dados de deus - apostila teoria dos números (parte i)

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Teoria dos Números (parte I) IME/ITA 4/14/2011 http://dadosdedeus.blogspot.com Marcos Valle (IME)

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Apostila elaborada por aluno do IME para o blog http://dadosdedeus.blogspot.com sobre teoria dos números.

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Page 1: Dados de Deus - Apostila Teoria dos Números (parte I)

Teoria dos Números (parte I) IME/ITA 4/14/2011 http://dadosdedeus.blogspot.com Marcos Valle (IME)

Page 2: Dados de Deus - Apostila Teoria dos Números (parte I)

2 Dados de Deus – Teoria dos Números

“God does arithmetic.”

C. F. Gauss

Page 3: Dados de Deus - Apostila Teoria dos Números (parte I)

3 Dados de Deus – Teoria dos Números

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...................................................................................................04

1.1 PRINCÍPIOS E TEOREMAS PRELIMINARES............................................05

2 DIVISIBILIDADE E PRIMOS...................................................................06

2.1 CONCEITOS BÁSICOS.........................................................................14

2.2 PRIMOS.................................................................................................19

2.3 MDC E MMC.........................................................................................23

3 QUESTÕES DIFERENTES...............................................................................24

4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................26

Page 4: Dados de Deus - Apostila Teoria dos Números (parte I)

4 Dados de Deus – Teoria dos Números

1 INTRODUÇÃO

A teoria dos números é um dois mais antigos e importantes ramos da

Matemática. Seu estudo versa basicamente sobre os números inteiros, mas as

ferramentas utilizadas para tal vão desde simples operações aritméticas, como

divisões, até cálculo avançado e aplicações computacionais.

Tendo em vista o escasso tempo dos estudantes IME/ITA, buscamos acelerar

o ritmo da apostila, priorizando assuntos mais importantes e descartando os

muito elementares ou muito sofisticados.Tentamos explicar da forma mais clara

possível cada exemplo (há muitos deles) e demonstrar a maior parte dos

teoremas, para que o aluno entenda os métodos de resolução e aplique-os nos

exercícios de cada seção.

As questões foram tiradas em sua maioria de livros clássicos utilizados pela

banca do IME na confecção de suas provas, olimpíadas e das próprias provas.

Ao fim de cada seção há exercícios selecionados, mas não espere resolver

todos.

Nas próximas apostilas entraremos em outros tópicos importantíssimos, como

congruências, que ajudam em muitas questões.

Quaisquer dúvidas, sugestões, críticas etc, envie-nos um e-mail para

[email protected]

BONS ESTUDOS!

Page 5: Dados de Deus - Apostila Teoria dos Números (parte I)

5 Dados de Deus – Teoria dos Números

1.1PRINCÍPIOS E TEOREMAS PRELIMINARES

Antes de iniciarmos nosso estudo sobre a teoria dos números propriamente

dita, faremos uma rápida revisão (omitiremos demonstrações e exemplos)

sobre alguns conceitos e teoremas algébricos que serão utilizados ao longo

das apostilas. Vejamos alguns:

(a) Princípio da Boa Ordenação: Todo conjunto não vazio de inteiros não

negativos possui um menor elemento; ou seja, existe algum inteiro em tal

que para todo pertencente a .

(b) Propriedade Arquimediana: Se e são quaisquer inteiros positivos,

então existe um inteiro positivo tal que .

(c) Princípio da Indução Finita (PIF): Seja um conjunto de inteiros positivos

com as seguintes propriedades

(i)

(ii) Toda vez que o inteiro está em , então o próximo inteiro também

está em .

Então é o conjunto de todos os inteiros positivos.

(d) Teorema Binomial (Newton): Seja um inteiro e . Então

(e) Princípio das Casas dos Pombos (Dirichlet): Se pombos voam até

casas, deverá existir ao menos uma casa que tenha dois ou mais pombos.

Page 6: Dados de Deus - Apostila Teoria dos Números (parte I)

6 Dados de Deus – Teoria dos Números

2 DIVISIBILIDADE E PRIMOS

2.1 CONCEITOS BÁSICOS

Definição 2.1.1 Dizemos que um inteiro não nulo é divisível por se e

somente se para algum inteiro . Neste caso, dizemos que é

múltiplo de e é divisor de

Em outras palavras, . Se não divide , escrevemos .

