comunidades quilombolas do vale do ribeira e o … · comunidades quilombolas reconhecidas...
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CENTRO DE APOIO OPERACIONAL ÀS PROMOTORIAS DE JUSTIÇA CÍVEIS E DE
TUTELA COLETIVA – CAO CÍVEL
NÚCLEO DE ASSESSORIA TÉCNICA PSICOSSOCIAL – NAT
RI 391/14-1
COMUNIDADES QUILOMBOLAS DO VALE DO RIBEIRA E O
PROGRAMA BRASIL QUILOMBOLA – PBQ
Tendo em vista a solicitação do Núcleo de Políticas públicas
do Ministério Público do estado de São Paulo e considerando a
complexidade do trabalho em questão - estudo sobre as condições
sociais das comunidades quilombolas do Vale do Ribeira, com vistas a
identificar quais ações do Programa Brasil Quilombola (PBQ) que
podem ser viabilizadas na região – compreende-se a necessidade em
formular etapas para a concretização do objetivo proposto, sendo esta
a apresentação da primeira etapa do desenvolvimento do trabalho.
Ressaltamos que o tempo para efetivação dos trabalhos deu-
se exclusivamente através da possibilidade de agenda dos órgãos que
contatamos e da obtenção de suas respostas aos nossos
questionamentos. Entendemos que as agendas dos envolvidos com a
causa quilombola tornam-se cada vez mais marcadas por assuntos de
grande relevância, diante das constantes ameaças aos direitos das
comunidades quilombolas, as recentes iniciativas de retrocesso
legislativo por parte do congresso nacional, como a proposta de
emenda à Constituição PEC 215/2000.
Compreensões acerca das comunidades quilombolas:
A escravidão no Brasil durou por cerca de 400 anos, desde
então os rebatimentos desse período produziu fortes impactos na forma
2
de inserção do público negro no contexto social brasileiro, ocupando
durante muito tempo um espaço de subalternidade na sociedade.
A compreensão acerca das comunidades quilombolas deve
contemplar a história da população negra no Brasil, ultrapassando as
concepções fatalistas, não tendo enfoque raso, voltado a escravidão
como tema central. A história do povo negro, não é a história da
escravidão. As formas de resistência e produção de cultura iniciaram-se
logo após a chegada dos negros no Brasil e devem ser consideradas
como objetos importantes de estudo.
Os quilombos no Brasil significaram espaços de sociabilidade e
resistência, muito além do que um simples refúgio aos escravos.
O conceito utilizado no PBQ, com base no decreto 4887/2003,
quilombos são grupos étnico-raciais segundo critério de auto-atribuição,
com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais
específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com
a resistência à opressão histórica sofrida.
Segundo dados publicados no PBQ, existem 2197
comunidades quilombolas reconhecidas oficialmente no Brasil, destas
74,73% estão em situação de extrema pobreza.
Como apontado no Guia de políticas públicas para
comunidades quilombolas: “De um modo geral, os territórios das
comunidades remanescentes de quilombos originaram-se em diferentes
situações, tais como doações de terras realizadas a partir da
desagregação da lavoura de monocultura, como cana de açúcar e o
algodão, compra de terras, terras que foram conquistadas por meio de
prestação de serviços, inclusive de guerra, bem como áreas ocupadas
por negros que fugiram da escravidão”.
É importante que cada comunidade quilombola seja
observada através do seu processo particular e singular de constituição,
3
levando em consideração suas peculiaridades e o contexto social ao
qual está inserida. As comunidades do Vale do Ribeira diferem tanto em
nível de organização social, como em fase de conquistas e ganhos
para o seu povo, por isso o estudo em questão pretende abordar
individualmente cada realidade, entretanto sem segregação das
pautas de luta.
O Programa Brasil Quilombola:
O Programa Brasil Quilombola foi lançado em 12 de março de
2004, com o objetivo de consolidar os marcos da política de Estado
para as áreas quilombolas. [...] A coordenação geral do Programa é de
responsabilidade da SEPPIR, que atua em conjunto com os 11 ministérios
que compõem o seu Comitê Gestor.
A Gestão Descentralizada do PBQ ocorre com a articulação
dos entes federados, a partir da estruturação de comitês estaduais. Sua
gestão estabelece interlocução com órgãos estaduais e municipais de
promoção da igualdade racial (PIR), associações representativas das
comunidades quilombolas e outros parceiros não governamentais.
Como seu desdobramento foi instituído a Agenda Social
Quilombola (Decreto 6261/2007), que agrupa as ações voltadas às
comunidades em várias áreas (eixos de atuação): Acesso a Terra;
Infraestrutura e Qualidade de Vida; Inclusão Produtiva e
Desenvolvimento Local; Direitos e Cidadania1.
1 http://www.seppir.gov.br/comunidades-tradicionais/programa-brasil-quilombola
4
A questão quilombola no Vale do Ribeira:
De acordo com a pesquisa realizada pelo grupo2 de pesquisa
Agricultura e Urbanização do Laboratório de Geografia Agrária da
Universidade de São Paulo: o povoamento da região do Vale do Ribeira
deu-se primeiramente devido ao incentivo à mineração, formando vilas
com populações em busca de ouro que era encontrado próximo ao
município de Apiaí, o declínio dessa atividade iniciou logo após a
descoberta de ouro no estado de Minas Gerais, convergindo para o
esvaziamento da região. Após esse primeiro período houve o
investimento na cultura do arroz, tornando-se importante região de
cultivo e exportação por vias fluviais, entretanto com a construção das
estradas de rodagem em outras áreas do país e o fortalecimento do
escoamento da produção por essa via, outras regiões ganharam
importância na rizicultura. Com a decadência dos canais fluviais o Vale
do Ribeira passa a ser formado pela permanência de pequenos
agricultores, caiçaras, negro e quilombolas.
O movimento abolicionista veio acompanhado da política de
colonização- primeiramente conduzida pelo capital dos
próprios fazendeiros de café e, mais tarde, com recursos do
Estado - que visava entre outras coisas: o embranquecimento
da população com a vinda de imigrantes brancos e,
conseqüentemente, uma marginalização da cultura do negro
com a imposição de uma cultura do branco (uma dominação
social); e da Lei 601 de 1850 (Lei de Terras), responsável por tirar
o pobre, isto é, o negro, índio, mestiço, colono, dentre outros
despossuídos, do processo de aquisição de terra, uma vez que
inviabilizava a posse das terras devolutas por uso, podendo
apenas se tornar proprietário aquele que tivesse meios para
comprá-la.3
2 IDALGO, G.H.; MORAIS C.O.; SUZUKI, J.C.; VECINA, C.C.
http://w3.ufsm.br/gpet/engrup/vengrup/anais/7/Gabriel,%20Caroline,%20Cecilia%20e
%20Julio%20-%20USP.pdf 3 Idem.
