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46 B. TÉC. SENAC, R IO DE J ANEIRO,  V . 32, N. 1, jan./abr., 2006.

ENTREVISTA

 Jamil:  Prof. Cordão, fale-nos um pouco sobr e como o senhor setornou uma autoridade no campoda educação profissional, seja peloconhecimento geral que detém, seja pelo conhecimento profundo darespectiva legislação.

Cordão: Em 1971, eu era professorde Filosofia no Colégio EstadualProf. Gualter da Silva, na regiãosudeste da cidade de São Paulo, no

bairro do Ipiranga. Foi quando tomeiconhecimento de que uma nova Leide Educação implantaria uma novareforma na Educação Básica Brasileira,nos níveis do então ensino de 1º e de2º graus, os quais assumiriam caráterprofissionalizante: no ensino de 1ºgrau, sob a forma de informaçãoprofissional e de sondagem deaptidões; no ensino de 2º grau, soba forma de habilitação profissional.Nesse novo arranjo curricular não

Profissional. Aí o filósofo se obrigoude vez a tornar-se um especialista emeducação profissional. Mais do queespecialista, acabei me tornando umapaixonado pela causa da educaçãoprofissional.

No inicio da década de 1980,fui nomeado Conselheiro Titular doConselho Estadual de Educação deSão Paulo. Integrar um ConselhoEstadual de Educação, indicado por

uma Instituição dedicada à formaçãoprofissional, cujo trabalho sequer erareconhecido como educacional porgrande parte dos especialistas da Academia, colocou-me um grandedesafio: ou eu me afirmava comoum respeitado especialista na área daeducação profissional, em condiçõesde defender essa Educação Profissionalnos fóruns acadêmicos, ou sequer seriarespeitado como educador. Comoconselheiro, tinha um claro desafio: ou

EDUCAÇÃO P ROFISSIONAL :CIDADANIA  E TRABALHO.

haveria mais lugar para aulas defilosofia. Assim, tive que procurarnovo emprego e fui recrutado peloSesc – Serviço Social do Comércio. NoSesc de São Paulo, fui trabalhar emum interessante projeto de orientaçãoe informação profissional de alunosdas redes públicas de ensino de 1º ede 2º graus, denominado Projovem –Projeto Jovem Profissão. Na execuçãodo projeto, acabei entrando no mundoda educação profissional.

  O rigor do pensamento filosóficome conduziu a tornar-me umespecialista em educação profissional,atuando em uma entidade voltadabasicamente para atividades delazer sócio-educativo. Tornadoconhecido pelo trabalho desenvolvidoe pelo conhecimento na área, veio oconvite para um novo emprego noSenac de São Paulo, onde assumiuma das Diretorias de Educação

Os Professores Francisco Cordão e Jamil Curry conviveramcomo conselheiros na Câmara de Educação Básica doConselho Nacional de Educação no período de 1998 a2004. Renomados especialistas em legislação tiveram

 participações destacadas no CNE, onde Cordão foi relatordas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação

 Profissional e Jamil o relator das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos. Cordão

também relatou os parecer CNE/CEB 39/2004, quedispõe sobre a Aplicação do Decreto nº 5.154/2004 na

 Educação Profissional Técnica de nível médio e no Ensino Médio e, recentemente, o parecer CNE/CEB nº 16/2005,

 Proposta de Diretrizes Curriculares Nacionais para a área profissional de Serviços de Apoio Escolar. Na entrevista

 para o BTS, os educadores apresentam uma retrospectivados dispositivos legais e das transformações ocorridas no

campo da educação profissional a partir da promulgaçãoda atual Lei 9394/96, a Lei de Diretrizes e Bases da

 Educação Nacional. Analisam as Diretrizes Curriculares Nacionais definidas pelo Conselho Nacional de Educação para a educação profissional, após a LDB, destacando as

 prioridades educacionais do Brasil para os próximos anos,tanto em relação à educação básica quanto à educação

 profissional.

Prof. Francisco Aparecido

Cordão 

 Ex-Presidente e Conselheiro da Câma-

ra de Educação Básica do Conselho

 Nacional de Educação. Diretor Pre-

 sidente da Consultoria Educacional

 Peabiru Ltda – Consultores Associados

em Educação. Consultor Educacional

do Senac – Departamento Nacional.

 E-mail: [email protected] 

Prof. Carlos Roberto

 Jamil Cury 

 Professor do Programa de Pós-graduação

da PUC-MG e Professor-Émérito (aposenta-

do) da UFMG. Ex-Conselheiro da Câmara

de Educação Básica do Conselho Nacional

de Educação e Ex - Presidente da CAPES.

 E-mail: [email protected] 

1 Entrevista hecha el 06 de julio de 2005, por teléfono.

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conhecia profundamente a legislaçãoeducacional brasileira e internacional,de sorte a contribuir para seuaprimoramento e para a inserçãodefinitiva da educação profissionalno universo educacional, ou perdiaa oportunidade de efetivamente

contribuir, caindo na mediocridade. Ésabido, entretanto, que mediocridadenão combina nem com Filosofia enem com Educação, muito menoscom cidadania. Não tive outra escolha:era estudar ou estudar; dedicar-me àscausas da educação, em especial, daeducação profissional, ou dedicar-me; conhecer ou conhecer. A minhaopção foi pela dedicação, estudo,conhecimento, especialização,produção de documentos: indicações,

pareceres, resoluções e deliberações.Enfim, escolhi contribuir parao aprimoramento da legislaçãoeducacional brasileira em relaçãoà educação profissional, em termosde Educação para o Trabalho e aCidadania.

 Jamil: A ênfase na educação básicanão tem ofuscado a presença ea divulgação sobre a educação profissional? 

Cordão: Creio que não, até porquea educação profissional não deveassumir o lugar da educação básica.Ela se assenta sobre uma sólidaeducação básica e é complementarà essa educação básica do cidadão.Costumo dizer que, a rigor, após aeducação básica, tudo é educaçãoprofissional. Eu registrei isso noParecer CNE/CEB nº 16/1999 e oreafirmei no Parecer CNE/CP nº29/2002.

