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DIDÁTICA, CURRÍCULO E ESTÁGIO: INTERRELACIONANDO SENTIDOS
DO APRENDER E DO ENSINAR
Noeli Prestes Padilha Rivas
Universidade de São Paulo/FFCLRP, Brasil
Simpósio - Cotidiano escolar, estágio e os desafios da escola básica: sentidos do
aprender e do ensinar
Introdução
O texto focaliza a formação do professor para a Educação Básica, a partir da
multidimensionalidade da atividade docente onde a didática, o currículo e o estágio,
consubstanciados no Curso de Pedagogia, constituem-se elementos fundantes. Discute o
campo da didática e do currículo na confluência das práticas pedagógicas e do estágio,
muito embora tenham identidades próprias, possuem fundamentações comuns no
âmbito geral da educação, em função das relações entre conhecimento e o contexto
social mais amplo. Aborda o estágio como campo de conhecimento e de pesquisa no
contexto do Curso de Pedagogia de uma Universidade pública. Por fim, analisa os
desafios da escola básica interrelacionado, a partir das mediações da ação pedagógica os
sentidos do aprender e do ensinar. Assim, a educação é analisada na perspectiva da
formação inicial de professores, notadamente no Curso de Licenciatura em Pedagogia,
tendo em vista a relevância da temática, sobretudo no que diz respeito à elevação do
nível superior da formação do professor para a Educação Básica, mesmo considerando
que essas questões já estavam postas pelos educadores escolanovistas na década de
1930.
Há, de fato, uma tradição na história da formação de professores no Brasil
segundo a qual pedagogo é alguém que ensina algo. Essa tradição teria se firmado no
início da década de 1930, com a influência tácita dos chamados “pioneiros da educação
nova”, assumindo o entendimento de que o curso de Pedagogia seria um curso de
formação de professores para as séries iniciais da escolarização obrigatória. Entretanto,
esse status não contribuiu para a valorização da formação do professor tendo em vista
que os cursos de Licenciatura, entre os quais o curso de Pedagogia, ocupam o menor
espaço na hierarquia científica da Universidade, o que tem comprometido sua
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identidade cultural e política. O que se constata é um quadro de precariedade que
abrange a profissionalização docente e suas dimensões, como formação inicial e
continuada, condições de trabalho, carreira, qualidade de ensino e políticas curriculares.
Por outro lado, os estudos e pesquisas sobre formação de professores,
considerando-se seus saberes, identidade docente e estágio como campo de
conhecimento, atividade científica e eixo curricular central (PIMENTA; LIMA, 2008,
p.61), vêm suscitando significativo debate no meio universitário. Considerar o estágio
como campo de conhecimento implica aferir-lhe um estatuto epistemológico que rompa
com sua tradicional concepção de atividade prática instrumental assentada em modelos
que foram produzidos pela cultura escolar dominante e que reduziram a atividade
docente a um fazer artesanal. Porém, essa compreensão deve ser analisada no âmbito
das contradições que permeiam a lógica dominante do capital, pois a vida escolar se
constitui também como campo de contestação e resistência. Nesse sentido, os processos
de reprodução e autoprodução (GIROUX, 1998; PÉREZ-GÓMEZ, 2001) afetam os
estudantes estagiários, seja pelos limites da pedagogia da reprodução, seja pelo
movimento de superação dessas práticas e relações. Conceber o estágio como atividade
científica pressupõe potencializá-lo como espaço de pesquisa, como método de
formação de futuros professores no sentido de analisar, refletir e ampliar a compreensão
das situações vivenciadas e observadas pelos estudantes estagiários de Pedagogia nas
escolas, nos sistemas de ensino e demais espaços educativos. Reconhecê-lo como
campo de pesquisa significa desenvolver um processo formativo integrado em que os
atores (estudante estagiário, professores formadores e professores da educação básica)
tenham possibilidade de buscar conhecimentos que permitam a análise de questões
educativas e da profissão docente em contextos históricos, sociais, culturais,
organizacionais e de si mesmos como profissionais (PIMENTA; LIMA, 2008).
Tendo em vista as considerações iniciais, organiza-se o texto da seguinte forma:
no primeiro momento situa-se o curso de Pedagogia no âmbito dos cursos de
Licenciatura, do qual emergem questões que tratam da didática (reflexão sobre a
multimensionalidade do ensino) e do currículo (produção social e cultural. Em seguida,
efetuam-se análises e reflexões a respeito do campo epistemológico do estágio e sua
contribuição para a formação inicial do pedagogo. Por fim, problematizam-se questões a
respeito dos desafios da escola básica em direção aos sentidos do parender e do ensinar.
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Situando o Curso de Pedagogia como lócus formativo na confluência da Didática e
do Currículo
A formação inicial do professor que atua na Educação Básica ocorre nos Cursos
de Licenciatura, especificamente o Curso de Pedagogia. Ressaltar este curso se justifica
no contexto da formação dos professores no Brasil, sobretudo, para a Educação Infantil
e Anos Iniciais do Ensino Fundamental, visando a formulação de propostas formativas
que levem à melhoria da condição educacional da maioria das crianças, jovens e adultos
que se encontram nas escolas públicas de educação básica. Tem como referência, a
pesquisa intitulada “A formação de professores para a Educação Infantil e para os anos
iniciais do Ensino Fundamental: análise do currículo dos cursos de Pedagogia de
instituições públicas e privadas do Estado de São Paulo”, coordenada pela Profa. Dra.
