como usar hq - cap 1

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7 USO DAS HQS NO ENSINO Sem dúvida, os quadrinhos representam hoje, no mundo inteiro, um meio de comunicação de massa de grande penetração popular. Nos quatro cantos do planeta, as publicações do gênero circulam com uma enorme variedade de títulos e tiragens de milhares ou, às vezes, até mesmo milhões de exemplares, avidamente adquiridos e consumidos por um público fiel, sempre ansioso por novidades. Mesmo o aparecimento e a concorrência de outros meios de comunicação e entretenimento, cada vez mais abundantes, diversificados e sofisticados, não impediram que os quadrinhos continuassem, neste início de século, a atrair um grande número de fãs. Tamanha popularidade das histórias em quadrinhos, as HQs, não se deu por acaso. A produção, divulgação e comercialização, organizada em uma escala industrial, permitiu a profissionalização das várias etapas de sua elaboração, possibilitando-lhes atingir tiragens astronômicas. Hoje em dia, em quase todos os países, a indústria dos quadrinhos move- se por meio dos esforços de um grande número de profissionais que, muitas vezes, sequer têm contato direto entre si, podendo inclusive estar distantes um do outro milhares de quilômetros, vivendo em países com línguas e culturas diferentes. Assim, as histórias em quadrinhos, além de serem um dos primeiros veículos a caminhar para a padronização de conteúdos, também incorporaram a globalização econômica em seus processos de produção, garantindo, dessa forma, a sobrevivência em um mercado cada vez mais competitivo.

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  • 7USO DAS HQS NO ENSINO

    Sem dvida, os quadrinhos representam hoje, no mundo inteiro,um meio de comunicao de massa de grande penetrao popular. Nosquatro cantos do planeta, as publicaes do gnero circulam com umaenorme variedade de ttulos e tiragens de milhares ou, s vezes, atmesmo milhes de exemplares, avidamente adquiridos e consumidospor um pblico fiel, sempre ansioso por novidades. Mesmo oaparecimento e a concorrncia de outros meios de comunicao eentretenimento, cada vez mais abundantes, diversificados e sofisticados,no impediram que os quadrinhos continuassem, neste incio de sculo,a atrair um grande nmero de fs.

    Tamanha popularidade das histrias em quadrinhos, as HQs, no sedeu por acaso. A produo, divulgao e comercializao, organizadaem uma escala industrial, permitiu a profissionalizao das vrias etapasde sua elaborao, possibilitando-lhes atingir tiragens astronmicas.Hoje em dia, em quase todos os pases, a indstria dos quadrinhos move-se por meio dos esforos de um grande nmero de profissionais que,muitas vezes, sequer tm contato direto entre si, podendo inclusive estardistantes um do outro milhares de quilmetros, vivendo em pases comlnguas e culturas diferentes. Assim, as histrias em quadrinhos, almde serem um dos primeiros veculos a caminhar para a padronizao decontedos, tambm incorporaram a globalizao econmica em seusprocessos de produo, garantindo, dessa forma, a sobrevivncia emum mercado cada vez mais competitivo.

  • 8Essa inegvel popularidade dos quadrinhos, no entanto, talveztenha sido tambm responsvel por uma espcie de desconfianaquanto aos efeitos que elas poderiam provocar em seus leitores. Porrepresentarem um meio de comunicao de vasto consumo e comcontedo, at os dias de hoje, majoritariamente direcionado s crianase jovens, as HQs cedo se tornaram objeto de restrio, condenadas pormuitos pais e professores no mundo inteiro. De uma maneira geral, osadultos tinham dificuldade para acreditar que, por possurem objetivosessencialmente comerciais, os quadrinhos pudessem tambm contribuirpara o aprimoramento cultural e moral de seus jovens leitores.

    Pais e mestres desconfiavam das aventuras fantasiosas das pginasmulticoloridas das HQs, supondo que elas poderiam afastar crianas ejovens de leituras mais profundas, desviando-os assim de umamadurecimento sadio e responsvel. Da, a entrada dos quadrinhos emsala de aula encontrou severas restries, acabando por serem banidos,muitas vezes de forma at violenta, do ambiente escolar. Aos poucos, taisrestries foram atenuadas e extinguidas, mas no de forma tranqila,sendo na verdade resultado de uma longa e rdua jornada. Para entendermelhor esse processo, preciso recuar no tempo e conhecer um pouco maisa evoluo das histrias em quadrinhos e, por conseqncia, as razes daresistncia a elas por parte de pais e educadores.

    A EVOLUO DAS HISTRIAS EM QUADRINHOS

    De certa forma, pode-se dizer que as histrias em quadrinhos voao encontro das necessidades do ser humano, na medida em queutilizam fartamente um elemento de comunicao que esteve presentena histria da humanidade desde os primrdios: a imagem grfica. Ohomem primitivo, por exemplo, transformou a parede das cavernasem um grande mural, em que registrava elementos de comunicaopara seus contemporneos: o relato de uma caada bem sucedida, ainformao da existncia de animais selvagens em uma regioespecfica, a indicao de seu paradeiro etc.

    Assim, quando o homem das cavernas gravava duas imagens,uma dele mesmo, sozinho, e outra incluindo um animal abatido,

  • 9poderia estar, na realidade, vangloriando-se por uma caada vitoriosa,mas tambm registrando a primeira histria contada por uma sucessode imagens. Bastaria, ento, enquadr-las para se obter algo muitosemelhante ao que modernamente se conhece como histria emquadrinhos. Ainda hoje, as crianas comeam muito cedo a transmitirsuas impresses do mundo por meio de desenhos, representando seuspais, seus irmos e seus amigos com rabiscos que nem sempre lembramas pessoas ou objetos retratados, mas que, mesmo assim, cumprem oobjetivo de comunicar uma mensagem.

    Ainda que de maneira intuitiva, tanto o homem das cavernascomo a criana de hoje parecem ter compreendido que, como diz asabedoria popular, uma imagem fala mais do que mil palavras. Noentanto, embora as figuras das cavernas atendessem satisfatoriamentes necessidades de comunicao do homem primitivo, elas logo semostrariam insuficientes para acompanhar o desenvolvimento hu-mano. medida em que as comunidades se tornavam nmades, aescrita simblica, grafada em materiais mais leves, como o couro ou opergaminho, passou a funcionar como elemento bsico de comu-nicao. Ainda assim, a formulao dos primeiros alfabetos guardouestreita relao com a imagem daquilo que se pretendia representar,constituindo o que se conhece como escrita ideogrfica. o caso doshierglifos e da escrita japonesa, por exemplo.

