corrupção, democracia e op
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O CONTROLE SOCIAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS A PARTIR DA
DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E O EXEMPLO DO ORÇAMENTO
PARTICIPATIVO DE PORTO ALEGRE
Alexandre de Almeida Turela1
Sumário: 1. Considerações Iniciais; 2. O fenômeno da corrupção no Brasil e seus
impactos; 3. A democracia participativa e a superação da crise de representação; 4.
O Orçamento Participativo de Porto Alegre e o estreitamento da relação entre
Administração Pública e sociedade; 5. Considerações Finais
Resumo: O objetivo do presente artigo é analisar o fenômeno da corrupção e seu
controle pela sociedade através do empoderamento do espaço público. Para tanto,
será inicialmente realizado um estudo acerca do fenômeno da corrupção e suas
múltiplas faces bem como um levantamento de dados sobre a presença da
corrupção no Brasil e seus impactos junto à sociedade, causadora do afastamento
entre a administração pública e sociedade, fruto da crise de representação. A seguir,
será analisada concepção da democracia sob a forma participativa, através da
noção de efetiva participação popular nos processos de deliberação, sendo
ferramenta de superação da crise de representação. Finalmente, será analisado o
Orçamento Participativo criado no município de Porto Alegre e a atuação reflexiva
dos atores sociais, gerando maior transparência e controle dos atos administrativos,
criando um ambiente hostil ao surgimento de patologias corruptivas, tratando-se de
relevante forma de controle preventivo.
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O presente artigo aborda a inserção dos cidadãos junto ao espaço público
como forma suplementar de controle dos atos administrativos e combate ao
cometimento de atos corruptivos. Tem-se, tradicionalmente, a partir da ótica
1 Mestrando do Programa de Pós Graduação em Direito – Mestrado e Doutorado da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Graduado em Direito pela Universidade de Passo Fundo – UPF. Advogado. Integrante do grupo de estudos “Gestão Local e Políticas Públicas”, coordenado pelo professor Pós-Doutor Ricardo Hermany, vinculado ao programa de Pós Graduação em Direito – Mestrado e Doutorado da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Endereço eletrônico: [email protected]
positivista, que a legitimidade de uma decisão pública se dá a partir do cumprimento
dos requisitos formais, ou seja, a partir de uma mera sucessão de atos previstos
legalmente.
Os métodos de controles das decisões públicas, por sua vez, tradicionalmente
referem-se ao controle interno, ou autocontrole, quando o próprio poder competente
para realizar determinado ato realiza seu controle, e ao controle externo, realizado
pelos demais poderes públicos. Neste contexto, o controle dos atos administrativos
ficaria sempre a cargo do próprio Estado.
Entretanto, as formas de controle acima citadas e adotadas tradicionalmente
não tem se mostrado como modelos eficazes no combate à corrupção, o que se
percebe a partir da análise de dados divulgados acerca do tema. A ineficácia no
controle reflete uma crise estatal, tanto no sentido de crise financeira e estrutural
como crise em relação à confiabilidade da sociedade nas instituições públicas.
As crises geradas a partir da falta de confiabilidade do controle das decisões
públicas são por demais danosas à sociedade, na medida em que tendem a gerar
uma cultura social de indiferença dos atores sociais à gestão pública, os quais não
se sentem representados pelos administradores públicos, isolando o Estado da
sociedade. Tal segregação, entre Estado e sociedade, por sua vez, potencializa o
gerenciamento dos recursos públicos de forma individual, propiciando o privilégio de
interesses privados, sem comunicação ou prestação de contas à sociedade.
Instalada essa cultura social de indiferença, o controle e gerenciamento dos bens e
recursos públicos fica sob responsabilidade exclusiva do Estado, excluindo a
sociedade da tomada das decisões, em clara afronta ao princípio do Estado
Democrático do Direito.
No momento atual, fica claro que os modelos de controle interno e externo
não são, sozinhos, eficientes para resolver os problemas acima referidos. Por tal
motivo é que a crise pela qual passa o Estado faz surgir novas propostas de
controle, especialmente através do empoderamento do espaço público pela
sociedade, com a participação dos cidadãos no processo de tomada de decisões.
Para tanto, será estudado o fenômeno da corrupção no Brasil e seus reflexos
na sociedade, bem como o papel da sociedade na tomada de decisões, de modo a
tornar a administração pública mais transparente, tomando como exemplo o
Orçamento Participativo de Porto Alegre.
