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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES ERICSSON BEZERRA CASTRO SÁ MUNOZ CRIATIVIDADE COLABORATIVA E ESTRATÉGIAS DE ESTUDO NA OBRA “CONSTRUCTION WITH GUITAR PLAYER” DE HARRISON BIRTWISTLE CAMPINAS 2019

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ARTES

ERICSSON BEZERRA CASTRO SÁ MUNOZ

CRIATIVIDADE COLABORATIVA E ESTRATÉGIAS DE

ESTUDO NA OBRA “CONSTRUCTION WITH GUITAR

PLAYER” DE HARRISON BIRTWISTLE

CAMPINAS

2019

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ERICSSON BEZERRA CASTRO SÁ MUNOZ

CRIATIVIDADE COLABORATIVA E ESTRATÉGIAS DE ESTUDO NA OBRA

“CONSTRUCTION WITH GUITAR PLAYER” DE HARRISON BIRTWISTLE

Dissertação apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestre em Música, na área de Música: Teoria, Criação e Prática.

ORIENTADOR: GILSON UEHARA GIMENES ANTUNES

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO ERICSSON BEZERRA CASTRO SÁ MUNOZ, E ORIENTADO PELO PROF. DR. GILSON UEHARA GIMENES ANTUNES.

CAMPINAS

2019

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COMISSAO EXAMINADORA DA DEFESA DE MESTRADO

ERICSSON BEZERRA CASTRO SÁ MUNOZ

ORIENTADOR: GILSON UEHARA GIMENES ANTUNES

MEMBROS:

1. PROF. DR. GILSON UEHARA GIMENES ANTUNES 2. PROF. DR. MANUEL SILVEIRA FALLEIROS

3. PROF. DR. FÁBIO FIGUEIREDO BARTOLONI

Programa de Pos-Graduacao em Música do Instituto de Artes da Universidade

Estadual de Campinas.

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da comissão

examinadora encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na

Secretaria do Programa da Unidade.

DATA DA DEFESA: 22.08.2019

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A minha querida esposa Andrea Paz pela ajuda e paciência.

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"Cada homem pode fazer tudo que os outros

podem fazer. O que um homem pode, todo

homem pode"

George Ivanovich Gurdjieff (1866-1949)

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AGRADECIMENTOS

A todos os professores e pesquisadores e funcionários ligados a área de artes da

Universidade de Campinas.

A minha família por todo apoio incondicional nas artes, desde sempre.

Ao violonista Jonatha Leathoowd pela inspiração nesta pesquisa.

Ao compositor, pesquisados e violonista Stephen Goss pelo valioso material cedido

gentilmente para esta pesquisa.

Ao meu orientador Gilson Antunes, uma das minhas maiores inspirações, não só

como músico, mas como pessoa.

A minha esposa pelas noites em claro e ajuda neste projeto.

A todos aqueles que lutam por uma vida mais justa e tranquila.

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RESUMO

Esta pesquisa trata de aspectos interpretativos direcionados ao estudo da

obra Construction with Guitar Player, do compositor Harrison Birtwistle. Para isso são

aplicadas as ferramentas de estudo propostas pelo violonista Eduardo Fernandez em

seu livro “Técnica, Mecanismo, Aprendizaje”, publicado no ano de 2000. Também é

discutida a posição e o atual papel do intérprete na criação de uma interpretação,

tomando como referencial a análise feita pelo violonista Jonathan Leathwood em The

Medium and the Mediator: Two Studies in Composer-Performer Collaboration,

publicada no ano de 2009. Leathwood foi o intérprete que colaborou com Birtwistle no

processo de construção da obra. Na parte final da pesquisa são apresentados os

resultados e impressões gerais do processo de estudo e criação da parte interpretativa

da obra.

Palavras-chave: Birtwistle, Harrison, 1934; Fernandez, Eduardo, 1952; Violão;

Música - Interpretação (Fraseado, dinâmica, etc.); Música - Execução; Música

para violão; Prática Interpretativa (Música).

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ABSTRACT

This research deals with the interpretative aspects linked to the study of

“Construction with Guitar Player”, by the composer Harrison Birtwistle. To that end, the

study tools proposed by the guitarist Eduardo Fernandez in his book "Técnica,

Mecanismo, Aprendisaje", published in the year of 2000 are applied. The position and

present role of the interpreter in the creation of an interpretation are also discussed,

taking as reference the analysis done by guitarist Jonathan Leathwood in “The Medium

and the Mediator: Two Studies in Composer-Performer Collaboration”, published in the

year of 2009. Leathwood was the interpreter who collaborated with Birtwistle in the

process of construction of the work. In the final part of the research, the results and

general impressions of the process of study and creation of the interpretative part of

the work are presented.

Keywords: Birtwistle, Harrison, 1934; Fernandez, Eduardo, 1952; Guitar; Music –

Interpretation (Phrasing, dynamics, etc.); Music - Performance; Guitar Music;

Performance Practice (Music).

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11

1. O ESTADO DA ARTE E PROBLEMATIZAÇÃO .................................................. 13

1.1 Breve histórico da colaboração entre intérprete e compositor para violão solo

no século xx ........................................................................................................... 13

1.2 O repertório dedicado a julian bream ............................................................... 18

1.3 O projeto the julian bream trust ......................................................................... 21

1.4 O artigo “how to write for the guitar” de julian bream ........................................ 22

1.5 Harrison birtwistle e a construction with guitar player ...................................... 26

2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ............................................................ 34

2.1 O processo colaborativo e a interpretação ........................................................ 35

2.2 Ferramentas de estudo: fernandez ................................................................... 39

3. ESTRATÉGIAS DE ESTUDO ............................................................................. 40

3.1 Processo de estudo ......................................................................................... 41

3.1.1 Seleção das passagens ........................................................................ 42

3.1.2 Digitação ................................................................................................ 44

3.1.3 Construção do Exercício ........................................................................ 46

3.1.4 Aplicação do Exercício........................................................................... 48

3.2 DISCUSSÃO SOBRE OS RESULTADOS OBTIDOS ..................................... 52

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 54

REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 55

ANEXOS ................................................................................................................... 57

ANEXO 1. CONSTRUCTION WITH GUITAR PLAYER, EDIÇÃO LEATHWOOD,

THIRD DRAFT, 1…………………………………………………………………………57

ANEXO 2. MANUSCRITO DE CONSTRUCTION WITH GUITAR PLAYER .......... 71

ANEXO 3. CONSTRUCTION WITH GUITAR PLAYER AND VIOLIN, PARIS, 1913,

IN "PICASSO: GUITARS 1912-1914" AT THE MUSEUM OF MODERN ART ....... 83

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INTRODUÇÃO

Em 2012, durante o Festival Internacional de Violão Vital Medeiros

e Festival Internacional de Violão da UFRJ, seguido do Festival Leo Brouwer

no ano seguinte, o violonista inglês Jonathan Leathwood realizou cursos e

comentou sobre a relação compositor/intérprete em um importante projeto

violonístico intitulado The Julian Bream Trust, que tem como objetivo – entre

outros - a encomenda de obras para grandes compositores da atualidade.

Três anos depois, ao participar da programação do International

Guitar Research Centre (IGRC) na University of Surrey, na Inglaterra, tive a

oportunidade de acompanhar a performance de duas obras desse projeto,

além de ter acesso às partituras já compostas para o mesmo até aquele

momento.

As discussões e debates acerca do tema resultaram na iniciativa

de pesquisar e dissertar sobre assunto, com foco na obra Construction with

Guitar Player, de autoria do compositor britânico Harrison Birtwistle.

Para a estruturação do trabalho, ele foi dividido em três capítulos e

uma conclusão. No primeiro será feito um breve panorama histórico da

colaboração artística entre compositor e intérprete no contexto do século XX,

em obras para violão solo. Abordaremos também, o projeto The Julian

Bream Trust, no qual a obra de Birtwistle está inserida. Como último tópico,

trataremos de um artigo de Julian Bream, de como escrever para violão solo.

No capítulo dois, trataremos dos textos de apoio para a nossa

pesquisa, levando em conta os processos colaborativos e procedimentos de

estudo para passagens da obra. Os textos que serão usados como

referência metodológica são: textos de Jonathan Leathwood para tratar

sobre os processos colaborativos e para o estudo das passagens usaremos

textos e concepções de Eduardo Fernandez.

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No último capítulo, trataremos das aplicações e procedimentos de

estudo na obra de Birtwistle, realizando comentários acerca dos resultados.

Por fim, a conclusão acerca dos resultados obtidos por intermédio

da pesquisa acadêmica. A conclusão estabelecerá uma relação entre o

objeto da pesquisa e os resultados obtidos acerca das reflexões feitas sobre

este processo. Esperamos que essa pesquisa possa ser material de

pesquisa e estudo para músicos interessados em processos colaborativos

– algo importante para mim, meu orientador e músicos que lidam com o

aumento do repertório musical na atualidade -, em obras para violão solo

contemporâneas ligadas à Julian Bream e seu projeto de encomenda de

obras e estratégias de estudos de passagens.

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1. O ESTADO DA ARTE E PROBLEMATIZAÇÃO

1.1 BREVE HISTÓRICO DA COLABORAÇÃO ENTRE INTÉRPRETE E

COMPOSITOR PARA VIOLÃO SOLO NO SÉCULO XX

A colaboração entre compositor e intérprete é uma das bases fundamentais

para o desenvolvimento do repertório original para violão do século

XX. Segundo Jonathan Leathwood, “A historia do repertorio do violao do século XX é

uma história de colaboração. ”4 (LEATHWOOD, 2009 p. 3). As primeiras obras escritas

originalmente para violão por compositores não violonistas tiveram um intérprete como

mediador no processo de composição, principalmente na função de comissionador.

Em 1920, Manuel de Falla escreveu a obra Homenaje pour guitarre1, uma das

primeiras colaborações do repertório original para o instrumento, dedicada ao

violonista espanhol Miguel Llobet2. Segundo Leathwood, esta colaboração foi um

marco no repertório violonístico, sendo aclamada internacionalmente (LEATHWOOD,

2009 p. 1). Segundo Dudeque, a obra iniciou uma nova fase no repertório para violão:

Com esta peça, inicia-se a produção de um repertório para violão de alta qualidade musical, geralmente composto por obras escritas por não violonistas. Esta prática será incentivada por Andrés Segovia, que será a principal figura na divulgação e o grande incentivador para a criação de um novo repertório para o instrumento. (DUDEQUE, 1994, p.85)

O violonista espanhol Andrés Segovia se destaca neste aspecto, por

comissionar e divulgar obras de diversos compositores como, por exemplo, Joaquin

Turina, que lhe dedicou todas as suas obras para violão. Assim como, o compositor

1 Na primeira edição publicada na revista Revue Musicale em 1920 a peça está publicada como Homenaja, com um claro equívoco de ortografia impressa.