    O advento do alfabeto fontico fez com que a imagem passasse ater menor importncia como elemento de comunicao entre oshomens, deixando de existir uma ligao direta entre a maneira comose representa graficamente um objeto ou um animal e a sua forma fsicareal. Esse nvel de abstrao entre o objeto e seu smbolo representouum avano extraordinrio para a humanidade, pois o novo sistemapermitiu ampliar quase que ao infinito as possibilidades de com-posio e transmisso de mensagens e atingir um grau de comunicaoque o desenho, isoladamente, no conseguia atingir. Por outro lado,vale lembrar que o acesso palavra escrita ocorreu de forma paulatina,atingindo inicialmente apenas as parcelas mais privilegiadas dapopulao, o que garantiu a permanncia da imagem grfica comoelemento essencial de comunicao na histria da humanidade.

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    Mesmo o aparecimento da imprensa no impediu que a imagemgrfica continuasse a desempenhar papel preponderante na comu-nicao humana: os sculos imediatamente posteriores ao aparecimentoda indstria tipogrfica foram palco de uma infinidade de obras quealiavam, com bastante eficincia, a palavra impressa a elementospictricos que atendiam aos mais diversos objetivos, desde a doutrinaoreligiosa disseminao de idias polticas, passando ainda pelo simplesentretenimento. Exemplos disso so a Bblia ilustrada por Gustave Dore os milhares de folhetins publicados entre os sculos XVII e XIX, a vastaimprensa humorstica inglesa do sculo XVIII e a abundante produo dehistrias infantis na Frana, Alemanha e Itlia, entre outros.

    A evoluo da indstria tipogrfica e o surgimento de grandescadeias jornalsticas, fundamentados em uma slida tradio icono-grfica, criaram as condies necessrias para o aparecimento dashistrias em quadrinhos como meio de comunicao de massa. Aindaque histrias ou narrativas grficas contendo os principais elementosda linguagem dos quadrinhos possam ser encontradas, paralelamente,em vrias regies do mundo, possvel afirmar que o ambiente maispropcio para seu florescimento localizou-se nos Estados Unidos dofinal do sculo XIX, quando todos os elementos tecnolgicos e sociaisencontravam-se devidamente consolidados para que as histrias emquadrinhos se transformassem em um produto de consumo massivo,como de fato ocorreu.

    Despontando inicialmente nas pginas dominicais dos jornaisnorte-americanos e voltados para as populaes de migrantes, osquadrinhos eram predominantemente cmicos, com desenhos satricose personagens caricaturais. Alguns anos depois, passaram a ter publicaodiria nos jornais as clebres tiras , e a diversificar suas temticas,abrindo espao para histrias que enfocavam ncleos familiares, animaisantropomorfizados e protagonistas femininas, embora ainda con-servando os traos estilizados e o enfoque predominantemente cmico.Levados a todo o mundo pelos syndicates, grandes organizaesdistribuidoras de notcias e material de entretenimento para jornais detodo o planeta, essas histrias disseminaram a viso de mundo norte-americana, colaborando, juntamente com o cinema, para a globalizaodos valores e cultura daquele pas.

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    Com as histrias de aventuras, no final da dcada de 1920, veiotambm a tendncia naturalista nos quadrinhos, que aproximou osdesenhos de uma representao mais fiel de pessoas e objetos, ampliandoo seu impacto junto ao pblico leitor. Ao mesmo tempo, o aparecimentode um novo veculo de disseminao dos quadrinhos, as publicaesperidicas conhecidas como comic books no Brasil, gibis , nos quaislogo despontaram os super-heris, de extrema penetrao junto aosleitores mais jovens, ampliou consideravelmente o consumo dosquadrinhos, tornando-os cada vez mais populares. A Segunda GuerraMundial ajudou a multiplicar essa popularidade, com o engajamentofictcio dos heris no conflito blico e seu consumo massivo por grandeparte dos adolescentes norte-americanos. As revistas de histrias emquadrinhos tiveram suas tiragens continuamente ampliadas, atingindocifras astronmicas naqueles anos.

    O final da Segunda Guerra Mundial viu o aparecimento de novosgneros nas revistas de quadrinhos, destacando-se as histrias de terrore suspense, que enfocavam temticas de gostos duvidosos e traziamrepresentaes extremamente realistas. Apesar disso ou talvezexatamente por isso , sua popularidade entre os leitores adolescentescontinuou a crescer e as tiragens das revistas tornaram-se cada vezmais altas, levando parte da sociedade norte-americana a ficarpreocupada com sua enorme influncia sobre os leitores infantis.

    O perodo de ps-guerra e incio da chamada Guerra Fria foiespecialmente propcio para a criao do ambiente de desconfiana emrelao aos quadrinhos. Fredric Wertham, psiquiatra alemo radicadonos Estados Unidos, encontrou espao privilegiado para uma cam-panha de alerta contra os pretensos malefcios que a leitura de histriasem quadrinhos poderia trazer aos adolescentes norte-americanos.Baseado nos atendimentos que fazia de jovens problemticos, o dr.Wertham passou a publicar artigos em jornais e revistas especializadas,ministrar palestras em escolas, participar de programas de rdio e tev,nos quais sempre salientava os aspectos negativos dos quadrinhos e sualeitura. Generalizando suas concluses a partir de um segmento daindstria de revistas de histrias em quadrinhos principalmente ashistrias de suspense e terror , e dos casos patolgicos de jovens eadolescentes que tratou em seu consultrio, ele investiu violentamentecontra o meio, denunciando-o como uma grande ameaa juventudenorte-americana.

