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DOCUMENTAÇÃO DE AUDITORIA:
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REQUISITOS E IMPORTÂNCIANA MELHORIA DA QUALIDADEDAS AUDITORIAS
IntroduçãoA função do auditor ao longo desta última década tem sofrido
algumas pressões que puseram em causa a sua independência,
integridade, credibilidade e, no cômputo geral, a qualidade do seu
trabalho. Estas pressões tiveram o seu início nos Estados Unidos
com a falência da Enron, com o “desaparecimento” da multinacional
Arthur Andersen e agora mais recentemente com a crise financeira
desencadeada pelo subprime, onde bancos como o Lehman Brothers
acabaram por declarar falência. A crise acabou por se generalizar
em todo o mundo e a perda de confiança nas pessoas e nas
instituições é quase total, revestindo-se o papel do auditor como
essencial para que a confiança nas empresas e no sistema financeiro
em geral possa ser restaurada.
Assim, é imperativo que o auditor hoje em dia consiga demonstrar
e acima de tudo convencer o mercado e os diversos agentes
económicos que é independente, profissional, íntegro, credível, que
defende a transparência e que actua com rigor. Mas, para isso é
fundamental que se confirme que são cumpridas as normas de
auditoria aplicáveis. O auditor só conseguirá evidenciar o que foi
mencionado atrás, se reunir documentação suficiente e apropriada,
preparada de forma tempestiva. De acordo com Monteiro (2008):
Cristina Maria Pereira Nunes Figueiredo Rodrigues MEMBRO ESTAGIÁRIO DA OROC
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“(...) é imperativo que o auditor hoje em dia consiga demonstrar e acima de tudo convencer o mercado e os diversos agentes económicos que é independente, profissional, íntegro, credível, que defende a transparência e que actua com rigor. (...)”
“Cada um de nós tem de ser capaz de melhorar a qualidade das
auditorias que realizar, reportando com mais rigor as conclusões
alcançadas”.
A documentação de auditoria é o principal registo escrito que suporta
o relatório do auditor, que evidencia que a auditoria foi feita de
acordo com as normas de auditoria aplicáveis, as conclusões do
auditor sobre cada asserção significativa das demonstrações
financeiras e a opinião do auditor sobre as demonstrações financeiras
como um todo. Assim, o objectivo deste artigo visa assinalar e
aprofundar os seguintes aspectos:
i) As orientações presentes na Norma Internacional de Auditoria
230 (ISA 230), chamando a atenção para os principais requisitos
com ilustração prática dos mesmos; e
ii) A importância de aumentar a qualidade das auditorias através
de uma boa documentação, tendo em conta as deficiências de
documentação mais comuns.
Evolução das normas de auditoria relativas à documentação
A forma e os requisitos de documentação de auditoria têm sofrido
ao longo da última década bastantes alterações, primeiramente nos
Estados Unidos e posteriormente no panorama internacional. Nos
Estados Unidos, com aprovação em Agosto de 2004 do Auditing
Standard nº 3: Audit Documentation (PCAOB) pela Securities and
Exchange Commission (SEC), tornando-se o mesmo efectivo para
auditorias de demonstrações financeiras para os períodos que
terminem em 15 de Novembro de 2004 ou após essa data. No plano
internacional, pela revisão da ISA 230 (ISA 230R) tendo tido por
base os seguintes objectivos:
i) Necessidade de aumentar o rigor e consistência na preparação da
documentação de auditoria tendo em conta os requisitos mais
exigentes de controlo de qualidade implementados pela Norma
Internacional de Auditoria 220 – Controlo de Qualidade para
Auditorias de Informação Financeira Histórica (ISA 220) e pela
Norma Internacional Sobre Controlo de Qualidade para Firmas que
Executem Auditorias e Exames Simplificados de Informação
Financeira Histórica, e Outros Trabalhos de Garantia de Fiabilidade
e de Serviços Relacionados (ISQC1);
ii) Necessidade de clarificar a responsabilidade dos auditores no
que diz respeito à eliminação, retenção e outras alterações feitas à
documentação de auditoria após a emissão do relatório do auditor;
e
iii) Necessidade de responder às últimas alterações nas práticas de
auditoria e nos ambientes reguladores, nomeadamente em relação
ao maior uso de tecnologia na preparação da documentação de
auditoria e nas inspecções externas do trabalho de auditoria.
