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MARX E ENGELS síntese de uma trajetória teórico-política
Primeira Parteda juventude à revolução burguesa de 1848
Sandra M.M. SiqueiraFrancisco P. Silva
“Seja-me permitido aqui um pequeno comentário pessoal. Ultimamente, tem-se aludido, com frequência, à minha participação nessa teoria; não posso, pois, deixar de dizer aqui algumas palavras para esclarecer este assunto. Que tive certa participação independente na fundamentação e sobretudo na elaboração da teoria, antes e durante os quarenta anos de minha colaboração com Marx, é coisa que eu mesmo não posso negar. A parte mais considerável das ideias diretrizes principais, particularmente no terreno econômico e histórico, e especialmente sua formulação nítida e definitiva, cabem, porém, a Marx. A contribuição que eu trouxe – com exceção, quando muito, de alguns ramos especializados – Marx também teria podido trazê-la, mesmo sem mim. Em compensação, eu jamais teria feito o que Marx conseguiu fazer. Marx tinha mais envergadura e via mais longe, mais ampla e mais rapidamente que todos nós outros. Marx era um gênio; nós outros, no máximo, homens de talento. Sem ele, a teoria estaria hoje muito longe de ser o que é. Por isso, ela tem, legitimamente, seu nome” (Engels, Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã).
Dedicatória
A todos os companheiros que lutam pelo socialismo..
Aos integrantes do Laboratório de Estudos e Pesquisas Marxistas (LeMarx).
Aos nossos pais, irmãos e filhos.
Sumário
Introdução,
PRIMEIRA PARTE
I – A juventude, os hegelianos de esquerda e as inquietaçõesII – A Paris revolucionária e uma nova teoria da história em gestaçãoIII – O acerto de contas com o passado e o nascimento do materialismo histórico IV – A crítica da sociedade burguesa, a Liga Comunista e a classe operária em ascensãoV – A revolução de 1848, o Manifesto Comunista, o programa do proletariadoVI – A contra-revolução burguesa e as lições da Revolução de 1848
SEGUNDA PARTE
VII – A retomada dos estudos econômicos e o advento de Para a crítica da economia políticaVIII– O Capital, a análise do capitalismo e as possibilidades do socialismo IX – As lutas operárias nos vários países e a Primeira InternacionalX – A experiência da Comuna de Paris de 1871 e as lições sobre a transição ao socialismoXI – Os partidos operários, a luta contra o oportunismo e a defesa da estratégia socialistaXII - O legado de Marx, o esforço científico e o companheirismo de Engels
Conclusão, Bibliografia.
Prefácio
Os homens apenas interpretaram o mundo de diferentes maneiras; porém, o que importa é transformá-lo (Marx, Teses ad Feuerbach)
O presente livro é produto de nossas atividades teórico-
políticas, tanto no seio da Universidade, junto ao Laboratório de
Estudos e Pesquisas Marxistas (LeMarx), sediado na Faculdade
de Educação da Universidade Federal da Bahia (FACED/UFBA),
quanto de nossa atuação no campo da luta de classes como
militantes socialistas.
Trata-se de uma pequena introdução à vida e à obra dos
fundadores do marxismo: Karl Marx e Friedrich Engels. O que se
pretende com o texto é despertar a curiosidade e o desejo de
conhecimento entre a juventude e os trabalhadores quanto à
leitura do marxismo, a partir de uma exposição didática sobre a
vida e obra de Marx e Engels, pelo menos em seus aspectos
mais decisivos. Mas não só isso.
Como disseram os dois revolucionários, não basta apenas
interpretar o mundo, a história, a sociedade e os indivíduos, é
preciso transformar a realidade. A teoria necessita se transformar
em força material, isto é, em instrumento para a organização
política dos explorados (em particular da classe operária) e para
a superação da sociedade capitalista e a construção do
socialismo. A própria teoria deve ser elaborada a partir da vida
real. Quando divorciada de uma prática política efetiva, a teoria
acaba se dissolvendo em mera retórica intelectual.
O marxismo, ao assimilar o que de melhor foi adquirido pela
cultura do passado (o conhecimento historicamente produzido
pelas várias gerações na história humana), tornou-se uma
concepção e um método de investigação e apropriação do
movimento do real, em suas contradições, em seus processos e
transformações históricas. A realidade passou a ser captada a
partir de um ponto de vista dialético, superando as concepções
idealistas e materialistas anteriores, marcadas pelo modo
metafísico (estanque, isolado, desarticulado, sem historicidade)
de pensar.
Dessa forma, o marxismo contribui (e continua a contribuir
ainda mais na atual crise estrutural do capitalismo!) de forma
decisiva para a elevação dos conhecimentos no âmbito da
filosofia e da ciência, em particular das ciências sociais
(Economia, História, Teoria Política, Educação, Direito,
Sociologia, etc.). Para tanto, Marx e Engels tiveram de assimilar
o patamar científico e filosófico de ideias desenvolvido até então,
produzindo uma nova teoria: a concepção materialista e dialética
da história.
Sem o desenvolvimento do modo de produção capitalista, o
avanço das forças produtivas com a Revolução Industrial do final
do século XVIII e começo do XIX, o advento da classe operária,
sua organização e resistência à exploração do capital, a teoria
marxista não teria aparecido na cena histórica. Portanto, o
marxismo é produto de todas essas transformações econômicas,
sociais e políticas. É, em essência, um conhecimento a serviço
da emancipação do proletariado e demais explorados, isto é,
uma arma teórico-prática na organização e luta dos
trabalhadores pela superação do capitalismo e construção do
socialismo.
Colocando-se do ponto de vista do proletariado, o marxismo
resgatou a filosofia materialista e lhe deu uma base dialética.
Aplicou-a ao conhecimento da história da humanidade,
elaborando o materialismo histórico-dialético. Utilizou-o para a
compreensão das diversas formações econômico-sociais, desde
as sociedades primitivas ao capitalismo. Produziu a mais
profunda análise da sociedade capitalista, das suas bases
econômicas, das relações de classes e suas lutas político-
ideológicas, da estrutura social, da superestrutura jurídico-política
e das formas de consciência social.
Mostrou as possibilidades abertas pelo capitalismo à
construção do socialismo (ciência, técnica e socialização do
trabalho e da produção), a importância das organizações dos
trabalhadores, o desenvolvimento de sua consciência política de
classe e a necessidade do partido político revolucionário na luta
por uma nova sociedade. Enfim, forneceu-nos um método de
investigação da realidade, em toda a sua complexidade,
contradições e transformações.
Marx e Engels retiraram o véu da neutralidade reivindicada
pelos pensadores e demonstrou a determinação histórico-social
da ciência, da filosofia e das diversas formas de consciência
social, que aparecem e desaparecem em meio aos conflitos
materiais existentes e aos diferentes interesses entre as classes.
Nenhum pensador ou pesquisador desenvolve o conhecimento a
partir do nada ou isoladamente. A ciência e as demais formas de
conhecimento são condicionadas historicamente, não só pelo
patamar cultural do passado, mas pelo estado das condições
históricas, sociais, econômicas e políticas do contexto em que
são produzidas.
Numa sociedade baseada na propriedade privada, nas
diferenças materiais, nos conflitos de interesses, nas classes
sociais e na luta de classes não pode haver neutralidade
científica, em particular nas ciências sociais. Mesmo as ciências
naturais sofrem os influxos das contradições de classes, na
medida em que são controladas pelos grandes laboratórios dos
conglomerados capitalistas, que submetem a investigação
científica à medida do lucro e à acumulação do capital. Os
monopólios se apropriam das grandes conquistas da ciência e da
técnica, determinam os seus investimentos, metas, objetivos e
limites de sua aplicabilidade.
Hoje, a intelectualidade identificada com a sociedade
burguesa não é capaz de negar a relevância do marxismo no
século XX para a teoria científica e filosófica, nem para a prática
política de milhares de homens e mulheres em todo o mundo,
embora se oponham intransigentemente à concepção
revolucionária de Marx e Engels. O que fazem é alegar a sua
atualidade ou a sua morte em razão da desagregação do que
chamavam de “socialismo real”.
Esse cabedal de conhecimentos produzido pelos fundadores
do marxismo, bem como pelos seus continuadores (os marxistas)
precisa ser objeto de estudo da juventude e dos trabalhadores,
preocupados com os rumos da vida social e o futuro da
humanidade. A crise econômica de 2008 mostrou definitivamente
a justeza das análises dos fundadores do marxismo e sua
atualidade para o debate sobre a crise estrutural do capitalismo e
a luta dos explorados pelo socialismo. Sem o marxismo como
guia, não avançaremos. Sob sua bandeira, teremos maiores
condições de vencer todos os obstáculos que se antepõem à luta
socialista, avançado teórica e praticamente na organização
política da classe trabalhadora e na elevação da consciência de
classe.
Tentamos abordar a temática de uma forma didática e
compreensiva para os que se iniciam no estudo do marxismo.
Cada temática foi desenvolvida procurando aproveitar o melhor
de cada obra e cada contexto histórico da vida de Marx e Engels
e de sua inserção no movimento operário e socialista de sua
época, em seus avanços e retrocessos, nas polêmicas com
tendências teóricas e políticas opostas, na assimilação das
conquistas da ciência de sua época.
Assim, dividimos o texto em dez capítulos, enfocando a
evolução das ideias e, articuladas a elas, da prática política de
Marx e Engels, em consonância com o contexto histórico de sua
época. Ao final do livro, colocamos à disposição dos leitores uma
bibliografia ampla sobre as ideias marxistas, com base na qual
se poderá aprofundar a investigação. Esperamos que o livro
cumpra o objetivo desejado, qual seja despertar o interesse pelo
marxismo e contribuir para a prática socialista.
Salvador, janeiro de 2012.
Sandra M. M. Siqueira
Francisco Pereira
Introdução
E quando, na primavera de 1845 ele (Engels) veio domiciliar-se em Bruxelas, resolvemos trabalhar em comum para salientar o contraste de nossa maneira de ver com a ideologia da filosofia alemã, visando, de fato, acertar contas com a nossa antiga consciência filosófica (Marx, Prefácio à Contribuição a crítica da economia política).
Alguns marxistas, estudando a evolução da obra e da vida de
Marx e Engels, tentaram estabelecer uma relação entre os textos
da juventude e da maturidade dos fundadores do marxismo. O
objetivo era fixar mais claramente o momento em que surgiu a
concepção materialista da história, base das concepções
marxistas sobre a história, as formações econômico-sociais pré-
capitalistas, a sociedade burguesa, os indivíduos, as classes
sociais e as possibilidades do socialismo.
Uns identificaram esse momento qualitativo por ocasião em
que Marx, em 1843, produziu a primeira crítica de Hegel na obra
Crítica da filosofia do direito de Hegel, encontrando a
determinação social do Estado e do direito na própria
organização da sociedade. Outros deram ênfase aos textos
publicados nos Anais Franco-alemães (1844), tais como A
questão judia e a Crítica da filosofia do direito de Hegel –
Introdução, em que Marx descobre o proletariado como a classe
revolucionária da sociedade moderna e contrapõe a
emancipação humana à mera emancipação política burguesa.
Por sua vez, alguns viram nos Manuscritos econômico-
filosóficos (ainda em 1844) o momento no qual, articulando
filosofia e economia, Marx esboçou a primeira e mais original
crítica de conjunto das categorias burguesas. Por fim, não
faltaram os que estabeleceram o manuscrito de A ideologia
alemã, de 1845/1846, como o marco da nova concepção
científica da história da humanidade. Por coincidência, ambos os
manuscritos não foram públicos em vida por Marx e Engels.
Essa forma de abordar a relação entre a obra da maturidade
e da juventude de Marx e Engels, bem como o percurso trilhado
pelos fundadores do marxismo para romper com o idealismo
jovem-hegeliano, aderir à filosofia materialista, desenvolvê-la sob
o ponto de vista dialético, elaborar a concepção materialista da
historia e aplicá-la à análise da sociedade capitalista não resolve
os problemas, apenas obscurece o caráter dialético da evolução
intelectual e da articulação do pensamento marxista com o
movimento operário.
A tarefa fundamental consiste em compreender como se deu
o processo (e se trata de um processo dialético) de elaboração
das ideias marxistas em necessária vinculação com a prática
revolucionária de Marx e Engels, no contexto histórico em que
viveram e desenvolveram a sua trajetória teórico-política. É
evidente, veremos, que o marxismo plenamente amadurecido
não brotou do nada, foi produto da luta política e teórica no seio
do movimento operário internacional, na contramão das
tendências filosóficas e políticas utópicas (como, por exemplo, as
diversas vertentes do socialismo europeu e o anarquismo),
contra a influência das ideias burguesas, que tinham alguma
influência no seio do proletariado, visando a superação das
ilusões democráticas dos trabalhadores no sistema capitalista e
suas instituições jurídico-políticas.
Durante suas vidas, os dois revolucionários procuraram
avançar as ideias socialistas, a partir dos avanços da ciência,
divulgar e defendê-las, atuando em estreita vinculação com o
movimento operário, junto às suas organizações políticas. Deram
ao pensamento filosófico e científico da sociedade um profundo
desenvolvimento, na medida em que assimilaram criticamente as
principais aquisições culturais da humanidade no campo da
filosofia, da história, da ciência, da política e da economia.
Apropriando-se do sistema filosófico idealista hegeliano (que
fazia da história um produto do espírito absoluto), Marx e Engels
assimilaram o seu núcleo revolucionário, a dialética, e a
desvincularam do seu envólucro místico. Compreenderam a
literatura filosófica, tanto vinculada ao idealismo filosófico como à
filosofia materialista. Sabiam da importância da ciência (desde
Copérnico, Kepler, Galileu e Newton) e da filosofia (de Hobbes a
Bacon e Locke, destes aos Iluministas do século XVIII como
Diderot, Holbach e Helvétius).
Através de Ludwig Feuerbach, que havia criticado o sistema
hegeliano, resgatando as conquistas dos pensadores
materialistas do século XVIII e realizado a crítica da religião
(expondo suas formas de alienação sobre os homens), Marx e
Engels passaram ao materialismo filosófico e, da crítica desse
patamar teórico, fundaram o materialismo dialético, que
utilizaram para o estudo da história e das formações econômico-
sociais, inclusive do capitalismo.
Diferentemente da metafísica, típica dos pensadores
dominantes (até o resgate da dialética efetuado por Hegel), que
encarava as coisas e os fenômenos isolados, desarticulados,
parados, estanques e descontextualizados, a dialética constituía
um modo de pensar o real em suas contradições, movimento,
mudanças, transformações, articulações e em seu contexto
histórico. A história, que em Hegel aparecia como um processo
de expressão do espírito, para Marx e Engels é igualmente um
processo, mas construído pelos homens concretos, em
determinadas condições materiais, tendo como fundamento o
trabalho. Nas sociedades classistas, marcadas pela divisão
social em classes antagônicas, a luta de classes é o verdadeiro
motor das transformações históricas.
Marx e Engels leram o melhor da produção da ciência
econômica de sua época, de William Petty a Quesnay, de Adam
Smith a David Ricardo. Compreenderam as ideias da Economia
Política clássica e do conjunto de sua análise sobre a sociedade
capitalista tiraram conclusões revolucionárias como a teoria do
valor-trabalho e da mais-valia, desvelando o segredo do lucro e
da riqueza produzida pelos trabalhadores e apropriada pelas
diferentes frações da classe dominante (industriais,
comerciantes, banqueiros, financistas, proprietários de terras
etc.), na forma de lucro, juro e renda da terra.
Souberam extrair da crítica dos socialistas utópicos (Sant-
Simon, Charles Fourier, Etiene Cabet, Robert Owen etc.) o mais
expressivo das suas concepções sobre as contradições da
sociedade burguesa industrial e das mazelas que a propriedade
privada provoca entre os trabalhadores. Mas souberam ir além:
deram ao socialismo uma base científica, que lhe faltava, com a
compreensão igualmente científica e profunda das contradições
econômicas, sociais e políticas da sociedade burguesa e das
possibilidades criadas no seio da dominação do capital (ciência,
técnica e socialização do trabalho) para sua superação e
construção do socialismo.
Superaram também a indiferença e a desconfiança dos
socialistas utópicos em relação ao proletariado, ancorando no
movimento da classe operária a luta pelo socialismo. Não se
tratava, para Marx e Engels, de elaborar projetos utópicos de
sociedades futuras, recorrendo aos burgueses esclarecidos,
como faziam os pensadores socialistas pré-marxistas. O objetivo
concreto era articular a teoria socialista à prática revolucionária
no seio do movimento operário, construindo a organização
política do proletariado, defendendo a sua independência de
classe frente ao Estado dominante, à burguesia e seus governos,
desenvolvendo a sua consciência política pela experiência da
luta de classes.
Marx e Engels absorveram os melhores estudos políticos até
então realizados. Estudaram avidamente a história da
humanidade e as suas mais diversas formações econômico-
sociais, assimilaram as aquisições das ciências que estudavam o
passado do homem (em particular os estudos do historiador e
antropólogo americano Lewis Morgan), compreenderam os
processos revolucionários mais importantes da época moderna,
na Inglaterra e na França, a intervenção das classes sociais e
dos seus interesses antagônicos em choque, participaram e
avaliaram criticamente a experiência da revolução de 1848 na
França e Alemanha, tiraram conclusões da transição do
capitalismo ao socialismo pela análise da Comuna de Paris de
1871.
Como vemos, Marx e Engels tiveram de trilar um caminho
complexo e tortuoso, como todos os grandes cientistas, para
chegar aos cimos do conhecimento, ao ápice das ciências sociais
da nossa época. Constituíram a mais profunda, justa e atual
concepção de mundo, de história, de sociedade e dos indivíduos,
ainda não superada. A obra de Marx e Engels é não só uma
tentativa bem sucedida de compreender a história da
humanidade a partir da filosofia materialista, superando as
formas teóricas do idealismo, predominantes antes deles, e, a
partir da compreensão da história, a aplicação do materialismo
histórico à crítica da sociedade capitalista, das suas contradições
e da compreensão das possibilidades abertas para a sua
superação pelos trabalhadores.
Ainda em vida, os dois revolucionários viram suas ideias
penetrarem e influenciar setores do movimento operário e
socialista tanto no seio da Associação Internacional dos
Trabalhadores, a Primeira Internacional, quanto nos partidos
operários socialistas fundados nas últimas décadas do século
XIX, em vários países, em particular o Partido Social-Democrata
Alemão e na Segunda Internacional (acompanhados de perto por
Engels até o final de sua vida, após a morte de Marx).
No século XX, várias organizações, partidos, movimentos
sociais, sindicatos e associações atuaram sob sua bandeira.
Revoluções tiveram o marxismo como seu referencial, entre elas
a mais importante, a Revolução de 1917, liderada pelo Partido
Bolchevique de Lênin e Trotsky. Enfim, a Terceira e Quarta
Internacionais fizeram avançar a teoria marxista à análise dos
problemas candentes do século XX. Chegamos ao século XXI
com derrotas e vitórias político-teóricas.
O capitalismo, em sua fase imperialista, caracterizada pelos
monopólios, pelo capital financeiro, pelas guerras, revoluções e
contra-revoluções encontra-se numa crise estrutural de grande
envergadura. O capital tentou de todas as formas reverter a
tendência de queda da taxa de lucro, analisada por Marx em O
Capital, através de medidas as mais diversas como a
reestruturação das empresas, flexibilização das relações de
trabalho, reformas neoliberais de destruição de conquistas e
direitos, liberalização de movimento do capital financeiro,
rebaixamento do nível médio dos salários dos trabalhadores,
intervenções bélicas em países de capitalismo atrasado para
controlar as suas riquezas e minar a resistência de povos,
aplicação da técnica e da ciência etc. Só se conseguiu produzir
mais desemprego, fome, miséria, violência e destruição da
natureza.
Todas as teorias, da esquerda adaptada ao capitalismo, do
centro e da direita, que defenderam a insuperabilidade, o
melhoramento, regeneração ou mesmo a humanização do
capitalismo foram, uma a uma, desmascaradas pela história.
Tanto o liberalismo, que eleva a liberdade econômica do capital a
princípio absoluto, o keynesianismo, que defendia uma economia
capitalista com certos controles estatais, e o neoliberalismo,
desastroso para os trabalhadores, mostraram a sua verdadeira
face: seu vínculo com a dominação do capital sobre o trabalho,
seu papel de instrumentos de legitimação do capitalismo.
O capitalismo sobrevive, na época imperialista, aprofundando
as suas crises e contradições, destruindo as conquistas e direitos
dos trabalhadores, aumentando o fosso entre capital e trabalho,
tornando instáveis e inseguras as condições de vida do conjunto
dos assalariados, camponeses, juventude e da classe média
urbana arruinada pelas crises. A perenidade do sistema, criticada
com afinco por Marx e Engels, não passa de um adorno
ideológico para encobrir o seu verdadeiro caráter, sua
transitoriedade, historicidade e, portanto, superabilidade.
Se nós vivenciamos uma crise estrutural do capitalismo, por
que não conseguimos superá-lo e abrir uma nova página na
história da humanidade? A resposta não é simples, tem a ver
com a história das lutas sociais no século XX e das que se abrem
no século XXI. No momento atual permanece a contradição
apontada por Leon Trotsky no Programa de Transição, escrito
em 1938, por ocasião da fundação da Quarta Internacional, entre
as condições objetivas para a superação do capitalismo (o
desenvolvimento da técnica, da ciência, a socialização do
trabalho e da produção, as crises etc.) e as condições subjetivas
(o avanço da consciência de classe e a organização política dos
explorados).
A longa agonia do capitalismo tem como contrapartida o
retrocesso da consciência política de classe e a fraqueza
organizativa do proletariado e demais explorados nas últimas
décadas. O largo domínio do estalinismo nos países onde
ocorreram revoluções e nos movimentos sociais, as derrotas
decorrentes da prática dos partidos comunistas burocratizados
em vários países, o curso tomado pelos governos do chamado
“bloco socialista”, a deformação do marxismo pela vulgata
estalinista etc. contribuíram decisivamente para o estágio atual
dos movimentos e das organizações políticas. A queda da ex-
União Soviética e do Leste Europeu, além da restauração do
capitalismo em outros países teve impacto profundo na esquerda
em todo o mundo.
E, no entanto, o marxismo continua vivo. Os acontecimentos
ao contrário de superá-lo, tornam-no ainda mais atual. Lênin
definiu o marxismo a seu tempo como “o sistema das ideias e da
doutrina de Marx” (2006:15). Hoje, podemos dizer sem errar: o
marxismo é o conjunto das concepções de Marx e Engels,
desenvolvido, alargado e aprofundado por muitos outros
marxistas, tais como o próprio Lênin, Trotsky e Rosa
Luxemburgo. Mas não só eles. Em todos os continentes, os
marxistas se esforçaram para conhecer a realidade e as
especificidades de cada país, com o objetivo de elaborar o
programa socialista e reforçar a organização política da classe
operária e demais explorados.
Esta tarefa, que moveu gerações de militantes, continua
plenamente atual para a nossa geração e para as gerações
futuras. Não temos, pois, tempo a perder. O marxismo nos
forneceu uma filosofia materialista dialética, uma concepção
materialista e dialética da história, uma análise dos elementos
fundamentais das formações econômico-sociais pré-capitalistas,
uma crítica profunda da estrutura econômica, social e política da
sociedade burguesa, uma abordagem das possibilidades do
socialismo, uma base política, pela assimilação da experiência
da luta da classe operária, para a sua organização em partido.
Esse conjunto de análises deixado por Marx e Engels não
pode ser tomado como dogma, petrificado ou mistificado. Ao
contrário, os fundadores do marxismo sempre ensinaram que os
autênticos revolucionários socialistas devem ter o maior rigor
possível com o conhecimento da realidade e estar atentos
permanentemente às transformações da história. Por isso, cabe
aos marxistas não só assimilar o patamar de conhecimentos
produzidos por Marx e Engels, mas avançar na teoria e na
prática socialista, em estreita vinculação com o movimento
operário e dos demais explorados, estudando os avanços
científicos de cada época, incorporando-os à concepção
marxista.
Quando a burguesia e seus representantes teóricos desejam
criticar o marxismo alegam, em primeiro lugar, que Marx e
Engels não deram conta dos problemas atuais. Trata-se
evidentemente de uma acusação despropositada, afinal Marx e
Engels viveram no século XIX e não podiam, por razões óbvias
analisar problemas que só se desenvolveram no século XX e
continuam presentes no século XXI. Entretanto, os fundadores
do marxismo compreenderam como profundidade e expuseram
as tendências da sociedade capitalista, como por exemplo, as
crises, suas causas e consequências, a formação dos
monopólios como resultado da concorrência, a concentração
(pela extração da mais-valia, isto é do excedente econômico
produzido pelos trabalhadores) e centralização (pela fusão) de
capitais.
O método materialista dialético elaborado por Marx e Engels
possibilitou aos marxistas do século XX dar continuidade ao
processo de análise das transformações capitalistas, o que foi
feito pelo esforço de homens e mulheres como Lênin, Trotsky e
Rosa Luxemburgo, entre tantos marxistas. Souberam atualizar o
pensamento de Marx e Engels sobre a fase imperialista do
capitalismo, suas contradições e consequências para a história
da humanidade, contribuíram para a organização do proletariado
e suas formas político-organizativas, em particular do partido
revolucionário, avançaram na compreensão da luta de classes,
da dinâmica entre capital e trabalho, da tática e da estratégia do
proletariado no processo revolucionário tanto nos países de
capitalismo avançado como nos países atrasados (coloniais e
semicoloniais).
No momento atual, os marxistas têm uma tarefa essencial
que é a superação da crise de direção revolucionária aberta com
o processo de destruição das conquistas das revoluções socais e
a restauração capitalista nos países onde a classe operária e os
demais explorados tomaram o poder (ex-União Soviética, Leste
Europeu, China etc.) e o fim da Terceira Internacional, sepultada
pelo stalinismo na década de 1940, depois de uma longa agonia
desde a década de 1920, quando as teses de Stalin sobre o
“socialismo em um só país” e a “revolução por etapas” se
tornaram dominantes na Rússia e nos partidos comunistas do
mundo todo.
O estalinismo significou uma deformação do marxismo e uma
degeneração do processo revolucionário nos Estados, partidos e
organizações dominadas pela burocracia no poder. Significou o
extermínio de grande parte da vanguarda comunista organizada
no Partido Bolchevique da época de Lenin e Trotsky. Os
chamados Processos de Moscou na década de 1930 na Rússia
levaram inúmeros revolucionários a julgamentos por crimes pré-
fabricados pela burocracia stalinista. Homens como Bukárin,
Zinoviev e Kamenev foram mortos e forçados à abjuração. A
oposição de esquerda trotskista (que lutava obstinadamente
contra a deformação, a burocratização e a destruição das
conquistas da revolução) foi exterminada no país dos soviétes e
desencadeado um processo de perseguição e morte a Leon
Trotsky.
A economia soviética sofreu com os métodos da burocracia,
travando seu avanço frente aos países imperialistas, apesar das
grandes conquistas da Revolução de Outubro como a
socialização dos meios de produção, a nacionalização da terra, a
planificação da economia e o monopólio do comércio exterior. Na
segunda metade do século XX, a economia soviética já se
mostrava debilitada, perdendo de vez as vantagens adquiridas
pela planificação da economia e pelos métodos de socialização,
tendo consequências graves para a vida dos trabalhadores
soviéticos, principalmente a escassez de produtos essenciais. A
restauração capitalista se aprofundou nas décadas de 1980 e
1990 nos países do Leste Europeu e na União Soviética,
levando-os à desagregação econômica e política e ao fim das
grandes conquistas. O resultado foi a imposição das relações
capitalistas e de todas as suas mazelas, como desemprego,
miséria e exploração.
Com o fim da União Soviética e do Leste Europeu, bem como
do avanço da restauração capitalistas em outros países onde
ocorreram revoluções e os explorados chegaram ao poder, uma
parte expressiva da esquerda mundial se adaptou
completamente ao capitalismo, às suas instituições e aos
métodos burgueses de governar (parlamento e eleições),
seguindo os passos da social-democracia europeia e
internacional, do estalinismo e do chamado Eurocomunismo dos
Partidos Comunistas da França, Itália e Espanha.
Uma esquerda que, em sua grande maioria, foi talhada na
visão stalinista do marxismo e que aplicou toda uma política em
vários países de alianças com setores da burguesia (dita
progressista), que levou o proletariado a inúmeras derrotas em
várias situações e processos revolucionários (como Alemanha,
França, Itália, Espanha etc., antes e depois da Segunda Guerra)
não teve qualquer dificuldade de consolidar uma trajetória de
conciliação de classes em todo o mundo e de adaptação ao
eleitoralismo e ao parlamentarismo em benefício evidente para a
dominação do capital sobre o trabalho.
Essa realidade de adaptação de uma parte expressiva da
esquerda ao Estado burguês e à disputa institucional pelo poder
através das eleições e do parlamento, colocando-se como
alternativa no interior do modo de produção capitalista para
gerenciamento dos negócios comuns da burguesia, isto é, a
administração estatal, impõe para a esquerda socialista marxista
a luta pela superação da crise de direção revolucionária, a
atuação contínua nas organizações constituídas pelo proletariado
e demais explorados (sindicatos, associações e movimentos
sociais) e a construção de um autêntico partido da revolução
socialista.
Significa dizer que a velha separação da social-democracia
(depois assimilada pelas organizações comunistas estalinizadas)
entre o programa mínimo (reivindicações democráticas e
econômicas) e o programa máximo (a estratégia socialista) deve
ser superada definitivamente. A tarefa consiste em articular a luta
cotidiana pelas reivindicações democráticas e elementares de
vida e trabalho do proletariado e demais explorados (salário,
emprego, terra, moradia, menor jornada, direitos e conquistas
sociais etc.) com o objetivo estratégico da tomada do poder e da
construção do socialismo. Sem isso, não conseguiremos avançar
na luta.
Por tudo o que foi dito, vale apena estudar o marxismo na
atualidade. E mais: assimilar a teoria marxista é uma
necessidade histórica para a intervenção política na luta de
classes, para a superação do capitalismo e construção do
socialismo. Não tem qualquer sentido a polêmica em torna de um
suposto fim do socialismo ou morte do marxismo, com a
desagregação da União Soviética e do Leste Europeu. O que
esteve (e está!) em crise não é a concepção fundada por Marx e
Engels, mas o próprio capitalismo. Evidentemente, os teóricos
burgueses tentam de todas as maneiras desviar a atenção dos
lutadores, embotar a consciência políticas dos trabalhadores e da
juventude, enquanto o Estado burguês e os capitalistas agem
para desorganizar os explorados.
Dito isso, podemos passar a uma síntese da evolução
histórica do pensamento de Marx e Engels, a partir das suas
obras, do contexto histórico em que viveram e da sua articulação
com o movimento operário.
I A juventude, os hegelianos de esquerda e as
inquietações
A crítica alemã não abandonou, até os seus esforços mais recentes, o terreno da filosofia. Longe de examinar as suas premissas filosóficas gerais, as suas questões saíram todas do terreno de um sistema filosófico determinado, o de Hegel (Marx e Engels, A ideologia alemã).
Karl Marx nasceu a 05 de maio de 1818 em Trier, na
Alemanha, morreu a 14 de março de 1883, em Londres,
Inglaterra. Friedrich Engels nasceu a 28 de novembro de 1820
em Barmen, na Alemanha, faleceu a 05 de agosto de 1895, em
Londres.
Marx era filho de um advogado judeu de nome Heinrich Marx
(1782-1838) e de Henriette Pressburg (1787-1863). Seu pai se
converteu posteriormente ao protestantismo por causa das
pressões da aristocracia de sua época ao exercício de direitos
pelos judeus, em particular cargos na esfera do Estado. Não
obstante, o pai de Marx era adepto de ideias liberais e
democráticas, razão pela qual sua casa constituía um ambiente
de discussão em torno de teóricos liberais, como Voltaire,
Rousseau, Diderot e demais pensadores iluministas. Engels, de
outro lado, era filho de um rico industrial do ramo têxtil da
Alemanha, de família religiosa e conservadora, em cujo seio teve
uma formação calvinista.
Na Inglaterra, havia ocorrido a revolução democrático-
burguesa do século XVII e a revolução industrial do século XVIIII
e começos do século XIX. Na França, ocorreu a revolução
democrático-burguesa de 1789, quando a burguesia chegou
definitivamente ao poder político do Estado. A ciência e o
conhecimento filosófico ressurgiram com força e profundidade,
constituindo-se instrumentos na luta da burguesia contra o clero
e a nobreza feudais.
Gradualmente, as ideias iluministas e científicas tiveram
ressonância na Alemanha, que conhecera, desde o século XVIII,
a constituição do idealismo filosófico nas figuras de Lessing,
Fichte, Kant e Hegel. Este último filósofo tinha chegado ao ápice
da filosofia idealista, elaborando um sistema filosófico amplo e
profundo a partir do resgate e desenvolvimento do método
dialético, influenciando a juventude quanto à forma de pensar o
mundo, a história, a sociedade e o indivíduo.
O contexto histórico, no qual Marx e Engels nasceram e
cresceram, é marcado, portanto, pela influência das ideias
liberal-democráticas e pelas transformações capitalistas na
Alemanha, que se refletiam nas condições políticas, sociais e
jurídicas. A Renânia, onde Marx nasceu, por exemplo, esteve
sob domínio Francês na época de Napoleão e havia conhecido
um certo clima de liberdade.
A Alemanha ainda era dividida em várias regiões, sendo a
mais importante, a Prússia. Vivia-se também numa monarquia,
que retardava a passagem ao capitalismo, mantinha as relações
pré-capitalistas feudais no país, estava articulada ao domínio
espiritual da Igreja decadente e mantinha muitas limitações à
liberdade de expressão, organização e de imprensa.
Entretanto, como uma toupeira, as relações econômicas
capitalistas agiam sorrateiramente, introduzindo a produção e
circulação burguesa no país. À medida que avançava, causava
ebulição na juventude, que ansiava por liberdade de expressão,
modernização das relações políticas, econômicas e a
transformação do regime político estatal.
A industrialização na Europa, particularmente na Inglaterra,
fez brotar um proletariado fabril assalariado, marcado pela
exploração e pelas condições desumanas de vida e trabalho. As
suas condições materiais de existência e a exploração promovida
pelo capital empurravam-no para a organização (associações,
sindicatos, movimentos etc.) e formas de lutas (greves,
paralisações, ocupações etc.). Os ecos da batalha futura
começavam a emergir também na Alemanha.
Marx e Engels chegaram ao mesmo referencial filosófico por
caminhos bem particulares. Engels não terminou um curso
superior, mas chegou a frequentar algumas aulas de filosofia.
Educado para suceder o pai nos negócios (seu pai era sócio de
fábricas têxteis), mostrou, desde jovem, dotes literários na
escola, sendo influenciado inicialmente pelos pensadores
liberais-democráticos. Em 1841, Engels se uniu ao círculo jovem-
hegeliano e destacou-se na crítica da filosofia conservadora de
Schelling, teórico opositor das ideias de Hegel. Por influência de
Moses Hess, revolucionário alemão, Engels se tornou comunista
mais cedo que Marx. Em 1842, Engels viaja a Manchester para
assumir os negócios do pai.
Marx, aos 17 anos, ingressou na Universidade de Bonn, onde
cursou Direito, transferindo-se em seguida para a Universidade
de Berlim. Numa Carta ao pai, datada de 1837, uma das únicas
preservadas, Marx apresenta um balanço de seu
desenvolvimento intelectual no primeiro ano de estudos na
Universidade de Berlim. Relata seu interesse pela poesia,
ciência, filosofia e arte. Diz que, ao estudar o direito, sentiu a
necessidade da reflexão filosófica. Como era característico de
Marx, para passar a um novo patamar intelectual, realizava uma
avaliação crítica do seu passado e das suas referências teóricas.
Essa carta é, portanto, a síntese do encontro inicial com as
ideias de filósofos idealistas como Kant e Fichte, da insatisfação
quanto ao sistema filosófico desses autores na explicação dos
dilemas que vivenciava. Mas, ao mesmo tempo expressa as
debilidades teóricas de Marx e a necessidade de superá-las a
partir do novo patamar teórico que havia chegado: o sistema
hegelinao. Por isso, Marx já deixa patente a influência de Hegel,
ao dizer que, para além do formalismo kantiano, que fazia uma
divisão entre o real e o ideal, entre as idéias e a realidade (dever
ser e ser), era preciso investigar as idéias na realidade mesma,
em seu movimento, em suas contradições, em seu devir.
