçõesfeitasentendecomamultiplicidadedepartidos
queelaengendraedequeresultaafraquezaeinstabilidadedos
governos,sobretudonoparlamentarismo.Arepresentaçãoproporcional
ameaçadeesfacelamentoedesintegraçãoosistemapartidárioouenseja
uniõesesdrúxulasdepartidos—uniõesintrinsecamenteoportunistas
—quearrefecemnoeleitoradoosentimentodeconfiançana
legitimidadedarepresentação,burladapelasaliançasecoligaçõesde
partidos,cujosprogramasnãorarobrigamideologicamente.
Daocorrênciadessasaliançasdeduz-seoutrodefeitograveda
representaçãoproporcional:exageraemdemasiaaimportânciadas
pequenasagremiaçõespolíticas,concedendoagruposminoritários
excessivasomadeinfluênciaeminteirodesacordocomaforça
numéricadosseusefetivoseleitorais.Ofendeassimoprincípioda
justiçarepresentativa,quesealmejacomaadoçãodaquelatécnica,
fazendodepartidosinsignificantes“osdonosdopoder”,em
determinadascoligações.Équedeseuapoiodependeráacontinuidade
deumministérionoparlamentarismoouaconservaçãodamaioria
legislativanopresidencialismo.“Parlamentosingovernáveis”egovernos
instáveiscontam-sepoisentreosvíciosqueosistemaproduzequese
apontamemdesabonodesuaadoção.
Ademaisarepresentaçãoproporcionaltornacrepitantealuta
ideológicaemaisvisívelopenosocontrastedasociedadedeclasses.
Propiciaporconseqüênciaumdogmatismodeposiçõesquepoderápôr
emperigoaordemdemocrática,aocontráriodosistemamajoritário,
queensejaquasesempreaformaçãodedoispartidosapenas,eintegra
eabsorveasminoriasordinariamentepropensasacontestaçãoe
discrepância.
Atémesmoaquelasimplicidadequeseapregoanarepresentação
proporcional,pordefinircomclarezaasdistintascorrentesdeopinião,
parecesucumbiràcomplicaçãodastécnicasdecontagemeleitoral
destinadasàatribuiçãodascadeiras.Essacomplicaçãogera
retraimentoedesconfiançanoeleitoradoquandoseproclamamos
resultadosobtidos.
Osaspectosnegativosdarepresentaçãoproporcional,queé
simplesnaaparência,masobscuraecomplexanoâmago,foram
tambémjudiciosamenteassinaladosporVedei.Dizopublicistafrancês
comrespeitoaosgovernosoriundosdapráticadessesistemae
baseadosemcoligações,queseépossívelescolherproporcionalmente,
nãoépossívelporémdecidirsegundoanoçãodeproporcionalidade,
porquanto—acrescentaele—decide-sesempredeformamajoritária,
porissoouporaquilo,pelosimoupelonão.OucomodisseNaville:“a
maioriaéoprincípiodadecisão,aproporcionalidade,odaeleição”.
8.Problemasdarepresentaçãoproporcional:adeterminaçãodo
númerodecandidatoseleitos(sistemasadotados)
AfirmouMirabeauemfinsdoséculoXVIII:“Asassembléias
podemsercomparadasacartasgeográficas,quedevemreproduzir
todososelementosdopaís,comsuasproporções,semqueoselementos
maisconsideráveisfaçamdesaparecerosmenores”.Oescritortraçara
aíoprincípiodarepresentaçãoproporcional.Deaparênciatãosimples
elatodaviasecomplicaemsuaaplicação,porquantoabasesobrea
qualassentaéadefazerválidostodosossufrágios,nãodeixar“restos”
semeficácia,nãodartudoaovencedor,comonosistemamajoritário,
ondeoeleitoradovencido“perdeu”oseuvotoporquenãoelegeu
ninguém.
Arepresentaçãoproporcionalpodeporémapresentarum
problemade“sobras”quedificultaadeterminaçãoexatadonúmerode
candidatoseleitos.
Adeterminaçãodessenúmerosefazprimeiromedianteoemprego
dedoissistemas:odoquocienteeleitoraleodonúmerouniforme
(tambémchamadoquocientefixoounúmeroúnico).
Osistemadoquocienteeleitoralconsistenadivisãodonúmerode
votosválidosnacircunscrição(quocientelocal)ounopaís(quociente
nacional)pelodemandatosaseremconferidos.Ospartidoselegerão
tantosrepresentantesquantasvezesatotalidadedeseussufrágios
contenhaoquocienteeleitoral.
Osistemadonúmerouniforme,tambémconhecidopelonomede
sistemaautomático,doquocientefixooudonúmeroúnico,teveorigem
emBaden,naAlemanha,ebuscaantesdemaisnadaafiançarinteira
igualdadeentreoseleitos.Medianteessemétodo,aleieleitoral
estabelecedemaneirapréviaumquocientefixo(naAlemanha60.000
votosparaumalistapartidáriaelegerumdeputado)peloqualse
dividiráatotalidadedossufrágiosválidosrecebidosporumalegenda.
Determina-seentãoporesseprocessoonúmerodeeleitos
correspondentesacadarepresentaçãopartidária.Onúmerode
deputadosourepresentantesnãoéfixo.Variadecontínuoemfunção
daparticipaçãoeleitoraledoconstanteaumentodapopulação.O
sistemaautomáticotemsidoadotadonaAlemanha,verificando-se
duranteaRepúblicadeWeimaroseguinteaumentodonúmerode
deputados:em1920,259deputadoseem1933,647deputados.
9.Oproblemadas“sobras”eleitoraiseosmétodosempregados
pararesolvê-lo
Nãoimportaosistemaempregado,quersetratedoquociente
eleitoral,querdoquocientefixo,arepresentaçãoproporcionalpoderá
oferecersempreoproblemadas“sobras”,istoé,davotaçãopartidária
restante,quenãopôdeatingiroquocientenecessárioàeleiçãodeum
representante.Essesrestosnãosãodesprezadosvistoqueissoviria
contrariaroprincipalméritodaquelamodalidadederepresentação,a
saber,semprequepossível,nãodeixarvotosociososouperdidos.
Adotam-seemgeraldoismétodosprincipaisparaasoluçãodo
problema:odatransferênciadassobrasparaoplanonacionalouoda
repartiçãodassobrasnoplanodacircunscriçãoeleitoral.
Peloprimeirométodosomam-seassobrasquecadapartido
obteveemtodoopaís.Umpartidoelegerátantosrepresentantes
quantasvezesatotalidadedeseusrestoscontenhaonúmeroúnicoou
quocientefixo.Aobjeçãoquesefazaoempregodessecritérioéode
permitirquedeterminadopartido,somandoassuassobras,venhaa
elegerumrepresentantequehajaobtidovotaçõesinsignificantesem
cadacircunscrição.Noentanto,semelhantemétodoresguardao
princípiodejustiçadarepresentaçãoproporcional,atendendoaumade
suasvirtudesbásicas:aproteçãodosgrupospolíticosminoritários.
Osegundométodo—distribuiçãodassobrasnaesferadecada
circunscrição—seaplicaondehajaocorridooempregodosistemado
quocienteeleitoralecompreendetrêstécnicasmaisusuais:a)adas
maioressobras;b)adamaiormédia;ec)adodivisoreleitoral.
a)Atécnicadasmaioressobras.Consisteematribuiroslugares
nãopreenchidosàorganizaçãopartidáriaquehouverapresentadoa
maiorsobradevotosnãoutilizados.Suaadoçãofavorece
exageradamenteospequenospartidos.Umavezaplicadaessatécnica,
podeacontecerporexemploahipótesedeumpartido,comapenascem
ouduzentosvotosamaisdametadedototalobtidoporoutro,eleger
tantosrepresentantesquantoeste.Adeformaçãosetornaassim
manifesta,patenteandoainjustiçadatécnica,queétodaviadeemprego
fácilesimples.Seuentendimentopelopúbliconãoofereceproblemas.
b)Atécnicadamaiormédia.Aquiaoperaçãofavorávelsobretudo
aosgrandespartidosimplicaumadivisãosucessivadaquantidadede
votosquecadapartidoobtevepelonúmerodecadeirasporelejá
conseguida,maisuma(acadeirapendente),logrando-seassimuma
certamédia.Olugaraserpreenchidocaberáaopartidoquehajaobtido
amaiormédia.
c)Atécnicadodivisoreleitoral.Concebidapelomatemáticobelga
d’Hondt,em1882,estabeleceadivisãosucessivapor1,2,3,4,5,6,
etc,donúmerototaldesufrágiosquecadapartidorecebeu.Dessemodo
obtêm-sequocienteseleitorais,emordemdegrandezadecrescente,
atribuindo-secadamandatonãoconferidoaoquocientemaisalto
oriundodassucessivasoperaçõesdivisóriaslevadasacabo.
Avantagemdessesistemaconsisteemsolucionaraquestãodas
sobrasatravésdamesmaoperaçãomatemáticaempregadaparadara
conheceronúmeroexatodecandidatosquecadalegendaelegeu.
10.Oproblemadaeleiçãodoscandidatosnaslistaspartidárias
Osistemadarepresentaçãoproporcionalengendraoescrutíniode
lista,istoé,cadapartidoorganizaeregistraalistadeseuscandidatos,
queésubmetidaaosufrágiodoseleitores.Umainterrogaçãoporém
surgeaesserespeito:qualocandidatoeleito?Omaisvotadoouaquele
queencabeçaalista?
Quandosefranqueiaaoeleitorovotolivreemcandidatosdelistas
diferentes,declaram-seeleitosemcadalistaoscandidatosque
reuniremaoredordeseunomeamaisaltasomadevotos.
Quandoaslistasporémsão“bloqueadas”,obrigandooeleitora
votarporumalistacompleta,queelenãopodemodificar,elegem-se
sucessivamenteoscandidatosqueaencabeçam,segundoaordemde
apresentaçãofeitapelopartido.
Aindaocorrendoo“bloqueio”hácasosdealeieleitoral,em
determinadospaísesqueadotamosistemadarepresentação
proporcional,atenuarainflexibilidadedaordemdeapresentação,
instituindoochamadovotopreferencial,quedáaoeleitorliberdadede
alteraradisposiçãodoscandidatosnointeriordalista,demodoa
favoreceraquelesdesuapreferênciapessoal.Teruessatécnicaum
aspectopositivoqueafazrecomendável:dáaoeleitoroensejode
abrandarorigordovotopartidáriotãotípicodosistemade
representaçãoproporcionaleconciliá-locomovotonapersonalidadedo
candidato,semqueseverifiqueportantoquebradoslaçospartidários.
11.As“cláusulasdebloqueio”(Sperrklauseln)eaameaça
repressivaquepesasobreospequenospartidos
Umdostítulosmaisaltosqueosadeptosdosistemade
representaçãoproporcionalinvocavamparapreconizarseuempregoera
odaaberturadessesistemaàsminorias,cujapresençanascasas
legislativastimbravaemassegurar.
Deúltimo,porém,algunsEstadosjánãoadotamarepresentação
proporcionalpuraesimples,segundoseumodelofundamental,mas
tratamdecombiná-lacomosistemamajoritário,atravésdetécnicas
mistas.Ousimplesmenteintroduzem-lhecorretivosqueferemo
princípiodarepresentaçãominoritária,violandoaíndoleda
proporcionalidade.TalocorrenaAlemanhacomaschamadas
“cláusulasdebloqueio”(Sperrklauseln).
Essascláusulastêmvigêncianadistribuiçãodosmandatosentre
aslistasdasunidadesfederadas(Landeslisten),consistindonoseguinte:
opartidoquenãohajaobtidopelomenos5%dosvotosdoterritório
eleitoral(Prozentklausel)ouquenãotenhapodidoalcançarumacadeira
empelomenostrêscircunscriçõeseleitorais(Grundmandatklausel),não
lograrárepresentação.
Oempregodascláusulassefazsobopretextodetolhera
excessivafragmentaçãopartidáriaaqueseachamexpostosossistemas
departidosvinculadosaoprocessoeleitoraldarepresentação
proporcional.Noentanto—eéocasodaAlemanha—têmelas
funcionadosobretudocomoinstrumentodesalvaguardadoregime
democráticocontraaagressãopolítico-ideológicadasorganizações
extremistas.
Pesadascríticassãofeitasaoteordiscriminatóriodessas
medidas,acoimadasde“assassínioeleitoral”ougolpedeEstadopelas
urnas.Comefeito,elastêmservidoparacancelarapossibilidadede
representaçãoparlamentardospequenospartidosdefundoideológico,
frustrando-osnaoperaçãoeleitoralecortando-lhesaulteriorexpansão,
arredadosqueficamdetodaparticipaçãoparlamentar.
Recaienfimsobreasorganizaçõespartidáriascomainstituição
das“cláusulasdebloqueio”aameaçadeumempregoabusivodaqueles
percentuaismínimos,sujeitosamajoraçõespropositais,cujoúnico
objetivoseriaembargaraspossibilidadesrepresentativasdasminorias
políticas.Far-se-iaassimdarepresentaçãoproporcionaloprivilégio
irremediáveldasorganizaçõespartidáriasmaisforteseemmelhor
harmoniacomosinteressesdaordemestabelecida.
12.Osistemaeleitoralbrasileiro:princípiomajoritárioeprincípio
darepresentaçãoproporcional
Osistemaeleitoralbrasileirosobreoqualassentanossa
estruturapartidáriaconheceoempregodasduasmodalidades
fundamentaisderepresentação:sistemamajoritárionaeleiçãodos
senadoresetitularesdoExecutivoeosistemadarepresentação
proporcionalnaescolhadosdeputados.
Oprincípioderepresentaçãoproporcionalfoiumadasinovações
trazidaspeloprimeiroCódigoEleitoral(Decreton.21.076de24de
fevereirode1932),queoperouprofundareformaemnossosistemade
eleiçõesinstituindoparaapuraçãodospleitosaJustiçaEleitoral.
Dalegislaçãoordináriaoprincípiodarepresentaçãoproporcional
passouàsConstituições,quedesde1934oconsagraminvariavelmente.
Temrecebidoconstantesaperfeiçoamentosatravésdasleiseleitoraisaté
tomaraformaprevistanoCódigoEleitoralvigente(Lein.4.737de15
dejulhode1965).
Nosistemabrasileiroprevaleceoprincípiomajoritárionaeleição
indiretadepresidenteevice-presidentedaRepública,governadorese
vice-governadoresdosEstadosenaeleiçãodiretadesenadoresfederais
eseussuplentes,deputadofederalnosTerritórios,prefeitosmunicipais
evice-prefeitosejuizesdepaz.
Obedecemporémaoprincípiodarepresentaçãoproporcionalas
eleiçõesparaaCâmaradosDeputados,AssembléiasLegislativase
CâmarasMunicipais.
NaseleiçõesfederaiseestaduaisacircunscriçãoéoEstadoenas
municipaisorespectivomunicípio.
Naseleiçõespelosistemaproporcionaloquocienteeleitoralé
determinadodividindo-seonúmerodevotosválidosapuradospelode
lugaresapreencheremcadacircunscriçãoeleitoral.Osvotosem
brancosãocomputadosparaefeitodedeterminaçãodaquelequociente.
Tocanteaoquocientepartidário,esteéobtidoparacadapartido
atravésdeumaoperaçãoemquesedividepeloquocienteeleitoralo
númerodevotosválidosdadossobamesmalegenda.
Aleieleitoralemvigorconsideraeleitostantoscandidatos
registradosporumpartidoquantosorespectivoquocientepartidário
indicar.Aordemobservadaparaoscandidatosseráadavotação
nominalquecadaumhajarecebido.
Oproblemadassobrasemnossalegislaçãoéresolvidomediante
atécnicada“maiormédia”.Comefeito,dispõeoCódigoEleitoralqueos
lugaresnãopreenchidoscomaaplicaçãodosquocientespartidários
serãodistribuídosmedianteaobservaçãodasseguintesregras:
I—dividir-se-áonúmerodevotosválidosatribuídosacada
partidopelonúmerodelugaresporeleobtido,maisum,cabendoao
partidoqueapresentaramaiormédiaumdoslugaresapreencher;
II—repetir-se-áoperaçãoparaadistribuiçãodecadaumdos
lugares(Art.109).
Adeterminaçãodapessoadocandidatoparaefeitode
preenchimentodoslugarescomquecadapartidoforcontempladofar-
se-ásegundoaordemdevotaçãonominaldoscandidatos.
Ospartidosquenãohouveremobtidoquocienteeleitoralestarão
excluídosdadistribuiçãodoslugares,àqualnãopoderãoconcorrer.
Havendoempateeleger-se-áocandidatomaisidosoecasonenhum
partidoalcanceoquocienteeleitoral,serãoconsideradoseleitos,até
ficarempreenchidostodososlugares,oscandidatosmaisvotados.
Trata-sedematériadisciplinadanosartigos110e111doCódigo
Eleitoral.
1.Deformaçãoaproximadaocorreuem1959quandoosconservadorescom49%dos
sufrágiosfizeramjusa58%dascadeirasdoParlamento,aopassoqueostrabalhistas,
quaseempatandoquantoaonúmerodevotos—44%eapenas5%amenos—
obtiveramtão-somente41%dascadeiras(17%amenosqueosconservadores).
2.MarcelPrélot,InstitutionsPolitiquesetDroitConstitutionnel,2ªed.,p.71.
3.BenoitJeanneau,DroitConstitutionneletInstitutionsPolitiques,p.17.
18
OMANDATO
1.Danaturezadomandato—2.Omandatorepresentativo—3.
Traços
característicos
do
mandato
representativo:
3.1
A
generalidade—3.2Aliberdade—3.3Airrevogabilidade—3.4A
independência—4.Omandatoimperativo:4.1Ascensão
contemporâneadomandatoimperativo.
1.DanaturezadomandatoAteoriapolíticaconheceduasformasprincipaisdemandato:o
mandatorepresentativoeomandatoimperativo.
Aboacompreensãodosistemarepresentativonãopodede
maneiraalgumaprescindirdoestudodasbasespolíticasejurídicasdo
mandatonasmodalidadesjáindicadas.Pertenceomandatoànatureza
doregimerepresentativo,demodoqueasacepçõesemqueahistóriao
tomaouvêpraticado,indicamjáalinhamesmadodesenvolvimentoda
democraciarepresentativa.
Aomandatoseprendeigualmente,desdequeseformulouateoria
jurídicadarepresentação,oacolhimentopolíticoouconstitucionaldas
duasdoutrinasbásicasdasoberania:adoutrinadasoberanianacional
eadoutrinadasoberaniapopular.
Anaturezadomandato—seucaráterrepresentativoouseu
caráterimperativo—varia,consoanteaordempolíticaassentea
democraciasobreospostuladosefundamentosdecadaumadaquelas
concepçõesdoutrináriasdopodersupremo.
Comademocracialiberal(doutrinadasoberanianacional)o
mandatofoirigorosamenterepresentativo.
Comademocraciasocial(doutrinadasoberaniapopular),
permaneceeleformalounominalmenterepresentativo,masofundo,a
matéria,asubstânciadomandatosealteraramconsideravelmente.De
modoquealgunspublicistasmenosembaraçadoscomorigorda
linguagempolíticanãotrepidamembatizá-lojádeimperativona
democraciasocialcontemporânea.
Asrazõesqueditaramessamudançadeacepçãodovelho
mandatorepresentativonapráticadasinstituiçõespolíticassãoas
mesmasquepresidiramàstransformaçõesdoEstadoliberal,à
passagemdademocraciaindividualistaparaademocraciasocial,
conformevamosterensejodeexaminaremseudevidolugar.
2.OmandatorepresentativoAteoriadomandatorepresentativoestánassuasorigens
francesaspolíticaejuridicamentevinculadaàadoçãodadoutrinada
soberanianacional,consoantejáassinalamos.
FoiessadoutrinaaquemedrounafasemoderadadaRevolução
de1789eaquelaquerealmentesetransmitiuaoshábitos
constitucionaisdoliberalismonoséculoXIX,quandoestesefez
conservador,comoédodestinodetodasassituaçõessociaisvitoriosas
porviarevolucionária.
Anação,titulardopodersoberano,oexercepormeiodeórgãos
representativos.
A
primeira
Constituição
revolucionária
reza
expressamentequesãorepresentantesocorpolegislativoeorei.Ambos
mandatáriosdanaçãosoberana.Omandatorepresentativotemaí
origemjurídicanaConstituiçãoquedesignouexpressamenteoreieo
legisladorcomoórgãosatravésdosquaisseexerceasoberania
nacional.
Transparecelogonessebinômiolegislador-reiadissociaçãoentre
oprincípioeletivoeoprincípiorepresentativo,deixandoaeleiçãopor
conseqüênciadeserabaseexclusivadetodaarepresentação.
NaFrançarevolucionáriade1791,comanovaordem
constitucional,onãoeleito,comoorei,erarepresentante,aopassoque
agentesdapúblicaadministraçãoinvestidosnafunçãoporsufrágio
popularnãologravamsequerobtertaltítulo.
QuandoBarnaveafirmouquearepresentaçãoconsiste
essencialmenteno“poderdequererparaanação”,externoudemaneira
lapidaropapeldosrepresentantes,quedaConstituiçãorecebempois
semelhantecompetência.
Aeleição,aestaalturadosistemarepresentativo,nãocoincide
obrigatóriaounecessariamentecomarepresentação.Éapenasum
entrediversosmeiosqueaConstituiçãocomportaparadesignar
aquelesqueterãoafaculdadedeexprimiravontadenacional.Anotado
sistemarepresentativorecaiporconseguintemenosnumapreocupação
democráticadoquenumacautelaseletiva.
Aidéiadeselecionarosmaisaptos,osmaiscapazesdominao
entendimentopolíticovitorioso.Oséculoracionalistaefilosóficofazda
representaçãopolíticaoCoroamentodesuastesessociais.Perpassaaí
ootimismoeaconfiançanostriunfosdarazão;arazãointelectual,
reformadoradasociedade,modificadoradasinstituições,afiançadora
daverdadeirapazsocial.Aeleiçãoésecundária;fundamental,como
notouojuristaitalianoOrlando,vemaserporémaseleção.
Ocorpoeleitoral,desimesmojárestritopelosufrágiolimitado,
nãodeleganenhumpoder,nãofuncionacomomandante,nãopossui
nenhumavontadesoberana.Atuacomomeroinstrumentode
designação,vistoquemandanteéanação,soberanaavontade
nacional,daqualorepresentantesefazintérprete,semnenhumlaçode
sujeiçãoaoeleitor.
Ocomportamentopolíticodorepresentante,seusatos,seus
votos,suavontadesãoimputáveisànaçãosoberana.Presume-se
rigorosaconformidadeoucoincidênciadavontaderepresentativacoma
vontadenacional,demodoqueopensamentodosrepresentantesseráo
legítimopensamentodanação.
Adoutrinadomandatorepresentativofaz-seemboalógica
coerentepoiscomadoutrinadasoberanianacional.Anaçãoseexprime
portantoatravésdosrepresentantes,invioláveisnoexercíciodesuas
prerrogativassoberanascomolegisladoresquesão;titularesdeum
mandatoquenãoficapresoàslimitaçõesoudependênciadenenhum
colégioeleitoralparticularoucircunscriçãoterritorial.
3.Traçoscaracterísticosdomandatorepresentativo
3.1AgeneralidadeSãotraçoscaracterísticosdomandatorepresentativo:a
generalidade,aliberdade,airrevogabilidade,aindependência.
Quantoaocarátergeraldomandato—ageneralidade—observa-
sequeomandatário,segundoadoutrinaimperante,nãorepresentavao
território,apopulação,oeleitoradoouopartidopolítico,cadaum
destestomadonotodooufracionariamente,senãoquerepresentavaa
naçãomesmaemseuconjunto,comoinstituiçãonaqualosreferidos
elementosentravamdeformaglobal.
3.2AliberdadeQuantoàliberdade,orepresentanteexerceomandatocominteira
autonomiadevontade,nãopodendosercoagidonemficarsujeitoa
qualquerpressãoexterna,capazdeturvaraaçãolivreedesimpedida
queselhereconheciacomotitulardavontadenacionalsoberana.
DoisexpoentesdaRevoluçãoFrancesa,inflamadosnoardorda
eloqüênciarevolucionária,exprimiramcomtodaalimpidezatese
constitucionaldavelhademocraciarepresentativa,asaber,ada
liberdadedomandatário,tradutoradadistinçãoentreomandato
representativoeomandatoimperativo.
OprimeirofoiMirabeauquedisse:“Sefôssemosvinculadospor
instruções,bastariaquedeixássemosnossoscadernossobreasmesase
volvêssemosàsnossascasas”.
Osegundo,Condorcet,querepetiuamesmaidéiaperantea
Convenção,aoproclamarfulgurante:“Mandatáriodopovo,fareioque
cuidarmaisconsentâneocomseusinteresses.Mandou-meeleexpor
minhasidéias,nãoassuas;aabsolutaindependênciadasminhas
opiniõeséoprimeirodemeusdeveresparacomopovo”.
TantoMirabeauquantoCondorcetnadamaisdiziamnessas
palavrasdeimpressionanteefeitoretóricodoquereproduziremoutros
termosaliçãodeBurke,oteoristaconservadoringlês,quandoeste,
dirigindo-seaoseleitoresdeBristol,naimortalpeçaoratóriade3de
novembrode1774,expendiajáconceitosigualmentecaracterísticosdo
mandatorepresentativo:
“Emitiropiniãoédireitodetodososhomens;adosconstituintesé
ponderosaerespeitávelopiniãoquetodorepresentantedeveregozijar-se
deouvirequelhecumpresempretomarmuiseriamente.Masemitir
instruçõesautoritárias,emitirmandatosqueorepresentantesejacegae
implicitamentecompelidoaobedecer,votaresustentar,aindaque
contráriosàmaisclaraconvicçãodeseujuízoeconsciência—coisas
sãoestasdetododesconhecidasdasleisdestepaís,eoriundasdeum
errofundamentalsobretodaordemeestruturadenossaConstituição”.1
“OParlamentonãoéumcongressodeembaixadoresdeinteresses
diferentesehostis;deinteressesquecadaqualtivessequemanter
comoagenteeadvogado,contraoutrosagenteseadvogados;maséo
parlamentoumaassembléiadeliberativadeumanação,comum
interesse,odotodo;quesenãodeveguiarporinteresseslocais,
preconceitoslocais,maspelobemcomum,oriundodarazãogeraldo
conjunto.Escolhe-seumrepresentanteefetivamente,masquandosefaz
aescolha,deixaeledeserorepresentantedeBristolparaserum
membrodoParlamento”2
3.3AirrevogabilidadeEssafaculdadequetemorepresentantedeexprimir-selivremente
nãoestariadetodoafiançadaseoseleitorespudessemdestituiro
mandatário,seomandatonarepresentaçãopolíticacoincidissecomo
mandatonaesferajusprivatista,nodireitocivil,ondeépossívelao
mandantenãorenovarospoderesdomandatárioinfiel.
Oprincípiodairrevogabilidadeéporconseguintedanaturezado
mandatorepresentativo,demodoquenosistemapolíticoqueoadota
nãohálugarparaaquelesinstrumentosdoregimerepresentativo
semidireto,comoorecalldosamericanosouoAbberufungsrechtdos
suíços.
Comorecallrevogar-se-iaomandatodorepresentante,antesde
expiraroprazolegaldeseuspoderes,desdequedeterminadaparcelade
eleitores
tomasse
iniciativa
a
esse
respeito,
daí
resultando
eventualmenteacessaçãoouarenovaçãodomandatoquese
questionou.
ComoAbberufungsrecht,queanaturezadomandato
representativoigualmenterepele,chegar-se-iaaomesmoresultado,
ocorrendodestafeitanãoarevogaçãoindividual,masarevogação
coletiva.Extintoourenovadoficariaomandatodeumaassembléiae
nãosomenteodeumrepresentantemedianteaaplicaçãodesse
institutodoregimerepresentativosemidireto.
3.4Aindependência
Enfim,comoconseqüênciaouCoroamentodessascaracterísticas
queseprendemànaturezadomandatorepresentativo,adoutrinapura
darepresentaçãoentendequeosatosdomandatárioseachamasalvo
dequalquerratificaçãoporpartedomandante,presumindo-sequea
vontaderepresentativasejaamesmavontadenacional(doutrina
jurídicadarepresentaçãopolíticadominanteemfinsdoséculoXVIII),a
vontadepopularouavontadedocolégioeleitoral,conformealinhade
desenvolvimentohistóricocomqueseveiogradativamenteatenuandoo
rigoreageneralidademesmadoprincípiorepresentativo.
4.OmandatoimperativoOmandatoimperativo,quesujeitaosatosdomandatárioà
vontadedomandante;quetransformaoeleitoemsimplesdepositário
daconfiançadoeleitoreque“juridicamente”equivaleaumacordode
vontadesouaumcontratoentreoeleitoeoeleitore“politicamente”ao
reconhecimentodasupremaciapermanentedocorpoeleitoral,émais
técnicadasformasabsolutasdopoder,quermonárquico,quer
democrático,doqueemverdadeinstrumentoautênticodoregime
representativo.
Osmaisardorosospropugnadoresdosistemaderepresentação
puradademocracialiberal,colunadopoderpolíticodaburguesia,
combateramfrontalmenteomandatoimperativo,conformevimosnos
lugaresjácitadosdopensamentopolíticodeMirabeau,Condorcete
Burke.
Desprestigiadoemalsinadopelosdefensoresdadoutrina
constitucionaldoterceiroestado,omandatoimperativoselhes
afiguravaumareminiscênciaincômodadoabsolutismo,umtraço—
quesefaziamisterabolir—daspraxespolíticasadotadasnos“Estados
Gerais”doancienrégime,quandoosprotestosdoshumildeseas
queixassociaissepunhamemformadeinstruçõesnoscélebres
Cahiers.Iamestesserrecebidosdepois,duranteasreuniõesdaquela
assembléia,dasmãosdosmandatários,convertidosassimemmeros
portadoresdeummandatoparticular,decertogrupodeeleitoresoude
determinadacircunscrição.
Àmedidaporémqueseobservaodeclíniodoregime
representativodetradiçãoliberal,maisseacentua,comademocracia
contemporânea,atendênciaareintroduzirnastécnicasdoexercíciodo
poderovelhomandatoimperativo,destafeitacomoinstrumentode
autenticaçãodavontadedemocrática.
Comefeito,conserva-seformalmenteonomedemandato
representativoemalgunssistemasconstitucionais,masestamosjá
consideravelmenteapartadosdaquelaproibiçãoconstitucionaldo
mandatoimperativo,queaindaapareciaporexemplonaConstituição
Francesade4denovembrode1948,aorepetirdispositivosda
ConstituiçãorevolucionáriadoanoIII.
Emverdade,observa-sesenãomanifestatendênciapara
consagraressamodalidadedemandato,aomenosapresençadesua
inspiraçãoemiodososatosderepresentaçãopolítica.Ealgumas
Constituiçõescontemporâneastêmdadopassosadiantadíssimosaesse
respeito—atémesmoparaacolheromandatoimperativo—comooque
selêdoartigo4ºdaConstituiçãodaTcheco-Eslováquia:“Opovo
soberanoexerceospoderesdoEstadopormeiodecorposde
representantes,eleitospelopovo,controladospelopovoeresponsáveis
peranteopovo”.
4.1Ascensãocontemporâneadomandatoimperativo
Tantonoregimerepresentativosemidiretocomoprincipalmente
emumadesuasvariantes—ademocraciasemidireta—tem-sevistoo
institutodomandatoimperativoprogressivamenteacolhidomedianteo
domínioqueoeleitorentraaexercersobreorepresentante.
Essedomíniooucontrole,postonãohajatomadoaindaforma
“jurídica”(oquedefinitivamentefariaimperativosemelhantemandato),
játomouindubitavelmentecunho“moral”,sobretudocunho“político”.
Comefeito,desdequeosprincípiosdasoberaniapopularedo
sufrágiouniversalentraramainfluirdemodopalpávelnaorganização
doPoderpolíticodademocraciadoséculoXX;desdequeasteses
legitimamentedemocráticasdesencadearamcomoEstadosocialreação
emcadeia,demudançaereformadosinstitutosclássicosdoEstado
liberal;desdequeospartidospolíticosseconstituíramem
arregimentaçõesnãosomentelícitassenãoessenciaisparaoexercício
dopoderdemocrático,omandato,noregimerepresentativo,estácada
vezmaissujeitoàfiscalizaçãodaopinião,aocontroledoeleitorado,à
observânciaatentadeseusinteresses,aoescrupulosoatendimentoda
vontadedoeleitor,àfielinterpretaçãodosentimentopopular,à
presençajápatentedeumacertaresponsabilidadepolíticado
mandatárioperanteoeleitoreopartido.
Nosgovernosdademocraciasemidireta,épossívelsustentarque
omandatosefazimperativo,nãosomenteporexigênciasmoraisou
políticas,quaisasqueatuampoderosamentesobreoânimodo
representanteemtodoregimedelegítimainspiraçãodemocrática,
obrigando-oateremcontasempreaposição,osinteresses,as
convicçõeseoscompromissoseleitoraispartidários,senãotambémpor
determinaçãojurídica,comoaquedecorredaregraconstitucionalque
prescrevearevogaçãodomandato,emcertoscasos,medianteorecall
ouoAbberufungsrecht.
Ondepoisodireitoderevogaçãoexiste,ademocracia
representativa,
volvida
em
democracia
semidireta,
já
admite
juridicamenteomandatoimperativo,quenosdemaissistemasde
influênciademocráticadominanteconfigura-seapenascomorealidade
defato,repousandoporémembasespolíticasemorais,aumpassojá
desuaulteriorepróximainstitucionalizaçãojurídica.
Peloaspectomeramenteformal,omandatoimperativo,aoter
ingressonumadeterminadaordemconstitucional,comoadecertos
regimessemi-representativos,seconverteemmaisumaspecto
ilustrativodaquelatendência,jánotadaporeminentesjuristas,
segundoaqualcertosinstitutosdodireitopúblicotêminversamente
caídosoboefeitodeuma“jusprivatização”,observadapelomenoscom
vistasaalgumascaracterísticasformais.
Édever-se,porconseguinte,asanalogiasqueomandato
imperativooferececomomandatocivil,apontodeafigurar-seuma
transposiçãodomesmoparaocampododireitopúblico,mormente
quandoseconsideraquepelomandatoimperativocontraiomandatário
tambémaobrigaçãodesempreatuaremconsonânciacomavontadedo
mandante,acujasinstruçõesficaadstritoedoqualrecebeuigualmente
umarevogáveldelegaçãodeconfiança.
Contudo,nãosedevelevarmuitolongeessaanalogiaentreo
mandatoimperativo,dedireitopúblico,eomandatocivil,dedireito
privado,vistoqueaaplicaçãodateoriaqueregeesteúltimosedepara
comsériasobjeções,quaisasqueassinalajudiciosamenteopublicista
francêsMarcelPrélot.
Emprimeirolugar—afirmaele—osco-contratantesnomandato
imperativosãodesconhecidos:identifica-seoeleito,masoseleitores
ficamacobertadospelovotosecreto,nãosendopossívelidentificá-los,e,
aseguir,nomandatoimperativo,nãoaparececlaronemdeterminado
comprecisãooobjetodocontrato,vistodificilmentepoder-sereputar
comotalumprogramapolítico.
1
1.EdmundBurke,“SpeechtotheElectorsofBristol”in:SpeechesandLetterson
AmericanAffairs,p.73.
2.Idem,ibidem,p.73.
1EstelivrofoidigitalizadoedistribuídoGRATUITAMENTEpelaequipeDigitalSourcecomaintençãode
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19
ADEMOCRACIA
1.Doconceitodedemocracia—2.Ademocraciadireta:suaprática
tradicionalnoEstado-cidadedaGrécia:2.1Asbasesda
democraciagrega:aisonomia,aisotimiaeaisagoria—2.2O
elogiohistóricodademocracianaantigüidadeclássica—3.A
democraciaindireta(representativa)eaimpossibilidadedoretorno
àdemocraciadireta:3.1Ostraçoscaracterísticosdademocracia
indireta—3.2Ademocraciasemidireta—4.Ademocracia
semidiretanoséculoXX.Apogeuedeclíniodeseusinstitutos—5.
Ademocraciaeospartidospolíticos:arealidadecontemporâneado
Estadopartidário.
1.Doconceitodedemocracia“Sehouvesseumpovodedeuses,essepovosegovernaria
democraticamente”.Comtaispalavras,repassadasdepessimismo,
mostraRousseau,noContratoSocial,ograudeperfeiçãoqueseprende
aessaformadegoverno,cujapráticaomaisabalizadofilósofoda
democraciamodernaduvidasejapossívelaoshomensparaservir-lheàs
conveniências.
Governotãoperfeitonãoquadraasereshumanos—acrescentao
pensador,depoisdehaverafirmado,namesmaordemdereflexões,que,
tomandootermocomtodoorigor,chegar-se-iaàconclusãodeque
jamaishouve,jamaishaveráverdadeirademocracia,1ouseja,aio
mesmoconceitonaspalavrasdeDuverger:“Nuncaseviuenuncase
veráumpovogovernar-seporsimesmo”.2
Opensamentopolítico,quecombateademocracia,maisdeuma
vezseescorounaquelelugardaobradofilósofo,comointuitodeabalar
osfundamentosdoregimeedesprestigiaradoutrinadopovosoberano.
Tomandoaaparênciaassustadoradeantagonistadasliberdades
democráticas,oRousseaudaquelasmáximastãomalcompreendidas
pelosseusintérpretesnuncapoderáfazersombraaoverdadeiro
otimismorousseauniano.Afaceamoráveldofilósofoseevidenciará
semprenadoutrinadasoberaniapopular,objetodeexposiçãoemquea
lógicapredominaimpecavelmente.
Dequalquermaneira,bemponderada,serve-nosjáaquela
advertência,porquanto,examinadoafundoodesenvolvimentoda
democracia,partindo-sedoconceitodequeeladeveserogovernodo
povo,paraopovo,verificar-se-áqueasformashistóricasreferentesà
práticadosistemademocráticotropeçamporvezesemdificuldades.E
essasdificuldadesprocedemexatamente—assimpensamosseus
panegiristas—denãolograrmosalcançaraperfeição,naobservância
desteregime,oque,deoutraparte,nãoinvalida,emabsoluto,segundo
dizem,adiligênciaquenosincumbiriafazerporpraticá-lo,vistotratar-
sedamelhoremaissábiaformadeorganizaçãodopoder,conhecidana
históriapolíticaesocialdetodasascivilizações.
Respondendoaquantosfazemobjeçõesaosistemademocrático
degoverno,oreformistadoliberalismoinglês,LordRussel,dessa
maneiraseexprimia:“Quandoouçofalarqueumpovonãoestá
bastantementepreparadoparaademocracia,perguntosehaveráalgum
homembastantementepreparadoparaserdéspota.”
ComamesmaironiafinaePercucientedoinglês,Churchill
exclamava:“Ademocraciaéapiordetodasasformasimagináveisde
governo,comexceçãodetodasasdemaisquejáseexperimentaram.”
OverbopolíticodeClemenceautomou,certafeita,comcalore
veemência,adefesadademocraciaesuasinstituições,conforme
rememoraAfonsoArinos:“DisseClemenceauque,emmatériade
desonestidade,adiferençaentreoregimedemocráticoeaditaduraéa
mesmaqueseparaachagaquecorróiascarnes,porfora,eoinvisível
tumorquedevastaosórgãospordentro.Aschagasdemocráticas
curam-seaosoldapublicidade,comocautériodaopiniãolivre;ao
passoqueoscânceresprofundosdasditadurasapodrecem
internamenteocorposocialesãoporistomesmomuitomaisgraves.”3
MarnocoeSousa,oafamadojurisconsultoportuguêsdecomeços
desteséculo,escreviaqueamelhorjustificaçãodoprincípio
democrático“resultadaimpossibilidadedeencontraroutroquelheseja
superior”.Convictamenteliberal,replicavaeleaNietzsche,quandoo
filósofo,numassomodeindignaçãoreacionária,eatravésdeargumento
quetraíaareminiscênciadosofistagrego,acusouademocraciadeser,
comogovernodamaioria,“umardildaespécieinferiorcontraaespécie
superior”,de“preferiraquantidadeàqualidade”,de“esterilizaranossa
civilização”.Marnoco,àimagemdetodosospensadoresdavelhaescola
liberaldoséculoXIX,acreditavapiamentequeonúmeroeacapacidade
constituíamafórmulamaisracionalesoberanadegovernodemocrático
paraasociedadehumana.4
Nosdiascorrentes,apalavrademocraciadominacomtalforçaa
linguagempolíticadesteséculo,queraroogoverno,asociedadeouo
Estadoquesenãoproclamemdemocráticos.Noentanto,sebuscarmos
debaixodessetermooseurealsignificado,arriscamo-nosàmesma
decepçãoangustiantequevarouocoraçãodeBruto,quandooromano
percebeu,nodesenganodaspaixõesrepublicanas,quantovaliaa
virtude.Masademocracia,quenãoémaisqueumnometambém
debaixodosabusosqueainfamaram,nemporissodeixoudesera
potenteforçacondutoradosdestinosdasociedadecontemporânea,não
importaasignificaçãoqueselheempreste.
Detalordemaindaoseuprestígio,queconstituipesadoinsulto,
verdadeiroagravo,injúriatalvez,dizeraumgovernoqueseu
procedimentoseapartadasregrasdemocráticasdopoder.Nadaimpede
porémomanifestodesesperoeperplexidadecomqueospublicistasse
interrogamacercadoquesejaademocracia.
Pareto,aopedirasignificaçãoexatadotermo“democracia”,acaba
porreconhecerque“éaindamaisindeterminadoqueotermo
completamenteindeterminado“religião”5enquantoBryce,dando-lhea
maislargaeindecisaamplitude,chegaadefini-la,demodoumtanto
vago,comoaformadegovernonaqual“opovoimpõesuavontadede
todasasquestõesimportantes”.6
Chegamos,porconseguinte,àconclusãodequerarostermosde
ciênciapolíticavêmsendoobjetodetãofreqüentesabusosedistorções
quantoademocracia.
FoiissooqueKelsenpôsdemanifestonumadesuasobras
fundamentais,emcujopreâmbulofezponderadaadvertênciasobreos
desacordospertinentesaesseconceito.ParaKelsen,ademocraciaé
sobretudoumcaminho:odaprogressãoparaaliberdade.7
Variampoisdemaneiraconsiderávelasposiçõesdoutrinárias
acercadoquelegitimamentesehádeentenderpordemocracia.Afigura-
se-nosporémquesubstancialpartedessasdúvidassedissipariam,se
atentássemosnaprofundaegenialdefiniçãolincolnianadedemocracia:
governodopovo,paraopovo,pelopovo;“governoquejamaisperecerá
sobreafacedaTerra”.Assimseescreveunaperoraçãodaquelaquefoi
amaiscurtaecomoventeoraçãoqueaeloqüênciapolíticadetodosos
temposjáproduziu.8
Deumpontodevistameramenteformal,distinguem-se,na
históriadasinstituiçõespolíticas,trêsmodalidadesbásicasde
democracia:ademocraciadireta,ademocraciaindiretaeademocracia
semidireta;ou,simplesmente,ademocracianãorepresentativaou
direta,eademocraciarepresentativa—indiretaousemidireta—,queé
ademocraciadostemposmodernos.
2.Ademocraciadireta:suapráticatradicionalnoEstado-cidade
daGrécia
AGréciafoioberçodademocraciadireta,mormenteAtenas,onde
opovo,reunidonoÁgora,paraoexercíciodiretoeimediatodopoder
político,transformavaapraçapública“nogranderecintodanação”.
Ademocraciaantigaeraademocraciadeumacidade,deumpovo
quedesconheciaavidacivil,quesedevotavaporinteiroàcoisapública,
quedeliberavacomardorsobreasquestõesdoEstado,quefaziadesua
assembléiaumpoderconcentradonoexercíciodaplenasoberania
legislativa,executivaejudicial.
Cadacidadequeseprezassedapráticadosistemademocrático
manteriacomorgulhoumÁgora,umapraça,ondeoscidadãosse
congregassemtodosparaoexercíciodopoderpolítico.OÁgora,na
cidadegrega,faziapoisopapeldoParlamentonostemposmodernos.9
Aescuramanchaqueacríticamodernaviunademocraciados
antigosveioporémdapresençadaescravidão.Ademocracia,como
direitodeparticipaçãonoatocriadordavontadepolítica,eraprivilegio
deintimaminoriasocialdehomenslivresapoiadossobreesmagadora
maioriadehomensescravos.
Demodoqueautoresmaisrigorososasseveramquenãohouvena
Gréciademocraciaverdadeira,masaristocraciademocráticaoque
evidentementetraduzumparadoxo.Oudemocraciaminoritária,como
querNitti,reproduzindoaquelepensamentocélebredeHegel,emqueo
filósofocompendiou,comluminosaclareza,oprogressoqualitativoe
quantitativodacivilizaçãoclássica,tocanteàconquistadaliberdade
humana.Comefeito,disseHegelqueoOrienteforaaliberdadedeum
só,aGréciaeRomaaliberdadedealguns,eomundogermânico,ou
seja,omundomoderno,aliberdadedetodos.10
QuaisascondiçõesqueconsentiramaoEstado-cidadedaGrécia
teremfuncionamentoaquelesistemadedemocraciadireta?
Emprimeirolugar,abasesocialescrava,quepermitiaaohomem
livreocupar-setão-somentedosnegóciospúblicos,numamilitância
rude,exaustiva,permanente,diuturna.Nenhumapreocupaçãode
ordemmaterialatormentavaocidadãonaantigaGrécia.Aohomem
econômicodosnossostemposcorrespondiaohomempolíticoda
antigüidade:aliberdadedocidadãosubstituíaaliberdadedohomem.
Emsegundolugar,depara-se-nosoutracondiçãosocialque
compeliaocidadãogregoaconservaracesoointeressepelacausada
suademocraciaeavaloraraquelapontadeparticipaçãosoberanacom
quesuavontadeentravaparamoldaravidapública,avidadacidade.
Decorriaestacondiçãosocialdatomadadeconsciênciaquantoà
necessidadedeohomemintegrar-senavidapolítica:doimperativode
participaçãosolidária,altruístaeresponsávelparapreservaçãodo
Estadoempresençadoinimigoestrangeiro,frenteaobárbaro—que
bárbaroeramparaosgregostodosospovosnão-helênicos—oufrente
aosEstadosrivaisouinimigos,postoquedebaseigualmentehelênica.
OvalorqueocidadãonoEstadogregoconferiaàsuademocracia
estavapreso,portanto,aobemqueelealmejavarecebereque
efetivamenterecebiadapartedoEstado.
TaiscondiçõesfaziamcomqueocidadãodaGréciavissesempre
noordenamentoestadualmaisdoqueacomplementaçãoou
prolongamentodesuavidaindividual:vissenoEstadoodadomesmo
condicionantedetodaaexistência.
Nãohavia,porconseguinte,nestaformadedemocraciadireta,
democraciaorgânica,atensãoquepreside,nostemposmodernos,às
relaçõesentreoindivíduoeoEstado.Determinadasposiçõesfilosóficas,
deteorpolítico,contemplammodernamenteoEstadocomodado
negativoeoindivíduocomodadopositivo,ouvice-versa.
Bastaapercepçãojurídicadestehiatodevalores,destaseparação
axiológicaentreoindivíduoeoEstado,entreohomemeacoletividade,
parademonstrarqueestamosdiantededoispólos,empresençadedois
antagonismos,emfacededuasforçasdistintas,quecorremmaisem
sentidocontráriodoqueemsentidoconvergenteousequerparalelo.
Ademocraciagregaeavidanapólisgreganãoconsentiam,
historicamente,semelhantesdissociaçõesdohomemedacoletividade.
Demaneiraque,recebendotudodoEstado,devendotudoaoEstado,o
homemgrego,aindaquandoentra,historicamente,atomarconsciência
dequeapólislheérealidadeexterior,aindaquandointentaafirmar
conscientementesuapersonalidade,essehomemvacilaeessavacilação
seescreve,porexemplo,nosacrifíciodeSócrates.Antesdebebera
cicuta,quandoresisteàsugestãodafugapreparadapelosdiscípulos,
fiéisatéoúltimomomento,Sócratesfoipostonapontadeumdilema.
Derradeira,masdesconsoladoraeamargareflexãofê-loporém
desistirdoplanodeevasão,queseriajustamentearenúnciaàpólis,a
renúnciaaoEstado.QuandoSócratesrecusouaquelecaminho,foiele
coerentecomasociedadegrega,comosideaispolíticosdomundo
helênico,comaalmadapólis.
Quismorrersemdesmembrarpelosatosoqueasuafilosofiajá
desmembrarapelasidéias:aseparaçãoporelafeitaentreoEstadoeo
homem.Inumeráveispensadoresmodernos,àfrentedosquais
Rousseau,reputamhaversidoessaseparaçãoomaiorcrimedaidade
moderna.Compreendendoeenaltecendoaliberdadeeademocraciados
gregos,filósofosdaenvergaduradeRousseau,HegeleNietzsche
entendemqueverdadeiramentelivrefoiohomemgregoenãoohomem
moderno;ohomemdaspraçasateniensesenãoohomemdasociedade
ocidentaldenossosdias.
Retratandoademocraciadosantigos,onossoAlencarescreveu
admiravelmente:“Ademocracianaantigüidadefoiexercidaimediatae
diretamentepelopovo.
“OEstadoentãoencerrava-senoslimitesdacidade;constavao
restodeconquistasoucolônias.Avidacivilaindanãoexistia:ohomem
eraexclusivamentecidadão;dava-setodoàcoisapública;nãotinha
domesticidadequeodistraísse.
“Apraçarepresentavaogranderecintodanação:diariamenteo
povoconcorriaaocomício;cadacidadãoeraorador,quandopreciso.Ali
discutiam-setodasasquestõesdoEstado,nomeavam-segenerais,
julgavam-secrimes.Funcionavaademosindistintamentecomo
assembléia,conselhooutribunal:concentravaemsiostrêspoderes
legislativo,executivoejudicial.”11
2.1Asbasesdademocraciagrega:aisonomia,aisotimiaeaisagoria
SegundoNitti,osgregosconsideravamdemocraciaaquelas
formasdegovernoquegarantissematodososcidadãosaisonomia,a
isotimiaeaisagoria,efizessemdaliberdadeedasuaobservânciaa
basesobreaqualrepousavatodaasociedadepolítica.
Comaisonomia—acrescentaomesmopensador—proclamavao
gêniopolíticodaGréciaaigualdadedetodosperantealei,sem
distinçãodegrau,classeouriqueza.Dispensavaaordemjurídicaaío
mesmotratamentoatodososcidadãos,conferindo-lhesiguaisdireitos,
punindo-ossemforoprivilegiado.Todadiscriminaçãodeordemjurídica
emproveitodeclassesougrupossociais,dizaindaNitti,equivaleriaà
quebradoprincípiodaisonomia.Empresençadosistemajurídico,
proclamava-seainexistênciadetodacategoriadehomensinvioláveis.12
Comaisotimia,aboliaaorganizaçãodemocráticadaGréciaos
títulosoufunçõeshereditárias,abrindoatodososcidadãosolivre
acessoaoexercíciodasfunçõespúblicas,semmaisdistinçãoou
requisitoqueomerecimentoahonradezeaconfiançadepositadano
administradorpeloscidadãos.13
AfirmaNittiaincompatibilidadedaaristocraciaprivilegiadacom
osprincípiosdemocráticosdaGrécia,sendoosprivilégiosdegruposou
classesanegaçãodaisotimia.14
Quantoàisagoria,trata-sedodireitodepalavra,daigualdade
reconhecidaatodosdefalarnasassembléiaspopulares,dedebater
publicamenteosnegóciosdogoverno.Correspondeuesseprincípio
essencialdademocraciaantiga,segundoojámencionadopensador,
àquiloaquenóschamamosliberdadedeimprensa.Comaisagoria,
exercíciodapalavralivrenolargorecintocívicoqueeraoÁgora,a
democraciaregiaasociedadegrega,inspiradajánasoberaniado
governodeopinião.15
Definindoocaráterdademocraciagrega,opersaOtanes,citado
porHeródoto,enumerava-lhecincotraçosfundamentais,segundorefere
Bluntschli:a)igualdadedetodosperantealei,asaber,o
princípiodaisonomia;b)acondenaçãodetodoopoderarbitrário,qual
aquelequedominavaasmonarquiasorientais;c)opreenchimentodas
funçõespúblicasmediantesorteio;d)aresponsabilidadedosservidores
públicos;e)asreuniõesedeliberaçõespopularesempraçapública.16
AcrescentaBluntschliquedessesprincípiostrêsseincorporaram
aomodernodireitopúblico,tantonamonarquiaconstitucionalquanto
narepúblicaaopassoquedoisoutros—osorteioeasassembléias
populares;paradeliberaçõesdiretaseimediatas—foramafastadosno
modernosistemademocrático,esubstituídos,noúltimocaso,pelas
formasrepresentativasdeorganizaçãodopoderpolítico.17
2.2Oelogiohistóricodademocracianaantigüidadeclássica
Comoexperiênciahistórica,ademocraciadiretadosgregosfoia
maisbelaliçãomoraldecivismoqueacivilizaçãoclássicalegouaos
povosocidentais.
ComunicandoaosheróisnaGuerradoPeloponesoocultoda
imortalidadeeosentimentopóstumodaPátriaagradecida,Péricles
talhouempalavrasdeimorredouraeloqüênciaoperfildademocracia
ateniense,suagrandeza,suaforça,seuexemplo,conformerefere
Tucidides,ohistoriador.
“Nossoregimepolítico—dissePéricles—éademocraciaeassim
sechamaporquebuscaautilidadedomaiornúmeroenãoavantagem
dealguns.Todossomosiguaisperantealei,equandoarepública
outorgahonrariasofazpararecompensarvirtudesenãopara
consagrarprivilégios.Nossacidadeseachaabertaatodososhomens.
Nenhumaleiproíbenelaaentradaaosestrangeiros,nemosprivade
nossasinstituições,nemdenossosespetáculos;nadaháemAtenas
ocultoepermite-seatodosquevejamaaprendamnelaoquebem
quiserem,semesconder-lhessequeraquelascoisas,cujoconhecimento
possaserdeproveitoparaosnossosinimigos,porquantoconfiamos
paravencer,nãoempreparativosmisteriosos,nememardise
estratagemas,senãoemnossovaloreemnossainteligência.”18
3.Ademocraciaindireta(representativa)eaimpossibilidadedo
retornoàdemocraciadireta
DaconcepçãodedemocraciadiretadaGrécia,naqualaliberdade
políticaexpiravaparaohomemgregodesdeomomentoemqueele,
cidadãolivredasociedade,criavaalei,comaintervençãodesua
vontade,eàmaneiraquasedeumescravosesujeitavaàregrajurídica
assimestabelecida,passamosàconcepçãodedemocraciaindireta,a
dostemposmodernos,caracterizadapelapresençadosistema
representativo.
DiziaMontesquieu,umdosprimeirosteoristasdademocracia
moderna,queopovoeraexcelenteparaescolher,maspéssimopara
governar.Precisavaopovo,portanto,derepresentantes,queiriam
decidirequereremnomedopovo.
Todavia,perguntamosnós:arepresentação,comotécnicade
organizaçãodoEstadodemocrático,sejustificaapenasporaquela
valoraçãoqueMontesquieuatribuiuàfaculdadeseletivadopovoea
suaincapacidadedegovernar-seporsimesmo?
Não.Razõesdeordempráticaháquefazemdosistema
representativocondiçãoessencialparaofuncionamentonoEstado
modernodecertaformadeorganizaçãodemocráticadopoder.OEstado
modernojánãoéoEstado-cidadedeoutrostempos,masoEstado-
nação,delargabaseterritorial,sobaégidedeumprincípiopolítico
severamenteunificador,queriscasobretodasasinstituiçõessociaiso
seutraçodevisívelsupremacia.
NãoseriapossívelaoEstadomodernoadotartécnicade
conhecimentoecaptaçãodavontadedoscidadãossemelhanteàquela
queseconsagravanoEstado-cidadedaGrécia.Atémesmoa
imaginaçãoseperturbaemsuporotumultoqueseriacongregarem
praçapúblicatodaamassadoeleitorado,todoocorpodecidadãos,
parafazerasleis,paraadministrar.
Demais,ohomemdademocraciadireta,quefoiademocracia
grega,eraintegralmentepolítico.OhomemdoEstadomodernoé
homemapenasacessoriamentepolítico,aindanasdemocraciamais
aprimoradas,ondetodoumsistemadegarantiasjurídicasesociais
fazemefetivaeválidaasuacondiçãode“sujeito”enãoapenas“objeto”
daorganizaçãopolítica.
Nossistemascompactosdaordemtotalitária,ohomem,perante
asesferaspolíticas,deixadeserpoliticamente“sujeito”ou“pessoa”,
paraanular-seporinteirocomo“objeto”,queficasendo,daorganização
social.Seohomemmodernotemapenasumabandapolíticadoseuser,
éporqueantesdemaisnadaapareceeletambémcomoHomo
oeconomicus.Quandodizemoshomemeconômicoepolítico,estamos
principalmentealudindoàpossibilidadequetemohomemdeconceder
oudeixardeconcedermaisatenção,maiszelo,maiscuidadoaotrato
dosassuntospolíticos.
Ohomemmoderno,viaderegra,“homemmassa”,precisade
prover,deimediato,àsnecessidadesmateriaisdesuaexistência.Ao
contráriodocidadãolivreateniense,nãosepodevolvereledetodopara
aanálisedosproblemasdegoverno,paraafainapenosadasquestões
administrativas,paraoexameeinterpretaçãodoscomplicadostemas
relativosàorganizaçãopolíticaejurídicaeeconômicadasociedade.
Evidentemente,sóhápoisumasaídapossível,soluçãoúnicapara
opoderconsentido,dentronoEstadomoderno:umgoverno
democráticodebasesrepresentativas.
Dizia
Rousseau,
criticando
a
democracia
indireta
ou
representativa,queohomemdademocraciamodernasóélivreno
momentoemquevaiàsurnasdepositaroseuvoto.Paraosopositores
dofilósofocontratualistaumaverdadeporémficapatente:nãoháfugir
aoimperativoderepresentação,porquanto,docontrário,nãohaveria
nenhumgovernoapoiadonoconsentimento,tomando-seemcontaa
complexidadesocial,aextensãoeadensidadedemográficadoEstado
moderno,fatoresestesqueembaraçamirremediavelmenteoexercício
dademocraciadireta.
Porconseqüência,dizem,oremédioparaademocracia,fundadae
legitimadanoconsentimentodoscidadãos,temqueser,denecessidade,
arepresentaçãoouoregimerepresentativo:quandomuitoas
instituiçõesdademocraciasemidireta,queestudaremosemseudevido
lugar,eque,todavia,nãopoderiamprescindirdoesteiorepresentativo,
acujoladoaparecemcomoinstrumentodopoderpopulardedecisão.
Enfimademocraciadiretafoi,nãorestadúvida,segundoos
publicistasdosistemarepresentativo,aintransferívelexperiênciade
umamodalidadeprecisadeorganizaçãoestatal:oEstado-cidade,
impossíveldeofereceràidademodernaecontemporânea—
conhecedoradeformaspolíticasnecessariamentedistintas—omodelo
jáultrapassadodesuasinstituições.Demodoqueaúnicaimagem
aindasobreviventedavelhaestruturadopoderpolíticoclássico,vema
ser,segundoeles,aquelarepresentadaporalgunsminúsculoscantões
daSuíça:Uri,Glaris,osdoisUnterwaldeosdoisAppenzells,onde
anualmenteseuscidadãossecongregamemlogradourospúblicospara
oexercíciodiretodasoberania.
3.1Ostraçoscaracterísticosdademocraciaindireta
Amodernademocraciaocidental,defeiçãotãodistintadaantiga
democracia,temporbasesprincipaisasoberaniapopular,comofonte
detodoopoderlegítimo,quesetraduzatravésdavontadegeral(a
volontégénéraledoContratoSocialdeRousseau);osufrágiouniversal,
compluralidadedecandidatosepartidos;aobservânciaconstitucional
doprincípiodadistinçãodepoderes,comseparaçãonítidanoregime
presidencialeaproximaçãooucolaboraçãomaisestreitanoregime
parlamentar;aigualdadedetodosperantealei;amanifestaadesãoao
princípiodafraternidadesocial;arepresentaçãocomobasedas
instituiçõespolíticas;alimitaçãodeprerrogativasdosgovernantes;o
Estadodedireito,comapráticaeproteçãodasliberdadespúblicaspor
partedoEstadoedaordemjurídica,abrangendotodasas
manifestaçõesdepensamentolivre:liberdadedeopinião,dereunião,de
associaçãoedeféreligiosa;atemporariedadedosmandatoseletivose,
porfim,aexistênciaplenamentegarantidadasminoriaspolíticas,com
direitosepossibilidadesderepresentação,bemcomodasminorias
nacionais,ondeestasporventuraexistirem.19
3.2AdemocraciasemidiretaQuantoàterceiraformadedemocracia,achamadademocracia
semidireta,trata-sedemodalidadeemquesealteramasformas
clássicasdademocraciarepresentativaparaaproximá-lacadavezmais
dademocraciadireta.
Verifica-secomoEstadomodernoaimpossibilidadeirremovível
dealcançar-seademocraciadiretacontidanoidealenapráticados
gregos.
Masdomesmopassopercebeu-seserpossívelfundarinstituições
quefizessemdogovernopopularummeio-termoentreademocracia
diretadosantigoseademocraciarepresentativatradicionaldos
modernos.Nademocraciarepresentativatudosepassacomoseopovo
realmentegovernasse;há,portanto,apresunçãoouficçãodequea
vontaderepresentativaéamesmavontadepopular,ouseja,aquiloque
osrepresentantesqueremvemaserlegitimamenteaquiloqueopovo
haveriadequerer,sepudessegovernarpessoalmente,materialmente,
comasprópriasmãos.
Opoderédopovo,masogovernoédosrepresentantes,emnome
dopovo:eisaítodaaverdadeeessênciadademocraciarepresentativa.
Comademocraciasemidireta,aalienaçãopolíticadavontade
popularfaz-seapenasparcialmente.Asoberaniaestácomopovo,eo
governo,medianteoqualessasoberaniasecomunicaouexerce,
pertenceporigualaoelementopopularnasmatériasmaisimportantes
davidapública.Determinadasinstituições,comooreferendum,a
iniciativa,ovetoeodireitoderevogação,fazemefetivaaintervençãodo
povo,garantem-lheumpoderdedecisãodeúltimainstância,supremo,
definitivo,incontrastável.
Opovonademocraciasemidiretanãosecingeapenasaeleger,
senãoquechegadomesmopassoaestatuir,comoponderaPrélot20ou
conformeBarthélemyeDuez:nãoéapenascolaboradorpolítico,
consoantesedánademocraciaindireta,mastambémcolaborador
jurídico.Opovonãosóelege,comolegisla.
Acrescenta-seportantoàparticipaçãopolíticacertaparticipação
jurídica,istoé,aopovosereconhece,paradeterminadasmatérias,
esferadecompetênciaemqueelediretamente,observandoformas
prescritaspelaordemnormativa,cumpreatoscujavalidezficaassim
sujeitaaoseuindispensávelconcurso.21
4.AdemocraciasemidiretanoséculoXX.Apogeuedeclíniode
seusinstitutos
Ademocraciasemidiretateveoperíododemaislargaproliferação
nocursodastrêsprimeirasdécadasdesteséculo,quandogozoude
indisputávelprestígio,mormenteapósaPrimeiraGrandeGuerra
Mundial,duranteafasesensivelmenteagudadecrisedasinstituições
democráticasdoocidente.
ForaaSuíçaoseuberçotradicional.Daliseirradiouparao
continenteeuropeu.Algumasinstituiçõesdademocraciasemidiretasão
conhecidasepraticadasnaAméricadoNortedesdefinsdoséculoXVIII.
NaSuíça,oreferendumeainiciativapermanecem.Suaaplicaçãosedá
tantonaórbitafederal,emmatériaconstitucional,comonoâmbitodos
cantões,ouseja,naórbitadasautonomias.AConstituiçãofederaldos
EstadosUnidosignoraaspráticasdessamodalidadedeorganizaçãodo
poderdemocrático.FicaramreservadasàesferadosEstados,cujas
Constituiçõesfazemlargousodasmesmas.
NaAlemanha,comaConstituiçãodeWeimarapareceram
modalidadesoriginaisdeempregodosinstitutosdademocracia
semidireta,particularmentecomrespeitoaochamadoreferendum
arbitrai.
NaFrança,odestinodessesinstrumentosdeparticipaçãopopular
nãofoidosmaisbrilhantes.ApesardequeaConstituiçãode1793
dispusesseacercadaaplicaçãodoreferendumamatérialegislativa
ordinária,aquelaConstituiçãonuncaentrouemvigor.
Demodoqueocontatofrancêscomademocraciasemidiretasóse
fezemépocasquenãoforamdemuitahonraparaasuahistória
constitucional:fez-se,porexemplo,quandonafacedasinstituições
maispálidaseapresentavaaidéiamesmadogovernopopular.
SalvoabreveintermissãodequeresultouaConstituiçãoda
QuartaRepública,oreferendumconstitucionalfrancêssedeusempre
nodeclivedademocraciaparaocesarismo.AssimnosanosIII,VIII,Xe
XIIdocalendáriodaRevolução,noAtoAdicionaldoImpério,em1815,
naConstituiçãode1852,e,porúltimo,noconstitucionalismo
degaullistacontemporâneo.
OsistemaparlamentardeváriosEstadoseuropeustem
testemunhadoemsuasmudançasconstitucionais,noperíododeentre-
guerras,acombinaçãodoparlamentarismocomalgumastécnicasdo
governosemidireto.Nãoresultoudasmaisafortunadasaexperiência.
Apósasegundaconflagraçãomundial,oconstitucionalismo
contemporâneofezempregomuitomaissóbriodastécnicasde
intervençãopopulardireta.Arrefeceuoentusiasmoquerodearaa
democraciasemidireta.Asesperançosaseinfatigáveisvistasdosistema
democráticosevolvemdepresenteparaumanovapanacéiaemque
vemosinflamar-seafantasiadecadapovo:apanacéiadospartidos
políticos.
Aconfiançaqueestesdeúltimotêmrecebidonoexercíciodeuma
missãoparaaqualtodosospovosdemocráticoshãodelegadoaparte
maisconsideráveldesuasforças,mostraclaramentequeoséculo
políticoparecepertencerhojeaospartidos.Deixoudepertenceraopovo
comomassanuméricanaanárquicaeduvidosaexpressãodeseuvoto
diretoeplebiscitárioparapertenceraopovo-organização,opovo-massa,
cujavontadeseenraízaecanalizapoisatravésdoscondutos
partidários.
Daquiodeclíniodademocraciasemidireta,quefoi,segundo
dizem,umgrauqualitativoapreciávelnoprocessodedinamizaçãoe
amadurecimentodosprincípiosdeorganizaçãodemocrática,volvidos
porémàimpotência,naformaaindahápoucoadotada,facea
prementesnecessidadescontemporâneas,impostaspelanovae
profundarevoluçãodaciênciaedatécnica,inspirandoamáxima
racionalizaçãodopoder,atémesmodopoderdemocrático.
Maisdoquenuncatalvez,dividiram-seospovosemduasgrandes
famíliasdistintas:adospovosopulentoseadospárias.Ambasessas
categorias,numamesmaânsiadesobrevivência,porfiamcom
problemasquesóopoderdisciplinado,organizadoeracionaldos
partidos,sejamosdaautoridadeouosdoconsentimento,poderãoum
diaresolversatisfatoriamente,tantonodomíniointernoquantono
domínioexterno.Doutramaneiranãoseexplicariaolugarquaseínfimo
quesevemconcedendonasConstituiçõesmaisrecentesaosinstitutos
outroratãolouvadosdademocraciasemidireta.
Deúltimo,porém,adescrençageneralizadanospartidostem
determinadoumareversãotocanteaofuturodosinstrumentosda
democraciasemidireta,comoseinferedapresençadealgunsdos
mesmosnaConstituiçãobrasileirade1988,conformeconstadoart.17,
incisosI,IIeIII(plebiscito,referendoainiciativapopular).
5.
A
democracia
e
os
partidos
políticos:
a
realidade
contemporâneadoEstadopartidário
Enfim,cabe-nosanalisaroaspectodaimportânciaque
contemporaneamenteseatribuiàconexãodospartidospolíticoscoma
democracia.Emverdade,oEstadodenossosdiasédominantemente
partidário.
Prende-senofundoessadimensãonovaàsexigênciasdasmassas
quenointeriordasociedadeburguesasesublevaramcontraoseu
destino.Airresistívelpressãooriundadascamadaseconomicamente
inferioresdasociedadeproduziupoisanecessidadedoempregodeum
instrumentoquedeprontoservisseàcomunicaçãodosanseios
popularesdeteorreivindicatório.TalinstrumentonoséculoXXnãoé
outrosenãoopartidopolítico.
Amedidaquecresceaparticipaçãopopularnoexercíciodopoder,
ouosfinsdaatividadeestatalsedirigemdepreferênciaparao
atendimentodosclamoresdemelhoriaereformasocial,erguidospelas
classesmaisimpacientesdasociedade,cresceconcomitantementeo
prestígiodopartido,esefirmanoconsensogeralaconvicçãodequeele
éimprescindívelàdemocraciaemseuestadoatual,ecomelase
identificaquantoatarefas,finsepropósitosalmejados.
OEstadosocialconsagrapoiscorajosamentearealidade
partidária.Tantonademocraciacomonaditadura,opartidopolíticoé
hojeopoderinstitucionalizadodasmassas.Forma,naimagem
belíssimadeSirErnestBarker,aquelaponteoucanal,atravésdaqual
ascorrentesdaopiniãoafluemdaáreadasociedade,ondenascem,
paraaáreadoEstadoesuasinstituições,ondeafetamoudirigemo
cursodaaçãopolítica.22
Essacoincidênciadopartidopolíticocomademocraciaemnossos
diasnãoobliteratodaviaalgumascontradições.Doutrinariamente,
haviamsidoentrevistasjápelogênioprecursoreproféticodeRousseau.
Emverdade,todooconsentimentodasmassas,manifestoou
presumido,consoanteaordempolíticasejalivreouautoritária,háde
circularsempreatravésdeumórgãooupoderintermediário,ondecorre
porémoriscodealienar-seporinteiro.Esseórgãovemaseropartido
político.
Aliçãodenossaépocademonstraquenãoraroospartidos,
considerados
instrumentos
fundamentais
da
democracia,
se
corrompem.Comacorrupçãopartidária,ocorpoeleitoral,queéopovo
politicamenteorganizado,saibastanteferido.
Noseiodospartidosforma-selogomaisumavontadeinfiele
contraditóriadosentimentodamassasufragante.Atraiçoadasporuma
liderançaportadoradessavontadenova,estranhaaopovo,alheiade
seusinteresses,testemunhamasmassasentãoamaiordastragédias
políticas:ocolossallogrodequecaíramvítimas.Indefesasficamea
democraciaqueelascuidavamestarseguraeincontrastavelmenteem
suasmãos,escapa-lhescomoumamiragem.
Aditadurainvisíveldospartidos,jádesvinculadadopovo,
estende-seporoutroladoàscasaslegislativas,cujarepresentação,
exercendodefatoummandatoimperativo,baqueiadetododominada
ouesmagadapeladireçãopartidária.
Opartidoonipotente,aestaaltura,jánãoéopovonemasua
vontadegeral.Masínfimaminoriaque,tendoospostosdemandoeos
cordõescomqueguiaraaçãopolítica,desnaturounesseprocessode
conduçãopartidáriatodaaverdadedemocrática.
Quandoafatalidadeoligárquicaassimsecumpre,segundoalei
sociológicadeMichels,dademocraciarestamapenasruínas.Uma
contradiçãoirônicaterádestruídooimensoedifíciodasesperanças
doutrináriasnogovernodopovopelopovo.Nenhumaameaçamais
sombriadoqueestapesasobreademocraciaemsuasnúpciascomo
partidopolíticonaidadedasmassas.FazlembrarRousseaueo
anátemaqueelearremessousobreademocraciarepresentativa.Faz
lembrarigualmenteasuperioridadedademocraciadiretanoexemplo
saudosodovelhopadrãoateniense.
Masnospõetambémamemóriapolíticaderetornoaocorretivo
constitucionaldademocraciasemidireta,cujaspráticas,judiciosamente
intensificadas,poderiamcontrabalançartalvezoabsolutismoda
burocraciapartidária,dosoligarcasquerecebemdademocraciaopoder
dedestruirademocraciamesma.
Nãoraroaoligarquiapartidáriaconservaopoder,conservandodo
mesmopassooemblemademocrático.Todavia,amortedoregimese
achapróxima,oujáseconsumou,porquenãovivemasinstituições
democráticasdeumnomeoudeumrótulo,senãodaquelaprática
efetiva,dondenãohajadesertadoaindaavontadepopular.Quandoa
chamada“leidebronze”dademocraciapartidáriadenossosdias
transfereopoderparaaliderançaoligárquicacristalizadanoseiodos
partidos,alguém,levandoacontradiçãoatéaofim,ergueráoclamor
contraospartidoseemnomedademocraciamesmapedirásejameles
suprimidos.
Comasupressãodospartidos,ademocraciavemaexpirar,mas
suaextinçãoaomenosnãoseteráfeitosobomantodahipocrisia
oligárquica,devoradoradosprincípiosdemocráticos,tantona
organizaçãointernadospartidoscomonaestruturaexternadopróprio
poder.
AdemocraciadoEstadosocialéademocraciadoEstado
partidário,quesenãoconfundecomademocraciaparlamentare
representativadoEstadoliberal.Nelasãoospartidosaexpressãomais
vivadopoder.Caracteriza-secomodemocraciacoletivista,social,onde
acompreensãodosvaloreshumanosterádefazer-sesemprecom
referênciaagruposenãoaindivíduos.
Masogrupoeoseupluralismonasociedadenãopodemser
consideradosnuncacomofimemsimesmossenãoalgoqueémeioe
instrumentoparaasafirmaçõesbásicasdapersonalidade.Ohomemse
conservarásemprepontodepartidaedestinatáriodetodaaaçãosocial.
Quantoaospartidos,estesseconverteramnaforçacondutorado
destino
da
coletividade
democrática.
Sua
ação
absorveu
a
independênciadorepresentante,fê-loumdelegadodaconfiança
partidária,mudou-lheporconseqüênciaanaturezadomandato.A
disciplinapolíticanointeriordospartidossobreocomportamento
externodosseusmembrosnascasaslegislativassevaitornandocada
vezmaisefetiva,combasenumalegislaçãoqueentregajuridicamenteo
Estadoaospartidos.
ComoEstadopartidário,todoosistemarepresentativo
tradicionalentraemcrise.Oeleitor,odeputado,oParlamentomesmo
tomamcaráterdistintodoquetinhamduranteoEstadoliberal.