As lacunas que existiam nos normativos sobre a documentação do
trabalho de auditoria até essa data, tornaram-se ainda mais relevantes
quando aconteceram os primeiros escândalos nos Estados Unidos,
nomeadamente com a Enron, onde se concluiu que existiram
documentos que foram destruídos. A necessidade de reformular as
normas, melhorar a documentação de auditoria, incluir requisitos
AUDITORIA
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específicos sobre a preparação e retenção de documentação e
suportar de forma mais consistente o trabalho auditoria, revelou-
se importante para manter a confiança no papel do auditor e dar
resposta às novas exigências.
A ISA 230 revista tornou-se eficaz para as auditorias de informação
financeira relativa a períodos que começaram em ou após 15 de
Junho de 2006. Essencialmente, a ISA 230 revista, obriga a um
maior rigor na documentação de auditoria e introduz alguns requisitos
a adoptar na fase de organização do arquivo final de auditoria e
respectiva retenção. Desta forma, a abordagem teórica e prática a
este normativo incidirá sobre as principais alterações ocorridas.
Aplicação das normas de auditoriaNo plano nacional, actualmente os trabalhos de Revisão/Auditoria
são efectuados de acordo com as Normas Técnicas e as Directrizes
de Revisão/Auditoria da Ordem dos Revisores Oficias de Contas
(OROC), devendo desta forma os mesmos serem documentados
conforme as orientações previstas nas normas da OROC,
nomeadamente a Directriz de Revisão de Auditoria 230 (DRA 230),
sendo supletivamente aplicáveis as normas e recomendações de
auditoria, emitidas pelo International Auditing and Assurance
Standards Board (IAASB), organismo normalizador independente
sob os auspícios da International Federation of Accountants (IFAC).
Contudo, esta realidade foi recentemente alterada com a publicação
do Decreto-Lei n.º 224/2008, de 20 de Novembro, tendo Portugal
assim transposto parcialmente para a ordem jurídica interna a
Directiva n.º 2006/43/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho,
de 17 de Maio, relativa à revisão legal das contas anuais e consolidadas.
O Decreto-Lei introduz diversas alterações ao Estatuto da OROC,
aprovado pelo Decreto-Lei n.º 487/99, de 16 de Novembro, com o
objectivo de harmonizar os requisitos da revisão legal de contas por
via, seja da exigência de aplicação das normas internacionais de
auditoria, seja da actualização dos requisitos em matéria de formação,
seja do reforço dos deveres de ordem deontológica - independência,
isenção, confidencialidade, prevenção de conflitos de interesse e
outros -, seja ainda da criação de estruturas independentes de
controlo de qualidade e de supervisão pública1.
“(...) ISA 230 revista, obriga a um maior rigor na documentação de auditoria e introduz alguns requisitos a adoptar na fase de organização do arquivo final de auditoria e respectiva retenção (...)”
ÂMBITO
CERTIFICAÇÃOLEGAL DAS CONTAS
Artigo 44º, n.º 11 A revisão legal das contas é objecto de regulamentação através de normas de auditoria, que devem respeitar as normas internacionais de auditoria adoptadas pela Comissão Europeia, excepto:
(i) em matérias omissas naquelas; ou
(ii) relativamente a requisitos legais específicos e excepcionais.
Desta forma o conceito “normas técnicas” é substituído pelo conceito “normas de auditoria
CERTIFICAÇÃOLEGAL DAS CONTAS
Artigo 44º, n.º 11 em vigor”, significando esta alteração, a exigência de aplicação das normas internacionais de auditoria aquando da realização de revisões legais de contas. O mesmo se aplica na realização de Auditoria às contas (artigo 45.º) e na realização de Serviços relacionados (artigo n.º 46.º).