2 O fenômeno da corrupção no Brasil e seus impactos
O Estado vive em crise junto à sociedade contemporânea, na medida em que
não tem condições de concretizar satisfatoriamente os direitos sociais, gerando o
descrédito das entidades públicas junto ao tecido social. Grande parte deste
descrédito é fruto da crescente percepção da corrupção. O fenômeno da corrupção
é um fenômeno que assola a sociedade pois vai de encontro aos seus anseios e
prejudica a concretização dos direitos sociais pelo Estado através de políticas
públicas.
A corrupção prejudica o Estado financeiramente uma vez que, ao mesmo
tempo em que gera desvio de recursos, que poderiam ser utilizados para outras
atividades em prol da sociedade, também emana dinheiro ao seu combate, o qual
poderia ser investido em outros programas (FILGUEIRAS, 2006, p. 11). Segundo
estudo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), o custo médio
anual da corrupção no Brasil, a partir de dados coletados entre os anos de 1990 a
2008, é estimado em R$ 41,5 bilhões, o equivalente a 1,28% do PIB, tendo-se como
base valores do ano de 2008 (FIESP, 2010, p. 26).
Inicialmente, é preciso ter em mente que, apesar de ser um problema que
aflige a sociedade atual, a corrupção não é um problema exclusivamente
contemporâneo. Entretanto, de tal afirmação não pode resultar a banalização da
corrupção pois, apesar de ser tratada desde a Antiguidade, é um tema relevante
atualmente, especialmente em razão dos prejuízos diretamente causados à
sociedade. Dessa forma, o tema da corrupção deve ser estudado com a finalidade
de incentivar e estimular a investigação de forma a oferecer perspectivas de
correção dentro de um regime democrático.
Além do perigo da banalização, há também o da radicalização, visto que “não
são poucos os momentos na história em que o tema da corrupção é
instrumentalizado para outro fim, como a crítica à democracia e a defesa de um
regime autoritário” (SPECK, 2002, p. 16). É o que se percebe claramente ao analisar
o contexto político atual, onde manifestantes invadem as ruas clamando pela volta
da Ditadura Militar em razão da descrença com a classe política, ocasionada pelos
altos índices de percepção da corrupção. Trata-se de um discurso irresponsável e
que felizmente não produziu eco junto a autoridades políticas e militares.
Para se tratar do tema da corrupção, o mesmo não se deve restringir ao tipo
penal assim definido pelo Código Penal brasileiro, mas também incluir os demais
crimes cometidos contra a administração pública e, até mesmo, extrapolar o âmbito
penal e englobar ilícitos civis e administrativos, mesmo os praticados por pessoas
privadas. Ainda, deve o conceito de corrupção até mesmo extrapolar a noção de
ilegalidade, pois necessita de abordagem em sentido amplo para que não se caia na
errônea pretensão de intervenção idêntica a qualquer outro ilícito ou delito (LEAL,
2013, p. 28). É através da corrupção que os “atores políticos aumentam seu poder
discricionário, favorecendo a conversão dos resultados do jogo político para a
satisfação de seus interesses privados” (FILGUEIRAS, 2006, p. 9).
A corrupção tem estreita ligação com a moral, visto que a mesma surge
quando há o rompimento, a partir da atuação dos governantes e das instituições,
com os juízos morais que foram estabelecidos pela sociedade. Por tais motivos, a
corrupção varia sua forma conforme os juízos morais emitidos pela sociedade. Logo,
para verificar se determinada prática configura-se como ato corruptivo ou não, deve-
se analisar os juízos morais emitidos pelos atores sociais que devem servir de
orientação à atuação dos agentes públicos.
Partindo da relação entre a corrupção e os juízos morais emitidos pelos
atores sociais, “o conceito de corrupção não deve ser instrumentalizado, mas
alargado no plano da moralidade e de seus processos sociais, sem os quais não
podemos compreender a abrangência, o sentido e suas práticas” (FILGUEIRAS,
2006, p. 26).
Igualmente, já se sabe que é uma utopia falar em extinção da corrupção.
Entretanto, ainda que não seja possível sua extinção, imperativo evitar uma visão
triunfalista da corrupção que reconheceria a corrupção como algo natural e
inevitável. Tal visão conformista não deve permear os debates entre aqueles que
não estão satisfeito com o estado atual das coisas. Nesse cenário, faz-se necessária
a busca por novas formas de controle para que possam ser reduzidos os índices de
corrupção a níveis mínimos.