Marx expõe como se deu sua leitura inicial, necessariamente
tortuosa, de Hegel e seu encontro com o Clube de Doutores
(Doctorclub), a ala esquerda do pensamento hegeliano, da qual
faziam parte Bruno Bauer, Karl Köppen, Adolf Rutenberg, Edgar
Bauer, Ludwig Buhl, Karl Nauwerk e Max Stirner. É o início de
uma complexa, crítica e autocrítica, relação com o pensamento
hegeliano.
Marx doutorou-se em 1841, em filosofia, na Universidade de
Iena, com a apresentação de uma tese de doutoramento sobre
os filósofos materialistas da antiguidade, Demócrito e Epicuro.
Sua tese intitulou-se: Diferença entre as filosofias da Natureza
em Demócrito e Epicuro.1 É a última presença de Marx na
academia enquanto viveu. Não chegou a frequentar mais a
universidade pelo resto de sua vida. Ao contrário, teve de
enfrentar pelo resto da sua vida o preconceito e a oposição da
intelectualidade acadêmica.
Em sua tese, Marx desenvolve uma análise criativa e única
dos filósofos materialistas da antiguidade e suas importantes
contribuições para o desenvolvimento filosófico e científico, em
especial a explicação materialista a partir do átomo. Demócrito e
Epicuro, diz Marx, não receberam a devida atenção da filosofia
moderna, inclusive de Hegel. Em meio ao idealismo filosófico
reinante na atmosfera intelectual da antiguidade, os dois filósofos
materialistas tentaram explicar o mundo a partir de elementos da
1Há as seguintes publicações em português: Karl Marx, Diferença entre as Filosofias da Natureza em Demócrito e Epicuro (Lisboa, Presença, 1972). Há uma edição brasileira: Karl Marx, Diferença entre as Filosofias da Natureza em Demócrito e Epicuro (São Paulo, Global, 1979).
própria natureza, relegando as explicações puramente
sobrenaturais ou idealistas.
Para Marx, se “Hegel determinou no seu conjunto e com
exatidão, o elemento geral destes sistemas (de Demócrito e
Epicuro); mas a admirável grandeza e audácia da sua história da
filosofia, que marca o nascimento propriamente dito dessa
mesma filosofia, impedia-o de entrar em detalhes. Por outro lado,
a sua concepção do que chamava especulativo par excellence
não permitia que este gigantesco pensador reconhecesse nesses
sistemas a enorme importância que têm para a história da
filosofia grega e para o espírito grego em geral” (1972:124).
Marx era um exímio conhecer da filosofia de Hegel, sabia de
seus limites e seus avanços para o pensamento filosófico
moderno. Admirava a profundidade do hegeliano e estudou-o
apaixonadamente, em especial o seu núcleo revolucionário: a
dialética. Desde a morte do grande filósofo idealista, seus
discípulos se dividiram em velhos (conservadores) e jovens
(democrático-radicais) hegelianos, disputando a sua herança
teórica. Os velhos hegelianos procuravam no filósofo ideias que
justificassem teoricamente o Estado, a religião e o domínio da
aristocracia, portanto, com o objetivo de legitimar o status quo.
Os jovens hegelianos, por outro lado, amparavam-se nas
passagens do mestre, que serviam à crítica da religião e,
indiretamente, ao Estado monárquico, defendendo mudanças
liberais e democráticas na Alemanha. O fato da monarquia, da
aristocracia e dos intelectuais conservadores se utilizarem das
ideias hegelianas para justificar a dominação existente, fez com o
mesmo Hegel fosse acusado por seus próprios discípulos de ter
se adaptado à dominação aristocrática, na medida em que
tentava compatibilizar a sua filosofia com a legitimação do
Estado e do poder.
Não compactuando com essa visão, Marx dedica uma parte
da sua tese de doutoramento à crítica dos seus companheiros
jovem-hegelianos de esquerda, demonstrando o erro de método,
quando tratavam das limitações da filosofia de Hegel. Não era
suficiente para Marx tentar justiçar o emprego das ideias
hegelianas pelos conservadores e pelo governo por uma suposta
desonestidade moral e intelectual de Hegel. Era mais prudente
partir de uma análise imanente da sua concepção a fim de
demonstrar as suas limitações históricas e teóricas.
Para Marx, “no que diz respeito a Hegel, é uma prova de
ignorância da parte dos seus discípulos entenderem qualquer
determinação do seu sistema como uma adaptação cômoda,
numa palavra, moralmente. Esquecem que ainda não há muito
tempo, como se pode demonstrar de forma evidente a partir das
suas próprias obras, eles aderiam com entusiasmo a todas essas
determinações unilaterais. Se tivessem sido realmente seduzidos
pela ciência que recebiam já acabada ao ponto de se lhe
entregarem com uma confiança ingênua e não crítica, qual não
seria a sua falta de consciência ao censurarem seu mestre por
alimentar uma intenção escondida, ele para quem a ciência não
estava terminada mas sim em devir, e que não descansou
enquanto não atingiu os limites extremos dessa ciência. Lançam
a suspeita sobre si mesmos e fazem crer que anteriormente não
tomavam a coisa a sério; é o seu próprio passado que combatem
julgando atacar Hegel. Mas esquecem, ao fazê-lo, que ele estava
numa relação imediata e substancial com o seu sistema, ao
passo que eles se encontram, relativamente a esse sistema,
numa posição de reflexão. Que um filósofo cometa uma
inconsequência por comodismo, é compreensível; até pode ter
consciência disso. Mas aquilo de que pode não ter consciência é
que a possibilidade de uma tal adaptação aparente tem a sua
origem mais profunda numa insuficiência ou numa compreensão
insuficiente do princípio de que parte. Se tal acontecer a um
filósofo, os seus discípulos devem explicar a partir da
consciência íntima e essencial desse filósofo o que nele
apresentava a forma de uma consciência exotérica. Desse modo,
o que constitui um progresso da consciência é simultaneamente
um progresso da ciência. Não se suspeita da consciência
particular do filósofo; descobre-se a forma essencial dessa
consciência, atribui-se-lhe uma caracterização e um significado
determinados e, desse modo, ela é ultrapassado”
(Idem:157/158).
Finalizada a fase universitária, Marx passou a se dedicar ao
jornalismo, tendo em vista que a censura na Alemanha
impossibilitava-o de exercer o magistério. Lembremos que tanto
Bruno Bauer quanto Ludwig Feuerbach, ambos jovens-
hegelianos, professores de Teologia e Filosofia, companheiros
de Marx, foram impedidos de ensinar nas universidades. De fato,
a situação na Alemanha era extremamente difícil, mesmo para os
intelectuais meramente críticos, ainda mais para os
revolucionários.
Dessa forma, não restou a Marx senão engajar-se como
colaborador na Gazeta Renana (Rheinische Zeitung), um jornal
de tendência liberal-democrática, publicado em Colônia, entre
1842 e 1843, que defendia ardorosamente as ideias da
burguesia radical a favor de mudanças políticas e reformas do
Estado prussiano. Marx tornou-se seu redator-chefe do jornal
antes de ser fechado pela censura em 1843. Durante a sua
participação no jornal, este chegou a expressar ideias bastante
radicais para a época, razão pela qual esteve constantemente
sob o crivo da censura prussiana.
A experiência com o jornalismo na Gazeta Renana colocou-o
em contato com problemas materiais, isto é sociais e
econômicos. Teve de se posicionar sobre problemas da época
como a situação dos vinhateiros da região do Mosela, a
aprovação de leis criminalizando os camponeses pobres,
impedindo-os de pegar madeira ou entrar nas antigas florestas
comunais, as leis restringindo a liberdade de imprensa, a
situação de claro avanço da propriedade privada, entre outras
medidas do Estado e do parlamento renano.
Marx redigiu e publicou na Gazeta Renana os seguintes
textos, fundamentais na evolução do seu pensamento: O
Manifesto Filosófico da Escola Histórica do Direito, Debates
acerca da Lei sobre o Furto de Madeira e Sobre a Liberdade de
Imprensa. Engels também publicou na Gazeta Renana uma
Crítica às leis de imprensa prussianas.2
Nesta época, coloca-se inteiramente ao lado dos pobres
contra a classe dominante, defendendo seus direitos a partir de
uma crítica baseada nas categorias filosóficas do hegelianismo.
No que se refere à limitação da liberdade de impressa pelo
parlamento, Marx polemiza: “Esses cavalheiros, que não querem
considerar a liberdade como um dom especial da aurora
universal da razão, mas como um dom sobrenatural de uma
constelação de estrelas particularmente favorável – e que vêem
na liberdade apenas uma característica individual de certas
pessoas e Estados -, são obrigados, por consideração à
congruência, a incluir a razão universal e a liberdade universal na
lista dos maus sentimentos e falsidades dos sistemas ordenados
logicamente”.
Dessa forma, defende Marx, “Desde o ponto de vista da
ideia, é evidente que a liberdade de imprensa tem uma
justificativa completamente diferente da censura, já que a
primeira é em si mesma um aspecto da Ideia, da liberdade, um
bem positivo; a censura é apenas um aspecto da falta de
liberdade, uma polêmica entre o ponto de vista da semelhança e
o ponto de vista da essência, uma mera negação”. Dessa visão,
2O texto sobre A liberdade de imprensa foi publicado em português em: Karl Marx, A liberdade de imprensa (Porto Alegre, L&PM, 2006) e Notas sobre as recentes instruções prussianas relativos à censura. In: Karl Marx e Friedrich Engels, Sobre literatura e arte (São Paulo, Global, 1986).
Marx conclui: “Uma lei da censura tem apenas a forma de lei.
Uma lei da imprensa é uma verdadeira lei. Uma lei de imprensa é
uma lei verdadeira porque é a essência positiva da liberdade”
(2006:41-56).
Durante este período, Marx é forçado, pela primeira vez, a
tomar posição sobre as ideias socialistas, pressionado por um
jornal de direita, a Allgemeine Augsburger Zeitung (Gazeta de
Augsburgo). Em resposta às provocações do periódico
reacionário, Marx conclui que seus conhecimentos eram
insuficientes para manifestar-se sobre elas: “confessei
francamente que os meus estudos feitos até então não me
permitiam ousar qualquer julgamento sobre o conteúdo das
correntes francesas”.
Com sua saída do jornal A Gazeta Renana, por conta da
censura, Marx se retirou do “cenário público para o gabinete de
estudos” (1982:24). Os tempos da Gazeta Renana despertaram
em Marx a consciência da necessidade de rever a teoria
hegeliana do direito e do Estado, a fim de compreender melhor
as questões materiais (econômico-sociais) e suas inter-relações.
Quanto a Engels, permanecia em Manchester dirigindo os
negócios do seu pai na indústria têxtil. É por essa época que
conhece a sua futura companheira, Mary Burns. A Inglaterra era
o centro do capitalismo europeu, estava muito a frente dos
demais países no que se refere ao processo de industrialização e
mecanização da produção. A Revolução Industrial havia criado
uma nova classe social: o proletariado. Suas condições de vida e
de trabalho eram extremamente precárias. Sujeitos às mais
espúrias formas de exploração e mazelas, desde cedo essa
situação da classe operária chamou a atenção do jovem Engels.
Curiosamente, Engels, despertado por Mary sobre essa
situação de pobreza e exploração da classe operária, passa a
percorrer os centros industriais e os bairros populares,
levantando documentos e anotando as suas observações.
Veremos mais adiante, quão importantes foram esses dados na
elaboração da primeira crítica de conjunto da sociedade
capitalista liberal-concorrencial.
IIA Paris revolucionária e uma nova teoria
da história em gestação
Ser radical é segurar tudo pela raiz. Mas para o homem, a raiz é o próprio homem (Marx, Introdução à crítica da filosofia do direito de Hegel)
Por conta da censura, Marx deixa a Gazeta Renana, que
seria logo em seguida fechada pela monarquia prussiana. Em
junho de 1843 casa-se com Jenny von Westphalen, sua
companheira pelo resto de suas vidas. Dirige-se em seguida para
o balneário de Kreuznach, onde se dedica ao estudo e à crítica
do pensamento de Hegel, em especial sobre o direito e o Estado.
O produto mais autêntico deste acerto de contas com o
sistema hegeliano foi o Manuscrito de Kreuznach, também
chamado de Crítica à Filosofia do Direito de Hegel ou Crítica da
Teoria do Estado de Hegel, só publicado em 1927, pelo
historiador marxista do Instituto Marx-Engels David Riazanov, na
Rússia.3 Esse escrito significa um marco na evolução do
pensamento de Marx, na medida em que, ao reavaliar o sistema
hegeliano, Marx descobre o verdadeiro fundamento do Estado,
qual seja, a sociedade.
Encontrava-se, nessa época, sob a influência do
materialismo filosófico e humanista de Ludwig Feuerbach. Este
3O texto foi publicado em português: Karl Marx, Contribuição à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel (São Paulo, Boitempo, 2005).
filósofo foi o primeiro a superar o idealismo hegeliano, publicando
em 1841 sua obra A essência do cristianismo e, em 1843, os
seus Princípios da filosofia do futuro. Feuerbach realizou do
ponto de vista da filosofia materialista uma crítica contundente à
alienação religiosa, mostrando as raízes materiais desse
processo.
Marx e Engels se tornaram materialistas por influência de
Feuerbach. Seus escritos daí em diante, até a superação dessa
influência em 1845 serão carregados pelas categorias e as
análises feuerbachianas, especialmente sobre a problemática da
alienação, da essência da religião, da manifestação da alienação
no processo de trabalho, da natureza da propriedade privada dos
meios de produção, da relação entre capital e trabalho e da
própria visão de Marx sobre o sentido do comunismo.
Em sua Contribuição à crítica da filosofia do direito de Hegel,
Marx defendeu ideias radicais como a soberania popular,
opondo-se à monarquia, e cita passagens que se tornaram
célebres como: “A democracia é o enigma resolvido de todas as
constituições”; “O homem não existe em razão da lei, mas a lei
existe em razão do homem”; “não é a constituição que cria o
povo, mas o povo que cria a constituição” (2005:50). Enfim,
encontra seu objeto de estudo: a sociedade. No ano seguinte,
Marx iniciaria o estudo da anatomia da sociedade burguesa: a
economia política.
No final de 1843, em outubro, Marx viaja a Paris, que era
então o centro das idéias e movimentos socialistas. Nesse
período, dedica-se ao estudo da história da Revolução Francesa,
de 1789 e seus desdobramentos no século XIX, das idéias
socialistas e dos teóricos da ciência política. Em Paris, conhece
socialistas como Proudhon (o grande autor do clássico O que é a
propriedade?), Bakunin e Blanc, entra em contato com a Liga
dos Justos, uma organização fundada por Weitling nos anos
1830 e visita as diversas sociedades secretas de emigrados
alemães.
No começo de 1844, cria a revista teórica Anais Franco-
Alemães (Deutsch-Franzosische Jahrbucher), junto com Arnold
Ruge. No único número, publicado em fevereiro, Marx publicou
os textos A questão judaica e Introdução à Crítica da Filosofia do
Direito de Hegel. No jornal Vorwärts, dos emigrados alemães,
Marx veiculou as Glosas Críticas Marginais ao Artigo “O Rei da
Prússia e a Reforma Social” de um Prussiano. Dos estudos sobre
o pensamento econômico, Marx escreveu um conjunto de críticas
intitulado Manuscritos econômico-filosóficos.4
Os textos de 1844, de Marx e Engels, representam um
avanço considerável em suas concepções filosóficas, políticas e
econômicas. Em A Questão Judaica, Marx realiza uma crítica da
cidadania burguesa limitada e defende a perspectiva da
emancipação humana. Para ele, a emancipação política
4Os textos podem ser lidos em português: Karl Marx, Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. In: Contribuição à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel (São Paulo, Boitempo, 2005); Karl Marx, A Questão Judaica (São Paulo, Centauro, 2002); Karl Marx, Manuscritos econômico-filosóficos (São Paulo, Boitempo, 2004); Karl Marx, Manuscritos Econômico-Filosóficos (São Paulo, Martin Claret, 2001). Também foi publicado recentemente (São Paulo, expressão popular, 2010).
burguesa “representa um enorme progresso. Porém, não
constitui a forma final de emancipação humana, mas é a forma
final desta emancipação dentro da ordem mundana até agora
existente. Não será necessário dizer que estamos aqui
discorrendo sobre a emancipação real, prática”.
Para Marx, a “emancipação política é a redução do homem,
por um lado, a membro da sociedade civil, indivíduo
independente e egoísta e, por outro, a cidadão, a pessoa moral”.
Conclui que só “será plena a emancipação humana quando o
homem real e individual tiver em si o cidadão abstrato; quando
como homem individual, na sua vida empírica, no trabalho e nas
suas relações individuais, se tiver tornado um ser genérico; e
quando tiver reconhecido e organizado as suas próprias forças
(forces propres) como forças sociais, de maneira a nunca mais
separar de si esta força social como força política” (2001:13/44).
Outro texto axial, publicado nos Anais Franco-Alemães, foi a
Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. Nele, Marx
assume-se socialista e revolucionário e, filosoficamente,
encontra-se com o sujeito revolucionário da época atual: o
proletariado. Conforme diz, da “mesma forma como a filosofia
identifica as armas materiais no proletariado, o proletariado tem
as suas armas intelectuais na filosofia”.
A teoria precisa tomar conta das massas, mas “a própria
teoria torna-se da mesma forma uma força material quando se
apodera das massas. A arma da crítica não pode substituir, sem
dúvida, a crítica das armas; a força material só será abatida pela
força material. A teoria é capaz de se apossar das massas ao
evidenciar-se ad hominem e, demonstra-se ad hominem logo que
se torna radicalizada. Ser radical é segurar tudo pela raiz. Mas
para o homem, a raiz é o próprio homem” (2005:145/156).
Engels também publicou nos Anais o texto Esboço de uma
Crítica da Economia Política, que muito influenciou Marx quanto
ao estudo crítico do pensamento econômico clássico. O escrito
de Engels é pioneiro na análise do pensamento econômico e
antecipa, por assim dizer, a crítica das categorias fundamentais
da economia. Começa por analisar as limitações das teorias
modernas, quando se trata de lidar com os problemas colocados
pela vida social. Engels deixa claro que pretendia com o esboço
crítico, “examinar as categorias fundamentais, demonstrar a
contradição introduzida pelo sistema da liberdade de comércio e
extrair as consequências dos dois aspectos da contradição”
(Idem: 58).
Para Engels, o “século XVIII, o século da revolução,
subverteu igualmente a economia. Mas todas as revoluções
deste século apenas abordaram uma face do antagonismo, sem
ultrapassar a outra. (Eis por que se contrapunha ao
espiritualismo abstrato o materialismo abstrato, à monarquia a
república, ao direito divino o contrato social.) A revolução
econômica, de repente, não poderia nunca superar esse
antagonismo. Os pressupostos permanecem os mesmos. O
materialismo não atacou o desprezo e a humilhação do homem
no cristianismo: limitou-se a instaurar a natureza como absoluto
frente ao homem, substituindo-a ao deus cristão. A política não
pensou em examinar, em si e para si, os pressupostos do
Estado. A economia nem sequer teve a idéia de se interrogar
sobre o que justifica a propriedade privada” (1981:55).
Para Engels, o pensamento econômico burguês, “esta
ciência do enriquecimento, nascida do logro mútuo e da ambição
dos comerciantes, traz na fonte a marca do egoísmo mais
repugnante” (Idem: p. 53). Mostra que a “nova economia, o
sistema de livre comércio, apoiado na Wealth of nations, de
Adam Smith, revela-se como a hipocrisia, a imoralidade e a
inconsequência que, presentemente, afrontam todos os domínios
da liberdade humana” (Ibidem: 55/56). Examina as relações entre
a economia política como ciência e a justificação da propriedade
privada na sociedade capitalista: “Na situação atual, a ciência
deveria chamar-se economia privada, porque suas relações
públicas existem exclusivamente por amor à propriedade privada”
(Ibidem).
Analisando a categoria do valor, uma das mais importantes
da análise da economia, Engels expõe a sua posição: “Vivendo
entre contradições, o economista também desdobra o valor: o
valor abstrato ou valor real e o valor de troca. Acerca da natureza
do valor real, houve, há muito, uma discussão entre os ingleses,
que definiam os custos de produção como expressão do valor
real, e o francês Say, que pretendia medi-lo segundo a utilidade
de um objeto. Desde o início do século, a discussão ficou
pendente e desvaneceu-se sem ser resolvida. Os economistas
não sabem resolver nada” (Idem: 63). Tenta na verdade conciliar
as duas teorias principais do valor: a do valor-trabalho e da
utilidade: “Tentemos ver claro no meio desta confusão. O valor
de um objeto inclui estes dois fatores que foram arbitrariamente
separados e, como se viu, sem qualquer sucesso para as partes
em causa. O valor é a relação entre os custos de produção e a
utilidade” (Idem: 62).
Observa Engels claramente que a concorrência na economia
moderna leva aos monopólios e à concentração do capital: “A
concorrência assenta no lucro e o lucro origina, em troca, o
monopólio; em breve, a concorrência se transforma em
monopólio” (Idem: 69). Deixa patente que a economia capitalista
não é de todo imune à crises periódicas e que ao contrário
enfrenta contradições em seu movimento, coisa que os
economistas burgueses procuravam dissimular.
Para ele, o economista “deixa-se levar com sua teoria da
oferta e da procura e demonstra-nos que ‘nunca se pode produzir
demais’ – e a prática responde com as crises comerciais que
aparecem tão regularmente como os cometas, e de tal modo
que, hoje, temos uma, em média, a cada cinco ou sete anos.
Tais crises produzem-se há vinte anos com a mesma
regularidade que as grandes epidemias de outrora, e trouxeram
mais miséria e imortalidade que elas (Idem: 70).
Faz uma violenta crítica à especulação nas bolsas: “o ponto
culminante da imoralidade é a especulação na Bolsa, pela qual a
história e, nela, a humanidade são assimiladas ao conjunto dos
meios próprios para satisfazer a cupidez do especular calculista
ou felizardo” (Idem: 71). Apesar de desenvolver as forças
produtivas, aumentar a capacidade e a produtividade do trabalho,
seus benefícios são controlados segundo os interesses privados:
“O capital cresce diariamente, a força de trabalho aumenta com a
população e a ciência submete cada vez mais ao homem a força
da natureza. Esta capacidade ilimitada de produção, manipulada
com consciência para o interesse de todos, reduziria em breve
ao mínimo o trabalho que incumbe à humanidade” (Idem:73).
Essas contradições também se manifestam na forma como o
capital faz avançar e se apropria da ciência e a técnica. O
capitalismo desenvolve as forças produtivas, emprega a técnica
mais avançada na produção, reduz o tempo de trabalho e
aumenta a produtividade, mas, como detém o controle da técnica
e da ciência, submete-a a medida do lucro, aumenta a
exploração do trabalhador.
No lugar de aliviar a vida dos trabalhadores na fábrica, torna-
a mais deprimente: “No combate do capital e da terra contra o
trabalho, estes dois primeiros elementos têm ainda uma
vantagem particular sobre o último: a ajuda da ciência, porque
também esta, nas condições atuais, é dirigida contra o trabalho.
Quase todas as invenções mecânicas, por exemplo, foram
provocadas pela falta de força de trabalho” (Idem: 79/80).
Engels, analisando as contradições do processo econômico
e sua expressão na teoria econômica, extraí “os mais fortes
argumentos econômicos para a transformação social (...). a
propriedade privada faz do homem uma mercadoria, cuja
produção e destruição dependem, também elas, apenas da
concorrência, e que o sistema concorrencial massacrou deste
modo, e massacra, diariamente milhões de homens; vimos tudo
isto e tudo isto nos leva a suprimir este aviltamento da
humanidade ao suprimir a propriedade privada, a concorrência e
os interesses antagônicos”.
A sociedade capitalista e a “concorrência coloca capital
contra capital, trabalho contra trabalho (...), como também cada
um destes elementos contra os restantes”, lançando o homem
em “estado de profunda degradação” (Idem:76/77). Engels deixa
patente de certa forma, que as condições sociais e econômicas
da sociedade capitalista moderna leva à disseminação das
contradições entre capital e trabalho, desenvolvendo a luta de
classes no sentido atual.
Nesse contexto, outro artigo de Marx de grande relevância é
A questão judaica. Intervindo numa polêmica instaurada por
Bruno Bauer sobre a situação dos judeus na Alemanha, Marx
aproveita o debate para expressar sua visão sobre a questão da
emancipação daquele povo. Para tanto, demonstra a natureza
em si mesma limitada da emancipação política nos marcos da
sociedade burguesa.
O mero acesso aos direitos civis e políticos na ordem do
capital não significava uma plena emancipação. Na verdade, ter
direitos no plano formal da sociedade capitalista é o máximo que
se pode obter na atual formação social e econômica. O acesso a
esses direito, nem sequer significa o seu exercício real, já que
este depende de condições materiais.
Essas diferenças materiais, isto é, econômico-sociais, são
mesmo determinantes no exercício pleno da mera cidadania
burguesa. Daí porque proletários e capitalistas não podem ter
acesso igualmente aos mesmos direitos, não só porque na
sociedade burguesa todas as relações são mediadas pelo
dinheiro e os bens se constituem mercadorias a serem
compradas, como, por suas condições, apenas a burguesia pode
decidir sobre as questões do Estado.
Não à toa, a democracia no capitalismo é extremamente
limitada e mutilada. Nem o direito de greve é respeitado. A
burguesia ao reconhecer esse direito permite-se instaurar uma
série de restrições ao seu exercício. Quanto os trabalhadores
exorbiram as condições impostos, o poder judiciário se encarrega
de pôr limites, penalizando as organizações sindicais. O Estado,
a democracia e o direito desprezam as condições concretas reais
dos indivíduos e sua ligação às relações de classes. Os
trabalhadores só são aceitos na engrenagem das instituições
políticas da sociedade burguesa na condição de cidadãos,
dissolvidos, portanto, na a multidão de indivíduos.
Para Marx, “a emancipação política representa um enorme
progresso. Porém, não constitui a forma final de emancipação
humana, mas é a forma final desta emancipação dentro da
ordem mundana até agora existente. Não será necessário dizer
que estamos aqui discorrendo sobre a emancipação real,
prática”.
E, apesar de ser um avanço frente à servidão feudal e ao
escravismo antigo, a “emancipação política é a redução do
homem, por um lado, a membro da sociedade civil, indivíduo
independente e egoísta e, por outro, a cidadão, a pessoa moral”.
Frente a isso, só “será plena a emancipação humana quando o
homem real e individual tiver em si o cidadão abstrato; quando
como homem individual, na sua vida empírica, no trabalho e nas
suas relações individuais, se tiver tornado um ser genérico; e
quando tiver reconhecido e organizado as suas próprias forças
(forces propres) como forças sociais, de maneira a nunca mais
separar de si esta força social como força política” (2001:13/44).
No decorrer de 1844, Marx se dedica ao estudo do
pensamento econômico clássico. Com os Manuscritos
Econômico-Filosóficos, Marx estuda os economistas burgueses,
aprofunda sua visão da sociedade capitalista, da propriedade
privada e da alienação. Trata de temas como salário, capital,
trabalho e alienação, renda da terra, concorrência e monopólios
e dá continuidade à crítica da filosofia hegeliana. Expõe a sua
primeira abordagem do comunismo.
Para Marx, o “capital é, portanto, o poder de governo
(Regierungsgewalt) sobre o trabalho e os seus produtos. O
capitalista possui esse poder, não por causa de suas qualidades
humanas, mas na medida em que ele é proprietário do capital. O
poder de comprar (kaufende Gewalt) do seu capital, a que nada
pode se opor, é o seu poder”.
No sistema capitalista o trabalhador “se torna tanto mais
pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais a sua produção
aumenta em poder e extensão. O trabalhador se torna uma
mercadoria tão mais barata quanto mais mercadorias cria. Com a
valorização do mundo das coisas (Sachenwelt) aumenta em
proporção direta a desvalorização do mundo dos homens
(Menschenwelt). O trabalho não produz somente mercadorias;
ele produz a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e
isto na medida em que produz, de fato, mercadorias em geral”.
O dinheiro é submetido à crítica mais severa: “O que é para
mim pelo dinheiro, o que eu posso pagar, isto é, o que o dinheiro
pode comprar, isso sou eu, o possuidor do próprio dinheiro. Tão
grande quanto a força do dinheiro é a minha força. As qualidades
do dinheiro são minhas – [de] seu possuidor – qualidades e
forças essenciais. O que eu sou e consigo não é determinado de
modo algum, portanto, pela minha individualidade. Sou feio, mas
posso comprar para mim a mais bela mulher. Portanto, não sou
feio, pois o efeito da fealdade, sua força repelente, é anulado
pelo dinheiro. Eu sou – segundo minha individualidade – coxo,
mas o dinheiro me proporciona vinte e quatro pés; não sou,
portanto, coxo; sou um ser humano mau, sem honra, sem
escrúpulos, sem espírito, mas o dinheiro é honrado e, portanto,
também o seu possuidor. O dinheiro é o bem supremo, logo, é
bom também o seu possuidor, o dinheiro me isenta do trabalho
de ser desonesto, sou, portanto, presumido honesto; sou tedioso,
mas o dinheiro é o espírito real de todas as coisas, como poderia
seu possuidor ser tedioso? Além disso, ele pode comprar para si
as pessoas ricas de espírito, e quem tem o poder sobre os ricos
de espírito não é ele mais rico de espírito do que o rico de
espírito? Eu, que por intermédio do dinheiro consigo tudo o que o
coração humano deseja, não possuo, eu, todas as capacidades
humanas? Meu dinheiro não transforma, portanto, todas as
minhas incapacidades (Unvermögen) no seu contrário?”
(2004:23/161).
No conjunto da análise dos Manuscritos, o comunismo tem a
sua primeira formulação a partir de uma análise que articula
profundidade filosófica e argúcia na crítica da economia política:
“O comunismo é a posição como negação da negação, e por isso
o momento efetivo necessário da emancipação e da recuperação
humanas para o próximo desenvolvimento histórico. O
comunismo é a figura necessária e o princípio energético do
futuro próximo, mas o comunismo não é, como tal, o termo do
desenvolvimento humano – a figura da sociedade humana”
(Idem:114). Certamente, como veremos, a concepção de Marx
sobre o comunismo avançará mais adiante.
Os estudos de Marx sobre a conjuntura política e a realidade
econômica avançam ao longo de 1844. Nas Glosas Críticas
Marginais ao Artigo “O Rei da Prússia e a Reforma Social” de um
Prussiano, Marx critica o reformismo social, o Estado e a política.
Tomando como mote um artigo anônimo de um prussiano sobre
a insurreição dos trabalhadores silesianos e a posição do
governo alemão diante das condições sociais, Marx analisa como
governos de países como França, na época da Conveção e de
Napoleão, e da Inglaterra agiram diante da situação de
pauperismo dos trabalhadores.
A miséria social era um problema que poderia ser resolvido
por reformas, por atos administrativos dos governos ou pela
atuação da filantropia e do assistentencialismo? Os governos
europeus dessa época incentivaram de todas as formas o
assistencialismo e a filantropia. Também aplicaram medidas
administrativas de caráter paliativo visando minimizar as
contradições sociais da sociedade capitalista nascente. Não
conseguiram solucionar o problema.
Quanto se tornou patente a falência dos planos de conteção
da miséria social, a burguesia passou a defender que “o
pauperismo é a miséria da qual os próprios trabalhadores são
culpados e ao qual portanto não se deve prevenir como uma
desgraça, mas antes reprimir e punir como um delito”. Daí Marx
afirmar: “a Inglaterra tentou acabar com o pauperismo
primeiramente através da assistência e das medidas
administrativas. Em seguida, ela descobriu, no progressivo
aumento do pauperismo, não a necessária consequência da
indústria moderna, mas antes o resultado do imposto inglês para
os pobres. Ela entendeu a miséria universal unicamente como
uma particularidade da legislação inglesa. Aquilo que, no
começo, fazia-se derivar de uma falta de assistência, agora se
faz derivar de um excesso de assistência. Finalmente, a miséria
é considerada como culpa dos pobres e, deste modo, neles
punida” (2010:53/54).
O limite dos governos e dos Estados na sociedae burguesia
é a tentativa de minimizar (mas não superar!) os problemas
sociais por medidas administrativas ou de caráter paliativas,
incentivando o assistencialismo e a filantropia. Não poderia ser
de outra forma, pois se efetivamente a burguesia quisesse
resolver o problema da miséria teria que suprimir a sua própria
dominação, o que é na prática impossível.
Marx então se pergunta: “Pode o Estado comportar-se de
outra forma?”. Responde: “O Estado jamais encontrará no
‘Estado e na organização da sociedade’ o fundamento dos males
sociais, como o ‘prussiano’ exige do seu rei. Onde há partidos
políticos, cada um encontra o fundamento de qualquer mal no
fato de que não ele, mas o seu partido adversário, acha-se ao
leme do Estado. Até os políticos radicais e revolucionários já não
procuram o fundamento do mal na essência do Estado, mas
numa determinada forma de Estado, no lugar da qual eles
querem colocar uma outra forma de Estado” (Idem:58/59).
Marx procura compreender a natureza do Estado, em que
sentido é o produto das contradições inerentes às sociedades de
classes e como está ligado ao processo de legitimação e
manutrenção do status quo: “Estado e a organização da
sociedade não são, do ponto de vista político, duas coisas
diferentes. O Estado é o ordenamento da sociedade. Quando o
Estado admite a existência de problemas sociais, procura-os ou
em leis da natureza, que nenhuma força humana pode
comandar, ou na vida privada, que é independente dele, ou na
ineficiência da administração, que depende dele”, quando não
coloca a culpa de todos estes problemas na “má vontade dos
pobres” (Idem, Ibidem).
Dessa reflexão crítica sobre o Estado na sociedade
burguesa, Marx chega à seguinte conclusão fundamental: o
Estado “repousa sobre a contradição entre vida pública e
privada, sobre a contradição entre os interesses gerais e os
interesses particulares. Por isso, a administração deve limitar-se
a uma atividade formal e negativa, uma vez que exatamente lá
onde começa a vida civil e o seu trabalho, cessa o seu poder.
Mais ainda: frente a consequências que brotam da natureza
antissocial dessa vida civil, dessa propriedade privada, desse
comércio, dessa indústria, dessa rapina recíproca das diferentes
esferas civis, frente as essas consequências, a impotência é a lei
natural da administração. Com efeito, essa dilaceração, essa
infâmia, essa escravisão da sociedade civil é o fundamento
natural em que se apoia o Estado moderno, assim como a
sociedade civil da escravidão era o fundamento do qual se
apoiava o Estado antigo. A existência do Estado e a existência
da escravidão são inseparáveis” (Idem: 60).
Mas, como dissemos anteriormente, Engels tinha assumido a
partir de 1842 os negócios de sua família no ramo têxtil em
Manchester, na Inglaterra. Permaneceu algum tempo nessa
atividade, ocasião em que conheceu de perto a exploração do
proletarido pelos industriais, suas condições de trabalho, a
utilização da mão de obra de mulheres e crianças, o desemprego
e a competição estimulada pelo mercado, as jornadas estafantes
de trabalho, além das condições de vida dos trabalhadores nos
bairros operários.
Visitando estes lugares, Engels costumava anotar todas as
suas observações, coletando documentos, relatórios, livros e
textos sobre a situação do operariado na Inglaterra e o
desenvolvimento industrial. Dessas observações recolhidas da
realidade inglesa, Engels publicou em 1845 uma obra magistral:
A situação da classe trabalhadora na Inglaterra.5
Trata-se de uma análise contundente das raízes da
sociedade capitalista, da industrialização, do surgimento e
desenvolvimento do proletariado fabril, agrícola e mineiro, do
processo de concorrência, da tendência ao monopólio da
economia capitalista, dos processos de imigração, dos ramos da
indústria, dos movimentos do operariado, da formação de suas
organizações e formas de luta, enfim da denuncia das condições
de miséria e exploração dos operários.
Com a revolução industrial, ocorre para Engels, “a vitória do
trabalho mecânico sobre o trabalho manual e toda a sua história
recente nos revela como os trabalhadores manuais foram
sucessivamente deslocados de suas posições pelas máquinas.
