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FRANÇOIS DOSSE .A HISTÓRIA

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Sobre Michel de Certeau

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Page 1: DOSSE, F. a História (Pp. 124-135)

FRANÇOIS DOSSE

.A HISTÓRIA

Page 2: DOSSE, F. a História (Pp. 124-135)

FUNDAÇÃO EDITORA DA UNESP

Presidente do Conselho CuradorHermon Jacobus Cornelis Voorwald

Diretor-PresidenteJosé Castilho Marques Neto

Editor-ExecutiyoJézio Hernani Bomfim Gutierre François DosseAssessor EditorialJoõo Luís Ceccantini

Conselho Editorial AcadêmicoAlberto Tsuyoshi IkedaÁureo BusetloCélia Aparecida Ferreiro TolentinoEda Maria GóesElisabete ManigliaElisabeth Criscuolo UrbinatiIldeberto Muniz de AlmeidaMaria de Lourdes Ortiz Gandini BaldanNilson GhirardelloVicente Pleitez

Editores-AssistentesAnderson NobaraFabiano MiotoJorge Pereira Filho

A história

TraduçãoRoberto Leal Ferreiro

~editoraunesp

Page 3: DOSSE, F. a História (Pp. 124-135)

© 2010 Armand Colin Publisher, 2010, 2e© 2012 da tradução brasileira

Fundação Editora da Unesp (FEU)Praça da Sé, 10801001-900 - São Paulo - SPTel.: (Oxx11) 3242-7171Fax: (Oxx11) 3242-7172www.editoraunesp.com.brwww.livrariaunesp.com.brfeu@editora.unesp.br

Sumário

ClP - Brasil. Catalogação na fonteSindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

D762h Introdução

Dosse, François, 1950-A história / François Dosse; tradução Roberto Leal Ferreiro. - 1.ed. -

São Paulo: Editora Unesp, 2012.

1. História - Filosofia. I. Título.

1 O historiador: um mestre da verdadeHeI' doto: o nascirn nto 10 bistor 7Tucí lid s ou o culto da verda le 14

A erudição 20

O nascirn nto da diplomática 25O discur o do método 30

7

Tradução de: l..'histoireISBN 978-85-393-0246-8

12-3341. CDD: 901CDU: 930.1

2 A imputação causal 41

Políbio: a bu ca de cau alidade 41

A ord m da probabilidade: Jean Bodin 48Esboço de uma história perfeita: La Popeliniere 50íDas leis da história: Montesquieu, Voltaire, CondorcetA embriaguez cientificista: o social reificado 61A estruturalízação da história 65

A subdetermínação ou a crise do causalismo 76

54Editora afiliada:

Ascctnctõn de zeucrmíee Unlversttarlas Associação Brasileira dede Arnertce LaUna y el Carlbe Editoras Universitárias O ideal-tipo em Weber 86

v

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François Dosse A história

3 A narrativa 93

O historiador: um retor 93

O pintor da Antiguidade: Tácito 101

O pintor dos valores cavalheirescos: Froissart

Das Memórias na razão de Estado: Commynes

A estética romântica 116

109

112

5 O télos: da Providência ao progresso da razãoA fortuna em ação na história 217Clio batizada 221

A história-Providência: Bossuet 229A Providência segundo Vico 232A história cosmopolita: Kant 234

A razão e a contingência na história: Hegel 239Fim ou fome da história? 247O materialismo histórico: Marx 253

O processo hi tórico sem sujeito: Althusser 257

Os "retornos" à narrativa: Paul Veyne,Michel de Certeau, Lawrence Stone

Uma poética do saber histórico

A inserção na intriga biográfica

124

135

137

4 Os rompimentos do tempo 145

A du pia aporética do t rnpo:Aristóteles Agostinho 145

Um p n amento f nom nológico do tempo histórico:Husserl 151

A historialidade segundo H i legg r 154

A narrativa: guardiã l t mpo 159

A construção historiadora do tempo 164

O tempo pr s nt 168O tempo da aconteci mentalidade 171

A ação situada: Georges Mead, Karl Popper 175

O tempo histórico rompido em Walt r B njarnin 182

O carnaval da história: Nietzsche 185

O tempo longo configurado: Norbert Elias 189

O descontinuísmo das epistemes deMichel Foucault 193Da arqueologia à genealogia: Michel Foucault 200

A acontecimentalização do sentido 204

6 Uma história social da memória 265

O romanc nacional 265

Em busca da França 269A lenda do reis: M' zeray 271

A batalha das rigens 275Distinção ntre dua memórias: BergsonA dissociação entre história memóriaProblematízar a memória pela história

O futuro cio passado 297Entr r peti ão e criatividacl 301

A guerra das memórias a história 304

281283287

Referências bibliográficas 309

Índice onomástico 323

VI VII

217

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François Dosse

Como escreve Roland Banhes, "ele foi provavelmente oprimeiro autor da modernidade a só poder cantar uma palavraImpossível"."

