colcha de retalhos

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COLCHA DE RETALHOS Poesias de Esio Antonio Pezzato 2002

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poemas, sonetos, diversos de Esio Poeta

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Page 1: COLCHA DE RETALHOS

COLCHA DE RETALHOS Poesias de Esio Antonio Pezzato

2002

Page 2: COLCHA DE RETALHOS

Portal do milênio

O Portal do Milênio, finalmente,Em relâmpagos brilha à nossa frente,Escancarando enferrujadas portas:Dúvidas, cismas, medos e mistérios,E dogmas dos espaços mais sidériosAbrem a nós fantásticas comportas.

E o que será de nós de agora em diante?O homem altivo, arcaico, atro e arrogante,Conseguirá vencer novo milênio?Ou terá, novamente, a mesma ciênciaQue o naufragou em sua incoerênciaCom todo o seu poder de insano gênio?

O homem com sua fúria e seu orgulhoContaminou os rios com entulhoE dizimou o verde da floresta.Ao vê-lo assim vagar perdido em fúria,Nos lábios tendo o vômito da espúria,Ah!... com certeza penso: ele não presta.

Desde os primórdios do primeiro diaSó consegue encontrar, na áurea alquimia,Pedras filosofais para que possaSua ganância transformar em ouro,Seu desejo, porém, só traz desdouro,E a virtude é jogada numa fossa.

Em cobiça o homem inventou radares,E vasculhou os mundos estelaresMas o que conseguiu neste desejo?Após a garimpagem pelo espaçoAmealhou fracasso após fracassoE a esperança enlameada em podre brejo!

Saturno, Gêminis e Sputiniks,Ultrapassaram os sidérios diquesE hoje só resta uma esperança crua:Que ele do espaço ainda não sabe nada,Sua vontade está paralisadaEm passos dados na arenosa Lua.

Page 3: COLCHA DE RETALHOS

Em épocas perdidas do passadoO homem também já foi um rei louvado,Mas desapareceu pela ganância;E a história hoje contém o mesmo enredo,Mas não se acostumou ao acre e azedoDesmoronar de tanta extravagância!

Onde estão os faustosos monumentosQue o homem, com seus desejos agourentosFez construir em sua trajetória?E a esta pergunta o pranto a sangue tinge:Sobraram as Pirâmides e a EsfingePara contar esta nefasta história!

Onde os belos jardins da Babilônia?Creta e Cartago, o Egito e a MacedôniaSucumbiram aos ímpetos nefastos.O homem somente faz a negra guerra,Destrói a vida natural da TerraE em seu progresso faz-se andar de rastos!

O homem que dominou dos céus os raios,Que quer brincar de Deus em seus ensaiosCriando vida nos laboratórios,Não tem limites na ânsia da conquista,Vive sempre no sonho antagonistaAnsiando em lutas, novos territórios!

O homem com seu desejo famulentoTorna-se cada dia mais violento:Busca arregimentar novos combates...Constrói armas de guerra mais possantes,E com olhos em fúria, rutilantes,Sem limites, se faz senhor de embates.

Hoje existem ogivas nucleares,O invisível está solto nos aresE o lixo radioativo é sem retorno...Porém, só quer para levar vantagem,Do semelhante, conseguir pilhagem,Ou então conseguir qualquer suborno!

Page 4: COLCHA DE RETALHOS

Mas o homem como irracional, proclamaAs glórias que conquista, mas de lamaÉ o troféu que lhe cabe neste pódio.Basta olhar o passado – desse enredoO panorama se nos mostra azedo,E vibra a ingratidão, a angústia e o ódio.

Da Grécia os velhos deuses de granitoTambém os Faraós do antigo EgitoNão puderam conter tanta ganância...O velho Niebelungen da AlemanhaAfundou suas mágoas na montanhaMorrendo ainda na primeira infância...

O vício da barbárie a tudo invade,E no caos vai vivendo a humanidadeE nada há que lhe tire deste engodo.Foi assim desde os tempos de Sodoma,Depois foi Nero incendiando Roma,E Hitler atirando a Paz ao lodo!

O homem proclama o seu caminho torto;Dizima vidas praticando abortoE assim, dessa maneira atra e nefasta,Busca encontrar seu pedestal de glória,Mas através de séculos de História,Notamos que na lama ele se arrasta.

Quem matou mais que o homem sobre a terra?Bichos irracionais provocam guerra?Exterminam em fúria a fauna e a flora?Em Hiroxima quem soltou a bomba?Foi, acaso, uma picassiana pomba Voando despreocupada, rumo à aurora?

Não precisamos, não, de velhos deuses,Que possam refrear tantos revezesPois neles foi iníqua tanta crença...Para que ainda possamos ver os astros,Necessário se faz andar de rastrosPara o milênio ter por recompensa!

Page 5: COLCHA DE RETALHOS

O homem deve deixar de ser bizarro;Se o passado moldou-a à luz do barro,Ao barro irá voltar em seu futuro!Pensando ser eterno e onipotente,A história merencória já o desmenteE seu fulgor irá pô-lo no escuro.

Se ele se julga um deus, se julga um sábio,Sequer decifra tábuas de alfarrábioE hieróglifos de um mundo já apagado.Porém, ele só faz criar atritos,Cria, imerso em prazer, profanos ritos,E despreza as agruras do passado.

Até Cristo divide-se em mil seitas;As mensagens da Bíblia são suspeitasE a verdade difere em cada exemplo.Hoje a fé tem valores monetários,Compra-se Cristo ao longo dos CalváriosE um pastor O profana em podre Templo!

Este é o retrato vil da glória humana,Que quer vencer de forma treda, insana,Para alcançar não sabe o quê, por certo.Vilipendiando os rios e as florestas,De formas descabidas e funestas,Amanhã viveremos no deserto.

Entendo que o homem não estava prontoPara viver aqui, no exato pontoDo Sistema Solar, neste Planeta.Tirando a glória de viver em nichos,O homem devia era viver com os bichosOu num lugar mais podre da sarjeta!

Mas ele se diverte com o louro,Busca sempre encontrar as minas de ouroPara satisfazer-se em seus delírios...Nesta loucura vã, se desespera,Não percebe ao sorrir da Primavera,O florescer de alvinitentes lírios!

