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CONSIDERAÇÕES SEMIÓTICAS ACERCA DOS MANUSCRITOS DE ALUNOS
REALIZADOS NAS CARTEIRAS, NA PAREDE, NOS CADERNOS: UMA ANÁLISE
DOS NÍVEIS DE CONCRETIZAÇÃO
Daiana Francisca ZANOVELLO
UEMS/UNA
Antonio Carlos Santana de SOUZA
NEC/UEMS
Introdução
A produção de grafitos se espalha por muitas paredes, milênios antes de inventar a
primeira palavra, o ser humano já cunhava seus grafitos. Nesta forma de expressão escrita,
a mais remota que se conhece, ficaram registradas mensagens de inúmeras civilizações
através dos tempos. Desde as cavernas pré-históricas e as ruínas da Antiguidade (Grécia,
Egito, Roma, Pompéia, monumentos astecas e maias etc), até as contemporâneas pichações
nos muros, postes, tapumes, pára-choques de caminhões e as inscrições anônimas em
cédulas de papel-moeda, a comunicação através de grafitos tem papel marcante na história
da cultura humana. De acordo com os dicionários se define grafite como um carvão a que
se dá o nome de plumbagina e de que se fazem os lápis, já os grafitos são definidos como o
nome que se dá ao desenho traçado à mão nas paredes dos edifícios ou nos monumentos
antigos.
Os alunos também se utilizam de grafitos para transmitir aquilo que sentem ou até
mesmo sua história no que está relacionada a fatores sociais, econômicos e ideológicos.
Dessa forma este trabalho tem como objetivo realizar um levantamento do plano de
conteúdo e as variadas formas de manifestação nesse plano, mediante as análises das
narrativas escritas feitas pelos alunos dos 8ª e 9ª ano em suas respectivas carteiras e nos
seus cadernos, livros, a fim de desvendar as recorrências, isotopias figurativas e temáticas,
assunto do “plano de conteúdo” e as variadas formas de manifestação nesse plano de
conteúdo. Descrever e analisar as respectivas figuras e temas presentes no discurso desses
adolescentes, para a manifestação lingüística das formações imaginárias discursivas neles
impressos.
Ao mesmo tempo procura-se fazer um levantamento a fim de verificar se os alunos
de 8º e 9º ano em seus manuscritos realizados em carteiras, muros e cadernos se utilizam
mais do discurso temático ou figurativo, e qual é o efeito, a intencionalidade manifestada
mediante isso e por quê fazem isso.
Este trabalho propõe um estudo investigativo da relação entre o verbal e o não
verbal através da análise do plano da expressão e do conteúdo, no processo de produção de
efeitos de sentidos nos textos escolares. Averiguando por meio de uma leitura detalhada dos
elementos lexicais (enunciados), espaciais (disposição das palavras e das imagens no texto)
e imagéticos (figuras, desenhos), utilizados pelos alunos, considerando a relação entre o
verbal e o não verbal como resultante da permeabilidade existente entre os planos de
expressão, de conteúdo e a situação enunciativa.
Assim estando os alunos de 8º e 9º ano em uma fase de transformação e ser a
linguagem a principal manifestação, esse trabalho se justifica por buscar reconhecer o
discurso mais evasivo, já que nos momentos de fuga do contexto da aula que está sendo
aplicada, o aluno se manifesta escrevendo nas carteiras, na capa do caderno, esse trabalho
tem sua importância por desvelar o que esse aluno pensa, as suas ideologias - suas
temáticas e que materialidade lingüística concreta ele faz uso a fim de se expressar, já que
como se escreve, ou seja, os recursos adotados modificam o sentido daquilo que se quer
transmitir.
Para desenvolver esta pesquisa, durante oito meses percorremos todas as salas de
aula de 8º e 9º ano da escola Estadual Reynaldo Massi para a coleta do corpus desse
trabalho (com variadas incidências de grafitos). As mensagens dos escritos foram
transcritas com a maior fidelidade possível à forma original, conservando a disposição das
palavras em diferentes linhas no texto, e respeitando a grafia (correta ou não para as normas
vigentes do idioma culto). Os escritos são representados por fotos originais dos mesmos e
transcritos entre aspas, de modo a distinguir visualmente a mensagem transmitida.