De acordo com a atual LDB,o ensino médio é claramentecaracterizado como “etapa final daeducação básica” de consolidação eaprofundamento “dos conhecimentosadquiridos no ensino fundamental, possibil itando o prosseguimentode estudos ” e o “desenvolvimentoda autonomia intelectual e do pensamento crítico”. Objetiva acompreensão dos fundamentoscientíficos e tecnológicos dos

processos produtivos. O ensinomédio visa à “ pr eparaçãobásica para o trabalho e acidadania do educando, paracontinuar aprendendo, demodo a ser de capaz de seadaptar com flexibilidade à nova

condição de ocupação ou deaperfeiçoamentos posteriores ”.Esta é uma exigência essencial nasociedade do conhecimento.  A iniciativa de articulaçãodesse ensino médio com aEducação Técnica de NívelMédio é de responsabilidade daspróprias escolas, na formulaçãode seus projetos pedagógicos,objetivando uma passagem fluentee ajustada da educação básica

para a educação profissional. Cabeaos seus gestores estimular e criarcondições para que essa articulaçãocurricular se efetive entre as escolasmédias e técnicas, principalmenteapós a edição do Decreto nº5.154/2004. A educação básica éum importante requisito para que sepossibilite a efetiva preparação “ parao exercício de profissões técnicas ”,de forma facultativa, desenvolvida“nos próprios estabelecimentos deensino médio ou em cooperaçãocom instituições especializadas emeducação profissional ”.  O Parecer CNE/CEB nº 16/1999já destacava que “a educação profissional, na LDB, não substituia educação básica e nem com elaconcorre. A valorização de uma nãorepresenta a negação da importânciada outra”. A melhoria da qualidadeda educação profissional pressupõeuma educação básica de qualidade, aqual constitui condição indispensável

para o êxito num mundo dotrabalho pautado pela competição,pela inovação tecnológica e pelascrescentes exigências de qualidade,produtividade e conhecimento. Abusca de um padrão mínimo dequalidade, desejável e necessáriopara qualquer nível ou modalidade deeducação, deve ser associada à buscada eqüidade, como uma das metas daeducação nacional. A integração entrequalidade e eqüidade será a via a ser

utilizada para superar os dualismosainda presentes na educaçãoe na sociedade. As prioridadeseducacionais do Brasil, para os

próximos anos, são as da consolidaçãoda universalização do ensinofundamental, obrigatório e gratuito,na idade própria e, progressivamente,a universalização da educaçãoinfantil, gratuita e de responsabilidadeprioritária dos municípios, bemcomo do ensino médio, comoprogressivamente obrigatório, gratuitoe de responsabilidade primeira dosEstados. A nova Lei do Fundeb, emtramitação no Congresso Nacional,

deverá facilitar o cumprimento dessasmetas educacionais.

 Jamil:  Pr of . Cordão, dê -nosum quadro da organizaçãonacional federativa da educação profissional. Mais do que um quadroorganizacional, propicie-nos umquadro real de matrículas no país,explicitando quem oferece a educação profissional, além de instituiçõesclássicas e de referência como o Senac,o Senai e a Fundação Paula Souza.

Cordão: O quadro atual da educaçãoprofissional no Brasil, em termos deorganização nacional federativa, éo seguinte: com atuação nacional,temos a Rede Federal de EducaçãoProfissional Técnica e Tecnológica,a qual completará cem anos deexistência proximamente, em 2009. ARede Federal de Educação ProfissionalTécnica e Tecnológica está presentee atua em todas as Unidades da

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Federação. Com uma atuaçãosignificativa e reconhecida como

de excelência, em todos os níveisda educação profissional, existemoutras duas redes de unidadesde Educação Profissional: umado Senai – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, criado em1942, e a outra do Senac – ServiçoNacional de Aprendizagem Comercial,criado em 1946. Completam essasredes chamadas impropriamentede “Sistema S”, o Senar – ServiçoNacional de Aprendizagem Rural,

o Senat - Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte e oSebrae - Serviço Brasileiro de Apoioàs Pequenas e Médias Empresas.Estes três últimos não atuam na áreada Educação Profissional Técnica eTecnológica, exceção feita ao Sebraede Minas Gerais, que oferece em BeloHorizonte um curso de Técnico denível médio voltado para a formaçãodo empreendedor.

Contamos, ainda, com RedesEstaduais de Educação ProfissionalTécnica e Tecnológica. A maisimportante delas é a Rede do CentroEstadual de Educação Técnica eTecnológica Paula Souza, em SãoPaulo, a qual conta com mais de120 escolas técnicas e quase duasdezenas de Faculdades de Tecnologiaespalhadas em todo o território doEstado de São Paulo. Em outrosestados existem órgãos específicosdedicados à Educação ProfissionalTécnica de nível médio, como é o

caso da Suepro – Superintendênciada Educação Profissional no Estadodo Rio Grande do Sul e da Faetec-Fundação de Apoio à Escola Técnicano Estado do Rio de Janeiro. Outrosestados brasileiros estão organizandoRedes de Educação Profissional

Técnica no respectivo estado, umaparte, sob o comando das Secretariasde Ciência e Tecnologia e outra sobliderança das respectivas SecretariasEstaduais de Educação. Cada vez mais,as Secretarias Estaduais de Educaçãoestão desembarcando das tarefasreferentes à Educação ProfissionalTécnica e Tecnológica e se dedicandoprioritariamente à educação básica.Contamos, também, com significativarede privada de Educação Profissional

Técnica e Tecnológica, a qual vemdesempenhando importante papelna difusão da Educação ProfissionalTécnica e Tecnológica no Brasil.