2 Não há na partitura nem no manuscrito indicação dessa dedicatória, mas a

mesma nunca foi contestada por qualquer intérprete ou biógrafo de Manuel de Falla, a não ser o próprio

Andrés Segovia, no programa Wisdow 1955: An Encyclapaedia Britannica Film, que afirma ter sido a

obra “dedicada ao violao”. Ver em: https://www.youtube.com/watch?v=PWA0HEOFHpo (pesquisada

em 02 de Julho de 2019).

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italiano Mario Castelnuovo-Tedesco inicia a sua vasta produção de obras para violão

a partir de seu encontro com Segovia em Veneza, no ano de 1932 (DUDEQUE, 1994).

Outros compositores como Manuel Maria Ponce, Joaquin Rodrigo e Villa- Lobos iriam

compor obras dedicadas ao violonista, dentre elas concertos para violão e orquestra

e séries de prelúdios e estudos. Mas, segundo Dudeque, esta grande variedade de

obras dedicadas a Segovia ou comissionadas por ele, são em sua maioria, românticas

ou neoclássicas, excluindo compositores da vanguarda musical como Schöenberg e

Webern, que poderiam ter escrito para o instrumento caso Segovia tivesse

comissionado (DUDEQUE, 1994, p.90). Segundo McCallie, “Embora fosse um

inovador na maioria das coisas, as sensibilidades estéticas de Segovia eram

fundamentalmente tradicionais”3 (MCCALLIE, 2015 p. 1).

Um outro ponto a ser aqui destacado em relação ao processo colaborativo

foi a edição de partituras e gravações, tendo assim a obra difundida em três frentes:

nos concertos, na discografia e via publicacões. Sydney Molina comenta em sua tese

“O Violao na Era do Disco: interpretacao e desleitura na arte de Julian Bream” sobre

as publicacões das obras de compositores que colaboraram com Segovia:

...Segovia realizou um extenso trabalho de edições de obras originais e transcrições desde os anos vinte. Algumas das novas obras dedicadas a ele foram editadas por Edición Musical Daniel de Madrid – como a Sonatina em lá maior de Federico Moreno Torroba e a Sevillana op. 29 de Joaquín Turina – e outras – como Segovia op. 29 de Albert Roussel e Sérénade de Gustave Samazeuilh. Mas o passo mais importante foi o início do Guitar Archive, coleção de obras editadas por Segovia para a casa alemã Schott. (MOLINA, 2006 p. 55)

Em relação aos processos colaborativos, um dos primeiros exemplos deste

tipo entre compositor e intérprete no repertório para violão do século XX foi a obra

Danza (1918), que posteriormente foi incorporada como parte da Suite Castellana, do

espanhol Federico Moreno Torroba, composta para e com a ajuda de Segovia.

Segundo Church (2017), Segovia encorajou Torroba, auxiliando-o no processo de

edição e editoração, a criar um repertório para violão que fosse acessível aos

violonistas. Da mesma maneira, Segovia trabalhou em conjunto com

3 Although an innovator in most things, Segovia’s aesthetic sensibilities were fundamentally traditional.

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diversos outros autores. Segundo Knepp (2011), como estes compositores não

estavam familiarizados com o instrumento, foi necessária a ajuda de Segovia para

tornar este repertório possível de ser executado por violonistas. Outro exemplo é

Manuel Ponce. Knepp afirma que é possível observar neste autor um processo

evolutivo de composição para violão, através da correspondência que mantinha com

o violonista. Segovia teria ajudado nos arranjos, nos dedilhados e na publicação de

suas obras (KNEPP, 2011, p.2). Por tratar-se do principal personagem da história do

violão nesse tipo de colaboração, listaremos a seguir compositores e obras

relacionadas ao nome de Andrés Segovia:

Manuel Ponce: Sonata Mexicana, Sonata Romântica, Sonata Clássica,

Sonatina Meridional, Variações e Fuga sobre “Folias de Espanha”, 24 Prelúdios, Suite

em Lá menor, Suite em Ré Maior, Tema Variado e Finalle.

Federico Moreno Torroba: Suite Castellana, Sonatina, Madroños, Prelúdio

em Mi, Serenata Burlesca, Nocturno, Castillos de España, Piezas Caracteristicas.

Alexandre Tansman: Mazurca, Cavatina, Concertino para Violão e

Orquestra, Suite “Hommage à Chopin”, Suite in Modo Polonico e Variações sobre um

tema de Scriabin.

Joaquin Turina: Sevillana (Fantasia) opus 29, Fandanguillo opus 36,

Rafaga opus 53, Sonata opus 61 e Homenaje a Tarrega opus 69.

Heitor Villa-Lobos: 12 Estudos para Violão, Concerto para Violão e

Pequena Orquestra.

Mario Castelnuovo-Tedesco: Variações Através dos Séculos, Sonata

“Homenagem a Boccherini”, Tarantella, Concerto n.1 em Ré para Violão e Orquestra,

Tonadilla sobre o nome de Andres Segovia, Guitar Quintet opus. 143 e Cappricio

Diabolico “Omaggio a Paganini”.

Joaquin Rodrigo: Fantasia para un Gentilhombre, para violão e orquestra,

Tres Piezas Españolas.

Albert Roussel: Segovia opus 29.

Juan Manén: Fantasia-Sonata opus 22a.

John Duarte: English Suite for guitar opus 31.

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Albert Harris: Variations and Fugue on a Theme by Handel.

Este modelo inaugurado no violão por Andrés Segovia e Miguel Llobet, foi

seguido por destacados intérpretes como o próprio Julian Bream, Narciso Yepes,

David Starobin, John Williams e Magnus Andersson. No Brasil por Turíbio Santos,

Geraldo Ribeiro e mais recentemente, com Gilson Antunes e Daniel Murray. Todos

eles trabalharam à sua maneira os processos colaborativos. Julian Bream junto a

compositores britânicos (como veremos a seguir). Relacionaremos, a seguir, alguns

desses compositores e intérpretes nesse processo colaborativo:

Narciso Yepes: Concierto Levantino, Ayer e Sonata (Manuel Palau),

Concertino em Lá, Suite e Ballade (Salvador Bacarisse), Três Gráficos para Violão e

Orquestra (Maurice Ohana), Códex 1 (Cristobal Halffter), Tarantos (Leo Brouwer),

Modulos 1 (Alcides Lanza), Guitar Concerto n1., Analogias e Persistencias (Leonardo

Balada), Cinco Movimientos, Canciones y Danzas e Tablas para Violão e Orquestra

(Antonio Ruiz-Pipó), Interludio (Leon Schidlowsky), Laberinto (Eduardo Sainz de la

Maza), Collectici Intim e Suite de Homenajes (Vicente Asencio), Y Después (Bruno

Maderna), Jeux op.12 e Enigma opus 9 (Jorge Labrouve), Metamorfosis de Concierto

e Fantasia para Violão e Harpa (Xavier Montsalvatge), Concerto para Violão e

Orquestra de Cordas (Jean Françaix), Canço i Dansa n.13 (Federico Mompou) e

Concerto n.2 para Violão e Cordas op. 394 (Alan Hovhaness), entre vários outros

compositores.

David Starobin: Elliott Carter (Changes), George Crumb (Quest), Gunther

Schuller (Fantasy Suite), Milton Babbitt (Composition for Guitar) e Poul Ruders

(Psalmodies), entre vários outros.

Magnus Andersson: Kurze Schatten II (Brian Ferneyhough), Ase (Algo II)

(Franco Donatoni), A Fuoco (Luca Francesconi), Tempo para Violão e Cordas (Xavier

Benguerel), Away From (Sven-David Landstrom), Rap (Claudio Ambrosini), Etchings

(Daniel Bortz), Serenata (Aldo Clementi) e Samblana (Maurizio Pisati).

Turíbio Santos: Edino Krieger (Ritmata), Almeida Prado (Livre pour Six

Cordes), Ronaldo Miranda (Appasionata), Francisco Mignone (Lenda Sertaneja),

Marlos Nobre (Momentos 1 a 4), Leo Brouwer (Parabola), Ricardo Tacuchian (Ludica

I), Radamés Gnattali (Brasilianas 13 e Pequena Suite) dentre outros;

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Geraldo Ribeiro, ligado especialmente ao compositor Teodoro Nogueira (12

Improvisos, Concertino para Violão e Orquestra), mas também Souza Lima (Cortejo),

Claudio Santoro (Estudo n.1) e Clarice Leite (Suite Imperial), entre outros.

Gilson Antunes, colaborando com compositores ligados às universidades

paulistas inicialmente (USP, UNESP e UNICAMP) e depois expandido para

compositores de outros países: Gravuras para Violão (Willy Corrêa de Oliveira), Ankh,

Tetragrammaton XIII e Tetragrammaton 15b para Violão e Orquestra (Roberto

Victorio), Prelúdio VIII (Ricardo Tacuchian), Triptico (Edson Zampronha), Fantasia

Sommersa, Signo Sopro III e Signo Sopro V para Violão e Orquestra (Marcus

Siqueira), Desalento (Antonio Ribeiro), Contemporaneidade (Geraldo Ribeiro), Et si le

Temps Passe (Elodie Bouny), Suite Villa Viena (Paulo Tiné), Fantasia III (Maurício

Orosco), Milonga de Espera (Maurício Marques), Suite em Modos Nordestinos

(Erisvaldo Borges), Lobrego Intrinsis (Federico Nuñez), Reflexiones (Antonio Roveta),

Un Ricordo Antico... i Altro (Stefano Raponi) e Pendular (Maurício de Bonis), entre

outras.

Daniel Murray, inicialmente com compositores de obras eletroacústicas

gravadas em seu primeiro CD, além de obras para violão de 6 e 11 cordas: Ladaínha

(Silvio Ferraz), In Harmonica (Sergio Kefejian), Quaderno (Flo Menezes), Estudo para

MD (José Augusto Mannis), Cinco Fragmentos Seriais (Paulo Porto Alegre) e Madrigal

(Marcus Siqueira).

O australiano John Williams sempre se destacou pela expertise técnica, e

isso sobremaneira empalideceu sua importância enquanto dedicatário e

comissionador de obras para violão no século XX. Entre essas variedades contam- se

o Concert n.1 for Guitar and Small Orchestra de Stephen Dodgson, Concerto for Guitar

and Orchestra de Andre Previn, Concerto Antico de Richard Harvey, Concierto de

Toronto de Leo Brouwer, From Kakadu, Into the Dreaming e Nourlangie

– Concerto para violão, percussão e orquestra de cordas e Songs from the Forest

para dois violões de Nigel Westlake, entre vários outros.