DEVERES EM GERAL
Artigo 62º, n.º 4 Menciona a documentação que o ROC deve elaborar para cumprir com os seus deveres, nomeadamente:
(i) organizar, relativamente ao exercício de cada uma das funções de interesse público, um processo instruído de acordo com as normas de auditoria em vigor, designadamente com a evidência do trabalho efectuado e com a fundamentação das conclusões relevantes em que se basearam para formular a sua opinião profissional; e
(ii) documentação de todos os riscos importantes que possam comprometer a sua independência e as medidas de protecção aplicadas para limitar esses riscos.
Artigo 62º, n.º 5 Obrigatoriedade de conservar os processos referidos no número anterior por um período de cinco anos. O estabelecimento deste período vem de encontro ao requisito de retenção do arquivo de auditoria presente na ISA 230.
N.º ARTIGO ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS
Sendo as alterações introduzidas aos Estatutos bastante
diversificadas, e uma vez que o tema do artigo respeita à
documentação de auditoria, vamos apenas focar as alterações mais
relevantes associadas a esse tema que se encontram resumidas no
seguinte quadro:
AUDITORIA
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Cristina Maria Pereira Nunes Figueiredo Rodrigues / MEMBRO ESTAGIÁRIO DA OROC
Até à data de elaboração deste artigo, encontram-se por clarificar
por parte das entidades competentes as formas de aplicabilidade
imediata destas alterações.
É de realçar que algumas destas alterações apenas têm impacto
nos relatórios de auditoria emitidos para efeitos locais, uma vez que
os relatórios de auditoria emitidos para efeitos de “reporting” para
grupos (os denominados por Inter-Office Opinion), já eram emitidos
de acordo com as Normas Internacionais de Auditoria.
Para além dos normativos mencionados (DRA`s e ISA`s) existem
ainda trabalhos de auditoria, que são efectuados com base em
normas ainda mais restritivas, como seja, o Auditing Standard n.º 3
– Audit Documentation (AS 3) definido pelo PCAOB nos Estados
Unidos.
Isa 230Documentação de AuditoriaNATUREZA E FORMA DA DOCUMENTAÇÃO DE AUDITORIA
O auditor deve preparar ao longo do trabalho de auditoria, de forma
tempestiva, documentação de auditoria (por vezes são usados
termos como papéis de trabalho) que evidencie que a prova de
auditoria foi obtida relativamente a cada uma das asserções
financeiras e as conclusões atingidas. Essa documentação que serve
de base ao relatório de auditoria, (i) deve ser suficiente e apropriada
e (ii) evidenciar que a auditoria foi efectuada de acordo com as
normas de Revisão/Auditoria, legislação legal e regulamentos
aplicáveis.
É fundamental que a preparação da documentação seja efectuada
no momento em que o trabalho é realizado, uma vez que facilmente
se entende que essa documentação será claramente mais rigorosa
do que a documentação preparada posteriormente, permitindo
adicionalmente a revisão atempada da mesma pelo revisor e a
identificação antecipada de matérias significativas.
Os papéis de trabalho preparados pela equipa de auditoria, sejam
em papel ou em meios electrónicos (constituindo ambos o arquivo
de auditoria), incluem programas de auditoria, memorandos, cartas
de confirmação, resumos de matérias significativas, actas de reuniões
efectuadas, cópias de documentos significativos (ex: contratos),
listas de verificação, correspondência trocada, etc…, devendo os
mesmos indicar quem (i) efectuou e reviu o trabalho e (ii) as datas
de conclusão e revisão dos mesmos. É de referir que as explicações
orais efectuadas pelo auditor, não constituem por si só evidência
adequada do trabalho efectuado, podendo no entanto ser utilizadas
para explicar ou clarificar qualquer informação contida na
documentação de auditoria.