Ainda que não seja extinta, a redução dos níveis de corrupção deve ser vista
como relevante e benéfica à sociedade, tendo em vista que proporciona um maior
atendimento às demandas sociais, com a concretização dos direitos fundamentais
sociais do cidadão, os quais dependem da atuação positiva do Estado através da
formulação de políticas públicas, as quais exigem aporte financeiro. Os direitos
fundamentais estão, pois, estritamente ligados à ideia de corrupção. Os atos
corruptivos esvaziam os recursos públicos, prejudicando demandas sociais que
envolvem direitos fundamentais.
A dificuldade em combater a corrupção se dá porque a mesma é um
fenômeno complexo, com múltiplas causas e consequências, podendo se manifestar
em diversas fases da gestão pública. Como um fenômeno tão complexo, também
deve-se combatê-la através de diversos instrumentos, não havendo o que se falar
em uma única ferramenta que dê conta de identificar, prevenir e punir atos
corruptivos. A corrupção, como fenômeno de múltiplas faces, não é passível de uma
solução mágica (LEAL, 2013, p. 33).
Em face da preocupação com o controle do governo é que teve origem a
separação dos poderes, os quais seriam exercidos por instituições diferentes, onde
cada poder conseguiria restringir qualquer abuso cometido pelos demais poderes,
criando um Estado estável e diminuindo os riscos de despotismo.
Esse modelo de separação de poderes foi adotada no Brasil, através do
Poder Legislativo, Executivo e Judiciário, sendo também adotado por inúmeros
países democráticos ao redor do mundo.
Com base na divisão dos poderes é que as decisões públicas, no sistema
brasileiro, são tradicionalmente controladas através de um controle externo e
interno, que são formas de controle horizontal. O controle externo consiste no
controle efetuado por um poder sobre os atos dos demais poderes, enquanto o
controle interno é o autocontrole exercido pelo próprio poder sobre seus atos.
Entretanto, essas formas de controle não tem se mostrado plenamente
eficazes no combate à corrupção, uma vez que os índices de percepção da
corrupção são altos e a história já mostrou que não basta que o poder seja exercido
da forma legal, pois é possível manipular até mesmo o processo legislativo, como se
vê nos recentes escândalos envolvendo o Congresso Nacional.
À razão liberal, há uma oposição conceitual entre sociedade civil e Estado, de
modo que uma maior liberdade do cidadão demanda um Estado menor. O
diagnóstico da doutrina liberal para a corrupção é que quanto maior o Estado, maior
o potencial de se tornar corruptível, de modo que a estratégia para seu combate é
sua redução:
As estratégias de combate à corrupção que daí resultariam seriam, portanto, a diminuição do Estado, a privatização e a desregulamentação, o fortalecimento dos controles externos, o insulamento burocrático dos centros decisórios estratégicos com relação à política ou, ainda, o rebaixamento das expectativas de controle da corrupção a um padrão realista da política (GUIMARÃES, 2011, p. 86).
A insuficiência no controle dos atos administrativos através de organismos do
próprio Estado faz com que a comunidade científica viva uma crise, buscando novas
formas de controle. Por tais motivos, ganha destaque a noção de controle social dos
atos públicos, através da atuação positiva da sociedade civil:
Tampouco as tradicionais formas de controles horizontais oficiais da corrupção no âmbito do Estado são suficientes (autocontrole e controle externo), haja vista exatamente o reconhecimento da natureza fenomênica da corrupção, importando cada vez mais a radicalização de seu controle e combate, envolvendo, por exemplo, os mecanismos de controles verticais – mídia e sociedade civil (LEAL, 2013, p. 152).
Importante frisar que o controle social se trata de uma forma de controle que
vem a somar com as demais formas, sem pretensão de superação das instituições
públicas já consolidadas. A presença do Estado de Direito, com toda sua estrutura, é
essencial no combate à corrupção, não havendo o que se falar em afastamento do
Estado da questão e controle puramente social.
A própria noção de democracia exige a ação positiva dos atores sociais, pois
a sociedade deve funcionar com altos níveis de confiança, sendo essa “o que faz
com que o Estado ganhe altos índices de legitimidade social, gerando anticorpos
eficientes às patologias corruptivas cotidianas” (LEAL, 2013, p. 34-35).