Somemos a esses, nomes como Sainz de la Maza (Concierto de Aranjuez

de Joaquin Rodrigo), Emilio Pujol (Zarabanda Lejana), Ida Presti (Sarabande, de

Francis Poulenc), Eliot Fisk (Sequenza XI, de Luciano Berio), Sharon Isbin (El

Decameron Negro, de Leo Brouwer) e Carlos Barbosa Lima (Sonata op. 47).

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Deixamos claro que esses violonistas e compositores de forma alguma

representam a totalidade desse tipo de colaboração, e foram colocados como

exemplos bem sucedidos de processos entre autores e intérpretes relacionados ao

violão de concerto no Brasil e outros países. A partir da década de 1970, de maneira

mais intensiva, o processo é visível também em grupos camerísticos, a partir da

experiência de grupos como Duo Abreu, Duo Assad e Quaternaglia, entre tantos

outros. Percebemos que atualmente a prática está se tornando comum, especialmente

no Brasil, tanto em solistas quanto em grupos camerísticos com violão.

A seguir relacionaremos as colaborações com o nome principal da nossa

dissertação, Julian Bream.

1.2 O REPERTÓRIO DEDICADO A JULIAN BREAM

Julian Alexander Bream nasceu em quinze de julho de 1933, no bairro

operário de Battersea, em Londres, Inglaterra. O violonista se destaca pelo número

de concertos, pela extensa discografia e, principalmente, por suas colaborações com

compositores de renome dentro da música de concerto atual. Bream voltou sua

atenção para compositores como Benjamin Britten, Hans Werner Henze, Michael

Tippett e Peter Maxwell Davies.

Segundo Mccallie, as obras para violão encomendadas por Bream, formam

a base do repertório moderno para violão clássico (MCCALLIE, 2015 p.1). Uma das

várias colaborações de Bream com compositores que pode se destacar é a Nocturnal

after John Dowland, op. 70 (1963) de Benjamin Britten, obra que já se tornou

referencial dentro do repertório para violão solo desde a sua publicação. Segundo

Mccallie, Bream tinha uma predileção pela colaboração com compositores para o

desenvolvimento de obras de grande envergadura e com maior variedade linguagens

estilísticas:

Quando perguntado em uma entrevista sobre sua razão para comissionar novos trabalhos, Julian Bream disse a Paul Balmer que “quando eu comecei a me interessar mais pelo repertório de piano - Debussy, Beethoven, Mozart, Bach - comecei a sentir que o repertório do violão estava muito escasso de variedade. Nao apenas variedade, mas de qualidade”. Ao longo de quase meio século, Bream encomendou obras para numerosos

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compositores que começariam a preencher as lacunas estilísticas do repertório de Segovia. Embora outros violonistas tenham encomendado obras igualmente distintas, o repertório de Bream é único.4 (MCCALLIE, 2015 p. 7)

Esta variedade pode ser vista na tabela abaixo, com as obras dedicadas a

Julian Bream que se tem conhecimento até o momento, escritas originalmente para

violão solo. Seu nome também pode e deve ser relacionado ao violão com orquestra

(em obras como o Guitar Concerto opus 67 e Serenata para Violão e Orquestra de

Cordas de Malcolm Arnold, Concierto Elegiaco de Leo Brouwer, Guitar Concerto de

Lennox Berkeley e Concerto for Guitar and Chamber Ensemble de Richard Rodney

Bennett, além da colaboração do violonista em música de câmara (Songs from the

Chinese op.58 de Benjamin Britten e Anon. in Love de William Walton, ambos ciclos

para voz e violão).

Compositor Nacionalidade Obra Ano

Reginald Smith-Brindle Britânica Nocturne 1946

Reginald Smith-Brindle Britânica El Polifemo de Oro 1956

Lennox Berkeley Britânica Sonatina, Op. 52 No. 1 1957

Hans Werner Henze Alemã Drei tentos 1958

Denis ApIvor Britânica Variations, Op. 29 1959

Tristram Cary Sonata Britânica Sonata 1959

Reginald Smith-Brindle

Britânica

Variants on Two Themes of J. S.

Bach 1970

Benjamin Britten

Britânica

Nocturnal, Op. 70 after John

Dowland 1963

Richard R. Bennett Britânica Five Impromptus 1968

Tom Eastwood Britânica Ballade-Phantasy 1968

Peter Racine Fricker Britânica Paseo, Op. 61 1970

4 When asked in an interview about his reason for commissioning new works, Julian Bream

told Paul Balmer, “as I began to [become] more interested in the piano repertoire—Debussy, Beethoven, Mozart, Bach—I began to feel that the guitar repertoire was lacking a lot of variety. Not only variety, but quality.”27 Over the course of nearly half a century, Bream commissioned works from a number of composers who would begin to fill the stylistic gaps of the Segovia repertoire. Although other guitarists have commissioned equally distinguished works, the Bream repertoire is unique.

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Malcolm Arnold Britânica Fantasy for Guitar, Op. 107 1971

William Walton Britânica Five Bagatelles 1971

Humphrey Searle Britânica Five 1974

Alan Rawsthorne Britânica Elegy 1975

Hans Werner Henze Alemã Royal Winter Music: First Sonata 1976

Hans Werner Henze Alemã Royal Winter Music: Second Sonata 1980

Peter Maxwell-Davies Britânica Hill Runes 1981

Michael Berkeley Britânica Sonata in One Movement 1982

Michael Tippett Britânica The Blue Guitar 1983

Giles Swayne Britânica Solo, Op. 42 1986

Tōru Takemitsu Japonesa All in Twilight 1987

Leo Brouwer Cubana Sonata 1990

Tōru Takemitsu Japonesa Muir Woods 1995

Harisson Birtwistle Britânica Construction with Guitar Player 2013

Leo Brouwer Cubana Sonata No 5: Ars Combinatoria 2013

Julian Anderson Britânica Catalan Peasant with Guitar 2015

Ollie Mustonen Finlandês Sonata n°2 2017

Conforme observamos, a contribuição de Bream para o repertório de violão

solo é significativa na história do instrumento no século XX. Apesar de não ter um

número substancial de colaborações como Segovia, a sua importância se dá pela

variedade de linguagens composicionais e importância dos compositores na história

da música de concerto ocidental. Para Mccallie, as obras escritas para Julian Bream

estão entre as mais significativas para o repertório de violão clássico do século XX,

pelo seu estilo moderno e pelos compositores com os quais trabalhou (MCCALLIE,

2015).

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1.3 O PROJETO THE JULIAN BREAM TRUST

Mesmo tendo se aposentado como concertista oficialmente em 2002, Julian

Bream continua envolvido na colaboração com compositores. Seu atual projeto, The

Julian Bream Trust, iniciado no ano de 2008, foi idealizado em duas áreas de atuação:

bolsas de estudos para jovens violonistas e encomenda de obras para violão solo

através de grandes compositores da atualidade. Entre os alunos que até o momento

receberam bolsa de estudos estão o russo Andrey Lebedev, a britânica Laura

Snowden e o italiano Giacomo Susani. As instituições ligadas às bolsas são The Royal

Academy of Music, The Royal College of Music e The Royal Welsh College of Music

and Drama. Em relação à elaboração de obras para violão solo, até o presente

momento (Julho de 2019) foram encomendadas e estreadas quatro obras: Sonata No

5: Ars Combinatoria (2013), de Leo Brouwer, Construction with Guitar Player (2013),

de Harrison Birtwistle, Catalan Peasant with Guitar (2015), de Julian Anderson, e

Sonata n°2 de Ollie Mustonen (2017), tendo como violonistas colaboradores Jonathan

Leathwood, Laura Snowden e Andrey Lebedev. Bream comenta em seu texto “THE

REASON WHY” de 20085 que uma das razões que o levaram a criar uma fundação

para ajudar jovens estudantes foi a ajuda que ele teve no início dos seus estudos com

George Dyson, o então diretor do Royal College of Music em Londres.

No verão de 1948, e independentes um do outro, dois amigos escreveram a

Sir George Dyson - que era o diretor do Royal College of Music – para a

possibilidade de minha inscrição como estudante em tempo integral naquela escola. Na época não havia cátedra de violão naquela augusta instituição e, além disso, os negócios financeiros do meu pai também estavam em um estado lamentável. Não obstante, uma audição foi finalmente organizada no final de novembro de 1948, com Sir George Dyson como meu solitário examinador.

Pelo que me lembro, toquei algumas peças barrocas de Rameau e Bach no meu violão e em seguida um movimento de uma sonata de Beethoven no piano. Então fui solicitado a improvisar em ambos os instrumentos. No final da minha improvisação no piano, houve um prolongado silêncio mortal e eu me senti momentaneamente como se todo o meu mundo estivesse oscilando à beira do esquecimento, quando, de repente, o silêncio foi quebrado pelo próprio Sir George, falando em tons suaves para o arquivista sentado ao lado dele. 'Eu quero que esse garoto comece no próximo semestre', acrescentando, 'sem taxas'6.(BREAM, 2008)

5 Disponível no website http://www.julianbreamtrust.org/about 6 In the summer of 1948, and quite independently of each other, two devoted friends

wrote to Sir George Dyson, who was the Principal of the Royal School of Music, in a quest to seek out

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Em relação a encomenda de obras, Bream justifica o fato de que durante

toda sua carreira a relação com compositores foi muito importante. No intuito de criar

novas obras, às vezes eram financiadas do seu próprio dinheiro e ou pelo impulso

espontâneo do compositor.

BREAM

1.4 O ARTIGO “HOW TO WRITE FOR THE GUITAR” DE JULIAN

O artigo “How to Write for the Guitar7”, escrito por Julian Bream, foi

publicado em 1957 pela revista inglesa " The Score & IMA Magazine”, em seu volume

de número 19. Neste artigo, Bream disserta sobre como escrever mais

adequadamente para o violão.

A coisa mais importante a se ter em mente quando se quer escrever para um instrumento é a textura e o caráter de seu som: o violão é mais sugestivo e íntimo do que quase qualquer outro instrumento. E, portanto, exige do compositor grande imaginação e noção de colorido - especialmente porque é quase sempre solo e seu sucesso ou falha recai puramente em seus próprios méritos de expressão musical.8 (BREAM, 1957, p.19)

Até o ano de sua publicação haviam sido escritas três obras dedicadas a

Bream, sendo duas de Reginald Smith-Brindle e uma de Lennox Berkeley (vide quadro

1). É provável que Bream tenha escrito este artigo como uma espécie de manual de

como compor melhor para violão, pelo fato de que os compositores que colaboraram

the possibility of my enrolment as a full time student. At the time there was no Professorship of the guitar at that august institution, furthermore my father’s financial affairs were also in a parlous state. Notwithstanding, an audition was finally arranged towards the end of November 1948 with Sir George Dyson as my solitary examiner.