5Toda a análise pode ser encontrada em Friedrich Engels, A situação da classe trabalhadora na Inglaterra (São Paulo, Boitempo, 2007)
As consequências disso foram, por um lado, uma rápida redução
dos preços de todas as mercadorias manufaturadas, o
florescimento do comércio e da indústria, a conquista de quase
todos os mercados estrangeiros não protegidos, o crescimento
veloz dos capitais e da riqueza nacional; por outro lado, o
crescimento ainda mais rápido do proletariado, a destruição de
toda a propriedade e de toda a segurança de trabalho para a
classe operária, a degradação moral, as agitações políticas”
(2007:50).
Essas transformações promoveram também o crescimento
da população, o processo de urbanização, o caráter complexo da
indústria, a articulação progressiva das economias nacionais, a
busca por matéria-prima e energia, o desenvolvimento dos meios
de comunicação e de transporte (estradas, pontes, canais,
ferrovias e navegação).
O capitalismo se desenvolvia de forma contraditória. Ao
mesmo tempo em que era capaz de avançar as forças produtivas
(a técnica, a organização do trabalho e os meios de produção),
bem como estimular a ciência, por outro lado, tinha como sua
condição essencial a exploração da classe operária, a
apropriação das riquezas produzidas pelo proletariado, a
concentrando da riqueza nas mãos de um grupo pequeno de
pessoas (os capitalistas), disseminando do outro lado a miséria
entre a população proletária.
Os proletários, aduz Engels, “surgiram com a indústria, foram
seu produto imediato”, sendo “os operários fabris, primogênitos
da revolução industrial, estão, como sempre estiveram, no centro
do movimento operário, ao passo que os outros se vincularam a
esse movimento na medida em que seus ofícios foram
arrastados pelo vórtice da indústria, e, com o exemplo da
Inglaterra, compreendemos a importância histórica da indústria: o
movimento operário evoluiu pari passu, com o movimento
industrial”.
Os trabalhadores foram forjando, contra a exploração do
capital e as condições de vida miseráveis, as suas formas de luta
e de organização. Do luddismo ao Cartismo, das associações
secretas aos sindicatos e às correntes socialistas, os
trabalhadores se organizaram, avançaram nas suas formas de
luta e construírem os organismos políticos necessários à sua
resistência à exploração e à luta pela transformação social,
econômica e política.
O jovem Engels tinha clareza de que os operários deveriam
“sair dessa situação que os embrutece, criar para si uma
existência melhor e mais humana e, para isso, devem lutar
contra os interesses da burguesia enquanto tal, que consistem
precisamente na exploração dos operários. Mas a burguesia
defende seus interesses com todas as forças que pode mobilizar,
por meio da propriedade e por meio do poder estatal que está à
sua disposição. A partir do momento em que o operário procura
escapar ao atual estado de coisas, o burguês torna-se seu
inimigo declarado” (Idem:247).
IIIO acerto de contas com o passado
e o nascimento do materialismo histórico
O ponto de vista do velho materialismo é a sociedade ‘burguesa’; o ponto de vista do novo materialismo é a sociedade humana, ou a humanidade socializada (Marx, Teses ad Feuerbach).
Ainda em Paris, Marx se encontra pela segunda vez com
Engels (lembre-se que a primeira foi em 1842, quando Marx
estava em Colônia a frente do jornal A Gazeta Renana).
Convencidos que haviam chegado a uma concepção filosófica e
de história comum, decidem elaborar e publicar a sua primeira
obra conjunta, que constitu, por assim dizer, o início de um
acerto de contas com o seu passado filosófico: A Sagrada
Família, Crítica da Crítica Crítica.6
Neste texto, os dois revolucionários defendem a filososfia
materialista contra o idealismo filosófico dos jovens hegelianos,
em especial dos irmãos Bruno e Edgar Bauer. Esses dois
pensadores fizeram parte, junto com Marx e Engels, dos
chamados jovens hegelianos de esquerda, discípulos de Hegel,
que procuraram tirar conclusões atéias e revolucionários do
sistema filosófico hegeliano.
Marx e Engels tinham experiementado, nessa época, o
encontro com organizações socialistas e com as idéias
revolucionárias dos socialistas franceses. Os jovens hegelianos
6Consultar o texto de Karl Marx e Friedrich Engels, A Sagrada Família (São Paulo, Boitempo, 2003);
tornaram-se, para Marx e Engels, um grupo idealista, que se
limitava a mera crítica (crítica da religião, crítica do Estado, crítica
dos autores da época) e nutriam a mesma ilusão de Hegel de
que as idéias, por si sós, tinham o poder mágico de modificar as
consciências, eliminar a alienação e o conservadorismo e formar
uma nova consciência.
E mais: os jovens hegelianos acreditavam que mudadas as
cosnciências, ou seja, realizado o movimento de transformação
no plano da consciência, das idéias, consequentemente a
realidade também mudaria. Por exemplo, em se tratando dos
operários, bastavam mudar a sua consciência de explorados,
para que se transformasse a situação real de exploração a que
estavam submetidos. Retirando a história da base do
conhecimento, para a Crítica crítica (jovens hegelianos),
asseveram Marx e Engels, “todo o mal reside apenas no modo
de ‘pensar’ do trabalhador” (Idem: 65).
As ideias têm, para Marx e Engels, um papel central na
transformação da realidade. Os marxistas não têm dúvidas
quanto a isso. Entretanto, as ideias podem se constituir em
instrumento para a transformação da realidade social, econômica
e política na medida em que se colocam como força material, isto
é, quando tomam conta das pessoas, quando se constituem
efetivamente como guia para a ação dos homens, em particular
dos trabalhadores.
Neste sentido, as ideias estão articuladas a interesses
sociais. Ninguém, ainda mais os pensadores, produzem as ideias
ou as defendem isolados da sociedade. Assim como as ideias
dominantes se encontram ligadas ao interesse da burguesia de
manter o seu processo de dominação, as ideias comunistas se
fundem com o movimento dos trabalhadores, no seu esforço de
superação da realidade concreta de exploração a que estão
submetidos.
Nesse sentido, acrescentam os dois revolucionários: “Para a
execução das ideias são necessários homens que ponham em
ação uma força prática” (Idem:137). Ninguém em sã consciência,
apenas os idealistas mais conservadores, pode crer que as
idéias, tornados sujeitos autônomos, fora da história e da luta
concreta, são capazes, por si mesmas, de transformarem o real
ou de produzem a própria realidade, independentemente dos
homens concretos, que fazem a história da humanidade.
No lugar da mera reforma no plano da consciência, desligada
da história e do movimento social, Marx e Engels defendem a
necessidade de transformar as condições materiais (sociais e
econômicas) da sociedade, a partir da qual se poderia
efetivamente construir uma nova sociedade. Os próprios
trabalhadores começavam a compreender que, para mudar o
estado de coisas existente, era preciso se organizar e lutar
decisivamente contra o status quo.
Marx e Engels demonstram isso na seguinte passagem de A
sagrada família: “Mas esses trabalhadores massivos e
comunistas, que atuam nos ateliers de Manchester e Lyon, por
exemplo, não creem que possam eliminar, mediante o
‘pensamento puro’, os seus senhores industriais e a sua própria
humilhação prática. Eles sentem de modo bem doloroso a
diferença entre ser e pensar, entre consciência e vida. Eles
sabem que propriedade, capital, dinheiro, salário e coisas do tipo
não são, de nenhuma maneira, quimeras ideais de seu cérebro,
mas criações deveras práticas e objetivas de sua própria auto-
alienação, e que portanto só podem e devem ser superadas de
uma maneira também prática e objetiva, a fim de que o homem
se torne um homem não apenas no pensamento e na
consciência, mas também no ser massivo e na vida. A Crítica
crítica, pelo contrário, quer fazê-los crer que deixarão de ser
trabalhadores assalariados na realidade apenas com o fato de
deixar de se considerarem trabalhadores assalariados em
pensamento, deixando, de acordo com essa fantasia exagerada,
de deixarem-se pagar por sua pessoa. Na condição de idealistas
absolutos, de seres etérios, naturalmente eles podem viver do
éter do pensamento puro depois disso. A Crítica crítica os ensina
que eles superam o capital real com o simples domínio da
categoria do capital no pensamento, que eles realmente mudam,
tornando-se homens reais, se mudarem seu ‘eu abstrato’ na
consciência, desprezando toda a mudança real de sua
existência, quer dizer, das condições reais de sua existência,
portanto, de seu eu real como se fosse uma mera operação
acrítica. O ‘espírito’, que só vislumbra categorias na realidade,
naturalmente também reduz toda a atividade humana e sua
práxis a um processo de pensamento dialético da Crítica crítica.
E é justamente isso que diferencia o socialismo dela do
socialismo massivo do comunismo” (Idem: 65/66).
Não há, portanto, dúvidas quanto à força material das ideias
para os dois revolucionários, desde que empunhadas pelos
homens concretos, os trabalhadores. Falamos anteriormente que
na Introdução a crítica da filosofia do direito de Hegel, publicada
em começos de 1844 nos Anais Franco-Alemães, Marx havia
descoberto o sujeito histórico revolucionário na sociedade
burguesia, capaz de levar o movimento de transformação a
diante, sem se deter nos limites do sistema, qual seja, o
proletariado.
Pois bem, no texto de A sagrada família, os autores
formulam essa perspectiva de forma ainda mais concreta: “o
proletariado pode e deve libertar-se a si mesmo. Mas ele não
pode libertar-se a si mesmo sem supra-sumir suas próprias
condições de vida. Ele não pode supra-sumir suas condições
sem supra-sumir todas as condições de vida desumana da
sociedade atual, que se resumem em sua própria situação. Não
é por acaso que ele passa pela escola do trabalho, que é dura,
mas forja resistência. Não se trata do que este ou aquele
proletário, ou até mesmo do que o proletariado inteiro pode
imaginar de quando em vez como sua meta. Trata-se do que
proletariado é e do que ele será obrigado a fazer historicamente
de acordo com o seu ser. Sua meta e sua ação histórica se
acham clara e irrevogavelmente predeterminadas por sua própria
situação de vida e por toda a organização da sociedade
burguesa atual. E nem sequer é necessário deter-se aqui a expor
como grande parte do proletariado inglês e francês já está
consciente de sua missão histórica e trabalha com constância no
sentido de elevar essa consciência à clareza completa”
(Idem:49).
A sagrada família é o momento em que os dois fundadores
do marxismo se posicionam sobre uma série de questões: arte,
direito, moral, religião, filosofia idealista e materialista e a
opressão da mulher. É nela também que realizam uma síntese
do desenvolvimento da filisofia materialista, desde o
revigoramento das ciências com a crise do sistema feudal até o
advento do capitalismo, como modo de produção dominante.
Para Marx e Engels, o “verdadeiro patriarca do materialismo
inglês e de toda a ciência experimental moderna é Bacon. A
ciência da natureza é, para ele, a verdadeira ciência, e a física
sensorial a parte mais importante da ciência da natureza. Suas
autoridades são, frequentemente, Anaxágoras, com suas
homeomerias, e Demócrito, com seus átomos. Segundo sua
doutrina, os sentidos são infalíveis e a fonte de todos os
conhecimentos. A ciência é a ciência da experiência, e consiste
em aplicar um método racional àquilo que os sentidos nos
oferecem. A indução, a análise, a comparação, a observação e a
experimentação são as principais condições de um método
racional. Entre as qualidades inatas à matéria, a primeira e
primordial é o movimento, não apenas enquanto movimento
mecânico e matemático, mas também, e mais ainda, enquanto
impulso, espírito de vida, força de tensão ou tormento – para
empregar a expressão de Jacob Böhme – da matéria. As formas
primitivas desta são forças essenciais vivas, individualizadoras,
inerentes a ela, e que produzem as diferenças específicas. Em
Bacon, na condição de seu primeiro fundador, o materialismo
ainda esconde de um modo ingênuo os germens de um
desenvolvimento omnilateral. A matéria ri do homem inteiro num
brilho poético-sensual. A doutrina aforística em si, ao contrário,
ainda pulula de inconsequências teológicas. Em seu
desenvolvimento posterior, o materialismo torna-se unilateral.
Hobbes é o sistematizador do materialismo de baconiano. A
sensualidade perde seu perfume para converter-se na
sensualidade abstrata do geômetra. O movimento físico é
sacrificado ao mecânico ou matemático; a geometria passa a ser
proclamada como a ciência principal. O materialismo torna-se
misantrópico. E, a fim de poder dominar o espírito misantrópico e
descarnado em seu próprio campo, o materialismo tem de matar
sua própria carne e torna-se asceta. Ele se apresenta como um
ente intelectivo, mas ele desenvolve também a consequência
insolente do intelecto. (...) Locke, em seu ensaio sobre as origens
do entendimento humano, fundamenta o princípio de Bacon e de
Hobbes. Assim como Hobbes havia destruído os preconceitos
teístas do materialismo baconiano, assim também Collins,
Dodwell, Coward, Hartley, Priestley etc. jogam por terra a última
barreira teológica do sensualismo lockeano. O teísmo não é, pelo
menos para o materialista, mais do que um modo cômodo e
indolente de desfazer-se da religião. Nós já mencionamos o
quanto a obra de Locke veio a calhar aos franceses. Locke havia
fundado a filosofia do bom senso, do juízo humano saudável;
quer dizer, havia dito através de um rodeio que não existiam
filósofos distintos do bom senso dos homens e do entendimento
baseado nele” (2003:147-148).
No final de 1845, Marx redige um conjunto de teses que
desejava possivelmente aprofundar adiante: as chamadas Teses
ad Feuerbach. Essas teses não foram publicadas em vida por
Marx, sendo publicadas postumamente por Engels, em 1888,
como apêndice do seu texto Ludwig Feuerbach e o fim da
filosofia clássica alemã (veremos isso mais adiante). Nas
famosas teses, Marx faz uma síntese das idéias que começará a
desenvolver, junto com Engels, em A Ideologia Alemã, no
transcurso do mesmo ano até 1846.7
É a primeira crítica aberta a concepção materialista
humanista e abstrata de Ludwig Feuerbach, em cujas idéias
Marx se baseava, desde a crítica de Hegel em 1843, para
desenvolver as suas posições filosóficas e políticas. Falamos
atrás que Feuerbach foi muito importante na evolução do
pensamento de Marx e Engels. Tendo publicado em 1841 A
essência do cristianismo e em 1843 seus Principios da filosofia
do futuro, Feuerbach possibilitou, pela crítica ao idealismo de
7O texto de Marx pode ser encontrado em apêndice a Karl Marx e Friedrich Engels, A Ideologia Alemã (São Paulo, Boitempo, 2007) e Karl Marx e Friedrich Engels, A ideologia alemã (São Paulo, Martins Fontes, 2002).
Hegel e à alienação religiosa, a passagen de muitos dos jovens
hegelianos à filosofia materialista.
Portanto, Marx e Engels se tornaram materialistas por
influência da obra feuerbachiana. Os textos de Marx, de 1843 até
praticamente a 1845, quando supera de vez a filosofia
materialista abstrata e humanista de Feuerbach, são marcadados
pelas idéias desse filósofo, inclusive quando se tratava de
avançar na crítica da propriedade privada e do trabalho alienado
e para fundamentar a sua primeira concepção de comunismo.
Entretanto, o contato cada vez mais estreito com o
movimento operário, o envolvimento nos círculos de emigrados
socialistas, a atmosfera da luta de classes na França, o
esclarecimento sobre as diversas vertentes do socialismo,
levaram Marx e Engels a dar passos largos na superação de
resquícios do idealismo filosóficos e mesmo do materialismo
filosófico feuerbachiano. De modo que, nas Teses ad Feuerbach,
esse processo recebe uma elaboração nítida: Marx havia forjado
uma concepção filosófica ao mesmo tempo materialista e
dialética.
O materialismo dialético, conhecido como a filosofia marxista,
encontrava nas Teses ad Feuerbach a sua primeira formulação
consistente, inteiramente diferenciada tanto do materialismo do
século XVIII, de caráter mecanicista, quanto do materialismo de
Feuerbach, abstrato e humanista, portanto desvinculado das
condições concretas, reais e histórica dos homens, como parte
das classes sociais.
Marx inicia a sua elaboração, diferenciando-se do
materialismo anterior: “O principal defeito de todo o materialismo
existente até agora (o de Feuerbach incluído) é que o objeto
[Gegenstand], a realidade, o sensível, só é apreendido sob a
forma do objeto [Objekt] ou da contemplação, mas não como
atividade humana sensível, como prática; não subjetivamente.
Daí o lado ativo, em oposição ao materialismo, [ter sido]
abstratamente desenvolvido pelo idealismo – que, naturalmente,
não conhece a atividade real, sensível, como tal. Feuerbach quer
objetos sendíveis [sinnliche Objekte], efetivamente diferenciados
dos objetos do pensamento: mas ele não apreende a própria
atividade humana como atividade objetiva [gegenständliche
Tätigkeit]. Razão pela qual ele enxerga, n’A essência do
cristianismo, apenas o comportamento teórico como o
autenticamente humano, enquanto a prática é apreendida e
fixada apenas em sua forma de manifestação judaica, suja. Ele
não entende, por isso, o significado da atividade ‘revolucionária’,
‘prático-crítica’”.
O materialismo mecanicista do século XVIII, tanto quanto o
materialismo de Feuerbach, era uma filosofia cotemplativa,
preocupava-se apenas em compreender a realidade, mas não
apontava para um processo de transformação dessa realidade. O
mecanicismo do materialismo anterior consistia em contemplar a
realidade como algo parado, estanque e não em processo de
mudança ou em suas contradições.
Por isso, o materialismo do século XVIII era metafísico e não
dialético. A metafísica é uma forma de pensar, em que as coisas
e os fenômenos são encarados de maneira isolada do contexto
histórico e das articulações com a totalidade das relações sociais
e da natureza. A dialética (desenvolvida pelos gregos e
recuperada por Hegel) consistia em encarar a história como
processo e as coisas e fenômenos em transformação, em seu
devir.
Além disso, a filosofia materialista anterior contemplava o
homem, o conhecimento e os objetos como coisas puramente
sensíveis. O homem, por exemplo, era mero produto da natureza
(desconsideravam o seu caráter de ser social) e o conhecimento
era um epifenômeno da matéria (desconheciam a sua força
material, quando tomado pelos homens concretos).
Para Marx, ao contrário, a realidade (a sociedade, os
indivíduos e o próprio conhecimento) aparece como uma
construção histórica, como atividade real, concreta. Os homens
são produto das condições históricas, mas também são os
construtores da história. Os homens constroem a sua história em
condições materiais determinadas. Para Marx, “A doutrina
materialista sobre a modificação das circunstâncias e da
educação esquece que as circunstâncias são modificadas pelos
homens e que o próprio educador tem de ser educado”.
O pensamento, como parte dessa construção, é
condicionado socialmente. Os indivíduos não pensam ou
elaboraram as suas idéias de forma isolada da vida social,
política e econômica. O rigor e a lógica do pensamento são
importantes, mas não suficientes como critérios de aferição da
objetividade, da verdade e da proximidade das idéias com o
objeto estudado.
A história e a prática social são é o lócus da verdade e da
realidade do pensamento: “A questão de saber se ao
pensamento humano cabe alguma verdade objetiva
[gegenständliche Wahrheit] não é uma questão da teoria, mas
uma questão prática. É na prática que o homem tem de provar a
verdade, isto é, a realidade e o poder, a natureza citerior
[Diesseitigkeit] de seu pensamento. A disputa acerca da
realidade ou não-realidade do pensamento – que é isolado da
prática – é uma questão puramente escolática”.
Diferentemente das diversas vertentes idealistas da filosofia,
que procura engessar a essência humana, ora como um atributo
dado por um ser sobrenatural ou como uma dádiva da natureza,
que não pode ser modificada pela ação dos homens, Marx expõe
que a “essência humana não é uma abstração intrínseca ao
indivíduo isolado. Em sua realidade, ela é o conjunto das
relações sociais”.
A essência dos indivíduos é radicalmente histórica, social,
portanto pode ser modificada historicamente pelos homens. Ao
contrário dos teóricos burgueses do século XVIII, que partiam
dos indivíduos isolados, egoístas, preocupados apenas com seus
interesses pessoais, como são os indivíduos aferrados à lógica
capitalista, Marx parte dos homens concretos, reais, que
produzem a sua vida material, e, nessa base, todas as relações
sociais. Como algo construído pelos humanos, em condições
historicamente determinadas, a essência pode ser transformada.
O materialismo mecanicista, ao fazer abstração da história e
da realidade concreta, ao não considerar que “toda a vida social
é essencialmente prática”, ao não conceber os objetos sensíveis
e o próprio homem como atividade prática, como uma construção
histórica, diz Marx, só pode chegar ao máximo à “contemplação
dos indivíduos singulares e da sociedade burguesa”. O
materialismo dialético, de outro lado, ao analisar a realidade em
suas mutações, em suas contradições, enquanto uma construção
social dos homens concretos tem como horizonte “a sociedade
humana, ou a humanidade socializada”. Finaliza as suas teses
da seguinte assertiva: “Os filósofos apenas interpretaram o
mundo de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo”
(2007:533/35).
Mas a elaboração da nova concepção filosófica e científica, o
materialismo histórico-dialético, não para por aí. Entre 1845 e
1846, Marx e Engels concluíram o manuscrito de A Ideologia
Alemã, que não seria publicado por dificuldades editoriais, vindo
a lume na Rússia, em 1932.
É precisamente neste momento, que ocorre a fusão definitiva
da teoria revolucionária, que vinha sendo elaborada, com o
movimento socialista e operário na Europa. Em Bruxelas, Marx e
Engels levam à frente o projeto da unidade entre teoria e prática
revolucionária, organizando um Comitê de Correspondência
Comunista, com o objetivo de socializar as ideias e lutas do
operariado, aproximando os revolucionários e as organizações
de vários países.
O manuscrito de A ideologia alemã, diria Marx mais adiante,
foi abandonado à crítica roedora dos ratos, mas já havia
cumprido seu objetivo de esclarecer as posições dos fundadores
do marxismo. A Ideologia Alemã é a primeira síntese geral da
Concepção Materialista da História.8 É o acerto de contas final
com a sua consciência filosófica anterior: o hegelianismo e os
jovens hegelianos.
Trata-se da primeira e mais extensa, profunda e densa crítica
dos dois socialistas à filosofia idealista e a exposição da
concepção materialista da história, que seria alargada a diversos
setores da vida social, econômica, política e cultural nas obras
posteriores, não só por iniciativa de Marx e Engels, mas pelo
esforço de inúmeros revolucionários nas décadas finais do século
XIX e durante todo o século XX.
O materialismo histórico parte da perspectiva empiricamente
observável e historicamente demonstrada da anterioridade da
matéria sobre as ideias e a consciência. Trata-se de um fato já
explicado abundantemente pelas ciências da natureza, que
estudam a Terra e o universo (geologia, física etc.) e pelas
ciências sociais, que estudam o passado da humanidade
(paleontologia, arqueologia, história).
8Cf. as seguintes edições: Karl Marx e Friedrich Engels, A Ideologia Alemã (São Paulo, Boitempo, 2007) e Karl Marx e Friedrich Engels, A ideologia alemã (São Paulo, Martins Fontes, 2002).
A natureza inorgânica (mineral), durante bilhões de anos, e,
mesmo a orgânica (animais e plantas), existiu antes do advento
dos primeiros humanos e continuará a existir mesmo se a
humanidade for exterminada, desde que a própria Terra não seja
destruída inteiramente. Somente em determinadas condições
históricas é que a consciência começou a se desenvolver, sob a
base da matéria altamente evoluída (o cérebro) até chegar ao
estágio atual. A consciência é, portanto, um estágio superior de
desenvolvimento da matéria e só pode existir sob esta base
material.
Eis um dos motivos pelos quais a concepção filosófica e
científica materialista é inconciliável com as diversas concepções
idealistas, que se apegam ao princípio da anterioridade das
ideias, da consciência, do conhecimento, da alma, enfim de um
ser sobrenatural, sobre o desenvolvimento da natureza, posição
evidentemente sem qualquer base histórica real ou fundamento
científico.
As concepções idealistas, desde a platônica até as mais
recentes, no fundo se casam com as concepções religiosas, de
modo que a ideia primeira se confunde com a própria ideia de um
ser sobrenatural, superior e anterior ao mundo, que o teria
criado, segundo um plano preestabelecido, no qual o destino dos
homens se encontra previamente traçado e contra o qual é
impossível lutar. No máximo admitem um livre arbítrio do homem
em escolher entre o bem e o mal, afim de, ao final, ganhar ou
não a vida eterna.
Como dissemos mais acima, o novo materialismo de Marx e
Engels é completamente distinto das formas mecânicas de
materialismo anteriores, como o materialismo do século XVIII e
mesmo o de Feuerbach, embora haja uma linha de continuidade
entre eles. O materialismo de Marx e Engels é histórico e
dialético. O materialismo dos filósofos ingleses e dos iluministas
franceses é mecânico e metafísico.
A materialidade da qual partem Marx e Engels, ao analisar a
história, os indivíduos e a vida humana é a materialidade social:
as condições de produção e reprodução da vida social. Para
eles, as “premissas de que partimos não são bases arbitrárias,
dogmas; são bases reais que só podemos abstrair na
imaginação. São os indivíduos reais, sua ação e suas condições
materiais de existência, tanto as que eles já encontraram
prontas, como aquelas engendradas de sua própria ação. Essas
bases são pois verificáveis por via puramente empírica”
(2002:10).
A consciência, por sua vez, não é secretada pelo cérebro
como a bílis pelo fígado, tal como pensavam os materialistas do
século XVIII. As coisas não ocorrem de forma puramente
mecânica como pensavam esses grandes pensadores. A
consciência é, sobretudo, um processo, é resultado de
determinadas condições histórico-sociais: “A consciência é,
portanto, de início, um produto social e o será enquanto existirem
homens” (Idem:24).
O trabalho é a atividade que faz a mediação entre os homens
e a natureza na produção das condições materiais, necessárias à
existência da vida em sociedade. Nenhuma sociedade é possível
sem o trabalho, sem a relação metabólica do homem com a
natureza. Mais trabalho ou menos trabalho, explorado ou
associado, mas sempre o trabalho será, como dizem Marx e
Engels, a eterna relação do homem com a natureza para
produzir os meios de produção e de subsistência, enquanto a
humanidade existir.
Pode-se, dizem os dois revolucionários, “distinguir os
homens dos animais pela consciência, pela religião e por tudo o
que se queira. Mas eles próprios começam a se distinguir dos
animais logo que começam a produzir seus meios de existência,
e esse passo à frente é a própria consequência de sua
organização corporal. Ao produzirem seus meios de existência,
os homens produzem indiretamente sua própria vida material”.
Na verdade, complementam, o que os homens são “coincide,
pois, com sua produção, isto é, tanto com o que eles produzem
quanto com a maneira como produzem. O que os indivíduos são
depende, portanto, das condições materiais da sua produção”
(Idem:10-11).
Mesmo a sociedade mais evoluída (comunista) terá como
base o trabalho associado, coletivo e destinado a atender as
necessidades sociais, estando todo o processo de trabalho sob
controle dos produtores. Portanto, pensar em uma sociedade,
sem a mediação do trabalho, por mais evoluída que seja técnica
e cientificamente, é teoricamente difícil. As máquinas terão de
ser acionadas, os bens e serviços terão de ser fiscalizados, os
bens terão de ser distribuídos entre os indivíduos etc. É bem
mais sensato se pensar na distribuição do tempo de trabalho
entre todos os membros, de modo que o período de dedicação à
necessidade de trabalho seja o mínimo possível e que no
restante do tempo os indivíduos possam se dedicar às atividades
do espírito: à arte, à ciência, à filosofia, à literatura, à vida plena.
Desta forma, no processo histórico, os homens estabelecem
entre si relações de produção, de cooperação ou de exploração,
que se expressam nas relações de propriedade. Ao longo da
história, os homens passaram por diversas formações
socioeconômicas, cada uma com determinadas formas de
trabalho. São estas condições econômicas, ao longo da história,
que constituem a base sobre a qual se constroem determinadas
formas de consciência social (arte, filosofia, religião, ciência,
direito, entre outras) e as instituições jurídico-políticas (Estado,
tribunais, juízes, prisões etc).
Para Marx e Engels, “Não é a consciência que determina a
vida, mas sim a vida que determina a consciência. Na primeira
forma de considerar as coisas, partimos da consciência como
sendo o indivíduo vivo; na segunda, que corresponde à vida real,
partimos dos próprios indivíduos reais e vivos, e consideramos a
consciência unicamente como a sua consciência” (2002:20).
Por isso, os dois revolucionários fundam e explicam as idéias
e a superestrutura jurídico-política, apesar de sua autonomia
relativa, a partir das condições sociais de existência: a “estrutura
social e o Estado nascem continuamente do processo vital de
indivíduos determinados; mas desses indivíduos não tais como
aparecem nas representações que fazem de si mesmos ou nas
representações que os outros fazem deles, mas na sua
existência real, isto é, tais como trabalham e produzem
materialmente; portanto, do modo como atual em bases,
condições e limites materiais determinados e independentes de
sua vontade. A produção das ideias, das representações e da
consciência está, a princípio, direta e intimamente ligada à
atividade material e ao comércio material dos homens; ela é a
linguagem da vida real. As representações, o pensamento, o
comércio intelectual dos homens aparecem aqui ainda como a
emanação direta de seu comportamento material. O mesmo
acontece com a produção intelectual tal como se apresenta na
linguagem da política, na das leis, da moral, da religião, da
metafísica etc. de todo um povo. São os homens que produzem
suas representações, suas ideias etc., mas os homens reais,
atuantes, tais como são condicionados por um determinado
desenvolvimento de suas forças produtivas e das relações que a
elas correspondem, inclusive as mais amplas formas que estas
podem tomar” (Idem:18/19).
Não à toa, os pensamentos “da classe dominante são
também em todas as épocas, os pensamentos dominantes; em
outras palavras, a classe que é o poder material dominante numa
determinada sociedade é também o poder espiritual dominante”
(2002:48). Isso ocorre, porque a classe dominante detém as
condições materiais (econômicas) da produção das ideias:
controlam os meios de comunicação, as instituições formadoras
de opinião e, através do Estado, a educação escolar.
A formação social nunca é uma forma completamente pura,
mas uma articulação de relações sociais e econômicas, em que
um determinado modo de produção social é dominante. Isto
significa que numa mesma formação social permanecem
resquícios de relações sociais anteriores. Na sociedade
burguesa, baseada na indústria e na exploração do trabalho
assalariado pelo capital, observa-se a permanência de relações
sociais pré-capitalistas, particularmente nos países capitalistas
mais atrasados. Nestes rege a lei do desenvolvimento desigual e
combinado, em que a última palavra da técnica se combina com
as mais atrasadas formas de organização do trabalho e da
produção.
Entretanto, na sociedade burguesa, o modo de produção
capitalista é o dominante e tende mesmo a se expandir
gradualmente, mercantilizando as relações sociais e colocando-
as sob o controle do capital, disseminando avanços e
retrocessos, impondo aos países retardatários no
desenvolvimento do capitalismo a necessidade de se adequar à
nova organização mundial dos mercados e da produção
capitalista, dissolvendo ou subordinando as relações de
produção capitalistas.
O modo de produção é uma articulação de forças produtivas
(força de trabalho, ferramentas, instalações etc.) e relações de
produção (que se expressam nas relações de propriedade). As
relações de produção podem desenvolver ou obstaculizar o
avanço das forças produtivas. Enquanto foi possível expandir as
relações mercantis, sob a base da propriedade privada, as
relações de produção capitalistas incentivaram o
desenvolvimento da ciência e da técnica, aplicando-as ao
processo produtivo, aumentando a produtividade do trabalho,
incrementando a quantidade e a qualidade das mercadorias,
diminuindo o tempo de trabalho socialmente necessário para
produzi-las.
Hoje, quando os mercados estão partilhados entre as
potências, o emprego limitado da técnica na produção é
acompanhado do desemprego crônico e de crises de
superprodução, quase permanentes. As relações de produção
capitalistas tornaram-se um estorvo ao desenvolvimento da
ciência e da técnica e à sua aplicabilidade plena para resolver os
problemas da humanidade.
Quando isto ocorre, diz Marx, abre-se uma época de
revolução social. Desde o início do século XX, vivenciamos
revoluções proletárias em vários países. Esta concepção
materialista da história, desenvolvida por Marx e Engels ainda
em A ideologia alemã, é a base segura para a compreensão do
passado e do presente, abrindo perspectivas para a luta por
novas relações sociais (socialismo).
Marx e Engels sintetizaram, n’A ideologia alemã, as
consequências da nova concepção de história, da sociedade,
dos indivíduos e do conhecimento da seguinte forma: “1. No
desenvolvimento das forças produtivas, ocorre um estágio em
que nascem forças produtivas e meios de circulação que só
podem ser nefastos no quadro das relações existentes e não são
mais força produtivas, mas sim forças destrutivas (a máquina e o
dinheiro) – e, em ligação com isso, nasce uma classe que
suporta todos os ônus da sociedade, sem gozas das suas
vantagens, que é expulsa da sociedade e se encontra
forçosamente na oposição mais aberta a todas as outras classes,
uma classe formada pela maioria dos membros da sociedade e
da qual surge a consciência da necessidade de uma revolução
radical, consciência que é consciência comunista e pode se
formar também, bem entendido, nas outras classes, quando toma
conhecimento da situação dessa classe. 2. As condições nas
quais se podem utilizar forças produtivas determinadas são as
condições da dominação de uma classe determinada da
sociedade; o poder social dessa classe, decorrendo do que ela
possui, encontra regularmente sua expressão prática sob forma
idealista no tipo de Estado peculiar a cada época; é por isso que
qualquer luta revolucionária é dirigida contra uma classe que
dominou até então.3. Em todas as revoluções anteriores, o modo
de atividade permanecia inalterado e se tratava apenas de uma
outra distribuição dessa atividade, de uma nova divisão do
trabalho entre outras pessoas; a revolução comunista, ao
contrário, é dirigida contra o modo de atividade anterior, ela
suprime o trabalho e extingue a dominação de todas as classes
abolindo as próprias classes, porque ela é efetuada pela classe
que não é mais considerada como uma classe na sociedade, que
não é mais reconhecida como tal, e que já é a expressão da
dissolução de todas as classes, de todas as nacionalidade etc.,
no quadro da sociedade atual. 4. Uma ampla transformação dos
homens se faz necessária para a criação em massa dessa
consciência comunista, como também para levar a bom termo a
própria coisa; ora, uma tal transformação só se pode operar por
um movimento prático,por uma revolução; esta revolução não se
faz somente necessária, portanto, só por ser o único meio de
derrubar a classe dominante, ela é igualmente necessária porque
somente uma revolução permitirá que a classe que derruba a
outra varra a podridão do velho sistema e se torne apta a fundar
a sociedade sobre bases novas” (2002:85/86).
Por último, é preciso destacar que, para nossos autores, o
Estado “não é outra coisa senão a forma de organização que os
burgueses dão a si mesmos por necessidade, para garantir
reciprocamente sua propriedade e os seus interesses, tanto
externa quanto internamente (...), Sendo o estado, portanto, a
forma pela qual os indivíduos de uma classe dominante fazem
valer seus interesses comuns e na qual se resume toda a
sociedade civil de uma época, conclui-se que todas as
instituições comuns passam pela mediação do estado e recebem
uma forma política” (Idem:74). Diferentemente dos socialistas
utópicos anteriores a Marx e Engels, n’A ideologia alemã o
comunismo “não é nem um estado a ser criado, nem um ideal
pelo qual a realidade deverá se guiar. Chamamos de comunismo
o movimento real que supera o estado atual de coisas. As
condições desse movimento resultam das premissas atualmente
existentes” (Idem:32).