Trabalha-se também com uma revisão bibliográfica acerca da semântica estrutural,
mais especificamente do que se refere à tematização e figurativização, foi elaborado um
levantamento das temáticas subjacentes, tendo em vista a recorrência dos aspectos
identificados na coleta do corpus e por fim a elaboração da monografia com intuito de
apresentá-la.
Para a realização desse trabalho foram utilizadas quatro partes: a primeira nos
mostra um pouco do arcabouço teórico da semiótica, a segunda nos traz o conceito de texto
para a semiótica, a terceira nos mostra um capítulo sobre a tematização e a figurativização e
por fim a quarta nos traz as análises dos escritos dos alunos e sua contextualização; em
seguida, os anexos, que dá continuidade aos mesmos textos das análises, exemplificando as
principais temáticas encontradas.
2- Teoria Semiótica
A semiótica apresentou-se sempre como disciplina fundada num arcabouço teórico
de grande envergadura. Desde seus primeiros modelos, lançados por Algirdas Julien
Greimas no final dos anos 1960 e início da década seguinte, já se previa uma investida de
longo alcance, que foi se confirmando à proporção que ampliava o objeto de estudo.
Segundo Santaella (1983), para a semiótica o signo é o produto dinâmico de uma
correlação entre os elementos da expressão e os elementos do conteúdo definido por um
código; o nome semiótica vem da raiz grega semeion, que quer dizer signo (p.7).
“(...) Semiótica, portanto, é a ciência dos signos, é a ciência de toda e qualquer linguagem”. “A Semiótica é a ciência que tem por objeto de investigação todas as linguagens possíveis, ou seja, que tem por objetivo o exame dos modos de constituição de todo e qualquer fenômeno de produção de significação e de sentido”, (SANTAELLA, 1983,p.13).
De acordo com Mussalin, F. & Bentes (2005, p.394), semiótica também é
sinônimo de linguagem, entendida como um “conjunto de significantes”. Pode se afirmar
que a linguagem foi um objeto de estudo privilegiado ao longo do século XX. “A
linguagem quer ser ignorada”; com essa advertência, segundo Mussalin, destacava a função
mediadora da linguagem e a despeito dessa vocação, chamava, à maneira como já fizera
Saussure, de tomar a linguagem como objeto de reflexão.
De acordo com Saussure (1971) a definição de signo é como uma união entre
significante (imagem acústica) e significado (conceito), sendo o significante o suporte
material do signo ou de uma expressão.
Enquanto teoria, a semiótica realça a comunicação como geradora de significação.
Com ela, constitui-se um novo conjunto de conceitos: signo, significação, ícone, índice,
denotação, conotação, paradigma, sintagma. No centro está o signo. O signo é algo físico,
perceptível aos nossos sentidos.
A semiótica descreve-se como uma teoria geral da significação. Uma teoria da
linguagem. Não como uma teoria particularmente lingüística, embora sua herança o seja. A
descrição da significação em níveis, constitui um modelo de previsibilidade comum a
textos verbais, não-verbais e sincréticos, que têm seu processo de textualização descrito por
semióticas específicas. A semiótica é também considerada desde seu princípio não uma
teoria acabada, mas um projeto teórico, a sua trajetória desenvolve seu corpo de conceitos e
estende os domínios de sua reflexão de modo a abranger, sucessivamente, aspectos da
significação a que renunciou, anteriormente, em nome de um princípio de homogeneidade.
No decorrer dos últimos anos a semiótica tem sofrido mudanças acentuadas, e as
mesmas têm sido consideradas como as fases da semiótica: a primeira tem sido nomeada
clássica, descontínua, e a segunda, tensiva, contínua.