Page 6: COLCHA DE RETALHOS

Ele em seu sonho cheio de utopiaDesconhece a ternura da PoesiaE os cantos dos Poetas – desconhece...Porém, se acreditasse mais nas rosas,Decifraria as crenças mais formosasNum florido jardim, em doce prece...

Se, seus olhos pusesse nas crianças,Iria descobrir as esperançasQue podem ter um só deste sorriso!Iria ter mais fé e amor na vida,Su’alma encontraria a paz floridaNa estrada que conduz ao Paraíso.

E se do coração ouvisse o cantoQue lhe diz com ternura e com encantoQue o amor é necessário aqui na Terra,Se ouvisse um só instante, tais alarmasNo mesmo instante deixaria as armas,E deixaria de pensar na guerra!

Mas ele não entende tal alarde,E com certeza há de chegar já tardePara ver, quão inglória foi a lua...E há de sentir o horror da decadência,Ao ver que foi inútil tanta ciência,Já que nada ganhou nessa disputa!

Mas o novo milênio se aproxima,Iremos viver nele como a rimaQue nesses versos faço, onde demonstroA realidade triste de ser homem,E enquanto tantas dores me carcomem,O homem eu vejo como horrível monstro!

Porém, deve existir um retrocesso,E tudo há de voltar ao seu começoQue o desígnio de Deus sempre é severo...E com certeza, ao fim deste milênio,O homem, com todo o seu poder de gênio,Irá voltar à mesma estaca zero!

15.07.2001

Page 7: COLCHA DE RETALHOS

Colcha de Retalho

A minha velha colcha de retalho,Feita por minha Mãe, na minha infância,(Tempo este já perdido na distância...)Hoje, ainda, me serve de agasalho...

Altas noites friorentas, e eu, em ânsia,Busco-a e me cubro – feito um espantalho –E a ela coberto lembro-me o trabalhoQue teve minha Mãe em longa estância...

Muito mais que meu corpo, ela me aqueceO coração, que bate como preceE mais parece guizo de um chocalho...

Não quero, não, uma coberta nova,Do amor de minha Mãe – é eterna prova,A minha velha colcha de retalho!

22.09.2001

Page 8: COLCHA DE RETALHOS

Exortação

Canta, Poeta, os versos que fabricasComo as águas correntes, junto ás bicasQue correm cristalinas, pelo mato;Canta em versos perfeitos e sonorosA inspiração que brota de teus porosTirando da beleza todo o extrato!

Canta, Poeta, o amor justo e perfeito,A sinfonia que exacerba o peitoEm alvorada multicolorida;Canta a Graça, a Ternura, a áurea Esperança,Canta o Amor, canta a Paz, canta a Bonança,Canta toda a Beleza que há na vida!

Canta, Poeta, às luzes da alvorada,O que te deixa de alma apaixonadaNum sorriso fremente, num sorrisoQue contém dentre as armas – mais poderes,O que traz sonhos a milhões de seresQue almejam alcançar o paraíso!

Canta, Poeta, em versos benfazejos,Os soluços de amor dos sertanejosDedilhando, na tarde, uma viola;Canta toadas com a simplicidadeDe quem sabe encontrar felicidadeE de quem, entre afagos, se consola!

Canta, Poeta, em qualquer tempo, canta!Pois tuas rimas servem-nos de mantaTuas estrofes são nossos escudos;Enquanto em versos soltas tua Lira,Em nossos corações acende a piraE a tua voz – permanecemos mudos!

14.10.1998

Page 9: COLCHA DE RETALHOS

Sextilhas sobre o corvoCada vez mais de Poe, o negro corvo,Na minha vida anda causando estorvoA guturar seus versos sepulcrais...É que seu negro, atro e nefasto grito,– Eco de sombra a ungir todo o Infinito! –Em minh’alma crocita:– nunca mais!

Este grito de morte me atordoa,No mais fundo de mim, lúgubre soa,Como o verso da morte que me vemE arrepiam-me peles e cabelos,Iguais horripilantes pesadelosQue caminho, na noite, sem ninguém.

A noite fere em luz pingos de estrelas,Eu – solitariamente andando pelasNoites de horror que estão dentro de mim,Avisto em meio aos trôpegos destroços,Um punhado de brancos, podres ossos,Das vidas todas que tiveram fim.

Alem, perdida num moirão da estrada,Eis a ave negra e funeral, pousadaAlertando meus rumos a seguir:Armadilhas estão em cada canto,– Fico parado, pálido de espanto,Talvez pelo final de meu porvir!

Perscruto o olhar de lince... CalmamenteA passos lerdos vou pisando em frenteE o corvo fica a me seguir no olhar.Está dentro de mim um denso medo!Mas vou a desvendar este segredoEmbora sinta enorme falta de ar.

Os passos alardeiam-me a presença,E o corvo negramente, em sua crença,Repete-me seus ecos guturais.É noite. Vou perdido no caminho,E ao desespero deste andar sozinhoÉ o corvo crocitando:– nunca mais! –

15.11.1997

Page 10: COLCHA DE RETALHOS

Pescador(para meu filho Esio, pescador convicto)

O pescador passa as horasSentando á beira do rio

O sol corre o espaço abertoE o pescador distraídoSentando á beira do rioNão vê o tempo passar

Tranqüilo calmo em seu mundoAs horas lerdas se arrastam

E dentro de seu silêncioNo lento arrastar das horasO pescador pensativoBrinca ao silêncio do tempo

Na água lerda da correnteNavega a sua ilusão

A brisa mansa e serenaCheia de sonhos repisaMomentos e horas passadasEm cardumes de esperanças

Escamas brilham em luaCom os braços do pescador

O denso suor escorrePelos caminhos vincadosDas faces contemplativasTentando a luta vencer

O samburá prende sonhosDourados jaús pintados

Mas a vida provisóriaDa cadeia de bambuProlonga a hora da mortePara o instante da partida

Page 11: COLCHA DE RETALHOS

Silêncio pede silêncioQuando retesam-se as linhas

Formando um longo trapézioEntre as mãos os pés e a águaO reflexo mais pareceUm triângulo escaleno

Equilibra-se na angústiaDo percebido e não visto

A luta submersa trava-seCom a vontade infinitaDe vencer a vida aquáticaCom anzóis de aço e de fisgas

Luta – fieira de silêncioPara a vitória do nada

Mas o pescador bem sabeQue além da aquática lutaHá o caminho para a casaE á vida – maior disputa

14.10.1998

Page 12: COLCHA DE RETALHOS

Balada InspiradaHá na minh’alma a inspiraçãoDe oferecer a ti, amada,Aos sons do amor, uma canção,Para mostrar que – apaixonada,Ela anda em plena madrugadaA repetir este refrão:– Sem ti, querida, não sou nada,E a vida é apenas ilusão!