Sobreo“eleitor”,GilbertoAmadojáescrevera:“Emtodosos
paísesoeleitornãovota“livre”,istoé,foradospartidos.Nãoéadmitido
avotarsenãoemnomedospartidos,nosistemauninominal,nas
pessoasquerepresentamessespartidos;nosistemaproporcional,nas
idéiasounoprogramadessespartidos”.23
Nãoétodaviaessadependênciatécnicadoeleitoraopartidoque
sehádedestacar,paradaípreconizarpordemocráticaaconveniência
duvidosadosufrágioavulso,masprincipalmenteafaculdademaiorou
menorreconhecidaaocidadãodeintervirativamente,comtodaa
freqüênciapossível,naformaçãodavontadepolítica,sebemquesó
alcancefazê-lodentrodosistemadeopçõesqueumquadropolítico-
partidáriopluralistalhepossaoferecer.
Odeputado,contemporaneamente,éohomemdepartido.
Remotososdiasemqueele,àmaneiradeSirWilliamYonge,na
Inglaterra,poderiaproclamar-sedetodolivreparaatuardomodoque
cuidassemaisconsentâneocomobemgeral.
Acoaçãopartidáriamodernamenterestringealiberdadedo
parlamentar.Aconsciênciaindividualcedelugaràconsciência
partidária,osinteressestomamopassoàsidéias,adiscussãosefaz
substituirpelatransação,apublicidadepelosilêncio,aconvicçãopela
conveniência,oplenáriopelasantecâmaras,aliberdadedodeputado
pelaobediênciasemi-cegaàsdeterminaçõesdospartidos,emsuma,as
casaslegislativas,dantesórgãosdeapuraçãodaverdade,setransfazem
emmerosinstrumentosdeoficializaçãovitoriosadeinteresses
previamentedeterminados.
NoEstadopartidário,adiscussãoparlamentaremseusmoldes
clássicosesolenesficaquaseproscrita,comospartidosesuas
representaçõesbuscandoantesimpor-seaoadversáriodoque
persuadi-lo.
Examinandocomacuidadeosignificadodessacrisenapassagem
dademocracialiberalparaademocraciasocial,GustavoRadbruch
excelentementeescrevia,aoabrir-seadécadade1930,queem
semelhanteestadodecoisasnãosetratadeconvencerocompetidor,
masdecoagi-loouesmagá-lo,poisalutapelopodersubstituiem
definitivoalutapelaverdade.24
1.J.J.Rousseau,DuContratSocial,p.128.
2.MauriceDuverger,LesPartisPolitiques,2ªed.,p.464.
3.AfonsoArinosdeMeloFranco,“Maturidade”,JornaldoBrasil,1.11.1964.
4.MarnocoeSousa,DireitoPolítico,p.113.
5.VilfredoPareto,SociologiaGeral,apudMenottiDelPicchia,ACrisedaDemocracia,
p.45.
6.EmílioBouthoux,MoraleDemocraciaapudMenottiDelPicchia,ob.cit.,p.68.
7.HansKelsen,VomWesenundWertderDemokratie,2ªed.,pp.3-13.
8.“Lincoln’sAddressatGettysburg”,in:RiversideLiteratureSeries,p.124.
9.“UmpovosemÁgoraeraumpovoescravo,comohojeoéumpovosemliberdadede
opiniãoesemdireitoaosufrágio”(FrancescoNitti,LaDémocratie,t.I,p.53).Veja-seo
mesmoautor:ob.cit.,p.52.
10.FrancescoNitti,LaDémocratie,t.I,p.11.
11.JosédeAlencar,SistemaRepresentativo,p.36.
12.FrancescoNitti,ob.cit.,p.41.
13.Idem,ibidem,p.42.
14.Idem,ibidem,p.43.
15.Idem,ibidem,p.43.
16.J.C.Bluntschli,AllgemeineStaatslehre,6ªed.,p.546.
17.Ob.cit.,p.546.
18.CarlosSanchezViamonte,ManualdeDerechoPolítico,p.186.
19.MauriceDuverger,DroitConstitutionneletInstitutionsPolitiques,p.237.
20.MarcelPrélot,InstitutionsPolitiquesetDroitConstitutionnel,2ªed.,p.85.
21.JosephBarthélemyePaulDuez,TraitéÉlémentairedeDroitConstitutionnel,pp.
22.ErnestBaker,BritainandtheBritishPeople,2ªed.,p.41.
23.GilbertoAmado,EleiçãoeRepresentação,p.175.
24.GustavRadbruch,“DiepolitschenParteienimSystemdesdeutschen
Verfassungsrecht”,inHandbuchdesDeutschenStaatsrechts,v.I,pp.286-287.
20
OSINSTITUTOSDA
DEMOCRACIASEMIDIRETA
1.Osinstitutosdademocraciasemidireta—2.Oreferendum:2.1
Modalidadesdereferendum—2.2Ocritériodaclassificaçãodo
referendum—2.3Oreferendumconsultivo—2.4Oreferendum
arbitrai—2.5Asvantagensdoreferendum—2.6Os
inconvenientesdoreferendum—2.7Síntesedosresultadosdo
referendumnoconstitucionalismocontemporâneo:ocaráter
conservadorereacionáriodainstituição—3.Oplebiscito—4.A
iniciativa—5.Odireitoderevogação:5.1Orecall—5.2Orecall
dosjuizesedasdecisõesjudiciárias—5.5OAbberufungsrecht—
6.Oveto.
1.Osinstitutosdademocraciasemidireta
A
ingerência
direta
do
povo
na
obra
legislativa
fora
doutrinariamentepreconizadadesdeoséculoXVIII,quandoRousseau
escreveuque“osdeputadosnãosãonempodemserrepresentantesdo
povo;sãoapenasseuscomissários:nadapodemconcluiremmaneira
definitiva”.Eacrescentou:“Todaleiqueopovopessoalmentenãohaja
ratificadoénula:nãoélei”.1
Comodificilmentesepoderiavolveràsoluçãopolíticadogoverno
direto,exeqüívelnaquelesEstados-cidadedaGrécia,“ondedoaltode
umaacrópolesevislumbratodooterritório”2oconstitucionalismo
democráticodaidadecontemporânea,maisintimamenteligadoàs
inspiraçõesdadoutrinadasoberaniapopular,elegeualguns
instrumentosdeparticipação,quedãoaopovo,conservadasemboraem
parteasformasrepresentativas,apalavrafinalrelativaatodooato
governativo.Éoqueocorrecomademocraciasemidireta.
Essesinstrumentosdeparticipaçãosereduzem,segundo
Duverger,aduascategoriasbásicas:oreferendumeainiciativa.Coma
iniciativa,ocorpoeleitoralprovoca,aindadeacordocomopublicista
francês,adecisãodosgovernantes;comoreferendum,intervémele
diretamentenoatopúblico,viaderegranormativo,querpararatificá-
lo,querpararejeitá-lo.3
Usualmenteporémenumeramostratadistasdodireitopúblicoos
seguintesmecanismosdademocraciasemidireta,tomando-osnuma
acepçãomenosgenéricaemaisrestrita:oreferendum,oplebiscito,a
iniciativaeodireitoderevogação.Algunsacrescentamumquinto
elemento:oveto,asaber,ochamadoreferendumfacultativo,dando-lhe
Conseguintementeumlugaràparte,comoinstituição,noquadrodas
técnicasdogovernosemidireto(Prélot).
2.OreferendumComoreferendum,opovoadquireopoderdesancionarasleis.
Tudosepassa,segundoaponderaçãodaBarthélemyeDuez,comono
sistemadegovernorepresentativoordinário,emqueoParlamento
normalmenteelaboraalei,masesta“sósefazjuridicamenteperfeitae
obrigatória”,depoisdaaprovaçãopopular,istoé,depoisqueoprojeto
oriundodoParlamentoésubmetidoaosufrágiodoscidadãos,“que
votarãopelosimoupelonão,porsuaaceitaçãoouporsuarejeição”.4
2.1ModalidadesdereferendumApresentaoreferendumdistintasmodalidades,variáveissegundo
osEstadosqueadotamessainstituiçãodademocraciasemidireta.A
classificaçãomaisfreqüenteabrangeasseguintesformas:
a)Comrelaçãoàmatériaouaoobjeto,podeoreferendumser:
constituinteoulegislativo.Oreferendumconstituinteocorrequandose
tratadeleisconstitucionaiseoreferendumlegislativoquandoseaplica
aleisordinárias.5
b)Quantoaosefeitos,distingue-seoreferendumconstitutivodo
referendumab-rogativo.Comoreferendumconstitutivo,anorma
jurídicaentraaexistir;comoreferendumab-rogativo,anormavigente
expira.6
c)tocanteànaturezajurídica,temosoreferendumobrigatórioeo
referendumfacultativo.Éobrigatóriooreferendumquandoa
ConstituiçãodispõequeanormaelaboradapeloParlamentoseja
submetidaàaprovaçãodavontadepopular.Éfacultativoquandose
confereadeterminadoórgãoouaumaparceladocorpoeleitoral
competênciaparafazerourequererconsultaaoseleitores,consultaque
nãorepresentaporconseguinteobrigaçãoconstitucional.
d)Comrespeitoaotempo,distingue-seoreferendumantelegem
doreferendumpostlegem.Oreferendumantelegem,tambémconhecido
pelasdenominaçõesdereferendumanterior,consultivo,preventivoou
programático,éaqueleemqueamanifestaçãodavontadepopular
antecedealei,emquesebuscaconhecerdeantemãooparecerou
pensamentodamassaeleitoralacercadeatolegislativoordináriooude
determinadareformaconstitucionalqueseproponha.
Oreferendumpostlegem,igualmenteconhecidoporreferendum
sucessivooupós-legislativo,éaqueleque“seseguecronologicamenteao
atoestatalparaconferir-lheoutolher-lheexistênciaoueficácia”.7Éo
referendumemquealeivotadajápelopoderlegislativo,ordinárioou
constituinte,vaisersujeitaàvontadepopular,queentãosemanifesta
demodofavoráveloudesfavorávelàmesma.
Juridicamente,aleientraaexistirpoiscomoresultadoda
colaboraçãodiretadoramopopularcomopoderrepresentativodas
assembléias.Essepoderintervémnumaprimeirafasedeelaboração
legislativa,aopassoqueopovoparticipanasegundafase,quevema
seraqueladaconsultafeitaatravésdoreferendum,medianteoqual,de
formadecisiva,seaprovaourejeitaaproposiçãonormativapendente.
2.2Ocritériodeclassificaçãodoreferendum
Nasclassificaçõescujaexposiçãofizemos,segue-seocritériomais
empregado:odavinculaçãodoreferendumcomasleis.Existemporém
outroscritérios,menosestritos,maislargos,bastanteflexíveis,quese
inclinamaconsiderarporobjetodoreferendumnãosomenteosatos
normativos,asleis,senãotodasasquestõesimportantesdavida
pública.
Tratadistasprofundosdodireitopolíticocontemporâneoacolhem
nãoraroessaorientação,quesacrificaumtantoorigordoconceitode
referendum,emproveitodeumâmbitomaisvastoparaomesmo.
Àforçadessealargamento,cabemnoreferendummodalidadesde
consultapopulardifíceisdeclassificarquandoporessainstituiçãoda
democraciasemidiretaseentendemapenasosatoslegislativos
encaminhadosaosufrágiodocolégiopolítico.
XifraHeras,oeminenteconstitucionalistaespanholdistinguindo
oreferendumconsultivodoreferendumarbitrai,aquesedeutambémo
nomedereferendumplebiscitário,confirmaocritérioquejávinha
perfilhandodeclassificardemodomenosapertadopossívelasformas
dereferendumpraticadasnosEstadosdademocraciasemidireta.
2.3OreferendumconsultivoDificilmenteselograriaexplicaroreferendumconsultivoesua
variadaaplicaçãosemessaamplitudequefazoreferendumterpor
objetodistintasformasdeatopúblicoenãosomentealei
eventualmenteproposta.
Aquinãosetratadereferendumanterioradeterminada
proposiçãolegislativa,masaqualqueratopúblico,buscando-se
recolherformalmenteamanifestaçãodavontadepopular.O
referendum,assimconcebido,podeser,pelassuasconseqüências:
vinculante,deopçãoemeramenteconsultivo.
Vinculante,comoaquelequelevouaItáliaainstituir,apósovoto
popularde2dejunhode1946,aformarepublicanadegoverno;de
opção,àsemelhançadoquecolocouopovofrancêsempresençadetrês
soluçõespolíticasparaosseusdestinosnacionais,noanomesmoda
libertaçãodapátria:oretornoàsleisconstitucionaisdaTerceira
República,de1875,aeleiçãodeumaassembléiaconstituintemunida
deplenospoderesouaeleiçãodeumaassembléiacompoderes
limitados(soluçãoestaúltimaaceitapeloreferendumde21deoutubro
de1945),e,porfim,oreferendummeramenteconsultivo,semcaráter
vinculante,emqueavontadeexpressapelopovotemteortão-somente
opinativodeobservânciaportantofacultativa.8
2.4OreferendumarbitralOreferendumarbitraloudearbitragemfoiinstituídona
Alemanha,peloconstituintedeWeimar,parasolver,emdefinitivo,na
maisaltainstânciapolítica,queéopovosoberano,eventuaisconflitos
denaturezalegislativaentreotitulardoPoderExecutivo—oPresidente
daRepública—eosmembrosdoPoderLegislativo(Constituiçãode
Weimar,art.74).
Afórmulaarbitraidessereferendumseaplicavatambémà
soluçãodedesinteligênciasacercadematérialegislativaentreasduas
Casasdarepresentação,asaber,o“Reichstag”eo“Reichsrat”.
Comessatécnicareferendariaopovosetornavaárbitrode
pendênciasentreospoderespúblicos.Constavaeladosartigos43e73
daConstituiçãodeWeimar,bemcomodon.46daConstituiçãoda
antigaTchecoslováquia,de29defevereirode1920.
AsConstituiçõesdealgumasunidadesdaFederaçãoalemã,
promulgadasdepoisdaSegundaGrandeGuerraMundial,conservam
esseinstituto,nomeadamenteasdeBaden(art.94)edaRenânia(art.
109).
Haviaainda,nademocraciasemidiretadaAlemanhadeWeimar,
apossibilidadedessereferendumarbitraiocorrercasoseestabelecesse
umconflitosobreleisentreosmembrosdeumamesmaCâmara,no
casoo“Reichstag”(art.73).
2.5AsvantagensdoreferendumNoreferendum,tantoquantonademocraciasemidiretaemgeral,
depositaram-selargasesperanças,nomeadamenteduranteasprimeiras
décadasdesteséculo.OsEstadosUnidossaudaramcomentusiasmo
juvenilalegislaçãodireta,vendonasnovasinstituiçõesagrande
panacéiaparaasenfermidadesdopoderdemocrático.
AAlemanha,porsuavez,elevouogovernosemidireto,pela
palavradePreuss,naConstituiçãodeWeimar,àcategoriade
“postuladodademocracia”.9
EmváriasConstituiçõeseuropéiasulterioresàPrimeiraGrande
GuerraMundialfez-sequasepraxeabrirumlugaràsinstituiçõesda
democraciasemidireta.Oreferendum,principalmente,reúnedesde
entãomassasconsideráveisdeadeptosfervorososeimpugnadores
tenazes.Alutadosargumentosmostra,deumaparte,asvantagens,
doutraparte,osinconvenientesdessemecanismoessencialdogoverno
semidireto.
Afavordoreferendum,recomendandotantoquantopossívelsua
adoção,citam-seasseguintesrazões:“servedeanteparoàonipotência
eventualdasassembléiasparlamentares;tornaverdadeiramente
legítimapeloassensopopularaobralegislativadosparlamentos;dáao
eleitorumaarmacomquesacudiro“jugodospartidos”;fazdopovo,
menosaqueleespectador,nãoraroadormecidoouindiferenteàs
questõespúblicas,doqueumcolaboradorativoparaasoluçãode
problemasdelicadosedamaisaltasignificaçãosocial;promovea
educaçãodoscidadãos;banedascasaslegislativasainfluência
perniciosadascamarilhaspolíticas;retirados“bosses”odomínioque
exercitamsobreogoverno”.10
Aconfiançapostanainstituiçãotranspareceemafirmativascomo
esta:“Graçasaoreferendumrecobraoeleitorsuasoberania,ficandoo
governodetodosportodosrestauradonamedidadopossível”.11Ouem
expressõesdessevigor:“Semoreferendum,asoberaniadopovoé
apenasumailusão,escreviaÉmileOlivier,em1864.Elasóseexerce
umúnicominutocadaquatroouseisanos:ominutoemqueoeleitor
depositanaurnaoseuvoto.Atéàconsultaseguinte,porém,osoberano
ficaadormecido...Oreferendumomantémdespertoeemestadode
conterouretificarosdesviosdeseusrepresentantes”.12
2.6OsinconvenientesdoreferendumAessasvantagens,contrapõem-setodaviagravesinconvenientes:
odesprestígiodascâmaraslegislativas,conseqüenteàdiminuiçãode
seuspoderes;osíndicesespantososdeabstenção;ainvocaçãodo
argumentodeMontesquieuacercadaincompetênciafundamentaldo
povoeseudespreparoparagovernar;13acenamudaemquese
transformaoreferendumpelaausênciadedebates;osabusosdeuma
repetiçãofreqüenteaoredordequestõesmínimas,semnenhuma
importância,queacabariamprovocandooenfadopopular;o
afrouxamentodaresponsabilidadedosgovernantes(aomenorembaraço
comodamentetransfeririamparaopovoopesodasdecisões);o
escancarardeportasàmaisdesenfreadademagogia;emsuma,o
dissídioessencialdainstituiçãocomosistemarepresentativo.14
2.7Síntesedosresultadosdoreferendumnoconstitucionalismo
contemporâneo
Desfeitasasprimeirasilusões,esfriadooentusiasmodelirante
daslargassoluçõescomqueacenavaademocraciasemidireta,viu-se
queoreferendumdeixavaaindadesatendidosinumeráveispontoscuja
soluçãofácilpropugnadoresardenteshaviamjáentrevisto.
Tomandoaesserespeitoposiçãomoderadaereformadorados
juízosseverosdeváriosautores,bemcomododerramamento
encomiásticodealgunsmais,oconstitucionalistaitalianoBiscarettidi
Ruffia
subordina
a
admissão
do
referendum
“às
seguintes
circunstâncias:sersolicitadoporumaparceladeeleitoresnunca
inferioradezporcento,ofereceratodoselesplenainformaçãoacerca
daquestãodiscutida;seralheioaoinfluxodospartidos(nãodevendo
coincidircomaseleiçõesparlamentares),demodoquehajadeexcluir
determinadascategoriasdeleis(urgentes,financeiras,etc),devendo
cadavotaçãoconcretalimitar-seamuipoucasquestões.”15
Ojuízodopovonosassuntosgovernativosemite-secom
segurançaerecomendaaaplicaçãodoreferendumnasquestõesque
envolvemprincípiosgeraisefundamentaisdavidapolítica,nasgrandes
leisemqueseestampauminteressenacionalprofundo,naquelas
medidasamplasmassuscetíveisdeobterdoeleitorado“umaresposta
afirmativaounegativafácil”,escapandoporémàsuapercepçãoas
proposiçõesmaisdelicadasoutecnicamentecomplicadas,pelasquais
“opovo,oujánãoseinteressa,oujánãotemcompreensão”para
pronunciar-searespeitodasmesmas.16
Dopontodevistadoutrináriohouvemanifestotemordequeo
povo,depossedaqueleinstrumento,fosseutilizá-loparamudanças
sociaisintempestivas,abruptas,irrefletidas.Odescostumeemquese
achavaaindaaEuropadeumaintervençãopopularmaisassíduaou
enérgicaemquestõesdegovernofezlevantarasuspeitadeque,
conferindo-seaopovooamplíssimodireitodeparticipaçãocontidono
referendum,seuempregorevolucionárioabalariafundoasestruturas
sociaisdeaparênciamaisestável.Via-senainstituiçãoimpugnada“um
agentedeprofundatransformaçãoedesorganizaçãosocial”.17
Surpresaespantosaporémseteve,quandoosresultadosda
aplicaçãodomecanismopatentearamosentimentohostildopovoàs
inovações,aindaaquelasqueeramfrutosdesuainiciativa.Esse
comportamentopopularantiprogressistalevoudoisescritorespolíticos
aobservaremcomacuidadeque,“nofundo,amassadopovoé
conservadoraetemmedododesconhecido”.18
NaSuíça,opovovotavareacionariamentecontraasmedidasde
inspiraçãosocialista,chegandoapontoderejeitaroprojetoque
mandavainscrevernaConstituiçãoodireitoaotrabalho.19O
referendumconduziu,pois,nasmontanhasdaSuíça,comoaliásjá
ponderouDuverger,“àconservaçãodostatusquoeàrejeiçãodos
projetosdereforma”,20sendoaquelepaísoúnicoEstadodemocrático
domundo,cujopovo,exercitandodiretamenteopodersoberano,barrou
commanifestoobscurantismoaimplantaçãodosufrágiofeminino.21
NaAustrália,omesmoantiestatismopopularsefezvisível.,Na
Alemanha,franqueouoreferendumocaminhoàsinvestidassoezes
contraademocracia,feridademortepeloinstrumentoaquecometera,
nãotantoasobrevivênciaquantoapurezamesmadasinstituições
democráticas,sualegitimidade,suaautenticidade,seuaprimoramento.
Meneandooantigoaparelhodemocrático,ototalitarismofê-loassim
irreconhecível.Emsuma,osresultadosdoapeloaoreferendum
denotampoliticamenteocaráterconservadordainstituição.
3.OplebiscitoOplebiscitoeoreferendumsãotermosdovocabuláriopolíticoque
nãoraroseempregamindiferentementeparasignificartodamodalidade
dedecisãopopularoudeconsultadiretaaopovo.
Empaísesdedemocraciasemidireta,comoaSuíça,nãosehá
atentadocomrigornadistinçãoqueinumeráveispublicistasreclamam
parafazercientificamenteprecisasasduasnoções.Essadistinção,com
queseintentaoperaraautonomiaconceitualdoplebiscitoemfacedo
referendum,deuatéagoraosseguintesresultados:
a)Oplebiscito,aocontráriodoreferendum—circunscritosempre
aleis—seriaum“atoextraordinárioeexcepcional,tantonaordem
internacomoexterna”.Teriaporobjetomedidaspolíticas,matéria
constitucional,tudoquantosereferisse“àestruturaessencialdo
Estadooudeseugoverno”,àmodificaçãoouconservaçãodasformas
políticas,comoseexpressanadoutrinaitalianadominante(Santi
Romano,BiscarettidiRuffia,Mortati).
Asmudançasterritoriais,asvariaçõesnaformadegoverno,como
asqueem1860conservaramopoderdaCasadeSavóia,naItália,ou,
depoisdaSegundaGuerraMundial,aluíramamonarquiapeninsular
sãotodasresultadodeconsultaspopularesdenaturezatipicamente
plebiscitária.22
b)Determinadospublicistasopinamporémqueoplebiscitoseca-
racterizacomoum“pronunciamentopopularválidoporsimesmo”,in-
teiramenteunilateral,queindependedoconcursodequalqueroutroór-
gãodoEstado.
Medianteessepronunciamento,avontadedopovo,sozinha,em
todaaplenitude,semcolaboraçãoestranha,tomaadecisãooufazalei
(Battelli,Crosa,Laferrière).Nessaacepçãolata,oplebiscito,ao
contráriodoquesedánadoutrinaantecedente,seestendeàesferadas
decisõeslegislativas,compreendendotodasasleisquenãoresultemda
“obracomumdoParlamentoedopovo”.23
Frutodessaobracomumousolidáriadecolaboraçãoéocasode
todaalegislaçãosujeitaareferendum,aqual,paraexistir,necessita
imprescindivelmentedoconsentimentodedoisórgãosnoexercícioda
mesmafunção:oparlamentoeopovo.Paraoatoplebiscitário,basta
apenasavontadedopovo.
c)EmFrança,publicistaseminentescomoHaurioueDuverger
desenvolveramumadoutrinasobreoplebiscito,queconsente
caracterizá-loatravésdedoistraçosprincipais:emprimeirolugar,a
consultaplebiscitária,desdequenãopassedeumreferendum
“imperfeito”ou“deteriorado”,nenhumaalternativaofereceaocorpo
eleitoral(estranhoàelaboraçãodoato,oeleitorsecingetão-somentea
aprová-loourejeitá-lo)24e,emsegundolugar,oato,viaderegra,
implicaumaoutorgadepoderesouumamanifestaçãodeconfiançaao
ChefedeEstado,sendooplebiscitoporconseguinteainstituiçãoque
usualmenteprepara,esobreaqualseassentaemapelosfreqüentesao
povo,ademocraciacesariana.
HajavistaoquesepassouemFrança,comasucessãodos
plebiscitosnapoleônicos:osdeNapoleãoI,relativosaoConsulado
(1799),àvitaliciedadedoCônsul(1802)eàcoroahereditáriadoImpério
(1804),bemcomoosdeNapoleãoIII,primeiro,em1852,pararestaurar
oImpério,apósogolpedeEstado;e,aseguir,em1870paraaprovara
ConstituiçãooutorgadaafimdeevitaraquedadomesmoImpério.
EntendeDuvergerqueadistinçãoentreplebiscitoereferendum
deveserrigorosa.Aopassoqueoreferendumdemandaapenasa
“aprovaçãodeumareforma”,oplebiscito“consisteemdarconfiançaa
umhomem”,conceder-lhefaculdadesilimitadasdepoder,prestigiá-lo
com
ampla
base
de
sustentação
popular,
identificando
ou
harmonizandoacausadogovernantecomossentimentoseinteresses
dasclassespopulares;enfim,segundoomesmoautor,noreferendum
“vota-seporumtexto”;noplebiscito,“porumnome”.25
4.AiniciativaDetodososinstitutosdademocraciasemidiretaoquemais
atendeàsexigênciaspopularesdeparticipaçãopositivanosatos
legislativosétalvezainiciativa.
Ovetoeoreferendum,segundoLaferrière,apenas“asseguramao
povoqueelenãoserásubmetidoaumalegislaçãoquenãoqueira”,mas
nãoobrigamjuridicamenteoparlamentoalegislar.26Conferemtão-
somenteaopovoopoderdeembargaraquelasleisdaassembléia
parlamentarqueselheafiguremnocivas,aopassoqueainiciativa
popularproporcionaaocorpodecidadãosoexercíciode“uma
verdadeira
orientação
governamental”,27
consubstanciada
na
capacidadejurídicadeproporformalmentealegislaçãoquenoseu
parecermelhorconsulteointeressepúblico.
Fá-loaliásnoexercíciodedireitoquenãopodesertolhido,desde
que,paratanto,determinadafraçãodocorpoeleitoralreúnaonúmero
legaldeproponentes,indispensáveladaroimpulsolegislativo,doqual
resultará“oestabelecimentodenovasleisouaab-rogaçãodas
existentes”,28tantoemmatériadelegislaçãoordináriaquanto
constitucional.
Éfreqüenteademaisacombinaçãodainiciativacomo
referendum,emdeterminadossistemasdedemocraciasemidireta,toda
vezquehajaconflitoentreopovoeoórgãoparlamentaraoredordelei
queprocedadainiciativapopular.
Configuradaestaúltimahipótese,chega-seporvezesaum
resultadolegislativoforadascasasdoparlamento,mercêdoreferendum
popular.Comefeito,asassembléias,pelainiciativa,seobrigamtão-
somenteadiscutirevotarosprojetosdeorigempopular,masnãoa
aceitá-los.Surgindoassimapendência,busca-seasoluçãono
referendum.Aleiseráentãofrutodiretoeexclusivodasoberana
vontadedopovo,conseqüentementesemparticipaçãodasassembléias
representativas,atémesmocontraaresistênciapolíticaqueestas
porventuralhehajammovido.
Comainiciativa,conformeponderaXifraHeras,“oscidadãosnão
legislam,masfazemcomqueselegisle”.29
Conhecem-seduasformasprincipaisdeiniciativa:ainiciativanão
formuladaeainiciativaformuladaouarticulada.
Ainiciativanãoformulada,classificadaporalgunstambémcomo
nomedesimplesoupura,éamesmamoçãododireitopúblicosuíço.Os
promotoresdainiciativapopularconsignamapenasostraçosgerais,a
inspiraçãodepropósitos,oprincípiodalei,cabendoaoórgão
representativodeliberantedarformaecursoaoprojetodestinadoa
atenderosentimentoqueessamodalidadedeiniciativavenhaa
exprimir.
Nainiciativa,opovoexerceapenasumdireitodepetição
vinculanteou“reforçado”,graçasaoqualobrigaoparlamentoa
prepararumprojetodeleisobredeterminadoassunto,bemcomo
discuti-loevotá-lo.30Votadaalei,exaure-seoprocesso.Massea
assembléiaserecusaapôrempautaamatériaourejeitaoprojeto,a
questãovolveaopovo,que,porsuavez,poderádevolvê-loàassembléia,
ficandoestaobrigadaaelaboraralei,aqualeventualmenteseráainda
objetodereferendum.31
Quandosetratademodalidadeformulada,ainiciativalevao
projetopopularàassembléianumtextoemformadelei,nãoraro
redigidojáemartigos,aparelhadoparaserdiscutidoevotado.Mas,
segundoLaferrière,podeacontecerqueaassembléiaorecuse,faça-lhe
consideráveisalteraçõesoudeixeexpiraroprazoquelheéassinado,
semsequerexaminá-lo.Nessecaso,acrescentaaquelepublicista,“o
projetooriundodainiciativaésubmetidoàaceitaçãoourejeiçãodo
povo,podendoaassembléiarecomendararejeiçãodomesmoou
contrapor-lheumcontraprojeto,queseráigualmenteconduzidoà
votaçãopopular”.32
Emfinsdoséculopassado(1898),adotou-sepelaprimeiraveza
iniciativapopular,noEstadodeSouthDakota,nosEstadosUnidos,
sendoporémoOregon(1904)oprimeiroEstadodaUniãoamericana
quefezusodessatécnicadogovernosemidireto.
AmatériaapareceutambémreguladapelaConstituiçãode
Weimar,queadmitiaainiciativaquandotomadanomínimopela
décimapartedoeleitorado.Tendopadecidocertodeclíniono
constitucionalismocontemporâneo,éainiciativaprevistaaindano
artigo29daleifundamentaldeBonnparaefeitodemodificaçãodo
territóriodosEstados(Laender)integrantesdaRepúblicaFederalda
Alemanha,bemcomonasConstituiçõesdaVenezuelaedaItália.Nesta
última—aConstituiçãoitalianade1947—50.000eleitores,deacordo
comoartigo71,inciso2,podemobrigaroParlamentoadiscutirum
projetoarticulado,oriundodainiciativapopular.
5.Odireitoderevogação
Emcertossistemasconstitucionaisqueconsagramademocracia
semidiretainstitui-seoutromecanismoexcepcionaldeaçãoefetivado
povosobreasautoridades,permitindo-lhepôrtermoaomandatoeletivo
deumfuncionárioouparlamentar,antesdaexpiraçãodorespectivo
prazolegal.
Essemecanismovemconsubstanciadonochamadodireitode
revogação.Doispaísesprincipalmenteoadmitem:aSuíçaeosEstados
Unidos.Arevogaçãoassumeduasmodalidadescorrentes:orecalleo
Abberufungsrecht.
5.1O“recall”
Éaformaderevogaçãoindividual.Capacitaoeleitoradoa
destituirfuncionários,cujocomportamento,porqualquermotivo,não
lheestejaagradando.
Determinadonúmerodecidadãos,emgeraladécimapartedo
corpodeeleitores,formula,empetiçãoassinada,acusaçõescontrao
deputadooumagistradoquedecaiudaconfiançapopular,pedindosua
substituiçãonolugarqueocupa,ouintimando-oaquesedemitado
exercíciodeseumandato.
Decorridocertoprazo,semquehajaademissãorequerida,faz-se
votação,àqual,aliás,podeconcorrer,aoladodenovoscandidatos,a
mesmapessoaobjetodoprocedimentopopular.Aprovadaapetição,o
magistradooufuncionáriotemoseumandatorevogado.Rejeitada,
considera-seeleitoparanovoperíodo.
DozeEstados-membrosdaUniãoamericanaaplicamorecall,que
temmaisvoganaesferamunicipaldoquenaestadual.Cercademil
municípiosamericanooadotam.Ainstituiçãoinexistenoplanofederal.
Naórbitaestadual,conformeassinalaDuverger,sãomodestososseus
resultados:umúnicoGovernador,odeOregon,em1821,caiupelo
recall,justamentenaqueleEstadoqueLowellbatizoucomo“omaiordos
laboratóriosdaexperiência-popular”.33
AConstituiçãodeWeimaremseuartigo71dispunhasobrea
destituiçãodoPresidentedoReich,apedidodoReichstag,atravésde
votaçãopopular.Feitaaconsulta,orecallseconsumavacomaqueda
doPresidente,quandooresultadodavotaçãolheeradesfavorávelou
comsuamanutençãonopoder,quandoaconfiançapopularlhe
renovavaomandato,reelegendo-oedissolvendooReichstag.34
NaantigaUniãoSoviética,ospublicistasdoregimejactavam-se
dodireitoderevogação,previstonoartigo142daConstituição,que
instituíaumaespéciedemandatoimperativodoschamados
representantesdasclassestrabalhadoras.Osdeputadosficavam
obrigadosaprestarcontaaoseleitoresdeseutrabalho,epodiamtero
mandatorevogadoaqualquermomento.
5.2Orecalldosjuizesedassentençasjudiciárias
AsConstituiçõesdoOregonedaCalifórniacontêmdisposições
queestendematémesmoaosjuizesaaplicaçãodorecall.Emvários
EstadosdaUniãoamericanaemprega-seesseprincípioderevogação,
queédosmaiscontroversoscomrespeitoaosmembrosdopoder
judiciário.
Combate-seorecalljudicial,porquantosealegaque,envolvendoo
juiznocentrodosmaisbaixosinteressespolíticos,acabariapor
suprimir-lheaindependênciaouconspurcaramajestadedatoga.
Invoca-seovelhopronunciamentodeTaftquandodisseque“osjuizes
paracumpriremdevidamentesuasfunçõesemnossogovernopopular,
precisamdesermaisindependentesqueemqualqueroutraformade
governo”.35
Háquementendaporémqueaboalógicadademocracia
semidiretadeveconduzirdenecessidadeaesseresultado:aorecall
judicial.AfirmamJosephBarthélemyePaulDuez,reportando-sesem
dúvidaaoargumentodoscorifeusdessainstituiçãoque,sesedeuao
povocomoreferendumopoderdeevitarasleismás,ecomainiciativa
popularafaculdadedeobterboasleis,nãoestariaremovidooperigode
frustraçãodessasconquistaspolíticas,casoconservasseojuiz,na
mesmaformademocrática,opoderdeparalisar,peladeclaraçãode
inconstitucionalidade,asleisquemaisdepertoconsultassemo
sentimentodereformaeprogressosocial,negandoaplicaçãoà
legislaçãoobreira.36
Algunsforammaislonge.Advogarameobtiveramnãosomenteo
recalldosjuizessenãoodasprópriasdecisõesjudiciais.Sustentaramo
princípiodeinvestiropovonodireitodecassarasentençadosjuizes,
deconstituí-lo,sepossível,emúltimainstância,paraconheceredecidir
daconstitucionalidadedalei.OprimeiroRoosevelt,quegovernouos
EstadosUnidosaocomeçodesteséculo,foivigorosoadeptodorecall.
Preconizouabertamenteaadoçãodessesistema,queacabousendo
introduzidonoColorado.
Apropósitodorecalldasdecisõesjudiciais,escrevemaindaos
publicistasfrancesesBarthélemyeDuez:“Estaestranhainstituição,
quefazprevalecer,nasoluçãodeespéciesparticulares,adecisãodo
corpodecidadãos,subverteanoçãotradicionaldojuizqueestatui,não
segundoaopiniãoprováveldopovo,masconformealeiedeacordo
comasuaconsciência;nãopôdeexplicar-sesenãopelaquebrade
prestígiodamagistraturaemmuitosEstados-membros.Roosevelt,
ademais,emseuprojeto,excluíadorecallasdecisõesdaSuprema
CortedosEstados”.37
5.3OAbberufungsrechtOAbberufungsrechtéaformaderevogaçãocoletiva.Aquinãose
trata,comonorecall,decassaromandatodeumindivíduo,masode
todaumaassembléia.Requeridaadissolução,pordeterminadaparcela
docorpoeleitoral,aassembléiasóteráfindoseumandatoapósvotação
daqualresultepatentepelaparticipaçãodeapreciávelpercentagem
constitucionaldeeleitoresqueocorpolegislativodecaiurealmenteda
confiançapopular.38SetecantõesnaSuíçaeumsemicantãodesse
mesmopaísadmitememsuasinstituiçõesoAbberufungsrecht.
6.OvetoInstrumentodeparticipaçãopopularnoexercíciodopoder,oveto
éafaculdadequepermiteaopovomanifestar-secontrárioauma
medidaoulei,jádevidamenteelaboradapelosórgãoscompetentes,e
emviasdeserpostaemexecução.
Certonúmerodecidadãos,emdeterminadoprazo,exercendo
direitoconstitucional,podefazercomqueumaleijápublicadaseja
submetidaàaprovaçãoourejeiçãodocorpoeleitoral.
Quandoapósapublicaçãodaleiexpiraoprazonoquala
consultaaopovopoderiaserrequeridaouprovocada,admite-sequea
leiestáperfeita,“aplicando-seporsimesma”.
DizDuvergerque“osilênciodopovoequivalepoisaaceitação”.39
Seopovoporémpedeaconsulta,estasefaz;eseavotaçãopopular
produzentãoresultadodesfavorável,considera-sealeiinexistente,
comosenuncahouverasidofeita.Oveto,cassandoalei,temefeito
retroativo.Nãosetrataportantode“simplesab-rogação”.40
Oveto,segundoassinalaBurdeau,“éprocessodeintervenção
muitomaisenérgicodoqueoreferendum.”Acrescentaopublicista
francêsque“nahipótesedoreferendum,otextoadotadopela
assembléianãoésenãoumprojeto”,aopassoquenocasodovetoo
povoestádiantedeumaleiacabada,comtodaaforçajurídicapara
entraremvigor,cumprindo-lhetão-somenteaprová-laourejeitá-la,isto
é,exercer“opoderdeimpedir”,quelhefoiconferidopeloordenamento
democrático.41
Algunsautoresnãofazemdistinçãoentreoinstitutodovetoeo
referendumfacultativo:equiparam-nos.Duverger,porexemplo.Santi
Romanoconsidera-osafins.42
1.J.J.Rousseau,DuContratSocial,p.159.
2.JosephBarthélemyePaulDuez,TraitéElémentairedeDroitConstitutionnel,pp.
121-122.
3.MauriceDuverger,DroitConstitutionneletInstitutionsPolitiques,p.228.
4.JosephBarthélemy&PaulDuez,ob.cit.,p.125.
5.Quantoàextensãodaingerênciaquetemnopoderavontadepopular,medianteo
referendumconstituinte,JosephBarthélemyePaulDuezinterrogameescrevem:
“Qualograuexatodeintervençãodopovopeloreferendumconstituinte?As
disposiçõesdasdiversasConstituiçõespodemresumir-senasseguintesregras:1ª)se
setrataderevisãototaldaConstituição,opovointervémduasvezes:aprimeiravez,
quantoaoprincípiomesmodarevisão(elevotaconventionounoconvention),a
segundavez,paraaprovarourejeitarotrabalhoderevisãoefetuadopela
convenção
(votafortheconstitutionouagainsttheconstitution;2ª)sesetrataderevisãoparcial,o
povointervémumasóvez:olegislativodecideacercadarevisãoeéunicamenteo
trabalhoderevisãoqueésubmetidoaoassentimentodoscidadãos(elesvotamapenas
fortheconstitutionouagainsttheconstitution)”.(Barthélemy&Duez,ob.cit.,p.131).
6.BiscarettidiRuffia,DirittoCostituzionale,5ªed.,p.356.
7.Idem,ibidem,p.355.
8.JorgeXifraHeras,CursodeDerechoConstitucional,2ªed.,t.I,pp.396-397.
9.JosephBarthélemy&PaulDuez,ob.cit.,p.133.
10.JorgeXifrasHeras,ob.cit.,p.394eEdwardW.Carter&CharlesC.Rohlfing,
AmericanGovernmentanditsWork,p.643.
11.JosephBarthélemy&PaulDuez.cit.,p.134.
12.Idem,ibidem,p.134.
13.NoséculoXVIII,esseargumentodeMontesquieuimpressionou.Foidosquemais
seinvocaramparajustificaroregimerepresentativoaocomeçodademocracialiberal.
Cuidamporémosadeptosdademocraciasemidiretaqueofilósofoseenganouaodizer
queopovoéaptoparaescolherrepresentantes,masincapazparadiscernirquais
os
seuslegítimosinteresses.SustentamcomDuguiteoutrosqueaverdadeseacha
precisamentenaproposiçãocontrária,consoanteoêxitodalegislaçãoreferendada
estariaaconfirmar:“Opovoéprovavelmentemaisaptoparavotarboasleisdoque
paraescolherbonsrepresentantes”.Barthélemy&Duez,ob.cit.,p.136eGeorges
Burdeau,TraitédeSciencePolitiqueIV,p.200.
14.JorgeXifraHeras,ob.cit.,p.394-395;Carter-Rohlfing,ob.cit.,pp.643-644.
15.BiscarettiDiRuffia,apudJorgeXifraHeras,ob.cit.,pp.394-395.
16.Barthélemy&Duez,ob.cit.,pp.138-139.
17.Barthélemy&Duez,ob.cit.,p.142.
18.Idem,ibidem,p.143.
19.Idem,ibidem,p.141.
20.MauriceDuverger,ob.cit.,p.230.
21.Acercadastendênciasconservadorasdoeleitoradonademocraciasemidireta,
veja-se,GeorgesVedei,ManuelÉlementairedeDroitConstitutionnel,p.139,bemcomo
AlfredoSilvaBascunan,TratadodeDerechoConstitucional,t.1,p.260.
22.BiscarettiDiRuffia,ob.cit.,p.358.
23.JulienLaferrière,ManueldeDroitConstitutionnel,2ªed.,p.436.
24.BiscarettiDiRuffia,ob.cit.,p.358.
25.MauriceDuverger,ob.cit.,p.228.
26.Barthélemy&Duez,ob.cit.,p.126.
27.JulienLaferrière,ob.cit.,pp.435-436;MauriceDuverger,ob.cit.,p.229.
28.ManuelGarcía-Pelayo,DerechoConstitucionalComparado,2ªed.,p.514.
29.JorgeXifraHeras,ob.cit.,p.405.
30.JosephBarthélemy&PaulDuez,ob.cit.,p.126.
31.JulienLaferrière,ob.cit.,p.436.
32.Idem,ibidem,p.436.
33.MauriceDuverger,ob.cit.,p.316;JorgeXifrasHeras,ob.cit.,p.406.
34.JorgeXifraHeras,ob.cit.,pp.407-409.
35.WilliamH.Taft,apudEdwardW.Carter&CharlesC.Rohlfing,TheAmerican
GovernmentanditsWork,p.646.
36.JosephBarthélemy&PaulDuez,ob.cit.,pp.132-133.
37.Idem,ibidem.
38.MarcelPrélot,ob.cit.,p.86.
39.MauriceDuverger,ob.cit.,p.22.
40.JulienLaferrière,ob.cit.,p.431.
41.G.Burdeau,TraitédeSciencePolitique,IV,p.206.
42.SantiRomano,PrincipiidiDirittoCostituzionaleGenerale,2ªed.,p.250.
21
OPRESIDENCIALISMO
1.Asorigensamericanasdosistemapresidencialdegoverno—2.
Osprincípiosbásicosdopresidencialismo—3.Relaçõesentre
ExecutivoeLegislativonaformapresidencialdegoverno—4.Os
poderesdoPresidentedaRepública—5.Opoderpresidencialnos
EstadosUnidos—6.OpoderpresidencialnoBrasil(asatribuições
doPresidentedaRepública)—7.AmodernizaçãodoPoder
Executivoeoperigodas“ditadurasconstitucionais”—8.O
Ministério—9.OMinistérionopresidencialismobrasileiro—10.A
figuraconstitucionaldoVice-Presidente:10.1Ainutilidadedocargo
—10.2UmVice-Presidenteparaserouvidoenãoapenasvisto—
10.3OVice-Presidentenascrisesdasucessãopresidencial—10.4
AvaloraçãodeliberadadaVice-PresidêncianosEstadosUnidos—
10.5AsubstituiçãodoPresidenteemcasodeincapacidade—11.
AVice-Presidêncianopresidencialismobrasileiro—12.O
CongressoeacompetênciadasCâmarasnosistemapresidencial
—13.Opresidencialismo,técnicadademocraciarepresentativa—
14.Osvíciosdopresidencialismo—15.Oimpeachmentea
ausênciaderesponsabilidadepresidencial—16.Aeleiçãodo
PresidentedaRepúblicaeoimpeachmentnosistemapresidencial
brasileiro—17.Elogiodosistemapresidencialdegoverno—18.O
presidencialismonoBrasil:surpresaeintempestividadedesua
adoção—19.Omalogrodaexperiênciapresidencialeo
testemunhoidôneodeRuiBarbosa
1.Asorigensamericanasdosistemapresidencialdegoverno
OpresidencialismoteveorigemnosEstadoUnidossendofrutodo
trabalhopolíticoedaelaboraçãojurídicadosconstituintesdeFiladélfia,
quetraçaramaslinhasmestrasdosistemaaolavraremotextoda
Constituiçãode1787.
Usualmentecontrapostoaoparlamentarismo,faz-semister
todavianãodescurarqueessacriaçãodogêniopolíticoamericanose
situahistoricamentecomodesdobramentoalgoconscienteda
experiênciaconstitucionalbritânica,jáassentadasobreosmoldesdo
governoparlamentar,equerecebeuemterrasdonovomundoretoques
emodificaçõesbásicas,impostaspelaambiênciaamericanaaté
configurar-senumacategorianovaeautônomadeorganizaçãodopoder
político.
QuandoosjuristasdaConvençãodeFiladélfiatratavamde
assentarasbasesdeumaexistêncianacionalindependente,aslições
doquadropolíticodaInglaterra—amãe-pátria,cujasinstituições
medravamàsombradaliberdade—estiverampresentesnoespíritodos
PaisdaConstituição,indoestesbuscarnaquelesensinamentos
inspiraçãocomquelevaracabosuaobralegislativafundamental.
AfiguradoPresidente,munidodepoderesquedãoaforte
aparênciadosistemaenominalmenteoassinalam,éjáuma
reminiscênciarepublicanadoreidaInglaterraesuasprerrogativas,rei
queelestimidamentetraduziramnaimagempresidencial.Hesitaram
tão-somentequantoaomandatoquelhehaveriamdeconferir,detal
modoquenãofaltouquemaventasseatéaidéiadoPresidentevitalício,
oferecendoumacoroaaGeorgeWashington...
Apesardopapelcapitalqueassumenopresidencialismoapessoa
doPresidente,essaorganizaçãodegovernonãoseexplica,comoonome
estariadeprontoaindicar,pelameraexistênciadeumPresidente,do
mesmomodoqueoparlamentarismonãoéapenasosistemaonderege
oParlamento.TodososEstadospresidencialistasostentamum
ParlamentoqueemgeralsechamaCongresso,naterminologiado
regime,aopassoqueosEstadosparlamentaristas,semdeixaremdeo
ser,podemeventualmenteterumPresidentedaRepública,emboranão
possuamosistemapresidencial.Sãotípicosaesserespeitoosexemplos
dosEstadosUnidoscomoseuCongressoeodaFrançanodecorrerda
TerceiraedaQuartaRepública,comosseusPresidentesdevidamente
eleitos,paradesempenhodasfunçõesdechefedeEstado.
2.Osprincípiosbásicosdopresidencialismo
Cumpreporconseqüênciabuscarosverdadeirostraçosquenos
permitemdistinguirouseparar,semmaiorequívoco,osconceitosde
presidencialismoeparlamentarismo.Vejamospoisoquepertenceao
presidencialismo,emordemaemprestar-lheanotaconfigurativa.
Trêsaspectosprincipaissedestacamnafisionomiado
presidencialismo:
a)Historicamente,éosistemaqueperfilhoudeformaclássicao
princípiodaseparaçãodepoderes,quetantafamaeglóriagranjeou
paraonomedeMontesquieunaidadeáureadoEstadoliberal.O
princípiovaliacomoesteiomáximodasgarantiasconstitucionaisda
liberdade.AConstituiçãoamericanaorecolheu,tomando-o,porbasede
todooedifíciopolítico.Daseparaçãorígidapassou-secomotempopara
aseparaçãomenosrigorosa,branda,atenuada,àmedidaqueovelho
dogmaevolveu,conservando-sesempreeinvariavelmenteentreos
traçosdominantesdetodoosistemapresidencial.
b)Aseguir,vamosdepararnopresidencialismoaformade
governoondetodoopoderexecutivoseconcentraaoredordapessoado
Presidente,queoexerceinteiramenteforadequalquerresponsabilidade
políticaperanteopoderlegislativo.Viaderegra,essairresponsabilidade
políticatotaldoPresidenteseestendeaoseuministério,instrumentoda
imediataconfiançapresidencial,edemissíveladnutumdoPresidente,
semnenhumadependênciapolíticadoCongresso.
c)Enfim,terceiroeúltimoaspectonacaracterizaçãodo
presidencialismo:oPresidentedaRepúblicadevederivarseuspoderes
daprópriaNação;raramentedoCongresso,porviaindireta.
3.Relaçõesentreexecutivoelegislativonaformapresidencialde
governo
Seestesqueacabamosdeenunciarsãoospontosrelevantesda
formapresidencialdegoverno,seuestudopormenorizadonaprática
constitucionaldospaísesquemaisfielmentedesenvolveramsemelhante
técnicadeconstruçãodopoderrequestaoacuradointeressedaCiência
Política,porrevelaremocaráterculminantedasinstituiçõesquea
formapresidencialdegovernoabrange.
OPresidente,deordinário,consoantejáassinalamos,recebeda
Naçãosoberanaosseuspoderes,quasesempreporsufrágiouniversal
direto,oquedeumaparteaumenta-lheoprestígiodainvestidurapela
origemimediatamentedemocráticadopoderpúblicoquedesfrutae
doutrapartelheafiançaposiçãodeinteiraindependênciapolítica
peranteaesferadopoderlegislativo.
AresponsabilidadedoPresidentenopresidencialismoépenale
nãopolítica;respondeeleporcrimederesponsabilidadenoexercícioda
competênciaconstitucional,deordemadministrativa,quelheé
atribuída,nãopodendoserdestituído,aocontráriodoquesepassano
parlamentarismo
com
o
chefe
do
poder
executivo,
que
fundamentalmente
cai
por
razões
de
ordem
política.
No
presidencialismo,oafastamentodoPresidente,fixadoocrimede
responsabilidade,ocorreriamedianteprocessoquerecebeonomede
impeachment,equeasConstituiçõespresidencialistasprevêem.
Osistemapresidencialemseuscontornosbásicostendea
disciplinarnosseguintestermosaposiçãodoPresidenteemfacedo
Congresso:a)nenhumaingerênciadotitulardopoderexecutivonas
prerrogativasquetemoCongressodedeterminarporiniciativaprópria,
conformeasdisposiçõeseventualmenteestabelecidaspelaConstituição,
asdataseosperíodosdeconvocaçãoereuniãodopoderlegislativo;b)
ausênciadefaculdadequepermitaaoPresidenteporcompetência
própriaefetuaradissoluçãodoCongresso;c)inexistênciade
participaçãoouquandomuitoamenorparticipaçãopossíveldo
Presidente,nossistemasautenticamentepresidencialistas,emmatéria
deiniciativadeleis,que,porforçadoPrincípiodaseparaçãode
poderes,cabeprincipalmenteaopoderlegislativo;cumpreaeste,
sobretudotocanteàmatériaorçamentária,trabalharporémemestreita
conexãoeharmoniacomopoderexecutivo,afimdeafiançara
legislaçãomaisconvenienteaosinteressesessenciaisdaordem
administrativa;d)consagraçãododireitodevetocomomeiode
contrabalançaracompetêncialegislativadoCongresso,colocando
assimnasmãosdoPresidenteumatécnicafamiliaraBolingbrokeeao
próprioMontesquieu,quedistinguiunocapítuloVIdolivroIIdaobra
DoEspíritodasLeisentrea“faculdadedeimpedir”ea“faculdadede
estatuir”,incluindo-seovetonaprimeiraenãoemaúltima,estasim
privativadoórgãoelaborador—opoderlegislativo;d)caráterrelativo
daquelafaculdade,meramenteimpeditiva,semefeitoabsoluto,podendo
oCongresso,porseuturno,tolherosefeitosdoatoexecutivo,mediante
rejeiçãodovetopresidencial,oqueviaderegrasedáatravésdevotação
legislativa,pormaioriadedoisterços,ficandoassimaúltimapalavra
comoCongresso,queaceitaráourejeitaráovetodoPresidente;e)
nomeaçãopeloPresidentedosministrosdamaisaltacortedejustiça,
sujeitaporémàaprovaçãodoSenado;f)direçãodapolíticaexteriorpelo
PresidentedaRepública,cabendoporémaoSenadoexercerimportante
controlenessapolítica,medianteratificaçãodostratados,pormaioria
ordinariamentededoisterços.
4.OspoderesdoPresidentedaRepública
OspoderesdoPresidenteconhecemamaislargaextensão.São
consideradosassoberbanteseesmagadoresecontinuamemexpansão
nosdistintossistemaspresidenciais.Opresidencialismotemsidoaté
criticadocomooregimedeumhomemsó.Comefeito,osencargos
presidenciaisabrangemsumariamente:
a)achefiadaadministração,atravésdeministérioseserviços
públicosfederais,entreguesapessoasdaconfiançadoPresidente,
responsáveisperanteeste,quelivrementeosescolheedemite;
b)oexercíciodocomandosupremodasforçasarmadas;
c)adireçãoeorientaçãodapolíticaexteriorcomatribuiçõesde
celebrartratadoseconvenções,declararguerraefazerapaz,debaixo
dasressalvasdocontroleexercidopelopoderlegislativo,nostermos
estatuídospelaConstituição.
5.OpoderpresidencialnosEstadosUnidosComopresidencialismocontemporâneo,dadaacrescente
ampliaçãodasfunçõesestataisemvirtudedamultiplicidadedefins
cadavezmaisvolumosos,queoEstadodecontínuoéchamadoa
prover,asresponsabilidadesdoPresidentesehãotornadopenosas,
esmagadoras,opressivas.
Longeesaudososvãoporconseguinteostemposemqueum
PresidentedaRepública,comoJefferson,nosEstadosUnidos,podia
confortavelmentedizerque“oamericanosomentesenteaexistênciado
podercentral,quandoparteoselofederaldoseucigarrooudesembarca
suasmalasnaalfândega”,tendochegadoademaisaafirmarqueo
governodaUniãonãoerasenãooDepartamentodeRelaçõesExteriores
dosEstados.1
Hoje,umPresidentedosEstadosUnidosteriainvejadaqueles
seusantecessoresilustres,quando,semmaisalternativa,sevê
responsávelpelanomeaçãodiretademilhõesdefuncionáriosepela
execuçãodedespesasorçamentáriasqueseaproximamdemeiotrilhão
dedólares,concentrandosimultaneamenteemsuasmãosa
impressionantesomadepoderesdeumreideInglaterra,umprimeiro-
ministrodaItáliaeumsecretário-geraldoPartidoComunistadaUnião
Soviética.
Enfeixamaispoderesqueummonarcaabsoluto.LuísXIV,
redivivo,trocariatalvezsemtitubearomantorealdeseupoderpela
faixapresidencialdequalquerpresidentedosEstadosUnidos.
ArazãoestácomWilsonquandoafirmouenfaticamentequeos
autoresdaConstituiçãofizeramnafiguradopresidente“umreimais
poderosodoqueaquelequeimitaram”.
EolugardessePresidente,consoanteassinalouLaski,“éomais
poderososobreafacedaTerra”.Apatronagemamericanaseconcentra
numafiguracentral:oPresidente,commilharesdeempregosfederais,
paraosapaniguadosdalegendavitoriosa,quetomaachefiada
administraçãofederal.
Essamassadeempregos,aseremdistribuídospoliticamenteem
cadarenovaçãodopoder,fortalecedemaneiraconsiderável,pelolado
interno,aautoridadedoPresidente,oprestígiomaterialdesuafunção.
Ospoilssystemdaburocraciaamericana,aocontráriodomerit
System,contribuiparaumaextrema“politização”dafunçãopúblicanos
EstadosUnidos,dandoaoPresidentedaRepúblicanoplanofederal
umaascendênciadificilmentecontestávelnessedomínio.
Poroutraparte,aausênciadelegislaçãodelegada(delegaçãoao
executivo),cujainconstitucionalidadepoderiaservirdefreioeficazà
expansãodopoderpresidencialedetodaaórbitaexecutiva,é
compensada,comvantagem,pelopoderregulamentarqueoPresidente
pessoalmenteexerce,expedindoexecutiveorderseproclamations,num
certosentidoequivalentesdopontodevistapolíticoejurídicoaos
famososdecretos-leisdopresidencialismolatino-americano.
MasénaesferadasrelaçõesexterioresqueoPresidente
americanoPatenteiadeformaimpressionantesuaincontrastável
autoridade,seuextraordináriovolumedepoderes.
Conduzindo
a
política
externa,
entabulando
negociações
diplomáticascompotênciasestrangeiras,assinandotratados,traçando
oprogramadaexpansãonuclear,aprovandoouvetandoosplanosda
corridaespacial,deliberandosoberanamentesobreoempregodas
forçasarmadasemintervençõesmilitaresnestesounoutros
continentes(aindaqueofaçaemcasodedeclaraçãodeguerra,ad
referendumdoCongresso),enfeixandoemsumapoderesditatoriaisem
tempodeguerra,pelafaculdadeconstitucionalderequisitarpessoase
bens,oPresidentedosEstadosUnidosévirtualmenteo“ditador
constitucional”queopresidencialismodonossoséculoinstituiu,
conferindo-lheumamassadepoderescujaextensãoconduza
imaginaçãohumanaàsmaisantigaspáginasdobradasnahistóriado
absolutismooriental;poderes,pois,deumsóhomem,maspoderes—e
aquivaitodaadiferença—quesenãoconfundemcomaautocracia,
pelanaturezajurídicadeseuexercício,legitimadoporumainspiração
superioreefetiva,quesãoosartigosdavelhaConstituiçãodeFiladélfia,
extraordinariamenteamoldadaaessaimprevisíveleassombrosa
dilataçãodasprerrogativaspresidenciais.
6.OpoderpresidencialnoBrasil(asatribuiçõesdoPresidenteda
República)
AConstituiçãobrasileirade1988,emseuartigo84,estabeleceua
competênciaprivativadoPresidentedaRepública.Suasatribuiçõesse
dilatamdamatérialegislativaàordemadministrativa,daesferado
podermilitaraocampodapolíticaexterior,dosnegóciosdaordem
federativaaosdafunçãojudiciária.
CabeassimaoPresidente,naformaenoscasosprevistospela
Constituição,tomarainiciativadoprocessolegislativo.Desua
competênciaprivativaéigualmenteasanção,apromulgaçãoea
publicaçãodasleis,bemcomoaexpediçãodedecretoseregulamentos
indispensáveisàfielexecuçãodessesdiplomas.
PossuitambémoPresidenteopoderdevetototalouparcialdos
projetosdelei.Noentanto,ondeavultamaissuacompetência
normativaparalelaàdoCongressoNacional,énaediçãodemedidas
provisóriascomforçadalei.Estassefazemadmissíveisunicamenteem
casosderelevânciaeurgência,sendosubstitutivasdosvelhosdecretos-
leis,familiaresaoutrasépocasconstitucionaisdenossopassado
republicano.RepresentammecanismosdeaçãourgentedoPoder
Executivo.
Colocadodiantedeproblemasedesafiosqueimpetram
normatividadedeemergência,oPresidentedaRepúblicasesente
compelidoautilizaroremédioexcepcionaldaquelasmedidas
provisóriascomaobrigaçãoqueaConstituiçãolheimpõedesubmetê-
las,imediatamente,aoexamedoCongressoNacional.Se,porém,esse
órgãodasoberaniaestiveremrecesso,far-se-ásuaconvocação
extraordinária,parareunir-senoprazode5dias.
Dispõeoparágrafoúnicodoart.62daConstituiçãoqueas
medidasprovisórias,umavezeditadas,perderãoeficáciasenãoforem
convertidasemleinoprazodetrintadias.Esseprazosecontadadata
desuapublicação.AoCongressoNacionalincumbedisciplinaras
relaçõesjurídicasdecorrentesdetaismedidas.
SãoaindaatribuiçõesconstitucionaisdoPresidentedaRepública
naesferadesuacompetênciaprivativaedeseurelacionamentocomo
poderlegislativo:a)remetermensagemeplanodegovernoaoCongresso
Nacionalporocasiãodaaberturadasessãolegislativa,expondoa
situaçãodoPaísesolicitandoasprovidênciasquejulgarnecessárias
(art.84,XI);b)prestaranualmenteaoCongressoNacional,dentrode60
diasapósaaberturadasessãolegislativa,ascontasrelativasao
exercícioanterior(art.84,XXIV)ec)enviaraoCongressoNacionalo
planoplurianual,oprojetodeleidediretrizesorçamentáriaseas
propostasdeorçamentoprevistasnaConstituição(art.84,XXIII).
Denaturezaadministrativaéaatribuiçãoconstitucionaldo
PresidentedenomeareexonerarosMinistrosdeEstadoeexercer,com
seuauxílio,adireçãosuperiordaadministraçãofederal,nomearos
GovernadoresdosTerritórios,autorizarbrasileirosaaceitarpensão,
empregooucomissãodegovernoestrangeiro,disporsobrea
organizaçãoeofuncionamentodaadministraçãofederalnaformada
lei,nomearosdiretoresdoBancoCentraleoutrosservidores,provere
extinguiroscargospúblicosfederaiseexerceroutrasatribuiçõesdesse
teor,estatuídasnaConstituição.
Quantoaopodermilitar,temoChefedoPoderExecutivo,pelo
textoconstitucionalvigente,competênciaprivativapara:a)declarar
guerranocasodeagressãoestrangeira,autorizadopeloCongresso
Nacionaloureferendadoporelequandoocorridanointervalodas
sessõeslegislativas;b)decretaramobilizaçãonacional,totalouparcial;
c)celebrarapaz,comautorizaçãoouadreferendumdoCongresso
Nacional;d)permitir,noscasosprevistosemleicomplementar,que
forçasestrangeirastransitempeloterritórionacionalounele
permaneçamtemporariamente;e)exercerocomandosupremodas
ForçasArmadas;f)promoverosoficiais-generaisdasForçasArmadase
nomeá-losparaoscargosquelhesãoprivativos.
TocanteàpolíticaexterioréoPresidentequemdecide:a)manter
relaçõescomEstadosestrangeiros;b)acreditarseusrepresentantes
diplomáticos;c)celebrartratados,convençõeseatosinternacionaisad
referendumdoCongressoNacional.
Titulardopoderexecutivofederal,cabe-lheumadasmais
importantesatribuiçõesconstitucionais—adezelarpeloequilíbrioe
conservaçãodaordemfederativa,medianteapreservaçãoeopronto
restabelecimentodaordempúblicaedapazsocial,podendoparatanto,
senecessário,decretaroestadodedefesaeoestadodesítiobemcomo
decretareexecutaraintervençãofederal.
SãoatribuiçõesprivativasdoPresidentedaRepública,decunho
judiciário,constantesdedisposiçõesdaConstituição:a)conceder
indultoecomutarpenas,comanuência,senecessário,dosórgãos
instituídosemlei;b)nomear,apósaprovaçãopeloSenadoFederal,os
MinistrosdoSupremoTribunalFederaledosTribunaisSuperiores;c)
nomearmagistradosnoscasosprevistospelaConstituiçãoed)nomear
oAdvogado-GeraldaUnião.
Outraatribuiçãodegranderelevância,privativadoPresidenteda
República,é,finalmente,adenomearosmembrosdoConselhoda
República,assimcomoconvocarepresidiresseórgãosuperiorde
consulta,aoqualcompetepronunciar-sesobreaintervençãofederal,o
estadodedefesa,oestadodesítioeasquestõesrelevantesparaa
estabilidadedasinstituiçõesdemocráticas.
CabeigualmenteaoPresidentedaRepública,nostermosdos
artigos84e91daConstituição,convocarepresidiroConselhode
DefesaNacional,outroórgãodeconsultaaqueelepoderecorreremse
tratandodeassuntosrelacionadoscomasoberanianacionaleadefesa
doEstadodemocrático.
7.Amodernizaçãodopoderexecutivoeoperigodas“ditaduras
constitucionais”
Emsuma,aampliaçãodepoderesdoPresidentedaRepúblicaem
váriospaísesqueadotamaformapresidencialdegovernoeatéem
algunsregidospelosistemaparlamentar,comoaFrança,debaixoda
Constituiçãodegaullistade1958,refletedeumaparteatendênciade
“modernizar”oPoderExecutivo,dotando-odosinstrumentos
indispensáveisaoeficazexercíciodafunçãogovernativanuma
sociedadedemocráticademassas,cadavezmaisexigentedemedidas
deprofundidadesocialeeconômicae,doutraparte,oanseiodecertos
ordenamentosdemocráticosdoOcidentedesobreviverem,dearmasna
mão,àdolorosaimpugnaçãoquelhefazemdeterminadossistemas
ideológicos.
Restasaber,mormentenospaísespresidenciaisdeestrutura
subdesenvolvida,atéondesepoderáadmitiressaexpansãojurídicados
poderesdoPresidentedaRepública,semacoimarde“ditadura
constitucional”osEstados,ondeessefenômenoocorre.Naorla
atlânticapaísesqueaindaontem,peloproclamadoaperfeiçoamentode
suasinstituiçõespolíticasepeloaltograudeseuprogressoeconômico,
viviamsobaégidedapazedoreformismosocial,comoaFrançaeos
EstadosUnidos,padecemamesmacríticaaofortaleceremdemaneira
excessivaaautoridadepresidencial.Atravessampoisidênticacrise:os
francesesporfatoresinternoseexternos,osEstadosUnidospor
questõespreponderantementeexternas,queseprendemàconduçãode
suapolíticadesegurançanacional.
8.OMinistério
OMinistérionosistemapresidencial,consoantejáindicamos
levemente,éumcorpodeauxiliaresdaconfiançaimediatado
Presidente,responsávelperanteeste,semnenhumvínculodesujeição
políticaaoCongresso.
Nospaísesondeopresidencialismomaisdepertoseacercado
modeloamericanotradicional,osministrosousecretários(comose
designamnosEstadosUnidos)sãopessoasestranhasàscasas
legislativas,emcujasdependênciasoPresidentejamaisvairecrutá-los,
fazendoassimrealçaroprincípiodaseparaçãodepoderes.
Essapraxe,queéregraconstitucionalnosEstadosUnidos,há
sidoconsideravelmenteabaladaemalgunsEstadoscomoonosso,onde,
soboregimepresidencial,nadaimpedequeochefedoExecutivovenha
afazerescolhasministeriaisentremembrosdoCongresso.
Adissociaçãoentreacarreiraministerialeacarreira
parlamentar,tãoemvoganossistemasdopresidencialismopuro,tende
aapagar-se,caindoporconseqüênciaorigordaincomunicabilidadede
ministrosecongressistas,àproporçãoqueseacentuaapreponderância
docontroledestesúltimossobreosprimeiros,chamando-osàscasasdo
Congresso,medianterequerimentodeinformações,prestaçãode
depoimentosemcomissõeslegislativaseatémesmoaudiêncianas
comissõesparlamentaresdeinquérito,cadavezmaisnumerosase
importantesnomecanismodavidapolítico-administrativadoEstado.
Têm
os
ministros
no
governo
presidencial
definida
a
responsabilidadeadministrativaenãoaresponsabilidadepolítica,como
ocorrenoparlamentarismo.Administrativamente,respondemeles
peranteoPresidente,queosinvestiuemsuaconfiançaepoliticamente
ossustenta.Comofigurasgovernativas,sãomaisagentese
colaboradoresdavontadepresidencialdoqueautoresresponsáveisde
decisões.
AinfluênciadoMinistroocorrecomfracaintensidadequandose
tratadePresidentesfortes.Ministroshouve,consoanteassinalouLaski,
quenãopassaramde“meninosderecado”.4Wilson,porexemplo,
dispensou-lhesessetratamento,aoentenderdopublicistainglês.
Nãoraroa“livreescolhapresidencial”émeramenteilusória,visto
queoscompromissospolítico-partidáriosimpõemaoPresidente
indicaçõesministeriaisrepugnantesaoseugostoesimpatia.Demodo
que,paraapagarapresençadessesauxiliaresdenenhumainfluência,
omissosousilenciosamentehostis,oPresidenteàsvezesquandotemde
tomarumadecisãoprefereignorá-los,cercando-sedepessoas
estranhasàcomposiçãodoministériooficial,equeentrama
desempenharopapelpolíticodeconselheiros,comparticipaçãodamais
altarelevâncianosassuntosbásicosdaadministração.
Surgedaí,naintimidadepresidencial,àmargemdoSecretariado
subalterno,deaudiêncianula,um“ministério”paraleloemais
influente,comaseminênciaspardasdoregime,osdonosdoPresidente,
achamada“copaecozinha”dos“maravilhas”dePalácios,oschefesdas
antecâmarasonipotentes,comoforamnahistóriaconstitucionaldos
EstadosUnidos,segundorefereomesmoLaski,osmembrosdokitchen
CabinetdeJackson,eemépocamaisrecente,jáemplenoséculoXX,os
conselheirosHouse,HopkinseHarriman,queserviramrespectivamente
aWilson,RoosevelteTruman,comumasomadeprestígioeinfluência
difíceisdeavaliaremtodaaextensão.
9.OMinistérionopresidencialismobrasileiro
À
Constituição
brasileira,
como
todas
as
Constituições
presidencialistas,fazdosMinistrosdeEstadomerosauxiliaresdo
PresidentedaRepúblicanoexercíciodoPoderExecutivo.
Onossoordenamentoconstitucionalatribuiexpressamenteao
MinistrodeEstadooexercíciodaorientação,coordenaçãoesupervisão
dosórgãoseentidadesdaadministraçãofederalnaáreadesua
competência.SãotambématribuiçõesdessesauxiliaresdoPresidente:
a)referendarosatosedecretosassinadospeloPresidente;b)expedir
instruçõesparaaexecuçãodasleis,decretoseregulamentos;c)
apresentaraoPresidentedaRepúblicarelatórioanualdosserviços
prestadospeloMinistério;ed)praticarosatospertinentesàs
atribuiçõesquelheforemoutorgadasoudelegadaspeloPresidenteda
República.
OsMinistrosdeEstadosãoescolhidoslivrementepeloChefedo
PoderExecutivodentrebrasileirosmaioresdevinteeumanosequese
encontremnoexercíciodosdireitospolíticos.Sãotambémdemissíveis
adnutumdoPresidente.AlgunsMinistrosnaqualidadedemembros
natosfazempartedoConselhodeDefesaNacional,eoConselho,por
suavez,énostermosdaConstituiçãoomaisaltoórgãodeconsultada
PresidênciadaRepúblicaparaaformulaçãoeexecuçãodapolíticade
segurançanacionaledefesadoEstadodemocrático.
Semquebradoprincípiodaseparaçãodepoderes,osMinistrosde
EstadoseachamtodaviaobrigadosacomparecerperanteaCâmarados
Deputados,oSenadoFederalouqualquerdesuascomissões,sempre
queumaououtraCâmara,pordeliberaçãodamaioria,osconvocar
paraprestarem,pessoalmente,informaçõesacercadeassunto
previamentedeterminado(art.50,caput).Onãocomparecimento,sem
justificaçãoadequada,implicacrimederesponsabilidade.
NasrelaçõesconstitucionaisdoMinistériocomoPoderLegislativo
ocorretambémapossibilidadedeosMinistrosdeEstado,aseupedido,
compareceremperanteascomissõesouoplenáriodequalquerdas
CasasdoCongressoNacionaledebaterprojetosrelacionadoscomo
Ministériosobsuadireção(art.50,§1ª).
CertasatribuiçõesdacompetênciaprivativadoPresidenteda
RepúblicapoderãoserporesteoutorgadasoudelegadasaosMinistros
deEstado,comobservânciadoslimitestraçadosnarespectiva
delegação.Taisatribuiçõessereferemaopoderdedisporsobrea
organizaçãoeofuncionamentodosórgãosdaadministraçãofederal,
bemcomosobreoprovimentoeextinçãodoscargospúblicosfederais
(art.48,parágrafoúnico).
OsMinistrosdeEstadonoscrimesderesponsabilidadeconexos
comosdoPresidentedaRepúblicaserãojulgadospeloSenadoFederal,
funcionandocomoPresidenteoPresidentedoSupremoTribunal
Federal.Noscrimescomunsederesponsabilidade,ressalvadoneste
últimocasoaconexãocomosdoPresidentedaRepública,serão
processadosejulgadosoriginariamentepeloSupremoTribunalFederal
(art.102“c”,eart.52,I).
10.AfiguraconstitucionaldoVice-Presidente
10.1AinutilidadedocargoDetodasaspeçasquecompõemosistemapresidencialde
governo,aVice-Presidênciaforaatéentãoapartemenosestimadae
maisexpostaàindiferençadacrônicaedocomentárioconstitucional.
Odesapreçoàfunçãojásemanifestara,deformapatente,na
ConstituintedeFiladélfia,queestabeleceuaVice-Presidência,numa
ocasiãodefadiga,comrarosargumentosfavoráveiseescassosdebates
acercadesuarealnecessidadeparaasnovasinstituições.
AssinalaahistóriapolíticadosEstadosUnidos,desdeseuinício,
referênciascontráriasàVice-Presidênciaporpartedepolíticosde
nomeada,queaexerceramcomaparenteconstrangimentoeresignação.
Expressandobomhumoraesserespeito,oprimeiroViceda
históriaamericana,Adams,sugeriaquesedesseaotitulardocargoo
tratamentode“SuaExcelência,oSupérfluo”,depoisdeasseverarque
nuncaaimaginaçãodohomem“conceberafunçãomaisinsignificante”.
OutroVice,deigualporteeenvergadura,quefoiTheodore
Roosevelt,afirmava,aindaaocomeçodesteséculo,sernarealidadeo
Vice-Presidenteapenas“aquintarodadacarruagem”.
Comomesmosensodehumor,Marshall,ex-Vice-Presidente,
costumavarelatarahistóriadedoisirmãos,dosquaisumviajarapara
UltramareoutroseelegeraVice-PresidentedosEstadosUnidos.De
ambosporémnuncamaisseouvirafalar...FoiessemesmoMarshall
queentrou,segundoLaski,nopinturescofolk-loreamericano,aodizer
quenãoprecisavaaAméricadeVice-Presidente,masdeumbom
charutodecincocentavos(agoodfivecentcigar).