Selma Garrido Pimenta e Prof. Dr. José Cerchi Fusari. A pesquisa foi realizada entre os
anos de 2012 e 2013 por pesquisadores vinculados a diferentes instituições de ensino do
país, integrantes do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a Formação de Educador
(GEPEFE/FE-USP), [1] junto ao Programa de Pós Graduação em Educação da
Faculdade de Educação da USP, e contou com apoio do CNPq.[2] A pesquisa teve
como questão central a formação inicial de professores para atuar na Educação Infantil e
nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, com o objetivo de analisar os currículos dos
cursos de Pedagogia oferecidos por instituições públicas e privadas do Estado de São
Paulo, visando identificar como esses estão sendo organizados e qual o tratamento dado
aos conhecimentos relacionados à formação do professor para atuar na Educação
Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Partiu de resultados de pesquisas
que indicam fragilidades dos cursos de licenciatura em Pedagogia, organizados em
função das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs), instituídas pela Resolução
CNE/CP nº 1/2006 (BRASIL, 2006). O Estado de São Paulo contava, em 2012, época
da coleta de dados, com 253 cursos de Pedagogia em atividade [3], identificados no
sistema e-MEC. Porém, na página das instituições, uma parte delas não havia
disponibilizado suas matrizes curriculares. A tentativa de contato por e-mail resultou em
pouco retorno. Assim, trabalhamos com um universo de 144 matrizes curriculares de
cursos de Pedagogia oferecidos por instituições públicas e privadas do Estado de São
Paulo. Dessas, 137 disponibilizaram a relação de disciplinas e as respectivas cargas
horárias; as outras 07 disponibilizaram somente a relação das disciplinas. Para análise
das matrizes curriculares, foi elaborado um instrumento de coleta de dados constituído
de duas partes, uma com os dados gerais da instituição e do curso, e a outra com as
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categorias que foram elaboradas para análise das matrizes curriculares. A referência
sobre esta pesquisa equaciona trazer para o cerne da questão a formação do pedagogo e
sua relação com os saberes didáticos, curriculares e práticas de estágio.
Quando nos referimos à educação básica no Brasil, nos deparamos com um
cipoal de legislações e Programas Institucionais de Formação que visam romper (muitas
vezes no plano do ideário legalista e de ideias) com o estado crítico dos Cursos de
Licenciatura, inclusive com o velho jargão que “teoria é na universidade” e prática “é na
escola”. Esse pensamento advém do enfoque acadêmico que se sustenta na
racionalidade técnica, ou seja, de uma epistemologia derivada do positivismo. Supõe
que os problemas da prática são meramente instrumentais, que se resolvem a partir da
aplicação da teoria sistemática, pois esta racionalidade considera a prática como campo
de aplicação de fórmulas e técnicas concebidas como universais e verdadeiras, na
medida em que se sustentam em conhecimentos rigorosos e sistemáticos de base
científica. Saviani (2009) assinala que no Brasil convivem dois modelos formativos: a)
modelo dos conteúdos culturais-cognitivos: a formação do professor se esgota na
cultura geral e no domínio específico dos conteúdos da área de conhecimento,
correspondente à disciplina que irá lecionar.b) Modelo didático-pedagógico: a formação
se efetiva por meio do prepraro pedagógico. Estes modelos, segundo o autor, resultam
da dissociação de aspectos indissociáveis do ato docente, cuja saída deste dilema
implica na “recuperação da referida indissociabilidade, considerando o ato docente
como fenômeno concreto” (p.152), isto é, tal como se efetiva no interior das escolas de
educação básica. Além disso, Saviani (2009) propõe a reorganização dos currículos de
Pedagogia, considerando-se a produção científica no âmbito da pesquisa. Afirma o
autor:
“Penso que chegou o momento de organizar grupos de ensino nasdiferentes disciplinas do currículo escolar do curso que aglutinemdocentes em torno de projetos de ensino que configurem novosprojetos formativos” (SAVIANI, 2009, p.153).
A Pedagogia diz respeito a uma reflexão sistemática sobre o fenômeno
educativo, sobre as práticas educativas, para poder ser uma instância orientadora do
trabalho educativo. Ou seja, ela não se refere apenas às práticas escolares, mas a um
conjunto de outras práticas educacionais que permeiam a sociedade. Se a Pedagogia tem
um objeto dialético na sua essência não há possibilidades de se pensar em uma
formação para professores, sendo ela inicial ou continuada e outra para o pedagogo
(PIMENTA, 1996). A análise e a intervenção educativo-social devem ser o eixo que
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sustenta ambos os profissionais. Não há meios de se pensar em um professor que não
faça pesquisa, que não tenha contato com o conhecimento científico, que seja somente
um executor da prática educativa. Assim, o referencial teórico utilizado neste artigo
baseia-se, sobretudo, nos estudos de Franco, Libâneo e Pimenta (2007), Franco (2008),
Franco e Pimenta (2010), Libâneo (2010 a,b; 2012), Libâneo e Alves (2012), Pimenta
(2002; 2010), Saviani (2008), dentre outros.
Se Pedagogia pode ter um status de cientificidade, ela seria uma ciência da
educação especificamente ou faria parte de um rol de ciências da educação?
Antecipando essa discussão, Franco (2008) esclarece o porquê a Pedagogia é a ciência
específica ao se tratar da prática educativa. Para Saviani (2008) a prática educativa
refere-se à educação, do qual deriva determinada concepção de homem, de sociedade e
de escola. Os objetivos, os conteúdos do ensino (currículo) e o trabalho docente estão
determinados por fins e exigências sociais, políticas e ideológicas. Por conseguinte, a
prática educativa que ocorre em várias instâncias da sociedade - assim como os
acontecimentos cotidianos da vida, os fatos políticos, econômicos e culturais etc. – é
determinada por valores, normas e particularidades da estrutura e organização social a
que está subordinada. A estrutura social e as formas pelas quais a sociedade se organiza
são uma decorrência do fato de que, desde o início da sua existência, os homens vivem
em grupos; sua vida está na dependência da vida de outros membros do grupo social, ou
seja, a história humana, a história da sua vida e a história da sociedade se constituem e
se desenvolvem na dinâmica das relações sociais. A prática pedagógica incorpora o
movimento real da educação, ou seja, o modo de atuar no ato educativo,
consubstanciado pelas teorias pedagógicas que sustentam e embasam a ação docente.