As I remember, I played a couple of Baroque pieces by Rameau and Bach on my guitar and followed that by a movement of a Beethoven Sonata on the piano. I was then asked to improvise on both instruments. At the end of my piano improvisation, there was a prolonged deadly hush and I felt momentarily as if my whole world was teetering on the edge of oblivion, when all of a sudden the silence was broken by Sir George himself speaking in gentle tones to the Registrar sitting beside him. ‘I want this boy to begin next term,’ adding, ‘no fees’.

7 Tradução: Como Escrever Para o Violão 8 The most important thing to bear in mind when writing for an instrument is the texture and

character of its sound: The guitar is more suggestive and intimate than almost any other instrument. and therefore demands from the composer great imagination and feeling for colour-- especially since it is nearly always solo, and succeeds or falls purely on its own merits of musical expression.

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com Bream não eram violonistas, com a posterior exceção de Leo Brouwer (já em

1990).

Apesar da obra possuir uma certa dificuldade de execução, a escrita é

fluida. No artigo, Bream recomenda aos compositores tomarem como referência as

obras de Bach. Um segundo ponto importante no artigo é em relação a armadura de

clave a ser escolhida, seja no contexto tonal ou atonal da obra. Aqui, Bream comenta

sobre a relação da ressonância e armadura de clave, em que o compositor não só

deve pensar na estética de sua obra, mas também na resposta acústica do

instrumento.

Ao usar o sistema tonal convencional, o compositor deve selecionar sua tonalidade ou sensação geral de tom de acordo com as ressonâncias naturais do instrumento. Como a maioria dos harmônicos naturais e ressonâncias são construídas, por assim dizer, pelas cordas soltas, é importante usar essas cordas o máximo possível, particularmente as três inferiores, que adicionam um brilho considerável ao timbre quando empregadas harmonicamente em conjunto com uma frase ou configuração em posições elevadas nas cordas agudas. (BREAM, 1957, p. 21)9

Se observarmos as obras dedicadas a Bream e suas armaduras de clave,

de todas as obras do quadro 1, apenas a Sonatina, Op. 52 No. 1 de Lennox Berkeley,

possui uma armadura de clave (Lá maior). Uma outra ferramenta para escrita no violão

que Bream enfatiza, é o uso de cordas soltas em progressões harmônicas (blocos de

notas): “Isso se aplica particularmente à escrita do tipo mais progressivo de harmonia

no violao. ”10 (BREAM, 1957, p.23)

Em alguns exemplos, na Construction with Guitar Player, as cordas soltas

estão circuladas.

9 When using the conventional tonal system, the composer must select his key or overall key feeling according to the natural resonances of the instrument. Since most of the natural harmonics and resonances are built up, as it were, from the open strings, it is important to use the unstopped strings as much as possible, particularly the lower three, which add a considerable lustre to the timbre when harmonically employed in conjunction with a phrase or figuration in high positions on the treble strings.

10 This applies particularly-to the writing of the more progressive kind of harmony on the guitar.

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Figura 1: compassos 98 e 99

Fonte: Stephen Goss, arquivo pessoal

Figura 2: compasso 103

Fonte: Stephen Goss, arquivo pessoal

Nestes dois exemplos, vemos o uso de cordas soltas e presas na mesma

nota e altura, com uma nota Mi tocada na segunda corda, na quinta casa e a outra

nota Mi tocada na primeira corda solta, no compasso 98 (Figura 1) e no compasso

103 temos a nota Ré tocada na sexta corda na décima casa e o outro Ré na quarta

corda solta (Figura 2).

Dentre outras ferramentas para escrita, encontram-se no artigo a aplicação

de técnicas como ligados e trinados (BREAM, 1957, p.23), arpejos (BREAM, 1957,

p.24), e trêmulos (BREAM, 1957, p.25), sendo estas pouco utilizadas na obra de

Birtwistle.

Como forma de comparação, veremos alguns exemplos a seguir da obra

Adagio e Fuga da Sonata BWV 1001 para violino de Bach e a obra Construction with

Guitar Player. Os exemplos e comparações são apenas referências em relação e sua

organicidade de escrita e coreografia dos dedos em relação à digitação ao

instrumento.

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BACH

Figura 3: Adagio BWV 1001, compasso

Fonte: https://musescore.com/musemeister

Figura 5: Adagio BWV 1001, compasso 3

Fonte: https://musescore.com/musemeister

Figura 7: Presto BWV 1001, comp. 72-75

Fonte: https://musescore.com/musemeister

BIRTWISTLE

Figura 4: compasso

Fonte: Stephen Goss, arquivo

pessoal

Figura 6: compasso 5

Fonte: Stephen Goss, arquivo pessoal

Figura 8: compasso 23

Fonte: Stephen Goss, arquivo

pessoal

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As figuras acima são um comparativo entre a escrita de Bach e a obra de

Birtwistle, um dos pontos comentados por Bream em seu artigo.

1.5 HARRISON BIRTWISTLE E A CONSTRUCTION WITH GUITAR

PLAYER

Sir Harrison Birtwistle nasceu em Accrington (Reino Unido), no dia 15 de

julho de 1934. Estudou composição com Richard Hall no Royal Manchester College

of Music, tendo como colegas de estudo Sir Peter Maxwell Davies e Alexander Goehr,

este grupo sendo conhecido também como "Escola de Manchester", sem no entanto,

ser uma escola no sentido de estilo, apenas pelo fato de ambos terem estudados na

cidade de Manchester. (LATHAN, 2008, p.198)

Entre suas obras de destaque temos Monody for Corpus Christi (1959),

para soprano e três instrumentos, Tragoedia (1965), para quinteto de sopros, harpa e

quarteto de cordas, e as óperas The Mark of Orpheus (1966), Punch and Judy (1968),

Gawain (1991), The Second Mrs Kong (1994), The Last Supper (2000) e The Minotaur

(2005-2007).

Birtwistle escreveu para violão em três momentos: em 2004 escreveu

Today Too, para voz (tenor), flauta e violão, em 2007 escreveu Guitar and White Hand

para violão solo, e em 2013 a obra Construction With Guitar Player.

Em relação a Construction With Guitar Player, Birtwsitle faz um comentário

importante sobre a obra, em entrevista para Fiona Maddocks:

11 The phone rings. It's the guitarist Jonathan Leathwood — Harry's first conversation with him. Oh hello. Great ... I'm glad you like my piece ... Can you come round? We'll go through it. You can tell me how to make it better?' He ends the call. He said it was the best new guitar piece in the last twenty years!' He is chuckling, pleased at the idea rather than really believing it. Soon after he makes a call. 'Julian? Jonathan Leathwood says it s the best piece in fifty years ...'

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Não é como um piano. Se você tocar um acorde no piano, poderá sustentá- lo e tocar outro acorde. Mas com um violão, se você passar para o próximo acorde, o último não existe. Você o perdeu. Esse é o problema fundamental do instrumento. É por isso que eu posso escrever para harpa, violino ou qualquer outra coisa. Mas como o violão é um instrumento harmônico, movendo-se em blocos, para escrever músicas contrapontísticas ele precisa-se de um tratamento muito cuidadoso - então, ele acaba em uma ou duas vozes. De qualquer forma, ele diz que é tocável - em geral.12 (BIRWISTLE, MADDOCKS. 2014, p.80)

Iremos apresentar aspectos relacionados, a técnicas composicionais, uso

de recursos de técnicas estendidas e expandidas, andamento e articulação.

A obra apresenta sua grande maioria duas técnicas composicionais, a

polifonia, quase sempre em duas vozes, e o que Birtwistle chama de bloco

(agrupamento de notas como acordes).

Exemplos de techos polifonicos a duas vozes, uma das vozes está

circulada em vermelho (figuras 9, 10 e 11)

Figura 9: Compasso 107 e 108

Fonte: Stephen Goss, arquivo pessoal

12 It's not like a piano. If you play a chord on the piano you can hold it through and play another chord. But with a guitar if you move to the next chord, the last one doesn't exist. You've lost it. That's the fundamental problem of the instrument. That's why I can write for the harp, or violin or whatever. But because the guitar is a harmonic instrument, moving in blocks, to write contrapuntal music for it needs very careful handling — so it ends up in one or two parts. Anyway, he says it's playable — by and large.

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Figura 10: compassos 140 a 152

Fonte: Stephen Goss, arquivo pessoal

Figura 11: Compasso 155-157

Fonte: Stephen Goss, arquivo pessoal

Exemplos de techos com blocos de notas(figuras 12, 13 e 14):

Figura 12: Compasso 34

Fonte: Stephen Goss, arquivo pessoal

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Figura 13: Compasso 70-73

Fonte: Stephen Goss, arquivo pessoal

Figura 14 - Compasso 136-138

Fonte: Stephen Goss, arquivo pessoal

Uma outra característica que permeia toda a obra é o uso de intervalos de

quarta e quinta (justo, diminuto e aumentado) e suas respectivas inversões e

composições (intervalos simples e compostos), nas figuras 15, 16 e 17:

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Figura 15 - Compasso 1 e 2

Fonte: Stephen Goss, arquivo pessoal

Figura 16 - Compasso 4 e 5

Fonte: Stephen Goss, arquivo pessoal

Figura 17 - Compasso 14 e 15

Fonte: Stephen Goss, arquivo pessoal

Quanto ao uso de técnicas expandidas e estendidas, a obra apresenta dois

recursos: o uso de tambura13 e da percussão14. Uso de tambura (figuras 18 e 19):

13 Bater com polegar encima do rastilho sobre a ponte do violão. Esse efeito é

tradicionalmente conhecido como “tambora” 14 Bater com os dedos da mão esquerda sobe o tampo do violão.

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Figura 18 - Compasso 70

Fonte: Stephen Goss, arquivo pessoal

Figura 19 - Compasso 74

Fonte: Stephen Goss, arquivo pessoal

Uso de percussão (figura 20):

Figura 20 - Compasso 39-41

Fonte: Stephen Goss, arquivo pessoal

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No aspecto de tempo, variação de andamento, e metrônomo,

encontramos diversas alterações, na primeira página da obra (figura 21), como

exemplo temos seis alterações de andamento, essas alterações se mantem durante

toda a peça.

Figura 21 - Compasso 1-16

Fonte: Stephen Goss, arquivo pessoal

Em relação ao métrica rítmica, a obra se utiliza de em sua grande maioria

do uso de quiálteras (principalmente de 3) e sincopas, como no exemplo abaixo (figura

22)

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Figura 22 - Compasso 109-112

Fonte: Stephen Goss, arquivo pessoal

Na articulação, a obra faz o uso em muitas partes de staccato e pizzicato,

principalmente, quando se tem uma polifonia em duas vozes. (figura 23)

Figura 23 - Compasso 130-135

Fonte: Stephen Goss, arquivo pessoal

A obra de forma geral é bastante complexa em sua estrutura e material a

ser estudado, podendo ser comparada, em nível de dificuldade, com obras já

consagradas do repertório para violão como, por exemplo, Changes de Elliot Carter e

a Sequenza XI de Luciano Berio.