Embora seja amplo e coletivo, o percurso de reflexão que as duas expressões
nomeiam pode ser acompanhado seguindo a obra de Algirdas Julien Greimas, desde sua
obra iniciadora da semiótica, Semântica Estrutural, esta obra funda a semiótica de origem
francesa.
“... uma referência básica para a teorização e compreensão de um dado domínio da ‘realidade’(...) instituiu “uma identidade teórica”(...) estabeleceu “uma ruptura, um deslocamento, instalando uma tradição outra (...) construindo limites outros, tornando possível novos gestos de interpretação dos fenômenos” (, pág. 19-20).
Segundo o que Fiorin (1995) preceitua, a Semiótica Estrutural teve a função de
“discurso fundador” (p.18), pois possibilitou, passando assim, por seu momento de maior
estabilidade, com a consolidação do chamado percurso gerativo de sentido.
Para Lopes (1995, p.52), o percurso gerativo - “núcleo duro” da semiótica –
“supera e ultrapassa as dicotomias saussurianas”, mas tem em Saussure a “pré-
formalização” de sua estrutura elementar da significação.
Segundo Fiorin (1995), para construir o sentido do texto, a semiótica concebe o
seu plano de conteúdo sob a forma de um percurso gerativo de sentido, que é estabelecido
em três etapas. A primeira etapa do percurso recebe o nome de nível fundamental; a
segunda de nível narrativo e a terceira de nível discursivo, esse modelo explica como o
sentido é organizado, permitindo ao semioticista estudar e tomar o processo de significação
como objeto de estudo.
A demarcação do lugar ocupado pela semiótica estende-se, assim, pela
explicitação de suas bases inaugurais, que estão ajustadas na lingüística.
3 - O Contexto de Texto para a Semiótica
Ao buscar saber sobre o termo texto, tem-se notado que esta palavra se enuncia de
forma abrangente, articulada a outros termos também abrangentes, como enunciação,
sentido, significação, contexto, interpretante e outros que, de uma ou de outra maneira,
estejam ligados aos mecanismos da organização textual responsáveis pela construção do
sentido.
De acordo com Mussalim, F. & Bentes (2005), o texto é concebido como discurso,
produto de atualização lingüística de sujeitos históricos inseridos em estratégias de
interlocução. Dentro da semiótica, o texto se encaixa como uma concepção totalizante da
dimensão triádica do texto (gramatical, semântica e pragmática) abre, pois, passagem para a
constatação teórica de que a enunciação lingüística assume, necessariamente, duas
orientações: uma, em direção ao sujeito (emissor/receptor) e outra, a partir dele, em direção
à situação.
Segundo Hjelmslev (1981) a palavra texto é tomada no sentido mais amplo e com
ela designa um enunciado qualquer, falado ou escrito, longo ou curto, velho ou novo. Todo
material lingüístico estudado forma também um texto, retirado de uma ou mais línguas.
Louis Hjelmslev (apud Ramalho e Oliveira, 2005) é o primeiro a utilizar os
termos: plano de expressão e plano de conteúdo. Hjelmslev é criticado por alguns
pesquisadores por ter apenas mudado a terminologia ao que Saussure já teria chamado de
significante e significado. Importante esclarecer que ao entrarmos em contato com os textos
de Hjelmslev percebemos que a mudança não se dá apenas na nomenclatura, mas, de fato,
opera uma alteração prática. Os textos verbais fazem parte do sistema simbólico da
linguagem, diferentemente dos textos visuais que fazem parte do sistema semi-simbólico de
linguagem. Uma vez feita a construção do texto verbal, sintaxe, todos que compartilham o
idioma e são alfabetizados nele chegam ao mesmo conteúdo semântico. Esta analogia não
ocorre com os textos visuais.
Os objetos artísticos e/ou estéticos são configurados segundo o desejo de seu
propositor, o artista, a partir de elementos visuais – ponto, linha, etc. – e possibilitarão
efeitos de sentidos distintos, possivelmente próximos, mas distintos. É por meio de
textos que o discurso se manifesta. Qualquer passagem falada ou escrita,
independentemente de sua extensão, que constitua um todo significativo, efetiva-se em um
texto.