5
Com o esvaziamento da região e a dificuldade de
desenvolvimento industrial, ações do governo no período ditatorial
propunham formas de incentivar o desenvolvimento regional e envolver
as populações locais, evitando o fortalecimento de grupos de esquerda
contra o regime militar. Essas ações acabaram por fortalecer a inserção
de fazendeiros e estimular a apropriação de trabalho assalariado aos
camponeses da região, afastando-os das suas atividades diárias com a
sua terra.
[...]4 tem-se, na região, no final do século XIX, a intensificação
da especulação fundiária, responsável por desapropriar muitas
das comunidades que não possuíam título de terra, ou até
mesmo compelir muitos dos caboclos a deixar o campo, tendo
a venda de sua propriedade como solução para os problemas
imediatos de endividamento, partindo para as cidades
próximas. Vão se formulando, portanto, as causas que deram
origem à questão fundiária na região.
Através do processo de luta do movimento negro,
intensificado no período da ditadura militar e com a consolidação do
direito a terra às comunidades quilombolas, reconhecido na
constituição federal de 1988, pode-se dizer que as comunidades
tradicionais conseguiram alcançar passos consideráveis dentro das
pautas de lutas, entretanto, sabemos que mesmo após mais de 25 anos
da promulgação da carta magna brasileira existem grandes desafios
para a concretização efetiva ao acesso a terra e as demais políticas
públicas pelas comunidades quilombolas.
Os movimentos sociais:
A região do Vale do Ribeira é referência no estado de São
Paulo devido a presente quantidade de comunidades quilombolas,
importante ponto de apoio para o fortalecimento e reconhecimento
4 Idem.
6
dessas comunidades é a existência de mecanismos de defesa e união
entre seus membros, por isso as associações e os movimentos sociais são
de grande importância histórica.
Localizada em Eldorado a EAACONE - Equipe de Articulação
e Assessoria às Comunidades Negras é um importante movimento que
oferece respaldo as questões de interesse dos quilombos da região. De
acordo com o site da entidade5:
EAACONE, é uma entidade juridicamente constituída, sem fins
lucrativos, que trabalha para que o artigo 68 das Disposições
Transitórias da Constituição Federal cumpra os requisitos que
dizem respeito ao direito à terra dos Remanescentes de
Quilombo. A especificidade da EAACONE é assessorar as
Comunidades para que: auto se identifique como Quilombo;
recupere sua história e seus valores culturais; encaminhe a
documentação aos órgãos públicos pedindo o
reconhecimento e a titulação coletiva de suas terras; forme a
Associação que irá gerir o território quilombola; lute por
políticas públicas que venham melhorar vida da Comunidade.
A EAACONE trabalha com as Comunidades Remanescentes
de Quilombos dos Municípios de: Barra do Turvo, Iporanga, Eldorado,
Iguape, Cananéia, Miracatu, Registro, Itaóca.
O Movimento dos Ameaçados por Barragens – MOAB é uma
organização que se formou diante da ameaça de construção de um
conjunto de barragens no Rio Ribeira de Iguape. O objetivo do MOAB é
conscientizar, capacitar, organizar e informar a população do Vale do
Ribeira sobre os projetos de barragens. Mostrar que os projetos de
construção das Barragens no Rio Ribeira de Iguape, não priorizam a
questão social e ambiental, não conterão as enchentes e que há
alternativas de geração de energia e desenvolvimento para a região.
Hoje, o MOAB congrega centenas de comunidades
quilombolas, caiçaras, indígenas e rurais, movimentos populares, igrejas,
5 http://www.eaacone.org/eaacone/
7
sindicatos, entidades ambientalistas, entidades jurídicas, políticos, etc e
é coordenado pelo EAACONE.
Sabemos da relevância que os movimentos sociais
representam dentro da história dos direitos humanos no Brasil, partindo
desse pressuposto que o trabalho em questão será iniciado a partir da
articulação com representantes do EAACONE, acreditamos que
qualquer tipo de atividade que envolva as comunidades quilombolas
do Vale do Ribeira deva ser primordialmente iniciada a partir da
aproximação com os movimentos sociais atuantes.
É importante que o Ministério Público, enquanto órgão
autônomo, estabeleça canais efetivos de comunicação com esses
grupos, consolidando práticas comunitárias à serviço das populações
necessitadas.
O caminho a ser percorrido:
É de interesse do Ministério Público, enquanto órgão que atua
na defesa da ordem jurídica e fiscaliza o cumprimento da lei no Brasil
buscar aproximação com a causa quilombola, uma vez que consiste
em uma população que luta constantemente para conseguir a
efetivação do direito a sua terra e às demais políticas públicas.
Compreendendo a importância das promotorias de justiças
nas comarcas do Vale do Ribeira e a representatividade da figura da
instituição em um contexto de frequentes ameaças e negação aos
direitos dos quilombolas, pensamos ser de extrema relevância a
elaboração de um relatório sucinto e objetivo com ênfase nas vivências
de quem tem atuado nas comunidades quilombolas e de quem as
compõe.
8
O estudo em questão pretende desenvolver um olhar próximo
a atual realidade dos quilombos do Vale do Ribeira, respeitando a área
de formação dos técnicos envolvidos – serviço social e psicologia –
contando com a contribuição dos principais órgãos participantes do
cotidiano de luta das comunidades.
Sem a pretensão de elaborar estudo acadêmico, tampouco
abordar conclusões diagnósticas, os relatórios em questão pretendem
servir como matéria para aproximação com a realidade quilombola do
Vale do Ribeira e apontar possíveis dificuldades e possibilidades de
ação no âmbito do Ministério Público.
Para além das reuniões técnicas com os órgãos estaduais, em
cada município serão agendadas conversas com as
secretárias/departamentos responsáveis por diferentes políticas
públicas, as comunidades serão ouvidas e visitadas, além da
aproximação teórica com estudos já concretizados na região.
Ressaltamos a existência de outros estudos elaborados no
sentido de desvendar e apresentar a realidade das comunidades
quilombolas do Vale do Ribeira, como a Agenda socioambiental de
comunidades quilombolas do Vale do Ribeira, elaborada pelo Instituto
Socioambiental, com contribuição das comunidades: Bombas,
Ivaporunduva, Pedro Cubas de Cima, Mandira, Poça, Cangume, André
Lopes, Pedro Cubas, São Pedro, Nhunguara, Morro Seco, Sapatu, porto
Velho e Galvão.
Através de conversa com os Assistentes Técnicos do GAEMA
foi possível perceber a distância ainda existente entre a atuação do
Ministério Público e a proteção das tradições quilombolas.