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2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A questão interpretativa e a relação compositor-intérprete começaram a ser

questionadas ainda no século XX. Foss (1963) e Smalley (1970) estão entre os

primeiros estudiosos a discutir a importância e o papel do compositor e do intérprete

no fazer musical (VIEIRA, 2017). No século XXI a pesquisa do assunto continuou:

“Bringing New Works to Life: Collaboration and Interpretation in the Performance,

Recording and Editing of New Works for Guitar” (2003), de David Francis Malone, “O

Processo Colaborativo na Perspectiva do Performer: Um Estudo de Caso com

Compositores Nao Violonistas” (2017), de Márlou Peruzzolo Vieira, “Collaborating with

the Guitar: The exploration of collaborative practices between three non-guitarist

composers and a guitarist performer in the creation of new works for the classical

guitar” (2017), de Jake Church, “The Medium and the Mediator: Two Studies in

Composer-Performer Collaboration” (2009), de Jonathan Leathwood, sao exemplos

de estudos focados na relação entre compositor e intérprete especificamente em

obras para violão.

A quantidade de estudos relativos a processos colaborativos reflete uma

prática recorrente nas composicões para violao. Scarduelli e Ribeiro afirmam em seu

artigo “Criacao musical colaborativa: o processo de escrita e performance de

Melancoli[r]a para violao solo” (2016), que “o trabalho colaborativo nos levou a

entender que inúmeras características do próprio processo emergem e são

construídas durante a prática, nao sendo algo necessariamente preconcebido”

(SCARDUELLI, RIBEIRO, 2016, p.8).

Construction With Guitar Player, como o próprio nome sugere, é uma obra

feita com a participação do intérprete no processo de criação. O compositor Harrison

Birtwistle trabalhou nesta obra conjuntamente com o violonista Jonathan Leathwood,

através do programa The Julian Bream Trust, como mencionado no capítulo 1.3.

Leathwood já havia feito este tipo de procedimento anteriormente com outros

compositores, inclusive dedicando a sua tese de doutorado ao assunto, The Medium

and the Mediator: Two Studies in Composer-Performer Collaboration (2009), na qual

aborda a participação do intérprete em processos composicionais.

Na primeira parte deste segundo capítulo será abordada a questão

interpretativa tomada pelo ponto de vista do intérprete que participa do processo de

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criação da obra. A postura do intérprete frente a uma composição musical e até que

ponto a sua interferência na obra é considerada válida serão discutidas com o objetivo

de definir uma postura interpretativa para o estudo da obra de Birtwistle.

Para a elaboração dos exercícios práticos com o instrumento serão

utilizados os procedimentos sugeridos por Eduardo Fernandez em seu livro Técnica,

Mecanismo, Aprendisaje. Devido à complexidade da obra e quantidade de elementos

envolvidos, as ferramentas de estudo propostas por Fernandez foram aqui aplicadas

por oferecerem uma forma de estudo que trabalha a obra detalhadamente e de

maneira progressiva.

2.1 O PROCESSO COLABORATIVO E A INTERPRETAÇÃO

Como visto no capítulo anterior, o trabalho colaborativo de violonistas com

compositores está presente em grande parte do repertório para violão desde as

primeiras décadas do século XX. Levando em conta estes dados e questionando os

procedimentos de preparação do músico para uma interpretação, o violonista

Jonathan Leathwood discutiu em seu trabalho The Medium and the Mediator: Two

Studies in Composer-Performer Collaboration o papel do intérprete em processos

colaborativos com compositores.

Leathwood é um violonista inglês, nascido na cidade de Warrington, no dia

20 de janeiro de 1970. Estudou violao no King’s College, em Londres, formando- se

em 1991, com menção honrosa e premiado com o Purcell Prize. Estudou violão com

Gordon Crosskey, Paul Galbraith e Richard Wrigth. Após graduar-se, continuou seus

estudos com George Hadjnikos e Peter Gelhorn (SUMMERFIELD, 1996). Em 2001, o

violonista cria o Guitar Forum, uma revista publicada pela European Guitar Teachers’

Association, dedicada à trabalhos acadêmicos relacionados ao violão clássico.

Atualmente é professor na Denver University e na University of Colorado.15 Em seu

trabalho The Medium and the Mediator: Two Studies in Composer-Performer

Collaboration, Leathwood comenta sobre os processos colaborativos entre compositor

e intérprete, tomando como exemplo a sua experiência com o Compositor Stephen

Goss na criação da obra Oxen of the Sun, composta para

15 Informações acessadas no site pessoal do autor: http://mysite.du.edu/~jleathwo/index.html, no dia 13 de outubro de 2018.

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violão de dez cordas e violão de seis cordas entre os anos de 2003 e 2005 e a

colaboração com o compositor Chris Malloy, na obra Millions of Mischiefs, datada do

ano de 2004, para violão de dez cordas.

Na primeira parte de seu trabalho, Leathwood comenta acerca do processo

da criação da obra Oxen of the Sun, abordando aspectos técnicos relacionados ao

instrumento. Por ser uma obra feita para dois instrumentos (um violão de seis cordas

e um violão de dez cordas) e um intérprete apenas, o violonista levanta diversas

questões técnicas e possibilidades sonoras relativas ao uso simultâneo dos dois

violões. A intenção de Leathwood era encomendar uma peça que justificasse o uso

simultâneo dos dois violões, onde houvesse continuidade nas passagens de um

instrumento para o outro. O violonista decidiu que o compositor ideal para esse tipo

de obra era Goss.

O primeiro passo foi o encontro do violonista com o compositor, onde

Leathwood demonstrou as possibilidades de uso simultâneo dos dois violões. Após o

encontro, Goss enviou-lhe um compêndido de técnicas que poderiam ser usadas na

obra, este que foi usado como guia para a composição e alterado durante o processo.

No segundo movimento, Scherzando, os acordes marcados tambora são produzidos tocando as cordas com um dedo esticado sobre vários pontos nodais harmônicos, transformando as tamboras pentatônicas agudas da seção de abertura em uma mistura "suja" e indeterminada de agrupamento de clusters graves, harmônicos e barulho. Aqui Stephen tinha em mente a técnica 6 no compêndio: em seu rascunho original do Scherzando, ele havia pedido "algum tipo de som mágico de percussão de ponte", deixando a realização exata para mim. Mas havíamos discutido essa técnica de "tambora harmônica" e optei por usá-la aqui porque pensei que aumentaria a qualidade de desenvolvimento e distorção dos movimentos centrais. (LEATHWOOD, 2009, p.10)16

Na segunda parte de seu trabalho Leathwood realizou uma entrevista com

o compositor Chris Malloy, acerca da obra Millions of Mischiefs (2004), para

16 In the second episode, Scherzando, the chords marked tambora are produced by striking the strings with an outstretched finger around various harmonic nodal points, transforming the high pentatonic tamboras of the opening statement into a ‘dirty’ and indeterminate mixture of bass cluster, harmonics and noise. Here Stephen had in mind technique 6 in the compendium: in his original draft of the Scherzando, he had asked for ‘some kind of magical bridge percussion sound’, leaving the exact realisation up to me. But we had discussed this technique of ‘harmonic tambora’ and I chose to use it here because I thought it would heighten the developmental, distorting quality of the central episodes.

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violão de dez cordas, onde o compositor comenta sobre a suas impressões do

processo composicional da obra.

Segundo Leathwood, suas experiências de colaboração na criação de

obras para violão o levaram a desacreditar de sua ideia inicial de que o compositor

tenha em mente uma interpretação ideal, assim como também o fez menos defensor

de uma versão final fixa, mesmo que esta tenha tido a sua própria participação. O

violonista ainda afirma que a participação do intérprete nos processos colaborativos

não implica alterações dele em um original intocado, não são transcrições no sentido

convencional da palavra, não torna os intérpretes em compositores propriamente dito,

mas no que chamou de ‘compositores ocultos’17, o resultado final da obra é algo mais

abstrato, onde o papel do intérprete seria a finalização da obra, colocando suas

próprias intenções e aceitando o fato de que a obra resulta inevitavelmente em uma

imagem dupla de compositor e intérprete (LEATHWOOD, 2009, p.32). Leathwood

afirma que este tipo de colaboração está mais para uma aproximação do

instrumentista do processo de criação da obra, fazendo-o a alterar a sua prática

musical, do que leva o compositor à fusão entre instrumento e processo

composicional. Segundo ele, este processo o levou a reconsiderar o papel do

intérprete na prática musical, onde o engajamento crítico do músico poderia ser maior

em todos os aspectos de uma composição.

Leathwood questiona também o comportamento comum em intérpretes de

procurar por uma versão definitiva e imutável de uma obra, muitas vezes buscando

manuscritos mesmo que a obra tenha tido a participação de um intérprete na edição

final publicada, o que acaba reforçando a ideia da existência de uma hierarquia entre

compositor e intérprete. O autor sugere uma posição geral do intérprete como

colaborador de uma obra, mesmo que esta não tenha tido sua participação direta no

processo de criação.

Segundo Ribeiro e Scarduelli (2016), “[...] esse trabalho colaborativo

constitui um processo criativo único, diferindo-se substancialmente, com base em uma

perspectiva histórica, de posicionamentos que olhavam para a interpretação como

uma execução fiel do texto escrito, em uma atitude hierárquica do compositor para o

intérprete. ” (SCARDUELLI, RIBEIRO, 2016, p.6).

17 Composers manqués

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Em relacao à ideia de “versao original”, o compositor Stephen Goss

comenta, em entrevista para a revista Classical Guitar Magazine (2008), o fato de não

haver uma versão original, ou versão urtext para a obra Oxen of the Sun, na qual

Goss, durante o processo de criação da obra, sugeria ideias e trechos para Leathwood

e, a partir delas, a obra se desenvolveu conjuntamente entre compositor e intéprete.

Goss considera a performance da obra como parte do processo composicional,

requerendo de 20 a 30 apresentações até uma versão final ser decidida. Em relação

aos intérpretes, Goss comenta “[..] eles podem realmente fazer a música ter sentido

do ponto de vista da performance e, frequentemente, capturar coisas que os

compositores deixaram escapar por completo.”18 (GOSS, 2008, p.12).