Cobertainicialmentederidículo,objetodealusõesjocosas,a
funçãodaVice-Presidênciafaziatambémdequemaexercessealititular
deuma“sinecura”,consoanteexpressãoempregadaporBagehot.
RepresentavaainvestiduradeVice-Presidentesimplesprêmioa
umpolíticonaantevésperadaaposentadoriapolíticaoudoostracismo.
Lugarpoisqueopartidopolíticoguardavaparanegociaroucontentar
certasambiçõesfrustradaseacomodar,atravésdabarganhapolítica,
eventuaiscandidatosàPresidência.
Comparava-seaVice-Presidênciaaumbilhetedeloteria,algumas
vezessorteadonahistóriaamericanacomograndeprêmiodasucessão
presidencial.
Airrelevânciadocargofoicontudodetalordemquedescaiuna
irresponsabilidadedeeleger-sedecertafeitaumVice-Presidentede87
anosdeidade!Houveaomesmopassoquemescrevessejá,
preconizandoaextinçãodocargo,porinútil.Semembargo,publicistas
dacategoriadeLaskideclinamalgunsnomesexcepcionais,comoosde
Tyler,AndrewJohnson,TheodoreRoosevelteCoolidge,que,honrandoo
posto,deixaramnoexercíciodaVice-Presidênciadeser“objetode
comiseração”paraseconverteremem“homensdecarátere
determinação”.
10.2UmVice-Presidenteparaserouvidoenãoapenasvisto
Quemprimeirocombomêxitoreagiutalvezcontraaapatiae
insignificânciapolíticadafunçãovice-presidencialfoiHenryWallace,
Vice-PresidentedeRoosevelt,noperíodoqueseestendeude1940a
1944.Deuelecausa,segundocomentáriodeumconstitucionalista,a
certasurpresaeressentimento,comsuaatitudealgoinéditade
pretenderqueoVice-Presidentenãofosse“apenasparaservisto,mas
tambémouvido”.
Atéentão,cingira-seoVice-Presidente,comvotodeMinerva,a
presidiraoSenado.Presidênciaumtantosimbólica,poisàquelacasa
raramentecompareceele,porsentir-seforadeambiente,qual
verdadeirointruso.Demais,nãochegaoViceafazerfalta;costumamos
senadoreselegerdentreosseusumpresidenteprotempore,mais
autênticoelegítimo.
Nosúltimosanostodaviaatentou-separaarealimportânciado
cargo.Tudoisso,emvirtudedoalargamentodaingerênciadoEstado
nosdomíniosdavidaeconômicaesocial,doaumentoassoberbantedo
poderfederaledeigualampliaçãoderesponsabilidadedoPresidenteda
República.
10.3OVice-Presidentenascrisesdasucessãopresidencial
Masfoi,principalmente,amortededoisPresidentesamericanos,
RoosevelteKennedy,apardasúbitaeestonteanterenúnciadeJânio
QuadrosnoBrasil,quepatenteouemdefinitivoa“conscientização”da
importânciaquetemaVice-Presidêncianosistemapresidencialde
governo.
QuandoRooseveltdesapareceu,osEstadosUnidosemergiam
vitoriososdaconflagraçãomundial,prestesafindar-se,esedeparavam
comairônicaameaçade“ganharaguerra,masperderapaz”.
Naqueleinstantedramático,ascendeàpresidênciaamericanaum
homemdesconhecidodaopiniãopúblicainternacionaledepassado
políticomedíocre.
Essehomem,denomeHarriTruman,causariaforteimpressãoa
Churchillpeloseudespreparoparaoexercíciodafunçãopresidencial.
RegistraacrônicapolíticadosEstadosUnidosocuriosofatodequea
mesma
criatura
que
tomaria
sobre
seus
ombros
a
grave
responsabilidadequejamaisrecaiunapessoadeumestadistado
Ocidente—adecisãopessoalquesomenteelepoderiatomarde
arremessarsobrecidadesinimigasabombaatômica—ignorou,atéa
ocasiãodeassumirocargodePresidente,naquelaspenosas
circunstâncias,aexistênciasequerdoassombrosoartefato,comquese
inaugurouaeranucleareosubseqüenteterrordaguerraatômica.
DuranteasucessãodeJânioQuadros,apósseuatoderenúncia,
vimosengolfadooBrasilnastorvasameaçasdaguerracivilpelovetode
ponderávelcorrentemilitaràposseconstitucionaldoVice-Presidente.
Acabouestechegandoaopoderemmeioaumacrisecujas
conseqüências
determinaram,
com
o
advento
da
emenda
parlamentarista,extraordinárioabalonasinstituiçõesdoPaís.Amesma
crisesereproduziu,comoutrasconseqüências,duranteoimpedimento
dofalecidoPresidenteCostaeSilva,quandoasoluçãoconstitucional
queseriaapossedoVice-PresidentePedroAleixotevequeserpreterida,
emvirtudedosacontecimentosquesedesenrolavamnoPaís.UmAto
Institucionalfoioinstrumentodequeseserviuopoderusurpadorpara
resolverentãoaquestãosucessória.
10.4AvaloraçãodeliberadadaVice-PresidêncianosEstadosUnidos
NosEstadosUnidososreflexosdacrisehavidaporensejoda
sucessãodeRooseveltsetraduziramnumavaloraçãodeliberadada
Vice-Presidência,mediantereconhecimentodeseutitularcomomembro
atuantedogabinetepolíticodevanguarda,semficarreduzidoapenas
àquelafiguratradicionaleneutrademeroespectadorouausente
esquecido.
PassouentãooVice-PresidenteamembronatodoConselho
NacionaldeSegurançaeadiplomataparamissõesextraordinárias,
graçasaumcostumeconstitucionalemformação.Nixon,naausência
deEisenhower,presidiuareuniõesdoSecretariado.
Tocanteaosistemaamericano,omaiscuriosoéobservarqueo
CongressodosEstadosUnidos,insensívelaindaaosanseiosdeopinião,
favoráveisaumavaloraçãomaiordafunçãovice-presidencial,nadafez
atravésdaEmendaConstitucionaln.XXV,jáaprovada,para
institucionalizarasatribuiçõesdaVice-Presidência,quepermaneceram
comodantesaosabordeumaconfiançaprecáriaqueoPresidente
poderáconcederouretiraraseutalante.
10.5AsubstituiçãodoPresidenteemcasodeincapacidade
AXXIVªEmendaàConstituiçãodosEstadosUnidos,pendente
atéagoradeaprovaçãoportrêsquartaspartesdaslegislaturas
estaduais,foitambémomissaemconferiratribuiçõesaoVice-
Presidente.Masdisciplinaamatériarelativaàsubstituiçãodo
Presidenteemcasodeincapacidade,bemcomoadoVice,determinando
que,configuradaaquelahipótese,eouvidooSecretariadoecoma
aprovaçãodeste,assumeaPresidênciaoVice-Presidente.
CriaraocasodaincapacidadedoPresidente,sobretudopor
doença,gravesperplexidadesaopresidencialismoamericano,em
conseqüênciadaomissãodotextoconstitucional.Duasvezes,este
século,ogovernodosEstadosUnidos,emvirtudedeenfermidadedo
Presidente,passaraamãosestranhas,noentenderdealguns
publicistasamericanos.
Aprimeira,duranteadoençadeWilson,quandoMadameWilson
virtualmentegovernouoPaíse,deúltimo,porensejodaenfermidadede
Eisenhower,quando,segundosedisse,seusecretárioparticularteria
tomadodeformapessoaldecisões“emnomedoPresidente”.
DeacordocomaemendaaprovadapeloCongresso,ficaráajuízo
doPresidentedecidirsedeveounãoreassumirsuasfunções.Seoseu
substitutocontestarporémacapacidadedoPresidenteparavolverao
cargo,caberáaoCongressodecidiraesserespeitopormaioriadedois
terços.
QuantoàsubstituiçãodoVice-Presidente,vagandoaVice-
Presidência,competiráaoPresidentedesignarseueventualsubstituto,
cujaindicaçãoficarátodaviasujeitaàpréviaaprovaçãodoCongresso.
11.AVice-Presidêncianopresidencialismobrasileiro
OVice-Presidenteemnossosistemapresidencialdegovernoé
pelaConstituiçãoosubstitutodoPresidente,emcasodeimpedimento,
eseusucessor,nocasodevaga.
SãorequisitosqueocandidatoaVice-Presidentedeverá
preencher:a)serbrasileiromaiordetrintaecincoanos;b)achar-seno
exercíciodosdireitospolíticos.Considerar-se-áeleitoemdecorrênciada
eleiçãodocandidatoaPresidentecomeleregistrado.Omandatodo
Vice-Presidenteédecincoanoseasuaposseobedeceaomesmoritual
observadonapossedoPresidente:emsessãodoCongressoNacionalou
peranteoSupremoTribunalFederalseaquelenãoestiverreunido.O
Vice-PresidentetantoquantooPresidenteprestaocompromisso
constitucionalde“manter,defenderecumpriraConstituição,observar
asleis,promoverobemgeraldopovobrasileiroesustentaraunião,a
integridadeeaindependênciadoBrasil”.
Fixadaadatadaposse,oVice-Presidentetemdezdiaspara
assumirocargo.Decorridoesseprazo,nãoocorrendoaposse,salvopor
motivodeforçamaior,ocargoserádeclaradovagopeloCongresso
Nacional.
OVice-PresidentepelaEmendaConstitucionaln.1,de17de
outubrode1969,auxiliavaoPresidente,semprequeesteoconvocasse
paramissõesespeciais.LeiComplementarpoderiaconferir-lheoutras
atribuições.Entretanto,oVice-Presidente,jánãopresideaoCongresso
Nacional,masconservaodeverconstitucionaldeauxiliaroPresidente,
todavezqueesteoconvocarparaasreferidasmissõesespeciais.
Nopresidencialismobrasileiro,ocargodeVice-Presidentefora
abolidopelaEmendan.4,ochamadoAtoAdicionalàConstituiçãode
1946,queinstituíraoparlamentarismo.AEmendan.6àConstituição
de1946,aorestabeleceraformapresidencialdegoverno,mantevea
supressão.Comomovimentodemarçode1964,restaurou-seporémo
cargodeVice-Presidente,cujaeleiçãosefaziaporviaindireta.
AConstituiçãobrasileirarefleteatendênciapolíticaobservadano
presidencialismocontemporâneo,queprocuraprestigiarasfunçõesdo
Vice-Presidente.NoentantoosencargosquerodeiamoVice-Presidente
edequevaisendopaulatinamenteinvestido,sãoainda,conformeurge
ressaltar,denaturezaalgoprecária.Acham-seemlargaextensão
sujeitosaumadelegaçãodeprestígioeconfiançapessoaldoPresidente,
quenemsempresemostradispostoatanto,podendoassimanular-se
oudesapareceremfacedeumPresidentehostiloudesafeto.Todavia,a
Cartade1988fazdoVice-PresidentemembrodoConselhodeDefesa
Nacional,propiciando-lheodesempenhodefunçãoconsultivado
PresidentedaRepúblicaemassuntospertinentesàmanutençãoestável
dosistemafederativoedasinstituiçõesdemocráticas,bemcomo
naquelesqueentendemcomasoberanianacionaleadefesadoEstado
(artigos89e91).
12.OCongressoeacompetênciadascâmarasnosistema
presidencial
Otroncodopoderlegislativonosistemapresidencialéo
Congresso,quesecompõededuascâmaras:acâmarabaixaouCâmara
dosDeputadoseacâmaraaltaouSenado.NosEstadosUnidosrecebea
câmarabaixaadesignaçãodeCâmaradosRepresentantes.
Aprimeiradessascasasrepresentaatotalidadedoscidadãos,dos
contribuintes,dopovocomofonteprimáriadopoderpolítico,composta
derepresentantespopularesemnúmeroproporcionalaoshabitantes
(critériodemográfico)oudeeleitores(critériopolítico).Éaassembléia
democráticaporexcelência.
JáoSenadotemnosistemapresidencialfeiçãomenospopular,
sendonasorganizaçõesfederativasepresidenciais,aassembléiados
Estados,quesefazemnelarepresentaremtermosdeparidadepolítica,
cabendoacadaEstadoigualnúmerodesenadores.
Acompetênciadasduascasasnopresidencialismoéestatuída
pelaConstituição.OprincípioqueinspirounaFederaçãoamericanaa
criaçãodoSenadofoiomesmoquenaConfederaçãoengendrouaDieta,
comocongressodeembaixadores:odarepresentaçãopolíticadas
unidadesparticipantes.
OSenado,delegaçãodeEstados,desempenhaporexemplono
presidencialismodosEstadosUnidosimportantíssimopapel,tocanteàs
atribuiçõesdecontroledapolíticaexterna,desfrutandodeprestígio
sensivelmentemaiorqueodaCâmaradosRepresentantes,cujo
primadoseexercesobretudoemmatériafinanceira.
ApolíticaexteriorserefletenoSenado,quedispõedefaculdades
decontrolesobreoPresidentequantoàratificaçãodetratados,
aprovaçãodeSecretáriosenomeaçãodejuizesdaSupremaCorte.Daía
considerávelautoridadeexercidapeloSenadosobreosdestinosdoPaís,
sendoaquelasfaculdadesarazãomaisnotóriadoprestígioquerodeiaa
funçãosenatorialnosEstadosUnidos.
Explica-seporigualesseprestígiopelonúmerodesenadores,bem
maisreduzidoqueoderepresentantenaCâmarabaixae,domesmo
passo,peladuraçãodomandato.Onúmeroderepresentanteséquatro
vezesmaiorqueodeSenadores.OmandatodeumSenadorseprolonga
porseisanos,aopassoqueorepresentanteseelegeapenaspordois
anos,havendoassimrenovaçãodenomescommaisfreqüênciana
câmarabaixaquenacâmaraalta.
13.Opresidencialismo,técnicadademocraciarepresentativa
Tantoopresidencialismocomooparlamentarismosãométodos,
processosoutécnicasdademocraciarepresentativa.Nãochegamaser
formasdeEstado,regimespolíticos,instituiçõesideológicas.Atécnica
degovernoconsisteemdeterminaratribuiçõesdepoderesefixarou
disciplinarasrelaçõesdospoderesentresi.
Nãosãotantoformasdeinvestiduradopoderquantoformasde
exercíciodopoder.SampaioDóriaressaltoucomtodaalucidezque,
tocanteàinvestiduradopoder,nenhumadistinçãoháqueestabelecer
entreopresidencialismoeoparlamentarismo,poisambosseguema
mesmatrilha,conhecemosmesmosinstitutos:“Asleiseleitoraissãoas
mesmasparaambos,iguaisasinscriçõesdoseleitores,semtirarnem
pôr,iguaisosescrutínios,intangívelovotosecreto,análogosos
sistemasderepresentaçãodasminorias,sagradasaapuraçãoea
proclamaçãodoseleitos,estremesdefraudes”.5
Adistinçãosóprincipiaverdadeiramentecomosistemaadotado
paraapuraroconsentimentonoexercíciodopoder,quandoseerigem
osinstrumentosencaminhadosatraduzirnavontadedosgovernantesa
vontadedosgovernadosmedianteaadequaçãomaissábiapossível,
conformeressaltadopensamentodomesmoautor.
Emsetratandodosistemapresidencial,atécnicaconstitucional
estatuiosprincípioscardiaisdessaformadegoverno:aseparação,
independência
e
harmonia
dos
poderes,
sua
limitação
pela
Constituição,tendoporguardaumsupremotribunaldejustiça,o
ministériodaconfiançaexclusivadoPresidentedaRepública,aeleição
doPresidentepelosufrágiouniversaldaNaçãoeapresençadeprazos
certosfixandoatemporariedadedosmandatosdarepresentação
popularemcâmarasindissolúveis.
14.Osvíciosdopresidencialismo
Apráticadopresidencialismoemváriospaísespermitiuàanálise
políticavislumbrarosprincipaisvíciosquepadecetalformadegoverno,
aosquaisvamosresumidamentereferir-nos.
Opresidencialismo,segundovozesdacrítica,conduznãoraroà
reprováveleabusivaconcentraçãodepoderesnasmãosdeumaúnica
pessoa—oPresidentedaRepública—,àhipertrofiadeseupoder
pessoal,aogovernanteonipotente,quealisonjacuidatambém
onisciente.
Opresidencialismotraznaaparênciaaestabilidadedosgovernos,
masumavezdesencadeadasascrisesenãopodendoosdirigentesser
removidosantesdeexpiradooprazoconstitucionaldomandatoque
exercem,asoluçãoordinariamenteconduzàsrevoluções,golpesde
Estado,tumultoseditaduras,fazendoinstáveisasinstituiçõesmesmas.
Oregimepresidencial,segundoGilbertoAmado,“escravizaos
parlamentos,estrangulaapalavra,implantaosilêncio,desanimae
crestaainteligência”,6correspondeao“predomíniodaincapacidade”
(Rui),
inaugura
a
escola
da
mediocridade,
canoniza
a
irresponsabilidade,sagraoPresidenteimpune,quecometegravesfaltas
esóvemasairdopoder,antesdotermodeseumandato,mortoou
deposto;enfim,éosistemaquesefurtaàfiscalizaçãodaopinião,que
acabaquasesemprenasintervençõesfunestasàordemfederativa,nos
estadosdesítio,noapelofreqüenteaosquartéis,noslevantesarmados,
natomadamilitardopoder,naimplantaçãodasditaduras,nogoverno
unipessoaldoscaudilhos.
Aessesvíciosoutrossevêmsomar:ainfluênciaperturbadorado
Presidentenaoperaçãosucessória,buscandoelegerseusucessorouaté
mesmo,seforocaso,reformaraConstituiçãoparareeleger-se;a
debilidadeesubserviênciadoCongressoàvontadepresidencial,
convertendo-seolegislativonumpoderausente,caracterizadopor
impotênciacrônica,sistemaondenãoháemverdadeacolaboraçãodos
poderes,senãoopredomíniodeumpodersobreoutroouadisputada
hegemoniaentreospoderes;ondeascrisesdegovernogeramacrise
dasinstituições;ondeoCongresso,entrandoemconflitocomo
Executivo,sódispõedeinstrumentosnegativosdecontrole:arecusade
dotaçõesorçamentárias,aobstruçãolegislativa,etc,eonde,porúltimo,
oPresidente,comoditadorlegal,demandatocerto,éaodizerdeRui
Barbosa,“opoderdospoderes,ograndeeleitor,ograndenomeador,o
grandecontratador,opoderdabolsa,opoderdosnegócios,opoderda
força”.7
15.O“impeachment”eaausênciaderesponsabilidade
presidencial
TendoaludidoaolugardaobradeRuiBarbosaondeselêque
“maisvale,nogoverno,ainstabilidadequeairresponsabilidade”8—
essanotadominantedopresidencialismo—umdosnossosbons
constitucionalistasretratoucomsumaclarezaesingelezaainoperância
doimpeachment,institutodeorigemanglo-saxônica,acolhidopelas
Constituiçõespresidencialistas,aoafirmarque“sendoumprocessode
“formas”criminais(aindaquenãosejaumprocedimentopenal
“estrito”),repressivo,aposteriori,seumanejoédifícil,lento,corruptore
condicionadoàpráticadeatospreviamentecapituladoscomocrimes”.9
Sobreoimpeachment,esse“canhãodecemtoneladas”(Lord
Bryce),quedorme“nomuseudasantigüidadesconstitucionais”
(Boutmy)éaindadecisivoojuízodeRuiBarbosa,quandoasseveraque
“aresponsabilidadecriadasobaformadoimpeachmentsefaz
absolutamentefictícia,irrealizável,mentirosa”,10resultandodaíno
presidencialismoumpoder“irresponsáveleporconseqüência,ilimitado,
imoral,absoluto”.
EssaafirmativasecompletanoutrapassagememqueRui
Barbosa,depoisdelembraroimpeachmentnasinstituiçõesamericanas
como“umaameaçadesprezadaepraticamenteinverificável”,escreve:
“Nairresponsabilidadevaidar,naturalmente,opresidencialismo.O
presidencialismo,senãoemteoria,comcertezapraticamente,vemaser
deordinário,umsistemadegovernoirresponsável”.11
Ondeopresidencialismosemostrapoisirremediavelmente
vulnerávelecomprometidoénaparterelativaàresponsabilidade
presidencial.
O
presidencialismo
conhece
tão-somente
a
responsabilidadedeordemjurídica,queapenaspermitearemoçãodo
governante,incursonosdelitosprevistospelaConstituição.Defronta-se
osistemaporémcomumprocessolentoecomplicado(oimpeachment,
conformevimos),queforadadoutrinaquasenenhumaaplicaçãoteve.
Muitodistintoaliásdaresponsabilidadepolíticaaqueéchamadoo
Executivonaformaparlamentar,responsabilidademedianteaqualse
deitafacilmenteporterratodooministériodecaídodaconfiançado
Parlamento.
16.AeleiçãodoPresidentedaRepúblicaeo“impeachment”no
sistemapresidencialbrasileiro
AescolhadoPresidentedaRepúblicanoregimeconstitucional
vigentesefazentrebrasileirosmaioresdetrintaecincoanoseno
exercíciodosdireitospolíticos.OPresidentedaRepúblicanosistema
políticobrasileiroanterioràConstituiçãode1988nãoderivavaosseus
poderesdiretamentedopovo,comoaconteciaatéaoadventoda
Revoluçãode1964.Aeleiçãoindiretaencontraratodaviaaplicação
antecedentenaConstituiçãodemocráticade1934,queteveexistência
efêmera.Écontudodaboaíndoledosistemapresidencialaeleição
diretadoprimeiromandatáriodaNação.
Umcolégioeleitoral,compostodosmembrosdoCongresso
NacionaledosdelegadosdasAssembléiasLegislativasdosEstados,
elegiaantesdaatualCarta,emsessãopúblicaemediantevotação
nominal,oPresidentebrasileiro.
EssesdelegadosdasAssembléiasestaduaiseramemnúmerode
trêsemaisumporquinhentosmileleitoresinscritosnoEstado.
Nenhumarepresentaçãoestadualpoderiaterumnúmerodedelegados
inferioraquatro.
Tocanteàcomposiçãoeaofuncionamentodocolégioeleitoral,um
dispositivoconstitucionalestabeleciaqueamatériaseriaregulada
atravésdeleicomplementar.
Areuniãodocolégioeleitoralparaprocederàescolhado
PresidenteocorrianasededoCongressoNacional,a15dejaneirodo
anoemquefindavaomandatopresidencial,oqualtinhaaduraçãode
cincoanos.
OpartidopolíticoregistravaonomedocandidatoaPresidente,
elegendo-seaquelequeobtivessenaoperaçãoeleitoralmaioriaabsoluta
devotos.
Atécnicaadotadaparaosufrágiopelocolégioeleitoralpreviaque
nahipótesedenenhumcandidatolograrmaioriaabsolutanaprimeira
votação,repetir-se-iamosescrutínioseaeleiçãosedarianoterceiro,
pormaioriasimples.OcompromissoqueoPresidenteeleitoprestavaà
NaçãoaotomarposseperanteoCongressoNacionalou,seessenão
estivessereunido,peranteoSupremoTribunalFederal,eraaquelejá
reproduzidonestecapítuloquandonosocupamosdoVice-Presidente,
ousejaomesmoprevistonaatualConstituiçãode1988.
Oinstitutodoimpeachment,semembargodaseveracríticaque
lhefazemospublicistas,nãodesapareceudasConstituições
presidencialistaseemalgumasostextosmaisrecentessãocopiososem
preceitossobreamatéria.Tem-seaimpressãodequeaquele
pessimismotãoduroeamargoaquejánosreportamosnãosereflete
noânimodosredatoresconstituintes,queaparentementelevamasério
oimpedimentopresidencial,comtodasaspossibilidades,seforocaso,
deprocessarumPresidentefaltoso,incursoemcrimesde
responsabilidade.
No
presidencialismo
brasileiro,
consideram-se
crimes
de
responsabilidadetodososatosdoPresidentequeatentaremcontraa
ConstituiçãoFederalousobretudoaquelesqueferirem:a)aexistência
daUnião;b)olivreexercíciodoPoderLegislativo,doPoderJudiciárioe
dosPoderesconstitucionaisdosEstados;c)oexercíciodosdireitos
políticos,individuaisesociais;d)asegurançainternadoPaís;e)a
probidadenaadministração;f)aleiorçamentária;eg)ocumprimento
dasleisedasdecisõesjudiciárias(art.85daConstituição).
Quantoàsnormasdeprocessoejulgamento,serãoestabelecidas
emleiespecial,quedefiniráoscrimesderesponsabilidadedo
PresidentedaRepública.
AConstituiçãoBrasileiraemvigordeterminaqueàCâmarados
DeputadoscompeteadmitiraacusaçãocontraoPresidenteda
República.Essadeclaraçãosefarápelovotodedoisterçosdeseus
membros.Aseguir,instauradooprocessopeloSenadoFederal,o
Presidenteficarásuspensodesuasfunções,aguardandojulgamento
poressamesmaCâmarasobapresidênciadoPresidentedoSupremo
TribunalFederal.
Ojulgamentoocorreránoprazode180dias,findooqual,senão
estiverconcluído,cessaráoafastamentodoPresidente,semprejuízodo
regularprosseguimentodoprocesso(art.86,§2ª).
17.ElogiodosistemapresidencialdegovernoComrespeitoaindaàavaliaçãodopresidencialismo,háosque
doutrinariamenteentendemestarempresençadosistemaquepermite
amaissólidadefesa,apardamaisamplagarantiadosdireitos
individuais;sistemaqueconverteemdogmaoprincípiodainequívoca
separaçãodepodereseproporciona,comogovernoderesponsabilidade
menospolíticadoquejurídica,segurasgarantias,contraosabusosda
autoridadeexecutiva,cujosatospodeminquinar-se,peranteos
tribunais,deinconstitucionalidadeeilegalidade.
Estafaculdade,segundoseusapologistas,éarmamaiseficazque
amerafaculdadeparlamentardederrubargovernos.Deixao
parlamentarismotodavia(sendoestetalvezoseudefeitomaisgrave)o
indivíduoeseusdireitosforadafaixadeproteçãolegalcontraatosdo
poderpolíticodosParlamentosonipotentes,expostosporconseguinte
aosexcessosdasoberanialegislativa,queostribunais,invocando
ordinariamentealógicadosistema,seeximemdecontra-arrestar.
Vêemosseusapologistas,aindanopresidencialismoaforma
governativaquemaisconsultaosanseiosdaordem,daautoridade,da
conservação;quemelhorsecoadunacomoprincípiofederativo;que
garanteaestabilidadeadministrativacomosmesmoshomensàtesta
dopoderporperíodoscertosedeterminados,traçandoaogovernoa
continuidadedeorientaçãoquesealegafaltarnoparlamentarismo.
18.OpresidencialismonoBrasil:surpresaeintempestividadede
suaadoção
ComaConstituiçãorepublicanade1891,estreou-senoBrasilo
sistemapresidencialdegoverno,aquiintroduzidoumtanto
inadvertidamente.Noprogramadasforçasquecombatiamopoder
pessoaldomonarca,eprecipitaramafinalaquedadoImpério,estavam
previstasinumeráveisreformaseprincípiosnovosdeorganização
política:nenhumporémqueimplicasseaadoçãodeliberadado
presidencialismo.
Veioesteinsinuadoouimplícitonamudançafederativaquese
operou.
ComotrasladoteóricodasbasesdaConstituiçãoamericana,
modelo
confessado
das
nossas
instituições
republicanas,
o
presidencialismoaquiseestréia.Nosfastosdacrônicapolíticaque
antecedeuomovimentosúbitode15denovembro,nãoseouve
nenhumavozecoardoaltodatribunaparlamentaroudascolunasdos
órgãosdeimprensa,preconizandoasvirtudesdosistemadebaixodo
qualiríamosviver,sobamaiscrassaignorânciadeseusmecanismos,
descuidoessequecustouaRuiBarbosaPenosoesforçodemagistério
constitucional,nemsempredevidamentecompreendidoouaproveitado
porquantostinhamnoexercíciodopoderamissãodeobservare
cumprirospreceitosdanovatécnicarecém-implantada.
OsabusosdeautoridadedoImperador,ounitarismodacoroa
comosexcessosdecentralizaçãodopoder,amonarquiamesma,foram
temas
prediletos
da
agitação
republicana.
Constitucionalistas
monárquicoscomoRuiBarbosa,queseabraçavamtenazmenteao
federalismo,nuncaporémesposaramopresidencialismo,cuja
ressonância,senãochegavaàselites,muitomenosalcançariaas
camadaspopulares,espessamenteignorantesarespeitodetalformade
governo.
Acercadessaquestão,escreveuMedeiroseAlbuquerque,emO
RegimePresidencial,comtodaaargúcia:“Oregimepresidencialistanão
foiinstituídonoBrasildepoisdeumapropagandaquetivessemostrado
suasvantagensedesvantagens.Eleapareceuumdia,numprojetode
ConstituiçãodecretadopeloGovernoProvisório.Ninguémodiscutiu.
Foiaceito,porassimdizer,emsilêncio”,ou,aseguir:“Averdadeéesta:
apropagandarepublicanasefezsemqueamaioriapensassenoregime
presidencial:nãosesabiaoqueera,nãosefalavanele,ouainda:
“Assim,ainstituiçãodopresidencialismoentrenóssefezporsurpresa.
Porsurpresaegraçasàignorânciageralemquetodosestavamaseu
respeito.NãofoiumaescolhaconscientedaNação”.12
Domesmomodo,AgamenonMagalhães:“noBrasiloregime
presidencialnasceudainfluêncianorte-americanaenãosobapressão
defatospolíticosoudecondiçõesexistentes.Jáanossaunidadetinha
sidorealizadapeloImpérioeasinstituiçõesparlamentaresestavamem
prática,operandoaevoluçãopolíticabrasileiraparaademocracia.A
república,portanto,nãodeviaterinterrompidoatradiçãoparlamentar.
Afederação,sim,erafenômenogeográficoehistórico,trabalhandopelas
forçasdescentralizadoras,atuantesduranteoImpério.Maso
presidencialismofoiimitaçãodasinstituiçõesnorte-americanas,criação
puramentedoutrinária.Anossaeducaçãodemocráticaeasnossas
tradiçõesliberaisnãooimpunham”.13
Emsuma,acordamosnopresidencialismodamesmamaneira
queamanhecemosnaRepública...Emambososcasos,asinstituições
doPaísforammarteladaspelasurpresa.
19.Omalogrodaexperiênciapresidencialeotestemunhoidôneo
deRuiBarbosa
DoquehásidonoBrasilapráticapresidencialista,nenhum
testemunhomaisaltoeeloqüentequeodeRuiBarbosa,autor
doutrinário
de
nossa
primeira
Constituição
republicana,
presidencialistaconvictonosprimeirosdiasdoregimequeaboliua
monarquiae,comotempo,críticopessimistaealgodesencantadodas
instituiçõesquetransitarampurasemsuasmãosedepoisse
contaminaramdosvíciosdaambiênciapolíticaesocial,da
caudilhagem,dainépcia,doditatorialismo.
Comefeito,énoslugaresquevamostranscreveronderealmente
sefazoprocessodopresidencialismobrasileiroenãonos
acontecimentosquelevaramàconsultaplebiscitáriade1963,quandoo
povofoiconvocadoàsurnasparaarrancarcomoseuvotooenxerto
parlamentaristafeitonaConstituiçãodopresidencialismo.
AsseveraRuiBarbosa:“Destefeito,opresidencialismobrasileiro
nãoésenãoaditaduraemestadocrônico,airresponsabilidadegeral,a
irresponsabilidadeconsolidada,airresponsabilidadesistemáticado
PoderExecutivo”.14Nãomenosenfáticoaindaquandoafirmaque“o
regimepresidencialcriouomaischinês,omaisrusso,omaisasiático,o
maisafricanodetodososregimes”15ouquandoponderaemtermos
sombriosque“anossarevoluçãoestabeleceuosilêncio”,que“asformas
donovoregimemataramapalavra”,quenogovernoparlamentar“as
câmaraslegislativasconstituemumaescola”,aopassoqueno
presidencialismo“nãohásenãoumpoderverdadeiro:odochefeda
nação,exclusivodepositáriodaautoridadeparaobemeparaomal”16
e,porúltimo,queemsemelhanteregime“atribunaparlamentaréuma
crateraextinta,eascâmaraslegislativasmerasombraderepresentação
nacional”.17
Quemsepõeademaisaajuizardasinstituiçõespolíticas
brasileirasporsuavinculaçãoaopresidencialismo,hádeextrairdos
fatosaconclusãodequeosúnicosperíodoscalmosdahistória
republicanaforamosquatriêniosdaPresidênciadeWenceslauBraze
daPresidênciadeDutra,estaúltima,nãoobstante,assinaladapor
tropeliaspoliciaisnoRiodeJaneiro,dissoluçãodecomícioseagitação
decorrentedamedidalegislativa,deinspiraçãooficial,quedeterminouo
fechamentodoPartidoComunistaBrasileiro.
Osdemaisperíodosdopresidencialismopátrioaparecemtodos
marcadosporviolentascomoçõespolíticas,abrangendolevantes
militares,revoluções,conspirações,intentonas,intervençõesfederais,
estadosdesítio,infraçõesdaConstituiçãoeoutrasmazelasque
emprestamaosistemapresidenciallatino-americanosuavelhae
mórbidafisionomia.
1.AssisChateaubriand,DiscursonoSenadoFederal,Sessãode27dejulhode1955.
*Nolivro(original)anumeraçãodasNotasdeRodapépulado1parao4.Nãohouve
erronadigitalização(Notadadigitalizadora).
4.HaroldJ.Laski,ElSistemaPresidencialNorteamericano,pp.61-62.
5.A.deSampaioDória,“ParlamentarismoversusFederação”,EstadodeSãoPaulo,
ediçãode12deoutubrode1961.
6.GilbertoAmadoapudJoséAugusto,PresidencialismoversusParlamentarismo,p.
79.7.RuiBarbosaapudHermesLima,LiçõesdaCrise,p.54.
8.RuiBarbosa,ExcursãoEleitoralaosEstadosdaBahiaeMinasGerais,p.26.
9.PauloBrossarddeSouzaPinto,PresidencialismoeParlamentarismonaIdeologiade
RuiBarbosa,p.17.
10.RuiBarbosa,AGênesedaCandidaturadoSr.WenceslauBraz,pp.36-37.
11.RuiBarbosa,AImprensaeoDeverdaVerdade,p.21.
12.MedeiroseAlbuquerque,ORegimePresidencial,apudJoséAugusto,ob.cit.,p.
113.13.AgamenonMagalhães,OEstadoeaRealidadeContemporânea,pp.153-154.
14.RuiBarbosa,NovosDiscursoseConferências,pp.350-353.
15.RuiBarbosa,AGênesedaCandidaturadoSr.WenceslauBraz,pp.36-37.
16.RuiBarbosa,CampanhaPresidencial,pp.118-119.
17.RuiBarbosa,OswaldoCruz,pp.3-4.
22
OPARLAMENTARISMO
1.Aformaçãohistóricadosistemaparlamentar:ogoverno
representativoeamonarquialimitadacomopontodepartida—2.
O
parlamentarismo
dualista
(monárquico-aristocrático)
ou
parlamentarismoclássico:2.1Aigualdadeentreoexecutivoeo
legislativo—2.2Acolaboraçãodosdoispoderesentresi—2.3A
existênciademeiosdeaçãorecíprocanofuncionamentodo
executivoedolegislativo—3.Oparlamentarismomonista
(democrático),característicodoséculoXX—4.Dogoverno
parlamentaraogovernodeassembléia(governoconvencional)—5.
Criseetransformaçãodoparlamentarismo:astendências
“racionalizadoras”
contemporâneas
—
6.
Do
pseudo-
parlamentarismodoImpério.(umparlamentarismobastardo)aoAto
Adicionalde1961,comomalogrodanovatentativadeimplantação
dosistemaparlamentarnoBrasil.
1.Aformaçãohistóricadosistemaparlamentar:ogoverno
representativoeamonarquialimitadacomopontodepartida
Tomadainadvertidamente,aexpressãoparlamentarismopareceà
primeiravistaindicarosistemadegovernoondeháumParlamento,do
mesmomodoqueopresidencialismo,nessamesmaordemde
equívocos,aquefacilmenteseprestaovocabuláriopolítico,conduziria
asuporquesetratadoregimeondeimperaaautoridadedoPresidente
daRepública.
Nemoparlamentarismoseexplicaatravésdameraexistênciado
Parlamento,nemopresidencialismosedefinepelapresençaapenasde
umPresidentedaRepública,poisregimeshácomParlamento,sem
parlamentarismo(odaInglaterra,atémeadosdoséculoXVIII)ecom
PresidentedaRepública,sempresidencialismo(odasrepúblicas
parlamentaristas,comoaTerceiraRepúblicafrancesa).
Consideradopeloângulohistórico,oparlamentarismorepresenta
opontodechegadadeumlongodesenvolvimentopolíticodas
instituiçõesinglesas,cujasnascentesmaisremotasteríamosdesituar
nosprimeirosséculosdamonarquiabritânicaecujasorigensmais
próximasvamosdepararnoscaminhosseguidospeloParlamentoda
Inglaterra,apósodesfechoda“GloriosaRevolução”(1688).Assinalou-se
então,emtermosdepermanênciaecontinuidade,oitineráriopacífico
doPaís,rumoàstransformaçõesdestinadasaimplantareconsolidar,
empresençadacoroahereditária,ahegemoniadoramoeletivoda
representaçãopolítica,comassentonaCâmaradosComuns.
Duasfasessedistinguemporconseguintenahistóriadosistema
parlamentar:adaslutasparaaformaçãodogovernorepresentativoem
facedeumamonarquiadetendênciasnãoraroabsolutistas,equevai
desdeoséculoXIIIaoséculoXVII,eadasocorrênciaspacíficas,mas
profundamentemodificadoras,quesedesenrolamnavidapolítica
inglesa,duranteoséculoXVIII,quandoaInglaterratestemunha,como
principalefeitodaRevoluçãoliberalde1688,apassagem,menosdeum
séculodepois,daqueleregimerepresentativo,aindatímidoemodesto,à
suavariantemaisaprimorada:aformaparlamentar,naqualfielmente
seespelhaainfluênciajápreponderanteeinabaláveldasduascasas
legislativas:aCâmaradosComunseaCâmaradosLordes.
Oregimeparlamentaréformaderegimerepresentativo.Nenhum
teoristacriouaformaparlamentardegoverno.Seháumsistemade
organizaçãodopoderpolíticoqueresultoudiretamentedahistóriaedo
contínuo
desdobramento
das
instituições,
este
sistema
é
o
parlamentarismo.
Suaorigeminglesasósefazdetodocompreensível,sealargarmos
oâmbitodaanálisehistórica,descendoàsinstituiçõesdamonarquia
feudal,ondeseachamplantadasassementesdopoderrepresentativo.
Este,antesdaexplosãorevolucionáriadoséculoXVII,jáconhecia
formasinstitucionaisembrionárias.AssiméqueocelebradoConselho
(PermanentorprivyCouncil),tambémconhecidopeladesignaçãode
Concilium,curiaregisouParliamentum,assistiaoreinassuas
deliberações,fazendo-seantecessorhistóricodomodernoParlamento
inglês.
AtéocomeçodoséculoXIV,oParlamentoinglêseraaindao
magnumCommuneconsiliumregni,oGrandeConselho,ondedominava
opoderfeudaldaaltaaristocracia,dosgrandesbarõesfeudaisemluta
comosoberano.OParlamentoverdadeiramentesóseformacoma
apariçãodaCâmaradosComuns,ramoresultantedaassociaçãoda
burguesiaascendentecomapequenaemédianobrezarural.Ocorre
poisafusãodosdeputadosdosburgoscomosdeputadosdos
condados;estesdeiníciomaisinfluentes,aquelesporémmais
numerosos.
Quandoanaçãofeudalsecindiuemduasnocursodoséculo
XIX,ficandodeumaparteosgrandesbarõesfeudaisagrupados,
gravitandoaoredordorei,edeoutraparte,amédiaaristocraciada
feudalidadedemãosdadascomaburguesia,emdefesadesuas
liberdades,estavaconsumado,segundoGuizot,umdosmomentos
supremosnahistóriadasinstituiçõespolíticasdaInglaterra:oadvento
deumaCâmaradosComuns,começoverdadeirodoParlamentocoma
implantação,jáaestaalturaincontestável,dosistemarepresentativo.1
Daípordiantedeclinaecorrói-seopoderdaaltaaristocracia,que
deixadeserotemíveladversárioquehaviasidodopoderabsoluto,
passandoentãoaescrever-seahistóriapolíticadoregime
representativoatravésdoscombatesqueopoderrealteráqueferircom
umParlamento,ondecresceeseavigorarápidaedominadoramentea
influênciadosComuns.
Poucoimportaapolêmicadoshistoriadorespolíticosbuscando
fixaroanoexatoemqueessatransformaçãoseoperou.Sabe-secom
certezaquejánasegundametadedoséculoXIVoParlamentoinglêsse
apresentavacomsuafisionomiaatual,repartidoemduascasas:a
CâmaradosPareseaCâmaradosComuns.
DoséculoXVaoséculoXVII,osistemarepresentativoporfiacom
osabusos,oarbítrioeavocaçãoabsolutistadaCoroa,como
despotismodosTudors,noséculoXVI,comaopressãodosStuarts,no
séculoXVII,comosensaiosferozesdaantigamonarquiafeudal,que
intentamalogradamente,naInglaterra,converter-se,empresençados
novostempos,numamonarquiaabsoluta.
Aolongodelargoperíodoqueseestendeporcercadetrezentos
anos,atéa“GloriosaRevolução”(1688),oParlamentoinglêsadquireo
sentimentodesuaforça,tomaconsciênciadeseuprestígio,apresenta-
seresolutamentecomoopodernacionaldiantedorei,discutecom
energiaosassuntosdegoverno,fazdoimpostoograndeinstrumentode
sujeiçãodopoder,sustentanasafamadaspetiçõesdoséculoXVIIos
princípiosbásicosdegarantiadasliberdades,direitosefranquiasjá
auferidaspelascamadaseconomicamentemaisponderáveisdopovo
inglês.
AtravessadaspoisasrevoluçõesdoséculoXVII,quedecapitaram
umreiebaniramumadinastia,aInglaterrasurgecomosistema
representativoinabalavelmenteconsolidado,detrilhaabertajáparaa
implantação
do
sistema
parlamentar,
segundo
momento
importantíssimonavidadasinstituiçõespolíticasdaquelepaís.
Essaimplantaçãoocorre,conformeosmelhoresautores,durante
oséculoXVIII,favorecidaporcircunstânciashistóricasdeterminadas,
comoasqueseprendemaocomportamentodosnovosreisdadinastia
deHannover.Comefeito,doconflitodoParlamentocomosStuarts,
resultaraclarooprincípionovododireitopúblicoinglêsdeque,em
casodependênciacomopoderrepresentativo,osministrosdecaídosda
confiançadoParlamentoficariamsujeitosaumprocessode
responsabilidade,emquecaberiaaacusaçãoàCâmaradosComunseo
julgamentoàCâmaradosLordes.
Aprimeiraprovaaquefoipostaessaregranovadodireito
constitucionalinglêsseverificaem1782,quandoLordNorth,no
exercíciodasfunçõesdeprimeiro-ministro,sedemitedachefiado
governo,emfacedaoposiçãoparlamentarquelheeramovida,sem
embargodecontarcomaplenaconfiançadoreiJorgeIII.
TemiaporémoPrimeiro-Ministroqueseconsumasseaameaça
pendentedoimpeachment,casonãoresignasseàsuafunção
ministerial,apósreceberduasmoçõesdecensuraedesconfiança.
Oshistoriadorespolíticosdatamdaíoadventodogoverno
parlamentarnaInglaterra,vistoqueeste,comoassinalaEsmein,“nãoé
outracoisasenãoaresponsabilidadeministerialarrastadaaosseus
derradeiroslimites”.2
Causashistóricasdeterminantesdessedesfecho,ondeclaramente
selêoextraordinárioacréscimodeforça,prestígioeinfluêncianopoder
doParlamento,fazendoqueestepreponderedefinitivamentesobreo
poderdaCoroa,abrangemosseguintesfatosdavidapolíticainglesa:a
deposiçãodoúltimoStuartpelasarmasdaaristocraciainsurreta,
assinalandoiniludivelmenteavitóriadacausadoParlamento;aorigem
danovadinastianoconsentimentoeconvocaçãodaautoridade
parlamentar;oprocedimentoirônicodos“reisalemães”dadinastiade
Hannover,achamadasériedos“reisimpossíveis”(1714-1837),que
foram:JorgeI,umestrangeiroquenãoesqueciaolugardeorigem,
jamaisaprendeuafalaringlês,etevesempredificuldadedecomunicar-
seemlatimcomosseusministros,emsuma,umreicompletamente
alheiodosnegóciospúblicos,propiciandoaogabinetereunir-sena
ausênciadomonarca;JorgeII,umreifraco,quenãoforcejapor
recuperarainfluênciaperdidapeloantecessor;JorgeIII,obstinado,
cego,demente,autoritárioeirresponsável,fazdesuaexistência“uma
espéciedemuseudedefeitosdeumreiconstitucional”;3JorgeIV,
monarcadesidiosoedepravado,umroifainéant,cujavidaconjugal
escandalizaasociedadeinglesaedesprestigiaaCoroa.OParlamento
fortaleceupoissuainfluênciaeascendêncianadireçãopolíticadopaís,
valendo-sedoesvaziamentoedesusodealgumasprerrogativasda
realeza.
Vê-seconseqüentementeoexagerodosquedatamde1688,da
“GloriosaRevolução”,oiníciodosistemaparlamentar,naInglaterra,o
qual,parainstaurar-sedemododefinitivocomaadoçãoepráticada
responsabilidadeministerial,percorreaindaquaseumséculode
vagarosodesenvolvimentodasinstituições.
Comefeito,atéchegar“àcriaçãodeumgabinetehomogêneo,
escolhidopelorei,masresponsávelpolíticaesolidariamenteperanteo
Parlamentoedirigidoporumprimeiro-ministro”,enumeraDuguitas
seguintescausas,queconcorremparasemelhanteresultado:a)a
vitóriade1688doParlamentosobrearealeza;b)ocontroleparlamentar
sobreogovernonavotaçãodapropostatributáriaanual;c)aformação
dedoisgrandespartidoshomogêneos,os“Whigs”eos“Tories”;d)aalta
culturadaaristocraciainglesa,e,porfim,e)ojámencionadoadvento
deumalinhagemestrangeiradereis,emqueoprimeirodasérie,por
ignorânciadalínguainglesa,semostrouincapazdeacompanharos
debatesedeliberaçõesdeseuministério.4
Adquiridodepoispelosministrosohábitodedemitir-sese
porventuralhesminguasseaconfiançadoParlamento,estavalançadaa
pedraangulardosistema,ficandoaoreiopapeldereferendarcomsua
aprovaçãoimperativaenãojáfacultativaaorganizaçãodogabinete,
quedoravantecainainteiradependênciadosvotosdamaioria
parlamentar.
Todosessesfatores,somadosaoutrosdecorrentesdo
temperamentoedaconsciênciapolíticadopovoinglês,contribuíram
sobremodoafavoreceraapariçãodeumsistemadepoderpolíticocomo
oparlamentarismo,querepresentainquestionavelmenteamaisperfeita
formadetransiçãoeequilíbrioquejamaisseconheceuentreaidadeda
prerrogativamonárquicaeaeradasoberaniapopular.5
Entraoparlamentarismodefinitivamentenahistóriadas
instituiçõespolíticascomoexpressãodalutadedoispoderesouforças
antagônicas:aCoroadosreiseoParlamentodopovo.Ambosse
defrontamnumadisputadeprerrogativas,donderesultaráodomínio
sobreaorganizaçãopolíticaesuamáquinadegoverno.
Comoparlamentosurge,porconseqüência,visíveldualidadede
poderes:aautoridadedomonarca,quedeclina,quandoamonarquiade
absolutasefazlimitadaerepresentativa;eopoderparlamentar,poder
democrático,oriundodarepresentaçãonacional,queemanadasfontes
popularesdoconsentimentoeseachaemplenaascensão,tantono
alargamentodassuasorigensdemocráticascomonopesodainfluência
queexercerá,caminhandoresolutamenteparaopredomínioe
subseqüenteapogeu.
EssemomentohistóricoexistiudetodonaInglaterraduranteo
séculoXVIII,explicando-nos,peloconcursodaquelascircunstâncias,
quenãosereproduzemartificialmente,eseprendemàsvicissitudes
políticasesociaisdopovoinglês,aconseqüenteimpossibilidadede
fabricarmosumparlamentarismo,quesejafielmenteaimagemdoque
nasceueselegitimounaspráticaspolíticasdosséculosXVIIIeXIX.
Nãofoiavontadedeumteorista,nãofoiumareflexão
doutrinária,nãofoiumdiagramadesábiosquecriouo
parlamentarismo,senãoqueestesegerou,conformejáressaltamos,por
motivaçõeshistóricasdifíceisouimpossíveisdereproduzir-seforada
ambiênciasocialdesuasorigens.
Daíodevaneioimpossíveldosquefizeram,conformenota
Esmein,dodireitoconstitucionalinglês,odireitocomumdospovos
europeus:quereremcriar,noséculoXIXeaindaemplenoséculoXX,
comtintaepapel,notextoartificialdasConstituições,essesprodutos
inimitáveisdogêniopolíticodeumpovo:oreidaInglaterraeo
Parlamentoinglês.
2.Oparlamentarismodualista(monárquico-aristocrático)ou
parlamentarismoclássico
Háduasformashistóricasdeparlamentarismo:ochamado
parlamentarismoclássico,legítimoouautêntico,tambémconhecidona
linguagemdostratadistascomoparlamentarismodualista,monárquico-
aristocrático
ou
aristocrático-burguês,
e
o
parlamentarismo
contemporâneo,conhecidoporparlamentarismomonista,democrático,
comumàsformasmonárquico-republicanasdenossosdias.
Com
o
parlamentarismo
dualista,
determinado
pelas
contingênciashistóricasjáreferidas—oencontrodasprerrogativas
monárquicasemdeclíniocomaautoridadepolíticadopovoem
ascensão—definem-sedemaneiraclaraosprincípiosessenciaise
distintivosdaformaparlamentardegoverno:a)aigualdadeentreo
executivoeolegislativo;b)acolaboraçãodosdoispoderesentresi;c)a
existênciademeiosdeaçãorecíprocanofuncionamentodoexecutivoe
dolegislativo.
Cumpre-nosexaminarcadaumdessesaspectosparatocarmos
assimaessênciadosistema,segundoadoutrinaparlamentardoséculo
XIX,expostaporDuguit,Esmein,Burdeauetantosoutrosteoristas
insignesdomodernodireitopolítico.
2.1Aigualdadeentreoexecutivoeolegislativo
Quantoàigualdadeentreoexecutivoeolegislativo,faz-semister
ressaltaranecessidadeparaoexecutivodeumachefiadistinta.
Desfrutaráessachefiamaioroumenorprestígiotambém,consoanteo
mododedesignaçãodochefedoEstado,queparticipanadireção
executivaequenosistemaparlamentarrepublicanopodeserum
PresidentedaRepública,elevadoaessepostoporeleiçãodiretaou
indireta.
Quandoessechefe,comalgumaparceladeresponsabilidade
executivanosistemaparlamentar,comodireitoquelhereconhecea
doutrinadeGuizotde“serparteativaerealdogoverno”comopessoa
moralmente
livre
e
responsável,
embora
constitucionalmente
irresponsável,segundoodizerdeEsmein,6seelegemediantesufrágio
direto,seuprestígioaumenta,suaautoridadesereforçaeostermosdo
equilíbrioeigualdadeentreosdoispoderesficammelhorresguardados.
ChefedeEstado,oreioupresidentedaRepúblicaépoliticamente
irresponsável.Chefedegoverno,suaresponsabilidadeseexerceatravés
dogabinete,quesetornapoliticamenteresponsávelperanteo
ParlamentoecobreassimaresponsabilidadedoChefedeEstado,
fazendo-o,porconseqüência,politicamenteirresponsável.Estaúltimaé
adoutrinaesposadaporThiersquandoresumiuafórmulada
monarquiaparlamentarnacélebremáximadeque“oreireina,masnão
governa”.7
Namonarquialimitadaourepresentativa,adecisãoeradoChefe
deEstadocomareferendadosministros;namonarquiaparlamentar,
decideoministério,comaassinaturadoChefedeEstado.Demodoque
oChefedeEstado,noparlamentarismoclássico,aparece,deforma
permanente,segundoEsmein,como“elementoreflexivoemoderador,
cujaimportânciaaumentaaindamaisnascrisesministeriais”,
transformando-seentãono“grandeeleitor”eárbitro,querestabelece“o
governomomentaneamenteinterrompido”.8
Pertenceaindaànaturezadosistemaparlamentar,paraa
conservaçãodaigualdadedoexecutivoedolegislativo,adualidadedo
poderexecutivo.Manifesta-seessadualidadepelapresençadeum
ChefedeEstado,querepresentatodooPaís,bemcomoa
independênciadoexecutivo,epelogabinete,queatuaemconexãocom
olegislativo,trazendoaoobservadorareminiscênciadofundamento
democráticodogoverno.
Servindodeinstrumentodeequilíbrioentreospoderes,aparece
enfimo“bicameralismo”.FreiodedebilitaçãodoParlamento,
mecanismoderesistênciaàabsorçãopelolegislativodosdemais
poderes,limitepostoaosexcessosdopoderparlamentar,eisosfinsa
queatendeo“bicameralismo”.Asduascâmarasnãosurgiramna
Inglaterracomocálculopolíticooufreiodeliberadoaopoderunoda
representaçãoparlamentar.Ainstituiçãodoregimeparlamentarcomo
exemploinglêsfezporémdadualidadeumatécnicaconscientemente
concebidaparamitigaraforçadolegislativo,dividindo-o.
2.2Acolaboraçãodosdoispoderesentresi
Quantoaosegundotraçodeidentificaçãoessencialdosistema,
consubstanciadonacolaboraçãodosdoispoderes,faz-semister
ressaltar:a)aexistênciadeumgabinete,quedesempenhapapel
intermediárioentreoChefedeEstadoeoParlamento;b)aunidadee
homogeneidadedogabinete.
TemogabinetesuaorigemmodernanoséculoXVII,quandoera
aindaoministériodoreiinstrumentodeseupoderpessoal.Converteu-
seaseguir,porefeitodavitóriacompletaalcançadapeloParlamento
sobrearealeza,noórgãodeconfiançadamaioriaparlamentar.Sai
portantodasujeiçãodomonarca,esetornaoaparelhodeligaçãodo
ParlamentocomaCoroa,enfeixandoemsuasmãostodaa
responsabilidadepeloexercíciodopoder.
Nosistemaparlamentarogabineteouministériorepresentaa
parteativaecambiantedaorganizaçãopolítica,oelementodiretorda
máquinaadministrativa,oórgãoqueverdadeiramentetraçaapolítica
doPaís,quegovernacomresponsabilidadenamaislídimaacepçãodo
termo.
Àfrentedogabinetesedestacacomotempoafiguradoprimeiro-
ministro,umprimusinterpares,cujafunçãoseapresentaainda
obscuraemmeadosdoséculoXVIII.Reclamaçãodirigidaaoreida
InglaterracontraWalpole,oministroquesegabavadeconhecer“a
tarifadasconsciênciasdeseupaís”9ejáentãochefedeumgabinetede
fato,fazia-lhejustamenteacensuradeomesmoirrogar-seacondição
deprimeiro-ministro,“ofíciodesconhecidopelodireitoinglês,
inconsistentecomaconstituiçãodoPaís,esolapadordaliberdade,em
qualquerformadegoverno”.10
Verifica-seporémquenocomeçodoséculopassado,afunção
estavadefinida.Pittaoformarogabinetede1803aparececomoo
primeiroaempregarnoseupostoaexpressãoprimeiro-ministro,a
despeitodesóconstardedocumentosoficiaisdesdeLordBeaconsfield,
quandoesteassina,em1878,naqualidadedePlenipotenciário,o
tratadodeBerlim.
Cabeaoprimeiro-ministroorganizarogabinete,dirigi-lo,presidir-
lheàssessões,chefiaropartidomajoritário,exerceraliderança
parlamentar,tratardiretamentecomorei,ouChefedeEstado,servirde
intermediárioentreoministérioeaCoroaouaPresidênciada
República,enfim,assumiradireçãodetodososnegóciosdegovernoe
obtersempreoapoiodamaioria,demonstrandoparatantoanecessária
habilidadeecompetênciacomolíderparlamentar.
Contemporaneamente,comogovernodegabinete,“oprimeiro-
ministroinglêsdoséculoXXéquaseonipotente;muitomaisforteque
todososministrosetodososfavoritosdoancienrégime,porquantoo
executivodoséculoXXémaisvastoqueodoséculoXVIIIoumesmoo
doséculoXIX.OsministrosdeLuísXVIIInãotinhamquepreocupar-se
senãocomapolícia,apolíticaexterioreumpoucodeorçamento”.11
Relativamenteàunidadeehomogeneidadedogabinete,trata-se
derequisitoimportantíssimo,queseprende,comoéóbvio,à
responsabilidadepolíticaesolidáriadosministros,objetoigualmentena
históriapolíticadaInglaterra,delongoprocessodeformação.Cumpre
aosministrosmantercompletaunidadedevistas,professandoas
mesmasopiniõeseadotandoamesmapolítica,emordemaassegurara
homogeneidadedessecorpodirigente,investidonointeiroexercícioda
funçãogovernativa.
2.3Aexistênciademeiosdeaçãorecíprocanofuncionamentodo
executivoedolegislativo
Quantoàexistênciademeiosdeaçãorecíprocanofuncionamento
doexecutivoedolegislativo,urgeressaltarprincipalmenteoprincípio
daresponsabilidadeministerialeafaculdadeoudireitodedissolução.
Aresponsabilidadeministerial,conformejáasseveramos,foi
criaçãolentaeprogressivadodireitopolíticodaInglaterra,queaindano
séculoXVIIIsustentavaalegitimidadedatesedalivreescolhae
demissãodeministériopelorei.
ACâmaradosComuns,impotenteemfacedessaprerrogativa
real,tomouporémumcaminhoqueacabouporconduzi-la
satisfatoriamenteaodomíniodogabinete,quandooimpeachment,
empregadoparaessefim,transitoudoseucaráterinicialde
responsabilidadepenal,concepçãovigentenoséculoXVIII,paraode
responsabilidadepolítica,responsabilidadeperanteaopiniãopública,
“queexpõeàperdadopoder”,eseimpõecoletivamenteatodoo
ministério,obrigando-oconseqüentementeàexoneraçãosolidária.
Aresponsabilidadepenal,brandidacomoameaçasobreLord
North,obrigou-oademitir-secomtodoogabinete.Daípordiante,
tornou-senapraxedosistemaumaarmafadadaa“enferrujar-se”,
substituídaquefoi,segundoEsmein,“poruminstrumentomaisflexível
emaisseguro”:aresponsabilidadepolíticaecoletivadogabinete.12
Comefeito,oimpeachmentofereciagravesinconvenientes,assim
enumeradosporBarthélemyeDuez:“1°—Oimpeachment,processo
penal,supõeumcrimeprevistoepunidopelaleipenal.Asfaltas
ministeriaisnãosãosuscetíveisdeimpeachment,amenosque
constituam,segundoaleipenal,infrações,2º—Podeoreiparalisara
açãopenalcontraoministroempronunciandoadissoluçãodo
Parlamentoouabstendo-sedeconvocá-lo(casodeBuckingham,
Danby),3º—Enfim,podeoreiindultaroministrocondenado(casode
Danby)ouanistiá-lo”.13
Emsuma,aresponsabilidadeministerialfoideinício
responsabilidadepuramentepenal,passoudepoisaresponsabilidade
político-penal,atéconverter-seemresponsabilidadepolíticapura.14
DefinindoaresponsabilidadeministerialperanteoParlamento,
Chateaubriand,nasuaobra-primadedoutrinaçãopolítica,escritahá
maisdeséculoeintituladaAMonarquiaconformeaCarta(Lamonarchie
selonlacharte),enunciavajáasregrasbásicasdessaformadegoverno
parlamentarqueaboadoutrinabatizoucomonomede
parlamentarismodualista:
“Seseadmiteestafrasesonoradequeosministrosnãoprestam
contasdesuaadministraçãosenãoaorei,compreender-se-ábrevepor
administraçãotudoquantosequeira;ministrosincapazesdeitarãoa
Françaaperder,eascâmaras,convertidasemseusescravos,cairãono
aviltamento...Ademais,ascâmarasnãoseimiscuirãonuncana
administração,nãofarãojamaisinterpelaçõesinquietantes...seos
ministrossãoaquiloquedevemser,asaber,senhoresdascâmaraspelo
fundoeseusservidorespelaforma,quemeioconduziráaessefeliz
resultado?Omeiomaissimplesdomundo:oministériodevedisporda
maioriaemarcharcomamesma;semissonadadegoverno”.15
Odireitodedissoluçãorepresentaacontrapartidada
responsabilidadeministerial,asaber,omeioinversoquepossuio
governodeatuarsobreoParlamento,evitandoassimqueas
assembléiasseconvertameminstrumentosonipotentesdasmaiorias
parlamentares.
Semessaimportantíssimafaculdadededissolveroramoeletivo
doParlamento,conferidapoisaoexecutivoeacompanhadada
obrigaçãoemqueesteficadeconvocarnovaseleiçõesnumdeterminado
prazoconstitucional,oregimeparlamentarsetransmudarianum
governodeassembléia,perdendoaqueleadmiráveltraçoquedistingue
precisamenteaflexibilidadedosistema,aodotá-lodovaliosocorretivo
democrático,queéoapeloàsurnas,peranteaNação,comoremédioàs
crisesdopoder.
Oinstitutodadissoluçãofoidosmaisincompreendidosnaprática
dosistemarepresentativo.AlgumasConstituiçõesdasmonarquias
limitadasoadotaram.Nãoofizeramtodavianoespíritodaforma
parlamentar.Usaram-noaoinvéscomo“armaofensivadadaaoChefe
deEstado,contraalegislatura,paradominá-laoureduzi-laà
sujeição”.16
Nãosomenteessapráticaviciosadesacreditousemelhante
instituto,comoorodeoudesuspeiçãoejustificadadesconfiança.Não
devemtodaviataistemoresprevalecercomrespeitoaogoverno
parlamentar,ondeadissoluçãoé“natural,legítimaequasenecessária”,
constituindo,segundoomesmoEsmein,“oderradeiromeioquerestaa
umgabineteparamanter-senopoder”,17depoisdehavercaídoem
minorianoParlamento.Neste,umapolíticacontráriaaointeresse
nacional,abraçadacontraavontadedoministério,nãovingaráseo
corpodeeleitores,chamadoapronunciar-sesoberanamente,em
conseqüênciadadissolução,elegernovoParlamento,destafeita
favorávelaogabinete,cujalinhadegovernoforaimpugnadapelo
Parlamentoanteriornamatériaquedeterminouacrisedeconfiança,da
qualduassaídasapenasrestavamaoministérioameaçado:arenúncia
ouadissolução.
Vê-seportantoevê-seclaramentequeadissoluçãoédosmais
idôneosedemocráticosinstrumentosinerentesaosistemaparlamentar.
TodarazãotinhaporconseguinteWaldeck-Rousseau,quando,em
1896,assinalavaesseaspectonovoemanifestodeumantigo
mecanismo,queemoutrasformasdegovernoconheceraaplicação
antidemocrática,servindodeprerrogativaabsolutistadopoderreal:“A
faculdadededissolução,inscritanaConstituição,nãoéparaosufrágio
universalameaça,massalvaguarda.Éocontrapesoessencialaos
excessosdoparlamentarismo,eégraçasàdissoluçãoqueseafirmao
caráterdemocráticodenossasinstituições”.18
3.Oparlamentarismomonista(democrático),característicodo
séculoXX
ComoséculoXXeoaprofundamentodasconvicções
democráticasdeestruturadopoder,comaigualdadepolíticalevadaàs
últimasconseqüênciasmedianteainstituiçãodosufrágiouniversal,
comaórbitadopoderconsideravelmentealargadapelosimperativosda
intervençãoestatal,comasfunçõesdaautoridadecadavezmais
dominadaspelasexigênciasdecontatocomaopinião,ondeopoder
consentidodescobreasbasessegurasdeseuprocessolegitimador,viu-
seoparlamentarismocompelidoatransformaçõessensíveisno
funcionamentodetodoosistema.
Conservandoosmesmostraçosanatômicos,suafisiologiaébem
distintadaquelaqueoséculopassadoconheceu,sobaformajáreferida
daqueladualidadedepoderesessenciais:ospoderesmonárquico-
aristocráticosemdecadênciaeospoderesdemocráticosemprogressão.
Transitou-sepoisparaumamodalidadedeparlamentarismona
qualentraaimperardecisivamenteopoderoriundodasfontes
democráticasdoconsentimento.Aoparlamentarismoaristocrático
sucede
o
parlamentarismo
popular;
ao
parlamentarismo
de
compromissoeequilíbriodepoderes,oparlamentarismodegabinete
cominteirafusãodepoderes;aoparlamentarismodualista,o
parlamentarismomonista,compreponderânciadoministério,no
chamadogovernodegabinete,oucomhegemoniadoParlamento,a
meiocaminhojádochamadogovernodeassembléia.
Éeste,abrevestraços,oquadrodasinstituiçõesnosistema
parlamentarcontemporâneo.ConcentrouoParlamentoopoder
democráticoeesteseexercecomtalmonopólio,queficoudetodo
impossibilitadaareconstituiçãodoparlamentarismoprimitivoe
dualista,tãodosaborideológicodaliberal-democracia,substituídojá
peloparlamentarismomonista.
Aqui,arealidadedopoderpolíticoestáemsuasorigensnopovoe
emseusmecanismosdefuncionamentonascasasdopoderlegislativo.
Anotaideológicadominantedoparlamentarismomonistaseprende
antesàsmáximasdademocraciasocialedosocialismodemocráticodo
queàsvelhaseultrapassadasconcepçõesdomonarquismoedaliberal-
democracia.
Relativamenteàsorigensmonárquico-aristocráticasdoantigo
parlamentarismodualista,tãoproficientementeempregadopela
burguesialiberaldoséculoXIX,parasustentaçãodeseusinteresses
políticosesociais,assimseexprimenasreflexõesdocárcereodecaído
estadistadaTerceiraRepúblicafrancesaLeónBlum:“Emnenhumpaís
daEuropa,quesejademeuconhecimento,asorigenshistóricasdo
parlamentarismoseprendemaummovimentooureivindicação
democrática;portodapartesuaascendênciaéaristocráticaou
oligárquica;nãotomoucaráterevalordemocráticosenãoàmedidaque
aeleseincorporaramduasnoçõesdeordemcompletamentedistintas:a
responsabilidade
dos
ministros
perante
as
assembléias
e
a
universalidadedosufrágio”.19
Doisaspectoscapitaisdefinemaformamaislógicado
parlamentarismomonistacontemporâneo,nasuavariantedemocrática
dochamadogovernodegabinete:a)oafastamentodochefetradicional
dopoderexecutivo,reiouPresidentedaRepública,dequalquer
participaçãoefetivadogoverno,ficandosuamissãoessencial
circunscritaapenasaopapeldeChefedeEstado;eb)aentregada
autoridadesoberanaaumúnicopoder:ogabinete,operando-se,
segundoBagehot,nãoaabsorçãodopoderexecutivopelopoder
legislativo,masafusãodeambosospoderes.20
Comrespeitoaoprimeirotraço—anãoingerênciadoreioudo
PresidentedaRepúblicanogoverno—jáduranteoséculoXIXThiers
antecipavaateoriaparlamentaroraimperantequeretiraaoChefede
Estadoqualquerparticipaçãopessoalnoexercíciodasfunções
governativas.Dizia,pois,em1830,ofuturoPresidentedaRepública
francesa:“oreireina,eoPaíssegoverna”paralogoconcluirque“orei
reina,osministrosgovernameascâmarasjulgam”.21
AformaparlamentardaTerceiraRepúblicafrancesa,aoprincípio
desteséculo,progrediurapidamenteparaoscontornosmonistas,
fazendoassimcomqueoPresidenteresignatário,Casemir-Périer,em
cartaaumdiáriofrancês,escrevesse:“Dentretodosospoderesquelhe
parecematribuídos,sóháumqueoPresidentedaRepúblicapode
exercerlivreepessoalmente:éapresidênciadassolenidades
nacionais”.22
DistinguindonaConstituiçãoinglesaa“parteeficaz”quegoverna,
comogabineteeospartidos,da“partedignificada”,decunhomístico,
religiosoousemi-religioso,quereina,comaCoroaeastradiçõesda
realeza,Bagehot,autordeobraclássicasobreochamadogovernode
gabinete,insistenopesodainfluênciamoralquetemsobreanação
políticaapresençadoreiedasinstituiçõesmonárquicas,adespeitode
todaaexclusãoaqueficouvotadoopríncipenapartepropriamente
governativa.
Ponderandoque“osbenefíciosdeumbommonarcasãoquase
inestimáveiseosmalefíciosdeummonarcaruimquaseirreparáveis”,23
Bagehotdátodaviaacertaalturadeseulivroamedidadequantose
esvaziouaautoridadereal,aoescreverque,destituídadoveto
legislativo,arainhateriaque“assinarsuaprópriasentençademorte”
seassimoquisessemunanimentementeasduascasasdo
Parlamento.24
Aessanotadepessimismo,segue-seporémnaobradaquele
clássicodaciênciaconstitucionalinglesaoelogiodamonarquia,bem
comooencarecimentodaimportânciaquetemarealezacomoparteda
Constituição,suasprofundasraízespopulares,osentimentoque
despertaaindanaalmadopovo.FazBagehotaquelaobservação
interessante,segundoaqualsepedíssemosaumchauffeurdetáxi,que
nosconduzissea“DowningStreet”,sededogoverno,talvezele
hesitasse,pornãohaverjamaisouvidofalarnessarua,aopassoquese
déssemosadireçãodoPaláciodeBuckingham,sededamonarquia,
residênciadarainha,essemesmochauffeurnãosedeparariacom
nenhumadificuldade.25
Emtodaaparteondesevenhaapraticaroparlamentarismo
monista,
onde
essa
forma
tenha
tido
andamento
lógico
e
conseqüentementeondequerqueoprincípiodemocráticosehaja
firmadoinarredavelmente,tomando-seomesmoporbasedas
instituiçõesparlamentares,aparecerãosempreclaramentedistinguidas
asfunçõesdeChefedoEstadoeasdeChefedoGoverno,ficandoaquela
comoreiouPresidentedaRepública,eestacomumgabineteou
ministério,dainteiraeimediataconfiançadoParlamento,atravésda
maioriaparlamentaroudopartidodominantequechegouaopoder.
Respectivamenteaosegundotraço,ochamado“governode
gabinete”,queéamodernaversãoinglesadoparlamentarismomonista,
cumpredefini-lo,segundoBalfour,comoogovernodeumgabinete,
escolhidopelolegislativo,sobapresidênciadoprimeiro-ministro,
ficandoreferidogabineteinteiramentesujeitoàCâmaradosComuns,
eleitapelopovo.26
Ogabinetenoparlamentarismoinglês,sendooórgãodecontrole
detodoogoverno,dirigeanação,graçasàconfiançaessencialque
recebedoParlamento.Trata-se,comonotaraBagehotemseuestudo
sobreaConstituiçãoinglesa,deumacomissãodopoderlegislativo,mas
comissãocompoderesquenenhumaassembléiajamaisconfioua
qualquercomitê,salvotransitoriamente,emocasiõeshistóricas
excepcionais.
Comefeito,essacomissãotemopoderdedissolveraassembléia
queadesignou,apelandodestaparaoutra,doParlamentoquese
dissolveuparaaquelequesevaieleger.Nessadissoluçãointerfere
decisivamente,detalmodoqueogovernodegabinetedeixadeseruma
absorçãodopoderexecutivopelopoderlegislativoparasetransfazer
fundamentalmentenumafusãodeambosospoderes.27
Comogovernodegabinete,firma-seoprincípiobásicodafusãoe
combinaçãodosdoispoderes,oexecutivoeolegislativo,aquelesegredo
daConstituiçãoinglesa,aquesereportaBagehot,28aocontráriopois
daseparaçãoeindependência,queconstituemoprincípiodominante
daformapresidencialdegoverno,emmatériaderelaçãodepoderes.
Contemporaneamente,ogovernodegabineteénamáximaparteo
governodeumpartidomajoritário,quenocasoinglêsseexplicapelo
twopartysystem,osistemadedoispartidosprincipais,alternando-se
nopoder,aosabordaconfiançaqueocorpoeleitoralvenhaporventura
avotar-lhe.
Aopiniãoéoutrapeçaimportantíssimadomecanismo
parlamentar.Daídizer-se,semnenhumexagero,quesóháum
sinônimoparaochamadogovernodegabinete:governodeopinião.
Oexemploinglêsatestaopoderdaopinião,queorganizae
derrubagovernos,fazedesfazmaioriasinvestidascomospoderes
subseqüentesdedireçãopolítica.Opartidoeaimprensa,órgãosda
Constituiçãoviva,governamanação.Nosistemaparlamentarista,
quantosministériosnãoresultaramdainfluênciadeumafolhacomoo
Timesouquantosgabinetesnãodevemàimprensasuaruínaequeda!29
4.Dogovernoparlamentaraogovernodeassembléia(governo
convencional)
Oparlamentarismomonista,quetemporbaseasoberania
popular,tomoucursodiferentenavidapolíticadealgunsEstados,onde
aexperiênciaparlamentaringlesanãopôdefielmenteaplicar-se.
Comefeito,aoinvésdochamadogovernodegabinete,enveredam
essesEstadosporumgovernoparlamentarcompreponderânciada
assembléia,comoefeitodoenfraquecimentoconstitucionalda
competênciadoPresidentedaRepública,cujaautoridadebastante
diminuída,saidaesferaexecutivaparaoexercíciodeumamagistratura
moralimplícitanasfunçõesdeChefiadeEstado.
AquiasatribuiçõespolíticasdoPresidentesereduzemanada,
justificandoasamargasrecriminaçõesantiparlamentaresdeum
Presidentefrancêsdemissionário,quesequeixavadevertodososseus
poderesoficiaislimitadosàfunçãodecorativadepresidirasolenidades
nacionais.MasoministérioougabinetenessesEstadosnãologrou
enfeixarainfluênciapolíticaperdidapeloPresidentedaRepública,
transformadoemmerasombraoufantasmadopoderexecutivo,
influênciatransferidadoravanteparaoParlamento,ondeasbancadas
majoritáriasassumem,emfacedoministériopostosobtutela,papel
nãosomentedecontrole,comodedireçãodogovernoedesuapolítica,
aocontráriodoquesepassanaInglaterra,ondeogabinete,como
primeiro-ministroàfrente,ficacomadireçãoeaCâmaradosComuns
comocontroledoaparelhogovernamental.