Por isso, em plena comoção,Dentro da noite enluarada,Vou aos teus pés – com devoção,Oferecer-te esta balada.És minha Musa, és minha Fada,Hino de vida e de razão.– Sem ti, querida, não sou nada,E a vida é apenas ilusão!

Ardo de amor como o verãoQue deixa a vida incendiada.E vivo sempre na estaçãoQue a vida faz iluminada.Contemplo em luzes a alvoradaQue traz-me o sol com explosão.– Sem ti, querida, não sou nadaE a vida é apenas ilusão.

Oferta

És minha fruta açucarada!Provo-te o sumo em emoção!– Sem ti, querida, não sou nada,E a vida é apenas ilusão!

14.08.2002

Page 13: COLCHA DE RETALHOS

Considerações

Minha poesia já não traz o encantoDa passada e esmaecida mocidade.Hoje é tangida em cordas da saudadeE é sem sonoridade este meu canto.

Poucos anos separam o passadoDeste presente insípido e tristonho.O porvir não me traz ridente sonhoE fica em pesadelo transformado.

A primavera vai perdendo as floresE o verão antecipa a cor do outono.As folhas vão rolando no abandonoE o inverno se transmuda em frias cores.

A exclamação do corpo belo e altivo,Numa interrogação atroz se tange.A costa arqueada lembra um frio alfanje,Das intempéries fica-se cativo.

Tudo é veloz de mais... a loura auroraAlcança o sol a pino e traz a arde...O fogo do desejo já não ardeE o que era doce e lindo... vai-se embora...

O entardecer de dúvidas se fere,O olhar se torna baço e se enevoa...E a silenciosa sombra sempre soaNum ritual de triste miserere...

13.11.2000

Page 14: COLCHA DE RETALHOS

Desesperança

Pelas sombras, nas trevas, solitário,Coração perambula no caminho,Na tortura de sempre estar sozinhoLembra Alguém que seguiu atroz calvário.

Como é triste, Senhor, o itinerárioDe quem, na vida, já não tem carinho.Ave que foi expulsa de seu ninhoJá não tem mais encantos de canário...

Mudo e tristonho vou, sem esperanças,Carregando farrapos de mil sonhosPelos ermos perdidos das lembranças...

O outrora céu azul da mocidadeHoje contém relâmpagos medonhosE anuncia terrível tempestade...

23.10.2000

Page 15: COLCHA DE RETALHOS

Canto Noturno(1982)

Em pleno dia o Pássaro da NoiteCortou, felino, a tua trajetória: E calou tua voz E levou teu sorriso Também tua esperança Longe de todos nós. – Teus sonhos de criança Anseios de mulher, Projetos do futuro Lembranças do passado; – Está tudo acabado.

A morte veio e entrou na tua vidaDeixando em todos nós, uma saudade: Saudade dos teus cantos E da agressividade Junto às canções de brasa Que soubeste cantar: Ódio, raiva, delírio, Amor, fogo, paixão, Desespero inflamado No ato da louvação Ao cantar o passado.

Anjos cheirando a cocaína e álcoolDesmoronaram o teu corpo físico, E a dor da morte paira No tédio da saudade, No palco do Teatro, No pranto de um amigo, Que agora, a recordas, Lembra do paraíso Na voz do teu sorriso

Que era maior que o mar.

Basta de soluções e mil hipótesesPara sair da Noite a tua morte.

Melhor será lembrar-teNo palco cintilante,Porque tudo na vida

Page 16: COLCHA DE RETALHOS

Brilha a falsa brilhante,E a transversal do TempoNão tem curva ou retorno,E a história tão-somenteSeguindo a longa estrada,Jamais e esquecerá.

Basta de conjecturas, pois as tramas,Ficarão, para sempre, no segredo:

Fatos – serão passados,Fotos – serão guardadas;E os cantos, na magiaDe tua voz perfeita,Agradarão ouvidosNum poema felizE todos, ao ouvi-los,Relembrarão saudosos:– Esta voz é da Elis!

25.01.1982

Page 17: COLCHA DE RETALHOS

Visita

Fui hoje à tarde,Fazer uma visita ao cemitério,E o invólucro de um fúnebre mistério,Deixou-me fraco, pálido e covarde!

DesesperadoVi sepulturas mil de mil defuntos,E à certeza de um dia estarmos juntos,Deixou todo o meu corpo macerado!

Tive tonturasE a cova derradeira, podre e rasa,Vai ser um dia a minha última casa:Porto final das minhas aventuras!

Vi dois coveirosTirando uma urna de uma fria alcova...Meus Deus! Ali será a minha covaOnde os meus sonhos dormirão faceiros!

Uma caveiraEsbranquiçada, vejo em alvoroço!A quantos vermes servirei de almoçoQuando eu me vir numa total cegueira?!

Mil pesadelosToldam meu cérebro – macabro porto! –Sensações tenho de que já estou mortoE sinto arrepiados os cabelos!

Ai, nada resta,Para quem vem nesta Mansão Funérea...Voa a Alma para a Imensidão sidéria,E aqui na terra fica o que não presta!...

02.11.1985

Page 18: COLCHA DE RETALHOS

A um Amigo(pela perda da Esposa)

Amigo, se hoje a dor imensa te devora,E a solidão da ausência o peito teu invade,Olha que no horizonte explode nova auroraE brilha um novo sol de intensa claridade.

Queres abandonar a vida que amas tantoPorque perdeste o amor maior de tua vida?No horizonte se agita um novo mais de encantoE a primavera azul te voltará florida!

Canta, Poeta, enquanto a tua voz é pura,E os pássaros, no céu, calam para escutar-te.Se hoje vivendo estás num mundo de amargura,Amanhã seguirás para o Universo da Arte.