 A titulo de ilustração, apresen-tamos, a seguir, alguns dados retiradosdo Censo Escolar de 2003, organizadopelo Inep – Instituto Nacional deEstudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Esses dados indicamque o país possuía, em 2003, umtotal de 2.789 estabelecimentosque ofereciam cursos de EducaçãoProfissional Técnica de Nível Médio,contando com, aproximadamente,600 mil alunos e com 248 milformandos em 2002. Esse quantitativoaumentou, e muito, nos últimos trêsanos, especialmente em relação àEducação Profissional Tecnológica,de graduação, de nível superior.  A Região Sudeste concentra omaior número de estabelecimentosque ministram cursos técnicos.São 1.884 unidades, sendo que o

Estado de São Paulo é responsávelpor 41,7% do total nacional. Vem,em seguida, a Região Sul, com516 estabelecimentos; a RegiãoNordeste, com 220 estabelecimentos;e as Regiões Centro-Oeste e Nortecom, respectivamente, 106 e 60estabelecimentos. O predomínio, daordem de 71,1%, é das instituiçõesprivadas. Os estabelecimentosestaduais são da ordem de 19,8%,os federais de 5%, e os municipais de

4,1%. A concentração de matrículas se

dá nos estados das Regiões Sudeste,com 67,6%, e Sul, com 18,6%.

Quanto aos cursos de graduaçãoem Educação Profissional Tecnológica,também segundo dados do Inep,havia em 2002 cerca de 81,3 milmatrículas, contra 45 mil em cursos

seqüenciais de formação específica, e3,5 milhões de matrículas em outroscursos de graduação presenciais.

É significativa a velocidade comque têm aumentado os números dasmatrículas nos cursos de graduaçãotecnológica. Os cursos tecnológicos,entre 2000 e 2002, cresceram 74,7%e o número de matrículas cresceu29%. No mesmo período, os cursosde graduação tradicionais, nestes doisanos, cresceram 36%.

 Jamil : Quais são, se as há, as formasde financiamento da educação profissional ? 

Cordão: É complexa essa questãodo financiamento da educaçãoprofissional. As Redes PúblicasFederais e Estaduais de EducaçãoProfissional são financiadas comrecursos do Tesouro e, em especial,da parcela de orçamento já carimbadapara a Educação, ou seja, do mínimode 18% para a União e do mínimo de25% para os estados, o Distrito Federale os municípios. As instituições dochamado Sistema S são financiadascom uma contribuição compulsóriados empregadores, da ordem de 1%sobre a folha de pagamento de seusfuncionários.  Existem estudos em andamento,objetivando a criação de um eventualfundo especifico para a educaçãoprofissional pública. O fundo hoje

existente é destinado apenas aosprogramas de qualificação e re-qualificação de trabalhadores, noâmbito da chamada Formação Iniciale Continuada de Trabalhadores.Trata-se do FAT – Fundo de Apoioao Trabalhador, administrado peloMinistério do Trabalho.

 Jamil:  Em que medida a LDB deuum novo enfoque à educação profissional? 

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Cordão: A educação profissional éconcebida pela atual LDB – a Leide Diretrizes e Bases da EducaçãoNacional, como “integrada àsdiferentes formas de educação, aotrabalho, à ciência e à tecnologia”,com o objetivo de conduzir “ao

 permanente desenvolvimento deaptidões para a vida produtiva”(artigo 39).  Mas nem sempre foi assim. NoBrasil, a formação em educaçãoprofissional, ou então, a educaçãopara o trabalho, tradicionalmente,não tem sido colocada na pauta dasociedade brasileira como parte daeducação universal. Até meadosda década de oitenta do séculopassado, ela ainda era associada ao

conceito de “formação de mão deobra”, reproduzindo um dualismopresente na sociedade brasileira entreas “elites” e a maioria da população.Esse dualismo é fruto de nossaherança colonial e escravista, queinfluenciou negativamente, de formapreconceituosa, as relações sociaisentre as chamadas “elites condutoras”e os operários, em especial aquelesque executam trabalhos manuais.Essa visão de sociedade influencioudecisivamente a visão de educaçãoprofissional.  Não é possível esquecer que aescravidão, no Brasil, perduroupor mais de três séculos. Duranteesse período, independentementeda boa qualidade do produto ou doserviço executado, ou mesmo de suaimportância na cadeia produtiva, ostrabalhadores que executavam osserviços e respondiam pela qualidadedo produto de seu trabalho sempreforam relegados a uma condição

social inferior. Eram escravos, nãoeram cidadãos. Para eles não se reco-nhecia o direito à educação escolaracadêmica, pois esta era vista comodesnecessária para a formação da“mão-de-obra”.  Essa desvinculação entre educaçãoescolar e formação profissional parao trabalho perdurou até meados doséculo passado, pois as atividadeseconômicas predominantes nasociedade brasileira não exigiam

educação básica regular, mesmopara a educação profissional formal. A formação profissional, no Brasil,sempre foi reservada, desde as suasorigens, às classes menos favorecidas,àqueles que necessitavam engajar-sede imediato na força de trabalho, e que

tinham pouco acesso à escolarizaçãobásica regular.  No inicio do século XX, oensino profissional continuoumantendo, basicamente, o mesmotraço assistencial herdado do períodoImperial, isto é, de um ensinoprofissional voltado para os menosfavorecidos socialmente, para osórfãos e demais “desvalidos da sorte ”. Paulatinamente, entretanto,à essa orientação assistencialista,

focada no atendimento a menoresabandonados, foi sendo agregadauma outra orientação, consideradacada vez mais relevante, que é a depreparar operários para o trabalho.  Em 1910, Nilo Peçanha, entãoPresidente da Republica, instalou 19escolas de aprendizes e artífices, em várias regiões do país. Essas escolas, voltadas mais para a área industrial,de forma similar aos Liceus de Artese Ofícios, acabaram se tornandoo primeiro passo efetivo para aimplantação de uma Rede Federalde Educação Profissional Técnica eTecnológica no Brasil.  Até o inicio da década de quarentado século passado, a formaçãoprofissional praticamente se limitavaao treinamento operacional para umaprodução em série e padronizada. Eraa época da incorporação maciça deoperários semi-qualificados, os quaiseram adaptados para o exercício defunções específicas nos respectivos

postos de trabalho, desempenhandotarefas simples, rotineiras e previamenteespecificadas e delimitadas. Apenasuma pequena minoria de trabalhadorescarecia desenvolver competênciasprofissionais em níveis de maiorcomplexidade. Em virtude da rígidaseparação entre planejamento,supervisão e controle de qualidade,de um lado, e de outro, a execução detarefas previamente definidas e bemdelimitadas, quase não havia margem