Corolário 2.1.1

Corolário 2.1.2

Apresentaremos agora alguns resultados diretos da definição acima que serão

fundamentais para o resto das apostilas. Tente demonstrá-los!

Proposição 2.1.1 Sejam , e inteiros. Então:

(a) x | x (reflexividade); (b) x | y e y | z x | z (transitividade); (c) x | y e y 0 |x| ≤ |y|;

(d) x | y e x | z x | (αy + βz) ;

(e) x | y e x | (y ± z) x | z;

(f) x | y e y | x |x| = |y|;

(g) x | y e y ≠ 0

;

(h) para z ≠ 0, x | y xz | yz.

Para aquecer os neurônios, vamos propor alguns desafios clássicos

envolvendo os conceitos já mencionados.

Exemplo 2.1.1 Sejam e inteiros. Prove que é divisível por 17 se e somente se é divisível por 17.

Page 7: Dados de Deus - Apostila Teoria dos Números (parte I)

7 Dados de Deus – Teoria dos Números

Solução: IDA: VOLTA:

Exemplo 2.1.2 Encontre todos os inteiros positivos tal que divide e para algum inteiro .

Solução: Se e , então . Logo,

, então

. Logo, , o que implica e ou .

Exemplo 2.1.3 (IMO shortlist - 1984) Suponha que são inteiros distintos tais que a equação

possua uma solução inteira . Mostre que

.

Solução: É fácil perceber que e os são inteiros distintos.

Logo:

. . . ,

com igualdade se e somente se

.

Logo:

E:

Page 8: Dados de Deus - Apostila Teoria dos Números (parte I)

8 Dados de Deus – Teoria dos Números

Exemplo 2.1.4 (Putnam Mathematical Competition - 1966) Sejam

inteiros. Prove que se pode escolher deles ou

nenhum que divida qualquer outro, ou deles tal que cada um divida o

seguinte.

Solução: Para cada , , seja o comprimento da maior

sequência começando com e cada termo dividindo seu successor, entre os inteiros . Se algum for maior que , está provado. Caso

contrário, pelo Princício da Casa dos Pombos, existem pelo menos

valores de , que são iguais. Assim, os inteiros correspondentes a esses não podem dividir um ao outro.

Definição 2.1.2 Um inteiro é dito par se para algum inteiro k. Um

inteiro é dito ímpar se e somente se não é par, i.e. para algum k

inteiro.

De fato, há algumas consequências imediatas da definição 2.2 que devem ser

conhecidas por todos (prove-as!).

Proposição 2.1.2 Considere o conjunto dos inteiros. Então:

(a) a soma de dois ímpares é par; (b) a soma de dois pares é par; (c) a soma de um ímpar com um par é ímpar; (d) o produto de dois ímpares é ímpar; (e) o produto de inteiros é par se e somente se pelo menos um dos fatores é

par;

Exemplo 2.1.5 Seja um inteiro par. É possível escrever 1 como a soma dos

recíprocos de inteiros ímpares, com par? E se for ímpar?

Solução: Suponhamos que:

,

em que são ímpares. Multiplicando ambos os membros por

. . . , obtemos:

Page 9: Dados de Deus - Apostila Teoria dos Números (parte I)

9 Dados de Deus – Teoria dos Números

. . . ,

em que são produtos de ímpares e portanto ímpares. Mas se o 1º

membro é ímpar e o segundo é par (pois é a soma de um número par de

ímpares), chegamos a um absurdo.

Se ímpar, considere:

Exemplo 2.1.6 Demonstre que se é um inteiro positivo ímpar, então

(I) é divisível por

Solução: Sabemos que:

Tome

. Desenvolvendo, obtemos:

Assim, .

Fazendo em , se ímpar temos que:

Voltando agora ao enunciado da questão, note que

Dividamos em dois casos, se ímpar, ou par. Se ímpar,

. Mas por ,

divide cada uma das expressões:

Page 10: Dados de Deus - Apostila Teoria dos Números (parte I)

10 Dados de Deus – Teoria dos Números

Reagrupando novamente:

Vemos que cada expressão acima é múltipla de . Como e

não

possuem fatores em comum, concluímos que a soma é divisível por

.

Definição 2.1.3 Um inteiro é dito quadrado perfeito se para algum

inteiro. Analogamente, definimos cubos perfeitos e n-ésimas potências

perfeitas.