AFrançaduranteaTerceiraeQuartaRepúblicas,ofereceuo
quadropolíticomaisilustrativodeumaexperiênciaparlamentar
monista,queconduziuinequivocamenteaopredomíniodaassembléiae
avisívelinstabilidadeministerial,decorrente,emlargaparte,da
exagerada
fragmentação
partidária,
oriunda
do
sistema
de
representaçãoproporcional,queobrigavaàformaçãodecoligações
partidáriassemconsistêncianemforçapararesistiraosembatesdas
crisesedosacontecimentos.
AconseqüênciaobservadaeassinaladaporBurdeaueraadeque,
emsetornandoimpossívelasolidezministerial,tãopeculiarao
desenvolvimentodosistemainglês,ogoverno“jánãodominavao
Parlamento,algumasvezesodirigia,quasesempreporémoseguia”.30
AeleiçãoindiretadoPresidentedaRepública,quandoestederiva
seuspoderesdoParlamento,ocolocaemposiçãonadainvejávelperante
oramodarepresentaçãolegislativa,quefoihaurirsualegitimidadee
competêncianasfontesdoconsentimentopopular.Apareceassimo
Parlamentomaisfortalecidopeloprestígioquelheconferiuainvestidura
democráticadireta.
Noparlamentarismomonista,comprimadodaassembléia,temos
umaformadegovernoqueseacercaconsideravelmentedodenominado
governoconvencionalougovernodeassembléia.Caracteriza-seeste
pelaconfusãodepoderesoupeladesigualdadeentreoexecutivoeo
legislativo.Converte-seopoderexecutivonumpoderdelegado,coma
autoridadegovernativaatuandonaqualidadedeagenteoucomissário
deumaassembléiainvestidadepoderessoberanos.DoParlamento,
recebeuopoderexecutivosuacompetênciaparaoexercíciodeum
mandatoimperativo;revogávelpoisadnutumdamesmaassembléia.No
regimeconvencionaloministérioouconselhogovernantesetransforma
emmerobraçoexecutivodasdecisõesdaassembléia,carecendo
portantodeindependênciadeação.
Relator-GeraldaComissãodeConstituição,quelavrouoprojeto
daConstituiçãofrancesade1946,escreveuPierreCotacercado
chamadogovernoconvencionalougovernodeassembléia:“Estetipode
governoconvémaospequenospaísesouaosperíodosmuitoagitados...
Nesseregime,nãosomentetodoopoderseencontranasmãosda
Assembléia,senãoqueéexercidopelaAssembléiaeorganizadoporesta
damaneiraquecuidarmaisconveniente.Obtém-seporessemeiouma
concentraçãototaleabsolutadopoderdoEstado.Éoregime
particularmenteamoldadoàsnecessidadesdeaçãoimediataesem
comedimento.Maisquequalqueroutro,permitemobilizartodosos
recursosdaNação.Convémaosperíodosdeagitaçãofebrilede
desordem,ondequerque“asalvaçãodaPátriadevaseraleisuprema”,
ondequerquesetratedevenceroumorrer.Narealidadeogoverno
convencionalégovernodeditadura,queorganizanãoaditaduradeum
homem,masadeumamaioria”.31
Depoisdeassinalarquesetratadegovernofeitoparaatenderàs
exigênciasdaaçãorevolucionária,destinadopoisaosperíodosde
convulsão,afirmaoautordoafamadoRelatórioqueogoverno
convencionalignoraaquestãodeconfiança,típicadoregime
parlamentar.32
OgovernodeassembléiafoioregimequesurgiuemFrança,
introduzidopelaConstituiçãomontanhesade24dejunhode1793,
igualmenterenovadonasassembléiasconstituintesfrancesasde1848e
1871,eaindaagoraadotadopelaorganizaçãopolíticadaConfederação
suíça,cujoexecutivo,oConselhoFederal,deriva-sedaAssembléia
Federal,queoelegeeexercesobresuasmedidasumprimado
incontestável.
5.Criseetransformaçõesdoparlamentarismo:astendências
“racionalizadoras”contemporâneas
Dizemautoresfrancesesqueoregimeparlamentar“chegoua
constituirodireitocomumdaorganizaçãoconstitucionaleuropéia”.33
Apreferênciaporessaformaavultaemnossosdias,quando
deixouorecintoeuropeuesealastroupelomundointeiro,comnada
menosde17repúblicase26monarquiasadotandojáosistema
parlamentar,frentea26paísesapenasquetrilharamoscaminhosda
organizaçãopresidencial,dosquais19sãorepúblicasdestecontinente.
Publicistas
de
alta
categoria
atribuem
o
prestígio
do
parlamentarismo,entreoutras,àsseguintesrazões:evocaoapogeudas
liberdadesindividuais,trazareminiscênciadosgrandesduelosda
palavrapolíticanadefesadasinstituições,marcaotriunfodoregime
representativosobreopoderabsolutodascoroasreacionárias,
representavaliosofreioàonipotênciadavontadepopular,aparececomo
instrumentodeumademocraciamoderada,capazderesistirao
arrebatamentodasassembléias,mormentequandoestas,conforme
aconteceuem1793,emFrança,tomamopodereoexercemmediante
autênticaditaduralegislativa.
Inumeráveiscríticastodaviasefazemaosistemaparlamentarde
governo,entendendoprincipalmentecomainstabilidadeaqueestaria
sempresujeitaessamodalidadedeconformaçãodopoder.
Comoexemplosdeinstabilidadedosgovernosparlamentaristas,
tem-semencionadoocasohistóricodaFrança.Noparlamentarismo
francêsdaTerceiraRepública,queseprolongade1875a1940,houve
nadamenosde105ministérios.OparlamentarismodaQuarta
República,quevaide1946a1958,conheceu16ministérios.Amédia
deduraçãodecadaministérionãoultrapassou9meses.
AFrançamonárquicaadotou9Constituições,em84anos,desde
aRevoluçãoFrancesa.Achamtodaviaosadeptosdoparlamentarismo
queessainstabilidadedosistemaémaisaparentedoqueverdadeira.
AlegamcomefeitoqueseaFrançarepublicanatestemunhoutantas
quedasdeministérios,emcompensaçãoviu,noperíodode65anos,
apenasumaConstituiçãoenenhumarevolução.
Comesseforteargumentoafavordoparlamentarismo,asseveram
queosistemapodeademaisofereceroespetáculodainstabilidadedos
governos,massemelhanteespetáculoficalargamentecompensadopela
estabilidadedasinstituições.
ÉpatenteporémnoséculoXXacrisedoparlamentarismo.
Volveu-senumaformamonista,tendoporsubstratoasoberania
popular.Acrise,sobdeterminadoaspecto,sefazsentirprincipalmente
nasrepúblicas,carecidasdaquelaforçamoderadoraesimbólicaquea
realezarepresentacom“oprestígiosocialdomonarca”.
Comefeito,oreihaurianahereditariedadeenafidelidadedos
súditosoucidadãoselementosderespeitoeconsideração,úteisao
regime,investindo-sedeumprestígioquenãopossui,porexemplo,no
regimeparlamentaroPresidentedaRepública,aindaquetragada
eleiçãodiretaaforçaealegitimidadedeseumandato.34
AeleiçãodiretadoPresidentedaRepúblicanoparlamentarismo
paraodesempenhodamerafunçãodeChefedeEstadoenãodeChefe
deGovernoéantesmotivodegravereceioepreocupação,vistoquelhe
outorgaumprestígiodeinvestiduraeminteirodesacordocomoefetivo
papelquelhevemreservadonomecanismodosistema,ondeseacha
ordinariamenteanulado,tocanteaqualqueratribuiçãodeteor
executivo.
Observa-se,nacrisedoparlamentarismo,queodesesperodos
constitucionalistashálevadomuitasformasparlamentaresaomalogro,
precisamenteemconseqüênciadagrandeefalazdiligênciaempregada
pararestaurarodualismodoséculopassado.
Surgemcomcertasvariantesparlamentaristascriaçõespolíticas
assentadasnumdualismoartificial:odaseparaçãoeconcorrênciado
poderdoPresidentecomopoderdascasasdoParlamento,mormente
quandoseatentanaorigemcomumdeambosessespoderes:osufrágio
popularuniversal.
Omaisatentoestudiosoecompetenteavaliadordacrisedo
parlamentarismodenossoséculo,Mirkine-Guetzévitch,fazgiraras
transformaçõesporquehápassadoaformaparlamentaremtornode
determinadastendências“racionalizadoras”contemporâneas.
EntendeesseautorquedesdeaRepúblicadeWeimara
racionalizaçãodoparlamentarismoemdiversasConstituiçõeseuropéias
vemsendogradativamenteencetada.Verifica-seentãoquedepoisdeter
profusaaplicação,sugeridapelaspráticasdosmaiscelebrados
exemplosdaInglaterra,BélgicaeFrança,oparlamentarismoingressa
numafaseteórica,deconstruçãodoutrinária,formulaçãoderegras
propostasàobservânciaconstitucional,paraoexercíciodoregime
segundonovosmodelosdeexperiência,ousegundoapautadeuma
“doutrinahomogêneaerígida”.35ÉassimquePreussintervémno
parlamentarismodeWeimar,KelsenfazaConstituiçãodaÁustria,os
constituintes
europeus
do
primeiro
pós-guerra
elaboram
nas
Constituiçõesde1919-1922“umnovodireito:odoprocesso
parlamentar”36ondeasinspiraçõesprocedemprincipalmentedaciência
políticaedodireitopúblicocomparado.37
AfirmaGuetzévitchque“aessênciadoparlamentarismomoderno
residenaaplicaçãopolíticaegovernamentaldoprincípiomajoritário”.38
Assinala-seassimoaspectocapitaldopredomíniodemocrático
avassaladornodesenvolvimentodessaformadegoverno,cujasorigens
monárquico-aristocráticasdosséculosXVIIIeXIXjáficarambastante
Patenteadas.
Atesedomesmoescritorpolíticoseachaapoiada,conformeele
mesmocita,pelasreflexõesdeLéonBlum,quandoestepostulacoma
reformagovernamentalanecessidadedeumparlamentarismoà
maneirainglesa,onde“legislativoeexecutivovivamnumestadode
penetração,dedependênciarecíprocaequeestacolaboraçãocontínua
sejaaleimesmadaatividadegovernamental”.39Busca-seporessavia
alcançarum“governoquegoverne”,tendodefatooprimeiro-ministro
pordepositárioincontestáveldetodaaautoridade.40
Como
se
vê,
o
advento
do
parlamentarismo
monista,
substancialmentedemocrático,temlevadoumacorrentedeautoresa
propugnarasoluçãodofortalecimentodaautoridadeexecutivana
pessoadoprimeiro-ministro.
Governandocomoapoiodamaioriaparlamentar,gerada
legitimamentepelosufrágiopopular,atravésdomecanismopartidário,
seriaoChefedoGabineteouPresidentedoConselhodeMinistroso
titulardeumpoderaptoàmanutençãodaordemdemocrática.Fica
estaassimemcondiçõesjurídicasepolíticasexcepcionaisparaarrostar
comtodasasresponsabilidadesdecorrentesdascomplexastarefas
governativasdenossosdias,tãomúltiplasevariadasetãosujeitasa
gerarcrises,quandoesbarramcomobstáculosouartifíciosquese
tornaramanacrônicos,quaisporexemploosprovenientesdoprincípio
daseparaçãodepoderes.
Asformassonolentaseobsoletaspoisdovelhoparlamentarismo
dualistajánãoatendemàsexigênciasdomodernoEstadosocial.Ditou
este,comareformademocrática,aimperiosanecessidadedeacudir
comprestezaaimportantíssimaseimediatastarefasdegoverno.
Recaíramsobreopoderproblemasqueimplicamadestruiçãode
qualquerordemousistemadegoverno,obstinadoemrepresarou
preterir,porinépcia,soluçõessociaisurgentesedetodoinadiáveis.
Todademocraciaparlamentarondeopoderpopular,comopoder
dasmaioriasimpacientesdeumaordemgovernativamaiseficaz,for
eventualmentetolhidoporempecilhosartificiais,serásempreumpoder
fadadoàmorteouàdissolução,umpoderemcrise,umpodernoqualo
parlamentarismo
falseado
significará
nada
menos
que
a
institucionalizaçãomesmadadesordemedainstabilidade.
CriouoséculoXXportantoumnovoparlamentarismo:o
parlamentarismodemocráticooumonista,tendoportraçoessencialo
poderpolíticodamaioria,aopassoqueovelhoparlamentarismo
dualista,monárquico-aristocráticoouaristocrático-burguês,sedefinia
apenascomooregimedaresponsabilidadepolíticadogabinete.
Todaessavariaçãoseachaperfeitamentecompendiadae
esclarecida
nas
seguintes
observações
de
Guetzévitch:
“O
parlamentarismo—nãonoscansamosnuncadeafirmá-lo—éa
conseqüêncianatural,lógica,quaseautomáticadaaplicaçãosincerado
sistemarepresentativo.Quandosetomaoregimeparlamentarcomoum
sistemaqueéantesdemaisnadaodaresponsabilidadeministerial,
falseia-seaperspectivahistóricaepolíticaeanaturezamesmadesse
regime:aessênciadoparlamentarismoéaprerrogativadamaioria
parlamentardeteroseuministério.Éverdadequenodecursodo
séculoXIX,sobamonarquiaconstitucional,oparlamentarismose
exprimiunoprincípiodaresponsabilidadeministerial.Mashojesua
verdadeirasignificaçãoconsistenopoderdamaioriadeimporsua
vontadenaescolhadosministros”.41
Omesmoconceitoéexpressocomigualclarezamaisadiante:“O
regimeparlamentaréopoderpolíticodamaioria.Eéoprincípioda
vontademajoritáriaqueobrigaogabineteaser“responsável”,istoé,a
demitir-sequandoamaioriaoquer.
“Decerto,oregimeparlamentarsedesenvolveudeiníciona
Inglaterra,maselenãopodeexplicar-seporinteiropelapráticainglesa
oupelaimitaçãodestaprática.Oregimeparlamentarapareceláonde
existemcondiçõesnecessáriasaofuncionamentodogovernodamaioria.
Nãoésenãoumaconseqüêncialógicadoregimerepresentativo
democrático.Oparlamentarismo—nuncaserádemasiadodizê-lo—éa
conseqüêncianatural,lógica,quaseautomáticadaaplicaçãosincerado
sistemarepresentativo.
“NãorestadúvidaquenocursodoséculoXIX,sobamonarquia
constitucional,oparlamentarismoseexprimiuatravésdoprincípioda
responsabilidadeministerial.Mashojesuaverdadeirasignificação
consistenopoderdamaioriadeimporsuavontadenaescolhados
ministros.Époressepoderdamaioria,poderabsolutoeúnico
conformeosprincípiosgeraisdademocracia,queseexprimede
maneiraadequadaoparlamentarismomoderno.”42
AsConstituições,nasuatrajetóriadoutrinária,atestamatravés
dasfórmulasempregadas,osentidodessedesdobramento,quefezdo
princípiomajoritário,princípiodemocrático,anotadominantedo
parlamentarismocontemporâneo.
Comefeito,notaGuetzévitchquealeiconstitucionalfrancesade
25defevereirode1875continhaemseuartigo6ºoseguinteprincípio:
“OsministrossãosolidariamenteresponsáveisperanteasCâmaraspela
políticageraldogoverno”...
OparlamentarismodaTerceiraRepública,postoquemonista,
aindaseinclinava,porconseguinte,aumafórmulaessencialdovelho
parlamentarismo,aopassoqueasConstituiçõessubseqüentesà
PrimeiraGrandeGuerraMundial,comoaConstituiçãodeWeimar,já
inscrevememseustextosaregrafundamentalquedefineonovo
parlamentarismo.Consisteestebasicamente“nadependênciapolítica
dosministroscomrelaçãoàmaioria,naobrigaçãojurídicaquetemo
ministérioderetirar-setodaavezquesejaobjetodeumvotode
desconfiança”.43
Tomadooparlamentarismonasuaacepçãocorrentee
democráticadegovernodasmaiorias,temosabasesimplese
homogêneasobreaqualcadaEstadoergueráumasuperestrutura
jurídicacomaschamadastécnicasderacionalizaçãodopoder
parlamentar,tendoemvistasempreaeficáciacrescenteeprogressiva
dasinstituiçõespolíticas,demodoquepossamestasatender
desembaraçadamenteaoscuidadoseanseiosmateriaiscadavezmais
largosdasociedade,nointeressedapaz,dajustiçaedaprosperidade
detodasasclasses,animadascomoseachamporimpaciente
consciênciareivindicatóriademelhoriasocial.
Daípordianteoparlamentarismo,emsuasvariaçõestécnicas,
respeitadoopostuladoessencialdocontroleedadireçãodemocrática
porpartedoelementopopular,seráemcadaPaísefeitodaarte
constitucionaledogêniooutemperamentopolíticodecadapovo.Seus
fracassosouseustriunfosserãofracassosoutriunfosdosprincípiosde
racionalizaçãoeventualmenteaplicadoseintroduzidosnocorpodas
Constituiçõesrespectivas,bemcomopostosemcirculaçãopelamãodos
governantesnaambiênciapolítica,ondecadapovohádepraticá-losou
postergá-los,conformeomaioroumenoríndicedeadequaçãoe
acolhimentoquevenhamelesater.
6.Dopseudo-parlamentarismodoImpério(umparlamentarismo
bastardo)aoAtoAdicionalde1961,comomalogrodanova
tentativadeimplantaçãodosistemaparlamentarnoBrasil
DesenvolveuoImpérionoBrasilumensaiodeparlamentarismo,
quesedilatade1847a1889,daMaioridadeàProclamaçãoda
República.
PesadascríticassefizeramaoparlamentarismodoImpério,que
muitosescritorespolíticosdenossahistóriareputamumpseudo-
parlamentarismo,formabastardadoautênticomodeloeuropeu.
Omaisgravevícioquecomprometeutodoosistemaparlamentar
pátriofoiindubitavelmenteaconcentraçãodepoderesnasmãosdo
Imperador,queseconverteu,atravésdoPoderModerador,emsupremo
juizdasquestõespolíticas.
ComoPoderModerador,poderconstitucional,vimosnaprática
doregimeoImperadordispondododireitodeconvocareleições.
Nenhumfreiooucontrapesoessencialexistiucomquediminuira
irresponsabilidadepolíticadomonarca.
DuranteaexperiênciaparlamentardoImpério,oPaísconheceu
nadamenosque35ministérios.NolongoreinadodeD.PedroII,22
ministériossucumbiramaoslitígiospolíticosdosdoispartidos,liberais
econservadores,quedisputavamcombaixezaáulicaeservilismoa
simpatiadecisivadoImperador,indispensávelàconservaçãoe
sobrevivênciadosgabinetes.
Defato,ambos,conservadoreseliberais,sealternaram
monotonamentenoministério,sendo,conformejáreferimos,aqueda
dosgabinetesdecididasemprepelopoderpessoaldomonarca,sem
cujasgraçasnenhumpartidoalcançamanter-senopoder.
DissolveuD.PedroIIonzevezesaCâmarae,noparecerdeRui
Barbosa,foiademasiadeprerrogativaspolíticaspessoaisque
envenenoueatrofiouemlargaparteodesenvolvimentonormalque
poderiaterlogradooparlamentarismodoImpério.
ComoadventodaRepública,fechou-senahistóriapolíticado
Brasilolongocapítulodaexperiênciaparlamentar,quefora,aoladoda
própriaorganizaçãoimperial,umadasnotascaracterísticasquenos
distinguiramdosnossosvizinhosrepublicanosdocontinente,doponto
devistadasinstituiçõespolíticas.Mas,encerradooperíododaprática
parlamentardegovernoemnossoPaís,nemporissosearruinouem
definitivoosentimentoparlamentarista,queacordoucedonocoração
dasnovasgeraçõesrepublicanas.
BastaqueseatenteparaoprogramadosfederalistasdoRio
GrandedoSul,que,em1901,semanifestavameloqüentementeafavor
doretornoaoparlamentarismo,sustentando,comardorebravuraos
altosprincípiosditadospelainfluênciapolíticadeSilveiraMartins,o
grandelíderrepublicano,desdesuapregaçãocívicaem1892.
DoisanosdepoisdareconstitucionalizaçãodoPaís,RaulPilla,em
1948,apresentounoCongressoaemendaparlamentarista.Soba
influênciadessebravoparlamentar,tem-sefeitoemtodooPaísvasta
cruzadadeopiniãoemproldaimplantaçãodomencionadosistema.
Emsetembrode1961,oPresidencialismoagonizavaemumade
suaspiorescrisesdopoder,comgravíssimaameaçaparaa
continuidadedaordemdemocrática.
PôstermooAtoAdicionalaessacrise,instituindoosistema
parlamentardegoverno,queteveduraçãoefêmera,estendendo-sede
setembrode1961a17dejaneirode1963,quandovimosentãooPaís
restituído,pelovotoplebiscitário,aopresidencialismodaConstituição
de1946.
TeveoparlamentarismofimcomoatodoSenadoaprovandoo
substitutivoGilbertoMarinho,querevogavaoAtoAdicionaleoregime
parlamentarista.
Aconsultaàsurnas,dequeresultouaunânimemanifestação
legislativadodia17dejaneirode1963,sefezmedianteoplebiscitodo
dia6domesmomêseano,noqualapesardeabstençãoqueseelevoua
25%doeleitoradodoPaís,aprovou-seoretornoàformapresidencial,
medianteresposta“sim”,dadapor90%doseleitores.
Avidadogovernoparlamentar,instituídopeloAtoAdicional,foi
caracterizadapormanifestainstabilidade,verificando-seempoucomais
deumanoaexistênciadetrêsgabinetes(TancredoNeves,Brochadoda
RochaeHermesdeLima).
OfracassodosistemaparlamentaradotadopeloAtoAdicionalse
deveamúltiplasrazões,entreasquaisressaltaaimperfeiçãodaprópria
emendaparlamentarista,ainoportunidadedaintroduçãodoregime
parlamentarnummomentodegravíssimacrisepolíticanacional,o
despreparocomqueaopiniãopúblicarecebeuaquelaformadegoverno,
aignorânciadaspráticasdosistema,porparlamentaressubitamente
convertidosàconveniênciaenecessidadedesuaadoçãoeporfimas
queforamenunciadaspeloconstitucionalistaAfonsoArinosdeMelo
Franco,abrangendo,emprimeirolugar,odesprezoqueoPresidenteda
Repúblicavotouaoexercíciodesuamissãonaquelaencruzilhada
histórica,omitindo-seoucombatendoosistema,e,aseguir,o
desinteressedospartidosempraticareobservarsinceramenteasregras
dosistema,raramentesedispondoadefendê-lonoCongresso.44
Demais,quematentamenteexaminaoAtoAdicionaleavida
políticadoBrasilnaquelesdias,àluzdastransformaçõesdoutrinárias
porquehápassadoapráticadoparlamentarismoemnossoséculo,
conformetemosexpostocomrespeitoàformamonistadopoder
parlamentar,hádeconcluirpelainteirainviabilidadedosistemaquese
propôs,comoremédioconstitucionalparaacrisedenossasinstituições
políticasabaladas.Senão,vejamos.
Emprimeirolugar,oAtoAdicionalfoiumafórmulaimprovisada
desalvaçãopública,quenãoteveconvenientementepreparadopara
recebê-laosolodaopiniãopública.
Emseguida,nota-sequeospoderesdoPresidentedaRepública
avultamdemaneiraaindaconsiderável,poisoquehouvefoiapenaso
compromissodeumaabdicaçãoparcialdeprerrogativasparaevitaro
pior,queseriaoaspirantelegítimoàsucessãolegal—oentãoVice-
PresidentedaRepública—investidocomoChefedeEstadoedo
GovernonaplenitudedasatribuiçõesgovernativasqueaConstituição
presidencialistalheassegurava.
Essabivalênciadepoderes—oPresidentechefiandooEstadoe
domesmopassorepartindocomoPrimeiro-Ministrocompetênciade
governo—faziahíbridoosistemaeoobrigavaaretrogradaràidadedo
parlamentarismomonárquicodaConstituiçãoorleanistafrancesada
primeirametadedoséculopassado.
Ofundofalsodeapoioaessedualismodecompetênciaera
manifesto.Opoderquederivassesualegitimidadedavontadepopular
expressanostermosusualmenteplebiscitáriosdaeleiçãopresidencial
acabariaporimpor-se.Eesteeraprecisamenteopoderdonosso
PresidentedaRepública,constrangidopelacriseaocompromisso
instávelcomque,emfacedaConstituiçãoalterada,sedesfezdeuma
parcelaapenasdacompetênciapresidencial,conservandoporémem
contradiçãoedesarmoniacomoespíritodaformaparlamentarde
governogrossofeixedeatribuiçõesfundamentais.Essasatribuiçõesde
carátergovernativo,emconcorrênciacomasdoPrimeiro-Ministro,cuja
autoridadesedebilitava,menospelaorigemindiretadesuainvestidura
parlamentardoquepeladesconfiançaesuspeiçãocomqueoPaís
políticoesuaopiniãolivrereprovavamaemendausurpadora,
acabariamporconverter-senogermeoupontodepartidaparaa
própriadesforrainutilizadoradosistemaimposto.
Visívelporconseguinteoartifíciodaquelasoluçãoinsustentável,
logomaispunidapelosacontecimentosdacrise,que,longederemover-
se,ameaçouinstitucionalizar-se,atéqueoplebiscitoveiorestituiro
PaísaomecanismodaConstituiçãopresidencialista,abandonadano
augedatormentadeagostoesetembro.Acrisevoltouassimàssuas
origenslegítimas,aopresidencialismoqueamotivara.
Oparlamentarismomonista,democrático,demonstroucoma
eloqüenteexperiênciabrasileiraqueninguémdivideimpunementea
vontadedopovo,medianteinstituiçõestomadasaumpassadojá
irrecuperável.
OerrodecisivodoAtoAdicionalfoiimplantarasuperestrutura
institucionaldoparlamentarismodualista,emflagrantecontradição
comamodernaessênciademocráticadopoder,quesósepodeexercer
parlamentarmenteatravésdecanaisunitários,mormentequandoa
fontedessepoderéopovopoliticamentelivreegovernante.
Parlamentarismoesvaziadoecontraditório,deorigensobscurase
comprometidas,aquelequeaparecesoboAtoAdicional,tinhapois
defeitoscongênitos,quecedoocondenavamaotristefimdamortepela
restauraçãoplebiscitáriadopresidencialismo.Nãohaviavocaçãode
estadistaquepudessesalvá-lo,enquantooPresidentedaRepública,
comoressentimentodesuapossefrustradanoquadrodoregime
presidencialetrazidoaopoderporummovimentodeopiniãoemnome
dalegalidadeconstitucional,persistisseemfazersombrapolíticae
administrativaaoschefesdegabinete,quetinhamcontrasuas
prerrogativasodesfavordaopiniãopública,aindatraumatizadapelas
incompreensõeseperplexidadesdecorrentesdatrégua,queapenas
suspendeuacrise,semtodaviaeliminá-la.
Nenhuma
circunstância
favorecia,
por
conseguinte,
a
consolidaçãodaqueleparlamentarismocondenadopeloberçoespúrio,
pelocaráterdeenxertiadequeserevestiu,peloatentadoque
representouaoprincípiomonistadopoderdemocrático,fazendoo
governodualista,tantonasuaformaçãocomonoseuexercício.
1.Guizot,HistoiredesOriginesduGouvernementReprésentatif,4ªed.,p.276.
2.Esmein,ÉlementsdeDroitConstitutionnel,5ªed.,p.132.
3.Bagehot,TheEnglishConstitution,p.211.
4.LeonDuguit,TraitédeDroitConstitutionnel,2ªed.,t.1.,p.648.
5.GeorgesBurdeau,DroitConstitutionneletInstitutionsPolitiques,p.122.
6.Esmein,ob.cit.,p.184.
7.Idem,ibidem,p.183.
8.Idem,ibidem,p.138.
9.JosephBarthélemy&PaulDuez,TraitéÉlémentairedeDroitConstitutionnel,
p.173.
10.Esmein,ob.cit.,p.144.
11.BorisMirkine-Guetzévitch,LesConstitutionsEuropéenes,p.26.
12.Esmein,ob.cit.,p.147.
13.Barthélemy&Duez,ob.cit.,p.172.
14.Idem,ibidem,pp.172-173.
15.Chateaubriand,Primeirapartedocapítulo15,dasOeuvrescomplètes,XXV,pp.
37-38,apudDuguit,ob.cit.,pp.652-653.
16.Esmein,ob.cit.,p.138.
17.Idem,ibidem,pp.138-139.
18.Duguit,ob.cit.,p.645.
19.LéonBlum,LaRéformeGovernamentale,pp.51-56.
20.Bagehot,ob.cit.,p.13.
21.Esmein,ob.cit.,p.654.
22.Duguit,ob.cit.,p.660.
23.Bagehot,ob.cit.,p.78.
24.Idem,ibidem,p.51.
25.Idem,ibidem,p.XIX.
26.Balfour,apudBagehot,ob.cit.,p.XIII.
27.Bagehot,ob.cit.,p.13.
28.Idem,ibidem,p.9.
29.Bagehot,ob.cit.,p.20.
30.GeorgesBurdeau,ob.cit.,p.126.
31.PierreCot,apudGuetzévitch,ob.cit.,p.18.
32.Idem,Ibidem,pp.58-59.
33.BarthélemyeDuez,ob.cit.,pp.183-184.
34.Barthélemy&Duez,ob.cit.,p.184.
35.Guetzévitch,ob.cit.,p.29.
36.Idem,ibidem,p.17.
37.Idem,ibidem,p.17.
38.Idem,ibidem,p.19.
39.LéonBlum,ob.cit.,pp.150-151.
40.Idem,ibidem,p.24.
41.Guetzévitch,ob.cit.,p.25.
42.Idem,ibidem,p.69.
43.Idem,ibidem,pp.29-30.
44.AfonsoArinosdeMeloFranco,“NovosArgumentos”,JornaldoBrasil,7.6.64.
23
OSPARTIDOSPOLÍTICOS
1.Dadefiniçãodopartidopolítico—2.Oconceitodepartidodo
séculoXX—3.Aimpugnaçãodoutrináriadospartidospolíticos—
Partidosefacções—5.Oelogiodopartidopolíticoeacompreensão
desuaimportânciaessencialparaoEstadomoderno—6.A
missãoepresençadospartidosnaliteraturapolíticaejurídica—7.
Ospartidospolíticoscomorealidadesociológica:suaausênciados
textosconstitucionais—8.Ospartidospolíticoscomorealidade
jurídica:tendênciacontemporâneaparainseri-losnasConstituições
—9.Asmodalidadesdepartidos;partidospessoaisepartidos
reais(Hume),partidosdepatronagemepartidosideológicos(Max
Weber),partidosdeopiniãoepartidosdemassas(Burdeau),
partidosdomovimentoepartidosdaconservação(Nawiasky).
1.Dadefiniçãodepartidopolítico
Quem,naânsiadeencontrarumaboadefiniçãodepartido
político,sedispuseraler,daprimeiraàúltimapágina,astrêsobras
máximasqueoséculoXXjáproduziuacercadospartidospolíticos—os
livrosclássicosdeOstrogorsky(LaDémocratieetl’organizationdes
PartisPolitiques),Michels(Lespartispolitiques:essaisurlestendances
oligarchiquesdeDémocraties)eDuverger(Lespartispolitiques),háde
concluiraleituraprofundamentedecepcionado:teráempregadoemvão
todaasuadiligência,poisainstituiçãoemapreçonãoéobjetoalide
nenhumadefinição.
E,noentanto,comOstrogorskyestudou-se,comamplitude
sociológicaeadmirávelcunhocientífico,naorganizaçãodospartidos
americanos,amáquinaeleitoral,ocaucuseobosspolítico.
ComMichelsformulou-seateoriadadestinaçãooligárquicados
partidos,a“leidebronze”daburocratizaçãopartidária,comojádisse
umtratadista,tomandodeempréstimootermomarxista;enfim,
investigou-seaquelaleiqueconduzopoderàsmãosdeumaelite
satisfeita,rotineiraesuperpostaàmassaeleitoralequeemabsoluto
nãoabdicaomonopóliodesuainfluênciaoupoderdedecisão.
Deúltimo,comDuverger,aciênciapolíticacancelou,segundo
algunspublicistas,todasasantecedentesclassificaçõesdeformasde
governo,quevinhamdesdeaimortaldivisãofeitaporAristóteles
(monarquia,aristocraciaedemocracia)atéchegaradeMontesquieu,
paraabraçar-seunicamenteàqueladoautorfrancês,ouseja,aquefaz
apenasinteligívelalgumsistemagovernantequandosedistinguemos
governosemmono-partidários,bipartidáriosemultipartidários.
Como
aqueles
abalizados
publicistas
modernos
não
se
sobressaemporumaconceituaçãodopartidopolíticoomitindoemsuas
rigorosasanálisesesseaspectodoproblema,vamosvolverpor
conseguinteaalgunstextosclássicosdaliteraturapolítica,embuscade
determinadasdefiniçõesquedêemamaisprecisanoçãodaquiloque
vemaserumaorganizaçãopartidária.
OprimeiroautorquesenosdeparaéBurke.Em1770,definiuele
opartidocomo“umcorpodepessoasunidasparapromover,mediante
esforçoconjunto,ointeressenacional,combaseemalgumprincípio
especial,aoredordoqualtodosseachamdeacordo”.1
Emseguida,aocomeçodoséculopassado(1816),Benjamin
Constant,umteoristadoEstadoliberal,apareceucomoutradefinição,
queauferenaciênciapolíticaprestígioigualousuperioraodadefinição
deBurke.DizConstantqueopartidopolítico“éumareuniãode
homensqueprofessamamesmadoutrinapolítica”.
Essadefinição,segundoLevyBruhl,reúnevantajosamenteos
elementosessenciaisdetodopartido:oprincípiodeorganização
coletiva,adoutrinacomumeaqualificaçãopolíticadessamesma
doutrina.Nãoinsereporémumdadoque,nosentirdaquelesociólogo,
fezlacunosoopensamentodeConstantcomrespeitoaospartidos
políticos:aconquistadopoder,aquiloqueosinclinaàação.2
Daíportantoasuperioridadequeédenotarnoconceitode
partidopolíticooferecidoporBluntschli,em1862,quandodissequese
tratavade“gruposlivresnasociedade,osquais,medianteesforçose
idéiasbásicasdeteorpolítico,damesmanaturezaouintimamente
aparentados,seachamdentrodoEstado,ligadosparaumaação
comum”.3
2.OconceitodepartidonoséculoXX
Noséculocorrente,asmaisexpressivasdefiniçõesdepartido
políticosão,aonossover,asdeJellinek,MaxWeber,Nawiasky,Kelsen,
Hasbach,Field,Schattschneider,Sait,GogueleBurdeau.
SegundoJellinek,ospartidospolíticos,“emsuaessência,são
gruposque,unidosporconvicçõescomuns,dirigidasadeterminados
finsestatais,buscamrealizaressesfins”.4
Estudandocomadmirávelproficiênciaospartidospolíticosdo
pontodevistasociológico,assimseexprimiuMaxWebersobrea
naturezadosmesmos:“Ospartidos,disseWeber,nãoimportaosmeios
queempreguemparaafiliaçãodesuaclientela,sãonaessênciamais
íntima,organizaçõescriadasdemaneiravoluntária,quepartemdeuma
propagandalivreequenecessariamenteserenova,emcontrastecom
todasasentidadesfirmementedelimitadasporleioucontrato”.5
Tomandoospartidosdebaixodeângulopreponderantemente
formal,Nawiasky,em1924,definiu-osemtermosreproduzidosdepois
porRadbruchnumensaioclássicoacercadospartidospolíticosno
direitoconstitucionaldaAlemanha.6Deconformidadecomo
pensamentodeNawiasky,ospartidospolíticos“nadamaissãodoqueo
princípiodeorganizaçãodasociedadehumanaemrelaçãoaum
determinadodomíniodavidaespiritual”.7
Omesmojurista,emobramaisrecente—oseuprimoroso
tratadodeTeoriaGeraldoEstado—deixou-nosporémumasegunda
definiçãodoverdadeirocaráterdopartidopolítico:“Uniõesdegrupos
populacionaiscombaseemobjetivospolíticoscomuns”.8
Pertencendoàcamadadeescritorespolíticosmodernose
contemporâneosquemaiscedocompreenderamaimportânciados
partidospolíticos,comrespeitoàdemocracia,Kelsenescreve:“Os
partidospolíticossãoorganizaçõesquecongregamhomensdamesma
opiniãoparaafiançar-lhesverdadeirainfluêncianarealizaçãodos
negóciospúblicos”.9
DasmaiscompletasadefiniçãodeHasbach,autordeafamada
obracríticasobreademocracia,publicadaemcomeçosdesteséculo,na
qualdizqueopartidopolíticoé“umareuniãodepessoas,comas
mesmasconvicçõeseosmesmospropósitospolíticos,equeintentam
apoderar-sedopoderestatalparafinsdeatendimentodesuas
reivindicações.10
ComField,opartidopolíticosedefinecomo“associação
voluntáriadepessoascomaintençãodegalgaropoderpolítico”.Eo
publicista
acrescenta:
através,
possivelmente,
de
“meios
constitucionais”.11
Dosautoresamericanosquemaisseguramenteversaramotema
relativo
ao
conceito
de
partido
político
cumpre
distinguir
SchattschneidereSait.
Oprimeirodizquesetratade“umaorganizaçãoparaganhar
eleiçõeseobterocontroleedireçãodopessoalgovernante”,12aopasso
queosegundo,commaisexação,asseveraqueopartidopolítico
representa“umgrupoorganizadoquebuscadominartantoopessoal
comoapolíticadogoverno”.13
Enfim,temosapalavradospublicistasfrancesesGoguele
Burdeau.EntendeGoguelqueopartidopolítico“éumgrupoorganizado
paraparticiparnavidapolítica,comoobjetivodaconquistatotalou
parcialdopoder,afimdefazerprevalecerasidéiaseosinteressesde
seusmembros”.14
NodizersucintodeBurdeau,opartidorepresentauma
“associaçãopolíticaorganizadaparadarformaeeficáciaaumpoderde
fato”.15
Opartidopolítico,anossover,éumaorganizaçãodepessoasque
inspiradasporidéiasoumovidasporinteresses,buscamtomaropoder,
normalmentepeloempregodemeioslegais,eneleconservar-separa
realizaçãodosfinspropugnados.
Dasdefiniçõesexpostas,deduz-sesumariamentequevários
dadosentramdemaneiraindispensávelnacomposiçãodos
ordenamentospartidários:a)umgruposocial;b)umprincípiode
organização;c)umacervodeidéiaseprincípios,queinspiramaaçãodo
partido;d)uminteressebásicoemvista:atomadadopoder;ee)um
sentimentodeconservaçãodessemesmopoderoudedomíniodo
aparelhogovernativoquandoestelheschegaàsmãos.
3.Aimpugnaçãodoutrináriadospartidospolíticos
Arruinadooabsolutismoeinauguradoosistemarepresentativo,
asforçassociaisquehistoricamentetomamonomedepartidos
políticosentramadesempenharumafunçãodeconsiderável
importâncianodestinodetodasascomunidadesestatais.
Ocrescimentodopartidopolítico,bemcomosuaimportância
públicaacompanhamocrescimentodademocraciamesmaesuas
instituições.
NadoutrinadoEstadoliberal,mormenteentreosteoristasda
monarquiaconstitucional,patenteou-sesemprecegaaversãoaos
partidospolíticos.Epormaisestranhoquepareça,atémesmoum
doutrináriointegraldademocracia,daestirpedeRousseau,semostra
desafeiçoadoaosistemapartidário.Demodoqueospartidospolíticos,
emmatériadedoutrinaeinstitucionalização,sedeparamatéaos
nossosdiascomduplafrentederesistência:adoliberalismo,emmais
largaescala,emboradissimulada,eadecertaformadedemocracia,a
saber,ademocraciaindividualistadeRousseau.
Houvecontudofilósofosliberaisquedeformaprecursora
tomaramadefesadopartidopolítico.Burke,noséculoXVIII,foidessas
exceçõesraras,bracejandoafoitocontraacorrentedeidéias
antipartidistasdesuaépoca.
Vejamosportantocomoopartidopolíticoseviuoutroraalvode
gravesinvenctivasoucomoaliteraturapolíticaejurídicaoflagelou
impiedosamente.
Apósdizerqueaignorânciaabreaoshomensaportadospartidos
eavergonhadepoisosimpededesair,Halifaxafirmouque“omelhor
partidoéapenasumaespéciedeconspiraçãocontraorestodopaís”.16
AindanaprimeirametadedoséculoXVIII,Bolingbroke,umdos
pensadoresmaisinfluentesdeseutempo,investiupanfletariamente
contraospartidospolíticos,estampando,em1738,acatilináriado“Rei
Patriota”(ThePatriotKing).Entreoutrasassertivas,sustentaeleque“a
piordetodasasdivisõesvemasercomcertezaaquelaqueresultadas
divisõespartidárias”.17
Commanifestopessimismo,ofilósofoescocêsDavidHume
afirma,porseuturno,que“domesmomodoqueoslegisladorese
fundadoresdeEstadosdevemserhonradoserespeitadospelogênero
humano,osfundadoresdepartidospolíticosefacçõesdevemser
odiadosedetestados”,acrescentadoaseguirqueessaatitudeseháde
tomarporquantoospartidosexercemumainfluênciadiretamente
contráriaàdasleis.18
IgualdesdémdemonstrarajáHobbesquandoasseverouqueos
partidos,divididosentresi,geramassediçõeseaguerracivil,fazem
triunfaroódioeaviolência.19
Condorcet,criticandoosistemapolíticoinglês,declara,segundo
refereCotta,queospartidospolíticos“conservamcuidadosamenteo
fanatismocomouminstrumentoquecadaqualaguardaavezde
utilizar”,20domesmopassoqueTocqueville,umclássicodavelha
democracialiberal,achaque“ospartidossãoummalinerenteaos
governoslivres”.21EporfimBalzacafirma:“Ospartidospolíticos
cometememmassaaçõesinfames,quecobririamdeopróbrioum
homem”.
MasédesteladodoAtlânticoqueosentimentoantipartidistase
levantaàsmaisaltasregiõesdaconsciênciapolítica.George
Washington,no“FarewellAddress”,despedindo-sedopovoedapátria,
decujaemancipaçãoforaoprincipalartífice,aconselhasolenementeos
herdeirosdesuasidéiasaseprecataremdos“ruinososefeitos”queem
geraladvêmdochamado“espíritopartidário”.Declaraospartidos
políticos“ospioresinimigos”dademocraciaeadmitequetenhameles
algoquedesempenharnumgovernomonárquico,sendoporémdetodo
inadmissíveisnumgovernopopular.22
OVice-PresidenteJohnAdamsnãopensavademododiferente.
Exprimindosuaantipatiapelosistemadepartidos,escrevia:“Nadame
atemorizatantoquantoadivisãodaRepúblicaemdoisgrandes
partidos,cadaqualcomoseulíder”.23
Porsuavez,MadisonnaspáginasdoFederalistanãopoupava
tampoucoospartidospolíticos,enquantoJohnTaylordaCarolina
(1753-1824)advertiaanaçãocontra“ahorrendatiraniapartidária”,que
“transformavaopovoemautordesuaprópriaruína”.24
NãomenosseverofoiojulgamentodeJohnMarshall,quando
afirmouque“nadarebaixaoupoluimaisocaráterhumanodoqueum
partidopolítico”.25
Enfim,nessamesmagaleriadepensadoresamericanos,temos
HenryJonesFord,aoasseverarqueopartidopolíticoé“umagangrena,
umcâncer,queoscidadãospatriotasdeviamunir-separaerradicar”.26
Aindaesteséculo,ospartidostêmsidoalvodediatribes
igualmentecruéis,postoqueesporádicas.Oséculodasmassasviuo
partidopolíticotransformar-se,segundoAlain,numa“máquinade
pensaremcomum”.Eacrescentaomesmopensadorqueopartidoé“a
mortedopensamento”.27
4.Partidosefacções
Deinício,osescritorespolíticosdaliteraturaantipartidárianão
estabeleciamdistinçãoentrepartidopolíticoefacção(séculosXVIIe
XVIII).Madison,noFederalistaempregaindiferentementeasduas
expressões.Demodoqueéumprogressoparaoreconhecimentoda
importânciadospartidospolíticosapareceremelesseparadosdas
facções.Quandoosdoisconceitosseempregamdamaneiradistinta,o
partidoéoladopositivo,afacçãooladonegativodaparticipação
políticaorganizada.
“Afacçãoéacaricaturadopartido”—escreveBluntschli,que
seguidamenteafirmaseremasfacçõessempredesnecessáriase
prejudiciais.Galgamopoderquandoasociedadeestáenferma.Etoda
vezquenoEstadohásintomasdedegeneraçãoeruínasemostramelas
prodigiosamenteativas.28
Afacçãonãosomentedesserveasociedade,comoosseusfinssão
egoísticosenãopolíticos;ointeresseprivadoocupaaliolugardo
interessepúblico.29Dasfacções,disseLieber,queelasexistemdebaixo
detodasasformasdegoverno,aopassoqueospartidossão
característicosdosgovernoslivres.
OmesmopensadorassinalavanoséculoXIXqueumpartido
políticosebateapenaspelamudançadegoverno,aopassoqueafacção
ameaçaaestruturageraldopoder,abalaoregimemesmoesuaordem
constitucional,atuaemsegredoouabertamente,masemqualquer
hipótesesempreparaobtençãodefinssórdidoseinconfessáveis.30
EntendeCottaqueadiferençaquevaidopartidopolíticoàfacção
“ésimplesmentedegrau,enãodeprincípio”,sendoafacçãoapenas
“umpartidomaisviolentoemaisparticularista”.31
CoincideessaobservaçãocomaquefizeraBluntschliaonotar
queemtodopartidopolíticoháumpoucodefacção,evice-versa,sendo
manifestoesseconteúdonamedidaemqueopartidosegovernapelo
interessepúblico(espíritoestatal)eafacçãopelointeresseprivado
(espíritoparticularista).Tantoépossível,postoqueraro,afacção
converter-seempartidopolíticocomoopartidopolíticotransformar-se
emfacção,mudançaestaúltima,aliás,maisfreqüenteeprovável.32
BastantecedomostrarajáBolingbrokequeospartidosseregem
por“princípios”easfacçõespor“sentimentoseinteressespessoais”,33
nãohavendoporémdistinçãoabsolutaourigorosaentreasduas
formas.Disseopublicista:“AfacçãoéparaoPartidoomesmoqueo
superlativoparaopositivo:opartidoummalpolítico;afacção:opiorde
todosospartidos”.34
Nojuízodealgunsautorescontemporâneosafacçãocontinuaa
existirnointeriordasorganizaçõespartidárias.Buscaopartidoa
tomadadopoderparaocontroledogoverno.Afacçãobuscaodomínio
damáquinapartidária,tendoemvistasubmetê-laàsuapolíticaeaos
seusinteresses.35
5.Oelogiodopartidopolíticoeacompreensãodesua
importânciaessencialparaoEstadomoderno
Conformevimos,ahistóriadospartidospolíticosnosrevelacomo
aprincípioforamelesreprimidos,hostilizadosedesprezados,tantona
doutrinacomonapráticadasinstituições.
Nãohavialugarparaopartidopolíticonademocracia,segundo
deduziamdadoutrinadeRousseauosseusintérpretesmaisreputados.
Hoje,entende-seprecisamenteocontrário:ademocraciaéimpossível
semospartidospolíticos.
FoiBurkeogênioprecursordessamudança.Emseusescritosse
estampoupelavezprimeiraacompreensãodobrilhantedestinopolítico
queofuturoreservavaaospartidosnoseiodaordemdemocrática.
Furtando-seaorigorquaseimplacávelcomquetantasvezesos
causticara,JohnAdamsacabouporreconhecerque“todosospaíses
sobaluzdosoldevemterpartidos”equeomagnosegredoconsisteem
saber“dominá-los”.36
DaíàperemptóriadeclaraçãodeBagehotdequeaorganização
partidária“éoprincípiovitaldogovernorepresentativo”vaiapenasum
passo.37
Amesmatesedoconstitucionalistainglêsvemsustentadapor
BrycenasDemocraciasModernas(ModernDemocracies),umlivrode
cabeceiradosestudiososdaciênciapolítica,duranteváriasdécadas.
Segundoessepublicista,semospartidospolíticosnãopoderia
funcionarogovernorepresentativo,nemaordemdespontardocaos
eleitoral.Sãoospartidosportantoinevitáveis,principalmentenos
grandespaísesondealiberdadeimpera.38
EmpregaomesmoBryceimagemmuitocitadaconsoanteaqual
“oespíritoeaforçadospartidossãotãonecessáriosaofuncionamento
dogovernoquantoovaporoéàlocomotiva”.
NãopassouaHenryMainedespercebidaanecessidade
imperativadeaprofundaroestudodospartidospolíticos,osquais,
segundoumpublicistaamericano,têmsido“osórfãosdafilosofia
política”.39Comefeito,ressaltaMaine:“Dasforçasqueatuamsobrea
humanidadenenhumahásidotãopoucoestudadaquantoopartido,
quetodaviamerecemelhorexame”.40
Estudandocomproficiênciaotemadospartidospolíticos,Sait
ponderaque“soboregimedosufrágiouniversal,ospartidossãotão
inevitáveisquantoasondasdooceano”.41
6.Omissãoepresençadospartidospolíticosnaliteraturapolítica
ejurídica
Nãoédasmaiscopiosasaliteraturaespecializadarelativaaos
partidospolíticos.Nemtampoucoatraiuotemaconsiderávelatençãono
meiopolítico-filosófico.LembraJenningsqueoinsignepensadoringlês
JohnStuartMill,detantainfluêncianadoutrinadoEstadoliberal,
podeescrever,aindanoséculoXIX,todaasuaobraclássicasobreo
governorepresentativosemsedarsequeraoincômododenomearos
partidospolíticos.42
Omesmosepassa,segundorefereMacIver,comBluntschli,na
segundametadedoséculoXIX(1875),quandopublicousua
monumentalTeoriadoEstadosemnenhumaalusãoaogoverno
partidário.43
OmissãoidênticaserepetenaobradeLaband,sobreodireito
públicoalemão(DasStaatsrechtdesDeutschenReiches),publicadaao
começodesteséculo.Nenhumapalavraconstaaliacercadospartidos,
comoseelesnãoexistissem.44
Daípoisnãoserdeestranharqueumtratadistadaenvergadura
deJellinekhajaescritoestaspalavrasvisivelmentepessimistas:“No
ordenamentoestataloconceitodepartidocomotalnenhumafunção
desempenha”.45OuqueTriepelhajasidoacrementecensuradopor
Kelsenporhaverescritoque“ospartidossãoumfenômeno
extraconstitucional”.46
Noentanto,postofossemferrenhosadversáriosdospartidos
políticos,BolingbrokeeHume,háduzentosanos,járeconheciama
importânciaextraordináriadospartidospolíticosesetornavamautores
dosestudosmaisacuradosqueoséculoXVIIIconsagrouaoassunto.47
AssinalaSergioCottaqueoexamecientíficodospartidostem
iníciocomosensaiospolíticosdeHume.Confereofilósofoescocês
autonomiacientíficaàmatériapartidária.48
ComBryce,teriasidoexposta,pelaprimeiravez,deforma
orgânica,segundoLiñaresQuintana,ateoriadospartidospolíticos.49E
em1901,RichardSchmidt,dandoàestampaoprimeirovolumedesua
TeoriaGeraldoEstado,teve,consoanteponderaGustavoRadbruch,o
merecimentodehaversidooprimeirotratadistaalemãododireito
públicoquereconheceuexpressamenteospartidospolíticoscomo
“forçasformadorasdoEstado”.50
Aseguir,aparecemasobrasdeOstrogorsky,MaxWeber,Michels
eDuverger,queresumemacontribuiçãodonossoséculo,imprimindoà
investigaçãodospartidospolíticosmétodosnovosoureconhecendoa
significação
capital
que
eles
assumem
para
a
democracia
contemporânea,convertidanumademocraciadepartidos.
NãomenosincisivoopublicistainglêsMacIverquandoassevera
que,semosistemapartidário,osúnicosmétodosparachegar-seauma
mudançadegovernovêmaserogolpedeEstado,oputschea
revolução.51
Enfim,encarecendoaimportânciaassumidapelospartidos
políticos,assinalouBurdeauque“unicamentedelesdependehojea
qualificaçãodeumregimepolítico”.52
Justifica-seportantoarecenteobservaçãodeumescritorpolítico
dosEstadosUnidosquandofrisouqueoestudodospartidospolíticosé
tãoimportantehojeparaaciênciapolíticaquantoodamecânicaparaa
física.Maisemelhorninguémsaberiaescrever.53
7.Ospartidospolíticoscomorealidadesociológica:suaausência
dostextosconstitucionais
Arealidadesociológicadospartidospolíticospassoudurante
largoperíododetempodesconhecidapeloordenamentojurídico.Os
partidosvingavamàmargemdostextoslegislativos,quefingiamignorá-
los.
Duranteaerabismarckianaodireitopúblicoalemãoconsiderava
ospartidoscomouniõeseleitorais,conformeobservaLeibholz,do
mesmopassoquealiteraturapolíticadaquelesdias,parafazê-losmais
inofensivos,costumavadenominá-losde“ligaseleitorais”ou“uniõesde
eleitores”.54Odireitopúblicopareciaassimenvergonhar-seda
existênciadospartidospolíticos.
Óbvio,portanto,queasConstituiçõesviaderegranãose
referissemaessasorganizações.Aoredordelas,aindarecentemente,se
produziaum“vácuoconstitucional”.Formava-seaquela“conspiraçãodo
silêncio”,aqueserefereumautoralemão.Perduravaporconseguinte
nofundodetodasessasomissõesoressentimentorousseaunianoa
respeitodospartidospolíticos.Rousseauosapelidaracategorias
intermediáriasdetodoincompatíveiscomodogmadasoberania
popular,istoé,davolontégénerale.55
Resumindoaposiçãododireitopositivonoséculopassado,
Bluntschliescreviaque“odireitopúblicocomseusistemade
competênciaseobrigaçõesnadasabearespeitodepartidos”.56
Comefeito,queraConstituiçãoamericana,querasConstituições
francesasdoséculoXIX,nenhumadisposiçãocontinhamrelativamente
aoexercíciodavidapartidária.Constituiçõesnovascomoapenúltima
ConstituiçãoFrancesa(1946)guardamaindasilêncioapropósitoda
existênciadospartidospolíticos,semembargodapoderosacorrente
contemporâneaqueosinstitucionalizoujuridicamente.
Antesqueseoperasseatransiçãodenossosdias(acrescente
valorizaçãodospartidoscomoomaissignificativoeventonafunçãodos
mecanismosdemocráticoscontemporâneos),ospartidospolíticos
constituíamapenasumfenômenosociológico,desprovidodeconteúdo
ousignificaçãojurídica.Naprimeirametadedesteséculo,razãode
sobratinhaRadbruchparaafirmarqueodireitopúblicodas
democraciasnãoseamoldaraaindaàrealidadesociológicados
partidos.
Estranhavaofilósofoigualmentequeasleiseconstituiçõesnão
mencionassemcomumaúnicasílabasequerasforçaspolíticas,nas
quaisestavamospressupostosdarealidadejurídicamesma.57
EscrevendodepoisdaPrimeiraGrandeGuerraMundialarespeito
dospartidospolíticos,oinsignejuristaalemãoTriepelaferrava-seem
suaobraaumaposiçãonãosomentedecombateàsorganizações
partidáriascomodeafirmaçãodeseucarátermeramentesocial,
estranhoaodireitoeaoorganismoestatal.
Comefeito,nãofoifácilaoEstadomodernoacomodar-seem
termosjurídicosaessarealidadenova,essencialepoderosaqueéo
partidopolítico.Rejeitou-oquandopôde.
Os
partidos,
como
instituições
extralegais
ou
extraconstitucionais,como“partedaConstituiçãoviva”,mas“semum
lugarnaConstituiçãoescrita”,58pertencemaindaaumaconcepçãode
democraciacontraaqualelesbracejamouinvestemequevemasera
democracialiberal.Olugardospartidos,porém,conformeveremos,é
noEstadosocial,nademocraciademassas,ondechegamàplenitude
deseupoderereconhecimentojurídico.
Todavia,proscritos,ignoradosoudesprezados,suapresença
submersaemtodosistemade“iniciaçãodemocrática”,comoodo
Estadoliberal,acabaporabalarnasuperfíciedavidapolítica,cedoou
tarde,asvelhasinstituiçõesjurídicas,querdoparlamentarismo,quer
dopresidencialismo.Nesseabaloéatingidoprincipalmenteocaráter
parlamentardereferidasinstituições.Realidadesociológica,ondequer
quevinguem,ospartidospolíticosrepresentamjáumacontradição
frontalcomosprincípiosdoEstadoliberal.
Nosistemarepresentativodaliberal-democraciaentende-sequeo
representante,umavezeleito,sótemcompromissocomasua
consciência.Supõe-selivreedesembaraçadodosvínculosdesujeiçãoa
grupos,
organizações
ou
forças
sociais,
que
possam
atuar
constrangedoraerestritivamentesobreseuprocedimentopolítico,e
assimditar-lheatitudes,diminuir-lheaesferadeautonomianaqualse
moveopoderdedecisãodeumavontadepresumidamentelivrecomoé
asua.Ora,essaindependência,quecaracterizaochamadomandato
livreourepresentativoefazdodeputadoprimeiroorepresentanteda
vontadegeralouvontadenacional,semsubordinaçãoàsfontes
eleitorais,ondesegeramopoderpolíticoeoprópriomandato,aparece
sociologicamentedesmentidaemtodaformadeEstadocujospartidos
políticoshajamlogradomaiordesenvolvimento,assentandobases
sólidasdeparticipaçãoeinfluêncianosdestinospolíticosda
coletividade.
OEstado,ondeistoaconteça,nominalmenteliberalnaaparência
deseuordenamentopolítico,nosdogmasquedemaneiraoficiallhe
amparamasinstituições,jáseachatodaviaemadiantadafasede
transiçãoparaoEstadosocial,senãoemplenoEstadosocial,queéum
Estadosolidamentepartidário.
Quandosedáainstitucionalizaçãojurídicadarealidade
partidária,eojurídicocoincidecomosociológico,chega-setambém
oficialmenteaoEstadosocial.Nessaocasião,ostextosconstitucionais,
semmaisreservas,entramaindicarolugarquecabeàsorganizações
partidáriasnoseiodaordemestabelecida.
DeixamentãoospartidosdeseraquiloqueforamnoEstado
liberal,apartiehonteusedosistema,conformedisseGustavoRadbruch,
emcríticaaodireitopúblicoalemão.59Eseconvertempoisembase—
constitucionalmenteproclamadaereconhecida—detodoosistema
democrático,comoslaçosdedependênciadarepresentação
parlamentartransformados,agorasim,emlaçosjurídicos,comtodaa
forçaegarantiaqueodireitopodeemprestaraumarealidade
sociológica,dehámuitoimperanteeinelutável.
Comoessa“constitucionalização”ou“legalização”dopartido
políticoseoperou,eisotemaquesubseqüentementeentraremosa
examinar.
8.Ospartidospolíticoscomorealidadejurídica:tendência
contemporâneaparainseri-losnasconstituições
Negaracolhimentoconstitucionalaospartidospolíticosnos
sistemas
democráticos
contemporâneos
significa
simplesmente,
segundoKelsen,“fecharosolhosàrealidade”.
Quandosetratadecombater,reprimirousabotarademocracia,
aquelaomissãoécompreensível,comoaotempodamonarquia
constitucional.Masporinteirodestituídadesentidonahoraque
passa,60horasabidamentedeirreprimívelvocaçãodemocrática.
ConsideraLeibholz“detodoperdida”abatalhaqueoséculoXIXe
partedoséculoXXtravaramcontraospartidospolíticos.61Domesmo
passo,umcientistapolíticodoquilatedeFiner,perfeitamentecônscio
daprofundamudançaoperada,assinalaquenapresenteordem
democráticaospartidosdeixaramdeser“ogovernoinvisível”parase
trans-fazeremno“governovisívelereconhecidodasdemocracias”.62
Comefeito,osurtoconstitucionaldoprimeiropós-guerra
quebrou,conformenotaLoewenstein,otabusegundooqualas
Constituiçõesnãodeveriamreferir-seaospartidospolíticos.63
Doravante,oquetemosvistoéolegisladorconstituintevariar
daquelaposiçãodeindiferençaaospartidosparasancionar
corajosamenteanovarealidadepolítico-partidáriacomorealidade
constitucional.Introduziu-seopartidopolíticonocorpodas
constituições.Ospartidossetornamcadavezmaisinstituiçõesoficiais,
querecebemsubsídiosdeagênciasgovernamentaiseseconvertempois
emórgãosdopoderestatal,“verdadeirosinstitutosdedireitopúblico”64
ou“partedoprópriogoverno”.65
NaInglaterra,segundoJennings,quemquiserconhecera
Constituiçãobritânica,emtodaaextensãoeprofundidade,comoela
verdadeiramenteopera,hádecomeçareterminarpeloestudodos
partidospolíticos.66Epormaisparadoxalqueissopareça,aInglaterra,
pioneiradaorganizaçãopartidária,édasdemocraciasquemais
retardadasseapresentamaindanoreconhecimentolegaldaquelas
organizações,vistoqueali,conformeassinalaField,nenhumatodo
Parlamentooudecisãojudicialmencionoujamaisonomedospartidos
políticos,entidadesporconseqüência“destituídasdedireitose
obrigaçõeslegais”.67
NosEstadosUnidos,aconsagraçãolegaldopartidopolítico
ocorreaindacomalgumalentidão.OsilênciodasConstituições
estaduaisedaConstituiçãofederalsobreessasentidadesacarretou
durantecercadecemanosaindiferençadaordemjurídicaaospartidos
políticos.
Comefeito,dasConstituiçõesestaduaissomente17empregam
fortuitamenteotermopartidopolítico.68Semembargo,ostribunais
americanostêmmanifestadoreconhecimentoaodireitoquepossuemos
partidospolíticosdeexerceremlivrementesuaação,tomandoporbase
asgarantiasconstitucionaisrelativasàliberdadedereunião,de
imprensa,deopiniãoedesufrágio.
AlgunsEstadosjálegislamacercadofuncionamentodospartidos,
tendoprincipalmenteemvistacoibirfraudeseabusosnasconvençõese
eleiçõesprimárias,bemcomotolheraperversãodosufrágiopelo
subornoeleitoral.
Conseguintemente,édeadmitirqueopartidopolíticonos
EstadosUnidosjádeixoudeser,conformeassinalamBinkleyeMoos,
aquelaorganização“tãolivredeinterferênciaoficialquantouma
sociedadeliterária”,parasetransformarem“órgãosdegoverno,
legalmentereconhecidos”.69
Nocontinenteeuropeu,foiaConstituiçãoitalianade1947queem
primeirolugardeuopassomaislargoparaaconfirmaçãojurídicado
partidopolíticoecompreensãodosseusfinsdecaráterinstitucional.
Declaraoartigo49daConstituiçãoitalianaque“todosos
cidadãostêmodireitodeorganizar-seempartidospolíticos,afimde
cooperar,demaneirademocrática,nadeterminaçãodapolítica
nacional”.
Inspiradosemdúvida,nessetexto,ondeumatendênciase
apresentapalpavelmentevitoriosa,qualsejaaquelaqueconduziuo
partidopolíticodarealidadesociológicaparaarealidadejurídica,pôde
Ferridesigná-lacomosendoa“síntesedosórgãosestataisdestinados
aoexercíciodasfunçõesdegoverno”.70
Ainstitucionalizaçãojurídicadospartidosfezprogresso
assombroso,quaserevolucionário,noartigo21daLeiFundamentalde
Bonn,queLeibholzinterpretacomooreconhecimentooficialpelaordem
jurídicadomodernoEstadodemocráticodebasespartidárias.71
Comefeito,rezaesseartigo:“Ospartidosparticipamnaformação
davontadepolíticadopovo”,etc.Adisposiçãoconstitucionalconstante
domesmotextoprotegeaseguirosfundamentosdemocráticosda
organizaçãopartidária.
Prevê-sealiamedidasupressivadospartidoscujaaçãocontrarie
aessênciademocráticadoregime.Nãorepresentaessaúltima
determinaçãocontributoinovadordosconstituintesalemães,como
escrevemalgunstratadistasestrangeiros,porquantojáseachavano
textodaConstituiçãoBrasileirade1946,trêsanosanteriorà
ConstituiçãoalemãdeBonn.
VáriasConstituiçõesdosEstadosalemães(Laender)seguem
tambémomodelofederal,adotandopreceitospertinentesaoregime
jurídicodasorganizaçõespartidárias.
DasConstituiçõeslatino-americanas,amaisadiantadaaesse
respeitovemaserinquestionavelmenteadoUruguai,de1952,queleva
acaboaincorporaçãodiretadopartidopolíticonosistemadegoverno,
fixandoumaparticipaçãoproporcionaldospartidosnocolegiadoque
regeoPaís.
Aesseprocessoqueháredundadonaconstitucionalizaçãodos
partidosnãosemostramalheiasasConstituiçõesdocamposocialista,
onde,emprimeirolugar,apareceaConstituiçãosoviéticade1936,cujo
artigo126proclamaolugardevanguardadoPartidoComunistana
liderançadaclasseoperária,“emsualutapelofortalecimentoe
implantaçãodosistemasocialista”.
Assinalandosobretudoaparticipaçãodospartidosnoprocesso
governamental,aConstituiçãodaRepúblicaDemocráticaAlemã(arts.
91e92)acolhiadiversospreceitosquepatenteavamosuperiorgraude
institucionalizaçãojurídicajáalcançadoalipelasforçaspartidárias.
Ainstitucionalizaçãolegaldospartidospolíticosnospaíses
democráticoscompreendeimportantesaspectosqueForsthoffassim
compendiou:a)eleiçãoautênticaeverdadeira;b)relaçãodoeleitorcom
oeleito;ec)relaçãodoseleitoscomoseupartido.72
9.Asmodalidadesdepartidos:partidospessoaisepartidosreais
(Hume),partidosdepatronagemepartidosideológicos(Weber),
partidosdeopiniãoepartidosdemassas(Burdeau),partidosdo
movimentoepartidosdaconservação(Nawiasky)
DoséculoXVIIIaosnossosdias,surgiramváriasclassificaçõesde
partidos.AmaisantigaéprovavelmenteadeHume,quedistinguiu
duascategoriasprincipais:partidosdepessoasepartidosreais.
Ospartidospessoaisteriamporbasesentimentosdeamizadeou
aversão,quantoapessoas.Essessentimentosimpelemosadeptosao
combatepolítico.Aíselhesofereceensejodedarprovasdelealdadee
dedicação.Ospartidosreaisporsuavezfundam-se“emalguma
diferençarealdesentimentosouinteresse”(Hume).
Aclassificaçãoseguinte,quetevemaisvoganaciênciapolítica,foi
adeFriedrichRohmer,expostaem1844,nolivrodeTheodoreRohmer,
TeoriadosPartidosPolíticos(LehrevondenpolitischenParteien).
InspiradonosprincípiosdadoutrinaorgânicadaSociedadeedo
Estado,sobretudonaqueleorganicismoespiritualista,defundoético,
queanimouaobradeinumeráveisjuristasefilósofosdaprimeira
metadedoséculoXIX,Rohmer,empregandoatémesmolinguagem
organicista—quandoporexemploserefereao“corpoestatal”—
distinguequatrotiposfundamentaisdepartidos,cujanatureza,para
ele,correparalelaàsfasesdedesenvolvimentodoorganismohumano:o
partidoradical,comaalmadascrianças;oliberalcomapsicologiados
adolescentes;oconservador,comoespíritodoshomensfeitos,maduros
eadultos,e,enfim,oabsolutista,comocaráterdavelhice.
DasmaisafamadaséindubitavelmenteaclassificaçãodeMax
Weberquecifraarealidadepartidáriaemduasformasbásicas:os
partidosdepatronagemeospartidosideológicos,consoanteoprincípio
internoàforçadoqualseconstituem.
Asorganizaçõespolíticasdepatronagemsãoaquelas,segundoo
sociólogo,quetêmprincipalmenteemmiragalgaropoder,mediante
eleições,afimdelograrposiçõesdemandoparaosseusdirigentese
vantagensmateriais,sobretudoempregospúblicos,parasuaclientela.73
Ospartidosideológicos(Weltanschauungsparteieri)buscama
realizaçãodeideaisdeconteúdopolítico,74esepropõemporvezesa
reformaretransformartodaaordemexistente,inspiradospor
princípiosfilosóficos,queimplicamumaconcepçãonovadasociedadee
doEstado.Nãoraro,suaaçãopolítica,sobreenvolvermatériadeteor
constitucional,refletedomesmopassodissidênciacomaestrutura
políticaesocialestabelecida.
Todavia,atradiçãopartidáriaeuropéiamostrapartidos
ideológicos,comoosliberaiseconservadores,católicoseprotestantes,
queatuamnaórbitapolíticaeminteiroacordocomoespíritodas
instituições,semsuscitaremquestõesdefundo,pertinentesànatureza
doregime,comosãoasquestõesfilosóficasoudeterminadasespécies
dequestõeseconômicasbásicas.
Essasagremiações,portanto,nãoobstantesuanatureza
ideológica,emnadadiferemdospartidosnorte-americanos—
republicanosedemocratas,salvonocaráterdepatronagemdeque
estesúltimosessencialmenteserevestem.
Reduzem-seospartidosaduasmodalidadesfundamentais,
segundoBurdeau:partidosdeopiniãoepartidosdemassas.
Deconformidadecomaqueledoutrinador,ospartidospolíticos
sãopartidosdeopiniãoquandoadmitememseusquadrosa
participaçãodepessoasdamaisvariadaorigemsocial,quando,pelo
programaepelaação,aderemàordemsocialexistente,ouquando
dispõemdeumfracopoderdepressãosobreosrespectivos
componentes,ouainda,quandopatenteiamsuaíndoleindividualista
atravésdolugarconcedidoàspersonalidadespolíticas.75
Essespartidos,quenoentenderdomesmopublicistafrancêsse
achamagoradecadentes,caracterizaramoantigoEstadoliberal.As
reformasqueelespreconizamjamaisatingiamasbasesdasociedade.
Suasexigências,comapeloàlivreparticipaçãodetodos,nãolevavam
emcontaaorigemsocialdosadeptos.Volviam-sesempreparaoEstado
queexisteenãoparaoEstadoquedeveriaexistir.
AospartidosdeopiniãocontrapõeBurdeauospartidosde
massas.MarcamestesoséculoXXeassinalamomomentode
intervençãopolíticadeconsideráveisparcelasdopovo,dantesexcluídas
dequalqueringerêncianavidapública.
Viaderegra,opartidodemassasassinaàordempolíticauma
feição
autoritária,
introduz-se
perturbadoramente
no
sistema
democráticoatravésdosufrágiouniversal,eapresentageralmenteteses
desaborreivindicatório,representativasdeinteressesenãodeopiniões,
degruposouclassesenãodeindivíduosoupersonalidades,dehomens
impulsionadospeloinconformismocomaordemexistenteenãode
pessoasportadorasdevontademeramentediscrepantes.
Esses
partidos
fazem
da
ideologia
o
instrumento
da
transformaçãosocial,agrupamosfiliadospelaidentidadedeseuestado
econômico,pelaorigemmaterialepeladestinaçãotambémmaterialdas
aspiraçõesigualitáriasdohomem-massa,aqueleque,segundo
Burdeau,“abdicasuaautonomiaemproveitodogrupo”esesubmeteao
rigordadisciplinaeàhomogeneidadedoutrináriaqueopartidolhe
impõe,foradequalquerdiscussão.76
Escreveaindaomesmopublicistaqueospartidosdeopinião
queremopodernumregimedeconcorrência,aopassoqueospartidos
demassasaspiramomonopóliodopoder,aoregimedepartidoúnico,
comoqual“esmagamaoposição”eimpõemotriunfodeuma“ortodoxia
governamentalúnicaeexclusiva”.77
SegundoNawiasky,nãohásomentepartidosfundadosna
ideologia,nosinteressesounapatronagem,maspartidosqueexprimem
odescontentamentoouoconformismocomaordemestabelecida.Faz-
semisterporconseguintetomá-lostambémsobesseúltimoângulo—o
descontentamentoouoconformismo,distinguindoaíduasmodalidades
principais:ospartidosdemovimentoquebuscamalteraçõesbásicasno
sistemainstitucionalvigenteeospartidosdaconservação,cujo
programaviaderegraseconcentranaresistênciaàsmudanças
propostas,comreferênciaàsinstituições.78Sãoestesúltimostambém
ospartidosdaordemedatradição.
1.EdmundBurke,“ThoughtsonthecauseofthePresentdiscontents”,in:TheWorks
ofEdmundBurke,I,p.189.
2.HenryLevy-Bruhl,AspectsSociologiquesduDroit,pp.164-165.
3.Bluntschli,in:DeutschesStaats-Woerterbuch,v.7,p.718.4.G.Jellinek,Allgemeine
Staatslehre,3ªed.,p.114.
5.MaxWeber,Staatssoziologie,p.50.
6.GustavRadbruch,“DiepolitischenPartejenimSystemdesdeutschen
Verfassungsrecht”,in:G.Anschuetz,&R.Thoma,(ed.),HandbuchdesDeutschen
Staatsrecht,v.1,p.287.
7.HansNawiasky,DieZukunftderpolitischenParteien,p.22.
8.HansNawiasky,AllgemeineStaatslehre,v.1,parte2,p.92.
9.HansKelsen,VomWesenundWertderDemokratie,1929,p.19.
10.W.Hasbach,DiemoderneDemokratie,p.471.
11.G.C.Field,PoliticalTheory,p.168.
12.E.E.Schattschneider,PartyGovernment,p.187.
13.E.M.Sait,AmericanPartiesandElections,p.141.
14.F.Goguel,p.685.
15.GeorgesBurdeau,TraitédeSciencePolitique,t.1.,p.426.
16.Halifax,“PoliticalthoughtsandReflections”,in:Works,p.227e225
respectivamente.
17.HenrySt.John&ViscountBolingbroke,LettersontheSpiritofPatriotism,onthe
IdeaofaPatriotKing,andontheStateofPartiesattheAcessionofKingGeorgethe
First,pp.150-151.
18.DavidHume,Essays,Moral,Political,andLiterary,v.1,pp.127-128.
19.T.Hobbes,Decive,Cap.10,§§12-13.
20.Condorcet,apudSergioCotta,“Lespartisetlepouvoirdanslesthéoriespolitiques
duDébutdeXVIIISiècle”,in:LePouvoir,p.91.
