didática da geografia e da historia e a formação de professores
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LASTORIA, A.C. Didática da geografia e da historia e a formação de professores. In: ASSOLINI, F. E. P.; LASTORIA, A.C. (orgs) Formação continuada de professores: processos formativos e investigativos. Ribeirão Preto: Compacta, 2010.TRANSCRIPT
A Didática da Geografia e da História e a formação de professores.
Andrea Coelho Lastória
Quais são os objetivos da ciência histórica e geográfica nos programas de
formação inicial e continuado de professores? Por que tais áreas do conhecimento
compõem a matriz curricular dos cursos de Pedagogia? Qual a importância da Didática
da Geografia e da História para a escola básica?
Entendemos que essas três questões centrais estão relacionadas e precisam ser
pensadas de modo articulado.
Para introduzir nossa reflexão, destacamos a seguinte colocação de FREIRE
(1996):
“O educador que, ensinando Geografia, ‘castra’ a curiosidade do educando
em nome da eficiência, da memorização mecânica dos conteúdos, tolhe a
liberdade do educando, a sua capacidade de aventurar-se. Não forma,
domestica.” (p.56-57)
Por este pensamento Paulo Freire enfatiza o papel central que todo educador
possui diante da sua opção político-ideológica-pedagógica. O que se configura num
compromisso educacional a respeito das várias facetas que envolvem a profissão
docente. Dentre elas, destacamos as próprias concepções de mundo, de sociedade, de
escola, de relação professor-aluno, de ensino de Geografia e História, dentre outros.
Neste sentido, é possível entendermos que todo educador assume um
posicionamento a respeito do “que” e de “como” ensina. Ou seja, todo professor
trabalha para alguém. Quem? Com que finalidade? Em nome de qual “eficiência”?
A Didática da História e da Geografia contribui, sobremaneira, com a natureza
da formação que os professores adquirem no ensino de graduação e pós-graduação,
portanto, é importante que essas áreas do conhecimento sejam valorizadas nos
currículos e programas educativos.
Se os gestores de políticas públicas de ensino (em sua maioria administradores e
economistas), os gestores escolares (diretores e coordenadores de unidades escolares) e
os professores seguirem o caminho da memorização e da “castração” do trabalho
coletivo, as conseqüências (como afirmou Paulo Freire) estarão relacionadas à
“domesticação” diante da ausência da liberdade e da criatividade. Domesticação do
verbo domesticar, entendida aqui no sentido de “amansar” ou de “domar” (relativo ao
tratamento de animais).
Entendemos que não se trata de atribuir o fracasso, a ineficiência ou a falta de
comprometimento ético do ensino de História e Geografia, exclusivamente, ao professor
e a sua maneira de lidar com o processo educativo.
Partimos do pressuposto de que atualmente, no Brasil, as políticas neoliberais
estimuladas pelas agências de financiamento internacional (como o Banco Mundial -
BM, o Fundo Monetário Internacional – FMI, por exemplo) priorizam a ampliação de
vagas (tanto na escola básica quanto no ensino superior) para atender as exigências e
metas dos planos de governo. Os quais estão assentados na “produção” de mão-de-obra
para atender a demanda do empresariado industrial, ou seja, pautados na quantidade de
vagas e não na qualidade do ensino. Políticas que focam em “produtos” em vez de
“processos” formativos. Atendem a lógica do mercado onde a competitividade impera
em uma sociedade cada vez mais individualista e mercadológica. Neste contexto, os
programas de formação inicial ou básica de professores são considerados mais onerosos
do que os cursos de formação continuada (principalmente se forem realizados na
modalidade à distância – EAD). Nestes últimos, os envolvidos são considerados como
agentes que precisam ser “capacitados”, “reciclados” ou “atualizados” para trazerem
benefícios diretos ao ensino das escolas básicas (como se existisse uma relação direta
entre eles). Enfim, são as políticas e programas implementados pelos governos
neoliberais os responsáveis pela configuração do ensino brasileiro, não apenas os
professores, os alunos, os funcionários e gestores escolares. Tais políticas e programas é
que “culpam” cada indivíduo (dentre eles, o professor é o principal responsabilizado)
pelo desemprego, pela fome, pela miséria e, no presente caso, pela crise no sistema
escolar.
Diante deste cenário, defendemos que os programas de formação de professores
no Brasil (assim como em todos os países da América Latina) devem assegurar uma
sólida formação tanto na esfera inicial como na continuada. Uma não exclui e nem
diminui a importância da outra.