Exemplo 2.1.7 Em um hotel há 100 portas fechadas enumeradas

sequencialmente. Um hóspede entediado resolve então abrir todas as portas

de número par. Depois, volta fechando as múltiplas de 3 e, após isso, vai

abrindo as múltiplas de 4 e assim em diante, até 100. Se alguma porta estiver

fechada, ele abre e se estiver aberta, ele fecha. Quantas portas restarão

abertas quando hóspede acabar seu processo?

Solução: Note que a i-ésima porta será mexida pelo hóspede na j-ésima

passada se e somente se . Mas se , então . Portanto, as portas de

número quadrado perfeito ( ) serão operadas um número ímpar de

vezes, ou seja, ficarão abertas no final. Logo, a resposta buscada é 10.

Exemplo 2.1.8 Demonstre que o quadrado de todo inteiro é da forma ou da

forma . Logo, demonstre que nenhum inteiro da sequência

11,111,1111,11111, . . . é quadrado perfeito.

Solução: Seja um inteiro par, digamos . Seu quadrado então é . Seja agora um inteiro par, digamos . Seu quadrado então é . Note agora que, para :

.

Portanto, nenhum número da sequencia é da forma ou nem quadrado perfeito.

Page 11: Dados de Deus - Apostila Teoria dos Números (parte I)

11 Dados de Deus – Teoria dos Números

Exemplo 2.1.9 (IME-2004) Demonstre que o número . . .

é um

quadrado perfeito.

Solução: Note que:

. . .

.

Lembrando da fórmula da soma da P.G. finita:

. . .

.

.

. .

Logo:

. . .

Teorema 2.1.1 (Euclides) Para quaisquer e , existem únicos inteiros

(divisor) e (resto) tais que e .

Prova: Primeiro vamos provar a existência de e e depois suas unicidades.

1-) Existência

Seja . É fácil perceber que S é não nulo, pois

para , . Como também é um conjunto de inteiros não-negativos,

pelo Princípio da Boa Ordenação, existe um menor elemento .

Se para um dado , , então , mas então

, que é menor que , pertence a , contradizendo a minimalidade de r. Logo,

.

2-) Unicidade

Sejam tais que e com . Logo

(I)

Como .

Page 12: Dados de Deus - Apostila Teoria dos Números (parte I)

12 Dados de Deus – Teoria dos Números

Mas de (I) temos que e portanto ou . Mas

acabamos de provar que , logo pela tricotomia temos que

.

Exemplo 2.1.9 Seja um inteiro positivo. Prove que é divisível por 2 mas não por 4.

Solução: Note que é ímpar e portanto é par. Note ainda que

. Abrindo pela expansão binomial:

+

+ ... + 1

Assim, deixa resto 1 na divisão por 4 e deixa resto 2.

Proposição 2.1.3 Se N é um inteiro produto de k fatores consecutivos, então N

é divisível por todos os inteiros menores ou iguais a k.

Prova: Seja .

Pelo Teorema 2.2.1, existem restos possíveis na divisão de por . Assim,

há restos possíveis na divisão de por , mas como possui pelo menos

fatores consecutivos, pelo menos um deles deixa resto 0.

Da mesma forma, podemos concluir que como há fatores consecutivos,

pelo menos um deixa resto 0 na divisão de por . Repetindo esse

processo até 1, provamos a proposição.

Exemplo 2.1.10 Prove que, para todo natural, .

Solução:

Pela proposição 2.1.3, é divisível por 2 e 3, logo por 6. Resta

provarmos que também é divisível por 5. De fato, pode deixar 0, 1, 2, 3 ou 4 como restos na divisão por 5. Se deixar 0, 1 ou 4, a divisibilidade é evidente.

Se :

Page 13: Dados de Deus - Apostila Teoria dos Números (parte I)

13 Dados de Deus – Teoria dos Números

Se :

Assim, é divisível por 6 e 5, logo por 30. Uma questão semelhante a essa caiu no IME em 2001. Na apostila de congruências resolveremos novamente, utilizando outra ferramenta. Exercícios (Sec. 2.1)

2.1.1) Sejam e números naturais tais que

é inteiro. Prove que A é ímpar.

2.1.2) Sejam e números naturais e seja divisível por 24. Mostre que

é divisível por 24.

