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DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, REGULAÇÃO ECONÔMICA E DEFESA DA CONCORRÊNCIA:
REFLEXÕES SOBRE AS NOVAS FORMAS DE INTERVENÇÃO ECONÔMICA EM UMA POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO(**)
Luiz Carlos Delorme Prado((((∗∗∗∗))))
RESUMO
Este ensaio pretende discutir o papel de um tipo particular de intervenção
econômica, a regulação e a defesa da concorrência, para o processo
recente de mudança estrutural de economias em desenvolvimento. O artigo
sustenta a tese de que nos países em desenvolvimento as legislações de
defesa da concorrência e as agências reguladoras têm papel distinto das que
tinham em países desenvolvidos. Seu papel principal não é o de melhorar a
alocação de recursos em uma economia que já alcançou elevado nível de
eficiência produtiva e que já incorpora as tecnologias mais avançadas
disponíveis. Nesse caso, seu principal papel é contribuir para aumentar o nível
de investimento e maximizar o bem-estar da sociedade em um contexto
dinâmico, ou seja, contribuir para a eficácia das políticas de desenvolvimento.
PALAVRAS CHAVE Intervenção do Estado e Reforma Econômica Instituições, Desenvolvimento e Regulação Econômica. CLASSIFICAÇÃO NA JEL N40- General, International and Comparative. A14- Sociology of Economics L51- Economics of Regulation Considerações Iniciais Gerald Méier (1984, p.3), um dos primeiros professores de Desenvolvimento
Econômico, afirmava que esta área é simultaneamente uma das mais antigas e atuais
da Economia1. Lembrava esse autor que a principal questão tratada pelos
economistas clássicos, as raízes do crescimento econômico e o processo de mudança
(**) – Uma versão anterior desse trabalho foi apresentada no 32º Encontro Anual da Anpocs. Agradeço os comentários proferidos pelos participantes do Grupo de Trabalho: Dimensões Contemporâneas do
Desenvolvimento. Agradeço em especial a professora Maria Antonieta Leopoldi por sua leitura atenta da primeira versão do paper e suas úteis considerações. As reflexões desse trabalho originaram-se de observações surgidas durante meus dois mandatos como conselheiro do CADE e o rico ambiente de debate teórico e institucional que desfrutei nesse período. Agradeço, em especial, a Elisabeth Farina; Paulo Furquim Azevedo; Ricardo Cueva, Abraham Sicsú; Luis Schartz, Fernando de Magalhães Furlan e Luis Fernando Rigatto. (∗) - Professor do Instituto de Economia da UFRJ, E-Mail: [email protected] 1 - Gerald Meier iniciou sua carreira de professor como Rhodes Scholar na Universidade de Oxford, ensinando Economics of Poor Countries. Ele foi o autor, inicialmente com Robert E. Baldwin, e posteriormente em seu nome exclusivo do livro Leading Issues in Economic Development, considerado o primeiro livro texto de economia do desenvolvimento nos Estados Unidos, que teve várias edições e foi traduzido para muitas línguas. Durante a maior parte de sua carreira Gerald Méier foi professor em Stanford, onde ensinou por mais de trinta anos esse tema.
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econômica de longo prazo, é hoje investigada pela disciplina que chamamos
Desenvolvimento Econômico.2
Durante um longo período o tema foi abandonado. Até a década de 1930, tanto a
teoria neoclássica como a economia keynesiana preocupavam-se com outras
questões. Na década de 1940, no entanto, surgiu uma literatura que discutia as
implicações da crescente divergência nos níveis de renda entre um grupo de países
que tinham passado por rápidas transformações estruturais e o resto do mundo.
Esses autores observaram que, embora esses países economicamente atrasados
mantinham-se presos na armadilha da estagnação maltusiana, isto não implicava que
não tinham sido afetados pelas mudanças nas economias centrais. Ao contrário,
esses teriam sido integrados como periferia do núcleo dinâmico da economia
mundial. Percebiam, portanto, que a produção acadêmica existente não tratava das
questões enfrentadas por essas economias, as quais Rosestein-Rodin chamou em um
artigo seminal, no Economic Journal em 1944, de subdesenvolvidas.
Nas décadas seguintes, até a crise da Teoria do Desenvolvimento nos anos 70,
as razões do atraso econômico e as estratégias para superá-las foram intensamente
discutidas. Por duas décadas o tema perdeu parte de seu glamour, ou seja, deixou de
ser considerado high theory, nos principais centros de produção teórica. Até mesmo
um autor progressista, como Krugman considerou os programas de pesquisa de
desenvolvimento como difusos, não formando um corpo teórico consistente, e,
ainda, carecendo do uso do instrumental analítico para comunicar suas idéias aos
economistas contemporâneos.3 Na década de 1990, contudo o tema voltou a adquirir
prestígio, sendo agora também disputado pelas novas correntes econômicas críticas
do keynesianismo e, ainda, pelos novos institucionalistas e as diversas correntes
econômicas heterodoxas.
Olhando o passado a partir de nosso mirante na primeira década do século XXI,
algumas das percepções da década da 1940, como a persistência de trajetórias
divergentes e convergentes (em diferentes grupos de países) nos níveis de
2 - Nas palavras de Méier; “ Begining with Adam Smith´s Inquiry into the Nature and Causes of the
Wealth of Nations, classical economists sought to discover the sources of economic progress and to
analyze the long-run process of economic change. As Nobel laureate Arthur Lewis reminds us, what
Smith called “the natural progress of opulence” is what we today call “development economics”. (1984, p.3) 3 - Para ele contudo, várias das idéias prevalecentes na high theory of Development anteciparam transformações cruciais na moderna teoria de crescimento e de comércio exterior. Sendo, que ele considerava que a essência desses argumentos pode ser recuperado usando o instrumental analítico atual. Ver Krugman, 1973.