Esquece a solidão e a dor do pensamento:– Nem sempre vive o mar em brusca tempestade.Se hoje andas pela praia imerso em sofrimento,Vê que nem tudo é dor, agonia e saudade.

Vê que a felicidade em todo o mundo existe,E o ideal da vida ainda não é morto.Se o timoneiro audaz no insano mar resiste,Também irás levar o teu navio ao porto!

Crê na força de Deus – o nosso Pai augusto,Que certo sempre escreve em Suas linhas tortas.E sendo Pai – é Bom; e sendo Deus – é Justo;E sendo Justo e Bom, não deixa as vidas mortas.

Crê, Amigo, no Poder de tua força enorme.E deixa o desespero aos ateus da esquivança.Se o teu imenso amor na Eternidade dorme,É hora de crer em Deus e ter Fé e Esperança!

Ergue de novo o olhar, caminha para frente,Que um futuro de luz no horizonte de espera;E confia na Vida e segue mais contente,A estrada que te leva á eterna primavera!

29.01.1980

Page 19: COLCHA DE RETALHOS

Numa noite de luaApavorado acordo. A treva imensaO céu povoa de uma negra crençaProfana, lívida, agourenta e crua.Devagar, ergo as pálpebras dos olhos,E à minha frente, esquálidos escolhosDão-me a visão da morte horrenda e nua.

A noite bruxuleante, atra e faminta,Acorda na montanha a voz extintaDos ecos esquecidos no passado.E o pavor da chacina me apavora:– Está noite é uma noite sem auroraE a lua é um rubro lenço ensangüentado.

Corujas piam no estertor da morte;O desespero lança a única sorteExistente em macabros necrológios.O ar parado é um aziago mofo seco,A minha estrada morre em atro becoOnde não marcam horas os relógios.

Tudo parado e o desespero aumenta,Enquanto a lua cheia, amarelenta,Lança raios mortíferos, faiscantes,Meu grito grita um grito, grita um grito,Que reboa o pavor ante o InfinitoEm macabros desejos delirantes.

Eu tenho medo de sair de casa...Cinzenta, a madrugada a tudo arrasa,E abre o pavor nas lúgubres chacinas.A minh’alma de frio treme e tremeMeu coração, que sufocando, gemeAo ver este espetáculo em ruínas.

Tudo macabro e a solidão da morteA cada instante torna-se mais forteE torna-se mais forte a cada instante...– Os relógios não marcam mais as horas...Às noites não existem mais aurorasE a paz que havia está demais distante.

Page 20: COLCHA DE RETALHOS

Porém, tento acordar do pesadelo...Parecem minhas mãos pedras de geloE não me aquece a lamparina o fogo.Tudo macabro, errante, solitário...O meu Zodíaco que é Sagitário,Do frio não aceita o rude jogo.

Mas vou achar a porta da saídaDesta embrionária noite pervertida,Onde a angústia remexe na minh’alma.Vou abrir as cortinas para os Sonhos,Nas miragens, ter dias mais risonhos,Pois só assim irei viver em calma.

23.10.1979

Page 21: COLCHA DE RETALHOS

Vergonha

Eu tenho vergonha de abrir os meus olhosE ver este mundo coberto de escolhosCom tantas crianças morrendo de fome...Vergonha de ver triunfar a maldade,Os homens matando sem ter piedadeLutando com armas às quais nem sei nome.

Soldados vivendo nos vales de dores,– Trincheiras medonhas, cobertas de horrores,Distantes do mundo sonhando por tantos...Metralhas rugindo causando mais morte;Meu Deus! Ainda existe no mundo esta sorteQue traz mil desgraças e esquálidos prantos?

É tanto infortúnio, tamanha é a cobiça...Os ares exalam a podre carniçaE a terra é um horrendo lugar de destroços!...E o negro cenário faz parte da terraQue envolta no atro ódio, revolve-se em guerra,Com o negro e sinistro chacoalho dos ossos.

As armas profanas não gostam das vidas...Arrasam os sonhos, destroem feridas,E expelem, nefastas, seus cantos de escória!Ao choro sentido das magras crianças,Exaltam mais alto com suas vingançasDizendo que querem ter nome na História!

Um nome na História que a sangue é escrita,O sangue inocente que, em vão, aos céus gritaQue o amor é preciso na face da terra.Porém, na garganta tal grito é calado,No chão mais um corpo vai ser massacradoE gritos profanos, proclamam a guerra!

A guerra nojenta, que mata, consome,Que faz o soldado perder o seu nome,E ao mesmo soldado lhe dá uma medalha.Meu Deus! Enfim quando terá paz no mundo?Será que o futuro nos é tão imundoE o amor infinito não nos agasalha?

Page 22: COLCHA DE RETALHOS

Não mais a Esperança sagrada resiste...O mundo é uma gleba negra, atra e tão triste,E o corvo sinistro da guerra se exalta.Os pólipos crescem com força gigante,E vai cada dia ficando distanteA Paz que no mundo nos faz tanta falta!

Metralhas rugindo... profana é a algazarra;O mundo está esquálido... a negra fanfarraÀ marcha da morte convoca mais vidas...Os campos povoam-se em negros destroços,No chão amontoam-se os lívidos ossos,E nossas virtudes caminham perdidas.

E quando teremos sorrisos no mundo?Daremos epílogo ao ódio profundoQue a tudo depreda com ira medonha?Ah! Quando teremos o Amor como meta,E a Paz que ansiamos de forma diletaE quando no mundo teremos vergonha?

Não mais eu consigo cantar o meu canto,Pois ouço do mundo necrófilo prantoQue a guerra ainda paira, sangrenta, suprema...E tudo caminha com negros pesares,Essências da Morte povoam os ares,Porém, aqui paro com esse poema...

15.05.1978

Page 23: COLCHA DE RETALHOS

Enchente

Passaste como um rio em minha vida;Um grande rio em época de enchente.Que destrói tudo inopinadamente,E, os diques, levam todos, de vencida.

Meus sonhos naufragaram na correnteCom fúria incontrolada e desmedida –E hoje minh’alma, triste e dolorida,Em destroços de sonhos, segue em frente...