de autonomia ao trabalhador engajadona linha de produção. Assim, omonopólio do conhecimento técnicoe organizacional, quase sempre, cabiaapenas aos trabalhadores de nívelgerencial. Nesse contexto, a baixaescolaridade da massa trabalhadora

sequer era considerada grave entravepara o desenvolvimento econômicoda Nação.  A Constituição Brasileira outorgadapelo regime ditatorial do EstadoNovo, liderado por Getúlio Vargas,em 1937, previa, em seu artigo 129,a existência de “escolas vocacionaise pré-vocacionais ”, como um “deverdo Estado”, para com as “classes  menos favorecidas ”, o que deveriaser cumprido com a “colaboração

das indústrias e dos sindicatoseconômicos ”, as chamadas “classes produtoras ”, as quais deveriam,“criar, na esfera de sua especialidade,escolas de aprendizes, destinadas aos filhos de seus operários ou de seusassociados ”.  Essa determinação constitucionalrelativa ao ensino vocacional e pré- vocacional possibilitou a criação, em1942, do Senai, e em 1946, do Senac.Possibilitou, ainda, a organização daRede Federal de Estabelecimentos deEnsino Industrial, tomando-se comobase a antiga rede de escolas deaprendizes e artífices, que foram re-aparelhadas para funcionarem comoEscolas Técnicas Federais. Comisso, consolidou-se a implantaçãoda educação profissional no Brasil,embora ainda esta continuasse

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a ser tratada de forma bastantepreconceituosa e considerada uma“educação” de segunda categoria.  A primeira LDB, a Lei nº 4.024/1961,conseguiu superar esse dualismo eequiparar o ensino profissional, doponto de vista da equivalência e da

continuidade de estudos, para todosos efeitos, com o ensino acadêmico,sepultando de vez, formalmente, aomenos do ponto de vista legal, a velha e tradicional dualidade entre umensino destinado às “elites condutorasdo país ” e um outro ensino para osoperários e os “desvalidos da sorte ”. A partir dessa 1ª LDB, todos os ramose modalidades de ensino do mesmonível passaram a ser equivalentes,garantindo os mesmos direitos, em

termos de continuidade de estudosnos níveis superiores subseqüentes.  Essa primeira LDB brasileira foilogo reformada e remendada, antesmesmo que completasse dez anos deexistência. Em 1968 sofreu o primeiroremendo, com a Lei nº 5.540/1968,que define diretrizes e bases paraa reforma do ensino superior. Em1971, essa LDB sofreu um segundoremendo, com a Lei nº 5.692/1971,a qual define diretrizes e bases paraa reforma do ensino de 1º e de 2ºgraus. Com a implantação dessa re-forma de 1971, como a educaçãoprofissional deixou de ser limitada àsinstituições especializadas, as quais,bem ou mal, estavam aparelhadas paraessa oferta de serviços específicos,a responsabilidade pela oferta daeducação profissional técnica de nívelmédio ficou difusa e recaiu, também,sobre os já combalidos sistemasestaduais de ensino secundário, osquais se encontravam às voltas com um

processo de acelerada deteriorizaçãoimposta pela pressão decorrente dointenso crescimento quantitativo doensino fundamental em aceleradoprocesso de universalização edemocratização.  Essa situação caótica interferiupouco nas instituições especializadasem educação profissional, tais como oSenai, Senac e outras poucas escolastécnicas, públicas e privadas, dentre asquais se destacam as Escolas Técnicas

Federais, as quais, por ironia dodestino, acabaram se tornando escolasde elite, abrigando alunos que, em suamaioria, não estavam orientados parao mundo do trabalho e sim para aeducação superior pública, também, jáelitizada. Se essa interferência não foi

significativa na qualidade dos serviçosde educação profissional ofertadapelas instituições especializadas, omesmo não pode ser dito em relação

... a educação

 profissional foi

concebida pela

atual LDB, comum novo enfoque,

entendo-a como

“integrada às

diferentes formas

de educação, ao

trabalho, à ciênciae à tecnologia”

tecnologia

39), tendo por “ finalidade, o plenodesenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadaniae sua qualificação para o trabalho”(art. 2º).  Para a implantação da reforma daeducação profissional preconizada

pela LDB, com um novo enfoque,mais moderno e voltado para asexigências de um mundo do trabalhoem constante mutação, a Câmara deEducação Básica do Conselho Nacionalde Educação definiu, como parte dasDiretrizes Curriculares Nacionaispara a Educação Profissional, umasérie de procedimentos a seremadotados pelos sistemas de ensinoe pelas escolas, na organização e noplanejamento dos cursos técnicos de

nível médio, quais sejam:1. o atendimento às demandas doscidadãos, do mercado e da sociedadeem sintonia com as exigências dodesenvolvimento sócio-econômicolocal, regional e nacional;  2. a conciliação das demandasidentificadas com a vocação e acapacidade institucional da escolaou rede de ensino e suas reaiscondições de viabilização daspropostas apresentadas;  3. a identificação de perfisprofissionais próprios para cada curso,em função das demandas identificadase em sintonia com as políticas dedesenvolvimento sustentável dopaís.  Os perfis profissionais de con-clusão, próprios para cada curso, emfunção das demandas identificadasno mundo do trabalho, definema identidade dos cursos a seremoferecidos.

 A competência para sua definição

é da própria escola, obedecidas asDiretrizes Curriculares Nacionaisdefinidas pelo Conselho Nacional deEducação, as normas complementaresdefinidas pelos respectivos sistemasde ensino, e as exigências de cadainstituição de ensino, nos termos dosrespectivos projetos pedagógicos.

 Jamil:  Hoje a educação geral, aícompreendida a etapa do ensinomédio, tornou pré-requisito ou co-

requisito da educação profissional ?

aos sistemas públicos de ensinosecundário. Estes não receberam onecessário apoio para a oferta de umensino profissional que apresentasse

a qualidade compatível com asexigências desenvolvimentistas dopaís e ainda tiveram que reduzir a cargahorária antes destinada à educaçãobásica do cidadão, para destiná-la àuma pseudo-profissionalização.  Este é o contexto no qual aeducação profissional foi concebidapela atual LDB, com um novoenfoque, entendo-a como “integradaàs diferentes formas de educação, aotrabalho, à ciência e à tecnologia” (art.