2.1.3) (IME - 2000) Considere quatro números inteiros , , e . Prove que o produto:

é divisível por 12.

2.1.4) Sejam e inteiros positivos tais que , , , , ....

Prove que .

2.1.5) Demonstre que é sempre divisível por 6 e que é

sempre divisível por 120 para todo inteiro .

2.1.6) Seja um inteiro positivo. Mostre que o produto de inteiros

consecutivos é divisível por n!

2.1.7) Seja um inteiro ímpar. Prove que não divide .

2.1.8) Encontre o maior inteiro tal que é divisível por todos os inteiros

positivos menores que .

2.1.9) Seja um inteiro positivo. Mostre que o produto de inteiros

consecutivos é divisível por .

Page 14: Dados de Deus - Apostila Teoria dos Números (parte I)

14 Dados de Deus – Teoria dos Números

2.1.10) (IMO - 1992) Encontrar todos os inteiros , , com tais que é divisor de .

(Dica: Mostrar primeiro que e considerar os possíveis casos.

2.1.11) (IMO - 1988) Se são inteiros positivos para os quais

é inteiro,

demonstre que

é um quadrado perfeito.

2.1.12) Sejam e inteiros positivos tais que divide . Mostre que

2.1.13) Seja um inteiro positivo tal que é um inteiro. Mostre

que é o quadrado de um inteiro.

2.1.14) (IME - 1981) Mostre que o número

é um quadrado

perfeito

2.1.15) Prove que o produto de quatro inteiros consecutivos não nulos nunca é

um quadrado perfeito.

2.1.16) Um conjunto de bolas consiste em 1000 bolas de 10 gramas e 1000

bolas de 9,9 gramas. Desejamos retirar dois subconjuntos de bolas com

mesmo número de bolas mas com pesos totais diferentes. Qual é o menor

número de pesagens para isso? (A escala da balança dá o peso dos objetos no

braço esquerdo menos o peso dos objetos no braço direito.)

2.1.17) Determine todos os inteiros tais que

é um inteiro.

2.2 Primos

Definição 2.2.1 Um inteiro é dito primo se não existe inteiro e

tal que . Se não é primo, dizemos que ele é composto.

Corolário 2.2.1 Todo inteiro possui pelo menos um divisor primo.

Page 15: Dados de Deus - Apostila Teoria dos Números (parte I)

15 Dados de Deus – Teoria dos Números

Prova: Se é primo, então e está provado. Se n é composto, então seja

seu menor divisor. Temos então . Se a não for primo,

então e , contradizendo a minimalidade de .

Corolário 2.2.2 (Eratóstenes) Se é um número composto, então possui um

divisor primo menor ou igual a .

Prova: Assim como na demonstração anterior, e é o

menor divisor de . Assim, .

Exemplo 2.2.1 Encontre todos os inteiros positivos tais que , e são todos números primos. Solução: Note primeiramente que . Como a soma dos 3 números é par, ao menos 1 deles deve ser par, mas como 2 é o único par primo, pelo menos um dos números deve ser igual a

2. não pode ser par (por que?), portanto temos

Ou

Para , , não é primo

Para , temos os números 2, 3 e 7.

Teorema 2.2.1 (Pequeno Teorema de Fermat) Seja um inteiro e um

número primo, então .

Prova: Apresentaremos uma prova via indução1, mas na parte II veremos uma

demonstração por congruências mais elegante e intuitiva.

Para , temos . Logo, . Suponhamos por hipótese, e provemos para . Temos então

1 Na prova do IME de 1972 (Álgebra) pedia-se para demonstrar esse teorema por indução.

Page 16: Dados de Deus - Apostila Teoria dos Números (parte I)

16 Dados de Deus – Teoria dos Números

Como da hipótese e , então . Crivo de Eratóstenes Erastótenes pensou em um método simples e elegante

para determinarmos os números primos até certo inteiro . Escrevemos todos sequencialmente Depois cortamos os múltiplos maiores que 2, em seguida os

maiores que 3, que 4, até . Com isso, os números não cortados serão primos. Exemplo 2.2.2 Determine os primos até 100.