21.AlexisdeTocqueville,DelaDémocratieenAmérique,t.I,p.277.
22.GeorgeWashington,in:J.D.Richardson,MessagesandPapersofthePresidents,
v.1,p.218.
23.JohnAdams,apudE.BinkleyWilfred&MalcolmC.A.Moos,Grammarof
AmericanPolitics,p.179.
24.JohnTaylor,AnInquiryintothePrincipiesandPolicyoftheGovernmentofthe
UnitedStates,p.196.
25.JohnMarshall.CitadoemTheLifeofJohnMarshall,v.2,p.410.
26.HenryJonesFord,TheRiseandGrowthofAmericanPolitics,p.90.
27.Alain,apudGeorgesBurdeau,TraitédeSciencePolitique,t.1.
28.Bluntschli,in:DeutchesStaats-Woerterbuch,v.7,p.720.
29.Idem,ibidem,pp.720-721.
30.FrancisLieber,ManualofPoliticalEthics,2ªed.,v.II,p.253.
31.SergioCotta,“LesPartisetlepouvoirdanslesthéoriespolitiquesduDébutde
XVIIISiècle”,in:LePouvoir,t.1,pp.102-103.
32.Bluntschli,ob.cit.,p.721.
33.SergioCotta,ob.cit.,p.102.
34.Bolingbroke,apudSergioCotta,ob.cit.,p.102.
35.AustinRannay,&WillmooreKendall,DemocracyandtheAmericanPartySystem,
p.126.
36.JohnAdams,apudCorreaM.Walsh,ThePoliticalScienceofJohnAdams,p.152.
37.WalterBagehot,TheEnglishConstitution,p.126.
38.JamesBryce,ModernDemocracies,I,p.119.
39.E.E.Schattschneider,in:“DefenseofPoliticalParties”,inPartyGovernment,apud
PoliticalThoughtinAmerica,AndrewM.Scott,p.520.
40.HenrySirMaine,apudSchattschneider,apudScott,PoliticalThougtinAmerica,P.
518.41.EdwardMcChesneySait,PoliticalInstitutions.APreface,p.519.
42.W.IvoJennings,TheBritishConstitution,3ªed.,p.31.
43.R.M.MacIver,TheModernState,p.397-398.
44.Veja-seoquedizaesserespeitoGerhardLeibholzem“DerParteienstaatdes
BonnerGrundgesetzes”,Recht,Staat,Wirtschaft,p.108.
45.G.Jelinek,AllgemeineStaatslehre,p.114.
46.Triepel,StaatsverfassungundPolitischeParteien,p.24ess.
47.SergioCotta,“LesPartisetlePouvoirdanslesthéoriespolitiquesdudébutdu
XVIIesiècle”,in:LePouvoir,t.I,p.100.
48.Idem,ibidem,p.117.
49.S.V.LiñaresQuintana,LosPartidosPolíticos,p.31.
50.RichardSchmidt,AllgemeineStaatslehre,I.p.253ess.GustavRadbruch,ob.cit.,
p.288.
51.R.M.MacIver,TheModernState,p.399.
52.GeorgesBurdeau,TraitédeSciencePolitique,t.1.pp.473-474.
53.EarlLatham,“Editor’sForeword”,in:AustinRanney&WillmoreKendall,
DemocracyandtheAmericanPartySystem,p.XI.
54.G.Leibholz,“DerParteienstaat”,ob.cit.p.108.
55.KarlLoewenstein,PoliticalPowerandtheGovernmentalProcess,pp.363-364.
56.Bluntschli,in:DeutschesStaats-Woerterbuch,v.7,p.718.
57.GustavRadbruch,ob.cit,p.288.
58.JesseMacy,&JohnGannaway,ComparativeFreeGovernment,pp.177-178.
59.GustavRadbruch,ob.cit.,p.288.
60.HansKelsen,VomWesenundWertderDemokratie,2ªed.,p.23.
61.G.Leibholz,DasWesenderRepraesentationundderGestaltwandelder
Demokratie,in20Jahrhundert,p.91.
62.H.Finer,TheoryandPracticeofModernGovernment,I,p.620.
63.KarlLowenstein,“WeberunddieparlamentarischeParteidisziplinimAusland”in:
DiepolitischenParteienimVerfassungsrecht,p.364.
64.JoséAmnchástegui,apudS.V.LiñaresQuintana,LosPartidosPolíticos,p.36.
65.CharlesE.Merrian,&HaroldFooteGosnell,TheAmericanPartySystem,pp-415-
416.66.W.IvoJennings,TheBritishConstitution,3ªed.,p.31.
67.G.C.Field,PoliticalTheory,p.165.
68.SãoasconstituiçõesdoAlabama,Califórnia,Georgia,Louisiana,Maryland,
Mississipi,Nebraska.NovoMéxico,NovaIorque,Nevada,Ohio,Oklahoma,Oregon,
Pennsylvannia,CarolinadoSul,VirginiaeUtah.
69.Binkley-Moos,AGrammarofAmericanPolitics,p.197.
70.Ferri,Studi’suiPartitiPolitici,p.170.
71.G.Leibholz,“DerParteienstaatdesBonnerGrundgesetzes”,inRecht,Staat,
Wirtschaft,v.III.
72.ErnstForsthoff,“ZurverfassungsrechtlichenStellungundinnerenOrdnungder
Parteien”,inDiePolitischenParteienimVerfassungsrecht,pp.6-7.
73.MaxWebber,Staatssoziologie,p.50.
74.Idem,ibidem,p.53.
75.GeorgesBurdeau,TraitédeSciencePolitique,t.1,pp.435-437.
76.GeorgesBurdeau,LaDemocratie,p.57.
77.GeorgesBurdeau,TraitédeSciencePolitiquet.I,p.434.
78.HansNawiaksy,AllgemeineStaatslehre,p.97.
24
OSSISTEMASDEPARTIDOS
1.Osistemabipartidário—2.Osistemamultipartidário—3.O
partidoúnico.—4.Ateoriamarxistadopartidopolítico—5.A
representaçãoprofissionaleospartidospolíticos—6.Opartido
políticonaInglaterra—7.OpartidopolíticonosEstadosUnidos
1.Osistemabipartidário
AdotaoEstadopartidáriocontemporâneotrêssistemasprincipais
departidos:obipartidário,omultipartidárioeopartidoúnico.Este
últimomaisfreqüentenosregimestotalitários.
Osistemabipartidário,queteveemLaskiumdeseusardentes
propugnadores,éconsideradoporalgunsescritorespolíticoscomoo
sistemademocráticoporexcelênciaemmatériadeorganização
partidária.EntendeFieldquenenhumoutrosistemahámaisabertoà
participaçãodireta,imediata,efetivaeinfluentedoeleitornaescolha
dosgovernantesquantoeste,arraigado,quernogosto,querna
preferência
dos
cidadãos
em
todos
aqueles
países
onde
tradicionalmenteoperfilhamasinstituições.1
Osistemabipartidáriotemalgoquecorrespondeaumtraço
naturaldedivisãopolíticadasociedade,conformeassinalaDuverger,o
qualobservaquesenemsempreháumdualismodepartidos,“quase
sempreháumdualismodetendências”.2
NodizerdeNawiasky,sãopressupostosdosistemabipartidário,
emprimeirolugar,queambosospartidosseponhamdeacordoquanto
aosfundamentosdeorganizaçãoedireçãodoEstado,asaber,quanto
aoregime,easeguir,queambossereconheçamemtermosdemútuo
respeitoelealdade.3
Àoposiçãocabe,porconseqüência,lugartodoespecialno
sistema,vistoqueelaépotencialmenteogovernoemrecesso,aforça
invisível,foradopoder,masprontajáparaassumi-loaqualquer
instantedesempenhandoassimfunçãonecessáriaeindispensávelà
caracterizaçãodemocráticadosistema.
DetamanhaimportânciaessafunçãoquenaInglaterraseacha
eladetodoinstitucionalizadapelo“Minister’softheCrownAct”,de
1937,oqual,nãosomentemandaestipendiaraOposição,comolhe
confereotítulooficialde“LíderdaOposiçãodeSuaMajestade”.A
Oposiçãotemportantonominalmenteumasituaçãojurídicaprivilegiada
nosistemainglêsqueospartidoscomotaisnuncalograramali
alcançar.
Seriadeplorávelequívocosuporqueosistemabipartidário
significaliteralmenteaexistênciaapenasdedoispartidos.Não.É
possívelqueváriospartidosconcorramàsurnas,masosistema
tecnicamenteseachadetalformaestruturado,quesódoispartidos
reúnemdemaneirapermanenteapossibilidadedechegaraopoder.
NocasodosEstadosUnidos,arigidezbipartidáriaédetalordem
quenenhumpequenopartidoveiojamaisaseconverternumgrande
partidoevice-versa:nãohánotíciadenenhumgrandepartidoquehaja
passadoàcondiçãodepequenopartido.
Talpeculiaridadelevouumdosmaisafamadospublicistas
daquelepaísadizerqueo“sistemabipartidárioéafortalezade
Gibraltardapolíticaamericana”,ondeospequenospartidosnão
constituemsenão“movimentoseducacionais”.4
Formamosdoispartidos,conservadoreserepublicanos,a
espinhadorsaldapolíticaamericanaeostentamadmirávelflexibilidade,
bemcomoinvulgarpoderdeacomodação,apontodehaveremsido
comparadosporumjornalistaamericanoaduasgarrafasvaziasque
podiamrecebertodoequalquerconteúdo,contantoquesenão
mudassemosrótulos...
Osistemabipartidárioamericanonãofez,todavia,desprezívelou
nulaaparticipaçãodospequenospartidos,adespeitodaimpotência
políticaemquecontinuamenteficamparaaescaladadopoder.
Comefeito,seusprincípiosesuasidéias,sustentadosnãoraro
comtodoosrigoresdesúbitaradicalização,acabamdepois
incorporadosouapropriadospelosdoisgrandespartidos,osquais
sabemacomodá-loslentamenteaogêniopolíticodasociedade
americana.Háquemqueiravislumbraraíacausaprofundada
inexistênciadeumpartidosocialistanosEstadosUnidosoupelomenos
omalogropolíticodaspequenasagremiaçõesdecaráterideológico.
Osistemabipartidáriooferecehistoricamentenoexemplodo
PartidoTrabalhistainglêsocasodaascensãodeumaterceiraforçaà
posiçãodegrandepartido,bemcomoaquedacorrespondenteda
organizaçãopartidáriaqueatéentãofiguravanessaqualidade,asaber,
ovelhoPartidoLiberal.
HouveépocadecrisenosistemapartidáriodaInglaterraemqueo
bipartidismocedeulugaraumtripartidismotemporário.Esse
tripartidismoaliásnãoseachaexcluídodereapariçãonavidapolítica
daquelepaís,tradicionalmentebipartidário,ondeobipartidismoémais
ideológicodoquepatronal,aocontráriodoquesucedenosEstados
Unidos,ondenãoraroopoderdasidéiassecurvaàforçados
interesses.
Causasvariáveistêmsidoinvocadasparaexplicaraexistênciado
sistemabipartidáriotantonaInglaterracomonosEstadosUnidos.
Unssereferemaogênioanglo-saxônico,outrosàambiência
histórica.Jáhouveatéquemsereportasseaogênioesportivodopovo
inglês(SalvadordeMadariaga).
Duverger,criticandoerejeitandotodasessascausasindigitadas,
sefixana“influênciadeumfatorgeraldeordemtécnica:osistema
eleitoral”,queatuaaesserespeitocomaforçadeumaleisociológica
quandosetratadaaplicaçãodoescrutíniomajoritáriodeumúnico
turno.Essaformadeescrutínioconduz,comraríssimasexceçõesao
dualismopartidário,segundoobservaaqueleautor.”5
2.Osistemamultipartidário
Principiaarigorosistemamultipartidáriocomapresençadetrês
oumaispartidospolíticosemdisputadopodernumdeterminado
sistemaestatal.
Osadeptosdopluralismopartidárioamplolouvam-nocomoa
melhorformadecolherefazerrepresentaropensamentodevariadas
correntesdeopinião,emprestandoàsminoriaspolíticasopesodeuma
influênciaquelhesfaleceria,tantonosistemabipartidáriocomo
unipartidário.
Afirma-seademaisqueosistemamultipardiárioédecunho
profundamentedemocrático,poisconfereautenticidadeaogoverno,tido
porcentrodecoordenaçãooucompromissodosdistintosinteressesque
semovemnomosaicodasváriasclassesdasociedade,classescujavoz
departicipação,atravésdopartidopolítico,sealçaassimàesferado
poder.
NosistemaparlamentardomodernoEstadopartidário,o
multipartidismoconduzinevitavelmenteaosgovernosdecoligação,com
gabinetesdecomposiçãoheterogênea,semrumospolíticoscoerentes,
sujeitosPortantopelavariaçãodepropósitosaumainstabilidade
manifesta.Nãoobstante,essesgovernosporsuanaturezamesmasão
dosmaissensíveisaosreclamosdaopiniãopública.
Nosistemapresidencial,indica-seordinariamenteapulverização
partidáriacomofatordeenfraquecimentodoregime,determinando-lhe,
nãoraro,ocolapso.
Emprimeirolugar,pelafacilidadequetemumexecutivofortede
dominarpartidosfracos,numericamenteexcessivos,semcoesão
interna,cobiçososdevantagens,prestesasacrificaremahonracívica
emacordosfáceisouacomodaçõesdesairosas,contantoqueos
interessesimediatosdapatronagem,nosentindosociológicoweberiano,
saiamdelogosatisfeitos.OParlamentoapaga-seentãonoanonimatode
seudestinopolíticoeumexecutivoonipotente,caudilhistadevocação,
ameiopassojádaditadura,éaúnicaexpressãovisíveldopoder.
Emsegundolugar,oparlamentosepodeconverternumacasade
resistênciaaoexecutivo,quecaiprisioneirodeumCongressohostil,
dominadopormaioriasfacciosasepassionais,cujaaçãotolheospassos
àadministraçãoefrustra-lheoprogramagovernativo.
Aguerracivildosdoispoderes,paralisandoomecanismo
constitucional,éentãooprenúnciodassoluçõesditatoriaisiminentes.
Demais,osistemamultipartidário,precisamenteportornarmaisnítido,
ostensivo,agudoeinevitáveloquadrodalutadeclassesnasociedade,
vemsendoincriminadodeembaraçaracaptaçãodeumavontadegeral,
institucionalizandoconseqüentementeadivisãodasopiniões,tornando-
ascadavezmaisestanques,irredutíveis,incomunicáveis.
Enfim,éosistemamultipartidárioacoimadodeemprestaraos
pequenospartidosinfluênciapolíticadesproporcionadaeincompatível
comamodestíssimaforçaeleitoraldequedispõem,mormentequando
surgemelesporfieldebalançanascompetiçõespelopoder.
AssimcomoDuvergerligouosistemabipartidárioaosistemade
escrutíniomajoritáriodeturnoúnico,outrosautores,pondoigual
ênfasenoempregodatécnicaeleitoraleseusefeitossobrea
organizaçãodospartidos,assinalamosestreitosvínculosexistentes
entreosistemaderepresentaçãoproporcionaleamultiplicidadede
partidos.
StuartMill,segundorefereLowell,saudaraométododa
proporcionalidadepartidáriacomo“asalvaçãodasociedade”,6
afirmativaestranhanapalavradeumpensadorliberal,quandoa
verdadebemsabidaeconfirmadaéadequesemelhantetécnica
acompanhahistoricamenteodeclíniodoEstadoliberalesuavirtual
substituiçãoporumademocraciadepartidos,deíndoleplebiscitária.
Comefeito,ademocraciaparlamentarerepresentativado
liberalismosucumbe,conformesededuzdasobservaçõesdeHeller,
todavezque,medianteoempregodanovatécnicaeleitoral,opartido
políticotomaolugardoindivíduonaqualidadedetitulardodireitode
representaçãoproporcional.7
Nomesmosentido,sãotambémasobservaçõesdeLeibholz
acercadarepresentaçãoproporcional,queservedeinstrumentoà
democraciademassasnapassagemdoEstadoparlamentar-
representativoaoEstadopartidáriodenossosdias.8
Emsuma,essamodalidadederepresentaçãonãosomenteenseja
aproliferaçãodospartidospolíticosdecaráterrígidoecentralizador,
comsólidosmecanismosburocráticos,como“enfreiaaevoluçãoparao
sistemabipartidário”.9
3.Opartidoúnico
Otermomesmopartidoéjáumprotestodalógicaedobomsenso
contraaexpressãopartidoúnicooupartidototalitário,dois
contrassensosqueemrigornadasignificam.
Comefeito,pensadoresdacategoriadeBluntschli,Levy-Bruhle
Nawiaskytêmchamadoaatençãoparaaincompatibilidadeentrea
noçãodeparteoupartidoeadetodo,porconseqüência,paraa
indeclinávelobrigaçãode“nãoidentificar-seopartidocomoconjunto,o
povoeoEstado”.10
AsditadurasdoséculoXX,comrarasexceções,fizeramporémdo
partidoúnicooinstrumentomáximodeconservaçãodopoder,
sufocando,pelainterdiçãoideológica,opluralismopolítico,semoqual
aliberdadeseextingue.
Domesmopasso,identificaramopartidocomoEstadooua
nação,precisamenteaquiloquemaisrepugnaàíndoledotermo,
conformeacabamosdeleremBluntschli.Comoandamlongepoisos
temposemqueosfilósofospolíticosdoliberalismocombatiamaindaos
partidosporentenderemerroneamentequeasuapresençaequivaliaà
partilhadopoderestatal,ouseja,àquebradoprincípiounitárioda
soberania!
Entendemalgunsautoresqueopartidoúnicoéamáxima
inovaçãopolíticadoséculoXX,masoutros,comoDuverger,sãode
parecerqueaoriginalidadeconsistenoapoioqueproporcionaà
ditadura,daqualseconverteemsustentáculo.11
Exprimeopartidoúniconasociedadedemassasaconclusãode
umdesdobramentoinevitáveldosistemapolítico,noinstanteemquea
crisesocialfazimpossívelamanutençãodademocracia.Perdidaspor
estaascondiçõesdesobrevivênciaembasesindividualistas,entraela
numaagudacrisedegestaçãodequeresultaaformanovada
democraciademassas.Nãoraroacrisedemocráticatomasaídadetodo
imprevistadesembocandonaditaduradopartidoúnico.
Arevoluçãoeacontra-revoluçãosocialnoséculoXXgerarampois
politicamenteemalgunsEstadosopartidoúnico.Masondenosúltimos
anossuaapariçãosefezmaisfreqüentefoinaquelespaísesrecém-
egressosdoregimecolonial.Aíopartidoúnicoaparececomoforça
políticacoroadapeloprestígiohauridonaparticipaçãoquetevedurante
omovimentocriadordaindependêncianacional.
Váriospaísesafro-asiáticosinstituíramopartidoúnicodesdea
emancipação,obrigandoassimospublicistasareexaminar-lheocaráter
democrático.Comosesabe,aconcepçãodemocráticadoOcidente,
entreoutrosprincípios,vemvazadanaregradopluralismopartidário.
Opartidoúnicoatentariacontraaessênciadosistemademocrático.
Noentanto,algunspublicistas,fazendoexceçãoaessepostulado
rígido,admitemocaráterpotencialmentedemocráticodedeterminadas
ordenspolíticas,nasquaisopartidoúnicotemcarátermeramente
provisório,atéqueseconsolideumsistemadeinstituiçõesnovas
produzidaspelarevolução,cujospostuladosounitarismopartidário
esposa.
Opartidoúnicosurgeademaiscomoremédionasocasiõesde
crisesmaisgravesedolorosas.Masseucunhoantidemocráticosomente
sedescobreouficanuquandoentraeledefinitivamentea
institucionalizar-se.Estadosdearraigadatradiçãodemocrática,comoa
InglaterraeaFrança,emperíododeguerraouàsvésperasdeuma
guerra,seserviramjá,temporariamente,da“uniãosagrada”,da“frente
única”ecompactadesuasforçaspolíticasparaconjuraremoperigo
oriundodacomoçãoexterna.
O“gabinetedeguerra”deChurchillduranteasegunda
conflagraçãomundialexprimiuaunidadenacional,constituiu
modalidadedepartidoúnico,opartidodapátria,quefezdoarmistício
políticointernoorequisitoindispensávelàconcentraçãodetodosos
esforçosparaasalvaçãonacional.
Indulgentecomopartidoúnicoprovisório,Durvergerapontao
exemplodaTurquia,que,de1923a1946,suprimiuopluralismo
partidárioeconservou,todavia,nosquadrosdoregime,uma
organizaçãopartidáriaúnica,sobainspiraçãoda“ideologia
democrática”.Cumpridaamissãorenovadora,opartidoúnico,fielà
suaíndoledemocrática,consentiuali,em1950,segundoomesmo
pensador,o“triunfopacífico”daoposição.12
Afigura-se-nosporéminsustentáveloparecerdojuristafrancês.
Umavezadmitido,teriaqueabrangerigualmenteospartidosúnicos
dosEstadossocialistas,cujocaráterdemocráticoDuvergerlhesnega,
apósconcedê-loaoantigopartidoúnicodaditaduraturca.Nãohá
razão,emmatériadepartidoúnico,paradar-sebuladedemocraciaa
Ataturkerecusá-laaKruschov.
Doutrinariamente,opartidoúnicodosocialismomarxistasupõe-
setãotransitórioquantooEstado,nalógicamesmadosistema,seele,
comefeito,pudesse,empresençadarealidadesocialepolítica,ultimar
umdiatrajetóriaimplicitamentetraçadanospostuladosdateoria
marxistadoDireitoedoEstado.
Nosistemadepartidoúniconãoháalternativaparaoeleitorem
facedopoder.Ficaeleassimprivadodefazerescolhagenuína,
conformeFieldjudiciosamenteassinala.13Ademais,nessesistema,“o
partidoseconfundecomopoder”esuadoutrinasetorna“aidéiado
direitooficial”.14
Afunçãodopartidoéportantodiferentedaquelaqueeletemno
pluralismodemocrático.Aeleiçãoconfigura-sesecundária,destituídajá
docarátercompetitivo,semodiálogodasopiniõescontraditórias.Toma
portantooaspectoplebiscitáriodemeradesignaçãoouratificaçãode
escolhaantecedentementefeita.Masnemporissodeixaopartidode
desempenharpapeldesumaimportância,vistoquelhecabe,segundo
LevyBruhl,manterocontatoentreogovernoeasmassaspopulares,
constituiraselitesdopoderesustentarapropagandaoficialdo
regime.15
Acrescentaaindaaquelepensadorqueafunçãoideológica,sendo
umafunçãopolíticaglobal,setornaincontrastáveledominante.
Substituiemrelevânciatantoafunçãoeleitoralcomoafunção
representativadospartidosnopluralismo.Adverteporémomesmo
sociólogoquesãogravesosriscosqueosistemaacarreta:emprimeiro
lugar,aestagnação,seguidalogomaisdaburocratização,do
“unanimismo”ou“conformismointegral”,entibiandoassimainiciativa,
gelandooentusiasmocriador,paralisandoavontadelivre.16
Malessãoestespoisquenasditadurascontemporâneas
emprestamaopartidoúnicosuafeiçãorealeverdadeiraenos
autorizamarepetircomCroce,citadoporAfonsoArinos,que“osonho
dopartidopolíticoúnico,pormaisbemintencionadoehonesto,temo
inconvenientedesereferiraalgoquenãoénempartidonempolítico”.17
4.Ateoriamarxistadopartidopolítico
Osclássicosdomarxismo,desdeMarxeEngelsaMaoTseTung,
nãoseocuparamminudentementecomumateoriadospartidos.Nãose
nosdeparanelesnenhumaexposiçãoespecialemetódicaconsagrada
aoassunto,oqual,versadosempredeleve,continuaaindaimplícitoem
largapartenadoutrinageraldomarxismo,emsuaconcepçãoacercada
Sociedade,doEstadoedoDireito.
Épossíveltodaviacolheralgumasproposiçõesbásicasemlugares
esparsosdacopiosaliteraturamarxista,nasquaissepatenteiaa
naturezadopartidopolítico,peloângulodaideologiaproletária.
Aconcepçãomaterialistadahistóriaaplicadaatodasas
manifestaçõesdavidasocialigualmenteexplicaopoderpolíticoeseus
instrumentosdeação.
Distingueomarxismoocaráterdopartidonasociedadeburguesa
enasociedadesocialista.Noseiodaburguesia,segundoaquela
doutrina,apluralidadedepartidosexprimeantesdemaisnadaa
existênciadapróprialutadeclasses.
Stalin,em1936,comentandoanovaConstituiçãosoviéticae
criticandoospostuladosbásicosdademocraciaocidental,assim
resumiaaposiçãomarxista:“Noquetangeàliberdadedediferentes
partidospolíticos,sustentamosdecertomodoopiniõesdistintas.O
partidoépartedaclasse,suapartemaisprogressista.Osistema
pluripartidáriosomentepodeexistirnumasociedadeondehaja
antagonismosdeclasses,cujosinteressesseapresentammutuamente
hostiseinconciliáveis”.18
Muitomaisprecisaporémvemaseracaracterizaçãodospartidos
políticospelosociólogomarxistaOppenheimeremsuaobraclássica
sobreoEstado:“Opartidoénasuaorigemecontinuidadetão-somente
arepresentaçãoorganizadadeumaclasse...Ointeresseespecialdo
grupodirigenteconsisteemmanterpormeiospolíticosodireitoem
vigorporelemesmoimposto;épois“conservador”.Ointeressedogrupo
dominado,aocontrário,consisteemrevogaressedireitoesubstituí-lo
porumnovodireitodeigualdadedetodososhabitantesdoEstado:é
“liberal”e“revolucionário”.19
NoManifestoComunista(1848),afirmouMarxqueeradeverde
todos
os
proletários
se
organizarem
“numa
classe
e
correspondentementenumpartidopolítico”.Foidasraríssimasalusões
queelefezaopartido,convertidodepoisnoprincipalinstrumentode
destruiçãodasociedadecapitalistaesuasinstituições.
QuantoaLênin,háemsuaobraaforismosraros,mas
extremamenteprecisosemfixarosentidomarxistadopartidopolítico.
DizLêninqueopartidoéavanguardaorganizadaedisciplinadado
proletariadorevolucionário,pois“nelevemosarazão,ahonraea
consciênciadenossaépoca”.20
Stalin,porsuavez,escreveque“opartidolevaacaboaditadura
doproletariado”,emboranegueaidentidadeentreeleeoEstado.21
ArevistaPartijnajazizn,poucodepoisdoXXCongressodoPartido
ComunistadaURSSestampavaumartigodefundo,noqualselia:
“Liberdadedediscussãoeunidadedeação—eisoqueLêninexigiado
partido.Nossopartidonãoénenhumclubededebates,masuma
organizaçãodeluta”.22
AprofeciademortequeomarxismofazcomrespeitoaoEstado,
reconhecendo-lheocaráterfundamentalmentehistórico,suacondição
decomitêexecutivodaclassedominante(Michels)ou“sindicato
formadoparadefenderosinteressesdopoderexistente”,fadadoporém
adesaparecer,“extinguir-se”,ouacabarnomuseuderaridadesantigas
aoladodarodadefiaredomachadodebronze,segundoodizerirônico
deEngels,éigualmenteválidaapropósitodospartidospolíticos.
Opartidosocialistamesmoéopartidodeumaclasse:o
proletariadoesuaditadura.Partidoúnico,“quenãopoderepartira
liderançacomoutrospartidos”,conformeassinalavaZdanov,em1938,
citandoLênin,essepartido,comodesaparecimentodasociedadede
classes,acompanharátambémoEstadoemsuacaminhadaparao
túmulo.Talsedará,segundoaprevisãomarxista,napassagemdo
socialismoaocomunismo.
Comefeito,MaoTseTung,numareminiscênciadasvelhasidéias
deRohmer,noséculoXIX,sobreavidaorgânicadospartidos,vestidas
porémcomalinguagemeosconceitosdadoutrinamarxista,escreveu:
“Umpartidopolíticopercorretantoquantoumserhumanoosestádios
dainfância,juventude,idadeadultaevelhice.OPartidoComunistada
Chinajánãoénenhumacriançaouadolescente.Chegouàmaioridade.
Quandoumhomemsetornavelho,morredepressa;omesmoacontece
tambémcomospartidospolíticos.Comaaboliçãodasclasses,todosos
instrumentosdalutadeclasses—ospartidospolíticoseoaparelho
estatalperdemtambémsuasfunções,fazem-sesupérfluosese
extinguemlentamente,apóshaverempreenchidosuafunçãohistórica.
Asociedadehumanateráalcançadoentãoumgraumaisadiantado”.23
Opontíficemáximodomarxismocontemporâneo,seuúnico
teoristatalvez,resumiupoislapidarmenteateoriadospartidos
políticos,dopontodevistadadoutrinaqueoraexaminamos.
Semdúvida,asociedadedeclassesengendraospartidosde
classes(pluripartidismoburguês);estes,comachamadaditadurado
proletariado,sereduzemporémaumpartidoúnico.Essepartido
correspondeaindaàfaseintermediáriadosocialismoesuaimplantação
pelaviolência.
Enfim,consumadaatransiçãoparaocomunismo,nasuposta
sociedadesemclasses,cessariamdeexistirtantoopartidoúnico
dirigentecomotambémoEstado,antigamáquinadecoerção.
5.Arepresentaçãoprofissionaleospartidospolíticos
Nãosãoempequenonúmeroosteoristaspolíticosquevêempor
únicoremédioaosefeitosperniciososdosgruposdepressãooudos
lobbyistsainstituiçãodopoderpolíticocombasenarepresentação
profissionalenaconseqüenteextinçãodospartidospolíticos.
Preconizandoessasolução,supõemseracrisedospartidosem
largapartedeterminadapelaincapacidadeemqueseachamelesde
reduziraointeressegeralcertosanseiosdeclasse,queficamportanto
desatendidosoupostosàmargem,quandonãochegamaser—omais
comum,aliás—indevidamenteapropriadosporgrupos,cuja
legitimidadepararepresentá-losémaisduvidosaqueadospróprios
partidos.
Arepresentaçãoprofissional,comosucedâneodospartidos
políticos,
tem
sido
fortemente
sustentada
por
pensadores
antidemocráticos,deideologiafascistaoucorporativista.
Noentanto,juristas-filósofosdoestofodeKelseneGustavo
Radbruchrepulsaram-naimpiedosamente.Combatendoasidéiasde
Triepelaesserespeito,Kelsenmostrouqueasformaçõesprofissionais
sãocomunidadesouorganizaçõesdeinteressestão“egoísticos”quanto
ospartidospolíticos.24
Asubstituiçãodospartidospolíticosporentidadesprofissionais
ousindicaisnãoacarretaria,porconseqüência,asvantagens
apregoadas.Afirmaofilósofoqueapolíticanessecasoficariaentregue
aosinteressesmaiscrusdasclassesprofissionais;estas,aocontrário
dospartidospolíticos,nãosedariamsequeraotrabalhodedissimulá-
losemtermosdeidéias,domesmopassoqueosinteressesculturais,
vistonãoseprenderemanenhumaprofissão,acabariam,desprovidos
dopatrocínioderepresentação.Enfim,talmudançasignificarianada
mais,nadamenosqueamaterializaçãoesindicalizaçãodetodaavida
política,reduzidaaummerosistemaderepresentaçãodasprofissões.25
Ascâmarascorporativas,afirmandoarepresentaçãodaqueles
interesses,nãopuderamvingarsenãonosEstadosfascistasou
parafascistas.EmEstadosdemocráticos,apesardoecoprojetadopor
semelhantesidéiasdereformulaçãodosistemarepresentativo,seus
triunfosforambastanteminguados.
AConstituiçãoBrasileirade1934,numaconcessãodeveras
amplaaoprincípioemtela,instituiuarepresentaçãoclassistanoseio
doCongressodemocrático.Constitui-seporessavia,democraticamente
ilegítima,aquelabancadaque,tendoorigemforadoconsentimento
popular,fezhíbridoosistema.
Deúltimo,osEstadosdemocráticosinstituíramconselhos
técnicosoueconômicos,dando-lhescarátermeramenteconsultivo.A
audiênciadasassessoriastécnicasnoParlamentomodernoporsuavez
corrigeouatenuaacrisedeespecializaçãoqueembaraçavaos
representantespolíticosnotratodedeterminadosproblemasdeordem
técnicaouprofissional,oquedavalugaraseverasqueixasporparte
dosquesempreargumentaramcontraademocracia.
6.OpartidopolíticonaInglaterra
AInglaterraéapátriadospartidospolíticos.Hácercade300
anosexistealiumarealidadepartidária.Variável,naturalmente,
conformeoshomens,otempoeasidéias.Desdequeadistinçãoentre
“Whigs”e“Tories”,nofimdoreinadodeCarlosII,setornoupatente,é
possívelfalardeumahistóriadospartidospolíticosingleses,assinalada
porumbipartidismotradicional,fonteprincipaldeinspiraçãodetodoo
processoparlamentarnaquelepaís.
Desdecedoseviuporémosistemainglêsmarcadoporuma
divisãodefundoideológico,que,segundoBolingbroke,começacomos
“tories”,representandoolandedinteresteos“whigs”representandoo
moneyinterest;osprimeirosadotandoumapolíticaconservadora,os
segundossemostrandomaissensíveisàsreformassociais.
Dequalquermodoaexistênciadeambosveioexprimiroconflito
aristocrático-burguêsentreaterraeocapital,ocampoeacidade,o
feudoeoburgo,aidademédiaremanescenteeostemposmodernos
supervenientes.
Doladodos“tories”aigrejaeotrono,asgrandesprerrogativas
régias,oprincípiodaautoridadeeolegitimismo;doladodos“whigs”o
parlamentoeocontratosocialdeLocke,adoutrinadoconsentimentoe
osprincípiosde1688,eiscomoGreavesresumesubstancialmenteas
posiçõesdefinidasemcadaumdessesgrêmiospolíticos.26
Conformeassinalaomesmoconstitucionalista,essequadrofoi
válidoatéagrandereformade1832.Desdeentão,alargostraços,a
históriadospartidosinglesesassinalapoliticamenteotriunfoda
burguesiaindustrialnaquelepaís,quedoravantesereparteem
posiçõesconservadoraseliberais,semmaiorescrisessenãoaquelas
quelheestavamsendoaparelhadaspeloséculoXX,quandoarotura
espetaculardobipartidismoclássicotrouxeàcenapolítica,emtermos
inarredáveis,opoderdoquartoestado,asaber,damassaobreira,
politizadaideologicamentepelatomadadeconsciênciadeumsocialismo
brando,democrático,generosamentecristão,pacifistaereformista.
Seaideologiaserveaindadetraçoecaracterizaçãodopartido
inglês,emnenhumpaísaopiniãodemocráticaseachaelevadaaníveis
tãoaltosdeeducaçãopolíticaquantoali,onde,sematritosbásicos,
convivemduasorganizaçõescomooPartidoConservadoreoPartido
Trabalhista,separadasporumfossoideológicoprofundo,mas
congraçadaspelosmesmospropósitosdefielmanutençãodas
instituições
fundamentais
a
que
tradicionalmente
adere
o
temperamentopolíticodanaçãoinglesaequeseconsubstanciamna
coroaenoParlamento,nademocraciaenaliberdade.
Observamagistralmenteumautoramericanoqueopartido
políticonaInglaterraparecehaversidofeitoparadividiroshomens
segundoassuasidéias,aopassoquenosEstadosUnidosoutraforaa
suafunção,asaber,adeunirhomensdivididosjápororigem,raças,
religião,crençaspolíticas,situaçõessociais,etc.
Comefeito,emnaçãoalgumadoOcidente,votaoeleitortantonas
idéias,nasplataformas,nosprogramaspolíticosenamoraldosseus
representantesquantonaInglaterra.Alealdadepartidária,afidelidade
aosprogramas,aobediênciaideológicanointeriordosquadrospolíticos
éaliconvicçãoantesdeserimposição.Poucovalemaspromessas,os
interesses,aspersonalidades,o“carisma”,tudoistoque,referidoa
pessoasédepraxenaspugnaseleitoraisdosEstadosUnidos,equefaz
assimosistemaamericanotãodiferentedosistemainglês.
Forte,naInglaterra,emprimeirolugar,éopartido;depoiso
candidato.Dissoresultouumadasvirtudesmaispatentesdosistema,
assinalando-lheasuperioridade,emcontrastecomoquesepassanos
EstadosUnidoseempaísesdaAméricaLatina:aconsiderável
resistênciaqueopartidoestáemcondiçõesdeofereceraosgruposde
pressão.
Rígida,coerente,disciplinada,aorganizaçãopartidáriaquebraa
forçapolíticadiretaeimediatadessesgrupos.Podemeles
eventualmentedominaraopiniãopública,sujeitando-a,masraramente
dominamospartidos,oupelomenosnãoofazemcomaquela
prodigiosafacilidadecomqueseassenhoreiamdosdeputadose
senadoresdasduascasasdoCongressoamericano.
NosEstadosUnidos,oassaltoexternoaoCongressopelosgrupos
depressãoétãofreqüentequeficamospartidosreduzidosàquela
massainorgânicaedisforme,àqueleconglomeradodeinteresses
passageiros,àquelaorganizaçãodetodoirreconhecível,sequiséssemos
invocá-lapelasidéiasouidentificá-lapelosprincípiosdequedeveraser
portadora,masdequeseachacompletamentedesamparada.
7.OPartidopolíticonosEstadosUnidos
OstentamosEstadosUnidosemsuaorganizaçãopartidáriaa
formamaisacabadadochamadopartidodepatronagem,queMax
Weberemseusestudosdesociologiapolíticaelevouaumadas
categoriasbásicasdepartidos.
Apatronagemnosistemaamericanofezdedemocratase
republicanosduasgigantescasagênciasdeempregos,duasmáquinas
deelegercandidatoseganhareleições,comumapolíticafundadamais
no“compromisso”doqueno“dogma”.27
Opartidoideológicodotipoeuropeuéalidesconhecido.Nenhum
sistemadepartidos,talvez,tantoquantooamericano,sebaseounos
chamadosprincípiospositivosdeBolingbroke,relativosàdiferença
interpartidária,consoanteosmétodosdeaçãoeassoluções
particularesparacasosconcretosenãoconformeaconcepção
pertinenteaosfundamentosdoEstadoedaConstituição(princípios
negativos).
Asquestõesdefundonãoentramsenãomuiraramentenas
plataformasenapolíticadosdoispartidos,demodoqueadistinção
entreamboséquasenenhumaesetornainvisíveltomadaporesse
últimoângulo.Aopiniãoteráconseqüentementequerepartir-seao
redordenomesoupessoasenãodeidéiasouprogramas.
Comrespeitoàorganizaçãopartidária,osEstadosUnidossãoa
imagemopostadaInglaterra.Osdoissistemaspartemtodaviadebases
comuns:omesmoquadrobipartidário,omesmopressupostode
fidelidadeaopluralismodemocrático,amesmaconfiançanaOposição,
que,emborainimigadogoverno,nãoétodaviainimigadoregime.28
Daípordianteporémasvariaçõesseacentuamprogressivamente,
demaneiraquecadaestruturaguardafisionomiaprópria.
NaInglaterra,ospartidossealimentamdeumafilosofiapolítica,
querefletearepresentaçãodasclasses;nosEstadosUnidos,ospartidos
sãosimplesmentemáquinasderegistrarvotos,conquistaropoder,
selecionarcandidatos,elegercongressistaseobterempregos.Sua
clientelademilhões,recrutadosemtodasasclasses,lhesconfereo
caráterdepatronagem,segundoaterminologiapartidáriadeMax
Weber.
Adisciplinaeahomogeneidadesãotraçosmarcantesdosistema
inglês;nosEstadosUnidos,aocontrário,quasenãosedistingue
ninguémporsuafiliaçãopartidária.Aindahoje,comoaotempode
Jefferson,éválidaaafirmativadaqueleex-Presidentee“Paida
Constituição”,segundoaqualosdemocratassãorepublicanoseos
republicanos,democratas.
Aindaqueospartidosquisessemmanterarigorosaobservância
dasidéiasesposadasnaocasiãodosmovimentoseleitorais,dificilmente
cumpririamapromessa,porquantolhesfaleceriaonecessárioesteiode
coesãointernaeobediênciaparlamentar.
Ofeudalismoquepulverizaospartidosamericanos,entrevisto
comtantaagudezaporOstrogorski,nãoconsenteàsorganizações
partidáriasurnaseqüênciaderumoscertos,umadefiniçãocategóricae
permanentedeobjetivospolíticos,quevariamportantoaosaborda
ocasião,conformeacorrentedeinteresses.
Opartidopolíticoamericanonãoéemabsolutoaexpressão
homogêneadeforçaspolíticascoerentes.Antes,aorevés,nãopassa,
depoisdecadaeleição,deumafederaçãodegruposeseçõesregionais
comosmaisvariadosempenhos,unindoelementosopostose
heterogêneos.
Édecomparar-seopartidopolíticonosEstadosUnidosaosrios
dasáreassecas:somentecorremnasestaçõeschuvosas,nascopiosas
invernadas.Assimopartidoamericanosódeixaimpressãosegurade
vidaeunidadeporensejodascampanhaseleitorais,quandoasua
funçãoaparecemaisnítidadoquenunca:ade“mobilizar”asmassas,
jamaisporémade“integrá-las”.29
Essacontradiçãocomosentidoideológicodospartidosdemassas
noEstadocontemporâneo,bemcomoaconservaçãodocaráterde
patronagem,temmovidoalgunsdosmaisinsignespublicistasdos
EstadosUnidosamanifestaremoseudescontentamentocomos
partidos.
Diz
Schattschneider
que
os
partidos
americanos
são
provavelmenteasinstituiçõesmaisarcaicasdosEstadosUnidos30eque
ahistóriapolíticadessepaíséahistóriadeumcasamentoinfelizentre
ospartidoseaConstituição.31
Querparecer-nostodaviaqueaprimeiraproposiçãoencerragrave
equívoco,exagero,injustiçatalvez.Obomêxitodopartidoamericanono
sentidodapermanênciadesuaestrutura,tãoduramentecriticada,se
devealiásemlargaparteaessaplasticidadepolíticaadmirável,aessa
faltaderigidez,aessapermeabilidadeconstantedeseusquadros,
abertosemapelossemprefreqüenteserenovadosàparticipação
indistintadetodososelementossociais.
Essamodalidadedepartidos,guiadosporinteressese
sustentadosporpessoasinteressadas,detodaespécieouprocedência,
servedeanteparocontraopartidoideológico,queoficializaadivisãode
classeseseconverteeminstrumentopolíticodasociedadedemassas.
OpartidopolíticonosEstadosUnidos,conservandoapresente
organização,encobredefatooufazmenosflagrantesascontradições
sociais,queresumemosconflitosprofundosdasociedadeamericana.
Édetodaconveniênciaparaoregime—enissoeles,ospartidos,
sãoperfeitamentemodernosedeformaalgumaarcaicos—queo
cidadãoamericanocontinueprocurandoopartido,conformeobserva
Sulzbach,32assimcomoquemprocuradeterminadobancoou
companhiadetransporteparaliquidarumaconta,fazerumdepósitoou
iniciarumaviagem.
AfirmaBurns,referindo-seaospartidosamericanos,que,como
“instituiçõesnacionais”,elesestão“decrépitos”.33
Quandoporémopartidoamericanocomo“governoinvisível”dos
seusbosses,opodersecretodoslobbyistseaaçãoocultamasdecisiva
docaucus,peçastodasdeummesmosistemaqueabrangetambémos
gruposdepressão,estiverdecrépito,comocuidaaquelepublicista,
“decrépita”estariaigualmentetodaasociedadeamericanacomassuas
atuaisinstituições,reclamandourgenteeradicalmudançade
estrutura,reclamounicamentecompatívelcomaadoçãodospartidos
ideológicos,partidosdemassas,aquelesquedificilmenteseacomodam
aopluralismodemocráticodonossoséculo.
AassertivadeBurns,portanto,apenaspoderáserválidapara
distinguirocaráterregionalouegoísticodosinteressesqueopartido
agitaemfacedocaráternacionaldaquelesinteressesquedeveriam
prevalecer,enoentantonãoprevalecem,vistoqueopartidoosdescura,
omite,oudesserve.
Comojáseassinalou,opartidoamericano,àmínguade
centralizaçãoedisciplina,temumaorganizaçãointernafeudal,
pluralista,fragmentária,quelheconsente,emfacedasquestões
legislativas,contemporizarcomaliberdadedemovimentoeopiniãodos
seusmembros,cujovotonasduascasasdoCongressoélivrede
qualquercoaçãopartidária.
1.G.C.Field,PoliticalTheory,p.97.
2.Duverger,LesPartissPolitiques,p.245.
3.HansNawiasky,AllgemeineStaatslehre,2,p.103.
4.E.E.Schattschneider,“Wyatwo-partysystem”,apudBishopeHendel,Basic
IssuesofAmericanDemocracy,p.249.
5.Duverger,LesPartisPolitiques,2ªed.,pp.247-248.
6.A.LawrenceLowell,TheGovernmentofEngland,v.1,p.450.
7.H.Heller,DieGleichheitinderVerhaeltniswahl,p.22.
8.G.Leibholz,“DerParteienstaatdesBonnerGrundgesetzes”;In:RechtStaat,
Wirtschaft.v.3,p.107eDasWesenderRepraesentationundderGestaltwandelder
Demokratieim20.Jahrhundert,p.111.
9.Duverger,ob.cit.,p.279.
10.Bluntschli,in:DeutschesStaatswoerterbuch,v.7,p.163.
11.Duverger,ob.cit.,p.286.
12.Duverger,ob.cit.,pp.307-312.
13.G.C.Field,ob.cit.,p.182.
14.GeorgesBurdeau,TraitédeSciencePolitique,t.1,pp.431-469.
15.HenryLevy-Bruhl,AspectsSociologiquesduDroit,p.169.
16.HenryLevy-Bruhl,ob.cit.,pp.169-172.
17.BenedettoCroce,PoliticsandMorais,apudAfonsoArinosdeMeloFranco,História
eTeoriadoPartidoPolíticonoDireitoConstitucionalBrasileiro,p.144.
18.J.Stalin,ProblemedesLeninismus,p.625ess.
19.FranzOppenheimer,DerStaat.
20.V.S.Lênin,Politiceskijasantaz,Socinenija,25,p.239,apudHandbuch,p.118.
21.J.Stalin,FragendesLeninismus,p.154.
22.“Neuklonnesobijudat’leninskenormypartijnojzini”,Partijnajazizn,abril,1956,(7):
8,apudBoshenscky,ob.cit.,p.126.
23.MaoTse-Tung,OnPeoplesDemocratieDictatorship,p.3.
24.HansKelsen,VomWesenundWertderDemokratie,2ªed.,p.110
25.GustavoRadbruch,“DiepolitischenParteienimSystemdesdeutschen
Verfassungsrecht”,in:HandbuchdesDeutschenStaatsrechts,v.1,p.288.
26.H.R.G.Greaves,TheBritishConstitution,3ªed.,p.113.
27.JohnFischer,“Governmentbyconcurrentmajority”,in:UnwrittenRulesof
AmericanPolitics,apudBishop&Hendel,BasicIssuesofAmericanDemocracy,p.273.
28.EscreveAfonsoArinosaesserespeito:“Foiapartirdestaépoca,esclareceMunro,
quesefirmouadoutrinadeaceitaçãodaoposiçãopolítica,istoé,adoutrinabásicada
democraciadequeosinimigosdoGovernonãosãoinimigosdoEstadoequeum
oposicionistanãoéporistoumrebelde”.WilliamBennetMunro,TheGovernmentsof
Europe,p.50,apudAfonsoArinosdeMeloFranco,ob.cit.,p.9.
29.Flechtheim,ob.cit.,p.261.
30.E.E.Schattschneider,“Towardamoreresponsabletwo-partysystem”.Suplement
zurAmericanPoliticalScienceReview,44(3)september1950,apudSheuner,ob.cit.,p.
253.31.E.E.Schattschneider,“Indefenseofpoliticalparties”,in:PartyGovernment,Apud
PoliticalThoughtinAmerica,byAndrewM.Scott,p.519.
32.WalterSulzbach,“PolitischeParteien”,in:HandwoerterbuchderSoziologie,p.425.
33.JamesB.Burns,“TheNeedforDisciplinedParties”,in:CongressonTrial,p.261.
25
OPARTIDOPOLÍTICONOBRASIL
1.AescassezdeestudossobreopartidopolíticonoBrasil—2.
Conservadoreseliberais,noImpério,reduzidoaumsópartido:o
dopoder—3.Mentalidadeantipartidáriaeestadualismodos
partidosnaRepúblicaVelha—4.Are-formaeleitoraleopartido
políticodepoisdaRevoluçãode1930—5.OretrocessodoEstado
Novo:extinçãodospartidospolíticosemalogrodopartidoúnico—
6.AinstitucionalizaçãojurídicadospartidospolíticosnoBrasil(o
avançodaConstituiçãode1946)eacrisedopartidonacional—7.
Requisitosparaaformaçãodospartidoseevoluçãodosistema
partidárionasConstituiçõesbrasileiras—8.OnovoEstado
partidáriodoConstitucionalismobrasileiro:—8.1Oregime
representativoedemocrático—8.2Apersonalidadejurídica—8.3
Aatuaçãopermanente—8.4Afiscalizaçãofinanceira—8.5A
disciplinapartidária—8.6Âmbitonacional-8.7Avedaçãode
coligaçõespartidárias—9.Adimensãosociológicadopartido
políticobrasileiro.
1.AescassezdeestudossobreopartidopolíticonoBrasil
ComexceçãodasanálisesprecursorasdeOliveiraViana,sob
inspiraçãodominantementesociológica,dosesplêndidosestudosdo
professorAfonsoArinosdeMeloFranco,dealgumaspáginasbrilhantes
deThemístoclesCavalcantiedozelodemonstradonapesquisapor
OrlandoM.Carvalho,aciênciapolíticanoBrasilquasecontinua
ignorandooestudosistemáticoeinterpretativodaformaçãoe
comportamentodospartidospolíticosdesdesuasorigensatéosnossos
dias.
Comefeito,aescassezdeensaiosmonográficosdessanatureza
denotasimplesmentequeosnossospublicistasnuncareconheceramàs
agremiaçõespartidárias,nahistóriapolíticadopaís,aimportância
capitaldequeelassevãorevestindocontemporaneamente.Tinham
razãodeprocederassimesseshistoriadoreseintérpretestantodenossa
antigaformaçãoimperialcomodafaserepublicanasubseqüente.
Emverdade,avidaconstitucionaldoBrasilsefezsempreno
ImpérioenaRepúblicaàbasedepersonalidades,delíderespolíticose
caudilhos,homensquedirigiamcorrentesdeopiniãoouinteresses,
valendo-seapenasdopartidocomosímbolodeaspiraçõespolíticas,
nuncacomoorganizaçõesdecombateeação,quejamaischegarama
ser.
NãoandariaexageradopoisquemdatassedaConstituiçãode
1946aexistênciaverdadeiradopartidopolíticoemnossopaís,
existênciaquecomeçacomoadventodospartidosnacionais.
Oscemanosantecedentesviramapenasagremiaçõesque,àluz
dosconceitoscontemporâneos,relativosàorganizaçãoefuncionamento
dospartidos,dificilmentepoderiamreceberonomepartidário.
VejamosporémoqueforamessasorganizaçõesnoBrasilImperial
enaprimeirafasedoBrasilRepublicano.
2.Conservadoreseliberais,noImpério,reduzidosaumsó
partido:odopoder
OsdoisgrandespartidosdoImpério—oConservadoreoLiberal
—têmcontrovertidasatémesmoassuasorigens,queunsdãocomo
sendode1837(SoaresdeSousa),outrosde1838(Nabuco).Forcejando
pordirimiradúvida,escreveuoeminenteprofessorAfonsoArinos:“Se
tivéssemosdesugerirpornossoladoumasoluçãoparaoproblema,
diríamosqueaformaçãodopartidoliberalcoincidecomaelaboraçãodo
AtoAdicionaleadoConservadorcomafeituradaleideinterpretação”.1
OsliberaisdoImpérioexprimiamnasociedadedotempoos
interessesurbanosdaburguesiacomercial,oidealismodosbacharéis,o
reformismoprogressistadasclassessemcompromissosdiretoscoma
escravidãoeofeudo.
Osconservadores,pelocontrário,formavamopartidodaordem,o
núcleodaselitessatisfeitasereacionárias,afortalezadosgrupos
econômicosmaispoderososdaépoca,osdalavouraepecuária,
compreendendoplantadoresdecana-de-açúcar,cafeicultorese
criadoresdegado.
Noentanto,essalinhadivisóriaeimaginária,traçadapelo
historiadorpolítico,nemsemprerefleteacoerênciadasposiçõesque
assumiramasduasforçaspartidáriasdoImpério,poisemfacedopoder
quecobiçavam,abandeiradosprincípioseranãorarodepostapara
prevaleceremosinteressesáulicos,asconveniênciasdeocasião,as
abdicações,asacomodações.
Daí,napráticadoregime,serquasenenhumaadiferençaentre
umliberaleumconservador,comoquevínhamosatertambémno
Brasilimperial,conformelembraArinos,areproduçãodaquiloque
Jeffersoncontemplarajánosistemadospartidosamericanos,ao
assinalarque“todoopaíserarepublicano,masquetodoopaísera
igualmentedemocrático”.2
Descrentedasreformasedaspromessasdospartidos,quandoo
ostracismoosdistanciavadamunificênciareal,RuiBarbosaescreveu
que“osdoispartidosnormaisnoBrasilsereduzemaumsó:odo
poder”.3AocondenaroPartidoConservador,Ruiafirmouqueasfacções
doImpériosão“sindicatosdeespeculaçãoorganizadaquedestroema
moralpúblicaecorrompemasinstituições”.4
Acrescentouaindaoautorizadointérpretedasinstituições
imperiaisque“emúltimaanálise,oquetodosqueriameraopoderpara
oqualaescadaéabenevolênciadopaço”,5eque“opartidoliberal
exulta,porqueestánopoder;opartidoconservadorrevolta-seporqueo
privaramdogoverno”,6que“ambosseacomodamàcangaeàpeaça,
contantoqueselhesdêaervafrescadopoder”,7eque,emsuma,“a
naçãonãocrêemnenhumdosdoispartidos”.8
DaGuerradoParaguaiàProclamaçãodaRepública,os
problemaspolíticosesociaisdoImpérioseavolumamdetalmaneira
queosdoispartidostradicionaisentramemcrisesemmeiosdefazer
faceàgravidadedasituação.
Opartidodomovimento—eaquiaplicamosrigorosamentea
linguagempartidáriadeNawiasky—quedeveriatersidoogrêmio
liberal,cedecadavezmais,nocoraçãodoreformismo,olugaraos
radicais,queabraçaramoprogramarepublicanoelançaram,desde
1870,emARepúblicaoManifestoRepublicano.
Estavaabertaaestradaparaodesfechoincruentode15de
novembro:osdescontentamentosacumuladosnoshorizontesda
questãomilitar,osimprevistosdaquestãoreligiosa,ostranstornosda
questãoservil,assimcomoacrisedaidéiafederativa,dequeRui
Barbosasefizerapaladinoeexpoente,batalhando,comrarafidelidade
partidária,atéàsvésperasdocolapsoimperial;todosaquelesfatos,
enfim,fizeramirremediávelacrisedasinstituiçõeseporiamtermoà
existênciadosdoisgrandespartidosdoImpério:oConservadoreo
Republicano.
3.Mentalidadeantipartidáriaeestadualismodospartidosna
Repúblicavelha
ComoadventodaRepública,oprincípiodeorganização
partidárianoBrasil,longedemelhorarouaperfeiçoar-se,padeceu,ao
contrário,durorevés.HouverelativamenteaoImpérioconsiderável
retrocesso,porquantoduaspragasflagelaramlogodeinícioo
sentimentopolítico:amentalidadeantipartidária,tãoadmiravelmente
proclamadaporAfonsoArinos,eocaráterregionaldasorganizações
partidárias,quenãotranspunhamoapertadocírculodosinteresses
estaduaiseserviamtão-somentedeinstrumentopolíticoapoderosas
combinaçõesoligárquicas.
Oprópriofederalismoembaraçouaformaçãodesólidas
agremiaçõespartidárias.NaspreocupaçõesreformistasqueaRepública
trouxeparaopaísfigurava,emprimeirolugartalvez,deacordocomas
aspiraçõesconstitucionaisde1891—pelomenoscomoRuias
formulara—aconsolidaçãodaordemfederativa,aqualtinha
precisamenteporobstáculoasantecedênciasdatradiçãounitáriado
Império.
Todososempenhosconvergiamparacriarnasantigasprovíncias
o
sentimento
da
máxima
descentralização
possível.
O
país,
complacente,parecia,deolhosvendados,estimularosurtooligárquico
estadual.Emseusnovosmoldesrepublicanos,opartidopolíticoera
primeirooagentedoantipartidismonacional,asaber,aferramenta
daquelasoligarquiasqueempolgaramopoderegovernaramopaís
durantequasemeioséculodaRepúblicavelha.
Massemprenofundodosgrandesrecuospolíticosqueahistória
aparentementeregistra—eoantipartidismodaRepúblicafoium
dessesrecuos—atuamjáasforçasquehãodedevolverahistóriaao
porvir,efazerqueasidéiaseasinstituiçõesretomemoseucurso,
refluamaoleitodacorrentezahistórica,reabramoscaminhos
interrompidos,reconciliem,nocasobrasileiro,opartidocomasua
tendênciairreprimívelenecessária,queéadamarchaparaa
amplitudedemocráticadopoder,aparticipaçãopopularcadavezmais
ampla,oalargamentoindispensáveldocírculodeaçãopartidária,que
nãopoderiajamaisconfinar-se,senãotransitoriamente,aoâmbito
provincial.
Aquelasforças,porconseguinte,queinstintivamenteacolheramo
germedofuturopartidodequadrosnacionaissereconhecemcativas
aosvastosmovimentosdeopiniãoquetrouxeram,desordenada,mas
precursoramente,aintervençãodeponderáveismassaspolíticasno
processoeleitoral,prenunciandojáofimdaquelelongociclo
republicano
antipartidário
ou
apartidário,
que
compusera
a
mentalidadepolíticanacionalaté1930,explicávelpelasrazõesjá
expostas.
ACampanhaCivilista(RuiversusHermes),aReaçãoRepublicana
(NiloPeçanhaversusBernardes)eaAliançaLiberal(VargasversusJúlio
Prestes)dãotestemunhodequeademocraciademassas,queseria
depoisemsuainstitucionalizaçãopolíticaademocraciadepartidos,fiel
assimàstransformaçõesdoséculo,tinhatodaviaocultaemsuasmãos
odestinodasinstituições,quehaveriamaistardedemoldarcoma
forçaeintensidadedopensamentonovo.
Comefeito,doImpérioaosnossosdias,opartidopolíticosegue
umatrajetóriadetransformaçãoquantitativaequalitativa:doantigo
partidoaristocráticodoImpériosechegaaopartidopopularou
democráticodaRepúblicadehoje.
Antesqueseoperassenafasemaisrecentedenossahistória
republicanaessamudança,houveporémolongointerregnoda
pulverizaçãopartidárianostermosjáreferidosdospartidosdeâmbito
estadual,fasequecorrespondeaoextensoperíododepaciente
implantaçãodasinstituiçõesrepublicanas.
4.AreformaeleitoraleopartidopolíticodepoisdaRevoluçãode
1930
DepoisdaRevoluçãode1930,principiaoBrasilavariarem
matériadepartidos.Aprimeiramanifestaçãoconcretadaobra
reformistadessemovimentoseoferece,noâmbitopolítico,comoCódigo
EleitoralqueoGovernoProvisórioexpediua24defevereirode1932.
Deuessaleiimportantepassonosentidodeprepararascondições
básicasindispensáveisàautenticidadedemocráticadopartidopolítico.
Assimfoiqueinstituiuarepresentaçãoproporcional,ovotosecretoea
JustiçaEleitoral.
Deixouporémdedaropassodecisivo,queseriaacriaçãodo
partidopolíticonacional.Estesomentesurgegraçasaoreformismoda
segundaditadura,comoEstadoNovo(1937-1945),noanodoseu
colapso.ForaomissaaConstituiçãode1934tocanteaesseaspectoda
organizaçãopartidária,demodoqueaseleiçõesimplícitasnosistema
seriamdisputadasaindaporpartidosestaduaisenãoporagremiações
nacionais.
OvelhoquadrodoregionalismopartidáriodaPrimeiraRepública
(1891-1930)sobreviviajuridicamente,emfacedaConstituiçãode1934,
nãoobstantealetraconstitucionaladotaraproporcionalidadeda
representaçãoeosufrágiouniversal,igualedireto(Art.23),bemcomo
manteraconquistadoCódigode1932,cifradanoestabelecimentoda
JustiçaEleitoral.
Contribuíramessasgarantiasatornardefinitivoofimdasantigas
influênciasoligárquicasnosquadrospolíticosregionais,influênciasque
aRevoluçãovieraprecisamentebanir.
Oestadualismopartidárioremanescentetinhaporémosseusdias
contadosefindariaemtermosdesagraçãojurídico-eleitoralepresença
navidapolíticadopaíscomamortedaprópriaConstituiçãode1934.
SeessaConstituiçãofezlargosprogressoscomvistasao
aperfeiçoamentodosistemademocrático,incorporandoaotextoas
inovaçõesdoCódigoEleitoralde1932,suaposiçãoempresençado
partidopolíticoéaindadeinegávelreservaetimidez.
Umaúnicavez,emseuartigo170,n.9,empregaaConstituiçãoo
termopartidopolítico,parafazê-loaliásnumsentidomeramente
negativo,quandovedacompenalidadeaofuncionáriosevalerdesua
autoridade“emfavordepartidopolíticoouexercerpressãopartidária
sobreosseussubordinados”.
Nomais,areferênciaaospartidos,queaindaconsta,éadoartigo
26,noqualasorganizaçõespartidáriassãodesignadascomonomede
“correntesdeopinião”.Mandaaliotextoconstitucionalqueselhes
assegurenoRegimentoInternodaCâmara,“tantoquantopossível,em
todasasComissões,arepresentaçãoproporcional”.
Aalusãoaopartidopolítico,partidoaindaentãodecaracterísticas
estaduais,representava,apesardedefeituosa,umacertaadmissão
indiretadanecessidadequeaconsciênciapolíticadopaíssentiaem
trazê-lomaiscedooumaistardeparaaórbitaconstitucional.
Poresselado,aefêmeraConstituiçãode1934foiumprogresso.
Masninguémcontestaráque,aoinstituirarepresentaçãoprofissional,
ladoaladocomarepresentaçãopolíticanolegislativo,odocumentode
1934,emseuartigo23,deuumpassoatrás,comaquelamedida
híbrida,asaber,recuoudosentidodedemocratização,quevemfazendo
dopartidopolítico,duranteoséculoXX,oinstrumentoporexcelência
doEstadosocialnademocraciademassas.
5.OretrocessodoEstadoNovo:extinçãodospartidos
políticosemalogrodopartidoúnico
DaConstituiçãode1934àConstituiçãode1946,comoadvento
doEstadoNovoeaimplantaçãodesuaditadura,em1937,ocorreum
hiatodetodaavidapartidáriaemnossopaís.
Apluralidadepartidáriaseextingue.Pairasobreospartidoso
silênciodaCartafascista.Nemsequeropartidoúnicovinga,partido
queemtodaaparteéosustentáculodasditaduras,obraçopolíticoda
opressãoorganizada.Houvecomefeitotentativamalogradadecriá-lo,
aoanunciar-seafundaçãodeummovimentodebasesoficiais,como
nomedeLegiãoCívicaBrasileira(DiscursodeAmaralPeixoto,a27de
maiode1938,proferidocomaautoridadedegenrodoSr.Getúlio
VargaseInterventorFederaldaditadura,noEstadodoRio).Não
chegouessemovimentoafloresceremvirtudedaresistênciaoposta
peloExército.
Eraele,todavia,aréplicaqueoditadorprocuravadaràdeserção
doapoiointegralista,umavezqueomovimentodoscamisasverdes
(AçãoIntegralistaBrasileira)apelaraparaarebeliãoarmada,apósver
frustradososseuspropósitospolíticos,frustraçãopatenteadacomos
efeitosdoDecreto-Lein.37,de2dedezembrode1937,quedissolvera
ospartidosexistentesnopaíseinterditaradaípordiantetodaação
políticaorganizadaembasespartidárias.
ComaderrotadaItáliafascistaedaAlemanhanazista,oEstado
Novo,jáagonizante,deu,sobintensapressãodaclassemédia,uma
guinadaparaademocracia,preparandoedecretandoa28demaiode
1945aLeinúmero7.586donovoCódigoEleitoral.
Trouxealegislaçãodofimdaquadraditatorialimportantes
novidadesparaoprocessoeleitoralnopaís:instituiu,pelavezprimeira
emnossahistória,opartidodeâmbitonacional,fezobrigatóriaa
candidaturapartidária,adotouarepresentaçãoproporcionaledefiniu,
paraefeitoderegistro,opartidopolíticodecaráternacional.
Veioaseguiraredemocratizaçãodopaísecomestaa
Constituiçãode1946,queconservounaessênciaasconquistasde
nossosegundoCódigoEleitoral,baixadoaindapeladitadura.
6.AinstitucionalizaçãojurídicadospartidospolíticosnoBrasil
(oavançodaConstituiçãode1946)eacrisedoPartidonacional
AConstituiçãode1946sepôsrealmentenalinhado
constitucionalismocontemporâneoaoreconheceraexistênciados
partidospolíticos,detalmaneiraquejánãodeixalugaradúvidas.
Empregaaesserespeitolinguagembastanteprecisa,seacotejarmos
comotextolacunosoedefeituosodaConstituiçãode1934.
Sãoquatroasreferênciasaospartidos,constantesda
Constituição,comasemendasquelheforamfeitas.
Aprimeiraéadoartigo40eseuparágrafoúnico,quedispõe
sobrearepresentaçãoproporcionaldospartidosnacionais,na
constituiçãodasComissões.
Reaparecedepoisopartidopolíticocitadonoparágrafoúnicodo
artigo48,quandoselhereconhececonstitucionalmenteafaculdadede
oferecerrepresentaçãodocumentadaparaefeitodeperdadomandato
dedeputadoousenador,porinfraçãodequalquerdospontos
enunciadosnomencionadoartigo.
Noartigo119,n.I,aConstituiçãoconfereàJustiçaEleitoral,
entreoutrasatribuições,adoregistroecassaçãodospartidospolíticos.
Enfim,no§13,doartigo141,declaraque“évedadaa
organização,oregistroouofuncionamentodequalquerpartidopolítico
ouassociação,cujoprogramaouaçãocontrarieoregimedemocrático,
baseadonapluralidadedospartidosenagarantiadosdireitos
fundamentaisdohomem”.
Poder-se-iaescreverbastanteacercadacrisequeaopresente
atravessamospartidospolíticosnoBrasil.Temaexperiênciadopartido
nacionalapenascercadetrintaanos.Hásidonassuaslinhasgerais
umpartidodepatronagem,salvoaexceçãorepresentadapelacorrente
ideológicadeextrema-direita—oextintoPartidodeRepresentação
Popular,constituídoporremanescentesdointegralismo,primeiro
movimentopartidárioqueseorganizouembasesnacionais,epelo
PartidoComunista,postonailegalidadepoucodepoisdoadventoda
Constituiçãoeemvirtudeprecisamentedojámencionado§13,do
artigo141dotextoconstitucional.
Agremiaçõesmenores,deesquerda,aindahápoucoatuantes,
comooPartidoSocialistaBrasileiro,conservavamumcaráterideológico
definido,mastantoquantooPartidodeRepresentaçãoPopularnão
logravamparticiparnavidapolíticacomaforçaeoprestígioeleitoral
dostrêsgrandespartidos:oPartidoSocialDemocrático,oPartido
TrabalhistaBrasileiroeaUniãoDemocráticaNacional.
Essestrêsúltimosgrêmiosrepartiamentresi,deformaoscilante,
ainfluênciapolíticanoPaís,constituindooraogoverno,oraaoposição.
Arepresentaçãoproporcionaleosistemapresidencialfiguravamentre
asprincipaisdeterminantesformaisdacrisedopartidopolítico
brasileiro,debilitadoademaispelacorrupçãoepelainfluênciaestranha
doschamadosgruposdepressão.
NenhumestudoacercadopartidopolíticonoBrasilestariaporém
completo,seomitisseaimportânciaquedesempenhamasForças
Armadas,comofatordedecisãopolítica,mormentenasocasiõesde
crisemaisagudadasinstituições.
ÉoExércitopartedaquelaConstituiçãovivaaquesereferemos
publicistas.Entranoquadropolítico-constitucionalcomouma
realidadesociológica.Háquemafirmequeéopartidomaisfortetoda
vezqueademagogiaeacorrupçãodesagregamasestruturas
partidáriastradicionais.
QuandooGeneralCostaeSilva,entãoMinistrodaGuerra,em
oraçãoproferidanotranscursodoprimeiroaniversáriodomovimento
militarde31demarçode1964,aludiuaoExércitocomo“oPartido
fortequeoGovernocontaparaquejamaisvoltemafrutificarnosolo
pátrioasubversãoeacorrupção”,10nãoestavaemitindoconceitonovo.
Éconhecidadesdeaépocaimperialessamodalidadede
participação,conformeelucidaAfonsoArinosdeMeloFrancono
seguintelugardesuaobraclássicasobreospartidospolíticos:
“Finalmente,ecomofatordecisivo,oExércitofoisetornando,nofimdo
Império,umaespéciedepartidopolíticosuigeneris,partidoque
funcionavaforadojogoconstitucional,masquenemporissodispunha
demenorprestígio”.11
Emsuma,seopartidopolíticobrasileirochegouatomar
constitucionalmenteaformadepartidonacional,oqueseobservaà
margemdarealidadejurídicaéqueosseusinteressesmaisfortesnão
tomaramaindadimensãonacional,continuandoagravitarde
preferêncianaórbitaestadual.Masaconsciênciapartidária,emtermos
deinteressegeraldopaís,ultrapassandoaprevalênciados
regionalismospolíticos,éalgoquesóotempoeapráticaleale
desembaraçadadosistemademocráticopoderásatisfatoriamente
implantar.
Astaras,vícioseimperfeiçõesdenossaorigemcolonial,um
complexoderetardamentospolíticosesociais,marcamfundoafacedas
instituiçõesbrasileiras.
País
singularmente
desenvolvido,
subdesenvolvido
e
semidesenvolvidoaomesmotempo,oBrasilreúneassimtodasas
idadeseconômicas,queexercemsobreoprocessopolítico,mormente
sobreaestruturaeocomportamentodospartidos,influênciadeveras
perturbadora,explicativa,emlargaparte,dapenosaeturbulentacrise
porquepassamconstantementeasnossasagremiaçõespartidárias.
7.Requisitosparaaformaçãodospartidoseevoluçãodosistema
partidárionasconstituiçõesbrasileiras
Remontaaintervençãojurídicanodomíniopolítico-partidárioem
nossoPaísaoCódigoEleitoralde1932(Decreton.21.075),quefeza
primeiramençãolegislativaaopartidopolíticonoBrasil.
Consideravam-separtidospolíticospeloCódigode1932:
a)osqueadquirissempersonalidadejurídica,medianteinscrição,
noregistroaquesereferiaoartigo18doCódigoCivil;
b)osquenãotendologradopersonalidadejurídicase
apresentassemparaigualfinalidade,emcaráterprovisório,comum
mínimode500eleitores;
c)asassociaçõesdeclasselegitimamenteconstituídas.
VeiodepoisaConstituiçãode1934,queignorouaindaospartidos
políticos,salvonoartigo170,inciso9º,ondeimpunhaperdadecargo
aofuncionáriopúblicoqueexercessepressãopartidáriasobreseus
subordinadosoufavorecessepartidocominfluênciadeautoridade.
DeuopassoseguintenalegislaçãopartidáriaaLein.48,de4de
maiode1935,quemodificouoCódigoEleitoral,assimdispondoacerca
dospartidos:
a)considerar-se-iampartidospolíticososquetivessemadquirido
personalidadejurídicanostermosdalei;b)admitir-se-iamcomo
partidosProvisórios,paraafasedaeleiçãorespectiva,gruposmínimos
de200eleitoresque,emcadaeleição,registrassemcandidatos.
FezdesceraConstituiçãode1937sobreospartidospolíticos
espessacortinadesilêncio.Noentanto,coubeàditaduradoEstado
Novo,aoanodesuadesintegração,caracterizarnovamente,dopontode
vistajurídico,ospartidospolíticos,considerandocomotaistoda
associaçãodepelomenosdezmileleitores,decincooumais
circunscriçõeseleitorais,quetivessemadquiridopersonalidadejurídica
nostermosdoCódigoCivil(art.109doDecreto-lein.7.586,de28de
maiode1945).
Operadaaredemocratização,tornoualegislaçãoordináriaa
ocupar-sedoassunto,definindodestafeitaopartidopolíticocomo“toda
associaçãode,pelomenos,50.000eleitores,distribuídosporcincoou
maiscircunscriçõeseleitoraiseanenhumapodendopertencermenos
demil,equetiveradquiridopersonalidadejurídicanostermosdo
CódigoCivil”(art.21doDecreto-lein.9.528,de14demaiode1946).
Foramestabelecidaspelolegislador,noartigo132e§1ªdo
CódigoEleitoralde24dejunhode1952,asmesmasexigênciasacima
expostas.
Alegislaçãosubseqüenteaomovimentomilitarde1964,inspirada
emseuspostulados,inclinou-se,emprimeirolugar,porumatendência
deabertaracionalizaçãodopluralismopartidárionoBrasil.Aessa
inferênciachega-sefacilmentepelaleituradaLeiOrgânicadosPartidos
Políticos(Lein.4.740,de15dejulhode1965),cujoartigo7ºdispõe:
“Opartidopolíticoconstituir-se-á,originariamente,depelomenos
3%(trêsporcento)doeleitoradoquevotounaúltimaeleiçãogeralpara
aCâmaradosDeputados,distribuídosem11(onze)oumaisEstados,
comomínimode2%(doisporcento),emcadaum”.
Antes,porém,quealeiemquestãoproduzissenavidapartidária
brasileiraosseusefeitospolíticos,baixou-seoAtoInstitucionaln.2,de
27deoutubrode1965,cujoartigo18extinguiaos“atuaispartidos
políticos”,cancelando-lhesosrespectivosregistros.
ComoAtoComplementarn.4,de20denovembrode1965,
instituiualeibrasileiraasorganizaçõessucedâneasdosantigos
partidospolíticos.Dispunhaoartigo1°.daqueleAto:
“AosmembrosefetivosdoCongressoNacional,emnúmeronão
inferiora120deputadose20senadores,caberáainiciativade
promoveracriação,dentrodoprazode45DIAS,deorganizaçõesque
terão,nostermosdopresenteato,atribuiçõesdepartidospolíticos,
enquantoestesnãoseconstituírem”.