Embora nos dois casos mencionados por Leathwood os compositores não

estavam familiarizados com o instrumento de dez cordas, Vieira (2017), em seu

trabalho “O Processo Colaborativo na Perspectiva do Performer: Um Estudo de Caso

com Compositores Nao Violonistas”, realizou entrevistas com compositores e

intérpretes relativas aos processos colaborativos, nas quais pôde observar pouca

diferença entre casos de colaboração com compositores violonistas e não violonistas:

“Esta diferenca foi raramente citada durante as entrevistas, indicando que eles estao

mais preocupados sobre outros aspectos do processo colaborativo. Um desses

aspectos aborda o papel dos participantes em uma colaboracao” (VIEIRA, 2017,

p.182)19.

Se o nível de interferência do intérprete e o tipo de envolvimento dele em

processos colaborativos é variável e depende da sua relação com o compositor e dos

procedimentos de construção da obra utilizados, o papel de um intérprete em obras

colaborativas que esteja alheio ao processo de criação pode ser ainda mais indefinido,

o que torna questionável a procura de uma interpretação fiel e única. Se fosse o caso,

tal interpretação seria apenas uma imitação daquela executada pelo intérprete

participante da construção da obra.

A gênese do principal repertório moderno para violão em colaboração e sua consequente instabilidade inveterada sugere que não há nada definitivo

18 they can actually make sense of music from a performance point of view, and often capture things that composers completely miss.

19 This difference was rarely addressed during the interviews, indicating that they are more concerned about other aspects of a collaborative process. One of these aspects addresses the participants’ role in a collaboration.

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para preservar ou transmitir, a menos que seja tomado o atalho de aceitar um ou outro texto sem questionar. Em vez disso, os violonistas podem ter que se acostumar a se colocar em algo parecido com o espaço colaborativo com o objetivo de se envolver criticamente com seu repertório. No momento, estamos apenas começando a coletar materiais. Entendê-los pode, em breve, tornar-se a questão mais urgente no estudo do violão.20 (LEATHWOOD, 2009, p.57)

Consideraremos, portanto, para o estudo da obra Construction with Guitar

Player, uma visão mais pessoal, baseada em nossa experiência com o repertório do

século XXI. Esta visão estará centralizada na parte gestual do material apresentado

na obra, que entendemos como sendo essencial na interpretação de composições

contemporâneas.

2.2 FERRAMENTAS DE ESTUDO: FERNANDEZ

É necessário contextualizar que as ferramentas de Fernandez são

exclusivamente pensadas para o repertório de música de concerto e não da música

popular ou folclórica, por exemplo.

Este subcapítulo tratará da ferramenta de estudo que selecionada para a

preparação da parte gestual da obra. A proposta escolhida para esse processo está

no livro “Técnica, Mecanismo, Aprendizaje” (2000), do violonista Eduardo Fernandez,

que trabalha como pesquisador em assuntos relativos ao violão. Fernandez nasceu

em 28 de julho de 1952, em Montevidéu, no Uruguai. Começou seus estudos com o

violão aos sete anos de idade, com o violonista Raúl Sánchez Arias e logo depois com

Abel Carlevaro. Trabalhou como professor de violão na Universidad de la República,

em Montevidéu entre 1982 e 1989 e, a partir de 2000, como pesquisador no Centro

de Investigación de Interpretación Musical da mesma universidade, no qual continua

trabalhando atualmente.21 Seu livro Técnica, Mecanismo, Aprendizaje foi publicado

pela primeira vez no ano de 2000, posteriormente sendo traduzido para o inglês.

Em seu livro, Fernandez comenta que seu objetivo é guiar o violonista para

os aspectos do estudo que não são possíveis de serem ensinados e na qual o

intérprete terá de usar da criatividade para se desenvolver, estimulando o seu senso

20 The genesis of the guitar’s major modern repertory in collaboration and its consequent inveterate instability suggests that there is nothing definitive to preserve or hand on, unless by taking the shortcut of accepting one or another text without question. Instead, guitarists may have to become used to placing themselves into something resembling the collaborative space in order to engage critically with their repertoire. At present, we are only just beginning to gather materials. Understanding them may soon become the most urgent question in guitar scholarship.

21 Informações acessadas no site do autor https://www.edufernguitar.com/biografia no dia 23 de março de 2018.

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crítico. O violonista terá de usar da sua imaginação para criar formas de resolver

problemas técnicos e mecânicos. Através da elaboração de exercícios progressivos

para trechos de difícil execução, o estudante irá aos poucos superando as dificuldades

encontradas por ele para tocar uma determinada obra. Segundo Fernandez, os

métodos tradicionais de estudo não levam em conta as sensações físicas do

estudante nos movimentos, estando sempre submetido a um ponto de vista externo.

Consideraremos alguns aspectos da proposta de Fernandez para o estudo

da obra de Birtwistle. A primeira questão é a da autoconsciência dos movimentos

corporais para desenvolver a parte gestual da obra. Serão selecionadas partes

diferentes da obra, mas com gestual aproximado, a serem estudadas em conjunto

para poder facilitar a execução dos gestos e o entendimento do material escrito, de

forma que o intérprete possa se familiarizar com os elementos presentes na obra antes

mesmo do estudo prático com o instrumento. Cabe explicar que o uso da palavra gesto

estará sendo considerado aqui como a coreografia que as mão irão realizar ao tocar

o violão.

A elaboração de exercícios retirados da partitura será feita para permitir que

variáveis dos movimentos sejam exploradas, proporcionando o domínio necessário

para desenvolver um gestual próprio do intérprete e para a obra. A prática da escrita

e alteração dos trechos será aplicada também com o objetivo de auxiliar no

desprendimento do intérprete da partitura, focando na tentativa de construir uma

interpretação mais pessoal do que idealizada na questão da fidelidade.

3. ESTRATÉGIAS DE ESTUDO

Conforme explanado no capítulo 2, as estratégias de estudo aqui utilizadas

são propostas por Fernandez (FERNANDEZ, 2000). A escrita de Construction With

Guitar Player exige, a nosso ver, a elaboração de exercícios próprios para a obra, que

não esteja dentro dos moldes tradicionais do repertório para violão.

A partitura contém uma série de indicações e informações a cada novo

compasso, variações de dinâmica inclusive dentro mesmos, variações de agógica e

ritmo em todos os compassos e uma série de indicações de articulação, além das

dificuldades mecânicas para a mão esquerda (consideraremos aqui a mão esquerda

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como sendo a que fica mais próxima do braço e irá apertar as cordas e a mão direita

a que fica mais próximo ao corpo do instrumento e move as cordas, sendo que para

canhotos deve-se inverter a função das mãos).

Para estudar de forma minuciosa cada detalhe desta obra, torna-se

necessário elaborar um programa de estudo capaz de envolver todos os elementos

mencionados acima. Portanto, a proposta de Fernandez de selecionar trechos da obra

e criar, a partir deles, exercícios de dificuldade progressiva de execução, fornece as

ferramentas requeridas para esses objetivos. Desta maneira, de forma gradual, o

intérprete poderá trabalhar com múltiplas informações de maneira consciente,

dominando cada novo elemento antes de passar para o próximo, até se chegar na

versão original.

Fernandez afirma que a dificuldade de uma obra não está na mesma e sim

na preparação do intérprete, no sentido de que uma passagem musical é o que é,

enquanto a dificuldade musical é apenas do intérprete (FERNANDEZ, 2000). O

processo de estudo deve ser, então, capaz de preparar o músico para estar apto a

tocar a obra. A proposta é de transformar a própria obra em objeto de estudo, por meio

de estratégias de estudo criadas pelo intérprete, com o intuito de se obterem reflexos

mecânicos e consciência técnica, por intermédio do gesto.

A seguir, será demonstrado como se deu a aplicação deste processo de

estudo em quatro fases. Assim também será comentando sobre os resultados obtidos

mediante a prática dos exercícios criados a partir dele.

3.1 PROCESSO DE ESTUDO

Segundo Fernandez, a sequência de estudo da obra consiste em: seleção

da passagem, digitação da passagem, construção do exercício e como trabalhar o

exercício (FERNANDEZ, 2000, p.39).

Embora a proposta do autor esteja mais focada nas dificuldades

mecânicas, principalmente da mão esquerda, aqui será trabalhado também o

processo de acúmulo de informações, seguindo o esquema geral:

a) Versão zero com as partes mais difíceis de movimentação da mão

esquerda e direita simplificadas (apenas notas sendo tocadas)

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b) Versão 1 (e quantas mais forem necessárias para resolver a

passagem)

c) Versão posterior incluindo articulação

d) Versão(ões) posterior(es) incluindo as figuras rítmicas, versão(ões)

finais incluindo agógica e dinâmica

Este esquema servirá somente como um guia, não necessariamente sendo

usado em todas as situações, pois podem haver ocasiões em que uma ou outra não

será necessária ou estará ausente, mas sempre obedecendo a ordem de dificuldade

que cada caso apresenta. A seguir, serão mostrados os passos do processo de

estudo, usando como exemplo trechos da obra.

3.1.1 Seleção das passagens:

A aplicação do primeiro passo do processo se deu selecionando passagens

(gestos) que tem alguma semelhança entre si:

Figura 24 – compasso 28

Fonte: Stephen Goss, arquivo pessoal

Figura 25 – compasso 30

Fonte: Stephen Goss, arquivo pessoal

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Tomamos como exemplo dois trechos selecionados da obra que contém

similaridades entre eles, extraídos dos compassos 28 e 30. Estudando os dois trechos

selecionados, o mesmo reflexo, ou ideia de reflexo, pode ser aplicado. Na figura 9

temos uma sequência melódica envolvendo diferentes figuras rítmicas: colcheias,

semicolcheias, fusas, quiáltera de semicolcheias, quiáltera envolvendo semicolcheias

e fusa. Na figura 10 temos: semínimas, colcheias, semicolcheias, quiáltera de

semicolcheias e fusa. Toda essa variedade de figuras, em ambos exemplos, está

presente em apenas um compasso, fator não muito comum em obras para violão de

concerto. Assim sendo, pode-se criar exercícios para estudar as sequências

melódicas, sendo que um dos passos será estudar a variação rítmica.

Criamos, para o estudo da obra de Birtwistle, um catálogo de passagens

com gestos semelhantes. Uma forma de formatar os exercícios é separar gestos

mecânicos intrínsecos ao repertório do instrumento, como: gestos escalares

(compassos, 2, 23, 29-33, etc.), sequências de acordes arpejados (compassos, 4,

46-51, etc.), passagens com acordes (compassos 1,3, 34, 35, etc.). Desta forma é

possível desenvolver grupos de exercícios para trechos de dificuldade ou

complexidade semelhantes. Para o estudo desta obra, foram observados os seguintes

aspectos presentes na partitura, que serviram de guia para a formação de grupos de

trechos a serem estudados em conjunto: sequências de acordes, sequências

melódicas, sequências com acordes e melodia simultâneos, trechos de melodias

sobrepostas, utilização de técnicas estendidas, utilização de diferentes técnicas

simultâneas, grupos rítmicos aproximados, escrita com articulação aproximada.