Chega, porém, o tempo de estiagem,A alma no sonho brota na folhagemE a rotina produz nova alvorada.

E flores novas brotarão nos galhos,Regadas com as lágrimas de orvalhosQuando te vires só e desprezada.

27.09.1990

Page 24: COLCHA DE RETALHOS

Encontro

Num banco de jardim de abandonada praça,Quando a tarde morria em fulgores e graça,Sentaram certa vez, por capricho, ao acaso,A velhice a mostrar suas luzes de ocasoE a juventude em luz nos fulgores da aurora...... Um silêncio sem fim aconteceu nest’hora.

Envolta em luzes mil a bela juventudePassou a enaltecer toda a sua virtude:–“Tenho força e fulgor, anseios e beleza,A meus pés chego a ter tudo da natureza!Com passos firmes sigo e avanço na jornada,A vida para mim brilha sempre encantada!

–“Por onde passo esparjo os louros da vitória,O que quero consigo e brilho nesta glória!Sei correr, sei pular, saltar, jamais me canso,E o que no céu cintila, em êxtase eu alcanço!O futuro me espera em luzes e fulgores,E a estrada onde palmilho é recheada de flores.

–“Posso tudo vencer num rápido momento,E, uma vida sem fim tenho por mandamento!Posso abraçar o céu, pois o céu me pertence,E nem a Eternidade em seu fulgor me vence,O que quero conquisto e a conquista me chama,Em coroas de luz fulgura a minha fama!

–“Se tudo posso ter, quando minh’alma sonha,Às glórias que acumulo eu me vejo enfadonha.Não preciso lutar para ter o que quero,E o que procuro ter nem um instante espero.É por esta razão que num brilho fremente,Penso ser uma Deusa eterna e Onipotente!...”

E desatou a rir em sua garruliceQuando pôs-se a falar com ternura a velhice:–“Tudo o que hoje possuis, também já tive um diaMas agora somente a esperança me fia.Já não posso correr e lutar já não posso,Mas não invejo, não, teus feitos de colosso.

Page 25: COLCHA DE RETALHOS

–“Pensas na Eternidade e ela é veloz qual raioQue deslumbra e depois descamba num desmaio,Pretendes ser a luz, mas de forma aziaga,Na hora da precisão a luz também se apaga;Podes correr, subir e galgares montanha,Mas na encosta, porém, é que o mar alvo a banha;

–“Se os sonhos podes ter a um teu único apelo,Ao fim desta existência é negro o pesadelo.Se te pertence o céu, se te pertence a glória,O que vale vencer, o que vale a vitória?Vives sempre correndo atrás da áurea esperança,Eu ando junto dela e de mim não se cansa.

–“Vivo um dia por vez sempre com novo encantoE ele sempre me ensina um novo e terno canto.Se teu caminho azul é recheado de flores,A vida é meu caminho exótico de amores.Se perfumas ao vento eu perfumo os meus dias,Se vives o prazer eu vivo de magias,

–“Pode ser que o porvir que em ânsias tu esperas,Jamais chegue a florir quais loiras primaveras.Olhas o imenso céu e as aves pensas tê-las,Eu já vivo no céu coroada de estrelas!O que pensas buscar e anseias num desejo,Encontra meu olhar na carícia de um beijo.

–“Pensas dar teu amor a todas as pessoas,Eu deste amor tenho hoje as melhores coroas.Se queres ser o sol com a sua virtude,Tu somente terás a sua luz que ilude.Eu tenho a mansidão, e o afeto desta vida,E se olho para trás a estrada é colorida!

–“Cuidado, juventude, esta incontida ânsia,Há de pôr entre nós um mundo de distância.Porém, se no amanhã venceres a jornada,Por certo irás ficar com a alma apaixonada.E sentirás por fim, presa à nova crendice,Que é prata a Juventude e o ouro é da Velhice!”

14.08.2001

Page 26: COLCHA DE RETALHOS

Meninos de rua

Um menino, com as mãos sujas de graxa,Que nos sapatos do Dr. capricha,De todos os moleques tem a ficha,– Quando passa a polícia, ele se agacha;

Esse menino, em devaneios, achaQue entre todos existe muita rixa:Para quem cheira cola, a grana micha,E não ganha sequer para a bolacha...

Alguns, não podem encontrar a brechaNuma loja qualquer, de dono trouxa,Que se tornam ligeiros como flecha:

Entre graxas, escondem a garrucha,Brigam na rua e com a bochecha roxaDivertem-se assistindo ao Xou da Xuxa!

16.11.1990

Page 27: COLCHA DE RETALHOS

Insônia

Insônia! Insônia! Insônia! O desespero infandoQue entra em meu corpo e não permite vir o sono...Desespero fatal! – fico acordando quandoAs pessoas estão em plácido abandono.

Latem errantes cães pela rua deserta...Monótono, o relógio, em seu bater eterno,Traz as horas sem fim... em vão, sob a coberta,Não consigo dormir... E a insônia é meu inferno.

Trabalha o pensamento... em coisas chulas pensa...Levanto-me da cama e vou olhar a rua.Silêncio e solidão... esbranquiçada e densaA bruma, num valsar, mostra e me esconde a lua.

Um livro para ler é companheiro amigoPara o sono chegar... Trinta páginas leio!Emboscada fatal! Assassinos! Perigo!À trama do romance eu me pego em anseio...

Outro cigarro acendo... IninterruptamenteFico olhando a fumaça a boiar, e vou vendoA luz de meu passado a brilhar no presente;E imperturbavelmente, ouro cigarro acendo!

As mulheres que amei vem-me fazer visita...Não chega o sono e então acendo outro cigarro...A fumaça flutua efêmera, esquisita...De súbito o pavor... Em fantasmas me agarro...

Quatro horas da manhã... A insônia me acompanha;Parece que dormi por séculos seguidos!Sou capaz de subir e descer a montanhaAndando sempre a pé, com passos decididos!

Do cigarro a fumaça evola-se, enche o quarto,Parece até que a névoa entrou em minha casa.Sozinho! Com ninguém minhas dores reparto,No peito o coração arruiva como brasa.