É importante salientar a necessidade de um olhar instruído
para as especificidades a serem preservadas nos quilombos, sobretudo
seus bens culturais.
9
O envolvimento com a causa quilombola:
Um ponto interessante a ser abordado é a apresentação e
aproximação com as entidades e pessoas que lutam na causa
quilombola, uma vez que uma das intenções deste trabalho é auxiliar o
embasamento teórico referencial das autoridades na garantia de
direitos.
Assim, tomamos o cuidado de buscar os parceiros que têm
solidez e envolvimento com a causa. Nessa toada, além do EEACONE já
apresentado anteriormente, também se dispuseram a nos auxiliar o
Instituto Socioambiental – ISA, e o Instituto de Terras do Estado de São
Paulo – ITESP.
Foi possível encontrar uma breve e interessante apresentação
do ISA em seu próprio site:
O Instituto Socioambiental (ISA) é uma organização da
sociedade civil brasileira, sem fins lucrativos, fundada em 1994,
para propor soluções de forma integrada a questões sociais e
ambientais com foco central na defesa de bens e direitos
sociais, coletivos e difusos relativos ao meio ambiente, ao
patrimônio cultural, aos direitos humanos e dos povos.
Desde 2001, o ISA é uma OSCIP – Organização da Sociedade
Civil de Interesse Público – com sede em São Paulo (SP) [...]6
No Vale do Ribeira, o ISA mantem uma sub sede em Eldorado
e tem desenvolvido diversos programas que mantem parcerias com as
comunidades tradicionais locais, além de fomentar a participação da
administração publica local:
O Programa Vale do Ribeira tem como objetivo contribuir para
a construção de um modelo de desenvolvimento regional
pautado na riqueza socioambiental da Mata Atlântica. Em
parceria com associações quilombolas locais, prefeituras e
6 http://www.socioambiental.org/pt-br/o-isa
10
organizações da sociedade civil, propõe e implementa
projetos de desenvolvimento sustentável, geração de renda,
conservação e melhoria da qualidade de vida das
comunidades tradicionais da região. Abrange a Bacia
Hidrográfica do Rio Ribeira de Iguape, e o Complexo Estuarino
Lagunar de Iguape-Cananéia-Paranaguá, localizados no
sudeste do Estado de São Paulo e leste do Estado do Paraná.
Entre as diversas publicações que programa lançou ao longo
dos anos, destacam-se a Agenda Socioambiental Quilombola
do Vale do Ribeira e o Planejamento territorial Participativo[...]7
No que se refere à atuação estadual:
O Instituto de Terras do Estado de São Paulo (ITESP) [foi] criado,
assumindo as atribuições do DAF e DRF [Departamentos de
Assentamento e de Regularização Fundiária] e unificando as
atividades de assentamento e regularização fundiária num
mesmo órgão, contando também com proteção da
cidadania. No Itesp são acrescidas ações de mediação de
conflitos fundiários, capacitação de trabalhadores rurais e
atendimento às comunidades de quilombos.
A Lei 10.207, de 8 de janeiro, cria a Fundação Instituto de Terras
do Estado de São Paulo "José Gomes da Silva" - ITESP,
regulamentada pelo Decreto 44.294, de 4 de outubro. A
criação da Fundação Itesp consolida a experiência
institucional paulista na reforma agrária, sendo sucessora
natural e legal de toda uma sequência de órgãos estaduais
ligados às questões agrárias e fundiárias.8
Ainda segundo informação do próprio órgão, o Itesp herdou
todo o conhecimento adquirido pela extinta Secretaria de Secretaria
de Estado de Assuntos Fundiários “SAF”, órgão predecessor aos DAF e
DRF, e por isso contava com bagagem prática assentada arcabouço
técnico cientifico acumulado nos anos anteriores com a implantação e
acompanhamento do “Plano Diretor de Desenvolvimento Agrícola do
Vale do Ribeira (Masterplan) – para desenvolver os planos públicos dos
recursos fundiários de São Paulo, atuando também com a Procuradoria
7 http://www.socioambiental.org/pt-br/o-isa/programas/vale-do-ribeira
8 Site do ITESP http://201.55.33.20/page.php?tipo=12
11
Geral do Estado na discriminação de terras devolutas e legitimação de
posses”9
Outro órgão que fez parte de nossos contatos é a CATI –
Coordenadoria de Assistência técnica Integral, “órgão da Secretaria de
Agricultura e Abastecimento do Governo do Estado de São Paulo,
desde 1967, quando foi criada, vem trabalhando para o produtor rural,
prestando serviços e oferecendo seus produtos (decreto nº 41.608 de
24/2/1997 [...])”.
A CATI tem por missão “Promover o desenvolvimento rural
sustentável, por meio de programas e ações participativas com o
envolvimento da comunidade, de entidades parceiras e de todos os
segmentos dos negócios agrícolas” sendo composta por 40 escritórios
de desenvolvimento rural, entre eles o escritório regional de Registro que
desenvolve trabalhos junto aos municípios de Barra do Turvo, Cajati,
Cananéia, Eldorado, Iguape, Ilha Comprida, Iporanga, Itariri,
Jacupiranga, Juquiá, Juquitiba, Miracatu, Pariquera-Açu, Pedro de
Toledo, Registro, São Lourenço da Serra, Sete Barras.10
A partir do entendimento da importância da atuação dessas
entidades junto às comunidades, foi elaborado um breve questionário
de questões abertas para ser entregue há alguns de seus colaboradores
com o objetivo de apreender a compreensão de quem acompanha,
mas não faz parte do movimento para que pudéssemos ter olhares
múltiplos, internos e externos, sobre uma temática tão complexa como
é a causa quilombola no Brasil.
As questões abordadas no questionário pretendem construir
breve panorama, identificando dificuldades encontradas tanto nos
quilombos como nas instituições colaboradoras, podendo ser utilizadas
9 idem 10 http://www.cati.sp.gov.br/new/edr.php?cod_edr=33
12
como um norteador para os futuros questionários e um contraponto ao
relatório final a ser elaborado após as visitas a todas as comunidades
quilombolas apontadas.
O atraso na conclusão desse primeiro relatório deu-se devido
a inicial dificuldade na agenda do movimento social a ser visitado e ao
atraso na obtenção dos questionários respondidos, aguardamos o
retorno entendendo que essas ações trariam riqueza ao conteúdo aqui
apresentado, objetivando maior aproximação ao trabalho dos órgãos e
organizações de apoio aos quilombos.
Apresentação do questionário:
Os questionários foram encaminhados aos representantes do
EAACONE, ISA e ITESP.