O Índice de Percepção da Corrupção, publicado pela ONG Transparency
International (2013), que classifica países com base em quão corrupto é percebido o
setor público de um país, classificou o Brasil na 77ª posição entre 177 países, com
pontuação de 42, sendo que os escores variam de 0 (muito corrupto) a 100 (muito
limpo).
A ONG Transparency International (2013) também publicou o Global
Corruption Barometer, onde apenas 23% dos entrevistados consideram eficazes os
esforços do governo para o combate à corrupção no país e apenas 18% consideram
que o nível de corrupção diminuiu nos últimos dois anos. No mesmo sentido, 70%
dos entrevistados afirmam que a corrupção é um sério problema para o país e 81%
dos entrevistados concordam que pessoas comuns podem fazer a diferença na luta
contra a corrupção.
Outro índice relevante é o Worldwide Governance Indicators (WGI), publicado
pelo The World Bank (2013) e que consiste num conjunto de dados de pesquisa que
resume os pontos de vista sobre a qualidade da governança fornecidos por um
grande número de empresas e entrevistados. Estes dados são recolhidos a partir de
uma série de institutos de pesquisa, grupos de reflexão, organizações não-
governamentais, organizações internacionais e empresas do setor privado.
Destacam-se nessa pesquisa os índices de efetividade governamental e de
controle da corrupção, mostrando sua evolução no tempo, sendo que a pesquisa
aponta, no caso brasileiro, a estabilidade de ambos os índices. Analisando os dados
levantados, evidencia-se a estreita ligação entre corrupção e eficiência
administrativa, a qual está estritamente ligada à concretização dos direitos sociais
pelo Estado. Desta forma, pode-se afirmar com segurança que “os custos da
corrupção não se referem somente à credibilidade política, mas igualmente à
eficiência administrativa. Ela custa caro aos países mais castigados pela praga”
(SPECK, 2002, p. 446).
Também resta seguro afirmar, a partir do levantamento de dados, que não
houve melhora significativa no combate à corrupção no país, demonstrando a
ineficiência dos métodos tradicionais de controle. Por tais motivos, é manifesta a
necessidade de formas suplementares de controle, através de uma atuação positiva
dos cidadãos, com o empoderamento do espaço público, exigindo responsabilidade,
transparência e compromisso dos representantes com o bem comum. É dever do
cidadão vigiar os atos de seus representantes, bem como participar do processo de
deliberação das decisões públicas a fim de dar legitimidade às mesmas, pois
sujeitas à soberania popular.
3 A democracia participativa e a superação da crise de representação
A forma da democracia e sua variação é um problema recorrente a partir dos
processos de democratização ocorridos no século passado. A resposta elitista dada
por Schumpeter (1994) a essa questão, ao afirmar que a única forma possível de
exercício da democracia no Estado Moderno é através de sua redução ao processo
eleitoral, foi a mais influente e predominante concepção da democracia que vigorou
a partir da segunda metade do século XX. Para possibilitar o existência de
demoracia em Estados complexos, Schumpeter (1961, p. 269) formulou o seguinte
conceito: “the democratic method is that institutional arrangement for arriving at
political decisions in which individuals acquire the power to decide by means of a
competitive struggle for the people’s vote”.
Essa concepção valoriza a apatia política, pois acredita que o cidadão comum
não tem capacidade ou interesse político, devendo restringir-se à escolha dos
líderes aos quais seria dado a legitimidade para tomar as decisões públicas. O
debate democrático concentrou-se na questão eleitoral (SANTOS, 2002, p. 41-42).
A concepção tradicional identifica a democracia com as regras do processo
eleitoral, fazendo com que os eleitos estejam autorizados a decidir e esgotando
outras formas de participação popular. Dessa forma, a democracia somente seria
possível em sociedades complexas através da representatividade.
Igual é o posicionamento de Bobbio (1986, p. 19) ao definir a democracia
como “um conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que estabelecem quem
está autorizado a tomar as decisões coletivas e com quais procedimentos”. Para
tanto, sustenta que a democracia representativa é o único modelo de democracia
possível e que abrir canais para a participação popular “pode ter como efeito a
saciedade de política e o aumento da apatia eleitoral” (BOBBIO, 2986, p. 27).