Do crivo, temos que os únicos primos até 100 são: 2, 3, 5, 7, 11, 13, 17, 19, 23, 29, 31, 37, 41, 43, 47, 53, 59, 61, 67, 71, 73, 79, 83, 89, 97. Teorema 2.3.2 (Euclides) Existem infinitos números primos. Prova: Suponha que exista um número finito de primos. Tome então

, em que é primo menor ou igual a . Como n

é composto, do corolário 2.3.1, digamos sem perda de generalidade, que

. Logo:

Teorema 2.3.3 (Postulado de Bertrand2) Seja um inteiro positivo. Então

sempre existe um primo tal que .

2 Esse teorema recebe o nome de postulado por razões históricas, mas Chebyshev apresentou uma

demosntração, a qual foge do escopo do curso.

Page 17: Dados de Deus - Apostila Teoria dos Números (parte I)

17 Dados de Deus – Teoria dos Números

Prova: Por ser muito extensa, não apresentaremos nessa apostila.

Teorema 2.3.4 (Teorema Fundamental da Aritmética) Qualquer inteiro

possui uma única representação (exceto permutações) como produto de

primos, denominada fatoração canônica.

Prova: Dividiremos a demonstração em 2 partes:

1-) Prova da existência:

Se é primo, não há nada a se provar. Se é composto, então existe d tal que

d e . Dentre todos esses inteiros d, tome como menor (o que é

possível graças ao Princípio da Boa Ordenação).

Se fosse composto, existiria um divisor tal que ; mas como

e , dividiria , contradizendo minimalidade de . Portanto, deve ser

primo.

Com isso, podemos escrever , em que é primo e . Se

for primo, a prova termina. Do contrário, podemos repetir o mesmo argumento

para gerar um segundo primo tal que . Se for

primo, está demonstrado. Se não, repetimos o processo e criamos

.

A sequência não pode continuar indefinidamente. Assim,

após um número finito de passos, teremos chegado à fatoração buscada

.

2-) Prova da unicidade:

Suponhamos haja duas fatorações buscadas possíveis, ou seja:

r s

em que e são todos primos, tais que

e

Considere agora que seja p menor inteiro com duas fatorações desse tipo.

Vamos gerar uma contradição buscando um outro inteiro menor que n que

também possua duas fatorações distintas de primos.

Se existir , então

,

contradizendo a minimalidade de . Logo, para qualquer i r j

s.

Page 18: Dados de Deus - Apostila Teoria dos Números (parte I)

18 Dados de Deus – Teoria dos Números

Assuma sem perda de generalidade que , ou seja, é o menor fator

primo de nas representações acima. Aplicando o algoritmo da divisão, segue

que:

c r

c r

c r

em que r i h.

Temos então:

c r c r c r

Desenvolvendo o segundo membro, obtemos m r r r para algum

inteiro positivo m. Escolhendo r r r , temos m ,

do que segue e k.

Como mostramos, k pode ser escrito como produto de primos k k k .

Por outro lado, fatorando r r r em primos, todos seus fatores são

menores ou iguais a r . De r r . . r , segue que possui fatoração

em primos da forma t t t , em que todos os fatores são menores que

. Tal fatoração é diferente de k k k . Mas , contradizendo a

minimalidade de n. [CQD]

Proposição 2.2.1 Se

é uma decomposição de em primos,

então possui

divisores.

Prova: Seja um primo da fatoração canônica. Todos os divisores de

possuem um fator , com expoente . Assim, para cada primo

temos possibilidades para seu expoente, o que pelo Princípio

Fundamental da Contagem nos dá divisores.

Proposição 2.2.2 Se

é uma decomposição de em primos,

então possui divisores, tal que

Page 19: Dados de Deus - Apostila Teoria dos Números (parte I)

19 Dados de Deus – Teoria dos Números

Prova: Cada divisor de aparece exatamente 1 vez como parcela na

expansão do produto

Lembrando da fórmula da soma de P.G. finita:

Segue o resultado.

Exercícios (Sec. 2.2)

2.2.1) Prove que se é um número primo, então é primo. Primos desta

forma chamam-se Primos de Mersenne.

2.2.2) Prove que se é um número primo, então é potência de 2.

Primos desta forma chamam-se Primos de Fermat.

2.2.3) Seja um primo da forma que divide para alguns

inteiros e . Prove que e são ambos divisíveis por .

2.2.4) Sejam e dois inteiros positivos coprimos, e considere a P.A.

(a) Prove que existem infinitos termos na P.A. que possuem os mesmos

divisores primos.

(b) Prove que existem infinitos pares de coprimos na P.A.