É preciso dizer que o período que estamos analisando da
vida e da obra de Marx e Engels é também um momento de
acerto de contas com outros socialistas, como Joseph Proudhon
e Weitling. Na Carta a Annenkov, escrita em dezembro de 1846,
Marx critica a obra de Proudhon, que tinha publicado um texto de
título Sistema de contradições econômicas ou Filosofia da
Miséria. É o fim de uma simpatia que Marx nutria por Proudhon
desde que o conhecera em Paris, em particular por sua obra O
Que é a Propriedade?, publicada em 1840, de influência
marcada entre os socialistas nessa década.9
Dominando o método do materialismo histórico-dialético,
convicto das contradições da sociedade burguesa e do papel
revolucionário da classe operária, Marx demonstra o caráter
reformista das teses e propostas de Proudhon, que sequer
arranhavam as relações de produção capitalistas, e, por
consequência, tornavam-no refém dos ideais burgueses
abstratos (liberdade, igualdade), já que os utilizava acriticamente
para a sua análise da sociedade burguesa.
9A Carta a P. V. Anenkov pode ser encontrada em anexo ao texto: Karl Marx, Miséria da filosofia (São Paulo, Centauro, 2001).
Por isso, Proudhon não conseguia ir além de uma proposta
de reformas econômicas baseada nos pequenos produtores
individuais e na estruturação, entre eles, de relações mercantis
simples. Não tinha efetivamente uma visão revolucionária de
superação da economia mercantil capitalista e de construção do
comunismo, mas de uma volta à pequena economia mercantil do
passado. Não a toa, Proudhon chega ao máximo a propor
medidas paliativas para sanar as mazelas sociais do proletariado
como o chamado Banco do Povo e das cooperativas.
Marx considerava o livro A Filosofia da Miséria de Proudhon
“muito mau” (ruim), pois não havia compreendido “o estado social
atual na sua engrenagem”, lançava mão de um “fraco
hegelianismo”, procurava, tal como os idealistas de sua época,
as forças motrizes da história na “manifestação da razão
universal”, não conhecia, de fato, “o desenvolvimento histórico da
humanidade" (2001: 171/176), “o movimento real da história”,
sendo que, para Proudhon, “o homem não é mais que o
instrumento, que a ideia ou a razão eterna utilizam, para se
desenvolverem” (Idem:178).
Diferentemente de Proudhon, na visão de Marx os homens
fazem a história, mas a fazem em determinadas condições
materiais, produzidas no passado, pelas gerações anteriores. Por
isso, quase sempre o resultado do processo histórico em seu
conjunto é muito diferente do que cada indivíduo deseja em
particular. A história é, na verdade, uma síntese dos atos dos
indivíduos, vinculados a determinadas classes sociais, em
específicas condições sociais, econômicas, políticas e culturais.
Os homens, como diz Marx, “não são os livres árbitros das
suas forças produtivas – que é a base de toda a sua história –
pois qualquer força produtiva é uma força adquirida, o produto de
uma atividade anterior. Assim, as forças produtivas são o
resultado de uma atividade anterior. Assim, as forças produtivas
são o resultado da energia prática dos homens, mas esta energia
está ela mesma circunscrita pelas condições nas quais os
homens se encontram, pelas forças produtivas já adquiridas, pela
forma social que existe antes deles, que eles não criam, que é o
produto da geração anterior. Pelo simples fato de que toda a
geração posterior encontra forças produtivas já adquiridas pela
geração anterior, que lhe servem de matéria-prima para novas
produções, forma-se uma conexidade na história dos homens,
forma-se a história da humanidade, que é tanto mais história da
humanidade quando se desenvolvem as forças produtivas dos
homens e, consequentemente, as suas relações sociais. A
consequência necessária é que a história social dos homens
nunca é mais que a história do seu desenvolvimento individual,
que tenham consciência disso ou não. As suas relações
materiais formam a base de todas as suas relações. Essas
relações materiais não são mais do que as formas necessárias
nas quais se realiza a sua atividade material e individual” (Idem,
p. 176/177).
Marx questiona: “O que é a sociedade, qualquer que seja a
sua forma? O produto da ação recíproca dos homens. Serão os
homens livres de escolher esta ou aquela forma social? De
maneira nenhuma. Imagine um certo estado de desenvolvimento
das faculdades produtivas dos homens e terá uma certa forma de
comércio e de consumo. Imagine certos graus de
desenvolvimento da produção, do comércio, do consumo, e terá
uma certa forma de constituição social, de organização da
família, das ordens ou das classes, numa palavra, uma certa
sociedade civil. Imagine essa sociedade civil e terá um certo
estado político, que não é senão a expressão oficial da
sociedade civil. É isto que o sr. Proudhon nunca compreenderá”
(Idem:176).
Marx deixa claro que todas as formas sociais, todas as
formas econômicas em que os homens produzem, consomem e
trocam são transitórias e históricas, o que significa que podem
ser superadas e, em seu lugar, emergir outra formação social.
“Os homens nunca resunciam ao que ganharam, mas isso não
equivale a dizer que nunca renunciem à forma social na qual
adquiriram certas forças produtivas”. Como ocorreu na Inglaterra
em 1640 e 1688 e na França, em 1789 e 1848, a burguesia
destronou a nobreza e clero e assumiu definitivamente os rumos
do poder político e do Estado.
Acrescentamos à análise de Marx: ocorreu também durante
todo o século XX, quando irromperam grandes revoluções, a
começar pela Revolução Russa de 1917, quando o proletariado
rompeu a dominação da classe dominante e instarou o seu
próprio poder, o Estado operário. Infelizmente, como veremos
mais adiante, condições históricas muito específicas do século
passado degeneraram as experiências de tomada do poder pelo
proletariado. Continará a ocontecer no século XXI com a crise
estrutural do capitalismo. Portanto, tanto como as formações
sociais do passado, a forma burguesa “de produção é uma forma
histórica e transitória do mesmo modo que o era a forma feudal”
(Idem:184).
Ao tratar do movimento da história e da estruturação da
sociedade capitalista moderna, a partir das categorias burguesas,
sem submetê-las a mais rigorosa crítica, afirma Marx, Proudhon
“prova claramente que não compreendeu o laço que une as
formas da produção burguesa, que não compreendeu o caráter
histórico e transitório das formas da produção numa época
determinada” (Idem:180).
Por falta de conhecimentos históricos “Proudhon não viu que
os homens, ao desenvolverem as suas faculdades produtivas,
quer dizer, ao viverem, desenvolvem certas relações entre eles, e
que a forma destas relações muda necessariamente com a
modificação e o crescimento destas faculdades produtivas. Não
viu que as categorias econômicas são apenas abstrações destas
relações reais, que elas não são verdades senão enquanto essas
relações subsistem” (Idem:181).
Deslocando as categorias de análise de suas determinações
reais, quais sejam das concretas relações sociais e econômicas,
Proudhon caiu “no erro dos economistas burgueses, que vêem
nestas categorias econômicas leis eternas e não leis históricas,
que só são leis para um certo desenvolvimento histórico, para um
determinado desenvolvimento das forças produtivas. Assim, em
vez de considerar as categorias econômico-políticas como
abstrações das relações sociais reais, transitórias, históricas, o
sr. Proudhon, por sua inversão mística, só vê encarnações
destas abstrações nas relações reais” (Idem, ibidem).
Neste sentido, acrescenta Marx, os “homens que produzem
as relações sociais conforme a sua atividade material, produzem
também as idéias, as categorias, quer dizer as expressões
abstratas ideais dessas mesmas relações sociais. Assim, as
categorias são tão pouco eternas como as relações que
exprimem. São produtos históricos e transitórios” (Idem:183).
A transformação de categorias e formas sociais transitórias e
históricas em algo eterno leva os teóricos da burguesia (como
também ocorreu com Proudhon, que se manteve no horizonte da
sociedade burguesa) ao erro de supôr que “o homem-burguês é
a única base possível de toda a sociedade, do fato de que eles
não imaginam um estado de sociedade em que o homem tenha
deixado de ser burguês” (Idem:184).
Não por acaso, Proudhon foi levado a se colocar contra
formas de organização e de luta política do proletariado, como as
greves. Proudhon não compreendia o potencial revolucionário da
classe operária e o sentido do movimento comunista moderno.
Marx, então, só podia concluir: “um homem que não
compreendeu o estado atual da sociedade muito menos deve
compreender o movimento que tende a derrubá-lo e as
expressões literárias desse movimento revolucionário”
(Idem:185).
IVA crítica da sociedade burguesa, a Liga dos
Comunistas e a classe operária em ascensão
Na sociedade atual, na indústria baseada nas trocas individuais, a anarquia da produção, que é a fonte de tanta miséria, é ao mesmo tempo a fonte de todo o progresso (Marx, Miséria da filosofia).
O ano de 1847 seria decisivo na trajetória de Marx e Engels.
A sua aproximação ao movimento operário e às organizações
socialistas leva-os a ingressarem na Liga dos Justos, uma antiga
organização política secreta, que lutava pela emancipação geral
dos homens. Nesse mesmo ano Marx e Engels ajudaram a
fundar uma Associação Alemã Operária em Bruxelas, da qual
Marx se tornou vice-presidente.
Por força da intervenção de Marx e Engels, a Liga dos Justos
evolui rapidamente para uma organização proletária, mudando a
sua denominação para Liga dos Comunistas, inscrevendo em
seu estatuto no lugar da emancipação em geral a luta pelo fim da
propriedade privada e emancipação do proletariado do domínio
burguês.
O Objetivo da Liga, previam os Estatutos aprovados em
dezembro de 1847 em seu art. 1º, passou a ser desde então “a
derrocada da burguesia, o domínio do proletariado, a abolição da
velha sociedade burguesa baseada sobre antagonismos entre as
classes e a fundação de uma nova sociedade, sem classes e
sem propriedade privada”.
No Congresso da Liga dos Comunistas em Londres, Marx e
Engels foram encarregados de escrever um manifesto,
apresentando as idéias e os princípios gerais da nova
organização comunista. Engels elaborou um documento em
forma de perguntas e respostas intitulado Princípios do
Comunismo,10 tratando dos principais problemas do movimento
comunista de sua época. Com base nele, Marx e Engels
elaboraram o Manifesto do Partido Comunista, que seria
publicado no ano seguinte, às vésperas das grandes convulsões
sociais de 1848 em Paris e restante da Europa.
Nos Princípios do comunismo, Engels afirmava claramente
que o “Comunismo é a doutrina das condições de libertação do
proletariado”. O autor tratava ali do comunismo como a nova
concepção revolucionária que deu uma base científica oa
movimento do proletariado, ao analisar as condições de
libertação desenvolvidas no próprio capitalismo, as chamadas
condições objetivas (suas contradições, a ciência, a técnica, a
socialização do trabalho e as crises) e as condições subjetivas (o
10Consultar Friedrich Engels, Princípios do comunismo (São Paulo, Global, 1980) e Friedrich Engels, Princípios do comunismo (In Revista Socialismo Científico, ano II, nº 05, Abril/Junho de 1998).
desenvolvimento organizativo do proletariado e o avanço da
consciência política de classe).
O proletariado é definido no texto de Engels como “a classe
da sociedade que retira sua subsistência unicamente da venda
de seu trabalho e não do lucro de um capital qualquer; a classe
cujo bem-estar, cuja vida e cuja morte, cuja existência toda
depende da demanda de trabalho, quer dizer, da alternância de
bons e maus períodos negócios, das flutuações de uma
concorrência desenfrada”.
Mais a frente completa Engels: o proletariado é “a classe dos
que não possuem absolutamente nada, que são obrigados a
vender aos burgueses seu trabalho, para receber em troca os
meios de subsistência necessários à sua manutenção”. Produto,
portanto, da revolução industrial, iniciada na Inglaterra, no século
XVIII e que se expandiu, de acordo com as particularidades de
cada um deles, para outros países.
A Revolução Industrial significou a introdução da maquinaria
moderna no processo de produção nas fábricas, superando as
condições de produção manufatureiras, dependentes do uso de
ferramentas individuais pelos trabalhadores. Com a aplicação da
máquina a vapor, das diversas máquinas téxteis, do tear
mecânico e de dispositivos mecânicos, substituindo as antigas
rocas de fiar e os teares manuais, da produção camponesa, das
manufaturas e do artesanato sucumbiram.
As máquinas elevaram a capacidade produtiva do trabalho
assalariado nas grandes indústrias capitalistas, fizeram
desaparecer os pequenos produtores, os camponeses e sua
indústria doméstica, as corporações com seus mestres e
companherios, os operários das manufaturas, que ainda
possuíam os instrumentos de trabalho, aumentando
incomparavelmente o controle dos burgueses sobre o processo
de produção nas indústrias.
As máquinas e o sistama fabril tomaram conta primeiramente
da indústria téxtil, mas progressivamente se expandiram para
outros ramos como a estamparia de tecidos, a tipografia, a
cerâmica e demais setores da indústria européia. A mecanização
possibilitou uma maior divisão técnica e social do trabalho, na
medida em que o “trabalho foi dividido cada vez mais entre os
operários, e o operário que antes fazia um objeto inteiro passou
então a fazer apenas uma parte desse objeto. Tal divisão do
trabalho permitiu que os produtos pudessem ser fabricados mais
rapidamente e, portanto, a menor preço. Reduziu a atividade de
cada operário a um movimento mecânico muito simples,
constantemente repetido, que podia ser não só realizado mas
também melhorado por uma máquina”.
Os capitalis foram progressivamente se concentrando nas
mãos dos grandes capitalistas, que tinha condições de investir na
pesquisa científica e nas máquinas modernas, aplicá-las no
processo de produção, dividir o trabalho no interior das fábricas e
produzir mercadorias em grande quantidade e a menor preço.
Não havia como os pequenos produtores competirem seriamente
com a grande indústria. Portanto, cada vez mais, os antigos
camponeses, artesãos e pequenos comerciantes, engolidos pela
competição dos grandes capitalistas, passaram a engrossar a
classe operária.
O fortalecimento da classe burguesa levou-a ao poder nos
países mais importantes da Europa, que vivenciavam o
desenvolvimento industrial, como a França e a Inglaterra,
estendendo o seu poderio para o mundo todo. Concentrou o
poder político do Estado em suas mãos, destronou a aristocracia
e seus privilégios de nascimento, submeteu o clero aos seus
interesses mais mesquinhos, destruiu as antigas corporações de
ofício do feudalismo e, no lugar de tudo isso, impôs a
propriedade privada burguesa moderna, a grande indústria, o
mercado mundial, a livre concorrência, a igualdade e a liberdade
formais perante a lei e a constituição, uma única moeda, único
sistema tributário, juízes e tribunais nacionais, o Estado e os
governos burgueses, com seus exércitos modernos, polícias e
prisões.
O trabalho (a força de trabalho, na verdade), dizia Engels, foi
reduzida a mercadoria, como qualquer outra, vendida e
comprada no mercado. Como toda mercadoria, o preço (salário)
da força de trabalho corresponde em média aos seus custos de
produção, ou seja, à quantidade de meios de subsistência
indispensáveis para a reprodução do operário e da sua família,
para repor a sua capacidade de trabalho, o mínimo estritamente
necessário à sua subsistência.
Os salários, adverte Engels, refletem também as flutuações
dos negócios e do mercado de trabalho, à lei da oferta e da
procura. Como veremos mais adiante, Marx e Engels avançará
em sua concepção da economia política burguesa, na medida
em que incorporam as condições históricas de cada país e a
relações de forças da luta de classes como fatores importantes
na compreensão do nível dos salários.
Engels procura no referido texto estabelecer diferenças
essenciais entre a condição do proletariado moderno e das
classes trabalhadoras das formações econômicas pré-
capitalistas: “As classes trabalhadoras viveram sob diferentes
condições e ocuparam posições diferentes diante das classes
possuidoras e domianantes, segundo as diferentes fases de
desenvolvimento da sociedade. Na antiguidade, os que
trabalhavam eram os escravos (Skalven) dos que possuíam,
como ainda é o caso em muitos países atrasados e inclusive no
sul dos Estados Unidos. Na Idade Média, eram os servos
(Leibeigenen) dos nobres proprietários de terras, como são ainda
hoje na Hungria, na Polônia e na Rússia. Na Idade Média e até à
época da revolução industrial existiram também, nas cidades,
oficiais-artesãos (Handwerksgesellen) que trabalhavam a serviço
de mestres pequeno-burgueses (kleinenbürgerlicher Meinster);
pouco a pouco, com o desenvolvimento da manufatura, surgiram
também operários de manufatura, empregados por capitalistas
mais encorpados”.
Pergunta Engels: o que dintinge o proletário do escravo? A
resposta é penetrante: “O escravo é vendo de uma vez por
todas; o proletário tem que se vender a si mesmo a cada dia e a
cada hora. O escravo singular, propriedade de um senhor, tem,
por interesse desse senhor, uma existência assegurada, por mais
miseráveis que seja ela; o proletário singular, propriedade, por
assim dizer, de toda a classe burguesa, e que só tem seu
trabalho vendido quando alguém dele necessita, não tem a
existência assegurada. Apenas está assegurada a existência da
classe proletária em seu conjunto. O escravo está fora da
concorrência; o proletário está a ela submetido e se ressente de
todas as suas frutuações. O escravo é considerado um objeto,
não um membro da sociedade civil (bürgerlichen Gesellschaft); o
proletário é reconhecido como pessoa, como membro da
sociedade civil. Portanto, o escravo pode ter uma existência
melhor do que a do proletário, maos o proletário pertence a uma
etapa superior de desenvolvimento da sociedade e ocupa
também, ele mesmo, uma posição superior à do escravo. O
escravo se liberta abolindo, entre todas as relações de
propriedade privada, apenas a relação de escravidão e
convertendo-se com isso em proletário; o proletário só pode se
libertar abolindo a propriedade privada em geral”.
E do servo? Engels arremata a sua argumentação: “O servo
(Leibeigene) tem a posse e o uso de um instrumento de
produção, de um pedaço de terra, em troca de uma parte do
produto ou da prestação de trabalho. O proletário tabalha com
instrumentos de produção de um outro, por conta deste outro, e
recebe em troca uma parte do produto. O servo cede, o proletário
recebe. O servo tem uma existência assegurada, o proletário
não. O servo está fora da concorrência, o proletário está a ela
submetido. O servo se liberta ou refugiando-se nas cidades para
tornar-se artesão, ou dando ao seu senhor dinheiro ao invés de
trabalho ou produtos, transformando-se assim em arredantários
livres, ou ainda expulsando o seu senhor feudal e tornando-se
ele mesmo proprietário, em resumo, entrando de uma maneira
ou de outra na classe possuidora e na concorrência. O proletário
se liberta abolindo a concorrência, a propriedade privada e todas
as diferenças de classe”.
Uma das consequências marcantes do capitalismo, explica o
autor, é a sua tendência à internacionalização, impulsionada por
sua lógica de desenvolvimento interno, pela expansão da
produção e do comércio, pela anexação de países ao mercado
mundial e à divisão internacional do trabalho. Dessa forma, a
“grande indústria estabeleceu ligações entre todos os povos da
terra, uniu num único mercado mundial todos os pequenos
mercados locais, preparou em todas as partes a civilização e o
progresse e criou uma situação na qual tudo o que ocorre nos
países civilizados repercurte necessariamente nos demais
países. Assim, se hoje se libertarem os operários na Inglaterra e
na França, isso deve provocar em todos os demais países
revoluções que mais cedo ou mais tarde conduzirão à libertação
dos operários desses países”.
O capitalismo criou ao mesmo tempo as suas contradições.
Em primeiro lugar, ao transformar os trabalhadores em
proletários, concentrou-os nas fábricas e cidades industriais,
aumentou a sua força, tornou insuportável as suas condições de
vida e trabalho, precipitando na miséria e na opressão a vida dos
trabalhadores, fez crescer seu descontentamento, sua
organização, suas lutas e métodos de resistência. Os
trabalhadores foram criando associação e sindicatos.
Por outro lado, a concentração de riquezas e capitais nas
mãos da burguesia, bem como o desenvolvimento da ciência e
da técnica moderna, desenvolvendo rapidamente as forças
produtivas, deu à produção capitalista uma capacidade
incompavável. Essas forças produtivas altamente desenvolvidas
subverteram continuamente a grande propriedade e os mercados
nacionais, por terem esses se convertido em obstáculo ao seu
pleno desenvolvimento daquelas.
A burguesia não tem como aplicar plenamente a sua ciência
e a sua técnica, só as aplica no limite do lucro e para acumular
capital. Por outro lado, por causa da anarquia da produção
capitalista (o capitalista só tem controle da sua produção, mas
não do conjunto da economia), as forças produtivas
frequentemente rompem o controle imposto pela propriedade
privada e passa-se a produzir mais do que os mercados
suportam: sobreveem as crises cíclicas de superprodução,
traduzindo-se no Engels chama de “crise comercial” de “sete em
sete anos”. Como consequências, aumenta-se a miséria dos
operários, arruína-se uma parte dos burgueses.
As contradições geradas no modo de produção capitalista
demonstram, conforme Engels, que “a partir daí todos estes
males só podem ser atribuídos a uma ordem social que deixou
de corresponder às exigências da situação real” e que “é
possível, através de uma nova ordem, acabar com todos estes
males”. Neste caso, “a abolição da propriedade privada é
indubitavelmente a forma mais simples e mais significativa de
caracterizar a revolução em toda a ordem social que o
desenvolvimento da indústria tornou necessária, e por esta razão
é justamente apresentada pelos comunistas como a sua principal
reivindicação”.
A nova ordem, nascida da revolução social, colocará o
funcionamento da indústria e de todos os ramos da produção nas
mãos da sociedade, organizada segundo um plano comum e
com a participação de todos os membros da sociedade. A
concorrência será substituída pela associação dos produtores.
Os instrumentos de produção serão utilizados em comum e a
distribuição dos produtos do trabalho será realizada segundo um
acordo comum, pela comunidade de bens.
A eliminação da propriedade privada e a apropriação coletiva
dos meios de produção, das forças produtivas, dos meios de
comunicação, colocando a própria produção e a distribuição dos
bens a serviço das necessidades sociais, segundo um plano
baseado nos recursos disponíveis, levarão a sociedade a
eliminar, antes de tudo, todas as “consequências deploráveis
hoje inerentes ao funcionamento da grande indústria. As crises
desaparecerão; (...) Ao invés de engendrar a miséria, a
superprodução garantirár, bem mais que as necessidades
imediatas da sociedade, a satisfação das necessidades de todos
e engendrará nossas necessidades, bem como os meios para
satisfazê-las. (...) ficará supérflua a divisão da sociedade em
diferentes classes contrapostas entre si. Tal divisão, além de
supérflua, será mesmo imconpatível com a nova ordem social. A
existência das classes tem origem na divisão do trabalho, e a
divisão do trabalho, tal como existiu até agora, desaparecerá
completamente”.
A educação dará aos jovens, acrescenta, “a possibilidade de
percorrer rapidamente todo o sistema de produção, colocando-os
em condições de se deslocarem por turnos de um para outro
ramo de produção, conforme as necessidades da sociedade ou
suas próprias inclinações. A educação, portanto, libertará os
jovens desse caráter unilateral que a atual divisão do trabalho
imprime a cada indivíduo. Desse modo a sociedade organizada
sobre bases comunistas oferecerá a seus membros a
oportunidade de empregar em todos os aspectos suas
capacidades universalmente desenvolvidas”.
Em síntese, diz Engels: “A associação geral de todos os
membros da sociedade para a exploração planificada e comum
das forças produtivas, a extensão da produção em proporções
que satisfaçam às necessidades de todos, o término da situação
em que as necessidades de uns são satisfeitas às custas de
outros, a destruição completa das classes e de seus
antagonismos, o desenvolvimento universal das capacidades de
todos os membros da sociedade mediante a eliminação da
divisão do trabalho até agora existente, mediante a educação
industrial, mediante a mudança de atividades, mediante a
participação de todos nos bens criados por todos, mediante a
fusão do campo e da cidade: serão esses os principais
resultados da abolição (Abschaffunf) da propriedade privada”.
A revolução social abrirá, portanto, uma nova etapa no
desenvolvimento da história da humanidade, a formação social e
econômica comunista. Todas as transformações decorrentes de
uma revolução social terão consequências sobre as relações
sociais atualmente existentes como a família, a religião, a relação
entre as nações, nas formas de pensamento etc. Engels observa
que a revolução socialista tem um caráter internacional.
O fundamento do caráter internacional do socialismo se
encontra no fato de que ao “criar um mercado mundial, a grande
indústria trouxe já todos os povos da Terra, e especialmente os
povos civilizados a uma relação tão íntima uns com os outros
que ninguém é independente do que acontece aos outros. Além
disso, ela tem coordenado o desenvolvimento social dos países
civilizados a um tal ponto que em todos eles a burguesia e o
proletariado se tornaram as classes decisivas e a luta entre elas
a grande luta do dia-a-dia. Segue-se que a revolução comunista
não será meramente um fenômeno nacional (...). É uma
revolução universal e terá consequentemente um alcance
universal” (1980:121/139).
Por fim, Engels apresenta no texto de Princípios do
comunismo a diferença entre os comunistas e as diversas
vertentes do socialismo existentes em sua época. Divide-os em
três classes ou vertentes:
a) socialismo reacionário - os partidários da sociedade feudal
ou patriarcal destruída pelo capitalismo, que se apoiam na crítica
das mazelas da sociedade burguesa para difundir a tese da
necessidade de restaurar a sociedade feudal. Querem antes de
tudo voltar ao passado pré-capitalista do domínio da nobreza e
do clero, dos camponeses, artesãos e dos pequenos
comerciantes. Trata-se de uma defesa profundamente utópica e
reacionária, impossível de ser realizada. Os defensores dessa
perspectiva não raras vezes passaram ao campo da burguesia
contra o proletariado;
b) o socialismo burguês – defensores da sociedade atual que
procuram minimizar os seus males sociais, seja através do
assistencialismo, seja por meio de reformas sociais. Aspiram,
portanto, a um capitalismo sem as mazelas sociais. Na verdade,
apenas conseguem adiar a resolução dos problemas, de modo
que o objetivo fundamental é manter o pilar da sociedade
capitalista: a propriedade privada;
c) o socialismo democrático (da pequena burguesia radical) –
pode ter reivindicações comuns com o programa comunista, as
chamadas reivindicações democráticas, mas de nenhuma forma
aspiram a transição ao comunismo, ao fim da propriedade
privada e a extinção das classes sociais. Querem simplesmente
as medidas suficientes para “abolir a miséria e fazer desaparecer
os males da sociedade atual”, sem extingui-la plenamente.
Ainda em 1847, Marx desenvolve as idéias apresentadas na
Carta a P. V. Annenkov, fazendo uma crítica de conjunto à
sociedade capitalista, a partir de suas divergências com as idéias
de Proudhon, contidas, como dissemos acima, em A filosofia da
miséria. Marx denominou a sua obra de Miséria da Filosofia.11
Mostra as fraquezas das teorias de Proudhon e sua
adaptação às relações de produção burguesas, quando
transformava os princípios e os idéias da sociedade burguesa em
princípos universais e os assimilava na sua concepção de
mudança da sociedade. Fora isso, Proudhon formulava, a partir
destes princípios universais, propostas para os trabalhadores que
se adaptavam inteiramente à lógica do capital, que, ao final, o
levava a se contrapor às formas de luta e organização do
proletariado como as greves e as coligações operárias.
Dessa forma, Marx, na crítica das teses e propostas do
socialista francês, expõe ao mesmo tempo de forma mais
profunda a teoria materialista da história, a partir de uma análise
dos teóricos da economia, consolidando, numa síntese concreta
do desenvolvimento econômico-social, as aquisições teóricas
anteriores. Expõe sua adesão definitiva à teoria do valor-
trabalho, desenvolvida por David Ricardo.
11Ver Karl Marx, A Miséria da Filosofia (São Paulo, Centauro, 2001).
Segundo Engels, no prefácio ao livro de Marx, a teoria do
valor-trabalho comporta, em síntese, as seguintes proposições:
“1º que o valor de cada mercadoria é única e exclusivamente
determinado pela quantidade de trabalho exigida para a sua
produção e 2º que o produto da totalidade do trabalho social é
partilhado entre as três classes dos proprietários fundiários
(renda), dos capitalistas (lucro) e dos trabalhadores (salário)”
(2001:10). Dessas assertivas de Ricardo, os economistas
ricardianos extraíam consequências socialistas.
Pois, dessas proposições, desenvolvidas ao limite, quais
Marx estava também tirando as consequências mais radicais
sobre a explicação da riqueza social capitalista pela exploração
da força trabalho, com todas as suas consequências no plano
econômico-político, quais sejam, a necessiade de organização
da classe operária para defender as suas reivivindicações
econômica, o desenvolvimento de sua consciência de classe e a
constituição em partido político na luta pelo socialismo. Mas
ainda não havia chegado, como o faria anos depois em O Capial,
à sua teoria da mais-valia. Deixemos isto para mais adiante. Por
enquanto, fixemos-nos na argumentação de Marx contra a
análise de Proudhon.
Para Marx, Proudhon não havia compreendido que as
relaçõe sociais “determinadas são também produzidas pelos
homens, da mesma maneira que os tecidos de algodão, de linho
etc. As relações sociais estão intimamente ligadas às forças
produtivas. Adquirindo novas forças produtivas, os homens
mudam o seu modo de produção e, ao mudarem o modo de
produção, a maneira de ganhar a vida, mudam todas as suas
relações sociais. (...) Os mesmos homens que estabelecem as
relações sociais de acordo com a sua produtividade material
produzem também os princípios, as idéias, as categorias, de
acordo com as suas relações sociais. Por isso, essas idéias,
essas categorias, são tão pouco eternas como as relaçõe sociais
que exprimem. São produtos históricos e transitórios.” (2001:98).
Ao encarar as relações sociais capitalistas como relações
naturais e imodificáceis, economistas e determinadas correntes
socialistas utópicas acabavam por se colocar “de acordo apenas
num ponto: a condenação das coligações. Contudo, apresentam
motivos diferentes para o seu ato de condenação. Os
economistas dizem aos operários não entrem em coligações.
Entrando em coligações, vocês entrevarão a marcha regulçar da
indústria, impedirão os fabricantes de satisfazerem os pedidos,
perturbarão o comércio e precipitarão a invasão das máquinas
que, tornando o vosso trabalho parcilamente inútil, vos obrigarão
a aceitar um salário ainda mais baixo. Aliás, seria agir em vão, já
que o vosso salário sempre será determinado pela relação entre
a mão-de-obra oferecida e a mão-de-obra procurada e é um
esforço tão ridículo quanto perigoso que vocês se revoltem
contra as leis eternas da economia política. Os socialistas dizem
aos operários; não entrem em coligação porque, afinal, que
ganharão com isso? Uma subida de salário? Os economistas
provarão até à evidência que os poucos tostões que vocês
poderão ganhar, em caso de êxito, por alguns momentos, seriam
seguidos por uma baixa permanente. Calculadores habilidosos
poderão provar-nos que serão precisos anos para vocês
recuperarem, considerado apenas o aumento do salário, as
despesas que foram obrigados a fazer para organizar e manter
as coligações”.
Marx coloca-se na defesa das greves e das coligações
operárias, não só porque se constituem em instrumentos de luta
contra a concorrência no seio dos trabalhadores e por condições
mais favoráveis de vida e trabalho, mas pelo fato de, no seio da
organização e da luta, se forjarem a consciência e as condições
subjetivas necessárias à transformação da sociedade.
Diz ele: “Os economistas querem que os operários
permaneçam na sociedade tal como ela se formou e tal como
eles a consignaram e sancionaram nos seus manuais. Os
socialistas querem que os operários deixem a velha sociedade
onde ela está, para melhor poderem entrar na sociedade nova
que com tanta previdência lhes prepararam. Apesar de uns e de
outros, apesar dos manuais e das utopias, as coligações não
cessarma por um momento de se manifestar e de se ampliar com
o desenvolvimento e o crescimento da indústria moderna”
(Idem:149/151).
Os socialistas verdadeiramente consequentes deveriam,
pois, atuar no seio desses movimentos, visando a sua
constituição em movimento político e revolucionário.
Ainda em 1847, Marx proferiu uma série de conferências
sobre a economia capitalista para os trabalhadores da
Associação dos Operários Alemães de Bruxelas. Em 1849,
publicou uma síntese dessas conferências na Nova Gazeta
Renana com o título de Trabalho assalariado e capital. O objetivo
do texto é claro: “Queremos que os operários nos
compreendam”. Esse texto demonstra já, da parte de Marx, um
profundo e minuncioso conhecimento das categorias e do
funcionamento da estrutura econômica capitalista. Constitui uma
rigorosa análise da lógica da exploração do trabalho pelo capital,
da base econômica em que se funda a dominação capitalista
sobre o trabalho assalariado e da luta de classes moderna.
Marx inicia o texto da seguinte forma: “De vários lados,
somos censurados por não havermos exposto as relações
econômicas que constituiem a base material das lutas de classes
e das lutas nacionais nos nossos dias. De acordo com o nosso
plano, tratamos dessas relações apenas quando elas explodiam
diretamente em enfrentamentos políticos (...). Agora, depois de
os nossos leitores verem o desenvolvimento da luta de classes
no ano de 1848 sob forma políticas colossais, é tempo de
aprofundar essas mesmas relações econômicas em que se
baseiam tanto a existência da burguesia e o seu domínio de
classe quanto a escravidão dos operários” (2006:31/32).
A primeira categoria analisada é a do salário e a sua
determinação na atual sociedade. Na aparência da vida cotidiana
da sociedade burguesa, parece que, ao contratar os seus
trabalhadores assalariados digamos por uma jornada de 8 horas
diárias, os capitalistas lhes pagam todo o trabalho realizado.
Entretanto, se analisarmos a fundo o funcionamento das relações
de trabalho e de produção, veremos que, na verdade, “o que os
operários vendem ao capitalista em troca de dinheiro é a sua
força de trabalho. O capitalista compra essa força de trabalho por
dia, uma semana, um mês etc. E, depois de comprá-la, utiliza-a
fazendo com que os operáios trabalhem durante o tempo
estipulado” (Idem:34), no nosso exemplo 8 horas diárias de
jornada de trabalho.
De fato, os trabalhadores são levados a pensar que recebem
por todo o trabalho desenvolvido e os próprios capitalistas e
governos se esforçam por apresentar as suas relações
econômico-sociais como as mais justas da história. Porém, não
há dúvida que, na sociedade capitalista, a força de trabalho
transformou-se em mercadoria, igual a qualquer outra, que se
compra e se vende no mercado de trabalho. Por mais que a
legislação e a constituição estabeleçam as condições de
aquisição dessa mercadoria valiosa, a mão de obra é
cotidianamente comprada, vendida, explorada e dispensada.
Os assalariados modernos têm formalmente a aparência de
liberdade, quando se trata de escolher para quem trabalhar, mas,
se não trabalham morrem de fome, passam as mais terríveis
necessidades. São, portanto, obrigados a trabalhar para
sarisfazer as necessidades básicas de si e da sua família. A
liberdade de trabalho do capitalismo esconde o fato de que a
burguesia domina os meios de produção e os operários não têm
outra forma de garantir a vida a não ser a sua força de trabalho.
Assim, o capitalista troca seu dinheiro pela utilização da força de
trabalho durante uma determinada jornada, por tantas horas de
trabalho.
Além do valor de uso, de capacidade de atender a
determinada necessidade ou utilidade, toda mercadoria tem um
determinado valor de troca, isto é, pode ser trocada em
determinadas proporções por outras mercadorias. Significa dizer
que nem todos os produtos do trabalho são mercadorias. Alguns
são produzidos para o consumo imediato do produtor ou de sua
família e, neste caso, não se trata de mercadoria. Esta última
diferentemente daqueles é produzida para ser trocada. A
expressão em dinheiro do valor de troca da mercadoria chama-
se preço. Como diz Marx, o “valor de troca de uma mercadoria,
avaliado em dinheiro, é o que se chama precisamente o seu
preço” (Idem:35).
Como toda mercadoria, a força de trabalho também tem um
valor de troca, que é a quantidade de trabalho socialmente
necessário à produção e reprodução da força de trabalho, ou
seja, a quantidade de produtos necessários à produção e
reprodução da força de trabalho e da sua família. O salário é
preço da força de trabalho: “salário é apenas o nome especial
dado ao preço da força de trabalho, a que se constuma chamar
preço do trabalho; é apenas o nome dado ao preço dessa
mercadoria particular que só existe na carne e no sangue do
homem” (Idem, ibidem).
Dessa forma, o trabalhador, ao receber pelo uso de sua força
de trabalho o seu preço, o salário, recebe na verdade uma
determinada quantia que pode ser trocadada por uma
determinada quantidade de produtos (bens e serviços)
necessários à sua reprodução e da sua família. Se essa quantia
(o salário, o preço da força de trabalho) é suficiente para garantia
de uma vida digna para os trabalhadores nos mais variados
países é precisamente o tentaremos mais a frente analisar a
partir das indicações de Marx sobre a diferença entre salário
nominal e salário real. Mas continuemos.