A palavra texto é utilizada freqüentemente, seja na escola ou fora dela. É comum
ouvirmos frases como: “O autor terminou seu texto”; “Os textos estão sobre a mesa”; “Que
texto complicado!”; “Os atores já receberam seus textos”. Conceituar texto, no entanto, é
mais complexo do que parece, dada a abrangência de termos que estão ligados à sua
significação e a própria teoria da qual adotamos. Um texto, enfim, é a parte
integrante de um meio cultural específico e não pode constituir objeto único de estudos
exclusivamente lingüísticos. A filosofia do signo ideológico coloca, pois, o texto como base
reflexiva de uma teoria da enunciação, enquanto a realidade da linguagem e não abstração
da língua, para ela, a comunicação verbal não se justifica, se isolada em si mesma, fora de
um vínculo com a situação extralingüística.
4 - A Tematização e Figuritização
De acordo com Fiorin (1995) um texto ou um esquema narrativo pode ser
desenvolvido utilizando-se de termos abstratos ou concretos (temático ou figurativo). Os
elementos concretos que representam coisas, ações e qualidades encontradas no mundo
natural, chamam de “figuras”, já aos elementos abstratos denominamos “temas”.
Os temas são palavras ou expressões que representam algo não existente no mundo
natural, como por exemplo, um sentimento, a tristeza. Já as figuras quando manifestadas
através do mundo natural representam o concreto, como por exemplo, os pássaros, o carro.
Segundo o que Barbalho (2007) nos mostra a respeito de tematização e figurativização:
“A tematização expressa elementos abstratos buscando explicar a realidade e representar o mundo através de um investimento conceptual. Os temas organizam, categorizam e ordenam a realidade significante de modo a permitir sua interpretação. Figuras e temas são para manter a coerência interna do texto, necessitam seguir um percurso ou encadeamento lógico de modo a gerar sentido.As figuras devem ser vistas através do conjunto por elas composto e não isoladamente.” (p.88).
A conexão do texto-espaço se explica pela figuratividade do objeto real e ainda
pela tematicidade que lhe propõe identidade e organização. São classificadas como
isotopias que, evocando as formas e funções do ambiente, permitem leituras
integralizadoras abrigando significados àquilo que se vê.
Diante de um discurso, podemos encontrar a metáfora e a metonímia, que são
recursos que contribuem para alteração dos sentido das palavras, e que às vezes
proporcionam uma implicação no sentido em que essas palavras são empregadas.
O tema é aquilo que as figuras apresentadas em um texto ou discurso significam, o
tema é o sentido que há por trás da metáfora figurativa. Para o compreendimento de um
texto figurativo ou para a descoberta do seu tema é preciso que o leitor tenha em mente que
uma figura não tem significado em si mesma. Quando sozinha ou isolada, ela sugere várias
possibilidades de interpretações. Segundo Barbalho (2007);
“...os temas e figuras têm lugares também das manifestações ideológicas que, na concretização dos valores semânticos, permitem emergir as virtualidades ou mutiplicidades de interpretações. Com efeito, um texto poderá permitir mais de uma interpretação; entretanto, isto não ocorre a partir da vontade ou disposição do leitor, mais sim da polissemia que ele produz”. (p.89).
O sentido dessas figuras é o que chamamos de “encadeamento de figuras”, é a
relação que há entre as figuras apresentadas que darão sentido para que se descubra o tema
subjacente a elas. Portanto, é por intermédio dessas retomadas, encadeamentos de
referentes do mundo concreto que vão construir os encadeamentos figurativos a fim de
tornar o texto mais coerente, seja ele com idéias do “mundo real”, ou com a estrutura
textual.