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 Por quê ? Em outros termos: por quea educação geral do ensino médio se impôs como obrigatória para aeducação profissional ? 

Cordão:  Porque a EducaçãoProfissional Técnica de nível

médio se assenta sob uma sólidaeducação básica. A Educação Pro-fissional Técnica de nível médioestá intimamente relacionada como ensino médio. Ela deve ser“desenvolvida em articulação como ensino regular ” (artigo 40) e édestinada a egressos ou matriculadosno “ensino fundamental, médio e superior ” (parágrafo único do artigo39), com o objetivo de conduzir“ao permanente desenvolvimento de

aptidões para a vida produtiva” (artigo39). Nesse sentido, pode aproveitarconhecimentos adquiridos em outroscursos de “educação profissional,inclusive no trabalho” (artigo 41).Entretanto, sua relação com oensino médio é diferente. Este devegarantir os conhecimentos básicospara uma educação profissional dequalidade. Assim, a rigor, todo oensino Médio deve ser aproveitadona educação Profissional Técnicade nível médio. Ele é a base desustentação, indispensável em termosde educação integral do cidadão. Porisso mesmo, quando o aluno nãodemonstrar ter esses conhecimentosbásicos exigidos, no caso dos cursosplanejados nas formas subseqüenteou concomitante, mas sem integraçãocurricular, o que se deve é adicionaruma carga horária extra ao ensinotécnico para que esses conhecimentosbásicos sejam garantidos. Assim,não se trata de subtrair carga horária

destinada ao ensino médio parareorientá-la ao ensino técnico denível médio. Ela é fundamental paraa garantia da formação integral docidadão trabalhador. O ensino médio,enquanto etapa de consolidação daeducação básica, é pré-requisitoindispensável para uma boa habilitaçãoprofissional técnica de nível médio.Por isso mesmo, é preciso buscar umtratamento curricular integrado quegaranta isso tudo de forma sincrônica,

eficiente e eficaz.

  Não há como utilizar o institutodo aproveitamento de estudosdo ensino médio para o ensinotécnico de nível médio. Esta pareceser a lógica adotada pelo Decretonº 5.154/2004, principalmente seexaminarmos com mais atenção a

sua exposição de motivos. O § 2ºdo artigo 4º do referido Decreto nãodeixa margem para dúvidas. Defineque, na hipótese de adoção daforma integrada, é preciso “ampliara carga horária total do curso, a fim de assegurar, simultaneamente,o cumprimento das finalidadesestabelecidas para a formação gerale as condições de preparação parao exercício das profissões técnicas ”.O conteúdo do ensino médio é pré-

requisito para a obtenção do diplomade técnico e pode ser ministrado“simultaneamente” com os conteúdosdo ensino técnico. Entretanto, umnão pode tomar o lugar do outro.São de natureza diversa. Um atendea objetivos de consolidação daeducação básica, em termos de“ formação geral do educando para otrabalho” e o outro tem como objetivoa preparação “ para o exercício de profissões técnicas” . Neste sentido,são intercomplementares e devemser tratados de forma integrada,“relacionando teoria e prática noensino de cada disciplina” (inciso IVdo artigo 35).

 Jamil:  Em seus textos e pareceres,o senhor se refere a um tempo deeducação profissional como sendo“solta”. O que é isso ?

Cordão: Trato dessa questão noParecer CNE/CEB nº 16/1999, que

serviu de base para a definição deDiretrizes Curriculares Nacionaispara a Educação Técnica de NívelMédio, pela Resolução CNE/CEB nº04/1999, ao propor, para a EducaçãoProfissional Técnica de Nível Médio,uma organização curricular centrada noconceito de competência profissional,como sendo aquela “capacidadede mobilizar, articular e colocarem ação valores, conhecimentose habilidades necessários para o

desempenho eficiente e eficaz dasatividades requeridas pela naturezado trabalho”.  Esse posicionamento decorre daconstatação de que do técnico denível médio será exigido tanto umasólida escolaridade básica, de boa

qualidade, quanto uma educaçãoprofissional polivalente e de maiorabrangência e amplitude. Está ficandocada vez mais evidente, que arevolução tecnológica e o processo dereorganização do trabalho demandamuma completa revisão dos currículos,tanto da educação básica quanto daeducação profissional, uma vez quesão exigidos dos trabalhadores, emdoses crescentes, maior capacidadede raciocínio, autonomia intelectual,

pensamento crítico, iniciativa própriae espírito empreendedor, bemcomo capacidade de visualização eresolução de problemas.

É preciso alterar radicalmenteo panorama atual da educaçãoprofissional brasileira, superandode vez as distorções herdadaspela profissionalização universal ecompulsória instituída pela Lei Federalnº 5.692/1971 e posteriormenteregulamentada pelo Parecer CFEnº 45/1972. Essa legislação, namedida em que não se preocupouem preservar uma carga horáriaadequada para a educação geral, aser ministrada no então ensino do 2ºgrau, facilitou a proliferação de classesou cursos profissionalizantes soltos,descolados dos objetivos da educaçãobásica, tanto nas redes públ icasde ensino quantonas escolas privadas.Realizada, em geral,no período noturno,

essa profissionalizaçãoimprovisada, livree sol ta , e demá qualidade,con fund iu - se ,no imaginárioda s c amada spopulares, comop o s s i b i l i d a d ede me lho r i ados níveis deempregabilidade de

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seus filhos. Com isso, a oferta decurso único integrando a habilitaçãoprofissional e o segundo grau, comcarga horária reduzida, passou a serestimulada como resposta políticalocal às pressões da população. Piorainda, na falta de financiamento

de que padece o ensino médio hádécadas, tais cursos profissionalizantesconcentraram-se quase em suatotalidade em cursos de menor custo,sem levar em conta as demandassociais e de mercado, bem como astransformações tecnológicas. O entãoensino de segundo grau perdeu, nesseprocesso, qualquer identidade que játivera no passado, tanto em relaçãoao ensino acadêmico-propedêuticoquanto em relação ao ensino

profissional. O tempo dedicado àeducação geral foi reduzido e o ensinoprofissionalizante foi introduzidodentro da mesma carga horária antesdestinada às disciplinas básicas. Estasituação vivenciada no âmbito da Leinº 5.692/1971 não pode ser retomada,agora, com as novas propostas deEducação Profissional Técnica denível médio desenvolvida de formaintegrada com o ensino médio,conforme previsto no Decreto nº5.154/2004, a qual é de outra naturezae objetiva a formação integral epolivalente do trabalhador.