Page 28: COLCHA DE RETALHOS

Na rua um gato mia... Um cão em seu encalço!Noturno, o vento agride as flores do arvoredo...Divaga a fantasia... O pensamento é falso,Por instantes reais, da insônia sinto medo.

Na sala, o carrilhão marca mais um quadrante...O sono não me vem e eu aproveito e escrevo...(Se eu tivesse ao meu lado a apaixonada amante,A insônia até seria um momento de enlevo!)

Como é tarde! Oh, Morpheu! Aqueça-me em teu colo;As pálpebras me cerra... Eu preciso de sono.Mas angústia fatal! Aumenta o desconsolo!Amanhece e eis que estou em pálido abandono!...

16.07.1993

Page 29: COLCHA DE RETALHOS

O desespero de Judas

O sol caía junto às barras do horizonteE o pesadelo atroz pairava junto à fronteDo traidor contumaz, Judas Iscariote!No esgar desencadeado o vento – igual chicote! –Vociferava forte em remoinho imenso...Longe, o corpo de Cristo ao madeiro suspenso,Arquejava um gemido em hórrido contraste:“Eloí, Eloí, por que me abandonaste?...”Relampejava o céu escombros de violênciaE prenunciava em fúria a voz da Providência...Com o olhar febricitante o Apóstolo fitavaAquele que traíra... a multidão escravaDe poder contemplar na cruz mais uma morteExortava a sorrir tais momentos da sorte!

Judas fitava mudo os delírios insanosDe escribas, fariseus e soldados romanos.Mas de repente o sol brilha por uma fendaE ele pressente o fim desta visão horrenda.

Uma voz interior em seu cérebro vibraE ele sente tremer no corpo, fibra a fibra,Da agonia fatal que padece o Traído...E neste instante então, percebe-se perdido,E o inferno do terror penetra em sua mente...Apavorado está... Sai correndo... demente

Nas pedras tropeçando e segurando a capaNão consegue encontrar na própria mente o mapaPara onde quer seguir... Aflito vociferaE em seu rastro imagina ouvir o uivo da feraDo desespero atroz que persegue su’alma.Nada, nada o detém, nada no mundo o acalma,E uma voz interior em mil ecos propagaComo nefasta, fria, e supurada praga:“Traidor! Traidor! Traidor!...” mil caminhos procura,Mas não consegue achar lenitivo à loucura,Que enrosca no seu corpo... Alucinado, aflito,Corre a mais não poder... À distância o Infinito,Negreja o céu de fumo e ele vai, desvairado,Pelos campos sem fim como um desesperado.

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– “Que foi que fiz? Senhor, tende de mim piedade;Com a ganância maior do que a necessidadeVilipendiei dos Céus o Teu Filho divinoE eis-me agora a traçar o meu negro destino...Por certo Satanás penetrou em meu peitoE eu fraquejei, pois não devia tê-lo aceito;Sou filho de Caim e perdão não mereço,Mas se devo pagar agora qual o preçoE o que devo fazer? A loucura me invade.Sou o próprio Pecado, a própria insanidade,O Teu Filho traí e é horrível o meu crime,E nem o Teu perdão minha pena redime.Uivam feras no chão onde meus passos piso,Em reflexos o céu dá-me o mortal avisoQue contra Ele pequei... O que fazer agoraQue percebo o meu crime e a culpa me devora?

Eu que tanto busquei seguir o Seu caminhoComo posso viver nesta angústia sozinho?Aos Outros que direi quando vierem falar-me?Sou covarde, Senhor! O inferno traz o alarmeAnunciando que estou de partida para ele.Minh’alma é pura brasa, em cancros sinto a pele,O cérebro fervilha e eu não tenho sossego...Porém, para seguir às Geenas estou cego,

E o terror queima em mim, queima as minhas entranhas,Sinto no coração os palpos das aranhas,Nojentos escorpiões os meus pés aguilhoam,E os gemidos de Cristo em meus ouvidos soamE é minha própria voz, Senhor, que me condena.Minha língua está grossa e já cheira à gangrena,O pus cobre meu corpo e é horrível este cheiro.Uma ave negra voa e o seu canto agoureiroParece me dizer com seu grasnar eterno:Inferno! Inferno! Inferno! Inferno! Inferno! Inferno!Tudo é negro, Senhor... Pessoas apressadasPassam por mim agora em rudes gargalhadasE dizem sem parar: que sirva como exemploPara Aquele que quis nos expulsar do Templo!O Seu corpo na cruz vaza em pus e excrementos,E das pernas escorre em pútridos tormentosE eu não O ouvi, Senhor, fazer um só reclamo,Da Sua dor pungente e agora em dores clamo

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Mas perdão não mereço, eu sei que não mereço;Para tal atitude existirá um preço?

Trinta moedas, Senhor, as minhas mãos seguram,Tatuam a minh’alma e em minh’alma supuram...

Os lobos e os mastins perseguem os meus passos.Condena-me, Senhor, caiam em mim espaços,Teus Sidéreos sem fim que vagam no orbe imenso... Estou fora de mim, e louco já não penso...

Profanei minha vida em tal crime hediondoPor onde piso os pés, por onde os olhos sondoO terror é cruel... No inferno alguém me espera.Hei de viver na treva, entre grupos de fera,

No delírio da dor, neste insano remorso.Impossível seguir... Sangram meus pés... O esforçoÉ em vão... a noite está dentro de mim, sou noite;Não há lugar, bem sei, onde meu corpo acoite,Dá-me a morte, Senhor, que este sofrer eterno,Deve ser bem maior ao que terei no Inferno!

O corpo de meu Mestre ainda está pregadoE pende junto à Cruz... Parece estar aladoPronto para alcançar a imensidão celeste...Penso que vai voar, embora n’Ele infeste,Laivos fundos da dor... O vento sopra agoraE seu rígido corpo atado à cruz é a AuroraDe um dia que ainda está para chegar... Mas quando?Bem sei, não estarei por tal dia esperando...

Tenho sede, Senhor, a boca queima em brasa,Não tenho onde seguir... Há muito estou sem casa,Onde agora viver?...”

A Ganância e a Cobiça– Irmãs gêmeas do mal! – farão sua Justiça!

E à árvore atando a corda em tenebroso trismoJudas precipitou-se à escuridão do abismo...