Enfim,estabeleceuaConstituiçãode1967,noincisoVIIdoartigo
149,a“exigênciadedezporcentodoeleitoradoquehajavotadona
últimaeleiçãogeralparaaCâmaradosDeputadosdistribuídosemdois
terçosdosEstados,comomínimodeseteporcentoemcadaumdeles,
bemcomodezporcentodedeputados,em,pelomenos,umterçodos
Estados,edezporcentodesenadores”.
Atécnicaconstitucionaldospercentuaiseleitoraismínimosfora
evidentementeconcebidacomopropósitodecriardemodoartificialum
sistemabipartidáriorígido.
AEmendaConstitucionaln.1,de1969,veioporématenuar
bastanteorigordaquelespercentuais,comaberturaaumaflexibilidade
maiordosistemapartidárioque,semvolveraopluralismocom
multiplicidade,poderiarazoavelmenteensejaraformaçãodeum
terceiropartido.Acriaçãodesteresultariaemdesafogopolíticoparaa
crisedeconfiançanoantigosistemapartidário,emqueaARENAera
tidacomoopartidodaRevoluçãoeoMDBcomoopartidosuspeitode
abrigarsentimentosretaliativosdeinspiraçãocontra-revolucionária.
Aquelasexigênciasparaorganizaçãoefuncionamentodeum
partidopolíticoficaramreduzidascomaEmendade1969a5%do
eleitoradoquehouvessevotadonaúltimaeleiçãogeralparaaCâmara
dosDeputados,distribuídospelomenosemseteEstados,comum
mínimode7%emcadaumdeles.
8.OnovoEstadopartidáriodoconstitucionalismobrasileiro
Nodireitoconstitucionalmodernoalegislaçãobrasileira,tocante
aospartidospolíticos,ocupaposiçãomanifestantementeprecursora.
A“constitucionalização”dopartidopolítico,semasvacilaçõesque
sepoderiamaindaassinalarnasConstituiçõesantecedentes(em1934,
umaúnicareferênciaaopartidopolítico,constantedoinciso9ºdo
artigo169;em1946,cincoalusõesesparsas),sefazagoradefinitiva,
incontestável:Tomaperfildesistematizaçãoquecolocajuridicamente
nossoPaísentreosEstadosquemaiscedoprogrediramno
reconhecimentodessarealidade,daqualsomenteumatodecegueira
jurídicapoderiatransviarolegisladorconstituinte.
Oséculodademocraciasocialimpôsaoconstitucionalismode
nossaépocaaevidênciadofenômenopartidário,quejánãopoderáser
tratadocomindiferençapelostextos,mashádedominá-los,se
efetivamentequisermosdesceraofundodaquestãopolítica,paramedi-
laemtermosessencialmentejurídicos,segundoasidéiaseinteresses
queasagremiaçõespartidáriasconduzemeexprimem,comoórgãospor
excelênciaquesãodavontadesocial.Comaconstitucionalizaçãodos
partidospolíticoslevadaacabopelasCartasde1967e1988,certos
traçoseprincípiosfundamentaispassaramarefletiraideologiade
nossosistemapartidárioeaomesmopassoestamparadimensão
jurídicadesuaestruturação,rigorosamentedeacordocomospreceitos
constitucionaisestabelecidos.Comisso,atestou-seoelevadograude
interessedolegisladorconstituinteporumtemaqueodireito
constitucional,durantelargoespaçodetempo,fingiudetodoignorar.
Adiretrizatualizadoradoregimepartidáriojáforaparcialmente
expressapelaantigaLeiOrgânicadosPartidosPolíticos(Lein.4.740,de
15dejulhode1965),sobinspiraçãodoSenadorMiltonCampos.
8.1Oregimerepresentativoedemocrático
Jásedisse,comassazderazão,queoregimepartidárioéamais
formosacriaçãopolíticadonossoséculo,aúnicatalvezoriginalna
ciênciapolíticadesdeAristóteles.
Semopartidopolítico,nemasditadurasnemospoderes
democráticosdesociedadealgumadonossotempolograriamsubsistir,
anãosertransitoriamente.
Aimportânciacapitaldaorganizaçãopartidáriafazcomquetanto
asditadurascomoasdemocraciascuidemdeinstitucionalizaropartido
político,porinstrumentomesmooupressupostodarealizaçãodosfins
dequeoEstadocontemporaneamenteseinveste.
Determinouessaascensãodoelementopartidárionavidadas
instituiçõesmudançassubstanciaisdeatitudeeprocedimentodas
forçaspolíticas,quetêmnopartidoocaminhonaturalparagalgare
conservaropoder.Desemelhanteascensãoresultaram,igualmente,
variaçõesconsideráveis,tantonocarátercomonaformadas
instituiçõesmedianteasquaisaditaduraouoregimedemocráticose
traduzem.
AntesqueviesseofenômenopartidárioasemanifestarnoEstado
modernocomaagudezacorrenteaautocraciaeraapenasopoderde
umhomemsóeademocracia,opoderdehomens“individualizados”.
Hojepertenceaditaduraaindaaumchefe,masesteexprime
invariavelmenteavontadedogrupodominanteemonopolizador,ao
passoqueademocracia,deixandodeserarepresentaçãodeindivíduos,
setransformou,pelopluralismosocial,emgovernodegrupos,comuma
açãotradutoradetendênciascoletivas,afazeremdecadaparlamento
aqueleestuáriooupraçadeinteresses,cujaexistênciaRuiBarbosa
tantorecriminavaaoproclamarsuaíndoledepolíticointrinsecamente
liberal.
OconstitucionalismocontemporâneoemalgunsEstados
subdesenvolvidossearmadeinstrumentosnovos,tendentesa
preservarocaminhodemocráticoeconservarintactasasbasesdo
regime.
Poressaviareconhecidamentedifícil,transitamtambémastrês
Constituiçõesbrasileirasdepós-guerra,conformeveremos.
AntesdaLeiFundamentaldeBonn,em1949,jáoconstituinte
brasileiroinscreveranaConstituiçãode1946oprincípio,orarenovado,
queveda“aorganização,oregistroouofuncionamentodequalquer
partidopolíticoouassociação,cujoprogramaouaçãocontrarieo
regimedemocrático,baseadonapluralidadedospartidosenagarantia
dosdireitosfundamentaisdohomem”(art.141,§13daConstituiçãode
1946).
Essaregra,tendoservidodebaseaocancelamentodoregistrodo
PartidoComunistaBrasileiro,em1948,nãofoicriaçãooriginaldopoder
constituintedaredemocratização.
ForamosautoresdaConstituiçãode1946buscá-lodecertona
legislaçãoordináriavigente,aqual,jánaquelemesmoano,dispunha
sobrereferidamatéria.
Haviaaesserespeitodoisdecretos-leis:
a)oDecreto-lein.9.528,de14demaiode1946,quedeterminava
fossecanceladooregistrodopartidopolítico,umavezcomprovadoque,
contrariandoseuprograma,“praticavaatosoudesenvolviaatividades
quecolidissemcomosprincípiosdemocráticosouosdireitos
fundamentaisdohomem,definidosnaConstituição”;b)oDecreto-lein.
7.586,de28demaiode1945,cujoartigo114dispunhaqueseria
negadoregistroaopartidocujoprogramacontrariasseosprincípios
democráticos,ouosdireitosfundamentaisdohomem,definidosna
Constituição.
DaConstituiçãode1946,passouoprincípioaconstartambémdo
CódigoEleitoralde1950(Lein.1.164,de24dejulho),artigo132,§3ª.
Aseguir,reproduziuaLeiOrgânicadosPartidosPolíticos(Lein.
4.740,de15dejulhode1965),noseuartigo5º,odispositivo
constitucionalde1946,aomesmotempoqueprecisoucommaisênfase
ocarátereamissãodemocráticadasorganizaçõespartidárias.
Aoconsolidarosprincípiosdavidapartidária,definiualegislação
revolucionárianaLeiOrgânicaafinalidadedospartidospolíticoscomo
sendoade“assegurar,nointeressedoregimedemocráticoa
autenticidadedosistemarepresentativo”(artigo2°daLein.4.740).
Elogoadianteestabeleceunoartigo18que“oprogramados
partidosdeveráexpressarocompromissodedefesaeaperfeiçoamento
doregimedemocráticodefinidonaConstituição”.
Veio,subseqüentemente,aConstituiçãode1967dispondoquese
guardassefidelidadeemmatériapartidáriaao“regimerepresentativoe
democrático,baseadonapluralidadedepartidosenagarantiados
direitosfundamentaisdohomem”.
Apresentava-se
o
texto
novo
tecnicamente
superior
ao
antecedente,menospassívelportantodeimpugnação.
Pecavaoart.141,§13,daConstituiçãode1946,pela
ambigüidadeoupeloexclusivismo,chegandoaumaopçãodoutrinária
emproveitodaacepçãolataerigorosaderegimedemocrático.
Essaimprecisãoseatenua,semrenegar-seaquelaopção,quando
oconstituintede1967aludeao“regimerepresentativoedemocrático”.
Melhorforasehouvesseescritoregimedemocráticoouregime
democrático-representativo.
Ademocraciarepresentativaéapenasumamodalidadederegime
democrático.Representaçãoedemocracia,conceitosdistintos,andam
porvezesdesacompanhados.Hajavistaademocraciagrega.Tampouco
defineapluralidadepartidáriaoregimedemocrático,masumaformade
regimedemocrático.Éelementocontingenteehistórico.Ademocracia
diretadosantigosnãoconheceupartidos,muitomenosapluralidade.
Quediriamcontemporaneamentedessapretensiosaegenéricaacepção
osteóricosmarxistasouospensadorespolíticosdaÁfricatribal,
vocacionalmentemonopartidária?
8.2Apersonalidadejurídica
Pelaprimeiravezemnossalegislaçãofaz-sematériadedireito
constitucionalapersonalidadejurídicadospartidos.Entrouoprincípio
noincisoIIdoartigo149,daConstituiçãode1967,eno§2°,doart.17,
daConstituiçãovigente.Segundoesta,ospartidospolíticosadquirem
personalidadejurídicanaformadaleicivileregistramseusestatutos
noTribunalSuperiorEleitoral.
Estavajáinscritonalegislaçãoordináriaoprincípioda
personalidadejurídica,desdeoCódigoEleitoralde24defevereirode
1932.Dispunhaessaleiqueaaquisiçãodapersonalidadejurídicase
faziamedianteinscriçãonoregistroaquesereportavaoart.18do
CódigoCivil.
ALein.48,de4demaiode1935(ModificaçõesdoCódigo
Eleitoral),postoquemenosexplícita,nãoalteroutaldisposição,pois
consideravapartidospolíticososquetivessemadquiridopersonalidade
jurídicanostermosdalei.
Avinculaçãodapersonalidadejurídicacomoregistropelo
TribunalEleitoral,começasomentedesdeoCódigoEleitoralde24de
julhode1950,cujoartigo132definiaospartidospolíticoscomo
pessoasjurídicasdedireitointerno,dispondoaseguir,noparágrafo2º,
queelesadquiriamapersonalidadejurídicacomoseuregistropelo
TribunalSuperiorEleitoral.
Nomesmosentido,atuoualegislaçãorevolucionária.Comefeito,
dispõeaLeiOrgânicadosPartidosPolíticosqueadquireopartido
personalidadejurídicacomseuregistropeloTribunalSuperiorEleitoral
(art.3°)equesãopessoasjurídicasdedireitopúblicointernoos
partidospolíticos(art.2°).
8.3Aatuaçãopermanente
Representaaatuaçãopermanentedospartidos,erigidaem
princípioconstitucional,umadasmelhoresconquistasdonossodireito
constitucional,nessamatéria,vistoquecapacitaasorganizações
partidáriasadesempenharemfunçãodamaisaltaresponsabilidade
política,cívicaeeducacionalnoquadrodasociedadesubdesenvolvida,
estabelecendoentreopovoeogovernoumelodeconfiança,bemcomo
deassíduodebatedasgrandestesesnacionais.
Aausênciadefixaçãodesseobjetivoemtermosdeleifazia
antecedentementedospartidosagrupaçõesdeaçãopassageira,somente
sentidaàsvésperasdospleitoseleitorais.Findosestes,desfaleciatodaa
atividadepartidária,demodoquetantoopovocomoosrepresentantes
caminhavamindiferentesàexistênciadospartidos.
Internamente“despolitizados”,ospartidosbrasileiros,salvoas
exceçõesideológicas,eramsimplesmáquinasdeindicarcandidatos,
recrutareleitores,captarvotos,justificandoassimemparteodesprezo
dolíderextremistaqueaelessereferiucomo“meradançaoufestivalde
letras”.
Comefeito,raramentedesciamaofundodostemasmedianteos
quaissedefinemdramaticamente—nahoraqueflui—osrumose
destinosdasociedadebrasileira.
Reage-sepoiscontraooportunismoeleitoraldospartidos.Atéao
presente,cessadaacampanhadecaptaçãodevotos,costumavameles
cairnoesquecimentoeanonimato,perdendodetodoocontatocoma
massadeeleitores.Nenhumamissão,nenhumtrabalhoorientadordo
eleitoradochegavamapromover.Enoentantosabe-secomoopartido
podeedevesernoEstadocontemporâneoumórgãoútilevaliosode
aperfeiçoamentodasinstituições,comopodeedevepropagarnopovoos
maisaltosprincípiosdaideologiademocrática.
EmpaísessubdesenvolvidosqualoBrasil,aindanãoseatentou
demodosuficienteparaopotencialdeajudaespiritualematerialque
osgrêmiospolíticosrepresentam,seforpautadasuaaçãoemproveito
dacoletividade,demaneiraconstanteesistemática.
Aassistênciapartidáriadesafogariatalvezgrandementefunções
aindacometidasaopaternalismoestatal,demaneiraqueessas
gigantescas“cooperativas”constituiriamumaexcelenteeenérgicalinha
auxiliardoEstadodemocrático,emseureforçoderomperasalgemas
dosubdesenvolvimento.
Demoslargopassonessadireçãocomoincisoconstitucionaln.III
doartigo149,daCartade1967queestabeleceuoseguinteprincípio:
“atuaçãopermanente,dentrodoprogramaaprovadopeloTribunal
SuperiorEleitoral,esemvinculaçãodequalquernatureza,comaação
degoverno,entidadesoupartidosestrangeiros”.
NãoconstavaessedispositivodoProjetoOficialnemdoProjetoda
ComissãodeJuristas.Masalegislaçãoordinária,desdeaLeiOrgânica
dosPartidos(art.75)jáoconsagrava,quandoatribuíaaospartidos
funçãopermanente,assegurada:
a)pelacontinuidadedosserviçosdesecretaria;b)pelarealização
deconferências;c)pelapromoçãodecongressosousessõespúblicas,ao
menosduasvezesporano,paradifusãodeseuprograma;d)pela
manutençãodecursodedifusãodoutrinária,educaçãocívicae
alfabetização;e)Pelamanutençãodeuminstitutodeinstruçãopolítica,
paraformaçãoerenovaçãodequadroselíderespolíticos;f)pela
manutençãodebibliotecasdeobraspolíticas,sociaiseeconômicas;g)
pelaediçãodeboletinseoutraspublicações.
Ocumprimentodessasregrashádecontribuirparamodificaro
presenteestadodeentorpecimentodavidapartidária,dinamizandoa
clientelapolíticaeimplantandodemaneiracontínuaacomunicaçãoora
pálidaequaseinexistenteentreasbaseseacúpula.
Deixarádeseropartido,pois,aquele“transporte”queo
aventureiropolíticoembuscadelegendasehabituaraatomar,para
poderdesceràportadasassembléiaslegislativas,emcujorecinto
logravaingresso.
8.4Afiscalizaçãofinanceira*
*ALein.8.713,de30.9.93,que“estabelecenormasparaaseleiçõesde3.10.1994”,
dispôsarespeito“daarrecadaçãoedaaplicaçãoderecursosnascampanhas
eleitorais”,permitindo(art.38)asdoaçõesecontribuições“emdinheiroouestimáveis
emdinheiro,paracampanhaseleitorais”,porpessoasfísicasoujurídicas,comos
limitesconstantesdosparágrafosdoart.38edasexceçõesdoart.45.
Graçasàfiscalizaçãofinanceira,exerceoEstadoumpoderde
controlesobreospartidos,evitandodesgarremelesparaacorrupçãoe
seconvertamemcentrosoufocosdeperversãodavontadepopular,
comvisíveisdanosmoraisemateriaisàsociedadeeaoregime
democrático.
Éapurezadosistemapartidáriosemdúvidaaprimeiracondição
defuncionamentonormaldessascorrentesqueconduzemaopiniãoe
concorrematransformaremleinascasaslegislativasavontadedos
cidadãos.
Dada,
pois,
a
importância
de
que
se
revestem
contemporaneamenteospartidos,semosquaisjásenãoidentifica
nenhumsistemademocráticodeinspiraçãoocidentalurgeestabelecer
mecanismoslegaisdecontrolesobresuasfinanças,tocanteàorigemde
recursoserespectivacontabilidade.
Apreocupaçãodepôrcobroaoabusodopodereconômiconavida
dospartidoscresceuconsideravelmentenoperíodoinicialda
reconstitucionalizaçãodoPaís,apósaditaduradoEstadoNovo,
determinandoassimasprimeirasmedidaslegislativasdesaneamento
daatividadepartidária.
AntesjádaConstituiçãode1946,olegisladorordinário,tendoem
vistapreservaraíndolepátriadospartidospolíticosemantê-los
afastadosdetodocompromissoouligaçãocomforçasestranhasao
país,cominavasançõesaopartidopolítico(cancelamentodoregistro)
“quandoseprovassequerecebiadeprocedênciaestrangeiraorientação
político-partidária,contribuiçãoemdinheiroouqualqueroutroauxílio”
(art.26doDecreto-lein.8.566,de7dejaneirode1946).AConstituição
de5deoutubrode1988manteveexpressamenteessaproibiçãoaos
partidospolíticosdereceberemrecursosfinanceirosdeentidadeou
governosestrangeiros,nãoadmitindolaçosdesubordinaçãoaestes
(art.17,II).
OCódigoEleitoralde1950,baixadoapósaexperiênciadeum
qüinqüênioaproximadamentederedemocratizaçãoeressurgimentoda
vidapartidária,destafeitaemâmbitonacional,regulouamplamente
nosartigos143e146acontabilidadeeasfinançasdospartidos
políticos.
DispunhaoCódigo,numaprescriçãodealtoespíritomoralizador,
reproduzidotambémnalegislaçãosubseqüente(parágrafo1°doartigo
54,daLeiOrgânica)queospartidosdeveriammanterrigorosa
escrituraçãodesuasreceitasedespesas,indicando-lhesaorigeme
aplicação(art.148,parágrafo1°,doCódigoEleitoralde1950).
ALeiOrgânicadosPartidosPolíticos(1965)aperfeiçoouasregras
jáesboçadasnoCódigoEleitoralde1950comrespeitoàsfinanças
partidárias.Estabeleceuasseguintesvedações:
a)receber,diretaouindiretamente,contribuiçãoouauxílio
pecuniárioouestimávelemdinheiroprocedentedepessoaouentidade
estrangeira;
b)receberrecursosdeautoridadesouórgãospúblicos,
ressalvadasporémasdotaçõesoriundasdasmultasepenalidades
aplicadasnostermosdoCódigoEleitoraledosrecursosfinanceiros
destinadosporleiaofundopartidário,emcaráterpermanenteou
eventual;
c)receber,diretaouindiretamente,qualquerespéciedeauxílioou
contribuiçãodassociedadesdeeconomiamistaedasempresasde
serviçopúblico;
d)receber,diretaouindiretamente,sobqualquerformaou
pretexto,contribuição,auxílioourecursoprocedentedeempresa
privada,definalidadelucrativa.
Amáximainovaçãodoregimede1964acercadospartidos
políticosfoiindubitavelmenteacriaçãodofundopartidário,quepôso
Brasil,nesseterrenolegislativo,emdiacomasnaçõesmaisadiantadas
domundo,cujossistemaslegais,comoodaAlemanha,reconhecendojá
afunçãopúblicadospartidos,associam-noaoEstado,queentraassim
aestipendiartaisorganizações,demodoalivrá-laseventualmenteda
interferência
ruinosa
e
suspeita
de
fontes
clandestinas
e
antidemocráticasdeapoiofinanceiro.
Apareceofundopartidárioinstituídonoart.60daLeiOrgânica
dosPartidos(Lein.4.440,de15dejulhode1965).
Constituir-se-áesseFundo:
a)dasmultasepenalidadesaplicadasnostermosdoCódigo
Eleitoralaleisconexas;
b)dosrecursosfinanceirosquelheforemdestinadosporlei,em
caráterpermanenteoueventual;
c)dedoaçõesparticulares,inclusivecomafinalidadedemantero
institutoaqueserefereoartigo75,incisoV(institutodeinstrução
política).
Emsuma,alegislaçãoeleitoral,reforçadapordispositivo
constitucional,acolheudoisaspectosnovosemmatériafinanceira:a
vedaçãoaopartidopolíticodereceber,diretaouindiretamente,sob
qualquerformaoupretexto,contribuição,auxílioourecursoprocedente
deempresaprivadadefinalidadelucrativa,eainstituiçãodofundo
partidário.
Nãoatinamostodaviacomaextensãomoralizadoradaquela
vedação,umavezqueomesmolegisladornoartigo66,daLeiOrgânica,
abriudepoisaportadofundopartidárioa“doaçõesparticulares”,que
milionáriosgenerosospoderãofazer,emproveitodomencionadofundo.
8.5Adisciplinapartidária
AsConstituiçõesdemocráticasdoséculoXX,mormenteasdos
Estadossubdesenvolvidos,queapregoamfiliaçãopolíticaàsmatrizesdo
pensamentoocidental,nãopodemconheceroutraformadedemocracia
senãoademocraciapartidária,democraciadegruposenãode
indivíduos,democraciaquereclamadoindivíduopoliticamenteatuante
umafidelidaderigorosaàscorrentesdeopiniãoeinteressequeo
investiramnoexercíciodomandato.
Aimperatividadedesteénotóriaemnossosdias.Temosaíuma
conseqüêncialógicadaépocapolíticafundamentadanodebateena
participação,comtodososhomensexprimindo“socialmente”suas
aspirações.Superou-seassimapulverizaçãoindividualdoséculoXIX,
dademocracialiberal,maisatentaaumaliberdadeabstratae,porisso
mesmo,menosrealista,doqueaumainfluênciaefetivaeorganizada
doscidadãosnadireçãodosinteressescoletivos,osquais,emúltima
análise,acabamsendoosdopróprioindivíduo,quandoeste,
corretamente,fazcoincidirseusfinspessoaiscomobempúblico.
AEmendan.1àConstituiçãode1967,dandoumpassoque
reputamosfundamentalparaaimplantaçãodoEstadopartidário,
instituiunoparágrafoúnicodoartigo152omandatoimperativode
índolepartidária,conferindoaopartidopolíticoumcompletodomínio
sobreorepresentanteemmatériadeobediênciaàsdiretrizes
partidárias.SegundoaquelaEmenda,perderiaomandatonoSenado
Federal,naCâmaradosDeputados,bemcomonosórgãoslegislativos
estaduaisemunicipaisaquelecujaatitudeouvotocontrariasse
“diretrizeslegitimamenteestabelecidaspelosórgãosdedireção
partidária”oudeixasseopartidosobcujalegendaforaeleito.Dispunha
otextoconstitucionalqueaperdadomandatoseriadecretadapela
JustiçaEleitoral,medianterepresentaçãodopartidoasseguradoo
direitodeampladefesa.
EssereforçoàdisciplinapartidáriaforapropostojánoProjetoda
ComissãodeJuristas,masdesatendidonoProjetoOficialdeque
resultouaConstituiçãode1967.
Aviolaçãodosdeverespartidáriosconstituiuatéentãoobjetode
umainócuadisciplinainterna,disciplinanopartido.Comefeito,
medidasdecunhopreponderantementemoraledesprestigiador
(advertência,suspensãoportrêsadozemeses,cassaçãodafunçãoem
órgãopartidárioeexpulsão)seachamprevistasnascominaçõesdo
artigo51daLeiOrgânicadosPartidosPolíticos,aplicáveisaosfiliados
quefaltarem:a)aseusdeveresdedisciplina;b)aorespeitoaprincípios
programáticos;ec)àprobidadenoexercíciodemandatosoufunções
partidárias.
AutorizaaindaaLeiOrgânicadissoluçãododiretórioquando
houver:violaçãodoestatuto,doprogramaoudaéticapartidária;
desrespeitoaqualquerdeliberaçãoregularmentetomadapelosórgãos
superioresdopartido;impossibilidadederesolver-segravedivergência
entremembrosdodiretórioemágestãofinanceira(art.52).
8.6Âmbitonacional
GraçasàConstituiçãode1967,ganhouoâmbitonacionaldos
partidospolíticosumarigidezesegurançaquenãopossuíapela
legislaçãoantecedente.VerdadeéqueaConstituiçãode1946jáse
reportavatrêsvezesaocaráternacionaldospartidos,semelevá-losno
entanto,explicitamente,àcategoriadeprincípioconstitucional.
Fizeram-seessasreferências:
a)noparágrafoúnicodoartigo40,aotratarda“representação
proporcionaldospartidosnacionais”naconstituiçãodascomissõesdo
poderlegislativo;
b)noartigo70,aoassegurar“arepresentaçãoproporcionaldos
partidospolíticosnacionais”;
c)e,enfim,noartigo160,aodeclarar“excetuadosospartidos
políticosnacionais”davedaçãoconstantedoartigo160referenteà
propriedadedeempresasjornalísticas.
Masalegislaçãoordinária,desdeaLein.7.586,de28demaiode
1945,criarajáopartidopolíticodeâmbitonacional.Puseratermo
assimàsagremiaçõesdecunhomeramentelocal,queembaraçavama
unidadedeaçãopolíticadasrepresentaçõesparlamentares,presasa
umregionalismonãoraroestériledeplorável.
Comefeito,oartigo110,eparágrafo1°daquelalei,elaboradana
agoniadoEstadoNovo,dispunhaquesópodiamseradmitidosa
registroospartidospolíticosdeâmbitonacional.
Aseguir,continhaoDecreto-lein.9.528,de14demaiode1946,
noartigo22eparágrafo1°idênticadisposição.
Nãofoirevogadaessalegislação,masantesfortalecidapela
mençãoconstitucionalaos“partidospolíticosnacionais”,formando-se
assimaconvicçãodequeopoderconstituinteconfirmouaexistência
dosmesmosnaqueladimensãojátraçadapelolegisladorordinário.
VeiodepoisoCódigoEleitoralde1950,dispondoqueospartidos
políticos“adotarãoprogramaeestatutodesentidoealcancenacional”
(Art.132,§1ª).Namesmadireçãoosartigos1°,7°e8°daLeiOrgânica
dosPartidosPolíticos,de1965,bemcomooprojetodaComissãode
Juristas,cujoart.57assimrezava:“ospartidospolíticosterãoâmbito
nacional”.
Nãoéopartidopolíticodeâmbitonacionalcriaçãojurídica
artificial,conformepoderiasupor-seàprimeiravista.Artificial,eaté
certopontodesagregador,foioestímuloquesedeunaRepúblicavelha
aosregionalismospolíticos,àscombinaçõesoligárquicas,aopartido
local.Anaçãovivaepensante,pelassuaselites,reagiaporémcontra
essadeformação,estendendoalgumasvezesatodooPaísas
campanhasdeopinião,autênticascruzadaspessoaisdecivismo,como
aquelasempreendidasporRuiBarbosa,NiloPeçanhaeGetúlioVargas,
respectivamenteemnomedopodercivil,daregeneraçãorepublicanae
daverdadeeleitoral.
Ounitarismopartidário,quedesembocounopartidonacional,
contraoregionalismodeinspiraçãofederalistaouautonomista,éofato
maisdignodenotanoquadrodasmudançaspolíticasprocessadas
desdeaorganizaçãodospartidosnavidapolíticabrasileiradosúltimos
trintaanos.
Cabe
destacar
aqui
igualmente
ação
vanguardeira
dos
movimentosideológicos,queabalaramoPaísapósarevoluçãode1930,
responsáveis,nãorestadúvida,porumacristalizaçãomaisrápidado
sentimentonacionalaoredordeidéiaseprogramas.
AAçãoIntegralistaBrasileiraeaAliançaNacionalLibertadora
foramnosidosdadécadade30expressõesvivaseconscientesdo
radicalismosdedireitaeesquerda,respectivamente.Precursores
verdadeirosdopartidodeâmbitonacional,deixaramumsulcoprofundo
nodomíniodaopinião,poisaosedissolveremcomputadosestavamos
diasdoregionalismopartidárioemnossaPátria.
Enfim,aConstituiçãode1988mantevetaxativamenteocaráter
nacionaldospartidospolíticosconformeconstadoartigo17,incisoI.
8.7Avedaçãodecoligaçõespartidárias
OprincípioconstitucionaldoincisoVIIIdoartigo152,daEmenda
1àConstituiçãode1967quevedavaascoligaçõespartidárias,perdeu
substancialrazãodeser,emdecorrênciadasrestriçõesimpostasà
pluralidadedosistemapartidárioeàpoucaênfasequelogicamentese
atribuiuaoprincípiodarepresentaçãoproporcional.
Comefeito,naConstituiçãode1946,arepresentação
proporcionaleraprevistaemquatroartigos(56,134,40e53),
estendendo-seoprincípioàcomposiçãodaCâmara,aospartidos
políticosnacionais,àconstituiçãodascomissõesdopoderlegislativo
federaleàscomissõesparlamentaresdeinquérito.
Dadaamultiplicidadepartidária,asaliançasoucoligaçõesde
partidos,freqüentesàsvésperasdospleitos,desvirtuavamocritérioda
proporcionalidadeeminavamasbasesdessesistemaderepresentação.
Chegavamassimaconsentirquecertasreuniõesdelegendas
ostentassemumaforçapolíticaemdesacordocomoapoioeventualque
oeleitoradodariaaoprogramadecadapartido,tomadoinsuladamente.
Máquina
eleitoreira,
que
ensejava
as
mais
esdrúxulas
combinações,como,emcertosEstados,adaex-UDNcomoextinto
PTB,determinavamascoligaçõesestremecimentoscomrespeitoàs
idéiaseaosprincípios,aluindoassimaconfiançapopularnospartidos,
provocando
a
desmoralização
dos
programas,
precipitando
a
decomposiçãodaslideranças.
Constituíampois,segundoHermesLima,“umadasperversões
maisaudaciosasdosistemaproporcional,pelasconseqüênciasque
produzem,pelaconfusãoqueestabelecem,pelocinismodas
combinaçõesquepossibilitam”.
Adisposiçãoconstitucionalporémemfacedarigidezdaestrutura
partidáriajánãoteveaprofundidadedosefeitosquealcançariaquando
arepresentaçãoproporcionalseapresentavaemtodasuaextensão,
comoumdosfundamentosdenossavidapolítica,tendo,então,por
objetogerarorganizaçõespartidáriasqueexpressassemasdistintase
variáveiscorrentesdeopiniãooucamadasdesentimentopopular,
produzidasnoPaís.
9.Adimensãosociológicadopartidopolíticobrasileiro
EmProblemasdePolíticaObjetiva,oterceiroproblemaqueserve
detemaaOliveiraViannaeaqueesteconsagratrêsbrevescapítulos,é
odaorganizaçãodopartidopolíticonoBrasil.
ConcedendoaRuiBarbosaomerecimentoinestimáveldehaver
acordadoopaísparaaparticipaçãocívicanascampanhaseleitoraise
mostrandoquantojásefizeraaesserespeitoatéaCampanhadeNilo
Peçanha,em1922,OliveiraViannaassinala,deumaparte,a
inutilidadeimediatadaquelesmovimentosfeitossobeacrostaletárgica
dasociedaderuralbrasileira,imobilizadanosvínculosdopersonalismo
epresaaocerradoegoísmodosclãseseuschefes—sociedade
insensível,porconseguinte,àpalavrapolítica,àsplataformasde
governo,àsformulaçõesadministrativas,aoapelodosprogramas,à
exposiçãodasidéiasedosprincípios—mas,doutraparte,ressalva,um
tantocontraditório,opessimismoqueexala,agudo,desuasreflexões
iniciais.
Essepessimismoassimseexprime:“Campanhasepropagandas
comintuitoseleitoraissósejustificamentrepovoscujaorganização
partidárianãoéoclãpessoal,ouemqueoinstintogregárioestá
ausentedocaráterdasmaioriaspopulares”.12
Concluiporémqueaquelascaravanas,compaciênciaelentidão,
fazemtrabalhoingente,constroemofuturo,plantamocarvalhoquehá
decrescereatravessardecênios,transporgerações.Omeiorural
conhecerápoisosseusproblemasouvindoooradordoscomícios
democráticos.Virádepoisotempoalforriá-lodadependênciadochefe.
Aesteseprendemaspopulaçõesruraispor“instintodefidelidade”por
“preconceitodelealdade”,portodosesseselementosdesujeiçãopessoal
quetolhemsedeixemelas“arrastarpelaforçaabstrataeinvisíveldas
idéias”.13
Domesmosociólogo:“Osnossoshomensdeinteriorcostumam
apoiarhomens—enãoprogramas;pessoas—enãoidéias”.14
Nãotemosdemocraciadepartidosearazão,segundoOliveira
Vianna,residenisso:“Ora,emnossademocracia,oquevemosé
justamenteocontráriodisto:elasebaseiaemindivíduos—enãoem
classes;emindivíduosdissociados—enãoemclassesorganizadas,e
todomalestánisto”.15
Crêademaisomesmopensadorque“todasastentativasde
organizaçãopartidáriaemnossoPaís,desdeoPrimeiroImpério”foram
vítimasdeumlogro:ode“julgarpossívelaorganizaçãodeumpartido
—partidoquenãosejaumbando,agitando-seemtornodeumhomem,
deumcaudilho—semapreliminarorganizaçãodasclasses
econômicas,dasclassesqueproduzemecontribuem”.16
TodoopensamentodeOliveiraViannacomoanálisesociológica
dopartidopolíticonoBrasiléemlargapartecorretoouválidoatéas
vésperasdaRevoluçãode1930.Masdesdequeeleescreveuaquelas
considerações,omeioeleitoralsubjacenteàsestruturaspartidárias
padeceuemnossoPaísalgumasrelevantestransformações.Houvepois
mudança,houveprogresso,houvepassagensqualitativasemtermosde
apreciaçãosocialdasnossasbasespolíticas.
Comefeito,daRevoluçãode1930aosnossosdias,observam-se
osseguintespontosdemudança:asmassasruraisjánãocompõem
sozinhasastrêsquartaspartesdocorpoeleitoral;osufrágiourbanose
fortaleceuquantitativamentepordecorrênciadarevoluçãoindustrialem
marcha,eessaelevaçãoaritméticatendearobustecer-secomotempo;
oeleitor,emlargaszonasrurais,continuapresoaochefepolítico,por
laçosdeadesãopessoal,masessaadesãojánãoépassivaou
incondicional:resultaagoradaexpectativadeumaprestaçãoe
contraprestação,basedamantençadoprestígiodaslideranças
políticas;enfim,oeleitorvotaainda,emgrandeparte,foradeum
quadrodeidéias,masconscientedoimediatismopertinenteao
atendimentodecertosinteressesdeordempessoaloudenatureza
pública.Dantesapenasaobediênciacega,ovotomanipuladonas
fraudeseleitorais,ofalseamentodaverdadepolítica.Agora,ovotodado
porumeleitorexigentedecompensaçõesdeordempessoal:oemprego,
porexemplo.
OerrodeOliveiraViannaésuporquenademocraciadoséculo,
necessariamenteumademocraciademassas,sejapossívelo
comportamentoideológicodocorpoeleitoralclassificadoempartidos
políticos.Essecomportamentoserádeexceção,esóreconhecível
àquelasagremiaçõesemdesacordocomosistemapolíticoestabelecidoe
assimdeterminadasnopropósitodereformarouabaterasinstituições
desdeosseusfundamentos.
Temos,porconseguinte,noBrasil,oquenãopoderíamosdeixar
deter:essequadropartidáriodepatronagem,destinodetodasas
situaçõesdemocráticasdafaixaocidental,coerentescomassuas
origens.Jáchegamos,pois,asemelhantegraudedesenvolvimento.O
quetemosdistintodaInglaterra,dosEstadosUnidosemaispaíses
ocidentaiséapenasabasedapirâmideeleitoral,ouseja,acompacta
massaruraleurbanadeeleitores,cujatomadadeconsciênciapolítica,
quandoefetivamenteocorrer,sedaráprincipalmenteemtermossociais,
emsentidoopostoàpolíticahabitualdospartidos.Dar-se-ácomnotas
deagressividadeeimpaciência,quesenãoobservam,comamesma
intensidade,nospaísesdesenvolvidos.
“Desrevolucionar”essasmassasconsisteportantoemacomodá-
lasaoprocessopartidárioclássico.Ademocraciapartidáriaserásempre
noBrasilpoliticamentepersonalistaemmatériadecolheitaoucaptação
desufrágios:democraciadeconfiançanohomempúblicoparaatender
clientelas,democraciadeempregosoudemocraciaparadarsoluções
administrativas,práticas,concretas,positivas,aproblemasque,senão
dizemrespeitoapessoasdeterminadas,dizemrespeitoagruposou
classes.
Nissosecifraomáximodedespersonalizaçãoaquesepode
chegarnumprocessopartidárioondenãosevenhaaconfundirovoto
nasidéiascomovotonasideologias.
Seentendermosporvotonasidéiasovotoemplanoseprogramas
degoverno,tomandoportácitasasbasesinstitucionais,queserão
feitasinstrumentosouórgãosdessesplanos,entãojátemosemverdade
uma
pequena
parcela
do
eleitorado
brasileiro
resolutamente
caminhandoparaesseresultado.
Masnãotenhamosilusõesmaioresaesserespeito.Àproporção
quecamadassociaismaisnumerosassevãopolitizando,egressasda
marginalizaçãoqueasexcluíradetodaingerêncianoprocessopolítico,
observa-sequeseucomportamentodificilmentesepoderáconternos
moldestradicionaisdopluripartidismoocidental.
Ademocraciademassasnospaísesdesenvolvidosabrangeuma
sóforçasufragante,comindiferençaàteseideológica,comonocaso
norte-americano;comsustentaçãomanifestadaideologiadominante,
decunhodemocrático-parlamentar,comonocasodaInglaterra.
Ali,eleitoreeleitobuscamsoluçãoparaproblemasoualimentam
idéiasdeteorpolítico-administrativo,semjamaisquestionaremas
basesdosistema.
Dopontodevistaqualitativo,éistoomáximoaqueseháde
chegarempaíses,ondeadissidênciaideológicanaestruturapartidária
raramentealcançaabalaroquadrodasinstituições.
Numpaísporémsemosníveisdeumdesenvolvimentoindustrial
consumado,queéocasodoBrasil,essequadrosemodifica,complica-
se,enreda-seemcontradiçõesflagrantesedesesperadoras.
Convocadoàparticipação,oeleitoradopoderáouvirdas
liderançaspolíticasosedutorapeloàsatitudesideológicas.Os
problemas
mais
importantes
em
nosso
país
se
vinculam
invariavelmenteaquestõesestruturais.Debatê-lospartidariamentetraz
sempreo“inconveniente”desuscitarquestõesdefundo.Nãosuscitá-
los,significamanterpartidoseopiniãoboiandosemrumoemsuperfície
demarrevolto,batidopelastempestadessociais,quepoderãomais
cedooumaistardefazersubmergirasinstituiçõesdemocráticas.
Adimensãosocialepolíticaqueseabreaopartidopolítico
brasileiroemtermosdeconservaçãodemocráticaimplicaportantoalgo
maisqueaquiloquesepassanaInglaterra,ItáliaeEstadosUnidos.
Implicatomadadeconsciênciaquantoàsresponsabilidadesdeuma
missãoparaaqualeleseafiguradetododespreparado.
Nãobastasituá-lo,peloaperfeiçoamentodemocrático,comoum
partidodeidéias,esvaziadodeideologia,conformeomodelodas
organizaçõespartidáriasnorte-americanas,oufazê-lomilitantemente
ideológicocomonaInglaterra(aideologiademocrática).Urgedar-lheum
programadegoverno,comidéiasprofundasdereformaeconômicae
social,quetragamnaadesãoaoprincípiodemocráticoumaconfissão
tambémdosrumosaseremperlustradosquantoàtransformação
históricadasociedadesubdesenvolvidaousemidesenvolvidaem
sociedadeplenamenteemancipadatocanteàquestãodoséculo,queé,
comotodossabem,paranós,aquestãododesenvolvimento.
Asoluçãonorte-americanagerariacrisesincoercíveis,crônicas,
inarredáveis.Asoluçãoinglesaparece-nosmelhor.Restaporémsaber
seseriaformalmentepossível.Demandaomáximode“politização”dos
partidosnoquadrodaideologiademocrática.Precisariamelesde
transformar-seacadapassoemescolasdereverênciaàlei,decultoàs
instituições,deconsolidaçãodaconfiançapúblicanoshomensque
governamenoregimeaqueservemparaformarentãoliderançasde
escol,ouhomensquetivessemoperfildeestadistas.Partiríamosa
seguir,democraticamente,paraintentarasoluçãodeproblemas,que
muitosdescrêemsejapossívelnosmoldescompetitivosdarecente
estruturaquetinhamospartidosbrasileiros,equecontinuarãoater,
semdúvida.
Ora,essadesconfiançainicial,feitadepessimismoesuspeição,
constituijáumagentenegativo,fatorqueminaasesperançasda
opiniãonasubjugaçãodascrises,pormeiosouinstrumentosnormais
decomportamentodemocrático.Eavidadeumpaíssubou
semidesenvolvidoéavidaemcriseinstitucionalizada.
Quandochegamosaestaalturadareflexão,temosqueparar.
Domina-nosdelongeaseduçãoparlamentarista.Porsermosumtanto
“ingleses”nasoluçãobrasileiraqueconvémàsnossasinstituições
políticaséquepreconizamosoinstrumentoparlamentardegoverno.
Oparlamentarismoeducariaospartidoseospartidoseducariam
opovo.Daquipordianteaestradaaindaseriadifícildeseguir,cortada
deespinhos,ameaçadadedesvios,marcadadelongasesinuosas
curvas,queladeariamasgrandescrisesdopoder.Masseo
parlamentarismodesseporventuraaopaísalgumatranqüilidade
institucional,adequemaisprecisamosdesdeaquedadaPrimeira
República,em1930,decertoqueosistemacobrariameiossegurosde
entrarafundonaordemadministrativa,financeiraeeconômica,para
entãolograr,combomêxitoesemabalodoregimedemocrático,otermo
damudançaindustrial,promotoradenossaelevaçãoàcategoriadas
naçõesdesenvolvidasdoOcidente.
1.AfonsoArinosdeMeloFranco,HistóriaeTeoriadoPartidoPolítico,p.33.
2.ArthurHolcombe,“EncyclopaediaofSocialSciences”,ApudAfonsoArinosdeMelo
Franco,HistóriaeTeoriadoPartidoPolítico,p.42.
3.RuiBarbosa,AQuedadoImpério,p.399.
4.RuiBarbosa,ibidem,v.16,t.3,p.224.
5.Idem,ibidem,p.166.
6.Idem,ibidem,p.434.
7.Idem,ibidem,p.344.
8.Idem,ibidem,p.231.
*Nolivro(original)anumeraçãodasNotasdeRodapépulado8parao10.Nãohouve
erronadigitalização(Notadadigitalizadora).
10.JornaldoBrasil,2.4.1965,1°Cad.,p.3.
11.AfonsoArinosdeMeloFranco,ob.cit.,p.62.
12.OliveiraVianna,ProblemasdePolíticaObjetiva,p.132.
13.Idem,ibidem,pp.137-138.
14.Idem,ibidem,p.131.
15.Idem,ibidem,p.120.
16.Idem,ibidem,p.121.
26
REVOLUÇÃOEGOLPEDEESTADO
1.Controvérsiaemtornodoconceitoderevolução—2.Conceito
histórico-cultural—3.Conceitosociológico—4.Conceitojurídico—
5.Conceitopolítico—6.Origemecausadasrevoluções—7.As
distintasfasesdaaçãorevolucionária—8,Acríticadarevolução
—9.Areforma—10.Acontra-revolução—11.OgolpedeEstado
—12.AtécnicadogolpedeEstado—13.GolpedeEstadoe
revolução.
1.Controvérsiaemtornodoconceitoderevolução
Dostemaspolíticosdenossotempo,aRevoluçãoentrana
categoriamaissugestivadaquelesquemerecemestudoprofundoe
sistemático.Nãosomentepelaimportânciadequeserevestesenãoem
virtudedosabusosaquevemsendoexpostoedaanarquiaobservada
aoredordesseconceito,dapartedequantosousamsemrefletiremnos
limitesdeseuemprego,emfacededeterminadasrealidadespolíticase
sociaisdenossaépoca.1
Ateoriadarevoluçãonaesferadosestudospolíticostemseguido
amplatrajetória:primeiro,objetoapenasdaatençãodoshistoriadores
políticos,aseguirdosfilósofosdaculturae,finalmente,dossociólogose
cientistaspolíticosepsicólogossociais.
Jánadécadade20vonWiese,respondendoaGustavoLandauer,
queafirmaranãoserpossíveldaràrevoluçãoumtratamentocientífico,
sustentouteseoposta,proclamandoquenenhumprocessodavida
socialpodiaeximir-seaumainvestigaçãodeteorcientífico.
Contudoessemesmosociólogoqueixava-sedapobrezada
literaturasociológicaeamargamenterecriminavaaausênciade
investigaçõespormenorizadasacercadaqueletema.Citavaaobrade
Ratzenhofer,emtrêsvolumes,intituladaEssênciaeObjetivodaPolítica
eaPolíticadeHoltzendorff,ambosdoisvelhoscientistaspolíticosda
Alemanha,emcujostrabalhosapalavra“revolução”nemsequer
figurava.2
QuantoaTocqueville,Taine,Carlyle,Sybel,RankeeTreitschke,
diziaocriadordasociologiadasrelaçõesqueeleseram,comseustextos
apaixonados,verdadeirosmodelosdecomoossociólogosemnenhuma
circunstânciadeveriamocupar-sedotemarevolução.3Mascometeua
graveinjustiça—assinaladaaliásporMaxAdler—dehaveromitidoem
suacríticaonomedeMarx,deixandoassimdeabrir-lhecomolhe
cumpriaadevidaexceção,poisMarxteriasidooverdadeiropaida
sociologiadasrevoluções.SemMarx,conformeponderaaindaoMestre
vienense,quandomuitosechegariaaumasociologiadoconhecimento
darevolução,nuncaporémaumasociologiadarevolução.
Oprestígiodovocábulorevolução,depalpitaçãomágicacomoos
acontecimentosbrasileirosdemonstraram,nãoéestranhoàSociologia
Políticacontemporânea.Heberledeúltimoexplicou-lheaorigem.
Mostrouqueaidéiaderevoluçãopolíticaforaalheiadopensamento
medievoequeestesóconheceumovimentosretroativosou
conservadores,pararestabelecerprivilégiostradicionaisouconcretizar
formasdedireitodivino,ligando-seaoconceitodofatorevolucionário
todooacervodeidéiastradicionalistaserestauradoras.4
Assinalamossociólogosquearevoluçãoconcebidacomo
edificaçãodeumanovaordemsocialéidéiadostemposmodernos,ou
commaisprecisãodoséculoXVIII,tendosidoVoltaireoprimeiroaunir
oconceitoderevoluçãoàidéiadeprogresso.5
DeAristótelesaoséculoXVII,asrevoluçõesdeEstadoeram
consideradascomo“fasesdeumacirculaçãoeternadasformasde
governo”,emconsonânciacomasteoriasdoestagirita.
Teriahavidoassim,segundoHeberle,extraordinárioprogresso
quando,pelacaracterizaçãomoderna,arevoluçãodeixoudeserum
fenômeno“cíclico”ouumafasenamudançadeformasconstitucionais
sempresujeitasaumretorno(o“eternoretorno”nietzschiano)para
significar“novocomeço”oumudançapara“umaformadesociedade
melhor”,paraoaperfeiçoamentodasociedadehumana.6
Essaconotaçãodeotimismo,emqueopensamentorevolucionário
épostoemcontrastecomopensamentoconservador,seachaporigual
implícitanasteoriasmarxistasdarevolução.Dissofazemlargocabedal
quantosseempenhamempromoveraaçãoeoproselitismo
revolucionário.Eaconcepçãodosquevêemnarevoluçãoodestinoda
história:alteraçãoinevitávelnasrelaçõessociaisdepoderentreas
classes,conduzindoaburguesiaaotúmulo.Masessailaçãode
otimismovinculadoaoconceitoderevoluçãoéantimarxista,utópicae
anti-sociológica,namedidaemqueomarxismofor,comosabidamente
oétambém,umasociologiadarevolução.
Sendoarevolução,segundoMarx,“abuscaretroativadeum
desenvolvimentoobstaculizado”(dieRevolutionistdieruckartige
NachholungverhinderterEntwicklung)nãovaiaínenhumjuízodevalor,
podendoesseconceitoseracolhidocomoautenticamentesociológico,
tantoquantoodeLênin,aoafirmarque“umarevoluçãoocorrequando
aclassesuperiornãopodeeaclasseinferiornãoquerprosseguirno
velhosistema”.
Seriafastidiosomostrarporémqueoconceitolisonjeiroda
palavrarevoluçãonemsemprefoipartilhadocomofervorfácilde
determinadasposiçõescontemporâneas.Sobreotermorecaiuo
anátemadeBurkeeTaine,emreflexõesdecunhofilosóficoeideológico
queesvaziamporinteiroasubstânciasociológicadoconceitovertente.
Metadedosquefazemumarevoluçãonãofazemsenãocavarum
túmulo,diziaChateaubriand,quenãoobstanteconfessavapreferiras
maisterríveisrevoluçõesaumgovernodespótico.
Dasorigensesquerdistasdoelogioedorespeitocomquese
proferiaaquelapalavratransitou-separaoódioconservadore
reacionáriodospublicistasepensadoresdedireita.Estes,emalgumas
regiõesdopensamentolatino-americano,raramenteserevelamnosdias
correntes,sendotambémsociológicoobservarqueaconotaçãootimista
jánãotemaclarezacomquedantesseidentificava,sendohoje
disputadaporcorrentespolíticasdosmaisdistintoseopostosmatizes
ideológicos,valendo-setodasdaautoridadeedasesperançasque
aquelenomesuscitanoseiodapresentesociedadedemassas.Tal
ocorrenomeadamentenasáreasdodescontentamentoeinconformismo
social
mais
agudo,
como
são
as
áreas
intranqüilas
do
subdesenvolvimento.Emverdade,ousoaídapalavrarevoluçãoem
nadaalteradopontodevistasociológicooteorrestaurador,reacionário
oucontra-revolucionárioqueporventurapresidaàsrelaçõesdopoder
políticoesocialnosordenamentosvigentes.
Apossívelpreferênciaindiscriminadapelotermorevoluçãonos
paísessubdesenvolvidosdecorreanossoveremlargapartedo
descréditoemquecaiuaexpressão“golpedeEstado”,tomadacom
freqüênciaporsinônimodeinstabilidadepolíticaouindicaçãodefins
egoísticosepessoais,contráriosaobemcomum.Conformedisse
Hartman,aRevoluçãocaminhacomahistória,ogolpedeEstadocontra
ahistória.Ocorretodaviaquenospaísesaltamentedesenvolvidos,
ligadosaoquadrodaideologiaocidental,háumadeterminadamassade
opinião,entreascamadasmaisilustradas,inteiramentedesfavorávelao
conceitoderevolução.
OpublicistaamericanoGeorgePetteeassinalouquedas
principaisrevoluçõesdoséculoXVIII—aFrancesaeaAmericana,até
osnossosdias,perduraranoOcidenteumaespéciedeatitude
indulgentetocanteàrevolução,pondo-seênfasenosseusaspectos
construtivos.Esseestadodeespíritoter-se-iaprolongadoaté1940.7
Afigura-se-noshaveraíporémgeneralizaçãoprecipitada,pois
existiusemprefortíssimacorrentedoutrináriaedeopiniãoquejamais
deixoudeapontarduranteoséculoXIXparaosaspectosnegativosda
revolução.Observa-secontudonospaísesdesenvolvidosqueo
sentimento
anti-revolucionário
em
níveis
da
chamada
crítica
“esclarecida”serobusteceunoséculoXXeadatacronológicanãoépois
1940,comofazvererroneamenteaquelecientistapolítico,mas1917,
anodarevoluçãobolchevistanaRússia.
Desdeentão,atemorizado,oOcidenteseergueunumsentimento
crítico,derevisãooureexamedoconceitoderevolução,entrandoa
assinalarsobretudoosseusaspectosnocivos.Àproporçãoqueo
conceitotomouraízesideológicasprofundas,deitandosobretodosos
continentesasombradaconflagraçãosocial,aísim,maisfortesefezo
acentosobrea“revoluçãodesnecessária”.
Reprova-seentãonarevoluçãoamaneiraviolentacomque
interrompeuma“evoluçãosensata”,questiona-seopreçooutributoque
asociedadepagaporessesmovimentos,seusefeitossãopostosem
dúvida,enfim,vaiaopiniãobuscarnarazãohumanaoasiloondese
abrigarcontraumconceitoreimersonaincerteza,nosangue,na
injustiça,nadesordemeatémesmonosacrifíciocompletodegerações
inteiras.Oresultadofoieste:oaprimoramentoemtodosospaísesdos
órgãosnacionaisdesegurançaparasalvaguardadostatusquopolíticoe
social.
2.Conceitohistórico-cultural
Arevoluçãoétemaabertoàinvestigaçãodehistoriadores,
cientistaspolíticos,filósofosdacultura,psicólogossociais,juristase
sociólogos.
Odogmatismodeposiçõesrelativasaoestudodessefenômeno
socialencobreefazobscurooconhecimentodarealidaderevolucionária
quandoelasemanifestanaexistênciadeumasociedade,deumpovo
ouaindadetodoogênerohumano.Essarealidadeoraseacentuapelo
aspecto
histórico-cultural,
ora
pelos
dados
sociológicos;
em
determinadoscasos,pelaênfasenatransformaçãojurídica,noutros
pelarelevânciaquantoàprofundidadedamudançapolíticaoperada.
Casonãoatenteparaessesaspectosqueaquelefenômenoourealidade
podeapresentarequelheconferemarespectivanotadecaracterização,
ocientistadarevoluçãoproduziráomissõeseexclusões,emdanode
todaaelaboraçãoconceitual.Edaílherestaráunicamenteumconceito
detodounilateral,expostoaobjeçõespolêmicas,oquealiáshásido
freqüentequandosetratadepropor,porexemplo,osconceitos
sociológicoepolíticoderevolução,semdúvidaosdemaisdifícile
controvertidafixação.
Comoocorrecomrespeitoatodososfenômenossociais(ea
contribuiçãoidealistaaesserespeitofoidesumaimportânciaparaque
sechegasseatalconclusão)narevoluçãoohomemédemodo
concomitantesujeitoeobjeto.
Arevoluçãonãoéacontecimentonatural,masefeitotambémde
idéias,trabalhadasnamentesolitáriadospensadores,antespoisde
desceremàsmassasearrebatá-lasparaaação.Arevolução,comodisse
OrtegayGasset,“nãoéabarricadamasumestadodeespírito”.8Seu
estudopelospensadoresrequeramáximaamplitudedevistas.
Desvinculá-lodasubjetividadeinerenteàobradetodocientistasocial
afigura-se-nosdifícilsenãoimpossível.Apretensãodeneutralidadeou
exterioridadeabsolutaéduvidosa.AssinalouGeorgePetteequeo
raciocínioestánoindivíduoenãonamassaousóaohomemcabe
observareanalisarasociedadeenãoocontrário.9Esteobservadoréem
simesmotábuadevalores,serideológico,comtodoocondicionamento
desuaépoca,tantoelequantoosatoresdofatorevolucionário.
Quererreduzircadafenômenorevolucionárioaumasociologiada
revoluçãoedentrodessasociologiaàformadeumaescolaoucorrente
deinvestigaçãoseriaevidentementeabdicarapossibilidadedeconhecê-
loatravésdetodososângulosidôneosemordemaconsentiruma
análisemaisvertical,extensaefecunda,deincomparávelproveitopara
compreenderasdistintasmodalidadesdeprocessorevolucionário.
Daíporque,dopontodevistadidático,examinando-seo
problemadarevoluçãoedeseuconhecimentopelaciênciapolítica,
inclinamo-nos,feitaessaadvertênciapreliminar,poradmitirvários
conceitos,apropriadostodosaumacessomenospenosoàtemática
revolucionária.
Distinguimosassimoconceitohistórico-cultural,oconceito
sociológico,oconceitojurídicoeoconceitopolíticoderevolução.
O
conceito
histórico-cultural
exprime
essencialmente
a
interrupçãodeumperíodocultural.Dessaquebraresultaa
descontinuidadeeconseqüenteinauguraçãodenovodesenvolvimento
histórico.AdescobertadeCopérnico,ainvençãodamáquinaavapor,a
equaçãodeEinstein,comadesintegraçãoposteriordoátomo,foram
acontecimentosqueintroduziramdemaneirarevolucionáriaumanova
idadehistóricanaexistênciadasociedadehumana,operando
verdadeiratransformaçãocultural.Asocialchange,aquesereportam
osescritoressociaisanglo-americanos,prende-seaesseconceito.
Oconceitohistórico-culturalpoderevestir-sedecertocunho
filosóficoouintelectualista.Assimaconteceuporexemploquando
AugustoComtedistinguiunahistóriadasrepresentaçõesculturaisdo
gênerohumanotrêsestadosouperíodosautônomos:oteológico,o
metafísicoeopositivo.Cadapassagemdeumaoutroestadosignificou
aconsumaçãodeumprocessorevolucionáriodenaturezacultural.
Aliásoconceitohistórico-culturalnãoseachadetodoapartado
deimplicaçõessociológicas.Emrigortantoseinserenafilosofiada
históriaedaculturacomocabetambémnoâmbitodasociologiageral.
TheodorGeigertomou-oaliásnessaúltimaacepçãopartindo,com
apoioemSombart,dequeérevolucionáriatodatransformação
fundamentaldeumasituaçãoexistente,nãoimportaemquedomínio.
Dissotivemosexemplocomarevoluçãonatécnicadeprodução
determinadapeloadventodamáquinaavaporecomarevolução
filosóficaoperadapelocriticismodeKant.
Nãosãoconceitosestanquesestesqueestamosexaminandocom
certoconfortodidático.Seoconceitosociológicoderevoluçãojáseacha
precedidodevínculoscomoconceitohistórico-cultural,maisapertados
serãoaindaosseuslaçoscomoconceitopolíticodoqualparamuitosse
afigurajáinseparável.
3.Conceitosociológico
Todarevoluçãosocialestánoâmagodoconceitosociológicode
revoluçãoenãopodevirdesacompanhadadarevoluçãopolítica,quea
executaeprecede.Asduasrevoluçõessãoaspectosdeumamesma
realidade.Semembargodesuaconexão,épossívelacentuarorao
primeiro,oraosegundodessesaspectosqueenvolvemaobra
revolucionárianasociedademoderna.Autoresháqueassinalama
extensãohistóricadasociologiadarevoluçãoeaamplitudedeseus
temas,proclamando-osinexauríveis,vistoabrangeremtodaaHistória
Universal(Hartman).
Abraçar-seporémaessaposiçãoseriaadmitircomoparalelasa
históriadasociedadeeasociologiadarevolução,dandoaestaúltima
aqueladimensãoquesóficariabemnoconceitohistórico-culturaljá
examinado.Ahistóriadacivilizaçãonãopodesertomadacomopalcoda
sociologiadarevolução.Estasósefezpossívelousódescobriuoobjeto
desuasindagaçõesemépocarecente,comamodernasociedadede
classes,quandoumaclasseseimpôssocialepoliticamente,atravésda
tomadadopoder,paraimplantarnovaordemsocial,ouestabeleceros
instrumentosinstitucionaisdeconservaçãoepermanênciadesua
hegemonia,qualaconteceunaRevoluçãoFrancesa.Aburguesiaaboliu
aliaordemcorporativaedestruiuasbasesdasociedadefeudal.Algo
semelhanteocorreuesteséculocomaRevoluçãoSoviéticaquandoa
classeproletáriaempregouosinstrumentosdopoderpararemovera
dominaçãosocialdaburguesiaeproclamar,segundoosmarxistas,o
novoprincípiodeumasociedadedetrabalhadores,intelectuaise
camponeses,tendoemvista“umasociedadesemclasses”ede
convivênciatranqüila.
EssasRevoluçõesofereceramtemárioriquíssimo,manancial
copiosoainvestigaçõeslegitimamentesociológicas.Semestasnãoseria
possívelfalaremsociologiadarevolução,comovedadopermaneceouso
dessaexpressãoparaconheceroslevanteserebeliõesque
acompanharamotranscursodavidasocialnaidademédia.
AquitemaplicaçãooconceitodeOrtegayGassetquandoafirmou
queorevolucionárionãoserebelacontraosabusosdasociedade,
conformefaziaohomemmedieval,mascontraosusos,querdizer
contraasinstituições,comofazohomemmoderno.
Afigura-se-nosporinteiroidônea,dopontodevistametodológico,
aaplicaçãodeumapergunta-critério,qualfezlucidamenteHeberle,
paradistinguirasmodalidadesderevoluçãoedeterminarsobaforma
sociológicaofenômenorevolucionário.Apergunta-chave,segundoo
autoralemão,éesta:Quefoiquemudou?10
Entendemosqueseamudançaserefereaopessoaldegoverno,
nãohouverevolução,masgolpedeEstado;seamudançaporématingiu
aConstituiçãopolíticaeaformadegovernojáépossívelfalarem
revolução,asaber,revoluçãopolítica;se,porém,astransformaçõesse
verticalizaremmais,descendoagrandesprofundidadessociais,com
“ascensãodeumanovaclasseaopoder”ou“apariçãodeumnovo
sistemadecamadassociais,redistribuiçãodapropriedadeouaté
mesmosuaabolição”,comoadventodenovasformasdevida
econômica,aíocientistapolíticoreconheceráentãoarevoluçãosocial,
objetodatemáticasociológicaeconstitutivodaverdadeirasociologiada
revolução.
OsociólogoHeberlepensadiferentementeaodemonstraroque
nãoé“revolução”naacepçãomoderna.Nãotemosobjeçãoalgumapara
fazer-lhequandoeleafirma,textual,queadestituiçãoviolentadeum
governanteoudeváriosgovernantesesuasubstituiçãoporoutras
pessoas,semmudançasdaformadegoverno,comoacontecenas
chamadasrevoluçõesdaAméricaLatina,nãoconstitui“revolução”.11
Tãopoucoquandoelesustentaquenãohárevolução,mas
simplesmente“mudançasocial”(socialchange),desdequesetransitade
umaaoutraformadesociedade,talcomoaconteceunaInglaterraenos
EstadosUnidos,emconseqüênciada“revoluçãoindustrial”,mediante
mudançalenta,pacíficaenãoproposital,emboraessamudançavenha
revestirasociedadedenovosaspectos,alterando-lhebasicamente,pelo
progressomaterial,avelhaecostumeirafisionomia.
Masaoasseverarenfaticamentequeamudançaviolentadaforma
degovernosemvariaçãobásicadaestruturasocial,comoocorre
quandosepassadamonarquiaàrepública,nãoconstituiaindauma
“revolução”,temosquesemelhanteassertivaéinválida,porquanto
equivaleriaareduzirtodooconceitoderevoluçãoaumacaracterização
sociológica,eliminandoaquelesconceitosautônomosderevolução
jurídicaepolítica,amenosqueestastivessemporapêndicenecessário
amodificaçãonoprincípiodasrelaçõessociaisounaestruturadas
classesesuahabitualhierarquia.
Acabariaoautorconfinadosociologicamenteaoconceitomarxista
derevolução,queéumconceitosociológico.Aconteceporémquenãoé
oúnico,emborasejaeliminatóriodetodosaquelesconceitosde
revoluçãopolítica,indulgentescomainalterabilidadedasbasessociais.
Revoluçãopolíticaquenãoconduzaaesseresultadoenãosejado
mesmopassorevoluçãosocialnãoseráreconhecidanacategoriade
revolução.
Acríticamarxistadarevolução,aqueHeberlepareceaderir,não
seconciliaporémcomesseesquema.Seriaocasodelembrara
propósitodasociologiamarxistadarevoluçãooqueafirmouosociólogo
alemãovonWiese,quandodissequeapretensãodeexplicaruma
revoluçãopelocontrastedeclassesequivaleriaaummédicodesejosode
explicaratuberculosepelascavernasetecidosdestruídos.12
Achamosquecircunscreveroconceitoderevoluçãounicamentea
alteraçõesprofundasnoregimedasclassessociaisseriaantes
empobrecer,atravésdoexclusivismodessareduçãosociológica,alarga
temáticapolíticadarevolução,quesempredeixalugarparadistintos
círculosdeindagaçãoquaisosdecunhoestritamentejurídicoenem
porissomenosautônomos.
4.Conceitojurídico
Dopontodevistajurídicoarevoluçãoéessencialmenteaquebra
doprincípiodalegalidade,aquedadeumordenamentojurídicode
direitopúblico,suasubstituiçãopelanormatividadenovaqueadvémda
tomadadopoderedaimplantaçãoeexercíciodeumpoderconstituinte
originário.
Compreendidadebaixodesseaspecto,arevoluçãocontémdois
dadosessenciais:orompimento,semcompromissosesemlimitações
legaisprévias,daordemjurídicaantecedenteeacriaçãodeumnovo
direito,queseexprimirápeloadventodenovasinstituições.
Mediantearevolução,cainãosomenteodireitoconstitucional
positivomasaformavigentedepoderconstituinte,abasemesmaque
aindaprevaleciaparaefeitodealteraçõesnamolduradospoderes
constituídos.Arevoluçãoemseusubstratojurídicoécriseeadventode
umnovopoderconstituinte.
Comadinâmicarevolucionária,relaçõesdiferentesdepodersão
impostasàsclassessociaiseaordemjurídicaqueseestabelecesobo
influxodarevoluçãosancionaonovoquadroderelaçõesdeclasses.
Consoanteaprofundidadedamudança,altera-seoprincípiomesmoou
critériodaestratificaçãosocial(Geiger).
Nasrevoluçõesháquedistinguir“fato”revolucionáriode“valor”
revolucionário.O“fato”produzamudançadodireitoecomamudança
arevoluçãoinstitucionalizaosseus“valores”.Nãohárevoluções
“legítimas”,segundoqueremalgunsjuristas(contradictioinadjecto,
diriaHartman),masrevoluções“legitimadas”equeselegitimampela
constituinte,pelamudançaoperadanaordemjurídica,pelaproposição
denovosvalores(“cadarevoluçãoéumaderribadaerenovaçãode
valores”,asseveraVierkandt).
Vejamosaseguiroconceitoderevolução,dadoporCartellieri,sob
ainspiraçãodaperspectivajurídica:“Amudançaviolentaecomefeitos
prolongadosdeumaConstituição,mudançamedianteaqualopoder
atéentãopertencenteaumouváriosgovernantessetransferepara
muitosgovernados”.
Seaoinvésdetransferênciadepoderdosgovernantesparaos
governados,houvesseaquelejuristapostoporsujeitoedestinatário
dessatransmissãoaclassesocial,seuconceitojurídicoderevoluçãose
tornariaimpecável.
AConstituiçãorevolucionária,provenientedeumpoder
constituinterevolucionário,tocanecessariamentenasrelaçõesde
classesparamodificá-laseparacriarumdireitoqueseamoldeaessas
relações.
Odireitoeopodertransferidospeloatorevolucionáriodeumaa
outraclassevemcoroaraafirmativadeLassalledequequandouma
revoluçãoocorre,todasasleisdodireitopúblicocaemporterraoutêm
apenassignificaçãoprovisória,devendoserfeitasdenovo.13
Comaressalvadequenãoésimplesmudançadegovernantes
paragovernadosnapossedopoder,masumavariaçãoprofundanas
relaçõesdeclassesaquiloqueaConstituiçãorefleteporefeitodaobra
revolucionária,concordamosplenamentecomvonWiesequando
assinalaqueoconceitojurídicodeCartellieripermitedistinguircom
clarezaoconceitoderevoluçãodosconceitosdereação,contra-
revolução,restauraçãoegolpedeEstado.14
5.Conceitopolítico
Oconceitopolíticoeoconceitojurídicoderevoluçãose
interpenetramdetalformaquesóporabstraçãoeartifíciodemétodo
podemosdestacá-los,semcontudoperderdevistaaprofunda
conexidadequeentreambosseproduzpelanaturezamesmado
fenômenorevolucionário.
AdimensãopolíticaémanifestaquandoPaulSchrecker
excelentementeafirmaque“nodomíniopolíticopodemosdefinira
revoluçãocomoamudançailegaldaconstituição”oudesdequea
Constituiçãoéumsistemadenormasqueestabelecemascondiçõesde
legalidade,como“umamudançailegaldascondiçõesdelegalidade”.15
AtentaoAutormenosnoconteúdoéticoounasinstituiçõesgeradas
pelarevoluçãoparacaracterizá-lapoliticamentedoquenoaspecto
formal,noprocessomedianteoqualsefazemalteraçõesdavida
política.Asaber,éverdadeirarevolução,paraele,todamudança
constitucionalfeitapormeiosdistintosdaquelesqueaConstituição
prevê.
Contudooaspectopolíticodarevoluçãovistotão-somentecomo
“mudançailegaldascondiçõesdelegalidade”nãoseconfinaànegação
dopoderconstituinteconstituídoouderivado(poderdereforma
constitucional)nemaoapeloaoutrasviaspolíticasqueconduzamde
mododiretoàinstauraçãoviolentadeumpoderconstituintepleno,
meiosapenasinstrumentaisdaaçãopolíticarevolucionária.
Ascausasformaisdeterminantesda“mudançailegal”devemser
tomadasemconta.Ocupando-sedaRevoluçãoFrancesa,Tocquevillese
reportouàperdadecrençadaclassedominantenajustiçadesua
causaenacapacidadedeopordiquesàondainovadoraecríticaquese
levantaraparacontestaraordemestabelecida.Todoosistemase
apresentaentorpecidoeimpotenteparareagircontraaerosãodeseus
valorestradicionais.Adúvidadavelhacamadadirigentenosdireitosde
suaposição,comodissevonWiese,fazvacilanteoedifíciopolítico.16
Suainsegurançaemdeclararoquedevesersustentadoeoqueseacha
aptoparamudaroucair,suaincapacidadeemacomodar-seauma
novasituação,oriundadereformasacauteladorasapressama
catástrofedeEstado,pelocolapsorevolucionário.
Comefeito,antesdedestruirasestruturaspolíticasemudaro
regime,arevoluçãovinhaabalandojátodoosistemaepredispondoa
consciênciasocialparaaceitaramudançaeacatarasnovas
instituições.
AquicabelembrarapassagemdaobraondeMontesquieudizque
osacontecimentosamadurecemeeisasrevoluções.17Querdizera
situaçãorevolucionáriaouoamadurecimentodoespíritorevolucionário
constituemaparteimportantíssimaquesepoderiachamarde
“revoluçãoinvisível”,quandoestaprecedeoatocríticodatomadado
poderesetravanaconsciênciadasociedade,ondeagonizamosvelhos
valores.
Arevoluçãopolítica,noentenderdeCarlJ.Friedrich,resulta
invariavelmentedefalhasnosistemadegoverno.18Nenhumarevolução
sefezquenãoexprimisseumamodalidadededescontentamentocoma
autoridade,umacrisedeconfiançanacamadadirigente,deumaparte,
edoutraparteumavontaderesolutademudareimporamudançapela
violência.
Acrisepolíticaqueproduzasrevoluçõeslevaporconseguinteao
paroxismoacontradiçãoentre“opoderdecima”,minoritário,eo“poder
debaixo”,majoritário.Adireçãodamáquinagovernativaésúbitae
violentamentedeposta,arrastandonaquedahomens,idéiase
princípiosdegoverno.Anovaordempolíticaengendraoutras
lideranças,outrosquadros,outrosprogramas,outraclassedominante
embuscadeconsolidação,outrodireitoconstitucional.
Emsuma,éaceitáveloconceitopolíticoderevoluçãocomo
“modificaçãoviolentadosfundamentosjurídicosdeumEstado”,
segundoHerrfahrdt,ousegundooDicionáriodaRealAcademia
Espanholacomotoda“mudançaviolentanasinstituiçõespolíticasde
umanação”,porquantoemambosficapatenteadoopapeldaviolência
queSoreltãobemassinalou,edomesmopassosepõeforteconotação
nosignificadodamudançainstitucional.
6.Origemecausadasrevoluções
FoiMarxsemdúvidaopensadorquemaisacentuouaorigemdas
revoluçõesnaesferaeconômica.“Quandoasforçasmateriaisde
produçãonaSociedadecaememcontradiçãocomasrelaçõesde
produçãoexistentes”,aquitemos,segundoomarxismo,ofatogerador
dos
movimentos
de
força
e
violência,
que
fazem
aluir
revolucionariamenteosistemapolítico,econômicoesocial.
Nemtodoscompartemporémdessepontodevistaunilaterial,
indobuscarnoutrasesferassociaisoutrascausasquenãoasdeestrito
teoreconômicoparaaíexplicaraaçãorevolucionárianasociedade
humana.
Asguerrasreligiosasquemarcaramumperíodorevolucionário
importantíssimodaHistóriadificilmentesecompadeceriam,segundo
algunsescritorespolíticos,comainterpretaçãoeconômicaquepartedo
exclusivismomarxista.
Aorigemecausadasrevoluçõesseprenderiaaumalenta
acumulaçãodedescontentamentoseimpugnaçõesdaordemdevalores
implantadosouimpostosatéachegadadeummomentocríticode
deterioraçãofinal.OsgolpesdeEstadopodemserimprovisados,as
revoluçõesjamais.19
Dopontodevistahistórico,ainvestigaçãosociológicatem
averiguadocertasmotivações“externas”que,senãooperam
propriamentecomocausas,têmtodaviaumefeitoimediatono
desencadeardasrevoluções:asguerrasperdidas(oscasosda
Alemanha,ItáliaeRússia,apósaPrimeiraGrandeGuerraMundial),a
impopularidadedemedidaseconômicas(apolíticafinanceira
desastradaqueprecedeuaRevoluçãoFrancesa),asreformassociais
malogradas(odecretoqueinstituiuaSUPRA—Superintendênciada
ReformaAgrária—equesepropunhaafulminarolatifúndionoBrasil
àsvésperasde31demarçode1964),apolíticatributáriainjusta(a
opressão
fiscal
que
precipitou
na
Inglaterra
as
revoluções
parlamentaresdoséculoXVII)eassimpordiante.20
Determinadoscientistassociaisquedespolitizamaorigemdas
revoluçõestêmdeúltimoatentadomaisparaapericulosidadedas
épocasdeprosperidade,quandoaeconomiadeumEstado,progredindo
rapidamente,preparaumsaltoqualitativonasfasesdoseu
desenvolvimento,dequepossaresultarascensãoporexemplodenova
camadaempresarial.