FORMA E CONTEÚDO E EXTENSÃO DA DOCUMENTAÇÃO DE AUDITORIA
Na realização de cada trabalho de auditoria, o auditor deve assegurar-
se que a documentação registada é suficiente e apropriada que
permita um auditor experiente (aquele que tem um conhecimento
razoável de (i) procedimentos de auditoria, (ii) ISAs e requisitos
legais e regulamentares aplicáveis, (iii) ambiente do negócio em que
a entidade opera, e (iv) aspectos de auditoria e relato financeiro
relevantes para o sector da entidade), quer interno ou externo à
firma, perceber qual a natureza, tempestividade e extensão dos
procedimentos de auditoria efectuados.
“(...) o auditor deve assegurar-se que a documentação registada é suficiente e apropriada (...)”
A extensão e natureza da documentação a incluir num arquivo de
auditoria pode variar de trabalho para trabalho, sendo que o auditor
deve exercer julgamento profissional e tomar em consideração vários
factores, tais como a natureza dos procedimentos efectuados, a
relevância da prova de auditoria, a natureza e extensão das excepções
identificadas e a necessidade de documentar uma conclusão que
não seja facilmente determinável a partir da prova de auditoria
obtida, para decidir o que deve documentar e o nível de detalhe
necessário.
Com o objectivo de melhorar a documentação de auditoria, possibilitar
a identificação de excepções e inconsistências, o auditor deve
evidenciar na sua documentação as características identificadoras
dos itens específicos, como por exemplo:
· Identificação dos itens a serem testados;
· Qual o critério de selecção para os itens testados, respectiva fonte
e forma de selecção (ex: random, haphazard e systematic);
· Caso o procedimento de auditoria constitua uma indagação,
as datas dessas indagações, os nomes das pessoas envolvidas
e respectivas funções; e
·
· Caso o procedimento de auditoria constitua uma observação,
o processo ou o assunto a ser observado, os indivíduos envolvidos,
as suas respectivas responsabilidades, data e local onde
a observação foi efectuada.
MATÉRIAS SIGNIFICATIVAS
A detecção, análise e resolução tempestiva de matérias significativas
no decorrer de um trabalho é essencial uma vez que as mesmas
podem dar origem à modificação do relatório emitido pelo auditor,
caso sejam materiais e não sejam devidamente resolvidas pela
Gestão antes da emissão do relatório. No caso em que as matérias
significativas não sejam materiais, mas o auditor entenda que devam
ser reportados noutros relatórios, as mesmas podem ser incluídas
num Relatório de Controlo Interno, Memorandos, Relatório sobre a
Fiscalização, ou outros documentos formais de reporte de deficiências
detectadas.
“(...) O auditor deve preparar ao longo do trabalho de auditoria, de forma tempestiva, documentação de auditoria(...) que evidencie que a prova de auditoria foi obtida relativamente a cada uma das asserções financeiras e as conclusões atingidas (...)”
AUDITORIA
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As matérias significativas com que o auditor se depara num trabalho
podem ser de diversos tipos nomeadamente, matérias que dão
origem a riscos significativos de distorção material nas
demonstrações financeiras, ajustamentos materiais detectados não
corrigidos pela Gestão e circunstâncias que façam com que o auditor
não consiga aplicar os procedimentos de auditoria planeados.
A norma em referência sugere, mas não obriga, que o auditor prepare
um memorando com todos os assuntos significativos e que o mesmo
possua uma ligação (referência cruzada) com o trabalho de auditoria
efectuado, por forma a que seja possível compreender as situações
detectadas e qual o tratamento que lhes foi dado.
Todos os debates levados a cabo pela equipa de auditoria com a
Gestão, relativamente a assuntos significativos e outros, devem ser
documentados de forma tempestiva.
Nas circunstâncias em que o auditor identifica informação que
contradiga, ou seja, inconsistente com a conclusão final obtida
relativamente a um assunto significativo, o auditor deve documentar
como tratou a contradição ou inconsistência ao formar a conclusão
final.