 Jamil:  Há de fato um novo referencialda educação profissional na LDB de1996? 

Cordão:  A nossa atual LDB – Leide Diretrizes e Bases da EducaçãoNacional, trata a educação profissional

de uma forma moderna e inovadora,na confluência de dois direitosfundamentais do cidadão, quais sejam,o da educação e o do trabalho. Paratanto, apresenta um novo paradigma:ela deve conduzir o cidadão “ao permanente desenvolvimento deaptidões para a vida produtiva”,desenvolvida de forma intimamente“integrada às diferentes formas deeducação, ao trabalho, à ciência e àtecnologia”, em estreita “articulação

com o ensino regular ou por diferentesestratégias de educação continuada,em instituições especializadas ou noambiente de trabalho”.  Esse novo enfoque da educaçãoprofissional supõe a superação totaldo entendimento tradicional deeducação profissional como simplesinstrumento de uma política de cunhoassistencialista, ou mesmo como linearajustamento às demandas do mercadode trabalho. Ele situa a educação

profissional como importanteestratégia para que os cidadãos, emnúmero cada vez maior, tenham

efetivo acesso às conquistascientíficas e tecnológicas dasociedade contemporânea. Paratanto, impõe-se a superação doantigo enfoque da formaçãoprofissional centrado apenas napreparação para a execução deum determinado conjunto detarefas, na maior parte das vezes,de maneira rotineira e burocrática.

 A nova educação profissionalrequer, para além do domíniooperacional de um determinadofazer, a compreensão globaldo processo produtivo, com aapreensão do saber tecnológicopresente na prática profissionale a valorização da cultura dotrabalho, pela mobilização dos valores necessários à tomada dedecisões. Nesta perspectiva, nãobasta mais aprender a fazer. É

preciso saber que existem outrasmaneiras para aquele fazer e saberporque se escolheu fazer desta oudaquela maneira. Em suma, é precisodeter a inteligência do trabalho,com a qual a pessoa se habilita adesempenhar com competência suas

funções e atribuições ocupacionais,desenvolvendo permanentementesuas “aptidões para a vida produtiva”.  Este novo paradigma supera umdilema antigo, que sempre rondouos cursos técnicos no Brasil: aescola técnica era, essencialmente,uma opção para os pobres, paraaqueles que necessitavam ingressarprecocemente na força de trabalho enão podiam aguardar uma formação

profissional mais ampla e demoradaem um curso superior, de graduação.Esse enfoque assistencialista via aeducação profissional como umaboa alternativa para “tirar o menorda rua” e para “diminuir a vadiagem”,oferecendo-lhe condições de inserçãomais imediatista no mercado detrabalho.

Nos tempos atuais, é essencial quea pessoa tenha condições de mobilizaros conhecimentos, as habilidades e os valores trabalhados na escola e foradela, para colocá-los em ação, paraobter desempenho eficiente e eficazem sua vida profissional. Este é ogrande desafio da escola técnica, quenão é o de propiciar, simplesmenteque o indivíduo aprenda a fazer. Istoé muito pouco. É essencial que elesaiba por que está fazendo de umadada maneira e não de outra, aprendaque existem outras maneiras paraaquele fazer e que tenha condiçõesde, ao orientar a sua ação, o seu

fazer profissional, articule e mobilizeconhecimentos, habilidades e valorespara um exercício profissionalcompetente. Em suma, que eledetenha o conhecimento tecnológicoe o saber presente em sua práticaprofissional e cultive os valoresinerentes à cultura do trabalho.  Quem procura uma escola técnicaprocura conhecimentos, habilidadese valores que o conduzam a umexercício profissional competente,

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em condições de arrumar umemprego novo ou de melhorarseu desempenho profissional noemprego atual, desenvolvendosuas atividades profissionais comeficiência e eficácia. Precisa, paratanto, ter condições de responder

aos desafios profissionais que lhe sãoapresentados sempre como novos,de maneira original e criativa, o quepressupõe, por parte da escola, umprojeto pedagógico necessariamenteparticipativo. O currículo é meiopara desenvolver competências.O compromisso da escola é como perfil profissional de conclusãodos seus alunos, a ser desenvolvidopor meio das atividades curricularesintencionalmente planejadas pela

escola. As atividades de ensino devemser avaliadas pelos resultados deaprendizagem. O real compromissoda escola é com o desenvolvimentocrescente da autonomia intelectualdo seu educando, de modo que omesmo tenha condições de continuaraprendendo e articulando as váriasdimensões de educação, trabalho,ciência e tecnologia. Este é o grandecompromisso da nova escola técnicae, também, o seu grande desafio.Para tanto, será necessário que aescola faça um plano de curso quepossibilite múltiplas entradas e saídasaos seus alunos, para a qualificação,a habilitação e a especializaçãoprofissional. É importante que elaplaneje os seus cursos não de formafechada, apenas em habilitaçõesespecíficas voltadas para postos detrabalho bem delimitados, mas quepense e articule o seu currículo porárea profissional, aumentando aschances que propiciem ao seu aluno

ter condições de planejar o seu próprioitinerário de profissionalização, a partirdos Itinerários Formativos oferecidospelas unidades educacionais.  O conceito de competênciaprofissional amplia em muito aresponsabilidade das instituiçõesde ensino na organização doscurrículos de educação profissional,na medida em que exige a inclusão,entre outros, de novos conteúdos,de novas formas de organização

do trabalho, a incorporação dos

“uma possibilidade de acesso” para“o aluno matriculado ou egressodo ensino fundamental, médio e superior, bem como o trabalhadorem geral”, a ser “desenvolvida emarticulação com o ensino regularou por diferentes estratégias de

educação continuada, em instituiçõesespecializadas ou no ambiente detrabalho”, é “integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, àciência e à tecnologia” e conduzir“ao permanente desenvolvimento deaptidões para a vida produtiva”.