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crescimento do produto, da renda e da incorporação do progresso técnico, mudaram
muito pouco. Mas há certas perspectivas que alteraram-se substancialmente desde
meados do século passado.
Hoje já existe instrumental teórico para compreender as raízes históricas do
atraso econômico. E mais importante, a experiência de sessenta anos de estudos
sobre o desenvolvimento econômico, mostrou, ainda, que há não apenas caminhos,
mas atalhos para a superação do subdesenvolvimento: ou seja, a história desse
período mostrou que alguns países considerados periféricos estão hoje, seis décadas
após o fim da Segunda Guerra Mundial, no centro dinâmico da economia
internacional. Portanto, desenvolvimento econômico é possível, tal como pudemos
observar ao longo do século passado. Esta constatação renova a importância de
estudar os mecanismos que viabilizaram a radical transformação de alguns países.
Há alguns pontos que estão estabelecidos solidamente no debate econômico,
como elementos fundamentais no processo de convergência econômica que permitiu
que alguns países, antes periféricos, tivessem alcançado nível de produtividade do
trabalho, renda per capita e avanço tecnológico que os põem, nos dias de hoje, no
mesmo patamar dos países industriais avançados mais antigos.
Entre esses pontos há três que são premissas de especial interesse para este
artigo:
Em primeiro lugar, não há desenvolvimento (ou convergência para o nível de
renda dos países industriais avançados) sem intervenção do Estado. Políticas
públicas foram essenciais para produzir crescimento com mudança estrutural que
caracteriza o processo de desenvolvimento4.
Em segundo lugar, o papel das instituições é central na dinâmica das
transformações econômicas que explicam o processo de desenvolvimento.
Mudanças estruturais interferem e são influenciadas pela trajetória das mudanças
institucionais. Ou seja, não apenas a história importa, mas também importa o
funcionamento de instituições, a resposta dos empresários às transformações
econômicas, o funcionamento das burocracias do setor público e a forma de tomada
de decisão no sistema político. Ou seja este artigo trabalha usando o instrumental
4 - Esse ponto foi discutido por mim em dois trabalhos, Prado, 1993e 2003. Mas há uma extensa literatura sobre esse tema, desde textos recentes, como Chang, 2004 e Rodrik, 1997, até textos que já podem ser considerados clássicos como Johnson, 1982; Aubrey 1951 e Gerschenkron,1965 que mostrou que o Estado foi importante no caso de países mais atrasados, como a Rússia, embora não tenha sido no caso da Inglaterra.
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teórico evolucionário que considera que as ciências sociais devem ser estudadas em
uma perspectiva histórica, uma vez que os fenômenos sociais estão sujeitos à “path
dependence”. 5
Em terceiro lugar, mas não menos importante, o processo de desenvolvimento
econômico depende da ação de forças de mercado que são influenciadas e
influenciam a ação do Estado e as mudanças institucionais. Ou seja, se não há
desenvolvimento sem a ação do estado, ou se o desenvolvimento depende do
funcionamento das instituições, ele também depende de como esses dois elementos
interagem com as forças de mercado em cada momento histórico. Ou seja, no
mundo contemporâneo a ação do Estado e o funcionamento das instituições
nacionais dão-se em uma economia mundial onde as forças de mercado têm um
papel fundamental. Portanto, as políticas públicas domésticas têm de levar em conta
que o estado nacional opera em uma economia mundial fortemente influenciado por
forças de mercado que agem globalmente.
Este ensaio pretende discutir qual o papel de um tipo particular de intervenção
econômica, a regulação e a defesa da concorrência, para o processo recente de
mudança estrutural de economias em desenvolvimento. Acessoriamente pretende
discutir como esta política interage com a trajetória de mudança institucional dessas
economias, que por sua vez são elementos importantes do processo de
desenvolvimento econômico.
II – Desenvolvimento Econômico e Mudança Estrutural
No último século observamos diversos casos de sucesso e fracasso no processo
de convergência econômica entre os países que se industrializaram no século XIX e
os retardatários do século XX. Em especial, pode-se destacar o imenso sucesso de
alguns países asiáticos (por exemplo a China e a Coréia) e o sucesso, menos
evidente, de alguns países latino-americanos (por exemplo, o Brasil e do México).
Nos dois casos foram importantes a ação do Estado e o papel do mercado.
Em uma perspectiva de longo prazo, desenvolvimento econômico está associado
a transição de uma estagnação maltusiana, ou seja, de uma período em que aumento
da capacidade produtiva é consumido em aumento da densidade demográfica, para
5 - Path dependence refere-se a propriedade dos processos dinâmicos de serem não reversíveis, contigentes, não ergódigos ou seja, estarem sujeitos a um conjunto de processos evolucionários. Há uma vasta literatura sobre path depedence em economia, ver, e.g., David (2001) e o artigo clássico de 1985.
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um período de crescimento sustentado. 6 Este processo é datado historicamente. Por
um longo período houve pouca diferenciação entre os níveis de renda per capita das
diversas regiões do mundo, embora pudesse haver expressivas diferenças nas
densidades demográficas.
A partir do fim do século XVIII, um grupo de países passou a incorporar de
forma acelerada progresso técnico em seus processos produtivos, passando por uma
profunda transformação econômica e social, que levou a um crescimento sustentado
de longo prazo da renda per capita, dos padrões de consumo e dos indicadores
sociais. Esse processo, que foi interpretado de várias formas, recebeu distintos
nomes na historiografia, mas ficou conhecido como Revolução Industrial.
Desde esse período o processo de criação de uma economia mundial implicou na
impossibilidade de economias nacionais viverem independente da nova realidade
mundial. Progressivamente sociedades tradicionais foram afetadas, ou moviam-se,
aproveitando as oportunidades abertas pelas transformações da economia mundial,
ou eram crescentemente marginalizadas, integrando-se nesse processso como
periferia.