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    Assim, utilizando-se de exemplos escolhidos a dedo e com rigorcientfico questionvel, o psiquiatra tentava provar como as crianasque recebiam influncia dos quadrinhos apresentavam as maisvariadas anomalias de comportamento, tornando-se cidadosdesajustados na sociedade. Posteriormente, Wertham reuniu suasobservaes em um livro denominado A seduo dos inocentes,publicado em 1954, que foi um grande sucesso de pblico e marcou,durante as dcadas seguintes, a viso dominante sobre os quadrinhosnos Estados Unidos e, por extenso, em grande parte do mundo. Entreoutras teses, o livro defendia, por exemplo, que a leitura das histriasdo Batman poderia levar os leitores ao homossexualismo, na medidaem que esse heri e seu companheiro Robin representavam o sonho dedois homossexuais vivendo juntos. Ou que o contato prolongado comas histrias do Superman poderia levar uma criana a se atirar pelajanela de seu apartamento, buscando imitar o heri.

    O livro A seduo dos inocentes, de FredricWertham, que acusava os quadrinhos deprovocar anomalias de comportamento emcrianas e adolescentes

    Devido ao impacto das denncias do dr. Wertham e de outrossegmentos da sociedade norte-americana como associaes deprofessores, mes e bibliotecrios, alm de grupos religiosos das maisdiferentes tendncias , no tardou para que todos os produtos daindstria de quadrinhos passassem a ser vistos como deletrios, exigindouma vigilncia rigorosa por parte da sociedade . Para fazer frente a essaviso, ao final da dcada de 1940 alguns editores norte-americanos

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    reunidos na Association of Comics Magazine j haviam elaborado umaprimeira proposta para depurao das publicaes da indstria dosquadrinhos, um Comics Code, que visava garantir a pais e educadoresque o contedo das revistas no iria prejudicar o desen-volvimentomoral e intelectual de seus filhos e alunos.

    Bastante breve e genrica, essa primeira proposta no foi suficientepara diminuir a sanha moralista que guiava os detratores dos qua-drinhos. Assim, aps a publicao do livro do dr. Wertham, a ComicsMagazine Association of Amrica sentiu necessidade de elaborar umcdigo mais detalhado, que passou a vigorar para todas as revistas dehistrias em quadrinhos. A partir dessa data, cada comic book publicadonos Estados Unidos passou a receber um selo, fixado de forma bemvisvel na capa, como forma de garantir sociedade a qualidadeinterna. Assim, as editoras norte-americanas tentavam apaziguar osnimos da vasta classe mdia branca de seu pas, que dizia estar zelandopara manter valores morais e religiosos.

    Infelizmente, esse movimento formal de classificao dos quadrinhos,em vez de colaborar para o aprimoramento do meio como pretendiamseus idealizadores, teve dois efeitos bastante negativos sobre ele. Por umlado, sob o ponto de vista do mercado, gerou o desaparecimento de grandenmero de editoras, algumas com propostas bastante avanadas emtermos de elaborao de contedos temticos e reconhecimento daproduo intelectual de roteiristas e desenhistas, tendo como conse-qncia principal a pasteurizao do contedo das revistas.

    De fato, de uma maneira geral, as revistas de histrias em qua-drinhos posteriores ao Comics Code caminharam decididamente paraa mediocridade, passando a veicular, em sua grande maioria, histriaspfias e sem grandes pretenses criativas, que realmente poucocontribuam para o aprimoramento intelectual de seus leitores. Poroutro lado, isto fez com que qualquer discusso sobre o valor estticoe pedaggico das HQs fosse descartada nos meios intelectuais, e as rarastentativas acadmicas de dar algum estatuto de arte aos quadrinhoslogo seriam encaradas como absurdas e disparatadas.

    Em diversos lugares do mundo Frana, Itlia, Gr-Bretanha,Alemanha e Brasil, por exemplo , tambm explodiram as crticas aosquadrinhos, com motivao bastante semelhante (ainda que no to

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    agressiva) verificada nos Estados Unidos. Em praticamente todos ospases nos quais os quadrinhos eram editados, manifestaes contrriaspartiram de representantes do mundo cultural, educativo e cientfico.Alguns pases europeus chegaram a estabelecer legislaes restritivas aosquadrinhos, proibindo a publicao de material estrangeiro oudeterminando critrios rgidos para sua produo no pas. No Brasil,os editores elaboraram um cdigo prprio e aplicaram s revistas umselo semelhante quele desenvolvido nos Estados Unidos:

    Cdigo de tica dos Quadrinhos*

    1. As histrias em quadrinhos devem ser um instrumento deeducao, formao moral, propaganda dos bons sentimentos eexaltao das virtudes sociais e individuais.2. No devendo sobrecarregar a mente das crianas como sefossem um prolongamento do currculo escolar, elas devem, aocontrrio, contribuir para a higiene mental e o divertimento dosleitores juvenis e infantis.3. necessrio o maior cuidado para evitar que as histrias emquadrinhos, descumprindo sua misso, influenciem per-niciosamente a juventude ou dem motivo a exageros da imaginaoda infncia e da juventude.4. As histrias em quadrinhos devem exaltar, sempre que possvel,o papel dos pais e dos professores, jamais permitindo qualquerapresentao ridcula ou desprimorosa de uns ou de outros.5. No permissvel o ataque ou a falta de respeito a qualquerreligio ou raa.6. Os princpios democrticos e as autoridades constitudas devemser prestigiadas, jamais sendo apresentados de maneira simpticaou lisonjeira os tiranos e inimigos do regime e da liberdade.7. A famlia no pode ser exposta a qualquer tratamento desres-peitoso, nem o divrcio apresentado como sendo uma soluopara as dificuldades conjugais.8. Relaes sexuais, cenas de amor excessivamente realistas,anormalidades sexuais, seduo e violncia carnal no podemser apresentadas nem sequer sugeridas.