AindanocasodaRevoluçãoFrancesaamisérianãoforacausa
dossucessosrevolucionáriossegundooentendimentodecertacorrente
desociólogosepensadores.Emverdade,o“terceiroestado”,ouseja,a
burguesia,nãopostulavaoutracoisasenãoopoderpolítico,poiscomo
classeprósperaeeconomicamentedominanteselhedeparavaa
contradiçãoexasperadoradeveramáquinadoEstadonasmãosdorei
edasordensaristocráticaseprivilegiadas.
7.Asdistintasfasesdaaçãorevolucionária
Oprocessorevolucionário,segundoassinalaHeberle,compreende
váriasfasesenuncaseexaurenumúnicolevante.Comefeito,uma
situaçãorevolucionária,pelomenosemnossotempo,nãoseassemelha
àsguerrascivisclássicas.Nãoépossívelafirmarcomprecisãoadata
emqueumarevoluçãocomeça,muitomenosprever-lheotermo.
Podeperfeitamenteacamadadirigentenemsequerter
consciênciadequeestátravandoumabatalharevolucionária,ainda
quandoempregameiosrepressivosquenaaparênciaservemde
sustentaçãorotineiraaumpoderestabelecidoepresumidamente
consolidado.Noentanto,arevoluçãojáestáacesa,minando-lheas
basesdeapoioepreparandocomlentidãoumcolapsoirremediável(“as
revoluçõessefazemantesderebentar”ousejalesrevolutionssontfaites
avantd’éclater,segundoMaurras).
Asrevoluções,conformeasseveraHeberle,sãoprecedidasde
longoperíododedistúrbiossociaisetentativaslocaiselimitadasde
empregodaviolência,pequenasguerrilhas,motins,apardelevantes
revolucionáriosfrustrados.Ocientistasocialenumeraosexemplosda
Rússiaem1905edeváriospaíseseuropeusem1830e1848,quando
efetivamentesituaçõesrevolucionáriasseconfiguraramcomtoda
clareza,atéculminaremnopontocríticoqueésempreatomadado
poder.21Omesmoquadrosedesenhanospaísessubdesenvolvidos,
ondearevoluçãoéfomentada“defora”e“dedentro”eaindaquandolhe
nãofaltaaautenticidadenacional,étrágicovê-laafogadapoliticamente
nosmitosedogmasdaideologia,quedecertosãoumestorvoà
emancipaçãoeconômicaeàeliminaçãodosubdesenvolvimento.
“Despolitizar”arevolução,tãorecheadanospaísessubdesenvolvidosde
radicalismoideológico,sóserápossívelatravésdasviasdoconsensoe
dareconciliação,eestasunicamenteasofereceopluralismopartidário.
Ondehouverumaditaduraimplantadaurgevolvertãodepressaquanto
possívelàredemocratizaçãoeàreconstituiçãodopoder.
Tocanteàsfasesquearevolução,umavezdesencadeada,segue
necessariamente,ossociólogosdarevoluçãoemnossoséculo,comopor
exemploGeigereHeberle,continuamestimandoporválidaadistinção
emdoisperíodosessenciais:umdenegaçãoedestruição,quandoos
revolucionáriosseempenhamobstinadamenteecomafincoemeliminar
tudoquandoprocededopassadoeoutroaseguir,maisreflexivo,em
queprocuramretomarumapartedaquiloquecuidavamhaver
derrotado.22
ComefeitoentendeTh.Geigerqueháduasfasessucessivasdo
desdobramentorevolucionário,aprimeiradeaspectonegativo,emque
tudoexplodesubitamente,acarretandodestruiçãoemorteeasegunda,
deaspectopositivo,emquearevoluçãoconstróiesepositivano
conceitodeLederer,aquemtodarevoluçãoseafigura“arealizaçãode
umaidéia”.23
Odebatecientíficodarevolução,acentuaTh.Geiger,deve
considerararelaçãocorrelativadoquefoidestruídoedoquese
construiu.Prossegueafirmandotaxativoquenenhumarevoluçãose
exaureemdestruiçãoequeadestruiçãonãoaniquilatotalmenteo
patrimôniocultural,masferedemorteasinstituiçõessociaise
sobretudo,acrescentamosnós,asinstituiçõespolíticasqueàquelasse
vinculam.
Asfasesdeumarevoluçãonãosãototalmentedominadasporum
radicalismointransigente,queleianumcatecismodeabsoluta
fidelidadeaoprogramarevolucionário.Háocasiõesdeaparentes
contradiçõeseoportunismo,detransaçõesemaleabilidade,fasesaté
dóceiseflexíveisquealentamasforçascontra-revolucionárias.Mas
quandoafirmezadepropósitostemocimentoideológicoeasinceridade
inabaláveldaliderançarevolucionária,taisfasesnãooferecemmaiores
riscosdeimpugnaçãoeficazesãoaténecessáriasàconsolidaçãoda
obrarevolucionária.
Daquiresultaentão,nodizerdeHeberle,queonovoregimesevê
compelidoaconcessões,aretrocessospassageiros,diantedecorrentes
adversasecircunstânciasdesfavoráveis,chegandoarestaurações
daquiloquedeiníciodestruíraouremovera.Noentanto,asseverao
sociólogo,taisprocessosdeacomodação,tomadosemgeralcomo
desvios,emnadaalteramadireção,osrumosparaosquaissemove
implacavelmenteemseuspropósitosobstinados.24
Umaclassificaçãocorrentenamodernaliteraturasociológicadas
revoluçõesdistinguequatrofasessucessivasnosmovimentos
revolucionáriosquandointervémofatorideológico:a)avitóriados
extremistas,b)oterrorideológico,c)otermidor,emquearevolução
entranafase“conservadora”,ultrapassadooradicalismodos
fanáticos25ed)aditaduradohomemforte.Assim,aRevolução
Francesa,daBastilhaaNapoleão,eaRevoluçãoRussa,dainsurreição
dePetrogradoaStalin.Nesseesquema,RobespierreeLêninforam
líderesdafaseemqueafogueiraaindacrepitavanosdestinosincertos
darevolução.
8.AcríticadaRevolução
Ahistóriacríticadasrevoluçõestemconduzidoaconclusões
discrepantesquandosefazaavaliaçãodeseusresultadosouquandoo
processorevolucionáriomesmo,comofenômenodasociedadehumana,
entraemjulgamento.
Oelogiodarevoluçãoéfeitonaturalmenteporquantosseacham
comprometidosafundocomumesquemadeidéiaseprincípiospara
alterarasbasesdosistemasocialepolítico,comeventualempregoda
violência.Esseempregodachamada“violênciarevolucionária”émais
característicodasrevoluçõespolíticaseideológicas.Sociologicamente
porémnemtodosentendemsejaaviolênciatraçoessencialàíndoledas
revoluções.Sendoassimtãocensurada,nãoestariaelasequernabase
dasmaisimportantesrevoluçõesquebeneficiaramogênerohumano,
comoachamadarevoluçãotecnológicaearevoluçãoindustrial,
revoluçõestácitasesilenciosas,masnemporissomenosfecundas,as
únicasemverdademerecedorasdeencômiospelapartedesacrifício
quepouparam.
Novocabuláriopolíticoahistóriadasrevoluçõesproduziuentrea
opiniãoocidentalumaconotaçãodegrauvariável,conformeaépocaeo
paísouconsoanteospensadoresideológicosdarespectivacrítica.
Resvalaportantodoelogioedaconfiançanasvirtudesdoprocesso
revolucionárioparaadescrença,quetemfulminadoporinútilo
instrumentodasrevoluçõespelasquaispagariaogênerohumanopreço
demasiadoalto,exorbitanteemvidasesangue,oquenãojustificariaas
supostasvantagens.Aquiacríticaétidaporreacionária,alipor
progressista.Oscorifeusdarevolução,homensdofuturo;osinimigos,
pessoasretrógradas,reacionárias,contra-revolucionárias.
Enquantoacríticasemanteveaestenívelnãoprovocava
dificuldadesdeidentificaçãonemlevavaaconfusões.Th.Geiger,por
exemplo,apontavaparaoshistoriadorespolíticoseteóricoslegitimistas
doEstado,queassinalavamnasrevoluçõessobretudooaspecto
negativo,adestruiçãoouinterrupçãodeuma“evoluçãosensata”,a
negaçãodeumaordemválida,comênfase,segundoele,noempregoda
violênciaenoprocessodedemoliçãodasinstituições.26Eramestesos
reacionários,ostradicionalistas,osamigosdopassado,oscronistasda
contra-revolução,osfautoresdaimobilidadeinstitucional.Doutraparte
oscríticosliberais,queviamnoinstrumentorevolucionárioomeiopor
excelênciadecriaraliberdade(deinspiraçãoindividualista)eimplantar
amodalidadedegovernolimitado;faziamoelogiocalorosodarevolução,
principalmentedasrevoluçõesburguesas,quaisporexemploa
RevoluçãoFrancesaeaRevoluçãoAmericanadoséculoXVIII.
DepoisdaRevoluçãoSoviética,quereeditouemsangueatragédia
daRevoluçãoFrancesaetrouxeaopodereaodomíniodamáquina
estatalaclasseobreira,arevoluçãoentrouaservistanovamentecom
desconfiança.AdireitaescreviacomOrtegayGassetsobreo“ocasodas
revoluções”eocentro-liberal,descrentenapossibilidadedereavera
liderançadahistória,concorriatambémparaadesvalorizaçãodotermo.
Emsocorrodessasposições,asociologiapolíticaeacríticade
cátedradosteóricosmaisimpressionadoscomademocraciasocialeas
conquistastecnológicasimpunhamoconceitonovoda“desnecessidade
darevolução”edas“revoluçõesdesnecessárias”,comoesforçoglobalde
despolitização.Oreflexodaondadecontestaçãovalorativadarevolução
serefletenaliteraturapolítica,nomeadamentenospsicólogossociaise
historiógrafosfranceses,quedesdeMicheleteDanielGuérinaTardee
LeBonseafastaramdoconceitoda“revoluçãogenerosa”,ainda
imperantenahistoriografiarevolucionáriadeThiers,segundoobservou
Decouflé,paraaimagemdarevoluçãopervertida,dasilusões
revolucionáriasdesfeitas,dasmassasdementesecruéis,revolução
enfimcomoumalesãocerebralnocorpodasociedadehumana.Olivro
deSorokin,aSociologiadasRevoluçõesde1925,trazaindaoecodessa
posição.
Nassociedadessubdesenvolvidas,porém,ondeamudança
revolucionáriapeloconsentimento(reformasocial)oupelaviolênciase
fezimperativodeprogressoeatédesobrevivência,apalavra“revolução”
nãosedeteriorou,nemsedesvalorizou.
Conservaoprestígiodomitoqueviriacriarumahumanidade
nova,valendocomo“atodeemancipaçãohumanaesocial”.Aocontrário
portantodoquesucedeunospaísesmaisadiantadosdomundolivre.
Aqui,nageografiadosubdesenvolvimento,nenhumacorrente
ideológica,dosextremismosoudocentropôdeeficazmentemonopolizá-
laetodosaconsagramnocorounânimedequeelabemexprimee
traduzanseiosesentimentospolíticosesociaisdominantes.Não
empregá-laserianocivo,quaseexpor-seaumaconotaçãonegativa.
Tornou-sedestarteapalavrarevoluçãoalgosagrado,expressão“tabu”
nodicionáriopolíticodosfatosedasidéiasdossubdesenvolvidos,com
empregoindistintoportodasasfiliaçõesideológicas;palavrafelizque
peloseuusoambicionatudoexprimireacabapornadaexprimir.
Enfim,amaisdominadapelo“terrorsemântico”quecaracterizaa
terminologiapolíticadenossotempo.
Quantoaosefeitospropriamenteditosdarevolução,acrítica
negativainsistenasuaimprevisibilidade.Sabe-secomoasrevoluções
começam,masnuncaquandoecomoacabam,conformeaparece
sobejamenterepetidoporseuscríticos.Estes,alémdisso,eéocasode
Heberle,demonstramquenãoraroasrevoluçõesexcedememextensão
eprofundidadetudoquantoestavanaestimativadosrevolucionários,
tudoquantoestesaguardavamecomodesdobramentodoprocessojá
nãopuderamsujeitaraonecessáriofreio,expondo-seelesmesmoscom
freqüênciaaoholocaustopessoalnasarasdarevolução.
Umdos“paradoxostrágicos”darevolução,dizaquelesociólogo,é
queomovimentoquepartiradepromessasdeliberdadenãosóparaa
classerevolucionáriamasparatodoopovo,sevêsúbitae
inevitavelmenteconduzidoaumgovernodeterrorouaumaditadura,
ondeatémesmoseusfilhosmaisdiletos,osguiasdaprimeirahora
acabamdevoradospelasprópriaschamasdoincêndiorevolucionário,
pordissentiremdosrumostomadospelonovoregime.27Esteter-se-ia
apartadodesuasfontesiniciais,resvalandonatraiçãodaspromessas
deliberdadefeitasàsmassasouperdendoaespontaneidadecriadora
daprimeirahoraatéingressarnumafaseautocráticadeditadura
imprevista,aquelaqueRobespierre,procurandosalvaroconceitoda
revoluçãoimersanoterror,proclamavaparadoxalmenteser“o
despotismodaliberdade”.
9.AreformaQuandoestalaumasituaçãodecrisesocialduasúnicasopções
seoferecem:areformaouarevolução,osmeiospacíficosouosmeios
violentos.Contudonemtodasassociedades,nemtodososguiastêma
necessáriaserenidadeecompreensãoparaenxergarodilemapostoem
taistermos.
Consisteareformanumconjuntodeprovidênciasdealcance
socialepolíticoeeconômico,medianteasquais,dentroduma“moldura
defundamentosinalteráveis”,sefazaredistruiçãodasparcelasde
participaçãodasdistintasclassessociais.Comareforma,corrigem-se
distorçõesdosistemaederegime,atende-seaobemcomum,propicia-
seapazsocial,distribui-semaisjustiçaentreasclassesressentidase
carentes.
Sãoasreformasosinstrumentosporexcelênciaqueservempara
evitarasrevoluções,poissendoareforma,segundoTh.Geiger,jáuma
“revoluçãoemminiatura”,ouquantitativamenteumasériedesaltos,a
verdadeéque“váriaspequenasrevoluçõesimpedemumagrande
revolução”.28Fazendooelogioextremodoreformismo,E.deGirardin
diziaaindanoséculoXIXqueamelhorrevoluçãonãovaliauma
reforma.
Exemplodefelizêxitodoproselitismoreformistafoinodizerde
AlfredMeuserodasocial-democraciaalemãaotermodaPrimeira
GuerraMundial.Contribuiuparasalvarocapitalismoeparaimpedira
totaldesintegraçãodasinstituições,nãoobstanteainspiraçãosocialista
deseuprograma.
Errosuportambémqueareformanãosejainstrumentode
conservaçãoenãopossaserbrandidacoerentementepormãos
conservadoras.OmodelobismarckianonaAlemanha,comsua
legislaçãoprecursoradaprevidênciasocial,édeverasilustrativode
opçãoconservadoranapraxisdareformasocial.
Dopontodevistapolítico,oreformismonaInglaterra,durantea
primeirametadedoséculopassado,pôdeevitarqueaagitaçãocartista
setransformassenumarevolução.Perduraaindaoespíritoreformista
comofilosofiadeaçãodasociedadeinglesadenossaépoca.Ali,
conservadoresetrabalhistastêmsobejamentedemonstradoquea
imaginaçãopolíticadopovoinglêsdispõesempredemeioscomque
obstaratempoassurpresasdaviolênciarevolucionária.
EssemesmoreformismopreservouhistoricamenteosEstados
Unidos,comoNewDealrooseveltiano,apósadepressãode1929,de
umatempestadesocial,cujasconseqüênciasseriamimprevisíveispara
asociedadeamericana.
Ofalsoreformismopodetodaviaconstituir-senomaisperigoso
combustíveldeexplosãorevolucionária.Aoinvésdetolherarevolução,
apropagaefacilita,multiplicandoasfontesdedescontentamento
social.Abatetambémporinteiroaconfiançadosgovernadosnas
liderançasenfraquecidasedesmoralizadas.
A“boavontade”eas“boasintenções”nãobastam;urgeacimade
tudoacapacidadeparaempreenderreformas,odescortinopolíticocom
quefazê-lasaceitáveiseplausíveis.Entrearevoluçãoeareforma
passamaquelas“fronteirasflutuantes”,deSzende,etodootatodo
estadistaseráportantopouco,quandooptapeloreformismointeligente.
Areformaouevoluçãoébasicamente,decertopontodevista,um
conceitojurídico,constitucional,queempregatodososmecanismos
legaispossíveis,paralograr,atravésdoconsentimentoedaconfiança
dasclassesangustiadas,achavedosproblemasmaisdelicados,cuja
soluçãoosfanáticosdaideologiasóestimampossívelatravésdoapeloà
violênciarevolucionária.
Aevolução,comodisseHartmann,semovepelocaminhodo
direitoearevoluçãopelocaminhodaforçaou,nessaslindesapertadas,
arevolução,segundoele,“ésimplesmenteoprosseguimentoda
evoluçãoporoutrosmeios”.29Essesmeiosredundamdemodoinevitável
numdesenlaceimprevisívelenaquedadasinstituições,aquiloqueo
reformismoprudenteintentaprevenir.
Arevoluçãosempretransitapelaesferadoimprevisível.A
reforma,aocontrário.Deantemãoquasechegaoreformadoracalcular,
asabereamensurarosefeitosdasmedidasimpostas.Tudoéposto
debaixodecontrole,paraosrecuosoportunoseosavançosdevidos.A
revolução,aorevés,desencadeiareações,queescapamaumfreio
racional.Oslíderesnadapodemcomosrumosqueaação
revolucionáriaeventualmentetomaenãorarosãovítimasdas
tempestadestrazidaspelosprópriosventosquesemearam.
10.Acontra-revolução
Todarevoluçãosuscitaforçascontra-revolucionárias,constituídas
namaiorpartederemanescentesdosistemadeposto,sempreatentos
àsdebilidadesdofatorevolucionário,paraempreender,sepossível,a
restauraçãodaantigaordem.
Acontra-revoluçãorecrutatambémnovosadeptosnamassados
descontentescujonúmerocresceàmedidaqueomovimento
revolucionáriodesatendeesperançasouexigênciasdegrupos,aferrados
ainteressessupostamentelegítimosquearevoluçãocontrariou.
Oelementocontra-revolucionárioseconservapoisativono
decursodoprocessoeseusapelosàviolênciapodemocorrertambém
comfreqüência,volvidosinvariavelmenteparafrustrarosfinsquea
revoluçãohajaprogramado.Cultivandoemtodasasclasseso
ressentimentoeaoposiçãoogrupocontra-revolucionárioexploracoma
máximahabilidadeasfendasabertasnaliderançarevolucionária,
atraindoparaosseusquadrososdissidentesevalendo-sedetodosos
meiosocultoseabertos,lícitoseilícitosdesemearapropaganda,que
minaráoprestígiodaidéianovaedesmoralizaráacúpuladirigente,
cujaascensãoaopodersedeunacristadarevolução.Sepossível,
intentarádesalojá-la,consumandoarestauração.
Seriaabsurdoporémaspiraraumarevoluçãopermanente,esse
contrassensoqueequivaleriaapretenderinstitucionalizaroquepela
suanaturezamesmaéestadodeexceção.Docontrárionãoseriaa
revoluçãoaquele“esquemaabreviadododesenvolvimentodasgerações
seguintes”,nemhaverianecessidadederevoluções,porquantonão
abreviariamcoisaalguma,nãosetendoabreviadoasimesma.
Asrevoluçõesengendramsualegalidadeeselegitimamna
confiançadosgovernados.Esta,umavezconservada(ecomoédifícil
conservá-la!)constituiaprincipalforçaqueparalisaasinvestidas
contra-revolucionárias.Ogranitodaopiniãopúblicaéquefazforte
aquelaconfiança,sendoassimaopiniãopública,segundoHartman,a
plataformanecessáriadecooperaçãoconjuntadosdistintosgruposda
população.
LembraesseautoraafirmativadeKropotkinquandodeclarava
que“umapitadadeidealésemprenecessáriaparaqueasgrandes
revoluçõestenhamêxito”.30Comefeito,aperdadesseidealouélan
amorteceoânimorevolucionárioeespargeadescrençanasmassas,
ficandoospoderesoficiaissustentadospelaforçanuadasarmas,base
precáriaàconservaçãoeestabilidadedetodaordempolítica.
Quandosechegaafalaremesgotamentodoespírito
revolucionário,acrescentaHartman,acurvadarevoluçãoacabana
contra-revolução.Entramemcenaosrestauradores.Talocorreuem
França,acentuaaquelepublicista,depoisde1793eKropotkincitaa
cartadeumdeputadoquedizia:“Portodaapartejáseestácansadode
revolução”.31
Umaobservaçãoindispensávelarespeitodosmovimentoscontra-
revolucionários:quandobemsucedidos,arestauraçãoqueelesoperam
nuncasefazcompleta.Umarevoluçãoconsumadatemaspectose
traçosirrevogáveis.Aborrachadenenhumareaçãoapagaráastintasde
umpassadorevolucionárioqueseconsumou.Ahistórianunca
retrocedeaospontosdepartida,nuncareconstituiinstituições
peremptas,nuncafazaressurreiçãodassociedadesmortas.LuísXVIII
ascendeuaotronodosBourbonsnarestauraçãocontra-revolucionária,
masofeudalismoeacorporaçãojamaispuderamserrestabelecidos.
Nissoasrevoluçõesagredidaseesmagadasficamvingadaspela
história,queéirreversível.
Acontra-revoluçãomanifestadoutrinariamentesuaíndole
restauradoraesepropõeadestruira“destruição”earestabelecera
ordemalteradarevolucionariamente,conformeestánopensamentode
JosephdeMaistre,umclássicodessaposição.EmConsidérationssurla
France,obradecabeceiradosrestauradores,citadaporDecouflé,lê-se:
“orestabelecimentodamonarquia,quesechamacontra-revolução,não
seráumarevoluçãocontrária,masocontráriodeumarevolução”.32
DizDecoufléqueocontra-revolucionárioéadeptodarepressão
totaleabrangeemsuacategoriatodosaquelesquevêemnarevolução
unicamenteacessosdeloucuraecrimescoletivos,sendoarevolução
paraeles,segundoessemesmoautor,umatodedemênciageralea
contra-revolução“umaoperaçãoderetornoàrazãoeànaturezadas
coisas”.33
11.OgolpedeEstadoNãoobstanteasafinidadesquetemcomosconceitosde
revolução,guerracivil,conjuraçãoeputsch,ogolpedeEstadonãose
confundecomnenhumadessasformasesignificasimplesmentea
tomadadopoderpormeiosilegais.
Seusprotagonistastantopodemserumgovernocomouma
assembléia,bemassimautoridadesjáalojadasnopoder.
SãocaracterísticasdogolpedeEstado:asurpresa,a
subitaneidade,aviolência,afriezadocálculo,apremeditação,a
ilegitimidade.
Faz-assempreaexpensasdaConstituiçãoeseapresentaqual
umatécnicaespecíficadeapoderar-sedogoverno,independentedas
causasedosfinspolíticosqueamotivam.
DiziavonJehringqueummovimentobemsucedidochamava-se
revolução,
mal
sucedido
se
denominaria
porém
rebelião
ou
insurreição.34
Lêninsistematizoudemododiferenteadistinçãoentrerevolução
einsurreição,“reduzindoainsurreiçãoaumatécnicaparticularde
tomadadopoder,paraopor-lheadensidadecientíficadarevolução”.35
OgolpedeEstadobemsucedidonãorarosevestetambémda
roupagemdarevolução,aquesereportaironicamentevonJehring;
malogradosereduznoentantoaumcrimepolíticodealtatraição.A
históriamostraquenosgolpesfrustradosadistânciaquevaiao
cadafalsoouàproscriçãoéamesmaquelevaàcurulpresidencial,
vitoriosaaintentona.
Acríticademodousuallouvaasrevoluções,vendo-astão
somentepeloângulopositivo,masemgeraldeploraosgolpesde
Estado,emprestando-lhesconotaçãoirremediavelmentepejorativa,de
queosautoresdogolpecomfreqüênciaseenvergonham.
Detestadosdopovo,quedelesnãoparticipa,poissãosemprede
inspiraçãoeexecuçãoextremamenteminoritáriaefechada,osgolpesde
Estadoconstituem,segundoDupin,“assediçõesdopoder”.Um
publicistadeconvicçãoconstitucionalistaprofunda,qualfoiGuizot,
diziasarcásticoquemuitosgolpesdeEstadoocorriamnomundoeo
queeramaisgravealgunsatébemsucedidos!
Típicodos“sistemasmonocráticosinstáveis”,ondesãomais
usuaisconformeatestamosexemplosextraídosdaAméricaLatina,
ÁfricaeOrienteMédio,ogolpedeEstadonoséculoXXéatécnica
políticaprediletadetomadadopoderquemaisseempreganospaíses
subdesenvolvidosouemfasededesenvolvimento.Atraiçãoeomedose
aliamnogolpedeEstado.Desseflageloasconseqüênciassãoduras
paraassociedadesqueopadecem.AssimodizRapoport,cientista
políticoamericano:
“Tudoquantoaleiimpessoalfazfloresceréameaçadopor
contínuosgolpesdeEstado.Afibramoralsedesintegra;ainjustiça
campeiaemtodososEstadoscomtradiçãodegolpesdeEstado.O
mundomaterialétambémgrandementeafetado.Osricos,nosantigos
despotismosdevastadosporgolpesdeEstado,enterravamoseuouro;
nospaísessubdesenvolvidos,ondeéquaseimpossívelencontrartrês
sucessõeslegítimaseconsecutivas,elesoenviamparaosbancos
suíços.Emambososcasos,otemordeatosadministrativosarbitrários
tolheoempregosocialbenéficodocapital”.36
Masnemtodosossociólogossãounânimesemexprobraros
efeitosruinososdogolpedeEstado.HajavistaSamuelHuntington,da
UniversidadedaCalifórnia,citadoporRapoport.Aprovaosgolpes“bem
intencionados”,quevisamareformasocial.OgolpedeEstadonem
sempreselheafigurasintomapatológicosenãoqueemdadasocasiões
constituiummecanismosadiodemudançagradual,asaber(dizele)o
equivalentenãoconstitucionaldasmudançasperiódicasdecontrolede
partidomedianteprocessoeleitoral.
Nessemododeentender,ogolpedeEstadoseriapreconizado
paraaquelespaísesondeainstabilidadedasinstituiçõespolíticase
sociaisnãopermiteoempregonormaldosmecanismosconstitucionais
desucessãodopoder.
12.AtécnicadogolpedeEstado
OgolpedeEstadopossuiumatécnicaquelheéprópriaelhedáa
notapeculiaretípica.Conhecidodesdeaantigüidade,ofereceexemplos
históricoscélebres.DestescumpredestacarodeCésar,49anosantes
daeracristã,ferindodemortearepúblicaromana;odeCromwell,em
1653,usurpandoasprerrogativasdegovernodamonarquiainglesae
instaurandoumaditadurarepublicanadefachadaparlamentar;ode
NapoleãoBonaparte,em1799—famosogolpedeEstadode18do
Brumário—queabriucaminhoàascensãodefinitivadeBonaparteao
poderabsoluto;odeNapoleãoIII,em1851,sepultandoasinstituições
republicanaseaconstituiçãode1848;odeMussolini,em1922,que
preparouaeradofascismonaItália;odeGetúlioVargasem1937,ao
instituirnoBrasilochamadoEstadoNovoeogolpecomunistade
Praga,desferidoem1948,contraarepúblicaparlamentare
democráticadoPresidenteBenes.
AtécnicadelevaracaboogolpedeEstadotemsido
cuidadosamenteestudadaeinvestigadadeúltimoporcientistas,
sociólogoseescritorespolíticos,sendodasmaisnotáveisacontribuição
deCurzioMalapartecomseulivroclássico,ATécnicadoGolpede
Estado,queestáparaogolpedeEstadoassimcomooPríncipede
Maquiavelemrelaçãoatodamodalidadefriaeinescrupulosade
conservaçãodopoder.
Malaparteeoutrosqueversaramigualtemadescrevema
possibilidadedeumgrupodepessoasextremamentereduzidoparalisar
os“centrosnervosos”técnicosdeumanação.Atravésdaocupaçãode
pontoschaves,comoosmeiosdetransporte(estaçõesrodoviárias,
estradasdeferroeaeroportos),usinashidrelétricasedeabastecimento
d’água,estaçõesdecorreiosetelégrafos,centraistelefônicas,redações
dejornaiseestaçõesdetelevisão,osautoresdogolpedeEstado
imobilizamareaçãodogoverno,cujaquedaacarretamnumaação
rápidaefulminante.
Nodecursodogolpe,quandomuito,aopúblicoédadoperceber
indícios,ouvirrumores,pressentirquealgodeanormalseestá
desenrolando.Casosháemqueaboatariasealastraabafadaou
ostensiva,decorrentedeindícioscomoumamovimentaçãosuspeitade
tropasnacidadeoutiroteionasadjacênciasdopaláciopresidencial.Em
geral,noespaçode24horasumgolpesedefine.Desbaratadooubem
sucedido,opúblicoquenãoparticipou,masesteveatentoesilencioso,
testemunhaaexpediçãode“comunicados”ou“proclamações”,dando-
lhecontadodesfecho.Seforocaso,recebeofatoconsumadoedobraa
cervizaosnovosdonosdopoder.
Osautoresdeumgolpequasesempresãoemnúmerolimitado.
Viaderegra,políticosdenomeada,altosdirigenteseoficiaisdeelevada
patentedasforçasarmadas,investidosjáemfunçõesestataiseem
condiçõesdemovimentarouneutralizarcontraogovernoque
pretendemderribarpartedosmecanismosdopoder,comopolícia,
exércitoeburocracia,ondepreviamenterecrutarambasesdeapoioou
simpatia.
Demáximaimportânciaparaoeventualbomêxitodaoperaçãoé
apersonalidadedolíder,suacapacidadeconjuntadeplanificare
improvisar,bemcomosuacoragempessoalnoatocríticodeexecução
dogolpe.Todadeficiênciapessoalnesseaspectopodedeitarporterraa
tentativadeapoderar-sedogoverno.
13.GolpedeEstadoerevolução
EmalgunspaísessubdesenvolvidosogolpedeEstadotemsido
confundidocomarevolução.Osmovimentosarmadosdequeresulta
quebradalegalidadenãoraroenganamosseusautores,bemcomo
quantososobservam.Casosháemquesupõemestarfazendouma
revoluçãoouempresençademudançarevolucionáriaenoentanto
outracoisanãofazemoutestemunhamsenãoumgolpedeEstado,
desferidoemboracomintençãorevolucionária.Eoutrasocasiõesháem
quecuidamestarreprimindomotinsoupequenasinsurreiçõeseem
verdadeestãoenvolvidosjánumarevoluçãoouguerracivil.
Daquianecessidadedeindicarosprincipaispontosque
permitemdistinguircomaclarezapossívelessasduascategorias:o
golpedeEstadoearevolução,emordemaevitaromenoríndice
possíveldeequívocos.
Umcritériomeramentequantitativoqualoqueempregou
Nawiasky37nãosatisfaz,pormanifestainsuficiência.OgolpedeEstado
partiria,segundoele,daextremidadeoucúpuladapirâmidesocial,ao
passoquearevoluçãoviriadopovooudeamplasmassas.Melhor
critérioseriatalvezfixar-senaprofundidadedamudançaintroduzida,
emboraconservandoanoçãodequeefetivamentearevoluçãoseorigina
“embaixo”aopassoqueogolpevem“decima”.
Comefeito,sehámudançadosistemapolítico,remoçãodavelha
ordemsocial,adventodenovaideologiaquesirvadeinspiraçãoebase
aoregimerecém-instituído,alteraçãoessencialnaformaousistemade
participaçãopolítica,éclaroquehouverevoluçãoenãogolpedeEstado,
porquantoestenuncatocanasraízesdaorganizaçãosocial,nemcria
umnovodireito,massimplesmente,nascircunstânciasmais
favoráveis,secontentacompequenasreformas.
OgolpedeEstadodemodousualécontraumgovernanteeseu
mododegovernar,aopassoquearevoluçãosefazcontraumsistema
degovernooufeixedeinstituições;contraaclassedominanteesua
liderança;contraumprincípiodeorganizaçãopolíticaesocialenão
contraumhomemapenas.
OutrostraçosqueajudamadistinguirogolpedeEstadoda
revolução:aquele—escreveGiuseppeLoVerde—éobradepessoas
queemgeraljáparticipamdogovernooudoordenamentoexistentedo
Estado,aopassoqueestaéiniciativadepessoasquenãotêmounão
devemteressaparticipação;narevoluçãoviaja-separaodesconhecido,
paraumaaventuradeidéiascombatismonumasériedemotins,
desordensedistúrbiosmarcadospelaespontaneidadedaação
revolucionária;nogolpedeEstadoosfinssãopreestabelecidose
buscadoscomrigor,disciplinaeobstinação;narevolução,deinício,a
responsabilidadesediluinumaliderançacoletivaeanônimaesóno
decursooudesfechodoprocessorevolucionárioéqueemergeolíder
definitivo,feitofreqüentementepelarevoluçãomesma;nogolpede
Estado,aocontrário,olíderjáexiste,aresponsabilidadeseconcentra
todasobresuacabeça,edesuasaptidõeseenergiadependeráemlarga
parteodestinodomovimento;emsuma,umlíderapenaspoderádar
umgolpedeEstado,masnenhumhomemsozinho,pormaisforteque
seja,serásuficientementepoderosoparafazerumarevolução,semo
concursodasmassas.OsgolpesdeEstadoemgeralsãodeíndole
autocrática,reacionáriaeditatorial;jáasrevoluçõesresultamdeum
colóquiocomasmultidõesesãodenaturezafundamentalmente
democrática.
Ogolpeéaprevalênciadointeresseegoísticodeumgrupooua
satisfaçãodeumasedepessoaldepoder,arevolução,oatendimento
dosanseioscoletivos,movendo-sedeconformidadecomnovos
princípioseidéias;arevoluçãoéalegitimidade,ogolpeéausurpaçãoe
comotodasasusurpaçõesconcomitantementeilegaleilegítimo.
Asrevoluçõesquasesempresepropagamportodaanaçãoe
representamumlevantedevastíssimasproporções;jáogolpese
circunscrevegeograficamente,atingindoapenasospontosurbanos
vitais,quandonãoseconcentraunicamentenascapitais,nocoração
políticodopaís,ondeOgovernotemasededetodososórgãos
essenciaisdaadministraçãoedopoder.
1.Amostrarecentedessequadrodevacilaçõesepolêmicas,ondeselêdemodoclaroa
superstiçãoaquiapontada,ocorrenaposiçãodosquesustentamoucombatemo
movimentode1964nestePaís.Osautoresdamudançafalamemrevolução,seu
opositoresemgolpedeEstado;osprimeirosfixamno31demarçoadata
comemorativadofeitorevolucionário;ossegundoscontestamaqueladatae
maliciosamenteatransferempara1°deabril;aliconotaçãootimista,aquialusão
pejorativadeinconformismo,emambososcasosporémhádisputaredobradaao
redordeumnomeprestigioso:arevolução.
2.L.VonWiese,“DieProblematikeinerSoziologiederRevolution”,in:DasWesender
Revólution,p.7.
3.L.VonWiese,ibidem,p.7.
4.R.Heberle,HauptproblemederPolitischenSoziologie,p.275.
5.KarlGriewank,DerneuzeitlicheRevolutionsbergriff—EntstehungundEntwicklung,
p.81eAlfredVonMartin,OrdnungundFreiheit,p.158.Veja-seigualmenteRudolf
Heberle,ob.cit.,p.275.
6.R.Heberle,ob.cit.,pp.275-276.
7.GeorgePettee,“Revolution—TypologyandProcess”,inFriedrich,CarlJ.,
Revolution,VIII,p.29.
8.Ortega&Gasset,“Elocasodelasrevoluciones”(ApéndicesdeElTemadeNuestro
Tiempo)12ªed.,pp.127-161.
9.GeorgePettee,“Revolution—TypologyandProcess”,in:Revolution,p.27.
10.R.Heberle,ob.cit.,p.276.
11.R.Heberle,ibidem,p.277.
12.L.VonWiese,“Schlusswort”,in:DasWesenderRevolution,p.52.
13.Lassalle,UeberVerfassungswesenI,p.491.
14.L.vonWiese,DieProblematikeinerSoziologiederRevolution,pp.7-8.
15.PaulSchrecker,“RevolutionasaprobleminthephilosophyofHistory”,in:
Revolution,pp.37-38.
16.L.vonWiese,ob.cit.,p.21.
17.Montesquieu,Del’EspiritdesLois,XXVIII,p.39.
18.CarlJ.Friedrich,“Anintroductorynoteonrevolution”,in:Revolution,p.7.
19.Contraessepontodevista,Ledereré,aliás,umdosmelhoressociólogosda
revolução.Afirmaele:“Nãosepodeexplicarumarevoluçãoporerroseinconvenientes,
acrescentandologoquenenhumgoverno,pormaisjustoepontualqueseja,poderá
transporosfundamentossociaiscondicionantesdesuaposiçãodeforça.Daqui
resulta,emdeterminadascircunstâncias,umaposiçãosemprehostilaosnovos
princípiosqueseguidamentevãoemergindo.E.Lederer,EinigeGedankenzur
SoziologiederRevolution.
20.Dopontodevistadomarxismo,arevoluçãopolíticaseprecipitaquandoalutade
classesatingeníveisinsuportáveisesedesenrola“rápidaeapaixonadamente”,com
umasucessãodepartidosserevesandonopoderatéqueanação,empresençadesses
violentosabalos,vêconsumar-se“em5anosoqueemcircunstânciasnormaislevaria
umséculo”(KarlMarx,RevolutionundKontrerevolution,p.41).
21.R.Heberle,ob.cit.,p.283.
22.A.deTocqueville,L’AncienRégimeetlaRevolution,2ªed.,pp.10-11.
23.Th.Geiger,“Revolution”,in:AlfredVierkandt,HandwoerterbuchderSoziologie,p.
513.24.R.Heberle,ob.cit.,p.291.
25.Notermidoraalmarevolucionáriadopovoseentorpece,comainiciativa
transferidaparaogovernorevolucionáriojáinstalado.Notermidor,observaDecouflé,
arevoluçãosaidaordemdodia,caracterizando-seessafase“pelaexclusão
permanentedopovodetodaparticipaçãonoprocessorevolucionário,doravante
partilhadopelossobreviventesdosgrandesterroresepelosdirigentesdesencantadose
resolutosdasegundageração”.AndréDecouflé,SociologiedesRevolutions,p.111.
26.Th.Geiger,ob.cit.,p.513.
27.R.Heberle,ob.cit.,p.286.
28.Th.Geiger,obcit.,p.512;CarlJ.Friedrich,ob.cit.,p.4.
29.L.M.Hartmann,“ZurSoziologiederRevolution”,inWiese,DasWesender
Revolution,ob.cit.,pp.25-26.
30.L.M.Hartmann,ibidem,p.31.
31.L.M.Hartmann,ibidem,p.31.
32.AndréDecouflé,ob.cit.,p.115.
33.AndréDecouflé,ibidem,pp.115-121.
34.R.vonJehring,DerZweckimRecht,4ªed.,v.1.
35.A.Decouflé,ob.cit.,pp.13-14.
36.DavidC.Rapoport,“Coupd’État:Theviewofthemenfiringpistols”,in:Friedrich,
Revolucion,p.74.
37.HansNawiasky,AllgemeineStaatslehre,2/II,p.41.
27
OSGRUPOSDEPRESSÃOEATECNOCRACIA
1.Conceitoeimportânciadosgruposdepressão—2.Osgruposde
pressãoeospartidospolíticos—3.Modalidadesdosgruposesua
organização—4.ATécnicadeaçãoecombatedosgruposde
pressão—5.Ainstitucionalizaçãodosgruposdepressão—6.O
aspectonegativo—7.Oaspectopositivo—8.Corretivosàação
dosgrupos—9.Natecnocracia,aterceiraameaça?
1.Conceitoeimportânciadosgruposdepressão
OséculoXXconhecesociedades,grupos,classesepartidoscomo
substratodavidapolíticaemsubstituiçãodosantigosmitosdocidadão
soberanoedavontadegeral,tãousuaisnaabstratateoriadoEstado
quenosveiodaherançaliberal.Sãomitosquesósobrevivemna
linguagemjurídicadasConstituiçõesedospublicistas;demodoalgum
encontramhojeconfirmaçãonosfatos.
Ademocraciasocialnãoexprimeavontadedohomem
empiricamenteinsulado,masreferidosempreaumaagregação
humana,acujosinteressessevinculou.Essesinteresses,parcialmente
coletivoseembuscaderepresentação,servem-senademocracia
pluralistadoOcidentededoiscanaisparachegarematéaoEstado:os
partidospolíticoseosgruposdepressão.
Osgruposdepressão,segundoJ.H.Kaiser,sãoorganizaçõesda
esferaintermediáriaentreoindivíduoeoEstado,nasquaisum
interesseseincorporouesetornoupoliticamenterelevante.Ousão
gruposqueprocuramfazercomqueasdecisõesdospoderespúblicos
sejamconformescomosinteresseseasidéiasdeumadeterminada
categoriasocial.1
SanchezAgestaeM.AndréMathiotquasecoincidemnaspalavras
comquecaracterizamosgruposdepressão.Escreveoprimeiroem
1967:“Osgruposdepressãonãosãooutracoisasenãoasforças
sociais,profissionais,econômicaseespirituaisdeumanação,enquanto
aparecemorganizadaseativas”.2Quinzeanosantesdocatedráticoda
UniversidadedeMadrid,jáopublicistafrancêsM.AndréMathiot
afirmaratambém:“Eles(osgruposdepressão)nãosãooutracoisa
senãoasforçassociais,econômicaseespirituaisdanação,organizadas
eatuantes”.3
Aconteceporémqueambosseequivocamdandoumconceitoque
antesseaplicaaoschamadosgruposdeinteressesenão
especificamenteaosgruposdepressão,quealiásderivamdaqueles.Os
gruposdeinteressespodemexistirorganizadoseativossemcontudo
exerceremapressãopolítica.Sãopotencialmentegruposdepressãoe
constituemogênerodoqualosgruposvêmaseraespécie.Ogrupode
pressãosedefineemverdadepeloexercíciodeinfluênciasobreopoder
políticoparaobtençãoeventualdeumadeterminadamedidadegoverno
quelhefavoreçaosinteresses.
AancianidadedosgruposdepressãoéproclamadaporBurdeau
quenãotrepidaemafirmarquesempreexistiramesempre
pressionaramosgovernos,comadiferençadequeontemeram
exterioresaopoder,“parasitas”ou“clientes”e“hojesãoopróprio
poder”ou“omodonaturaldeexpressãodavontadedopovoreal”.De
último,“osgruposnãoexploramopoder,masoexercem”,são“poderes
defato”.4Tocanteàexistênciaanteriordegruposdepressão,
duvidamosdaimportânciaqueBurdeaulhesatribuiuporquantoa
nossoverasformaçõesprofissionaisoudeinteressessósepolitizaram
comoadventodaindustrialização,comanovasociedadeindustrial,
quandosefizerammaiscopiososesobretudomaisconscientesdoteor
reivindicatórioedaposiçãoquetinhamdeassumirempresençadeum
Estadoconfessadamenteintervencionista.
Osautoresmaismodernosfalamem“descoberta”dosgruposde
pressãoenasuaascensão,antevendoodeclínioeamortedospartidos
políticos.Munrohácercademeioséculojáosbatizarade“governo
invisível”.Trumanentendequesãoelesos“verdadeiros”sujeitosda
açãopolítica.Outrospublicistas,exprimindoasmesmasapreensões,
vêemnosgruposaimagemde“EstadosdentrodoEstado”ouchegam
aopontodeasseverar,conformeressaltaKrueger,queoEstadoeseus
órgãosjásucumbiramaoassaltodessasformações.
Aliás,aCiênciaPolíticaamericanafoiaquemaiscedodespertou
parareconheceremtodaaplenitudeaimportânciadosgrupose
assentarnoseuestudoosfundamentosdaqueladisciplinarenovada.
Comefeito,quemprimeiroabriuosolhosàvisãodanovarealidadefoio
escritorpolíticonorte-americanoA.F.Bentley,seguidovinteanos
depoisporE.P.Herring,ambosautoresdeobraspioneiras.5
Hojeaimportânciadosgrupostomoutaldimensãoquenãoviu
nenhumexageroemafirmarquesãopartedaConstituiçãovivaouda
Constituiçãomaterialtantoquantoospartidospolíticoseindependente
detodainstitucionalizaçãooureconhecimentoformalnostextos
jurídicos.
Friedmannacercou-sebastantedaverdadeaoponderarqueo
“governomediantegruposprivadoséhojeumfatoirreversível”.6A
opressãodoEstadotodavianemporissosefezmenor.Aohomem
sozinho,colhidonaredeimplacáveldosgrupos,poucoselhedáquea
coaçãovenhadoEstadoindividualmenteoudoEstadomanobradopelo
grupo;elavirásempre“decima”eaperdade“independência”do
Estadoemfacedogruponãoofarásentir-semaislivrenemmenos
oprimido.Odesconfortopsicológicotalvezsejaatémaisintenso,nesta
derradeirahipótese,porquantolhefaltaocontrolequesempreresulta
dailusãodeumEstadoimpessoalmenteregidopelossuperiores
ditamesdobemcomum.
Contemporaneamente,éenormeoacervodeestudose
investigaçõesemonografiasacercadosgruposdepressão,estudados
emtodasassuasmodalidadesetécnicasdeação.Aanálisedosgrupos
abrangeporigualainfluênciaquepodemexercersobreasorganizações
partidáriaseocorpodecidadãosduranteaseleições,bemcomosobre
osramosdopoderestatal—executivo,legislativoejudiciário—cujas
decisõestrazemcomfreqüênciaamarcadessaparticipaçãoinvisível.
HávinteanoseraumtemaquasevirgemnaCiênciaPolíticaede
escassabibliografia.Umabrilhantecientistabrasileiraobservouque
aindaem1950umvolumedaUNESCOconsagradoaostemas
contemporâneosdaqueladisciplinacontinhaapenasumartigosobrea
matériaeassimmesmocircunscritoaosEstadosUnidos.7
Aocomeçodadécadade60,porém,jáDuvergerescreviaquea
evoluçãodaFrançaedetodasasnaçõesocidentaissecaracterizava
pelodesenvolvimentodosgruposdepressão.Vinhamestescomefeito
ofuscarosistemapartidárioeomovimentosindical,conduzidosao
segundoplano,“desatualizados”oureduzidosjáasimplesfachadasque
meramenteimpediamavisãodolocalondeasverdadeirasforças
políticas—osgruposdepressão—travavamdemaneiracompetitivaa
batalhadas“decisões”políticasegovernavamdefatoospaísesmais
expostosàaçãodetaisforças.
2.Osgruposdepressãoeospartidospolíticos
Tantoospartidospolíticoscomoosgruposdepressãotêmde
comumanotacaracterísticadeconstituíremcategoriasinterpostas
entreocidadãoeoEstado,servindodelaçodeuniãoeponteoucanal
entreambos.Opartidopolíticodomesmomodoqueogrupodepressão
conduzinteressesdeseusmembrosatéasregiõesdopoderaondevão
embuscadeumadecisãopolíticafavorável.Sãoinstrumentos
representativosamboseosmaismodernosqueentramnoquadroda
democraciasocialdenossoséculo.Foramemlargapartedesconhecidos
oucombatidospelasantigasinstituiçõesdoEstadoliberal.
Noentanto,ressaltamlogoasdiferençasentreumpartidopolítico
eumgrupodepressão.Vejamosospossíveistraçosdedistinção,
assinaladosjáporautoresqueseocuparamdamatériaemtrabalhos
especializados:a)opartidoprocuraconquistaropodereseusobjetivos
políticossãopermanentesaopassoqueogrupodepressão,conforme
ressaltouDuverger,8atuaapenastransitoriamentesobreopodercom
umainterferênciapolíticaqueseexaurenaadoçãodaleioudamedida
dopoderpúblicopleiteada,paraatendimentodeuminteresseou
pretensão;ali,tomadadopoder,aqui,merainfluênciasobreopoder;b)
nopartidoaperspectivapolíticaéglobal,implicaumaconcepçãototal,
segundoSanchezAgestaeVedei,aopassoquenogrupoessa
perspectivaoufunçãoéunicamenteparcial;c)opartido,depreferência,
estariavolvidoparaointeressegeral,osgruposparainteresses
particularesdeseusmembrosnemsemprecoincidentescomaquele;d)
opartidopelasuanaturezamesmaseapresentaaptoageneralizaros
particularismosaopassoqueosgrupospelasuaíndoletendemaimpor
uminteresseparticularouapotencializaraunilateralidadedeuma
representaçãodeinteresses(Krueger);opartido,segundoWoessner,
constitui“aformadeorganizaçãonoâmbitodoEstado”,aopassoqueo
grupo(Verband),aformadeorganizaçãonocamposocial,sendoque“o
partidorepresentaopovo,istoé,oscidadãosnoEstado”,enquanto“o
gruporepresentaasociedadenosseusinteressesdiferenciados”;9f)os
partidostêmumaresponsabilidadepolíticadefinidaenormalmenteum
programaexpostoàpublicidade,aocontráriodosgruposdepressão
queexerceminfluênciapolíticasemacorrespondenteresponsabilidade
ecompropósitosnemsempreclarosàsvistasdaopiniãopública;eg)
enfim,segundoKrueger,éderessaltarqueospartidosconstituemum
temadaTeoriadoEstadoaopassoqueosgru-posdepressãoentram
aliunicamentequandoporsuaaçãoespecíficalogramumasignificação
positivaounegativaparaacoletividade.10
Tocanteaesseúltimotraçodedistinçãodiscordamosdo
constitucionalistaalemão,porquantonaCiênciaPolíticanorte-
americanaosgruposdepressãojáconstituemtalvezoeixodetodaa
investigaçãodarealidadepolíticavistaforadasilusõesaquea
perspectivameramenteinstitucionaltemconduzidooreconhecimento
dosfatoresqueformamemverdadeadecisãopolítica.
Seessessãoosaspectosmaisimportantesquepermitem
distinguirasduascategorias—opartidopolíticoeogrupodepressão
—nadaimpedequenoprocessopolíticoasduasformaçõesapareçam
nãorarounidasoucomoémaishabitualosgruposdepressãoestejam
enxertadosnocorpodospartidos.Suaatividadeintroduznaordem
constitucionalumelementonovodepoder,quenãoseachanostextos,
esemoqualosistemapartidáriopelomenosficariaininteligível.
SãonoEstadocontemporâneooqueasfacçõesforamemépocas
maisoumenosrecentes:poderosascondensaçõesdeinteresses
particulareseegoísticos,emporfiacomointeressesgeral.
Dasfacçõessedistinguemprincipalmentepelaespontaneidade
comquesurgemesedesfazem,àmedidaquevencemasquestões
propostasouadiantamosinteressesemcausa,emborahajaexemplos
váriosnosentidocontrário,ouseja,degruposdepressãoquetendem
cadavezmaisainstitucionalizar-seàsombradoEstado,emcompetição
comopoderoficial,navegandoemáguasprofundas,quasesempre
submersoseinvisíveis.
Pedeenfimocotejoentrepartidospolíticosegruposdepressão
quesereproduzaaexcelenteobservaçãofeitaporHerbertKrueger,
quandochamouaatençãoparaofatodequenãocontravémaessência
dosgruposdepressãopertenceromesmocidadãoadistintosgrupos,
numaplu-rifiliaçãoincompatível,aliás,comaíndoledospartidos
políticos,cujosfinsreclamamfidelidadeedisciplinaeobediência.11
DadoscolhidosporA.Pottermostramquea“ImperialChemical
IndustriesLtd”—auniãodascompanhiasquímicasinglesas—seacha
vinculadaanadamenosde80associaçõesougrupos!12
3.Modalidadesdosgruposesuaorganização
Nãoresultafácilestabelecerumatipologiadosgruposdepressão.
Dificilmenteseenquadramnumaclassificaçãorígida.Algunsautores
dãopreferênciaàidentificaçãodosgrupossegundoaordemdos
interessesqueesposam,demodoquedistinguembasicamenteaqueles
queseocupamapenasdevantagensmateriaiseosqueseconsagrama
propugnarfinsmenosegoísticosemaisaltruístas,deâmbitomoralou
decunhoideológico.
Osprimeirossãovirtualmenteasorganizaçõespatronaise
obreiras,asentidadesrurais,bemcomoasassociaçõesprofissionais
daschamadasclassesliberais(associaçõesmédicas,ordemdos
advogados,clubesdeengenharia,etc);jáossegundosabrangem
organizaçõesfilantrópicasaparentementedesinteressadas,aparde
associaçõesbastantepolitizadasoucomelevadadosagemideológica,
funcionandoexterioresaospartidospolíticosounãorarovinculadosa
estes.Formam-setambémdentroouforadosparlamentos,servindode
linhaauxiliaràsagremiaçõespartidárias,dasquaispodemconstituir
todaviaemdeterminadoscasosverdadeirasdissidências.
Masnemtodosentendemqueessereconhecimentodosgrupos
segundoanaturezadosinteressesrepresentadossejaomaisidôneoe
preciso,procurandoentãovaler-sedeoutroscritérios,entreosquais,o
datécnicadeação,dosmétodosempregadospelosgrupospara
alcançarosresultadosaquesepropõemedaíentãoobteruma
classificaçãomenosimpugnável.
Demáximaimportânciaparaofelizêxitodeumgrupodepressão
ésemdúvidaoprincípiodeorganizaçãosobreoqualrepousa.O
poderiodeumgruposemedequerpelograudeeficiênciaeorganização
comqueempregaosseusinstrumentosdeação,querpelaqualidadee
quantidadedeseusmembros.AssinalaKruegerqueacapacidade
combativadogruposerátantomaisaltaquantomaisperfeitasesólidas
asbasesdesuaorganização.Tantoqueacrescentaaqueleautor—um
pequenogrupodegrandesempresáriospodedispordemuitomais
poderdoqueumaassociaçãodemassascompostadehomensfracose
irresolutos.13Masnemsempreéfácilcongregarnumafrenteúnicade
pressãoumcertonúmerodepotentadosoudeassociaçõesindustriais
emvirtudedadificuldadedecomposiçãodosinteressesrepresentados,
quasesemprecontraditórios.Nestasúltimas—asassociações
industriais—conformeevidenciouvonderGablentz14onúmerode
membroséreduzido,formamanatadopoderioeconômico,masnão
rarosuaaçãosobreopoderseenfraquecemutuamentepela
impossibilidade
de
harmonizar
interesses
ou
de
manter
a
homogeneidadedogrupoparaexercerumapressãoeficazedecisiva
(unssãoprodutores,afirmaoautor,outrosfabricantes;estes,
importadores,aqueles,exportadores).
Aimportânciadacúpulaqueencabeçaogrupodepressão
assomacomnitidezquandosetratadeorganizaçõesdemassas
(sindicatosoperários),vistoquenessasentidades,conformepondera
aquelepublicista,osinteresses,aocontráriodoquesepassacomas
organizaçõespatronais,sereduzemcommaisfacilidadeaum
denominadorcomum.Aquantidadepede,emnomedaeficáciada
pressão,disciplinaeliderança.Semtaisrequisitososgrupos
numerosossãoosmaisvulneráveis,expostosacaíremsubitamentena
impotênciaefrustração.
Osinteressesorganizados,nãoimportasuanatureza,se
apresentamportantocomoosmaisaptosaexercerempressãovitoriosa.
Váriasautoridadesemmatériadegruposdepressão(D.Truman,C.K.
Allen,Fain-sod,W.W.Rostow,KaisereKrueger),assinalamaextrema
importânciadequeserevesteograudeorganização,mostrandocomo
interessesvastoserelevantes—osdamassadeconsumidorespor
exemplo—têmsempreesbarradonaimpotência,àmínguade
representaçãoadequada.
Funcionando
à
semelhança
de
verdadeiras
empresas
especializadas,osgruposdepressãonosEstadosUnidosse
cristalizaramemorganizaçõesestáveis:oschamadoslobbies,autênticos
escritóriosinstaladoscomtodoorigortécnicoecomsuaatividadejá
regulamentadaemlei.
Osgruposdepressãonãorepresentamporémtodososinteresses,
nemocupamtampoucotodasasfaixasdasociedadequedemandam
representação.Doisescritorespolíticosamericanos,atentandopara
essefato,lembravamobomhumordoPresidenteTrumanque
jocosamenteseproclamavalobbyistdetodoopovo,porquantoeste,
marginalizadoemseusmaiscarosinteressespelosgruposdepressão,
estavasozinhoenãodispunhadenenhumlobby.15
4.Atécnicadeaçãoecombatedosgruposdepressão
Osgruposquerema“decisãofavorável”enãotrepidamem
empregarosmeiosmaisvariadosparaalcançaressefim.Aperfeiçoaram
umatécnicadeaçãoquecompreendedesdeasimplespersuasãoatéa
corrupçãoe,senecessário,aintimidação.Otrabalhodosgrupostanto
sefazdemaneiradiretaeostensivacomoindiretaeoculta.Apressão
delesrecaiprincipalmentesobreaopiniãopública,ospartidos,os
órgãoslegislativos,ogovernoeaimprensa.
Aopiniãopúblicaé“preparada”eseforocaso“criada”paradar
respaldodelegitimidadeàpretensãodogrupo,queesperavaver
facilitadasuatarefaeporessaviaindireta(apoiodaopinião)lograro
deferimentodosfavoresimpetradosjuntodospoderesoficiais
competentes.
Dobraraopiniãoeemcasosmaisagudosdarnopúblicouma
lavagemcerebralseconseguemedianteoempregodosinstrumentosde
comunicaçãodemassas.Ogrupomobilizarádio,imprensaetelevisãoe
pormeiosdeclaradosousutisexteriorizaapropagandadeseus
objetivos,querpelapublicidaderemunerada,querpelaobtençãoda
condescendênciaesimpatiadosquedominamaquelesmeios.Produzido
oclimadeapoio,aogruposelhedeparaaautoridadepúblicajá
favoravelmentepredispostaaosseusinteresses.
Apressãosobreospartidosvisadepreferênciaaosparlamentares
demodoindividual.Olobbyistouagenteparlamentardogrupoprocura
convencerodeputadodasboasrazõesdeumprojetodelei,oferece-lhe
fartomaterialdemonstrativodequesetratadematériadesuperior
interessepúblico,ministra-lheosargumentosparaodebateoua
justificaçãodevotoetornaclarasasimplicaçõesqueaposiçãoporele
adotadapoderáternofuturodesuacarreiraparlamentar.
Seessesrecursosporémfalhameorepresentantenãosemostra
dócilàtécnicadepersuasãodogrupo,poderáesteempregarmeios
extremosquevãodosubornoàintimidação.Umacampanhade
incompatibilizaçãododeputadocomsuasbaseseleitoraiséarmade
queosgrupossevalememalgunspaísescontraparlamentares
recalcitrantes.Chegamautilizarmeiosdecorrupção,ameaçandoassim
acarreirapolíticadodeputadoquenãotemnuncasegurasua
reconduçãoaopostoeletivo.Expostocomocandidatoaumapressão
porvezesirresistível,acabaelecapitulandoparagarantiraprópria
sobrevivênciapolítica.
Masondeosistemapartidárioéforteeospartidosdispõemde
umatécnicadecontrolesobreoprocedimentodeseusdeputados(haja
vistaomandatoimperativopartidárioinstituídopelaEmendan.1à
Constituiçãode1967),orepresentanteencontraráumescudode
proteçãoeabrigocontraaaçãodaquelesgrupos,poissabequenuma
opçãoentreopartidoeogrupo,seficasse,comesteúltimo,
transgredindodiretrizespartidárias,perderiaomandato.Éclaro
todaviaqueovalorpráticodessagarantiaélimitadoerelativo,
dependendonãosódascircunstânciascomodoambientepolíticode
umpaís.
Quandoosgrupossevolvempropriamenteparaospartidos,a
técnicadedominaçãoconsisteemproporcionarfinanciamentocopioso
às
campanhas
eleitorais.
No
parlamentarismo
com
sistema
multipartidário,ondeumpequenopartidopodedecidirdasortede
ministérioemocasiõesdecrise,osgruposdepressãotêmaíoterreno
idealparasuamanobras.
Quantoaopoderlegislativo,osmétodosdepressãoseexercem
sobreeletalvezcommaisfacilidade,sobretudonascomissões
parlamentares.Comefeitosãoascomissõesórgãosporexcelênciaque
têmmerecidoapreferênciadosgrupos.Alipodemelesconcentrartodo
opesodesuainfluênciasobredeputadosemnúmerobastante
reduzido,poisascomissõessempresãopouconumerosasecoma
vantagemdequeafunçãodaquelesdeputadosconstituiachavedo
processolegislativo.Asortedasleis,ondeoparlamentoaindalegisla,se
decidemenosnoplenáriodoquenascomissõestécnicasdecada
câmara.
Quandoosgruposacometemogovernopodemfazê-loemalguns
casosabertamente.Acontestaçãoemtalhipóteseseservede
manifestaçõesdemassasquevariamdagrevecomdistúrbiose
violênciasapasseatasdeprotesto,desfilenasruas,obstruçãoe
paralisaçãodotráfego,fechamentodecasascomerciais,formasde
boicote,etc.
Tocanteàimprensa,osgruposdepressãooudispõemjáde
poderosasorganizaçõesjornalísticasouinfluenciamosmeiosde
comunicaçãodemassasatravésdapublicidade.Apressãomais
refinadaéaquelaquesefazmediantenotaseeditoriais,queopúblico
supõeinspiradasnointeressedacoletividade.Formaopúblicoportanto
suaopiniãosegundoaquelapautasutilmenteimpostapelogrupo.Este
acabaextraindoenfimdopoderexecutivoumadecisãoacomodadana
aparênciaaointeressegeralesematritoscomaopiniãopúblicajá
domesticada.
5.Ainstitucionalizaçãodosgruposdepressão
Comosgruposdepressãoacontecealgosemelhanteaoquese
passoucomospartidospolíticos:objetodedesconfiançageraltantodos
juristascomodosestadistasquerelutamaindaemadmitiranova
realidadeoureconhecerapresençairreversíveldessasformações.
Descurá-lasequivaleaumfingimentofarisaico.Seriaanticientíficaa
posiçãodopublicistaouconstitucionalistaqueseaferrasseaum
preconceitocômododeignorânciaindolente.Maiscedooumaistardeos
fatossereproduzirãoealegislaçãoordináriaouodireitoconstitucional
abriráasportastambémàinstitucionalizaçãodosgrupos,descobrindo
ummeiodealojá-losnoorganismopolíticolegalmentedisciplinado.
Ospartidosconheceramnadoutrinaosseusinimigoscapitais,
atémesmoentreosquemaisseidentificavamcomoprincípio
democráticocomoGeorgeWashington.Deigualforma,osgrupos
intermediários,nosquaisumpensadordotomodeRousseau,abalizado
teoristadademocraciamoderna,viaumacontradiçãomortalcomo
princípiodavontadegeral,queumavezexcluídaarruinariatoda
concepçãodemocráticadepoder.Asociologiaeaciênciapolíticaporém
jásecapacitaramdaextremaimportânciadaquelasagregações,onde
comefeitocorreonervocentraldetodoosistemapolíticoda
democraciapluralistadoOcidente.
Umsópaísintroduziuemsuasleisanovamatéria,dandoo
primeiropassonosentidodeinstitucionalizarosgruposdepressão.
Comefeito,em1946,o“FederalRegulationofLobbyingAct”,aprovado
peloCongressodosEstadosUnidos,disciplinoupelavezprimeiraa
atividadedosgruposdepressãoquedesdemuitoatuavamjuntodo
poderlegislativo,debaixodasseguintesdenominações:lobby,ouseja,o
grupoorganizado(apalavrasignificaliteralmente“antecâmara”,
“corredor”,evocandoolocaldacasalegislativaondeosagentesdos
gruposdepressãobuscavamdepreferênciaestabelecercontatoou
audiênciacomoscongressistas),lobbying,ométododeaçãoqueeles
empregamelobbyistenaspessoasqueseentregamaessegênerode
atuaçãopolítica.Aleireconheceulegítimootrabalhodosgruposde
interessesedomesmopassotrouxeumasériededisposições
restritivas,obrigandotodososlobbyistenaseregistraremnaCâmara
dosRepresentantesenaSecretariadoSenado,arevelaremaorigem
dassomasempregadasnoexercíciodeinfluência,bemcomoadar
contadapublicidadedospropósitosdogrupoedasquantiasgastas
comaadvocacialegislativanoCongresso.
Todasastentativasantecedentesdelegislaracercadolobbyoude
reprimi-losnostribunaishaviaesbarradonaPrimeiraEmendaà
Constituição,quegarantiaaliberdadedepalavraeodireitodepetição.
Noentanto,foramdecepcionantesosfrutoscolhidospelalei,que
produziumaisumefeitopublicitáriodoquepropriamenteumresultado
eficazdeembargoàaçãodosgrupos.
Emprimeirolugar,aleitidapormuitoscomovagaeabstratafôra
pessimamenteredigidaeaseguirseuspropósitosnãoficaramtãobem
definidosquantoseesperavaomitindo-seemimporqualquerrestrição
deordemgeralaoexercíciodasatividadesdolobby.Suapreocupação
maiorpareciaserameraidentificaçãopúblicadaspessoasvotadasao
lobbyingeoregistrocontábildasdespesasempregadasnolobby.A
contestaçãocomeçoucedocomosgruposalegandocomosemprea
inconstitucionalidadedaleique,segundoeles,feriadireitosdaPrimeira
Emenda.Buscavamevasivasdeinterpretaçãoafimdefrustrar-lheos
efeitos.
Em1954,aSupremaCortenocasoUSv.Harriss,reconheceu
porémaconstitucionalidadedalei.Emdecorrênciadoatodo
Congresso,milharesdepessoasecentenasdegruposseinscreveram
respectivamentecomolobbystenecomolobbiesnosregistroscriados
pelaleide1946.
EstimaFinerem40onúmerodegruposcomrepresentaçãoou
escritóriosemWashington,masafirmaqueapenasaquintaparte
desseslobbiessefazdignadeaudiênciaerespeitoporser
autenticamenterepresentativadeinteressesdominantes.16Informa
LêdaBoechatRodriguesque“dadatadaLeiaté1957registraram-se
4.806lobbyisten”.17
Olobbyamericanofuncionacomoumescritórioperfeitamente
aparelhado,comequipestécnicasaltamenteselecionadas,umcorpode
pesquisadoresespecializadosemcondiçõesdeofereceraimediata
informação,quepermitaesclarecereorientarorepresentante,objetode
pressãoparlamentarpelogrupo.
DeclaraFinerqueoníveldecompetênciadolobbyistèexcelentee
emmédiaultrapassaodocongressistaaquemprestainformação.O
quadrodeagentesdeumgrupopodeabrangerdesdeoex-congressista
(estepelaleiemvigordepoisdeumcertotempodeafastamentoda
funçãolegislativa)aoadvogadoejornalistadentreosmaisinfluentesna
capitalenopaís.
Detalformaogrupodepressãofoiprimeiramenteumfenômeno
políticoamericanoquetodarazãoteveHutchinsquandoescreveuque
osEstadosUnidossão“opaísdogrupodepressão,ecomotalcuidado
bem-estardaquelesqueestãosuficientementeorganizadosparafazera
pressão”.18
Ocupando-sedosgruposdepressãonaquelepaís,Bernsdorf,
apóstomá-lossegundoaacepçãolatadegruposdeinteresses,mostra
queexistemnosEstadosUnidos1.500associaçõesempresariais
atuandonaesferafederal,4.000câmarasdecomércio,70.0000
entidadessindicaise100.000associaçõesfemininas.19
NaAlemanhaOcidental,segundoomesmoautor,asassociações
deinteressesseelevama3.600eaforçadosgrupossemede
quantitativamentenessecotejo:menosde5%doeleitoradoseacham
filiadosapartidospolíticosaopassoque39%daspessoasque
trabalhamestãoorganizadasemgruposdeinteresses.20
Odestinodasinstituiçõesdemocráticaspareceestardemodo
indissolúvelvinculadoàsorganizaçõesdeinteressequeformamo
grandemosaicodopluralismopolíticoesocialdosEstadosocidentais.
Otratamentocientíficoeracionaldosgrupos,suainstitucionalização
inevitávelpoderáocasionarnovasformasdeequilíbrio,quepreservem
todaviaosfundamentosdemocráticosdosistemaeretiremtodoopeso
depessimismoquerecaiteoricamentesobreaaçãodessesgrupos,
personificaçãodaunilateralidadedeinteressescontraaprevalênciado
interessegeraledavontadepopular.
AleieaConstituiçãohãodechegartambémaosgruposde
pressãocomoempassadorecentíssimochegaramaospartidospolíticos
econtinuamachegaremoutrospaíses,ondesefezpatenteopropósito
deinstitucionalizá-los.
6.OaspectonegativoProduziu-seaoredordosgruposumaatmosferadedesconfiança
esuspeitaquevênessesorganismosintermediáriospermanente
ameaçaaoEstado,aogoverno,àdemocracia,àordemrepresentativa.
Foiessepelomenosoaspectodominantenasprimeiras
contribuiçõesquealiteraturapolíticaofereceusobreotema,
focalizandonasconclusõesoladoaltamentenegativodosgruposde
pressão.Suapresençapatológicaseriaindíciojádegravesperturbações
naexistênciadascoletividadespolíticas.Acríticadecombatetomou
posiçõesextremasetransformouogrupodepressãonumaespéciede
fantasmacujasapariçõesso-bressaltavamademocracia,impedindo-lhe
onormalfuncionamento.
Vejamostodaasériedosargumentosqueproliferaramparafazer
dogrupoaimagemsombriaquenãofoidetodoretificadaemseus
ângulosmaisinjustosecontinuaaindapredominantenostrabalhos
usualmenteapresentadossobreoassunto.FalaVedeldeummoralismo
farisaicodecombateaogrupodepressão.Essemoralismonão
desapareceu.
Antesdemaisnada,recaisobreogrupoaacusaçãodesacrificar
sempreointeressegeral.Masnuncaseapresentacomclarezaoque
sejaesseinteressegeral,envolvidoordinariamentenumalinguagem
vaga,obscura,abstrataenãoraropedanteedoutrinária,quepoucoou
nadasignifica.
Depoisdelevaraodescréditoaquelesgrupospelodespudorcom
queequiparamtodasortedeinteresseaochamadobemcomum,a
críticaacusaogrupodepressãodepatrocinarprivilégiosedeempregar
aintimidação,osubornoeacorrupçãoemtodassuaspossíveis
variantes.
Diz-seademaisqueogrupodepressãonãofaztriunfararazãoe
obomsenso,porémointeressedosmaisfortes,apoiadosnopoderdo
dinheiro,daorganizaçãoeeventualmentedonúmero.
Afirma-sedomesmopassoqueogrupoexerceumaação
contumazdemistificaçãodaopinião,servindo-seprincipalmentedos
instrumentosdecomunicaçãodemassasmediantepropagandadirigida
queentorpeceopúblicoeparalisa-lheacapacidadederesistênciae
discernimento.
Háquementendaqueatémesmolargaseprestigiosas
associaçõesdeinteressespodemaparecerexpostasàaçãodeumgrupo
depressãoformadonacúpulaedetodoopontodistanciadodasmais
legítimasaspiraçõesdaorganização,cujoprincípiorepresentativo
usurpou,desviando-oemseuempregoparafinseobjetivosque
estariamemdesacordocomoverdadeirosentirdosassociados.21A
cúpuladirigenteseapropriarianessecasoda“políticadogrupo”de
conformidadecoma“leidebronze”dasoligarquias,enunciadapor
Michels.
DizKrueger,cientistapolíticoalemão,queosgrupos,atuando
desembaraçada
e
soberanamente
na
estrutura
do
Estado
contemporâneo,acabarãopor“dissolverademocraciarepresentativa”e
substituí-lapor“umsistemadegruposfederados”.Reputa-osassim
incompatíveiscomoprincípiodemocrático,escrevendo:“UmEstado
nãopodeassentar-sesobregrupos,poisasomadosgruposnão
correspondeaoconjuntodoscidadãosnemàtotalidadedeseus
interesses:talEstadoseriasempreumaoligarquia,emcujotopo
apareceriaminevitavelmenteaquelesinteressesquedispusessemde
maisforçaparaprevalecer”.22
Acoligaçãodegrupospoderiaresultarnumagrupocracia,de
conseqüênciasfataisparaumEstadofundadonainspiraçãodo
sentimentodemocrático.Acompetiçãodosgrupos,poroutraparte,
segundoacríticadecontestação,nãoseriavantajosanemafastariaos
víciosinerentesàpresençadaquelasagregaçõesdepressão,vistoque
doconfrontosairiatriunfantenãoomelhorinteresse,nemomais
legítimooumaisrazoável,senãooquechegasseprimeiro,dispusessede
maisforçaeatuassecomímpetomaisagressivo.Crêemquantosassim
pensamqueapresençadegruposextramamenteatuantesnuma
sociedadeconstituiriajáfortesintomadecriseouinsuficiênciado
sufrágio,dospartidosedosmecanismosconstitucionais,comsobejas
provasdequeademocraciaestariaàsvésperasdocolapsoedamorte.
Comefeito,relatórioseinvestigaçõesdasautoridadesfederais
americanasem1913foramprovocadassegundoFinerdepoisquecertos
“escândalos
desgostaram
e
alarmaram
o
público”.23
Vários
congressistasíntegrosnosEstadosUnidostiveramsuareeleição
impedidaexclusivamentepelotrabalhodegruposdepressão,segundo
alegamospublicistasempenhadosemmostrartodaaseqüênciade
vícioseinconvenientesquerodeiamaexistênciadosgrupos.
Enfim,tem-seafirmadoqueogrupodepressãonãosódebilitaas
instituiçõesrepresentativascomopodesignificarporsuapresença
mesmaumvotodedesconfiançanaordemrepresentativaexistente.
7.OaspectopositivoNãoobstanteasdurascríticasquetêmsidofeitasaosgruposde
pressão,nenhumargumentopôdesatisfatoriamentedemonstrara
ilegitimidadedoprincípioqueconduznasociedadeàapariçãodesses
grupos,asaber,àrepresentaçãodeinteresses,levadaacaboondeas
formastradicionaisdosistemarepresentativoapareceminadequadas
ouinsuficientesparaexprimirasnovaseparticularizadasformasde
comunicaçãocomopoder,queelesestabelecemàsuamaneira.