“O professor como sujeito que não reproduz apenas o conhecimento pode fazer do seu
próprio trabalho de sala de aula um espaço de práxis docente e de transformação
humana”(p.80), pois é na ação refletida e no redimensionamento de sua prática que o
mesmo pode ser agente de mudanças ou ter papel significativo no seu contexto de
atuação. Por essa razão, acredita-se que a docência, consubstanciada na prática
pedagógica é, em essência, o trabalho, seus aportes teórico-metodológicos na produção
e disseminação do conhecimento, bem como aspectos orientadores e determinantes na
produção da profissionalidade.
Saviani (2008) ainda ressalta que as ciências da educação possuem um objeto
determinado, que não é propriamente a educação. Elas perpassam o objeto específico da
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Pedagogia (o fenômeno educativo), recortando elementos que as interessam. Por isso, as
ciências da educação podem direcionar seus estudos para as temáticas educativas, mas
não são elas que as compreendem na sua totalidade. Assim, conforme o autor, o ponto
de chegada e partida da ciência da educação é o fazer educativo, sendo somente um
ponto de passagem quando se trata das ciências da educação, como a sociologia da
educação, a psicologia da educação, a economia da educação, ou seja, para o primeiro
caso, “em vez de se considerar a educação a partir de critérios sociológicos,
psicológicos, econômicos, etc., são as contribuições das diferentes áreas que serão
avaliadas a partir da problemática educacional” (SAVIANI, 2008, p.140).
Corroborando nesta direção Franco, Libâneo e Pimenta (2007, p.69) reafirmam
que "sem a pedagogia, permeando e dando sentido à prática docente, a ação docente
transforma-se em mero modo de fazer uma tarefa", perdendo-se, com isso, toda a
magnitude que a Pedagogia promove como ação transformadora e aperfeiçoadora da
prática. A atividade docente (educativa) não pode estar desligada da atividade
pedagógica, correndo-se o risco de se cair em um vazio epistemológico, no qual a
prática se justifica pela reprodução desta prática, repetindo os erros e distorções do que
é a atividade do pedagogo. Prima-se pela defesa da Pedagogia como ciência da
educação, cujo objeto a que se destina é único: a prática pedagógica. Isso não veta a
abordagem das outras ciências no âmbito educativo, mas não lhes dá o direito de
tomarem para si o objeto específico da Pedagogia. Assim, é importante que os
pedagogos continuem a defender a especificidade da Pedagogia, já que é um campo de
conhecimento que muitas vezes foi considerado desnecessário (FRANCO E PIMENTA,
2010; PIMENTA e ALMEIDA, 2009; FRANCO et al, 2007).
No que diz respeito à concepção de formação docente, acrescenta-se a existência
de uma tensão e apreensão nas escolas, não apenas em relação às condições de trabalho
e carreira que pouco melhoraram, mas também em relação aos estudantes. Arroyo
(2004, p.10) destaca que ao “longo da história sempre que os educadores mudaram, a
pedagogia e a docência foram tensionadas. (...). Nunca sentimos tanto que as imagens
do magistério e da pedagogia são inseparáveis da realidade da infância, adolescência e
juventude com que convivemos”. Portanto, a imagem que tínhamos sobre o magistério e
o imaginário que representávamos para esta população está condenada a desaparecer, o
que o autor denomina de imagens quebradas, pois o lócus principal da revolução
comunicacional está distante da escola, o que a coloca em visível desvantagem no
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espaço cultural. A lógica capitalista de organização da sociedade exige, com maior
ênfase, que a escola prepare o aluno para o trabalho e torne o conhecimento científico
aplicável às necessidades do mercado. Essa concepção representa um ponto de tensão,
tendo em vista que a instituição escolar não pode ser concebida nessa estreiteza, mas
como espaço de direitos, de formação e de cidadania.
Davini (2010) também contribui para a explicitação do tema na medida em que
aponta algumas tensões que perpassam a formação docente, inclusive são visíveis nos
Cursos de Pedagogia. São eles: Entre as teorias e a prática; O objetivo e o subjetivo;
Entre o pensamento e a ação; O indivíduo e o grupo; A reflexão e a boa receita; Os
docentes e os estudantes são adultos e trabalhadores. Aponta para busca de formação
que inclui a atualização permanente, a análise do contexto social da escolarização e dos
compromissos que subjazem o currículo formativo e a reflexão acerca da prática no
contexto específico e no desenvolvimento de alternativas para a ação na escola e na sala
de aula. (DAVINI, 2010).
Perante essas tensões relacionadas ao campo do currículo do Curso de
Pedagogia, o estágio “Didática e Práticas Pedagógicas: Planejamento e Currículo”
desenvolvido na disciplina Didática II tem merecido atenção especial como espaço
privilegiado de formação na medida em que possibilita um processo de reflexão com os
estudantes acerca do currículo e práticas pedagógicas desenvolvidas na escola. O
currículo não pode ser tomado como uma mera reprodução de decisões e modelações
implícitas determinadas por realidades fixas, mas deve ser entendido como prática
pedagógica em uma perspectiva crítica e histórica. Os níveis nos quais se decide e
configura o currículo não guardam dependências estritas entre si, mas são instâncias que
atuam convergentemente na definição da prática pedagógica com poder distinto e por
meio de mecanismos peculiares. Os estudantes ao se defrontarem com modelos de
currículo prescrito e currículo modelado pelos professores (GIMENO SACRISTÁN,
1998) têm a oportunidade de analisar as relações, conexões e espaços de autonomia do
professor (ou não) uma vez que desenvolvem as atividades propostas no referido
estágio.