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    9. So proibidas pragas, obscenidades, pornografias, vulga-ridades ou palavras e smbolos que adquiram sentido dbio einconfessvel.10. A gria e as frases de uso popular devem ser usadas commoderao, preferindo-se sempre que possvel a boa linguagem.11. So inaceitveis as ilustraes provocantes, entendendo-secomo tais as que apresentam a nudez, as que exibem indecente oudesnecessariamente as partes ntimas ou as que retratam posesprovocantes.12. A meno dos defeitos fsicos e das deformidades dever serevitada.13.Em hiptese alguma, na capa ou no texto, devem serexploradas histrias de terror, pavor, horror, aventuras sinistras,com as suas cenas horripilantes, depravao, sofrimentos fsicos,excessiva violncia, sadismo e masoquismo.14. As foras da lei e da justia devem sempre triunfar sobre as docrime e da perversidade. O crime s poder ser tratado quandofor apresentado como atividade srdida e indigna e os criminosos,sempre punidos pelos seus erros. Os criminosos no podem serapresentados como tipos fascinantes ou simpticos e muito menospode ser emprestado qualquer herosmo s suas aes.15. As revistas infantis e juvenis s podero instituir concursospremiando os leitores por seus mritos. Tambm no devero asempresas signatrias deste Cdigo editar, para efeito de vendanas bancas, as chamadas figurinhas, objeto de um comrcionocivo infncia.16. Sero proibidos todos os elementos e tcnicas no especi-ficamente mencionados aqui, mas contrrios ao esprito e inteno deste Cdigo de tica, e que so considerados violaesdo bom gosto e da decncia.17. Todas as normas aqui fixadas se impem no apenas ao textoe aos desenhos das histrias em quadrinhos, mas tambm s capasdas revistas.18. As revistas infantis e juvenis que forem feitas de acordo comeste Cdigo de tica levaro na capa, em lugar bem visvel, umselo indicativo de sua adeso a estes princpios.

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    * Elaborado por um grupo de editores brasileiros de revistas de histrias emquadrinhos, que inclua a Editora Grfica O Cruzeiro, Editora Brasil-AmricaLtda, Rio Grfica e Editora e Editora Abril. Fonte: SILVA, Diamantino da.Quadrinhos para quadrados. Porto Alegre: Bels, 1976. p. 102-104

    Apesar de sua imensa popularidade junto ao pblico leitor composto principalmente por jovens e adolescentes e das altssimastiragens das revistas, a leitura de histrias em quadrinhos passou a serestigmatizada pelas camadas ditas pensantes da sociedade. Tinha-secomo certo que sua leitura afastava as crianas de objetivos mais nobres como o conhecimento do mundo dos livros e o estudo de assuntossrios , que causava prejuzos ao rendimento escolar e poderia,inclusive, gerar conseqncias ainda mais aterradoras, como oembotamento do raciocnio lgico, a dificuldade para apreenso de idiasabstratas e o mergulho em um ambiente imaginativo prejudicial aorelacionamento social e afetivo de seus leitores.

    De uma maneira geral, durante os anos que se seguiram malfadadacampanha de difamao contra elas, as histrias em quadrinhos quasetornaram-se as responsveis por todos os males do mundo, inimigas doensino e do aprendizado, corruptoras das inocentes mentes de seusindefesos leitores. Portanto, qualquer idia de aproveitamento dalinguagem dos quadrinhos em ambiente escolar seria, poca,considerada uma insanidade. A barreira pedaggica contra as histriasem quadrinhos predominou durante muito tempo e, ainda hoje, no sepode afirmar que ela tenha realmente deixado de existir. Mesmoatualmente h notcias de pais que probem seus filhos de leremquadrinhos sempre que as crianas no se saem bem nos estudos ouapresentam problemas de comportamento, ligando o distrbiocomportamental leitura de gibis.

    O DESCOBRIMENTO DOS QUADRINHOSCOMO PRODUO ARTSTICA E EDUCATIVA

    O desenvolvimento das cincias da comunicao e dos estudosculturais, principalmente nas ltimas dcadas do sculo XX, fez com

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    que os meios de comunicao passassem a ser encarados de maneiramenos apocalptica, procurando-se analis-los em sua especificidadee compreender melhor o seu impacto na sociedade. Isto ocorreu comtodos os meios de comunicao, como o cinema, o rdio, a televiso,os jornais etc. Inevitavelmente, tambm as histrias em quadrinhospassaram a ter um novo status, recebendo um pouco mais de atenodas elites intelectuais e passando a ser aceitas como um elemento dedestaque do sistema global de comunicao e como uma forma demanifestao artstica com caractersticas prprias.

    O despertar para os quadrinhos surgiu inicialmente no ambientecultural europeu, sendo depois ampliado para outras regies do mundo.Aos poucos, o redescobrimento das HQs fez com que muitas das barreirasou acusaes contra elas fossem derrubadas e anuladas. De certa maneira,entendeu-se que grande parte da resistncia que existia em relao a elas,principalmente por parte de pais e educadores, era desprovida defundamento, sustentada muito mais em afirmaes preconceituosas emrelao a um meio sobre o qual, na realidade, se tinha muito poucoconhecimento. A partir da, ficou mais fcil para as histrias em quadrinhos,tal como aconteceu com a literatura policial e a fico cientfica, seremencaradas em sua especificidade narrativa, analisadas sob uma tica prpriae mais positiva. Isto tambm, claro, favoreceu a aproximao das histriasem quadrinhos das prticas pedaggicas.

    Por outro lado, a percepo de que as histrias em quadrinhospodiam ser utilizadas de forma eficiente para a transmisso deconhecimentos especficos, ou seja, desempenhando uma funoutilitria e no apenas de entretenimento, j era corrente no meioquadrinhstico desde muito antes de seu descobrimento pelosestudiosos da comunicao. As primeiras revistas de quadrinhos decarter educacional publicadas nos Estados Unidos, tais como TrueComics, Real Life Comics e Real Fact Comics, editadas durante a dcadade 1940, traziam antologias de histrias em quadrinhos sobre perso-nagens famosos da histria, figuras literrias e eventos histricos.

    Na segunda metade daquela mesma dcada, a editora EducationalComics dedicava-se publicao de histrias em quadrinhos religiosase de fundo moral, como Picture Stories from the Bible, Picture Stories fromAmerican History, Picture Stories from World History e Picture Stories from

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    Science. Ttulos como Classics Illustrated, reproduzidos praticamente nomundo inteiro, inclusive no Brasil, buscavam aproximar as histrias emquadrinhos das grandes obras literrias, vertendo para a linguagem dasHQs os livros dos maiores autores da literatura mundial, como CharlesDickens, William Shakespeare, Daniel Defoe, Victor Hugo, JonathanSwift, Edgar Allan Poe etc.