Os "retornos" à narrativa: Paul Veyne,Michel de Certeau, Lawrence Stone

Depois de urna longa ausência da narrativa, quando oshistoriadore do séculos XIX e xx: julgaram poder fundar umafísica social, acreditando romper para empre com a história--narrativa, os historiador s de hoje r ssaltarn, ao contrário, quea noção d história possui um valor polissêmico, que designaao mesmo t mpo a ação narrada e a própria narração, confun-dindo assim a ação d um narrador, que não' n c ssariam nto autor, m objeto da narrativa. O historiador' convidadomais urna vez a s int rrogar obre u ato I escrev r, sobre aI roximidad d te com a es rita fie i nal ,ao mesmo t mpo,s br a fronteira que s para os dois ampos.

Paul Veyne

Em plena moda quantitativista, no começo da dé cada te1970, Paul Veyne publica um livro ujo título Como se escrevea história sug re o r torno de urna reflexão obre a históriacomo narrativa. Afirma que "a história é urna narrativa de acon-tecimentos: tudo o mais d corre daí"." O obj tivo dess livrode epistemologia da história é mostrar m qu a história não éuma ciência. Baseand -se em Aristót les, ele vê a história cornoa "inserção numa intriga". A configuração induz a explicação. Aparte metodológica da história é considerada, em contrapartida,

39 Barthes, op. cit., p.144.40 Veyne, Comment on écrit l'bistoire, p.14.

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A história

sua parte morta. Segundo Paul Veyne, a história é um romance,uma narrativa verídica. A indeterminação do campo históricotorna ilusória qualquer construção hierarquizada, segundo umaescala de importância. Só a intriga atribui a este ou aquele fato seuvalor singular, em consequência do suposto interesse da narrativa:

Os fatos não existem isoladamente, no sentido de que otecido da história é o qu chamamos uma intriga, uma mesclamuito humana muito pouco "científica" de causas materiais,fins e acasos; uma fatia de vida, em suma, que o historiadorcorta à vontade e em que os fatos têm sua' ligações 01 jetivase sua importância relativa."

O qu 1 norninamos explicação em história é, portanto, amaneira como a narrativa se organiza como intriga ornpreen-sív I, aquilo que é eJevado à condição de posição ausal ésomente um pí ódio da intriga escolhido entre outros. Sendoassim, o historiador é fundamentalmente um mpirista, cuja par-te teórica, conceitual u tipo lógica con .titui apenas LIma sériede resumos de intrigas já prontos, utilizáv is, para apre .entaro que irnj orta, o faro de relatar o caráter concreto da história.Quanto à sínt se operada pelo historiador, ela está ligada,s gundo Paul Veyne, à man ira singular como o historiadorpreenche os vazios as lacunas, recuando do f ito onstatadoa sua ausa hipotética, segundo a teoria das probabilidades.

Michel de Certeau

Em 1975, ' publicado o livro fundamental de Michel deCert au, A escrita da história, qu também dá ênfas , comoi dica claramente o título, à prática historiadora como práticade senta. Certeau mostra corno a história está ligada a urna

41 Ibicl., p.36.

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escrita performativa no ato de fazer história e ao mesmo tempoa uma escrita em espelho no fato de contar histórias, o quecoloca logo de saída o gênero histórico em tensão entre umavertente científica e uma vertente ficcional. A narrativa históricadesempenha o papel de rito de sepultamento: exorciza a morte,introduzindo-a no interior mesmo de seu discurso. Ela tem umafunção simbolizadora, que permite que a sociedade se situe,assumindo em sua própria linguagem um passado que abrepara o presente um espaço singular: "Marcar um passado é darum lugar ao morto, mas é também redistribuir o espaço dospossíveis''." Certeau compara essa função ao gênero literário emusical em voga no éculo XVII com o nome de "Túrnulo", namedida em que a escrita historiadora só fala do pa ado para

. sepultá-lo, no entido d honrá-lo o liminar.Embora a história eja antes de tudo narrativa, é també m,

segundo rt au, uma prática que deve ser r f rida a um lu-gar d enunciaçã ,a uma técnica de ab r, ligada à instituiçãohistórica:

É abstrata, em história, toeia doutrina que recalca ua r -lação com as ci (hei L ..J. O discurso científico qu nâofalade ua r lação com o corpo social não conseguiria articularuma práti 'a. El I ixa ele s r ientífi o. Qu tão central parao historiador. E sa r lação com O corpo ocíal é justament O

objeto Ia história."