2.2.5) Prove que entre 10 inteiros positivos consecutivos pelo menos um é

coprimo com o produto dos outros.

2.2.6) Seja um primo com , e seja . Prove

que contem dois elementos , tal que e divide .

2.2.7) Suponha que e são números naturais tais que

Page 20: Dados de Deus - Apostila Teoria dos Números (parte I)

20 Dados de Deus – Teoria dos Números

é um número primo. Qual o maior valor possível de ?

2.2.8) Seja um número primo. Prove que existe um primo tal que para cada inteiro , não é divisível por .

2.3 Máximo Divisor Comum (MDC)

Definição 2.3.1 O entre dois inteiros positivos e é o maior inteiro

que divide e simultaneamente. Se , dizemos que e são

coprimos.

Exemplo 2.3.1 Prove que é irracional.

Prova: Suponha por hipótese de absurdo que , i.e.

, em que e

são inteiros positivos coprimos. Temos então:

Da última igualdade concluímos que deve ser par, digamos . Logo:

Assim concluímos que b também é par, o que contradiz nossa premissa de que e são primos entre si.

Exemplo 2.3.2 Mostre que para qualqauer inteiro positivo , existe um múltiplo

de formado apenas por 1s e 0s. Mostre ainda que se é coprimo com 10,

então existe um múltiplo formado apenas de 1s.

Solução: Considere os inteiros . . .

. Quando divididos

por , cada número deixa restos. Pelo Princípio das Casas dos Pombos,

dois desses restos são iguais, portanto a diferença entre os inteiros

correspondentes é da forma e divisível por .

Se é coprimo com 10, então podemos dividir por todas as potências de 10 e

obter um inteiro da forma 111...1 ainda divisível por N.

Exemplo 2.3.3 Prove que, se , então

Page 21: Dados de Deus - Apostila Teoria dos Números (parte I)

21 Dados de Deus – Teoria dos Números

Solução: Sejam , e os conjuntos formados pelos divisores de , e ,

respectivamente. Se , então e . Assim, . Analogamente, se , então e . Assim, .

Seguem abaixo algumas propriedades interessantes do MDC (PROVE-AS!).

Proposição 2.3.1 Sejam e inteiros positivos.

(a) . . .

(b) Se , então . .

(c)

(d) .

Exemplo 2.3.4 (Euclides) Prove que se e , então .

Prova: Temos pelo ítem (a) da proposição 2.3.1 que .

Observe agora que a divide a e m , logo .

Algoritmo de Euclides Euclides desenvolveu um método simples e

engenhoso de se determinar o MDC entre dois inteiros. Vamos explicar com

um exemplo:

Queremos determinar o . Temos que:

.

Tomamos o divisor e dividimos pelo resto:

.

Dividimos agora o primeiro resto pelo segundo:

.

Novamente, dividimos o terceiro resto pelo segundo:

.

Logo, .

Page 22: Dados de Deus - Apostila Teoria dos Números (parte I)

22 Dados de Deus – Teoria dos Números

De fato, o algoritmo resume-se a repetir o seguinte processo até o resto ser 0: 1-) Dividir o maior dos inteiros dados pelo menor. 2-) Dividir o primeiro divisor pelo primeiro resto. 3-) Dividir os restos sucessivamente até chegar a um resto 0.

4-) O buscado é o último divisor.

Teorema 2.3.5 (Bézout) Dados os inteiros não nulos e , existem

tais que:

Prova: Seja o menor inteiro tal que . Dividindo a e por ,

obtemos

Mas é o menor inteiro da forma e como e são restos da divisão

por , e . Logo, a única possibilidade é e portanto e

.

Suponhamos agora que exista tal que e . Logo,

.

Assim, é o maior divisor comum entre e .

O Teorema 2.3.5 nos diz que o MDC entre dois inteiros pode ser escrito como

uma combinação linear dos mesmos. Isso será de grande utilidade na

resolução das chamadas equações diofantinas, que vermos na próxima

apostila.

Exemplo 2.3.6 (IMO 1959) Prove que a fração

É irredutível para todo inteiro positivo .