 Jamil:    Por que o Decr eto nº2.208/1997 foi objeto de tantamanifestação contrária ?

Cordão: O Decreto nº 2.208/1997foi objeto de cerrada manifestaçãocontrária pelo seu simbolismo. Elefoi um dos instrumentos utilizadospela equipe do Ministro Paulo Renatopara impor a reforma da educaçãoprofissional na Rede Federal deEscolas Técnicas e Tecnológicas. A implantação da reforma veioacompanhada de uma série decriticas em relação à atuação da RedeFederal de Educação Profissional eTecnológica. A principal delas era nosentido de que o ensino oferecido naRede Federal era um ensino elitista,que os seus alunos, na realidade,não queriam se profissionalizar e simpreparar-se para o ensino superior nasescolas públicas. O contra-argumentodos professores era no sentido deque os seus alunos ingressavamnas melhores faculdades porqueos cursos da rede federal eram deexcelente qualidade. Os docentesargumentavam que a separação do

curso técnico, antes desenvolvidodentro do ensino médio, resultarianuma desvalorização da novaEducação Profissional e Tecnológica,inevitável perda de qualidade doensino técnico no Brasil.  O Decreto nº 2.208 praticamenteretornou os mesmos dispositivosde um projeto de Lei do Executivo,o qual estava sendo questionadoem inúmeras audiências públicasnacionais realizadas pela Comissão de

O  real compromisso

da escola é com odesenvolvimento

crescente daautonomia

intelectual do seu educando,

de modo que omesmo tenhacondições de

continuaraprendendo earticulando as

várias dimensõesde educação,

trabalho, ciência etecnologia.

conhecimentos que são adquiridosna prática, de metodologias quepropiciem o desenvolvimento da

capacidade para resolver problemasnovos, comunicar idéias, tomardecisões, ter iniciativa, ser criativoe desenvolver crescente autonomiaintelectual, num contexto de respeitoàs regras da convivência democráticae em condições de monitoramentodo próprio desempenho, bem comodo seu desenvolvimento pessoal eprofissional.  Essa nova educação profissionalconcebida pela atual LDB, como

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Educação da Câmara dos Deputados.Pelo seu simbolismo, foi combatidoaté a sua revisão pelo Decreto nº5.154/2004, o qual teve o bom sensode manter as várias alternativas deoferta do ensino profissional de nívelmédio, apresentando, ao mesmo

tempo, uma proposta inovadora deorganização da educação profissionalem todos os níveis e modalidades,consagrando como estratégia, aconstrução curricular segundoItinerários Formativos.

 Jamil: O decreto nº 5.154/2004 éuma ruptura com o 2.208/1997 ou éapenas um corretivo do mesmo? 

Cordão:  O decreto nº 5.154/2004

representa tanto uma ruptura com oDecreto nº 2.208/1997 quanto umacorreção de rumo em relação aomesmo.  Representa uma ruptura na medidaem que contempla como uma dasprincipais alternativas da oferta daEducação Profissional Técnica denível médio, a realizada de formaintegrada com o ensino médio, semque isto represente uma volta aostempos da Lei nº 5.692/1971. Essaoferta da educação profissionalintegrada ao ensino médio era oprincipal pomo da discórdia noâmbito do Decreto nº 2.208/1997 eregulamentações subseqüentes doMinistério da Educação.  As divergências entre os doisdecretos regulamentadores, queforam explicitadas e corrigidas noconjunto das Diretrizes CurricularesNacionais para o Ensino Médio e paraa Educação Profissional Técnica denível médio, pelo Parecer CNE/CEB

nº 39/2004, são as seguintes:- O decreto nº 2.208/97 organizava aeducação profissional em três níveis:básico, técnico e tecnológico (Cf.artigo 3º). O Decreto nº 5.154/2004define que a educação profissional“será desenvolvida por meio de cursose programas de formação iniciale continuada de trabalhadores; Educação Profissional Técnica denível médio; e Educação ProfissionalTecnológica, de graduação e de pós-

 graduação” (Cf. artigo 1º).- O artigo 5º do decreto nº 2.208/97define que “a educação profissionalde nível técnico terá organizaçãocurricular própria e independente doensino médio, podendo ser oferecida de forma concomitante ou seqüencial

a este ”. O decreto nº 5.154/2004, porseu turno, define que “a educação profissional técnica de nível médio (...) será desenvolvida de forma articuladacom o ensino médio”  (Cf. artigo 4º),e que esta articulação “dar-se-á de forma integrada, concomitante e

 subseqüente ao ensino médio” (Cf.incisos I, II e III do § 1º do artigo4º).- O parágrafo único do artigo 5ºdo decreto nº 2.208/97 estabeleciaum limite de 25% do total da cargahorária mínima do ensino médio

para “aproveitamento no currículo dahabilitação profissional ”. O decreto nº5.154/2004 não prevê mais esse limiteprevisto pelo decreto nº 2.208/97,que constituía, na prática, uma claraherança da mentalidade ditada pelaLei nº 5.692/71;- O decreto nº 2.208/97, no seuartigo 6º, definia uma estratégia paraa “ formulação dos currículos plenosdos cursos do ensino técnico”, que jáfoi superada pelas atuais Diretrizes

Curriculares Nacionais definidas peloConselho Nacional de Educação, deforma coerente com as diretrizes daLei nº 9.394/96 e com o que acabousendo estabelecido sobre a matériapelo decreto nº 5.154/2004, em seusartigos 5º e 6º;- As orientações definidas nos artigos8º e 9º do decreto nº 2.208/97 tambémforam devidamente interpretadaspelas Diretrizes Curriculares Nacionaisdefinidas pelo Conselho Nacionalde Educação, as quais mantêmmaior coerência com o que dispõesobre a matéria o recente decreto nº5.154/2004;- O referido decreto, no seu artigo4º, define como premissas básicasa serem observadas na organizaçãoda Educação Profissional Técnica, deforma articulada com o ensino médio,que sejam observados “os objetivoscontidos nas Diretrizes Curriculares Nacionais definidas pelo Conselho Nacional de Educação; as normas

complementares dos respectivos sistemas de ensino; e as exigências decada instituição de ensino, nos termosdo seu projeto pedagógico” (incisos I,II e III do artigo 4º).  Essencialmente, entretanto, odecreto nº 5.154/2004 representauma correção de rumo em relaçãoao decreto nº 2.208/1997, na medidaem que permite que a instituição deensino possa adotar qualquer umadas formas previstas no novo decreto,

... a função

central dessa

nova educação

 profissional é

a de preparar

as pessoas para

o exercício da

cidadania e

 para o trabalho,em condições

de influenciar

o mundo do

trabalho e de

modificá-lo,

 pelo exercíciode um trabalho

 profissional

competente.