PRAZOS PARA A DOCUMENTAÇÃO E RETENÇÃO DO ARQUIVO DE AUDITORIA
De acordo com o parágrafo 26 da ISA 220 “Antes do relatório do
auditor ser emitido, o sócio responsável pelo trabalho, por via da
revisão da documentação de auditoria e discussão com a equipa de
trabalho, deve ficar satisfeito que foi obtida prova de auditoria
apropriada suficiente para suportar as conclusões atingidas e pelo
relatório do auditor a ser emitido”. Sendo que adicionalmente, o
parágrafo 52 da ISA 700, diz-nos que a data do relatório não deve
ser anterior à data em que o auditor obteve prova de auditoria
apropriada suficiente na qual baseia a opinião sobre as demonstrações
financeiras, sendo que a prova de auditoria deve incluir um conjunto
completo de demonstrações financeiras devidamente assinadas
pelos seus responsáveis. Assim, a data do relatório de auditoria
determina a última data possível para o auditor finalizar
a documentação de auditoria.
No caso de serem emitidos vários relatórios sobre um mesmo
trabalho, quer sejam com datas ou âmbitos diferentes (relatório
para efeito grupo e efeito estatutário), a prova de auditoria necessária
deve ser obtida antes da data de cada relatório.
De acordo com os requisitos da ISQC1 (parágrafo 73.a e j.), as firmas
devem estabelecer obrigatoriamente políticas e procedimentos para
a conclusão tempestiva da organização dos arquivos de auditoria
e retenção da documentação do trabalho após a data do relatório
do auditor. Contudo, tal como foi mencionado acima, toda a prova
de auditoria deve ser obtida e documentada antes da data do
relatório, desta forma após a data de emissão do mesmo, apenas
alterações de carácter administrativo podem ser feitas à
documentação.
A norma estabelece um período máximo de 60 dias, após a data do
relatório. Desta forma, a organização e conclusão do arquivo de
auditoria a realizar nos 60 dias subsequentes à data do relatório,
apenas pode envolver tarefas administrativas, tais como:
· Substituição de cópias por documentos originais;
· Ordenar, juntar e fazer referências cruzadas a papéis de trabalho;
· Assinar na conclusão as listas de verificação relativas ao processo
de organização do arquivo; e
· Documentar a prova de auditoria que o auditor obteve, debateu
e aceitou com os membros relevantes da equipa de auditoria
antes da data de emissão do relatório.
Após a conclusão do arquivo final de auditoria e até ao final do
período de retenção que de acordo com a ISQC1 é de 5 anos (caso
não exista legislação local que obrigue a um período mais alargado),
o auditor não deve apagar ou deitar fora qualquer documentação.
No caso de existirem situações excepcionais (descoberta de factos
respeitantes à informação financeira auditada que existiam à data
do relatório do auditor que podiam ter afectado o relatório do auditor
caso o auditor delas tivesse conhecimento) que ocorram após a data
do relatório e obriguem o auditor a realizar procedimentos de auditoria
novos ou adicionais que conduzam a novas conclusões sobre o
trabalho realizado, o auditor deve documentar as circunstâncias,
assim como os procedimentos novos ou adicionais executados, a
prova de auditoria obtida, e as conclusões obtidas. O auditor deve
ainda documentar a data em que essas alterações foram feitas, por
quem foram efectuadas e revistas (se aplicável).
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Cristina Maria Pereira Nunes Figueiredo Rodrigues / MEMBRO ESTAGIÁRIO DA OROC
Principais diferenças entre a ISA 230 e o AS3Apesar destes dois normativos apresentarem bastantes
semelhanças, existem algumas diferenças significativas que os
distinguem, sendo de salientar as seguintes:
· Elaboração de um Memorando com Todos os Assuntos
Significativos - as normas americanas exigem que o auditor elabore
um memorando com a identificação de todos os assuntos
significativos, enquanto que a ISA 230 apenas sugere que a sua
preparação pode ser útil. O memorando elaborado resumindo todos
os assuntos significativos identificados, juntamente com outros
documentos que lhe estejam ligados (referência cruzada), deve
ser suficientemente detalhado que permita ao revisor compreender
os assuntos documentados.