Esse levar em conta do lugar ela op ração historiográflcaabre um va to cant iro de obras: o da interrogação hi toriográ-fica para situar a cada vez o discurso historiador na contempo-raneidade de sua produção. Cert au, apreen lendo o discursohistórico em sua tensão entre ciência e ficção, é esp cialmente

42 Certeau, L 'écriture de l'bistoire, p.lI8.43 lbicl., p. 70.

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A história

sensível ao fato de que este é relativo a um lugar particular deenunciação e, assim, mediatizado pela técnica, que o transformanuma prática institucionalizada, atribuível a uma comunidadede pesquisadores: "Antes de saber o que diz a história deuma sociedade, importa analisar como ela funciona dentrodessa sociedade"." A prática historiadora é integralmente Cor-relativa à estrutura da sociedade, que traça as condições ele umdizer que não seja nem lendário, nem atópico, nem destituídode pertinência.

A questão central para Certeau é a ela leitura dos textos dopassado e, nesse sentido, toda a sua trajetória ele pesquisadoro faz passar pelos três estágio de análise dos docum ntos, quele consegu pensar em conjunto não como excludentes uns

dos outro : o elistanciamento objetivante elas fontes, a explicita-ção de ua lógica estrutural interna e a recuperação elo entidonuma herm n êutica do outro.

o distanciamento objetivante das fontes

Em primeir lugar, Cert au é f rternente marcado peloen ínamento de] an Orcibal, do qual ele participou ntr 1957e

A

1963 do seminário d dica 10 à história mod ma e conternpo-ran a 10 catolí i mo na ' ção V da École de Hautes Étud s.EI apr nd u ali as regras stritas Ia erudição, que o ajudarama orientar a n va r vista eI piritualielad Ia Companhia eI]esu ,a Christus, cujo objetivo ra ncontrar nas fontes originaisda ompanhia uma mod rnidad qu havia se p rdielo.

]ean Orcibal atribui ao stabelecimento minucio o dosfatos uma priori lade absoluta. Em contato com ele, Certeauapropriou-se das liçõe do método de crítica int ma e externadas fontes, base ele qualqu r trabalho histórico desde as regrasd~nidas no século XIXpor Langlois e Seignobos, que convidamo p~isador a estudar os originais em microscópio, a fim de

44 Ibicl., p.78.

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avaliar a parte de veracidade presente na massa de documentos.A história situa-se no íntimo da textualidade, e a filologia clássicaserve de instrumento essencial para classificar e dar coerênciacronológica à história das ideias. A filologia torna-se para eleuma "arte de ler", segundo a expressão de Mario Roques. Por-tanto, Certeau foi preparado cientificamente para seu trabalhode historiador, graças à verdadeira escola de erudição que eraesse seminário, cujo objeto essencial era o estudo das influên-cias da mí tica renano-flamenga sobre a França. Contudo, a viadefinida por Iean Orcibal não se limitava a uma mera r stituiçãopositiva dos documentos do pas ado: ele definia três momen-tos que Certeau adotaria como s us, mbora os formulasse deoutra man ira. A um primeiro momento, nutro, d práticade asc do u do pe qui ador em s u trabalho de erudição,que le chama d via "purgativa", s gue-se "a via iluminativa,a de ob rta, aqu Ia que nos faz afirmar qu só sab mos oque nós mesm s d scobrimos".4s É o momento em que o his-toriador des obr , d pois d um tempo ascético, a figura dooutro como próprio 01 jeto de sua busca. A es mom nto d vesuceder "a experiência unitiva", pela qual o historiador reatasua subjetivi lade com seu obj to de pesquisa numa espé ci dereduplicação, te surgiment de um si me 'mo qu não' maiso u. Es a experiência faz o historiador passar de um trabalhod "desapropriação de si e r d scob rta de si numa união como outro qu é da ordem do s ntim nto do 'int rior",.46

A lógica estrutural das fontes

Num segundo nível, Cert au faz listinções de inspiraçãoestruturalista no próprio interior da unidade de linguagem. É