Sendo uma mercadoria, que o seu proprietário (o
trabalhador) vende ao capitalista, dono do dinheiro e dos meios
de produção, os produtos do trabalho não são apropriados pelos
que produzem a riqueza. Os produtos produzidos pelos
trabalhadores, que representam tempo de trabalho incorporado,
não lhes pertencem, mas ao capitalista. O trabalho, na sociedade
burguesa, é trabalho explorado, como em todas as sociedades
de classes existentes até hoje na história da humanidade, desde
a antiguidade escravocrata. No capitalismo, o trabalho humano é
explorado na forma de mercadoria.
Em verdade, para o assalariado, diz Marx, o trabalho é “essa
força vital que ele vende a um terceiro para se assegurar dos
meios de vida necessários. A sua atividade vital é para ele,
portanto, apenas um meio para poder existir. Trabalha para viver.
Ele nem sequer considera o trabalho como parte da sua vida, é
antes um sacrifício da sua vida. É uma mercadoria que adjudicou
a um terceiro. Por isso, o produto da sua atividade tampouco é o
objetivo da sua atividade. O que o operário produz para si próprio
não é a seda que tece, não é o ouro que extrai das minas, não é
o palácio que constrói. O que ele produz para si próprio é o
salário; e a seda, o ouro e o palácio reduzem-se, para ele, a uma
determinada quantidade de meios de subsistência, talvez a uma
roupa de algodão, a umas moedas, a um quarto num porão. E o
operário – que, durante 12 horas tece, fia, perfura, torneia,
constrói, cava, talha a pedra e a transporta etc. – valerão para
ele essas 12 horas de tecelagem, de fiação, de trabalho com o
arco de pua, ou com o torno, de pedreiro, ou escavador, como
manifestação da sua vida, como sua vida? Ao contrário. A vida
para ele começa quando termina essa atividade, à mesa, no bar,
na cama” (Idem:36/37).
A força de trabalho sempre foi mercadoria? Marx responde
que não. Para ele, o “trabalho nem sempre foi trabalho
assalariado, isto é, trabalho livre. O escravo não vendia a sua
força de trabalho ao proprietário de escravos, assim como o boi
não vende os seus esforços ao camponês. O escravo é vendido,
com a sua força de trabalho, de uma vez para sempre, ao seu
proprietário. É uma mercadoria que pode passar das mãos de
um proprietário para as mãos de outro. Ele próprio é uma
mercadoria, mas a força de trabalho não é uma mercadoria sua.
O servo só vende uma parte de sua força de trabalho. Não é ele
quem recebe um salário do proprietário da terra: ao contrário, é o
proprietário da terra quem recebe dele um tributo”.
E completa: “O servo pertence à terra e rende frutos ao dono
da terra. O operário livre, ao contrário, vende-se a si mesmo e,
além disso, por partes. Vende em leilão 8, 10, 12, 15 horas da
sua vida, dia após dia, a quem melhor pagar, ao proprietário das
matérias-primas, dos instrumentos de trabalho e dos meios de
subsistência, isto é, ao capitalista. O operário não pertence nem
a um proprietário nem à terra, mas 8, 10, 12, 15 horas da sua
vida diária pertencem a quem as compra. O operário, quando
quer, deixa o capitalista ao qual se alugou, e o capitalista
despede-o quando acha conveniente, quando já não tira dele
proveito ou o proveito que esperava. Mas o operário, cuja única
fonte de rendimentos é a venda da sua força de trabalho, não
pode deixar toda a classe dos compradores, isto é, a classe dos
capitalistas, sem renunciar à existência. Ele não pertence a este
ou àquele capitalita, mas à classe dos capitalistas, e compete a
ele a encontrar quem o queira, isto é, encontrar um comprador
nessa classe de capitalistas” (Idem:37/38).
Após essa diferenciação da condição do trabalhador
assalariado moderno em relação aos trabalhadores das
formações pré-capitalistas, Marx enfrenta a questão fundamental
sobre o que determina o preço de uma mercadoria, em particular
da mercadoria força de trabalho (o salário). Para Marx, em
Trabalho assalariado e capital, o preço de uma mercadoria
qualquer é determinado pela “ concorrência entre compradores e
vendedores, a relação entre a procura e aquilo que se fornece, a
oferta e a procura. A concorrência, que determina o preço de
uma mercadoria”. Os vendedores disputam entre si os mercados,
uns vendem mais barato que outros. Os compradores disputam a
compra dos produtos entre si. Há também uma disputa entre
compradores e vendedores, cujo desenlace depende da relação
existente entre as partes. A alta e a baixa dos preços das
mercadorias influenciam os movimentos dos capitais para os
setores mais lucrativos.
Os preços das mercadorias flutuam, segundo a oferta e a
procura, para cima ou para baixo do custo de produção.
Portanto, “as oscilações da oferta e da procura reconduzem
sempre o preço de uma mercadoria aos seus custos de
produção. É fato que o preço real de uma mercadoria está
sempre acima ou abaixo dos custos de produção; mas a alta e a
baixa dos preços se compensam mutuamente, de forma que,
num determinado período de tempo, calculados conjuntamente o
fluxo e o refluxo da indústria, as mercadorias são trocadas umas
pelas outras de acordo com os seus custos de produção. O
preço delas é, portanto, determinado pelos seus custos de
produção” (Idem:42/43). Marx esclarece, entretanto, que isto
“não é válido, naturalmente, para um único produto da indústria,
mas apenas para o ramo inteiro da indústria. Isso também não é
válido, portanto, para o industrial individual, mas apenas para a
classe inteira dos industriais” (Idem, ibidem).
Em última instância, a “determinação do preço pelos custos
de produção é igual à determinação do preço pelo tempo de
trabalho necessário para a produção de uma mercadoria, pois os
custos de produção se compõem de: 1. Matérias-primas e
desgaste de instrumentos, isto é, de produtos industriais cuja
produção custou uma certa quantidade de dias de trabalho, que
representam, portanto, uma certa quantidade de tempo de
trabalho; 2. trabalho direto, cuja medida é precisamente o tempo”
(Idem:44).
As mesmas leis que determinam o preço das mercadorias
em geral se aplicam à mercadoria força de trabalho. Tal como
qualquer mercadoria, o preço da força de trabalho depende da
relação entre compradores (capitalistas) e vendedores
(trabalhadores), das altas e das baixas do mercado de trabalho,
mas tendem em média aos custos de produção da força de
trabalho. Tal como as mercadorias em geral, o custo de
produção da mercadoria força de trabalho corresponde ao preço
dos meios de existência necessários para manter o trabalhador
vivo e para reproduzi-lo como força de trabalho. É o seu salário.
Explica Marx: os “custos de produção da força de trabalho
simples se compõem, portanto, dos custos de existência e de
reprodução do operário. O preço desses custos de existência e
de reprodução constitui o salário. O salário assim determinado
chama-se o mínimo de salário. Esse mínimo de salário, tal como
a determinação do preço das mercadorias pelos custos de
produção em geral, é válido para a espécie e não para o
indivíduo isolado. Há milhões de operários que, não recebem o
suficiente para existir e se reproduzir; mas o salário de toda a
classe operária nivela-se, dentro de suas oscilações, a esse
mínimo” (Idem:45).
Depois de analisar essas categorias, Marx parte para a
caracterização do capital. Os economistas burgueses, antes de
Marx e Engels, procuravam apresentar o capital como um
conjunto de matérias-primas, instrumentos de trabalho e meios
de subsistência empregados para produzir novas matérias-
primas, novos insturmentos de trabalho e novos meios de
subsistência. Como tudo isso é produto do trabalho12, logo o
capital para eles era apenas trabalho acumulado que serve para
uma nova produção. Colocadas as coisas dessa forma, podiam
esses economistas encontrar capital em todos os modos de
produção e assim eternizá-lo, naturalizá-lo como algo
permanente, perene, dado de uma vez para sempre, insuperável.
Em que erram esses economistas? Em desconsiderar as
condições reais, históricas e sociais em que os produtos do
trabalho humano se tornam efetivamente capital.
Marx responde: “Um negro é um negro. Só em determinadas
condições é que se torna escravo. Uma máquina de fiar algodão
é uma máquina para fiar algodão. Apenas em determinadas
12Falamos é claro da Economia Política clássica (em particular Smith e Ricardo), como Marx a considerava, uma vez que a Teoria Econômica vulgar, desde a Teoria Marginalista, abandonou a teoria do valor-trabalho, de modo que, ao contrário dos clássicos, sequer consideram seriamente o trabalho como produtor da riqueza na sociedade capitalista e tentam de todas as formas velar o fato de que o trabalho está na base do valor das mercadorias e que os capitalistas os exploram, extraindo da força de trabalho a mais-valia, isto é, a fonte do lucro.
condições ela se torna capital. Fora dessas condições, ela é
tampouco capital como o ouro, por si próprio, é dinheiro, ou como
o açucar é o preço do açucar”. Assim, para produzirem, “os
homens não agem apenas sobre a natureza, mas também uns
sobre os outros. Eles somente produzem colaborando entre si de
um modo determinado e trocando entre si as suas atividades.
Para produzirem, contraem determinadas ligações e relações
mútuas, e é somente no interior desses vínculos e relações
sociais que se efetua a sua ação sobre a natureza, isto é, que se
realiza a produção” (Idem:46).
As relações sociais entre os produtores e as condições de
produção e de troca variam com as transformações nos meios de
produção. Segundo Marx, “as relações sociais de produção
alteram-se, portanto, transformam-se com a alteração e o
desenvolvimento dos meios materiais de produção, as forças
produtivas. As relações de produção, na sua totalidade, formam
aquilo a que se dá o nome de relações sociais, a sociedade, e,
na verdade, uma sociedade num estágio determinado de
desenvolvimento histórico, uma sociedade com caráter próprio,
diferenciado. A sociedade antiga, a sociedade feudal, a
sociedade burguesa são conjuntos de relações de produção
desse tipo, e cada uma delas caracteriza, ao mesmo tempo, um
estágio particular de desenvolvimento na história da humanidade”
(Idem:47).
O capital é, conforme Marx diz, uma relação social de
produção. Nada tem natural, de dádiva da natureza ou da
providência divina, nem é algo insuperável. Mas o “capital não
consiste apenas de meios de subsistência, instrumentos de
trabalho e matérias-primas, não consiste apenas de produtos
materiais; compõe-se igualmente de valores de troca. Todos os
produtos de que se compõe são mercadorias. O capital não é,
portanto, apenas uma soma de produtos materiais, é também
uma soma de mercadorias, de valores de troca, de grandezas
sociais”. E continua: “embora todo capital seja uma soma de
mercadorias, isto é, de valores de troca, nem toda soma de
mercadorias, de valores de troca, será, por isso, capital”
(Idem:47/48).
O que faz então de uma soma de valores de troca, de
mercadorias se converter em capital? Marx esclarece:
“Conservando-se e multiplicando-se como força social
independente, isto é, como força de uma parte da sociedade, por
meio da sua troca pela força de trabalho viva, imediata. A
existência de uma classe que possui apenas sua capacidade de
trabalho é uma condição preliminar necessária ao capital.
Somente quando o trabalho materializado, passado, acumulado,
domina sobre o trabalho vivo, imediato, é que o trabalho
acumulado se transforma em capital (...). Consiste no fato de o
trabalho vivo servir ao trabalho acumulado como meio para
manter e aumentar o seu valor de troca” (Idem:48/49).
Neste sentido, o “capital pressupõe, portanto, o trabalho
assalariado; o trabalho assalariado pressupõe o capital. Um é a
condição do outro; eles se criam mutuamente” (Idem:50). Isso
significa uma identidade de interesses? Apenas nessa condição
de mútua dependência, ou seja, como dois aspectos da mesma
relação social, se autocondicionando historicamente. No mais,
capital e trabalho, capitalistas e trabalhadores assalariados,
disputam permanentemente, aberta ou velada, a apropriação do
excedente produzido. Como nas sociedades de classes
anteriores, a sociedade capitalista é marcada pela luta de
classes, já dizia o Manifesto comunista de 1848.
O capitalista deseja se apropriar do máximo de mais-valia
possível, seja aumentando a jornada de trabalho, seja
introduzindo técnicas modernas e reorganizando o trabalho na
fábrica para aumentar a produtividade, isto é, a capacidade de
produção de mais mercadorias na mesma jornada de trabalho. O
trabalho, por outro lado, organiza-se em associações e sindicatos
e luta por condições mais suportáveis de vida, de trabalho e de
salário. Tenta limitar a sanha de lucro do capitalista e conquistar
direitos sociais e trabalhistas.
Dito isto, é preciso realçar que Marx estabelece uma
distinção entre salário nominal e salário real. “O preço em
dinheiro do trabalho, o salário nominal, não coincide, portanto,
com o salário real, isto é, com a soma de mercadorias que é
realmente dada em troca do salário. Ao falarmos, portanto, do
aumento ou da queda do salário, não temos de considerar
apenas o preço em dinheiro do trabalho, o salário nominal”.
Significa que os trabalhadores recebem uma determinada soma
em dinheiro do capitalista como salário (valor nominal), que
corresponde a uma determinada quantidade concreta de bens e
serviços (valor real, poder aquisitivo real).
Marx cita exemplos em que o valor nominal do salário não
coincidia com o valor real. No século XVI, quando uma
enchurrada de ouro e prata transbordou a Europa vinda das
colônias o valor desses produtos diminuiu sensivelmente em
relação às demais mercadorias. O valor nominal (salário nominal)
dos trabalhadores continuou o mesmo, mas o seu poder
aquisitivo (salário real) diminui. A inflação corrói o valor real dos
salários. Com o mesmo valor se podia adquirir menos produtos.
Em 1847, com a má colheita, os meios de subsistência
aumentaram de preço. O salário dos trabalhadores permaneceu
o mesmo, mas não se poderia comprar a mesma quantidade de
produtos como antes. Mas, suponhamos, que em consequência
da aplicação de novas máquinas ou de uma boa colheita (mais
mercadorias disponíveis), é evidente que os preços tendem a
baixar, com o salário, mesmo permanecendo inalterado, os
operários poderão adquirir mais produtos que antes.
Marx alerta ainda para o chamado salário comparativo ou
relativo. O salário relativo “exprime a cota-parte do trabalho direto
no novo valor por ele criado, em relação à cota-parte dele que
cabe ao trabalho acumulado, ao capital”. A parte que capital e
trabalho se apropriam da riqueza produzida é completamente
diferentes. Para o capitalista, a soma de mercadorias obtida pela
exploração do trabalho deve ser suficiente para, com sua venda,
garantir “a reposição do preço das matérias-primas por ele
adiantadas; assim como a reposição do que se desgastou nas
ferramentas, máquinas e outros meios de trabalho, igualmente
adiantados por ele; segunda, a reposição do salário adiantado
por ele; terceira, o excedente que resta, o lucro do capitalista”.
Essa repartição entre operário e capitalista é desigual.
Isto significa que o “salário real pode permanecer o mesmo,
pode até subir, e, não obstante, o salário relativo pode cair”.
Pode-se ter uma situação (é isso que de fato acaba ocorrendo)
em que a cota-parte do capital pode subir em relação à cota-
parte do trabalho. “A repartição da riqueza social entre capital e
trabalho tornou-se ainda mais desigual. O capitalista domina com
o mesmo capital uma quantidade maior de trabalho. O poder da
classe dos capitalistas sobre a classe operária cresceu, a
posição social do operário piorou, caiu mais um degrau em
relação à do capitalista” (Idem:55). Portanto, salário e lucro estão
na razão inversa um do outro: a “cota-parte do capital, o lucro,
sobre na mesma proporção em que a cota-parte do trabalho, o
salário, cai, e inversamente. O lucro sobe na medida em que o
salário cai, e cai na medida em que o salário sobe” (Idem:56).
Marx realça que “se, a receita do operário aumenta com o
rápido crescimento do capital, a verdade é que, ao mesmo
tempo, aumenta o abismo social que afasta o operário do
capitalista, aumenta ao mesmo tempo o poder do capital sobre o
trabalho, a dependência do trabalho relativamente ao capital’.
Neste sentido, afirmar “que o operário tem interesse no rápido
crescimento do capital significa apenas afirmar que quanto mais
depressa o operário aumentar a riqueza alheia, tanto mais
gordas serão as migalhas que sobrarão para ele; quanto mais
operários possam ser empregados e se reproduzir, tanto mais se
multiplica a massa dos escravos dependente do capital”
(Idem:58).
Na sociedade capitalista, a concorrência entre os capitais
estimulam a introdução de novas técnicas e métodos de
organização do trabalho na fábrica, tendo em vista o aumento da
produtividade, a produção de mais mercadorias e a acumulação
de trabalho excedente. É assim que os capitalistas podem vencer
uns aos outros e conquistar mercados. Devem, pois, vender as
suas mercadorias a um preço menor que as mercadorias de
outros. Na visão de Marx, um “capitalista só pode pôr outro
capitalista em debandada e conquistar-lhe o capital vendendo
mais barato. Para poder vender mais barato sem se arruinar tem
de produzir mais barato, isto é, aumentar tanto quanto possível a
força de produção do trabalho (produtividade). Mas a força de
produção do trabalho é sobretudo aumentada por meio de uma
maior divisão do trabalho, por meio de uma introdução
generalizada de maquinaria e de um aperfeiçoamento constante
da mesma” (Idem:59).
Agindo dessa forma, o capitalismo em condições técnicas e
de organização do trabalho mais vantajosas pode embolsar uma
parte maior de lucros que o seus concorrentes, conquista-lhes
uma parte dos mercados. Entretanto, “o privilégio do nosso
capitalista não é de longa duração; outros capitalistas
concorrentes introduzem as mesmas máquinas, a mesma divisão
de trabalho, introduzem-nas à mesma escala ou a uma escala
superior, e essa introdução torna-se tão generalizada até que o
preço do pano cai não somente abaixo dos seus antigos custos
de produção, mas também abaixo dos novos custos”. Recomeça
a concorrência em novo patamar, mais maquinaria, mais divisão
do trabalho, maior escala. “Vemos como o modo de produção, os
meios de produção são assim continuamente transformados,
revolucionados” (Idem:61).
Continua Marx: imaginemos “agora essa agitação febril ao
mesmo tempo em todo o mercado mundial e compreende-se
como o crescimento, a acumulação e concentração do capital
têm por consequência uma divisão do trabalho, uma aplicação de
nova e um aperfeiçoamento de velha maquinaria ininterruptos,
que se precipiram uns sobre os outros e executados em uma
escala cada vez mais gigantesca”. Do ponto de vista do
trabalhador, a “maior divisão do trabalho capacita um operário a
fazer o trabalho de 5, 10, 20: ela aumenta, portanto, 5, 10, 20
vezes a concorrência entre os operários. Os operários não fazem
concorrência uns aos outros apenas quando um se vende mais
barato do que o outro; fazem concorrência uns aos outros
quando um executa o trabalho de 5, 10, 20; é a divisão do
trabalho introduzida e constantemente aumentada pelo capital
que obriga os operários a fazer essa espécie de concorrência”
(Idem:63/64).
Outra consequência do aumento da divisão do trabalho é a
simplicação do próprio trabalho. “A habilidade especial do
operário torna-se sem valor. Ele é transformado numa força
produtiva simples, monótona, que não tem de pôr em jogo
energias físicas nem intelectuais. O seu trabalho torna-se
trabalho acessível a todos. Por isso, de todos os lados, seus
concorrentes fazem pressão e, além disso, devemos nos lembrar
que, quanto mais simples, mais fácil de aprender é o trabalho,
quanto menos custos de produção são necessários para se
apropriar do mesmo, tanto mais baixo será o salário, pois, tal
como o preço de todas as outras mercadorias, ele é determinado
pelos custos de produção” (Idem:64).
A maquinaria, do seu lado, “produz os mesmos efeitos numa
escala muito maior, ao impor a substituição de operários
especializados por operários não especializados, de homens por
mulheres, de adultos por crianças, pois a maquinaria, onde é
introduzida pela primeira vez, lança os operários manuais em
massa na rua; e onde é desenvolvida, aperfeiçoada, substituída
por máquina de maior rendimento, despede operários em grupos
menores. Retratamos atrás, rapidamente, a guerra industrial dos
capitalistas entre si; essa guerra tem a particularidade de as
batalhas serem ganhas menos pela contratação e mais pela
dispensa do exército operário. Os generais, os capitalistas
disputam entre si quem pode dispensar mais soldados da
indústria” (Idem:65).
Como os economistas explicam a situação dos operários
tornados supérfluos pela maquinaria? Encontrarão novos ramos
de ocupação? Marx observa que os economistas “não se
atrevem a afirmar diretamente que aqueles mesmos operários
que foram despedidos arranjam emprego em novos setores do
trabalho. Os fatos contra essa mentira são demasiado gritantes.
Eles, de fato, somente afirmam que, para outras partes
constitutivas da classe operária, por exemplo, para a parte da
jovem geração operária que já estava pronta para entrar no ramo
da indústria desativado, novos meios de ocupação se
apresentarão. Esse é, naturalmente, um grande consolo para os
operários desempregados. Não faltarão aos senhores capitalistas
carne e sangue fresco para serem explorados e aos mortos será
determinado que enterrem seus mortos. Isso é mais um consolo
que os burgueses oferecem a si mesmos do que aos operários.
Se a classe inteira dos operários assalariados fosse aniquilada
pela maquinaria, que horror para o capital, o qual sem trabalho
assalariado deixa de ser capital!” (Idem:65).
Os capitalistas, portanto, enfretam uma contradição
fundamental. Quanto mais mobiliza “meios de produção
gigantescos já existentes e a pôr em movimento, para tal fim,
todas as possibilidades do crédito, nessa mesma medida,
aumentam os terremotos industriais, nos quais o mundo do
comércio só se mantém sacrificando uma parte da riqueza, uma
parte dos produtos e mesmo uma parte das forças de produção
aos deuses das profundezas – aumentam, em uma palavra, as
crises. Elas se tornam mais frequentes e mais violentas pelo
próprio fato de, na medida em que cresce a massa de produtos,
portanto, a necessidade de mercados mais extensos, o mercado
mundial se contrair cada vez mais, restarem para exploração
cada vez menos mercados, novos, porque todas as crises
anteriores sujeitaram ao comércio mundial mercados até então
não explorados, ou apenas superficialmente explorados pelo
comércio. O capital, porém, não vive só do trabalho. Senhor ao
mesmo tempo elegante e bárbaro, arrasta consigo para a cova
os cadáveres dos seus escravos, numa verdadeira hecatombe
de operários que naufragam nas crises” (Idem:68).
VA revolução de 1848, o Manifesto Comunista
e o programa do proletariado
Proletários de todos os países, uni-vos! (Marx e Engels, Manifesto comunista).
Como dissemos, Marx e Engels se ligaram em 1847 à Liga
dos Justos, que, por sua intervenção, transformou-se numa
verdadeira organização comunista. No seu Concresso, foram
encarregados de redigir um manifesto sobre o programa e as
idéias da nova organização proletária. O texto só foi publicado
em fevereiro de 1848, quando explodiram as grandes convulsões
revolucionárias em Paris e restante da Europa.
Na França, a monarquia de Luís Felipe era derrubada e
proclamada a República. Os operários demonstraram força e
vigor, apresentando suas próprias reivindicações, diferenciando-
se claramente da burguesia e dos seus acólitos. Traídos pelo seu
oponente, o operariado se insurgiu contra a ordem dominante em
defesa de suas reivindicações, ocupando prédios e avenidas,
erguendo barricadas. A burguesia reagiu à luta operária com
repressão, expurgos e prisões.
Expulsos de Bruxelas, Marx retorna a Paris e em seguida à
Alemanha, organizando, com Engels, em Colônia, a revista Nova
Gazeta Renana (Neue Rheinische Zeitung). Participaram
ativamente das lutas políticas, dirigindo a associação operária de
Colônia e a resistência proletária em Elberfeld. Marx e Engels
nutriam uma confiança inesgotável na possibilidade da luta
operária ser vitoriosa.
Entretanto, o fato é que a burguesia, antes em conflito com a
nobreza e o clero, passa definitivamente para o lado da reação,
teórico e praticamente, aliando-se aos setores mais
conservadores da sociedade européia, que pouco antes tentaram
destituí-la do poder político, com o intuito de bloquear o
desenvolvimento da luta revolucionária independente do
proletariado e a sua vitória.
O Manifesto Comunista13 de 1848 é um marco na história do
pensamento da humanidade, constituindo uma síntese
monumental do desenvolvimento histórico da sociedade
burguesa e de suas contradições. Representa o desenvolvimento
do materialismo histórico e sua aplicação à compreensão da
história da sociedade moderna, das suas transformações, das
relações entre as classes sociais, do caráter do movimento
sociailista e das diversas tendêncais que atuavam em seu seio,
13O texto pode ser encontrado Karl Marx, O Manifesto Comunista (São Paulo, Boitempo, 1998).
do sentido do comunismo como um processo histórico, das
relações entre os comunistas e o movimento operário, do
programa comunista e da necessidade de constituição do
proletariado como partido político na luta contra a dominação
burguesa.
Os dois autores iniciam a análise no Manifesto com a
seguinte frase: “Um espectro ronda a Europa – o espectro do
comunismo. Todas as potências da velha Europa unem-se numa
Santa Aliança para conjurá-lo: o papa e o czar, Metternich e
Guizot, os radicais da França e os policiais da Alemanha”. A
aversão às idéias comunistas era uma prova clara de que: “1º: O
comunismo já é reconhecido como força por todas as potências
da Europa; 2º: É tempo de os comunistas exporem, abertamente,
ao mundo inteiro, seu modo de ver, seus objetivos e suas
tendências, opondo um manifesto do próprio partido à lenda do
espectro do comunismo” (1998:39).
Para os autores do Manifesto, a história da humanidade (das
sociedades de classes) até a sociedade burguesa é a história da
luta de classes. “Homem livres e escravo, patrício e plebeu,
senhor feudal e servo, mestre de corporação e companheiro, em
resumo, opressores e oprimidos em constante oposição, têm
vivido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada; uma
guerra que terminou sempre ou por uma transformação
revolucionária da sociedade inteira, ou pela destruição das duas
classes em conflito”.
A sociedade burguesa, por acaso, aboliu as classes sociais?
De maneira nehuma. Ao contrário, dizem os dois revolucionários,
a “sociedade burguesa moderna, que brotou das ruínas da
sociedade feudal, não aboliu os antagonismos de classe. Não fez
mais do que estabelecer novas classes, novas condições de
opressão, novas formas de luta em lugar das que existiram no
passado” (Idem:40). A burguesia e a indústria criaram as bases
para o advento do proletariado moderno, seu antagonista.
O capitalismo foi resultado de todo um processo de
transformações iniciadas no ventre da sociedade feudal,
mudanças que culminaram com o fortalecimento do poder
econômico da burguesia e a sua conquista do poder político do
Estado. Marx e Engels citam as principais transformações
ocorridas ao longo de pelo menos quatro séculos: as grandes
navegações, a colonização de novas terras, a expansão dos
mercados, o desenvolvimento da manufatura e do comércio, a
formação dos Estados nacionais, a concentração da riqueza nas
mãos dos comerciantes, entre outras.
No seio do mundo feudal, baseado na produção agrícola e
na exploração do trabalho servil pela nobreza e pelo clero,
desenvolveu-se um conjunto de mudanças, que incrementaram
as forças produtivas, agora em choque com as relações de
produção servis e com a economia limitada do feudalismo. As
novas forças produtivas criadas estavam em franco conflito com
as relações de propriedade feudais.
Marx e Engels explicam sinteticamente a essência da
transformação de um modo de produção e o advento de outro
nos seguintes termos: “os meios de produção e de troca, sobre
cuja base se ergue a burguesia, foram gerados no seio da
sociedade feudal. Numa certa etapa do desenvolvimento desses
meios de produção e de troca, as condições em que a sociedade
feudal produzia e trocava – a organização feudal da agriculturae
da manufatura, em suma, o regime feudal de propriedade –
deixaram de corresponder às forças produtivas em pleno
desenvolvimento. Tolhiam a produção em lugar de impulsioná-la.
Transcormaram em outros tantos grilhões que era preciso
despedaçar; e foram despedaçados” (Idem, p.44/45).
O avanço do comercio centralizou as forças produtivas
diluídas na economia artesanal, doméstica e nas corporações de
ofício e as substitui por manufaturas, que concentravam mais
trabalhadores e aumentavam a produtividade do trabalho.
Aumentou a divisão do trabalho. No século XVIII, o capitalismo
avançou e suprimiu a dominação feudal da economia européia,
abrindo caminho à criação de um mercado mundial.
“A grande indústria, afirma nossos autores, criou o mercado
mundial, preparado pela descoberta da América. O mercado
mundial acelerou enormemente o desenvolvimento do comércio,
da navegação, dos meios de comunicação. Este
desenvolvimento reagiu por sua vez sobre a expansão da
indústria; e à medida que a indústria, o comércio, a navegação,
as vias férreas se desenvolveram, crescia a burguesia,
multiplicando seus capitais e colocando num segundo plano
todas as classes legadas pela Idade Média” (Idem:41).
Essas transformações da base material foram
acompanhadas por profundas mudanças na forma de pensar o
mundo, a história, a sociedade, o Estado e os indivíduos. Como
dizem Marx e Engels, defendendo o ponto de vista da concepção
materialista da história, seria “preciso grande inteligência para
compreender que, ao mudarem as relações de vida dos homens,
as suas relações sociais, a sua existência social, mudam também
as suas representações, as suas concepções e conceitos; numa
palavra, muda a sua consciência? Que demonstra a história das
idéias senão que a produção intelectual se transforma com a
produção material? As idéias dominantes de uma época sempre
foram as idéias da classe dominante. Quando se dala de idéias
que revolucionam uma sociedade inteira, isto que dizer que no
seio da velha sociedade se formaram os elementos de uma
sociedade nova e que a dissolução das velhas idéias acompanha
a dissolução das antigas condições de existência” (1998:56/57).
Por isso, afirmam que a burguesia, em sua luta contra a
dominação da nobreza e do clero e o domínio das relações de
produção e de trocas servis, jogou um papel revolucionário: “A
burguesia desempenhou na História um papel iminentemente
revolucionário”. Sua intervenção histórica é notadamente
marcada por profundas contradiçãos. Destruiu as relações
feudais, patriarcais e idílicas. Em lugar dos laços feudais colocou
o laço do frio interesse do pagamento à vista, substituiu pelo
cálculo egoísta os antigos sentimentalismos e os fervores
sagrados da exaltação religiosa.
A burguesia fez da dignidade pessoal um simples valor de
troca, substituiu todas as liberdades pela liberdade do comércio,
converteu as atividades anteriores e os profissionais em seus
assalariados, criou e desenvolveu novas forças produtivas,
aumentando a produtividade do trabalho, conquistou novos
mercados e deu caráter cosmopolista à produção e ao consumo
capitalista, desenvolveu um intercâmbio universal, inclusive no
campo da cultura e a interdependência das nações, submeteu o
campo à cidade, concentrou os meios de produção, de
distribuição e de trocas, os meios de comunicação e de
transporte.
Para Marx e Engels, a “burguesia não pode existir sem
revolucionar os intrumentos de produção, por conseguinte, as
relações de produção e, com isso, todas as relações sociais (...).
Essa subversão contínua da produção, esse abalo constante de
todo o sistema social, essa agitação permanente e essa falta de
segurança distinguem a época burguesa de todas as
precedentes. Dissolvem-se todas as relações sociais antigas e
cristalizadas, com seu cortejo de concepções e de idéias
secularmente veneradas; as relações que as substituem tornam-
se antiquadas antes de se consolidarem. Tudo o que era sólido e
estável se desmancham no ar, tudo o que era sagrado é
profanado e os homens são obrigados finalmente a encarar sem
ilusões a sua posição social e suas relações com os outros
homens” (Idem:43).
“Impelida, continuam os dois pensadores, pela necessidade
de mercados sempre novos, seguem Marx e Engels, a burguesia
invade todo o globo terrestre. Necessita estabelecer-se em toda
parte, explorar em toda parte, criar vínculos em toda parte. Pela
exploração do mercado mundial, a burguesia imprime um caráter
cosmopolita à produção e ao consumo em todos os países (...).
No lugar do antigo isolamento de regiões e nações auto-
suficientes, desenvolvem-se um intercâmbio universal e uma
universal interdependência das nações”.
Portanto, sob “pena da ruína total, ela obriga todas as nações
a adotarem o modo burguês de produção, constrange-as a
abraçar a chamada civilização, isto é a se tornarem burguesas.
Em uma palavra, cria um mundo à sua imagem e semelhanças”
(Idem:43/44). Assim ocorreu com diversos países da América, da
Ásia e da África, anexados ao modo de produção capitalista,
desde a sua fase comercial até a época imperialista, dissolvendo
ou submetendo as antigas relações de produção, de troca e de
distribuição existentes, colocando-as sob o signo do capital.
Como dissemos, o desenvolvimento do capitalismo é
contraditório. Ao mesmo tempo em que faz avançar as forças
produtivas, estimula o desenvolvimento da técnica e da ciência
em sua ascensão, constrói as bases para a superação do próprio
capitalismo. A classe operária, imerso em condições de vida e
trabalho marcadas pela exploração, é o seu coveiro. “A
burguesia, afirmam nossos autores, porém, não se limitou a forjar
as armas lhe trarão a morte; produziu também os homens que
empunharão essas armas – os operários modernos, os
proletários. Com o desenvolvimento da burguesia, isto é, do
capital, desenvolve-se também o proletariado, a classe dos
oprários modernos, os quais só vivem enquanto têm trabalho e
só têm trabalho enquanto seu trabalho aumenta o capital. Esse
operários, constrangidos a vender-se a retalho, são mercadoria,
artigo de comércio como qualquer outro; em consequência, estão
sujeitos a todas as vicissitudes da concorrência, atodas as
flutuações do mercado” (Idem: 46).
O capitalismo desenvolve o seu coveiro, a classe que a
suplantará, mas avança também enquanto modo de produção
em suas contradições internas. A economia capitalista tem como
um traço essencial a anarquia da produção. Significa dizer que o
capitalista individual ou a empresa só tem controle sobre a sua
produção interna, mas não controla os outros capitalistas, nem
muito menos a economia como um todo. Não saber quanto o seu
concorrente produzirá, nem quanto a sociedade demandará em
termos de mercadorias (bens e serviços).
Era assim no século XIX. Mesmo depois da criação de
instrumentos de política econômica pelos governos dos Estados
capitlaistas e pelos grandes congromerados econômicos não
conseguiram superar essa contradição ao longo do século XX.
Ao impulsionar as forças produtivas, a ciência, a técnica, a
organização do trabalho e a concentração dos meios de
produção, as contradições da sociedade, ao invés de diminuirem,
explodem em crises cíclicas de superprodução de valores
continuamente. É a contradição entre as forças produtivas e as
relações de produção. Desde 1825, quando ocorreu a primeira
crise do capitalismo, a economia burguesa convive
permanentemente com crises cíclicas, que fazem acumular as
suas contradições.
Marx e Engels descrevem essa contradição do sistema
capitalista da seguinte forma: “A sociedade burguesa, com suas
relações de produção e de troca, o regime burguês de
propriedade, a sociedade burguesa moderna, que conjurou
gigantecos meios de produção e de troca, assemelha-se ao
feiticeiro que já não pode controlar os poderes infernais que
invocou. Há dezenas de anos, a história da indústria e do
comércio não é senão a história da revolta das forças produtivas
modernas contra as modernas relações de produção, contra as
relações de propriedade que condicionam a existência da
burguesia e seu domínio. Basta mencionar as crises comerciais
que, repetindo-se periodicamente, ameaçam cada vez mais a
existência da sociedade burguesa. Cada crise, destrói
regularmente não só uma grande massa de produtos fabricados,
mas também uma grande parte das próprias forças produtivas já
criadas” (Idem:45).