O campo do currículo não é somente um corpo de conhecimentos, mas uma
dispersa e ao mesmo tempo encadeada organização social (SCHUBERT, 1986, p.3 apud
GIMENO SACRISTÁN, 1998, p.101). O currículo é um objeto que se constrói no
processo de configuração, implantação, concretização e expressão de determinadas
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práticas pedagógicas e em sua própria avaliação, como resultado de diversas
intervenções que nela se operam. O “conceito de currículo adota significados diversos,
porque além de ser suscetível a enfoques paradigmáticos diferentes é utilizado para
processos ou fases distintas do desenvolvimento curricular” (GIMENO SACRISTÁN,
1998, p.103). O currículo prescrito, segundo o autor, prescreve certos mínimos e
orientações curriculares e tem uma importância decisiva, não para compreender o
estabelecimento de formas de exercer a hegemonia cultural de um Estado organizado
política e administrativamente em determinado momento, mas sim enquanto meio de
conhecer, e desde uma perspectiva pedagógica, o que ocorre na realidade escolar, à
medida que, neste nível de determinações, se tomam decisões e se operam mecanismos
que têm consequências em outros níveis de desenvolvimento do currículo. “A política
curricular é um aspecto específico da política educativa, que estabelece a forma de
selecionar, ordenar e mudar o currículo dentro do sistema educativo” (idem, p.109),
tornando claro o poder e a autonomia que diferentes agentes têm sobre ele, intervindo,
dessa forma, na distribuição do conhecimento dentro do sistema escolar e incidindo na
prática educativa, pois, enquanto apresenta o currículo a seus consumidores, ordena seus
conteúdos e códigos de diferentes tipos.
A política é um primeiro condicionante direto do currículo, enquanto o regula,
indiretamente, por meio de sua ação sobre outros agentes moldadores. A política
curricular estabelece ou condiciona a incidência de cada um dos subsistemas que
intervém num determinado momento histórico (PACHECO, 2011). O currículo
prescrito para o sistema educativo e para os professores é a sua própria definição, a de
seus conteúdos e demais orientações relativas aos códigos que o organizam e obedecem
às determinações procedentes do fato de ser um objeto regulado por instâncias políticas
e administrativas. Ele contempla: formas, estrutura de decisões, controle e vigilância,
mecanismos de controle explícitos ou ocultos e políticas de inovação. (ARROYO, 2011;
APPLE; BURAS, 2008; MOREIRA, 2007).
As funções do currículo prescrito de acordo com Gimeno Sacristán (1998) estão
estabelecidas em diversos níveis das instâncias político-administrativas e compreendem:
a cultura comum (diretrizes curriculares, core curriculum); normalização cultural
(mínimo marca uma norma de qualidade de conhecimentos e aprendizagens básicas
para todo o sistema); conteúdos, códigos e meios por meio dos quais se configura na
prática escolar (política contraditória na prescrição de mínimos, orientação do processo
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de ensino e aprendizagem pedagógica); via de controle sobre a prática de ensino
(mediatização da cultura nas instituições educativas pressupõe um projeto de
desenvolvimento humano em suas vertentes intelectuais, afetivas, sociais e morais);
controle da qualidade do sistema educativo (regulação administrativa que ordena como
deve ser a prática escolar, ainda sob a forma de sugestões - condições de ensino-,
inspeção e avaliação externa - produtos da aprendizagem). O Projeto Político-
Pedagógico da escola, campo de estágio, representa o currículo prescrito. Nesse sentido
é fundamental que os estagiários do curso de Pedagogia ao tomarem contato com este
documento, analisem-no a partir de sua complexidade, permeado por decisões ou
subordinação de conteúdos que sofrem influências de instâncias de decisão política e
administrativa e de relações de poder que perpassam a construção e a socialização do
conhecimento.
Outro modelo enunciado por Gimeno Sacristán (1998) diz respeito ao Currículo
modelado aos professores (p.165), o qual pode ser interpretado como entrecruzamento
de diversas práticas na ação docente. Isso significa que todos os envolvidos no processo
curricular são sujeitos, seja o professor indivíduo, seja a coletividade profissional. Se o
currículo expressa o plano de socialização por meio das práticas escolares impostas de
fora, essa capacidade de modelação que os professores têm é um contrapeso possível se
for exercida adequadamente e estimulada como mecanismo contra-hegemônico.
Qualquer estratégia de inovação ou de melhora da qualidade da prática de ensino deverá
considerar esse poder modelador e transformador dos professores, que de fato o
exercem num sentido ou noutro, para enriquecer ou empobrecer as propostas originais.
A mediação não é realizada intervindo apenas diretamente sobre o currículo, mas
também por meio das pautas de controle dos alunos nas aulas, porque, com isso,
mediatizam o tipo de relação que os alunos podem ter com os conteúdos curriculares. O
professor não decide sua ação no vazio, mas no contexto do local de trabalho, em
instituição que tem suas normas de funcionamento abalizadas às vezes pela
administração, pela política curricular, por órgãos de governo de uma escola ou pela
simples tradição que se aceita sem discutir. (PIMENTA, 2010; LIBÂNEO; ALVES,
2012).
A perspectiva dos estudantes estagiários do curso de Pedagogia em conhecer o
currículo moldado aos professores na escola consubstancia-se no acompanhamento das
aulas por meio das observações, na análise dos planejamentos e atividades
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organizadoras do ensino que os professores planejam e trabalham no cotidiano escolar.