45 Le Brun, prefácio. In: Orcibal, Etudes d'aistoire et de littérature religieusesXV1'-XV!fl' siêcle, p.20.

46 Ibid., p.21.

128

A história

o caso sobretudo quando tenta analisar o testemunho de Jeande Léry sobre sua expedição ao Brasil, na segunda metade doséculo XVI, e que Claude Lévi-Strauss transformou em "bre-viário do etnólogo". Da viagem de ida e volta de jean de Léry,protestante calvinis ta que partiu de Genebra e descobriu ostupinambás da baía do Rio de Janeiro, antes de voltar a seuponto de partida, há no interior dessa narrativa uma descobertaessencial, a do selvagem. É essa intrusão e o uso que Léry fazdela que interessam a Certeau, que os coloca no centro da nar-rativa etnológica. Ele os vê como um encaminhamento circularde part outra d uma divisão qu t m como ponto de partidauma vi ão binária entre o mundo selvagem e o mundo civiliza-do que se t ma complexa ao fim de uma fratura interna dodiscurso, que acaba por diferenciar uma face de exterioridadee de int rioridad d ntro dos dois mundos opo tos: "A bípo-laridade inicial, perigosa e cética (verdade aquém, erro além)é substituída por um squ ma ircular, construído sobre otriângulo formado pelos três marcos"? que são Genebra comoponto d parti Ia de chegada, onfrontada com essa natur zaestrang ira e com a humanidad exemplar, nas quais a alt -rídade do Novo Mundo' clivado, de um lado, num exotismo e,d outro, numa sp rança êtíca, s gundo os votos a xpressãoqu Ihes dá jean de Léry.

Uma hermenêutica do outro

Essa alteridade, e s trabalho do outro no interior da escritaocidental, abre para uma "herrnenêutica do outro. Ele transportapara o Novo Mundo o aparato exegético cristão"." jean de Léryjá pratica essa hermenêutica quando substitui a linguagem teo-lógica ql~a ao partir de Genebra pela atividade tradutora

47 Certeau, op. cit., p.231.48 Ibicl.

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de seu ponto de chegada. Quanto a Certeau, ele reduplica essaatividade tradutora, na medida em que se vê diante de umaescrita mergulhada no século XVI, que convém explicar noséculo xx. Trata-se, portanto, de realizar uma nova operaçãode tradução, duplamente clivada pela diferença espacial que apermeia e pela distância temporal que a torna ausente.

A compreensão necessária à tradução implica uma relaçãode diferenciação, prelúdio de um segundo movimento, queé o da apropriação da visão do outro. É dentro des a cadeiainterpretativa que Certeau se situa para estudar como funcionaa persp ctiva d São João da Cruz enquanto fonte do místicojesuíta Iean-Io eph Surin, ao qual Cert au dedica a maior partede seu trabalho de erudição, não como simpl s jogo de influên-cias e empréstimos, ma ituada num m rgulho na singularidadedas dua obras, único modo de "saber quem é O São João daCruz d Surin" .49 EI privilegia, pois, o qu vem depois do texto,a recepção que le tem, a r cepção e a eficácia. É em r laçãoaos diversos desvios e r utilizaçõ s da obra na plural idade dasleitura que são feitas dele que s pod r stituir o aflorarnentodo s gr do da obra. É assim que a tradição pode v ltar a s rtradição viva, portadora de práticas ao longo I suas líversasrn tamorfos s e rupturas. O dizer é sempre, portanto, um re-dizer, diferente, situado numa configuração inédita. Ao I ngodo sé culo XVII, as expectativa religiosas são postas pouco apouco a serviço das instituições política , numa sociedad quese laiciza e em que o Estado moderno afirma seu primado,Essa reviravolta, iniciada no século XVI com a Reforma, abrepara o presente da mod rnidade ocidental, e todo o trabalhode historiador de Certeau é mostrar a atualidade dessa "rupturainstauradora". Esta provoca o esboroamento de uma cosmolo-gia de tipo holista e dá lugar a uma espiritualidade entendida