· Prazos para a obtenção de prova de auditoria e retenção do arquivo
final - os prazos são diferentes entre os dois normativos, bem como
as datas a partir das quais estes prazos são determinados, tal como
se demonstra no quadro que se segue:
Nas normas americanas, a data em que o auditor dá o seu parecer
sobre as demonstrações financeiras corresponde à data em que o
auditor dá permissão para a utilização do relatório de auditoria
juntamente com as demonstrações financeiras da empresa, ou seja,
aquilo a que as Normas Americanas designam como Report Release
Date. Desta forma, o período de conclusão do arquivo de auditoria
ocorre até aos 45 dias subsequentes.
De acordo com as ISAs, a data determinante é a data do relatório de
auditoria e neste caso o período de conclusão do arquivo de auditoria
ocorre até aos 60 dias subsequentes. Nas situações em que o auditor
tenha de emitir relatórios a pedido de outro escritório, os denominados
por “Inter-Office Opinion”, a data relevante é a data em que equipa
central de auditoria dá autorização para que o seu relatório de
auditoria seja utilizado, e não a data em que os escritórios locais
emitem a “Inter-Office Opinion” para o escritório central.
· Documentação específica a obter de outros auditores - o escritório
central que é responsável pela emissão do relatório de auditoria,
no caso de ter solicitado a realização de trabalho a outros auditores,
é responsável por garantir que todo o trabalho efectuado cumpre
os requisitos do AS3. Assim, o escritório central é também
responsável por obter, rever e reter determinada documentação
referente ao trabalho efectuado por outros auditores, antes da
data em que disponibiliza o seu relatório de auditoria.
· Documentação do trabalho de auditoria relativamente à inspecção
de contratos ou acordos significativos - de acordo com o AS3, a
documentação da inspecção de contratos ou acordos de elevada
importância, deve incluir resumos ou cópias dos documentos. De
acordo com a ISA 230, este procedimento não é requerido, podendo
no entanto ser efectuado se o auditor o considerar apropriado.
· Documentação do trabalho de auditoria após o arquivo final do
trabalho - de acordo com a ISA 230 é possível acrescentar
informação no arquivo de auditoria, quando o auditor achar
necessário modificar a documentação existente ou adicionar nova
documentação após o trabalho ter sido finalizado. De acordo com
o AS3, a documentação não pode de forma alguma ser alterada
após ter sido arquivada (mesmo que o tenha sido antes do prazo
definido de 45 dias). Desta forma, quaisquer alterações que seja
necessário efectuar terão que ser efectuadas em file físico separado,
por forma a preservar a documentação original do trabalho, assim
como os documentos arquivados. Em ambos os casos a
documentação de quaisquer alterações efectuadas deve incluir:
>As razões especificas que conduziram às modificações efectuadas;
>Quando e por quem foram efectuadas e revistas (se aplicável);e
>O impacto, se aplicável, nas conclusões efectuadas pelo auditor.
Deficiências de AuditoriaUma vez que este artigo trata da documentação em auditoria
focando a necessidade do auditor aumentar a qualidade dos seus
trabalhos, penso que é interessante incluir no mesmo, um exemplo
das principais deficiências que normalmente são detectadas num
trabalho de auditoria quando o mesmo é sujeito a inspecção.
Os exemplos mencionados têm como fonte de informação, um
relatório divulgado pelo PCAOB (ou Board) em Dezembro de 2008.
O relatório representa um sumário generalizado das excepções
detectadas e também um resumo dos esforços que as empresas de
auditoria têm feito para remediar essas excepções. De acordo com
a lei 4010 do PCAOB, o Board pode divulgar resumos das inspecções
que tenha efectuado, mas as deficiências não podem ser
apresentadas por empresa.