Quanto maior a defasagem tecnológica e temporal entre as sociedades
tradicionais e as que tinham tido suas economias transformadas por uma revolução
industrial, as dificuldades para seguir o caminho trilhado pelas sociedades modernas
aumentavam. Nesse sentido os países bem sucedidos seriam aqueles capazes de
responder a esses desafios com soluções domésticas criativas.7
Esse fenômeno, portanto, não foi caracterizado apenas pelo crescimento
sustentado, não era uma questão exclusivamente de aumento de renda per capita,
embora ela fosse um elemento essencial nesse processo. Desenvolvimento
implicava em aumento sustentado de renda per capita, com mudança estrutural.
Este último elemento é essencial, para o entendimento do conceito de
desenvolvimento. Crescimento da renda per capita, obtido apenas através de algum
acaso histórico, como a disponibilidade de uma matéria prima de grande demanda
na economia mundial, mas que não tivesse efeitos de encadeamento doméstico, ou
seja, não gerasse mudança estrutural nessa economia, não produzia
desenvolvimento8.
6 - Ver Galor, 2005.
7 - Ver Gerschenkron, 1965 e 1968. 8 -Esta é a situação chamada de doença holandesa.
6
Em um artigo recentemente descoberto, escrito pouco antes de emigrar para os
EUA, Schumpeter levanta vários insights instigantes sobre o processo de
desenvolvimento.9 Para ele desenvolvimento está relacionado à inovação, a
capacidade de resposta de um agente inovador que dá um salto para o futuro, ou
seja, realiza uma mudança, que pode ser descrita, mas não pode ser determinada a
priori. Em suas palavras:
“Without further ado, a continous increase in population and wealth explains an
equally continous improvement of roads and an increase of the mail coaches in
circulation in a step-wiese adapting manner. But add as many mail coaches as
you please, you will never get a railroad by so doing. This kind of “novelty”
constitutes what we here understand as “development”, which can now be
exactly defined as: transition from one norm of the economic system to another
norm in such a way that this transition cannot be decomposed into infinitesimal
steps.”10
Mas se inovação está na essência do processo de desenvolvimento, não apenas
segundo a definição de Schumpeter, mas também na forma definida neste trabalho11,
é necessário, para melhor compreender esse processo, investigar alguns mecanismos
de sua dinâmica.
III- Reforma do Estado: A dinâmica da mudança econômica
Nas últimas décadas do século XX consolidou-se no meio acadêmico e em
formuladores de política de algumas agencias internacionais a idéia de que o
relativo fracasso de algumas experiências econômicas, tanto na América Latina
como no Leste Europeu, poderiam ser relacionadas ao papel do Estado nessas
economias. No debate sobre globalização, na década de 1980, muitas
recomendações feitas para as economias de mercado, com intervenção estatal,
latino-americanas, foram posteriormente consideradas adequadas para a transição
das economias de comando européias. Tais abordagens, consolidadas no famoso
Consenso de Washington eram, em sua maioria, recomendações de política
macroeconômica, mas implicavam, também, em uma agenda de reformas market
friendly.
9 Schumpeter, 1932. 10 Schumpeter, J.S, p.10 11 Ou seja, crescimento com mudança estrutural
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O tema de reformas institucionais entrou na agenda dos grandes países latino-
americanos como resposta às crises econômicas produzidas pelo endividamento
externo, depois do default Mexicano de 1982. Essas foram na sua origem propostas
como contrapartida para as negociações do Plano Brady, anunciado em 1989. As
mudanças nas políticas econômicas latino-americanas foram usadas para legitimar
domesticamente nos EUA as alterações legais que permitiriam a renegociação da
dívida dos bancos norte-americanos com governos e/ou organizações públicas
estrangeiras, segundo o modelo defendido pelo secretário de Estado Brady.12
Em sua origem eram essencialmente medidas macroeconômicas, tais como,
disciplina fiscal, controle e redirecionamento do gasto público, reforma tributária,
liberalização da taxa de juros, liberalização da política comercial. Mas havia
algumas reformas que implicava alterações importantes de natureza jurídica, tais
como liberalização do investimento externo, privatização, desregulação e aumento
da proteção dos direitos de propriedade.13
Os efeito dessas políticas nos países latino-americanos foi decepcionante. A
década de 1990 foi marcada na América Latina (como em outras regiões do mundo)
por um conjunto de crises econômicas, em grande parte produto da rápida
mobilidade de capitais, em um mundo com grande liquidez em dólar. Entretanto, os
grupos políticos, assim como os autores que apoiaram esse conjunto de reformas,
consideraram que a razão desse desempenho provinha da insuficiência das reformas,
e não da natureza do diagnóstico. Portanto, a resposta a esse desempenho deveria ser
aprofundar a política, implementando uma nova geração de reformas. Essas, no
entanto, diferente daquelas, deveriam ser essencialmente voltadas para reformar as
instituições desses países, para torná-las mais adequadas a operar nas condições
12 - Os EUA nunca reconheceram que suas decisões de abandono unilateral dos Acordos de Bretton Woods, e sua resposta aos aumentos do preço do Petróleo em 1973 e 1979, assim como a política monetária de Paul Volcker tinham tido papel fundamental para eclosão da crise da dívida latino-americana. A alteração da legislação que permitia transformar as dívidas registradas nas contabilidades dos bancos em títulos securitizados viabilizaram a renegociação das dívidas latino-americanas. Foram realizados, dessa forma, distintos acordos com os credores, que tiveram a possibilidade de escolher entre redução do principal e diferimento dos pagamentos das dívidas, assim como novas garantias (colateriais) e o surgimento de um mercado secundário para os títulos securitizados. Uma interesse evidência desse fato é o relato de John Williamson (2004) que contou como seu testemunho em apoio ao Plano Brady levou a formulação do conceito de Consenso de Washington. 13 - Ver Williamson (1990).