49 Id., L 'absent de l'bistoire, p.43.

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A história

como experiência subjetiva, que traça "o itinerário do sujeitopara seu centror.v

Sem ceder às facilidades do anacronismo ou do concordis-mo, Certeau trava um diálogo rigoroso com os textos que exumado passado, unindo os atos de escrever e ler, construindo nocaminho uma hermenêutica da falta: "É preciso, em primeirolugar, tentar compreender", escreve ele ao apresentar a docu-mentação da possessão de Loudun." Quando Certeau publicaessa documentação em 1970, a história das mentalidades triunfacom a escola dos Annales, e seu objeto é muito próximo dostrabalhos de Rob rt Mandrou, que havia publicado em 1968sua tese sobre Magistrais et sorciers [Magistrados feiticeiros),surgindo como autêntico herdeiro das orientações historiográfi-cas d finidas por Lucien Febvre. Ora, a intervenção de Certeauno rn smo campo de análise inclui uma dimensão crítica emrelação à maneira como é concebida a própria noção de menta-lidade, que se apoía m fontes limitadas e fun iona no interiordo par binário da suposta oposição ntre uma cultura de elitee uma cultura popular.

C rteau já havia manifestado sua insatisfação diante dessab Ia mecânica nas análises sobr o movim nto de Maio de 68,criticando um 1 onto de vista que atribui à multidão uma posição"passiva por definição",>2 bem orno num artigo escrito comDominique Julia e ]acqu s Rev I m 1970.5:\

A busca do s ntido pela análise de uma crise paroxí ticaem pleno século XVII constitui para Certeau a tentativa de umahistória do crer, do ato de cr r em seus signos objetivados eem seus de locamentos. O historiador vê-s às voltas como enigma da mística, da mesma maneira como o homem eracolocado na Antiguidade ante o enigma da esfinge. Certeau

50 lei., [CultL~iritualitéSJ, Concilium; n.19, p.15.51 Id., La possesston de Loudun; p.lS.52 Id., ia prise de Ia paro/e, p.S9.53 Certeau,]ulia; Revel, La beauté du mort, Politique aujourd'bui. dez. 1970.

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distancia-se do ponto de vista tradicional, que rejeita a místicacomo ligada à mentalidade primitiva ou que a restringe a umatradição marginal das diversas igrejas. Ele a situa, ao contrário,no centro da modernidade, como manifestação tangível e aomesmo tempo inacessível da experiência da modernidade naefetuação da dissociação entre o dizer e o fazer.

As expressões da mística

As expres õ s da mística devem s r e tudadas em sua duplainscrição no corpo do t xto, da linguagem mística como rastrodo que jean-Ios ph urin chamava de "ciência experim ntal",e no próprio orpo alt rado dos místi os. Não basta ref rir-se aocorpo so ial da linguagem. sentido t m por es rita a letra osímbolo do corpo. O mí tico r cebe em s u corpo próprioa lei, o lugar o limit d ua experiência. É no interior m -mo d ss ausente, d ss outro irredutív I dado à reflexão p Iamística, que s defin c m C rt au uma n va antropologia ouhi tória do crer. Como r ssalta Philippe Boutry, es a busca le

ntido leva Cert au a transformar numa história das cr nçaaquilo que se ai r S ntava corno uma história das mentalidades:

Articular o r r, OU desarticulá-lo, é lar à rença o statusde um ato qu stá inteiramente na história, mas tamb rn lhee .capa. É talvez nessa ten ão entre o apreen iuel o ausenteda hi tória, entr esforço de int lígência do pa sacio e ciopresente a irredutibilidad do outro, que resi le a "inspira-ção" d Michel de Certeau hístortador."

Certeau opera o principal deslocamento quando não re-duz, ao contrário de Robert Mandrou, sua exploração à simples

54 Boutry, De l'histoire eles mentalités à l'histoire eles croyances: Ia possessionele Louelun, Le Débat, n.49, p.96.

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A história

consciência judiciária elevada à condição de encarnação darazão e do progresso em marcha. Mostra muito claramentea Mandrou que, embora os rastros principais de que dispõeo historiador sejam os arquivos jurídicos, o silêncio dos arquivosnão é argumento para o historiador e não vale como prova. Opesquisador deve abrir seu caminho e outras vias de acessoem sua análise das formações discursivas por um confrontosi temático entre os diversos saberes e crenças em conflito.Isso implica o que Boutry qualifica como uma espécie de mo-deração da parte do historiador, que deve ao mesmo tempovitar impor ao locurnento sua grad de leitura contemporâneanão se deixar levar pelo fa cínio do arquivo em sua uposta

"v rdad ". O movimento dessa herrnenêutica mato siznificaI:>

res rvar um lugar para o outr e, portanto, no caso de Loudun,pen ar conjuntamente o f itic iro e o magistrado, o médico eo clérigo, a 'sim c mo o político, sem atribuir a este ou àquelsab r a postura d t sternunha privilegiada no qu se refereà verdade.