O relatório inclui os resultados das inspecções completas feitas pelo
PCAOB a oito empresas de auditoria nos anos de 2004, 2005, 2006
e 2007 envolvendo demonstrações financeiras de 2003 a 2006
ISA 230 Data do relatório 60 dias 5 anosde auditoria
AS 3 Data de liberação 45 dias 7 anosdo relatório de auditoria
NORMA DATA DE REFERÊNCIA
PERÍODO PARA A CONCLUSÃO DA ORGANIZAÇÃO DO ARQUIVO
FINAL DE AUDITORIA PERÍODO DE RETENÇÃO
AUDITORIA
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que têm sido inspeccionadas todos os anos desde que começou o
programa de inspecção.
Os resultados apurados pelos inspectores ao longo dos quatro anos
revelaram que as deficiências detectadas existiam em áreas críticas
de auditoria, tanto nas tradicionais como nas emergentes, tais como:
rédito, clientes, mensurações ao justo valor, estimativas da gestão,
determinação da materialidade, etc. Este resumo não pretende
representar o universo das excepções que possam existir nos
trabalhos de auditoria, mas sim alertar o leitor para as deficiências
mais significativas e comuns, e assim, poder contribuir para a melhoria
da qualidade dos seus trabalhos.
De seguida, apresenta-se um quadro resumo com as deficiências
mencionadas no relatório do PCAOB:
Face a estas deficiências, as empresas de auditoria ao longo dos
anos têm vindo a alterar as suas metodologias, os sistemas de
controlo de qualidade e processos com o objectivo de resolverem e
sanarem as deficiências existentes.
a) TRABALHO INSUFICIENTE EFECTUADO NA ÁREA DO REVENUE, NOMEADAMENTE TESTES A EFECTUAR PARA TESTAR O SEU ADEQUADO
RECONHECIMENTO;
b) CONFIRMAÇÃO DE SALDOS
(i) deficiências na realização de procedimentos adequados quando as respostas recebidas são discordantes,
(ii) deficiências na elaboração de procedimentos alternativos adequados quando não são recebidas respostas e
(iii) deficiências na realização de procedimentos substantivos adequados para obter conforto sobre a asserção da existência quando a equipa
de auditoria decidiu não circularizar clientes;
c) ESTIMATIVAS CONTABILÍSTICAS
O auditor optou por testar a estimativa da gestão desenvolvendo uma expectativa independente, mas não documenta o suporte dos
pressupostos utilizados nem efectuou testes à informação utilizada no desenvolvimento da expectativa;
d) PROCEDIMENTOS ANALÍTICOS
(i) deficiências no desenvolvimento das expectativas (a informação utilizada não foi devidamente desagregada para obter o nível de precisão
necessário),
(ii) não foi confirmada a fiabilidade dos dados, quer internos ou externos, a partir dos quais foi desenvolvida a expectativa de rácios ou
quantias registadas e
(iii) identificação de flutuações que se desviaram de quantias previstas, sendo que o revisor/auditor não investigou e não obteve explicações
adequadas e prova de auditoria corroborativa apropriada;
e) AMOSTRAGEM DE AUDITORIA
amostras demasiado pequenas para obter evidência suficiente para formar uma conclusão sobre saldos ou classes de transacções que
estavam a ser testados;
f) MATERIALIDADE
(i) definição dos vários níveis de materialidade não devidamente justificados e
(ii) por vezes foram documentadas justificações sem terem em conta quaisquer considerações pelos factores que podem ser mais importantes
para os utilizadores das demonstrações financeiras.
RELATÓRIO DO PCAOB
“(...) as empresas de auditoria ao longo dos anos têm vindo a alterar as suas metodologias, os sistemas de controlo de qualidade e processos com o objectivo de resolverem e sanarem as deficiências existentes. (...)”