    Outras publicaes faziam da catequese seu maior objetivo,dedicando-se transmisso de valores defendidos pela religio catlica,sobressaindo-se aqueles, como Topix Comics e Treasure Chest, que sededicavam s biografias de santos e personagens bblicos. Mais oumenos na mesma poca, na Itlia, editoras ligadas Igreja Catlicatambm utilizaram fartamente a linguagem dos quadrinhos paraincutir nas crianas o sentimento religioso, em revistas que foramdepois traduzidas e publicadas em muitos pases do mundo.

    Mas a percepo dos benefcios pedaggicos dos quadrinhos noficou restrita apenas a autores e editores. Nos anos 50, na Chinacomunista, o governo de Mao Tse-Tung utilizou fartamente a linguagemdas histrias em quadrinhos em campanhas educativas, utilizando-sedo mesmo modelo de retratar vidas exemplares explorado pelasrevistas religiosas, mas enfocando representantes da nova sociedade quese pretendia estabelecer no pas. As histrias podiam enfocar, porexemplo, a vida de um soldado que, a caminho de seu quartel, aoencontrar uma pobre velhinha sem foras para caminhar, desviava-sede seu caminho e a levava s costas at sua casa, passando a imagem desolidariedade que o governo chins pretendia vender populao.

    Imagem extrada de umadas HQS editadas pelogoverno de Mao Tse-Tung:os quadrinhos a servio dapropaganda ideolgica

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    Entidades governamentais de outros pases preferiram aplicar alinguagem dos quadrinhos mais diretamente como apoio tcnico utilizao de equipamentos e treinamento de pessoal em atividadesespecializadas. J durante a Segunda Guerra Mundial, o Depar-tamento de Defesa dos Estados Unidos, com a colaborao do clebredesenhista Will Eisner, utilizou fartamente os quadrinhos na elabo-rao de manuais para treinamento de suas tropas.

    Na Europa, a utilizao dos quadrinhos como apoio ao tratamentode temas escolares de forma ldica, possibilitando um processo deaprendizado mais agradvel aos leitores, acentuou-se durante a dcadade 1970. Na Frana, por exemplo, a editora Larousse obteve um grandexito comercial com a publicao de LHistoire de France em BD, em oitovolumes, que em sete anos teve mais de 600 mil colees vendidas, abrindocaminho para que a mesma editora lanasse, em 1983, tambm em oitovolumes, outra obra em quadrinhos com fins educativos, Dcouvrir laBible. A obra foi depois editada em vrios outros pases, como Japo,Itlia, Espanha e Estados Unidos.

    Outros editores, constatando o sucesso comercial desse tipo depublicao, tambm se aventuraram na mesma linha, com maior oumenor sucesso, ajudando a firmar, perante o pblico, o entendimentode que as histrias em quadrinhos podiam ser utilizadas para atransmisso de contedos escolares, com resultados bastante satis-fatrios. Uma relao desse tipo de obras seria extensa e tediosa, mas,s para que se tenha uma idia de sua abrangncia, importante citaralgumas, como La Philosophie em bande dessine, de Huisman yBerthomier, publicado em 1977; Psychologie em bande dessine, deHuisman y Gilet, de 1978; La vie de J. S. Bach e LAventure de lquipede Cousteau, de 1985; e a srie de ttulos que buscam apresentar diversospersonagens e temas para principiantes, entre os quais se encontramobras dedicadas a Freud, Lenin, Einstein, Darwin, Trotsky, Marx, aenergia nuclear, o Capital, os Estudos Culturais etc. Essa tendncia seampliou pelo mundo inteiro, muitas vezes com a traduo de obraspublicadas nos Estados Unidos e Europa, alm da elaborao depersonagens ou temas especficos do local.

    Essas obras eram publicadas visando atingir o grande pblico,demonstrando a possibilidade de utilizar a linguagem dos quadrinhos

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    com objetivos mais amplos que o simples entretenimento; mas agrande maioria delas, com certeza, no buscava, especificamente, oseu aproveitamento no ambiente escolar ou seja, no podiam serincludas naquela categoria de publicaes conhecida como didticas.

    A incluso efetiva das histrias em quadrinhos em materiaisdidticos comeou de forma tmida. Inicialmente, elas eram utilizadaspara ilustrar aspectos especficos das matrias que antes eramexplicados por um texto escrito. Nesse momento, as HQs apareciamnos livros didticos em quantidade bastante restrita, pois ainda temia-se que sua incluso pudesse ser objeto de resistncia ao uso do materialpor parte das escolas. No entanto, constatando os resultados favo-rveis de sua utilizao, alguns autores de livros didticos muitasvezes, inclusive, por solicitao das prprias editoras , comearam aincluir os quadrinhos com mais freqncia em suas obras, ampliandosua penetrao no ambiente escolar.

    Ainda que nem sempre essa apropriao da linguagem tenhaocorrido da maneira mais adequada na verdade, houve erros eexageros inevitveis devido inexperincia na utilizao dela emambiente didtico a proliferao de iniciativas certamente contribuiupara refinar o processo, resultando, muitas vezes, em produtos bemsatisfatrios. Atualmente, muito comum a publicao de livrosdidticos, em praticamente todas as reas, que fazem farta utilizaodas histrias em quadrinhos para transmisso de seu contedo. NoBrasil, principalmente aps a avaliao realizada pelo Ministrio daEducao a partir de meados dos anos de 1990, muitos autores delivros didticos passaram a diversificar a linguagem no que diz respeitoaos textos informativos e s atividades apresentadas como comple-mentares para os alunos, incorporando a linguagem dos quadrinhosem suas produes.

    A partir da, estava talvez indicado o caminho para que as ltimasbarreiras contra a utilizao das histrias em quadrinhos em ambientedidtico pudessem ser derrubadas e as HQS pudessem ser utilizadaslivremente por professores e alunos no processo de ensino eaprendizagem. Felizmente, as ltimas dcadas do sculo passadopresenciaram, cada vez mais, a utilizao de histrias em quadrinhospelos professores das diversas disciplinas, que nelas buscaram no

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    apenas elementos para tornar suas aulas mais agradveis, mas,tambm, contedos que pudessem utilizar para transmisso e discussode temas especficos nas salas de aula.