Entretanto, tal concepção não pode mais prevalecer, uma vez que se mostrou
necessária uma variação na forma democrática, uma democracia que permita e
incentive a participação dos cidadãos no processo de tomada de decisões. A
concepção liberal da democracia deve ser superada, visto que uma democracia sem
a efetiva participação dos cidadãos perde suas características naturais:
Quanto mais se insiste na fórmula clássica da democracia de baixa intensidade, menos se consegue explicar o paradoxo de a extensão da democracia ter trazido consigo uma enorme degradação das práticas democráticas. Aliás, a expansão global da democracia liberal coincidiu com uma grave crise desta nos países centrais onde mais se tinha consolidado, uma crise que ficou conhecida como a da dupla patologia: a patologia da participação, sobretudo em vista do aumento dramático do abstencionismo; e a patologia da representação, o fato de os cidadãos se considerarem cada vez menos representados por aqueles que elegeram (SANTOS, 2002, p. 42).
Atenta-se também para o fato de que os agentes públicos eleitos, afastados
dos cidadãos, não tem condições de atender às diferentes demandas que exigem
cada vez mais soluções plurais no mundo contemporâneo. Ao centralizar as
decisões públicas nos agentes eleitos, é diminuída a possibilidade de atender às
demandas complexas da área social, uma vez que os agentes eleitos não são
onipotentes e é necessário o conhecimento que detém a sociedade civil. Faz-se
imprescindível, portanto, a interação entre os cidadãos e os agentes públicos, a fim
de melhor atender às demandas sociais de forma racional e aumentar o controle
sobre as atividades públicas.
Ao identificar a representatividade como a única forma viável de democracia
em sociedades complexas, deixa-se de levar em consideração a questão da
identidade e da prestação de contas. Nesse sistema, não se garante que minorias
terão seus direitos defendidos no parlamento e torna a atuação política menos
transparente, pois dificulta o acesso dos cidadãos à prestação de contas (SANTOS,
2002, p. 50).
Sob outro prisma, além do procedimentalismo democrático como forma de
autorização de governo, surge, a partir da segunda metade do século XX, outra
concepção de democracia, ligada à ideia de exercício coletivo do poder político,
reconhecendo a pluralidade social. Sob nova concepção, “a esfera pública é um
espaço no qual indivíduos – mulheres, negros, trabalhadores, minorias raciais –
podem problematizar em público uma condição de desigualdade na esfera privada”
(SANTOS, 2002, p. 52).
O Estado deve propiciar aos cidadãos a sua inserção junto ao espaço público,
atendendo o que Habermas denomina como Princípio do Discurso, um princípio de
deliberação ampla que assegura “a qualquer um e a todos as mesmas
possibilidades de participação nos processos discursivos e institucionais de
produção da norma jurídica (do próprio sistema como um todo), da gestão e das
políticas públicas” (LEAL, 2013, p. 53).
A partir da adoção do Princípio do Discurso, Habermas propõe um
procedimentalismo social e participativo, deixando a democracia de ser um
procedimento para a formação do governo (SANTOS, 2002, p. 52-53). É a
concepção da democracia participativa, a qual pressupõe a atuação reflexiva dos
atores sociais, ou seja, os cidadãos atuando ao mesmo tempo como autores e
destinatários das decisões públicas.
A democracia participativa é essencial para que os grupos minoritários e
menos influentes tenham seus interesses ouvidos e discutidos no espaço público.
Da mesma forma, é a democracia participativa que vai aproximar o cidadão da
estrutura estatal, trazendo o mesmo ao debate político e propiciando um maior
atendimento às demandas sociais. Estudando várias experiências de democracia
participativa a nível local no Brasil, Avritzer (2010, p. 47-48), conclui:
Por fim, gostaríamos de ressaltar as vantagens que as cidades mais participativas trazem para os seus habitantes. Foi possível apontar, através de dados gerados sobre as políticas sociais nessas cidades, que instituições participativas de alta intensidade têm um efeito positivo sobre as políticas públicas, em particular nas áreas da saúde e da educação.
Ao mesmo tempo em que os cidadãos estão incluídos no espaço de tomada
de decisões, efetuam também o controle das decisões públicas, dando
transparência ao processo político e criando um ambiente hostil ao surgimento de
patologias corruptivas. A transparência, além de aumentar a confiança da sociedade
nos gestores públicos, facilitando seu controle, também é mais eficaz ao combate da
corrupção em termos de custo, pois “quando os mecanismos de controle tentam
contrabalançar os lucros de arranjos corruptos com o preço a pagar no caso da
descoberta, as medidas preventivas, desde o início, visam aumentar os incentivos
para o comportamento íntegro” (SPECK, 2002, p. 19).