Neste sentido, as “armas que a burguesia utilizou para abater
o feudalismo voltam-se hoje contra a própria burguesia”. Isso
porque as “forças produtivas de que dispõe não mais favorecem
o desenvolvimento das relações burguesas de propriedade; pelo
conrário, tornaram-se poderosas demais para estas condições,
passam a ser tolhidas por elas; e assim que se libertam desses
entraves, lançam na desordem a sociedade inteira e ameaçam a
existência da propriedade burguesa. O sistema burguês tornou-
se demasiado estreito para conter as riquezas criadas em seu
seio. E de que maneira consegue a burguesia vender essas
crises? De um lado, pela destruição violenta de grande
quantidade de forças produtivas; de outro, pela conquista de
novos mercados e pela exploração mais intensa dos antigos. A
que leva isso? Ao preparo de crises mais extensas e mais
destruidoras e á diminuição dos meios de evitá-las” (Idem,
ibidem).
O Manifesto deixa evidentes as condições objetivas para o
advento do capitalismo acima mencionadas. Mas para a
superação do sistema capitalista é necessária a organização e a
luta do proletariado. Para os dois revolucionários, de “todas as
classes que hoje em dia se opõem à burguesia, só o proletariado
é uma classe verdadeiramente revolucionária. As outras classes
degeneram e perecem com o desenvolvimento da grande
indústria; o proletariado, pelo contrário, é o seu produto mais
autêntico”. (Idem:49).
De uma massa indiferenciada e desorganizada como era no
início do século XIX, a classe operária vai sendo forçada a reagir
contra as condições de exploração impostas pelo capital nas
indústrias, nas minas, na agricultura. Os trabalhadores
assalariados dos bancos, do comércio, das finanças e dos
setores de serviços também o seguem nessa linha mais a frente.
O luddismo é a primeira expressão da reação do proletariado
contra as consequências da mecanização. Depois formaram
associações e sindicatos para a defesa de suas reivindicações.
Sua organização é um contrapeso à concorrência interna à
classe, estimulada, aliás, pelas relações capitalistas e pelo
mercado de trabalho. O exécito industrial de reserva (os
desempregados) é manejado pela burguesia para forçar a baixa
dos salários e a competição entre os trabalhadores. Essa
organização do proletariado em classe “e, poranto, em partido
político, é incessantemente destruída pela concorrência que
fazem entre si os próprios operários. Mas renasce sempre, e
cada vez mais forte, mais sólida, mais poderosa. Aproveita-se
das divisões internas da burguesia para obrigá-la ao
reconhecimento legal de certos interesses da classe operária,
como, por exemplo, a lei da jornada de dez horas de trabalho na
Inglaterra” (Idem:48).
Mas qual a relação do movimento operário com os
comunistas. Os “comunistas não têm interesses diferentes dos
interesses do proletariado em geral. Não proclamam princípios
particulares, segundo os quais pretendam moldar o movimento
operário. Os comunistas se distinguem dos outros partidos
somente em dois pontos: 1) Nas diversas lutas nacionais dos
proletários, destacam e fazem prevalecer os interesses comuns
do proletariado, independentemente da nacionalidade; 2) Nas
diferentes fases de desenvolvimentos por que passa a luta entre
proletários e burgueses, representam, sempre e em toda parte,
os interesses do movimento em seu conjunto”. Neste caso, o
objetivo “imediato dos comunistas é o mesmo que o de todos os
demais partidos proletários: constituição do proletariado em
classe, derrubada da supremacia burguesa, conquista do poder
político pelo proletariado” (1998:51).
Marx e Engels procuraram diferenciar os comunistas das
diversas vertentes de socialismo utópico, a partir de uma análise
histórica do capitalismo, das classes sociais e da luta de classes.
Mostram que o comunismo não é uma utopia, como acreditavam
os socialistas anteriores, mas uma possibilidade aberta pelo
desenvolvimento da sociedade burguesa atual, com o processo
de industrialização, articulação da economia mundial,
desenvolvimento da ciência e surgimento do proletariado.
A classe operária é a classe que produz a riqueza social,
apropriada pelo capital sob a forma de sobretrabalho, que vive
inteiramente de seu próprio trabalho e que não tem, portanto,
interesse em manter a sua exploração social. Relatam que as
“proposições teóricas dos comunistas não se baseiam, de modo
algum, em idéias ou princípios inventados ou descobertos por
este ou aquele reformador do mundo. São apenas a expressão
geral das condições efetivas de uma luta de classes que existe,
de um movimento histórico que se desenvolve diante dos olhos”
(Idem:51/52).
A revolução comunista, dizem, “é a ruptura mais radical com
as relações tradicionais de propriedade; não admira, portanto,
que no curso de seu desenvolvimento se rmpa, do modo mais
radical, com as idéias tradicionais” (Idem:57). Com o processo
revolucionário, ocorre “a elevação do proletariado a classe
dominante, a conquista da democracia. O proletariado utilizará
sua supremacia política para arrancar pouco a pouco todo o
capital da burguesia, para centralizar todos os instrumentos de
produção nas mãos do Estado, isto é, do proletariado organizado
como classe dominante, e para aumentar o mais rapidamente
possível o total das forças produtivas. Isso naturalmente só
poderá ser realizado, a princípio, por intervenções despóticas no
direito de propriedade e nas relações de produção burguesas,
isto é, pela aplicação de medidas que, do ponto de vista
econômico, parecerão insuficientes e insustentáveis, mas que no
desenrolar do movimento ultrapassarão a si mesmas e serão
indispensáveis para transformar radicalmente todo o modo de
produção” (Idem:58).
Marx e Engels apresentam no Manifesto um conjunto de
medidas a serem colocadas em prática no processo
revolucionário, mas o fundamental é que quando “no curso do
desenvolvimento, desaparcerem os antagonismos de classe e
toda a produção for concentrada nas mãos dos indivíduos
associados, o poder público perderá seu caráter político. O poder
político é o poder organizado de uma classe para a opressão de
outra. Se o proletariado, em sua luta contra a burguesia, se
organiza forçosamente como classe, se por meio de uma
revolução destrói violentamente as antigas relações de produção,
destrói, juntamente com essas relações de produção, as
condições de existência dos antagonismos entre as classes,
destrói as classes em geral e, com isso, sua própria dominação
como classe. Em lugar da antiga sociedade burguesa, com suas
classes e antagonismos de classes, surge uma associação na
qual o livre desenvolvimento de cada um é a condição para o
livre desenvolvimento de todos” (1998:58/59).
Marx e Engels, à exemplo de Princípios do comunismo acima
destacado, trataram de fazer uma análise crítica das correntes
socialistas da época e esclarecer a posição dos comunistas em
relação ao partidos políticos existentes em vários países.
Destacam na literatura socialista e comunista, as vertentes do
socialismo reacionário (socialismo feudal, socialismo pequeno-
burguês, o socialismo alemão ou “verdadeiro” socialismo), o
socialismo conservador ou burguês, o socialismo e o comunismo
crítico-utópicos.
Além do exame das condições objetivas para a superação do
capitalismo, ausente nas diversas vertentes utópicas de
socialismo e a clara compreensão do caráter histórico e
transitório da sociedade burguesa (afinal, o capital é um poder
social, nada tem de natural), o comunismo de Marx e Engels se
destaca por indicar que a emancipação do proletariado deve ser
realizada pelo próprio proletariado.
Marx e Engels deixam patente a necessidade de organização
política do proletariado em um partido de novo tipo, capaz de
levar até as últimas conseqüências o processo de transformação
social, à superação do Estado burguês, que, para nossos autores
do manifesto não é “senão um Comitê para gerir os negócios
comuns de toda a classe burguesa” (Idem:42). O manifesto é
uma obra, que, ainda hoje, representa uma fonte para os
revolucionários, que lutam pela superação do capitalismo e a
construção de uma sociedade socialista. Finaliza a sua análise
com um lema que se tornou parte da luta socialista em todo o
mundo: “Proletários de todos os países, uni-vos!”.
Fica claro que o objetivo de Marx e Engels, com o Manifesto
comunista de 1848, era dotar o movimento socialista de uma
base científica, um firme conhecimento sobre a história e a
sociedade capitalista, suas contradições e possibilidades
concretas de sua superação. Para isso, Marx vinha avançando
seus estudos sobre a Economia Política clássica e sua
experiência concreta com a luta do proletariado. De cada
acontecimento histórico tirava as conclusões necessárias para o
futuro da luta da classe operária.
VIA contra-revolução burguesa e as lições da
Revolução de 1848
Os homens fazem sua história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstância de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado (Marx, O 18 Brumário de Luis Bonaparte)
O período de 1848 é marcado pelo avanço da luta proletária,
na medida em que a classe operária participou dos levantes
revolucionários em vários países da Europa (França, Alemanha,
Polônia, Hungria, Austria, Itália), aparecendo pela primeira vez
no processo revolucionário como uma classe diferenciada da
burguesia e das classes remanecentes do feudalismo (nobreza,
camponeses, artesãos), portanto com suas próprias
reivindicações, organização e formas de luta. Mas também é
caracterizado por derrotas fragorosas impostas pela classe
dominante desses países ao proletariado.
A burguesia aliou-se às classes mais reacionárias, à nobreza
e ao clero, para aplacar a força do proletariado em ascenção.
Abre-se, após o processo revolucionário de 1848, uma
avassaladora contra-revolução burguesa na Europa, que durará
praticamente durante toda a década de 1850. Os revolucionários
dos diversos países sofreram perseguições, calúnias,
repressões, condenações da justiça burguesa e prisões. Muitos
foram obrigados a sair dos seus países e se exililarem no
estrangeiro. Marx e Engels foram processados pela justiça alemã
por criticar as autoridades e participar da luta política das
massas. Apesar de serem absolvidos no processo judicial de
Colônia, tiveram de se refugiar em Londres, na Inglaterra.
Os fundadores do marxismo escreveram no período pós-
revolucionário obras de envergadura na evolução da concepção
materialista da história e sua aplicação aos problemas da história
concreta, contribuindo para o aprofundamento de conceitos como
classe, luta de classes, interesse de classe, partido político,
Estado, regimes políticos, revolução, contra-revolução,
bonapartismo, entre outros. Aprofundam, nesse aspecto, a
análise materialista sobre a chamada superestrutura jurídico-
política e as formas de consciência social.
São desse tempo as seguintes obras: As Lutas de Classes
na França de 1848 a 1850 (1850); 18 Brumário de Luís
Bonaparte (1852); Mensagem do Comitê Central à Liga dos
Comunistas (1850); Carta a Joseph Weydemeyer (1852); O
Recente Julgamento de Colônia (1852), todos de Marx;
Revolução e Contra-Revolução na Alemanha (1852) e As
guerras camponesas na Alemanha (1850), escritos por Engels.
Os escritos do período de 1849 a 1852, particularmente As
Lutas de Classes na França, Mensagem do Comitê Central à
Liga dos Comunistas, 18 Brumário de Luís Bonaparte traçam um
quadro histórico dos acontecimentos revolucionários europeus, a
partir do método materialista histórico-dialético, dos quais Marx e
Engels tiram importantes conclusões históricas sobre o caráter
contra-revolucionário da burguesia nos acontecimentos de 1848
em diante, o papel do operariado como classe com potencial
revolucionário, a crise econômica de 1847 como elemento
acelerador e potencializador das contradições sociais, da
diferença de interesses e da luta entre as classes sociais, e
desta como o motor dos fatos históricos do período.
Os textos são fundamentais para a compreensão do caráter
e do papel das classes sociais no contexto da revolução de 1848
e desdobramentos nos anos seguintes, a função do Estado
burguês na defesa do pilar fundamental da sociedade capitalista,
qual seja a propriedade privada, e dos interesses das classes
dominantes, e as limitações das vertentes do movimento
socialista, que atuavam nas lutas do proletariado da época.
Concluía, a partir da análise da luta de classes, que uma nova
revolução seria resultado de uma nova crise econômica e da
organização política dos explorados e não simplemente de meros
desejos subjetivos de grupos de militantes.
Iniciemos com a Mensagem do Comitê Central à Liga dos
Comunistas14, escrito por Marx em 1850, em que faz um primeiro
balanço da atuação da Liga dos Comunistas nos eventos
revolucionários de 1848-1849 e, nutrindo esperanças numa
retomada da onda revolucionária, examina as condições
concretas da luta política na Alemanha, expõe o caráter
permanente da revolução socialista e alerta para o fato dos
operários manterem a vigilância frente a burguesia e a pequena-
burguesia, assegurando a independência de classe em todas as
situações, não deixando que a revolução se esgote nas tarefas
democráticas. Enfim, diziam que o grito dos operários deveria ser
“a revolução em permanência” (1982:188). A burguesia alemã,
aliando-se à aristocracia e ao clero, impôs uma derrota fragorosa
ao proletariado e demais explorados.
Destacam que “nos dois anos da revolução de 1848-1849, a
Liga afirmou-se duplamente; por um lado, porque os seus
membros intervieram energicamente no movimento por toda a
parte, na imprensa, nas barricadas e campos de batalha, à frente
nas fileiras do proletariado, da única classe decididamente
revolucionária. A Liga afirmou-se, além disso, pelo fato de a sua
concepção do movimento, tal como foi exposta nas circulares
dos congressos e da Direção Central de 1847, assim como no
Manifesto Comunista, se ter mostrado a única correta; pelo fato
de as expectativas formuladas nesses documentos se terem
14O texto pode ser encontrado em Karl Marx, Mensagem do Comitê Central à Liga dos Comunistas (In: Marx, Lênin, Trotsky, Textos sobre tática revolucionária, São Paulo, Edissões Massas, 2006).
plenamente realizado e a concepção das condições sociais do
momento, antes só em segredo propagada pela Liga, estar agora
na boca dos povos, abertamente apregoada nas praças públicas
(1982:178).
Por outro lado, os acontecimentos revolucionários mostraram
a necessidade do proletariado fortalecer a sua organização
política, seu partido, e defender a sua independência de classe
frente aos demais partidos em luta. Por isso, Marx e Engels
ressaltaram que “a sólida organização inicial da Liga enfraqueceu
significativamente. Uma grande parte dos membros, que
participou diretamente no movimento revolucionário, acreditou
que passara o tempo das sociedades secretas e que bastava a
ação pública. Alguns círculos e comunidades deixaram afrouxar
e adormecer pouco a pouco as suas ligações com a Direção
Central. Assim, enquanto o partido democrático, o partido da
pequena burguesia, se organizava cada vez mais na Alemanha,
o partido operário perdia o seu único apoio sólido, quando muito
permanecia organizado nalgumas localidades para objetivos
locais e, por isso, no movimento geral, caiu interiramente sob o
domínio e a direção dos democratas pequeno-burgueses. Tem
de se por termo a este estado de coisas, tem de se estabelecer a
autonomia dos operários” (Idem, ibidem).
Acreditando na proximidade de uma nova situação
revolucionária na Alemanha, depois da grande onde
revolucionário de 1848-49 e da derrota das forças
revolucionárias, Marx e Engels empreendem na Mensagem a
necessidade da reorganização da Liga Comunista no país,
propondo que um “emissário parta neste preciso momento, em
que está iminente uma nova revolução, em que o partido
operário deve, portanto, apresentar-se o mais organizado, o mais
unânime e o mais autônomo possível, para não ser outra vez,
como em 1848, explorado e posto a reboque pela burguesia”
(Idem:179). O proletariado precisava se reorganizar
independentemente dos demais partidos, seja da burguesia, seja
da pequena burguesia democrática. Sem isso, cairia, como nos
eventos nos dois anos anteriores, nas mãos da burguesia ou dos
democratas pequeno burgueses.
Tratava-se na nova etapa, pós 1848-49, de demarcar o
programa e a organização política do proletariado frente à força
política em destaque, qual seja o partido democrático pequeno-
burguês, que abrangia a “grande maioria dos habitantes
burgueses das cidades, os pequenos negociantes industriais e
os mestres artesãos: conta entre os seus seguidores os
camponeses e o proletariado rural enquanto este último não tiver
encontrado um suporte no proletariado autônomo das cidades
(Idem:180/181).
Nesse sentido, Marx e Engels observam: “o papel que os
burgueses liberais alemães desempenharam perante o povo em
1848, esse papel traiçoeiro, srá assumido, na revolução que se
avizinha, pelos pequeno-burgueses democratas, que ocupam
agora na oposição o messo lugar que os burgueses liberais
antes de 1848. Este partido, o partido democrático, mais
perigoso para os operários do que o anterior partido liberal,
consiste em três elementos: I. As partes mais avançadas da
grande burguesia, que têm por objetivo a queda imediata e
completa do feudalismo e do absolutismo. Esta fração está
representada pelos antigos conciliadores de Berlim, que
propunham a recusa dos impostos. II. Os pequeno-burgueses
democrático-constitucionais, cuja finalidade principal durante o
movimento precedente foi a fundação de um Estado federal mais
ou menos democrático, como o ambicionavam os seus
representantes, a Esquerda da Assembléia de Frankfurt e, mais
tarde, o Parlamento de Stuttgart, e como eles próprios o
ambicionavam na campanha pela Constituição Imperial. III. Os
pequeno-burgueses republicanos, cujo ideal é uma República
federativa alemã, à maneira da Suíça, e que se dão agora o
nome de vermelhos e de sociais-democratas porque alimentam o
piedoso desejo de abolir a pressão do grande capital sobre o
pequeno, do grande-burguês sobre o pequeno. Os
representantes desta fração eram os membros dos congressos e
comitês democráticos, os dirigentes das associações
democráticas, os redatores dos jornais democráticos” (Idem:180).
O que desejavam de fato o partido da pequena burguesia?
“Os pequeno-burgueses democratas, muito longe de
pretenderem resolver toda a sociedade em benefício dos
proletários revolucionários, aspiram a uma alteração das
condições sociais que lhes torne tão suportável e cômoda quanto
possível a sociedade existente. Por isso reclamam, antes de
tudo, a diminuição das despesas públicas mediante a limitação
da burocracia e a tranferência dos prinicipais impostos para os
grandes proprietários fundiários e grandes burgueses.
Reclamam, além disso, a abolição da pressão do grande capital
sobre o pequeno, por meio de instituições públicas de crédito e
de leis contra a usura que lhes tornassem possível, a eles e aos
camponeses, obter em condições favoráveis adiantamentos do
Estado em vez de os obterem dos capitalistas; e ainda o
estabelecimento das relações de propriedade burguesas no
campo, pela completa eliminação do feudalismo” (Idem:181).
Como desejavam os democratas pequeno-burgueses realizar
esse programa político? “Para realizarem tudo isto, necessitam
de uma Constituição democrática, seja ela [monárquica]
constitucional ou republicana, que lhes dê a maioria, a eles e aos
seus aliados, os camponeses, e de uma organização comunal
democrática que ponha nas suas mãos o controle direto dda
propriedade comunal e uma série de funções atualmente
exercidas pelos burocratas”. E complementam: “Além disso, a
dominação e o rápido aumento do capital devem ser
contrariados, em parte pela limitação do direito sucessório, em
parte pela entreda ao Estado do maior número possível de
trabalhos. No que se refere aos operários, antes de mais está
assente que devem, como até agora, permanecer operários
assalariados, apenas desejando os pequeno-burgueses
democratas que os operários tenham melhor salário e uma
existência mais assegurada; esperam eles consequir isto
[confiando], em parte, ao Estado a ocupação dos operários e
através de medidas de beneficência; numa palavra, esperam
subordinar os operários com esmolas mais ou menos disfarçadas
e quebrar a sua força revolucionária tornando-lhes
momentaneamente suportável a sua situação” (Idem, ibidem). É
o máximo a esperar de uma revolução por parte da pequena
burguesia democrática.
Que relação deveria manter o proletariado, por seu partido
revolucionário, com a pequena burguesia, representada pelo
partido democrático? Marx e Engels esclarecem: “está com ela
contra a fração cuja queda ele tem em vista: opõe-se-lhe em tudo
o que ela pretende para se consolidar a se mesma” (Idem,
ibidem). No campo do programa, as reivindicações da pequena
burguesia de modo algum devem bastar ao proletariado.
Enquanto a pequena burguesia, alertam nossos autores,
“querem pôr fim à revolução o mais depressa possível,
realizando, quando muito, as exigências atrás referidas, o nosso
interesse e a nossa tarefa são tornar permanente a revolução até
que todas ass classes mais ou menos possidentes estejam
afastadas da dominação, até que o poder de Estado tenha sido
conquistado pelo proletariado, que a associação dos proletários,
não só num país, mas em todos os países dominantes do mundo
inteiro, tenha avançado a tal ponto que tenha cessado a
concorrência dos proletários nesses países e que, pelo menos,
estejam concentradas nas mãos dos proletários as forças
produtivas decisivas. Para nós não pode tratar-se da
transformação da propriedade privada, mas apenas do seu
aniquilamento, não pode tratar-se de encobrir oposições de
classes mas de suprimir as classes, nem de aperfeiçoar a
sociedade existente, mas de fundar uma nova” (Idem:182).
Marx e Engels passam a propor a tática da Liga Comunista,
o partido revolucionário do proletariado, frente ao partido da
pequena burguesa em três situações: nas condições em que
proletários e pequenos burgueses são oprimidos pela classe
dominante, na situação em que os pequenos burgueses sejam
preponderantes na luta revolucionária e no contexto em que seja
preponderante frente à atual classe dominante derrubada e ao
proletariado, ou seja, na eventual conquista do poder pelo partido
democrático pequeno-burguês na Alemanha. No primeiro
momento, em que lutam lado a lado, contra o atual estado de
coisas na Alemanha, dizem Marx e Engels, o proletariado deveria
rejeitar qualquer proposta de fusão com o partido pequeno
burguês em único partido social-democrata, sob pena de
sucumbir com seu programa, suas reivindicações e sua
independência política de classe.
Ao contrário, “os operários, principalmente a Liga, têm de
trabalhar para constituir, ao lado dos democratas oficiais, uma
organização do partido operário, autônoma, secreta e pública, e
para fazer de cada comunidade o centro e o núcleo de
agrupamentos operários, nos quais a posição e os interesses do
proletariado sejam discutidos independentemente das influências
burguesas. Quão pouco séria é, para os democratas burgueses,
uma aliança em que os proletários estejam lado a lado com eles,
com o mesmo poder e os mesmos direitos, mostram-no por
exemplo os democratas de Breslau, os quais no seu órgão, a
New Oder-Zeitung, atacam furiosamente os operários
organizados autonomamente, a quem intitulam de socialistas.
Para o caso de uma luta contra um adversário comum não é
preciso qualquer união particular. Assim que se trate de combater
diretamente um adversário, os interesses dos dois partidos
coincidem momentaneamente e, como até agora, também no
futuro esta ligação, só prevista para o momento, se estabelecerá
por si mesma” (Idem:183).
Diante das hesitações, indecisões e inatividades dos
pequeno-burgueses, os operários, como nas lutas anteriores, por
sua coragem, decisão e abnegação demonstradas no calor da
luta de classes, deverão conquistar o poder. Como nos
momentos anteriores, uma vez no poder os pequeno-burgueses
disseminarão entre os operários a necessidade de ordem, de
calmaria, de confiança no poder, de regresso ao trabalho, de
restrição de excessos, para excluir o proletariado dos frutos da
vitória. Ao proletariado caberia, desde o primeiro instante, “ditar-
lhes condições tais que a dominação dos democratas burgueses
contenha em si desde o início o germe da queda e que seja
significativamente facilitado o seu afastamento ulterior pela
dominação do proletariado. Durante o conflito e imediatamente
após o combate, os operários, antes de tudo e tanto quanto
possível, têm de agir contra a pacificação burguesa e obrigar os
democratas a executar as suas atuais frases terroristas. Têm de
trabalhar então para que a imediata efervescência revolucionária
não seja de novo logo reprimida após a vitória. Pelo contrário,
têm de mantê-la viva por tanto tempo quanto possível. Longe de
opor-se aos chamados excessos, aos exemplos de vigança
popular sobre indivíduos odiados ou edifícios públicos aos quais
só se ligam recordações odiosas, não só há que tolerar estes
exemplos, mas tomar em mão a sua própria direção”
(Idem:183/184).
Desse modo, durante e após a luta, “os operários têm de
apresentar em todas as oportunidades as suas reivindicações
próprias a par das reivindicações dos democratas burgueses.
Têm de exigir garantias para os operários assim que os
burgueses democratas se prepararem para tomar em mãos o
governo. Se necessário, têm de obter pela força essas garantias
e, principalmente, procurar que os novos governantes se
obriguem a todas as concessões e promessas possíveis – o
meio mais seguro de os comprometer. Têm principalmente de
refrear tanto quanto possível, de toda a maneira mediante a
apreciação serena, com sangue-frio, das situações, e pela
desconfiança não dissimulada para o novo governo, a
embriaguez da vitória e o entusiasmo pelo novo estado de coisas
que surge após todo o combate de rua vitorioso” (Idem:184).
Frente ao governo oficial vitorioso, o proletariado tem de
“constituir imediatamente governos operários revolucionários
próprios, quer sob a forma de direções comunais, de conselhos
comunais, quer através de clubes operários ou de comitês
operários, de tal maneira que os governos democráticos
burgueses não só percam imediatamente o suporte nos
operários, mas se vejam desde logo vigiados e ameaçados por
autoridades atrás das quais está toda a massa dos operários.
Numa palavra: desde o primeiro momento da vitória, a
desconfiança tem de dirigir-se não já contra o partido reacionário
vencido, mas contra os até agora aliados [do proletariado], contra
o partido que quer explorar sozinho a vitória comum” (Idem,
ibidem).
Para enfrentar essa tarefa, de “opor-se enérgica e
ameaçadoramente a este partido, cuja traição aos operários
começará desde a primeira hora da vitória, têm os operários de
estar armado-se organizados. Tem de ser conseguido de
imediato o armamento de todo o proletariado com espingardas,
carabinas, canhões e munições; tem de ser contrariada a
reanimação da velha milícia burguesa dirigida contra os
operários. Onde não se consiga este último ponto, os operários
têm de procurar organizar-se autonomamente como guarda
proletária, com chefes eleitos e um estado-maior próprio, eleito, e
por-se às ordens, não do poder do estado mas dos conselhos
comunais revolucionários formados pelos operários. Onde os
operários estejam ocupados por conta do estado, têm de
conseguir o seu armamento e organização num corpo especial
com chefes eleitos ou como parte da guarda proletária. Sob
nenhum pretexto podem as armas e munições sair-lhe das mãos,
qualquer tentativa de desarmamento tem de ser frustrada, se
necessário pela força. Liquidação da influência dos democratas
burgueses sobre os operários; organização imediata, autônoma e
armada dos operários; obtenção das condições mais dificultosas
e compromissórias possíveis para a inevitável dominação
temporária da democracia burguesa – tais são os pontos
principais que o proletariado e, portanto a Liga, devem ter
presentes durante e após a insurreição iminente” (Idem:184/185).
Sendo eleita após a vitória comum dos proletários e
pequeno-burgueses uma Representação nacional, o proletariado
deve, nessas condições, zelar para que uma “quantidade de
operários nãos seja excluída, por qualquer chincanas de
autoridades locais e de comissários do governo, seja a que
pretexto for; (...) sejam propostos candidatos operários, na
medida do possível de entre os membros da Liga e para cuja
eleição se devem acionar todos os meios possíveis. Mesmo onde
não existe esperança de sucesso, devem os operários
apresentar os seus própria candidatos, para manterem as suas
forças, trazerem a público a sua posição revolucionária e os
pontos de vista do partido. Não devem, neste processo, deixar-se
subornar pelas frases dos democratas, como por exemplo que
assim se divide o partido democrático e se dá à reação a
possibilidade da vitória. Com todas essas frases, o que se visa é
que o proletariado seja mistificado. Os progressos que o partido
proletário tem de fazer, surgindo assim como força independente,
são infinitamente mais importantes do que o prejuízo que poderia
trazer a presença de alguns reacionários na Representação.
Surja a democracia, desde o princípio, decidida e terrorista
contra a reação, e a influência desta nas eleições será
antecipadamente aniquilada” (Idem:185).
Diante das vacilações da pequena burguesia quanto à
confiscação das propriedades feudais, que certamente tentaria
em entregar aos camponeses as terras feudais como
propriedade privada, constituindo uma classe camponesa
pequeno-burguesa e mantendo o proletariado rural como
assalariado, os operários e seu partido, a Liga Comunista, deve
opor-se aos planos pequeno-burgueses e defender “que a
propriedade feudal confiscada fique propriedade do Estado e
seja transformada em colônias operárias, que o proletariado rural
associado explore com todas as vantagens da grande exploração
agrícola; desde modo, o princípio da propriedade comum obtém
logo uma base sólida, no meio das vacilantes relações de
propriedade burguesas. Tal como os democratas com os
camponeses, têm os operários de unir-se com o proletariado
rural” (Idem:186).
Sobre a organização política com a vitória comum do
proletariado e da pequena-burguesia, Marx e Engels afirmavam
que os “democratas ou trabalharão diretamente para uma
República federativa ou, pelo menos, se não puderem evitar uma
República uma e indivisível, procurarão paralisar o governo
central mediante o máximo possível de autonomia e
independência para as comunas e províncias. Frente a este
plano, os operários têm não só de tentar realizar a República
alemã una e indivisível, mas também a mais decidida
centralização, nela, do poder nas mãos do Estado. Eles não se
devem deixar induzir em erro pelo palavreado sobre a liberdade
das comunas, o autogoverno, etc. Num país como a Alemanha,
onde estão ainda por remover tantos restos da Idade Média,
onde está por quebrar tanto particularismo local e provincial, não
se pode tolerar em circunstância alguma que cada aldeia, cada
cidade, cada província ponha um novo obstáculo à atividade
revolucionária, a qual só do centro pode emanar em toda a sua
força – Não se pode tolerar que se renove o estado de coisas
atual, em que os alemães, por um mesmo passo em frente, são
obrigados a bater-se separadamente em cada cidade, em cada
província. Menos do que tudo pode tolerar-se que, através de
uma organização comunal pretensamente livre, se perpetue uma
forma de propriedade – a propriedade comunal, e as desavenças
dela decorrentes entre comunas pobres e ricas, assim como o
direito de cidadania comunal, subsistente, com as suas
chincanas contra os operários, ao lado do direito de cidadania
estatal. Tal como na França em 1793, o estabelecimento da
centralização mais rigorosa é hoje, na Alemanha, a tarefa do
partido realmente revolucionário” (Idem:186/187).
Marx começa o texto de A luta de classes na França (1848-
1850)15 mostrando que “o progresso revolucionário não abriu
caminho com as suas conquistas diretas trágico-cômicas mas,
15Karl Marx, A luta de classes em França: 1848-1850 (Centelha, 1975).
pelo contrário, só fazendo surgir uma contra-revolução compacta
e poderesa, criando-se um adversário e combatendo-o que o
partido da subversão pôde finalmente converter-se num partido
verdadeiramente revolucionário” (1975:44). Significa que as
contradições, concentrando-se e explodindo em convulsões
revolucionárias, fazendo a classe operária aparecer como classe
politicamente revolucionária, obrigaram a burguesia a tomar
partido ao lado das camadas reacionárias, em defesa do Estado,
da propriedade privada e das instituições burguesas.
Essa passagem da análise de Marx é muito importante
porque expressa um período posterior ao primeiro momento do
processo revolucionário de 1848, em que burguesia e as massas
exploradas aparecem unidas contra a monarquia em favor da
república. O desenvolvimento do processo revolucionário é ao
mesmo tempo a expressão da diferenciação da organização e
dos interesses do proletariado, que passa a atemorizar a própria
burguesia no poder e a força a combatê-lo, restringindo a sua
organização, a liberdade de expressão e, em último caso,
atuando no sentido da repressão, prisões e expurgos dos
revolucionários.
Como sabemos, o processo revolucionário de fevereiro de
1848 na França derrubou a monarquia burguesa de Luís Felipe,
o duque de Orleans, que reinou de 1830 a 1848. Como observa
Marx, quem “dominou sob Luís Felipe não foi a burguesia
francesa mas uma fração dela: os banqueiros, os reis da bolsa,
os reis dos caminhos de ferro, proprietários das minas de carvão
e ferro, proprietários florestais e uma parte da propriedade
imobiliária aliada a estes: a chamada aristocracia financeira.
Instalada no trono, ditava as leis nas Câmaras e distribuía os
cargos públicos, desde os ministérios às tabacarias” (Idem:45). A
burguesia industrial, outra fração da burguesia francesa,
constituia uma parte da oposição oficial no parlamento,
organizava-se enquanto partido, o dos republicanos burgueses, e
defendia seus interesses no parlamento.
A dependência entre o governo de Luis Felipe e a
aristocracia financeira levava a França a um processo de penúria
financeira permanente, ao desequilíbrio entre as receitas e as
despesas. Para Marx “o endividamento do Estado interessava
diretamente à facção burguesa que governava e legislava
através das Câmaras. O déficit do Estado foi precisamente o
próprio objeto das suas especulações e o seu principal local de
enriquecimento. Cada ano, um novo déficit. Cada quatro ou cinco
anos, um novo empréstimo. Ora, cada novo empréstimo oferecia
à aristocracia uma nova ocasião de saquear o Estado que,
mantido artificialmente à beira da bancarrota, era obrigado a
negociar com os banqueiros nas condições mais desfavoráveis.
Cada novo empréstimo proporcionava uma nova ocasião de
roubar o público que coloca os seus capitais em rendas do
Estado, mediante operações da Bolsa em cujos segredos
estavam metidos o governo e a maioria da Câmara” (Idem:47).
Essa relação espúria entre governo, parlamentares e a
aristocracia financeira alimentava a instabilidade do crédito
público e o acesso a informações privilegiadas, dando “aos
bancos e seus associados nas Câmaras e no trono, a
possibilidade de provocar flutuações extraordinárias e repentinas
na cotação dos valores públicos, cujo resultado era sempre,
necessariamente a falência de uma massa de pequenos
capitalistas e o enriquecimento fabulosamente rápido dos
grandes especuladores” (Idem:48). A aristocracia financeira
apoiando-se no governo e na maioria parlamentar nutria-se do
dinheiro público, apropriava-se de parte dos recursos do Estado.
O resultado de tudo isso era o descompasso entre as
despesas e as receitas, os gastos orçamentários e a
arrecadação do governo, os juros da dívida, a pilhagem dos
recursos estatais através de vários mecanismos, desde a
contração de empréstimos, a realização de contratos de
fornecimentos fraudulentos, corrupção, desfalques, vigarices de
toda espécie, sendo que as “relações entre a Câmara e o
governo, multiplicavam-se sob a forma de relações entre as
diferentes administrações e os diferentes empreiteiros. Assim
como os gastos públicos em geral e os empréstimos públicos, a
classe dominante explorava também a construção de caminhos
de ferro. As Câmaras lançavam os principais encargos desta
para cima do Estado e asseguravam o maná dourado à
aristocracia financeira especuladora. Recorde-se o escândalo
que explodia na Câmara dos Deputados, quando se descobriu
acidentalmente que todos os membros da maioria, incluindo uma
parte dos ministros, eram acionistas das próprias empresas de
construção dos caminhos de ferro a quem eles confiaram, ato
contínuo, como legisladores, a execução de linhas de caminho
de ferro à custa do Estado” (Idem:48/49).
O domínio da aristocracia financeira e da especulação no
governo de Luís Felipe levava à dilapidação dos recursos
públicos, ao individamento do Estado, às negociatas fora e
dentro das bolsas, à reducão da capacidade de investimento do
governo nas atividades diretamente produtivas, e, por fim, a um
processo de oposição crescente dos representantes da
burguesia industrial. Os porta-vozes da burguesia industrial
(Grandin, Leon Faucher etc.) criticavam o governo e seus
defendores (Guizot), “a favor da indústria contra a especulação e
o deu caudatário, o governo” (Idem:46).
Tanto a pequena burguesia, quanto a classe camponesa,
encontrava-se à margem do poder e da participação na vida
política. Seus “representantes ideológicos e os porta-vozes das
citadas classes, os seus sábios, os seus advogados, os seus
médicos, etc.: numa palavra, os chamados ‘talentos’, faziam
parte da oposição oficial ou se encontram à margem do país
legal (não tinha sequer direito a voto). Marx conclui: “A burguesia
industrial via os seus interesses em perigo, a pequena burguesia
estava moralmente indignada, a imaginação popular exaltava-se.
Paris estava afogada em panfletos: ‘A dinastia dos Rotschild’, ‘os
judeus, reis da época’, etc., nos quais denunciava e
anatemizava, com maior ou menor talento, o domínio da
aristocracia financeira” (Idem:51).