    Ainda que esta atividade tenha sido inicialmente vista comestranheza pela sociedade a comear por aqueles professores quehaviam crescido na poca em que os malefcios da leitura de quadrinhosfaziam parte do senso comum , a evoluo dos tempos funcionoufavoravelmente linguagem das HQs, evidenciando seus benefcios parao ensino e garantindo sua presena no ambiente escolar formal. Maisrecentemente, em muitos pases, os prprios rgos oficiais deeducao passaram a reconhecer a importncia de se inserir as histriasem quadrinhos no currculo escolar, desenvolvendo orientaesespecficas para isso. o que aconteceu no Brasil, por exemplo, onde oemprego das histrias em quadrinhos j reconhecido pela LDB (Lei deDiretrizes e Bases) e pelos PCN (Parmetros Curriculares Nacionais):

    Por que as histrias em quadrinhos auxiliam o ensino?Existem vrios motivos que levam as histrias em quadrinhos aterem um bom desempenho nas escolas, possibilitando resultadosmuito melhores do que aqueles que se obteria sem elas. Vejamosalguns deles:

    Os estudantes querem ler os quadrinhos h vrias dcadas, ashistrias em quadrinhos fazem parte do cotidiano de crianas ejovens, sua leitura sendo muito popular entre eles. Assim, a inclusodas histrias em quadrinhos na sala de aula no objeto dequalquer tipo de rejeio por parte dos estudantes, que, em geral,as recebem de forma entusiasmada, sentindo-se, com sua utilizao,propensos a uma participao mais ativa nas atividades de aula.As histrias em quadrinhos aumentam a motivao dos estudantespara o contedo das aulas, aguando sua curiosidade e desafiandoseu senso crtico. A forte identificao dos estudantes com os conesda cultura de massa entre os quais se destacam vrios personagensdos quadrinhos , tambm um elemento que refora a utilizaodas histrias em quadrinhos no processo didtico.

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    Palavras e imagens, juntos, ensinam de forma mais eficiente ainterligao do texto com a imagem, existente nas histrias emquadrinhos, amplia a compreenso de conceitos de uma formaque qualquer um dos cdigos, isoladamente, teria dificuldadespara atingir. Na medida em que essa interligao texto/imagemocorre nos quadrinhos com uma dinmica prpria e com-plementar, representa muito mais do que o simples acrscimo deuma linguagem a outra como acontece, por exemplo, nos livrosilustrados , mas a criao de um novo nvel de comunicao,que amplia a possibilidade de compreenso do contedoprogramtico por parte dos alunos.

    Existe um alto nvel de informao nos quadrinhos as revistas dehistrias em quadrinhos versam sobre os mais diferentes temas,sendo facilmente aplicveis em qualquer rea. Cada gnero, mesmoo mais comum (como o de super-heris, por exemplo) ou cadahistria em quadrinhos oferece um variado leque de informaespassveis de serem discutidas em sala de aula, dependendo apenasdo interesse do professor e dos alunos. Elas podem ser utilizadastanto como reforo a pontos especficos do programa como parapropiciar exemplos de aplicao dos conceitos tericos desen-volvidos em aula. Histrias de fico cientfica, por exemplo,possibilitam as mais variadas informaes no campo da fsica,tecnologia, engenharia, arquitetura, qumica etc., que so muitomais facilmente assimilveis quando na linguagem das histriasem quadrinhos. Mais ainda, essas informaes so absorvidas naprpria linguagem dos estudantes, muitas vezes dispensandodemoradas e tediosas explicaes por parte dos professores.

    As possibilidades de comunicao so enriquecidas pela fami-liaridade com as histrias em quadrinhos a incluso dosquadrinhos na sala de aula possibilita ao estudante ampliar seuleque de meios de comunicao, incorporando a linguagem grficas linguagens oral e escrita, que normalmente utiliza. Devido aosvariados recursos da linguagem quadrinhstica como o balo, aonomatopia, os diversos planos utilizados pelos desenhistas , os

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    estudantes tm acesso a outras possibilidades de comunicao quecolaboram para seu relacionamento familiar e coletivo.

    Os quadrinhos auxiliam no desenvolvimento do hbito de leitura a idia preconcebida de que as histrias em quadrinhoscolaboravam para afastar as crianas e jovens da leitura de outrosmateriais foi refutada por diversos estudos cientficos. Hoje emdia sabe-se que, em geral, os leitores de histrias em quadrinhosso tambm leitores de outros tipos de revistas, de jornais e delivros. Assim, a ampliao da familiaridade com a leitura dehistrias em quadrinhos, propiciada por sua aplicao em salade aula, possibilita que muitos estudantes se abram para osbenefcios da leitura, encontrando menor dificuldade paraconcentrar-se nas leituras com finalidade de estudo.

    Os quadrinhos enriquecem o vocabulrio dos estudantes ashistrias em quadrinhos so escritas em linguagem de fcilentendimento, com muitas expresses que fazem parte docotidiano dos leitores; ao mesmo tempo, na medida em quetratam de assuntos variados, introduzem sempre palavras novasaos estudantes, cujo vocabulrio vai se ampliando quase que deforma despercebida para eles. Essa caracterstica dos quadrinhosatende necessidade dos estudantes de utilizar um repertrioprprio de expresses e valores de comunicao, comuns ao grupoem que se encontram inseridos, no agredindo o seu vocabulrionormal da forma como o fazem algumas produes literrias(como os livros clssicos de literatura, por exemplo). Dessa forma,pelos quadrinhos, histrias passadas no Velho Oeste norte-americano possibilitam, por sua aplicao naquele contextoespecfico, a incorporao ao vocabulrio dos estudantes determos referentes quele ambiente, tanto no que diz respeito aelementos geogrficos como sociais ou tecnolgicos.