Dessa forma, ao transformar o procedimentalismo democrático, visto antes
como método de constituição de governo e agora como efetiva inserção dos atores
sociais junto ao espaço público de tomadas de decisões, são favorecidos os setores
minoritários e há um maior controle de atuação dos gestores públicos.
É necessária, pois, uma combinação entre a democracia participativa e
representativa, que descentralize o processo de deliberação mas que mantenha a
implementação das decisões a cargo do ente público. No Brasil, a Constituição
Federal de 1988 foi um grande marco no processo de redemocratização do país,
pois colocou novamente o cidadão como protagonista e abriu novos caminhos para
a participação social na administração dos bens públicos.
O Orçamento Participativo de Porto Alegre surgiu da combinação entre a
democracia participativa e representativa, transferindo o poder decisório à sociedade
civil e mantendo o poder administrativo a cargo do ente público. O Orçamento
Participativo é uma importante ferramenta no combate à corrupção e no processo de
emancipação social e é a seguir analisado.
4 O Orçamento Participativo de Porto Alegre e o estreitamento da relação entre
administração pública e sociedade
O Orçamento Participativo foi criado no município de Porto Alegre no ano de
1989 com o objetivo de abrir espaços para a participação democrática e incentivar a
inserção, no processo deliberativo, de grupos sociais mais vulneráveis,
marginalizados e excluídos socialmente. Trata-se de uma elaboração em conjunto,
entre sociedade civil e Poder Executivo, da proposta orçamentária que será
posteriormente enviada ao Poder Legislativo para aprovação.
Essa nova forma de atuação de sociedade vai de encontro ao processo
político que tradicionalmente é adotado pelo Brasil, com predominância de um
modelo autoritário e integrado com a sociedade através de populismo e clientelismo
(SANTOS, 2002, p. 458). Trata-se, então, de uma forma de desobstruir o caminho
entre o poder político e a sociedade civil, possibilitando o exercício da cidadania a
partir da participação popular no processo deliberativo.
A implantação do Orçamento Participativo representou avanço ao exercício da
cidadania ao possibilitar a atuação dos cidadãos junto ao espaço público e propiciar
aos mesmos o direito de efetivamente interferir na administração pública e ter
acesso às informações necessárias para um efetivo controle. Com tais medidas, o
Orçamento Participativo tornou a administração pública mais transparente, pois o
Poder Executivo é coagido a prestar contas de sua atuação, a qual está vinculada
ao que foi decidido pela participação popular. Por tais motivos, o The World Bank
reconheceu a importância do Orçamento Participativo como uma forma de avanço
no exercício da cidadania:
Participatory budgeting has been advanced by budget practitioners and academics as an important tool for inclusive and accountable governance and has been implemented in various forms in many developing countries around the globe. Through participatory budgeting, citizens have the opportunity to gain firsthand knowledge of government operations, influence government policies, and hold government to account (SHAW, 2007, p. XV).
No Brasil, o orçamento público inclui os três níveis da federação: o federal, o
estadual e o municipal. Todos esses orçamentos, segundo a Constituição Federal,
são enviados pelo Poder Executivo ao Poder Legislativo para aprovação. Através
das decisões orçamentárias é que fica definido onde o Estado aplicará seus
recursos.
Tradicionalmente, o orçamento público é formulado pelo Poder Executivo
através de critérios teoricamente técnicos, muitas vezes políticos, definidos
exclusivamente pelos gestores públicos. Após definido pelo Poder Executivo, o
Poder Legislativo analisa o orçamento público e pode fazer emendas para atender a
seus interesses. Na forma tradicional, o orçamento público transforma-se em um
jogo político e de troca de favores, pois permite a privatização clientelista das
decisões públicas (SANTOS, 2002, p. 465).
No ano de 2013, o Poder Legislativo apresentou 8.388 emendas ao
orçamento público federal de 2014, onerando os cofres públicos em R$ 82,8 bilhões
(SENADO, 2014).
O Orçamento Participativo procura romper com essa tradição, pois incentiva a
participação popular nas diferentes fases de preparação do orçamento público,
preocupando-se em atender as prioridades fixadas e dar transparência ao processo.
O Orçamento Participativo não é regido legalmente, pois não foi instituído por
nenhuma lei, tratando-se de prática instituída pelo Poder Executivo e que teve início
com o governo municipal do PT no ano de 1989.