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dadas pela forma de organização econômica e social do capitalismo contemporâneo,
ou seja, pela globalização. Nas palavras de dois economistas do Banco Mundial14:
“The Expectation, however, was not only that globalization and the “first-
generation” reforms would raise economic growth rates, but that they also
would significantly reduce poverty and inequality. Indeed, capital inflows and
export growth were expected to promote the development of labor-intensive
sectors. This has not occurred.” (….)
“The Long March concluded, then, that further reforms were needed to achieve
higher sustained rates of growth and to make a more significant dent in poverty
reduction.”
Portanto, ao contrário das medidas propostas pelo Consenso de Washington,
essas chamadas reformas de segunda geração destinavam-se a alterar as condições
institucionais desses países. Entre as mais importantes alterações propostas estavam
as alterações no sistema legal e regulatório e no aumento da eficiência do setor
público, inclusive no judiciário. (Burki & Perry,1998, p.4). Essa nova agenda trouxe
ao debate o tema da relação entre Instituições e Desenvolvimento, que implicava
em discutir em que medida as instituições domésticas e a ordem jurídica vigente nos
grandes países latino-americanos eram disfuncionais ao bom funcionamento da
ordem econômica, com insuficiente proteção aos direitos de propriedade, à execução
dos contratos, a defesa dos direitos de propriedade intelectual, a defesa da ordem
econômica, à execução (enforcement) das decisões judiciais, ao bom
funcionamento do sistema educacional e da gestão pública.
O argumento era que o fracasso das reformas recomendadas pelo Consenso de
Washington não era devida a problemas de diagnóstico, mas a insuficiência do
remédio. Recomendava-se, portanto, doses mais elevadas do mesmo remédio, isto é
uma nova rodada de reformas, e não alteração do rumo.
Os resultados do desempenho econômico da América Latina teriam sido
decepcionantes, mesmo tendo sido realizada as reformas de primeira geração pelos
seguintes argumentos15.
14 - Ver Burki & Perry (1998), p.3. Os autores estão, também, referindo-se ao documento The Long
March, preparado para conferência patrocinada do Banco Mundial em Montevidéu. Ver Burki & Perry, 1997. 15 - ver Shahid Javed Burki e Guillermo E.Perry,1998.
9
A globalização das economias nacionais e a implementação das reformas de
primeira-geração, assim como o processo de democratização na AL contribuíram para
aumentar a premência das reformas institucionais por três razões:
(i) Elas aumentaram a demanda por reformas instituicionais por
parte do setor privado, que compete no mercado global e
percebeu que a lucratividade e competitividade foi afetada pela
qualidade e eficiência na oferta de serviços financeiros e serviços
públicos, qualidade da educação e a efetividade do sistema
judiciário;
(ii) O rápido crescimento da volatilidade dos fluxos de capitais
aumentaram a demanda por reformas institucionais que
contribuíssem para reduzir os riscos a ela associados. Ou seja,
não obstante os benefícios da globalização, ela aumentou a
vulnerabilidade dos países á acontecimentos em outras regiões, e
há crescente percepção que instituições financeiras mais efetivas
(no plano doméstico e internacional) são necessárias para reduzir
essa vulnerabilidade.
(iii) A globalização aumentou a demanda por instituições que
contribuam para reduzir a desigualdade e oferecer redes de
proteção para os grupos mais vulneráveis no ambiente
competitivo.
Em síntese , em um mundo de integração financeira global, instituições financeiras
sólidas e governança corporativa eficiente (além de sólida política macroeconômica)
seriam essenciais para promover uma intermediação financeira segura e o uso adequado
dos fluxos de capitais. Sem eles as economias integradas ficariam altamente
vulneráveis às mudanças nos sentimentos dos investidores e, portanto, à crises
financeiras e cambiais, expondo os agentes privados a riscos financeiros, cambiais e
altas taxas de juros, que teriam efeitos nefastos sobre a economia real. Portanto,
reformas institucionais seriam essenciais para a estabilidade macroeconômica e para a
integração financeira mundial.
Ou seja, o diagnóstico feito para essas economias é que essas eram sujeitas a
excesso de intervenção estatal, pouca exposição ao mercado e instituições pouco
funcionais às necessidades do capitalismo moderno. Portanto, a agenda deveria ser a
10
continuidade das reformas liberalizantes, mudança institucional e redução do papel do
Estado nessas economias.
Faziam parte das recomendações a criação de novas agencias estatais, que deveriam
regular serviços privatizados. Mas um dos pilares desse modelo seria uma legislação de
defesa da concorrência que deveria atuar preventivamente avaliando atos de
concentração que pudessem alterar o ambiente concorrencial, e controlando infrações a
ordem econômica, com a punição de condutas anticompetitivas, garantindo, portanto, o
adequado funcionamento do mercado.
IV- Mercado, Concorrência e Ação do Estado
Qual é o papel do mercado em uma economia contemporânea? A resposta a esta
questão pode ser melhor entendida a partir da recuperação do debate sobre o conceito
de concorrência realizada por gerações de economistas, desde o século XVIII. Os
economistas clássicos partiam da premissa de que os mercados competitivos eram
similares e o monopólio uma exceção relativamente rara. Portanto, toda a literatura
clássica contrapunha livre mercado a monopólio produzido pela intervenção do Estado.
Embora alguns economistas matemáticos, como Cournot, já vislumbravam a
possibilidade de mercados operando em condições de oligopólio, a idéia de que
mercados diferenciam entre si e, em muitas ocasiões, formas de concorrência
monopolista e oligopólio estrutural eram comuns dependeu do desenvolvimento da
teoria neoclássica, em especial, economistas de tradição marshaliana.