A obra Construction With Guitar Player, possui uma grande variedade de

elementos escritos, como indicações de dinâmica, de agógica e de articulação, sendo

que estes também foram considerados para a separação dos grupos de estudo. Para

facilitar a seleção destes grupos, uma lista inicial com características da obra foi

previamente feita com anotações sobre as variações de tempo (foram anotadas todas

as indicações de tempo presentes na obra, como por exemplo, colcheia a 52 bpm,

colcheia a 63 bpm, etc.), variações de articulação (como portatos, staccatos, legatos,

etc.), variações de dinâmica (pianíssimo, piano, forte, etc.), variações de agógica

(poco acelerando, acelerando, rallentando, etc.).

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Pode-se observar que em alguns pontos da obra, uma série de indicações

fazem parte de um mesmo gesto, como nos compassos 118, ao 126, onde estão

presentes as indicações de rallentando saindo de 72 bpm até chegar à 63 bpm,

passagem em mezzoforte diminuindo em direção a piano, fermata na última nota

aguda e na última nota grave de cada trecho. Consideramos que estes grupos com

as mesmas indicações podem ser estudados em conjunto, pois fazem parte do mesmo

gesto. Estes grupos podendo futuramente ser estudados com outros trechos com

indicações aproximadas, como dos compassos 29 ao 33.

3.1.2 Digitação

O segundo passo é a digitação da passagem. Aqui, consideraremos como

digitação, a escolha antecipada do uso dos dedos das mãos através de símbolos que

são anotados na partitura, sendo usados números para representar os dedos da mão

que está posicionada próxima ao braço do instrumento e irá apertar as cordas e letras

para representar os dedos da mão que está próxima do corpo do violão e irá mover

as cordas.

No caso do violão, a escolha de uma digitação não se resume apenas a

escolher que dedo irá apertar qual casa, mas também está relacionada ao timbre e

sonoridade. Uma mesma nota com uma mesma altura poderá ser tocada em locais

diferentes no braço do violão, e isso resultará em um timbre distinto. Sendo assim,

uma nota tocada em corda solta terá um timbre distinto se for tocada com o dedo

médio da mão direita ao invés de tocada com o dedo anelar. Assim também a mesma

nota tocada em cordas distintas também produzirá timbres diferentes.

Segundo Alípio (2010), essas múltiplas possibilidades de timbres exigem

reflexão do intérprete no momento de decidir uma digitação, devido à variedade de

resultados auditivos para uma mesma situação (ALIPIO, 2010, p.10). Ainda sobre as

variáveis da escolha de uma digitação, há que se levar em conta, segundo o violonista

Daniel Wolff, que elas devem refletir também o nível de dificuldade da obra,

característica do intérprete, espessuras da corda usada, instrumento, anatomia das

mãos dentre outros. (WOLFF, 2001, apud ALIPIO, 2010, p.11).

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Havendo tantas opções de digitação para uma única obra ou passagem, o

intérprete pode acabar fazendo escolhas incoerentes com a sua opção de

interpretação. Sobre a importância da digitação Fernandez (2000), comenta:

É necessário que a busca de uma digitação seja extremamente rigorosa e, que tenhamos a paciência de buscar todas as variáveis imagináveis, tendo sempre em conta a relação inseparável entre a digitação e o resultado musical. Digitar é já interpretar, não é simplesmente buscar a maneira mais fácil de tocar as notas. [...] [caso contrário] nossas ideias musicais correm o risco de ficarem afogadas dentro de um modo de digitação estabelecido quase que ao acaso. (Fernandez, 2000, p.15)22

A digitação da passagem deve ser pensada em conjunto com o contexto

musical, levando em conta a articulação, o timbre e a dinâmica. Neste caso a

associação musical se faz necessária, porque a digitação deverá estar pautada na

música em si (FERNANDEZ, 2000, p.44). Como resultado, cada obra terá uma

solução de digitação distinta.

A edição da obra de Birtwistle que utilizamos para o estudo não contém

nenhuma digitação escrita na partitura, ao contrário de outras edições realizadas pelo

violonista Julian Bream. Portanto, foram feitos vários testes com diferentes digitações

até se encontrar a mais adequada para este estudo. O exemplo abaixo (Figura 11)

mostra a digitação de mão esquerda feita para o início da obra, onde há uma

sequência de acordes:

22 Es necesario en la búsqueda de la digitación ser extremadamente riguroso y tener la

paciencia de buscar todas las variantes imaginables, teniendo siempre en cuenta la relación inseparable entre la digitación y el resultado musical. Esto implica también, en el fondo, una cierta familiaridad con la estética de la obra: digitar es ya interpretar, no es simplemente buscar la manera más fácil de tocar las notas [...] De otro modo, nuestras ideas musicales corren el riesgo de quedar ahogadas dentro de un marco de digitación establecido casi al azar.

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Figura 26: digitação de mão esquerda dos compassos 1 e 2

Fonte: Stephen Goss, arquivo pessoal

3.1.3 Construção do Exercício

Uma vez decidida a digitação da obra, o próximo passo – segundo a

organização proposta - é a construção dos exercícios. Fernandez propõe a criação de

uma versão simplificada da obra, que o autor intitula versão zero. Em seguida, criam-

se outras versões, acrescentando material de maneira gradual, até se chegar a

passagem em seu formato original (FERNANDEZ, 2000, p. 51). A versão zero deve

ter os aspectos principais a serem estudados na passagem selecionada, que,

progressivamente irão se unificar com o restante da obra.

Após ser feita toda a separação de trechos, organizados de tal forma que

passagens com dificuldades semelhantes possam ser estudadas em conjunto, é feita

a versão zero de cada trecho, ou de grupos de trechos que podem ser organizados

em sequência, para o desenvolvimento dos exercícios. A versão zero deve manter

parte do problema a ser solucionado, mas de maneira simplificada para que o

intérprete consiga facilmente executá-la.

Por exemplo, se temos diferentes grupos rítmicos em sequência, estes

podem apresentar uma certa dificuldade para se fazer uma leitura precisa. Uma

versão zero poderia ser feita dobrando a duração das figuras musicais, tornando a

execução mais lenta.

Uma vez dominada a passagem, ela poderá ser lida na sua versão original,

pois a estrutura rítmica estará entendida, podendo ser tocada em diferentes

andamentos. Se o andamento for um problema, estuda-se lentamente até chegar na

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velocidade exigida pela partitura, mas o problema de entendimento da estrutura

rítmica estará resolvido.

Nos casos em que a estrutura rítmica é ainda mais complexa, pode-se

excluir todas as outras indicações da partitura, deixando apenas as figuras musicais

(com altura e valor), acrescentando aos poucos os demais componentes.

No exemplo da figura 11, temos no segundo compasso, uma abertura de

posição da mão esquerda, entre os dedos 1 e 2, sendo que o dedo 1 está posicionado

na casa 1, na terceira corda e o dedo 2 na terceira casa e na sexta. Caso esse

distanciamento entre os dedos seja a parte em que o intérprete tem mais dificuldade,

uma sugestão de versão zero seria diminuir a distância entre os dedos, gerando um

acorde diferente do original. Caso fosse necessário, poderiam ser usadas notas soltas

no restante do acorde para facilitar ainda mais a sua execução. Se esse acorde não

apresentar dificuldades para o intérprete, ele pode ser incluído integralmente na

versão zero. Assim também, se o problema for a mudança do dedo 1, saindo do lá

bemol na terceira corda e se posicionando na sexta corda para produzir um fá

sustenido, a versão zero pode também diminuir a distância do traslado de

posicionamento do dedo, ou ainda usar cordas soltas para substituir outras notas

envolvidas no mesmo evento.

A seleção dos trechos para o estudo de Construction with Guitar Player foi

feita criando os seguintes grupos: sequências de acordes, melodias descendentes,

melodias ascendentes, sequências utilizando técnicas estendidas, sequências

utilizando técnicas distintas simultaneamente.

Para cada um destes grupos, a ordem de elementos para a criação da

versão zero e variantes seguintes foi: dificuldades básicas de mecânica (aqui

consideraremos como sendo posições ou mudanças de posição da mão esquerda que

apresentaram algum tipo de dificuldade, problemas com o dedilhado da mão direita

ou ainda, problemas de sincronia entre as mãos), dificuldades de articulação (nos

casos em que não havia problemas na articulação das notas, ela foi incluída na versão

zero), dificuldades com a leitura e/ou execução da parte rítmica, dificuldades com a

dinâmica e agógica (na maior parte dos casos estas não apresentaram dificuldades

em si, mas foram excluídas da versão zero e das primeiras variações pelo excesso de

material a ser estudado nos trechos).

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Esta forma de organizar os exercícios foi escolhida levando em

consideração a obra, as escolhas pessoais de interpretação e as dificuldades técnicas

pessoais, sendo que, para outra obra, outro intérprete ou outras escolhas

interpretativas, os exercícios provavelmente seriam elaborados e organizados

diferentemente. A seguir, iremos demonstrar como foi feito o processo de estudo dos

trechos de acordes da obra.

3.1.4 Aplicação do Exercício

Esta obra de Birtwistle contém, como na maioria do repertório violonístico,

diversas passagens com acordes. Estes aparecem, muitas vezes, escritos de

diferentes formas. Procuramos, então, criar grupos de acordes com escrita

semelhante, o que resultou nos seguintes grupos: sequências de acordes com figuras

rítmicas complexas e notas comuns entre eles (ressonâncias), sequências de acordes

nos quais será necessário o uso de diferentes técnicas, sequências de acordes

arpejados, sequências de acordes com melodia e sequência de acordes sem outros

elementos presentes.

Desta forma, pode-se estudar os acordes nas suas diferentes

possibilidades de escrita presentes na obra, sem necessariamente ter que criar

versões zero para cada caso em particular. Lembrando que isso estará reforçando

também a parte gestual da interpretação.

O primeiro grupo de acordes a ser estudado foi o de acordes sem outros

elementos presentes, pois este foi considerado o mais simples. Os compassos que

contém esses trechos são: 34, 35, 85 (figura 27), 89 (figura 28), 100 (figura 29), 104

(figura 30), 105,106,168. As versões zero foram criadas pensando nas dificuldades de

execução. Por exemplo, foi criada uma versão zero, unindo os acordes dos

compassos 85, 89, 100 e 104, uma vez que compreendemos que o gesto é o mesmo

para todas as passagens.