Não foi obtido retorno apenas do EAACONE.
Tempo e inserção do trabalho com a causa quilombola:
Tanto o ISA quanto o ITESP iniciaram seu trabalho com a causa
quilombola na década de 1990, sob forte impacto da Constituição
Federal de 1988. As questões do questionário foram respondidas pelos
profissionais atuantes no Programa Vale do Ribeira do Instituto
Socioambiental e pelo Grupo Técnico de Campo de Eldorado da
Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo. Sendo os seguintes
apontamentos sobre a constituição do trabalho dos dois órgãos:
ISA: O trabalho do Instituto Socioambiental (ISA) no Vale do
Ribeira teve início em 1998, por meio de seu Programa Mata
Atlântica, que elaborou o Diagnóstico Socioambiental da
região. A partir daí, foi definido que a atuação institucional na
região seria com as comunidades quilombolas, por conta das
demandas identificadas e pelo acúmulo que o ISA tinha nas
questões relacionadas às comunidades tradicionais e aos
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direitos socioambientais. Foi criado então o Programa Vale do
Ribeira, com sede em Eldorado.
O ISA é uma organização da sociedade civil brasileira, sem fins
lucrativos, fundada em 1994, para propor soluções de forma
integrada a questões sociais e ambientais com foco central na
defesa de bens e direitos sociais, coletivos e difusos relativos ao
meio ambiente, ao patrimônio cultural, aos direitos humanos e
dos povos. Essa experiência em relação às populações
tradicionais, somada ao diagnóstico feito no final da década
de 90 na região do Vale do Ribeira, contribuiu para a definição
sobre o trabalho com as comunidades quilombolas. O
Quilombo de Ivaporunduva foi o primeiro atendido pela
instituição.
O trabalho do Isa no Vale do Ribeira foi proposto através de
um estudo que identificou possíveis áreas de atuação, tendo o
direcionamento acerca da causa quilombola.
ITESP: A equipe do GTC – Eldorado (GTC: Grupo Técnico de
Campo – designação dada às sedes regionais da Fundação
Itesp no Estado, confira a lista em www.itesp.sp.gov.br, é
formada por um grupo diversificado, tanto do ponto de vista
da especialização (agronomia, psicologia social, biologia,
economia doméstica, etc..), quanto com relação ao tempo de
trabalho e de proximidade com o tema. A equipe, que conta
com alguns mestres, é formada por servidores concursados.
Dentre estes, há profissionais que ingressaram na fundação
após anos de pesquisas sobre o tema e de articulação com as
comunidades, profissionais que já estavam na fundação antes
desta torna-se Fundação Itesp.
O trabalho de ATER (assistência técnica e extensão rural)
desenvolvido pelo escritório requer uma proximidade com o
dia-a-dia e a vida das comunidades há uma grande e rica
troca de experiências, complementando a formação dos
profissionais. A causa quilombola ganhou força no Estado,
principalmente, após a instituição de um grupo de trabalho em
1996, que teve como objetivo dar a plena efetividade ao
artigo 68 do ADCT da Constituição Federal de 1988.
O trabalho do ITESP surge através do papel do estado na
efetivação do direito quilombola no estado de São Paulo.
Compondo um cenário com a presença do estado e de
apoio de organizações do terceiro setor, o Vale do Ribeira atrai
diferentes setores para o desenvolvimento de ações, sejam elas
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pontuais ou de maior alcance, na promoção do desenvolvimento
quilombola.
Trabalho desenvolvido:
O trabalho desenvolvido pelo ISA e ITESP é composto por
equipe interdisciplinar, indo além de uma única aérea do saber. É
possível perceber que cada uma das instituições atua em âmbitos
diferenciados, com limites e competências próprias.
ISA: O Programa Vale do Ribeira é formado por equipe
composta por uma bióloga (coordenadora), um antropólogo,
um cientista social, uma relações públicas, um técnico agrícola
e em hotelaria e uma auxiliar de serviços gerais. Atua em três
linhas:
1.Desenvolvimento local sustentável, direcionada ao
fortalecimento das cadeias produtivas das comunidades,
especialmente assessorando a Cooperativa dos Agricultores
Quilombolas do Vale do Ribeira (COOPERQUIVALE) e a
produção tradicional das roças de coivara.
2.Monitoramento socioambiental regional, promovendo o
acompanhamento de empreendimentos e processos
legislativos que impactem a região, e produzindo informações
que contribuam com o desenvolvimento regional.
3.Educação e cultura, realizando formação de jovens de áreas
rurais e fortalecendo o sistema agrícola quilombola, como
patrimônio cultural dessas comunidades.
A maior parte das ações está voltada às comunidades
quilombolas, mas existem algumas atividades desenvolvidas
com agricultores familiares, caiçaras e indígenas.
Através das reuniões nos órgãos pesquisados foi possível
perceber a sua interação com a pauta quilombola e a importância do
trabalho desenvolvido. Na reunião com lideranças quilombolas no ISA
foi possível perceber a discussão política, no âmbito dos interesses
quilombolas, práticas de resistência e assessoria a respeito das atuais
propostas do congresso nacional que representam retrocessos graves
aos direitos quilombolas.
ITESP: O trabalho de ATER desenvolvido pelo GTC – Eldorado
inclui a assistência técnica para a inclusão produtiva dos
agricultores quilombolas, a assistência para inclusão social das
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famílias por meio do cadastramento, apoio e orientação para
o recebimento de benefícios, como o Renda Cidadã e
benefícios previdenciários (Aposentadoria Rural, Auxílio
Maternidade Rural, Auxílio Doença Rural e BPC-LOAS),
assistência para a geração de renda por meio do apoio para
inclusão em programas de compras governamentais (PAA,
Merenda Escolar, etc.) e participação em feiras (FEPAQ,
AGRIFAM, Revelando SP e etc.), realização de ações de
formação e capacitação, ações ambientais figuradas na
assistência ao planejamento do território, Cadastro Ambiental
Rural, autorizações e licenciamentos ambientais, dentre outras.
Na reunião com o Itesp foi possível notar o envolvimento
técnico e de apoio às comunidades para informações e alcance a
algumas políticas públicas, o assessoramento em alguns projetos para
geração de renda e proximidade com as comunidades.
Desafios para o trabalho:
Para o ISA, por se tratar de uma organização não
governamental, a maior dificuldade está na continuidade das ações e
no orçamento.
ISA: Os trabalhos desenvolvidos pelas organizações locais,
inclusive o ISA, em geral são apoiados financeiramente por
editais e convênios com organismos públicos. Isso faz com que
as ações tenham um período curto de duração, insuficiente
para alcançar os resultados necessários, o que gera uma
descontinuidade de ações. Isso traz grandes dificuldades para
a concretização dos trabalhos.