É p r iss qu, segundo Certeau, o historiador deve re-nunciar a toda posiçao sup rror d monstrar humildad deprincípio, qu ,mesmo prosseguin 10 sua mar ra para a com-pr ensão do outro, sal e que o enigma jamais será completa-m nt r absorvido p 10 qu lhe resiste:

É precisamente isso que o historiador - trata-se afinal. " ,cio nosso lugar - pocle indicar aos analistas literários da cul-tura. Por ofí io, le desentoca es: es últimos cle um .1retensostatus cI puro espectador, mostrando-Ihes por toda parte apresença de mecanismos sociais de escolha, crítí a, repres-são, recor ndo-Ihes que é a violência que sempre funda umsaber. A históri está nisso, ainda qu não seja só isso o lugarprivilegiado em que o olhar se inquieta. Seria inútil, porém,esperar de um questionamento político uma libertação dasculturas, um ímpeto enfim liberto, uma espontaneidade livre,

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como desejavam ambiguamente os primeiro folcloristas.A história das velhas divisões ensina que nenhuma delasé indiferente, que toda organização supõe uma repressão.Só que não é indubitável que essa repressão deva sempreser feita de acordo com uma distribuição social hierárquicadas culturas. O que ela pode ser, cabe à experiência políticanos ensinar, se soubermos lê-Ia, e não é mau lembrá-lo, nomomento em que se colocam as questões prementes de umapolítica e de uma ação culturais."

Lawrence Stone

Pouco depois, em 1979, foi publicado um artigo polêmicodo célebre historiador britânico Lawrence tone, traduzidopara o francês pela revista Le Débat em 1980. EI insiste n ssenecessário "retorno à narrativa" .56 Esse historiador, especialistaem história social da Inglat rra e conh cido sobretudo por eustrabalhos sob r as causas da R volução Inglesa, denuncia a'aporias d s m 'todos estruturais ou cientificistas em suas di-versas variantes: o modelo marxista; o 1110d10que I chamade ecológico-demográj1.co, designan 10com i so o trabalho daescola dos Annales, cuja bas d rnonstrativa r pou a 'obre o es-quema rnalthusiano de adaptação da evoluçã da população aoestado dos recurso; ou o modelo ciiométrico norte-ame ri ano,dominante na década de 1960, que diz respeito à escola con-trafactualista norte-americana, que tentou r escrev r a hi tóriasimulando evoluções possív is a partir da eliminação de umde seus parâmetros. Por exemplo, esses historiadores tentaramanalisar o que teria sido a história norte-americana em as es-tradas de ferro. Stone defende, ao contrário, a necessidade de

55 Certeau; Julia; Revel, op. cit. p.23.56 Stone, Retour au récít ou réflexions sur une nouvelle vieille hístoíre, Le Débat,

n.4, p.1l6-42.

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A história

uma história narrativa, descritiva, que assume o homem comoobjeto primeiro. As três variantes cientificistas fracassaram natentativa de reduzir o real histórico a explicações unícausais, eo interesse dos historiadores desloca-se para o que se passavana cabeça das pessoas de antigamente, o que implica um re-torno à narração: "Aprimeira causa do atual retorno à narrativaé que perdemos muitas ilusões acerca do modelo deterrnínístade explicação histórica" .57

Uma poética do saber histórico

A indeterrninação própria do discurso histórico, em tensãontre as humanidade literária e a ambição científica, confere

uma importância esp cial aos procedimentos pelos quais aescrita da história participa e ao mesmo tempo se subtrai dogênero literário. A organização "folh ada" do discurso historia-dor, qu compr nd as matérias-primas que o fundam, levaà atenção necessária em relação aos próprios procedim ntosnarrativos, às figuras retóricas empregadas. Ela abre para aconstrução d uma I oética do saber. Isso não significa voltaraos hábitos do linguistic turn, que assinalaram o mom ntoestruturalista implicavam considerar a textualidade em suaruptura total com qualquer referente. A demonstração r cente,feita p 10 filósofo ]acques Ranciêr , que convida a história "ase reconciliar com s u n me próprio" ,58 vai no sentido ela cons-trução de uma elisciplina histórica que possa conservar juntassuas três exigências: científica, narrativa e política.

Da m~sma man~.ra que _oshistoriadores das mentalidadesse distanciaram da a uaçao postulada entre categorias so-cioprofissionais e formas e cultura, Rancíere, elo qual um dos

57 lbid., p.123.58 Ranciêre, op. cit., p.208.

135