Formação pautada, dentre outros, na reflexão sobre os diferentes objetivos das
ciências (dentre elas a Geografia e a História) e das “ciências escolares” (dentre elas a
Geografia Escolar e a História Escolar). Tais programas formativos devem, ainda,
explicitar as histórias das “disciplinas escolares” e suas trajetórias até chegarem a
compor as “matrizes” (também denominada por “grades”) curriculares da escola básica.
Neste sentido, a importância e a finalidade dessas áreas do conhecimento poderão ser
discutidas à luz dos atuais referenciais teóricos e metodológicos da Educação, da
História e da Geografia.
A idéia de que existem diferentes Geografias e diferentes Histórias precisa ser
apresentada e refletida pelos formadores de professores junto com os professores em
formação. Afinal, a Geografia (e a História também) não é única e nem é formada por
um corpo coeso de métodos e técnicas científicas.
A ciência geográfica passou (e ainda passa) por transformações significativas ao
longo de sua trajetória. Aliás, sua própria trajetória não é linear, pois é constituída por
inúmeras vicissitudes. O mesmo acontece com a História.
Julgamos que refletir sobre pontos importantes de tal “caminhada” das ciências
geográfica e histórica colabora para a reflexão e o entendimento a respeito da existência
de diferentes Geografias e Histórias Escolares na atualidade.
Nessa esteira, explicitamos as considerações de CAVALCANTI (2010) sobre a
Geografia Brasileira:
“A Geografia Brasileira, seja a acadêmica, seja a escolar, institucionalizou-se
no início do século XX, via Sociedade Brasileira de Geografia, Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística, Universidade de São Paulo, e outras instituições, e, assim
como em outros países, essa institucionalização está vinculada ao se ensino. Ambas têm
histórias paralelas, que se encontram, que se influenciam mutuamente, guardando,
mesmo assim, suas identidades, suas especificidades.” (p. 373)
Seguimos com o exemplo da Geografiai que, segundo a mesma autora, pode ser
apresentada em diferentes tipos básicos. Dentre eles, a chamada Geografia Tradicional e
a Geografia Crítica.
Cada uma dessas Geografias contém características e concepções específicas. A
primeira é essencialmente descritiva e apresenta segmentado os aspectos físicos do
espaço (como a hidrografia, o relevo, a vegetação, o clima etc) dos aspectos humanos
(população, composição, migração etc).
Essa Geografia foi intensamente praticada nas escolas brasileiras por professores
que lecionavam desde os anos iniciais até o ensino médio ou superior. Manifestava-se
nas páginas dos livros didáticos e paradidáticos, nas apostilas, nos planos de aulas, nas
avaliações, nos exames de ingresso ao ensino superior (vestibulares), enfim, “ancorava”
as práticas pedagógicas.
A Geografia Tradicional, na época da ditadura militar, compactuava com a
ideologia dos militares (com um civismo exagerado nos conteúdos e nas atividades de
ensino). Suas ações puderam ser sentidas (do mesmo modo que anos primórdios do
século XX) nas escolas e nos materiais educativos.
Sob a denominação de Estudos Sociais, essa Geografia (acompanhada pela
História Escolar) servia claramente ao governo autoritário ao oferecer conteúdos
“misturados” com Educação Moral e Cívica.
A Geografia Tradicional apresentava (e ainda apresenta, pois ela ainda existe)
conteúdos de ensino como “matérias” escolares, normalmente listadas em manuais
seriados a serem seguidos pelos professores nos anos que compõem a escola básica. Os
Guias Curriculares em vigor no Estado de São Paulo na década de 70 continham tais
listas de conteúdos. Instituídos após a Lei de Diretrizes e Bases – LDB 5.692/71 que
reformou a educação nacional, eles ficaram conhecidos como “verdões” por conta de
sua identificação com os preceitos que o governo militar impunha e a própria cor de
suas capas.
A partir, principalmente, da década de 80, surge uma nova Geografia como um
movimento de denúncia, de negação e de crítica da anterior.
A Geografia Crítica nasce num período de redemocratização do país, no entanto,
percebemos que ela não conseguiu romper “rapidamente” as geografias instituídas até
então. Essa nova Geografia, busca redefinir o próprio objeto da ciência geográfica,
renovando seus métodos e técnicas.
Entendemos que cada uma das geografias reúne, na verdade, várias correntes do
pensamento científico e escolar. A citação abaixo detalha melhor tal afirmação:
“Várias são as vertentes do pensamento geográfico atual. A Geografia
Tradicional ou Clássica é formada por um conjunto de correntes que têm
em comum o método positivista. Estas não trazem bem definido o seu objeto
de estudo. A cada nova corrente tentava-se encontrar um novo objeto que
explicasse as necessidades dessa ciência. Foi superada por um movimento
de renovação, dividido em duas vertentes. Uma delas é conhecida como
Geografia Pragmática e a outra compõe-se por tendências alternativas que
se assentam em fundamentos teóricos e metodológicos diversificados.