Entretanto, como apontado anteriormente, o diálogo
continuo com as lideranças quilombolas e a aproximação com as
discussões atuais no cenário nacional possibilitam um envolvimento com
os interesses dos quilombolas e o incentivo a elaboração de estratégias
de luta.
ITESP: Temos uma equipe coesa, imbuída num trabalho que
tem como premissa o desenvolvimento social e econômico das
comunidades, levando informação e disponibilizando os meios
de acesso aos programas públicos. É criando as possibilidades
16
que sobrepujamos quaisquer dificuldades que, por ventura,
encontremos pelo caminho.
É capacitando, promovendo e assistindo tecnicamente que
avançamos em nossa função institucional complementar.
Ademais, damos e recebemos o feedback das comunidades,
aliás que é da maior importância para que conheçamos suas
necessidades e anseios.
Para o ITESP, até o momento é possível concretizar os objetivos
da fundação através de capacitação e assistência aos técnicos, sendo
satisfatórias as relações com as comunidades quilombolas. Não foram
apontadas dificuldades seja no âmbito de infraestrutura institucional ou
no desenvolvimento das ações propostas.
Impactos do Programa Brasil Quilombola:
Considerando a atuação com as comunidades, aproveitamos
a oportunidade para saber o que é observado acerca da implantação
de políticas públicas nos quilombos através do PBQ.
ISA: Nos últimos anos, é facilmente observável a melhoria de
vida das comunidades quilombolas no Vale do Ribeira. Parte
disso se deve ao acesso às políticas públicas voltadas ao
pequeno agricultor e ao Território da Cidadania, e parte pelo
fato de serem comunidades tradicionais quilombolas.
Considerando o que diz a publicação “Programa Brasil
Quilombola” (Brasília, 2004), vemos que alguns projetos e
programas chegam a alguns quilombos do Vale do Ribeira,
como o programa Luz para Todos, o Bolsa-Família, o PAC 2
(esses três em caráter geral, e não específico para as
comunidades), a instalação de antenas de internet em
Telecentros, há anos atrás; a construção da ponte de acesso
ao Quilombo Ivaporunduva, que também possibilita o acesso
aos quilombos Galvão e São Pedro; a priorização da assinatura
de contratos do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA)
com a cooperativa quilombola. Recentemente foi realizado
cadastro para o programa Minha Casa Minha Vida, visando a
construção de moradias em algumas comunidades. O
programa Mais Médicos, em Eldorado, designou uma
profissional para o atendimento das comunidades. Em 2014 foi
instituída mesa permanente de regularização fundiária, uma
iniciativa de aumentar o diálogo e aperfeiçoar os serviços
prestados pelo INCRA e ITESP (União e Estado), buscando
melhorar a situação fundiária e reduzir os conflitos nas
comunidades quilombolas do Vale do Ribeira.
17
É preciso destacar que o acesso a essas políticas não é feito
por todas as comunidades da região, e que, como parceiro, o
ISA não tem condições de fazer referência a todas as políticas,
apenas aquelas com as quais a instituição teve contato.
De acordo com o ISA houve melhora nas condições de vida
dos quilombolas nos últimos anos, entretanto, há que ressaltar que cada
comunidade compõe um processo único e os níveis de
desenvolvimento social e o acesso as políticas públicas são variados.
ITESP: Por tratar-se de um programa do Governo Federal não
dispomos de dados precisos a responder a questão para o
momento.
O ITESP não se manifestou quanto aos impactos do programa.
Principais dificuldades dos quilombos e de acesso às políticas públicas:
O ISA apresentou considerações relevantes acerca da atual
situação das comunidades quilombolas no âmbito do acesso às
políticas públicas, sendo elas:
ISA: As políticas voltadas à assistência técnica ainda são fracas.
Além da demanda para que sejam efetivadas na região, elas
precisam atender as especificidades da produção agrícola
quilombola, por exemplo, na implantação das roças de
coivara e na produção orgânica. As políticas voltadas à
comercialização também precisam ser fortalecidas, e isso deve
acontecer de forma integrada à assistência, ou seja, garantir
uma produção de qualidade e um escoamento adequado,
que valorize as características desses produtos. Em relação à
saúde a demanda ainda é grande, e precisa contemplar as
particularidades das comunidades negras, conforme previsto
na legislação. Existem os problemas que atingem todas as
comunidades rurais da região, inclusive quilombolas: acesso
(estradas e pontes), saneamento (este, um problema
gravíssimo que interage diretamente com a saúde), educação
(que tem todo um embasamento legal para que seja
específico para as comunidades negras), comunicação.
Importante apontar que algumas questões apesar de serem
referentes à realidade quilombola, dizem respeito também a situação
de centenas de famílias rurais do Vale do Ribeira, oferta de
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saneamento, saúde, educação e estradas de acesso, caracterizando-
se como público da intervenção do Ministério Público.
O ITESP não apontou qualquer tipo de dificuldades:
ITESP: Trabalhamos para que as comunidades tenham acesso a
todas as Políticas Públicas, e sem que isso venha incorrer em
qualquer limitação.
Sobre a principal dificuldade enfrentada pelas comunidades quilombolas:
Apesar de terem sido apontadas anteriormente as
dificuldades das comunidades do Vale do Ribeira, pensamos ser
interessante a indicação do ponto de maior urgência e destaque na
conjuntura atual, notamos que as duas instituição indicaram a mesma
problemática, como segue:
ISA: A falta de regularização fundiária é um problema central, e
que traz impactos em vários aspectos para as comunidades.
Nos dias atuais ainda existem conflitos com os chamados
terceiros, inclusive armados, o que gera violência e até morte.
A ausência da regularização também impede que as
comunidades usufruam plenamente uma série de direitos e
benefícios. As demandas apontadas na questão anterior
representam significativas dificuldades para os quilombolas, e
precisam ser tratadas com muita atenção pelos órgãos
públicos.
Foi possível perceber através dos espaços que participamos
que a discussão a respeito da posse da terra predomina a pauta de
reivindicações quilombola, sendo uma grande preocupação, assim
como os conflitos ocorridos em decorrência da mesma.
ITESP: As peculiaridades de ordem fundiária nas áreas
quilombolas, demandam procedimentos até a entrega da
tutela pretendida, qual seja, a titulação dos territórios em nome
das Associações. Com efeito, o Estado de São Paulo tem por
reconhecidos 32 territórios como remanescentes de quilombos.
Desses, 6 foram titulados em terras públicas estaduais, 25 estão
no Vale do Ribeira. Os primeiros territórios foram reconhecidos
em 1998. Para regulamentar o processo de reconhecimento
foram criados os decretos estaduais números 40.723/1996,
41.774/1997 e 42839/1998.