Page 23: Dados de Deus - Apostila Teoria dos Números (parte I)

23 Dados de Deus – Teoria dos Números

Solução: Essa clássica questão já foi resolvida de inúmeras maneiras, algumas gastando várias páginas. A que vamos apresentar resume-se a uma linha, utilizando o Teorema de Bézout.3 Para todo , , portanto o numerador e o denominador são coprimos. Teorema 2.3.6 (Dirichlet) Se a e b são coprimos, então a P.A. contém infinitos primos.

A demonstração do Teorema 2.3.2 envolve os conceitos de caracteres e L-

séries, que fogem ao escopo do nosso curso. Para mais informações, consulte

a bibliografia.

Exercícios (Sec. 2.3)

2.3.1) Prove que a expresão

É inteira para todos os pares de inteiros positivos com .

2.3.2) Sejam dois números naturais. Demonstrar que

.

2.3.3) Demonstrar que se e são inteiros tais que e

então

2.3.4) Sejam e dois inteiros positivos e seu maior divisor comum.

Demonstrar que existem dois inteiros positivos e tais que

2.3.5) Determine o MDC dos elementos do conjunto .

3 Reza a lenda que esse teorema deu nome á expressão “bizu”. Apenas uma conjectura, rs.

Page 24: Dados de Deus - Apostila Teoria dos Números (parte I)

24 Dados de Deus – Teoria dos Números

2.4 Mínimo Múltiplo Comum (MMC)

Definição 2.4.1 O entre dois inteiros positivos e é o menor

inteiro divisível por e simultaneamente.

Teorema 2.4.1 Sejam e dois inteiros positivos. Então:

.

Prova: Seja

. Suponhamos por hipótese de absurdo que exista um

outro múltiplo de a e tal que . Temos então:

. a

a

Pelo Teorema de Bézout, a . Logo:

Como chegamos a um absurdo, temos que e portanto .

Exercícios Sec. 2.4

2.4.1) Sejam e inteiros positivos tais que

.

Prove que um dos dois números é divisível pelo outro.

2.4.2) (Primeira Olimpíada Matemática de Moscou - 1935) Sejam e

inteiros positivos. Prove que:

. . . .

Page 25: Dados de Deus - Apostila Teoria dos Números (parte I)

25 Dados de Deus – Teoria dos Números

2.4.3) Sejam , b e inteiros positivos. Mostre que

.

. .

Expresse em termos de ,

e .

3 QUESTÕES DIFERENTES

3.1) Dois inteiros positivos são escolhidos. A soma é revelada ao aluno A e a

soma dos quadrados ao aluno B e tanto A quanto B sabem disso. A conversa

entre os alunos foi a seguinte:

B: “Eu não sei quais são os números”

A: “Eu não sei quais são os números”

B: “Eu não sei quais são os números”

A: “Eu não sei quais são os números”

B: “Eu não sei quais são os números”

A: “Eu não sei quais são os números”

B: “Agora eu sei quais são os números.”

Quais são os números?

3.2) Suponha que e são números complexos tais que

são inteiros para quatro inteiros positivos consecutivos . Prove que a fração é

um inteiro para todos os inteiros .

3.3) Prove que

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26 Dados de Deus – Teoria dos Números

é um inteiro positivo.

3.4) Seja um primo ímpar. Mostre que existe no máximo um triângulo não

degenerado com perímetro e área inteira. Caracterize esses primos para os

quais para os quais o triângulo existe.

3.5) Mostre que se e são inteiros positivos, então

é um inteiro somente para um número finito de inteiros positivos .

3.6) Para cada definamos

Se e designa o seu máximo divisor comum, prove que

(Dica: Note que os elementos de são os vértices de um polígono regular de

lados. Logo, devemos provar que a quantidade de vértices comuns a um

polígono regular de lados e outro de lados é ).

3.7) (Lamé) Prove que o número de passos necessários no Algoritmo de

Euclides é no máximo 5 vezes o número de dígitos do menor número.

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27 Dados de Deus – Teoria dos Números

4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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2006.

SANTOS, David A. Teoría Elemental de los Números para Olimpíadas

Matemáticas. 2010.

SATO, Naoki. Number Theory. Art of Problem Solving.

NETTO, Sérgio Lima. A Matemática no Vestibular do IME. 11 ed. 2007.

LEE, Hojoo. Problems in Elementary Number Theory. 2007.

MARTINEZ, Fabio; MOREIRA, Carlos; SALDANHA, Nicolau; TENGAN,

Eduardo. Intrdoução à Teoria dos Números. 2011.