    O carter elptico da linguagem quadrinhstica obriga o leitor apensar e imaginar sendo uma narrativa com linguagem fixa, aconstituio de uma histria em quadrinhos implica na seleo de

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    momentos-chave da histria para utilizao expressa na narrativagrfica, deixando-se outros momentos a cargo da imaginao doleitor. Dessa forma, os estudantes, pela leitura de quadrinhos, soconstantemente instados a exercitar o seu pensamento, comple-mentando em sua mente os momentos que no foram expressosgraficamente, dessa forma desenvolvendo o pensamento lgico.Alm disso, as histrias em quadrinhos so especialmente teis paraexerccios de compreenso de leitura e como fontes para estimularos mtodos de anlise e sntese das mensagens. o que acontece,por exemplo, quando o professor solicita aos estudantes que passempara a linguagem dos quadrinhos uma histria fornecida somentena linguagem escrita, o que ir exigir deles que realizem uma anlisedetalhada dos fatos narrados e que definam os acontecimentos maisimportantes para o desenvolvimento da trama, antes de represent-los graficamente.

    Os quadrinhos tm um carter globalizador por serem veiculadasno mundo inteiro, as revistas de histrias em quadrinhos trazemnormalmente temticas que tm condies de ser compreendidaspor qualquer estudante, sem necessidade de um conhecimentoanterior especfico ou familiaridade com o tema, seja ela devida aantecedentes culturais, tnicos, lingsticos ou sociais. Uma histriaque se passe na sociedade japonesa pode, de uma maneira geral, tersua mensagem principal compreendida por leitores de outrospases, ainda que caractersticas especficas dessa sociedade sejamdesconhecidas para eles (estando a, provavelmente, um dosmotivos do sucesso dos quadrinhos japoneses, os mangs, noOcidente). Alm disso, exatamente por seu carter globalizador,as histrias em quadrinhos possibilitam, com seu uso, a integraoentre as diferentes reas do conhecimento, possibilitando na escolaum trabalho interdisciplinar e o com diferentes habilidades inter-pretativas (visuais e verbais).

    Os quadrinhos podem ser utilizados em qualquer nvel escolar ecom qualquer tema no existe qualquer barreira para o

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    aproveitamento das histrias em quadrinhos nos anos escolaresiniciais e tampouco para sua utilizao em sries mais avanadas,mesmo em nvel universitrio. A grande variedade de ttulos,temas e histrias existentes permite que qualquer professor possaidentificar materiais apropriados para sua classe de alunos, sejamde qualquer nvel ou faixa etria, seja qual for o assunto quedeseje desenvolver com eles.

    Todos os pontos mencionados no quadro anterior constituemapenas algumas razes para se defender o aproveitamento das histriasem quadrinhos no ensino. Outros poderiam ser acrescentados, claro.Porm, mais do que listar essas vantagens, talvez seja interessante fecharessa discusso lembrando duas caractersticas bastante pragmticasdo aproveitamento dos quadrinhos em ambiente escolar: acessi-bilidade e baixo custo.

    Mesmo neste momento, incio do sculo XXI, quando a indstriados quadrinhos est muito longe das tiragens verdadeiramenteastronmicas que atingiu no seu perodo de maior popularidade quando muitos ttulos facilmente atingiam tiragens de milhes deexemplares vendidos , pode-se dizer que sua disponibilidade umfator ainda incontestvel. Elas podem ser encontradas em praticamentetodas as esquinas, em qualquer banca de jornal do pas, a um custorelativamente baixo quando comparado com outros produtos daindstria cultural. Alm disso, tambm esto disponveis emsupermercados, farmcias, armazns, papelarias e outros estabe-lecimentos comerciais.

    Fora itens raros ou exemplares pertencentes a colecionadores, asrevistas de histrias em quadrinhos so facilmente obtidas, podendoser adquiridas diretamente ou emprestadas de terceiros. De umamaneira geral, possvel afirmar que todas as pessoas tm o costumede partilhar suas revistas de quadrinhos, emprestando-as para amigose familiares, e no oferecem muita resistncia quanto a ced-las parautilizao por professores e alunos. Assim, com relativa facilidade,podem os prprios estudantes se encarregar de obter as revistas juntoa amigos ou familiares, auxiliando os professores na manuteno deum acervo til para suas atividades de ensino.

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    Para utilizao em ambiente didtico, no essencial que ashistrias em quadrinhos sejam obtidas em primeira mo. Elas podemser adquiridas em sebos ou lojas que comercializam materiais usados,ou mesmo recortadas de jornais antigos, a um custo praticamenteinsignificante. Ainda que a possibilidade de exibio de quadrinhospor meio de projetores de slides ou datashows ajude a atingir osestudantes de forma mais intensa, direta e coletiva, contribuindo paraum resultado mais eficiente, isto no absolutamente essencial parasua utilizao. Com os quadrinhos, tanto o professor quanto ainstituio escolar esto, em princpio, isentos da necessidade de disporde caros aparatos eletrnicos para uso em sala de aula.

    COMO UTILIZAR OS QUADRINHOS NO ENSINO

    No existem regras. No caso dos quadrinhos, pode-se dizer que onico limite para seu bom aproveitamento em qualquer sala de aula a criatividade do professor e sua capacidade de bem utiliz-los paraatingir seus objetivos de ensino. Eles tanto podem ser utilizados paraintroduzir um tema que ser depois desenvolvido por outros meios,para aprofundar um conceito j apresentado, para gerar uma discussoa respeito de um assunto, para ilustrar uma idia, como uma formaldica para tratamento de um tema rido ou como contraposio aoenfoque dado por outro meio de comunicao. Em cada um dessescasos, caber ao professor, quando do planejamento e desenvolvimentode atividades na escola, em qualquer disciplina, estabelecer a estratgiamais adequada s suas necessidades e s caractersticas de faixa etria,nvel de conhecimento e capacidade de compreenso de seus alunos.

    Consideradas essas questes, a aplicao das histrias em quadrinhosdever se adaptar ao cronograma do curso, sendo utilizadas na seqncianormal das atividades e sem qualquer destaque em relao a outraslinguagens ou alternativas didticas. A utilizao da leitura de gibis comoum momento de relaxamento para os alunos, uma espcie de descansono uso de materiais mais nobres, pode atingir resultados exatamenteopostos aos pretendidos. Ou seja: a aula no deve parar quando daintroduo da leitura de quadrinhos, como se tambm o professorestivesse necessitando de um descanso na sua rdua tarefa de ensino.