Parte-se do pressuposto que o processo de construção do currículo da escola básica
compreende disputas, dualismos e dicotomias, cujos códigos explícitos e ocultos vão
definindo etapas, elementos constitutivos, relações de poder e formas internas e externas
de regulação existentes. Como fazer frente aos novos desafios trazidos pelas mudanças
sociais, ao processo de formação dos professores, considerando-se que a atuação dos
mesmos precisa resultar da convergência e articulação entre as dimensões científica,
investigativa e pedagógica? Como o professor do Ensino Fundamental se apropria do
currículo? Há dificuldades na relação entre o instituído e o instituinte no âmbito da
cultura e o espaço escolar, os quais delimitam os percursos dos sujeitos com diferentes
expectativas e necessidades? Evidencia-se, neste processo, a centralidade que as
reformas curriculares assumem nas politicas educacionais atuais no Brasil decorrendo a
criação e reformulação de propostas em áreas interdisciplinares, temas transversais,
áreas de projetos, currículos por competências currículo, etc. Como os estudantes de
pedagogia ressignificam esta realidade?
O papel da escola pública e a concepção de professor também permeiam a
proposta de estágio. Concordamos com Saviani (2008) quando ressalta que cabe à
escola atuar no sentido de construção da cidadania ampliando o universo cultural e
científico de crianças, jovens e adultos, “pois a educação pertencendo ao âmbito do
trabalho não material tem a ver com ideias, conceitos, valores, símbolos, hábitos e
habilidades” (p.141). Sobre a função da escola na sociedade contemporânea, Nóvoa
(2009) alerta para o risco do transbordamento de suas funções e reforça sua
preocupação central e seu maior compromisso com a aprendizagem das crianças e
jovens.
Ao remeter a análise deste estudo para o currículo de formação inicial de
professores, notadamente no curso de Pedagogia, optamos por recortes, ou seja, pelos
traços espaço-temporais que cruzam a formação docente e se entrecruzam com políticas
públicas e curriculares, formando um mapa de políticas formativas da instituição.
Assim, não somente as normas legais subjetivam os licenciandos, mas estes ligam-se e
são influenciados por valores morais, discursos pedagógicos, concepções e teorias de
educação, comportamentos midiáticos e mercadológicos. Nesse contexto, emerge a
construção da identidade do professor, um constructo permeado por determinações
sociais, culturais, políticas, pedagógicas, históricas e econômicas. Ou seja, “a identidade
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é um processo de construção do sujeito historicamente situado” (PIMENTA, 2010,
p.50).
A docência deve ser pensada como trabalho interativo e seu objeto humano
implica no trabalho material, no trabalho cognitivo, no trabalho sobre e com o outro.
Por conseguinte, ser professor ultrapassa o domínio de conteúdo, incorporando
características que só podem ser alcançadas mediante uma reflexão e atuação
intencional da atividade pedagógica. Essa complexidade advém do fato de envolver
condições singulares para seu exercício e de exigir multiplicidade de saberes,
competências e atitudes que precisam ser apropriadas e compreendidas em suas
relações. O desafio que se coloca pressupõe a superação do pensamento de que o
conhecimento válido é apenas o que passou pelo crivo do método científico,
supervalorizado pela modernidade, no qual a teoria se estabeleceu como referente da
prática. A docência é entendida como um processo contínuo de construção da
identidade docente, tendo por base os saberes da experiência (construídos no exercício
da prática profissional e na vivência enquanto estudante), os saberes da formação, ou
seja, das áreas do conhecimento e os saberes pedagógicos, que delineiam a formação
docente. A identidade é epistemológica e profissional. É epistemológica quando
reconhece a docência como um campo de conhecimentos específicos configurados em
quatro grandes eixos, a saber: a) conteúdos das diversas áreas do ensino e do saber; b)
conteúdos didático-pedagógicos, vinculados ao campo da prática profissional; c)
conteúdos relacionados aos saberes pedagógicos; d) conteúdos ligados à explicitação do
sentido da existência humana individual, com sensibilidade pessoal e social. É
profissional quando toma a docência como um campo específico de intervenção
profissional na prática social. (PIMENTA, 2010). Portanto, as questões pertinentes à
identidade docente também são abordadas no estágio por constituírem-se inerentes à
formação profissional.
Outro eixo fundante neste estudo diz respeito à Didática como reconfiguradora
da formação do Pedagogo. O sentido da Didática no âmbito da formação de professores,
enquanto campo epistemológico, disciplinar e de práticas pedagógicas, tem sido
debatido e problematizado por pesquisadores da área os quais têm procurado
ressignificá-la em meio às contradições impostas pelo atual contexto socioeconômico,
histórico e político, bem como pelo questionamento do papel do ensino, da
aprendizagem, da escola e dos professores. Desde seu início ela surge no contexto das
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contradições da sociedade. Por exemplo, no século XVII ela tentou responder aos
desafios da reforma protestante e da proposta de universalização do saber buscando
romper com a hegemonia da educação católica medieval; no século XX, década de
1980, reflete o cenário constituído pelos movimentos sociais dos trabalhadores no
período pós-ditadura e movimentos sociais de reorganização da sociedade civil
brasileira. Dentre outras questões, tais movimentos colocaram em questionamento as
escolas, os currículos e as práticas pedagógicas e impulsionaram a organização dos
professores em sindicato, surgimento das greves e ampliação dos cursos de formação de
professores (FUSARI; FRANCO, 2010). Nesse contexto, a Didática assumiu as
questões pedagógicas como base de sua produção e situou as questões políticas como
determinantes das pedagógicas. Diante desse cenário entendeu-se que
[...] a Didática deveria propiciar a análise crítica da realidade doensino por parte dos professores em formação, inicial ou continuada,buscando compreender e transformar essa realidade, de formaarticulada a um projeto político de educação transformadora(FRANCO, 2010, p. 89).