Marx ressalta que dois acontecimentos econômicos
aceleraram e amadureceram o descontetamento geral em face
das contradições políticas da sociedade burguesa na França: a
“praga da batata e as más colheias de 1845 e 1846 avivaram a
efervescência geral do povo. A carestia de vida em 1847
provocou em França como no resto do continente, conflitos
sangrentos”; a “crise geral do comércio e da indústria em
Inglaterra” de 1847, que resultou na falência de bancos, fábricas
e comerciantes ingleses, repercutindo nos demais países. Na
França, a crise provocou uma onde de falências, particularmente
entre os pequenos produtores, comerciantes e artesãos. Em
fevereiro de 1848, a agitação nas barricadas provocou a
derrubada de Luis Felipe e a constituição de um governo
provisório.
Esse governo provisório, que sucedeu à monarquia, era
constituído pelos representantes das classes que lutaram contra
o governo anterior, tais como a própria burguesia (republicanos
burgueses do periódico Nacional), a pequena burguesia (Ledru-
Rollin e Flocon) e homens da classe operária (Luis Blanc e
Albert). Tão logo se instalou o novo governo e seus ministérios
foram partilhados pela burguesia, começou a agitação do
proletariado em defesa da proclamação da República. Os
operários de Paris estavam “dispostos a encetar de novo a luta e
a impôr a República pela força das armas” (Idem:55). As paredes
de Paris ostentavam as palavras de ordem: République
Française! Liberté, Égalité, Fraternité.
A classe operária conseguiu impôr a República à burguesia
vacilante no poder. O proletariado, observa Marx, “apareceu
imediatamente em primeiro plano na qualidade de partido
independente; mas, repentinamente, lançava um deafio a toda a
França burguesa. O que o proletariado tinha conquistado era o
terreno à vista para lutar pela sua emancipação revolucionária,
mas de maneira nenhuma esta própria emancipação” (Idem:56).
Com a conquista do regime republicano, a classe operária
apenas preparava o terreno político para a batalha seguinte: a
conquista da sua emancipação real. Sabia-se que o governo
provisório e a República eram apenas formas de domínio da
burguesia e não do proletariado.
Para arrefecer a energia revolucionária do proletariado, que
havia imposto ao governo burguês o compromisso de dar
trabalho a todos os trabalhadores, a burguesia criou um
Ministério especial do trabalho e lá instalou os representantes do
proletariado, Luis Blanc e Albert. Com essa medida criava a
aparência de que se tratava de uma “República rodeada de
instituições sociais” (Idem:57). Na verdade, com issp não só
afastava os principais expontes da classe operária do governo,
como mantinha o controle sobre os postos mais importantes,
quais sejam: o Ministério das Finanças, do Comércio e das
Obras Públicas, ao lado dos bancos e da bolsa. Controlava os
tribunais, o exército e administração.
Criava-se uma falsa ilusão sobre a possibilidade de uma
emancipação proletária por dentro do governo burguês e nas
fronteiras da nação francesa, quando, na verdade, assevera
Marx, “as condições de produção da França estão condicionadas
pelo seu comércio exterior, pela sua posição no mercado mundial
e pelas leis deste. Como iria a França destruí-las sem uma
guerra revolucionária européia, que tinha na Inglaterra o seu
contra-golpe, o déspota do mercado mundial? (...). A classe
operária francesa ainda não chegara a este ponto; era ainda
incapaz de levar a cabo a sua própria revolução” (Idem:59).
Enquanto isso, a burguesia a frente do poder procurava
afastar qualquer desconfiança na nova república, restabelecer a
normalidade nas finanças do país e estimular a produção e o
comércio, quebrados pela crise econômica, abalados com o
processo revolucionário. Tentava desafogar o crédito público e
privado, afastando a suspeita de que o governo não detinha
recursos suficientes para cumprir com as suas obrigações junto
aos credores do Estado. Chegou a antecipar pagamentos antes
do vencimento para despertar a confiança fraturada. Manteve
intocada a aristocracia financeira e ampliou mesmo o seu poder.
Alguém teria de pagar pela penúria financeira. Primeiro foi a
pequena burguesia, que teve as suas rendas acima de 100
francos, depositadas nas cadernetas de poupança, confiscadas
pelo governo em troca de título públicos não reembolsáveis em
dinheiro. Os pequenos-burgueses foram obrigados a negociar
seus títulos na Bolsa e, com isso, a se tornarem reféns dos
especuladores. Em seguida, os camponeses, a grande maioria
da população francesa, foram surpreendidos com um novo
imposto. Como diz Marx, enquanto “a revolução de 1789
começara por libertar os camponeses dos encargos feudais, a
revolução de 1848, para não pôr em perigo o capital e assegurar
o funcionamento do mecanismo do Estado, fez-se anunciar por
um novo imposto lançado sobre a população rural” (Idem:69).
Falatava ainda afastar qualquer ameaça, mesmo em
palavras, de parte do proletariado francês. Disso dependia a
retomada da confiança geral no governo. Para a burguesia, não
“havia portanto outro remédio senão acabar com os operários”
(Idem:70). Para isso, passou a utilizar o lupemproletariado
(massa desligada do proletariado industrial) parisiense contra o
proletariado, através da constituição de 24 batalões de guardas
móveis, haja vista a desorganização do Exército em face da
revolução e a inferioridade da Guarda Nacional perante o grosso
do proletariado. Além disso, milhares de operários, que haviam
perdido o emprego com a crise, foram recrutados para as
oficinas nacionais, medida claramente decidida a dividir a classe,
subodinando uma de suas partes ao governo.
Os setores da pequena-burguesia e do campesinato viam no
proletariado um inimigo comum. A República, à qual a classe
operária havia feito a sua bandeira, retirava as rendas dos
camponses e lhes impunha impostos. Quando se acirravam os
conflitos determinantes entre o governo burguês e o proletarido,
o campesinato tendia a cair nas mãos da burguesia contra o
proletariado. As relações entre a burguesia e o proletariado se
extremeceram em 17 de março de 1848, quando setores da
burguesia realizaram uma manifestação hostil ao setor pequeno-
burguês republicano do governo provisório (personaficado na
figura de Ledru-Rollin) e o proletariado teve de sair às ruas a
favor da República em perigo.
A 16 de abriu, os operários reuniram-se pacificamente para
preparar as eleições para o estado-maior da guarda nacional no
Campo de Marte e no hipódromo de Paris, quando espalharam
(a burguesia) um boato de que os operários estavam
conspirando para tomar a Câmara e proclamar um governo
comunista de Luis Blanc, Blanqui, Cabet e Raspail. Os operários
ficaram surpresos ao chegar à Câmara e encontrar os homens
da guarda nacional a sua espera para reprimí-la, se fosse o caso.
A 4 de Maio, a Assembléia Nacional decretou a veidadeira
República, a burguesa, apagando qualquer relação com a
república imposta pelos operários à burguesia em fevereiro.
Eliminaram do governo os representantes do proletarido, que
formavam o Ministério especial do trabalho.
A 15 de maio, o proletariado ocupou a Assembléia Nacional
“esforçando-se em vão por reconquistar a sua influência
revolucionária não conseguindo senão entregar aos carcereiros
da burguesia os seus chefes mais enérgicos. Foram presos
líderes proletários como Albert, Raspail, Sobrier, Barbés e, em
seguida, Blanqui. A burguesia investiu contra as oficinas
nacionais de operários, forçando a saíde de uns, despedindo
outros e forçando-os a ingressar nas fileiras do exército.
Como afirma Marx, a “22 de Junho, com a fantástica
insurreição em que se travou a primeira grande batalha entre as
duas classes em que se divide a sociedade moderna. Foi uma
luta pela conservação ou aniquilamento da ordem burguesa. O
véu que envolvia a República rasgava-se” (Idem:80/81). Mais de
3.000 prisioneiros operários foram massacrados por uma ação
conjunta do exército, da guarda movel, da guarda nacional e das
guardas das províncias.
A República burguesa aparecia como aquilo que de fato ela
é: um “Estado cuja finalidade confessada é eternizar o domínio
do capital e a escravatura do trabalho”. Afastava-se oficialmente
o proletariado, reconhecia-se oficialmente a ditadura burguesa.
As consequências mais importantes do massacre do proletarido
em junho pela burguesia foram a manifestação da verdadeira
natureza da república francesa e da classe que a dominava, a
aproximação da burguesia às classes reacionárias do antigo
regime, o abandono dos povos que travavam naquele momento
da luta pela independência nacional à sua própria sorte, a
continuidade da opressão sobre o campesinato e a pequena-
burguesia e a sua aproximação ao proletariado.
Ainda, fez sentir, com clareza o sentido internacional de uma
sublevação operária na França. Como falou Marx: “ver-se-á
obrigada a abandonar imediatamente o terreno nacional e a
conquistar o terreno europeu, o único em que poderá levar-se a
cabo a revolução social do século XIX. Portanto, foi pela derrota
de Junho que se criaram as condições que permitiam à França
tomar a iniciativa da revolução européia. Só encharcada do
sangue dos insurretos de Junho é que a bandeira tricolor pôde
transformar-se na bandeira da revolução européia, na bandeira
vermelha” (Idem:85/86).
A nova situação política criada pela derrota do proletariado
em Junho foi o reforço do poder dos republicanos burgueses, o
recuo dos republicanos democratas (pequeno-burgueses) e a
existência de burgueses monárquicos (legitimistas e orleanistas)
como minoria na Assembléia Nacional. Portanto, os republicanos
burgueses governavam com apoio de um séquito de “escritores,
os seus porta-vozes, os seus ‘talentos’, as suas ambições, os
seus deputados, generais, banqueiros e advogados”, Cavaignac
à frente do poder executivo, Marrast da Assembléia Nacional. A
Constituição aprovada se encarregou de legitimar a república
burguesa, a vitória da burguesia sobre o proletariado. Retiraram
a proposta de um artigo prevendo o direito ao trabalho, contido
em um projeto anterior, e, em seu lugar, colocaram o direito à
assistência.
Quando se tratou de defender a forma da república
burguesia, os republicanos burgueses contavam com o apoio dos
republicanos pequeno-burgueses democratas, e, quando se
tratava de defender o conteúdo da república burguesa, observa
Marx, “já nem a sua linguagem os separava das frações
burguesas monárquicas, pois são precisamente os interesses da
burguesia, as condições materiais do seu domínio e da sua
exploração de classe que formam o conteúdo da República
burguesa” (Idem:89). Todos os burgueses se coligavam quando
a propriedade privada estava em jogo.
No que se refere aos operários soblevados em Junho e aos
seus líderes, abateram-se sobre eles uma ditadura de classe e o
estado de sítio, com condenações, prisões e deportações de 15
mil insurretos. Líderes como Luis Blanc foram entregues aos
tribunais. Medidas antidemocráticas foram aprovadas como
restrições ao direito de associação, revogação da lei que limitava
a jornada de trabalho a dez horas, imposição de caução aos
jornais e restabelecimento da prisão por dívidas.
O período subsequente à sublevação dos operários de Junho
foi a bancarrota dos pequeno-burgueses (donos de cafés,
proprietários de restaurantes, taberneiros, pequenos
comerciantes, retalhistas, artesãos etc.), arruinados pelas
dívidas, pela diminuição do consumo e da produção, pela
cobrança de dívidas pelos bancos, dos aluguéis pelos
proprietários de imóveis, pelos fornecedores de matéria-prima.
Os republicanos burgueses negaram-lhes qualquer aprovação de
leis prorrogando os prazos de pagamentos ou indenização por
causa dos prejuízos causados pela revolução de fevereiro e seus
desdobramentos.
Essa situação levou ao descontentamento entre os pequeno-
burgueses e camponeses, criando condições para a eleição a 10
de dezembro de 1848 de Luis Napoleão (sobrinho de Napoleão
Bonaparte) para presidente da França, amparado, em grande
medida, nos votos do campesinato. Os camponeses foram às
urnas gritando “Basta de impostos, abaixo os ricos, abaixo a
república, viva o imperador!”. Assim, as “restantes classes
contribuíram para a conclusão da vitória eleitoral dos
camponeses. Para o proletariado, a eleição de Napoleão era a
destituição de Cavaignac, a derrocada da Constituinte, a
despedida do republicanismo burguês, a anulação da vitória de
Junho. Para a pequena-burguesia, Napoleão era o domínio do
devedor sobre o credor. Para a maioria da grande-burguesia, a
eleição de Napoleão era a ruptura aberta com a facção da qual
tinha tido que servir-se durante um momento contra a revolução,
mas que se lhe tornara insuportável desde que procurou fazer da
sua posição momentânea uma posição constitucional. Napoleão
no lugar de Cavaignac era, para ela, a monarquia em vez da
República, o começo da restauração monárquica, os Orleans a
que timidamente aludiam a flor de lis escondida por entre as
violetas. Finalmente, o exército, votou em Napoleão, contra a
guarda movel, contra o idílio da paz, a favor da guerra”
(Idem:104/105). Os proletários mais avançados lançaram
Raspail, como representante do operariado revolucionário. A
pequena-burguesia lançou Ledru-Rollin como seu candidato.
Luis Napoleão, tão logo foi reconhecido presidente da
França, tratou de nomear para seus ministros represenantes das
frações monárquicas: Odilon Barrot, orleanista; Falloux,
legitimista; Changarnier, legitimista, entre tantos. Os
representantes dos republicanos burgueses foram retirados dos
cargos que haviam oculpado no Estado, mas se mantiveram a
frente da Assembléia Nacional Constituinte. Luis Napoleão e seu
Ministro Barrot decidiram restaurar o imposto sobre o sal, para o
desagrado dos camponeses.
A Assembléia Nacional Constituinte, ainda sob o controle dos
republicanos burgueses, instaurou a desconfiança em relação à
decisão do ministério sobre a imposição do imposto do sal, ao
reduzir o valor do imposto estabelecido. Os conflitos entre a
Assembléia Nacional e o novo governo (na pessoa de Barrot, do
Ministério) se intensificaram desde então. As acusações mútuas
se intensificaram sob a forma de uma guerra de petições, que
circulavam na França inteira, cada uma formulando a dissolução
da outra. Amparado nos votos que recebera o governo de Luis
Napoleão, mediante seus ministros decidiram mostrar força,
desoganizando a guarda movel (reduto dos republicanos
burgueses) e investindo sobre os clubes de proletários
revolucionários.
No fim de contas, a Assembléia Nacional não resistiu à
pressão e acabou servindo aos anseios de poder de Luis
Bonaparte, aprovando restrições ao direito de associação,
reprovando pedido de anista aos insurretos de Junho de 1848 (a
favor dos proletários revolucionários) até a sua autodissolução.
Como analisa Marx, esta “mísera Assembléia retirou-se de cena
depois de, dois dias antes do seu aniversário – 4 de Maio -, ter
tido a satisfação de rejeitar a proposta de anistia para os
insurretos de Junho. Com o seu poder destruído, odiada até à
morte pelo povo, repudiada, maltratada, posta de lado pela
burguesia, de que era instrumento, obrigada, na segunda metade
da sua vida, a desautorizar a primeira, despojada da usa ilusão
republicana” (Idem:128).
Começava então a luta política em torno da constituição da
Assembléia Nacional Legislativa, que a sucedeu, de modo que
cada partido deseja eleger o máximo de representantes. O fato é
que as forças políticas passaram a se dividir da seguinte forma:
a) o partido da ordem, formado pelo setor burguês monárquico
(orleanistas e legitimistas); b) os amigos da constituição, que na
verdade eram os republicados burgueses; c) o partido
democrático-socialista, formado a partir da junção entre os
republicanos democráticos pequeno-burgueses e os
revolucionários democráticos.
Os bonapartistas, isto é, os adeptos de Luis Bonaparte, “não
formavam uma fração uma fração séria da classe buguesa, mas
sim uma coleção de velhos e supersticiosos inválidos, de jovens
e incrédulos cavaleiros de indústria” (Idem:132). A pequena
burguesia continuava com suas vacilações. Representava “uma
massa vacilante entre a burguesia e o proletariado, cujos
interesses materiais exigiam instituições democráticas”
(Idem:136). Já o “partido do Nacional, os ‘amigos da Constituição
quand même, les republicains purs et simples, saíram
completamente derrotados das eleições. Só uma minoria ínfima
dentre eles foi enviada à Câmara Legislativia. Os seus chefes
mais notáveis desapareceram de cena, inclusive Marast, o
redator-chefe e o Orfeu da República ‘honesta’” (Idem:137). O
partido da ordem acabou ganhando a maioria das vagas na
Assembléia Nacional Legislativa.
Marx nos oferece em A luta de classes na França (1848-
1850) uma análise primorosa sobre o papel político e as posições
da pequena burguesia e do seu partido frente aos problemas
políticas colocados pelo desenvolvimento do processo
revolucionário de 1848 na França. Isso fica patente nas posições
dos republicanos pequeno-burgueses em questões como a
invasão de Roma pelo exército francês para debelar o processo
revolucionário e nas medidas adotadas frente ao parlamento e ao
governo da França.
Quanto ao problema da ocupação romana pelo exército
francês, o partido democrático pequeno-burguês, por meio do
seu porta-voz principal (Ledru-Rollin) procurou opor-se por meio
da crítica à postura do governo, formulando uma queixa contra
Luis Bonaparte e seus ministros, com amparo na Constituição
francesa que, entre outras coisas, estabelecia em seu art. 5º, que
“A República Francesa jamais empregará as suas forças
militares contra a liberdade de qualquer povo”, enquanto o art.
54º proibia “o Poder executivo de declarar qualquer guerra sem o
consentimento da Assembléia Nacional”. O representante da
pequena-burguesa e seu partido, A Montanha, chegou a dizer o
seguinte: “Os republicanos saberão fazer respeitar a Constituição
por todos os meios, e se necessário foi, pela força das armas!”
(Idem:141).
Sabedor das limitações políticas da luta pequeno-burguesa
em torno das normas constitucionais, amparando-se na
legalidade burguesa, no interior de um Parlamento controlado
pelas frações burguesas, Marx formula a seguinte pergunta, por
demais reveladora de sua crítica: “Seria que Ledru-Rollin
acreditava poder derrotar a Assembléia Nacional através da
Constituição e o presidente através da Assembléia Nacional?”.
Responde logo em seguida à questão: “Era certo que a
Constituição proibia todo o ataque à liberdade dos outros povos,
mas o que o exército francês atacava em Roma não era,
segundo o ministério, a ‘liberdade’, mas o ‘despotosmo da
anarquia’. Seria que a Montanha, apesar de todas as suas
experiências da Assembléia Constituinte, não tinha ainda
compreendido que a interpretação da Constituição não pertencia
aos que a haviam feito, mas unicamente aos que a tinham
aceitado? Que era preciso que o seu texto fosse interpretado no
seu sentido viável e que o seu único sentido viável era o sentido
burguês? Que Bonaparte e a maioria monárquiva da Assembléia
Nacional eram os intérpretes autênticos da Constituição, como o
cura é o intérprete autêntico da Bíblia e o juiz o intérprete
autêntico da lei?” (Idem:142).
Marx compreende, pois, as limitações dessa oposição
legalista e parlamentar do partido da pequena-burguesia, a
Montanha. Na verdade, diz Marx, o “que a Montanha tentava a
11 de Junho era ‘uma insurreição dentro dos limites da razão
pura’, que dizer, uma insurreição puramente parlamentar (...) Se
a Montanha conseguisse levar por diante uma insurreição
parlamentar, iria parar diretamente às suas mãos o governo do
Estado. Além disso, omais ardente desejo da pequena burguesia
era, como sempre, que a luta lhe passasse por cima, lá nas
nuvens, entre as sombras mortas dos parlamentares. Por último,
ambas, a pequena burguesia democrática e a sua representante,
a Montanha, conseguiriam, com uma insurreição parlamentar, a
sua grande finalidade: acabar com o poder da burguesia sem
desacorrentar o proletariado ou sem o deixar aparecer senão em
perspectiva; assim se teria utilizado o proletariado sem que este
se tornasse perigoso” (Idem:143/144).
Qual a postura dos represetantes do proletariado diante dos
fatos? “Os delegados proletários, afirma Marx, fizeram a única
coisa racional: obrigaram a Montanha a comprometer-se, isto é,
a sair dos limites da luta parlamentar, no caso de ser rejeitada a
sua ata de acusação. Durante todo o 13 de Junho o proletariado
conservou esta atitude de observação céptica e aguardou um
corpo a corpo inevitável, seriamente empenhado, irreversível,
entre o exército e a guarda nacional democrata, para se lançar
então na batalha e levar a revolução para além da finalidade
pequeno-burguesa que se lhe atribuía. No caso de vitória, estava
já formada a Comuna proletária que haveria de atuar ao lado do
governo oficial. Os operários de Paris tiham aprendido na escola
sangrenta de Junho de 1848” (Idem:145).
Rejeitada a acusação parlamentar formulada pelo partido da
pequena-burguesia. De fato, a “Montanha estava resolvida a
impôr o respeito da Constituição por todos os meios, ‘exceto pela
força das armas’”. Na manha seguinte, o partido pequeno-
burguês lancou uma proclamação, em que declarava “o
presidente, os ministros e a maioria da Assembléia legislativa
‘fora da Constituição’ (hors la Constitution)”, convidando a
“guarda nacional, o exército e finalmente também o povo a
‘sublevar-se’. ‘Viva a Constituição!’, era a palavra de ordem que
lançava; palavra de ordem que queria dizer pura e simplesmente:
‘Abaixo a revolução’ (Idem:146/147).
Como resultado da posição da pequena-burguesia,
organizou-se uma manifestação pacífica a 13 de Junho, em que
“30.000 homens, na sua grande maioria guardas nacionais
desarmados misturados com membros das sociedades secretas
operárias, que desfilavam ao grito de ‘Viva a Constituição’ (...). É
sabido como, ao chegar à entrada da rua da Paz, o cortejo foi
recebido nas avenidas pelos dragões e caçadores de
Changarnier de uma maneira muito pouco parlamentar e como,
num abrir e fechar de olhos, se dispersou em todas as direções,
deixando escapar um outro fraco grito de ‘Ás armas!’, para que
cumprisse o apelo às armas parlamentares do 11 de Junho” (...).
Parte dos representantes foram feitos prisioneiros e os demais
conseguiram fugir. Assim findou o 13 de Junho”. Marx conclui:
“Se o 23 de Junho de 1848 tinha sido a insurreição do
proletariado revolucionário, o 13 de Junho de 1849 foi a
insurreição dos pequeno-burgueses democratas, e cada uma
destas insurreições a expressão clássica pura da classe que as
organizava” (Idem:147-149).
Os fatos do 13 de Junho de 1849 demonstravam, diz Marx,
que a Assembléia Nacional francesa “já não é mais do que o
Comité de Salvação Pública do partido da ordem” e a converção
da “ditadura legislativa dos monárquicos coligados num fato
consumado”. Como resultado do movimento parlamentar
decretado pelo partido da pequena burguesia, o partido da ordem
dentro e fora do Parlamento impuseram o estado de sítito e um
conjunto de medidas contra-revolucionárias para barrar a
resistência, mesmo limitada, da pequena burguesia e as
tendências de inconformismo da classe operária. Assim,
decretou-se “um novo regulamento, que suprimia a liberdade de
tribuna e autorizava o presidente da Assembléia Nacional a
castigar os deputados por distúrbio da ordem, por censura,
multas, suspensão de indemnidade, expulsão temporária e
cárcere” (Idem:150).
Mas as medidas do governo francês de plantão não pararam
por aí. Além de privar o partido da pequena burguesia de sua
força parlamentar, “desposajaram os pequeno-burgueses
democratas da sua força armada, ao licenciarem a artilharia de
Paris e as 8ª, 9ª e 12ª legiões da guarda nacional (...) A
dissolução dos guarda nacionais suspeitos de republicanismo
repetiu-se por todo o território francês”. Aprovou-se uma “nova lei
contra a imprensa, uma nova lei contra as associações, uma
nova lei sobre o estado de sítio, as prisões de Paris a abarrotar,
os refugiados políticos expulsos, todos os jornais que iam mais
além do que o Nacional, suspensos, Lyon e os cinco
departamentos limítrofes entregues aos enredos brutais do
despotismo militar, tribunais por todo o lado, o tantas vezes já
deputado exército de funcionários, uma vez mais depurado”.
Essas medidas foram aplicadas não “só contra o proletariado,
mas sobretudo contra as classes médias” (Idem:151).
Nem bem o estado de sítio foi retirado, aumentaram as
intrigas entre as frações políticas no seio do Estado e do
parlamento. Marx assevera que “Orleanistas e legitimistas
conservavam rancor às intrigas bonapartistas que se divulgavam
nas viagens principescas, nos intentos mais ou menos visíveis de
emancipação do presidente, na linguagem pretensiosa dos
jornais bonapartistas; Luís Bonaparte guardava rancor a uma
Assembléia Nacional que só considerava legítima a conspiração
legitimista-orleanista e um ministério que o atraiçoava
continuamente em proveito desta Assembléia Nacional”
(Idem:157/58).
O Estado continuava refém da alta burguesia financeira e um
dos ministérios de Bonaparte, o das Finanças, passou ao
controle direito de um dos seus representantes: “O seu ministro
das Finanças era Fould. Foud nas Finanças significava a entrega
oficial da riqueza nacional de França à Bolsa, a administração do
patrimônio do Estado pela Bolsa, e no interesse da Bolsa”
(Idem:162/63). A razão disso se encontrava na dívida pública
contraída e aprofundada pelo governo: “Por que é que é
determinado o fato do patrimônio do Estado cair nas mãos da
alta finança?, pergunta Marx. Pelo crescimento incessante da
dívida do Estado. E o endividamento do Estado? Pelo constante
excesso das despesas sobre as receitas, desproporção que
constitui ao mesmo tempo a causa e efeito do sistema dos
empréstimos públicos” (Idem:165).
Por outro lado, o restabelecimento e aumento de impostos
incidiam sobre o campesinato, razão pela qual o governo, eleito
principalmente com os seus votos, viam se incrementar o ódio
contra os referidos impostos. O camponês se endividava ainda
mais. Para o governo, “O imposto é a quinta divindade ao lado da
propriedade, da família, da ordem e da religião”. A população
camponesa, à época mais de dois terços do total, era “composta
na sua maior parte pelos proprierários de bens de raiz
supostamente livres. A primeira geração, gratuitamente libertada
dos encargos feudais pela revolução de 1789, não tinha pago
nada pela terra. Mas as gerações seguintes pagavam sob a
forma de preço da terra, o que os seus antepassados semi-
escravos tinham pago sob a forma de rendas, décimas, imposto
braçal, etc. Quanto mais crescia a população, mais se acentuava
a divisão da terra, mais aumentava o preço da parcela, pois à
medida em que é insuficiente, aumenta a procura. Mas na
mesma porção em que subia o preço que o camponês pagava
pela parcela – quer a comprasse diretamente, quer ele a
contasse como capital pelos seus co-herdeiros-, aumentava
proporcionalmente o endividamento do camponês, isto é, a
hipoteca (Idem:174).
Nos anos de 1849 e 1850 na França a situação econômica,
social e política apresentava a seguinte posição: de um lado,
obsevava-se uma certa recuperação econômica nos setores da
indústria e do comércio, comparado com a crise de 1847 e seus
reflexos. Marx chega a dizer que as “indústrias parisienses estão
em plena atividade,e também se encontram bem as fábricas
algodoeiras de Ruão e Mulhouse, ainda que aqui, como em
Inglaterra, os preços elevados da matéria-prima tenham refreado
o efeito. O desenvolvimento da prosperidade em França foi, além
do mais, particularmente favorecido pela ampla reforma
aduaneira de Espanha e pela nova baixa de taxas alfandegárias
para os diferentes artigos de luxo no México; a exportação de
mercadorias francesas para ambos os mercados aumentou
consideravelmente. (...) A prova mais evidente da prosperidade
recuperada é o restabelecimento dos pagamentos do Banco em
moeda, por lei de 6 de Setembro de 1850” (Idem:197/198);
De outro, Marx mostra “como a prosperidade do comércio e
da indústria, recuperada no decorrer de 1848 e ainda
amargurada em 1849, paralizou o impulso revolucionário e
tornou possíveis as vitórias simultâneas da reação” (Idem,
ibidem). E apesar do refluxo na radicalidade que foi a marca da
Revolução de 1848 na França e demais países europeus, nos
quais estourou, a luta de classes continua ocorrendo. Significa
dizer que as condições de vida e de trabalho dos setores mais
explorados da população (proletariado, camponeses, camadas
médias arruinadas pela crise) continuavam deploráveis. Assim,
apesar “da prosperidade industrial e comercial de que goza
momentaneamente a França, a massa da população, os 25
milhões de camponeses, sofrem uma grande depressão”
(Idem:201).
Entretanto, a partir de 1851, a “França atravessava uma
pequena crise comercial. Em fins de fevereiro registrou-se um
declínio das exportações em comparação a 1850; em março o
comércio experimentou um revés e as fábricas deixaram de
trabalhar; em abril a situação dos departamentos insdustriais
parecia tão desesperadora como depois das jornadas de
fevereiro, em maio os negócios não tinham ainda tomado pé; em
28 de junho o ativo do Banco de França demonstrava, pelo
enorme aumento dos depósitos e o decréscimo igualmente
grande em adiantamentos contra letras de câmbio, que a
prosução estava paralisada, e só em meados de outubro
começou a produzir-se uma melhora prograssiva nos negócios. A
burguesia francesa atribuía essa paralisação do comércio a
causas puramente políticas, à luta entre o parlamento e o poder
executivo, à precarização de uma forma provisória de governo, à
aterradora perspectiva do segundo domingo de maio de 1852.
Não negarei que todas essas circunstâncias exerciam um efeito
deprimente em alguns ramos da indústria de Paris e dos
Departamentos. Essa influência das condições políticas, contudo,
era apenas local e sem importância. (...) A causa comum que,
naturalmente, não deve ser procurada dentro dos limites do
horizonte francês era evidente. Os anos de 1849 e 1850 foram os
anos de maior prosperidade material e de uma superprodução
que só se manifestou como tal em 1851” (Idem:101/102).
Tal como ocorria com os trabalhadores assalariados nas
fábricas, expostos a uma profunda exploração pelo capital, os
camponeses sentiam o peso dos impostos, das dívidas, das
crises, dos preços, etc. Por isso Marx avalia que “a sua
exploração só se distingue da exploração do proletariado
industrial pela forma. O explorador é o mesmo: o capital.
Individualmente, os capitalistas exploram os camponeses
individualmente através da hipoteca e da usura. A classe
capitalista explora a classe camponesa pelo imposto do Estado.
O título de propriedade é o talismã por meio do qual o capital o
tinha vindo a enfeitiçar até ao momento, pretexto de que se valeu
para o incitar contra o proletariado industrial” Idem:177).
Nesse contexto, “Só por si a queda do capital pode erguer o
camponês; só por si um governo anticapitalista proletário, pode
fazê-lo sair da sua miséria econômica, da sua degradação social.
A República constitucional é a ditadura dos seus exploradores
coligados; a República social-democrática, a República
vermelha, é a ditadura dos seus aliados. E a balança sobe ou
baixa consoante os votos que o camponês deposita na urna
eleitoral. Está-lhe nas mãos decidir a sua sorte. Eis o que diziam
os socialistas nos folhetos, nos almanaques, nos calendários,
nas proclamações de toda a espécie. Esta linguagem tornava-
lhes mais acessível graças aos escritos contrários do partido da
ordem que, dirigindo-se-lhe por sua vez pelo seu grosseiro
exagero, pela brutal interpretação e exposição das ideias e
intenções dos socialistas, terminou por chegar verdadeiramente
ao camponês e excitar o seu apetite do fruto proibido. Mas a
linguagem mais compreensível eram as próprias experiências
que a classe camponesa tinha obtido do uso do direito ao
sufrágio e as decepções que, na precipitação revolucionária, se
abateram sucessivamente sobre si. As revoluções são os
motores da história” (Idem:177/78).
O fato é que as ações do Estado, do governo e do
parlamento burguês contra os camponeses, desde o aumento e
manutenção de pesados impostos (como o imposto sobre as
bebidas), como as condições econômico-sociais do país fazem
com que “pouco a pouco, os camponeses, os pequeno-
burgueses, as camadas médias em geral, se iam colocando ao
lado do proletariado, levados pela oposição aberta contra a
República oficial, tratados por esta como adversários. Revolta
contra a ditadura burguesa, necessidade de uma modificação da
sociedade, manutenção das instituições democrático-
republicanas como seus órgãos motores, agrupamento em torno
do proletariado como força revolucionária decisiva – tais são as
características comuns do chamado partido da social-
democracia, o partido da Reública vermelha” (Idem: 183/184).
Marx, entretanto, expressa o verdadeira caráter do partido
social-democrata: “Esse partido da anarquia, como foi batizado
pelos seus adversários, é, como o partido da ordem, uma
coligação de interesses diferentes. Desde a reforma mínima da
velha desordem social até a subversão da velha ordem social,
desde o liberalismo burguês até ao terrorismo revolucionário, tais
são os polos extremos que constituem o ponto de partida e o
ponto de chegada do partido da ‘anarquia’’ (Idem, Ibidem).
Portanto, o revolucionário alemão tinha clareza que o partido
social-democrata, resultado da ação conjunta entre setores
pertencentes a interesses de classes diferentes era marcado por
contradições entre estratégias políticas frente à luta de classes.
Numa conjuntura político-revolucionária em que setores os
mais diversos em relação às condições de classe, aos objetivos
estratégicos da luta e aos próprios métodos de organização e
luta, era preciso diferenciar claramente as diferentes
perspectivas e interesses de classe. Isso porque o “progresso da
revolução tinha amadurecido tão rapidamente a situação que os
partidários de reformas de toda a espécie, as pretensões mais
modestas das classes médias se viam obrigadas a agreupar-se
em torno da bandeira do partido subversivo mais extremista, em
torno da bandeira vermelha”. Cada fração de classe agrupada
em torno do partido social-democrata, isto é, o partido mais
radical, procurava defender os seus interesses, necessidades e
as suas condições materiais como as mais adequadas para a
emancipação dos explorados, tentando direcionar a organização
e a luta para sua perspectiva quanto à transformação social
desejada. Portanto, as posições sobre o socialismo eram muito
diferentes, se tratasse da pequena-burguesa ou do proletariado.
Diferentemente dos setores da burguesia republicana e da
pequeno-burgueses, com suas idéias abstratas e indefinidas de
transformação social (ora identificadas ao socialismo burguês e
ao socialismo doutrinário), que na verdade na passava de uma
tentativa de minimizar as condições sociais e econômicas
miseráveis do capitalismo, o proletariado, diz Marx, “agrupa-se
cada vez mais em torno do socialismo revolucionário, em torno
do comunismo que a própria burguesia batizou com o nome de
Blanqui. Este socialismo é a declaração permanente da
revolução, da ditadura de classe do proletariado como ponto
necessário de transição para se chegar à supressão das
diferenças de classe em geral, à supressão de todas as relações
de produção nas quais elas assentam, à supressão de todas as
relações sociais que correspondem a essas relações de
produção, à subversão de todas as idéais que emanam destas
relações sociais” (Idem:187).
Diante desse contexto político de reagrupamento das
camadas médias e do campesinato em torno do proletariado e do
desgaste do governo e do parlamento, o governo”desprezado
pelos seus inimigos e maltratado e humilhado diariamente pelos
seus supostos amigos, não via senão um meio de sair daquela
situação desagradável e insustentável: o motim. Um motim em
Paris teria permitido decretar o estado de sítio na capital e nos
departamentos e dominar deste modo as eleições. Por outro
lado, os amigos da ordem ver-se-iam obrigados a fazer
concessões a um governo que tinha conseguido a vitória sobre a
anarquia, se eles próprios não quisessem aparecer como
anarquistas” (Idem:188). As provocações contra o proletariado
organizado se sucederam, mas este “não cedia a nenhuma
provocação para um motim porque estava prestes a fazer uma
revolução” (Idem:189).