5- Os Escritos de Alunos e Sua Contextualização
Grafitos de capa de caderno, muros e carteiras escolares, apesar de serem
considerados, por alguns, meras inscrições sem sentido, produzidas ao acaso, ou
simplesmente atos de vandalismo, correspondem, na realidade, a uma importante fonte de
pesquisa. Grafitos podem ser encontrados em diversos lugares, bem como em diferentes
contextos históricos. O hábito de escrever em paredes é bastante antigo. Conforme
Verplank (1983), inscrições encontradas nas paredes de Pompéia atestam a Antigüidade
desse comportamento. Ainda de acordo com Neto (1992), em Pompéia, os romanos
produziam inscrições em grego nas paredes dos banheiros de suas casas. Esse tipo de
material, portanto, pode ser analisado sob o ponto de vista da cultura.
O significado é o que nos dá o sentido de nossa própria identidade, sobre quem nós
somos e a quem pertencemos; assim o significado está atrelado a perguntas sobre como a
cultura é usada para marcar e manter a identidade e a diferença entre grupos. O significado
é constantemente produzido e trocado em cada interação pessoal e social de que
participamos. Grafitos, neste caso “escritos”, ocorrem principalmente em lugares de
ensino, escreve-se nas portas, paredes e carteiras; os mesmos são lugares de motivação para
os escritores freqüentemente desenvolverem formas de resistência, é uma estratégia de
repressão, através da descoberta de soluções ou de novos materiais mais propícios à escrita
naquelas circunstâncias.
Reprime-se o grafito não exatamente pelo teor das suas mensagens, mas sim
porque, ao contrário dos demais veículos de comunicação, suas formas de manifestação não
são facilmente controláveis. A escola é um âmbito onde seus alunos se manifestam, a vida
do aluno está dentro e fora da escola; e, freqüentemente, o aprendizado do aluno fora dos
limites da instituição escolar é muito mais motivador, pois a linguagem nem sempre é a do
aluno. Os grafitos que os alunos da Escola Estadual Reinaldo Massi produzem, trazem
consigo muitas faces diversas, pois durante todo o dia, passam por aquele ambiente onde os
grafitos são produzidos, três turmas de alunos de 8º a 9º ano, e nem sempre, os mesmos
alunos sentam nas mesmas carteiras, portanto alguns desses textos estão incumbidos de
várias faces.
Assim como o quadro é utilizado pelo professor para suas manifestações, da
mesma forma a carteira é o espaço em que aluno se manifesta. Escritos escolares
demonstram um canal pelo qual os alunos veiculam idéias, expressam fantasias e
manifestam facetas de seu comportamento, conforme podemos observar nas análises abaixo
onde, por intermédio do mundo figurativo, o enunciador deixa pistas da sua ideologia. A
partir disso pretendemos analisar seis textos (escritos de alunos da Escola Estadual
Reynaldo Massi). Primeiramente apresentamos os respectivos textos e por fim realizamos
as análises do processo figurativo, findando com a apresentação dos supostos temas
subjacentes. Vamos as análises:
figura – 1
“Deus é fiel eu vou passar de série”
Figuras TemasDeus
Série
Fé
Aprovação
O texto que compõe este corpus representa em primeiro lugar, a familiaridade que
temos com narrativas bíblicas, e em segundo lugar a grandeza de valores que o sujeito
expressa; pelo o que se nota no texto, o mesmo foi produzido por apenas um autor. Autor
deste grafito utiliza o seu espaço, a carteira, como uma forma de se manifestar, de organizar
seu espaço com fins de significação.
Nesta figura acima, notamos que o sujeito acaba utilizando-se do discurso figurativo
ligado à religiosidade através de “Deus é fiel”, o sujeito adota a figura de “Deus”, através
de uma frase já existente na Bíblia em (Deuteronômio 7: 9), intensificando o tema “fé”, que
é abordado como forma de salvação para que o sujeito obtenha “aprovação”, isso
demonstra que o sujeito está com dificuldades em obter a aprovação, por isso aborda temas
como “fé e salvação”, que estão em uma relação de pressuposição recíproca, como se o
sujeito estivesse condicionado a ter “fé”, para alcançar o seu objetivo, que se pressupõe a
intencionalidade o passar de “série”.
figura – 2
“ Fred te amo tanto se ao menos você soubesse”
Figura Temas Amor Imensidão desse amor
Amor não correspondido
Impossibilidade da concretização desse
amor
A figura do amor nos mostra uma imensidão diante dos sentimentos do sujeito,
devido talvez estar na adolescência onde os sentimentos se afloram; a temática abordada
nos relata a expressão “soubesse” que está no pretérito imperfeito do subjuntivo, indicando
a impossibilidade desse amor, ou a possibilidade remota desse amor, que esteja distante de
acontecer. O sujeito adota a figura “amor” para expressar um sentimento não
correspondido ao seu leitor.