Uma das contribuições importantes do debate neoclássico foi o estudo da relação
entre mercado e concorrência. Em um trabalho clássico, George J. Stigler distingue os
conceitos de mercado perfeito e competição perfeita. Segundo este autor, mercado é
uma instituição para a realização de transações. Ele realiza sua função de forma
eficiente quando todo comprador consegue obter o produto se estiver disposto a pagar
pelo menos um infinitesimal superior ao preço mínimo encontrado e todo vendedor
conseguir vender o produto por um preço infinitesimal abaixo do máximo encontrado.
Um mercado funciona de forma eficiente se os compradores e vendedores estão
perfeitamente informados e as propriedades e preços dos produtos perfeitamente
especificados.
Competição é uma forma de rivalidade que trata de contratos. Ou seja, da
disposição e capacidade que tem um agente econômico de contratar e recontratar com
um número indefinido de pessoas, independentemente e sem o consentimento de
11
qualquer outra parte, com objetivo de maximizar seu bem-estar. Competição perfeita
tem alguns requisitos:
a. Existência de completa “racionalidade”. Para isso, assume-se
características ordinárias dos indivíduos, ou seja,
i. “Saber o que se quer, e procurar alcançar seus desejos de forma
inteligente”.
ii. Saber de forma absoluta a conseqüência de seus atos quando
forem realizados;
iii. Realizar esses atos a luz dessas conseqüências.
b. Assume-se ausência de obstáculos físicos para fazer, executar e mudar os
planos segundo a vontade dos agentes econômicos.
i. Isto pressupõe perfeita mobilidade em todos os ajustamentos, sem
custos para os movimentos e trocas;
ii. Todos os elementos dos cálculos devem ser continuamente
variáveis, divisíveis sem limite e a negociação das mercadorias
instantânea e sem custos.
c. Deve haver, como corolário do item anterior, perfeita, contínua, e sem
custo, intercomunicação entre todos os membros individuais da
sociedade. Todo comprador potencial conhece todo vendedor potencial e
viceversa. Toda mercadoria é divisível em um número indefinido de
unidades que devem ser separadamente usufruída e de propriedade de um
dono.
d. Cada membro da sociedade age como indivíduo e é inteiramente
independente de todas as outras pessoas. E nas relações mercantis entre
os indivíduos nenhuma consideração que não o interesse individual
prevalecerá. Essa independência individual exclui colusão, graus de
monopólio ou tendência ao monopólio.
Ou seja, segundo Stigler um mercado pode ser perfeito e monopolista ou
imperfeito e competitivo16. Portanto, para esse autor é um erro tratar o mercado
como um conceito subsidiário à competição. A literatura econômica neoclássica já
conseguiu demonstrar adequadamente que quando ocorre concorrência perfeita em
um mercado perfeito, alcança-se as condições de eficiência associadas ao conceito
16 - Ver Stigler, 1957.
12
de ótimo de pareto, ou seja, eficiência alocativa, eficiência produtiva e eficiência
distributiva. Nesta situação há um ótimo social relativo a uma dada distribuição de
recursos (ou renda) entre diferentes indivíduos quando os recursos disponíveis por
cada agente econômico estiver de tal forma distribuído entre os diversos bens que
desejam que sua satisfação total não possa ser aumentada por qualquer transferência
de recursos para uma combinação distinta na distribuição desses bens.
Alfred Marshall foi o autor que isoladamente mais contribuiu para a difusão da
economia neoclássica com o primeiro livro-texto com essa abordagem em língua
inglesa que dominou por décadas o ensino de economia17. Marshall foi o primeiro
economista que levantou o problema de que em certas circunstâncias os agentes
econômicos ao maximizarem o seu bem-estar não produzirem simultaneamente um
resultado ótimo para o conjunto da sociedade. Isto ocorre quando os custos privados
são diferentes dos custos públicos, ou seja, quando há externalidades.
Em mercados com externalidades, a concorrência isoladamente não é capaz de
produzir os resultados esperados, ou seja, há falhas de mercado que só podem ser
resolvidas com regulação. Portanto, mesmo considerando-se que o livre mercado
leva ao resultado de bem-estar econômico previsto nos modelos neoclássicos, há
situações em que, dada a existência de externalidades, a atuação do Estado se
justificava.
A principal contribuição de Marshall para a teoria da competição foi a discussão
da relação entre competição e organização econômica ótima. Marshall fez a
conhecida qualificação que a distribuição de recursos pode ser considerada como
dado e afirmou que apenas um entre os múltiplos equilíbrios estáveis para ser
considerado máximo. Finalmente, Marshall chamou atenção para a questão das
economias externas.
O fato de que, com externalidades, as decisões dos indivíduos consideram
apenas parte das conseqüências, abre espaço para várias formas de equilíbrio
competitivo que difere dos conceitos tradicionais de ótimo. Estas questões, no
entanto, só foram tratadas com profundidade posteriormente por autores como Pigou
(1920) e Coase (1960).
A formulação de uma teoria econômica que tratasse de questões relevantes para
o tema da defesa da concorrência, cuja aplicação nos EUA, era originalmente quase
17 - Com o famoso “Principles...”, ver Marshall, 1890.
13
que exclusivamente um problema da literatura jurídica, dependeu da chamada
escola estruturalista norte-americana. Esta corrente desenvolveu a teoria que
associava a estrutura do mercado com a conduta e o desempenho das empresas.
Para chegar a esse modelo, no entanto, foi necessário discutir os efeitos
econômicos de um ambiente concorrencial, onde não era possível obter-se todas as
condições de um mercado com concorrência perfeita.
Nesse debate um dos mais influentes economistas foi J.M. Clark que formulou a
hipótese conhecida como “workable competition.18 J.M. Clark sustentava a idéia de
que os mercados eram o suficiente robustos e que a intervenção ocasional do
governo através do antitruste se justificava, mais que formas mais agressivas de
regulação ou a simples aceitação do monopólio. Esse autor considerava que se as
premissas de concorrência perfeita eram difíceis de serem obtidas era necessário
identificar os fatores que levavam a mais próxima aproximação da concorrência
perfeita, nas condições reais da economia. Portanto se a concorrência perfeita não
era passível de ser obtida, a questão era como obter uma concorrência que fosse
operacional (workable).