Dentre essas tendências encontramos a Geografia Crítica que surge para
renovar tudo o que foi produzido por essa ciência, alegando que a
Geografia até então não chegava ao cerne dos problemas sociais.”
(LASTORIA, p. 179, 1999)
As diferentes geografias ajudam-nos a entender o pensamento de Paulo Freire
destacado no início deste texto, afinal cada uma delas prioriza determinados conteúdos e
respaldam determinadas práticas escolares.
Atualmente a Geografia Crítica é considerada como uma vertente plural que
possui uma multiplicidade de entendimentos. As diferentes propostas pedagógicas que
apareceram no país, a partir da década de 90, trouxeram novas fundamentações
pedagógicas para a Geografia Escolar (CAVALCANTI, 2010).
Parece-nos, portanto, fundamental que cada professor da educação básica
reconheça a existência dessas geografias, pois elas farão parte de seu trabalho
pedagógico. Isto quer dizer que consideramos importante o professor entender que ele
pode escolher por uma determinada concepção de Geografia (e de História) de acordo
com seus próprios referenciais pessoais e profissionais. Referenciais que envolvem sua
própria visão de mundo, de escola, de sociedade, de professor, de aluno, dentre outros.
Entendemos que esses referências vão sendo consolidados nos professores em
formação desde sua trajetória como alunos da escola básica, passando pela graduação
no ensino superior até os processos constantes de exercício profissional e formação
continuada.
Daí a importância fundamental dos programas de formação de professores
(inicial ou continuada) priorizarem as diferentes concepções de Geografia e de História,
pois cada uma delas ancora um tipo diverso de prática educativa, ou seja, cada
concepção justifica uma dada experiência, um certo comprometimento político e
ideológico.
A Didática da Geografia e da História permitem, dentre outros, estudar as
referidas concepções. Possibilitam, também, refletir sobre o planejamento, a execução, a
avaliação de práticas de ensino em História e Geografia. Essa ação pode ser entendida
como um exercício que requer análise sobre os posicionamentos “aparentemente”
neutros das ciências. Exige observação sobre os questionamentos políticos e sociais que
dão lugar (ou não) a exercícios de memorização a respeito de lugares exóticos do globo
terrestre ou de fatos descontextualizados da História do Brasil.
A Didática da Geografia e da História nos Anos Iniciais objetivam que o
professor estabeleça uma mediação crítica acerca dos conhecimentos sobre o espaço de
vivência dos seus alunos e suas diversas temporalidades. O que acarreta num processo
de tomada de posição enquanto sujeitos participantes da sociedade contraditória de hoje.
A contribuição da História e Geografia Escolar (ou também das Didáticas
Específicas) nos processos de formação inicial e continuado de professores relaciona-se
à amplitude e à importância que os diversos conhecimentos das áreas de História e
Geografia desempenham na composição dos currículos. Somado a isso, reside o fato de
que cada área específica possui características de ensino próprias (LASTÓRIA, 2009).
O atual contexto em que nós vivemos, marcado pelo intenso processo de
globalização, demanda um ensino diferenciado de Geografia e História. Hoje, a
configuração territorial dos espaços mundiais, alterada por interesses econômicos, é
objeto tanto da Geografia quanto da História. As fronteiras entre os países
desenvolvidos foram relativizadas e um intenso processo de produção em escala
mundial passou a reger a sociedade industrial. As tecnologias da comunicação e
informação mudaram o ritmo das relações sociais, políticas, culturais, econômicas e
educacionais. A intensa urbanização brasileira contrastou com as localidades de grupos
indígenas e remanescentes de quilombos. A espacialidade e a temporalidade ficaram
relativizadas e as ciências responsáveis por entendê-las e estudá-las (dentre elas
destacamos a Geografia e a História) desempenham papel central neste cenário de
aventura, de luta pela sobrevivência e pela liberdade.
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i Sobre as diferentes concepções que a História Escolar passou no Brasil, Schmidt e Cainelli (2004) colocam que é possível apontar, pelo menos, três fases diferentes. São elas: a que se pode denominar por ensino tradicional, a fase do predomínio dos Estudos Sociais e a fase atual. Cada uma delas apresenta concepções diferenciadas sobre a própria ciência, a sociedade, a relação professor – aluno, a avaliação, dentre outros.