A figura do sentimento nutrido por um garoto de sua idade, próximo a ela e, nesse
sentido, almejado, suposto, traz a decepção e a frustração do não-correspondência, da não-
resposta à sua demanda de amor. A principal temática subjacente aqui se faz no
sentimentalismo feminino, de sempre estar em busca do amor perfeito e não alcançá-lo,
nem ao menos ser reconhecida pela figura do seu amor.
Neste texto, a isotopia acontece através da reiteração dos termos ligados à suposição
“se ao menos você soubesse”, tudo reforça a idéia da possibilidade e não da realização, ou
correspondência desse amor.
figura – 3
“no aula Yes festa”
Figuras Temas Aula
Festa
Negação do estudo
Afirmação da diversão
O corpus das análises se refere aos alunos de 8º à 9º ano, em se tratando de
adolescentes, é notável a presença de figuras relacionadas a “aula” e “festa” já que o
ambiente analisado é um ambiente escolar. Esse texto é uma propaganda entre os alunos
dessa escola, este texto vem principalmente em adesivos, percebemos que o sujeito apenas
copiou uma frase que ele tem contato, o tema abordado diante dessas duas figuras é a
negação “no aula” relacionado a influência do inglês, que está presente na vida desse
sujeito seja no conhecimento adquirido na sua vida escolar, ou até mesmo, fora da escola. O
sujeito acaba recriando um enunciando em torno do estudo como forma de negação do ato
de estudar, o ambiente escolar é considerado por esse sujeito, como um ambiente de festa,
um ponto de encontro entre amigos, e paqueras. A figura “Yes festa” está ligada a temática
de afirmação a diversão, que lhe atraí muito nessa fase de mudança em sua vida; indica o
que os adolescentes mais querem: festa!
As figuras e os temas deste texto estão interligados como forma de chamar a
atenção, pregar a ideologia do sujeito, mesmo que esta não seja aceita ou compreendida por
todos, fazendo assim a concretização de valores semânticos. Os sentidos se dão pela
oposição de dois temas: a aula e a festa, que se opõem e ao mesmo tempo estão
entrelaçadas no âmbito escolar, pelo contato que os alunos mantêm na escola.
figura – 4
“Viado é um enigma você tem que caçar pra descobrir”
Figuras Temas Viado
Caça
enigma
Sexualidade
Busca por algo
Algo obscuro
O discurso adotado pelo sujeito nesse grafito, nos mostra através da figura “viado”
um termo pejorativo direcionado aos homossexuais. As figuras deste texto do sujeito
“viado”, “caça”, “enigma”, respectivamente estão se referindo a temas de sexualidade, a
busca por algo e algo obscuro. Estes são temas das quais é perceptível que o sujeito possui
um contato próximo, a figura do enigma realça essa temática, relacionada ao sexualismo,
que diante da sociedade ainda possui várias incógnitas, o sujeito que produziu esse grafito
utiliza-se da figura “caça” para manter uma aproximação do buscar saber, ou até mesmo se
revelar para a sociedade.
A principal figura e o tema deste texto estão interligados, ou seja, a sexualidade
humana que não é tratada como uma construção cultural, tanto os hábitos alimentares como
os corporais. Nascemos machos e fêmeas e a sociedade nos faz homens e mulheres. Mais
ainda, o ser masculino e o ser feminino variam significativamente de cultura para cultura,
modificando-se substantivamente ao longo das gerações dentro de uma mesma sociedade.