O fato é que nas eleições de 10 de Março de 1850 na França
foi eleitos candidatos socialistas, das diferentes vertentes
coligadas, com o proletariado à testa. Napoleão havia sofrido
uma derrota nas eleições parlamentares. Segundo Marx, com “o
10 de Março de 1850, a República constitucional entre numa
nova fase, na fase da sua dissolução. As diferentes frações da
maioria (isto é a maioria do parlamento francês vinculada ao
poder) voltam a unir-se entre si e com Bonaparte. Tornam-se de
novo as defendoras da ordem e ele volta a ser o seu homem
neutro” (Idem:191). A classe dominante, que até então havia
governado por meio do sufrágio universal, diante das condições
desfavoráveis da luta de classes, não tem qualquer pudor de
liquidar com o regimo político embasado no voto.
Como ocorrera em situações anteriores, a pequena
burguesia, através do seus representantes, tentaram esboçar
uma crítica e uma resistência no campo puramente parlamentar,
propondo ao parlamento francês a rejeição do projeto de lei que
extinguia o sufrágio, alegando a sua incompatibilidade com a
Constituição. O partido do governo, diz Marx, “respondeu
dizendo que se fosse necessário se violaria a Constituição, mas
que, no entanto, não havia agora necessidade disso porque a
Constituição era susceptível de toda a espécie de interpretações
e que a maioria era a única competente para decidir da
interpretação correta” (Idem:205). A burguesia, ao rejeitar o
sufrágio universal, “com que se tinha coberto até então, de que
extraía a sua competência, confessa sem subterfúgios: ‘A nossa
vitória manteve-se até agora por vontade do povo; agora há que
consolidá-la contra a vontade do povo’” (Idem:194/195).
A supressão do sufrágio foi imposto pelo governo de
Bonaparte e pela maioria do parlamento francês sem maior
resistência. Para Marx, um “exército de 150.000 homens em
paris, o longo adiamento da decisão, o açaimo da imprensa, a
pusilaminidade da Montanha e dos deputados novamente eleitos,
a calma majestosa dos pequeno-burgueses mas, sobretudo, a
prosperidade comercial e industrial impediram qualquer tentativa
revolucionária por parte do proletariado. O sufrágio universal
tinha cumprido a sua missão. A maioria do povo tinha passado
pela escola de desenvolvimento, que só o sufrágio universal
podia dar numa época revolucionária. Tinha que ser
necessariamente abolido por uma revolução ou pela reação”
(Idem:206). Decretado o fim do sufrágio e imposta uma lei de
imprensa de caça aos jornais da oposição, “o partido
revolucionário e democrata desaparece da cena oficial”
(Idem:209).
Marx desenvolve em A luta de classes na França uma
análise magistral das condições materiais que estão na base das
contradições políticas pó-Revolução de 1848, em particular a
impossibilidade histórica do advento de uma nova revolução
social na França com a recuperação econômica e o
desenvolvimento capitalista. Segundo Marx, sob” esta
prosperidade geral, em que as forças produtivas da sociedade
burguesa se desenvolvem tão abundantemente quanto o
permitem o condicionalismo burguês, não se saberia falar de
verdadeira revolução. Semelhante revolução só é possível nos
períodos em que este dois fatores, as modernas forças
produtivas e as formas burguesas de produção entram em
conflito umas com as outras. As diversas querelas a que se
entregam por agora os representantes das diferentes frações do
partido da ordem continental e em que se comprometem
reciprocamente bem longe de darem ocasião a novas
revoluções, só são possíveis, pelo contrário, porque a base das
relações é, no momento, tão segura e – fato que a reação ignora
– tão burguesa. (...). Todas as tentativas de reação para conter o
desenvolvimento burguês, aí se destruirão tão fortemente como
toda a indignação moral e todas as proclamações entusiasmadas
dos democratas”. E conclui: “Uma nova revoção só será possível
como consequência de uma nova crise. Mas uma é tão certa
como a outra” (Idem:202/203).
Não obstante mais uma derrota da forças coligadas no
partido social-democrata e a imposição pelo governo e
parlamento da supressão do sufrágio e de uma lei contra a
imprensa livre, os atritos entre as frações coligadas no partido da
ordem e entre estas e Bonaparte continuavam: “os incessantes
atritos entre Bonaparte e a Assembléia Nacional; a ameaça
constantemente renovada do partido da ordem se decompor nos
seus diferentes elementos constitutivos e a incessantemente
repelida fusão das suas frações; a tentativa de cada fração em
converter cada vitória sobre o inimigo comum numa derrota
momentânea dos aliados; os ciúmes, ódios e as mútuas críticas
severas, o contínuo desembainhar das espadas, que acaba
sempre num novo beijo Lamourette, toda essa deplorável
comédia de equívocos não se tinha desenvolvido nunca de um
modo mais clássico como durante estes últimos seus meses”
(Idem:210).
As condições históricas concretas, as contradições
econômicas e a dinâmica da luta de classes na França, com o
avanço das intrigas das frações burguês no âmbito do Estado e
das instituições parlamentares, a crise entre a Assembléia
Nacional e o presidente do país, criavam as bases para o
advento do bonapartismo: o golpe de Estado personificado na
figura de Luis Napoleão, de 2 de Dezembro de 1851. Essa
análise inicial seria desenvolvida na obra seguinte: O 18
Brumário de Luis Bonaparte, escrito entre dezembro de 1851 e
março de 1852, publicado em Nova York, na revista Die
Revolution, em 1952.16
16Karl Marx, O 18 Brumário e Cartas a Kugelmann (São Paulo, Paz e Terra, 1971).
O fundamental do regime Bonapartista era que “o Estado
parece tornar-se completamente autônomo. A máquina do
Estado consolidou a tal ponto a sua posição em face da
sociedade civil que lhe basta ter à frente o chefe da sociedade de
10 de Dezembro, um aventureiro surgido de fora, glorificado por
uma soldadesca embriagada, comprada com aguardente e
salsichas e que deve ser constantemente recheada de salsichas.
Daí o pusilâmine desalento, o sentimento de terrível humilhação
e degradação que oprime a França e lhe corta a respiração. A
França se sente desonrada”. Mas só aparentemente o Estado se
encontra acima das classes e da luta entre elas. Na verdade, diz
Marx, “o poder estatal não está suspenso no ar. Bonaparte
representa uma classe, e justamente a classe mais numerosa da
sociedade francesa, os pequenos (Parzellen) camponeses”
(1977:114/115), a expressiva maioria da população francesa e
saudosista de Napoleão Bonaparte.
Tendo o campesianato e as classes médias como ponto de
apoio, como base social para o golpe e manutenção do poder,
Luis Napoleão, o sobrinho de Napoleão Bonaparte, mas, de fato,
representava em última instante (diante dos atritos e
desentedimentos das frações burguesas em disputa e do
desenvolvimento da luta de classes) a manutenção da
propriedade privada burguesa e, portanto, a dominação de
conjunto da burguesia. De fato, “depois do golpe de Estado, a
burguesia francesa gritava: Só o chefe da Sociedade de 10 de
Dezembro (isto é Luis Bonaparte!) pode salvar a sociedade
burguesa! Só o roubo pode salvar a propriedade; o perjúrio, a
religião; a bastardia, a família; a desordem, a ordem!” (Idem:123).
Portanto, conclui Marx, “Bonaparte gostaria de aparecer como o
benfeitor patriarcal de todas as classes. Mas não pode dar a uma
classe sem tirar de outra” (Idem:124/125).
De fato, o sobrinho do imperador Napoleão Bonaparte, Luis
Bonaparte, não era mais que uma caricatura do tio. O que
possibilitou a subida e permanência ao poder do Estado francês
por esse personagem da história foram as condições sociais,
polítias e econômicas da época, em que uma figura cômica se
torna uma alternativa real para a classe dominante diante das
disputas e desentendimento entre suas frações, do
inconformismo das classes médias e da impossibilidade de
tomada do poder pela classe operária.
Por isso, no início de O 18 Brumário, Marx sintetiza a
natureza desse acontecimento histórico: “Hegel observa em uma
de suas obras que todos os fatos e personagens de grande
importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas
vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como
tragédia, a segunda como farsa. Caussidiére por Danton, Luis
Blanc por Robespierre, a Montanha de 1848-1851 pela Montanha
de 1793-1795, o sobhinho pelo tio. E a mesma caricatura ocorre
nas circunstâncias que acompanham a segunda educação do
Dezoito Brumário!” (Idem:17). No final da obra, Marx vaticina:
“Mas quando o manto imperial cair finalmente sobre os ombros
de Luis Bonaparte, a estátua de bronze de Napoleão ruirá do
topo da Coluna Vendôme” (Idem:126).
É preciso realçar algumas aquisições fundamentais de O 18
Brumário de Luis Bonaparte. Nesta obra, Marx apresenta de
forma contudente a sua concepção do papel do indivíduo na
história. Já em A luta de classes na França (1848-1850), Marx
havia dito: “Toda a época social necessita dos seus grandes
homens e, se não os encontra, inventava-os, como disse
Helvetius” (Idem:138). Situava a ação dos indivíduos em seu
contexto histórico concreto, na trama dos acontecimentos e na
dinâmica do conflito de interesses materiais e políticos das
classes sociais, nas condições construídas pela geração anterior,
nas relações sociais de produção correspondentes a um
determinado nível das forças produtivas.
Em O 18 Brumário de Luis Bonaparte, destaca mais
claramente o papel do indivíduo na história: “Os homens fazem
sua história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob
circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se
defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A
tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo
o cérebro dos vivos. E justamente quando parecem empenhados
em revolucionar-se a si e às coisas, em criar algo que jamais
existiu, precisamente nesses períodos de crise revolucionária, os
homens conjuram ansiosamente em seu auxílio os espíritos do
passado, tomando-lhes emprestado os nomes, os gritos de
guerra e as roupagens, a fim de apresentar e nessa linguagem
emprestada.” (1977:17/18).
Para Marx, o “exame dessas conjurações de mortos da
história do mundo revela de pronto uma diferença marcante.
Camile Desmoulins, Danton, Robespierre, Saint-Just, Napoleão,
os heróis, os partidos e as massas da velha Revolução
Francesa, desempenharam a tarefa de sua época, a tarefa de
libertar e instaurar a moderna sociedade burguesa, em trajes
romanos e com frases romanas. Os primeiros reduziram a
pedaços a base feudal e deceparam as cabeças feudais que
sobre ela haviam crescido. Napoleão, por seu lado, criou na
França as condições sem as quais não seria possível
desenvolver a livre concorrência, explorar a propriedade territorial
dividida e utilizar as forças produtivas industriais na nação que
tinham sido libertadas; além das fronteiras da França ele varreu
por toda parte as instituições feudais, na medida em que isto era
necessário para dar à sociedade burguesa da França um
ambiente adequado e atual no continente europeu. Uma vez
estabelecida a nova formação social, os colossos antediluvianos
desapareceram, e com eles a Roma ressurrecta – os Brutus, os
Gracos, Os Publícolas, os tribunos, os senadores e o próprio
César. A sociedade burguesa, com seu sóbrio realismo, havia
gerado seus verdadeiros intérpretes e porta-vozes nos Says,
Cousins, Royer-Collards, Benjamim Constants e Guizots”
(Idem:18). Da mesma forma que as condições históricas
necessitaram de homens capazes de levar a frente o processo
de luta contra o poder feudal e sua estrutura sócioeconômica, e,
uma vez no poder, o novo contexto histórico necessitou e
produziu homens à altura da nova tarefa de legitimá-lo.
Outra lição importante da obra é a reflexão empreendida por
Marx sobre o caráter das revoluções burguesas do passado e as
revoluções proletárias. Para ele, a “revolução social do século
dezenove não pode tirar a sua poesia do passado, e sim do
futuro. Não pode iniciar sua tarefa enquanto não se despojar de
toda veneração supersticiosa do passado. As revoluções
anteriores tiveram que lançar mão de recordações da história
antiga para se iludirem quanto ao próprio conteúdo. A fim de
alcançar seu próprio conteúdo, a revolução do século dezenove
deve deixar que os mortos enterrem seus mortos. Antes a frase
ia além do conteúdo; agora é o conteúdo que vai além da frase”
(Idem:20).
Para tanto, as “revoluções burguesas, como as do século
dezoito, avançam rapidamente de sucesso em sucesso; seus
efeitos dramáticos excedem uns aos outros; os homens e as
coisas se destacam como gemas fulgurantes; o extase é o
estado permanente da sociedade; mas estas revoluções têm vida
curta; logo atingem o auge, e uma longa modorra se apodera da
sociedade antes que esta tenha aprendido a assimilar
serenamente os resultados de seu período de luta e embates. Po
outro lado, as revoluções proletárias, como as do século
dezenove, se criticam constantemente a si próprias, interrompem
continuamente seu curso, voltam ao que parecia resolvido para
recomeçá-lo outra vez, escarnecem com impiedosa consciência
as deficiências, fraquezas e misérias de seus primeiros esforços,
parecem derrubar seu adversário apenas para que este possa
retirar da terra novas forças e erguer-se novamente, agigantado,
diante delas, recuam constantemente ante a magnitude infinita
de seus próprios objetivos até que se cria uma situação que
torna impossível qualquer retrocesso e na qual as próprias
condições gritam: Hic Rhodus, hic salta! Aqui está Rodes, salta
aqui!” (Idem:21).
Finalmente, quanto ao O 18 Brumário de Luis Bonaparte, de
Marx, é preciso realçar as suas contribuições sobre o caáter e a
dinâmica do processo revolucionário de 1848, o caráter das
classes e a luta entre elas, além dos desdobramentos políticos
da revolução européia. Neste sentido, Marx aprimora, aprofunda
e desenvolve a análise empreendida no texto anterior, A luta de
classe na França. Sobre o caráter da Revolução de 1848 na
França, Marx diz que seu primeiro periodo (da queda da
monarquia de uis Filipe, em 24 de fevereiro de 1848, a 4 de maio
do mesmo ano, com a instalação da Assembléia Constituinte) é o
prólogo da revolução, isto é, a improvisação de um governo
provisório, em que nada “e ninguém se atrevia a reclamar para si
o direito de existência ou de ação real. Todos os elementos que
haviam preparado ou feito a revolução – a oposição dinástica, a
burguesia republicana, a pequena burguesia democrático-
republicana e os trabalhadores social-democratas – encontram
provisoriamente seu lugar no governo de fevereiro”. O objetivo
deste período era a realização da “reforma eleitoral, pela qual
seria alargado o círculo dos elementos politicamente privilegiados
da própria classe possuidora e derrubado o domínio exclusivo da
aristocracia financeira” (Idem:23/24).
Ocorre que uma nova força social e política entre na cena
histórica revolucionária: a classe operária. O proletariado
levantou barricadas, participou da derrubada da monarquia de
armas em punho. Neste sentido, tendo-a “conquistado de armas
na mão, o proletariado imprimiu-lhe sua chancela e proclamou-a
uma república social. Indicava-se, assim, o conteúdo geral da
revolução moderna, conteúdo esse que estava na mais singular
contradição com tudo que, com o material disponível, com o grau
de educação atingido pelas massas, dadas as circunstâncias e
condições existentes, podia ser imediatamente realizado na
prática. Por outro lado, as pretensões de todos os demais
elementos que haviam colaborado na Revolução de Fevereiro
foram reconhecidas na parte de leão que obtiveram no governo.
(....) Enquanto o proletariado de Paris deleitava-se ainda ante a
visão das amplas perspectivas que se abriam diante de si e se
entregava a discussões sérias sobre os problemas sociais, as
velhas forças da sociedade se haviam agrupado, reunido,
concertado e encontrado o apoio inesperado da massa da nação:
os camponeses e a pequena burguesia, que se precipitaram de
golpe sobre a cena política depois que as barreiras da monarquia
de julho caíram por terra (Idem:24).
O segundo período, analisado por Marx, é o da constituição
da República burguesa, que vai de 4 maio de 1848 a fins de maio
de 1849. depois da jornadas de fevereiro, constitui-se a
Assembléia Nacional como representante de toda a nação por
meio de eleições. A revolução era conduzida aos seus limites
propriamente burgueses pela classe dominante. Percebendo a
verdadeira natureza da Assembléia Nacional e a tentativa de
sufocar o avanço revolucionário, a classe operária tenta a 15 de
maio “anular pela força a sua existência, dissolvê-la, desintegrar
novamente em suas partes componentes, o organismo por meio
do qual o ameaçava o espírito reacionário da nação. Como se
sabe, o 15 de maio não teve outro resultado senão o de afastar
Blanqui e seus camaradas, isto é, os verdadeiros dirigentes do
partido proletário da cena pública durante todo o ciclo que
estamos considerando”. Para a burguesia, as “reivindicações do
proletariado de Paris são devaneios utópicos, a que se deve por
um paradeiro” (Idem:25).
Pois bem, às manipulações da burguesia, por meio do seu
isntrumento, a Assembléia Nacional Constituinte, o proletariado
de Paris “respondeu com a Insurreição de Junho, o
acontecimento de maior envergadura na história das guerras
civis da Europa. A república burguesa triunfou. A seu lado
alinhavam-se a aristocracia financeira, a burguesia industrial, a
classe média, a pequena-burguesia, o exército, o lupem-
proletariado organizado em Guarda Movel, os inlectuais de
prestígio, o clero e a população rural. Do lado do proletariado de
Paris não havia senão ele próprio. Com essa derrota o
proletariado passa para o fundo da cena revolucionária. Tenta
readquirir o terreno perdido em todas as oportunidades que se
apresentam, sempre que o movimento parece ganhar novo
impulso, mas com uma energia cada vez menor e com
resultados sempre menores. (...) Os dirigentes mais importantes
do proletariado na Assembléia e na imprensa caem
sucessivamente, vítima dos tribunais, e figuras cada vez mais
equívocas assumem a sua direção” (Idem, ibidem).
A derrota de junho, lança o proletariado “em parte a
experiências doutrinárias, bancos de intercâmbio e associações
operárias, ou seja, a um moivmento no qual renuncia a
revolucionar o velho mundo com ajuda dos grandes recursos que
lhe são próprios, e tenta, pelo contrário, alcançar sua redenção
independentemente da sociedade, de maneira privada, dentro de
suas condições limitadas de existência, e, portanto, tem por força
que fracassar. Parece incapaz de descobrir nvoamente em si a
grandeza revolucionária ou de retirar novas energias dos novos
vínculos que criou, aaté que todas as classesi contra as quais
lutou em junho estão, elas próprias, prostradas ao seu lado. Mas
pelo menos sucumbe com as honras de uma grande luta
histórico-universal; não só a França mas toda a Europa treme
diante do terremoto de junho, ao passo que as sucessivas
derrotas das classes mais altas custam tão pouco que só o
exagero descarado do partido vitorioso pode fazê-las passar por
acontecimentos, e são tanto mais ignominiosas quanto mais
longe do proletariado está o partido derrotado” (Idem:26).
Marx conclui que a derrota do proletariado cria as condições
para a edificação da dominação burguesia na forma política da
república burguesa e que esta nada mais expressava que “o
despotismo ilimitado de uma classe sobre as outras” (Idem,
ibidem). Que todas as “classes e partidos se haviam congregado
no partido da ordem, contra a classe proletária, considerada
como partido da anarquiai, do socialismo, do comunismo. Tinham
‘salvo’ a sociedade dos ‘inimigos da sociedade’. Tinham dado
como senhas a seu exército as palavras de ordem da velha
sociedade – ‘propriedade, família, religião, ordem’” (Idem:27). À
derrota do proletariado sucede a mão de ferro da burguesa, a
sua contra-revolução, impondo aos revolucionários as mais duras
privações de liberdade de organização, de expressão, de
reunião, levando-os ao cárcere, deportações, ao exílio e aos
tribunais.
Marx desenvolve uma análise penetrante da estrutura e
dinâmica das classes sociais do período da Revolução de 1848
até o golpe de Luis Bonaparte, suas diversas frações, seus
conflitos de interesses, refletindo-se nas disputas políticas pelo
poder do Estado e nas eleições parlamentares. Expõe uma
análise materialista das determinações das classes sociais. No
essencial, Marx destaca, quando da análise das facções
monárquicas, que o “que separava as duas facções eram as
suas condições materiais de existência, duas diferentes espécies
de propriedade, era o velho contraste entre a cidade e o campo,
a rivalidade entre o capital e o latifúndio. Que havia, ao mesmo
tempo, velhas recordações, inimizades pessoais, temores e
esperanças, preconceitos e ilusões, simpatias e antipatias,
convicções, questões de fé e de princípio que as mantinham
ligadas a uma ou a outra casa real – quem o nega? Sobre as
diferentes formas de propriedade, sobre as condições sociais,
maneiras de pensar e concepções de vida distintas e
peculiarmente constituídas. A classe inteira os cria e os forma
sobre a base de suas condições materiais e das relações sociais
correspondentes. O indivíduo isolado, que as adquire através da
tradição e da educação, poderá imaginar que constituem os
motivos reais e o ponto de partida de sua conduta. Embora
orleanistas e legitimistas, embora cada facção se esforçasse pro
convencer-se e convencer os outros de que o que as separava
era sua lealdade às duas casa reais, os fatos provaram mais
tarde que o que impedia a união de ambas era mais a
divergência de seus interesses. E assim como na vida privada se
diferencia o que um homem pensa e diz de si mesmo do que ele
realmente é e faz, nas lutas históricas deve-se distinguir mais
ainda as frases e as fantasias dos partidos de sua formação real
e de seus interesses reais, o conceito que fazem de si do que
são na realidade” (Idem:45/46).
Da fração republicana da burguesia, Marx acentuava que
“Não era uma fração da burguesia unida por grandes interesses
comuns e destacadas das outras por condições específicas de
produção. Era um grupo de burgueses de idéias republicanas –
escritores, advogados, oficiais e funcionários de categoria que
deviam sua influência às antipatias pessoais do país contra Luis
Filipe, à velha república, à fé republicana de um grupo de
entusiastas, e sobretudo ao nacionalismo francês, cujo ódio aos
acordos de Viena e à aliança com a Inglaterra eles atiçavam
constantemente.(...) Combatia a aristocracia financeira da
mesma forma que todo o resto da oposição burguesa. (...) A
burguesia industrial estava-lhe agradecida por sua servil defesa
do sistema protecionista francês, que ele aceitava, porém, mais
por razões nacionais do que no interesse da economia nacional;
a burguesia, como um todo, estava-lhe agradecida por suas
torpes denúncias contra o comunismo e o socialismo. Quanto ao
mais, o partido do National era puramente republicano, ou seja,
exigia que a dominação burguesa adotasse formas republicanas
ao invés de monárquicas e, principalmente, exigia a parte do leão
nesse domínio” (Idem:28/29).
Relativo à pequena burguesia, que, junto com represetantes
do proletariado formaram uma coligação chamada social-
democracia, defendia reivindicações democráticas, direcionando
as suas forças para o parlamento, para as disputas eleitorais, no
sentido de “exigir instituições democrático-republicanas como
meio não de acabar com dois extremos, capital e trabalho
assalariado, mas de enfraquecer seu antagonismo e transformá-
lo em harmonia. Por mais diferentes que sejam as medidas
propostas para alcançar esse objetivo, por mais que sejam
enfeitadas com concepções mais ou menos revolucionárias, o
conteúdo permanece o mesmo. Esse conteúdo é a
transformação da sociedade por um processo democrático,
porém uma transformação dentro dos limites da pequena
burguesia. Só que não se deve formar a concepção estreita de
que a pequena burguesia, por princípio visa a impor um interesse
de classe egoísta. Ela acredita, pelo contrário, que as condições
especiais para sua emancipação são as condições gerais sem as
quais a sociedade moderna não pode ser salva nem evitada a
luta de classes. Não se deve imaginar tampouco, que os
representantes democráticos sejam na realidade todos os
shopkeepers (lojistas) ou defendores entusiastas destes últimos.
Segundo sua formação e posição individual podem estar tão
longe dda pequena burguesia como o céu da terra. O que os
torna representantes da pequena burguesia é o fato de que sua
mentalidade não ultrapassa os limites que esta não ultrapassa na
vida, de que são consequentemente impelidos, teoricamente,
para os mesmos problemas e soluções para os quais o interesse
material e a posição social impelem, na prática, a pequena
burguesia. Esta é, em geral, a relação que existe entre os
representantes políticos e literários de uma classe e a classe que
representam” (Idem:48).
Como tal, diferentemente do proletariado, cuja força se
encontra nas ruas, em suas manifestações, greves, ocupações,
bloqueis, assembléias, a força da pequena burguesia “estava na
própria Assembléia Nacional” (Idem:49). Neste sentido, para
Marx, o “democrata, por representar a pequena burguesia, ou
seja, uma classe de transição, na qual os interesses de duas
classes perdem simultaneamente suas arestas, imagina estar
acima do antagonismo de classes em geral. Os democratas
admitem que se defrontam com uma classe privilegiada, mas
eles, com todo o resto da nação, constituem o povo. O que eles
representam é o direito do povo; o que interessa a eles é o
interesse do povo. Por isso, quando um conflito está iminente,
não precisam analisar os interesses e as posições das diferentes
classes. Não precisam pesar seus próprios recursos de maneira
demasiado crítica. Têm apenas que dar o sinal e o povo, com
todos os seus inexauríveis recursos, cairá sobre os opressores”
(Idem:51/52).
O campesinato francês, na época a maioria da população,
por sua vez, é analisado por Marx dessa forma: “milhões de
famílias camponesas vivem em condições econômicas que as
separam umas das outras, e opõem o seu modo de vida, os seus
interesses e sua cultura aos das outras classes da sociedade,
estes milhões constituem uma classe. Mas na medida em que
existe entre os pequenos camponeses apenas uma ligação local
e em que a similitude de seus interesses não cria entre eles
comunidade alguma, ligação nacional alguma, nem organização
política, nessa exata medida não constituem uma classe. São
consequentemente, incapazes de fazer valer seu interesse de
classe em seu próprio nome, que através de um parlamento,
quer através de uma convenção. Não podem representar-se, ao
mesmo tempo, têm que ser representados. Seus representantes
tem, ao mesmo tempo, que aparecer como seu senhor, como
autoridade sobre eles, como um poder governamental ilimitado
que os protege das demais classes e que do alto lhes manda o
sol ou a chuva. A influência política dos pequenos camponeses,
portanto, encontra sua expressão final no fato de que o poder
executivo submete ao seu domínio a sociedade” (Idem:115/116).
Os camponeses continuaram submetidos a condições
difíceis, mesmo depois da ruina do feudalismo e da ascensão do
capitalismo: “no decorrer do século dezenove, os senhores
feudais foram substituídos pelos usurários urbanos; o imposto
feudal referente à terra foi substituído pela hipoteca; a
aristocrática propriedade rural foi substituída pelo capital
burguês. A pequena propriedade do camponês é agora o único
pretexto que permite ao capitalista retirar lucros, juros e renda do
solo, ao mesmo tempo que deixa ao próprio lavrador o cuidado
de obter o próprio salário como puder. A dívida hipotecária que
pesa sobre o solo francês impõe ao campesinato o pagamento
de uma soma de juros equivalente aos juros anuais do total da
dívida nacional britânica. A pequena propriedade, nesse
escravizamento ao capital a que seu desenvolvimento
inevitavelmente conduz, transformou a massa da nação francesa
em trogloditas. Dezesseis milhões de camponeses (inclusive
mulheres e crianças) vivem em antros, a maioria dos quais só
dispõe de uma abertura, outros apenas duas e os mais
favorecidos apenas três. E as janelas são para uma casa o que
os cinco sentidos são para a cabeça. A ordem burguesa que no
princípio do século pôs o Estado para montar guarda sobre a
recém-criada pequena propriedade e premiou-a com lauréis,
tornou-se um vampiro que suga sangue e sua medula, atirando-a
no caldeirão alquimista do capital. O Code Napoléon já não é
mais do que um código de arrestos, vendas forçadas e leilões
obrigatórios. Aos quatro milhões (inclusive crianças etc.),
oficialmente reconhecidos, de mendigos, vagabundos,
criminosos e prostitutas da França devem ser somados cinco
milhões que pairam à margem da vida e que ou têm seu pouso
no próprio campo ou, com seus molambos e seus filhos,
constantemente abandonam o campo pelas cidades e as cidades
pelo campo. Os interesses dos camponeses, portanto, já não
estão mais, como ao tempo de Napoleão, em consonância, mas
sim em oposição com os interesses da burguesia, do capital. Por
isso os camponeses encontram seu aliado e dirigente natural no
proletariado urbano, cuja tarefa é derrubar o regime burguês
(Idem:119/120).
Além da análise da dinâmica das relações de classe, Marx
expresa na obra O 18 Brumário a natureza do Estado na
sociedade burguesa. Enfocando a estrutura do Estado burguês
na França, Marx avalia que “em um país como a França, onde o
poder executivo controla um exército de funcionários que conta
mais de meio milhão de indivíduos e portanto mantém uma
imensa massa de interesses e de existências na mais absoluta
dependência; onde o estado enfeixa, controla, regula,
superintende e mantém sob tutela a sociedade civil, desde suas
mais amplas manifestações de vida até suas vibrações mais
insignificantes, desde suas formas mais gerais de
comportamento até a vida privada dos indivíduos; onde através
da mais extraordinária centralização, esse corpo de parasitas
adquire uma ubiquidade, uma onisciência, uma capacidade de
acelerada mobilidade e uma elasticidade que só encontra
paralelo na dependência desamparada, no caráter caoticamente
informe do próprio corpo social – compreende-se que em
semelhante país a Assembléia Nacional perde toda a influência
real quando perde o controle das pastas ministeriais, se não
simplifica ao mesmo tempo a administração do Estado, reduz o
corpo de oficiais do exérctio ao mínimo possível e, finalmente,
deixa a sociedade civil e a opinião pública criarem órgãos
próprios, independentes do poder governamental. Mas é
precisamente com a manutenção dessa dispendiosa máquina
estatal em suas numerosas ramificações que os interesses
materiais da burguesia francesa estão entrelaçados da maneira
mais íntima. Aqui encontra postos para sua população excedente
e compensa sob forma de vencimentos o que não pode embolsar
sob a forma de lucros, juros, rendas e honorários. Por outro lado,
seus interesses políticos forçavam-na a aumentar diariamente as
medidas de repressão e, portanto, os recursos e o pessoal do
poder estatal, enquanto tinha ao mesmo tempo que empenhar-se
em uma guerra ininterrupta contra a opinião pública e
receiosamente mutilar e paralisar os órgãos independentes do
movimento social, onde não conseguia amputá-los
completamente” (Idem:58/59).
O estado, na compreensão de Marx, aparece como
efetivamente ele é, uma articulação de órgãos, poderes e
instituições a serviço da classe dominante. Marx deixa claro que
todas “as revoluções aperfeiçoaram essa máquina, ao invés de
destroçá-la. Os partidos que disputavam o poder encaravam a
posse dessa imensa estrutura do Estado como o principal espólio
do vencedor” (Idem:114).
Sobre esse período, é necessário destacar ainda a síntese
empreendida por Engels dos acontecimentos revolucionários de
1848 na Alemanha, da derrota do proletariado desse país e do
processo de contra-revolução que se seguiu aos eventos
revolucionários. Essa análise consta da obra Revolução e contra-
revolução na Alemanha, composta por artigos escritos por
Engels (embora aparecessem assinados por Marx quando da
publicação) entre agosto de 1851 e setembro de 1852,
publicados no jornal New York Daily Tribune entre outubro de
1851 e outubro de 1852.
Sem dúvida, o texto de Engels completa e desenvolve a
análise dos acontecimentos de 1848-1849 para a Alemanha,
mostrando o papel reacionário da burguesia, em aliança com a
outros setores conservadores, contra o proletariado em luta.
Marx e Engels haviam extraído com esse conjunto de
documentos as lições mais importantes para os próximos
combates da classe operária e fizeram ao mesmo tempo avançar
as suas análises sobre a luta de classes na sociedade burguesa.
ConclusãoA decadência do capitalismo e a necessidade de
estudar o marxismo para compreender a realidade e transformá-la
A conclusão desta pequena síntese da vida e da obra de
Marx e Engels não só pode ser outra senão que devemos
estudar com profundidade o marxismo e nos organizarmos nos
movimentos sociais, nos sindicatos e partidos políticos para
transformar-mos a realidade social, superar a sociedade
capitalista e sua base, a propriedade privada dos meios de
produção, e contruir uma nova sociedade, fundada na
propriedade coletiva e no trabalho associado.
Marx e Engels mostraram cientificamente a estrutura, a
dinâmica e as contradições do capitalismo, que geram sua
decadência, isto é, o confronto entre o alto desenvolvimento das
forças produtivas e as relações de produção e troca, que se
tornaram definitivamente um estorvo para a humanidade e para o
conjunto dos trabalhadores assalariados em particular. A classe
operária e o demais explorados (camponeses, classe média
arruinada, demais assalariado, juventude pobre) sentem na pele
o peso das contradições sociais, políticas e econômicas da
sociedade burguesa.
O capitalismo fez avançar a ciência, a técnica e a
organização do trabalho, movido pela concorrência entre os
capitais e a necessidade de lucro. Estimulou em sua fase
progressiva o desenvolvimento das forças produtivas. Ocorre
que essas mesmas forças produtivas hoje se tornaram uma
potência para além das possibilidades dos mercados
consumidores de todo o mundo. É que a aplicação das forças
produtivas só são interessantes para os capitalistas na medida
em que proporcionam lucro e levam à acumulação de capitais. A
técnica, a ciência e a organização do trabalho se entrelaçam com
o interesse do lucro e só neste limite são incentivados e
aplicados à produção. O capital não se importa com as
necessidades coletivas dos trabalhadores.
Na medida em que avança a técnica e se aplica a tecnologia
moderna ao processo de produção alargam também o
desemprego estrutural. Não por causa das máquinas e da
tecnologia, mas por seu controle pelo capital e por sua aplicação
capitalista. O choque entre as forças produtivas e as relações de
propriedade privada e das trocas burguesas se expressam nas
crises, no desemprego, na fome, na miséria e na destruição da
natureza. O desenlace tem de ser produto da luta de classes do
proletariado e demais explorados contra a burguesia e sua
propriedade privada.
Não tem sentido, portanto, querer humanizar ou reformar o
capitalismo. Este sistema econômico-social é irreformável, seu
fundamento é a exploração do trabalho e a acumulação privada
de riquezas. As tentativas, desde o século XIX, de reformar o
capitalismo e criar limites humanitários à sanha de lucro do
capital não conduziram senão à impotência. O ideal de um
capitalismo organizado, racional e mais humana naufragaram em
crises, guerras, revoluções e contrarrevoluções, isto é, foi o
imperialismo que se impôs como fase de decadência do
capitalismo. As conquistas obtidas pela classe operária e demais
explorados foram resultado do avanço de suas lutas e de sua
organização política. Nas condições desfavoráveis da luta de
classes para os trabalhadores, quandos estes retrocederam
política e organizativamente, a burguesia não vacilou em destruir
as conquistas sociais.
Marx e Engels compreenderam o caráter irreformável do
capitalismo e as tendências imanentes às suas contradições
econômico-sociais, que criavam as condições objetivas para a
superação da sociedade de classes. O caráter cada vez mais
social da produção e do trabalho, a internacionalização das
relações econômicas, o avanço da indústria, da técnica e da
ciência são as condições materiais para a construção de uma
nova sociedade. Mas não são suficientes. O capitalismo, por
mais que decaia em crises, fome, miséria, opressão e destruição
ambiental, terá de ser derrubado por obra da classe operária e
da maioria explorada da sociedade. O avanço da barbárie em
todo o mundo, com as guerras, o desemprego e as condições de
miséria dos povos deixam claro a necessidade de uma via
socialista para responder ao atual estado de coisas.
O desenlace da crise mundial do capitalismo passa, portanto,
pela organização política da classe operária e da maioria
explorada em partido político próprio, que tenha como referencial
a estratégia do socialismo, isto é, da revolução proletária e da
conquista do poder, para reorganizar a sociedade e a economia
em bases coletivas, voltando a produção da riqueza e as forças
produtivas para as reais necessidades dos trabalhadores. Sem a
satisfação da condição subjetivo, a constituição da classe
operária em partido político e o avanço da consciência de classe
sobre a necessidade de tomar os destinos da sociedade e da
economias em suas mãos não há como superarmos o
capitalismo e abrir uma nova etapa na história da humanidade, o
socialismo.
Marx e Engels mostraram um caminho sólido para a vitória: a
articulação indissolúvel entre teoria e prática, entre as idéias e a
ação, entre o conhecimento e a realidade, que se pretende
transformar. Eis a tarefa colocada: assimilar o marxismo e,
dialeticamente, atuar na luta de classes.
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