O autorreconhecimento e o vínculo com o território são os
elementos que dão início a um processo cujo objetivo é o
Governo do Estado reconhecer a comunidade como
19
remanescente de quilombo. A consequência disso é a
titulação, que legitima a posse das terras públicas estaduais.
Esses títulos são inalienáveis e têm natureza coletiva, ou seja,
são outorgados às associações legalmente constituídas que
representem a comunidade, de acordo com o disposto na Lei
9.757/97.
No reconhecimento, assim como na titulação dos territórios
quilombolas são vislumbradas situações fundiárias distintas: as
terras de domínio particular, e neste caso a regularização da
área fica sob a égide do Governo Federal, as áreas com
sobreposição das Unidades de Conservação (UC) e as terras
públicas estaduais, demandando, em todos os casos, pois, a
regularização através de processos específicos.
A questão fundiária certamente é um tema central na
discussão acerca das comunidades quilombolas, sendo uma
preocupação constante, apontada tanto pelo ITESP como pelo ISA, as
formas burocráticas para a obtenção da propriedade é um dificultador
de grande relevância.
Avanços conquistados pelas comunidades quilombolas:
Um aspecto importante para a elaboração do estudo é
entender as comunidades quilombolas dentro dos diferentes tempos
históricos, compreendendo as dinâmicas de avanço e desafios que
cada período oportunizou. Entendendo a presença de mais de uma
década das instituições pesquisadas na região, consideramos relevante
questionar não somente os desafios impostos atualmente, bem como as
boas práticas consolidadas.
ISA: Quando o ISA iniciou sua atuação no Vale do Ribeira, a
falta de renda era um problema grave entre as comunidades.
Nos últimos 15 anos, programas governamentais e projetos de
organizações parceiras beneficiaram essa população, em
ações voltadas à capacitação e fortalecimento do trabalho
comunitário, e às cadeias produtivas como a agricultura
(inclusive orgânica e certificada), artesanato, turismo,
apicultura, entre outros, proporcionando um aumento de
renda para as famílias. No entanto, alguns problemas antigos
persistem, como já citado nas questões anteriores.
20
O ISA apontou um tema importante que diz respeito à
geração de renda, mesmo sendo indicada como um avanço nas
comunidades quilombolas, notamos através das reuniões realizadas que
tal realidade varia muito conforme cada comunidade e sua forma de
organização. Através do estudo em questão será possível evidenciar
quais comunidades alcançaram maior desenvolvimento e
independência para a geração de renda.
ITESP: Houve avanços, sem dúvida, e as Políticas Públicas estão
aí para comprovar. Ações se fortaleceram e hoje as
comunidades ganham a autonomia tão almejada. Acesso a
direitos e benefícios, programas de geração de renda, (PAA –
Programa de aquisição de Alimentos, PNAE – Programa
Nacional de Alimentação Escolar, agora com o PPAIS -
Programa Paulista da Agricultura de Interesse Social dentre
outros), moradias melhores, como as construídas pela CDHU em
diversas comunidades, escolas como a construção do primeiro
Núcleo de Formação Profissional Quilombo André Lopes,
localizado em Eldorado. Resultado de uma parceria entre o
Itesp, a Prefeitura de Eldorado e o Centro Paula Souza. O
Núcleo tem seis salas de aula, laboratório de informática, dois
espaços destinados aos laboratórios de Agroindústria e Análise
de Solos, biblioteca, refeitório, dois alojamentos para
professores e quadra esportiva. A unidade oferece o curso
técnico em Agroecologia e Administração. Também o acesso
ao Programa Microbacias da Secretaria da Agricultura. O
Microbacias é uma ação do Governo do Estado, executado
pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento, por meio da
Coordenadoria de Assistência Integral (Cati) e pela Secretaria
do Meio Ambiente, por meio da Coordenadoria de
Biodiversidade e Recursos Naturais (CBRN). Tem por objetivo
fortalecer a capacidade organizacional, fomentando a
participação dos quilombolas em atividades ligadas a cadeia
produtiva. Importante destacar que tudo isso se deu sem que
as comunidades abandonassem seu modo de vida e suas
tradições, ao contrario, estas são preservadas e colocadas em
evidência.
O ITESP apontou diferentes ações de iniciativa do governo do
estado, citando politicas de geração de renda, habitação e
educação. Tais informações são relevantes para avaliação do real
impacto dessas ações dentro das comunidades.
21
Participação dos movimentos sociais:
Considerando a importância dos movimentos sociais para a
construção das pautas coletivas das diferentes comunidades,
salientamos o interesse em compreender a relação dos movimentos
sociais com as instituições parceiras.
ISA: As comunidades quilombolas do Vale do Ribeira,
principalmente no eixo Eldorado-Iporanga, têm um histórico de
organização de mais de vinte anos. Organizam-se em
associações, em cooperativas e em lutas comuns, como a
resistência ao projeto de construção da Usina Hidrelétrica de
Tijuco Alto, que resultou na formação do Movimento dos
Ameaçados por Barragens (MOAB). Essa articulação local é
forte, sobretudo considerando a realidade de outras regiões,
mas, pela quantidade de comunidades existentes no Vale do
Ribeira, existe muito trabalho pela frente. As organizações de
apoio e assessoria contribuem com essas articulações, mas elas
acontecem de forma independente. Há uma articulação
nacional, a CONAQ, que precisa ser fortalecida.
O ISA pontuou ser importante a manutenção e, talvez a
ampliação do trabalho que já vem sendo desenvolvido, uma vez que
ainda há muitas comunidades no Vale que estão em estágios mais
imaturos de coesão social. Assim como em muitos trabalhos de longo
alcance, há que se fomentar a rede de acesso a informação e
também o (re)conhecimento do trabalho que já foi desenvolvido em
outras partes. A articulação deve ser construída em etapas que não
precisam necessariamente se sobrepor. Pois ao mesmo tempo em que
há que se fortalecer o lócus e o âmbito nacional de lutas.
ITESP: As Associações se fazem crescer no movimento e
representatividade também no âmbito dos governos estadual
e federal. Registre-se a participação de lideranças, femininas,
inclusive, no movimento, também dos jovens.
O ITESP, por seu turno, destacou apenas sobre a participação
feminina e dos jovens nãos movimentos. Há que se ressaltar a
importância de estimular a presença dos jovens nos movimentos visto
22
que atualmente há pouco estímulo para que o jovem permaneça no
meio rural.
Demais considerações:
Foi elaborado espaço para manifestação livre a respeito das
comunidades quilombolas e o trabalho desenvolvido pelas instituições.