13.04.2000

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Noturno

Um grito de Poesia sai-me d’alma...Estou feliz... a noite segue calmaO seu destino de trazer-me a aurora...– Quem foi que esborrifou o céu de estrelas?Sonâmbulo, ando pela noite e pelasCelestes trevas que meu ser adora.

Amo a noite e os sarcófagos de prataQue iluminam a noite e a densa mataOnde meus passos seguem sem destino.Amo a noite de forma tão intensa,Que se possível fosse-me uma crença,A faria num verso cristalino!

Oh! Noite, tua luz que me destila,Que minha vida deixa mais tranqüila,Por certo vem de uma destilariaCom new know próprio para filtrar luzes,Por isso, enquanto castiçais conduzes,À noite irei cantar minha Poesia!

Minha Poesia pura, da purezaDos anjos celestiais que sem defesaNas florestas da noite andam e cantam.Ah, visitar constelações brilhantes,Onde as estrelas puras, coruscantes,À imensa solidão da terra encantam...

Sou mais Poeta à noite, quando saio,E a lua preludia o mês de MaioQue das damas da noite traz o cheiro.Vicejam nos jardins rubras violetas,Aonde às centenas, vêm as borboletasOs perfumes sentir de um jasmineiro.

A noite adquire vida própria quandoOs seresteiros, aos violões, cantando,Fazem junto à janela uma seresta,E a Mulher que dormia enlanguescida,Em mágico torpor se enche de vidaEnquanto os olhos buscam uma fresta...

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Mas a Mulher que guarda algum segredoOculta, entre cortinas, sente medoEnquanto o coração – traidor confesso! –Denuncia o que os lábios nunca dizem,Embora n’alma alegre se enraízem,Por outro coração – carinho e apreço!

À noite é que o Poeta – missionárioDe Deus na Terra – como visionário,Despreza de Morpheu os róseos braços,Pois é que enquanto a noite arde e suspira,Deus desce à Terra e Seu cantar transpiraPara alvejar de estrelas os espaços!

14.03.1993

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O Lavrador

Arde o sol. É manhã. No Cáucaso diárioO velho lavrador – o Prometeu – arqueja –Sob o peso da lida e segue o itinerárioQue mais parece ser um lúgubre CalvárioOnde Cristo revê a Sua Mãe – que o beija!

Manha. De sol a sol – no causticante inferno,Lavra a terra a sofrer... corre o suor no rosto...Suas rudes feições transmudam-se e o invernoDe seu longo viver parece ser eternoE é eterno quando vê, no céu, o sol já posto.

As calejadas mãos não sabem mais, na vida,Carinhos ofertas, pois o trabalho intensoConsome seu viver... a Esperança é perdida,As ilusões são vãs, e a estrada percorridaLembra o inverno glacial que é nebuloso, denso...

Trabalha tanto e tanto... a enxada corta o matoQue entre os canteiros cresce... o rastelo, em arrancos,Tira entulhos da terra e entre um ao e um outro ato,Vê, crescendo feliz, – desse doce contacto –Os frutos de um trabalho em honra aos Sonhos brancos.

Trabalha e sofre, sofre e trabalha, e o trabalho,É um hino para Deus, pois enquanto padece,Não vê o tempo passar – o tempo é como o galhoDa árvore centenária:– enquanto cai o orvalhoA vida em flores vibra em poderes de prece!

Bendito Lavrador! As tuas mãos são santas,Pois embora colhendo o puro SacramentoEu quisera saber em casa, o que tu jantas?E não creio que tu, que a tantas bocas, tantasBocas dás de comer, comas teu alimento!

E mesmo assim tu vais – com puras Esperanças,Matar do mundo a fome: e o campo – terno abrigo –Forra-se de arrozais das sementes que lanças,As espigas de milho... ah!... são loiras criançasQue brincam sem parar com os cachos de trigo!

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És um santo na terra, Artesão do futuro!Em tuas mãos está depositada a sorteDos homens do porvir, porque tu és um Puro,Um seguidor de Cristo e de Buda e seguroEncontrarás a Vida onde, hirta, reina a Morte!

23.06.1981

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Canção entre parêntesisFoi muito bom te ver naquele dia...

(Um canário cantava na gaiolaA sua serenata em sinfonia...Meu coração, em forma de viola,Fez repentes de mágica poesia...E cantando sentida barcarolaA minh’alma fez hinos de alegria,E ao mais falar a minha voz se enrola...)

Foi muito bom te ver naquele dia...

30.09.1999

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Círculo

– Por que chorar, amigo, a morta mocidade,Se ao morrer ela deu-te a calma, a experiência,O saber esperar os passos da prudência,Certa sabedoria e freios à ansiedade?

Se antes, num atropelo e em tola insanidade,Prendias o teu sonho à vesga intransigência,Hoje tens certo estudo e sabes que a ciênciaÉ saber esperar com virtude e vontade!

Podes ter menos força, entretanto, o que conta,É acariciar o tempo e o tempo sempre apontaCom pura exatidão o instante de ir-se à frente...

Então, por que chorar num desespero aflito?Que diz a tua voz que mais parece um grito?–“Quem me dera outra vez ser moço e inexperiente!...”

29.01.1999

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Incapacidade do Artista

Às tardes, contemplando o sol no ocaso,Incendiando nuvens passageiras,As minhas vistas ficam prisioneirasDo espetáculo feito por acaso.

E jamais um pintor, com mãos artistas,Conseguirá reproduzir na telaA paisagem tão límpida e tão belaCom pinceladas ágeis e (im)previstas.

As nuvens mudam num vagar a esmoEm suas formas rápidas, constantes...E o que agora elas são não eram antesE o artista em sua vida é sempre o mesmo.

03.11.1999

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Silêncio

Melhor calor. Às vezes o silêncioConsegue traduzir mais que as palavrasQue estão a embaralhar a nossa língua.

Por vezes traduzir fica impossível– Lágrimas valem mais do que palavras.

O silêncio de um túmulo refleteA verdade contida no segredo.

23.03.2001

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ImprevistoEla, às vezes, me dá uma alegria,No momento que menos eu suponho.Nessas horas parece até que sonhoMas estou acordado... em pleno dia.