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    Se for esta a imagem passada aos estudantes pelo uso dos qua-drinhos, seus benefcios sero muito limitados. Alm de ficar evidentepara os alunos que eles esto sendo sutilmente enganados pelo professor,pode gerar desconfiana e mesmo aberta resistncia leitura e uso dehistrias em quadrinhos no ambiente escolar (ou mesmo fora dele),comprometendo trabalhos futuros com esse meio, tanto por parte desseprofessor especfico como de seus colegas de outras disciplinas.

    Da mesma forma, uma valorizao excessiva das histrias emquadrinhos pelo professor, principalmente no momento de sua utilizao como se elas dessem a resposta desejada para todas as dvidas e necessidadesdo processo de ensino , tambm acaba sendo pouco produtiva, pois colocao meio em uma posio desconfortvel frente s outras formas decomunicao. Os quadrinhos no podem ser vistos pela escola como umaespcie de panacia que atende a todo e qualquer objetivo educacional, comose eles possussem alguma caracterstica mgica capaz de transformar pedraem ouro. Pelo contrrio, deve-se buscar a integrao dos quadrinhos aoutras produes das indstrias editorial, televisiva, radiofnica,cinematogrfica etc., tratando todos como formas complementares e nocomo inimigas ou adversrias na ateno dos estudantes.

    Outra questo importante diz respeito seleo do material a serutilizado em aula. Considerando o nmero e variedade de publicaesde histrias em quadrinhos existentes no mercado, essa seleo deve levarem conta os objetivos educacionais que se deseja alcanar. Nesse sentido,talvez o ponto fundamental dessa seleo esteja ligado identificaode materiais adequados tanto em termos de temtica como delinguagem utilizada , idade e ao desenvolvimento intelectual dosalunos com os quais se deseja trabalhar, atentando-se a que a primeirano necessariamente um condicionante da segunda. De uma maneirageral, considerando-se as caractersticas relacionadas aos diversos ciclosescolares, possvel fazer algumas consideraes em relao aos materiaisa serem utilizados em cada um deles, como mostra o quadro a seguir:

    Pr-Escolar: os alunos se encontram nas primeiras iniciativas derepresentao (etapa pr-esquemtica), atendendo a necessidadesmotoras e emocionais. Em seu trabalho com a linguagem, osresultados obtidos so menos importantes que o processo. A

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    relao desses estudantes com os quadrinhos basicamenteldica, sem que interfira uma conscincia crtica sobre as imagensque aparecem nas histrias em quadrinhos, tanto nas querecebem do professor como naquelas que eles prprios produzem.Nessa fase, muito importante cultivar o contato com alinguagem das HQs, incentivando a produo de narrativas brevesem quadrinhos, sem pression-los quanto a elaborao de textosde qualidade ou a cpia de outros modelos.

    Nvel Fundamental (1 a 4 sries): nos primeiros anos, no sepode identificar qualquer salto na capacidade expressiva dosalunos, que evoluem de forma sistemtica e gradual para maiorreconhecimento e apropriao da realidade que os circunda. Aospoucos, a criana vai deixando de ver a si mesma como o centrodo mundo e passa a incorporar os demais a seu meio ambiente,ou seja, evoluindo em termos socializao. Da mesma forma,comea aos poucos a identificar caractersticas especficas degrupos e pessoas, podendo ser apresentada a diferentes ttulos ourevistas de quadrinhos, bem como ser instada a realizar trabalhosprogressivamente mais elaborados, que incorporem os elementosda linguagem dos quadrinhos de uma forma mais intensa.

    Nvel Fundamental (5 a 8 sries): os alunos se integram mais sociedade que os rodeia, sendo capazes de distinguir os nveislocal, regional, nacional e internacional, relacion-los entre si eadquirir a conscincia de estar em um mundo muito mais amplodo que as fronteiras entre sua casa e a escola. O processo desocializao se amplia, com a insero em grupos de interesse e adiferenciao entre os sexos. Tm a capacidade de identificardetalhes das obras de quadrinhos e conseguem fazer correlaesentre eles e sua realidade social. As produes prprias incor-poram a sensao de profundidade, a superposio de elementose a linha do horizonte, fruto de sua maior familiaridade com alinguagem dos quadrinhos.

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    Nvel Mdio: os estudantes dessa fase se caracterizam pela mudanade personalidade, devida passagem da adolescncia para a idadeadulta. Passam a ser mais crticos e questionadores em relao aoque recebem em aula, no submetendo-se passivamente a qualquermaterial que lhes oferecido. Tendem tambm a ter uma des-confiana natural (e saudvel) em relao aos meios, demandandoum tipo de material que desafie sua inteligncia. Por outro lado,so tambm, muito pressionados pelo coletivo, perdendo s vezesum pouco de sua espontaneidade ao terem que confrontar suasopinies pessoais com as do seu grupo. Nas produes prprias,buscam reproduzir personagens mais prximos da realidade, comarticulaes, movimentos e detalhes de roupas que acompanhamo que vem ao seu redor.

    A seleo dos materiais em quadrinhos a serem utilizados em auladeve levar em considerao essas caractersticas, de forma a atingirresultados mais satisfatrios. Fatores adicionais na escolha so,tambm: dispor de um texto que no traga erros gramaticais; umtema capaz de despertar e manter o interesse do grupo, que correspondas necessidades da disciplina a ser ensinada; um material de qualidadegrfica adequada ao uso pretendido; outros aspectos que o professorconsidere relevantes para sua disciplina.

    Por fim, na utilizao de quadrinhos no ensino, muito importanteque o professor tenha suficiente familiaridade com o meio, conhecendo osprincipais elementos da sua linguagem e os recursos que ela dispe pararepresentao do imaginrio; domine razoavelmente o processo deevoluo histrica dos quadrinhos, seus principais representantes ecaractersticas como meio de comunicao de massa; esteja a par dasespecificidades do processo de produo e distribuio de quadrinhos; e,enfim, conhea os diversos produtos em que eles esto disponveis.

    Ao dominar adequadamente todos esses elementos, qualquerprofessor estar apto a incorporar os quadrinhos de forma positivaem seu processo didtico, dinamizando suas aulas, ampliando amotivao de seus alunos e conseguindo melhores resultados noprocesso de ensino e aprendizagem. Os textos reunidos neste livro,envolvendo o uso das HQs nas mais diferentes disciplinas, demonstramque, nesse campo, as possibilidades so infinitas.