ISA: As demandas das comunidades quilombolas não podem
ser exclusivas de um setor do governo ou de um segmento
social. O permanente diálogo entre sociedade civil e os setores
públicos, de diferentes áreas, é necessário para o
enriquecimento dos resultados das políticas públicas, e do
desenvolvimento das comunidades. Neste sentido, o apoio do
Ministério Público do Estado de São Paulo e a iniciativa de
entender a visão dos diversos parceiros acerca da realidade
regional são de extrema importância. No início de 2015 as
Defensorias Públicas do Estado e da União realizaram mutirão
para o atendimento das comunidades de Eldorado, Iporanga
e Barra do Turvo, levantando informações preciosas sobre as
demandas dessa população. Esse material pode ser um
subsídio interessante para os trabalhos do MP na região.
O ISA levantou um posicionamento importante acerca da atuação
dos órgãos do estado, ao abordar os trabalhos das Defensorias Publicas
enquanto subsídios, pode-se estender esta visão para mais e mais parceiros
enquanto atores na defesa dos direitos das comunidades tradicionais.
Essa visão sobre a intersetorialidade das ações também é
partilhada pela equipe técnica do NAT, haja vista os esforços
despendidos para que houvesse espaço onde a maior parte dos atores
pudesse contribuir com sua visão na elaboração do presente estudo.
ITESP: Há de ressaltar que um dos maiores desafios do GTC –
Eldorado, assim como de todos atuantes juntos ao público
quilombola, é a manutenção dos aspectos tradicionais das
comunidades perante aos avanços tecnológicos e
necessidades de geração de renda e bem estar social.
23
Nesta fala d ITESP, é abordado outro ponto de extrema
relevância já apontado em relatório anterior da equipe técnica do NAT
Vale do Ribeira – o desenvolvimento econômico e social da população
de forma sustentável. Visto que os avanços tecnológicos e as
necessidades impostas pela forma de vida da sociedade
contemporânea forçam meios de produção que desvalorizam a cultura
tradicional enquanto agente fomentadora de renda.
Este desafio imposto aos atores que trabalham (ou
trabalharão) com a causa quilombola deve ser entendido de forma
transdisciplinar no âmbito das políticas públicas.
Percepções acerca dos questionários:
A partir de uma visão global dos questionários respondidos, foi
possível notar os distanciamentos e aproximações entre os atores que
representam o estado e aqueles que são parte da sociedade civil
organizada.
Assim, as respostas geradas neste instrumental serão utilizadas
como norteadoras das proposições dos trabalhos a serem
desenvolvidos. Através dos questionamentos encaminhados objetivou-
se a construção de um olhar preliminar fundamentado nas visões já
construídas pelas instituições que atuam neste campo há um tempo
considerável.
Ressalta-se que um dos pilares deste estudo é o pensamento
crítico, ou seja, as visões não serão assimiladas de forma mecânica,
para tanto os questionamentos perpassam a interpretação do material
que nos foi entregue.
Foi possível perceber alguns pontos importantes para o
abalizamento do estudo dos quais se destacou que foi possível
diferenciar os limites e as áreas de atuação de cada instituição;
24
notamos, através da percepção dos profissionais parceiros que há
dificuldades para concretizar as práticas das instituições - de cada uma
com suas especificidades e suas demandas – junto aos quilombos.
Percebeu-se que desde a Constituição de 1988 houve
avanços na conquista e sedimentação de direitos pelas comunidades.
Iniciamos o processo de entendimento e apropriação sobre
como se dá a relação entre instituições e movimentos sociais.
Lembramos que este foi o primeiro contato avaliativo do PBQ
sob a ótica de quem atua dentro das comunidades, podendo haver
um clareamento no reconhecimento das políticas públicas que já foram
promovidas e as demais com maior dificuldade de acesso.
As comunidades:
Como já foi dito, às comunidades remanescentes de
Quilombos é garantido o direito de serem assim caracterizadas até
mesmo por autodefinição. Todavia na seara jurídica, o aspecto de
regularização fundiária encontra muitos entraves jurídicos e científicos
para garantir o direito à titularidade das terras às quais as comunidades
vivem.
Dessa forma há uma lacuna profunda entre a
autodeclaração e o reconhecimento jurídico legal de ser quilombola.
Muitos são os institutos e as entidades que auxiliam no
processo de fortalecimento e empoderamento dessas comunidades,
auxiliando no (auto) reconhecimento enquanto grupos detentores de
patrimônios históricos, culturais e territoriais singulares e enquanto
(grupos de) sujeitos detentores de direitos.
Todavia, na atualidade o processo de reconhecimento e
titularização territorial são restritivos ao Estado, ficando as áreas
25
particulares a cargo do INCRA (Instituto Nacional De Colonização E
Reforma Agrária) no âmbito federal por meio da Portaria de
Reconhecimento e ao estado de São Paulo a áreas de terras devolutas
pelo ITESP que utiliza como instrumental o Relatório Técnico Cientifico
(RTC). Em ambos os casos, os estudos são acerca das condicionantes
sociais, históricas e antropológicas que inserem a comunidade negra
rural na condição de quilombola.
Segundo explicação extraída de um excerto do RTC do
Reconhecimento da Comunidade Remanescente do Mandira em
Cananeia em 2002:
A criação desta categoria de investigação denominada
Relatório Técnico Científico, bem como os parâmetros que o
norteiam, são resultantes dos esforços do Grupo de Trabalho
criado pelo Governo do Estado de São Paulo por meio do
Decreto nº 40.723, de 21 de março de 1996, que tinha por
objetivo fazer proposições visando a plena aplicabilidade dos
dispositivos constitucionais conferentes do direito de
propriedade aos remanescentes das comunidades de
quilombos em território paulista. Foi integrado por
representantes da Secretaria da Justiça e Defesa da
Cidadania, Instituto de Terras do Estado de São Paulo “José
Gomes da Silva”, Secretaria do Meio Ambiente, Procuradoria
Geral do Estado, Secretaria de Governo e Gestão Estratégica,
Secretaria de Cultura, Conselho de Defesa do Patrimônio
Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico, Conselho de
Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra no
Estado de São Paulo, Subcomissão do Negro da Comissão de
Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil - Secção
São Paulo e Fórum Estadual de Entidades Negras. Os trabalhos
deste Grupo levaram à criação: a) do Programa de
Cooperação Técnica e de Ação Conjunta para identificação,
discriminação e legitimação de terras devolutas do Estado
ocupadas por remanescentes de comunidades de quilombos
visando sua regularização fundiária, implantando medidas
sócio-econômicas, ambientais e culturais e b) de um Grupo
Gestor para implementação do Programa. O Programa e o
Grupo Gestor foram criados por meio do decreto nº 41.774 de
13 de maio de 1997.