Debaixodesseaspectoosgrupossaíramilesosepoupadosde
todasasinvestigaçõesquesefizeramnosEstadosUnidos,“opaísdos
gruposdepressão”,ondeuminquéritoem1913concluíajápelo
reconhecimentodasatividadesdolobby,tidascomolícitas,desdeque
nãoincidissemnaesferadeabusoscondenáveis.
Deúltimo,tem-seobservadodapartedealgunsestudiososuma
posiçãomaisindulgenteecompreensivaqueemboraanotandotodosos
malesacarretadospelaaçãodosgruposnãocerraasvistasa
determinadosaspectospositivos,visíveisnaparticipaçãopolíticadessas
formaçõesintermediárias.
Comefeito,alega-seemfavordosgruposacomplexidadeda
tarefagovernativa.Sendoporextremodelicadanãoseachariaao
alcancedetodososcidadãos,justificandoassimseorganizassemeles
emgruposdestinadosamelhorconhecerepleitearasmedidasoficiais
deatendimentodeseusinteresses.Nãosepoderiaportantoimpugnaro
fimlegítimoqueosgruposbuscamnumademocraciapluralista.
Hátambémosqueasseveramquenemsempreosgruposatuam
demáféquandodeclaramestaràdisposiçãodogovernoparaoferecer-
lheumconselhosensatoouumcabedaldeexperiência.Ainformação
oriundadegruposaltamentecompetentespodeconstituirvalioso
subsídioàelaboraçãolegislativaouàtomadadeumadecisão
administrativa,naqualemverdadenãoseriamrarasasvezesemque
ocorreriacoincidênciaouidentificaçãodointeressegeralcomos
interessesabertamentepropugnadospelogrupo.
Há
diversos
autores
norte-americanos,
segundo
assinala
Duverger,inclinadosavernoEstadoocamponormaldecompetição
dosgruposrivais,tantopúblicoscomoprivados.Demodoquejánão
cabeadotarempresençadosorganismosdepressãoaquelaatitudede
adolescenteperplexotãohabitualnosprimeirospublicistasquese
ocuparamdoassuntoaoestalaresseimensoescândalo:a“descoberta”
dosgruposesuainfiltraçãonascúpulasdopoder.
Nãofaltamdeúltimocientistaspolíticosquejáenxergamnos
gruposafunçãolouvável,dopontodevistadasociedadecapitalista,de
“despolitizar”oconflitodeclasses,reduzindo-oaummeroconflitode
interesses.Demaneiraquenopropósitomesmodeconservaçãoda
ordemcapitalistanãocumprereprimirosgruposnemeliminá-los,mas
tão-somentedisciplinar-lhetantoquantopossívelaação,afimde
minorarosaspectosnegativosporventuraassumidosperanteaopinião
pública.Outros,longedechegaratéesseponto,nãohesitamtodavia
emassinalaraimportânciadafunçãoinformativadosgrupos,abrindo
paraopúblicoodebateemtornodequestõescujosdadosmanipulam
comfamiliaridade.Sãotrazidosàluz,portodososângulospossíveis,
semprequeosgru-posseachamemlutaeaposiçãodeumé
combatidaporoutro,informaçõesquedeixamaopiniãopúblicabem
inteiradaacercadequestõescujasparticularidadeslheeram
desconhecidas.
Demaisestariamsendoúteisàcoletividadedandovazãoa
sentimentoseaspirações,queemconseqüênciatomamumcurso
normaldeafluxoàsesferassuperioresdadecisãopolítica.Foradessa
alternativa,osmovimentosdeinteressespoderiamcorrersocialmente
noleitodasviolências,sujeitando-seaumarepressãoquasesempre
penosaedesaconselhável.
Todapolíticadecontençãodosgrupos,quelhevenhainterditar
porcompletoaação,constituisegundocertoscríticos,graveameaçaao
equilíbriosobreoqualassentaumasociedadedemocrática,pluralistae
difen-renciada.Nãohesitampoisessescientistaspolíticosem
proclamarosgrupos“canaisnecessáriosdecomunicaçãoauma
sociedadecomplexa”.24Nãohaveriaporconseguintemaisalternativa
senãoesta:intentaraeliminaçãodosgrupos—oqueseriaimperdoável
miopia—oudisciplinar-lheaatividadeatravésdainstitucionalização,
fórmuladecertomaisrazoáveleúnicacompatívelcomasobrevivência
dopluralismo.ÉestesemdúvidaocaminhoprocuradopelosEstados
democráticos,quesepoupamaumasoluçãototalitária.
NoBrasilmesmo,vozesdeapoioseergueramemsustentaçãoda
legitimidadedosgruposdepressão.Hajavistaoteordadeclaraçãodo
professoreadvogadoNehemiasGueirosaorelatarotemadaadvocacia
legislativa,propostopelaPrimeiraConferênciaNacionaldaOrdemdos
AdvogadosdoBrasil,em1958(“AAdvocaciaeoPoderLegislativo.
AssessoriaaParlamentareseàsComissõesdoCongresso.Lobbying”).
Gueirosafirmouentãocomaaprovaçãodoplenárioqueolobbyingera
“umaatividadecorretaecorregedora,espéciedehigienedalei”.25
8.Corretivosàaçãodosgrupos
Partindodopressupostodeque“seosgruposdepressão
apresentamperigos,tambémprestamserviços”(Meynaud),faz-semister
atentaremprimeirolugarnoscorretivosàaçãonegativadessas
organizações,semcontudopretendersuprimi-lascomoqueremalguns
observadoresingênuosevidentementeafastadosdetodaconsideração
realista,queéaprimeiradasvirtudesdeumbomcientistasocial.
Dafórmulasuperficialdasupressão,quesufocariaosistema
plura-lisacujaextinçãosetemjáporiminentenaatividadedesenfreada
dosgrupos,deve-seantespassaraoexamedecorretivosdestinadosa
cortar-lheainfluênciaperniciosa,ondeelesseapresentammais
rebeldesemacatarosinteressessociaisouabalamcomsuaação
indisciplinadaeegoísticaosfundamentosdaordemdemocrática,
forçandoaexclusãodoscidadãosedascorrentespartidáriasdeuma
legítimaparticipaçãopolítica,quesedevepreservaratodocusto.
Comefeito,ummeiodeatenuar-seapressãodosgrupossociais
naquiloqueelesostentamdemaiscontrárioaoprincípiodemocrático
denossoséculoésemdúvidaofortalecimentodosistemapartidário,
mediantedeterminadasmedidaslegaisqueredundemsobretudono
reforçodadisciplinapartidária.
Essas
medidas
são
um
tanto
inócuas
nos
países
subdesenvolvidosondeogrupodepressãodesenvolveumaaçãomais
dramáticanaqualtransparecetodaaagudezadalutadeclasses.A
presençadegruposextremamenteatuantesacabanarápida
implantaçãodaditadurasocialdogrupomaisforte,comrespaldo
militarcomoéocasodoPeru.Aliásnessepaísoprópriopodermilitar,
comogrupodepressãotriunfante,destruiuasinstituiçõesliberais,
oferecendoummodelonovoemnomedasupostapromoçãodo
desenvolvimentonacional.
Quandosetememvistacorrigirosexcessosdosgruposde
pressão,oraciocínioválidoparaumasociedadedesenvolvidapode
todaviaconfigurar-seinaplicávelaumpaísdeelevadosníveisdeatraso
econômicoesocial.Masemcircunstânciasnormais,omelhorremédioé
aprimorar
as
instituições
livres,
estabelecidas
na
base
do
consentimentoedaparticipaçãoeleitoral,medianteumasevera
fiscalizaçãodaatividadedosgrupos,porpartedogoverno,porquanto,
conformeponderoujudiciosamenteopublicistaMeynaud,“sóo
executivo,apoiadonaadministração,seachaaptoaimporlimitações
inspiradaspelointeressegeral”.26
OEstadodeveporigualmanterumavigilânciarigorosanas
épocasdecampanhaseleitorais,emordemaasseguraralisurados
pleitoseolivreempregodetodasastribunasdecomunicaçãocomo
povo,desdeapraçadoscomíciosaoscanaisdetelevisão,ondasde
rádioeprelosdejornais.Aliberdadeparaoexercíciodacríticaéo
melhorinstrumentodedesmistificaçãodopúblicoondequerqueelese
possatornarpresafácildosgruposdepressãoesuapropaganda
orientada.
Aimprevidênciafataltocanteaosgruposconsistiriadapartedo
Estadonasimplesindiferençaaoproblema,naignorânciafingidada
novarealidade,cujoaparecimentoveioapenaspatentearainsuficiência
dosquadrosrepresentativosaqueestamoshabitualmentevinculados
desdeoséculoXVIIIcomrelaçãoaossistemaspolíticosdoocidente.
NosEstadosUnidos,oslobbiesreconhecidosporleieexercendo
atividaderegularseconverteramnumaespéciede“terceiracasa”do
poderlegislativo,conformetemsidoobservadoporinumeráveis
publicistas.Desdequeaaçãodosgrupostambémrecaisobreo
executivo,tomaramalitodaaaparênciadeumamodalidadede
“governoauxiliar”,segundoaexpressãodeFiner,eaexemplotalvezdo
queocorrejánaInglaterracomaOposição,ondeestadesempenha
tarefadegovernoemrecessocomseu“gabineteinvisível”sempre
prestesaservireampararasinstituições.
Noutrospaíses,principalmentenosdaEuropa,tornou-secorrente
orecursoaoutrafórmulaquetemconsistidoemestabelecerconselhos
consultivos,ondeosdistintosinteressessedefrontam,coma
participaçãodoEstado,fazendo-osobjetodeuma“arbitragem”ou
conciliação.
Todosessescorretivosalimentamopropósitoderacionalizare
conteraaçãodosgrupos,evitandopressõesexorbitantese
ameaçadorasdoequilíbriopolíticoesocial,daquelasquepõemem
perigoademocraciaeseusfundamentos.
9.Natecnocracia,aterceiraameaça?
Arecapitulaçãopessimistadetudoquantosepassouna
democraciaocidentalcomospartidospolíticoseosgruposdepressão
podesuscitarjustasapreensõesrelativasàsortequeaindaaguardaa
democraciadenossoséculo.
Malserefazeladeumperigo,potencialmentereprimido,ejáse
achaabraçoscomoutrodesignificaçãonãomenosgrave.Efetivamente,
emprimeirolugar,lutouemvãocontraospartidosantesdeadmitir-lhe
aexistêncianecessáriaeirreversível.Foidemocracialiberalantesdeser
democraciapartidária.
Depoisporémqueospartidosseincorporaramàexistência
ordináriadasinstituiçõesdemocráticas,tomandonosquadrosdo
sistemaumadimensãojurídicanormal,eisqueademocraciasurge
perseguidaporforçasconsideradasdeiníciorepugnantestambémà
suaíndole:osgruposdepressão.Quandoestes,apóstantas
relutânciasecontrovérsias,seaproximamjádeumreconhecimento
pelospoderesformaisdoEstadodemocrático,despontanohorizonte
políticoasombradeumanovaameaça:acastafechadíssimados
tecnocratas.
EmtodooséculoXXaevoluçãonãotemsidooutrasenãoesta:o
estreitamentogradualdaspossibilidadesdeparticipaçãoefetivadopovo
noprocessodecisório.Osufrágiouniversaldera-lheaalentadorailusão
dogoverno.Comessaformadesufrágiovieramporémospartidos
políticosearrebataramaocidadãoumaparteconsideráveldaquela
soberaniaeleitoraldequeeleconcretamentesejulgavatitular.
Asegundacriseousegundaameaçasepassoucomoadventodos
gruposdepressão,cujapresençafezmaisapertadoogargalopolíticoda
participação,debilitandoospartidosoualienando-osemgraubastante
alto,
de
modo
que
em
alguns
sistemas
onde
os
grupos
desenfreadamentemilitam,arealidadepartidária,dopontodevistada
eficáciapolítica,poucorepresentaousignifica.
EafinaladistânciadocidadãoaoEstadosealargoudemaneira
estonteantecomaformaçãodoclubetecnocrático,quefechouainda
maisocírculojáestreitodaintervençãodemocráticaelevantou
questõesdeagudaatualidaderelativasàsobrevivênciadademocracia,
ondeopovosesentefrustradoeausentedoprocessodecisório,feitoem
seunomemassemasuarealparticipação.27
Atecnicidadedadecisãonasociedadeindustrialabalouaordem
democráticanosseusmoldeshabituais,demandandonovasformasde
equilíbrio.
Comrespeitoàssociedadessubdesenvolvidasasexigênciasde
tecnicidadesefazemtantomaisimperiosasquantomaiselevadaa
complexidadedosproblemaseconômicosesociaisdasáreasdo
subdesenvolvimento.Aapreensãoprontaeseguradessesproblemas
escapaaliàclassepolíticaemgeral,aospartidoseaocorpoeleitoral.
Adecisãocomescolhadeopçõesfundamentaissetransferiuem
largapartedosgovernantestradicionaisparaocírculomenorerestrito
detécnicos,cujaparticipaçãoprivilegiadaacabamonopolizandoo
processodecisóriodomesmopassoquelhesconfereotítuloadequado
detecnocratas.
Atemáticadaplanificaçãoeconômicaeeducacional,achamada
políticanuclear,asrelaçõesexteriores,asegurançanacional,osistema
tributário,ocombateàinflação,avalorizaçãoeadesvalorizaçãoda
moedaconstituemproblemascapitaisdoEstadonasegundametade
desteséculo,exigindodacúpulagovernanteumapreparaçãopréviae
rigorosa,paraaqualnãoseachamqualificadososparlamentos
tradicionaisnemtampoucoaptososexecutivosherdadosàsociedadede
nossotempopeloEstadoliberal.Daquiacriserecentíssimaque
resultounaformaçãodanovaelitedostecnocracia.Suaintervenção
silenciosaouostensivaserásempreperturbadoradoprincípio
democrático,quepareceimpelidoaumretrocessoinsuportáveleaos
olhosdemuitosjáirremediável.Atecnocraciadescambanomonopólio
dadecisãopolíticasonegadaaopovoeseusrepresentantes.Namelhor
dashipóteseslheconcedetão-somenteapossibilidadedeuma
participaçãoplebiscitária,ilustrativadonovocesarismo—otecnológico
—quepolitizouasociedadeenoqualelaseprecipitavertiginosamente,
governadapelos“novospríncipes”dovocabuláriopolíticodeDebré.
Aterceiraameaçaexiste,pois.Empartejádesatualizouosgrupos
depressão,concentrandohojeasatençõesmaisurgentesdoscientistas
políticos.Trouxeumadimensãoinéditadosperigosqueademocracia
enfrenta.
Otecnocrataseidentificaemseucomportamentoporumacerta
insensibilidadeaosaspectosmaishumanosdaquestãosocial.Fica-se
comaimpressãodequeoseuraciocínioseencarceraemfórmulas
matemáticaseomundoqueviveestámortoparaosseuscálculos.A
economiapuraeabstrataéoreinoondetraçaesquemasfriosde
planificação,quenãorarovãodespedaçar-seaoencontrodarealidade
irônicaondeasreaçõessociaisnãosãotomadasnadevidacontaeem
conseqüênciaacabamporoferecerumquadrodevingançaespelhado
emfracassosretumbantes.
Otecnocratasenãoéinimigoprofessodasociologiaou
menospre-zadorcontumazdasidéiaspolíticasqueopovoalimenta(vá
láquesejamestasapenasummito!)étodavianassuasaparições
freqüentes,nasentrevistaserelatórios,umignorantedasverdades
sociaismaisprofundas.
Ocaráterfechadodoclubetecnocrático,onúmerolimitadíssimo
danovaoligarquia,apresunçãoeoautoritarismoqueosrodeia,bem
comoaaparênciadeclandestinidadequesuasdecisõesrevestemparao
público(semprecercadasdemistério!)sãoaspectossuspeitosnosquais
seentre-mostracomtodaaclarezaaameaçaalicontidaaoprincípioda
participaçãodemocrática.
Omaistrágicoparaademocracianapresençaaparentemente
insubstituíveldotecnocrataéemalgunscasos(umareformacambial,
porexemplo)anecessidadeimpostergáveldadecisãosigilosa.Dessa
exigênciaimperativasaifortalecidaacastatecnocrática,queemborase
julgueimprescindível,demodoalguméinfalível.
Osgruposdepressãoquandoatraídosaumafaixacompetitiva
abremàsvezesojogodeseusinteresseseopúblicopodeentão
vislumbrarosprósecontrasnabatalhadeargumentosqueusualmente
setrava,ocorrendoatéhipótesesdeparticipaçãoativaenãoraro
decisivadaopiniãopúblicaacercadointeresseunilateralqueirá
prevalecer.
Comoregimetecnocráticoporémtalnãoacontece.Atecnocracia
podeseroúltimograunadeterioraçãodoprópriosistemadegrupose
significarapenasoalojamentopermanentedogruponoprópriopoder,
ondeseusinteressesdominantesaparecemservidosporespecialistas
convertidosemtecnocratas.
Avantagemdatecnocraciaparaosgruposresultariana
possibilidadedeatuaremconfortávelsegredo,instaladosnopoder,
tomandodecisõessemaudiênciadarepresentaçãodemocrática
tradicionaleembasesconfidenciais,foradanecessidadededivulgar
debatesoudeempenhar-senodiálogoabertoqueademocracia
legitimamenteimpõe.Adominaçãotecnocráticapoderáenfimsignificar
emalgunscasosomonopóliodasfaculdadesdecisóriasporumgrupo
depressãovitorioso(partidário,econômico,militar,etc).
Quemsãoostecnocratas?J.MeynaudrepondequenaFrança
sãoaaltaburocracia,osestadosmaioresmilitareseaselites
científicas.
1.Vejam-seessesconceitosemWilhelmBernsdorf,“PressureGroups”,in:Staatund
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2.LuísSanchezAgesta,PrincípiosdeTeoriaPolítica,p.204.
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SciencePolitique,setembro,1952.
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8.M.Duverger,LaVieRépubliqueetleRégimePrésidentiel,p.22.
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10.HerbertKrueger,AllgemeineStaatslehre,2ªed.,p.380.
11H.Krueger,ibidem,p.382.
12.A.Potter,OrganizedGroupsinBritishNationalPolitics,p.17.
13.H.Krueger,ob.cit.,p.382.
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15.Veja-seE.S.CorwineL.W.Koening,ThePresidencyToday,p.64.
16.HermanFiner,TheoryandPracticeofModernGovernment,p.459.
17.LêdaBoechatRodrigues,ob.cit.,p.90.
18.R.M.Hutchins,apudV.A.Mund,GovernmentandBusiness,3ªed.,p.525.
19.W.Bernsdorf,ob.cit.,p.280.
20.W.Bernsdorf,ibidem,p.280.
21.O.H.VonDerGablentz,ob.dl.,p.161.
22.H.Krueger,ob.cit.,p.383.
23.HermanFiner,ob.cit.,p.460.
24.Jean-YvesCalvez,IntroductionalaViePolitique,p.198.
25.LêdaBoechatRodrigues,ob.cit.,p.101.
26.J.Meynaud,LesGroupesdePression,p.103.
27.OconceitodetecnocraciadadoporCalvez,queoreproduziudoDicionárioda
línguafilosóficaéoseguinte:“Condiçãopolíticanaqualopoderefetivopertencea
técnicosdenominadostecnocratas”.Jean-YvesCalvez,DictionnairedelaLangue
Philosophique,p.206.
28
AOPINIÃOPUBLICA
1.Aopiniãopública,umdostemasdemaisdifícilcaracterizaçãona
CiênciaPolítica—2.Doconceitodeopiniãopública—3.Aopinião
públicaesuaapariçãonopensamentopolítico—4.Pensadores
políticoseestadistasproclamamopoderdaopiniãopública—5.O
Estadoliberaleodogmadaopiniãopública—6.OEstado
autoritárioeaopiniãopública—7.Asociedadedemassasea
naturezairracionaldaopiniãopública—8.Possívelrestauraçãodo
prestígiodaopiniãopúblicanoEstadodemocráticodemassas—9.
Aopiniãopúblicaeosmeiosdepropaganda.
1.Aopiniãopública,umdostemasdemaisdifícilcaracterização
naCiênciaPolítica
Aopiniãopública,comotemadaCiênciaPolítica,remontaao
séculoXVIII,quandosefezobjetodereflexõesqueavincularamà
existênciadoEstadoe,emparticular,dedeterminadosistemapolítico
naorganizaçãodasociedademoderna:oEstadoliberal-burguês.
A“despolitização”daopiniãopúblicanoséculoXXpelapsicologia
esociologiaabaloualegitimidadequeesseprincípioconferiraauma
específicaformadedemocracia(ademocraciadeclassedoterceiro
estado,asaber,daburguesia),semlograrcontudoretirá-lodocentro
daCiênciaPolítica,ondeseuestudosefazaindacomamesmapaixãoe
interessedaépocadospublicistasliberais.Agora,noentanto,aconexão
políticaocorrecomademocraciademassaseasformastotalitáriasdo
novoEstadoLeviathan(odoséculoXX).
Antesporémdetraçarmosoitinerárioteóricodaopiniãopública
noEstadomoderno,corre-nosaobrigaçãodelembrarquesociólogose
cientistaspolíticosdenossotempoaindavacilamquantoàprecisa
significaçãodotermo.
Umacélebremesa-redondadepublicistasdelínguainglesa,
reunidaháalgunsanos,veio,depoisdepenososdebates,ase
dispersas,tendoprimeiroosseusmembrossustentadoasseguintes
posiçõescuriosamentediscrepantes:nãoexisteaquiloquedemaneira
usualsedenominaopiniãopública;podeaopiniãopúblicaexistir,mas
éimpossíveldefini-la;definida,hão-devariarasdefiniçõesconsoanteos
autores.1DaquitalvezodesalentodeH.L.Childquandoescreveuque
“anaturezadaopiniãopúblicanãoéalgoparaserdefinido,senãopara
serestudado”.2
Rodeadadeambigüidade,aexpressãomesma“pública”
etimologicamentevemdepovoehistoricamentenascenoDireito
Romano(statusreipublicae),segundoassinalaJuanBeneyto.3
Algunsautoresafirmamaexistênciadediferentestiposde
“público”,outrosentendemque“pública”éaopiniãodopovoouda
comunidade,eesta,emextensão,tantopodeabrangerumacidade
comoumaprovíncia,umEstadocomoumcontinente.4
Naliteraturapolítica,écomumdeparar-se-noscomaopinião
públicaapresentadaoracomoaopiniãodeumaclasse,oradetodaa
nação(opiniãodetodos),orasimplesmentedamaioriadominanteou
aindadasclassesinstruídas,emcontrastecomasmassasanalfabetas.
EntendeJellinekqueaopiniãopúblicapodeserconcebidade
formaunitáriaouapenascomoresultantedecertoconflitodeopiniões
decamadassociaisdistintas,hipóteseemqueouhá-derepousarnum
compromissoouexprimiramanifestaçãodogrupomaispoderoso.5
UmdosbonsestudiososdaCiênciaPolíticaemnossoséculo,o
professorLaski,asseveraocaráterderaridadedeurnaopiniãopública
geral,surpreendendoaopiniãosemprenumestadoordináriode
fragmentaçãoouseriação.6Como“público”querCarlJ.Friedrichum
grupoativo,real,obstinado,capazdetraduziravontadepopularenão
um“fantasma”,“umdessestermosqueescapamaumadefinição
precisa”(Carroll).
Dizendoqueaopiniãoéparaopúblicocomoaalmaparaocorpo,
Tardepatenteoucomtodaaclarezaonexoqueprendeessesdois
termos.JáPrélotdistinguiratrêsmodalidadesdeopinião:aopinião
pública,aopiniãoestataleaopiniãoprivada.Aopiniãopúblicase
destacaemsuapeculiaridadepolítica,comoopiniãoexteriorizadapor
grupos,noâmbitodopluralismodemocrático,quandoaconfrontamos
comaopiniãoprivada,opiniãoapenasdeumindivíduo(portanto
interna,abrigada“nofundodaconsciência”).Tãopoucoseconfundea
opiniãopública,conformeopensamentodaqueleautor,comaopinião
estatal,queviveinstitucionalizadanoEstadoounaclassequeexerceo
monopóliodavontadepolítica.Éporconseguinteaopiniãooficial,
imposta,semaespontaneidadecaracterísticadalegítimaopinião
pública.Opinião,enfim,organizadaequetraduz,aoexprimir-se,a
ideologiadopartidoúnico,instrumentodaditaduratotalitária.
2.Doconceitodeopiniãopública
Têminumeráveisescritorespolíticosmostradoadificuldadede
conceituaraopiniãopública.Nãorestadúvidaqueaposiçãomais
cômodaéadosquesecingemadescrevê-la,furtando-seaadotaruma
definição.HajavistaBauer,autordelivroclássiconavastabibliografia
doassunto.Lê-sesuaobradaprimeiraàúltimapáginaenãoforaesta
ouaqueladefiniçãodeautoresqueeleexaminanahistóriadessetemae
acabaríamosaleiturasemsaberalgoprecisoacercadessaexpressão.
Houve,semembargo,excelentespublicistasque,emnãose
embaraçandocomaquelesóbices,empartejámencionados,deram
definições,cujaclarezanemsempreédelouvar.Dequalquermodo,são
porémúteispontosdepartidaoureferênciaparaumainvestigaçãomais
profundaemetódica.
DefineSchaefflenoséculoXIXaopiniãopúblicacomo“areação
juridicamenteinformedasmassasoudecamadasindividuaisdocorpo
socialcontraaautoridade”.7
Schmoller,commaisagudeza,vislumbranaopiniãopública“a
respostaqueapartemaispassivadasociedadedáaomododeaçãoda
partemaisativa”.8
DeinspiraçãojurídicaéaproposiçãodosociólogoToenniesaover
naopiniãopública“umaformadevontadesocialquepostulaaemissão
denormasdevalidezgeral”.9E,inversamente,defeiçãosociológica,a
definiçãodojuristaalemãoJellinekquandodiz,comadmirável
concisão,quenaopiniãopúblicatemossimplesmente“opontodevista
dasociedadesobreassuntosdenaturezapolíticaesocial”.10
3.Aopiniãopúblicaesuaapariçãonopensamentopolítico
NoséculoXVIII,aopiniãopúblicaentraaconstituirumcapítulo
daCiênciaPolítica.Quemoabre,comaenergiaaforismáticadeseu
pensamento,éRousseau.
Tiverajáprecursoresilustres:Maquiavel,Locke,Montaignee
Pascal.Masnenhumconcederaàopiniãoolugarquelhedetermina
Rousseaunasociedadepolítica,de“leigravadamenosnomármoreou
nobronzedoquenocoraçãodoscidadãos”,nemporoutraparte
empregaraotermocomorigoreacuidadequeseobservanasreflexões
dofilósofodoContratoSocial.
Sendoaquartaleinadivisãodasleispolíticasfundamentais,a
opiniãofaz,segundoRousseau,a“verdadeiraconstituiçãodoEstado”,11
colocadaaoladodoscostumesemaispoderosaqueestes.Opensador,
aoenaltecercostumeseopinião,queixava-sejá,comassombroso
realismoesensoprofético,dequeessasforçasconstituíssemainda
“umapartedesconhecidaaosnossospolíticos”.12
Deve-seàescolafisiocrática,segundoBauer,aprimeira
formulaçãodeumateoriadaopiniãopública.Segundoesseautor,
MercierdelaRivièreexpunhanoséculoXVIIIasurpreendentetesede
queoabsolutismonãoseregiapelotrono,maspelopovo,atravésda
opiniãopública.13Abrira-seassimumafendanosalicercesdarealeza
dedireitodivinoeoabsolutismoiluminista,abraçando-seàmajestade
dopoderpopular,fazia-lheasprimeirasconcessõesdeordem
doutrinária.
Príncipesefidalgostremiampoisdiantedessepodernovo,
impalpável,misterioso:aopiniãopública.Dela,dizia-nosNeckerem
páginasescritasdepoisdaRevoluçãoFrancesa,proveioagrande
revoluçãosocialdoséculo,abalandootrono,solapandoosvalores
espirituaisdatradição,minandoopoderdaautoridade.Revolução
enfimcoroadadoprestígioinvisívelqueaselitesilustradaseinstruídas,
intervindo,subversivamente,pelavezprimeiranacenapolíticado
Ocidente,lheconferiram.
A“politização”daopiniãopúblicaéfatonotórioeNecker,
estadista,foioprimeirotalvezareconhecê-la.Háduzentosanos,
quandoosEstadosGeraissereunirampeladerradeiravezantesda
Revolução,ine-xistiaessaautoridadenova,segundooministrodeLuís
XVI.
MasostemposmudarameomesmoNecker,jánaantevésperada
GrandeRevoluçãopodiaobservar,comoassinalaBaumert,que“os
Cortesãoseministrospreferiamcorreroriscodedesgostarosoberanoa
comprometersuaposiçãonossalões,queeramoslugaresondese
desenrolavaafunçãomaisimportantenoprocessodeformaçãoda
opiniãopública”.14
DepoisdeRousseaueNeckerascontribuiçõesaoestudoda
opiniãopúblicaserenovamcomostrabalhosquepartemdaAlemanha
ederramamaluzdaciênciasobreesseapaixonantetema.Wieland
discuteaessênciadaopiniãopública,Bluntschli,nasobservaçõespara
odicionáriopolítico(oStaatswoerterbuch),revela-seoprimeirocientista
daopiniãopública,aopassoqueKarlvonGersdorffeFranzvon
Holtzendorfffazemjusaotítulodeprecursoresmodernosda
investigaçãosociológicadaquelamatériaeHegel,acimadetodoseles,
dedica-lhealgumasvaliosíssi-masreflexõesdesuaFilosofiadoDireito.
Acolaboraçãoalemãaesserespeitotrazainda,maispropínqua
aonossotempo,osprimorososestudosdeToennieseBauer,anulando,
assim,anossover,aafirmativainfundadaepessimistadeF.Lenz,
segundoaqualapesquisaeateoriadaopiniãopúblicapoucose
desenvolveramnaAlemanha,emvirtude—diziaessesociólogo—da
“costumeirafragilidadedaopiniãopúblicaalemãempresençado
aparelhoestatal”.15
NaInglaterraeEstadosUnidos,aobradeDicey,LordeBryce,
LowelleWalterLipmanelevaoestudodaopiniãopúblicaaomaisalto
nívelcientífico,omesmosepodendodizerdaexcelentemonografia
francesadeStoetzel,omelhortrabalhosobreopiniãopúblicaquejá
saiudosprelosdaFrança.
4.Pensadorespolíticoseestadistasproclamamopoderda
opiniãopública
Sendoaopiniãopúblicaamaiseficazformadepresençaindireta
docorposocialnaformaçãodavontadepolítica,nãoédeadmirarque
suaexcepcionalforçahajasidojáproclamadaereconhecidapor
governantes,filósofosecientistaspolíticos,doséculoXVIIIaosnossos
dias.
QuandoMarxsejactavade“nuncahaverfeitoconcessõesaos
preconceitosdachamadaopiniãopública”,16oqueele,emverdade,
emitiaeraumjuízodevalorsobreossentimentosdeumaopiniãode
classe—queMarxaliásrepulsava—asaber,adaburguesialiberalde
suaépoca,ejamaisodesconhecimentodessepodernovoquese
levantarasobreoOcidente,fazendorevoluçõesedobrandoàsua
majestadeotronodosreis,aindaquefosse,comoeraentão,
simplesmente,opoderdaclassemédiamaisilustradaeemparticular
daburguesiatriunfante.
Compreendendocomfinaargúciaepercepçãodarealidade
histórica,queaopiniãopúblicanemsempreseriaaexpressãodeuma
vontadeburguesa,alargandooconceitodamesmaatétomá-laporforça
homogêneaeindistintamenterepresentativadetodaasociedade,
quandoestajánãoserepartisseemclasses,Bakunin,oanarquista,
veioareconhecernaopiniãopúblicaomaiorpodersocial,“oúnicoque
podemosrespeitar”,superioraoEstado,àIgreja,aocódigopenal,a
carcereiroseverdugos.17
EstariaBakuninenganadoacercadanaturezadaopiniãopública
tantoquantooutrosseenganaramcomoconceitoburguêsdaliberdade
políticanoséculoXVIII?Porventuraosidealistasdasociedadelivree
iguali-táriaquedeclamavampoemasàliberdade,nãoderamà
metafísicadoliberalismoumcréditodeconfiançadoutrináriaque
somenteaserôdiaeamargadesilusãodefinsdoséculopassadoveio
abalar,eistounicamentequandoamisériasocialeasprerrogativasdo
sufrágioprivilegiadoqueaburguesiaintroduziranocorpodesua
legislaçãopolítica,jánãopodiampermanecerrebuçadosaosolhosde
umacríticaatentaefiscalizadora?NãoestariapoisarazãocomMarx,
queapenasnãopuderapreverqueamanhãaopiniãopúblicapoderia
novamenteser“criada”contraouafavordedeterminadasituação
social?Nãoesteveeleassimmaispróximodaverdadesobreaopinião
pública,desprezando-a,doqueBakunin,louvando-a?
Tornemosporémàquelalinhadepensamento,daqualfoiMarx
exceção.Dospensadoresdoséculopassadoquerenderamcultoà
opiniãopública,destaca-seHegelquandoassinalouque“emtodosos
temposelaforaumgrandepoder,nomeadamenteemnossaépoca”.18
Domesmofilósofo:“Aopiniãopúblicacontémemsiosprincípios
substanciaiseternosdajustiça,overdadeiroconteúdoeoresultadode
todaaconstituição,dalegislaçãoedavidacoletivaemgeral,etc”.19
Temessatradiçãodelouvoràopiniãopúblicacercadetrezentos
anos.RemontaaPascal,quandoeste,aotempodeLuísXIV,
proclamavaaopiniãopública“rainhadomundo”.20Descartes,no
DiálogodosMortos,deD’Alembert,aparececitadocomoautordafrase
“aopiniãogovernaomundo”.21
NoséculoXVIII,Necker,ofinancistapopulareministroda
decadênciadoancienrégimechegavaaoaugedoservilismoperantea
opiniãopública,escrevendoqueelaera“maisforteeilustradadoquea
lei”,instituindoaopoderumacensuraemnomedo“interessegeral”.22
Desseescritorjásedissetambémquecadapáginadesuavasta
obraé,abertaouimplicitamente,umvotodelouvoràopiniãopública.23
Continuaopensamentopolíticofrancêsexprimindoaindano
séculoXIXigualreverênciaàopiniãopública.DeComtetemosa
afirmativasegundoaqualnaopiniãopúblicareside“aúnicagarantia
danormalidade”.Napoleãoporsuavezconvémemqueaopinião
públicaé“umpoderquecriaoumataossoberanos”,eaoinstituira
censuraàimprensafoieledosprimeirosasecapacitaremdopapel
políticoqueessaforçaestavafadadaadesempenhar.24
Idênticoapreçotributa-lheAlainaoponderarquesomentedois
poderesgovernamomundo:aforçaeaopinião,eaestaúltimase
curvamospoderesmaisarrogantescomoachamaaovento.25
Aopinião,segundoapalavrapontifícia,étambémum“econa
consciênciadasociedade”.OVaticano,conformereferePerezBeneyto,
viunaausênciadeopiniãopúblicaumadoençasocial,cuja
conseqüênciamaisdeplorávelnosúltimostemposteriasidoaGrande
Guerra.26
Comefeito,semopiniãopública,dizopublicistapeninsular,
citandomaisautores,abre-seumabrechaentreahierarquiaeopovo,
comosgovernantespulandonumacordabambaeconduzidosnãoraro
atomaratitudesdesupremairreflexão.27
Sendoaopiniãopúblicaumpoderimpalpável,massempre
presente,comparou-aBryceaoéter,quepassaatravésdetodasas
coisas.ChegapoisaconstituirnoEstadomodernonumaespéciede
Constituiçãoviva,umaConstituiçãoemestadoinorgânico.Ounodizer
deAlfredSauvytransforma-senaquela“forçaquenenhuma
Constituiçãoprevê”.
AfirmaomesmoSauvyqueaopiniãopública“constituioforo
íntimodeumanação”,um“árbitro”,uma“consciência”,um
“tribunal”.28
Houvetambémquemtomasseaopiniãopúblicapeloseuaspecto
negativo.RobertPeel,porexemplo,aencaravacomdesconfiança,
pessimismo,desgosto,dizendo,porvoltade1820,queelasecompunha
de“leviandade,tibieza,preconceitos,erros,obstinaçãoetópicosde
imprensa”,enquantoRanke,umpontíficiedoEstadoautoritárioe
conservador,seescandalizavacomobaixovalorintelectualdaopinião
pública,exprimindopoisomesmodesprezodeBismarckque,embora
reconhecessenareferidaopiniãoumpoderquasesoberano,lhefaziano
entantoseverosdescontos.29
5.Oestadoliberaleodogmadaopiniãopública
AdoutrinadoEstadoliberalproduziuváriosdogmas.Umdesses
foiodaopiniãopública,oqual,apoiadonaconfiançadasociedade
burguesatraduziuaqueleestadogeraldeotimismoeesperançanas
faculdadesdarazãolibertadora.
Avoxpopulivoxdei,adágiodemanifestoteormístico,comquese
afirmacoroadaaopiniãopública,eratão-somenteoverbode
comunicaçãodasociedadeliberalcomasclassesquearigornãofaziam
aopinião,mastinhamodeverdeaceitá-la,passivamente.
Comefeito,aopiniãopública,conceitoprestigiadoporuma
profundaconvicçãosocialnaidadedoliberalismo,era,paradoxalmente,
comotantosoutrosconceitosdoEstadoliberal,umapanágiodeclasse.
Opiniãodaclasseinstruídaoueducada,juízodevalorqueapenas
surgecomoadventodaburguesia,aopiniãopública,comobemnotou
HermanHeller,serviriadefreiooudisciplinacontraoseventuais
abusosdaautoridade.Funcionou,pois,qualesteiodaordempolítica
fomentadapelosideaisdeinspiraçãoburguesa.Substituiu,comodisse
aquelemesmopensador,acoaçãodaigrejadaidademédia,consistindo
nissosuamáximautilidade,seuprincipalemprego.30
Instrumentoportantodeumaformaindividualistadeorganização
social,cresceueladeimportânciaeprosperoupoliticamentenaépoca
doEstadoliberal,sendodetalordemseuvalorcomoforçadereação
aosantigospoderesdoabsolutismoqueBluntschli,definindoatese
dialéticadoséculoXIX,demanifestoantagonismoaosmecanismos
estataisedeplenoeúnicoreconhecimentodaliberdadenosdomínios
dasociedade(oconceitodeSociedadecontrapostoaquiaodeEstado,
segundoeradaessênciadoutrináriadoliberalismo),sentenciou,numa
linguagemdecátedra,queaopiniãopúblicasomentemedrariaentre
povoslivres.31
Tantonãoforaessaopiniãoosentimentodetodasascamadas
sociaisquejánoséculoXVIIINecker,cautelosaeavisadamente,
distinguiraentre“opiniãopública”e“opiniãodopovo”,distinçãode
aparênciairrelevanteesutil,masarigor,necessária,verídica,
imprescindível,seatentarmosnumexameprofundoparaoteor
classistaquetevenoséculopassadoavoxpopulivoxdei.
Comaopiniãopública,aburguesiaminouasinstituiçõesfeudais
eseassenhoroudeumaforçasocialirresistível,quenãofaziasomente
acríticadopassado,masserviadoravantedeexcelenteguardaaostatu
quopolíticoesocial,ouseja,aodomínioburguêsdoEstado,àlimitação
daautoridade.
Supunha-seaopinãopúblicarigorosamenteidônea,pelassuas
origensilustradaseseletas,porseraltamenterepresentativadarazão,
porrefletiremprimeirolugarumjuízodequalidadeenãode
quantidade,diferentepoisdaquiloquehojetemosnasociedadede
massasdoséculoXX.
Eaelasecometiaoencargodezelarporumgovernolivree
impessoal,chavedetodaaorganizaçãodopoder.
Dospublicistasdoséculopassado,foiBluntschlioquemaiscedo
identificouaopiniãopúblicacomaclassemédia,atribuindo-lhea
titularidadeexclusivadaopiniãoemanifestandoque“nuncaa
influênciadaclassemédiasobreoEstadopesoutantoquantoagora”.
Esteveessejuristaeescritoresplendidamentecônscioda“politização”
queseoperavacomaopiniãopública,aoafirmarqueestaerauma
forçapública,semseraindaumpoderpúblico.32
Nãocaiuporémnodescompassadoideallíbero-anarquista,de
umasociedadegovernadaexclusivamentepelaopiniãopública,capaz
deprescindirdospoderesconstituídos,dasassembléiaslegislativase
dosmecanismoseleitorais.
Comefeito,traçandoapassagemdaopiniãopúblicadafase
passivaàfaseativa,distinguiuBrycetrêsestádiosnessaevolução:a
vontadeúnicadochefe,alutadeinfluênciaentregovernantese
governadoseaascendênciadosgovernadossobreosgovernantes,e
ousoupreverumquartoestádio,emquedesapareciaogoverno
representativoeademocraciachegariaassimaoseumáximograude
aperfeiçoamento,comaopiniãopúblicaaumtemporeinandoe
governando.33
Naregiãodoutrinária,etão-somenteempontosdedoutrina,fora
daaçãopolítica,liberalismo,anarquismoemarxismonãoraro
acabavam,pelapregaçãodeseusteoristas,desembocandonomesmo
estuário:umasociedadesemEstado,autopiadaautoridadediluídano
consensodeumaopiniãopública,queseriaa“consciênciasocial”,a
vontadegeralviva,destituídadosórgãoshabituaisdegoverno,
doravantesupérfluos.
Conspícuospensadoresliberaisdoséculopassadoabrigavampois
essafémessiânicanaopiniãopública,quesegundoelesdeclaravam,
estavaentãonopoder,depoisestarianogoverno,atéfazerumdiada
ordempolíticaalegítimarepresentaçãodavontadepopular.
6.OEstadoautoritárioeaopiniãopública
Vimosqueasociedadeliberal-burguesadescobriuoconceitode
opiniãopública,irmãogêmeodasoberaniapopular,enumcerto
sentidomaiseficazqueesta,poissendocomotécnicademocráticaa
mesma
coisa,
e
não
estando,
qual
a
soberania
popular,
necessariamentevinculadaaumórgãoderepresentação—apoderes
instituídos,assembléiaslegislativas,etc.—poderiamover-se,dadasua
naturezaintrinsecamenteinorgânicaedifusa,commaisliberdadee
presença,epassaratravésdasinstituiçõescomoumsoproquenteda
vida,quetantoservedeanimá-lascomodedesfalecê-las.
Vimostambémqueaointroduzi-lanacenapolíticacomoum
podertantodedireçãocomodecontrole,34oEstadoliberalproclamara
aracionalidadedaopiniãopública.
Osabsolutistasdetodososmatizesentraramporémnodebate
embuscadeumarevisãocríticadoconceitodeopiniãopública,oqual
nãosendoporelesestimado,eratodaviarespeitado,poisnãopodiam,
aocombatê-lo,deixaraindadereconhecer-lheoelevadograude
influêncianosassuntospúblicos.
Transferiramocampodeexameeinvestigaçãodasalturas
metafísicasparaoplanodasociologiaedapsicologia,e,demonografia
emmonografia,acabaramdemonstrandoqueasuaproveniêncianão
eratãoracionalquantosesupunha.
Asrevelações,detodoimpressionantesesupreendentes,
patentearamoirracionalismodaopinião,ocunhoemotivoque
dominavaasmanifestaçõesdeteorpúblico,mostrando-sequeavozdo
povonemsempreeraavozdeDeus.Buscou-sedomesmopasso
patentearqueaqueleconceitodoracionalismoedailustraçãoforaa
intervençãomaisirracionalqueasociedadevirarecairsobreopoder.
Menosumabênçãopoisdoqueummalasertolhido.
Masessacríticacorrespondeaumaprimeirafase,aquelaemque
oEstadoliberaldominahistoricamenteopoder,tendodesuasmãoso
aparelhogovernativodequasetodaasociedadeocidental.Comoséculo
XX,entra-seporémnasegundafase,variandoatécnicaabsolutista
relativamenteàopinião.Toma-seoutraposição,impostaagorapelos
fatosepelascircunstânciasrecém-criadasnoquadropolítico-social.
Aopiniãopúblicadeixaraporconseguintedepertencerauma
classeprivilegiada:aburguesia.Aclassemédiadebilitada,ao
reconstituir-senospaísesdesenvolvidos,cairiadebaixodainfluência
dasnovastécnicasdecomunicaçãodemassas.Nospaíses
subdesenvolvidosousemidesenvolvidossuainexistênciaouliquidação
subseqüentedesembaraçavaporinteiroocaminhoaoingresssodanova
opiniãopública,comoforçadasmassas.
Nasegunda,cumpriaadotarainovaçãorevolucionáriaetípica
queatemassinaladoduranteoséculoXX:atécnicasurpreendentee
fácilecômodadequedispõemosdetentoresdosmeiosdedifusãopara
“criar”aopiniãopúblicaedirigi-laafinsantecedentemente
estabelecidos.
Os
governos
fortes
na
sociedade
de
massas
fizeram
requintadamente
“científica”
a
manufatura
dessa
drágea
de
irracionalismo,ministradaemdosesmaciças,consoanteimpõemas
necessidadespolíticas.
AopiniãopúblicadasditadurastotalitáriasdoséculoXXchegou
aesseespantosoresultado:transformou-seempoderosíssimalinha
auxiliardarazãodeEstado.Nasociedadedemocrática,aopinião
públicaéporigualsuspeita,poissemembargodopluralismoaí
patente,oselementosdeelaboraçãoetransmissãodejuízosque
formamaopiniãopública,nãoseconcentrandoemumpoderúnico,
comonoEstadototalitário,têmcontudosuasedenasmãosdeuma
minoria,quesãoos“lordes”dopodereconômicoefinanceiro,acujo
controleseachamsujeitosviaderegraosmeiosdepublicidade.
Perdeuaopiniãopúblicaaaparênciade“pessoajurídicade
direitopúblico”,deixoudeserasombradoEstadogovernante,para
algunsoEstadomesmoemsuamaisaltainstânciademocrática,oua
forçaocultaquegarantiaasinstituiçõesdemocráticas,segundoavelha
crençaliberal-burguesa,paraseconverternum“objeto”,numacoisa
algodegradadavalorativamente,rebaixadadeposto,diminuídade
crédito,decaídadeconfiança,desprestigiadadevaloraçãopolítica,até
mesmodesmoralizadanacompetiçãoinstitucional!
Nãodevemoscontudoprosseguirlongenessaanálise,sem
darmoscontadequepublicistasexistem,invocandofortesargumentos
parapatentearnãoterhavidoquebranaforçadaopiniãopública,ante
astransformaçõesoperadas,pois,supostoreputemsuasorigens
moralmenteminadas,nãosubestimamopapelinfluenteedecisivoque
elaaindadesempenhanosatospolíticos.
Atéaínãoháoquecontestar,senãoquandoessesmesmos
publicistasentendemmanter-sedetodopreservadaaindependênciada
opiniãopública.Talnãosedá.Quandomuitoexistemparcelaslivrese
autônomasdeopinião,quenosregimesdiscricionáriosseapresentam
sufocadasouinterditadas,masatuandoaindalatenteepoderosamente
comoforçadecontestaçãoeresistência.Nasgrandesmassaspassivas,
queapropagandadoregimeentorpeceu,vãoossistemasfortesde
ideologiasdesteséculocobrarpontosdelegitimaçãoparaaordem
estabelecida.
Aditadura,depoisdeassenhorear-sedaopiniãopúblicapela
alicia-çãoideológica,dáopassoseguinte,queéodeconservá-la,
instituciona-lizando-aatravésdopartidoúnico.
Masaopiniãopúblicainstitucionalizadasevolve,aoentenderdos
publicistasliberais,numaopiniãofalseadaoudesnaturada.Talvezse
tenhaaí—noatoinstitucionalizador—arazãododesprestígio
contemporâneoquerodeiaaopiniãopública.
Averdadeiraopiniãopúblicaparaalgunsédialética.Noâmagode
umacontradição,elarepresentasempreacontestaçãodealgo,uma
forçademudançaedecrítica,umdesafioaodogma,comodisse
Schmitt,umaimpugnaçãodejuízoscorrentes,umaliberdadesocial
ativaeespontânea,umcomentáriocriador.
Demodoqueoabsolutismo,emsuasvariantesortodoxasde
exteriorização,nãodeixariaespaçolivreàopiniãopública,35sendocom
elaincompatível.
Alémdeque,essaopiniãopública,livreedinâmica,estariapor
suanaturezamesmasuprimidanosgovernosdeopressão.Quando
muito,omedoàsuairrupçãointerditadaconduziriaoabsolutismoa
mover-secommaisprudência,asermaiscauto,amostrar-semais
comedido.Unicamenteporesseânguloédeadmitir-sesejaaopinião
públicaumlimiteaopoderabsoluto.Foradaíseriadetodoininteligível
aafirmaçãodealgunsjuristasefilósofospolíticos,quandodizemquea
opiniãopúblicasubstituiascâmarasnoEstadoautocráticoounele
representaopapeldeumaconstituição.36
Emsuma,aopiniãopública,qualaconceberameconceituaram
osliberais,qualexistiueatuouempassadasépocas,frescasainda
peranteamemóriadenossotempo,sempremereceuocombateeo
desprezodasliderançasautoritárias,porafigurar-se-lhesumobstáculo,
quecumpriaarredarportodososmeiospossíveis.Assimfoinatradição
damonarquiaabsoluta.Assimcontinuasendo,comoobservouPrélot,
natecnocraciadoséculoXX,principalmentenospaísesondeesta
tomouaversãototalitáriacontemporânea.
Masa“outra”,aopiniãodasmassas,écuidadosamentecultivada
ealimentadapelospoderesoficiais,queaimpõematravésdo
proselitismoideológico.Ecomissofazemdeseuapoiouminstrumento
desustentaçãopolítica,omaiseficazpossível,vistoque,consultadas
plebis-citariamente,asmassassancionamoregimecomvotações
transbordanteseruidosas,aumpassojádaunanimidade.Époisa
formadominantementeempregadadeconsagrarereferendarnas
democraciascesarianaoutotalitáriasopoderdohomemforte,do“guia
predestinado”.
7.Asociedadedemassaseanaturezairracionaldaopinião
pública
Astransformaçõeseconômicas,políticasesociaisocorridasem
menosdeumséculoabalaramsobremodoalgunsconceitosdaCiência
Política,sendoodeopiniãopúblicadosmaisafetados.
Filhadoracionalismo,essaidéianovaseapresentapolitizada
desdeoséculoXVIIIeforaumaidéia-forçadadoutrinaliberal.Operou
alaicizaçãodapalavradivinanosassuntospolítico-sociais,mediantea
máximavoxpopulivoxdei.
ComasociedadedemassasdoséculoXXtomaaopiniãopública
noentantoconfiguraçãointeiramentedistinta.
PublicistasdaenvergaduradeBurdeau,semjulgarcorretamente
amudançahavida,seaçodamemsentenciardecadenteopoderda
opiniãopública,confundindoaforçamaterialdaopinião,intataou
aumentada,comaforçamoral,abaladaedesprestigiada.Oabalo
acontecenaocasiãoemqueseprovousobejamenteseucaráter
irracionaleserevelou,desdeostrabalhosdeLipman,aartede“criar”a
opiniãopública,de“manufaturá-la”comoumprodutoqualquerda
técnicaindustrial,ministrando-adepoisàsinstituições,para
encaminhá-lasnesteounaquelesentido,aosabordasrazõesde
Estado,
das
conveniências
públicas,
das
idiossincrasias
dos
governantes.
Aopiniãopública,deixandodeserespontânea(oulivre)e
racional,paraserartificialeirracional,assinalaassimemseucurso
históricoduasdistintasfasesde“politização”intensiva:adoEstado
liberaleadoEstadosocial(democrático-ocidentalouautocrático-
oriental,decunhomarxista;numenoutrosempreoEstadoda
sociedadedemassas).
Noprimeiro,aopiniãopúblicapertenciaàclassemédia,no
segundopertenceàsmassas.Alielasepropunhaasubstituiratéo
Estado;aqui,eladecaiameroinstrumentosubalterno,queoEstado
empregaparacimentarouconcentraropoderdesuasinstituições.
Ontem,noliberalismo,umaopiniãodeaparênciaautônoma;hoje,no
Estadodemassas,umaopiniãosobreaqualrestamrarasilusões
quantoasuaorigemlivreeatuaçãoindependente.
Opessimismoquerodeouoconceitodeopiniãoduranteoséculo
XIXtransitadacríticaabsolutista,militantenaépocadoliberalismo
paraainvestigaçãoidôneadecertospublicistasdemocráticos,quais
Lippman,Lowell,eDeewey,queserendemaoreconhecimentoda
irracionalidadedaopiniãoevêemtemerosossuaintervençãona
sociedadedemassas,intervenção“sobmedida”,“controlada”,nãoraro
destinadaalograrfinscuidadosamenteprogramadospeloEstado.
PoucodepoisdaprimeiraconflagraçãomundialLippmancobria
desarcasmosavelhaopiniãodoliberalismo,destronadapelacrítica
científicaquelheerafeita,epostainteiramenteanu.Asseverouo
insigneperiodistaeescritorpolíticoqueagranderevoluçãodostempos
modernosconsistianaartedecriarconsentimentoentreosgovernados
equeoconhecimentodessaartehaveriade“alterartodasaspremissas
políticas”.37
Asociedadedemassaseraodadonovo,agentedevariações
institucionaisprofundastantonafacedosEstadosdetradiçãoliberal
quantonosdetradiçãoautocrática.
Aclassemédiachegaraaocrepúsculopolíticonassociedades
desenvolvidas,ondeseapresentavaemviasdeextinção,porefeito
contraditóriodaexcessivaconcentraçãodocapital,aopassoquenos
Estadossubdesenvolvidos,comoosdaAméricaLatina,teimava,porvia
deelitesromânticas,emmanterumacrostainstitucionaldeinspiração
democrática.Masaclassemédiaaíquasenãochegaaseconstituir.No
conjuntodapopulação,eraparcelahumanamínima.
Aopiniãopúblicapassaaserdoravantea“opiniãodopovo”
(opiniondupeuple),convertendo-sevalidamentenaquele“poderde
conservação”aquesereportavaStahl.A“opiniãodopovo”,amesma
queNeckerdiligentementeenomelhorespíritodadoutrinaburguesa,
distinguiradaopiniãopublique,substituiavelhaopiniãodeclassedo
liberalismo(aclasseburguesa,instruídaeeducada).Constituioque
contemporaneamentesechamaopiniãopública,eretrataanova
sociedadedemassas.
Algunspublicistasavêemenfraquecida.Nósavemos
materialmenteforte,abaladaapenasdopontodevistaético,poisas
esperançasneladepositadascomoguardiãdapurezaedalegitimidade
dosgovernosdemocráticosseesvaneceram.Tãofortematerialmente
queaCiênciaPolíticanãopodeignorá-la,depoisdehaverentradonos
segredosdesuamanipulação.EaquiconcordamoscomBurdeauem
assinalarasmesmascausasqueadesprestigiarameticamente,sem
contudodesfalcá-ladoimensopoderquecontinuaenfeixando.
Talvezocernedamudançaresidanisso:aopiniãopública
“despersonalizou-se”:decriadoraeafiançadoradeinstituiçõesse
transfezelamesmanumainstituição“criada”e“afiançada”peloEstado
paramanteroutrasinstituições.
Nasociedadedemassas,oindivíduo,asidéias,osjuízoscríticos,
aautonomiadoraciocíniocontampouco,cedendolugaràaçãocoletiva,
aosjuízosdegrupo,aosinteressesdeclasseeprofissão,àsideologias.
Abre-seassimcaminhoàquelaopiniãopública,marcadadafunesta
imperfeiçãodehaverabdicadonosórgãosestataisenasminorias
tecnocrá-ticasapalavradecomandopolítico,queasmassas
passivamenteacatam.
Demais,tem-seditoqueaopiniãopúblicafoiinstitucionalizadae
conseqüentementefalseadaoudesnaturada.Masaindaassimhá
publicistasquereconhecemainstantaneidadenuncadesprezíveldesua
ação,quandoatuacomoumraio,derrubandoouerguendogovernos,ao
sabordeseusímpetosideológicos.Daíaquelesulcoaqueserefere
Burdeau,separandooestadopassivodasmassas,emrepouso,quando
sesujeitamàsmedidasdegoverno,dasmassasemmovimento,quando
criamosgovernos,deconformidadecomaideologiaabraçada,acujas
linhasfundamentaisopoderinstituídovotaobediência,sujeição,
fidelidade.38
NuncaseenganaraNeckerquantoà“opiniãodopovo”,queviriaa
sera“opiniãodasmassas”noséculoXX.Admitiuafacilidadede
“subjugá-la”,bastandoparatantoqueseconhecessemassuas“paixões
dominantes”ehouvesseboamãonoencadeá-laatravésdeilusões.39
Amassaseregeporsentimentos,emoções,preconceitos,comoa
psicologiasocialjádemonstrouexaustivamente.Aopiniãodasmassas
formandoaopiniãopúblicaseráporconseqüênciairracional.Nãose
iludiaopublicistademocráticoaesserespeito,cunhandoaexpressão
agoradeusocorrentenovocabuláriopolíticodapropaganda:o
“estereótipo”,ousejao“cliché”,a“frasefeita”,amoda,o“slogan”,a
idéiapré-fabricada,queseapoderadasmassaseelas,numa“economia
deesforçomental”,comodizPrélot,aceitameincorporamaoseu
“pensamento”,entrandoassimaconstituirachamadaopiniãopública.
DefiniraStoezelo“estereótipo”,jádescobertoporLippman,como
umaespéciede“pensamentoassimiladoparaprontaentrega”.Que
valorsedevepoisatribuiràopiniãopública,noséculodasmassas,se
suaindependênciaémanifestamentetãoprecáriaquantoadaopinião
“ilustrada”,“culta”e“inteligente”doséculoXIX,queoutracoisanão
representavasenãoavontadedeumaclasse,ouopodergovernanteda
burguesiapolítica?
Adecomposição,segundoLippmann,dojuízocoletivo,quealguns
supõemdetodoinexistente,emplacasdeidéiasfeitas,mostrouquese
nãodeveconfiar,aindanossistemasdegovernodemocrático,nessa
tradicionalopiniãopública,porquantoinvestigadaafundoresultaria
apenasnumamassaalgoinformedeconhecimentosparciais,
unilaterais,inadequados,falhos,imperfeitosemarginaisacercado
mundoedosfatos,numarepresentaçãomeramentesimbólicaeerrônea
arespeitodehomenseacontecimentos;enfimnumaopiniãodeteor
desvirtuado,emvirtudedalassidãoouimpossibilidadepessoalde
alguémobterinformaçõesprecisas,emrazãotambémdeobstáculos
naturaisouartificiaisdeacessoàsfontesinformativas,eatéporefeito
decensura,indiferençaouescassezdetempo.Daquipoishaver
assinaladoLippmanncomamarguraacontradiçãoobservadaentreas
idéiasrecebidaseosfatos,vistoque‘‘nósnãovemosprimeiropara
entãodefinir,senãoquedefinimosparasomentedepoisvermos”.
AessasrazõesapresentadasporLippmann,queabalamsobo
aspectoaxiológicoaopiniãopúblicadospaísesdemocráticosna
sociedade
de
massas,
vêm
ademais
acrescentar-se
aquelas
percucientementeenunciadasporBurdeauemseuTratadodeCiência
Política,asaber:a)oaumentodastarefasdoEstado,sobretudoasde
ordemtécnica,exigindoumvolumedeconhecimentosespecializados,
queopúblicoouasmassasnãoestãoemcondiçõesdeadquirirou
possuir:b)adimensãointernacionaldosproblemas,deordempolítica,
socialefinanceira,quedizBurdeau,escapamaocontroledeuma
opiniãonacional,porquantooEstadonãodominasuasnascentesnem
dispõedemeiosprópriosdesolucioná-losec)enfim,ogovernodas
ideologias,emsubstituiçãodogovernodeopinião,fazendodasmassaso
receptáculopassivodeidéiaspré-formadas.
Acrescentaríamosaindaumaquartarazão,aqueBauerserefere,
ouseja:oencurtamentopelatécnica(meiosdecomunicaçãodemassas:
imprensa,rádioetelevisão)dadistânciaentreoindivíduoeoscentros
formadoresdaopiniãopública,aquelesqueemitem“opensamento
feito”eoimpõemàsmassasdóceis,cujafunçãosubseqüentesserá
apenasadereproduzi-lo.40Comojáhouvetambémquemdissesse:não
confundiropiniãopúblicacomopiniãopublicada,nãotomaranuvem
porJuno,consoantetemacontecidotantasvezes!
8.PossívelrestauraçãodoprestígiodaopiniãopúblicanoEstado
democráticodemassas
Conformevimos,escritoresesociólogospolíticosemgeraltêm
apresentadoumquadrosombrioedesalentadordaopiniãopúblicana
socie-dadedemassasdoséculoXX.
Nãopadecedúvidaqueessacríticaprocedeemlargaparte,tanto
comrespeitoaoEstadoautoritáriosenãotambémrelativamenteao
Estadodemocráticoocidental,semexcluirtodaviaquealgunsraiosde
otimismovolvemaclarearapaisagemdaopiniãonaschamadas
sociedadesdemocráticasdoOcidente.
Certosanalistaspolíticosestãoassinalandoumretornoà
confiançanaopiniãopública.Jálhenãodesmerecemaautoridadecom
alusõesàabsolutasujeiçãoaqueficouvotadoohomempolíticode
nossaépoca,essencialmenteumhomem“despolitizado”dopontode
vistaindividual,pelasconhecidasabdicaçõesànaturezasocialqueo
fenômenomassalheimpôs.Evislumbramcomesperançaarestauração
deumaopinião“independente”nospaísesdemocráticos,onde,graças
aopluralismo,nãoseabafouopoderdecríticaàsinstituições,aos
governos,aoshomenseaosfatos.
Entranessacorrentedepensadoresumdosmelhorespublicistas
dacátedraamericana,HermanFiner,quandoconcluiqueohomem
continuarásendooprincipalinstrumentodecomunicaçãodemassas,
enquanto“tiverpernasparacompareceraoscomíciosevisitaros
amigos,coraçãoparasentir,cérebroparapensarelínguaparafalar”.41
Argumentaaquelecientistapolíticocomobomêxitodedeterminados
movimentosdeteorprogressista,adespeitodapropagandacontrária
ministradapelosproprietáriosdosmeiosdecomunicaçãodemassas.
Comefeito,nahistóriadosEstadosUnidos,duranteosúltimos
quarentaanos,temosvistocandidaturaspresidenciaissustentadaspelo
apoiomaciçodos“lordes”ecaciquesdaimprensanorte-americanae
suaspoderosascadeiasdejornaiseradiodifusãosereminapelavelmente
batidasnasurnas.TalocorreuquandoRooseveltemmaisdeumpleito
eleitoralteverenovadoaliseumandatocontraavontadealiciadorados
donosdosmaisinfluentesmeiosdecomunicaçãodemassas.
Urgeportantonãosubestimarasreaçõesindividuais,nemaforça
deumaopiniãopúblicaconstituídaàmargemdosentimentopolítico
governante,contratodosospoderesoficiaiseextra-oficiaisdepressãoe
propaganda,osquaissemostramnãoraroimpotentesparadirigir-lheo
curso.
Amostrasdemanifestaçãodessaopinião,querestituiaconfiança
noperdidovalordaqueleinstrumentodogovernopopular,estãosendo
dadasatécomrespeitoaoconflitovietnamita,determinandoaformação
emtodoopaísdeumsentimentoaqueaCasaBranca,oPentágonoeo
Senado,emWashington,jásenãopodemconservarindiferentes.
Retomandoumpoderlivredecontrole,nossistemasondea
democraciaéautenticamenteaexpressãoformaldoconsentimentodos
governados,aopiniãopúblicaestariaassim,emúltimaanálise,
corroborandoessaverdade,segundoaqual,ohomem,comasua
personalidade,aindapossui—indestrutíveltecidodesuaconsciência!
—umadimensãoquenenhumdespotismo,nenhumalavagemcerebral,
nenhumaopressãomaliciosamentemeigaoubrutalmenteostensiva
lograránuncasuprimir.Sobreessehomemnãotemjurisdiçãoopoder
imensoesufocantedastécnicasmaisrefinadasdeinterdiçãodo
pensamentoedaliberdadedeopinião.
9.Aopiniãopúblicaeosmeiosdepropaganda
Nasociedadeliberaleindividualista,aopiniãopúblicasegerava
comrelativaespontaneidade,havendofortecrençanoseuconteúdode
racionalidade.
Nasociedadedemassas,deíndolecoletivista,aopiniãoaparece
“racionalizada”emsuasfontesformadoras,medianteoempregoda
técnica,comtodososrecursoscientíficosdecomunicaçãodemassas—
aimprensa,orádioeatelevisão—deliberadamenteconjugados,a
comporumextensolaboratóriode“criação”daopinião,paraatendera
interessesmaciçosdegruposoupoderesgovernantes,acreditando-se
noentantocadavezmenosnoteorracionaldessaopinião,quetodos
reconhecemouproclamamumaforçafeitairretorquivelmentede
sentimentoseemoções.
Seumlugardevecaberaindaàrazão,seráesteodosquese
dispuseremaoemprego“racional”deumobjeto“irracional”.
Comefeito,jáninguémquestionaaquelaafirmativadeLippman,
segundoaqualhouveumarevoluçãoquealterouaspremissas
políticas:ada“arte”decriaraopiniãoatravésdapropaganda.Cuidam
certosautoresimpossívelquenoséculoXXaindasepossa
corretamentefalardaexistênciadeopiniãopública,tantonoEstado
autoritáriodonossotempocomonoEstadodemocráticodemassas.
Distinguemaopiniãopúblicapelaeducação,daopiniãopúblicaobtida
atravésdapropaganda,admitindoapenasporválidaelegítimaa
primeira.Asegundaseriaperversão,opiniãodeformada,opiniãoem
ruínas.
Apropaganda,disseFiner,cerraamentehumanaatodosos
caminhos,excetoaquelequeelaindicacomooúnicopossível.
Encarceraavontadehumanaindividualoucoletivanumapolítica,que
proclamaamelhor,semconcederalternativas,privandoocorposocial
dolivreexercíciodasfaculdadescríticas.42
Aopiniãoéa“matéria-prima”dapropaganda,conformeassinalou
Burdeau,43masessapropagandaprimeirotemqueserexplicadana
suanaturezatécnicaedepoisnosseuscompromissosideológicos.
Quandoalguémchegaasustentarnãoimportaoqueaopiniãopública
“é”,massimoqueaopiniãopública“faz”(ElisabethNoelle),aaceitação
puraesimplesdessapremissapoderiaafastaroinvestigadorpolíticoe
socialdoexamedascausasdapropagandaparafixá-lotão-somentena
apreciaçãodosseusefeitos.Ora,estudando-seascausas,chegaríamos
aestimativasdevalorsobreaopiniãopública,queseriam
incomparavelmentemaiscorretasdoqueaquelasextraídastão-somente
daconclusãoacercadosefeitosdapropaganda.
Osjornais,asestaçõesderádioetelevisão,seusredatores,seus
colaboradores,seuscomentaristas,escrevendoascolunaspolíticase
sociais,
programando
os
noticiários,
preparando
as
emissões
radiofônicas,fazendoosgrandesêxitosdatelevisão,constituemos
veículosqueconduzemaopiniãoeaelaboram(quandonãoarecebem
jáelaborada,comapalavradeordem,que“vemládecima”),poisas
massas,salvoparcelashumanassociologicamenteirrelevantes,se
cingemsimplesmentearecebê-laeadotá-lademaneirapassiva,dando-
lheachancelade“pública”.
Essaopinião,filhadapropaganda,caracterizaoséculo,sobo
impériodasmassas.Elaseinstitucionalizanospartidos,nos
sindicatos,nosgruposdepressão.Faz-senãoraroestávele
permanente.Sendonofundoopinião“imposta”e“irracional”,
contestam-lhepublicistascomoBauereBurdeauanaturezade
verdadeiraopiniãopública.Aopiniãopública“verdadeira”já
desapareceucomoEstadoliberal,ouestáemviasdedesaparecercom
oEstadosocialdademocraciademassas.DizBauerqueseuconceito
semescloucomodepropaganda.Equipará-laaestavaleriatanto
quantodesvirtuá-la,confundindo-seosintomacomadoença,oque
seriaumerro.44
TraçouBurdeaucomadmirávelfidelidadeoperfildessa“opinião
dapropaganda”,destacando-lheostraçosessenciais,queseseguemem
partecomaspalavrasdoautor:a)nãolheinteressaatuarsobre
indivíduos,massobregrupos;b)oindivíduosozinho,quereflete,éum
obstáculo;c)urgeneutralizá-lo,tornandoimpotenteareflexãopessoal;
d)apropagandaassentarásuatécnicanoesforçodeobterreações
emocionais.
Da“opiniãoeducada”,oucombasenaeducação,quefoiada
burguesialiberaldoséculopassado,assinalamFinereBurdeauos
seguintesaspectosdistintivos:a)mantémamentelivre;b)nãosuprime
senãoqueindicaaspossíveisalternativas;c)nãoinsistenaação;d)
ensinaohomemapensar;e)nãofornecejuízos,opiniõesouatitudes.45
Éaúnica,emsuma,quefazefetivaaaçãodosgovernadosnopoder,
conferindo-lhesparticipaçãolivreeconsciente.
Édelastimartão-somentequejamaistenhapodidodeixardeser
apanágiodeumaclasseeaoestender-sepoliticamentepelosufrágio
universalatodasasclasseshajapadecidonademocracia
contemporâneaumdecessoqualitativo,quelhealterouanatureza
mesma,vistonãohaveraeducaçãopodidoacompanhá-lanaquela
extensãoquantitativa,queoraacaracteriza,emplenoséculoXX.
Coma“opiniãodepropaganda”,oproblemadaopiniãopública,
comoexcelentementeescreveuLindsayRoger,deixoudeserode
determinar“oqueelaquer”,masoqueela“devequerer”.46Ontem,
assinalaele,importavasaberoqueaopiniãopúblicaqueria,hoje
importadecidiroqueeladevequerer.
Aopiniãopúblicadasmassas,diligentemente“trabalhada”ou
“produzida”pelapropagandaéobjetodeacuradosestudossociais.
Comodissedeterminadoautor,aopiniãopúblicapodeser“criada”ou
“influenciada”,nuncaporém“ignorada”.Emalgunspaíses,comonos
EstadosUnidos,sociólogosháempenhadosprofissionalmentenatarefa
deinvestigá-la.Formam-separatalfimagênciasespecializadasde
sondagemdaopiniãopública.O“InstitutoAmericanodeOpinião
PúblicaGeorgGallup”eo“Fortune”deElmoRoper,bemcomoos
centrosdeinvestigaçãodeChicagoePrincetonsãotípicosaesse
respeito.
Têmessesinstitutosantecipado,atravésdaschamadas“prévias”,
resultadoseleitoraiscommargensmínimasdeerro.Masporoutraparte
jáseexpuseram,emalgumaseleiçõespresidenciaisamericanas,a
previsõesqueredundaramemfracassoabsoluto,eessefracassoos
desprestigiou,fazendoopúblicocéticooususpeitosoquantoa
semelhantesmodalidadesdeinquirirdoclimadaopiniãopúblicana
antevésperadascompetiçõeseleitorais.
NaAlemanha,osestudosdessaordemtomaramcarátermenos
vulgaremaiscientífico,comalgunscientistassociaisempenhadosem
constituirumnovoramodoconhecimento,a“demoscopia”,fadadaa
sermenosumaciênciadoqueumatécnica,tendoporobjetoinvestigar
eacompanharasvariaçõesdaopiniãopública.
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8.W.Bauer,Ibidem,p.35.
9.W.Bauer,Ibidem,p.36.
10.G.Jellinek,ob.cit.,p.102.
11.Rousseauapenasomitiu,semdanoparaorespectivosentido,aadjetivavação
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12.J.J.Rousseau,DuContratSocial,p.250.
13.W.Bauer,ob.cit.,p.173.
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19.G.W.E.Hegel,ibidem,pp.424-425.
20.W.Bauer,ob.cit.,p.126.
21.J.B.Perez,TeoriayTécnicadelaOpiniónPública,p.111.
22.W.Bauer,ob.cit.,p.17.
23.W.Bauer,ibidem.
24.W.Bauer,ibidem,p.128.
25.Alain,Politique,pp.200-202.
26.J.B.Perez,ob.cit.,pp.196-197.
27.J.B.Perez,ob.cit.,p.190.
28.AlfredSauvy,OpiniãoPública,pp.7-8.
29.JamesBryce,TheAmericanCommonwealth,p.259;W.Bauer,ob.cit.,p.30.
30.HermannHeller,ob.cit.,pp.173-175.
31.J.C.Bluntschli,“DieoeffentlicheMeinung”,in:DeutchesStaats-Woerterbuch,v.
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32.J.C.Bluntchsli,ibidem,p.347.
33.Bryce,ob.cit.,p.263.Oliberalismomilitanteficounomeiodocaminho,sem
poder(nãoerapoisaopiniãopúblicaumaopiniãodeclasse,aclasseburguesa,
educadaeproprietária?)ousemquererdesvincular-sedaaçãointeressada,açãode
classe,deixandoabertoohiatoouacontradiçãoentreadoutrinaeasinstituições,de
modoqueestas,metafisicamente,eramservidasporidéias,esociologicamente
governadasporinteresses.
34.EntendiaBrycequeemFrançaeInglaterraaopiniãopúblicaeraopiniãodeclasse
esomentenosEstadosUnidosopiniãodetodasasclasses.PobreBryce!Melhor
dissera,comrelaçãoaosEstadosUnidos:aopiniãoalternadadetodososgruposde
pressão!
35.W.Bauer,ob.cit.,p.124.
36.G.Jellinek,ob.cit.,p.103;R.Schmidt,AllgemeineStaatslehreI,Handund
LehrbuchderStaatswissenschaften,p.280.
37.WalterLippmann,PublicOpinion,p.428.
38.GeorgesBurdeau,TraitédeSciencePolitique,t.4,p.221.
39.Necker,DuPouvoirExécutifdanslesGrandesÉtats,v.2,p.226.
40.W.Bauer,ob.cit.,p.95.
41.HermanFiner,TheTheoryandPracticeofModernGovernment,p.260.
42.HermanFiner,ob.cit.,p.260.
43.GeorgesBurdeau,ob.cit.,p.218.
44.W.Bauer,ob.cit.,p.66.
45.HermanFiner,ob.cit.,p.216;Burdeau,ob.cit.,p.219.
46.LindsayRogers,ThePollsters,p.389.
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