Diferenciação de produtos e custos fixos implicavam que as firmas tinham
capacidade de influenciar preços, e a forma e nível da produção. Ou seja os modelos
econômicos deveriam considerar o comportamento estratégico das empresas de uma
maneira que não era considerado nos modelos clássicos.
As principais variáveis que diferenciavam os mercados eram
(i) O número de firmas e o a extensão de suas diferenças;
(ii) O montante de custos fixos ou as economias de escala;
(iii) O grau de diferenciação do produto e a mobilidade entre as
diferenciações;
(iv) As barreiras a entrada
Em mercados com muita competição, produtos homogêneos e grande número de
firmas, a competição era capaz de disciplinar mesmo variações modestas do
comportamento competitivo. Nesse caso ou as empresas produziam ao nível
máximo ou organizavam cartéis.
As duas outras estruturas de mercado eram a competição monopolista e
oligopólio estrutural, muito mais difíceis de tratar. A competição monopolista
18 - Ver Clark, J.M, 1939.
14
caracterizada por diferenciação de produto e facilidade de entrada era relativamente
mais fácil de obter resultados similares aos de mercado competitivo. Nos mercados
com oligopólio, caracterizados por um pequeno número de firmas, elevadas
barreiras a entrada e vários graus de diferenciação de produto, havia maior risco ao
ambiente concorrencial e as correções necessárias eram mais difíceis de serem
realizadas.
Uma vez que o conceito de workable competition é normativo, os elementos
estruturais das diferentes indústrias passaram a te grande importância. A discussão
originada por Clark foi posteriormente refinada por autores como Edward Manson e
John Bain. Essa abordagem passou a ser conhecida como Escola de Harvard e
tratava essencialmente dos mercados. Atributos dos mercados, ou seja a estrutura
dos mercados, a conduta das empresas e o resultado dos mercados são elementos
que combinados formam o paradigma conhecido como estrutura-conduta-
performance.
Bain (o mais importante nome da escola de Harvard) chamou atenção que a
workable competition em mercados com oligopólio do setor industrial era mais
difíceis de obter. Portanto, a influência de Bain levou, no período entre a década de
1940 a década de 1970 a uma certa desconfiança dos mercados oligopolizados na
indústria. Para Bain em indústrias com Oligopólio Concentrado as taxas de lucro
eram maiores do que as razoáveis, havia excesso de capacidade crônica e atraso na
introdução de tecnologia redutora de custo.
Para Bain havia uma relação sistemática entre estrutura do mercado, conduta e
performance. O modelo de Mason/Bain era relativamente simples. Usando análise
estilo Cournot de maximização de lucros em mercados concentrados podia-se
relacionar mercado a estrutura, em particular ao número de firmas e barreiras a
entrada.
Este modelo consolidado na década de 1950 tornou-se o mais elegante e muito
influente. Conduta era difícil de ser analisada: um modelo relacionando conduta
com estrutura facilitava a política das autoridades antitrustes. A idéia era de que
quando uma empresa tinha crescido de tal maneira a ter se beneficiado de todas as
vantagens da economia de escala ela não podia mais fazer economias pela redução
de custo. Portanto, toda sua economia seria através do aumento de preço. Bain
acreditava que havia uma tendência nos EUA ao aumento de concentração na
indústria e a política antitruste tenderia a reduzir essa tendência.
15
Essa formulação, conhecida como modelo SCP, (Estrutura- Conduta-
Performance) ou modelo de Harvard influenciou a aplicação da legislação antitruste
nos EUA e é até hoje influente em algumas abordagens da Política de Defesa da
Concorrência.
O maior ataque à doutrina da concentração veio de um conjunto de economistas
e advogados que compartilhavam a tradição associada aos departamentos de
economia e direito da Universidade de Chicago que viam com desconfiança a ação
do Estado, e com preocupação o excesso de intervencionismo atribuído a Escola de
Harvard. Esses teóricos enfatizavam seu compromisso com os valores econômicos,
políticos e sociais do livre mercado e consideravam excessiva a intervenção feita em
seu funcionamento pelas decisões das cortes norte-americanas na área de
antitruste.19
A tese da Escola de Chicago é que os remédios estruturais aplicados pelas
autoridades de Defesa da Concorrência eram inadequados, uma vez que a
concentração foi o resultado das condições de custo das empresas, ou seja, de sua
eficiência. Barreiras eram vistas como baixas e competidores potenciais tinham
perfeita informação das oportunidades e custos envolvidos. Portanto, a estrutura da
industria é o resultado das diferentes eficiências das firmas no tempo, uma vez que o
objetivo final da política de competição é promover o bem-estar do consumidor,
expresso pela eficiência, a intervenção do Estado podia ser contraprodutiva. Ou seja,
a Escola de Harvard considerava que a concentração do mercado podia ser indício
de colusão, a Escola de Chicago afirmava que era indício de eficiência. Ou seja,
caso a colusão fosse provada as autoridades poderiam processar a empresa, mas não
seria possível inferir colusão da estrutura dos mercados.
Nessa linha Bork em livro de grande influência (The Antitrust Paradox)
afirmou20:
“Today, I would add only tow thoughts. First, I doubt that there is any
significant output restriction problem arising from the concentration of any
industry. Second, there is no coherent theory based on consumer welfare that
supports a policy of industrial deconcentration when concentration has been
19 - Ver Hildebreand, 2002, p.143. Entre outros faziam parte dessa corrente Robert H. Bork, Ward S.Bowman, Harold Demsetz, John S. McGee, Stanley I. Ornstein, Sam Peltzman, Richard A. Posner, George J. Stigler e Lester G. Telser. 20 - Ver Bork, 1978.
16
created either by the internal growth of the firms or by merger more than ten or
fifteen years old.”