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Figura 27: compasso 85

Fonte: Stephen Goss, arquivo pessoal

Figura 28: compasso 89

Fonte: Stephen Goss, arquivo

pessoal

Figura 29: compasso 100

Fonte: Stephen Goss, arquivo

pessoal

Figura 30: compasso 104

Fonte: Stephen Goss, arquivo

pessoal

A diferença entre os compassos 85 (figura 27) e 100 (figura 29) está apenas

na dinâmica, sendo que o primeiro deve ser tocado em fortíssimo e o segundo em

piano. Assim também a diferença entre os compassos 89 (figura 28) e 104 (figura 30)

é pequena, sendo que no primeiro a sequência de notas graves é Si bemol, Si, Fá, Si

e no compasso 104 é Dó, Si bemol, Fá, Si Bemol. Em relação à dinâmica, as notas do

compasso 89 devem ser tocadas em forte e no compasso 104 em fortíssimo, indicado

no compasso anterior. Para fazer uma versão zero para estes trechos, foram

ordenando os compassos de acordo com a sua semelhança, formando a seguinte

sequência: compasso 85, 100, 89, 104.

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Figura 31: junção dos compassos

Fonte: elaboração própria

Consideramos neste caso que a digitação de cada trecho deve ser feita

anteriormente, tendo em vista o contexto em que cada trecho está inserido, sendo que

aqui estaremos estudando a parte gestual, usando trechos com características

semelhantes, mas que não formam um conjunto em si.

Como todas as notas têm uma articulação específica, em outros casos

evitamos o uso de cordas soltas, desta maneira a articulação pode ser feita apenas

com o uso da mão esquerda. Mas com a nota Mi estando duplicada, utilizamos corda

solta e presa, para obter o som desejado. Deve-se levar em conta no momento de

fazer a digitação também o timbre, como antes mencionado, para escolher o dedilhado

que esteja de acordo com a interpretação escolhida para o restante da obra.

Figura 32: dedilhado mão esquerda

Fonte: elaboração própria

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Figura 33: versão zero

Fonte: elaboração própria

Pode-se observar na figura dezessete, uma abertura da mão esquerda

entre as notas Si bemol, apertada na quinta corda e primeira casa e a nota mi,

apertada na segunda corda e quinta casa. Para a versão zero da passagem esta nota

Mi foi transformada em Ré, sendo que em uma primeira variação, ela será mudada

para Ré sustenido e em uma terceira variação passa para o original, nota Mi. Assim

como o translado transversal do dedo 1 que está produzindo a nota Si na quinta corda

e na segunda casa, saindo desta posição para um fá na quarta corda e terceira casa.

Esta nota na versão zero foi substituída pela nota dó, fazendo assim,

apenas o traslado horizontal, em lugar do transversal. Podemos considerar já na

primeira variação a versão original deste trecho. Por último, observamos o translado

transversal do dedo 1 novamente, saindo de uma nota Fá na quarta corda e terceira

casa, indo para um Si bemol, na quinta corda e primeira casa. Essa nota final também

foi alterada para que a mão esquerda faça o traslado apenas horizontalmente na

versão zero e voltando à nota original na versão 1. A versão final desta passagem

inclui a dinâmica, que nas outras versões foi omitida. Em passagens mais complexas,

pode-se fazer uma variação para cada nova mudança, resultando em tantas variações

quanto forem necessárias para uma interpretação de fácil execução.

Os compassos 34 e 35 possuem uma grande sequência de acordes.

Portanto, esta passagem foi estudada individualmente, como também o compasso

168. Os compassos 105 e 106, da mesma forma, foram estudados como uma única

passagem. Uma vez estudados todos os grupos de acordes semelhantes, passa-se

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para o próximo grupo de acordes, até terem sido estudadas todas as passagens com

acordes da obra.

O estudo de acordes não precisa ser feito em toda a sua totalidade para se

começar a estudar as passagens melódicas. Neste caso, ele foi feito paralelamente

ao de melodias, sendo que em uma mesma seção foram estudadas passagens com

semelhanças entre elas, seja por semelhança de região do braço, de articulação,

semelhanças rítmicas ou quando elas se complementam estruturalmente na obra.

Outros exemplos da obra que foram estudados conjuntamente são os

trechos em que as notas mais agudas devem ser tocadas em harmônicos, enquanto

o baixo e restante das notas são naturais. Estes eventos ocorrem nos compassos 20,

38, 62, 74, 116, 117 e 118, sendo que na segunda parte do compasso 38, é exigido o

uso do pizzicato nas notas mais graves, portanto, esta parte do compasso foi estudada

separadamente do grupo, para depois ser incluída.

Em algumas passagens com mudanças de gestos ou técnicas, foram feitas

versões zero, para permitir o intérprete de realizar as transições com facilidade. Um

exemplo disso são os compassos 38 e 39. No início do compasso 38 temos notas

agudas em harmônicos e as notas restantes naturais, que ainda no mesmo compasso

passam a ser tocadas com meio pizzicato e no compasso seguinte são tocadas com

a mão esquerda, pelo uso do tapping. Esta técnica será usada em alternância com

notas naturais nos próximos 15 compassos. Esta alternância do uso de técnicas

também foi estudada individualmente.

Uma vez que todos os grupos de trechos com mesmos gestos ou gestos

aproximados foram estudados, assim como as transições entre diferentes técnicas, a

obra de Birtwistle foi estudada em sua versão completa do início ao fim.

3.2 DISCUSSÃO SOBRE OS RESULTADOS OBTIDOS

Primeiramente falaremos sobre as colaborações artísticas entre compositor

e intérprete. O entendimento dessas relações foi muito importante para a pesquisa,

porque nelas podemos perceber que, por vezes, nessas colaborações o intérprete

atua como revisor e até como coautor em alguns casos, sugerindo mudanças de

passagens, mudança de alturas nas notas, alterando ordem de

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movimentos em caso de peças como suíte ou sonatas por exemplo. Conhecer essas

relações pode ajudar a entender em que contexto a peça foi construída. Neste sentido

a peça em questão, Construction With Guitar Player, objeto de nossa pesquisa, tem

essa colaboração no nome, além de fazer menção a obra de Picasso (Construction

with Guitar Player and Violin, Paris, 1913 – vide anexo 3), foi elaborada à quatro mãos:

o compositor Birtwistle, o autor da encomenda Julian Bream (por intermédio do projeto

The Julian Bream Trust), Jonathan Leatwood, editor e revisor da obra e Andrey

Lebedev, intérprete que realizou a estreia. Neste aspecto, pesquisar, refletir e

entender essas relações foi muito proveitoso em nossa pesquisa.

Do aspecto prático, à primeira vista, o estudo da obra Construction With

Guitar Player, com o uso das ferramentas propostas por Eduardo Fernandez, foi um

processo detalhado e com extensa parte escrita fora da partitura. A versão da obra

com que trabalhamos nesta pesquisa possui 14 páginas, sendo que os exercícios para

o estudo da obra possuíam no mínimo 2 vezes mais material.

Podemos dizer que através deste método o intérprete irá escrever

possivelmente 3 vezes mais páginas do que a obra originalmente tem, dando a

impressão de ser demasiado trabalho escrito e pouco trabalho prático com o

instrumento. Em relação a isso, Fernandez considera que a qualidade do tempo que

se passa com os exercícios criados por este procedimento é maior, requerendo ao

intérprete menos tempo para resolver as dificuldades técnicas do que a metodologia

tradicional.

O autor ainda acrescenta: “Além disso, estas técnicas têm toda a intencao

e, ao menos na minha experiência, a capacidade de reincorporar ao trabalho musical,

a sensacao indispensável do jogo criativo”23 (FERNANDEZ, 2000, p.9).

A organização do estudo em grupos de gestos iguais ou aproximados

facilitou o estudo em dois pontos: primeiramente, permitiu ter a noção, antes de

começar o estudo prático, das técnicas, ornamentações, estrutura rítmica, densidade

de material, variação de dinâmica e agógica e articulação presentes na obra; em

segundo lugar, nos aproximou do tipo de escrita musical utilizados, na medida em

23 Además, estas técnicas tienen toda la intención, y al menos em mi experiência, la

capacidade de reincorporar al trabaljo musical la sensación indispensable del juego creativo.

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que, escrevendo e reescrevendo a obra por trechos nos proporcionou ter uma visão

mais detalhada dos acontecimentos musicais e do estilo próprio do compositor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A relação entre compositor e interprete no contexto de obras para violão

solo no século XX e XXI, foi de muita importância para formação do repertório original,

por intermédio de encomendas e pedidos de violonistas como Miguel Llobet, Andres

Segovia, Julian Bream, Narciso Yepes, Eliot Fisk, David Starobin, Magnus Andersson,

John Williams, Turibio Santos dentre outros. Tivemos a oportunidade de acrescentar

em nosso repertório obras de importantes nomes da música de concerto por

intermédio dessas colaborações artísticas. Por meio desta pesquisa podemos tomar

como modelo os processos colaborativos envolvendo o compositor Birtwistle em sua

obra Construction with Guitar Player, quem envolve não só uma colaboração, mas

duas, entre Julian Bream por meio do projeto The Julian Bream Trust e Jonathan

Leathwood, que colaborou com Birtwistle na criação da obra.

Tivemos acesso ao artigo onde Leathwood trata do assunto colaboração, e

por meio deste, podemos perceber como se deu sua atuação em um trabalho a quatro

mãos. Na segunda parte da pesquisa onde tratamos de procedimentos de estudos de

passagens da obra de Birtwistle, podemos testar estratégias de Fernandez, estas que

fogem ao modelo tradicional de estudo abordadas em sua grande maioria em

conservatórios e universidades de música. Onde há um processo de desconstrução e

reconstrução de passagens de obras, podemos notar uma semelhança com o

processo de análise de uma obra, só que aqui estamos lidando como procedimentos

técnicos e mecânicos.

A construção destes exercícios nos ajudou a compreender melhor o

funcionando de processos técnicos e mecânicos de uma passagem, assim como

também assimilar melhor o conteúdo musical de uma obra (de novo, como em uma

análise).

Esperamos com essa pesquisa possa trazer uma pequena contribuição aos

assuntos abordados, dentro do contexto de obras para violão solo no século XX e XXI,

de compositores ligados a Julian Bream e que os mesmos possam ser

experimentados e discutidos na comunidade acadêmica e por interessado.

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ANEXOS

ANEXO 1. CONSTRUCTION WITH GUITAR PLAYER, EDIÇÃO LEATHWOOD, THIRD DRAFT, 1 DECEMBER 2013

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ANEXO 2. MANUSCRITO DE CONSTRUCTION WITH GUITAR PLAYER

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ANEXO 3. CONSTRUCTION WITH GUITAR PLAYER AND VIOLIN,

PARIS, 1913, IN "PICASSO: GUITARS 1912-1914" AT THE MUSEUM OF MODERN

ART