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cabendo à instituição, no uso de suaautonomia, decidir pela forma quemelhor se coaduna com sua propostapolítico-pedagógica.

 Jamil :O parecer CNE/CEB nº 39/2004está para o decreto de 2004 assim

como o parecer CNE/CEB nº 16/1999está para o de 1999? Há diferenças? Não é curioso que o senhor seja orelator de ambos?

Cordão: O parecer nº 39/2004atualizou as Diretrizes CurricularesNacionais para a educação profissional,bem como as Diretrizes referentes aoensino médio, às normas do decretonº 5.154/2004. Não havia necessidadede reformular por inteiro o antigo

conjunto de Diretrizes CurricularesNacionais produzidos pelo ConselhoNacional de Educação após a ediçãodo decreto nº 2.208/1997, pois oConselho Nacional de Educação, aodefinir o seu conjunto de DiretrizesCurriculares Nacionais; já haviareinterpretado o decreto nº 2.208/1997à luz das exposições da LDB, maisinovadoras e ousadas. Na pratica,os itens do decreto nº 2.208/1997que representavam resquícios da visão de educação profissionalanterior à da atual LDB, já haviamsido corrigidos pelo conjunto dasDiretrizes Curriculares Nacionaisdefinidas pelo Conselho Nacional deEducação. Assim, bastou um esforçode readaptação e de interpretação,até porque a LDB não estava sendorevogada, mas apenas regulamentadae, neste particular, o Conselho sempretem atuado de maneira coerente comas disposições da LDB vigente.

De fato, de uma certa maneira,

não deixa de ser curioso que eu tenhasido o relator de ambos os pareceres. Acontece que eu era, na época, omais especializado na área, na Câmarade Educação Básica do ConselhoNacional de Educação. Assim setornou natural que eu continuasserelatando a matéria, até porquehavia participado intensamente dasdiscussões que deram origem aonovo decreto, bem como dos debatesem todas as Unidades da Federação,

no tocante à implantação de umaeducação profissional efetivamente“articulada às diferentes formas deeducação, ao trabalho, à ciência eà tecnologi a” conforme preconiza aatual LDB 

 Jamil:  Novos pareceres articulam aeducação profissional à educação de jovens e adultos (EJA). Em que essesinstrumentos normativos avançamem relação às diretrizes já existentes sobre a EJA? 

Cordão: Esses novos pareceresconsolidam o resultado dos debatestravados em todo o território nacionala partir do conjunto de DiretrizesCurriculares Nacionais definidas pelo

Conselho Nacional de Educaçãotanto para a educação profissional,quanto para a educação de jovens eadultos. Assim, quando o ConselhoNacional de Educação se manifestouà respeito do decreto nº 5.478/2005,simplesmente, reafirmou os princípiosjá definidos pelo Colegiado. OProeja, este sim, representa umgrande avanço, em termos de políticaspúblicas de inclusão do trabalhadore de elevação de seus níveisde escolaridade, como elementorepresentativo do esforço do MECrumo à universalização da educaçãobásica do trabalhador, de formaarticulada com sua qualificação parao trabalho, atendendo ao dispositivoconstitucional de promoção de sua“profissionalização”.

Não se trata mais de uma educaçãoprofissional simplesmente para tirar omenor ou o jovem da rua, embora comela também se possa chegar a isso. Masa função central dessa nova educação

profissional é a de preparar as pessoaspara o exercício da cidadania epara o trabalho, em condições deinfluenciar o mundo do trabalho ede modificá-lo, pelo exercício de umtrabalho profissional competente.O compromisso atual da escolatécnica é com o desenvolvimentoda capacidade de aprendizageme com o desenvolvimento decompetências profissionais para alaborabilidade. Essa é, sem dúvida,

uma das orientações centrais daatual LDB, que deslocou a ênfasedas atividades de ensino para osresultados da aprendizagem, dodireito de ensinar para o direitode aprender, na perspectivada aprendizagem permanente,

recentemente consagrada pelaResolução OIT nº 195/2004, aprovadapela Organização Internacional doTrabalho em junho de 2004, em suaconferência anual. A escola profissional só faz sentidona medida em que se torne um centrode referência técnica e tecnológica naárea em que atua e na região ondese situa. Só tem sentido a existênciade uma escola técnica ou similarse os seus alunos desenvolverem

competências profissionais, damaneira como é traduzida no art. 6ºda Resolução nº 04/1999, da Câmarade Educação Básica do ConselhoNacional de Educação, isto é, comoaquela capacidade que a pessoadesenvolve de articular, mobilizare colocar em ação conhecimentos,habilidades e valores necessários pararesponder de maneira nova e criativaos desafios da sua vida profissional,para atender aos requerimentos damesma. É isso que vai diferenciar oprofissional do amador. O amadornão possui autonomia intelectual emrelação ao objeto do seu saber. Eledepende da informação do chefe,depende da informação escrita nomanual de procedimentos etc. Oprofissional competente é aquele quedesenvolve a capacidade de procuraruma alternativa para solucionar osproblemas com os quais se depara noexercício ocupacional. O profissionalpossui condições de buscar a

informação, trabalhar essa informação,mobilizar e articular informações,conhecimentos, habilidades e valorespara colocar em ação na hora em quefor preciso para resolver os desafiosda sua vida profissional e cidadã,os quais exigem respostas sempreoriginais e criativas.