Havia apreensão quanto à manutenção do Orçamento Participativo em caso
de mudança da administração municipal. Entretanto, em razão do sucesso da
iniciativa, o Orçamento Participativo foi mantido pelos governos posteriores, sendo
adotado pelas administrações municipais do PPS (2005 – 2009), PMDB (2009 –
2010) e PDT (2010 – atual). Isso demonstra que o Orçamento Participativo, além de
benéfico à sociedade e à transparência na relação, também é benéfica à
administração pública, a qual estreita sua relação com a população.
Ainda, o orçamento público, após ser ovacionado pela população através do
Orçamento Participativo, sofre menos emendas, visto que os vereadores sentem-se
coagidos pela vontade expressa da população, temendo realizar emendas
impopulares.
O Orçamento Participativo opera atendendo a três princípios fundamentais: a)
todos os cidadãos tem o direito de participar; b) a participação é dirigida por uma
combinação de regras de democracia direta e democracia representativa; e c) os
recursos de investimento são distribuídos através de uma combinação de critérios
gerais e de critérios técnicos (SANTOS, 2002, p. 467).
No Orçamento Participativo há a gestão conjunta dos recursos públicos. O
município é dividido em regiões, atualmente 17, e em temáticas, atualmente 6. Nas
regiões, são definidos os investimentos e serviços específicos de cada região e nas
temáticas, investimentos e serviços para toda a cidade (obras estruturais e grandes
projetos).
Inicialmente, são realizadas nos meses de abril, maio e junho as reuniões
preparatórias, onde há a prestação de contas referente ao orçamento público e ao
plano de investimentos do ano anterior, a apresentação dos critérios gerais e
técnicos que guiarão o orçamento público e a reunião das prioridades e demandas
através da internet.
Nos meses de julho e agosto são realizadas assembleias regionais e
temáticas, onde a população elege suas prioridades e conselheiros e define o
número de delegados. Os conselheiros formam o Conselho do Orçamento
Participativo (COP) e os delegados são os intermediários entre o COP e os
cidadãos, bem como supervisionam a implementação do orçamento. As
assembleias regionais são abertas ao público, mas somente os habitantes da região
tem direito ao voto, não sendo possível a uma pessoa votar em assembleias de
regiões diferentes. Nas assembleias temáticas, ao contrário, qualquer habitante do
município pode votar, independente da região onde resida. Nos meses de agosto,
setembro e outubro ocorrem os fóruns regionais e temáticos, onde são eleitos os
delegados e são hierarquizadas as obras e serviços.
O Conselho do Orçamento Participativo (COP) é a principal instituição
participativa, pois é lá que os conselheiros tomam conhecimento das finanças
municipais e defendem as prioridades de cada região e dos temas. O COP é
responsável por discutir e votar a Lei Orçamentária Anual até o dia 30 de setembro
de cada ano. As tarefas do COP são as mais importantes, visto que é a instituição
participativa que
discute a assim chamada matriz orçamentária, onde, a partir da previsão de receitas e despesas feita pelo Executivo […] são alocados os grandes agregados segundo as prioridades temáticas oriundas da discussão das regiões. Nessa fase, a partir da proposta inicial do Governo, os conselheiros votam, por exemplo, quantas vias serão pavimentadas, que volume de recursos será dedicado à saúde, à habitação etc. Também discutem obras de vulto ou estruturais, propostas pelas temáticas ou pelo próprio governo. Essa Matriz, após aprovada pelo COP, é transformada em proposta de Lei de Orçamento, que é entregue à Câmara de Vereadores no dia 30 de setembro (SANTOS, 2002, p. 484).
A partir da aprovação da Lei de Orçamento, é confeccionado o plano de
investimento. O plano de investimento criado é um conjunto de obras sugeridas pela
população, através do COP, e pelo Poder Executivo, que define as obras
necessárias, através de critérios técnicos. Trata-se, claramente, de uma forma de
co-gestão dos bens públicos, superando a ideia de um governo particularista e
clientelista que tradicionalmente norteia as relações entre administração pública e
sociedade.
A abertura do espaço público à atuação decisiva dos cidadãos favorece a
relação entre administração pública e sociedade também na medida em que
proporciona uma evolução social, pois incentiva a criação de uma consciência de
cidadania e bem comum, superando a velha cultura de confronto.