Na atualidade, a Didática assume o ensino (indissociável da aprendizagem)
como seu principal objeto de análise e investigação (PIMENTA, 2010), o que demanda
certa delimitação de seu campo específico, qual seja, as relações entre a aprendizagem e
o ensino (LIBÂNEO, 2010b). Complementando essas dimensões e com vistas no século
XXI, a Didática é chamada a responder aos desafios da escola contemporânea,
sobretudo a pública. Para tanto, enquanto disciplina dos cursos de formação de
professores, cabe a ela oferecer os subsídios para os sujeitos envolvidos com a tarefa de
ensinar/formar os recursos teórico-práticos que poderão abrir novos caminhos na busca
de condições mais dignas para o trabalho docente e para a aprendizagem dos alunos
(FRANCO, 2010).
Parte-se do pressuposto de que a Didática é uma área de conhecimento que tem
o ensino como seu principal objeto de investigação, portanto, estabelece estreita relação
com as questões relacionadas ao processo ensino-aprendizagem. O ensino é entendido
como prática social, historicamente situada, concreta, complexa e multideterminada
(PIMENTA, 2010) que não pode ser referenciado dissociado da aprendizagem. Assim
considerado, cabe indagar: Qual o espaço da Didática hoje nos cursos de Pedagogia? No
nosso entender, a Didática nos cursos de Pedagogia pode oferecer os recursos teórico-
práticos necessários à reflexão sobre o ensino visando compreendê-lo em todas as suas
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determinações. A Didática ocupa, portanto, lugar próprio na formação de professores,
promovendo os conhecimentos e as práticas para o papel de mediação pedagógica no
processo de ensino e aprendizagem (LIBÂNEO; ALVES, 2012, p. 28) com vistas a
contribuir com a melhoria da escola pública, com foco nas questões de aprendizagem e
desenvolvimento de processos cognitivos. Assim considerado, a Didática, nos cursos de
licenciatura incluindo a Pedagogia, deve ter por princípio formar professores para o
ensino caracterizado como
[...] um sistema de condições de ação docente que ajude os alunos adesenvolverem suas capacidades intelectuais por meio dos conteúdos,de modo a internalizarem procedimentos mentais para relacionar oconhecimento com seu objeto, contribuindo desse modo para seudesenvolvimento mental e, de modo geral, para a formação dapersonalidade (LIBÂNEO, 2012, p. 58).
As questões colocadas mostram que a Didática, nas dimensões epistemológica,
disciplinar e de práticas pedagógicas, está profundamente comprometida com a relação
entre os processos de ensino e de aprendizagem. A seguir, analisa-se o estágio
desenvolvido na disciplina de Didática II do curso de Pedagogia, o qual encontra-se
ancorado nos princípios fundamentais: trabalho coletivo e democrático, valorização da
escola pública e atividade científica como eixo formativo.
O Estágio na Disciplina Didática: contextos e dilemas
O Curso de Pedagogia, do Departamento de Educação, Informação e
Comunicação, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo contempla 400 horas de estágio curricular. Essa carga
horária atende o que preconiza a pertinente legislação, bem como o Programa de
Formação de Professores da USP (PFPUSP). Os estágios no Curso de Pedagogia em
tela ocupam papel relevante no processo formativo, sendo ofertados e organizados ao
longo dele em formatos diferenciados que visam se adequar da melhor forma às áreas de
intervenção do futuro profissional. Procura-se, ainda, ordenar no Projeto Pedagógico os
componentes curriculares de tal forma que o percurso formativo seja favorecedor de
articulações, quer entre teoria e prática, quer entre as diferentes disciplinas. A
integração entre a teoria e a prática é exigência do processo de formação do pedagogo,
decorrendo desse modo a necessidade de que o currículo envolva um contínuo e
permanente processo de prática de ensino, entendida esta como mediação de ensino e de
aprendizagem no âmago do qual o fazer concreto, orientado pelo saber teórico, possa
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 400300
integrar e consolidar a formação do profissional. O estágio associado à disciplina
Didática II (4º semestre ideal) denominado Didática e Práticas Pedagógicas:
Planejamento e Currículo contempla uma carga horária de 30 horas, objetivando que os
estudantes se aproximem da realidade vivenciada em sala de aula de Ensino
Fundamental I. Predominantemente de caráter investigativo, o estágio propicia os
primeiros contatos e reflexões acerca da prática docente, no qual a atividade de
aprendizagem da docência e a relação teoria e prática são elementos indissociáveis na
constituição dos saberes e da identidade do professor. Nesse sentido, o estágio é
percebido pelo conceito de práxis, como atividade que compreende e transforma a
realidade (PIMENTA e LIMA, 2008). Na perspectiva das autoras, o estágio curricular é
entendido como exercício teórico de conhecimento, fundamentação, diálogo e
intervenção na realidade, que valoriza a prática profissional como momento de
construção de conhecimento por meio de reflexão, análise e problematização dessa
prática e como espaço privilegiado da construção da identidade de professor.O estágio
na disciplina de Didática II não é considerado somente um dos elementos do currículo
do curso de Pedagogia, mas integra o corpo de conhecimentos deste curso ao se
desenvolver num formato que assume atitude investigativa, e que compreende a
reflexão e a intervenção na vida da escola, dos professores, dos alunos e da sociedade,
possibilitando os estudantes compreender os contextos históricos, sociais, culturais,
organizacionais nos quais ocorre a atividade docente (LIMA e AROEIRA, 2011).
Assim como os demais estágios do Curso, este está organizado a partir dos princípios: o
de trabalho coletivo e democrático, da valorização da escola pública e da atividade
científica como eixo formativo. Quem é o professor da Educação Básica?