Ou seja, a escola de Chicago defendia que o único objetivo das leis de defesa da
concorrência era o aumento da eficiência. Há dois tipos de eficiência que determina
o bem-estar do consumidor: eficiência alocativa (a alocação ótima de recursos no
conjunto da economia) e eficiência produtiva (uso eficiente dos recursos pela firma
individual através de economia de escala, escopo ou redução dos custos de
transação). Portanto, o objetivo da legislação antitruste seria melhorar a eficiência
alocativa sem afetar a eficiência produtiva de tal forma que o resultado final de bem-
estar agregado da economia fosse positivo ou neutro.
Observe-se, portanto, que a recomendação de reformas feita para os países em
desenvolvimento na década de 1990 ocorre em uma situação em que há um amplo
debate sobre a natureza das próprias intervenções de defesa da concorrência. Da
mesma forma a defesa da Escola de Chicago de redução da regulação em mercados
onde havia tradicionalmente intervenção do Estado, como no caso de monopólios
naturais, implicava que recomendava-se um modelo em plena transição, sendo que o
único ponto que parecia consensual era de que deveria substituir-se a propriedade
estatal por alguma forma de propriedade privada, com algum grau de regulação do
Estado. Em áreas em que a regulação não era necessária, bastava leis de defesa da
concorrência, que seriam capazes de produzir eficiência econômica e preços
competitivos, com mínima intervenção do Estado.
Observe-se que essa discussão que era nos países desenvolvidos, em especial
nos EUA, um debate sobre bem-estar do consumidor, foi transformada pelos
defensores de uma agenda de reforma de Segunda Geração em elementos de uma
estratégia de desenvolvimento. Ou seja, bastava adotar-se alguns aspectos das
instituições que promoviam um ambiente concorrencial nas economias industriais
avançadas para produzir resultados similares em termos de eficiência econômica e
bem-estar dos consumidores.
Nesse mesmo período, no entanto, uma nova linha de pesquisa viria a questionar
a validade do teoremas de bem-estar em sua forma mais sofisticada, ou seja, os
Teoremas Fundamentais da Economia do Bem-Estar formulados por Arrow-Debreu,
trazendo uma nova perspectiva para a ação do Estado. Essa abordagem, que tem um
dos seus mais importantes formuladores, Joseph Stiglitz vai ser chamada de
Economia da Informação.
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V - Economia da Informação e o Papel do Estado
A essência do modelo de equilíbrio foi formulada por Hayek de uma
maneira extremamente simples. Este resolve o problema de alocação de recursos
através de um único mecanismo de informação: o sistema de preços. Ou seja, um
sistema de preços descentralizado levaria uma alocação eficiente de recursos
escassos. Ninguém precisa saber as preferências de todos os indivíduos e a
tecnologia de todas as firmas para assegurar que alocação de recursos é pareto-
eficiente. Preços trazem todas as informações e são, de fato, estatísticas
suficientes.21 Hayek apresenta seus argumentos de forma literária, mas o modelo
Arrow-Debreu, de forma mais sofisticada, resolve através de um modelo
matemático, problema similar e ou seja, soluciona de forma rigorosa, na data 0, o
problema completo de alocação de recursos.
Stiglitz desafia todo este edifício fenomenal com uma proposição simples: a
existência de custos de informação, mesmo que pequenos, podem ter graves
conseqüências, e muitos dos resultados tradicionais da microeconomia não mais se
sustentam, inclusive os teoremas de Bem-Estar formulados por Arrow e Debreu.22
Ou seja:
“While one of the Standard informal arguments for decentralization using the
price system is its information economy, information economics showed that, in
general, efficient decentralization through the price system, whithout extensive
government intervention, does not result in a constrained Pareto Optimum, that
is, even taking into account the costs of information.”23
Vamos, a partir dessa proposição considerar dois pontos enfatizados pelos
defensores das reformas institucionais, como parte de uma estratégia de
desenvolvimento: a questão da efetividade dos contratos (contract enforcement) e a
questão do financiamento do investimento em Bolsa de Valores, através do IPO
(Initial Public Offers), o que é chamado no jargão do mercado de Equity
Financing.
Se as informações fossem perfeitas, a efetividade dos contratos seria fácil de ser
obtida e haveria pouca imprevisibilidade nas decisões judiciais. Além disso, a
natureza dos conflitos seria enormemente reduzida, uma vez que as partes
21 - Ver Hayek (1945) e Stiglitz (2000). 22 -Stiglitz, 2000, p.1443. 23 Idem, 2000, p. 1444.
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contratantes saberiam dos riscos que assumiam com exatidão, seriam capazes de
precificá-los e o resultado do negócio jurídico teria uma elevado grau de
previsibilidade. Justamente porque as informações são imperfeitas, há custos de
obtê-las, e elevada assimetria na interpretação e na valoração das informações
disponíveis uma vez que há percepções diferentes para os custos e os resultados das
obrigações assumidas. Nesse sentido, o fato de que os tribunais, como os indivíduos
estão sujeitos a informações incompletas, em muitos casos há grande
imprevisibilidade nas decisões judiciais. Tal fato ocorre, mesmo nas condições
ideais recomendadas pelos que sustentam que o risco jurisdicional deve-se a pouca
consideração aos direitos de propriedade de sistemas jurídicos de tradição romano-
germânico, como os latino-americanos. Ou seja, dado que as informações são
incompletas, e podem inclusive ser mais assimétricas em economias em
desenvolvimento, a efetividade dos contratos é necessariamente relativa, não devido
a características institucionais, mas pela própria natureza das relações contratuais.