Entretanto, o espaço público não é restrito aos cidadãos, visto que o Poder
Executivo também desempenha papel ativo, pois possui o conhecimento técnico e
exerce a coordenação sobre o COP, bem como envia propostas de investimento a
serem analisadas.
É a participação popular, então, que dá legitimidade democrática às decisões
políticas, superando a ideia clássica positivista de legitimidade amparado
exclusivamente em critérios formais. É essencial, para que haja o envolvimento da
sociedade, que o Poder Executivo atenda às demandas priorizadas e que à
população seja efetivamente dado poder decisório.
Corroborando com tal afirmação, pode-se averiguar que o número de
participantes nas reuniões cresceu desde a adoção do Orçamento Participativo até o
ano de 2002. Após, a partir da crise financeira pela qual passou o município de Porto
Alegre que levou ao não cumprimento do plano de investimento, houve oscilação no
número de participantes e o sentimento de diminuição do poder de decisão do povo.
Por tais motivos, é necessário que a população entenda as limitações financeiras
para o atendimento às obras previstas, bem como é necessário o esforço máximo do
Estado na busca da realização das prioridades para que os cidadãos permaneçam
envolvidos no processo deliberativo. Essa é a conclusão a que se chega a partir dos
seguintes gráficos:
Dessa forma, fica claro que o Orçamento Participativo, apesar de ser um
avanço na medida em que proporciona uma atuação reflexiva dos atores sociais
junto ao espaço público, deve ser rigorosamente cumprido pelo Poder Executivo. O
Poder Executivo, ao não atender as prioridades, cai em descrédito junto à
população, o que pode culminar no retorno à cultura social da indiferença e gestão
pública de forma particularista.
Como é a soberania popular que dá legitimidade às instituições públicas é
necessário que os poderes instituídos persigam a legitimação de suas decisões
junto ao tecido social (LEAL, 2013, p. 51). Entretanto, isto só será possível caso os
atores sociais percebam seu poder político ao elaborar o orçamento público, o que
só se consegue a partir do efetivo atendimento às prioridades estabelecidas.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como visto, a corrupção é um fenômeno de múltiplas causas e
consequências, trazendo efeitos nefastos à sociedade na medida em que os
recursos públicos, já escassos, são desviados para finalidades espúrias. O desvio
dos recursos públicos, por sua vez, diminui a possibilidade do Estado de
concretização dos direitos sociais fundamentais, os quais demandam políticas
públicas e aporte financeiro.
A corrupção, além de esvaziar os cofres públicos, também afasta o cidadão
do espaço público, criando uma cultura social de indiferença que propicia o
cometimento de atos corruptivos e administração dos bens públicos de forma
particularista e clientelista. Apesar de não existir uma fórmula mágica capaz de
extinguir a corrupção, é necessário buscar formas suplementares de controle dos
atos administrativos, visto que as formas tradicionais de controle horizontal não tem
dado resposta satisfatória.
Por tais motivos, ganha relevância o controle social dos atos administrativos
como forma suplementar de controle, através da inserção social junto ao espaço
público. É a democracia participativa, que vem a complementar a democracia
representativa, dada a crise de representação pela qual passa o Estado.
Nesse contexto, ganha relevância o Orçamento Participativo, que teve origem
no município de Porto Alegre e é uma das formas elogiáveis de inserção social, visto
que coloca os cidadãos como protagonistas na confecção do orçamento público. A
partir do Orçamento Participativo, aumenta-se a transparência na relação entre
administração pública e sociedade, visto que há uma gestão compartilhada dos bens
públicos e prestação de contas quanto ao atendimento das demandas prioritárias
estabelecidas, criando um ambiente hostil ao surgimento de patologias corruptivas.
É necessário que o Estado busque o maior atendimento possível aos anseios
sociais, visto que o não atendimento das demandas estabelecidas gera uma
percepção de que o poder exercido pelo povo não é decisivo, renascendo a
dicotomia entre Estado e sociedade. Por tais motivos, devem as demandas ser
realistas, visto que existem limitações financeiras que são óbices ao completo
cumprimento do orçamento público.
Por tais motivos, o Orçamento Participativo é um bom exemplo de democracia
participativa, pois põe os cidadãos como protagonistas na administração pública,
estreitando as relações entre administração pública e sociedade. Essa estreita
relação, por sua vez, proporciona um maior controle social sobre os atos
administrativos, pois aumenta a transparência nos gastos públicos e torna a
sociedade fundante da legitimidade das decisões políticas.
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