Portanto, assim como antigamente havia uma forte pressão social, pela escolha sexual de
cada um, percebemos pelas figuras adotadas deste sujeito um aluno (a) de 8º ano), que a
temática abordada por ele, transmite toda a dificuldade e os mistérios que um homossexual
tem em se assumir para sociedade nos dias atuais, e talvez esse aluno esteja passando pela
mesma dificuldade a qual ele coloca em questão.
figura – 5
“morte súbita swat nazista bob”
Figuras TemasMorte súbita
Swat
Nazista
Bob
Inesperado
Policia
Praticante do nazismo
Nome
Notamos neste escrito a presença de uma valorização em relação ao nazismo,
provavelmente o produtor deste grafito deve ser um menino, pela valorização de símbolos
presentes em filmes de ação norte-americanos, os meninos nesta fase são portadores da
admiração desses filmes. O sujeito desse grafito ainda que de forma confusa demonstra sua
admiração pelas figuras acima apresentadas como: morte súbita, swat, nazista e bob que
respectivamente representam temas: morte inesperada. Nos EUA, Swat é o nome mais
comum para uma unidade de polícia especializada nos departamentos de polícia das
grandes cidades dos EUA, e treinada para executar operações de risco. Nazista é o
indivíduo que pratica o nazismo, e Bob é um nome de origem americana, notamos que esse
grafito o aluno manifesta algo que ele gosta apenas.
O sujeito relata temas através de figuras de uma forma meio que confusa, mas
mesmo assim ainda resgata todo o conhecimento possível adquirido em seu convívio
escolar e fora da escola, ele utiliza uma figura marcante no nazismo que é a cruz suástica,
mas percebemos pela forma grafada que é apenas uma manifestação de admiração.
figura – 6
“O importante não é ser importante, é dar importância a quem te acha IMPORTANTE”
FIGURAS TEMASImportante A importância do “eu” interior
A valorização do próximo
Este discurso é um discurso que já existe, um tipo de discurso dos excluídos, onde
o sujeito relata a importância de ser alguém que chame atenção, a figura ser “importante”,
nos traz a temática de ser alguém que não passe desapercebido, alguém que chame a
tenção, e pelo visto este sujeito não é uma pessoa que chama muita atenção dentro do seu
ambiente escolar, já que o grafito foi produzido dentro de uma sala de aula, especificamente
em uma carteira. O grafito ainda relata a importância de não se preocupar com as pessoas
que não valorizam esse sujeito, mas sim dar importância e valorizar aquelas pessoas que
valorizam esse aluno, pelo o que ele é, e o que ele pensa.
Neste escrito o sujeito adota da figura “importante” para a temática que se faz em
valorizar a importância do “ser”, do seu interior e da valorização, do seu próximo também,
utilizando-se de termos abstratos e concretos (temático e figurativo). Os elementos
concretos que representam coisas, ações, e qualidades encontradas no mundo natural que se
faz diante do “ser” da sua pessoa e do seu próximo, chamamos de “figuras”, já aos
elementos abstratos denominamos “temas”, estão aí relacionados a importância em ser
alguém e, como ser esse alguém considerado importante. Aqui se faz questões, de fato, de
personalidade, um atrito de como se fazer pessoa e tratar as pessoas.
Considerações Finais
As carteiras, capa de cadernos e livros, paredes e outros ambientes escolares
servem à comunicação humana como um canal de expressão escrita disponível a todos, em
meio ao monopólio dos superveículos de massificação. Sem limites aparentes de censura,
de censura externa e acessível a todos, torna-se um palco discreto de confidências,
manifestações.
A recorrência de traços semânticos estabelece a leitura que deve ser feita do texto.
Essa leitura não provém da fantasia do leitor, mas está inscrita no texto. Por meio das
análises percebemos que os temas mais presentes nos grafitos dos alunos são temáticas
relacionadas à fé, amor, violência, morte e sexo que fazem relação com as figuras
encontradas como notamos também nos anexos. Os temas encontrados nos levam a
sentidos sempre abstratos, que mostram um pouco das ideologias desses alunos ou até
mesmo seus sentimentos e as suas preferências. Foram encontradas neste trabalho
basicamente as figuras que representam o plano discursivo, tanto as figuras quanto os temas
são mais abstratos, gerais e invariáveis: daí um mesmo tema receber várias “máscaras”
figurativas.