Em nosso segundo exemplo, usamos a explicação de Stiglitz de porque, mesmo
em economias industriais avançadas, relativamente pouco capital é financiado pelo
lançamento de novas ações (equity financing), mesmo que essas sejam melhores
em termos de divisão de risco do que financiamento através de títulos (bonds) de
diversos tipos. Segundo esse autor, quando uma empresa resolve vender novas
ações, há sempre o risco de que a percepção dos gestores da empresa (que têm mais
informação do que os outsiders) , é que o preço das ações está sobrevalorizado, e
portanto uma reação normal do mercado é reduzir o preço das ações em decorrência
das emissões. Isto limita a capacidade de uma empresa de lançar novas ações.
Para reduzir esse problema é necessário que o custo de acesso às informações
seja reduzido pela regulação das autoridades e pela ação de auditores independentes.
Ou seja, sem o Estado o custo de obter as informações faria com que o
funcionamento desse mercado fosse extremamente ineficiente.
O argumento da Economia da Informação é que os problemas de assimetria de
acesso às informações e, ainda, do custo de obter as informações implicam que o
funcionamento dos mercados depende da ação do Estado. Mas, se isto é verdade
para a alocação de recursos em um contexto de estática comparativa, questões
intertemporais, como decisões de investimento, e outras políticas de alocação
intertemporais de recursos dependem, ainda mais, do Estado. Ou seja, as políticas de
desenvolvimento são parte de um conjunto de ações do Estado, necessárias em uma
19
economia de mercado para que muitos mercados funcionem adequadamente. Isto é
particularmente importante em países que dado a história (e a história importa),
parte dos mercados são inexistentes, e há incerteza e riscos elevados associados a
alocação intertemporal de recursos.
A Economia da Informação, portanto, reconcilia a ação do Estado com o papel
dos mercados e abre caminho para uma interessante síntese da relação Estado-
Mercado nos países em desenvolvimento. O Estado passa a ter um papel
fundamental para resolver problemas que são impossíveis de serem tratados pelos
mercados, sendo que a questão informacional é um dos mais importantes problemas.
Mas Stiglitz traz também interessantes insights sobre o papel do Estado em duas
publicações , The Economic Role of the State (1989) e Wither Socialism (1994).
Para ele a importância do Estado é baseada em duas propriedades básicas:
participação universal e compulsão24; e deriva de quatro características exclusivas
que possui: (i) o poder de taxar; (ii) o poder de prescrever; (iii) o poder de punir; e
(iv) custos de transação mais baixos para certos efeitos externos, tais como o
problema do free rider, mercados incompletos e seleção adversa.
Portanto, o Estado está em posição excepcional para tratar de falhas de mercado
e de problemas de informação imperfeita e outros problemas de uma economia de
mercado. Para Stiglitz, o erro fundamental da economia de vários países do Leste
Europeu é acreditar na eficácia das proposições normativas de modelos como o
Lange-Lerner-Taylor sobre a equivalência da economia de mercado e do socialismo
de mercado. Ou seja, a idéia de que da mesma maneira que a alocação de recursos
pode ser resolvida pelo sistema de preços, pode igualmente ser resolvida por uma
autoridade com poderes de planejamento que é capaz de solucionar o problema
matemático de alocação de recursos em uma economia de comando. Nesse caso o
governo seria capaz de solucionar questões como o investimento de longo prazo e
fazer suas apostas quanto ao futuro.
Para Stiglitz o problema desse modelo é que não há incentivos para corrigir
ineficiências potenciais. Tentativas de resolver esse dilema levam a um outro
problema, o de Principal-Agente, ou seja, como equalizar os interesses de um
“principal” que atua através de um “agente”, com os interesses desse último. Isto é,
a descentralização é motivada pela capacidade limitada das firmas e dos indivíduos
24 - Um cientista político e/ou um jurista diriam: soberania e monopólio da violência.
20
de processar e transmitir informações. A eficiência do sistema econômico depende,
portanto, de um equilíbrio entre centralização e descentralização.
Esse debate traz novamente a questão sobre para que servem os mercados e o
papel da concorrência. O papel principal dessa forma de rivalidade chamada
concorrência não é alocativa, mas sua função como indutor de inovação. Ou seja,
finalmente, voltamos para a essência do processo de desenvolvimento, tal como
visto por Schumpeter. As empresas inovam porque são obrigadas a fazê-lo pelo
mecanismo da concorrência. Se as empresas fossem sujeitas às condições restritivas
de um mercado perfeito com concorrência perfeita não sobreviveriam. É a
necessidade de obter lucros superiores ao custo marginal, possível para existência de
poder de mercado que viabiliza o capitalismo, que faz esse sistema tão eficiente e
tão dinâmico.
VI- Conclusão
Finalmente, pode-se concluir que não há desenvolvimento econômico sem
Estado. Mas da discussão realizada pode-se também concluir que sem mercado e
sem um ambiente concorrencial não há mecanismos para induzir a inovação e,
portanto, para produzir crescimento com mudança estrutural. As instituições
importam porque o custo de intervenção do Estado depende do funcionamento das
instituições. Ou seja, em sociedades com instituições que têm alto grau de
legitimidade e funcionam adequadamente, tanto as ações do governo como
funcionamento do mercado (que é uma instituição) podem produzir resultados
melhores a custos mais baixos de tributação e de fiscalização.
Nos países em desenvolvimento as legislações de defesa da concorrência e as
agências reguladoras têm papel distinto das que tinham em países desenvolvidos, e
em especial, nos EUA. Seu papel principal não é o de melhorar a alocação de
recursos em uma economia que já alcançou elevado nível de eficiência produtiva e
que já incorpora as tecnologias mais avançadas disponíveis. Nesse caso, seu
principal papel é contribuir para aumentar o nível de investimento e maximizar o
bem-estar da sociedade em um contexto dinâmico, ou seja, contribuir pára
efetividade das políticas de desenvolvimento. Nesse sentido mercado e concorrência
têm um papel fundamental, dada as características indutoras de progresso técnico.
Portanto, as eficiências relevantes não são as tradicionais eficiência alocativa ou
produtiva, mas a eficiência dinâmica schumperiana.
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