Chega sorrindo em forma de poesiaE eu nos seus lábios, ternos beijos ponho.Sorri – meu mundo fica mais risonho!Canta – e me embalo nessa fantasia!

Até parece que a felicidadeÉ a coisa mais banal que há nessa vida,Pois ela, de maneira mais completa,

Faz minh’alma cantar em ansiedade...A paisagem se torna mais floridaE feliz eu me torno mais Poeta!

14.11.1995

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Aparente mansuetude

Se já não mais possuo o fogo antigoQue antes me enfebrecia de emoção,Ainda meu peito serve como abrigoPara um esperançoso coração.

E mesmo às intempéries eu não ligoE ao redor me projeto em mansidão;Porém, sei muito bem que n’alma abrigo,Efervescentes lavas de vulcão!

Assim, nesta aparente mansuetudeSe se me extingue a airosa juventude,Nem por isso é que tranco-me à ilusão.

As brasas tão-somente estão cobertas,Se minhas vistas lanço a áreas desertas,É que ainda espero o vento da Paixão!

23.05.1996

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Matinal

O dia amanheceu todo festivo!No jardim – lindas rosas encarnadasDesabrocharam pelas madrugadasDeixando meu jardim alegre e vivo!

De monástico sonho sou cativo!Enlaço minhas rimas em baladasE os lábios escancaro em mil risadasE canto meu prazer afirmativo!

Gotículas minúsculas de orvalhoMais parecem cristais que à luz do solFicam a refletir de cada galho

Um arco-íris em forma de farol;E eu, num instante paro meu trabalho,E soletro cantigas em bemol!

25.06.1996

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Preciso...

Preciso que o silêncio das manhãsSeja quebrado apenas pelas avesQue em cantos matinais, calmos, suaves,Amadurem as frutas temporãs.

Preciso que o vermelho das romãsTraga-me a sorte para meus entravesE em vôos andorinhas façam clavesE musiquem as sombras das rechãs.

Preciso que meus passos sejam certosPara encurtar estradas dos desertosE poder palmilhar pelo porvir.

Preciso aos sonhos sigo sempre a esmo,E a cada dia mais me sinto eu mesmoCom mil facilidades para rir.

28.08.1998

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Rua XV(esquina da Av. Armando de Salles Oliveira)

De chupetas na boca, essas crianças,Ficam brincando de pedir esmola,Não têm educação, não têm escola,E muitos menos sonhos e esperanças.

Nos semáforos ficam, entre danças,Parecendo bonecos sobre mola,Mastigando passada mariolaCom rosto sujo após tantas andanças...

–“Me dá uma moedinha?!...” e andando a esmoPor entre os automóveis impacientes,Elas se esgueiram num furtivo riso.

O tétrico cenário é sempre o mesmo:E eu vendo essas crianças inocentes,Penso que é fantasia o Paraíso.

13.12.1999

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Soneto manco

Marcas no chão definem-te a presença...E corrôo-me à angústia de estar só.Todo o nosso passado, a nossa crença, Resume-se hoje a pó.

E o que nos resta – a tola indiferença –Põe à minha garganta amargo nó;Que a solidão é a mais cruel sentença Que á boca põe um oh!

E assim, na solidão de estar sozinho,Os pés vão desenhando em meu caminho Este sonho cruel.

E quando chego ao fim desta jornada,Tenho, para agravar esta cilada, Grossos favos de fel.

23.07.2000

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Pedro Chiquito(repentista piracicabano, quando de sua morte)

Na carreira do DivinoHoje o canto é desatinoE faço tanger o sinoNum dobre muito magoado...Mas tenho um verso bonitoQue leve ao mundo InfinitoA alma de Pedro ChiquitoNa carreira do Sagrado.

Meu verso rola vazio,N’alma sinto enorme frioA tristeza é um arrepioQue deixa desesperadoEste Poeta que insisteEm cantar seu canto tristeE às intempéries resisteMesmo com seu canto errado.

Não sei moda de viola– Um dia fugi da escolaE hoje guardo na cacholaSomente um verso quebrado.Mesmo assim, com teimosia,Vou tentar minha poesiaQue de sonhos é vaziaParece um jacá furado.

Que importa seja meu versoDo modo todo diversoDa Lei que rege o UniversoE tem contrato firmado?Socorro, Moacir Siqueira!Nhô Serra, marquei bobeira,Estou a fazer besteiraTô onde não fui chamado!

Hugo Pedro Carradore– Jararaca do Folclore –Você, talvez, lendo chore,Ao ver meu verso engasgado...Amigo Toti me ajude!Sua eterna juventude

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Vem do Rio sem saúdeOu vem do canto marcado?

Outro mundo talvez herdeA linda esperança verdeQue no canavial se perdeNa garapa e no melado...Mas eu tenho por herançaVelha e magoada esperançaQue labuta e não se cansaEm ver o verso rimado.

Talvez as Luzes da Aurora(Que o céu de fogo colora)Doure a pérola que irroraE este canto derrocado...Ou será que a SemeaduraQue rebenta a terra duraConsiga deixar maduraA vida e o sonho dourado?

Ou será que o Chiarini(Que Deus o tenha e o ilumine!)Qual um pintassilgo trinePara deixar inspiradoEste verso pobre, chulo,Que não tem valor e é nulo,Que nas métricas dá puloPois quem faz não é letrado?

Ah, tento um verso bonitoPara cantar no InfinitoO grande Pedro ChiquitoQue está de peio calado...Mas a inspiração me falta,A noite imensa vai alta,A alma em sussurros se exaltaE continuo acordado...

Vou parar com a redondilha,E buscar outra cartilha,Acordar a minha filhaE fundar outro condado...Vou ser rei em terra estranha,Da teia, tirar a aranha,

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Pois à viola me acompanhaQuem jamais ponteou errado.

Já estou todo confuso,Pois do verso fiz mau uso,Desce do céu, Parafuso,E desenrosque o enroscado...O duo aí tá bonito?Pudera, o Pedro ChiquitoNum desafio infinitoDeixou Deus apaixonado...

Depois de tanta besteiraEu salto dessa carreira,Rezo para a PadroeiraMais um terço devotado...E ao eterno repentistaQue teve a grande conquistaDe ver o Maior Artista,Adeus e muito obrigado!

Poema feito dia de sua morte16.12.1991