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Cristina Maria Pereira Nunes Figueiredo Rodrigues / MEMBRO ESTAGIÁRIO DA OROC
Existem diversos factores que podem explicar as deficiências de
auditoria, como por exemplo, a incorrecta aplicação da metodologia
de auditoria, supervisão inadequada do trabalho, revisão da
documentação de auditoria insuficiente, testes efectuados cujo
suporte se limita a explicações orais da gestão, prazos para a emissão
de relatórios bastante curtos, etc. Quase todas elas se resumem ao
facto do auditor não conseguir demonstrar, com base na
documentação que elaborou, que cumpriu com todos os requisitos
das normas de auditoria aplicáveis e obteve prova suficiente e
apropriada de base para a emissão do seu relatório.
A título de sugestão, e com o objectivo de contornar as deficiências mencionadas, cada equipa deveria elaborar uma lista de verificação interna para cada trabalho de auditoria. A lista de verificação deve ser (i) dividida por áreas de trabalho e (ii) preenchida pelo revisor responsável de cada área antes da emissão do relatório. O preenchimento da lista de verificação efectuado pelos revisores à medida que o trabalho é revisto, não só garante que foram cumpridos todos os requisitos das normas de auditoria aplicáveis, como assegura que foram obtidas todas as conclusões e que o trabalho efectuado é suficiente e apropriado para emissão do relatório, garantindo assim a qualidade da auditoria.
Conclusão
A palavra “qualidade” nos dias de hoje é um requisito obrigatório, seja quando estamos a falar ao nível de uma Firma de Auditoria ou quando estamos a falar ao nível de um trabalho individual de revisão/auditoria. O desenvolvimento e as alterações que têm ocorrido nas normas de auditoria nos últimos anos, visam dar resposta à necessidade crescente de melhorar a forma como os auditores exercem a sua profissão, quer através de novos requisitos, quer através de requisitos mais exigentes.
As alterações aos normativos de documentação de auditoria surgiram inicialmente nos Estados Unidos com a publicação do AS3 e posteriormente a nível internacional com a revisão da ISA 230. Estas alterações decorreram essencialmente da necessidade dos normativos darem resposta aos acontecimentos que se verificaram nos Estados Unidos, dado que os mesmos implicaram uma redução da confiança nos valores que estão associadas à nossa profissão, nomeadamente a independência e integridade.
Nestes termos, a transparência ao mercado da elevada qualidade que a profissão de revisão/auditoria encerra em si, dependerá de cada um de nós no exercício diário das nossas funções. A actual crise financeira mundial vem revelar-se um desafio para a nossa profissão, sendo que para isso é inevitável adoptarmos a qualidade das nossas auditorias às actuais exigências, contribuindo desta forma para o reforço da credibilidade da nossa profissão.
Apesar da qualidade de auditoria não se definir apenas pela documentação, esta reveste-se de uma importância singular, uma vez que permite ao auditor demonstrar que (i) reuniu prova de auditoria suficiente e apropriada sobre as asserções das demonstrações financeiras para a emissão do seu relatório e (ii) que a mesma foi feita de acordo com as normas de auditoria, requisitos
legais e regulamentares aplicáveis.
1 - Criação do Conselho Nacional de Supervisão de Auditoria com a publicação
do Decreto-Lei n.º 225/2008, de 20 de Novembro
“(...) a transparência ao mercado da elevada qualidade que a profissão de revisão/auditoria encerra em si, dependerá de cada um de nós no exercício diário das nossas funções (...)”
BIBLIOGRAFIA
Internacional Federation of Accountants:Normas Internacionais sobre Controlo de Qualidade · ISQC1 – Controlo de Qualidade para Firmas que Executem Auditorias e Exames
Simplificados de Informação Financeira Histórica, e Outros Trabalhos de Garantia de Fiabilidade e de Serviços Relacionados;
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Oitava Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia, de 17 de Maio de 2006 (Directiva n.º 2006/43/CEE);
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Auditing Standard 3 - PricewaterhouseCoopers – Elearning;
Documentação interna da PricewaterhouseCoopers & Associados, SROC, Lda;
PCAOB Release No. 2008-008, December 5, 2008;
www.oroc.pt;
www.pcaobus.org;
www.ifac.org