26
Segundo o site do ITESP11, “atualmente no Estado de São Paulo
das comunidades remanescentes de quilombos apontadas, 27 já foram
reconhecidas; seis delas estão tituladas pelo governo, em terras
devolutas”. Todavia essa informação pareceu estar desatualizada,
assim em nova busca foram encontrados dados atualizados12 no site
Limite Zero Noticias13 do qual se extraiu a tabela abaixo.
Hoje em dia, o ITESP é dividido em duas sub sedes
administrativas que abrangem o Vale do Ribeira: Eldorado constituído
pelos municípios de Eldorado, Jacupiranga, Iporanga; e Pariquera Açu
que abrange Iguape, Cananéia, Registro, Barra do Turvo.
11
http://www.itesp.sp.gov.br/br/info/acoes/assitencia_quilombos.aspx 12
O site explica que estes dados foram obtidos a partir de fontes do próprio ITESP, atualizados em 18-02-2015. 13
http://www.sitelimitezero.com/lista-de-quilombos-reconhecidos-e-titulados-do-estado-de-sao-paulo/
Comunidade Município Área Total (há)
Área Devoluta
(há)
Área Particular
(há)
Famílias (nº)
Ano de Reconhecimen
to
Ano de Titulação de
Terras Devolutas
1. Ivaporunduva Eldorado 2.754,36 672,28 2082,07 98 1998 12/09/2003
2. Maria Rosa Iporanga 3.375,66 3.375,66 0,00 25 1998 15/01/2001
3. Pedro Cubas Eldorado 3.806,23 2.449,39 1.356,84 40 1998 20/03/2003
4. Pilões Iporanga 6.222,30 5925,99 296,31 63 1998 15/01/2001
5. São Pedro Eldorado/Ipor
anga 4.688,26 4.558,20 130,07 39 1998 15/01/2001
6. André Lopes Eldorado 3.200,16 3049,20 76,14 76 2001
7. Nhunguara Eldorado/Ipor
anga 8.100,96 8.100,96 0,00 91 2001
8. Sapatu Eldorado 3711,62 1584,06 2.127,56 82 2001
9. Galvão Eldorado/Ipor
anga 2.234,34 1942,83 291,50 34 2001 18/01/2007
10. Mandira Cananéia 2.054,65 Área não
discriminada Área não
discriminada 16 2002
11. Praia Grande Iporanga 1.584,83 416,68 1.104,25 34 2002
12. Porto Velho Iporanga 941,00 0,00 941,00 19 2003
13. Pedro Cubas de Cima
Eldorado 6.875,22 3.074,97 3.800,24 22 2003
14. Morro Seco Iguape 164,69 0,00 164,69 47 2006
15. Poça Eldorado/Jacu 1.126,14 0,00 1.126,14 41 2008
27
A fim de viabilizar as visitas a equipe técnica NAT pretende
utilizar a divisão geo-referencial que já é utilizada pelo ITESP. Dessa
forma, contatou-se a equipe do ITESP sediada em Pariquera Açu para o
agendamento de uma reunião preliminar, na qual foram solicitados
dados e informações acerca dos Quilombos – contatos das lideranças,
localização, dificuldade de acesso e etc. O que possibilitou pensar
estratégias de visitas às comunidades localizadas nos municípios que
aquela sub sede abrange. Por questões logísticas, a ordem de visitas
será mantida com base na quantidade de comunidades por município
e na dificuldade de acesso a elas.
No que se refere à sub sede regional do ITESP de Eldorado,
apesar de terem sido realizados contatos telefônicos, optamos por adiar
a reunião técnica para após a conclusão dos trabalhos desenvolvidos
nos municípios de abrangência da sub sede Pariquera Açu.
Agenda:
piranga
16. Ribeirão Grande/ Terra Seca
Barra do Turvo
3.280,26 948,87 2.522,17 77 2008
17. Cedro Barra do
Turvo 1.066,11 0,00 1.066,11 23 2009
18. Reginaldo Barra do
Turvo 1.279,68 208,23 1.071,45 94 2009
19. Pedra Preta/ Paraíso
Barra do Turvo
3.280,26 0,00 3.280,26 80 2009
20. Peropava Registro 395,98 0,00 395,98 25 2011
21. Bombas Iporanga 2.512,73 PETAR PETAR 16 2014
22. Aldeia Iguape 7.350,63 discriminató
ria discriminatóri
a 17 2014
23. Abobral Margem Esquerda
Eldorado 3.459,23 Área não
discriminada Área não
discriminada 38 2014
24. Engenho Eldorado 487,60 Área não
discriminada Área não
discriminada 15 2014
28
Apresentamos, a seguir, o cronograma de estudos e a ordem
dos relatórios a serem encaminhados, divididos por promotorias de
justiça, todavia, procuramos ressaltar que estes podem sofrer alterações
em conformidade com a disponibilidade das agendas dos quilombos, e
dos parceiros que se propuseram a nos auxiliar no desenvolvimento das
atividades e que por ventura venham a nos acompanhar.
Cronograma de Visitas
Comunidades da Regional de Pariquera Açu
Comunidade Município
1ª) Peropava Registro
2ª) Mandira Cananéia
3ª) Morro Seco Iguape
4ª) Aldeia Iguape
5ª) Ribeirão Grande/Terra Seca Barra do Turvo
6ª) Pedra Preta/Paraiso Barra do Turvo
7ª) Cedro Barra do Turvo
8ª) Reginaldo Barra do Turvo
Cronograma de Visitas
Comunidades da Regional de Eldorado
Comunidade Município
1ª) Poça Jacupiranga/Eldorado
2ª) Ivapurunduva Eldorado
3ª) Pedro Cubas Eldorado
4ª) Pedro Cubas de cima Eldorado
5ª) André Lopes Eldorado
6ª) Abobral/Margem Esquerda Eldorado
7ª) Engenho Eldorado
6ª) Sapatu Eldorado
7ª) São Pedro Eldorado/Iporanga
8ª) Nhunguara Eldorado/Iporanga
9ª) Galvão Eldorado/Iporanga
10ª) Praia Grande Iporanga
29
Esperando haver cumprido a missão que nos foi atribuída,
colocamo-nos à disposição para o esclarecimento de quaisquer dúvidas.
Registro, 29 de julho de 2015
11ª) Porto Velho Iporanga
12ª) Bombas Iporanga
13ª) Maria Rosa Iporanga
14ª) Pilões Iporanga
Gabriel Hernandes Alonso Borges
Analista de Promotoria I
Psicólogo CRP 06/92141
Leiderene Sousa Silva
Analista de Promotoria I
Assistente Social
CRESS 44172