A escolha de ter como campo de estágio somente escolas públicas ancora-se no
compromisso assumido pelo Curso de Pedagogia FFCRP/USP desde sua concepção, em
contribuir com a melhoria da qualidade do ensino das instituições públicas de ensino,
bem como em um dos princípios do PFPUSP, no qual apreende a escola pública como
parceira e prioritária, foco de interesse em pesquisas, projetos e intervenções.Essa forma
de atuar tem se apresentado como um fator significativo para a formação dos estudantes
e assume relevância ainda maior porque se constitui num primeiro momento em que os
estagiários têm contato com a atividade de docência. O fato de terem um parceiro para
discutir e pensar juntos, especialmente nesse momento do curso em que “estreiam”
como professor, dá-lhes mais segurança e condições de começar assumir a posição de
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 400301
quem ensina, e, além disso, permite-os vivenciar, desde a formação inicial, o exercício
do trabalho coletivo na escola. Ainda considerando essa situação, os estudantes relatam
nos momentos de reflexão do estágio o quanto é importante ter um parceiro para dividir
as decisões e reflexões assim como a escolha do tema da aula, dos materiais a serem
utilizados e, sobretudo, no desenvolvimento das aulas. O estágio da referida Disciplina
prevê atividades que possibilitam o conhecimento do currículo, reflexão do trabalho
docente, ação docente nas instituições, a fim de compreendê-las em sua historicidade,
identificando resultados, impasses e dificuldades. Esse conhecimento envolve estudo,
análise, problematização, proposição de soluções às situações de ensinar e aprender,
assim como propõem Pimenta e Lima (2008). As atividades propostas para o estágio e
sua disposição ao longo do semestre favorecem, juntamente com o programa de aula e
as discussões em supervisões de pequenos grupos, o estudante de Pedagogia para que
tenha condições de construir sua identidade como professor, bem como de se perceber
preparado para se inserir nos contextos e neles intervir (PIMENTA, 2010). Este estágio
encontra-se organizado no segundo semestre do segundo ano do curso de Pedagogia da
FFCLRP/USP com uma carga de 30 horas.
As atividades de estágio são apresentadas aos alunos no início da disciplina de
Didática II pelas professoras responsáveis e educadora que acompanha o estágio por
meio de um documento intitulado “Orientações Gerais para a Realização do Estágio em
Didática II” (RIVAS, PEDROSO e BEZERRA, 2011). Esse documento é uma
ferramenta importante durante todo o desenvolvimento do estágio por constar as
orientações detalhadas sobre as atividades de estágio, que acontecem tanto na escola
campo de estágio como na Universidade no âmbito das supervisões e dos laboratórios,
que são espaços de reflexão e de elaboração de material para o estágio. As atividades do
programa de estágio em questão estão relacionadas aos saberes pedagógicos,
constituintes do campo epistemológico da Didática e sua relação com o campo
curricular, bem como visam provocar a reflexão relativamente aos seguintes
questionamentos: Quais as mediações que essas áreas proporcionam e contribuem para
a formação do pedagogo enquanto docente? Quais as aprendizagens decorrentes dessas
mediações que se constroem nas relações estabelecidas no encontro e confronto de
professores formadores, docentes da escola de ensino fundamental e estudantes
universitários?
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 400302
Assim sendo, os saberes que se associam com a dinâmica de funcionamento da
escola, a sala de aula com seus conflitos e contradições, as formas de organização do
processo ensino-aprendizagem constituem-se ações planejadas para serem
desenvolvidas na escola campo de estágio e são materializadas pelas seguintes
atividades: Atividade de Observação Participante; Atividade de Participação nas
reuniões Pedagógicas; Atividade de Análise do Projeto Político-Pedagógico e do
Planejamento do Professor; Atividade durante o recreio e Atividade de Docência. É
importante observar o significado e o caráter de tais atividades, que não podem ser
percebidas como ações isoladas e pontuais, mas sim em uma perspectiva pedagógica
visando à efetivação do processo ensino e aprendizagem.
Pontuando algumas considerações: A construção de sínteses acerca daformação do pedagogo e dos sentidos do aprender e do ensinar na escola pública
A realização do estágio sob a forma de interação e de intervenção mostra-se
como um caminho teórico-metodológico que possibilita a concretização dos
fundamentos e objetivos do curso, ou seja, proceder à mediação entre o processo
formativo e a realidade no campo social. Mesmo considerando os limites de tempo e
espaço, observamos por meio dos depoimentos, relatórios e apresentações de trabalho
que este estágio tem se constituído como um importante lócus de formação. Ao se
inserir no campo profissional o egresso dos Cursos de Licenciatura encontrará uma
realidade multifacetada, carregada de ambiguidades e de incertezas. Por conseguinte, os
desafios atuais da profissão docente exigem políticas formativas e curriculares,
alicerçadas na sociedade e na cultura por um lado, e nas jovens gerações por outro lado,
mediada pelos diferentes saberes, que contemplam elementos potencialmente
contraditórios. Recuperar perdas registradas nas últimas décadas e lutar por uma nova
identidade profissional não tem sido tarefa fácil nas universidades, pois requer
mudanças na organização institucional, curricular, na estrutura dos conteúdos, no perfil
da docência, enfim no redimensionamento de todo o projeto formativo. Além disso,
requer nova concepção dos cursos de licenciatura, notadamente o curso de Pedagogia,
onde a relação da universidade com a escola básica se constitua em eixo basilar com
abertura de caminhos para uma verdadeira profissionalidade, pautada por níveis de
excelência e perpassada por uma dimensão ética.
A questão da formação de professores é mais intricada do que o conjunto de
problemáticas que vem sendo apontadas em diferentes âmbitos, tais como fóruns
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 400303
nacionais e internacionais, pesquisas e políticas educacionais. Quando se trata da
formação de professores esses estudos tem chamado atenção para a insuficiência no
processo formativo, seja pela descaracterização dos saberes pedagógicos, seja pela
ênfase dos saberes específicos, enfim, observa-se nas instituições formadoras modelos
precários de formação. Diante desse quadro é possível falarmos em desenvolvimento de
práticas pedagógicas inovadoras? As escolas têm seus projetos pedagógicos, onde se
materializam as propostas educacionais, a gestão escolar, os objetivos de formação, a
relação com a comunidade, a possibilidade de formação de seus docentes e
funcionários. Enfim, se a escola tiver um projeto pedagógico articulado, no qual
mobilize a comunidade escolar é possível o desenvolvimento de práticas inovadoras,
pois o próprio caráter coletivo das instituições escolares exige que o professor não seja
concebido como um preceptor em ações isoladas, mas como integrante de uma
instituição educacional complexa.