É correto afirmar que há um revestimento figurativo sobre determinado tema, mas
também é possível dizer que há um investimento temático em uma figura qualquer.
Sabemos que mesmo inconscientemente, é mais comum para o enunciador de um texto
escolar, por exemplo, primeiro investigar um tema que seja manipulável e que conduza a
alguma reação do leitor e só aí notamos a forma como esse tema será figurativizado.
De acordo com Beltrão (1980) diz, de fato, grande parte dos produtores de grafitos
são “pessoas ou grupos sob forte pressão social”, que não encontram abrigo em outros
veículos, recorrendo aos grafitos escolares, os alunos, talvez como uma forma de fuga e
repressão, escrevem nas carteiras, paredes e muros, como manifestação das suas ideologias
e sentimentos, ou por não concordarem com algo dentro do ambiente escolar. A forma de
manifestação adotada por esses alunos se faz em lugares considerados inadequados, falta de
não haver forma de identificá-lo, corrigí-lo ou até mesmo puní-los por esse ato que possa
ser considerado até mesmo ato de vandalismo.
É nos nossos desejos inconscientes reprimidos que achamos a essência do nosso
ser. Assim tudo que caracteriza a civilização, toda a cultura humana, pode ser considerado
com resultado da sublimação, em sentido amplo: o trabalho as artes, a ciência e a própria
linguagem humana em todas suas manifestações, inclusive nos grafitos escolares constitui
a importância desse trabalho.
De acordo com Magda Soares (1997), todos alunos possuem uma ideologia que é
classificada como “ideologia do dom”, segundo a qual as causas do sucesso ou do fracasso
na escola, devem ser buscadas nas características dos indivíduos.
Ainda segundo Beltrão (1980), esse tipo de grafito produzido nas escola pode ser
classificado como “Folkcomunicação: um estudo dos agentes e dos meios populares de
informação de fatos e expressões de idéias. Logo, a folkcomunicação é uma teoria
genuinamente brasileira.” Para Beltrão toda linguagem desprezada, e até mesmo os grafitos,
são fonte de estudos e informação.
Durante todo a pesquisa e agora chegando a uma conclusão sobre a importância
desse trabalho, percebemos que aqueles alunos que se manifestam naquela escola não são
notados, as pessoas que estão ao redor daqueles grafitos, não percebem a forma que os
alunos se expressam, as escolas não valorizam as mais ocultas formas de expressão de seus
indivíduos, e a razão não suporta o segredo, e o jogo da nossa cultura é tentar desvendar
os segredos, e esse trabalho compõe a revelação de alguns segredos, seja ele uma forma de
manifestação, confidência, informação.
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RAMALHO E OLIVEIRA, Sandra. Imagem também se lê. São Paulo: Ed. Rosari, 2005.
SANTAELLA, Lúcia. A teoria geral dos signos. São Paulo: Pioneira, 2000.
SANTAELLA, Lúcia. O que é Semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1983.
SAUSSURE, F. Curso de Lingüística Geral. São Paulo: Cultrix, 1971.
SOARES, Magda. Becker. Aprender a Escrever, Ensinar a Escrever. In: Os Desafios Enfrentados no Cotidiano Escolar. São Paulo: FDE, 1997.
Anexos
Figuras TemasSenhor
Vida
Fé
Crença
Sobrevivência
Figuras TemasLuz
Senhor
Caminho
Esperança
Fé
Escolha
Figuras TemasAmor
Coração
Paixão
Sofrimento
Amor não-correspondido
Figuras TemasCoração
Encantado
Flecha
Amor não-correspondido
Paixão
Figuras TemasFildo
Troxa
Idiota
Violência
Rejeição
Figuras TemasVida
Loka
Doido
Indiota
Sobrevivência
Libertação