Por outro lado, no que se refere às instituições formadoras (Universidades) é
possível atuar no sentido da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, de
modo a proporcionar a qualidade da formação inicial, introduzindo os licenciados nos
processos investigativos em sua área específica e na prática docente, tornando-os
profissionais capazes de promover sua formação continuada.
Vaillant e Marcelo Garcia (2013) fizeram um amplo estudo sobre os processos
de formação de professores em vários países da Europa, Ásia e América. Concluíram
que diferentemente das práticas tradicionais de formação, que não relacionam as
situações de formação com as práticas de sala de aula, as experiências mais eficazes
para o desenvolvimento profissional são aquelas que estão baseadas na escola e que se
inscrevem dentro das atividades cotidianas dos professores. Portanto, mesmo com um
quadro onde persistem as práticas formativas tradicionais, começam a emergir
estratégias e processos alternativos que se configuram a partir de perspectivas
diferenciadas do que significa aprender a ensinar no mundo contemporâneo.
Os estágios nos Cursos de Licenciatura devem ocupar papel relevante no
processo formativo, e ser ofertados e organizados ao longo do curso em formatos
diferenciados que visam a se adequar da melhor forma às áreas de intervenção do futuro
profissional. A integração entre a teoria e a prática é exigência do processo de formação
do licenciando, decorrendo desse modo a necessidade de que o currículo envolva um
contínuo e permanente processo de prática de ensino, entendida como mediação de
ensino e de aprendizagem no âmago do qual o fazer concreto, orientado pelo saber
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 400304
teórico, possa integrar e consolidar a formação do profissional. Ressalta-se um dos
princípios do Programa de Formação de Professores da USP, criado em 2004, o qual
sintetiza a importância do estágio:
A instituição escolar e sua proposta pedagógica, concomitantementecom as características das áreas específicas de atuação doslicenciandos, devem ser o eixo norteador das diferentes modalidadesde estagio supervisionado, que poderão também estender suas açõesinvestigativas e propositivas à órgãos centrais e espaços sócio-institucionais relevantes para a educação pública. (PFPUSP, 2004;PIPITONE, M.A.P; ZUFFI, E.M;RIVAS, N.P.P, 2010).
No que concerne às práticas pedagógicas inovadoras nos programas de formação
inicial e continuada no Brasil, especialmente na Educação Básica, o foco reside em três
movimentos, os quais são representativos e configuram como construtos da profissão
docente, ao longo da nossa história da educação, mas também como paradoxos. O
primeiro tem a ver com a democratização da escola básica, com o processo de
ampliação do acesso das camadas majoritárias da população brasileira. A essa
modificação, acrescentam-se as mudanças na sociedade como um todo, promovidas
sobretudo pela revolução digital, enfatizando o papel do conhecimento e da tecnologia
na sociedade atual. Porém, dada a diversidade da sociedade brasileira, convivemos com
ilhas de excelência e com precariedades institucionalizadas, ou seja, com a falta de
aprendizagem de crianças e jovens. O segundo movimento diz respeito ao processo de
elevação da formação do professor que atua na Educação Básica ao nível superior
(prerrogativa da Lei 9394/96), que emerge das circunstâncias sociopolíticas presentes na
ampliação do acesso ao conhecimento e à escolarização em todos os níveis, cujo
paradoxo se configura na pauperização da profissão docente, ocasionado pelas
condições de trabalho e baixa remuneração. O terceiro movimento situa-se na
confluência dos sistemas internos e externos de avalição, cujo paradoxo pode ser
interpretado no sentido de reorientação das práticas e políticas públicas mais
consistentes e na avaliação como instrumento de ação formativa, bem como este sistema
de avaliação ser tomado como instrumento de coerção e culpabilização dos professores.
Estes paradoxos, citados acima, indicam possibilidades e limites nos processos
de formação profissional e da profissionalidade, tendo em vista o entrecruzamento de
uma cultura ampla e hegemônica e culturas específicas, que abrange o pessoal, o
profissional e o institucional do sujeito professor.
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 400305
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Notas:
1. A pesquisa foi coordenada por José Cerchi Fusari & Selma Garrido Pimenta – USP/GEPEFE eteve na coordenação executiva dos profs. Cristina Cinto Araujo Pedroso (FFCLRP/USP) eUmberto de Andrade Pinto (UNIFESP/Guarulhos). E contou com a colaboração dos seguintespesquisadores: Idevaldo da Silva Bodião (UFCE); Isaneide Domingues (Secretaria Municipal deEducação - São Paulo) Karina de Melo Conte, Lenilda Rego Albuquerque Rego (UFAc); LigiaPaula Couto (UEPG); Maria Marina Dias Cavalcanti (UECE); Marineide de Oliveira Gomes(UNIFESP/Guarulhos); Naldeli Fontes (UMC); Noeli Prestes Padilha Rivas (FFCLRP/USP);Simone Rodrigues Batista (Centro Universitário Monte Serrat – Unimonte – Santos); ValériaCordeiro Fernandes Belletati (IFSP); Vanda Moreira Machado Lima (UNESP/PresidentePrudente); e Yoshie Ussami Ferrari Leite (UNESP/Presidente Prudente).
2. Edital nº 7/2011.
3. Para obter a relação de cursos no sistema e-MEC, selecionamos, a partir da opção “Busca Avançada”, a
situação “Em atividade”.
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